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FACULDADE DE SÃO BENTO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA
MESTRADO ACADÊMICO
VITÓRIA GAMBALE
Apontamentos sobre a ética nicomaqueia de Aristóteles
São Paulo
2016
VITÓRIA GAMBALE
Apontamentos sobre a ética nicomaqueia de Aristóteles
Dissertação apresentada na Faculdade de São Bento, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Filosofia, linha de pesquisa em Ética e Política.
Data da Aprovação: 21/11/2016 Banca Examinadora:
Prof. Dr. Franklin Leopoldo e Silva Faculdade de São Bento
Prof. Dr. José Carlos Bruni Faculdade de São Bento
Profª. Drª. Gabriela Bal
Faculdade de São Bento
São Paulo
2016
Ética, mera questão de estética?
Será que numa sociedade tão quantificada pelo mercado
existe espaço para valores qualitativos da ética? Diante
da impunidade de políticos comprovadamente antiéticos,
há esperança de que bens infinitos, como acentuava o
professor Milton Santos, tenham prevalência sobre bens
finitos? Ou seria a ética uma mera questão de estética,
emoldurando a mulher de César, ainda que ela não
seja honesta?
Frei Betto
RESUMO
A ética pertence essencialmente ao mesmo campo da política e é nela que se constitui a abordagem do presente trabalho. Os textos: o bem objetivo final, akrasia, eudaimonia, deliberação da razão prática, o aprender a ser bom, os métodos da ética, a permanência da felicidade, virtude e razão, a doutrina do meio termo, Aristóteles e a educação e a comunidade política e o bem supremo nos remetem à conduta do indivíduo humano. O principal e importante para Aristóteles era o agir de forma virtuosa e nos tornar boas pessoas. Além de vários fatores, acentua que a idade madura traz o benefício da compreensão, da experiência e de certa forma uma desintoxicação da supremacia dos desejos e proporciona assim uma deliberação reta. Ele observa também a importância do intermediário, pois o excesso ou deficiência não levam ao caminho da boa ação e resultam na distância do homem daquilo que é certo. As leis e constituições boas proporcionam às pessoas viverem de forma decente, educada e feliz e finalmente, para Aristóteles a vida sumamente feliz só é alcançada quando ocorre a participação do líder (devidamente educado, instruído e conhecedor das legislações) que aplica seus conhecimentos no interesse da política de sua cidade. Palavras-chave: Aristóteles, ética, bem, Nicômaco, , virtude, felicidade, polis.
ABSTRACT Ethics belongs essentially to the same field of politics and it is in it that the approach of the present work is constituted. The texts: the final objective good, akrasia, eudaimonia, deliberation of practical reason, learning to be good, methods of ethics, permanence of happiness, virtue and reason, the doctrine of the middle ground, Aristotle and education and community Politics and the supreme good refer us to the conduct of the human individual. The main and important thing for Aristotle was to act virtuously and to become good people. In addition to several factors, he emphasizes that mature age brings the benefit of understanding, of experience, and in a sense a detoxification of the supremacy of desires, and thus provides straightforward deliberation. He also notes the importance of the intermediary, because excess or deficiency does not lead to the path of good action and results in man's distance from what is right. Good laws and constitutions allow people to live in a decent, educated and happy way, and finally, for Aristotle, extremely happy life is only achieved when the leader (properly educated, knowledgeable and knowledgeable) takes part who applies his knowledge to the interest Of the politics of his city. Key words: Aristotle, ethics, passion, Nicomachean, virtue, happiness, polis.
SUMÁRIO
1. O BEM – OBJETIVO FINAL....................................................................................5
2. A AKRASIA EM ARISTÓTELES.............................................................................9
3. A EUDAIMONIA ....................................................................................................16
4. DELIBERAÇÃO DA RAZÃO PRÁTICA ................................................................20
5. APRENDER A SER BOM SEGUNDO ARISTÓTELES ........................................25
6. ARISTÓTELES E OS MÉTODOS DA ÉTICA .......................................................31
7. A PERMANÊNCIA DA FELICIDADE......................................................................36
8. VIRTUDE E RAZÃO...............................................................................................42
9. POR UMA LEITURA DIALÉTICA .........................................................................46
10. A DOUTRINA ARISTOTÉLICA DO MEIO TERMO ............................................51
11. ARISTÓTELES E A EDUCAÇÃO .......................................................................61
12. A COMUNIDADE POLÍTICA E O BEM SUPREMO ............................................65
CONCLUSÃO ............................................................................................................75
BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................81
1
INTRODUÇÃO
Dos atenienses mais conhecidos, Aristóteles foi o escolhido para esta
abordagem sobre Ética. É interessante observar o roteiro utilizado pelo filósofo, pois
leva-nos a pensar numa exposição metódica como explicitado no Discurso do
Método de Descartes, visto que em toda a leitura realizada percebe-se que há várias
divisões, ordenamento de pensamentos, graduação de complexidade e a
demonstração visível de racionalidade nas suas observações.
Nossa pretensão é tentar expor aspectos da Ética de Aristóteles de uma
maneira resumida e simples, mas que remeta, a quem fizer a leitura, a pensar no
comportamento atual e a uma reflexão pessoal de como nos relacionamos com a
Ética. Aristóteles é uma referência obrigatória sobre o pensamento político, como
também o Estado, o direito e as relações nas comunidades; um clássico, com a
demonstração escrita sobre seu pensamento com base na Antiguidade grega que,
incansável, permite fazer uma reflexão devida para um debate contemporâneo.
