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1 PROFESSORES EM EXERCÍCIO E A FORMAÇÃO INTERCULTURAL Patrícia Argôlo Rosa (UESC) 1 Marcia Paraquett (UFBA) 2 RESUMO Este trabalho tem por finalidade discutir o tema que está sendo desenvolvido na pesquisa de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura da Universidade Federal da Bahia (UFBA): “A Formação Intercultural de Professores em Exercício do Curso Língua Estrangeira Moderna/Inglês – LEMI, do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – PARFOR, da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC”. No ano de 2010, o Curso LEMI da UESC foi implantado para atender ao PARFOR, que é destinado aos professores em exercício das escolas públicas estaduais e municipais sem formação adequada à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB ( LEI 9.394/96). Levando em consideração o contexto exposto acima, pretende-se, neste trabalho, apresentar algumas inquietações referentes a dois objetos da pesquisa: Professores em Exercício e a Formação Intercultural. Para tal, questiona-se: Quem são esses professores? De onde eles falam? Que conhecimentos eles produzem? Que formação intercultural é concebida? Como, ainda, não existem resultados do estudo em pauta para apresentar, propõe-se, primeiramente, refletir sobre os professores em exercício do LEMI/PARFOR/UESC como sujeitos sociais e históricos, que têm “interesses locais e concretos” (ACHUGAR, 2006), e, em seguida, problematizar a formação intercultural no currículo. 1 Doutoranda em Língua e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador - BA. Professora Assistente de Língua Inglesa da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus, BA. Endereço eletrônico: [email protected]. 2 Orientadora - Professora Adjunto II da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Endereço eletrônico: [email protected].

PROFESSORES EM EXERCÍCIO E A FORMAÇÃO INTERCULTURAL

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Artigo publicado nos Anais do IV Simposio Baiano Das Licenciaturas

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PROFESSORES EM EXERCÍCIO E A FORMAÇÃO INTERCULTURAL

Patrícia Argôlo Rosa (UESC)1

Marcia Paraquett (UFBA)2

RESUMO

Este trabalho tem por finalidade discutir o tema que está sendo desenvolvido na pesquisa de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura da Universidade Federal da Bahia (UFBA): “A Formação Intercultural de Professores em Exercício do Curso Língua Estrangeira Moderna/Inglês – LEMI, do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – PARFOR, da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC”. No ano de 2010, o Curso LEMI da UESC foi implantado para atender ao PARFOR, que é destinado aos professores em exercício das escolas públicas estaduais e municipais sem formação adequada à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (LEI 9.394/96). Levando em consideração o contexto exposto acima, pretende-se, neste trabalho, apresentar algumas inquietações referentes a dois objetos da pesquisa: Professores em Exercício e a Formação Intercultural. Para tal, questiona-se: Quem são esses professores? De onde eles falam? Que conhecimentos eles produzem? Que formação intercultural é concebida? Como, ainda, não existem resultados do estudo em pauta para apresentar, propõe-se, primeiramente, refletir sobre os professores em exercício do LEMI/PARFOR/UESC como sujeitos sociais e históricos, que têm “interesses locais e concretos” (ACHUGAR, 2006), e, em seguida, problematizar a formação intercultural no currículo.

Palavras-chave: Professores em Exercício. Formação Intercultural. PARFOR.

1 INTRODUÇÃO

No ano de 2010, o Curso de Língua Estrangeira Moderna/Inglês – LEMI da

Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC foi implantado para atender ao Plano Nacional

de Formação de Professores da Educação Básica - PARFOR, que é destinado aos professores

em exercício das escolas públicas estaduais e municipais sem formação adequada à Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (LEI 9.394/96).

O referido curso obedece ao sistema de ensino presencial de creditação das

1 Doutoranda em Língua e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador - BA. Professora Assistente de Língua Inglesa da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus, BA. Endereço eletrônico: [email protected] Orientadora - Professora Adjunto II da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Endereço eletrônico: [email protected].

