74

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagemlinguagem.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/ciencia-em-curso/... · Simone de Mello de Oliveira, Universidade Federal de

Embed Size (px)

Citation preview

ISSN 2317-0077 (eletrônica)

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem

Universidade do Sul de Santa Catarina

Tubarão – SC

v. 1, n. 1, p. 1-73, jul./dez. 2012

Dados Postais/Mailing Address

Revista Científica Ciência em Curso

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem

Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)

A/C Editores

Av. Pedra Branca, 25 – Cidade Universitária Pedra Branca

CEP: 88.132-000, Palhoça, Santa Catarina, Brasil

[email protected]

Ficha Catalográfica

Revista Científica Ciência em Curso/Universidade do Sul de Santa Catarina. - v. 1, n. 1 (Jul./Dez. 2012) - Palhoça: Ed. Unisul, 2012 -

Semestral

ISSN 2317-0077

1. Ciência - Periódicos. 2. Cultura - Periódicos. 3. Análise do dis-curso-Periódicos. I. Universidade do Sul de Santa Catarina.

CDD 405

Elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul

Reitor

Sebastião Salésio Herdt

Vice-Reitor

Mauri Luiz Heerdt

Chefe de Gabinete

Willian Corrêa Máximo

Secretária Geral da Unisul

Mirian Maria de Medeiros

Pró-Reitor de Ensino, Pesquisa e Extensão

Mauri Luiz Heerdt

Pró-Reitor de Operações e Serviços Acadêmicos

Valter Alves Schmitz Neto

Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional

Luciano Rodrigues Marcelino

Assessor de Promoção e Inteligência Competitiva

Ildo Silva

Assessor Jurídico

Lester Marcantonio Camargo

Diretor do Campus Universitário de Tubarão

Heitor Wensing Júnior

Diretor do Campus Universitário da Grande Florianópolis

Hércules Nunes de Araújo

Diretor do Campus Universitário Unisul Virtual

Fabiano Ceretta

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem

Fábio José Rauen (Coordenador)

Dilma Beatriz Rocha Juliano (Coordenadora Adjunta)

Av. José Acácio Moreira, 787.

CEP: 88704-900 – Tubarão - SC

Fone: 55 48 3621.3000 – Fax: 55 48 3621.3036

www.unisul.br

Equipe Editorial/Editorial Staff

Editores/Editors

Ana Carolina Cernicchiaro

Giovanna Benedetto Flores

Nádia Régia Maffi Neckel

Solange Leda Gallo

Secretária/Secretary

Alexandra Tagata Zatti – Bolsista Capes

Conselho editorial/Editorial board

Aldo Litaiff, Universidade do Sul de Santa Catarina

Alessandra Soares Brandão, Universidade do Sul de Santa Catarina

Amanda Eloina Scherer, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil

Ana Josefina Ferrari, Universidade Federal do Paraná, Brasil

Andréia da Silva Daltoé, Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil

Antonio Carlos Santos, Universidade do Sul de Santa Catarina

Bethania Sampaio Corrêa Mariani, Universidade Federal Fluminense, Brasil

Carla Barbosa Moreira, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

Carla Süssenbach, Universidade do Contestado, Brasil

Carme Regina Schons, Universidade de Passo Fundo, Brasil

Cármen Lucia Hernandes Agustini, Universidade Federal de Uberlândia, Brasil

Carolina de Paula Machado, Universidade Federal de São Carlos, Brasil

Carolina María R. Zuccolillo, Universidade Estadual de Campinas, Brasil, Brasil

Carolina Padilha Fedatto, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil, Brasil

Cláudia Maria Vasconcelos N. de Souza, Fundação Educandário Santarritense, Brasil

Claudia Regina Castellanos Pfeiffer, Universidade Estadual de Campinas, Brasil

Cristiane Dias, Universidade Estadual de Campinas, Brasil

Dantielli Assumpção Garcia, União das Faculdades dos Grandes Lagos, Brasil

Débora Raquel Hettwer Massmann, Universidade do Vale do Sapucaí, Brasil

Deisi Scunderlick Eloy de Farias, Universidade do Sul de Santa Catarina

Dilma Beatriz Rocha Juliano, Universidade do Sul de Santa Catarina

Ercília Ana Cazarin, Universidade Católica de Pelotas, Brasil

Fábio José Rauen, Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil

Fernando Vugman, Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil

Gilmar Luis Mazurkievicz, Universidade do Contestado, Brasil

Heloisa Juncklaus Preis Moraes, Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil

Ismara Eliane Vidal de Souza Tasso, Universidade Estadual de Maringá, Brasil, Brasil

Jussara Bittencourt de Sá, Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil

Luiz Carlos Martins de Souza, Universidade Federal do Amazonas, Brasil

Maria Marta Furlanetto, Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil

Maurício Eugênio Maliska, Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil

Mónica Graciela Zoppi Fontana, Universidade Estadual de Campinas, Brasil, Brasil

Nadja de Carvalho Lamas, Universidade da Região de Joinville – Univille, Brasil

Ramayana Lira de Sousa, Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil

Sandro Braga, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

Silmara Cristina Dela-Silva, Universidade Federal Fluminense, Brasil

Simone de Mello de Oliveira, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil

Suzy Lagazzi, Universidade Estadual de Campinas, Brasil

Telma Domingues da Silva, Universidade do Vale do Sapucaí, Brasil

Equipe Técnica/Technical Team

Adilson Costa Jr. (Auxiliar de Secretaria)

Alexandra Tagata Zatti (Revisão)

Regina Aparecida Milléo de Paula (Tradução e Revisão)

Walterson de Faria (Tradução)

Fábio José Rauen (Diagramação)

Pág

ina7

SUMÁRIO/CONTENTS

Apresentação/Presentation 9

Artigos de Pesquisa/Research Articles

Ciência em Curso & Feito a Mão

Ciência em Curso and Feito a Mão

Solange Leda Gallo 11

A ciência enquanto processo: um caso de divulgação

Science as a process: a case of dissemination

Giovanna Benedetto Flores

Marci Fileti Martins

Solange Maria Leda Gallo

Silvânia Siebert 17

O discurso artístico na constituição dos materiais de divulgação de ciência:

a revista Ciência em Curso

The artistic discourse in the constitution of the scientific materials dissemination:

Ciência em Curso Journal

Maria Augusta V. Nunes

Marci Fileti Martins 27

O discurso da ciência na contemporaneidade: heterogeneidade e descontinuidade

The discourse of science in the contemporary: heterogeneity and discontinuity

Marci Fileti Martins

Marcelo Santos Silva 37

Entre a ciência e a mídia: um olhar de assessoria de imprensa

Between science and media: a look from the press office

Giovanna Benedetto Flores 43

Pág

ina8

O que pode e deve ser dito sobre ciência no discurso da divulgação científica:

nós precisamos da incerteza, é o único modo de continuar

What can and should be said about science in the discourse of science communi-

cation: we need uncertainty, is the only way to keep going

Marci Fileti Martins 49

A divulgação científica da Revista Laboratório Ciência em Curso

Scientific dissemination in Ciência em Curso Laboratory Journal

Giovanna Benedetto Flores

Marci Fileti Martins

Solange Maria Leda Gallo

Silvânia Siebert 59

A revista Ciência em Curso e a divulgação científica do patrimônio

Ciência em Curso Journal and the scientific dissemination of the patrimony

Giovanna Benedetto Flores

Antônio Carlos Cândido Lopes

Roger Maurício Caetano 65

GALLO, S. et al. Apresentação. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 9, jul./dez. 2012.

Pág

ina9

APRESENTAÇÃO/PRESENTATION

A Revista Científica Ciência em Curso pretende congregar trabalhos que discutam

a imbricação do Discurso, da Cultura e Mídias em diferentes perspectivas.

A presente edição tem como objetivo refletir, por meio do dispositivo da análise

do discurso, a respeito dos processos de formulação e circulação do conhecimento nas

áreas envolvidas, reunindo um grupo multidisciplinar de autores que desenvolvem pes-

quisas na área da cultura e das mídias.

A Unisul, por meio do Programa Pós Graduação em Ciências da Linguagem

(PPGCL), tem desenvolvido pesquisas integradas e interinstitucionais tanto em Análise

do Discurso, quanto na área Cultural, das Mídias e das Redes de informação.

Este número especial é composto de trabalhos que fazem parte de uma coletânea

da memória das publicações de pesquisadores vinculados à Revista Laboratório Ciência

em Curso. A Revista Laboratório Ciência em Curso é desenvolvida pelo Grupo de Pes-

quisa Produção e Divulgação do Conhecimento criado em 2003 e formado por pesqui-

sadores do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem e dos cursos de

Comunicação Social (Jornalismo e Publicidade e Propaganda) e Cinema e Realização

Audiovisual, da Unisul. Tais trabalhos buscam explorar o aspecto político envolvido

nos processos de divulgação e circulação do conhecimento, além de despertar para o

fato de que os sentidos da ciência e da cultura permeiam vários discursos como o peda-

gógico, o jornalístico, o jurídico, o político, o publicitário, o artístico, entre outros.

As pesquisas sobre as mídias contemporâneas e de diferentes épocas em seus pro-

cessos de constituição de textos e discursos em múltiplas materialidades (verbal, visual,

sonora, gestual, etc.) contribuem para aprofundar o conhecimento interdisciplinar.

Assim sendo, a temática da Revista Científica Ciência em Curso procura tratar a

mídia em seu processo de transformação nos processos de comunicação.

Tal percurso permite a compreensão dos processos, do lugar, da memória, da pro-

dução de sentido e da singularidade histórica de produções da cultura mundializada em

diferentes discursividades intensificando a interlocução entre pesquisadores.

Os Editores

GALLO, S. M. L. Ciência em Curso & Feito a Mão. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 11-16, jul./dez. 2012.

Pág

ina1

1

CIÊNCIA EM CURSO & FEITO A MÃO1

Solange Maria Leda Gallo2

Resumo: O trabalho reflete sobre a formulação e circulação do conhecimento científica na

contemporaneidade, discutindo especificamente o que é denominado divulgação científica.

Para isso, propõe-se uma discussão a partir da análise da Revista Laboratório Ciência em

Curso que é ao mesmo tempo um espaço de reflexão e uma proposta de divulgação de ci-

ência. A proposta da Revista é divulgar a ciência por meio de uma multiplicidade de meios

como áudio, vídeo, texto, ou seja, materiais diversificados que possibilitam significar a ci-

ência de modo não linearizado. Por outro lado, procuramos divulgar o conhecimento não

científico, dentro do Caderno intitulado Feito a mão. Nesse âmbito, buscamos mostrar que

a cultura regional detém uma forma de conhecimento capaz de produzir riquezas, tanto

quanto a ciência.

Palavras-chave: Análise do Discurso. Divulgação científica. Revista Laboratório Ciência

em Curso. Caderno Feito a Mão.

INTRODUÇÃO

O grupo de pesquisa “Produção e Divulgação do Conhecimento” (registrado no

CNPq há quase 10 anos), envolvido no presente projeto sobre patrimônio cultural, atua

no PPGCL (Programa de Pós-Graduação – Mestrado e Doutorado – da Unisul) dentro

da linha de pesquisa: Texto e Discurso.

Os objetivos do grupo envolvem uma discussão sobre a produção do conhecimen-

to científico na contemporaneidade, ressaltando os modos como esse conhecimento cir-

cula, é divulgado. De tal modo, temos interesse em analisar corpora de textos que se

inscrevem no discurso da ciência e da divulgação/circulação científica. Nossa aborda-

gem tem incidido, atualmente, em quatro eixos de reflexão: 1. questões de autoria; 2. a

ciência: processos e produtos; 3. o discurso científico na contemporaneidade: heteroge-

neidade e descontinuidade e 4. Cultura e tecnologias (MARTINS et al, 2008).

O desenvolvimento da ciência, contemporaneamente, não é mais de interesse ex-

clusivo da comunidade científica. A ciência ganha novos sentidos ao sair dos seus luga-

res de produção e circulação tradicionais (as instituições acadêmicas com seus papers e

congressos, por exemplo) para se constituir em outro espaço social e histórico em que é

ressignificada através de materiais midiáticos (revistas e programas de TV) denomina-

dos materiais de “divulgação” científica. Pensar, portanto, sobre as condições de produ-

ção e circulação do conhecimento científico numa sociedade como a nossa, implica re-

fletir sobre a relação entre ciência e as instituições (Estado, escola e mídia), em que o

estado e a escola passam a dividir com a mídia o papel de produtores do conhecimento

científico. De fato, ao lado dos produtores “originais” do conhecimento científico está a

1 Texto publicado em MILANI, M. L.; NECKEL, Nádia. (Orgs.). Cultura: faces do desenvolvimento.

Blumenau: Nova Letra, 2010, pp. 133-140. 2 Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Unisul. E-mail: solan-

[email protected]

GALLO, S. M. L. Ciência em Curso & Feito a Mão. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 11-16, jul./dez. 2012.

Pág

ina1

2

mídia que, assumindo a função de divulgadora do conhecimento, “atravessa os lugares e

as posições, arrastada por fluxos discursivos que se entrelaçam e se cruzam e que os

produtores do conhecimento do saber original não mais controlam” (MOIRAND, 2000,

p. 22).

A divulgação científica, notadamente, o jornalismo científico tem, imaginaria-

mente, como função colocar em linguagem acessível os fatos/pesquisas científicas, os

quais são herméticos e incompreensíveis para os sujeitos não especialistas. Nesse funci-

onamento, a ciência é ressignificada a partir da sua “publicização”, ou seja, a ciência é

“retirada” do seu meio de circulação tradicional e levada a ocupar um lugar no “cotidia-

no” do grande público. O efeito de sentido que aí se estabelece é o que se pode chamar

de “efeito de informação científica” (ORLANDI, 2001), em que o “conhecimento” cien-

tífico passa a “informação” científica, ou seja:

[...] quando se busca, através do uso de certa terminologia, por em contato sem substituir o

discurso do “senso-comum” e o da ciência. Por meio de vários procedimentos o termo cien-

tífico é apresentado ao lado de descrições, sinônimos, perífrases, equivalentes, etc., deixan-

do à vista o processo pelo qual o discurso científico se apresenta como uma retomada (OR-

LANDI, 2001, p. 27).

Nesse contexto, a Revista Laboratório Ciência em Curso3 é um espaço em que se

busca tanto compreender e refletir sobre os procedimentos envolvidos no trabalho de

divulgação científica, quanto apresentar uma proposta para divulgar a ciência através de

um site em que a multiplicidade de meios como áudio, vídeo, fotografia e texto possibi-

litam uma interação do sujeito internauta com os sentidos da ciência de modo não linea-

rizado. Tem como objetivo experimentar novas formas de divulgação e o faz através de

uma reflexão sobre algumas teorias envolvendo a formulação e circulação do conheci-

mento científico, especificamente aquelas que compreendem as formas de linguagem

como discurso, ou seja, como espaço de construção do sujeito e do sentido que se cons-

tituem na relação com a linguagem, história e ideologia.

Dessa perspectiva, o jornalismo, a ciência e a própria divulgação são considerados

discursos e são constituídos, cada um deles, por suas condições de produção (históricas,

políticas, ideológicas) e por seus sujeitos. Considera-se, portanto, o cientis-

ta/especialista, o não especialista (sujeito leitor dos materiais de divulgação de ciência)

e o próprio divulgador sujeitos que ocupam uma posição necessariamente determinada

por um contexto histórico e social, ou seja, constituídos por e num discurso: o que deve

ser decisivo nas práticas de divulgação de ciência não é somente o tipo de meio utiliza-

do (a videoconferência, a internet, a televisão, as mídias impressas, etc.), mas a concep-

ção de linguagem que permeia o processo. [...] o leitor não interage com o texto, mas

com outro sujeito [...] nas relações sociais, históricas, ainda que mediadas por objetos

(como o texto). Ficar na objetividade do texto, no entanto, é fixar-se na mediação, abso-

lutizando-a, perdendo a historicidade dele, logo sua significância (ORLANDI, 2001).

De tal modo, a Revista busca problematizar a forma de divulgação de ciência feita

pela mídia de massa, já que o que se vê, hoje, nos materiais de divulgação de ciência, é

3 Disponível em: http://www.cienciaemcurso.unisul.br/interna_projeto.php?id_projeto=29

GALLO, S. M. L. Ciência em Curso & Feito a Mão. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 11-16, jul./dez. 2012.

Pág

ina1

3

uma tendência a fazer prevalecer os conhecimentos da própria mídia sobre ciência. Isto

se deve ao fato do discurso de divulgação de ciência, segundo Orlandi (2001), produzir

efeitos de sentidos que lhes são próprios ao se constituir pelo duplo movimento de in-

terpretação: o divulgador lê em um discurso e diz no outro, isto é, “ele toma um discur-

so constituído numa relação com uma ordem e formula em outra ordem” (ORLANDI,

2001, p. 24). Para a autora, o discurso de divulgação é uma certa “versão” do texto cien-

tífico, pois parte de um texto que é da ordem do discurso científico e busca manter pela

textualização jornalística, através de uma certa organização textual, um efeito-ciência.

Assim, enquanto a formulação do discurso científico é garantida pela sua metalingua-

gem específica, significando na direção da ciência, o discurso de divulgação é constituí-

do por essa metalinguagem deslocada para uma terminologia. Contudo, quando a meta-

linguagem constitutiva do discurso da ciência é substituída pela terminologia que dá

“ancoragem” científica ao discurso de divulgação, o que se observa, segundo Orlandi

(2001, p. 28) é uma exacerbação no uso dessa terminologia a fim de garantir uma fun-

ção legitimadora para o discurso de divulgação. De tal modo, perde-se aí justamente o

que seria constitutivo do discurso da ciência: sua “objetividade”, ou o que ele “constrói

pela objetividade real contraditória de sua metalinguagem”.

Acrescente-se a isso, que a ciência, na maioria dos materiais de divulgação produ-

zidos pela mídia de massa, é mostrada noticiosamente, o que traz como consequência

um apagamento do processo científico. De fato, ao mostrar a ciência enquanto “furo de

reportagem”, destacando, por exemplo, somente o momento da descoberta de uma vaci-

na (produto), o jornalista apaga todo o percurso pelo qual passou o cientista e sua pes-

quisa (processo) até chegar ao momento da “descoberta”. Além disso, a mídia reproduz

reafirma o lugar da ciência como produtora de sentidos absolutos e inequívocos.

ALGUNS FUNDAMENTOS

Texto do artigo. Entender a linguagem na sua relação com a história é aceitar que

todo acontecimento de linguagem organiza-se a partir de relações de poder e não está

ligada a uma cronologia, mas à organização das práticas sociais. Já a ideologia, que é

elemento determinante do sentido e está presente em todo discurso, não deve ser enten-

dida como visão de mundo ou como ocultamento da realidade, mas como propõe Or-

landi (1999) como mecanismo estruturante do processo de significação. Assim, ideolo-

gia, pensada nos termos de Pêcheux (1988), na sua releitura de Althusser (1970), se

constitui produzindo uma relação imaginária dos sujeitos com suas condições reais de

existência, ou seja, o processo que determina as posições dos sujeitos (jornalista, cien-

tista/pesquisador, internauta) construídas ao longo da história e através de relações de

poder (políticas) é, na maioria das vezes, apagado, o que faz com que os sentidos sobre

ciência que são aí produzidos se tornem naturalizados e óbvios. Além disso, essas posi-

ções “óbvias” para os sujeitos já estão prontas para serem assumidas, assim, o sujeito ao

ser interpelado pelo discurso jornalístico ou científico vai produzir sentidos sobre ciên-

cia a partir desses lugares já prontos e óbvios.

No caso do discurso jornalístico, os sentidos naturalizados de objetividade e im-

parcialidade são produzidos, segundo Mariane (1998 apud GALLO et al 2008, p. 123),

GALLO, S. M. L. Ciência em Curso & Feito a Mão. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 11-16, jul./dez. 2012.

Pág

ina1

4

através da manipulação da língua que, enquanto código “sem falhas”, é o instrumento

capaz de referencializar a realidade dos fatos construindo assim “o mito da informação

jornalística com base noutro mito: o da comunicação linguística”. Este imaginário cons-

trói para o discurso jornalístico um efeito de sentido de neutralidade e imparcialidade

através do qual os acontecimentos são relatados para um leitor (o grande público) que,

por ser considerado uma “tábula rasa,” precisa receber a informação de forma “clara e

objetiva”. O jornalismo, então, ao tratar de ciência o faz através do pré-construído do

discurso da própria mídia e não do da ciência.

O resultado é um simulacro de ciência exposto ao “público leigo”, simulacro este

que surge como efeito da não explicitação das condições de produção (históricas e ideo-

lógicas) da pesquisa científica. Para o sujeito leitor dos materiais jornalísticos, então, a

ciência se produz de forma descontextualizada. Esse efeito se produz, segundo Gallo

(2003), justamente porque a contextualização, quando existe, é resultante de outros tex-

tos sobre o mesmo tema publicados anteriormente pela própria mídia e não pelo conhe-

cimento da história da ciência e da pesquisa em questão (GALLO et al, 2008, p.123).

Por seu turno, o discurso científico se constitui como um “discurso de verdade”, já

que por seus objetivos e de seus métodos considerados ou pela via da razão (ciência

cartesiana) ou pela da demonstração (ciência positivista), a ciência é sempre regulada

pela busca da “verdade e, àqueles que a manipulam ou mesmo dela se beneficiam, assis-

te o dever de interpretá-la como tal” (LAVILLE; DIONNE, 1999). Contudo, para

Pêcheux (1988), não é o homem que produz os conhecimentos científicos, mas os ho-

mens em sociedade e na história, ou seja, é a atividade humana social e histórica. Con-

sequentemente, a produção histórica de um conhecimento científico dado seria o efeito

de um processo histórico determinado por certas condições materiais (econômicas; polí-

ticas). A neutralidade do discurso científico, assim como sua legitimidade enquanto

discurso da verdade é, portanto, resultado de um modo de funcionamento de certas rela-

ções produção.

O jornalismo científico enquanto forma discursiva, que se estabelece na relação

entre o discurso do jornalismo e o da ciência, traz na sua constituição esses sentidos

imaginários resultantes dessas posições já construídas para a ciência e para o jornalis-

mo. O trabalho da Revista Laboratório Ciência em Curso, no exercício de levar a ciên-

cia para um leitor que não é um especialista, evidencia a complexidade desse processo.

É preciso construir uma posição para o divulgador de ciência que permita produzir um

texto de divulgação que não seja nem tão hermético, representando uma outra versão de

um artigo científico e nem tão didático e noticioso como um texto jornalístico produzido

pela mídia de massa. Para isso, é necessário investir no processo tanto do fazer científi-

co quanto do da divulgação buscando compreender esses discursos e suas reais condi-

ções de produção, através do resgate da sua historicidade.

GALLO, S. M. L. Ciência em Curso & Feito a Mão. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 11-16, jul./dez. 2012.

Pág

ina1

5

FEITO A MÃO

No âmbito da Revista Laboratório Ciência em Curso, iniciamos uma nova pesqui-

sa de processos de produção de conhecimento, vinculados a tradições regionais. Nosso

objetivo com este novo Caderno é divulgar processos de produção de bens e riquezas

que são resultantes do trabalho de gerações de catarinenses (imigrantes ou não) que vem

resistindo a uma economia globalizada e homogeneizadora.

Assim, a partir dos produtos gerados pela ciência e divulgados na Revista Labora-

tório Ciência em Curso, temos o mesmo tema ou temas análogos sendo divulgados no

Caderno Feito a mão, mostrando, com isso, que o conhecimento científico faz sentido

para a população, quando ele responde não só à demanda econômica, mas, principal-

mente, às características culturais do entorno. Um exemplo é o vídeo feito com o senhor

Valício, produtor de ostras no Ribeirão da Ilha, região sul da ilha de Florianópolis. Esse

produtor compra as “sementes” de ostras produzidas nos laboratórios da Universidade

Federal de Santa Catarina, conforme mostra a matéria da Revista Laboratório Ciência

em Curso intitulada “Maricultura em Santa Catarina”4.

O senhor Valício, como ele próprio explicita na sua fala, teve a assessoria da uni-

versidade para iniciar seu trabalho, mas hoje já se desenvolvem autonomamente: “ago-

ra, aqui, nós somos professores”5.

Esse é um exemplo de um projeto de pesquisa bem sucedido, na medida em que

ele tem uma aplicabilidade e uma relação de continuidade com a cultura local. Infeliz-

mente, nem sempre essa relação produtiva se dá.

Nosso desafio mais imediato é tornar o Caderno Feito a Mão um local de divul-

gação não só de materiais produzidos pela equipe da Unisul, mas também oferecer-se

como local de postagem de materiais vindos dos leitores e que enriqueçam a discussão

dos temas.

Fonte: Revista Laboratório Ciência em Curso

4 Disponível em: http://www.cienciaemcurso.unisul.br/interna_projeto.php?id_projeto=29

5 Disponível em: http://www.cienciaemcurso.unisul.br/interna_capitulo.php?id_capitulo=110

GALLO, S. M. L. Ciência em Curso & Feito a Mão. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 11-16, jul./dez. 2012.

Pág

ina1

6

REFERÊNCIAS

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado. 3. ed. São Paulo: Presença, 1970.

GALLO, Solange L. Educação à distância em uma perspectiva discursiva. Revista ANPOLL, v. 31. Porto

Alegre: UFRGS, 2002.

GUIMARAES, Eduardo (org.). Produção e Circulação do Conhecimento. v.1 e 2. Campinas: Pontes,

CNPq/ Pronex e Núcleo de Jornalismo Científico, 2001/2003.

MAFFESOLI, Michel. Contemplação do mundo. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1995.

MARTINS, Marci Fileti. Divulgação científica e a heterogeneidade discursiva: análise de “Uma breve

história do tempo” de Stephen Hawking. Linguagem em (Dis)curso, v. 6, n. 2, Tubarão, 2006.

______; GALLO, Solange L.; MORELLO, Rosangela. Linguagens, Ciências e Tecnologias na Formula-

ção do Conhecimento. In: Sandro Braga, Maria Ester Wollstein Moritz, Mariléia Reis e Fábio Rauen

(org). Ciência da Linguagem: avaliando o percurso, abrindo caminhos. Blumenau: Nova Letra, 2008.

