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Professores Reflexivos

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Professores

Reflexivos

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Artigos e Relatos de Prática

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Professores Reflexivos

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Leides Daiana Freitas Fonseca

Erisvaldo Correia

organizadores

Professores

Reflexivos “artigos e relatos de quem vivencia

a prática educativa”

1ª edição

2012

São Paulo

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Artigos e Relatos de Prática

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© 2012 – Todos os direitos reservados

Obra Organizada por Leides Daiana Freitas Fonseca & Erisvaldo Correia

Projeto Gráfico

Erisvaldo Correia

Revisão

Leides Daiana Freitas Fonseca

Edição

Thiago Porto

Produção

Edições PerSe

“Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida sem o expresso

consentimento por escrito dos organizadores”

Professores Reflexivos

Fonseca, L. D. F.; Correia, E. (Organizadores).

Editora PerSe / São Paulo

1ª Edição

2012

ISBN (obra impressa) 978-85-64280-49-6

eISBN (E-book) 978-85-64280-50-2

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Professores Reflexivos

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APRESENTAÇÃO

Organizado primorosamente pela poetisa e professora Leides

Daiana Freitas Fonseca e pelo poeta e estudante de Filosofia

Erisvaldo Correia, a ideia do livro é inovadora e ousada: reunir

experiências de educadores e abrir diálogo com o público leitor,

fugindo do academicismo corporativo; trazer à superfície a

realidade concreta de sala de aula.

No Brasil as concepções pedagógicas costumam seguir duas

vias, são importadas de fora e incorporadas como se fossem

adequadas a qualquer realidade, ou simplesmente são pensadas por

pseudos especialistas que nunca se aproximaram mais que alguns

quilômetros de distância de uma escola repleta de crianças e

adolescentes.

Os verdadeiros conhecedores das especificidades das escolas

raramente são ouvidos ou consultados por aqueles que estruturam a

legislação e diretrizes educacionais. Os docentes da educação

básica constantemente ficam relegados a mero executores de ordens

que vem de cima para baixo.

Ouvir o que os professores reflexivos têm a dizer é o que

carece a educação brasileira para que possamos, gradualmente,

mudar as mentalidades e, consequentemente, a sociedade. A

melhoria da qualidade na educação oferecida em nossas escolas

depende essencialmente de reestruturações radicais, cujas

características são conhecidas apenas por aqueles que vivenciam a

prática didática diariamente junto aos educandos de carne e osso.

Algumas das temáticas discutidas pelos educadores neste

livro incluem a progressão continuada vislumbrada como promoção

automática, a reprodução das desigualdades entre gêneros pela

escola, a qualificação técnica dos docentes para lidar com o

educando inserido no contexto da inclusão apregoada pela LDB, a

indisciplina como fator dificultador da aprendizagem, o brincar

como facilitador da transmissão dos conteúdos áridos e taxados

pelos alunos como “chatos”, ou ainda um acolhimento adequado e

de qualidade das crianças pelos centros educacionais de educação

infantil.

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Artigos e Relatos de Prática

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Além disto, os professores que transformaram suas

experiências em texto para compartilhar suas angústias,

observações e propostas de soluções às problemáticas educacionais;

também enveredam por assuntos que estão na pauta do dia, tal

como a questão dos gêneros e a informática na prática pedagógica

alfabetizadora, suscitando questões brilhantemente abordadas.

Os autores são professores da educação básica, atuantes nos

mais diversos segmentos, mas todos próximos da realidade de sala

de aula, quer atuantes junto aos alunos como docentes ou parte do

corpo pedagógico administrativo. Demonstram em seus textos

comprometimento com a educação, representando a diversidade

reinante em nosso país.

Eles já leram e estudaram os teóricos clássicos das práticas

pedagógicas. Já assistiram palestras de acadêmicos que pretendiam

apresentar soluções mágicas para os problemas contemporâneos da

educação, participaram de simpósios e congressos e tentaram se

aprimorar através de cursos de extensão e pós-graduação.