Ainda que a tecnologia nos dê a sensação de que vivemos no melhor dos
mundos ou no melhor momento, sentimos a falta de noções éticas. Vivemos numa
sociedade moderna, materialista, onde o tradicional é questionável, onde é presente
a corrupção viciosa em especial no poder político; vivemos numa sociedade que
gera conteúdos superficiais. Nos trabalhos deixados por Aristóteles pode-se
perceber o cuidado que deveria ser aplicado na administração do Estado, ao propor,
inclusive, um Estado perfeito onde pudesse ser garantido o direito de todos.
Desde a nossa infância até o início da vida adulta, construímos dentro do
nosso saber comum a informação da necessidade de nos sairmos bem, no sentido
de vivacidade, da argúcia e de sagacidade e não há uma reflexão moral de como
formamos essa base e como as alcançamos. É muito difícil uma decisão acertada,
há um embate frequente entre a inteligência X influências X paixões e só nos damos
conta dele no momento do agir, quando nos deparamos com as nossas sensações e
com a nossa razão prática. O exercício da virtude se faz com a superação da
fraqueza moral.
2
Ainda que os Deuses na Antiguidade tivessem influência profunda, não se
identifica essa intervenção nos textos apresentados. Por outro lado, ainda que a
retórica pudesse ser utilizada para fins injustos, é dito textualmente que os sofistas
dessa época eram homens honrados. Portanto, ainda que houvesse transgressões
na Antiguidade, as observações ora colocadas demonstram que existia, de maneira
geral, a responsabilidade de ter comportamentos virtuosos, que não havia espaço
para a presença constante da necessidade da coação e muito menos se utilizavam
da desculpa do poder dos deuses para atos falhos, bem como da penalização de
uma forma restrita – somente para os que estivessem fora desse comportamento
adequado.
Podemos ainda dizer que a alma permanece enferma quando na nossa vida
cotidiana a ética não está presente. Compreender a estrutura da ética nos levará
não só a deliberar bem, como a acentuar nos homens a tarefa do agir bem e nos
tornar verdadeiros cidadãos e influenciar a comunidade onde se vive.
O ser virtuoso precisa ouvir e obedecer à razão, e esta deve estar acima dos
sentimentos de prazer e de dor e deve ter em mente os benefícios e as finalidades
dos demais indivíduos envolvidos. Somado a isso é importante a presença de
amigos, familiares e a participação no Estado como outras formas de sociabilidade
para o viver bem. O alcance do bem supremo ocorre com o exercer do papel social
e político alcançado com o pertencer a pólis.
Ainda na vertente da virtude temos que falar sobre a felicidade, visto que para
Aristóteles a felicidade é vulnerável enquanto que a virtude é permanente. É na
adversidade que a virtude se mostra, quando existente. A virtude fornece a
serenidade para passar por situações de sofrimento, flagelos ou fatalidades.
Aristóteles acrescenta a fortuna à felicidade no sentido de que a prosperidade
material não torna o homem mais feliz, mas a prosperidade material proporciona a
multiplicação de ações virtuosas e também proporciona ao virtuoso a característica
da estabilidade. Para Aristóteles a pessoa só pode ser considerada feliz se nada
falta ou nada pode lhe ser acrescentado, bem como só pode ser avaliado se o
homem foi ou não feliz após a morte, ou seja, é preciso verificar como foi a vida
dessa pessoa. Se nada de desfavorável aconteceu então essa pessoa pode ser
3
considerada feliz. Só uma vida completa poderá dizer ou considerar se o homem foi
feliz ou infeliz.
Na direção da felicidade está a Política de Aristóteles, onde a educação
desenvolve as condições necessárias para a promoção de uma cidade perfeita e um
cidadão feliz. Para essa educação, é necessário tempo para a estimulação e tempo
para transformar em hábito a virtude. O projeto educacional colocado por Aristóteles
demonstra a intervenção do Estado desde o casamento até a vida adulta do
cidadão, orientando cada momento com a finalidade de alcançar um bom governo,
com vista ao interesse geral e a infundir no cidadão conceitos e a prática da virtude,
assegurando normalidade e progresso das cidades.
Para Aristóteles há uma organização em andamento, mesmo antes do
nascimento da criança. É importante a formação intelectual além do treinamento
militar, visto que no momento de paz é necessária a habilidade da vivência em
sociedade, e somente através da educação os cidadãos podem usufruir e
compartilhar coletivamente a moderação e a tenacidade.
Com relação às crianças Aristóteles faz um traçado onde até os cinco anos
ele não aconselha a encaminhá-las aos estudos, mas, ao exercício do corpo de
forma a evitar a indolência corporal. Aconselha também um controle de natalidade,
pois cidades muito povoadas geram insatisfações que ocasionam um desequilíbrio
nas cidades. Aos mais jovens não é permitida a participação em espetáculos
dioníacos, pois se participassem estariam expostos a excessos, inclusive ao vinho.
Somente a idade adulta poderia imunizá-los dos efeitos insalubres, demonstrando,
portanto, que a negligência na educação causaria um grande mal à cidade.
E àqueles que impõem um rigor e práticas impiedosas às crianças e
proporciona a elas a ignorância do conhecimento, na realidade estão preparando
esses futuros adultos a meros trabalhadores braçais e úteis apenas para uma única
tarefa. Para Aristóteles pais muito jovens não vão transmitir a segurança na
formação. As mulheres devem se casar por volta dos 18 anos e os homens aos 37.
A restrição à natalidade vai proporcionar uma cidade bem educada e de fácil
governabilidade, pois o excesso de moradores não é compatível com uma cidade
feliz.