______. O que pode e deve ser dito no discurso de divulgação de ciência: nós precisamos da incerteza, é o

único modo de continuar. In: III SEAD. Porto Alegre: Editora Clara Luz, 2007.

MARIANI, Bethânia. O PCB e a Imprensa: O comunismo imaginário, práticas discursivas da imprensa

sobre o PCB (1922-1989). Campinas: Editora da Unicamp, 1998.

MOIRAND, Sophie. Formas discursivas da divisão de saberes na mídia. Revista Rua. n. 6. Campinas:

Nudecri - Unicamp, 2000.

NUNES, Maria Augusta V.; MARTINS, Marci Fileti. O discurso artístico na constituição dos materiais

de divulgação de ciência. Linguasagem – Revista Eletrônica de Popularização Científica em Ciências da

Linguagem, v. 3, p. 1-6, 2008.

ORLANDI, Eni. Análise do discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 1999.

______. Discurso e Leitura. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993.

______. Divulgação científica e efeito leitor: uma política social e urbana. In: Eduardo Guimarães (org.).

Produção e circulação do conhecimento. v. 1. Campinas: Pontes; CNPq/ Pronex e Núcleo de Jornalismo

Científico, 2001.

______. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 3.ed. Campinas: Pontes, 2001.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Orlandi. Campi-

nas: Editora da Unicamp, 1988.

RUBINATIO, Alfredo. Notas para uma Definição de Cinema Revolucionário. Disponível em:

<www.geocities.com/contracampo/notasparaumadefinicao.html>. Acesso em: 2 de março de 2009.

Abstract: The paper reflects on the formulation and circulation of scientific knowledge in

contemporary discussing specifically what is called popular science. For this, we propose a

discussion based on the analysis in the Science Laboratory Course Magazine that is both a

space for reflection and a proposal for disclosure of science. The proposal of the magazine

is to promote science through a variety of media such as audio, video, text, or materials

that enable diverse science mean in a non-linear way. On the other hand, it doesn’t seek to

disseminate scientific knowledge, within the notebook titled Made by Hand. In this context,

we search to show that the regional culture has a form of knowledge capable of producing

wealth, as much as science.

Keywords: Discourse Analysis, Scientific. Science Laboratory Course Magazine. Notebook.

Made by Hand.

FLORES, G. B.; MARTINS, M. F.; GALLO, S. M. L; SIEBERT, S. A ciência enquanto processo: um caso de divulgação. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 17-26, jul./dez. 2012.

Pág

ina1

7

A CIÊNCIA ENQUANTO PROCESSO:

UM CASO DE DIVULGAÇÃO1

Giovanna Benedeto Flores2

Marci Fileti Martins3

Solange Maria Leda Gallo4

Silvânia Siebert5

Resumo: O trabalho reflete sobre a produção do conhecimento científico na contempora-

neidade discutindo especificamente os modos como esse conhecimento circula e como é

divulgado. Estamos interessados no que se denomina divulgação científica, espaço social

com forte injunção da mídia, em que, segundo alguns autores, o conhecimento científico

“sai” de seu lugar “originário” e vai produzir sentidos no cotidiano dos não especialistas.

Para isso, trazemos para a discussão a proposta de divulgação da Revista Laboratório

Ciência em Curso. A proposta da Revista é divulgar a ciência através de um site, em que a

multiplicidade de meios como áudio, vídeo, texto, links possibilitem significar a ciência de

modo não linearizado. Além disso, buscamos problematizar a forma de divulgação de ciên-

cia feita pelo jornalismo científico, já que o que se vê, hoje, nos materiais de divulgação de

ciência, é uma tendência a fazer prevalecer os conhecimentos da própria mídia sobre ciên-

cia.

Palavras-chave: Análise do Discurso; divulgação científica; Revista Laboratório Ciência

em Curso.

INTRODUÇÃO

A Revista Laboratório Ciência em Curso6 é o espaço em que buscamos compre-

ender e refletir sobre os procedimentos envolvidos no trabalho de divulgação científica.

A proposta da Revista-laboratório é divulgar a ciência através de um site em que a mul-

tiplicidade de meios como áudio, vídeo, texto, links possibilitem uma interação do inter-

locutor com os sentidos da ciência de modo não linearizado.

Além disso, busca problematizar a forma de divulgação de ciência feita pela mídia

de massa, já que o que se vê, hoje, nos materiais de divulgação de ciência, é uma ten-

dência a fazer prevalecer os conhecimentos da própria mídia sobre ciência. A ciência,

na maioria dessas matérias, é mostrada noticiosamente, o que traz como consequência

um apagamento do processo científico. De fato, ao mostrar a ciência como notícia, des-

1 Trabalho apresentado no IV Congresso Internacional de Comunicação, Cultura e Mídia – COMCULT

de 12 a 15 de novembro de 2008 no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. 2 Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Unisul.

E-mail: [email protected]. 3 Docente da Fundação Universidade Federal de Rondônia, Guajará-Mirim, RO, Brasil.

E-mail: [email protected]. 4 Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Unisul.

E-mail: [email protected]. 5 Docente do Curso de Comunicação Social da Unisul. E-mail: [email protected]. 6 Disponível em: http://aplicacoes.unisul.br/cienciaemcurso/revista/index.html.

FLORES, G. B.; MARTINS, M. F.; GALLO, S. M. L; SIEBERT, S. A ciência enquanto processo: um caso de divulgação. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 17-26, jul./dez. 2012.

Pág

ina1

8

tacando, por exemplo, somente o momento da descoberta de uma vacina enquanto “furo

de reportagem” (produto), o jornalista apaga todo o percurso pelo qual passou o cientis-

ta e sua pesquisa (processo), até chegar ao momento da “descoberta” da vacina. Além

disso, a mídia reproduz certos sentidos sobre ciência que reafirmam o seu lugar como

produtora de sentidos absolutos e inequívocos.

Dessa perspectiva, então, estamos propondo uma revista de divulgação de ciência

que tem como objetivo experimentar novas formas de divulgação. E o fazemos a partir

da perspectiva teórica e metodológica da Análise do Discurso (PÊCHEUX, 1969, 1975;

ORLANDI, 1999, 2003) em que compreendemos as formas de linguagem enquanto

discurso, ou seja, como espaço de constituição do sujeito e do sentido, espaço este que

se constitui na relação entre linguagem, história, política e ideologia. Dessa perspectiva,

o jornalismo, a ciência e a própria divulgação são considerados discursos e são constitu-

ídos, cada um deles, por suas condições de produção (históricas e político-ideológicas) e

por seus sujeitos.

Destacamos ainda, que, como a posição do sujeito que faz a divulgação, neste ca-

so, não está inscrita no discurso jornalístico predominantemente, mas sim, no discurso

acadêmico-científico, o foco recai muito mais no modo de fazer pesquisa, cuja divulga-

ção tem fins educativos, do que nos produtos das pesquisas. Por outro lado, o trabalho

de divulgação, neste caso, é ele próprio uma pesquisa que vai se desenvolvendo de for-

ma processual. Assim, pretendemos dos dois lados, tanto no Discurso Científico “de

origem”, quanto no Discurso de Divulgação, dar ênfase no processo e não no produto.

ALGUNS FUNDAMENTOS

Entender a linguagem na sua relação com a história é aceitar, segundo Ferreira

(2001), que todo acontecimento de linguagem organiza-se a partir de relações de poder

e não está ligada a uma cronologia, mas às práticas sociais. Já a ideologia, que é ele-

mento determinante do sentido e está presente em todo discurso, não deve ser entendida

como visão de mundo ou como ocultamento da realidade, mas como propõe Orlandi

(1999) como mecanismo estruturante do processo de significação. Assim, ideologia,

pensada nos termos de Pêcheux (1975), na sua releitura de Althusser (1985), se constitui

como uma relação imaginária dos sujeitos com suas condições reais de existência, ou

seja, os sujeitos que através da linguagem dão sentido as coisas do mundo, nessa condi-

ção naturalizam os sentidos. Dito de outra maneira, o processo que determina as posi-

ções sociais dos sujeitos (jornalista, cientistas/pesquisadores, internautas) construídas ao

longo da história e através de relações de poder (políticas) é na maioria das vezes, apa-

gado, o que faz com que os sentidos sobre ciência que são aí produzidos se tornem ób-

vios para nós. Além disso, essas posições “óbvias” para os sujeitos já estão prontas para

serem assumidas, assim, quando o jornalista ou o cientista, enquanto sujeitos que são

numa sociedade como a nossa, ao serem interpelados pelo discurso do jornalístico e

científico, vão produzir sentidos sobre ciência a partir desses lugares já prontos e ób-

vios.

FLORES, G. B.; MARTINS, M. F.; GALLO, S. M. L; SIEBERT, S. A ciência enquanto processo: um caso de divulgação. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 17-26, jul./dez. 2012.

Pág

ina1

9

No caso do discurso jornalístico, o sentido de objetividade aí construído é inten-

samente desdobrado através da manipulação da língua que, enquanto código “sem fa-

lhas”, é o instrumento capaz de referencializar a realidade dos fatos, o que constrói, se-

gundo Mariani (1998, p. 72), “o mito da informação jornalística com base noutro mito:

o da comunicação linguística”. Este imaginário permite ao sujeito que enuncia (o jorna-

lista) ser “neutro e imparcial” capaz de relatar os acontecimentos, a realidade, para um

leitor (o grande público) que, por ser considerado uma “tabula rasa”, precisa receber a

informação de forma “clara e objetiva”.

A partir disso, produz-se uma memória da ciência pela mídia e não pela própria

ciência e o resultado disso é um simulacro de ciência exposto à “população leiga”, si-

mulacro este que surge como efeito da não explicitação das condições de produção (his-

tóricas e ideológicas) da pesquisa científica. Para o sujeito leitor dos materiais jornalís-

ticos, então, a ciência se produz de forma descontextualizada e descontínua. Esse efeito

se produz, segundo Gallo (2003), justamente porque a continuidade, quando existe, é

resultante de outros textos sobre o mesmo tema publicados anteriormente pela própria

mídia, e não, pelo conhecimento da história da ciência e da pesquisa em questão.

Por outro lado, sabemos que o discurso científico também é construído histórica e

ideologicamente determinando, que os sentidos sejam construídos processualmente,

mas que esse processo seja também apagado. Assim, imaginariamente, o discurso cien-

tífico, numa sociedade como a nossa, se constitui como um outro “discurso de verdade”,

em que através de seus objetivos e de seus métodos considerados ou pela via da razão

(ciência cartesiana) ou pela da demonstração (ciência positivista), a ciência está sempre

pautada em buscar a “verdade e, àqueles que a manipulam ou mesmo dela se benefici-

am, assiste o dever de interpretá-la como tal” (LAVILLE; DIONNE, 1999).

Contudo, tratando do discurso da ciência, Pêcheux (1988, p. 190) afirma que não

é o homem que produz os conhecimentos científicos, mas os homens em sociedade e na

história, ou seja, é a atividade humana social e histórica. Consequentemente, a produção

histórica de um conhecimento científico dado seria o efeito de um processo histórico

determinado por certas condições materiais (econômicas, não econômicas, políticas). A

neutralidade do discurso científico, assim como, sua legitimidade enquanto discurso da

verdade, é, portanto, resultado de um modo de funcionamento de certas relações produ-

ção (PÊCHEUX, 1988, p. 190).

A divulgação de ciência enquanto discurso que se estabelece na relação entre o

discurso do jornalismo e o da ciência, traz na constituição esse sentido imaginário resul-

tado dessas posições já construídas para a ciência e para o jornalismo. E, portanto, a

Revista Laboratório Ciência em Curso, mesmo tendo como objetivo “captar a ciência

no seu movimento/percurso na busca de um aprofundamento constante, e não como

produto acabado e inequívoco”, o que observamos neste exercício efetivo de levar a

ciência para o “grande público”, ou melhor, para um leitor que não é um especialista, é

a complexidade do processo, pois precisamos construir uma posição discursiva enquan-

to divulgadores, que nos permita produzir um texto de divulgação que não seja nem

hermético e inequívoco se mostrando como uma outra versão de um artigo científico

nem tão pouco didático e noticioso como um texto jornalístico.

FLORES, G. B.; MARTINS, M. F.; GALLO, S. M. L; SIEBERT, S. A ciência enquanto processo: um caso de divulgação. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 17-26, jul./dez. 2012.

Pág

ina2

0

DIVULGAÇÃO DE CIÊNCIA:

REVISTA LABORATÓRIO CIÊNCIA EM CURSO

Nosso trabalho pretende, portanto, ao ressignificar a ciência, destacar o processo,

o percurso pelo qual passou o cientista para chegar a seus resultados. Para isso, preci-

samos nos distanciar tanto do jornalismo científico que transforma o acontecimento

científico em espetáculo, como de um discurso da ciência que trata a ciência como um

conhecimento acabado (paper), gerando um efeito de discurso absoluto, da verdade,

neutro.

Ao transformar a ciência em notícia e em paper, destacam-se os resultados e se

apaga o processo, ou seja, apaga-se as condições de produção que relacionam esse co-

nhecimento de mundo com sua materialidade na história, na sociedade, dentro de um

sistema político e econômico.

Ao destacarmos o processo na divulgação de ciência, pretende-se compreender o

discurso da ciência através das suas condições de produção, através do resgate da sua

historicidade. Busca-se com isso desfazer a evidência do fato científico entendido tanto

como um resultado apenas, quanto como um processo infalível e absoluto, mostrando

que existem acertos e erros que constituem o processo do qual o fato científico é resul-

tado. Esse entendimento vai se refletir no discurso de divulgação que, como já disse-

mos, vai destacar o processo do fazer científico. Além disso, estamos interessados na

compreensão do nosso próprio lugar enquanto divulgadores, ou seja, inscritos em um

discurso acadêmico científico.

A partir desse posicionamento, dessa nossa tentativa de construir um lugar de di-

vulgadores que, de certa maneira é um lugar polêmico com relação a uma divulgação de

ciência aí estabelecida, estamos fazendo um trabalho que se organiza a partir de algu-

mas estratégias. A hipertextualidade é uma delas, em que a multiplicidade de mídias:

áudio, vídeo, texto, janelas/links possibilita uma interação do interlocutor com os senti-

dos (da ciência) de modo não linearizado. Assim, a opção por trabalhar com a Internet

não é contingência, já que acreditamos que esse espaço, pelas possibilidades que surgem

tanto a) da organização do conhecimento como uma rede, quanto b) da rapidez e da

quantidade do conhecimento aí produzido, pode ser bastante produtivo para os nossos

propósitos.

Outro recurso é a utilização da linguagem imagética (vídeos e fotos, forma gráfi-

ca) que aproxima a produção dos materiais da Revista de certa emergência de sentidos

da sociedade contemporânea, em que a imagem parece destacar-se. Contudo, busca-se

trabalhar na relação entre os recursos expressivos, ou seja, na união do texto e da ima-

gem no espaço virtual buscando a compreensão da linguagem imagética naquilo que lhe

é constitutivo, assim como, na sua relação com o texto no espaço virtual. Nessa perspec-

tiva o design da Revista se diferencia da forma usual das interfaces de sites da internet

proporcionando uma navegação através da qual o internauta escolhe a sua rota intensifi-

cando a não linearidade do hipertexto. Além disso, o design em espiral pretende, através

da forma, remeter ao sentido de ciência que queremos destacar: o processo científico em

constante transformação.

Destacamos nessas estratégias a produção do material audiovisual, que é feita de

forma a abordar o tema de forma contextualizada, parte-se do tema de pesquisa que se

FLORES, G. B.; MARTINS, M. F.; GALLO, S. M. L; SIEBERT, S. A ciência enquanto processo: um caso de divulgação. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 17-26, jul./dez. 2012.

Pág

ina2

1

apresenta inicialmente como argumento para um debate maior que se desenvolverá no

decorrer do tempo. Na divulgação do Grupo de Pesquisa Patrimônio Histórico e Cultu-

ral7 partimos de uma pesquisa específica desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa que se

desenvolveu em uma discussão sobre: a constituição da arqueologia enquanto ciência;

questões envolvendo o resgate e preservação da memória cultural; uma hipótese da pes-

quisadora envolvendo duas questões bem específicas da pesquisa arqueológica em Santa

Catarina; e o que a História tem a ver com tudo isso.

A produção dos materiais sem “roteiro fechado” se dá quando a entrevista é dire-

cionada para funcionar como uma “conversa”, deixando que o pesquisador assuma certo

controle do assunto discutido, ou seja, ele pode usar o tempo e o percurso que desejar.

Dessa perspectiva, produzimos já um certo afastamento do modo de produção do jorna-

lismo tradicional em que há um trabalho no sentido de moldar o acontecimento científi-

co pelas “perguntas chaves” feitas ao entrevistado.

Uma outra estratégia é o trabalho com o discurso artístico que pela sua qualidade

polissêmica, segundo Nunes e Martins (2007), pode ser produtivo nesta busca de re-

significação dos sentidos da ciência e do jornalismo, na medida em que pode evidenciar

a contradição entre sentidos incertos e mutáveis (do artístico) e sentidos estabilizados

(da ciência e do jornalismo). Dessa perspectiva, a linguagem artística sustenta os mate-

riais divulgados “através a) das potencialidades polissêmicas que funcionam expandin-

do ao máximo o processo de significação e b) da linguagem do documentário, a qual

permite estabelecer uma relação dialógica entre documentado (entrevistado) e documen-

tarista (entrevistador) e uma posição autoral para o divulgador” (NUNES; MARTINS,

2007, p. 5).

O vídeo que se denomina “um espaço irreverente”8 produzido para divulgar o

Programa Hipermídia, projeto do Curso de Comunicação Social, especialização em Ci-

nema e Vídeo da Unisul, é um caso exemplar no que se refere ao atravessamento do

discurso artístico, pois as potencialidades polissêmicas estão nesse material, funcionan-

do de maneira a abrir ao máximo o processo de significação. O vídeo, que traz uma pro-

fusão de imagens e uma trilha sonora e se constitui de forma não linearizada, produz

efeitos sentido ambíguos rompendo com significações estabilizadas.

Assim, constituído, o vídeo dificulta ao sujeito internauta produzir espaços signi-

ficativos naturalizados e estabilizados. Contudo, o trabalho com o artístico que resultou

num audiovisual, que poderíamos chamar de “performático”, se deve também à própria

característica do grupo de pesquisa divulgado9. É por isso, que Nunes e Martins (2007,

p. 6) destacam que processo de divulgação de ciência se constitui numa linha limítrofe

que organiza tanto o lugar do cientista/especialista, do não especialista e o nosso próprio

lugar enquanto divulgadores. “E nesse entremeio, podemos re-significar a ciência na

exata medida em que depois do nosso trabalho ela não se transforme em „outra coisa‟”.

Decorre daí a ideia de que a linguagem utilizada para a produção dos materiais de

divulgação necessita ser singular no sentido de que deve poder resgatar as condições de

produção (históricas e ideológicas) que constituem o tema divulgado. Sendo assim, nem

sempre o elemento lúdico, artístico, com as características apontadas anteriormente, vai

7 Disponível em: http://aplicacoes.unisul.br/cienciaemcurso/revista/arqueologia.html

8 Disponível em: http://aplicacoes.unisul.br/cienciaemcurso/revista/hipermidia01.html

9 Disponível em:http://aplicacoes.unisul.br/cienciaemcurso/revista/hipermidia02.html

FLORES, G. B.; MARTINS, M. F.; GALLO, S. M. L; SIEBERT, S. A ciência enquanto processo: um caso de divulgação. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 17-26, jul./dez. 2012.

Pág

ina2

2

responder as essas expectativas. Assim, uma discussão que, também, vislumbramos

com nossa pesquisa é questionarmos sobre a relação entre a forma da linguagem de di-

vulgação e a área de conhecimento a ser divulgado. Dito de outra maneira, é possível

afirmarmos, por exemplo, que as ciência exatas que se diferenciam das ciências huma-

nas, vão ser melhor interpretadas por uma certa forma de linguagem divulgação e não

por outra?

Já a relação entre a arte, ciência e divulgação, experimentada através da lingua-

gem do documentário10

pode ser observada no vídeo “vestígios cerâmicos”11

produzido

para divulgar o Núcleo de Pesquisa Patrimônio Histórico e Cultural, do curso de Histó-

ria da Unisul. Trata especificamente, de um trabalho de campo junto a um conjunto de

sambaquis que estava sendo escavado por uma equipe de arqueólogos, no sul de Santa

Catarina.

Procuramos mostrar, nesse material, através da observação e da interação12

, o pro-

cesso que constitui a pesquisa científica tanto através da nossa aproximação dialógica

com a pesquisadora, quanto pelo destaque as dúvidas e incertezas que envolvem um

trabalho de pesquisa. Para isso, a estratégia desenvolvida foi aquela do trabalho sem um

“roteiro fechado”, ou seja, a gravação dos vídeos e as entrevistas não seguiram um rotei-

ro (falas/imagem) já definidos a priori. Através do registro observativo, em que a ordem

temporal linear dos acontecimentos regem o registro, pudemos mostrar certos aspectos

da pesquisa em seu desenvolvimento, quando, durante nossa permanência no sítio ar-

queológico, registramos os momentos em que aconteceram algumas descobertas, como

por exemplo, o momento quando os pesquisadores encontraram um crânio e algumas

peças de cerâmica. Esses últimos artefatos, quando encontrados pela equipe, causaram

confusão, pois não se esperava encontrar cerâmica num sambaqui:

Existia ali, algo que não se encaixava, que estava fora de lugar, o que gerou uma

situação de incerteza. A pesquisadora demonstra essa dúvida dizendo: “agora deu um nó

na cabeça”. Estávamos então, pesquisadores e divulgadores frente a algo inusitado, ou

seja, com arqueólogos que se confrontavam com uma contradição sobre a história de

sua pesquisa, a qual parecia já estabelecida. Esse fato revela um sentido de ciência, em

que é necessário levar em conta que o seu percurso está suscetível a dúvidas e a equívo-

cos. Consequentemente, vemos aí, o processo que queremos evidenciar, que a pesquisa

10

Segundo Nunes e Martins (2007) o documentário é uma forma de expressão, que apesar de lidar com

uma certa representação do real, diferentemente do modo como com os materiais fílmicos de ficção o

fazem, está também intrinsecamente ligada à “manipulação” desta mesma realidade, já que está aberta a

subjetividade e a autoria. Podemos dizer, portanto, que a linguagem do documentário se constitui, por

isso, através de uma aproximação com o discurso artístico. 11

Disponível em: <http://aplicacoes.unisul.br/cienciaemcurso/revista/arq03.html>. 12

Dos subgêneros do documentário propostos por Nichols (apud YAKHNI, 2003), destaca-se aqui, os

documentários observativo e interativo. Segundo o autor, o documentário observativo parte do princípio

da não intervenção. Nesse caso, os acontecimentos regem todo o registro e por isso, a edição, nesta moda-

lidade, obedece a uma estrutura dos acontecimentos de modo a manter a sua continuidade espaço-

temporal. Já o documentário interativo ou cinema direto rompe com a barreira da não intervenção enfati-

zando a presença do realizador e, portanto, da relação dialógica entre o documentado e o documentarista.

Este estilo de documentário surge junto ao com o som no cinema que possibilitou a exclusão da voz em

over/off e a captação da fala em sua espontaneidade. O cinema direto dava a palavra ao outro e dava a

palavra ao próprio realizador, que podia intervir com sua voz em off, por exemplo. Nesta modalidade, o

diálogo era parte fundamental da constituição do documentário.

FLORES, G. B.; MARTINS, M. F.; GALLO, S. M. L; SIEBERT, S. A ciência enquanto processo: um caso de divulgação. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 17-26, jul./dez. 2012.

Pág

ina2

3

científica é vulnerável e feita sob hipóteses e não constituída por verdades absolutas.

Não é um produto apenas, como supõe o jornalismo (NUNES; MARTINS, 2007, p.8).

A linguagem audiovisual interativa, por sua vez, abre para o diálogo, já que o ao

garantirmos que a pesquisadora assuma certo controle do assunto discutido, ou seja,

possa usar o tempo e o percurso que desejar e não dê uma entrevista do tipo pergun-

ta/resposta, pudemos vê-la circulando pelas escavações interagindo com o seu grupo de

pesquisa e conosco divulgadores. O resultado obtido aproxima o vídeo da espontanei-

dade de uma conversa.

A linguagem do documentário utilizada enquanto forma de expressão que poten-

cializa a criatividade e autoria pode ser observada no vídeo “afastou de suas tradi-

ções”13

, produzido para divulgar o Núcleo de Pesquisa Urbanização Litorânea e Impacto

Ambiental, que discute as problema da ocupação desordenada das costas litorâneas do

estado de Santa Catarina, nesse caso, pela construção de um aterro na área costeira sul

da ilha de Florianópolis. Nesse material, destacamos, ao invés da voz do cientista, ou-

tras vozes, aquelas dos moradores da região, uma comunidade de pescadores que, em

consequência dessas mudanças ambientais, viram suas antigas áreas de pesca desapare-

cerem.

De acordo com Nunes e Martins (2007), a subjetividade do divulgador deve com-

por o material divulgado, mas sem que esse lugar de autoria, e consequente criatividade,

impeça o resgate das condições histórica e sociais do tema por ele divulgado. Assim,

para garantir esse efeito de criatividade e, por conseguinte, polissemia, optamos por

produzir um vídeo através de planos diferenciados, escolhendo enquadramentos com

efeito dramático e fazendo as entrevistas em locais pouco convencionais, chamando a

atenção para uma forma de desconstrução da entrevista tradicional. Além disso, o tema

a ser divulgado vai ser apresentado de forma polêmica através das varias vozes dos en-

trevistados.