Porém, acabaram percebendo que todo este esforço não é

capaz de satisfazer as necessidades do profissional da educação que

está na frente de batalha, diante de pessoas reais, múltiplas em seus

desejos e objetivos. Através de uma liderança segura, uniram

esforços para iniciar um longo e complexo debate, expresso pelos

textos aqui reunidos.

Talvez tenha chegado a hora de inverter a ótica em voga, os

acadêmicos, pesquisadores, políticos e administradores públicos

deveriam ler as reflexões dos professores. Poderiam aprender que a

sala de aula é mais rica do que se imagina, podendo render frutos

capazes de contribuir para construção do progresso do

conhecimento rumo a um futuro melhor para todos.

Que a iniciativa seja seguida por outros, possibilitando um

dialogo continuo entre educadores e leitores através do tempo e

espaço.

Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos

Editor da publicação técnico cientifica "Para entender a história...”

(ISSN: 2179-4111): http://fabiopestanaramos.blospot.com

Doutor em Ciências (História Social) pela USP.

MBA em Gestão de Pessoas.

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Professores Reflexivos

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Bacharel em Filosofia pela FFLCH/USP.

Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Educação da USP.

http://lattes.cnpq.br/4329309661638530

Agraciado com o Prêmio Jabuti e Casa Grande e senzala.

Professor vinculado ao colegiado de Filosofia (graduação e pós-

graduação) e ao colegiado de história (pós-graduação em história e ensino de

história) do Centro Universitário Claretiano (CEUCLAR).

http://www.claretiano.edu.br

Colaborador em cursos de pós-graduação para formação de professores

no INEC (Integração em Educação Continuada)/Universidade Cruzeiro do Sul;

coordenador do curso de especialização em História Moderna e

Contemporânea.

http://inecontinuada.com.br

http://educacaocomplementar.blogspot.com

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Artigos e Relatos de Prática

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Sumário

Apresentação ...................................................................... 5

Prefácio.............................................................................. 11

A questão do gênero: reflexões para a educação infantil . 13

Gênero e Educação: Repensar a construção das relações de

gênero dentro dos muros escolares .............................. 21

Progressão Continuada ou Promoção Automática?

Considerações sobre os alunos que concluem o Ensino

Fundamental I sem estar alfabetizado ......................... 31

O autismo na escola atual ................................................. 35

Relações entre a dificuldade no aprendizado de matemática

com a indisciplina na sala de aula nas escolas ............ 47

Reflexões sobre a Sala de Apoio Pedagógico ................. 51

Informática na prática pedagógica da alfabetização: uma

ferramenta necessária? ................................................. 63

Indisciplina ....................................................................... 76

Repensando o acolhimento das crianças na Educação

Infantil ......................................................................... 81

Educação Infantil: Entre o cuidar e o educar .................. 87

Relato de Prática: Alfabetizando com o projeto

“Bichonário” ................................................................ 93

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Artigos e Relatos de Prática

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Relato de Prática: O trabalho com projeto de empréstimo

de livros ........................................................................ 97

Relato de Prática: A Importância da saúde bucal na

Educação Infantil ....................................................... 101

Relato de Prática: Trabalhando com a Sala de Apoio

Pedagógico ................................................................. 105

Relato de Prática: Como lidar com a indisciplina na sala de

aula ............................................................................. 109

Os Autores: ..................................................................... 113

Posfácio ........................................................................... 117

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Professores Reflexivos

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PREFÁCIO

Na atualidade são muitos os autores que discorrem sobre a

importância da pratica reflexiva no cotidiano escolar.

Em entrevista à Revista Nova Escola, Isabel Alarcão

declarou que Professor Reflexivo “É aquele que pensa no que faz,

que é comprometido com a profissão e se sente autônomo, capaz de tomar decisões e ter opiniões. Ele é, sobretudo, uma pessoa que

atende aos contextos em que trabalha, os interpreta e adapta a

própria atuação a eles. Os contextos educacionais são extremamente complexos e não há um igual a outro. Eu posso ser

obrigado a, numa mesma escola e até numa mesma turma, utilizar práticas diferentes de acordo com o grupo.”