4
Para Aristóteles há uma fluência que inicia antes da concepção e termina com
a participação na Pólis e é, por meio desse planejamento e organização que a ética
se desenvolve, modelando no homem o ser e pensar ético. Portanto, neste trabalho
está concentrada uma breve exibição de discussões que podem também ser
contemporâneas sobre o pensamento ético de Aristóteles. Para ele, eram visíveis as
imperfeições humanas e isso gerava problemas de conduta e de caráter. A
visibilidade realista de Aristóteles permitiu elaborar várias pesquisas e observações
em todos os campos e permitiu há mais de dois mil anos o conhecimento da
abrangência atordoante de suas obras em todas as áreas do empreendimento
humano.
5
1. O BEM - O OBJETIVO FINAL
Toda pessoa tem um fim ou objetivo único que se propõe a alcançar. O bem
para o diretor de uma ópera é o drama bem encenado acompanhado de uma
magistral orquestra sinfônica. Não se trata apenas de uma apresentação, mas de ir
além da melhor apresentação, de tal modo que as pessoas tenham gravado em sua
memória as cenas executadas e ao final os aplausos sejam extensos, demonstrando
todo o seu louvor e fervor ao espetáculo apresentado.
E assim é o ser humano, ele se propõe a fazer que sua vida seja reta, seja a
melhor, de maneira que, o bem final seja suficiente por si mesmo. Aristóteles se
prende na observação que deve haver um objeto que seja desejado por si mesmo.
Há pessoas que têm oportunidade de estabelecer para si um objetivo e a partir disso
focam a organização e planejamento nessa direção. Esse objetivo pode ser a honra,
como também pode ser a fama, riqueza ou cultura. Mas se com toda essa noção e
visão ela não se move adequadamente nessa direção é um sinal que lhe falta
lucidez, misturado talvez com imaturidade.
Nessa trajetória, vamos passar a falar de desejos. Muitas vezes os desejos
são difíceis de serem alcançados e outras vezes através dele se chega a outros.
Quando se fala em desejo tem-se como correspondência a felicidade. O desejo vem
representar que a felicidade não é um ato puro, mas em potência, e o desejo é a
ligação que existe para se alcançar o bem final. Aristóteles acredita que se há mais
de um objeto, o último será o que buscamos. Nessa colocação há duas vertentes a
se pensar: que a felicidade não é um fim de segunda ordem e que se se
conquistasse apenas um de seus objetos o custo da perda dos outros seria alto
demais.
Para Aristóteles havia coisas desejáveis por si mesmas e que estariam
situadas num grau superior ao que poderia ser desejável apenas como útil: o que
leva a formular o fim supremo como dominante e não como inclusivo. Um plano de
vida é um fim dominante, assim como a contemplação na vida de um filósofo. O bem
supremo como dominante é representado através da administração da família e a
participação do Estado, pois ao homem é necessário a participação social, ou seja, é
muito bom que José seja feliz, mas é muito melhor se José, Pedro, Laura e Ricardo
6
estejam também felizes. O dominante é a máxima felicidade, acompanhada pelo
maior número de pessoas – a felicidade também se realiza através da felicidade
alheia. Há, portanto, uma subordinação entre o inclusivo e dominante, onde A é o
ser humano, e B o Estado. Esta relação leva A a construir um ambiente favorável
para que racionalmente pratique não só a virtude moral, mas pratique a mais perfeita
porque somente isso leva a identificar o humano em um ser verdadeiramente feliz. A
pessoa B vê o ser verdadeiramente feliz como dominante, e isso o ajuda na medida
que vai de encontro com a sua vocação que é o superior e mais perfeito, presente
no alcance da felicidade da cidade através de seus cidadãos .
Aristóteles parte do princípio que o processo começa pela concepção de um
fim e a partir desse início é que se abre o caminho, invertendo a ordem para
identificação dos meios. O ser humano não tem um único interesse, há um leque de
alvos a ser decidido por ele que vai levá-lo a um caminho cujo resultado será a
resposta de como ele pretende viver. A decisão pelos diversos alvos tem o papel
inclusivo. Assim, quando ele passa a perseguir especificamente e apaixonadamente
determinados alvos, então podemos considerá-los como dominante para este
cidadão.
Aristóteles fala também do “homem virtuoso”, que pode ser na realidade, um
egoísta calculador, ou ainda ele é um prudente somado ao autointeresse. Pode-se
dizer que uma pessoa será considerada egoísta se não demonstrar qualquer
interesse pelo bem estar de quem quer que seja e que não faça parte de seu círculo
pessoal. Estabelecemos aqui a diferença na interpretação do que vem a ser o
egoísmo, visto que ele pode representar ações negativas, como também pode
representar ações positivas: é representado positivamente na medida que ele
corresponde à motivação humana. Uma pessoa voltada com fim exclusivo às suas
realizações não pode ser criticada e muito menos ser vista de forma negativa. Ainda
que ocorram as mais diversas sensações e estas poderão nem sempre serem
aceitas como decorrentes, o desejo as move para essa direção e não há críticas a
isso, mas a compreensão de que o homem existe de forma individual; ele vai,
gradualmente, se socializando e internalizando as amizades, famílias e a cidade de
tal forma que esse egoísmo, apontado inicialmente, será levado a um grau de
simples referência na motivação humana e direcionada não só ao bem estar
individual, mas da família, amigos e da cidade.
7
Finalizando os elementos contidos sobre o bem final para o homem, pode-se
dizer que o homem sempre tem algum plano e ainda que tenha um número grande
de desejos, ele tem um propósito ligado ao que julga ser melhor para si e de acordo
com a sua forma de viver.
Outro elemento entrelaçado ao bem final na ética é o plano a ser perseguido.
Ainda que para Aristóteles o indivíduo possa preferir um breve período de intenso
prazer a uma longa temporada de magro deleite, essa explicação não se fortifica,
pois no período de uma vida inteira pode haver, em algum momento, o viver de um
imenso prazer e ainda a realização de atividades dentro da mais perfeita virtude.