O vídeo se inicia com uma foto do por do sol no bairro da Costeira antes do ater-

ro, onde se vê a silhueta de um pescador em seu barco e, logo em seguida, temos a en-

trevista de um pescador antigo da região falando sobre as dificuldades enfrentadas por

eles depois da construção do aterro. Com a contraposição da foto com a as imagens da

entrevista do pescador, buscou-se um efeito de composição em que se evidenciasse o

confronto entre o tema divulgado: a identidade cultural e processo de urbanização. De

fato, temos uma imagem de um homem que pesca, para logo em seguida desconstruir

esse sentido através do choque de se saber pela fala de um pescador de idade avançada

que ali não se pesca mais. Ao mesmo tempo, segundo as autoras, o vídeo proporciona

uma sensação de nostalgia quando este mesmo entrevistado fala de um tempo em que

aquela fotografia poderia fazer sentido. O close no rosto do velho, a luz que ressalta

suas rugas nos proporciona ainda mais essa sensação de tempo perdido.

O vídeo se desenvolve com uma segunda entrevista, agora com uma senhora, es-

posa de pescador que foi encontrada em uma padaria do local. Sua fala complementa a

do pescador e ressalta a dificuldade econômica gerada pelo fim da pesca na região. Mas

o que destacamos, nessas imagens, é o local inusitado da entrevista e a atitude despojada

da entrevistada perante a câmera: ela não esconde seus trejeitos e fala de modo incisivo,

o que não é usualmente registrado em uma entrevista jornalística, por exemplo.

13

http://aplicacoes.unisul.br/cienciaemcurso/revista/bio03.html

FLORES, G. B.; MARTINS, M. F.; GALLO, S. M. L; SIEBERT, S. A ciência enquanto processo: um caso de divulgação. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 17-26, jul./dez. 2012.

Pág

ina2

4

O último entrevistado, um gerente de uma empresa de beneficiamento de peixe

também no mesmo bairro, foi apresentado, primeiramente, através do áudio, ou seja,

introduzimos sua voz sob a imagem dos peixes sendo beneficiados. Evidentemente,

essas imagens se contrapõem às afirmações do pescador e da mulher na padaria, pois

mostra uma outra realidade, ou seja, a da pesca em grande escala. A destacarmos a falta

de peixe, através da voz dos dois primeiros entrevistados para logo em seguida mostrar

esses peixes em quantidade, buscamos através de uma ruptura evidenciar, o que foi a

pesca na região e o que é a pesca na região na atualidade. O vídeo encerra com uma

fotografia do bairro da Costeira na atualidade, dando noção da dimensão da obra e, ao

mesmo tempo, que reafirma, de algum modo, os dizeres do gerente da empresa, mos-

tram-se também em contradição com os sentidos da fotografia do pescador ao por do

sol, no início do vídeo.

Nesse vídeo, destaca-se como a montagem da sequencia dos planos gerou sentido,

que se deu através da contraposição de imagens através do “efeito de choque”, no senti-

do Eiseinsteiniano da montagem dialética, em que o efeito de sentido de uma imagem e,

neste caso, também de uma entrevista, colocada junto à outra gera um sentido que po-

tencializa o discurso a ser transmitido:

Deste modo a manipulação da montagem é evidenciada e por isso evidenciamos o

nosso papel como autores, em que não se procura enquanto autor uma transparência ou

uma imparcialidade. Temos então, como já dissemos, uma desconstrução do modelo

tradicional de entrevistas feita pelo jornalismo e entendemos que o rompimento com

esse padrão possibilita um uso mais criativo da imagem, o que potencializa nossa busca

por um tipo de divulgação de ciência que tenha seus sentidos mais abertos e consequen-

temente permita ao interlocutor uma relação mais reflexiva com o material de divulga-

ção (NUNES; MARTINS, 2007, p.9).

Partindo daí, ao buscarmos re-significar a ciência destacando o percurso pelo qual

passou o cientista para chegar a seus resultados, precisamos levar em consideração que

o processo da produção de conhecimento, contemporaneamente, pode estar se consti-

tuindo de forma heterogênea, tanto através das vozes do cientistas/especialista quanto

dos “outros” (não especialistas; divulgadores).

ALGUNS ENCAMINHAMENTOS

A Revista Laboratório Ciência em Curso é, como explorado nesse trabalho, o re-

sultado de uma reflexão sobre a produção/circulação do conhecimento científico que

combina, necessariamente, análise crítica das propostas envolvendo as práticas do jorna-

lismo científico contemporaneamente. De tal modo, a partir dessas reflexões levamos

em consideração, nos termos de Gallo (2003), o sujeito enquanto uma posição necessa-

riamente limitada por um contexto histórico e social, ou seja, constituído por e num dis-

curso. Sendo assim, o que deve ser decisivo nas práticas de divulgação de ciência não é

somente o tipo de meio de comunicação utilizado (a videoconferência, a internet, a tele-

visão, as mídias impressas, etc.), mas a concepção de linguagem que permeia o proces-

so. Citando Orlandi (1993), “o leitor não interage com o texto, mas com outro sujeito

[...] nas relações sociais, históricas, ainda que mediadas por objetos” (como o texto).

FLORES, G. B.; MARTINS, M. F.; GALLO, S. M. L; SIEBERT, S. A ciência enquanto processo: um caso de divulgação. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 17-26, jul./dez. 2012.

Pág

ina2

5

Ficar na objetividade do texto, no entanto, é fixar-se na mediação, absolutizando-a, per-

dendo a historicidade dele, logo sua significância.

Assim, ao incidirmos nessa forma de constituição dos textos de divulgação em

que destacamos o processo do fazer científico, acreditamos torná-los mais consequentes

do ponto de vista histórico, político e social. Para isso, ao contrário de se considerar um

emissor, um receptor, uma mensagem transmitida por um código num texto de divulga-

ção de ciência, consideramos que o discurso é lugar de constituição do sujeito e do sen-

tido, o lugar de constituição das identidades através de suas relações com a história,

política e ideologia.

A relevância dessa pesquisa para a área científica/educacional, e por que não para

a própria mídia, é, então, bastante evidente, já que são as instituições acadêmicas, jun-

tamente com os seus centros tecnológicos, lugares institucionalizados para a produção

de ciência no mundo e a mídia a responsável pela sua “publicização”. Além disso, ao se

verificar que o mundo moderno deu à ciência, de certa forma, a incumbência de encon-

trar soluções para os problemas da sociedade, é especialmente importante buscar com-

preender como se dá o funcionamento da produção e circulação desse saber científico,

que é parte constitutiva da sociedade. Pensar, portanto, sobre divulgação científica e

suas condições de produção implica refletir sobre a indissociabilidade entre ciência,

tecnologia e administração (Governo/Instituições de Ensino), ou seja, leva-nos a refletir

por um lado sobre a relação do Estado e da Escola na produção de conhecimento e, por

outro, leva-nos refletir também sobre o papel da mídia na sociedade, especificamente,

com o Estado e com a Ciência.

Contudo, como já destacamos a divulgação de ciência que se constitui na relação

entre o discurso do jornalismo e o da ciência, traz na sua constituição sentidos imaginá-

rios resultado dessas posições já construídas tanto para a ciência quanto para o jornalis-

mo. Ao buscarmos na Revista Laboratório Ciência em Curso, uma posição que desesta-

bilize esses sentidos nos deparamos com a complexidade do processo, já que essa posi-

ção discursiva de divulgadores não está pronta. Assim, é interessante salientar que nesse

processo, podemos estar sendo determinados enquanto divulgadores pelos discursos do

qual queremos nos afastar. O primeiro grupo de pesquisa divulgado estava quase intei-

ramente determinado pelo discurso jornalístico na sua forma mais noticiosa, embora já

tivéssemos a intenção de nos diferenciarmos desse lugar discursivo. Ao darmos a pala-

vra ao pesquisador para que ele falasse sobre sua pesquisa e ao mesmo tempo se distan-

ciasse do discurso cientifico absoluto e inequívoco, o colocamos em uma situação enun-

ciativa idêntica a de um repórter de rua. O vídeo “capaz de dar identidade” ilustra esse

modo de divulgação14

. Outro material, por sua vez, já mostra o pesquisador não como

um repórter, mas como um professor e o didatismo do discurso pedagógico foi o sentido

predominante. Nosso trabalho, assim, é um processo de experimentação em que a pes-

quisa sobre linguagem, discurso e divulgação de ciência é ainda provisória.

14

Disponível em: http://aplicacoes.unisul.br/cienciaemcurso/revista/ts01.html

FLORES, G. B.; MARTINS, M. F.; GALLO, S. M. L; SIEBERT, S. A ciência enquanto processo: um caso de divulgação. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 17-26, jul./dez. 2012.

Pág

ina2

6

REFERÊNCIAS

GALLO, Solange L. A Educação à distância em uma perspectiva discursiva. In: Revista ANPOLL. Porto

Alegre: UFRGS, 2002. v. 31. p. 58-59.

GUIMARAES, Eduardo (org). Produção e Circulação do Conhecimento. volumes 1 e 2. Campinas: Pon-

tes, CNPq/ Pronex e Núcleo de Jornalismo Científico, 2001/2003.

LAVILLE, Chistian.; DIONNE, Jean. A construção do saber. Belo Horizonte: UFMG, 1999.

MAFFESOLI, Michel. Contemplação do Mundo. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1995.

MARTINS, Marci Fileti. Divulgação científica e a heterogeneidade discursiva: análise de “Uma breve

história do tempo” de Stephen Hawking. Linguagem em (Dis)curso, v. 6, n. 2, Tubarão, 2006.

______. O que pode e deve ser dito no discurso de divulgação de ciência: Nós precisamos da incerteza, é

o único modo de continuar. In: III SEAD. Porto Alegre, 2007.

MARIANI, Bethânia. O PCB e a Imprensa: O comunismo imaginário, práticas discursivas da imprensa

sobre o PCB (1922-1989). Campinas: Editora da Unicamp, 1998.

NUNES, Maria Augusta V.; MARTINS, Marci Fileti. O discurso artístico na constituição dos materiais

de divulgação de ciência: Linguasagem – Revista Eletrônica de Popularização Científica em Ciências da

Linguagem, v. 3, p. 1-6, 2008.

ORLANDI, Eni P. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 1999.

______. Discurso e Leitura. Editora Cortez, 2. ed. São Paulo, 1993.

______. Divulgação Científica e Efeito Leitor: Uma Política Social e Urbana. In: Eduardo Guimarães

(org.). Produção e Circulação do Conhecimento. v. 1. Campinas: Pontes, CNPq/ Pronex e Núcleo de

Jornalismo Científico, 2001.

______. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Editora Pontes, 2003.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Orlandi. Campi-

nas: Editora da Unicamp, 1988.

VOGT, C. A. (Org.) . Cultura científica: desafios. São Paulo: Editora da USP / Fapesp, 2006.

Recebido em 05 abr. 2012. Aprovado em 07 out. 2012.

Abstract: The paper reflects about the production of scientific knowledge in contemporary

specifically discussing the ways which knowledge circulates and as it is disclosed. We are

interested in what is denominated science communication, social area with a strong order

of the media, where, according to some authors, the scientific knowledge “leaves” in its

place “original” and will make sense in the way of daily non-specialists. For this, we bring

to discuss the proposed disclosure in the Science Laboratory Course Magazine

(http://www.cienciaemcurso.unisul.br). The proposal of the magazine is to disseminate sci-

ence through a website, where the multiplicity of media like audio, video, text and links al-

low meaning the science in non-linear way. Also, the research discusses about the form of

dissemination of science by the scientific journalism, because what we see today, in the

divulgations of science materials; it is a tendency to give priority to the knowledge of the

media on science.

Keywords: Discourse Analysis; Scientific Dissemination; Science Laboratory Course

Magazine.

NUNES, M. A. V.; MARTINS, M. F. O discurso artístico na constituição dos materiais de divulgação de ciência: a revista Ciência em Curso. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 27-36, jul./dez. 2012.

Pág

ina2

7

Pág

ina2

7

Pág

ina2

7

O DISCURSO ARTÍSTICO NA CONSTITUIÇÃO

DOS MATERIAIS DE DIVULGAÇÃO DE CIÊNCIA:

A REVISTA CIÊNCIA EM CURSO1

Maria Augusta V. Nunes2

Marci Fileti Martins3

Resumo: Busca-se neste estudo compreender como se dá o funcionamento da produção e

circulação do saber científico, que é parte constitutiva da sociedade. Reflete-se também

sobre divulgação científica, em que a ciência sai de seu lugar de “origem” (instituições de

ensino com seus centros tecnológicos, por exemplo) e passa a ser “publicizada” (mídia),

ou seja, passa a fazer parte do cotidiano dos não especialistas. Considera-se a escola en-

quanto lugar institucionalizado de produção e transmissão de conhecimento científico e

está, hoje, dividindo espaço com a mídia que cada vez mais se coloca numa posição de

transmissora do conhecimento científico.

Palavras-chave: Discurso artístico; Divulgação de Ciência; Revista Laboratório Ciência

em Curso.

UM CASO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

Uma sociedade como a nossa concedeu à ciência a incumbência de encontrar so-

luções para os seus problemas e “praticamente toda pesquisa, método ou teoria almeja

ostentar o epíteto de “científico” como rótulo de qualidade” (LÉVY-LEBLOND 2004,

p.19). Compreender, então, como se dá o funcionamento da produção e circulação do

saber científico, que é parte constitutiva da sociedade, nos leva a refletir também sobre

divulgação científica, em que a ciência sai de seu lugar de “origem” (instituições de

ensino com seus centros tecnológicos, por exemplo) e passa a ser “publicizada” (mídia),

ou seja, passa a fazer parte do cotidiano dos não especialistas. De fato, a escola enquan-

to lugar institucionalizado de produção e transmissão de conhecimento científico está,

hoje, dividindo espaço com a mídia que cada vez mais se coloca numa posição de

transmissora do conhecimento científico.

A Revista Laboratório Ciência em Curso (www.cienciaemcurso.unisul.br) é o re-

sultado dessa reflexão sobre a produção/circulação do conhecimento científico que

combina, necessariamente, análise crítica com propostas concretas envolvendo práticas

de divulgação de ciência e pretende ser uma fonte de informações não só para divulgar

conhecimento científico, mas, principalmente, para produzir uma informação contextua-

lizada sobre a produção científica, integrando informações que expliquem, também, as

possibilidades/impossibilidades (meios) das pesquisas.

1 Linguasagem – Revista Eletrônica de Popularização Científica em Ciências da Linguagem, v. 3, p. 1-6,

2008. 2 Bolsista de Iniciação Científica e aluna do Curso de Graduação em Cinema e Vídeo- Unisul, Palhoça,

Brasil, SC. 3 Docente da Fundação Universidade Federal de Rondônia. E-mail: [email protected]

NUNES, M. A. V.; MARTINS, M. F. O discurso artístico na constituição dos materiais de divulgação de ciência: a revista Ciência em Curso. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 27-36, jul./dez. 2012.

Pág

ina2

8

Pág

ina2

8

Pág

ina2

8

Para tanto, a revista busca problematizar a forma de divulgação de ciência feita

pela mídia de massa, já que o que se vê, hoje, nos textos de divulgação de ciência, so-

bretudo nos de jornalismo científico, é uma tendência a fazer prevalecer os conhecimen-

tos da própria mídia sobre ciência. Isso significa que a mídia recupera materiais produ-

zidos por ela mesma (seja sobre o assunto ou sobre assuntos correlatos) e os apresenta

como “memória” do novo fato, produzindo o efeito de uma continuidade (passa-

do/presente) e de uma evidência verificável (fatos e dados) para a ciência divulgada.

Dessa perspectiva, ao transformar os acontecimentos científicos em notícia a mídia de

massa apaga todo o percurso pelo qual passou o cientista e sua pesquisa além do que

reproduz certos sentidos sobre ciência como produtora de sentidos absolutos e inatingí-

veis.

O trabalho feito na revista, portanto, pretende experimentar novas formas de di-

vulgação que se diferenciam do discurso do jornalismo científico. Para tanto, busca-se

compreender a ciência através do entendimento das suas condições de produção, do

resgate da sua historicidade. Dessa perspectiva, é possível desfazer a evidência do fato

científico entendido tanto como um resultado apenas (notícia) quanto como um proces-

so infalível e absoluto mostrando que existe um “passado” de acertos e erros que consti-

tui o processo do qual o fato científico é resultado.

A partir desse posicionamento, dessa tentativa de construir esse lugar de divulga-

dores que, de certa maneira é um lugar polêmico com relação a uma divulgação de ciên-

cia aí estabelecida pretendemos fazer um trabalho que se organiza a partir de algumas

estratégias das quais destacamos aqui especificamente, aquela envolvendo o discurso

artístico. Esse discurso que se caracteriza pela sua qualidade polissêmica e que, portan-

to, pode ser um discurso sempre aberto ao novo sentido, ao outro sujeito, torna-se uma

interface conveniente e bastante produtiva, neste contexto, já que a conjunção desses

sentidos incertos, mutáveis, com os sentidos mais estabilizados dos discursos da ciência

e da imprensa, pode resultar numa forma de divulgar ciência que permitiria o afasta-

mento tanto da didaticidade jornalística, quanto do conceito de “verdade absoluta” do

discurso da ciência.

ALGUNS FUNDAMENTOS

A teoria da Análise de Discurso (AD), proposta pelo o filósofo Michel Pêcheux e

desenvolvida no Brasil por Eni Orlandi (1983, 1990,1999), faz uma reflexão sobre lin-

guagem e política a partir da relação de três áreas do conhecimento: a Linguística, o

Marxismo e a Psicanálise. Decorre daí uma reflexão intensa sobre a linguagem buscan-

do resgatar o seu caráter político e histórico. Para isso, AD “visa construir um método

de compreensão dos objetos da linguagem” (ORLANDI 1990, p.25) em que o seu obje-

to, o discurso, é entendido como um espaço histórico-ideológico de onde emergem as

significações através de sua materialidade específica que é a língua, sendo esta entendi-

da não como objeto, mas como pressuposto para a análise da materialidade do discurso.

De tal modo, segundo Michel Pêcheux (apud FERREIRA, 2000, p.40), esta pro-

posta teórica possibilitaria representar no interior do funcionamento da linguagem “os

NUNES, M. A. V.; MARTINS, M. F. O discurso artístico na constituição dos materiais de divulgação de ciência: a revista Ciência em Curso. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 27-36, jul./dez. 2012.

Pág

ina2

9

Pág

ina2

9

Pág

ina2

9

efeitos da luta ideológica” e, inversamente, manifestar a existência da materialidade

linguística no interior da ideologia. Contudo, haveria, em decorrência dessa configura-

ção particular do discurso, como mediação entre o ideológico e o linguístico, a necessi-

dade de evitar reduzi-lo à análise da língua ou diluí-lo no trabalho histórico sobre ideo-

logia.

De fato, a AD inaugura uma nova percepção da linguagem quando assume que es-

ta é falha, já que significação e sujeito não são transparentes: esta intencionalidade e

transparência atribuídas aos sentidos e ao sujeito nada mais são do que efeitos ideológi-

cos, ou seja, todo sentido resulta de efeitos produzidos por feixes de condicionantes

histórico-sociais. Em virtude dessa natureza ideológica dos sentidos, a linguagem pode

ser vista como um espelho cuja imagem e significância é ao mesmo tempo nítida e dis-

torcida.

Sendo assim, propõe-se que o que pode ser decisivo nas práticas de divulgação de

ciência não é somente o tipo de meio de comunicação utilizado (a videoconferência, a

internet, a televisão, as mídias impressas, etc.), mas a concepção de linguagem que per-

meia o processo. Citando Orlandi (1993), “o leitor não interage com o texto, mas com

outro sujeito [...] nas relações sociais, históricas, ainda que mediadas por objetos (como

o texto)”. Ficar na objetividade do texto, no entanto, é fixar-se na mediação, absoluti-

zando-a, perdendo a historicidade dele, logo sua significância.

Pretende-se, então, incidir nessa forma de constituição dos textos de divulgação,

de modo a torná-los mais consequentes do ponto de vista histórico, político e social e

dessa perspectiva teórica, ao contrário de se considerar um emissor, um receptor e um

código a ser transmitido, considera-se que o discurso é lugar de constituição do sujeito e

do sentido, o lugar de constituição das identidades.

O DISCURSO ARTÍSTICO

Orlandi (2003) tratando de uma possível tipologia discursiva propõe uma organi-

zação para os tipos de discursos, e dividindo-os em três categorias: lúdico, polêmico e

autoritário. Essa categorização parte da referência a processos parafrásticos e polissêmi-

cos que se constituem na relação com os participantes do discurso (interlocutores) e o

objeto do discurso (o referente). Segundo a autora, a partir disso, a polissemia pode ser

entendida como processo que representa a tensão constante estabelecida pela relação

homem/mundo atravessada pela linguagem e os três tipos de discursos ficam assim ca-

racterizados:

o discurso lúdico é aquele em que seu objeto se mantém presente enquanto tal e os interlo-

cutores se expõem a essa presença, resultando disso o que chamaríamos de polissemia aber-

ta (o exagero é o non-sense). O discurso polêmico mantém a presença de seu objeto, sendo

que os participantes não se expõem, mas ao contrário procuram dominar o referente, dando-

lhe uma direção, indicando perspectivas particularizastes pelas quais se o olha e se o diz, o

que resulta na polissemia controlada (o exagero é a injúria). No discurso autoritário, o refe-

rente está “ausente”, oculto pelo dizer; não há realmente interlocutores, mas um agente ex-

clusivo, o que resulta na polissemia contida (o exagero é a ordem no sentido em que se diz

“isso e uma ordem”, em que o sujeito passa a instrumento de comando) (ORLANDI, 2003,

p. 15-16).

NUNES, M. A. V.; MARTINS, M. F. O discurso artístico na constituição dos materiais de divulgação de ciência: a revista Ciência em Curso. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 27-36, jul./dez. 2012.

Pág

ina3

0

Pág

ina3

0

Pág

ina3

0

Partindo dessa tipologia, o discurso jornalístico pode ser entendido como um dis-

curso autoritário se levarmos em consideração a posição de Mariani (1998) ao falar de

um discurso („de origem‟) entre este discurso e um interlocutor qualquer. O que nos

interessa destacar, é que ao falar do discurso de origem o faz colocando o mundo como

objeto, ou seja, “a imprensa não é o „mundo‟, mas deve falar sobre esse mundo, retratá-

lo e torná-lo compreensível para que os leitores” (ORLANDI, 2007, p. 61). Desse mo-

do, o discurso jornalístico apresenta um funcionamento autoritá-rio, em que o referente

(mundo) está apagado pela linguagem, que se constitui sustentada por um agente exclu-

sivo que é o jornalista. Nesse funcionamento, constrói-se o imaginário de discurso obje-

tivo e imparcial, em que se dissimula a mediação através do apagamento da interpreta-

ção: em nome de fatos/notícias que falam por si o jornalista estaria apenas falando sobre

ciência da maneira literal e objetiva.

O discurso científico, por sua vez, pode ser considerado autoritário, quando com-

preendido como a manifestação de um saber supremo, quando se constitui, segundo

Coracini (1991), no campo da certeza. Nesse caso, o cientista é o agente exclusivo do

dizer que controlando um “método” vai controlar também o referente, pois como bem

propõe Coracini (1991, p.123), “quem poderia duvidar das afirmações de um cientista

que colheu seu material, observou-o com base em seus princípios teóricos e metodoló-

gicos rígidos e “inquestionáveis”, atingido determinado resultado?”

Por outro lado, o discurso científico apresenta também um funcionamento polê-

mico, já que os interlocutores (cientistas) têm uma autonomia relativa com relação ao

referente (ciência) que cada um quer dominar. Neotti (2006) buscando evidenciar esse

funcionamento compara o discurso científico com o discurso religioso, em neste último,

a relação entre os interlocutores é marcada por um grau muito maior de irreversibilida-

de. Segundo Orlandi (2003, p. 243), “o discurso religioso é aquele em que fala a voz de

Deus sendo que a voz do padre ou do pregador - ou em geral de qualquer representante -

é a voz de Deus. Assim, o modo de representação destes sujeitos (locutor/interlocutor)

caracteriza-se pelo baixo grau de autonomia do padre com relação à voz de Deus que

nele fala.” Ainda segundo a autora, no caso do discurso político, por exemplo, em que a

voz do povo se fala no político, há uma maior independência, uma autonomia razoável:

“o político não só é autônomo em relação à voz do povo como ele pode até mesmo cri-

ar, inventar a voz do povo que lhe for mais conveniente. Desde que lhe seja atribuída

legitimidade”.

Desse modo, podemos observar que o discurso religioso não apresenta nenhuma

autonomia, pois o representante da voz de Deus, o padre, não pode modificá-la de ne-

nhum modo.

No que diz respeito ao Discurso Científico, podemos dizer que existe, assim como no polí-

tico, uma relativa autonomia na medida em que ao incorporar a voz do saber/conhecimento

o cientista pode elaborar, manipular e modificar relativamente o saber estabelecido. Mostra

disso são as diferentes correntes científicas que concorreram e se transformaram ao longo

da construção do que denominamos conhecimento científico da nossa sociedade. (NEOTTI,

2003, p. 245, grifo nosso).

NUNES, M. A. V.; MARTINS, M. F. O discurso artístico na constituição dos materiais de divulgação de ciência: a revista Ciência em Curso. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 27-36, jul./dez. 2012.

Pág

ina3

1

Pág

ina3

1

Pág

ina3

1

Assim, enquanto o discurso jornalístico se constitui por uma “polissemia contida”,

por uma tensão que produz, através de um agente exclusivo, um sentido desambiguiza-

do para o referente e o discurso científico na relação entre uma “polissemia contida” e

uma “polissemia controlada” sendo que nessa última, os interlocutores se confrontam

pelo sentido do “referente”, o discurso artístico é aquele em que a polissemia está aber-

ta. Expostos a isso, os interlocutores no discurso artístico produzem sentidos sobre o

referente que está sujeito a deslocamentos e rupturas. No discurso artístico assim, “jo-

gam” o equívoco, o acaso, a ambiguidade.

Pensado a partir desse ponto de vista, o discurso artístico é um elemento que pode

funcionar, por um lado, desestabilizando os sentidos absolutos e inequívocos do discur-

so jornalístico e científico e por outro otimizando os sentidos polêmicos do discurso

científico para que se evidencie o processo (histórico, social, político) da produção do

conhecimento.