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disciplinas e objetiva, através do trinômio ação-reflexão-ação (FREIRE, 1989), estabelecer

propostas próprias para uma reflexão maior sobre o “ser” professor da área de Língua

Estrangeira (doravante LE).

O Curso LEMI espera formar o estudante-professor não apenas para construção da

sua prática pedagógica, mas para que esse estudante-professor possa relacionar teoria e

prática, e com isto resolver problemas práticos e, nessa atividade, aprofundar e conscientizar o

seu saber, como também auxiliar na utilização da reflexão como forma de ação para que este

aprendiz encontre sentido e significado para o seu trabalho. E, ainda, diz no seu PPP (2009, p.

9) que “[...] quer ‘Formar’ um profissional autônomo, reflexivo, crítico, sensível e

interculturalmente competente para tomar decisões, resolver problemas e conviver com o

outro”.

Compreender a sala de aula como um lugar onde as diferenças se encontram e onde

se estabelecem trocas de diálogos de forma intercultural requer um ensino em que o estudo da

cultura-língua seja um “[...] processo crítico e social de compreender outras culturas em

relação a sua própria cultura” (MOTA, 2010, p. 48). Ao promover este processo, o professor

de LE, estará, consequentemente, permitindo que o seu estudante reflita criticamente sobre o

conhecimento adquirido e busque significados em um mundo onde os encontros

comunicativos socioculturalmente diferentes se tornaram tão comuns.

Sob essa perspectiva, o Conselho da Europa em seu Livro Branco sobre Diálogo

Intercultural: viver juntos em igual dignidade3 (2008, p. 40) declara,

As instituições de formação dos educadores devem criar instrumentos que assegurem a qualidade inspirados na educação para uma cidadania democrática, tendo em conta a dimensão intercultural, e desenvolver indicadores e ferramentas de auto-avaliação e de desenvolvimento pessoal a utilizar nos estabelecimentos educacionais. As instituições de formação dos educadores devem reforçar a educação intercultural e a gestão da diversidade no quadro da formação em exercício.

3 Livro publicado pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros do Conselho da Europa por ocasião da sua 118.a reunião ministerial em Estrasburgo, no dia 7 de Maio de 2008, com o objetivo de promover o diálogo intercultural entre as sociedades européias e entre a Europa e seus vizinhos. No prefácio da versão Portuguesa, o Alto Representante das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, diz que o Livro Branco constitui “um instrumento central de apoio à elaboração das Estratégias Nacionais para o Diálogo Intercultural, que a Aliança solicitou aos países membros para elaborar e adoptar, cobrindo as suas quatro principais áreas de actuação, a saber, a Educação, a Juventude, os Media e as Migrações. A meu ver, as recomendações do Livro Branco orientadas para a governação democrática da diversidade cultural, a cidadania participativa, o ensino e a aprendizagem de competências interculturais, a gestão dos espaços de diálogo intercultural e as relações internacionais cobrem um leque bastante completo de perspectivas que configuram a matriz da boa governação da diversidade cultural, que importará aprofundar e consolidar no futuro. (CONSELHO DA EUROPA, 2008, p. 3-4).

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Nesse cenário, pontuam-se algumas inquietações da pesquisa de Doutorado, em

andamento, do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura, da Universidade Federal da

Bahia (UFBA): O Curso LEMI/PARFOR/UESC e a Formação Intercultural de Professores

em Exercício.

O presente trabalho pretende apresentar as inquietações referentes a dois objetos da

referida pesquisa: Professores em Exercício e a Formação Intercultural. Para tanto se propõe,

primeiro, refletir sobre os professores em exercício do LEMI/PARFOR/UESC como sujeitos

sociais e históricos, que têm “interesses locais e concretos” (ACHUGAR, 2006), e, em

seguida, problematizar a formação intercultural no currículo.