A felicidade de acordo com Aristóteles nem sempre está sob o controle do
homem, muitos eventos acontecem. Quando estes são positivos levam sem esforço
o homem à felicidade, porém se o contrário acontece, o homem pode mostrar uma
nobreza se o suportar resignadamente. O homem sábio e bom saberá passar pelos
infortúnios, tirando o melhor que essa situação negativa possa proporcionar.
Portanto, o valor do homem não consiste somente na conquista, mas em superar os
percalços que estão fora de seu controle e de seu planejamento.
Para Aristóteles, o fim último leva à felicidade, essa felicidade é identificada
com o viver bem e fazer o bem, a virtude pertence ao homem melhor, o bem é a
máxima realização que o homem quer atingir, embora particular, ao mesmo tempo
ele transcende o individual e se realiza com o bem maior desejado por todos.
Quanto mais ético e virtuoso o homem for, mais feliz ele se tornará e como Deus é o
princípio e o fim de toda ação e os deuses são plenamente felizes, pois nada lhe
falta, e uma vez que o humano recebe esses reflexos da felicidade perfeita, ele se
move através de seus desejos e habilidades para alcançar essa concepção.
Assim, as ações virtuosas são absolutamente agradáveis, nobres e
boas pela sua própria natureza e não há a necessidade de acréscimo para
aumentar a sua grandiosidade. A felicidade é escolhida por si própria não em
função de outra coisa, bem como ela é o mais excelso e melhor dentre todas
as coisas; ela não pode ser obtida através da aprendizagem, por treinamento
ou de providência divina, ela é uma atividade virtuosa e reside em nós; é
alcançada por todos os humanos que não estejam impedidos de exercer
8
ações virtuosas e para sua existência é necessário uma vida completa. Se o
homem for verdadeiramente feliz ele o será durante toda uma vida porque
estará sempre empenhado em realizar ações virtuosas, e mesmo em
condições adversas ele será virtuoso pela nobreza e grandeza de sua alma.
O Bem Supremo é o ponto final e para isso é preciso toda uma vida
humana, acrescida de uma ordenação a esse último fim. Muitas vezes ao que
é chamado de fim, são na verdade meios para alguma outra coisa. Há vários
tipos de fim, mas o fim mais importante são os desejados por si mesmo e
nunca desejado por conta de outro fim e, portanto, este é o absolutamente
mais perfeito. O Bem Supremo também é o mais desejado porque através
dele o homem com seu alcance multiplica-o nas relações que ele se encontra.
Por fim, a doutrina de Aristóteles do bem final é a capacidade que o ser
humano tem de refletir a respeito de seus desejos e escolher um caminho
satisfatório para sua vida e o que não lhe pode ser tirado é essa vontade ou
essa disposição para esse alcance que é representado como o respeito
próprio, entendido como um princípio de dever.
9
2. A AKRASIA EM ARISTÓTELES
“Fazer o que se sabe ser errado é o que se chama de akrasia”.1 Denominada
também como incontinência, indicando também estado de submissão, quer pela ira
quer pelo prazer. A akrasia felizmente ocorre de vez em quando. Para Aristóteles o
indivíduo sabe o que é errado, mas quando tomado pela paixão esta o arrasta e o
envolve na ignorância.
Assim Aristóteles quer dizer que o acrático sabe que seu ato é errado no
sentido de que ele possui esse conhecimento, porém comete o ato porque não está
nesse momento usando esse conhecimento intelectual que existe no indivíduo, pois
no momento da ação ele não o utiliza. Aristóteles mostra quatro soluções que
considera correta e que atenua e justifica esse lapso:
1. Há diferença entre o tempo que se credita um conhecimento e que não
usamos e o tempo que possuímos e usamos. Exemplo: a língua árabe só possui
três vogais e 22 consoantes e a escrita é feita da direita para a esquerda. Antes
dessa informação ser exposta, os ouvintes não possuíam esse conhecimento e
assim que termina essa exposição, os ouvintes tanto possuem o conhecimento
quanto o utilizam, porque isso já está em sua mente, porém, ainda que ele saiba,
não significa que ele estará sempre pensando nisso e que isto estará sempre
presente em sua mente.
2. A relação entre a premissa universal e a premissa individual. Exemplo:
Todas as melodias inspiradas em bebês são agradáveis. Aristóteles parte do
princípio que o homem ao utilizar um silogismo universal, poderá, em uma ação,
incorrer numa informação falsa ou ainda em algo proibido, não revelado nesse
silogismo, ainda que a premissa universal muitas vezes possua dois termos – como
no exemplo melodia e bebês ele usa apenas uma parte, o que não lhe permite
alcançar o que o silogismo prescreve.
1 ROBINSON, R. Aristote et L’Acrasie. Publicado originalmente em francês na Revue Philosophique, v 145, 1955. In: ZINGANO, 2010, p. 65.
10
3. Possuir, mas não usar, o que equivale dizer que durante o ato, o acrático
possui o conhecimento de uma forma superficial e não profunda decorrendo daí algo
falho e, portanto, errado.
4. Conhecido o silogismo é necessário o agir, o ato é necessário e precisa ser
verificado se o agente tem a habilidade e se este não está impedido de agir.
Aristóteles não comenta sobre o que fará um homem se possuir o silogismo
plenamente atualizado em sua mente, e nem mesmo divulga se essa hipótese é
possível.
Muitos homens praticam a akrasia porque são arrastados por uma paixão. O
homem têm consciência daquilo que é errado e nesse preciso momento fica apático
e a razão não prevalece. Há momentos em que a razão não consegue persuadir o
homem, então os impulsos são mais fortes e estes prevalecem perante a razão.