As escolas brasileiras estão cheias de Professores Reflexivos

que fazem de seu cotidiano escolar a verdadeira práxis apregoada

por Alarcão, Perrenoud e pelos autores organizados por Selma

Garrido Pimenta e Evandro Ghedin na obra “Professor Reflexivo

no Brasil: gênese e crítica de um conceito”, entretanto, o que pensa

e como constrói seu pensamento os professores que refletem a

prática de seu trabalho?

Esta obra tem como objetivo trazer a tona as reflexões fruto

de pesquisas de professores da rede pública paulistana. Foram

produzidas para os mais diversos fins, porém que demonstram o

pensamento daqueles que vivenciam a prática pedagógica, atuando

como docente ou como gestor nas diversas Unidades Educacionais

espalhadas pela cidade de São Paulo. Além dos artigos

acrescentamos alguns relatos de prática, pois refletir significa

mudar a prática educativa.

Muito além de um editar um livro nosso objetivo é dar voz e

vez aos milhares de Professores Reflexivos espalhados por esta

imensa cidade, permitir que tenhamos textos para formação e discussão produzidos pelos verdadeiros autores da educação

brasileira, os quais estão dentro das escolas transformando e

melhorando a Educação de nosso país.

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Artigos e Relatos de Prática

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Este projeto nasce com grandes objetivos, porém nasce com

ele grandes parcerias: os autores que acreditaram na proposta, a

editora que comprou e acreditou em nossa idéia e você leitor que se

dispõe a partilhar e construir conhecimento com todos os

educadores que participam desta obra.

Leides Daiana Freitas Fonseca

Referências: ALARCÃO, Isabel, in http://www.firb.br/txts/txts14.htm

ALARCÃO, Isabel: Professores reflexivos em uma escola reflexiva.

São Paulo, Cortez, 2003.

PIMENTA, Selma Garrido, e GHEDIN, Evandro (orgs.): Professor

reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo, Cortez Editora,

2002.

PERRENOUD, Philippe. A Prática Reflexiva no Ofício de Professor:

Profissionalização e razão pedagógicas. Porto Alegre, Artmed Editora, 2002.

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Professores Reflexivos

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A QUESTÃO DO GÊNERO: REFLEXÕES PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

Eleni Carvalho

Sabe-se que desde pequenos, a sociedade já nos determina a

possuir distintamente posturas tidas como femininas e masculinas:

meninos usam roupas em cor azul, soltam pipas e brincam de

carrinho; para as meninas é esperado que sejam delicadas, usem

roupas em tons cor-de-rosa, brinquem de boneca e de casinha. Ou

seja, a sociedade atribui papéis a homens e mulheres que se

fundamentam em valores sócio–culturais; valores estes que

permeiam as relações sociais e invadem o cotidiano escolar.

O papel fundamental da escola é educar e formar cidadãos

para construir uma sociedade mais justa e igualitária para homens e

mulheres. Porém em alguns momentos há choques de valores entre

família e escola: alguns pais não admitem que seus filhos ou filhas

façam determinada atividade, pois irá torná-lo um “menino-

afeminado” ou uma “mulher-macho”, ou ainda, em alguns

momentos as crianças não aceitam em usar determinada cor: “Ah!

Isso é cor de menininha!”.

Desde os primeiros anos de vida as crianças são

influenciadas e orientadas na observação de como se dão às

relações de gênero (seja dentro de seu ambiente familiar, seja fora

deste) e, a desenvolver papéis e habilidades diferenciadas, que irão

influenciar nas suas escolhas e do que possivelmente irá tornar-se

concreto ao longo de sua vida.

A investigação sobre este aspecto propicia um olhar

reflexivo sobre a construção do gênero em especial, nas salas de

Educação Infantil e o papel do professor na formação destas identidades, já que alguns pais podem manifestar o desagrado na

participação de meninos e meninas juntos em determinada

atividade.