A PRODUÇÃO DO MATERIAL AUDIOVISUAL:

DIVULGAÇÃO DE CIÊNCIA E O DISCURSO ARTÍSTICO

Assim, trazemos para a discussão, três materiais audiovisuais produzidos na Re-

vista Laboratório Ciência em Curso, em que destacamos o modo de utilização do dis-

curso artístico para divulgar ciência. O primeiro, produzido para divulgar o Programa

Hipermídia, projeto do Curso de Comunicação Social, especialização em Cinema e Ví-

deo da Unisul, se denomina “um espaço irreverente”4 e é um vídeo exemplar no que se

refere ao atravessamento do discurso lúdico, já que as potencialidades polissêmicas es-

tão aqui, funcionando de maneira a abrir ao máximo o processo de significação. O ví-

deo, que se utilizou de uma profusão de imagens e uma trilha sonora produziu efeitos

sentido ambíguos que rompem com os sentidos estabilizados dificultando ao sujeito

internauta retornar aos espaços significativos naturalizados.

Contudo, é preciso destacar que esse processo se constitui numa linha limítrofe

que organiza tanto o lugar do cientista/especialista, do não especialista e o nosso próprio

lugar enquanto divulgadores. E nesse entremeio, podemos re-significar a ciência na exa-

ta medida em que depois do nosso trabalho ela não se transforme em outra coisa. Por-

tanto, o trabalho com o artístico que resultou num audiovisual, que poderíamos chamar

de “performático”, se deve também à própria característica do grupo de pesquisa divul-

gado (http://www.cienciaemcurso.unisul.br/hipermidia.html).

Levando em consideração, portanto, que o trabalho do divulgador é também um

trabalho de repetição, de paráfrase, ou seja, de retomada de certa memória do conheci-

mento científico, optamos por explorar também, nessa relação entre a arte, ciência e

divulgação, a linguagem do documentário. Esta forma de expressão, que apesar de lidar

com uma certa representação da realidade, diferentemente do modo como com os mate-

riais fílmicos de ficção o fazem, está também intrinsecamente ligada à certa “manipula-

ção” desta mesma realidade, já que está aberta a subjetividade e a autoria. Podemos di-

4 Disponível em: http://www.cienciaemcurso.unisul.br/hipermidia01.html.

NUNES, M. A. V.; MARTINS, M. F. O discurso artístico na constituição dos materiais de divulgação de ciência: a revista Ciência em Curso. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 27-36, jul./dez. 2012.

Pág

ina3

2

Pág

ina3

2

Pág

ina3

2

zer, portanto, que a linguagem do documentário se constitui, por isso, através de uma

aproximação com o discurso artístico. Partindo daí, estamos levando em consideração

os subgêneros do documentário propostos por Nichols (apud YAKHNI, 2003), especifi-

camente, os documentários observativo e interativo.

Segundo o autor, o documentário observativo parte do princípio da não interven-

ção. Nesse caso, os acontecimentos regem todo o registro e por isso, a edição, nesta

modalidade, obedece a uma estrutura dos acontecimentos de modo a manter a sua conti-

nuidade espaço-temporal. Já o documentário interativo ou cinema direto rompe com a

barreira da não intervenção enfatizando a presença do realizador e, portanto, da relação

dialógica entre o documentado e o documentarista. Este estilo de documentário surge

junto ao com o som no cinema que possibilitou a exclusão da voz em over/off e a capta-

ção da fala em sua espontaneidade. O cinema direto dava a palavra ao outro e dava a

palavra ao próprio realizador, que podia intervir com sua voz em off, por exemplo. Nes-

ta modalidade o diálogo era parte fundamental da constituição do documentário.

Assim, o segundo vídeo que trazemos para a discussão, foi produzido para divul-

gar o Núcleo de Pesquisa Patrimônio Histórico e Cultural, do curso de História da Uni-

sul e se denomina “vestígios cerâmicos”.5 Trata, especificamente, de um trabalho de

campo junto a um conjunto de sambaquis que estava sendo escavado por uma equipe de

arqueólogos, no sul de Santa Catarina.

Procuramos mostrar, nesse material, através da observação e da interação, tanto

nossa aproximação dialógica com a pesquisadora, quanto o processo complexo pelo

qual as pesquisas se constituem. Para isso, uma estratégia desenvolvida foi o trabalho

sem um “roteiro fechado”, ou seja, a gravação dos vídeos e as entrevistas não seguiram

um roteiro (falas/imagem) já definido a priori, sendo que o contato com a pesquisadora

foi direcionado para funcionar como uma “conversa”, deixando que ela assumisse certo

controle do assunto discutido, ou seja, podendo usar o tempo e o percurso que desejasse.

O processo dialógico produzido por uma linguagem audiovisual interativa ocorreu, en-

tão, por não a conduzirmos para uma entrevista do tipo pergunta\resposta, mas sim pelo

modo como ela nos guiou pelas escavações interagindo com o seu grupo de pesquisa e

conosco divulgadores. O resultado obtido aproxima o vídeo da espontaneidade de uma

conversa.

Além disso, através do trabalho de registro observativo, em que os acontecimen-

tos regem todo o registro, pudemos mostrar a pesquisa no seu processo, quando, durante

nossa permanência no sítio arqueológico, registramos os momentos em que acontece-

ram algumas descobertas, como por exemplo, o momento quando os pesquisadores en-

contraram um crânio e algumas peças de cerâmica. Esses últimos artefatos, quando en-

contrados pela equipe, causaram confusão, pois não se esperava encontrar cerâmica

num sambaqui. Existia ali, algo que não se encaixava, que estava fora de lugar, o que

gerou uma situação de incerteza. A pesquisadora demonstra essa dúvida dizendo: “agora

deu um nó na cabeça”.

Então, pesquisadores e divulgadores estavam frente a algo inusitado, ou seja, com

arqueólogos que se confrontavam com uma contradição sobre a história de sua pesquisa,

5 Disponível em: http://www.cienciaemcurso.unisul.br/arq03.html.

NUNES, M. A. V.; MARTINS, M. F. O discurso artístico na constituição dos materiais de divulgação de ciência: a revista Ciência em Curso. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 27-36, jul./dez. 2012.

Pág

ina3

3

Pág

ina3

3

Pág

ina3

3

a qual parecia já estabelecida. Esse fato revela um sentido de ciência, em que é necessá-

rio levar em conta que o seu percurso está suscetível a dúvidas e a equívocos. Conse-

quentemente, vemos aí, o processo que queremos evidenciar, que a pesquisa científica é

vulnerável e feita sob hipóteses e não constituída por verdades absolutas. Não se consti-

tui somente por resultado (produto) apenas, como supõe o jornalismo.

O segundo vídeo foi produzido para divulgar o Núcleo de Pesquisa Urbanização

Litorânea e Impacto Ambiental e se denomina “afastou de suas tradições”

(http://www.cienciaemcurso.unisul.br/bio03.html). Envolve uma discussão sobre as

consequências da ocupação desordenada das costas litorâneas do estado de Santa Cata-

rina, nesse caso, pela construção de um aterro na área costeira sul da ilha de Florianópo-

lis. Nesse material, destaca-se, ao invés da voz do cientista, outras vozes, aquelas dos

moradores da região, uma comunidade de pescadores que, em consequência dessas mu-

danças ambientais, viram suas antigas áreas de pesca desaparecerem e “tiveram que se

adaptar ao novo cenário: um projeto de desenvolvimento que os afastou do mar e de

suas tradições”.

A linguagem do documentário é aqui utilizada enquanto forma de expressão que

potencializa a criatividade e autoria. A subjetividade do divulgador vai, assim, compor o

material divulgado, contudo, sem que esse lugar de autoria e consequente criatividade

impeça o resgate das condições histórica e sociais do tema por ele divulgado. Para ga-

rantir esse efeito de criatividade e, por conseguinte, polissemia, optamos por produzir

um vídeo através de planos diferenciados, escolhendo enquadramentos com efeito dra-

mático e fazendo as entrevistas em locais pouco convencionais, chamando a atenção

para uma forma de desconstrução da entrevista tradicional. Por julgarmos mais esclare-

cedor vamos discutir esse material dividindo-o, em três partes.

Na primeira parte, o vídeo se inicia com uma foto do por do sol no bairro da Cos-

teira antes do aterro, onde se vê a silhueta de um pescador em seu barco e logo em se-

guida, temos a entrevista de um pescador antigo da região falando sobre as dificuldades

enfrentadas por eles depois da construção do aterro. Ele está enquadrado em close, en-

quanto nos diz que não se pode mais viver da pesca na região, ouve-se, mas não se vê,

ao longe, o mar e as gaivotas. Com a contraposição da foto com a as imagens da entre-

vista do pescador, buscou-se um efeito de composição em que se evidenciasse o con-

fronto entre o tema divulgado: a identidade cultural e processo de urbanização. De fato,

temos uma imagem de um homem que pesca, para logo em seguida desconstruir esse

sentido através do choque de se saber pela fala de um pescador de idade avançada que

ali não se pesca mais. Ao mesmo tempo, o vídeo nos proporciona uma sensação de nos-

talgia quando este mesmo entrevistado fala de um tempo em que aquela fotografia po-

deria fazer sentido. O close no rosto do velho, a luz que ressalta suas rugas nos propor-

ciona ainda mais essa sensação de tempo perdido.

Na segunda parte do vídeo, temos outra entrevista com uma senhora, esposa de

pescador que encontramos em uma padaria do local. Sua fala complementa a do pesca-

dor e ressalta a dificuldade econômica gerada pelo fim da pesca na região. Mas o que

destacamos nessas imagens é o inusitado local da entrevista e a atitude despojada da

entrevistada perante a câmera: ela não esconde seus trejeitos e fala de modo incisivo, o

que não é usualmente registrado em uma entrevista jornalística, por exemplo.

NUNES, M. A. V.; MARTINS, M. F. O discurso artístico na constituição dos materiais de divulgação de ciência: a revista Ciência em Curso. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 27-36, jul./dez. 2012.

Pág

ina3

4

Pág

ina3

4

Pág

ina3

4

A última entrevista foi com um gerente de uma empresa de beneficiamento de

peixe também no mesmo bairro. Optamos por apresentar o entrevistado, primeiramente,

através do áudio, ou seja, introduzimos sua voz sob a imagem dos peixes sendo benefi-

ciados. Essas imagens se contrapõem com as do pescador e da mulher na padaria, pois

mostra outra realidade, ou seja, a da pesca em grande escala. Ouvimos falar da falta de

peixe para logo ver esses peixes em quantidade, provocando desse modo uma nova rup-

tura entre o que foi a pesca na região e o que é a pesca na região agora. Além disso, a

fala do gerente também contradiz a fala dos entrevistados anteriores. O vídeo encerra

com uma fotografia do bairro da Costeira na atualidade, dando noção da dimensão da

obra e, ao mesmo tempo em que reafirma, de algum modo os dizeres do gerente da em-

presa se mostram também em contradição com os sentidos da fotografia do pescador ao

por do sol, no início do vídeo.

Destacamos nesse vídeo como a montagem da sequência dos planos gerou senti-

do. Conseguimos trabalhar a contraposição de imagens através do “efeito de choque”,

no sentido Eiseinsteiniano da montagem dialética, ou seja, a força simbólica de uma

imagem e, neste caso, também de uma entrevista, colocada junto à outra gera um senti-

do que potencializa o discurso. Deste modo, a manipulação da montagem é evidenciada

e por isso evidenciamos o nosso papel como autores, em que não se procura enquanto

autor uma transparência ou uma imparcialidade. Temos agora uma desconstrução do

modelo tradicional de entrevistas feita pelo jornalismo quando nos colocamos como

autores negando o imaginário de imparcialidade e consequentemente objetividade do

discurso jornalístico. Entendemos que o rompimento com esse padrão possibilita um

uso mais criativo da imagem, o que potencializa nossa busca por um tipo de divulgação

de ciência que tenha seus sentidos mais abertos e consequentemente permita ao interlo-

cutor uma relação mais reflexiva com o material de divulgação.

Além disso, estamos considerando que os dois vídeos também apresentam carac-

terísticas de uma linguagem de documentário, que podemos chamar de mais contempo-

rânea, sobretudo, pelo modo como se deu o tratamento da imagem, em que a câmera se

apresenta com mais dinamicidade, ou seja, não está estática, estabilizada. O áudio não é

limpo, já que capta o “ruído” do ambiente e os planos, enquadramentos, closes também

fogem um pouco do padrão clássico. Esses materiais parecem se aproximar de alguns

materiais audiovisuais que vemos surgir na Internet, materiais estes que fogem também

a linguagem audiovisual clássica. No caso dos vídeos da Internet, isso se deve ao acesso

cada vez mais fácil à tecnologia de gravação de vídeo possibilitando que, grande núme-

ro de pessoas leigas nas técnicas de produção de audiovisuais, possam produzir materi-

ais e divulgá-los por meio da Internet. O resultado, em muitos casos, são vídeos em que

a câmera não está estática, que captam os ruídos do ambiente e apresentam uma monta-

gem que foge aos padrões convencionais.

ALGUNS ENCAMINHAMENTOS

Assim, conduzidos pela proposta de divulgação científica da Revista Laboratório

Ciência em Curso, essa pesquisa procurou construir mecanismos que permitissem falar

sobre ciência de modo que esta não se apresentasse como um resultado apenas, mas sim,

NUNES, M. A. V.; MARTINS, M. F. O discurso artístico na constituição dos materiais de divulgação de ciência: a revista Ciência em Curso. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 27-36, jul./dez. 2012.

Pág

ina3

5

Pág

ina3

5

Pág

ina3

5

como um processo. O discurso da arte com seu funcionamento polissêmico foi mobili-

zado e, sobretudo, através da linguagem do documentário, buscamos evidenciar o pro-

cesso do fazer científico evidenciando os acertos e erros, as incertezas desse processo, o

qual pode ou não resultar ou não em uma “descoberta”.

Junto a isso, o destaque nos materiais audiovisuais para a voz dos não cientistas

ilustra mais uma vez, o modo como queremos nos posicionar ao re-significarmos a ci-

ência, ou seja, ao aceitarmos esse dizer “outro”, dos não cientistas, dos não especialis-

tas, estamos provocando uma ruptura com os sentidos de verdade absolutos do discurso

científico, mostrando que a experiência científica não produz somente um conhecimento

total e absoluto do que está sendo estudado, mas um conhecimento que está aberto a

novas possibilidades, que pode ser contestado, modificado. De fato, o pesquisador, ao

buscar um conhecimento sobre seu objeto de estudo, interage com ele modificando-o,

assim como também é modificado por ele.

Conclusivamente, é preciso destacar que o nosso próprio processo enquanto di-

vulgadores. Segundo Martins (2007, p.12): “ao buscarmos na Revista Laboratório Ci-

ência em Curso, uma posição que desestabilize esses sentidos nos deparamos com a

complexidade do processo, já que essa posição discursiva de divulgadores não está

pronta.” Assim, é interessante salientar que nesse processo, podemos estar sendo deter-

minados enquanto divulgadores pelos discursos do qual queremos nos afastar.

De fato, o primeiro grupo de pesquisa que divulgamos estava quase inteiramente

determinado pelo discurso jornalístico, embora já tivéssemos a intenção de nos diferen-

ciarmos desse lugar discursivo. No entanto, ao dar a palavra ao pesquisador para que ele

falasse sobre sua pesquisa, o fizemos em uma situação enunciativa idêntica a de um

repórter de rua. O vídeo “capaz de dar identidade” ilustra esse modo de divulgação.6

Depois disso, já procurando evitar essa posição do sujeito jornalista, fizemos uma

segunda tentativa, e nesse vídeo “fazer previsões” o pesquisador, ao ter a palavra, posi-

cionou-se como professor dando uma aula (ou conferência).7 Essa solução ainda não

nos proporcionava a apresentação da ciência como processo, que almejávamos. Nos

dois casos a ciência foi relatada como lugar de certezas mais ou menos definitivas. Foi

somente a partir da experiência com a inclusão do discurso artístico e com a iniciativa

de seguir o pesquisador em sua prática rotineira de trabalho, que conseguimos chegar ao

modo aqui analisado e demonstrado.

REFERÊNCIAS

AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Papirus, 1995.

_____. A estética do filme. Campinas: Papirus, 1995.

CORACINI, Maria J. R. Farias. Um fazer persuasivo: o discurso subjetivo da ciência. Campinas: Pontes,

1991.

GUIMARAES, Eduardo (org.). Produção e circulação do conhecimento. v. 1. Campinas: Pontes; CNPq/

Pronex e Núcleo de Jornalismo Científico, 2001.

6 Disponível em: <http://www.cienciaemcurso.unisul.br/ts01.html>.

7 Disponível em: < http://www.cienciaemcurso.unisul.br/revista/mpn04.html>

NUNES, M. A. V.; MARTINS, M. F. O discurso artístico na constituição dos materiais de divulgação de ciência: a revista Ciência em Curso. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 27-36, jul./dez. 2012.

Pág

ina3

6

Pág

ina3

6

Pág

ina3

6

MAFFESOLI, Michel. Contemplação do Mundo. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1995.

MARTINS, Marci Fileti et al. A Ciência enquanto processo: um caso de divulgação. (No prelo).

______. Divulgação científica e a heterogeneidade discursiva: análise de “Uma breve história do tempo”

de Stephen Hawking. Linguagem em (Dis)curso, v. 6, n. 2, Tubarão, 2006.

MARIANI, Bethânia. O PCB e a Imprensa: O comunismo imaginário, práticas discursivas da imprensa

sobre o PCB (1922-1989). Campinas: Editora da Unicamp, 1998.

NECKEL, Nádia Régia M. Do discurso artístico à percepção de diferentes processos discursivos. 2004.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Linguagem), Programa de Pós-Graduação em Ciências da Lingua-

gem, Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2004.

NEOTTI, Carolina. Autoria e plágio em monografias: uma abordagem discursiva. 2006. (Dissertação de

Mestrado em Ciências da Linguagem), Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem, Univer-

sidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2006.

ORLANDI, Eni P. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 1999.

______. Discurso e Leitura. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993.

______. Divulgação científica e efeito leitor: uma política social e urbana. In: Eduardo Guimarães (org.).

Produção e circulação do conhecimento. V. 1. Campinas: Pontes; CNPq/ Pronex e Núcleo de Jornalismo

Científico, 2001.

______. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Pontes, 2003.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Orlandi. Campi-

nas: Editora da Unicamp, 1988.

SERRA, Floriano. A arte e a técnica do vídeo: do roteiro à edição. São Paulo: Summus, 1986.

YAKHNI, Sara. O Eu e o outro no filme documentário: uma possibilidade de encontro. In: Biblioteca On-

line do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas. Disponível em: <www.bocc.ubi.pt>.

Acesso em: 13 de dezembro de 2007.

ZAMBONI, Lilian Márcia Simões. Cientistas, jornalistas e a divulgação científica: subjetividade e hete-

rogeneidade no discurso de divulgação científica. São Paulo: Autores Associados; Fapesp, 2001.

Recebido em 15 mai. 2012. Aprovado em 03 nov. 2012

Abstract: This study seeks to understand how is the operation of the production and circu-

lation of scientific knowledge, which is a constituent part of society is also reflected on

popular science, where science comes out of his place of “origin” (educational institutions

with its technology centers, for example) and become “publicized” (media), or becomes

part of daily life for non-specialists. It is about the school as a place of institutionalized

production and transmission of scientific knowledge and is now sharing space with the me-

dia that increasingly occupies a position within the transmitter of scientific knowledge.

Keywords: Artistic Discourse; Dissemination of Science; Science Laboratory Course Mag-

azine.

MARTINS, M. F.; SILVA, M. S. O discurso da ciência na contemporaneidade: heterogeneidade e descontinuidade. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 37-41, jul./dez. 2012.

Pág

ina3

7

O DISCURSO DA CIÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE:

HETEROGENEIDADE E DESCONTINUIDADE1

Marci Fileti Martins2

Marcelo Santos Silva3

Resumo: Esse trabalho busca compreender a produção e circulação do conhecimento ci-

entífico discutindo, especificamente, possíveis paradoxos e rupturas que passam a constitu-

ir o discurso científico na atualidade. A discussão estabeleceu-se de forma indireta, pois a

pesquisa foi desenvolvida através da análise do discurso científico ressignificado pelo dis-

curso de divulgação de ciência produzido pela Revista Laboratório Ciência em Curso4. As-

sim, a partir de uma perspectiva discursiva (PECHÊUX, 1969, 1975 e ORLANDI, 1996,

1999, 2001) refletimos sobre os procedimentos envolvidos no trabalho de divulgação cien-

tífica problematizando as possíveis transformações e rupturas que estariam afetando a ci-

ência na contemporaneidade.

Palavras-chave: Discurso da ciência; divulgação científica; paradoxos e rupturas.

INTRODUÇÃO

Esse estudo levanta questões sobre a produção e circulação do conhecimento cien-

tífico discutindo, especificamente, possíveis paradoxos e rupturas que passam a consti-

tuir o discurso científico na atualidade. De fato, a sociedade contemporânea, denomina-

da por alguns de pós-moderna, parece se caracterizar por uma conjuntura instável, em

que estão em jogo transformações de ordem social, política e econômica. É por isso, que

Lyotard (2002, p. 3) discutindo o que ele denomina “condição pós-moderna” destaca

que as transformações de ordem cultural pelas quais passa a sociedade contemporânea

envolvem o fim das metanarrativas. Consequentemente, segundo ele, os grandes es-

quemas explicativos teriam caído em descrédito e não haveria mais “garantias”, posto

que mesmo a “ciência” já não poderia ser considerada como a fonte da verdade.

A partir disso, estamos interessados em compreender o papel da ciência na atuali-

dade, que parece, em certa medida, se distanciar tanto das posições racionalista e positi-

vista, que tradicionalmente constituem o seu discurso, quanto do lugar de poder ocupa-

do por ela na sociedade.

Destacamos que essa discussão se dará de forma indireta, pois a pesquisa foi de-

senvolvida através da análise do discurso científico, ressignificado pelo discurso divul-

gação de ciência e a Revista Laboratório Ciência em Curso:

www.cienciaemcurso.unisul.br. É nesse espaço em que buscamos compreender e refletir

1 Texto apresentado no IV JUNIC - Jornada Unisul de Iniciação Científica e IV Seminário de Pesquisa –

outubro de 2009 em Santa Catarina, Brasil. 2 Docente da Fundação Universidade Federal de Rondônia. E-mail: [email protected]. 3 Acadêmico de Jornalismo e Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina. Bolsista da Revista

Laboratório Ciência em Curso no período de 2008/01 a 2009/0.

Disponível em: www.cienciaemcurso.unisul.br. 4 Disponível em: www.cienciaemcurso.unisul.br.

MARTINS, M. F.; SILVA, M. S. O discurso da ciência na contemporaneidade: heterogeneidade e descontinuidade. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 37-41, jul./dez. 2012.

Pág

ina3

8

sobre os procedimentos envolvidos no trabalho de divulgação científica, que buscamos

observar as possíveis transformações e rupturas que estariam afetando a ciência na con-

temporaneidade. Partimos da proposta de Martins (2008) que na sua análise de alguns

materiais de divulgação científica destaca certos enunciados como “incerteza”, “incom-

pletude”, “imperfeição”, “provisório”, “não pode ser comprovado jamais”, “nada existe

a não ser que observemos” e “nós precisamos da incerteza, é o único modo de continu-

ar”. Estes enunciados estariam materializando, segundo a autora, certos sentidos sobre

ciência aparentemente conflitantes com o funcionamento de um discurso da ciência

concebido tanto “como uma atividade de triagem entre enunciados verdadeiros e enun-

ciados falsos”, quanto como a produção de um sujeito da ciência que está “presente pela

sua ausência” (PÊCHEUX, 1975, 1997, 1998).

De tal modo, esse estudo, que tem como objetivo compreender o discurso científi-

co na contemporaneidade, através da análise do processo de divulgação dos núcleos e

grupos de pesquisa divulgados na Revista Laboratório Ciência em Curso. O estudo

mostra se relevante para a área científica/educacional, já que são as instituições acadê-

micas, juntamente com os seus centros tecnológicos, os lugares institucionalizados da

produção e circulação do conhecimento científico na sociedade. E, ao se verificar que o

mundo moderno deu à ciência, de certa forma, a incumbência de encontrar soluções

para os problemas da sociedade e que na contemporaneidade essa incumbência pode

estar sendo minimizada, é especialmente importante compreender como se dão esses

deslocamentos e essas transformações.

DESENVOLVIMENTO

A Revista Laboratório Ciência em Curso busca afastar-se da forma de divulgação

de ciência feita pelo jornalismo científico, já que o que se vê, hoje, nos materiais de

divulgação de ciência, é uma tendência a fazer prevalecer os conhecimentos da própria

mídia em detrimento dos conhecimentos da ciência. A ciência, na maioria desses mate-

riais, é mostrada noticiosamente, o que traz como consequência um apagamento do pro-

cesso científico. Dessa perspectiva, então, estamos propondo uma revista de divulgação

de ciência que tem como objetivo experimentar novas formas de divulgação. E o faze-

mos a partir da perspectiva teórica e metodológica da Análise do Discurso (PÊCHEUX,

1969, 1975; ORLANDI, 1999, 2003) em que compreendemos as formas de linguagem

enquanto discurso, ou seja, como lugar de constituição do sujeito e do sentido, espaço

que se constitui na relação entre linguagem, história e política e ideologia. O jornalismo,

a ciência e a própria divulgação, assim, são considerados discursos e são constituídos,

cada um deles, por suas condições de produção (históricas, políticas e ideológicas) e por

seus sujeitos:

o que deve ser decisivo nas práticas de divulgação de ciência não é somente o tipo de meio

utilizado (a videoconferência, a internet, a televisão, as mídias impressas, etc.), mas a con-

cepção de linguagem que permeia o processo. [...] o leitor não interage com o texto, mas

com outro sujeito [...] nas relações sociais, históricas, ainda que mediadas por objetos (co-

mo o texto). Ficar na objetividade do texto, no entanto, é fixar-se na mediação, absolutizan-

do-a, perdendo a historicidade dele, logo sua significância. (ORLANDI, 2001, p. 148)

MARTINS, M. F.; SILVA, M. S. O discurso da ciência na contemporaneidade: heterogeneidade e descontinuidade. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 37-41, jul./dez. 2012.