Nesse momento ocorre não a ignorância mas, o que prevalece é a sensação que o
prazeroso é bom e se ele é bom não há porque ser combatido. Pode também ser
citado aqui o exemplo de Adão e Eva (desconsiderando a religião e se atendo tão
somente à história): afirmar que ambos foram acráticos, visto que era sabido por
ambos que não podiam comer do fruto proibido da árvore da ciência e o que mais
chama a atenção é que Adão e Eva possuíam a perfeição e mesmo com a natureza
da perfeição a impressão que se tem é a de que foram levados pela concepção de
que aquilo deveria ser bom.
Está presente aqui um confronto entre a razão e o instinto e é isso que
Aristóteles quer provar com a akrasia. A razão e o desejo brigam entre si e para
aquele que possui discernimento, que é capaz de ponderar e refletir chegará a
imaginar o depois e com isso estará configurada a presença da razão e o
distanciamento da akrasia. Mas se o contrário acontece, é observado que o homem
só consegue verificar o imediato e a sua natureza animal preponderará para a
decisão em favor do desejo. A dificuldade para o homem está em estabelecer nesse
momento o que é bom e o que é mau. Em qualquer das decisões e para os menos
experientes, qualquer ação estará representada pelo bem. A razão não é capaz de
entrever no desejo o mau.
De um lado pode-se afirmar que o homem é responsável pelos seus atos, por
outro lado não se pode negar a sua natureza imperfeita. Há momentos também que
11
o homem não tem conhecimento do que faz. Isto acontece no momento de ira ou de
embriaguez. Não há como ter discernimento e autocontrole nesses momentos, muito
menos aparece aqui o combate entre a consciência e o desejo, simplesmente a ira e
a embriaguez vencem e se sobrepõem a qualquer ordenamento.
Aristóteles defende também a ideia de Sócrates de que o conhecimento que
um homem possui não pode escravizá-lo, ou seja, o conhecimento lidera e governa
o homem, mas o conhecimento não torna inconsistente outra ideia, daí se concluir
que algumas vezes a akrasia acontece. O homem não pode aceitar tudo como
regra, que pode até valer para mais de uma vez, mas, isso não significa que sempre
será assim. O tempo é dinâmico e por isso não se pode admitir que nada mude, que
tudo permaneça constante. Aristóteles quer apenas demonstrar que não há
inconsistência em Sócrates, mas que também deve ser incluído que algumas vezes
o que parece ser constante também se move ou ainda podem ocorrer variações.
Para o comentador Richard Robinson, a akrasia que não precisa ser
explicada é aquela que no momento do ato, o homem não tem totalmente a noção
do erro. Para ele o que precisa ser explicado é quando um homem age de modo
errado e no momento desse ato ele sabe que está errado. O que precisa ser
explicado é o que Aristóteles não consegue explicar, ou seja, quando o homem age
de modo errado e este tem a consciência desse ato falho:
[...] na minha interpretação parece que o único tipo de akrasia que precisa de explicação é precisamente o único tipo que Aristóteles não explica, pois na minha interpretação as quatro soluções não afirmam senão que o acrático, no momento de seu ato, não tem totalmente em mente todas as partes do silogismo que o deve governar2
Ainda de acordo com o Richard Robinson (1955) a alma humana não está
apta a realizar duas coisas ao mesmo tempo e durante o tempo que prevalece essa
paixão ele não pode lembrar-se do que caracteriza o erro. Richard Robinson
concorda com Aristóteles que durante a crise da paixão o acrático é como um
bêbado que não tem consciência do que fala.
2 Ibidem, p. 73.
12
Ainda quanto à akrasia, Aristóteles não comenta como se processa a luta
moral, como se dá a luta entre um desejo e um princípio moral. A intensão de
Aristóteles era analisar como se pode agir contra aquilo que se sabe ser errado ou
contra os próprios princípios.
Aristóteles afirma também que há dois tipos funcionais de acráticos: os
impetuosos e os fracos.
O acrático fraco delibera e atualiza a totalidade do silogismo prático, mas sua paixão, quando se torna forte, retira de sua mente por um momento uma parte do silogismo e durante esse momento o acrático comete o ato.3
De acordo com o comentador Richard Robinson, o que acontece é que o
acrático fraco delibera e sabe do silogismo, bem como o atualiza, porém ele também
é subjugado pela paixão que retira momentaneamente de sua mente o silogismo.
Quanto ao acrático impetuoso, neste caso não existe o tempo para deliberar,
ele não reflete e não funciona o mecanismo da concepção do errado. Ele é acrático
porque tem conhecimento do princípio moral existente.
No livro VII Aristóteles se refere ao acolástico. Pois bem, o acolástico não
possui nenhum princípio e não se sabe se o mesmo se arrepende das ações
praticadas. Ele é simplesmente arrebatado pelo desejo. Para o acolástico a
interpretação das suas ações é que não há limites. Para Aristóteles não se pode
discutir racionalmente princípios morais, nem se pode ensiná-los. O único instrutor
moral é o hábito. O homem que pratica ações injustas sabe que se tornarão
injustas. O que talvez o homem não perceba é que ao se tornar injusto ele se afasta
do caráter que o fará feliz.
Para Aristóteles as ações são ditas voluntárias, não-voluntárias ou
involuntárias. Quanto às voluntárias, Aristóteles afirma que o homem é responsável
pela ação que executa e que na maior parte das vezes agimos voluntariamente e
que consequentemente não podemos passar essa responsabilidade para outra
pessoa. Não há como ignorar que o caráter dos homens é o resultado de suas
3 ROBINSON, R. Aristote et L’Acrasie. Publicado originalmente em francês na Revue Philosophique, v
145, 1955. In: ZINGANO, 2010, p. 78.