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Artigos e Relatos de Prática

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O GÊNERO E SOCIEDADE

A relação de gênero permeia toda a sociedade, sob diversas

nuances, em diversas instâncias sociais. Desde o início dos

movimentos sociais que reivindicaram o voto como direito da

mulher, no século XIX, muito tem sido colocado em discussão a

fim de questionar temas como o trabalho dentro e fora do lar, a

família, a ação política, questionamento e contestação de papéis

sociais e também sexuais, entre outros, tais como os movimentos

feministas em 1960 que se fortaleceu como teoria crítica, o

feminismo.

Ao se refletir sobre a questão do gênero é fundamental ter

em mente que o gênero é marcado, contextualizado e está ligado

intrinsecamente a um processo de construção histórica, cultural,

social e também lingüística, que colabora com a formação das

identidades feminina e masculina. Assim sendo, a análise e reflexão

sobre estas perspectivas de relação podem colaborar para a

construção de uma relação entre homens e mulheres, meninos e

meninas, baseadas na igualdade e respeito. Em suma, o estudo de

gênero é proposto como pretensão de mudança como sugere

LOURO (1997).

A interpretação sobre como se dá o processo de formação

das identidades de gênero devem focalizar inclusive os sistemas

econômicos, políticos e sociais, e as relações de poder, permeiam

cada sociedade, bem como as relações humanas, como analisa

SOUZA (1998) apud SCOTT (1995):

[...] algumas interpretações que buscam explicar como se produzem às identidades de gênero ou mesmo as identidades

sexuais se baseiam em estruturas de interação (a esfera familiar,

por exemplo), ignorando o fato de que as relações de gênero estão conectadas a outros sistemas sociais, econômicos, políticos ou de

poder. (p. 6)

A construção da identidade faz parte de um processo amplo,

não sendo estável, mas sim flexível e plural (SOUZA, 1998, apud

HALL, 1997, p 13), não existindo assim uma identidade prévia, inata. Em outras palavras, os processos de construção da identidade

são estabelecidos ao longo de toda a vida influenciados por classe

social, pela raça, pela etnia, pela religião e também pelo gênero.

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Professores Reflexivos

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LOURO (1997) destaca que a identidade de gênero e a

identidade sexual são também plurais e estão também em constante

transformação, porém não são únicas. O que a autora salienta é que

a identidade de gênero está relacionada à maneira como o indivíduo

se identifica com determinado momento histórico e social (como

ser feminino ou como ser masculino) e, a identidade sexual está

relacionada à maneira como estes indivíduos vivenciam e exploram

seus desejos corporais.

A EDUCAÇÃO DE MENINOS E MENINAS

Ao nascer, o ser humano é diferenciado em função dos seus

aparelhos biológicos em machos ou fêmeas e, assim ambos são

educados através do que a sociedade define ser “próprio do

homem” e “próprio da mulher”. Essa etapa acontece, normalmente,

na primeira instância social a qual a criança tem contato, no caso, a

família; posteriormente, a criança tem contato com outras instâncias

sociais como a escola, instituições religiosas e os meios de

comunicação. Toda a sociedade colabora, então para o desempenho

e a aquisição de características dos papéis sociais femininos e

masculinos, ou seja, estas personalidades são adquiridas ao longo

do processo de socialização, nos diversos contextos sociais e

culturais. Em suma, o feminino e o masculino são adventos do

processo de socialização de uma dada sociedade, não sendo,

portanto inato, imutável e estável.

O processo de socialização por que passam meninos e

meninas concedem então estereótipos que condicionam e

normatizam os comportamentos de um momento sócio-histórico e

cultural.

Sobre a questão do estereótipo estão inseridas questões

amplas como violência, poder e também o preconceito, não só de

gênero, mas também étnico, no caso o sexismo, que inclui a

dicotomia patriarcado-racismo-capitalismo, como menciona

SAFFIOTI (1987).