Pág

ina3

9

Destacamos ainda, que, como a posição do sujeito que faz a divulgação na Revista

Laboratório Ciência em Curso, não está inscrita no discurso jornalístico predominante-

mente, mas sim, no discurso acadêmico-científico, o foco recai muito mais no modo de

fazer pesquisa, cuja divulgação tem fins educativos, do que nos produtos das pesquisas.

Por outro lado, o trabalho de divulgação, neste caso, é ele próprio uma pesquisa que vai

se desenvolvendo de forma processual:

O trabalho da Revista Laboratório Ciência em Curso, no exercício de levar a ciência para

um leitor que não é um especialista, evidencia a complexidade desse processo. É preciso

construir uma posição para o divulgador de ciência que permita produzir um texto de divul-

gação que não seja nem tão hermético, representando uma outra versão de um artigo cientí-

fico e nem tão didático e noticioso como um texto jornalístico produzido pela mídia de

massa. Para isso, é necessário investir no processo tanto do fazer científico quanto do da

divulgação buscando compreender esses discursos através das suas reais condições de pro-

dução, através do resgate da sua historicidade. (GALLO et al, 2008, p. 5)

De tal modo, a pesquisa proposta nesse projeto será feita através da análise do

processo de divulgação de cada núcleo ou grupo de pesquisa. Nesse procedimento, bus-

ca-se compreender as condições de produção de cada grupo/núcleo de pesquisa resga-

tando um pouco de sua historicidade, que inclui elementos sociais, políticos e ideológi-

cos determinantes as práticas científicas de cada grupo. Na análise do discurso científi-

co, então, consideramos as relações entre a conjuntura (social, política, econômica) da

ciência da atualidade. Essa conjuntura envolve os sujeitos (cientistas e divulgadores) e o

que na análise de discurso denomina-se interdiscurso ou pré-construído, ou seja, o co-

nhecimento necessário para que algo possa ser dito e interpretado pelo sujeito. O inter-

discurso é a memória pensada em relação ao discurso, algo que, segundo Orlandi (2002)

fala antes, é o já-dito, mas necessariamente esquecido pelo sujeito para que ele possa

dizer e interpretar. De tal modo, os sentidos de uma palavra, de uma imagem não exis-

tem sozinhos, são produzidos num processo sócio-histórico marcado ideologicamente e

por isso esquecido pelo sujeito:

Poderíamos resumir essa tese dizendo: as palavras, expressões, proposições, etc., mudam de

sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam, o que quer dizer que

elas adquirem seu sentido em referência a essas posições, isto é, em referência às formações

ideológicas (no sentido definido mais acima) nas quais essas posições se inscrevem.

(PÊCHEUX, 1988, p.160)

Assim, a partir ponto de vista teórico, pudemos observar nos materiais de divulga-

ção da Revista Laboratório Ciência em Curso, uma certa desestabilização dos sentidos

produzidos sobre ciência, que ao se materializar nos enunciados de alguns pesquisado-

res parecem contradizer os sentidos de uma ciência inequívoca e absoluta. No vídeo

“vestígios cerâmicos”5, produzido pela Revista Laboratório Ciência em Curso para di-

vulgar o Grupo de Pesquisa Patrimônio Histórico e Cultural, do curso de História, da

Unisul, a professora e arqueóloga Deise de Farias, mostra que nem sempre tem todas as

respostas, já que, não soube explicar as peças de cerâmica encontradas no sambaqui que

sua equipe escavava. As suas palavras “agora, deu um nó na cabeça, pois cerâmica é de

sambaqui” materializa essa confusão e incerteza, pois não se esperava achar cerâmica

num sambaqui:

5 Disponível em: www.cienciaemcurso.unisul.br/interna_capitulo.php?id_capitulo=20

MARTINS, M. F.; SILVA, M. S. O discurso da ciência na contemporaneidade: heterogeneidade e descontinuidade. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 37-41, jul./dez. 2012.

Pág

ina4

0

Existia ali, algo que não se encaixava, que estava fora de lugar, o que gerou uma situação

de incerteza. A pesquisadora demonstra essa dúvida dizendo: “agora deu um nó na cabeça”.

Estávamos então, pesquisadores e divulgadores frente a algo inusitado, ou seja, com ar-

queólogos que se confrontavam com uma contradição sobre a história de sua pesquisa, a

qual parecia já estabelecida. Esse fato revela um sentido de ciência, pelo qual é necessário

levar em conta que o seu percurso está suscetível a dúvidas e a equívocos. Consequente-

mente, vemos aí, o processo que queremos evidenciar, que a pesquisa científica é vulnerá-

vel e feita sob hipóteses e não constituída por verdades absolutas. Não é um produto ape-

nas, como supõe o jornalismo de massa. (NUNES; MARTINS, 2008)

Já a professora Claudia Aguyrre, do projeto Hipermídia, no vídeo “desconstruir,

rever, transcender”6 fala de um conhecimento que não vem exclusivamente da acade-

mia. A pesquisadora relaciona a produção do conhecimento “a uma sensibilização do

processo de percepção”, o que contradiz um conhecimento resultante da racionalização,

típico da ciência tradicional.

O outro pesquisador, o professor André Carreira, do Núcleo de Pesquisas sobre

Processos de Criação Artística- AQIS, no vídeo “arte versus ciência”7 relaciona ciência

e arte mostrando que essas áreas, historicamente divididas pelos seus métodos, podem

ter elementos em comum. São suas as palavras: “[…] a pesquisa em arte trabalha com

várias coisas que são primas irmãs da ciência […] desejo, força de afeto com o objeto,

você fica atrás de uma bactéria por 40 anos é a mesma coisa que ficar atrás de uma téc-

nica de ator, porque tem desejo ali”.

Esses enunciados materializam a posição assumida pelo pesquisador quando fala

sobre seu trabalho, que parece contradizer a sua posição enquanto sujeito de um discur-

so da ciência que se pretende ser imparcial e fonte de verdade absoluta. Analisando as

condições de produção desses enunciados, trazemos para a discussão a conjuntura histó-

rica, social e política contemporânea. Bauman (2001) tratando dessa questão, aponta

para um movimento de transformações e rupturas da sociedade atual, com certos valores

tradicionais e estabilizados (“modernidade sólida”), que nasceram a partir de valores

clássicos. Para o autor, na atualidade, que ele chama de “modernidade líquida”, tudo é

volátil e as relações sociais não são mais tão tangíveis, pois o trabalho, a política, a vida

em conjunto, a familiar, de casais, de grupos de amigos, perdem consistência e estabili-

dade. Bauman (2001) acredita, então, que a sociedade contemporânea se constitui por

uma conjuntura heterogênea, em que se inter-relacionam dois momentos histórico-

sociais conflitantes. Um assentado em valores tradicionais, institucionalizados e estabi-

lizados, e outro, que nega esses valores “prontos”. O homem contemporâneo, assim,

teria trocado a “segurança” pela “liberdade”.

O discurso científico, assim, pode estar se transformando de modo que os sentidos

deterministas e mecanicistas estejam convivendo com outros sentidos mais relativiza-

dos, que não excluem a ambiguidade e a imprecisão, por exemplo. Essa constituição

heterogênea e descontínua do discurso da ciência, por sua vez, vai determinar a divulga-

ção científica “regulando”, em certa medida, neste último, “o que o divulgador pode e

deve dizer e também o que não pode e não deve dizer” sobre ciência. Ou seja, o que

vemos nos materiais midiáticos materializaria essa conjuntura. A divulgação científica,

portanto, ao falar sobre ciência, pelo menos nesses materiais analisados, se apresenta

6 Disponível em: www.cienciaemcurso.unisul.br/interna_capitulo.php?id_capitulo=46

7 Disponível em: www.cienciaemcurso.unisul.br/interna_capitulo.php?id_capitulo=90.

MARTINS, M. F.; SILVA, M. S. O discurso da ciência na contemporaneidade: heterogeneidade e descontinuidade. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 37-41, jul./dez. 2012.

Pág

ina4

1

também como um discurso contemporâneo, em que afetado por possíveis transforma-

ções históricas e sociais, se mostra poroso, aberto ao outro sentido.

Essa análise, além de servir como reflexão para o próprio trabalho de divulgação

feito pela Revista Laboratório Ciência em Curso, se mostra importante também para as

discussões sobre a produção de conhecimento na atualidade, em que pensar sobre as

condições de produção e circulação do conhecimento científico numa sociedade como a

nossa, implica, segundo Gallo et al (2008), refletir sobre a relação entre ciência e as

instituições (Estado, escola e mídia), em que o estado e a escola passam a dividir com a

mídia o papel de produtores do conhecimento científico:

De fato, ao lado dos produtores “originais” do conhecimento científico está a mídia que, as-

sumindo a função de divulgadora do conhecimento, “atravessa os lugares e as posições, ar-

rastada por fluxos discursivos que se entrelaçam e se cruzam e que os produtores do conhe-

cimento do saber original não mais controlam”. (GALLO et al, 2008, p. 2)

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

GALLO, Solange L., et. al. A ciência enquanto processo: a Revista Ciência em Curso. 2008 (no prelo).

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa. 7. ed. Rio de Janei-

ro: José Olympio, 2002.

MARTINS, F. Marci. Divulgação científica e a heterogeneidade discursiva: análise de “Uma breve histó-

ria do tempo” de Stephen Hawking. Linguagem em (Dis)curso, v. 6, n. 2, Tubarão, 2006.

______. O que pode e deve ser dito no discurso de divulgação de ciência: Nós precisamos da incerteza, é

o único modo de continuar. In: III SEAD. Porto Alegre, 2007.

NUNES, Maria Augusta V.; MARTINS, Marci Fileti. O discurso artístico na constituição dos materiais

de divulgação de ciência: Linguasagem – Revista Eletrônica de Popularização Científica em Ciências da

Linguagem, 2008.

ORLANDI, Eni P. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 1999.

______. Divulgação científica e efeito leitor: uma política social e urbana. In: Eduardo Guimarães (org.).

Produção e circulação do conhecimento. v. 1. Campinas: Pontes; CNPq/ Pronex e Núcleo de Jornalismo

Científico, 2001.

______. A Linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Pontes, 2003.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Orlandi. Campi-

nas: Editora da Unicamp, 1988.

Recebido em 17 maio 2012. Aprovado em 19 out. 2012.

Abstract: This work seeks to understand the production and circulation of scientific

knowledge, discussing, specifically, possible paradoxes and fissures which go to constitute

the scientific discourse today. The discussion was established indirectly, because the re-

search was developed through the analysis of scientific discourse re-signified by the speech

produced by the disclosure of Science Laboratory Course Magazine. Thus, from a discur-

sive perspective (PECHÊUX, 1969, 1975, ORLANDI, 1996, 1999, 2001) reflects on the

procedures involved in the work of scientific questioning the possible changes and disrup-

tions that would be affecting contemporary science.

Keywords: Discourse of science, Popular Science, Paradoxes and Ruptures.

FLORES, G. B. Entre a ciência e a mídia: um olhar de assessoria de imprensa. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 43-48, jul./dez. 2012.

Pág

ina4

3

ENTRE A CIÊNCIA E A MÍDIA:

UM OLHAR DE ASSESSORIA DE IMPRENSA1

Giovanna Benedetto Flores2

Resumo: Esse trabalho se propõe a identificar as estratégias discursivas predominantes do

jornalista de divulgação científica na condição de assessor de imprensa, identificando o

modo como ele trabalha as informações, fazendo um duplo movimento de interpretação en-

tre os dizeres dos cientistas e da mídia. O sujeito do discurso de divulgação, nessa posição,

traz uma diferença importante em relação ao discurso do jornalismo científico já que ele

funciona como referência para o jornalista de mídia.

Palavras-chave: Ciência. Mídi. Discurso.

INTRODUÇÃO

Atualmente, podemos elencar várias publicações que divulgam ciência, notada-

mente nos centros de maior produção do país (Rio de Janeiro e São Paulo), ligadas a

fundações de pesquisas, universidades e órgãos de fomento, e ainda, outras mais abran-

gentes, como aquelas ligadas a editorias comerciais.

No geral, ainda persiste uma grande carência da divulgação de produção científica

nacional pela mídia. Mesmo quando esta existe, nem sempre a circulação do conheci-

mento se dá de maneira satisfatória, quer seja pela falta de políticas científicas do Esta-

do que incentivem esse movimento, quer seja pela falta de conhecimento dos jornalistas

e divulgadores.

Ao falar sobre divulgação científica, não estamos nos referindo às publicações ci-

entíficas especificamente produzidas por cientistas, e sim, aos materiais produzidos pela

mídia, através de publicações na imprensa em geral. Nesse caso, a mídia é lugar de me-

diação entre o discurso científico e a sociedade.

A sociedade em geral está muito distante da sociedade científica, pois se de um

lado ela consegue compreender a importância do papel da ciência para o desenvolvi-

mento da nação e do mundo, de outro não consegue compreender a ciência, uma vez

que desconhece suas determinações históricas e ideológicas, que são elementos consti-

tutivos das relações de poder que orientam o discurso científico.

Nesse cenário, a mídia acaba sendo um instrumento didático na disseminação da

ciência, explorando seus aspectos técnicos e pragmáticos, mas não um meio de compre-

ensão do discurso científico. Isto acaba por reforçar as relações de poder, mantendo o

status quo. Ou seja, a mídia, ao tornar algumas pesquisas científicas conhecidas pelo

grande público, enfatiza, normalmente, os avanços tecnológicos e os resultados práticos

1 Texto originalmente publicado In: NECKEL, Nádia. R. M.; GALLO, Solange. L. (orgs.). Ciência e

Cultura. Palhoça: Unisul, 2011, v. 1, p. 17-28. 2 Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Unisul. E-mail:

[email protected]

FLORES, G. B. Entre a ciência e a mídia: um olhar de assessoria de imprensa. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 43-48, jul./dez. 2012.

Pág

ina4

4

imediatos. Neste sentido, há um longo caminho a ser percorrido entre a informação so-

bre estas pesquisas científicas e a compreensão desse processo.

Os meios de comunicação – rádios, jornais, televisões, revistas, cinema e internet,

compõem, hoje, uma rede global denominada multimídia, facilitando o acesso à infor-

mação. Os veículos de comunicação passam por um processo de padronização da in-

formação, que é a reprodução da mesma notícia em todos os meios, se diferenciando

apenas nos enfoques. Se por um lado esse fato traz resultados positivos para a socieda-

de, já que democratiza a informação, por outro lado, a concorrência para dar a notícia

em primeira mão aumenta, pois é esse o fator diferencial dos veículos de comunicação.

Esta conjuntura impossibilita ao jornalista a pesquisa e a produção de reportagens mais

elaboradas, e, em muitos casos, o leitor acaba recebendo as informações incompletas,

não tendo acesso a outras interpretações.

Deve-se também considerar a maneira como o jornalista produz a informação. Ge-

ralmente, esta produção parte de um evento momentâneo, ao contrário da ciência, que

produz seus sentidos pelo acúmulo de “micro” acontecimentos, bem distante dos gran-

des eventos, que para a ciência são raros, ou seja, o tempo do jornalismo é diferente do

tempo da ciência. O primeiro é agora, o presente imediato, enquanto que o segundo é o

processual.

Desta forma, esse trabalho se propõe a identificar as estratégias discursivas pre-

dominantes do jornalista de divulgação científica na condição de assessor de imprensa,

identificando o modo como ele trabalha as informações, fazendo um duplo movimento

de interpretação entre os dizeres dos cientistas e da mídia. O sujeito do discurso de di-

vulgação, nessa posição, traz uma diferença importante em relação ao discurso do jorna-

lismo científico já que ele funciona como referência para o jornalista de mídia.

O corpus desta pesquisa se compõe de textos produzidos por pesquisadores, por

jornalistas que exercem assessoria de imprensa e por jornalistas da mídia em geral, pro-

duzidos em dois congressos científicos: um de mutagênese ambiental e outro de patolo-

gia clínica/medicina laboratorial. Estes congressos reuniram pesquisadores do mundo

inteiro em Florianópolis, Santa Catarina, em 2003 e 2004, respectivamente. A noção

determinante do recorte feito no corpus é a de autoria, que faz parte do dispositivo teóri-

co-analítico da Análise do Discurso, tendo como principal referência Pêcheux (1969) e

Orlandi (1990).

OS TRÊS DISCURSOS POSSÍVEIS:

O DA CIÊNCIA, O DE DIVULGAÇÃO E O DA MÍDIA

Texto do artigo. Nesse trabalho, identificamos três tipos de divulgação, que apre-

sentamos como a do tipo 1, aquela que fica nos limites de uma mesma ordem de discur-

so, ou seja, é o discurso da ciência para a ciência; e as de tipo 2 e 3, que são outros tipos

de divulgação, relacionando o discurso da ciência com outro discurso. Ambas as formas

discursivas produzem divulgação, mas para leitores diferentes. A forma discursiva do

tipo 2 é a da ciência para o grande público e tem o movimento de interpretação oscilan-

FLORES, G. B. Entre a ciência e a mídia: um olhar de assessoria de imprensa. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 43-48, jul./dez. 2012.

Pág

ina4

5

do entre ordens diversas de discurso: o discurso da ciência e o discurso jornalístico, on-

de o leitor virtual3 não é especializado em ciência e nem em jornalismo.

Já a forma discursiva do tipo 3 produz o movimento de interpretação entre a ciên-

cia e o jornalismo não especializado, o sujeito-jornalista da mídia, que aqui é o interlo-

cutor de outro jornalista.

Entendemos que no caso do tipo 2, o leitor (ideal) virtual, para qual o autor pro-

duz a matéria é o grande público, enquanto que no caso do tipo 3, o leitor (ideal) virtual,

para qual o autor produz é outro jornalista. Essa função, no ponto de vista pragmático, é

reconhecida como de assessoria de imprensa.

No discurso do tipo 1, da ciência para a ciência, o pesquisador se inscreve no dis-

curso científico e fala para seus pares, ou seja, fala para outro cientista usando uma lin-

guagem reconhecida pela comunidade científica, que é entendida, interpretável, porque

tanto o autor como o interlocutor compartilham os mesmos sentidos, que para a Análise

do Discurso são sentidos pré-construídos próprios do discurso da ciência, no qual eles

se inscrevem.

Tem-se, como exemplo, o tema apresentado pelo médico/pesquisador sobre pu-

berdade precoce. Na palestra, ele se utiliza de gráficos e fotos que mostram as conse-

quências dos distúrbios e os avanços da pesquisa, como também usa uma linguagem

reconhecida pela comunidade médica/científica, identificada por enunciados comuns a

essa comunidade, como por exemplo “Telarca e puberca prematuras” ou “Idiopática

mais comum”.

Essas marcas constituem-se em evidências de que tanto o locutor quanto seus in-

terlocutores inscrevem-se no discurso científico e o sentido do seu dizer provêm dessa

ordem discursiva. Neste caso, fica totalmente fora de questão a intenção dos indivíduos,

pois a forma dos textos na perspectiva discursiva tem determinação histórica e ideológi-

ca. É o trabalho elementar da ideologia que deixa apagado para o sujeito as razões de

sua determinação. É esse o mecanismo de produção do óbvio no “universo logicamente

estabilizado” (Pêcheux, 1990, p. 22). Isso explica a “naturalidade” com que um cientista

ouve e entende/interpreta outro cientista.

No discurso do tipo 2, do jornalista da mídia, essa mesma foto apresentada pelo

pesquisador (figura 1), sofreria uma interpretação bastante diferente daquela produzida

no interior do discurso da ciência, se estivesse inscrita no discurso jornalístico, ou ainda,

seu sentido seria totalmente “opaco” ou ilegível. No discurso jornalístico, esse enqua-

dramento próprio do discurso da ciência não faz sentido, sendo necessário um outro

recorte, como por exemplo, uma criança num contexto social, no qual se evidencia a

patologia.

Além disso, no discurso jornalístico, a foto serviria apenas como ilustração de

uma reportagem, não tendo a forma de circulação que tem no discurso científico, porque

o olhar que a mídia produz para o jornalístico está ancorado no efeito do social, produ-

zindo o efeito-ciência do discurso da mídia, permitindo o deslizamento do discurso da

ciência para o social, aparecendo como informação e dando credibilidade ao discurso da

mídia.

FLORES, G. B. Entre a ciência e a mídia: um olhar de assessoria de imprensa. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 43-48, jul./dez. 2012.

Pág

ina4

6

Figura 1 – Primeiro recorte

Foto apresentada no Congresso de Medicina Laboratorial

Pode-se dizer então, que o jornalista/assessor trabalha no entremeio entre o dis-

curso da ciência e o discurso jornalístico. Ao fazer esses deslocamentos de sentidos, o

jornalista/assessor está transferindo conhecimento para o jornalista não especializado

em ciência, de forma que esse possa compreender a ciência e sua terminologia, e assim,

transferir esse conhecimento para o grande público, que é o leitor virtual do jornalista da

mídia. Esse mesmo discurso do jornalista/assessor também é atravessado pelo discurso

publicitário, através da forma como ele se organiza socialmente, como ele circula na

“forma de elogio”, marcado através da espetacularização do acontecimento, enfatizando

os benefícios das pesquisas, mas nunca mostrando os riscos e os equívocos dessas pes-

quisas. Esta característica está presente no discurso jornalista/assessor e não em outros

discursos. Embora pertençam a uma mesma Formação Discursiva, o jornalista/assessor

ocupa uma posição discursiva extrema, porque não deixa de pertencer a FD do jorna-

lismo, mas traz as marcas dos outros discursos. Por isso, dizemos que ele é atravessado

pela heterogeneidade discursiva, que não é a constitutiva e nem a enunciativa, porque o

sujeito-jornalista conta com ela para fazer sentido, conforme o exemplo que se segue.

Figura 2– Segundo recorte

Texto jornalista/assessor de imprensa

Figura 3 – Terceiro recorte

Texto Jornalista de mídia

A diferença, nos dois textos, está marcada na forma de apresentação no dizer do

pesquisador. Pode-se observar que, ao escrever o texto, o jornalista da mídia modifica

algumas informações, marcando o dizer do pesquisador diferente do jornalista/assessor,

atribuindo outros dizeres para o cientista. O jornalista da mídia não tem a preocupação

de reproduzir fielmente as informações obtidas com o jornalista/assessor, produzindo

assim um outro dizer, mas atribuindo esse dizer ao pesquisador para legitimar as infor-

mações. Esta prática é comum no discurso jornalístico, onde o sujeito-jornalista toma

como sua a autoria do texto, e atribui um certo dizer ao pesquisador, baseado na legiti-

mação que esse dizer proporciona para o discurso jornalístico, ou seja, o jornalista da

FLORES, G. B. Entre a ciência e a mídia: um olhar de assessoria de imprensa. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 43-48, jul./dez. 2012.

Pág

ina4

7

mídia é quem determina em seu texto o dizer do pesquisador, marcado através das as-

pas, e assim ressaltando o dizer da ciência em seu texto.

Portanto, pode-se dizer, conclusivamente sobre a especificidade do discurso do

jornalista/assessor, que este sujeito é homogêneo em se tratando de terminologia e que a

utiliza alternando a terminologia e a perspectiva social, como forma de conseguir se

fazer entender tanto pelo seu leitor virtual como pelo público, ou seja, essa homogenei-

dade é efeito de sentido de unidade, de estabilidade. Esse mesmo discurso é marcado

pela heterogeneidade do discurso da ciência, mostrado a partir da análise. Este traço está

marcado no seu texto através das terminologias e nomenclaturas. Esse discurso traz

também as marcas de dois outros discursos, o publicitário e o da mídia, pois é atraves-

sado pelos dizeres dos dois, mobilizando sentidos que determinam o seu leitor virtual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando se fala em ciência, nem sempre as relações entre o jornalista/assessor de

imprensa e o jornalista de mídia é satisfatória, porque o sujeito-jornalista de redação não

compreende a ciência e, a urgência do jornalismo, desta forma, não permite que haja um

aprofundamento dos assuntos. Há uma necessidade do aqui e agora e, por conta disto,

fica mais fácil “esquecer” a ciência em detrimento de outros assuntos.

Surge assim, o questionamento de como a ciência, o jornalista/assessor de im-

prensa e o jornalista da mídia se relacionam e como devem ser os dizeres de cada um

desses sujeitos. É justamente através dos procedimentos da Análise do Discurso que

pudemos buscar respostas a esses questionamentos, primeiramente, tentando identificar

as condições de produção e a formação discursiva de cada sujeito pesquisado, o que nos

permite entender o movimento de interpretação de cada um desses sujeitos. Como eles

estão em FD diferentes, mas inter-relacionadas, elas produzem interpretações para pú-

blicos distintos. A ciência trabalha para ela própria. Os seus dizeres são reconhecidos

através dos pré-construídos próprios dos discursos onde se encontram.

Já as FD dos jornalistas, tanto da redação como da assessoria de imprensa são de-

terminadas pelas posições que ocupam, como divulgadores de ciência e como imprensa

em geral e para quem eles escrevem o texto. No caso do jornalista/assessor, ele tem co-

mo leitor virtual outro jornalista, o de redação e, este último tem como leitor o público

em geral, o leitor do jornal, o telespectador e, por isso, ancora seu dizer baseado no sen-

so comum como forma de legitimar seu discurso.

Os três tipos de discursos aqui apresentados, produzem um efeito-autor de unici-

dade e coerência caracterizando um efeito de fechamento, de um fim provisório. Este

efeito de sentido único é produzido pelo veículo de comunicação. Ao abrir o jornal, o

leitor já tem uma expectativa do que vai encontrar, não em se tratando de conteúdo, mas

de assunto que interessa efeito esse que provém do discurso jornalístico e não do discur-

so científico, justamente porque o leitor se reconhece, se identifica nesse dizer.

As análises mostram que é uma pseudounicidade, porque a unicidade não existe

de fato, tanto que se identificam três processos discursivos diferentes. Nesse sentido, a

questão da objetividade fica possível de ser questionada, porque não se trata de um úni-

co autor, pela própria condição de heterogeneidade do texto isto não seria possível.