13
ações. O exercício adequado das ações leva o homem à prática da virtude que
resulta no encontro da felicidade. Quando praticamos uma ação involuntária, muitas
vezes permanecemos inconscientes dessa prática. Para Aristóteles, quando se
pratica um ato involuntário, ele é acompanhado de arrependimento ou aflição. Mas
há também um outro tipo de ato involuntário cujo autor nem sabe disso. Aristóteles
dá o exemplo de um médico que por engano dá um remédio errado a seu paciente e
que nunca toma conhecimento desse erro. Para verificar se um ato é voluntário ou
involuntário deve ser verificada a correspondência ou não entre o resultado da ação
e o fim visado pelo agente.
O que faz com que a ação seja um ato involuntário é a ignorância sobre as
circunstâncias particulares. Ex: Falar de coisas secretas sem saber que eram
secretas. Além da ignorância deve haver o arrependimento para que o ato seja
classificado como involuntário. A ignorância pode ser o limite aceitável para se
determinar que o resultado da ação seja involuntária. Para Aristóteles um homem
que bebe água sem saber que está envenenada e o homicídio premeditado
cometido por um tirano têm ambos um tipo de ignorância que contribuiu para ação
de cada um.
Para Aristóteles, não basta alcançar o fim, ele deve corresponder ao desejo
cuja satisfação é o objeto máximo alcançado. Para Sócrates a ação do homem
incontinente é resultado de uma oscilação de crença de valores que ele possuía
naquele momento e que, portanto, a ação desse incontinente é a ignorância,
enquanto para Aristóteles a ação do incontinente deriva do desejo apetitivo. Para o
incontinente de Sócrates há o arrependimento e a decepção pela ação escolhida,
pois por um instante ele achou que seria a melhor opção; enquanto para Aristóteles
isso não é verdadeiro. Para Aristóteles o incontinente age sim achando ser o melhor
caminho, mas o que lhe move são os desejos, acompanhado do intelecto prático.
Não há uma deliberação reflexiva, agem de acordo com seu interesse e a curto
prazo.
Segundo Aristóteles, o ato feito por ignorância é sempre voluntário, não há
arrependimento e muito menos negligência. Faz distinção ainda em agir por
ignorância e agir em estado de ignorância. Ainda de acordo com Aristóteles o
14
homem que age ignorando se o resultado será vantajoso, age em estado de
ignorância, mas não por ignorância.
Aristóteles admite que a akrasia seja condição em determinados indivíduos e
que outros não sofrem jamais de akrasia.
A investigação de Aristóteles estaria concentrada em observar como no
indivíduo o estado de caráter (opinião correta sobre uma ação) acontece. É
intrigante para Aristóteles que o homem cometa um ato conhecido como incorreto,
pois o conhecimento é forte e dominante.
Ele acreditava, como Sócrates, que o conhecimento é mais forte do que qualquer outra coisa na mente do homem. Quando o conhecimento está presente, pensava Sócrates, é terrível que algo outro possa dominá-lo e arrastá-lo de um lado para outro como escravo.4
Para Aristóteles a causa da existência da akrasia está ligada à satisfação do
seu desejo apetitivo. O que move o homem são os seus desejos intelectuais ou
apetitivos e o que vai determinar a ação são os fins práticos. É interessante para o
homem alcançar o seu objeto de desejo pelo meio mais prático e pelo prazo mais
curto.
O acrático, para Aristóteles, se encontra num estado de ignorância, onde o
dominante é seu apetite, e por ser um ser mais fraco é arrastado pelo apetitivo. A
akrasia, porém, e felizmente, é um estado que acontece para uma minoria.
Para Sócrates os prazeres têm um poder forte e ele é capaz de enfeitiçar o
homem, assim como de alterar algumas convicções. O desejo não é capaz de
alterar as convicções construídas no fundamento do conhecimento. Para Aristóteles
o indivíduo acrático não faz uso da razão e assim ele fica sob a influência somente
do apetitivo.
A akrasia é um estado de falha, onde o conhecimento está num momento de
inatividade em razão da primazia do apetite e a preocupação de Aristóteles está em
demonstrar tão somente que alguns são capazes de usar o conhecimento e outros
4 ROBINSON, R. Aristote et L’Acrasie. Publicado originalmente em francês na Revue Philosophique, v
145, 1955. In: ZINGANO, 2010, p. 79.
15
não, e que, portanto, o conhecimento não dá imunidade ao indivíduo, estando o
conhecimento no indivíduo em potência e não em ato.
Para Richard Robinson a akrasia tem relação direta com as resoluções do
homem, ou seja:
Ofereço por ora apenas um pensamento que, se verdadeiro, deve nos ajudar um pouco a entender a akrasia. É o pensamento de que princípios morais não são descobertas, mas resoluções. Quando adotamos um princípio moral, não estamos decidindo como o mundo é, mas como agiremos.5
Em Aristóteles aquilo que é fundamentado no conhecimento não pode ser
alterado. A falta de convicção pode levar o desejo a dominar o homem e somado a
sua imperfeição conduzirá então, alguns, no caminho da Akrasia.
5 Ibidem., p. 80.
16
3. A EUDAIMONIA
Preliminarmente é necessário falar sobre os termos “inclusivo” e “dominante”.
O inclusivo remete a um objetivo simples, singular enquanto que o dominante leva à
percepção de que num grupo um é superior, ou então que no grupo um se
sobressai. Acrescentando o termo “fim” para o inclusivo e o dominante temos que
para o fim inclusivo originalmente este possui dois ou mais valores ou mesmo dois
ou mais bens, enquanto que o fim dominante consiste no entendimento de uma
única atividade ou apenas um bem ou um único valor que é perseguido, ou seja
apenas um bem é nobre. E assim a eudaimonia para Aristóteles é classificada não
só como um fim dominante como ela concorre na percepção de ser uma só
atividade.