2 OS PROFESSORES EM EXERCÍCIO DO LEMI/PARFOR/UESC COMO

SUJEITOS SOCIAIS E HISTÓRICOS

Antes de iniciar a reflexão faz-se necessário dizer o que se entende por ‘Sujeito

Social e Histórico’. Neste trabalho define-se ‘Sujeito Social e Histórico’ como um ‘ser’ que é

humano; que é social e que possui uma historicidade; que está em uma contínua construção,

transformação; que interage e se integra com os outros numa relação dialética; que se assumi

como sujeito porque é capaz de se reconhecer como objeto (FREIRE, 2002).

Ao entender os professores em exercício do LEMI/PARFOR/UESC como sujeitos

sociais e históricos, percebe-se que no fazer em sala de aula, eles vão pensar e agir de acordo

com suas trajetórias, que fazem parte de um processo sócio-histórico-cultural. Esses

professores vão trazer consigo, os conhecimentos adquiridos como estudantes que

vivenciaram e vivenciam a prática de seus professores e a troca de experiências com colegas

e/ou outros profissionais, que no decorrer de suas trajetórias vão somando novos

conhecimentos. Em outras palavras, esses professores trazem consigo uma história que é

imprescindível para compreendê-los no fazer pedagógico.

Nesse cenário, vislumbra-se o pensamento de Achugar (2006, p. 29) quando fala que

“O sujeito social pensa, ou produz conhecimento, a partir de sua “história local”, ou seja, a

partir do modo que “lê” ou “vive” a “história local”, em virtude de suas obsessões e do

horizonte ideológico em que está situado”.

Essa “história local”, segundo o autor, tem a ver com interesses locais concretos não

universais, e, assim, remetendo para o contexto de formação de professores em exercício,

observa-se que para compreender esses professores/sujeitos sociais e históricos é preciso

entender que a história local de um professor não será a mesma história local de outro

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professor, mesmo que ambos pertençam à mesma comunidade. E, que o posicionamento deles

dentro de uma história local vai depender dos interesses locais concretos (ACHUGAR, 2006,

p. 28-29). Ou seja, o modo como esses professores vivenciam ou lêem a sociedade a qual

participam vai interferir na forma como atuam na sala de aula.

Considerando que esses professores atuam a partir da experiência com o outro,

Freire (2002, p. 19) vai falar que “a assunção de nós mesmos não significa a exclusão do

outro. É a 'outredade' do 'não eu', ou do tu que me faz assumir a radicalidade de meu eu”. 

E quem é o ‘Outro’? Segundo Achugar (2006, p. 32):

O Outro, o Outro canibal ou bárbaro, o Outro objeto de um discurso, o Outro necessário para que o eu se constitua como sujeito, aparece e reaparece na construção das filiações ou, o que é a mesma coisa, da memória, seja individual, coletiva, pública, histórica ou oficial. Situar e filiar o Outro possibilita estabelecer o posicionamento de quem fala, possibilita projetar ou inventar memórias, possibilita construir passados ou apagar histórias.

Reforçando a ideia, Silva (2000, p. 97) diz que “O outro é o outro gênero, o outro é a

cor diferente, o outro é a outra sexualidade, o outro é a outra raça, o outro é a outra

nacionalidade, o outro é o corpo diferente”. O Outro faz o sujeito social e histórico se

reconfigurar todo tempo. Dessa forma, a identidade do professor se constitui na relação com o

outro em sua cotidianidade, demarcando seu posicionamento. Nesse sentido, Hall (2013, p.

479) diz:

Mas é justamente por resultar de formações históricas específicas, de histórias e repertórios culturais de enunciação muito específicos, que ela pode constituir um "posicionamento", ao qual nós podemos chamar provisoriamente de identidade. Isto não é qualquer coisa. Portanto, cada uma dessas histórias de identidade está inscrita nas posições que assumimos e com as quais nos identificamos. Temos que viver esse conjunto de posições de identidade com todas as suas especificidades.