Quando a criança ingressa na instituição educacional, ela já está marcada por elementos que lhe dizem a maneira de interagir

com o restante da sociedade (MORENO, 1999) e a escola pode

acabar por reforçar e oferecer estes aspectos por meio de gestos,

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Artigos e Relatos de Prática

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posturas, conteúdos, atividades e brincadeiras. Assim sendo, a

escola, ou melhor, a educação não está neutra no processo de

transmissão de idéias e práticas consideradas sexistas. VIANNA

(1997, p. 48) salienta que muitas vezes o preconceito de gênero e

sexista assumem-se de forma dissimulada no processo educativo

“por meio de gestos e posturas que transmitem sistemas de

pensamentos e atitudes sexistas”. Alguns professores e professoras

encontram-se, muitas vezes absortos por idéias e práticas sexistas

que não as percebem, ou então, porque simplesmente concordam

com estas. SOUZA (1998) neste aspecto aponta que as idéias

sexistas muitas vezes não são percebidas pelos professores e

professoras devido à sutileza com que estas formas assumiram na

prática pedagógica cotidiana, sendo então preciso um olhar atento e

crítico para detectar tais formas.

Em vista disso, a educação pode ser um motriz de

transformação social, oferecendo aos alunos e alunas múltiplas

perspectivas, estimulando-os a formas variadas de desenvolvimento

social, de maneira que não se unifique ambos os sexos. Uma

educação igualitária possibilita o desenvolvimento do potencial de

meninos e meninas, oferecendo vários modelos aos alunos, ou seja,

não apenas uma só visão de mundo como nos afirma MORENO

(1999).

É necessário, portanto uma visão crítica, conceituada e

sensível para perceber as idéias neutralizantes e essencialistas que

permeiam o fazer pedagógico, voltando o olhar para a prática

cotidiana em sala de aula e também analisando com criticidade

sobre materiais de subsídio para a orientação e formação do

profissional de educação, bem como a análise com cautela sobre

materiais didáticos e paradidáticos. O investimento na formação e

capacitação dos educadores e educadoras, neste aspecto é

fundamental para que possam assim detectar e questionar valores e

práticas discriminatórias sexistas, de modo que haja a incorporação

de atitudes em seu fazer e prática pedagógica.

A atenção permanente em não reforçar aspectos e atitudes

discriminatórias deve fazer parte de toda a comunidade educativa e em seu cotidiano na instituição de Educação Infantil. Alguns

professores, por exemplo, ao elaborar crachás com os nomes dos

alunos, condicionam a divisão dos sexos através do uso de uma cor

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Professores Reflexivos

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para meninos e outra cor para meninas, é habitual observar a cor

azul e rosa presente nesta divisão; ou ainda, em uma prática comum

na Educação Infantil é escolher os “Ajudantes do Dia”, um menino

e uma menina, que auxiliarão a professora ou professor naquele dia,

a questão é que às vezes a menina colabora com atividades dentro

da sala de aula, como distribuir folhas ou pincéis, por exemplo, ou

seja, atividades que exigem de certa forma delicadeza e

organização; ao menino, no entanto, é solicitada a ajuda fora da sala

de aula, como por exemplo, levar um recado ou buscar uma pasta,

já que os meninos são tidos como mais extrovertidos que as

meninas. O que é salientado aqui é que em alguns procedimentos

que acontecem em sala de aula pode haver a reprodução de

condutas estereotipadas, muitas vezes não percebida pelos

professores e professoras.

Os brinquedos, brincadeiras e o ambiente escolar devem

propiciar a articulação de diversos papéis e recursos, não

selecionando brinquedos para meninos e brinquedos para meninas,

por exemplo. Porém muitas crianças já carregam consigo esta

divisão, sendo necessário ao educador proporcionar situações em

que possa ser discutidas com as crianças essa diferenciação de

brinquedos de meninos e meninas e também as atitudes de cada

sexo: que pode ser abordada por meio da Roda de Conversa, no

momento de se contar uma história, em um jogo, ou uma atividade

como colagem ou desenho, por exemplo.