A eudaimonia reúne o que há de mais desejável com o caráter de dignidade
da própria escolha e que ela, sendo absolutamente final, não depende de acréscimo
para seu melhor.
[...] A eudaimonia, sendo absolutamente final genuinamente autossuficiente, é mais desejável do que qualquer outra coisa, pois inclui tudo o que é desejável em si mesmo. Ela é a melhor, e melhor do que tudo mais, não como bacon é melhor que ovos ... é, com efeito, o melhor café da manhã sem qualificação.6
Para melhor exemplificar essa conclusão temos o café da manhã. Se à mesa
temos café, leite, pão, manteiga, geleia e queijo, temos um bom café da manhã, mas
se na mesa além do café, leite, pão, manteiga geleia e queijo for acrescentado
chocolate, bolos de diversos tipos, iogurtes, frutas, sucos, cereais, frios, omelete,
salsicha, tapioca, gelatina e salgados, teremos então o melhor café da manhã, onde
nada falta e onde nada mais lhe pode ser acrescentado.
Como Aristóteles não acredita que se possa renunciar à eudaimonia por
algum outro objetivo, vem daí que a felicidade não pode ser a eudaimonia, visto que
se pode obter vantagens com ela e poderia também o resultado ser algo que ao final
não fosse virtuoso. Portanto, a eudaimonia é o agir bem e não o resultado da ação.
6 ACRILL, J, Aristotle on Eudaimonia. Publicado originalmente nos Proceedings of the British Academy, vol LX, 1974. In: ZINGANO,.2010, p.111.
17
Para Aristóteles, a eudaimonia se resume a uma vida plena e perfeitamente
satisfatória, ou ainda, a uma atividade de uma vida completa segundo a virtude
completa. A conclusão é que talvez o próprio Aristóteles tenha consciência do quanto
é difícil o entendimento do “inclusivo” e o comentador J. Acrill sugere que é muito
melhor utilizar a expressão fim último do que “partes de um todo”. O bem ou o fim de
algo reside no produto dessa atividade. É na função do homem que se encontra o
bem e por isso o homem deve ter ações boas com relação aos outros, resultando na
atividade da alma em consonância com a virtude e somente os que agem bem são os
que podem conquistar e alcançar as coisas boas e nobres da vida.
Fica ainda uma pergunta: o que faz com que ações virtuosas sejam
virtuosas? Ainda que não haja uma resposta conclusiva à pergunta, Aristóteles vê
que as ações moralmente boas emanam dos bons estados de caráter e estes são
determinantes. Então todos são bons porque são saudáveis e essas ações são
balanceadas pelo homem, se transformam materialmente em um círculo de virtudes,
pois o homem bom faz o que faz porque é nobre e porque é a coisa correta a se
fazer. Para o homem bom não haveria outro caminho ou outra proposta. A
eudaimonia é o alvo a ser atingido pelo homem e para alcançá-la é necessária a
obediência a algumas condições. Ainda de acordo com Aristóteles, as virtudes
podem ser morais ou éticas e intelectuais ou dianoéticas. As virtudes morais ou
éticas são as relacionadas às emoções e são adquiridas pelo hábito, ou seja é
praticando atos justos que nos tornamos justos. Quanto às virtudes intelectuais ou
dianoéticas, estão presentes na parte racional da alma adquiridas pela
aprendizagem e que requer tempo e experiência e que portanto são mais comuns
aos velhos do que nos jovens. A função principal da virtude é a deliberação.
A eudaimonia é o termo utilizado para o bem mais elevado, e para sua
existência é necessário, em primeiro lugar, um fim e, em segundo lugar, deve ser
autossuficiente onde nada lhe possa mais ser acrescentado. O fim aqui é
representado por aquilo que está acabado, mas para se chegar a esse fim é
necessário antes a honra, o prazer e a inteligência.
Aristóteles procura um argumento para a existência da eudaimonia e fica
evidente que ela reside na função que é própria do homem. Essa função própria não
está relacionada à sua vida cotidiana ou à execução de tarefas, ou muito menos a
18
vida sensitiva que é partilhada com os animais em geral, ela está acima de todas
essas funções, assim, chega-se à conclusão que a função do homem é uma
atividade da alma, que corresponde à vida prática da parte racional do homem.
É então a eudaimonia uma atividade pensante ligada à virtude que lhe é
própria e conduz o homem a praticar ações retas e condizentes de maneira
permanente e constante, e quando isso ocorre significa que a vida alcançou o seu
fim último, sem que isso possa ser associado à morte, mas representando o alcance
da excelência. A eudaimonia não pode estar subordinada a nada além dela própria.
Para se identificar o fim último são necessários critérios: o primeiro critério
identificável é o da perfeição, ou seja, o fim último deve ser sempre desejado por si
mesmo, se ocorrer outros supostos fins melhores, então não seria o melhor – ele
deve ocupar nesse processo a posição máxima de desejo; o segundo critério seria a
autossuficiência, representando que não há carência de nada.
Aristóteles fala também sobre a tensão que há entre o discurso acerca das
coisas ditas e o momento do seu acontecimento. É nessa tensão que surgirá a
verdade. Para Aristóteles o bem supremo consiste na habitualidade do seu uso. A
eudaimonia é uma excelência, o fim final e onde se alcança a excelência do viva
bem, aja bem e prospere. As ações justas dão prazer a aqueles que apreciam a
justiça e assim é com a virtude, ela dá prazer a quem ama a virtude.