Refletindo sobre esses professores em exercício, analisa-se que eles ao

desempenharem o papel de ‘Professores’ vão revelar um ‘posicionamento’ que Hall (2013)

chama de identidade, que “não é fixa, é sempre híbrida” (p. 479). Com isso, defende-se a ideia

de que é preciso, primeiramente, questionar “quem são esses professores?” e assim revelar

suas histórias, suas identidades, que são reflexos da definição desses sujeitos sociais e

históricos.

Partindo desse exposto, coaduna-se com Hugo Achugar (2010, p. 17-18) quando diz:

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[...] Pois a identidade creio, se constitui, entre seus múltiplos modos e maneiras, em torno de uma situação ou de um posicionamento que um elege ou é posto pelas condições históricas e eleições pessoais. É dizer, um é ou pode ser muitas pessoas segundo como se situa frente ao fato, ao momento, ao interlocutor, ao desafio, à problemática, ao personagem que foi eleito representar ou foi concluído por ser ao cabo dos anos e das decisões voluntárias e involuntárias tomadas em ocasiões distintas.4

Nesse sentido, é importante entender que a identidade não é pronta nem acabada, e

está sempre em processo de transformação.

No contexto de sala de aula, Rajagopalan (2001) chama a atenção para as

negociações e renegociações de identidades, que acontecem pela constante alternância de

posições. São várias as situações que faz com que a pessoa mude constantemente, e com isso

passe de uma a outra identidade continuamente. Corroborando com essa assertiva, Maher

(2007, p. 89) afirma que:

[...] Além de as identidades culturais não serem uniformes ou fixas, o que ocorre na sala de aula não é simples justaposição de culturas. Ao contrário: as identidades culturais nela presentes (tanto de professores, quanto de alunos) esbarram, tropeçam umas nas outras o tempo todo, modificando-se e influenciando-se continuamente, o que torna a escola contemporânea não o lugar de biculturalismos, mas de interculturalidades.

E o que é interculturalidade? O conceito de Interculturalidade é complexo e

abordado por diferentes áreas do conhecimento, como a antropologia, a sociologia, a

psicologia, a linguística, a comunicação, entre outras. São inúmeras as produções científicas

que apresentam, através dos estudos, projetos, reflexões e pesquisas, contribuições e

intervenções para uma perspectiva intercultural, nos mais variados contextos.

Essas discussões se apresentam motivadas por diferentes origens, entre elas, os

processos imigratórios, os processos de reconhecimento de grupos minoritários (índios e afro-

descendentes), a descolonização, a globalização5, a tecnologia digital, os avanços na área da

comunicação, que contribuem para a tomada de consciência, cada vez maior, de questões

sobre a identidade, hegemonia, homogeneidade, diversidade e suas implicações étnicas,

culturais e de relações de poder.

4 Tradução do original: “[...] Pues La identidad creo, se construye, entre sus múltiples modos y maneras, en torno a la situación o el pionamento que uno elije o es puesto por las condiciones históricas y la elecciones personales. És decir, uno ES o puede ser muchas personas según cómo se situa frente al hecho, el momento, el interlocutor, el desafio, la problemática, el personaje que há elegido representar o há terminado por ser el cabo de los años y las voluntarias e involuntárias decisiones tomadas em distintas ocasiones.”5 Globalização é entendida segundo Renato Ortiz (1994, p. 16) quando diz que o termo está, fundamentalmente, relacionado “à economia, à produção, distribuição e consumo de bens e de serviços, organizados a partir de uma estratégia mundial e voltada para um mercado mundial”.

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A Interculturalidade como instrumento de democracia, integração, justiça e

solidariedade; como instrumento de oposição à supremacia de umas culturas sobre as outras;

e como instrumento para manter as diferenças sem subalternizações nem sobreposições e

intolerâncias, tem uma forte relação com a Educação, pois ambas se constituem numa

necessidade e exigência da sociedade atual.

3 A FORMAÇÃO INTERCULTURAL NO CURRÍCULO

Concebendo a interculturalidade como projeto político de intervenção, transformação

e construção da sociedade, os conceitos das pesquisadoras Candau e Walsh são expostos para

problematizar a formação intercultural no currículo.