FLORES, G. B. Entre a ciência e a mídia: um olhar de assessoria de imprensa. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 43-48, jul./dez. 2012.

Pág

ina4

8

REFERÊNCIAS

AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. A encenação da comunicação no discurso de divulgação científica. In:

______. Palavras Incertas. As não coincidências do dizer. Campinas: Unicamp, 1998.

BRANDÃO, Helena H.N. Introdução à análise do discurso. Campinas: Editora da Unicamp, 1994.

GALLO, Solange M. L. Autoria: questão enunciativa ou discursiva. Linguagem em Dis(curso). v.1. n.1.

Tubarão: Editora Unisul, 2001.

______. Subsídios para uma análise do discurso de divulgação científica. Revista ANPOLL, 2004.

______. Discurso da escrita e ensino. Campinas: Editora da Unicamp, 1995.

GUIMARÃES, Eduardo. O acontecimento para a grande mídia e a divulgação científica. In: ______

(org.). Produção e circulação do conhecimento. Campinas: Pontes; CNPq/ Pronex e Núcleo de Jornalis-

mo Científico, 2001.

______. Semântica do acontecimento. Campinas: Pontes, 2002.

KOPPLIN, Elisa; FERRARETTO, Luiz Arthur. Assessoria de imprensa: teoria e prática. Porto Alegre:

Sagra, 1996.

LUSTOSA, Elcias. O texto da notícia. Brasília: Editora UnB, 1996.

MARIANI, Bethânia. O PCB e a Imprensa: O comunismo imaginário, práticas discursivas da imprensa

sobre o PCB (1922-1989). Campinas: Editora da Unicamp, 1998.

MEDINA, Cremilda. Notícia, um produto à venda: jornalismo na sociedade urbana e industrial. São Pau-

lo: Ed. Summus, 1988.

ORLANDI, Eni P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 1999.

______. Discurso e Leitura. Campinas: Unicamp; São Paulo: Cortez, 2001.

______. Divulgação científica e efeito leitor: uma política social urbana. In: Eduardo Guimarães (org.).

Produção e circulação do conhecimento. Campinas: Pontes; CNPq/ Pronex e Núcleo de Jornalismo Cien-

tífico, 2001.

______. Discurso e texto: as formulações e circulações dos sentidos. Campinas: Pontes, 2001.

______. Colonização, globalização, tradução e autoria científica. In: ______. Produção e circulação do

conhecimento: política, ciência e divulgação. Campinas: Pontes, 2003.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Editora da Uni-

camp, 1988.

______. O discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas: Pontes, 1990.

Recebido em 19 jun. 2012. Aprovado em 26 out. 2012.

Abstract: This study aims to identify the discursive strategies of the prevailing popular sci-

ence journalist on condition publicist, identifying how it works information, making a dou-

ble movement of interpretation between the words of the scientists and the media. The sub-

ject of the discourse of disclosure in this position brings an important difference in relation

to the discourse of science journalism since he works as a reference for the media journal-

ist.

Keywords: Science. Media. Speech.

MARTINS, M. F. O que pode e deve ser dito sobre ciência no discurso da divulgação científica: nós precisamos da incerteza, é o único modo de continuar. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 49-58, jul./dez. 2012.

Pág

ina4

9

Pág

ina4

9

O QUE PODE E DEVE SER DITO SOBRE CIÊNCIA NO

DISCURSO DA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA: NÓS PRECISAMOS

DA INCERTEZA, É O ÚNICO MODO DE CONTINUAR1

Marci Fileti Martins2

Resumo: Interessa-me analisar nos materiais de divulgação científica, certos enunciados

como “incerteza”, “incompletude”, “imperfeição”, “provisório”, “não pode ser compro-

vado jamais”, “nada existe a não ser que observemos” e “nós precisamos da incerteza, é o

único modo de continuar” que materializam certos sentidos sobre ciência. Sentidos estes

aparentemente conflitantes com o funcionamento de um discurso da ciência concebido tan-

to “como uma atividade de triagem entre enunciados verdadeiros e enunciados falsos”,

quanto como a produção de um sujeito da ciência que está “presente pela ausência”

(PÊCHEUX, 1975, p. 97-98). Interessa-me, portanto, como propõe Pêcheux (1983), alcan-

çar a objetividade material contraditória do interdiscurso que determina o discurso de di-

vulgação científica, na atualidade, buscando, de um lado, compreender as condições de

produção históricas e ideológicas que tornam possíveis o surgimento desses enunciados e,

consequentemente, desses sentidos sobre ciência e, de outro, interrogar sobre o papel da

divulgação científica de modo como se dá a produção circulação do conhecimento numa

sociedade como a nossa.

Palavras-chave: Discurso da ciência. Divulgação Científica. Produção do Conhecimento.

Circulação do Conhecimento.

INTRODUÇÃO

Podemos afirmar que o que deriva da ciência, atualmente, não é mais de interesse

exclusivo dos cientistas. De fato, a ciência ganha novos sentidos ao, intensamente, sair

dos lugares de produção e circulação tradicionais (as instituições acadêmicas com seus

papers e congressos, por exemplo) para se construir noutro espaço social e histórico em

que é ressignificada através de materiais midiáticos (revistas e programas de TV) deno-

minados materiais de “divulgação” de ciência. Nesta conjuntura, interessa-me analisar

nos materiais de divulgação científica, certos enunciados como “incerteza”, “incomple-

tude”, “imperfeição”, “provisório”, “não pode ser comprovado jamais”, “nada existe a

não ser que observemos” e “nós precisamos da incerteza, é o único modo de continuar”

que materializam certos sentidos sobre ciência. Sentidos estes aparentemente conflitan-

tes com o funcionamento de um discurso da ciência concebido tanto “como uma ativi-

dade de triagem entre enunciados verdadeiros e enunciados falsos”, quanto como a pro-

dução de um sujeito da ciência que está “presente pela ausência” (PÊCHEUX, 1975, pp.

97-98). Interessa-me, portanto, como propõe Pêcheux (1983), alcançar a objetividade

material contraditória do interdiscurso que determina o discurso de divulgação científi-

ca, na atualidade, buscando, de um lado, compreender as condições de produção históri-

cas e ideológicas que tornam possíveis o surgimento desses enunciados e, consequen-

1 In: INDURSKY, Freda; FERREIRA Maria Cristina L., MITTMANN, Solange (Orgs.). O discurso na

contemporaneidade: materialidades e fronteiras. São Carlos: Claraluz, 2009. 2 Docente da Fundação Universidade Federal de Rondônia. E-mail: [email protected]

MARTINS, M. F. O que pode e deve ser dito sobre ciência no discurso da divulgação científica: nós precisamos da incerteza, é o único modo de continuar. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 49-58, jul./dez. 2012.

Pág

ina5

0

Pág

ina5

0

temente, desses sentidos sobre ciência e, de outro, interrogar sobre o papel da divulga-

ção científica de modo como se dá a produção circulação do conhecimento numa socie-

dade como a nossa.

O que dominamos Divulgação Científica, hoje, segundo alguns pesquisadores,

(BUENO, 1984. ZAMBONI, 2001.) pode ser relacionada a um conjunto de materiais

que vão desde revistas, programas de TV e de rádio passando por livros didáticos, aulas

de ciência do segundo grau, até revistas em quadrinhos. E tem, imaginariamente, como

função colocar em linguagem acessível os fatos/pesquisas científicas os quais são her-

méticos e incompreensíveis para os sujeitos não especialistas.

Interessa-me dentre esses materiais, aqueles produzidos na articulação entre a ci-

ência e a mídia, pelo que é, tradicionalmente, chamado Jornalismo Científico. Nessa

relação, o discurso de ciência é ressignificado a partir da sua “publicização”, ou seja, a

ciência é “retirada” do seu meio de circulação tradicional e levada a ocupar um lugar no

“cotidiano” do grande público. O efeito de sentido que aí se estabelece é o que podemos

chamar de “efeito de informação científica” (ORLANDI, 2001), em que o “conheci-

mento” científico passa a “informação” científica.

Neste funcionamento, o discurso de divulgação atua como um discurso sobre

(MARIANI, 1988) em que, ao falar sobre ciência coloca-se entre esta e os sujeitos co-

nhecido pelo interlocutor. Os sentidos aí produzidos, por um lado, mostram a ciência, na

maioria das vezes, apenas em seus resultados, como produtos acabados e por outro,

constroem a imagem de um leitor de ciência que se constitui pela falta de conhecimen-

to/informação, o que imprime a necessidade de um didatismo ao discurso de divulga-

ção. De tal modo, através recursos linguísticos como definições, explicações, estatísti-

cas, citações, analogias, e outros como esquemas, desenhos e fotos, este discurso deslo-

ca o conhecimento científico que passa a significar a partir de outras condições de pro-

dução.

O discurso de divulgação científica, portanto, se inscreve num espaço de negocia-

ção entre as formações discursivas (FD) da mídia (jornalismo), da ciência e do grande

público (não especialistas), sendo esta negociação determinada por uma interdiscusivi-

dade que vai ela mesma produzir, através de encadeamentos e articulações a delimita-

ção, evidentemente instável, entre estas FD, as quais não se constituem independente-

mente, mas sim propõe Guimarães (1993 apud ORLANDI, 1996, p. 68) não se dá partir

de discursos já particularizados, é ela própria a relação entre discursos que dá a particu-

laridade, ou seja, são as relações entre discursos que particularizam cada discurso.

Desse modo, proponho pensar o discurso de divulgação científica, especificamen-

te, na sua relação com a FD da ciência, naquilo que essa FD particulariza o discurso de

divulgação, buscando compreender como certos enunciados, que surgem no discurso de

divulgação como “incerteza”, “incompletude”, “imperfeição”, “provisório”, “não pode

ser comprovado jamais”, “nada existe a não ser que observemos” e “nós precisamos da

incerteza, é o único modo de continuar”, podem estar materializando certos sentidos

sobre ciência, aparentemente conflitantes com o funcionamento de um discurso de ciên-

cia concebido tanto “como uma atividade de triagem entre enunciados verdadeiros e

enunciados falsos”, quanto como a produção de um sujeito da ciência que está “presente

pela sua ausência” (PÊUCHEUX, 1975, p. 71-98)

MARTINS, M. F. O que pode e deve ser dito sobre ciência no discurso da divulgação científica: nós precisamos da incerteza, é o único modo de continuar. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 49-58, jul./dez. 2012.

Pág

ina5

1

Pág

ina5

1

Inicio me posicionando, posteriormente, ao que Pêcheux e Fichant (1977) cha-

mam de corte galilaico, num momento da história da ciência em que surgem fundamen-

tos como o Princípio da Incerteza, de Heisemberg (1927), o Teorema da Indefinibilida-

de, de Tarski (1930) e o Teorema da Incompletude, de Gödel (1931). O objetivo é mos-

trar que os efeitos do aparecimento dessas definições na física e na lógica-matemática

são decisivos para o entendimento do funcionamento do discurso da ciência na contem-

poraneidade.

Na terceira metade do século XX, a comunidade científica ainda se recuperava

dos efeitos provocados pelo que chamarei de “corte einstainiano”, que colocava a ciên-

cia num “ponto sem regresso” (REGNAUT apud PÊCHEUX; FICHANT, 1977) a partir

do qual novos sentidos começam a aparecer. A ideia de que tempo e espaço não são

absolutos e se constituem relativamente (Teoria da Relatividade Geral) e mais ainda,

uma visão da realidade que, ao mesmo tempo, que era para nós não especialistas, con-

tra-intuitiva, era para a ciência estabelecida um ponto de ruptura com seus pressupostos

mecanicistas e determinadas, em que haveria tanto o repouso absoluto quanto o tempo

absoluto ou universal, o qual todos os relógios mediriam. Segundo Hawking (2002),

esses conceitos perturbaram algumas pessoas que se perguntavam: se tudo era relativo

não existiriam, então, padrões morais absolutos?

Entretanto, a mesma linguagem matemática e lógica que possibilitou o desenvol-

vimento da mecânica newtoniana e seus efeitos, também, foi responsável pelas “desco-

bertas de Einstein”, o que não implica, portanto, estar em jogo, no discurso da ciência,

uma negação de certo pré-construído envolvendo a infalibilidade da lógica-matemática.

Dito de outra maneira, os sentidos aí constituídos para a lógica-matemática garantem-

lhe o status de metalinguagem, que através da demonstração (axiomática e algorítmica)

e da verificação (objetiva), é capaz de descrever, de forma inequívoca e absoluta, os

fenômenos. Isso envolve a aceitação de um real independente do sujeito e acessível por

essa metalinguagem. Um enunciado de Einstein, logo após a Segunda Guerra Mundial,

em 1948, após lhe oferecerem a residência do novo estado de Israel, a qual ele declinou,

materializa os sentidos do discurso da ciência que sustentava as suas descobertas: “A

política é para o momento, mas uma equação é para a eternidade” (Hawking 2002,p.26).

Curiosamente, no discurso da ciência, assim, logicamente constituído, outra ruptu-

ra, essa agora muito mais desestabilizadora começa a se constituir. Determinada pelo

processo de “demarcações” e “acumulação ideológica” que, segundo Pêcheux e Fichant

(1977), “precede necessariamente o momento do corte e determina a conjuntura na qual

este se produzirá”, essa ruptura ou corte é o que se convencionou chamar “mecânica

quântica”, a qual traz profundas implicações para a maneira como a ciência, a partir

desse momento, passa a ver a realidade e a participação do observador no processo cien-

tífico.

O aspecto perturbador da teoria quântica envolve as ideias de outro alemão, We-

ner Heisenberg, que, em 1926, formulou o “Princípio da Incerteza”. Esse princípio sur-

ge da necessidade prática de prever a posição e a velocidade futuras de uma partícula a

partir dos postulados feitos por Max Planck, que em 1900, afirmou que luz sempre vem

em pequenos pacotes chamados “quanta”. Segundo Heisenberg a hipótese de Planck

implica que quanto mais exatamente se tenta medir a posição de uma partícula, menos

MARTINS, M. F. O que pode e deve ser dito sobre ciência no discurso da divulgação científica: nós precisamos da incerteza, é o único modo de continuar. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 49-58, jul./dez. 2012.

Pág

ina5

2

Pág

ina5

2

exatamente se consegue medir sua velocidade e vice e versa. O “Princípio da Incerteza,

desse modo, assinala o fim do sonho de uma teoria da ciência que propunha um modelo

de universo completamente determinístico”. Nas palavras de Hawking (1988, p.65)

“não se pode por hipótese” prever eventos futuros com precisão, uma vez que também

não é possível medir precisamente o estado presente do universo [...] a mecânica quânti-

ca, portanto, introduz um inevitável elemento de imprevisibilidade ou casualidade na

ciência. Além disso, a mecânica quântica mostra que neste processo de medição, há

ainda uma indeterminação no que de respeito às características do elemento avaliado

que pode tanto se comportar como uma partícula quanto como uma onda (de luz). O que

determinará se ele é uma partícula ou uma onda é a observação. Desse modo, a mecâni-

ca quântica situa-se, em certa medida, numa relação contraditória com próprio funcio-

namento de discurso científico, que se constrói pela objetividade e neutralidade ao ex-

cluir o sujeito do processo.

É preciso destacar, que para muitos, o “observador”, não é um sujeito autoconsci-

ente, mas sim “um dispositivo físico que faz a medida. Contudo, esses sentidos aí ins-

taurados funcionam polemizando a posição de neutralidade do sujeito da ciência estabe-

lecida, de onde agora emergem efeitos de outra posição do sujeito da ciência: aquela

constituída por uma certa subjetividade. É assim que Niels Born em 1955, falando da

física quântica que ajudou a criar, mostra essa nova ciência que contraditoriamente,

constituía-se tanto pelos sentidos mecanicistas quanto pelos quânticos. Ele diz, em seu

artigo “Física Atômica e Conhecimento Humano”

Em vista da concepção mecanicista da natureza no pensamento filosófico, é compreensível

que às vezes se tenha visto na noção de complementariedade uma referência ao observador

subjetivo, incompatível com a objetividade da descrição científica [...] Longe de conter

qualquer misticismo alheio ao espírito da ciência, a noção de complementaridade aponta

para condições lógicas da descrição e da experiência na física atômica (BORN, 1995, p.

115).

Entretanto, no mesmo artigo, Born já anunciava certos efeitos dessa subjetividade

ao afirmar também que

devemos manter uma distinção clara entre observador e conteúdo de observação, mas de-

vemos reconhecer que a descoberta do quantum lançou uma nova luz sobre os próprios

fundamentos da descrição da natureza, revelando pressupostos até então despercebidos no

uso racional dos conceitos em que se baseia a comunicação da experiência. [...] Enquanto,

na concepção mecanicista da natureza, a distinção sujeito-objeto era fixa, dá-se espaço à

uma descrição mais ampla através do reconhecimento de que o uso coerente de nossos con-

ceitos requer tratamentos diferentes para essa separação (BORN, 1995, p. 115-116).

Mas foram outros físicos, sobretudo, Eugene Paul Wigner, que rompendo de for-

ma mais decisiva com o pré-construído mecanicista, propõe a necessidade da consciên-

cia “para completar a mecânica quântica”. Contudo, mesmo aceitando, propõe Roberto

Covalon, em seu artigo “Consciência quântica ou consciência Crítica” que a introdução

de elementos subjetivos na Física Quântica é considerada altamente indesejável, tendo

sido tentadas diferentes formulações para contornar esse problema, quero destacar aqui,

que a mecânica quântica é decisiva no sentido de materializar certas contradições do

MARTINS, M. F. O que pode e deve ser dito sobre ciência no discurso da divulgação científica: nós precisamos da incerteza, é o único modo de continuar. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 49-58, jul./dez. 2012.

Pág

ina5

3

Pág

ina5

3

discurso da ciência de uma forma agora incontornável. E os seus efeitos podem ser ob-

servados, já que o sujeito que antes se constituía no discurso da ciência, exclusivamente,

“presente pela sua ciência” (PÊCHEUX, 1975, pp.71-98) passa a ser objeto de debate,

agora, por sua possível participação no processo de produção de conhecimento. E essa

discussão decorre da assunção diria “espetacular” da mecânica quântica, que garante

para o sujeito uma posição ativa na construção da realidade.

Retomando a questão inicial envolvendo o aparecimento de alguns enunciados, o

discurso de divulgação científica, que parecem contradizer os sentidos constituídos no

discurso da ciência, podemos dizer agora, que esses enunciados materializam o funcio-

namento do discurso da ciência, determinado, em parte, pelos sentidos introduzidos pelo

aparecimento da mecânica quântica. Assim, o enunciado da Revista Superinteressante,

da edição 107, de agosto de 1996:

Você acha que o gato desta página está saltando do telhado de cá para o telhado de lá? Pura

impressão. Ê o mesmo gato em dois telhados ao mesmo tempo. Impossível? Não para a Fí-

sica Quântica. Ela acaba de provar que um átomo é capaz de estar em dois lugares na mes-

ma fração de segundo (1996).

Materializa no discurso de divulgação, sentidos sobre ciência, em que o pré-

construído da mecânica quântica é determinante. A referência ao gato remete ao expe-

rimento de raciocínio, conhecido pelo nome de “Gato de Schrödinger”, proposto pelo

austríaco Erwin Schrödinger. O experimento busca ilustrar o caráter de incerteza que

acompanha a caracterização dos objetos quânticos: uma partícula/onda só se torna partí-

cula ou onda a partir da ação do observador. Outros enunciados, agora do programa de

TV “Discovery na Escola”: “nada existe a não ser que [...] construímos a realidade?”

materializam esses sentidos.

O experimento de Schrödinger busca elucidar ainda, que o gato poderia, em certo

momento, estar vivo e morto ao mesmo tempo, assim como uma partícula e uma onda

que seriam onda/partícula ao mesmo tempo. Outro enunciado, na mesma matéria, ilustra

isso:

O problema é que para as regras quânticas nenhuma das duas possibilidades pode-

ria ser excluída. Enquanto a caixa estivesse fechada e ninguém olhasse lá dentro, o gato

permaneceria num estado indefinido, morto e vivo a um só tempo. Foi uma situação

como essa que os físicos americanos David e Chris Monroe criaram agora no laborató-

rio. Não é a mesma coisa, claro, pois eles observaram um simples átomo balançando de

um lado para outro numa gaiola magnética.

Isso posto vemos que outros sentidos do discurso científico são questionados pela

física quântica, agora envolvendo a lógica que funciona nos termos de Pêcheux (1975,

p.71) “como uma atividade de triagem entre enunciados verdadeiros e enunciados fal-

sos”. De fato, a lógica clássica possibilitou o desenvolvimento tanto da Física Clássica

quanto da Física Quântica, na sua origem. Contudo, os paradoxos que emergiam da me-

cânica quântica colocavam em colapso a própria lógica assentada em sentidos disjunti-

vos ou..., ou..., já que, voltando ao gato, haveria um estado indefinido em que o gato

estaria vivo (partícula) e ao mesmo tempo morto (onda), mas destaque-se: isso ainda

MARTINS, M. F. O que pode e deve ser dito sobre ciência no discurso da divulgação científica: nós precisamos da incerteza, é o único modo de continuar. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 49-58, jul./dez. 2012.

Pág

ina5

4

Pág

ina5

4

não seria a realidade, seria apenas probabilidade matemática, a realidade: o gato vivo ou

morto, se constituiria observação.

Quero tratar agora, de maneira bastante sucinta, de outros fundamentos que tam-

bém constituem o campo da física hoje: do Teorema da Indefinibilidade de Tarski e do

Teorema da Incompletude, de Godel, relacionando-os com os da mecânica quântica.

Acredito que esses fundamentos compõem, juntamente com as noções de domínio da

Ciência Clássica, as relações de sentidos que instituem o discurso da ciência, contempo-

raneamente.

O Teorema da Indefinibilidade, do polonês Albert Tarski, proposto em 1930,

afirma que o conceito da “verdade” para as sentenças de uma linguagem dada não pode

ser consistentemente definido dentro dessa linguagem, de modo que, para se chegar a

verdade que sustenta uma sentença é necessário, a fim de evitar paradoxos semânticos,

distinguir a linguagem de que se está falando (linguagem objeto) da linguagem de que

se está usando (metalinguagem).

Uma implicação disso envolve a necessidade de uma interpretação da linguagem

utilizada, ou seja, deve-se aceitar, como propõe Santos, que uma mesma cadeia de sons

ou de sinais escritos pode pertencer a linguagens diferentes, ser em ambas uma frase,

mas com significados diferentes de tal modo que, numa, ela é verdadeira, enquanto na

outra é falsa, ou seja, não diremos que uma frase é verdadeira, mas sim que ela é verda-

deira numa certa linguagem. Assim, “Tarski conclui que o que devemos procurar definir

não é um predicado geral de verdade, mas uma série de predicados distintos” (SAN-

TOS, 2003, p. 24). Alguns dos opositores de Tarski, dentre eles Davidson, escreveu

sobre a proposta de Tarski: ''A menos que estejamos preparados para dizer que não exis-

te nenhum conceito único de verdade (mesmo enquanto aplicado a frases), mas, apenas

um número de conceitos diferentes, para os quais usamos a mesma palavra, temos de

concluir que há algo mais a respeito do conceito de verdade”. (DAVIDSON apud

SANTOS, 2003, p. 24).

Essa situação envolvendo a constituição dos sentidos da lógica no discurso da ci-

ência mostra também um rompimento com o pré-construído da lógica clássica (disjunti-

va, absoluta no que diz respeito à verdade). De fato, de acordo com Chateaubriand a

concepção semântica da verdade de Tarski conduziu à consolidação da concepção lin-

guística e matemática da lógica na sua forma atual. Diz ainda, que a concepção absolu-

tista de lógica que se encontra em Frege, em Russell e até mesmo em Hilbert, deu lugar

a uma concepção relativista de lógica centrada na teoria de modelos e na teoria da prova

como teorias de sistemas formais. O que, evidentemente, aproxima-a dos fundamentos

da mecânica quântica.

Já o teorema da Incompletude de Godel proposto pelo matemático Kurt Godel, em

1931, na mesma época das propostas de Tarski, envolve também uma ruptura com o

discurso da ciência nos seus sentidos constituídos, agora, sobre a natureza da matemáti-

ca. O teorema afirma, nas palavras de Hawking (1988, p.139), que, “dentro de qualquer

sistema formal de axiomas, como a matemática atual, sempre persistem questões que

não podem ser provadas nem refutadas com base nos axiomas que definem o sistema”.

Em outras palavras, Godel mostrou que certos problemas não podem ser solucionados

por nenhum conjunto de regras e procedimentos: Hawking diz ainda, que foi um grande

MARTINS, M. F. O que pode e deve ser dito sobre ciência no discurso da divulgação científica: nós precisamos da incerteza, é o único modo de continuar. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 49-58, jul./dez. 2012.

Pág

ina5

5

Pág

ina5

5

choque para a comunidade científica, pois derrubou a crença generalizada de que a ma-

temática era um sistema coerente e completo baseado em um único fundamento lógico.

Outros enunciados “Existe harmonia no mundo? Qual o papel da imperfeição”,

agora, da Revista Época, de agosto de 2006, uma revista não especializada em divulgar

ciência, são também reveladores, pois mesmo sendo ambos enunciados interrogativos,

ao invés de se questionar através deles o pape da imperfeição, produziu-se um efeito de

sentido em que a imperfeição é aceita como tendo já um espaço, uma significação no

discurso de divulgação. A dúvida, neste caso, refere-se aos sentidos da harmonia.

A busca pela harmonia e, consequentemente, pela beleza e simetria constituem

também o discurso da ciência desde Pitágoras, passando por Kepler chegando até a

atualidade. Segundo Oliveira (1996), enquanto para Pitágoras e Kepler a harmonia era

constitutiva das esferas celeste ou do cosmos, o que demonstraria a perfeição desses

objetos, na atualidade, a harmonia pode ser entendida como a busca por leis físicas fun-

damentais que, em princípio, descreveriam todos os fenômenos da natureza. Contudo,

essas leis fundamentais esbarram em contradições criadas dentro do próprio discurso da

ciência, tanto pela mecânica quântica quanto pela “incompletude” da matemática e “in-

definibilidade da verdade” na lógica.