É fundamental que o professor e professora saibam respeitar

a posição, as idéias e valores que cada família possui, já que muitos

pais não aceitam que meninas brinquem juntas com os meninos, ou

que os meninos entrem na casinha que há no parque da escola, por

exemplo. O fato é que os valores familiares permeiam estruturas

maiores que não cabe à escola transformar, mas, sobretudo, a escola

pode propiciar aos pais uma visão mais ampla das relações acerca

da educação da criança, aproximando-se das famílias e discutindo o

tema de forma sutil, para que não se sintam ofendidos, fazendo-os

perceber que não é durante uma brincadeira que seu filho “irá se

desvirtuar”. Ou seja, há necessidade de aproximar os pais ao trabalho pedagógico, envolvendo-os em atividades e encontros, de

forma que participam reflitam sobre o tema gênero, estereótipo e

preconceito. Todavia, interferir neste tema na esfera familiar é a

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Artigos e Relatos de Prática

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parte mais árdua do trabalho pedagógico, pois a postura sexista está

arraigada no seio familiar, como afirma SAFFIOTI (1989, p. 39):

“pai e mãe, contribuem para a perpetuação do poder masculino e

adulto [...] colaboram grandemente para que cada um observe a

receita de como ser homem ou mulher”.

Os brinquedos na Educação Infantil devem ser analisados

com um olhar mais atento: normalmente oferecem-se às meninas

bonecas e panelinhas, e aos meninos carrinhos ou soldados. Não

que estes brinquedos devam ser retirados das instituições infantis e

nem se sugere aqui que se unifiquem os brinquedos para meninos e

meninas, mas sim é preciso oferecer tipos diferentes de brinquedos

(e o mesmo acontece com as demais atividades), de modo que

potencialize as vivências das crianças na escola, a fim de não

propagar esteriótipos e idéias sexistas. Basta analisar a contradição:

o que é um soldado de guerra ou um herói de um desenho, senão o

estereotipo do gênero masculino.

Aí está à chave da questão: é preciso ampliar e educar o

olhar para que se perceba as oportunidades que são oferecidas (ou

negadas) aos alunos: não basta não oferecer uma atividade em que

haja uma ilustração de uma menina usando saias e brincando de

boneca ou um menino com uma bola de futebol, é necessário

oferecer condições para que os alunos questionem estes tipos de

comportamento. Cabe ao educador e educadora refletir sobre a

qualidade das atividades, brinquedos e brincadeiras que são

oportunizadas a meninos e meninas. Assim sendo, a formação

crítica por parte de toda a comunidade educativa é essencial,

principalmente no momento em que são discutidas as elaborações

de listas de aquisição de brinquedos, planejamento de atividades e,

inclusive a questão da aproximação da família no processo

pedagógico.

A escola sozinha não é capaz de transformar a sociedade,

principalmente no que tange a respeito do gênero e o sexismo, já

que ela está inserida dentro de um contexto social, histórico e

cultural construído ao longo do processo de socialização da espécie

humana. A escola pode optar em contribuir para que a relação de meninos e meninas se paute com base no respeito à diversidade,

seja de gênero, étnica ou religiosa. MORENO (1999) conclui:

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Professores Reflexivos

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Não se pode mudar a sociedade a partir da escola, mas pode-

se lançar alternativas, desenhar novas possibilidades, ensinar a abrir

caminhos e mostrar que nós, os seres humanos, podemos escolher.

(p. 80)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação.

Petrópolis: Vozes, 1997.

MORENO, Montserrat. Como se ensina a ser menina: O

sexismo na escola. São Paulo: Moderna, 1999.

SAFFIOTI, Heleieth I. B. O poder do macho. São Paulo:

Moderna, 1987.

SOUZA, Jane Felipe de. Gênero e sexualidades nas pedagogias culturais: implicações para Educação Infantil.

Disponível em: < www.ced.ufsc.br/~nee0a6/SOUZA.pdf >. Acesso

em 13 de janeiro de 2010.

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Artigos e Relatos de Prática

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