Candau (2003, p. 19) considera o interculturalismo

Como um enfoque que afeta a educação em todas as suas dimensões, favorecendo uma dinâmica de crítica e autocrítica, valorizando a interação e comunicação recíprocas, entre os diferentes sujeitos e grupos culturais. A interculturalidade orienta processos que têm por base o reconhecimento do direito à diferença e a luta contra todas as formas de discriminação e desigualdade social. Tenta promover relações dialógicas e igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a universos culturais diferentes, trabalhando os conflitos inerentes a esta realidade. Não ignora as relações de poder presentes nas relações sociais e interpessoais. Reconhece e assume os conflitos procurando as estratégias mais adequadas para enfrentá-los.

Walsh (2006, p. 21) conceitua interculturalidade como

Mais do que um simples conceito de inter-relação, a interculturalidade assinala e significa processos de desconstrução de conhecimentos ‘outros’, de uma prática política ‘outra’, de um poder social ‘outro’, e de uma sociedade ‘outra’; formas diferentes de pensar e atuar em relação e contra a modernidade/colonialidade, um paradigma que é pensado através da prática política.6

Observa-se que a interculturalidade para essas duas autoras é entendida sob uma

perspectiva ideológica e uma prática política e crítica.

Walsh (2006) propõe outro paradigma para a interculturalidade, centrado no

pensamento de(s)colonial; na “descolonização” do estado/da sociedade; no pensamento não

baseado/centrado apenas nos legados europeus/ocidentais ou da modernidade.

6 Tradução do original: “Más que un simple concepto de interrelación, la interculturalidad señala y significa procesos de construcción de conocimientos “otros”, de una práctica política “otra”, de un poder social “otro”, y de una sociedad “otra”; formas distintas de pensar y actuar con relación a y en contra de la modernidad/colonialidad, un paradigma que es pensado através de la praxis política.”

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Assim como Walsh (2006) e Candau (2006), Achugar (2006) questiona os

conhecimentos e valores baseados, quase sempre, na cultura ocidental/européia, quando

pergunta:

Será verdade que não há só um discurso pós-colonial e que ele não permanece idêntico a si mesmo ao longo da história e através de línguas e culturas? Poderá ser que o “balbucio teórico” seja o lugar que o atual discurso pós-colonial anglo-saxão reserva para o discurso colonial em outras línguas? (p. 51)

Como o próprio autor coloca “não há uma resposta simples” (p. 51). Esse “balbucio”

pode ser interpretado como discurso de resistência, pode ser determinado pelo sujeito que fala

ou pelo sujeito que escuta, pode ser o discurso teórico latino-americano ou o discurso do não

euro-norte-americano ou, ainda, o discurso não-teórico do Commonwealth (ACHUGAR,

2006).

Refletindo sobre as colocações do autor, questiona-se: será que existe uma fala de

um lado e um “balbucio” do outro? Essa discussão reflete sobre o lugar de onde se fala ou se

balbucia, nas relações de poder que existem e na importância de uma formação intercultural

que oportunize esse debate e consequentemente suscite respostas.

A formação intercultural, assim como a cultura deve ser situada “como um elemento

estrutural da organização da sociedade, o nexo que a torne coesa e que precisa estar no centro

das políticas públicas” (PIZARRO, 2006, p. 101). Essa formação não pode ser deixada de fora

dos currículos.

No âmbito educativo, a formação intercultural, segundo Candau & Russo (2010, p.

167) “não pode ser reduzida a uma mera incorporação de alguns temas no currículo e no

calendário escolar”. Ela, conforme Fleuri (2003), deve ser entendida como um processo onde

os diferentes sujeitos se relacionam de forma tensa e intensa, se conectam com os diferentes

contextos culturais, desenvolvem suas respectivas identidades e a aprendizagem dos contextos

adquirem significados.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao entender que a formação intercultural se constitui como eixo central da educação,

indaga-se, primeiramente, se essa formação está presente nos currículos e, se está, como ela é

concebida. De acordo com Walsh (2009, s/n), ela pode ser “funcional ao sistema dominante e

outra, concebida como projeto político de descolonização, transformação e criação”.