Assim, outros sentidos surgem através de enunciados como “imperfeição”, “dese-

quilíbrio”, os quais se relacionam contraditoriamente, com a “harmonia” e “a desorga-

nização”. No discurso de divulgação, observamos estes sentidos quando, no mesmo

artigo, o cientista e divulgador de ciência Marcelo Gleiser afirma:

Vou escrever sobre a importância da imperfeição. Todas as coisas fundamentais

que existem dependem de um desequilíbrio. Quando o sistema está equilibrado não se

transforma [...] não há criação, nada acontece (ÉPOCA, 2006, p.88).

Assim, a relação interdiscursiva entre o discurso da ciência e o da divulgação, que

particulariza este último, pode aqui ser compreendida como resultado da própria relação

interdiscursiva que articula e delimita o próprio discurso da ciência. Dito de outra ma-

neira, o discurso da ciência na atualidade, ê resultado de “demarcações ou rupturas in-

tra-ideológicas” definidas como “aperfeiçoamento, correções, críticas, refutações, nega-

ções de certas ideologias ou filosofias” juntamente com um processo de “cumulação”

(PÊCHEUX; FICHANT, 1977), em que essas demarcações estariam como que matu-

rando para, então, finalmente surgirem como sentidos determinantes dentro do discurso

da ciência.

A conjuntura delineada nesse trabalho, portanto, permite-nos considerar um fun-

cionamento para o discurso da ciência, em que convergem FD resultantes desse com-

plexo: demarcação/cumulação/ transformação. Essas FD articulam-se tanto por uma

lógica 1 (clássica), uma lógica 2 (lógica relativista), uma matemática 1 (clássica), uma

matemática 2 (matemática pós-Gôdel) e, finalmente pela FD da mecânica quântica, que

se constitui pelos sentidos da incerteza, da probabilidade e da subjetividade. Essa cons-

tituição do discurso da ciência, por sua vez, vai produzir encadeamentos, articulações e

delimitações no e com o discurso de divulgação “regulando”: em certa medida, neste

último, “o que o sujeito divulgador pode e deve dizer e também o que e não pode e não

deve dizer” sobre ciência.

MARTINS, M. F. O que pode e deve ser dito sobre ciência no discurso da divulgação científica: nós precisamos da incerteza, é o único modo de continuar. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 49-58, jul./dez. 2012.

Pág

ina5

6

Pág

ina5

6

Outros enunciados, além daqueles já destacados, agora da revista Scientific Ame-

rican Brasil, de dezembro de 2005 e do livro de divulgação “Uma Breve História do

Tempo”, de Stephen Hawking, são resultado dessa interdiscursividade:

[...] Apesar de perspectivas tão distintas, ambas as abordagens descreveriam tudo que exis-

te no Universo. Não haveria maneira de determinar qual descrição é “verdadeira” [...]

(Scientific American Brasil, dezembro de 2005, p.57).

[...] Qualquer teoria física é sempre provisória, no sentido de que não passa de hipótese: não

pode ser comprovada jamais. Não importa quantas vezes os resultados de experiências

concordem com uma teoria, não se pode ter certeza de que, da próxima vez, o resultado

não vai contradizê-la. [...] (HAWKING, 1988, p.23).

ALGUNS ENCAMINHAMENTOS

Nas considerações sobre os discursos da ciência e da sua divulgação propostas

aqui, optei por destacar das suas condições de produção, apenas um dos elementos que

as constituem, aquele relacionado à história, especificamente, à história da ciência. Uma

elaboração, portanto, na qual as condições de produção possam ser pensadas de maneira

mais ampla; levando em conta as questões ideológicas, políticas, econômicas (e não

econômicas) são fundamentais para a compreensão dos pontos, aqui levantados.

Pêcheux (1975, p.190) tratando das condições de aparição do que ele denomina ciências

da natureza, vai afirmar que elas estão ligadas às também novas formas de organização

do trabalho imposta pela instauração dos modos de produção capitalista.

Por tanto, uma questão que surge, envolve a compreensão dos modos de produção

capitalista: suas condições de reprodução da força de trabalho e das ideologias aí inscri-

tas, que na conjuntura delineada neste trabalho estão, juntamente com a história, susten-

tam a produção do conhecimento cientifico, contemporaneamente.

Algumas cifras podem ilustrar o lugar, por exemplo, da física quântica na conjun-

tura econômica da atualidade. Os investimentos nessa área, chegam a 6 milhões de dóla-

res em tecnologia de imagem para a medicina, 10 milhões de dólares em medicina nu-

clear, 30 milhões em armas nucleares por ano, 40 milhões em energia nuclear. De tal

modo, a seguinte afirmação do físico Leon Lederman, Coordenador do Laboratório Na-

cional de Aceleração de Partículas de Illinios:

[...] Parece uma arrogância cósmica acreditarmos que podemos prosseguir com

uma declaração de que nada existe a menos que o observemos. No coração da física

quântica está a incerteza. Não apenas o “Principio da Incerteza, mas todo o conceito de

incerteza”. Ele parece cativante se espalha por toda a ciência. Mas nós sabemos que a

mecânica quântica funciona, olhe a sua volta. Só não sabemos por que funciona mate-

rializa sua posição enquanto cientista que se opõe aos sentidos estabelecidos dentro da

ciência clássica, produzindo nessa posição uma relação de “desigualdade-subordinação”

(PÊCHEUX, 1975, p.191).

Que reflete uma luta de interesses dentro do campo da ciência. Nessa conjuntura

em que, segundo alguns dados, 30% do produto nacional bruto no mundo é devido ao

MARTINS, M. F. O que pode e deve ser dito sobre ciência no discurso da divulgação científica: nós precisamos da incerteza, é o único modo de continuar. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 49-58, jul./dez. 2012.

Pág

ina5

7

Pág

ina5

7

conhecimento de como as partículas subatômicas funcionam, Lederman tem uma certa

“vantagem econômica” sobre seus concorrentes.

Finalmente, gostaria interrogar sobre o papel da divulgação científica no modo

como se dá a produção e circulação do conhecimento numa sociedade como a nossa,

relacionado com as formulações aqui apresentadas. Vemos que, sobretudo, a mecânica

quântica intervém no discurso de divulgação, e este por sua vez, produz seus próprios

encadeamentos, articulações e delimitações determinando o que pode e não pode ser

dito sobre ciência. Contudo, do mesmo modo que no discurso científico, no discurso de

divulgação também se inscrevem sentidos de uma ciência clássica. Assim, não estamos

tratando, aqui, de um funcionamento discursivo homogêneo no sentido quântico, nem

para o discurso da ciência nem para o discurso de divulgação.

Além disso, um dos efeitos imediatos do aparecimento da mecânica quântica na

produção e circulação do conhecimento é na verdade um efeito de continuidade, que

pode ser observado na conservação da posição (histórica-ideológica) de poder da ciên-

cia na nossa sociedade. Agora, esse lugar de poder, não é mais garantido somente pela

capacidade da ciência em explicar de forma inequívoca a realidade, mas sim, pela sua

capacidade de dominar o conhecimento para produção de uma tecnologia extremamente

poderosa. As palavras do físico Yakir Altaranov, da Universidade da Carolina do Norte,

quando afirma que se sabe “como” a mecânica quântica funciona, contudo, não se sabe

“porque” funciona, ilustra esse ponto, ou seja, há um grande investimento nos produtos,

mas nem tanto nos processos.

De qualquer modo, outro efeito de sentido que parece estar surgindo também, pelo

menos nos materiais de divulgação de ciência aqui analisados, é um conjunto de dizeres

no discurso da ciência dos cientistas e tecnólogos (PÊCHEUX, 1982) que, em alguns

casos, se aproxima do discurso da ciência dos literatos. Os textos abaixo, retirados da

revista National Geographic Brasil, de setembro de 2007, e do programa de TV “Dis-

covery na Escola”; que trazem afirmações do arqueólogo dinamarquês Niels Lynnerup e

do físico Leon Lederman, respectivamente, parecem materializar isso:

Niels Lynnerup, que usou o que a ciência tem de mais poderoso para penetrar nos

segredos do Homem de Grauballe e que pode ver em seu computador as imagens tridi-

mensionais dos ossos, músculos e tendões desses corpos, não se incomoda com os mis-

térios renitentes. “Coisas estranhas acontecem no pântano. Sempre haverá alguma am-

biguidade”. Ele sorri. Até gosto da ideia de haver mistérios que nunca desvendaremos.

(NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL, 2007, p. 94) Só podemos dizer que a natureza

parece ser assim: a palavra incerteza por toda parte. [...] O Princípio da Incerteza pode

ser chamado de princípio da tolerância, no sentido de engenharia, onde “eles” fazem

tudo funcionar, mesmo se o ajuste não for perfeito. Mas, tolerância no sentido humano,

é que precisamos ter pessoas perguntando umas as outras: O que você acha? Qual é a

sua opinião? Pode ser confortante para algumas pessoas ter certeza, certeza de que vai

comer, certeza de que vai beber, de que vai fazer amor, mas certeza absoluta? Certeza

absoluta é entorpecimento, é enfado. Nós precisamos da incerteza é o único modo de

prosseguir. (LEDERMAN, 2001, Episódio “Tudo sobre a Incerteza”, Programa Disco-

very na Escola)

MARTINS, M. F. O que pode e deve ser dito sobre ciência no discurso da divulgação científica: nós precisamos da incerteza, é o único modo de continuar. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 49-58, jul./dez. 2012.

Pág

ina5

8

Pág

ina5

8

REFERÊNCIAS

BOHR, Niels. Física atômica e conhecimento humano. Ensaios 1932-1957. Rio de Janeiro: Contraponto,

1995.

BUENO, Wilson da C. Jornalismo científico no Brasil: os compromissos de uma prática dependente.

1984. Tese (Doutorado em Comunicação), Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo,

São Paulo, 1984.

DISCOVERY NA ESCOLA. Tudo sobre a incerteza. 2001. Programa de TV.

HAWKING, Stephen W. Uma breve historia do tempo. São Paulo: Círculo do livro, 1988.

_____. O Universo numa casca de noz. São Paulo: Mandarim, 2002.

LYNNERUP, Niels. Homem de Grauballe. Revista National Geographic Brasil. 2007.

MARTINS, Marci Fileti. Divulgação científica e a heterogeneidade discursiva: análise de “Uma breve

história do tempo” de Stephen Hawking. Linguagem em (Dis)curso, v. 6, n. 2, Tubarão, 2006.

ORLANDI, Eni P. Divulgação científica e efeito leitor: uma política social e urbana. In: Eduardo Guima-

rães (org.). Produção e circulação do conhecimento. v. 1. Campinas: Pontes; CNPq/ Pronex e Núcleo de

Jornalismo Científico, 2001.

MARIANI, Bethânia. O PCB e a Imprensa: O comunismo imaginário, práticas discursivas da imprensa

sobre o PCB (1922-1989). Campinas: Editora da Unicamp, 1998.

______. Autoria e Interpretação. In: ORLANDI, Eni P. Interpretação. Petrópolis: Vozes, 1996.

PÊCHEUX, Michel.; FICHANT, Michel. Sobre a história das ciências. Lisboa: Estampa, 1977.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Orlandi. Campi-

nas: Editora da Unicamp, 1988.

______. Ler o arquivo hoje. Trad. Eni P. Orlandi. In: ______. Gestos de Leitura. Campinas: Ed. da Uni-

camp, 1994.

SANTOS, R. O Problema do Significado na Teoria da Verdade de Tarski. Instituto de Filosofia da Lin-

guagem. Lisboa. Disponível em: <www.ifl.pt/main/Portals/0/ifl/people/pdfs/RSantos6.pdf >. Acesso em:

30 de agosto de 2009.

ZAMBONI, Lilian Márcia S. Cientistas, Jornalistas e a divulgação científica: subjetividade e heteroge-

neidade no discurso de divulgação científica. Campinas: Ed. Autores Associados. Apoio FAPESP, 2001.

Recebido em 19 maio 2012. Aprovado em 15 out. 2012

Abstract: I am interested in the review of scientific materials, certain statements as “uncer-

tainty,” “incomplete,” “imperfection”, “provisional,” “can’t ever be proven,” “nothing

exists unless you observe” and “we need uncertainty is the only way to keep “that embody

certain sense about science. These seemingly conflicting directions to the functioning of a

discourse of science and so conceived “as a screening activity between true statements and

false statements” and as the production of a subject of science is that “the present ab-

sence” (PÊCHEUX, 1975, p. 97 - 98). I am interested, therefore, as proposed by Pêcheux

(1983), to achieve the objectivity of the interdiscourse contradictory material that deter-

mines the discourse of scientists, at present, looking on the one hand, understanding the

historical conditions and ideological production which make possible the emergence these

statements and, accordingly, these senses on science and on the other question about the

role of scientific so how does the movement of knowledge production in a society like ours.

Keywords: Discourse of Science, Popular Science, Production, Circulation of Knowledge.

FLORES, G. B.; MARTINS, M. F.; GALLO, S. M. L; SIEBERT, S. A divulgação científica da Revista Laboratório Ciência em Curso. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 59-63, jul./dez. 2012.

Pág

ina5

9

A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DA

REVISTA LABORATÓRIO CIÊNCIA EM CURSO1

Giovanna Benedeto Flores2

Marci Fileti Martins3

Solange Maria Leda Gallo4

Silvânia Siebert5

Resumo: O trabalho reflete sobre a produção do conhecimento científico na contempora-

neidade discutindo especificamente os modos como esse conhecimento circula e como é di-

vulgado. Estamos interessados no que se domina divulgação científica, espaço social com

forte injunção da mídia, em que, segundo alguns autores, o conhecimento científico “sai”

de seu lugar “originário” e vai produzir sentidos no cotidiano dos não especialistas. Para

isso, trazemos para a discussão a proposta de divulgação da Revista Laboratório Ciência

em Curso. A proposta da Revista é divulgar a ciência através de um site, em que a multi-

plicidade de meios possibilite significar a ciência de modo não linearizado. Busca também

problematizar a forma de divulgação de ciência feita pelo jornalismo científico, já que o

que se vê, hoje, nos materiais de divulgação de ciência, é uma tendência a fazer prevalecer

os conhecimentos da própria mídia sobre ciência.

Palavras-chave: Análise do Discurso; divulgação científica; Revista Laboratório Ciência

em Curso.

A REVISTA LABORATÓRIO CIÊNCIA EM CURSO

A Revista Laboratório Ciência em Curso do grupo de pesquisa Produção e Divul-

gação de Conhecimento Científico, cadastrado no CNPq desde 2003, é um espaço onde

buscamos refletir sobre a produção do conhecimento científico e o trabalho de divulga-

ção científica. Para tanto, divulgamos a ciência através de um site com múltiplos meios:

áudio, vídeo, fotos, textos e links que possibilita uma interação com o internauta de mo-

do não linearizado.

A proposta da Revista Laboratório Ciência em Curso é problematizar a forma de

divulgação de ciência feita pela mídia, cuja tendência é fazer prevalecer os conhecimen-

tos da própria mídia sobre a ciência, sobretudo no jornalismo científico, que mostra os

materiais de maneira noticiosa, destacando, na maioria das vezes, a pesquisa como pro-

duto pronto. Esse modelo de divulgação da mídia tem como consequência o apagamen-

1 Revista Eletrônica de Divulgação dos Núcleos e Grupos de Pesquisa da Unisul – Universidade do Sul de

Santa Catarina, Palhoça, SC, Brasil. Texto apresentado no IV Encontro Paranaense de Professores de

Jornalismo e II Encontro de Professores de Jornalismo de Santa Catarina, 2008, Joinville – SC. 2 Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Unisul. E-mail:

[email protected] 3 Docente da Fundação Universidade Federal de Rondônia. E-mail: [email protected]

4 Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Unisul. E-mail:

[email protected] 5 Docente do Curso de Comunicação Social da Unisul. E-mail: [email protected]

FLORES, G. B.; LOPES. A. C. C.; CAETANO, R. M. A revista Ciência em Curso e a divulgação científica do patrimônio. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 65-73, jul./dez. 2012.

Pág

ina6

0

Pág

ina6

0

to do processo científico, ou seja, ao trabalhar a ciência somente com notícia, o jornalis-

ta apaga todo o percurso pelo qual passou o cientista e sua pesquisa (processo), até che-

gar ao momento da “descoberta”. Além disso, a mídia reproduz certos sentidos sobre

ciência que reafirmam o seu lugar como produtor de sentidos absolutos e inequívocos.

Dessa perspectiva, propomos uma revista de divulgação de ciência que tem como

objetivo experimentar novas formas de divulgação. E o fazemos a partir da perspectiva

teórica e metodológica da Análise do Discurso (PÊCHEUX, 1969,1975 e ORLANDI

1999, 2003) em que compreendemos as formas de linguagem enquanto discurso, ou

seja, como espaço de constituição do sujeito e do sentido, espaço este que se constitui

na relação entre linguagem, história, política e ideologia. Dessa perspectiva, o jornalis-

mo, a ciência e a própria divulgação são considerados discursos e são constituídos, cada

um deles, por suas condições de produção (históricas e político-ideológicas) e por seus

sujeitos.

Destacamos ainda, que, como a posição do sujeito que faz a divulgação, neste ca-

so, não está inscrita no discurso jornalístico predominantemente, mas sim, no discurso

acadêmico-científico, o foco recai muito mais no modo de fazer pesquisa, cuja divulga-

ção tem fins educativos, do que nos produtos das pesquisas. Por outro lado, o trabalho

de divulgação, neste caso, é ele próprio uma pesquisa que vai se desenvolvendo de for-

ma processual. Assim, pretendemos dos dois lados, tanto no Discurso Científico “de

origem”, quanto no Discurso de Divulgação, dar ênfase no processo e não no produto.

Entender a linguagem na sua relação com a história é aceitar, segundo Ferreira

(2001), que todo acontecimento de linguagem organiza-se a partir de relações de poder

e não está ligada a uma cronologia, mas às práticas sociais. Já a ideologia, que é ele-

mento determinante do sentido e está presente em todo discurso, não deve ser entendida

como visão de mundo ou como ocultação da realidade, mas como propõe Orlandi

(1999) como mecanismo estruturante do processo de significação. Assim, ideologia,

pensada nos termos de Pêcheux (1975), na sua releitura de Althusser (1985), se constitui

como uma relação imaginária dos sujeitos com suas condições reais de existência, ou

seja, os sujeitos que através da linguagem dão sentido às coisas do mundo, nessa condi-

ção naturalizam os sentidos. Dito de outra maneira, o processo que determina as posi-

ções sociais dos sujeitos (jornalista, cientistas/pesquisadores, internautas) construídas ao

longo da história e através de relações de poder (políticas) é na maioria das vezes, apa-

gado, o que faz com que os sentidos sobre ciência que são aí produzidos se tornem ób-

vios para nós. Além disso, essas posições “óbvias” para os sujeitos já estão prontas para

serem assumidas, assim, quando o jornalista ou o cientista, enquanto sujeitos que são,

numa sociedade como a nossa, ao serem interpeladas pelo discurso do jornalístico e

científico vão produzir sentidos sobre ciência a partir desses lugares já prontos e óbvios.

No caso do discurso jornalístico, o sentido de objetividade aí construído é inten-

samente desdobrado através da manipulação da língua que, enquanto código “sem fa-

lhas”, é o instrumento capaz de referencializar a realidade dos fatos, o que constrói se-

gundo Mariani (1998, p. 72) “o mito da informação jornalística com base noutro mito: o

da comunicação linguística”. Este imaginário permite ao sujeito que enuncia (o jornalis-

ta) ser “neutro e imparcial” capaz de relatar os acontecimentos, a realidade, para um

FLORES, G. B.; LOPES. A. C. C.; CAETANO, R. M. A revista Ciência em Curso e a divulgação científica do patrimônio. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 65-73, jul./dez. 2012.

Pág

ina6

1

Pág

ina6

1

leitor (o grande público) que, por ser considerado uma “tábula rasa”, precisa receber a

informação de forma “clara e objetiva”.

A partir disso, produz-se uma memória da ciência pela mídia e não pela própria

ciência e o resultado disso é um simulacro de ciência exposto à “população leiga”, si-

mulacro este que surge como efeito da não explicitação das condições de produção (his-

tóricas e ideológicas) da pesquisa científica. Para o sujeito leitor dos materiais jornalís-

ticos, então, a ciência se produz de forma descontextualizada e descontínua. Esse efeito

se produz, segundo Gallo (2003), justamente porque a continuidade, quando existe, é

resultante de outros textos sobre o mesmo tema publicados anteriormente pela própria

mídia, e não pelo conhecimento da história da ciência e da pesquisa em questão.

Tratando do discurso da ciência Pêcheux (1988, p.190) afirma que não é o homem

que produz os conhecimentos científicos, mas os homens em sociedade e na história, ou

seja, é a atividade humana social e histórica. Consequentemente, a produção histórica de

um conhecimento científico dado seria o efeito de um processo histórico determinado

por certas condições materiais (econômicas, não econômicas, políticas). A neutralidade

do discurso científico, assim como sua legitimidade enquanto discurso da verdade, é,

portanto, resultado de um modo de funcionamento de certas relações produção

(PÊCHEUX, 1988, p. 190).

A divulgação de ciência, enquanto discurso que se estabelece na relação entre o

discurso do jornalismo e o da ciência, traz na constituição esses sentidos imaginários,

resultado dessas posições já construídas para a ciência e para o jornalismo. E, portanto,

a Revista Laboratório Ciência em Curso, mesmo tendo como objetivo “captar a ciência

no seu movimento/percurso na busca de um aprofundamento constante, e não como

produto acabado e inequívoco”, o que observamos neste exercício efetivo de levar a

ciência para o “grande público” é a complexidade do processo, pois precisamos constru-

ir uma posição discursiva enquanto divulgadores, que nos permita produzir um texto de

divulgação que não seja nem hermético e inequívoco se mostrando como outra versão

de um artigo científico, nem didático e noticioso como um texto jornalístico.

Nosso trabalho pretende, portanto, ao ressignificar a ciência, destacar o processo,

o percurso pelo qual passou o cientista para chegar a seus resultados. Para isso precisa-

mos nos distanciar tanto do jornalismo científico que transforma o acontecimento cientí-

fico em espetáculo, como de um discurso da ciência que trata a ciência como um conhe-

cimento acabado (paper), gerando um efeito de discurso absoluto, da verdade, neutro.

A partir desse posicionamento, dessa nossa tentativa de construir um lugar de di-

vulgadores que, de certa maneira é um lugar polêmico com relação a uma divulgação de

ciência aí estabelecida, estamos fazendo um trabalho que se organiza a partir de algu-

mas estratégias. A hipertextualidade é uma delas, em que a multiplicidade de mídias;

áudio, vídeo, texto, janelas/links possibilita uma interação do interlocutor com os senti-

dos (da ciência) de modo não linearizado. Contudo, busca-se trabalhar na relação entre

os recursos expressivos, ou seja, na união do texto e da imagem no espaço virtual bus-

cando a compreensão da linguagem imagética naquilo que lhe é constitutivo, assim co-

mo na sua relação com o texto no espaço virtual. Nessa perspectiva, o design da Revista

se diferencia da forma usual das interfaces de sites da internet proporcionando uma na-

vegação através da qual o internauta escolhe a sua rota intensificando a não linearidade

FLORES, G. B.; LOPES. A. C. C.; CAETANO, R. M. A revista Ciência em Curso e a divulgação científica do patrimônio. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 65-73, jul./dez. 2012.

Pág

ina6

2

Pág

ina6

2

do hipertexto. Além disso, o design em espiral pretende remeter ao sentido de ciência

que queremos destacar: o processo científico em constante transformação.

Outra marca da Revista Laboratório Ciência em Curso é a forma de abordagem

do tema a ser pesquisado. A produção do material audiovisual é feita de forma contex-

tualizada, sem roteiro fechado, partindo-se do tema de pesquisa que se apresenta inici-

almente como argumento para um debate maior que se desenvolverá no decorrer do

processo. Dessa perspectiva, produzimos um certo afastamento do modo de produção

do jornalismo tradicional em que há um trabalho no sentido de moldar o acontecimento

científico pelas “perguntas chaves” feitas ao entrevistado.

A Revista Laboratório Ciência em Curso é o resultado de uma reflexão sobre a

produção/circulação do conhecimento científico que combina, necessariamente, análise

crítica das propostas envolvendo as práticas do jornalismo científico contemporanea-

mente. De tal modo, a partir dessas reflexões levamos em consideração, nos termos de

Gallo (2003), o sujeito enquanto uma posição necessariamente limitada por um contexto

histórico e social, ou seja, constituído por e num discurso. Sendo assim, o que deve ser

decisivo nas práticas de divulgação de ciência não é somente o tipo de meio de comuni-

cação utilizado (a videoconferência, a internet, a televisão, as mídias impressas, etc.),

mas a concepção de linguagem que permeia o processo. Citando Orlandi (1993) “o lei-

tor não interage com o texto, mas com outro sujeito [...] nas relações sociais, históricas,

ainda que mediadas por objetos (como o texto)”. Ficar na objetividade do texto, no en-

tanto, é fixar-se na mediação, absolutizando-a, perdendo a historicidade dele, logo sua

significância.

Assim, ao incidirmos nessa forma de constituição dos textos de divulgação em

que destacamos o processo do fazer científico, acreditamos torná-los mais consequentes

do ponto de vista histórico, político e social. Para isso, ao contrário de se considerar um

emissor, um receptor, uma mensagem transmitida por um código num texto de divulga-

ção de ciência, consideramos que o discurso é lugar de constituição do sujeito e do sen-

tido, o lugar de constituição das identidades através de suas relações com a história,

política e ideologia.

A relevância dessa pesquisa para a área científica/educacional, e para a própria

mídia, é, então, bastante evidente, já que são as instituições acadêmicas, juntamente

com os seus centros tecnológicos, por serem lugares institucionalizados para a produção

de ciência no mundo e a mídia a responsável pela sua “publicização”. Além disso, ao se

verificar que o mundo moderno deu à ciência, de certa forma, a incumbência de encon-

trar soluções para os problemas da sociedade, é especialmente importante buscar com-

preender como se dá o funcionamento da produção e circulação desse saber científico,

que é parte constitutiva da sociedade. Pensar, portanto, sobre divulgação científica e

suas condições de produção implica refletir sobre a indissociabilidade entre ciência,

tecnologia e administração (Governo/Instituições de Ensino), ou seja, leva-nos a refletir

por um lado sobre a relação do Estado e da Escola na produção de conhecimento e, por

outro, leva-nos refletir também sobre o papel da mídia na sociedade, especificamente,

com o Estado e com a Ciência.

Contudo, como já destacamos a divulgação de ciência que se constitui na relação

entre o discurso do jornalismo e o da ciência, traz na sua constituição sentidos imaginá-

FLORES, G. B.; LOPES. A. C. C.; CAETANO, R. M. A revista Ciência em Curso e a divulgação científica do patrimônio. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 65-73, jul./dez. 2012.

Pág

ina6

3

Pág

ina6

3

rios resultado dessas posições já construídas tanto para a ciência quanto para o jornalis-

mo. Ao buscarmos na Revista Laboratório Ciência em Curso, uma posição que desesta-

bilize esses sentidos nos deparamos com a complexidade do processo, já que essa posi-

ção discursiva de divulgadores não está pronta. Nosso trabalho, assim, é um processo de

experimentação em que a pesquisa sobre linguagem, discurso e divulgação de ciência é

ainda provisória.

REFERÊNCIAS

GALLO, Solange L. A educação a distância em uma perspectiva discursiva. Revista ANPOLL. Porto

Alegre: UFRGS, 2002.

GUIMARAES, Eduardo (org.). Produção e Circulação do Conhecimento. Campinas: Pontes; São Paulo:

CNPq/ Pronex e Núcleo de Jornalismo Científico, 2001/2003.

MAFFESOLI, Michel. Contemplação do mundo. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1995.

MARTINS, Marci F. Divulgação científica e a heterogeneidade discursiva: análise de “Uma breve histó-

ria do tempo” de Stephen Hawking. Linguagem em (Dis)curso, v. 6, n. 2, Tubarão, 2006.

______. O que pode e deve ser dito no discurso de divulgação de ciência: Nós precisamos da incerteza, é

o único modo de continuar. In: III SEAD. Porto Alegre, 2007.

MARIANI, Bethânia. O PCB e a Imprensa: O comunismo imaginário, práticas discursivas da imprensa

sobre o PCB (1922-1989). Campinas, Ed. Unicamp, 1998.

ORLANDI, Eni P. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 1999.

______. Discurso e Leitura. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993.

______. Divulgação científica e efeito leitor: uma política social e urbana. In: Eduardo Guimarães (org.).

Produção e circulação do conhecimento. v. 1. Campinas: Pontes; CNPq/ Pronex e Núcleo de Jornalismo

Científico, 2001.

______. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Pontes, 2003.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Orlandi. Campi-

nas: Editora da Unicamp, 1988.

VOGT, C. A. (Org.). Cultura científica: desafios. São Paulo: Editora da USP/Fapesp, 2006.

Abstract: The work reflects on the production of scientific knowledge in the contemporary

relevancy specifically discussing the ways in which this knowledge flows and how it is dis-

closed. We are interested in what dominates popular science, social space with a strong in-

junction of the media, in which, according to some authors, the scientific knowledge “out”

their place “originating” and will produce meanings in everyday non-specialists. To do

this, bring to the discussion of the proposed disclosure of Laboratory Course in Science

Magazine. The proposal of the magazine is to promote science through a website, where

the mean multiplicity of means to enable science in a non-linearized. It also seeks to discuss

the means of dissemination of science carried out in scientific journalism, since what we

see today in the promotional materials science, is a tendency to enforce the knowledge of

their own media about science.

Keywords: Discourse Analysis. Scientific dissemination. Laboratory Course in Science

Magazine.

FLORES, G. B.; LOPES. A. C. C.; CAETANO, R. M. A revista Ciência em Curso e a divulgação científica do patrimônio. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 65-73, jul./dez. 2012.

Pág

ina6

5

Pág

ina6

5

A REVISTA CIÊNCIA EM CURSO

E A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DO PATRIMÔNIO1

Giovanna Benedetto Flores2

Antônio Carlos Cândido Lopes3

Roger Maurício Caetano4

Resumo: A Revista Laboratório Ciência em Curso, do grupo de pesquisa Produção e Di-

vulgação de Conhecimento Científico, é um espaço que busca refletir sobre a produção do

conhecimento científico e o trabalho de divulgação de ciência, desta forma, este estudo,

apresenta a proposta de produção da mencionada revista científica, de cultura geral, pro-

posta esta que pretende provocar uma interferência na comunidade, de modo a provocar

uma integração entre ciência e cultura popular. Para isso precisamos nos distanciar tanto

do jornalismo científico que transforma o acontecimento científico em espetáculo, como de

um discurso da ciência que trata a ciência como um conhecimento acabado (paper), ge-

rando um efeito de discurso absoluto, da verdade, neutro.

Palavras-chave: Jornalismo científico; discurso; divulgação de ciência.

INTRODUÇÃO

A Revista Laboratório Ciência em Curso, do grupo de pesquisa Produção e Di-

vulgação de Conhecimento Científico, é um espaço onde buscamos refletir sobre a pro-

dução do conhecimento científico e o trabalho de divulgação de ciência. Nela divulga-

mos a ciência através de um site com múltiplos meios: áudio, vídeo, fotos textos e links,

que possibilita uma interação com o internauta.

A Revista Laboratório Ciência em Curso começou em 2005, e tem por proposta

divulgar as pesquisas das IES de Santa Catarina, vinculadas ao sistema ACAFE. Nesses

cinco anos, já disponibilizamos pesquisas de diversas áreas, tecnologia, humanas, saúde.

Nosso trabalho pretende ressignificar a ciência, destacar o processo, o percurso

pelo qual passou o cientista para chegar a seus resultados. Para isso precisamos nos dis-

tanciar tanto do jornalismo científico que transforma o acontecimento científico em es-

petáculo, como de um discurso da ciência que trata a ciência como um conhecimento

acabado (paper), gerando um efeito de discurso absoluto, da verdade, neutro.

1 Revista eletrônica de divulgação dos Núcleos e Grupos de Pesquisa vinculados as IES de Santa Catarina.

Texto originalmente publicado In: NECKEL, Nádia R. Maffi; MILANI, Maria Luiza (Org.). Cultura -

Faces do desenvolvimento. Blumenau: Nova Letra, 2010, v. 1, pp. 87-96. 2 Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Unisul.

E-mail: [email protected]. 3 Acadêmico de Comunicação Social - Cinema e Video da Unisul/2011. Bolsista (PMUC) da Revista

Laboratório Ciência em Curso/2011. E-mail: [email protected]

4 Acadêmico de Comunicação Social – Jornalismo da Unisul/2011. Bolsista (Artigo 170) da Revista

laboratório Ciência em Curso/2011.

E-mail: [email protected]

FLORES, G. B.; LOPES. A. C. C.; CAETANO, R. M. A revista Ciência em Curso e a divulgação científica do patrimônio. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 65-73, jul./dez. 2012.

Pág

ina6

6

Pág

ina6

6

A cada nova pesquisa, deparamo-nos com novas propostas de abordagens. Isto

porque não existe uma formula fechada para a divulgação. A produção do material au-

diovisual é feita de forma contextualizada, sem roteiro pronto, partindo-se do tema de

pesquisa que se apresenta inicialmente como argumento para um debate maior que se

desenvolverá no decorrer do processo. É importante salientar que esse processo conta

sempre com a participação do pesquisador. Ele é importante para essa fase, porque é ele

quem vai “narrar” a pesquisa.

PATRIMÔNIO CULTURAL

A Revista Laboratório Ciência em Curso tem algumas pesquisas referentes ao pa-

trimônio e desenvolvimento. No ano passado, em agosto de 2009, estivemos aqui em

Canoinhas e fizemos a pesquisa sobre Patrimônio Histórico e Arquitetônico, do grupo

de pesquisa em Artes Visuais.

Figura 1: A cultura em questão: uma questão de políticas culturais ou cultura política

Revista Laboratório Ciência em Curso – v.5 n. 1 – out/dez 2009

Em 2006, falamos sobre o patrimônio Histórico e Cultural. Essa foi a nossa tercei-

ra pesquisa e fomos para um sitio arqueológico, em Laguna e mostramos o processo de

descoberta dos nossos antepassados, quem viveu na região sul do estado catarinense e

como eram esses povos. A importância de se fazer história.

Figura 2: O elo entre os sambaquieiros e os agricultores ceramistas

Revista Laboratório Ciência em Curso - v.1 n. 3 – abril/junho 2006

A edição seguinte foi sobre o processo de litoralização em Santa Catarina, tam-

bém desenvolvida no sul do estado. O pesquisador Sérgio Neto mostra os efeitos dessa

ocupação desordenada na faixa litorânea. A pesquisa também reforça a questão da perda

da identidade cultural das populações ribeirinhas, das famílias que perdem suas casas,

que perdem seu único sustento, que é a pesca, por causa da falta da conscientização am-

biental e de desenvolvimento das cidades nessas áreas costeiras.

FLORES, G. B.; LOPES. A. C. C.; CAETANO, R. M. A revista Ciência em Curso e a divulgação científica do patrimônio. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 65-73, jul./dez. 2012.

Pág

ina6

7

Pág

ina6

7

Figura 3: Urbanização litorânea e o impacto ambiental

Revista Laboratório Ciência em Curso – v. 1, n. 4, jul./set. 2006.

Portanto, podemos observar nessas pesquisas da Revista Laboratório Ciência em

Curso uma grande diferenciação no modo de produção em comparação com o projeto

Feito a Mão. A Revista Laboratório Ciência em Curso é uma revista científica, de cul-

tura geral, e que provoca uma interferência na comunidade, de modo a provocar uma

integração entre ciência e cultura popular. Esse aspecto de intervenção devolve à socie-

dade algo que a academia produz, ou seja, é uma resposta da universidade, da cultura

científica, para a comunidade; primeiramente na forma de pesquisa científica, como é o

caso dos “aviõezinhos” e, em segundo lugar, na forma de divulgação.

Assim, a Revista Laboratório Ciência em Curso é, em um primeiro momento, um

laboratório de pesquisa para alunos e professores, onde se pesquisa formas mais ade-

quadas da divulgação de ciência. Também é a continuidade de um trabalho de interfe-

rência na comunidade, que começa com os pesquisadores das diferentes áreas e chega

até nosso trabalho de divulgação dessa interlocução entre pesquisador e comunidade.

PATRIMÔNIO CULTURAL: O DOCUMENTÁRIO COMO LINGUAGEM

PARA PRODUÇÃO DE AUDIOVISUAIS DE DIVULGAÇÃO DE CIÊNCIA NA INTERNET

Buscar compreender a linguagem audiovisual adotada nos vídeos da Revista La-

boratório Ciência em Curso é o tema da pesquisa do acadêmico Antônio Carlos Cândi-

do Lopes. Para ele, a possibilidade de observar diferentes perspectivas de um objeto

científico, pode gerar certo desconforto uma vez que todo produto da ciência é tido co-

mo verdadeiro e inquestionável. Essa é uma das imagens que temos da ciência, ela co-

mo fonte da verdade absoluta. A abordagem audiovisual que desenvolvemos na Revista

Laboratório Ciência em Curso assume um caráter autoral e artístico, que possibilita

abranger novas interpretações e significações do objeto científico, e não somente o re-

trato ou a notícia de um de seus acontecimentos, que justamente reforça a imagem que

se tem da ciência, produzida pela mídia de massa.

FLORES, G. B.; LOPES. A. C. C.; CAETANO, R. M. A revista Ciência em Curso e a divulgação científica do patrimônio. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 65-73, jul./dez. 2012.

Pág

ina6

8

Pág

ina6

8

Adotamos, por vezes, uma linguagem próxima do documentário, na qual, por

exemplo, explicitamos a interação do entrevistador para com o entrevistado. A possibi-

lidade de se produzir significados voláteis para o objeto é gerada pelo movimento natu-

ral do ambiente e de seus participantes, (entrevistador e entrevistado). Dessa forma,

torna-se imprescindível para nós, pesquisadores da Revista, participar dos vários pro-

cessos científicos, pois isso nos permite contextualizar o próprio conhecimento científi-

co que divulgamos que sempre está aberto a novas possibilidades, que pode ser contes-

tado, modificado e ressignificado.

O pesquisador, ao construir conhecimento sobre seu objeto de estudo, interage

com ele, modificando-o, assim como também é modificado por ele. Então, ao divulgar

esse conhecimento, por que não experimentar uma linguagem que esteja aberta a essas

modificações do ambiente e do objeto durante todo o seu processo? Uma forma de di-

vulgar que se disponha, durante o seu próprio processo de produção, a uma relação mais

reflexiva com o assunto abordado, sempre com o compromisso de divulgar o seu con-

texto.

A seguir, iremos verificar três produções audiovisuais com características de lin-

guagem documental, feitas pela Revista Laboratório Ciência em Curso. A primeira de-

las exemplifica uma dessas modificações do ambiente e do objeto, durante o processo

científico. Chama-se Vestígios cerâmicos foi produzida para divulgar o Núcleo de Pes-

quisa Patrimônio Histórico e Cultural, do curso de História da Unisul.

Figura 4: Patrimônio Histórico e Cultural

Revista Laboratório Ciência em Curso – v. 1, n. 3, abr./jun. 2006.

Trata-se especificamente de um trabalho de campo junto a um conjunto de sam-

baquis que estavam sendo escavados por uma equipe de arqueólogos, no sul de Santa

Catarina. Durante a conversa que se estabelecia entre a pesquisadora e a equipe de pro-

dução, em uma das escavações, descobriu-se um fragmento de cerâmica junto ao sam-

baqui, algo que não era previsto e entrava em contradição com a história da pesquisa

daqueles arqueólogos. Ou seja, o estudo que parecia possuir uma questão já estabeleci-

da, apresentou outra variável, gerando dúvida. Percebemos nessa experiência, que a

ciência se faz não só de acertos e certezas, mas de dúvidas e tateamentos, e ainda, quan-

to é valioso o contexto em que se dá a pesquisa. Esses são elementos que privilegiamos

no trabalho de divulgação.

O segundo trabalho chama-se “hipermídia e ensino”, produzido para divulgar o

Programa Hipermídia, projeto do Curso de Comunicação Social, especialização em Ci-

nema e Vídeo da Unisul.

FLORES, G. B.; LOPES. A. C. C.; CAETANO, R. M. A revista Ciência em Curso e a divulgação científica do patrimônio. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 65-73, jul./dez. 2012.

Pág

ina6

9

Pág

ina6

9

Figura 5: Projeto Hipermídia

Revista Laboratório Ciência em Curso – v. 2, n.4, julho/set 2007.

Nessa produção audiovisual, o caráter documental e artístico se adéqua ao próprio

ambiente de pesquisa. As várias possibilidades de significações geradas estão de acordo

com o próprio ambiente.

O terceiro trabalho chama-se Aldeia Tekoa Marangatu, produzido para divulgar O

Núcleo de Pesquisa Revitalizando Culturas, da área das ciências sociais e aplicadas. O

vídeo possui 10 min, porém teve que ser cortado para ser postado na revista, já que esta

possui um limite do tamanho por arquivo.

Nesse caso a autoria documental apresentou três pontos principais, que foram:

- Câmera fixa ou Quadro estático, composto visualmente para contextualizar o

ambiente, tanto espacial-arquitetônico, quanto de ordem temporal.

- A conversa com a comunidade indígena foi estabelecida através do Prof. Dr. Jaci

Rocha Gonçalves, ao qual possui uma relação com eles a mais de 20 anos. Para muitos

da produção, era a primeira vez que tínhamos contato com essa comunidade, o que pos-

sivelmente tornaria inviável uma comunicação adequada, caso o professor Jaci não ti-

vesse se disposto a nos acompanhar.

Figura 6: Revitalizando Cultura

Revista Laboratório Ciência em Curso – v. 5, n.3, abr./jun. 2010.

- A montagem foi feita para mostrar as mudanças de percepções que a própria

equipe de produção tinha sobre a comunidade, tanto espacial, temporal e do ambiente

como um todo. Utilizamos duas narrativas dentro do próprio vídeo, feitas justamente

para mostrar o conflito entre dois tempos tão distintos.

Esses trabalhos produzem, por um lado, um impacto social a partir da contribui-

ção da Revista Laboratório Ciência em Curso para a divulgação das pesquisas das insti-

tuições de ensino, e por outro lado, um impacto científico, uma vez que a Revista é

principalmente, além de Revista, um laboratório de pesquisa em linguagem.

FLORES, G. B.; LOPES. A. C. C.; CAETANO, R. M. A revista Ciência em Curso e a divulgação científica do patrimônio. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 65-73, jul./dez. 2012.

Pág

ina7

0

Pág

ina7

0

Nesse laboratório refletimos também sobre o meio de divulgação, a internet. Per-

cebemos que a capacidade de registrar um momento com grande facilidade, como por

exemplo, através de câmeras de celulares, junta-se também o amadorismo da técnica de

realização audiovisual de seus usuário. Esses e outros fatores acabam criando uma lin-

guagem e um tratamento de imagem que difere do padrão clássico. Esse não-padrão que

percebemos comumente nos vídeos de internet, com ruídos, imagens tremidas e de pou-

ca duração, são também objetos de nosso estudo. Desse modo contribuímos para a hete-

rogênea linguagem da internet e ao mesmo tempo refletimos sobre ela.

O DISCURSO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

NOS PORTAIS DE NOTÍCIAS E NA REVISTA CIÊNCIA EM CURSO

A pesquisa do acadêmico Roger Maurício Caetano tem por proposta estudar notí-

cias divulgadas em portais com a finalidade de analisar a diferença do discurso de di-

vulgação científica produzido na internet, pelo espaço acadêmico, em relação àquele

produzido pelo espaço discursivo jornalístico.

O levantamento foi feito a partir da análise discursiva dos textos sobre ciência e

tecnologia publicados nos portais de notícias dos sites Terra, MSN, Yahoo, e a Revista

Laboratório Ciência em Curso, que farão parte do corpus investigativo. Portanto, pre-

tendemos identificar não somente o que está dito, mas principalmente o que não está

dito, mas que constitui igualmente o sentido do que está sendo mostrado. Nesse caso

trata-se daquilo que na análise de discurso chama-se de interdiscurso ou pré-construído

(PÊCHEUX 1969, 1975; ORLANDI 1996, 1999), ou seja, o conhecimento necessário

para que o que está sendo dito possa ser interpretado, e que sustenta todo o dizer e que

no caso do jornalismo é diferente daquele que sustenta a ciência. Por esse motivo, em

muitos casos, de divulgação feita pela mídia o que vemos é uma produção de sentidos

sobre ciência que traz muito mais o pré-construído da própria mídia do que da ciência.

Exemplos assim podem ser observados nas matérias a respeito da tecnologia utili-

zada no reator de plasma da edição da Revista Laboratório Ciência em Curso de outu-

bro/dezembro de 2007. Os textos partem desde a iniciativa da pesquisa do desenvolvi-

mento da tecnologia no curso de Engenharia Ambiental da Unisul e seu processo passo

o passo para chegar no produto final que é o reator em si. A matéria também conceitua o

que é o plasma e suas aplicações técnicas atuais.

Figura 7: Reator de Plasma

Revista Laboratório Ciência em Curso – v.3. n.1, out./dez. 2007.

FLORES, G. B.; LOPES. A. C. C.; CAETANO, R. M. A revista Ciência em Curso e a divulgação científica do patrimônio. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 65-73, jul./dez. 2012.

Pág

ina7

1

Pág

ina7

1

Procurando por tópicos relacionados nas notícias do portal Terra, encontramos a

matéria intitulada “UnB usa ímã em propulsor a plasma mais econômico”, de 29 de

agosto de 2007. A matéria está inserida na seção de ciência espaço, talvez devida a apli-

cação do produto mostrado nela, que é um propulsor para foguetes e satélites espaciais,

embora o portal tenha uma seção dedicada a tecnologia.

O texto fala sobre a iniciativa do Brasil em desenvolver a tecnologia, suas aplica-

ções e vantagens econômicas. Não fazendo qualquer conceituação sobre o que é o plas-

ma e os passos para obtenção da ciência envolvida no processo.

Muito se pode questionar aqui a respeito do interdiscurso para sustentar o discurso

feito na matéria, mas fica claro a ausência de informações sobre a ciência quanto saber

em detrimento da ciência, quanto produto.

Figura 8: Portal de Notícias Terra: http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI1864358-

EI301,00-UnB+usa+ima+em+propulsor+a+plasma+mais+economico.html

FLORES, G. B.; LOPES. A. C. C.; CAETANO, R. M. A revista Ciência em Curso e a divulgação científica do patrimônio. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 65-73, jul./dez. 2012.

Pág

ina7

2

Pág

ina7

2

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Revista Laboratório Ciência em Curso é o resultado de uma reflexão sobre a

produção/circulação do conhecimento científico que combina, necessariamente, análise

crítica das propostas envolvendo as práticas do jornalismo científico contemporanea-

mente. De tal modo, a partir dessas reflexões levamos em consideração, nos termos de

Gallo (2003), o sujeito enquanto uma posição necessariamente limitada por um contexto

histórico e social, ou seja, constituído por e num discurso. Sendo assim, o que deve ser

decisivo nas práticas de divulgação de ciência não é somente o tipo de meio de comuni-

cação utilizado (a videoconferência, a internet, a televisão, as mídias impressas, etc.),

mas a concepção de linguagem que permeia o processo. Citando Orlandi (1993) “o lei-

tor não interage com o texto, mas com outro sujeito [...] nas relações sociais, históricas,

ainda que mediadas por objetos (como o texto)”. Ficar na objetividade do texto, no en-

tanto, é fixar-se na mediação, absolutizando-a, perdendo a historicidade dele, logo sua

significância.

Assim, ao incidirmos nessa forma de constituição dos textos e nessa abordagem

audiovisual de divulgação em que destacamos o processo do fazer científico, acredita-

mos torná-los mais consequentes do ponto de vista histórico, político e social. Para isso,

ao contrário de se considerar um emissor, um receptor, uma mensagem transmitida por

um código num texto ou num vídeo de divulgação de ciência, consideramos que o dis-

curso é lugar de constituição do sujeito e do sentido, o lugar de constituição das identi-

dades através de suas relações com a história, política e ideologia.

Contudo, como já destacamos a divulgação de ciência que se constitui na relação

entre o discurso do jornalismo e o da ciência, traz na sua constituição sentidos imaginá-

rios resultado dessas posições já construídas tanto para a ciência quanto para o jornalis-

mo. Ao buscarmos na Revista Laboratório Ciência em Curso, uma posição que desesta-

bilize esses sentidos nos deparamos com a complexidade do processo, já que essa posi-

ção discursiva de divulgadores não está pronta. Nosso trabalho, assim, é um processo de

experimentação em que a pesquisa sobre linguagem, discurso e divulgação de ciência é

ainda provisória.

REFERÊNCIAS

GALLO, Solange L. Educação a Distância em uma Perspectiva Discursiva. Revista ANPOLL. Porto Ale-

gre: UFRGS, 2002.

GUIMARAES, Eduardo. (org.). Produção e Circulação do Conhecimento. Campinas: Ed. Pontes, CNPq/

Pronex e Núcleo de Jornalismo Científico, 2001/2003.

MAFFESOLI, Michel. Contemplação do Mundo. Porto Alegre: Artes e Ofícios Editora, 1995.

MARTINS, Marci Fileti. Divulgação científica e a heterogeneidade discursiva: análise de “Uma breve

história do tempo” de Stephen Hawking. Linguagem em (Dis)curso, v. 6, n. 2, Tubarão, 2006.

______. O que pode e deve ser dito no discurso de divulgação de ciência: Nós precisamos da incerteza, é

o único modo de continuar. In: III SEAD. Porto Alegre, 2007.

MARIANI, Bethânia. O PCB e a Imprensa: O comunismo imaginário, práticas discursivas da imprensa

sobre o PCB (1922-1989). Campinas: Editora da Unicamp, 1998.

FLORES, G. B.; LOPES. A. C. C.; CAETANO, R. M. A revista Ciência em Curso e a divulgação científica do patrimônio. Revista Científica Ciência em Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 1, n. 1, p. 65-73, jul./dez. 2012.

Pág

ina7

3

Pág

ina7

3

NUNES, Maria Augusta V.; MARTINS, Marci Fileti. O discurso artístico na constituição dos materiais

de divulgação de ciência. Linguasagem – Revista Eletrônica de Popularização Científica em Ciências da

Linguagem, v. 3, p. 1-6, 2008.

ORLANDI, Eni P. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 1999.

______. Discurso e Leitura. 2. ed. São Paulo: Editora Cortez, 1993.

______. Divulgação científica e efeito leitor: uma política social e urbana. In: Eduardo Guimarães (org.).

Produção e circulação do conhecimento. V. 1. Campinas: Pontes; CNPq/ Pronex e Núcleo de Jornalismo

Científico, 2001.

______. A Linguagem e seu Funcionamento: as formas do Discurso. Campinas: Editora Pontes, 2003.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Orlandi. Campi-

nas: Editora da Unicamp, 1988.

VOGT, Carlos A. (org.). Cultura científica: desafios. São Paulo: Editora da USP/Fapesp, 2006.

Recebido em 28 abr. 2012. Aprovado em 30 set. 2012.

Abstract: The journal Science Laboratory in progress, the research group and Announces

Production of Scientific Knowledge-tion, is a space for reflection on scientific knowledge

production and dissemination of scientific work in this way, this study presents the proposal

to produce of that journal, general knowledge, a proposal which is intended to provoke an

interference with the community, so as to cause an integration between science and popular

culture. For this we need to distance ourselves from much of science journalism scientific

event that turns into a spectacle, as a discourse of science that treats science as a finished

knowledge (paper), creating an effect of discourse absolute truth, neutral.

Keywords: Science journalism. Speech and the dissemination of science.