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Candau (2009, p. 4) explica que a interculturalidade funcional “é assumida como

estratégia para favorecer a coesão social, assimilando os grupos sócio-culturais

subalternizados à cultura hegemônica”. A autora coloca que é este enfoque que predomina na

maioria dos países da América Latina que introduziu a interculturalidade nas políticas

públicas.

A segunda indagação se refere a quem se destina a formação intercultural. A

formação intercultural é para uns/umas ou para todos/as? Segundo Candau (2009, p. 5), é

destinado “aos grupos subalternizados, em geral étino-raciais, fundamentalmente indígenas e,

com menor freqüência, afro-americanos. Eles são os “outros”, os “diferentes”, que devem ser

integrados na sociedade nacional, na ótica da interculturalidade funcional.”

De acordo com as pesquisas realizadas pela autora, a formação intercultural para

todos/as ainda não é uma realidade, mediante os seguintes fatores:

[...] a existência de um forte racismo na sociedade, muitas vezes velado e encoberto por um discurso que defende a mestiçagem, nega as diferenças culturais e vê como inadequada toda introdução de aspectos relativos a diferentes grupos sócio-culturais no currículo escolar, afirmando que fragiliza a cultura comum e a coesão social. Segundo vários entrevistados, o pensamento colonial ainda é dominante na sociedade, o que leva a enfatizar e considerar como superior a lógica europeizante e de influência norte-americana, e à pouca valorização das culturas originárias e/ou afro-americanas. Outra causa apontada para a pouca presença da perspectiva intercultural nas escolas foi a ausência do tema nos centros de formação de professores/as. (p. 5)

Analisando esses fatores, compreendem-se as estreitas conexões com as relações de

poder. Teun A. van Dijk (2008, p. 16) atenta para essas relações quando diz que os discursos

são definidos pelos

líderes dos grupos dominantes, ou seja, aqueles que determinam a direção ideológica na política, estabelecem a linha editorial na mídia, desenvolvem o currículo dos livros didáticos e da educação, bem como formulam as prioridades da pesquisa acadêmica ou investigação judicial.

Nesse contexto, faz-se necessário uma política pedagógica e curricular intercultural

que vá além do reconhecimento das diferenças, que debata e questione; que não se limite a um

discurso pedagógico que reproduz o discurso e sistema de dominação hegemônica e racista.

Pois, como Van Dijk (2008, p. 21-22) bem nos fala:

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Mais do que qualquer outro discurso, o discurso pedagógico define a ideologia oficial e dominante, estabelecendo o conhecimento e opinião oficial, sem dar lugar a debate ou controvérsia. É dessa forma que muitas crianças, pela primeira vez, recebem informações sobre os povos de outras partes do mundo, sobre imigração e imigrantes ou sobre negros ou povos indígenas de outra parte da cidade, do país e do continente. Até hoje, essas informações quase sempre são sucintas e, não raramente tendenciosas.

O enfoque na interculturalidade como projeto político de intervenção, transformação

e construção da sociedade precisa ser introduzido nas práticas pedagógicas e nos currículos,

principalmente, nos currículos de formação de professores. Embora, esse enfoque não esteja

muito presente nesses currículos, existe uma crescente produção de artigos, dissertações e

teses abordando questões interculturais na educação. Percebe-se, através de estudos, projetos,

reflexões e pesquisas, que o debate em torno dessa formação intercultural está ganhando, cada

dia mais, espaço nas sociedades latino-americanas. É nesse cenário que se fazem imperativas

intervenções para que as iniciativas políticas dos governos e da comunidade acadêmica, na

proposição de cursos de licenciatura, possam assegurar uma educação intercultural crítica e

que intervenha na transformação e construção da sociedade. E é, ao sugerir essas

intervenções, que o projeto de Doutorado, citado no início desse trabalho, tem sua

justificativa.

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