Para a existência do bem supremo é necessário os bens exteriores, ou seja,
um bom nascimento, uma boa família, beleza pessoal etc., e estas não têm relação
com as virtudes e não são capazes de trazer a felicidade, todavia elas possibilitam
as condições materiais para o agir virtuoso. A eudaimonia não acontece por obra
divina ou do acaso ou por outro acontecimento. Para se chegar a ela é necessário o
esforço do homem. Ela deriva do estudo e também da prática que junto à virtude
vão significar que ela pode ser adquirida por qualquer pessoa. A eudaimonia é
composta, portanto, pela virtude e bens exteriores.
A virtude é suficiente para aguentar qualquer infortúnio, mas os bens
exteriores estão fora de controle do homem, podendo mudar a sua configuração a
qualquer momento. Quando Aristóteles afirma que só pode dizer que uma pessoa é
feliz ao final de sua vida, quer dizer que a avaliação dessa pessoa deve ser
19
realizada na maturidade, pois só aí é que se pode ter a precisão da qualidade de
vida alcançada.
A virtude é a essência da eudaimonia, é ligada à natureza do homem, e os
bens exteriores têm a sua origem no acaso. A eudaimonia proporciona ao homem
uma aproximação com o Divino. Imita Deus o homem na qualidade de bom e sábio,
proporcionando a este homem uma elevação maior que os demais. A distância
entre o homem e Deus (Divino) é o lugar onde o homem se encontra e este mundo
nem sempre vai lhe fornecer os meios adequados para a melhor das ações.
Se o mundo apresentar ao homem as condições adequadas ele exercerá a
função que é de sua natureza. A realidade humana está concentrada no que pode
ou não pode ser, portanto nem sempre o homem conseguirá alcançar a eudaimonia.
A única maneira que o homem tem para se libertar do círculo dos fins que se
transformam em meios, de forma sucessiva é a admissão que há um fim último de
toda ação humana e ele é procurado por si mesmo e por mais nada e toda ação
resultante da escolha racional seria executada em função da felicidade daquele que
a pratica. A eudaimonia é o conceito central da Ética a Nicômaco. A eudaimonia é o
fim de toda ação humana, visto que não é possível encontrar nenhum objetivo
superior ou maior e, portanto, ela é o limite até onde o homem pode chegar,
chamada de o fim mais perfeito porque ela não é desejada por outro.
É nessa submissão da sua condição humana que podem aparecer os
monstros e aberrações e onde são suscetíveis até os virtuosos. A divindade é um
referencial para o homem. A eudaimonia tem um papel de origem e fim para o
alcance do bem supremo pelo homem. A Eudaimonia é desejada por ela mesma, e
não por causa de outro fim, e como não é possível procurar algo que seja melhor
podemos afirmar que ela é autossuficiente.
20
4. DELIBERAÇÃO DA RAZÃO PRÁTICA
A deliberação tem relação com a prévia escolha que tem relação direta com o
autocontrole. As ações de quem tem autocontrole não passam pelo crivo do desejo e
não se pode escolher aquilo que não depende de nós; só temos acesso àquilo que está
ao nosso alcance, então a prévia escolha decorre de coisas que podemos controlar.
A dificuldade está em escolher evitar um mal ou escolher suportar um mal
maior ou manter-se firme em uma resolução que pode resultar em algo penoso ou
vil. Se uma ação é forçada, ou seja, onde o agente não participa da ação e o
princípio não está nele pode-se afirmar que é um ato involuntário e todo ato
involuntário cuja origem foi de uma ação forçada esse ato é acompanhado de
tristeza e dor. Assim, de acordo com Aristóteles toda escolha deliberada pressupõe
que o agente realiza um ato voluntário. O voluntário corresponde à escolha
deliberada e atos decorrentes. A escolha deliberada nos revela o caráter do agente.
A escolha deliberada é estudada por ser mais própria à virtude.
Não se pode também confundir a escolha deliberada com o apetite. O apetite é
comum às crianças, animais irracionais e ao homem, enquanto que a escolha
deliberada pertence somente ao homem. Os animais irracionais não possuem a parte
racional e as crianças pela pouca idade não têm desenvolvida em si a racionalidade
para que possam ter o entendimento e a responsabilidade da escolha deliberada. Ainda
quanto ao homem há que se falar do incontinente que segue seu apetite guiando-se
pelo prazer, por não possuir uma disposição correta para escolher deliberadamente.
Igualmente também não se confunde a escolha deliberada com o impulso, pois são
atos súbitos onde não há tempo para ocorrer uma escolha deliberada.
O continente, por sua vez, age de acordo com a sua boa disposição, bem
como tem o mesmo apetite do incontinente com a diferença que usa a parte racional
calculista e, com isso, fica perceptível que a escolha deliberada necessita do uso da
razão prática e sem ela não pode existir tal escolha. Não se pode também confundir
escolha deliberada com querer. O querer refere-se a qualquer coisa, enquanto que
a escolha deliberada não. Podemos querer muitas coisas, inclusive coisas
impossíveis, coisas que não estão sob o nosso poder. A escolha deliberada só é
possível com o que está ao nosso alcance realizar, portanto, possíveis de se
21
realizar. A escolha deliberada nos apresenta o fim desejado e escolhemos todos os
fins que servirão como meios para este fim desejado.
Também não se pode confundir opinião com escolha deliberada, visto que a
opinião pode dizer a respeito de coisas eternas e impossíveis e pode, ainda,
representar opiniões sobre coisas que não estão em nosso poder realizar, sobretudo
porque a opinião pode ser verdadeira ou falsa, enquanto que a escolha deliberada
pode ser boa ou má. O que se pode afirmar é que as opiniões são importantes para
a escolha deliberada: as opiniões impulsionam o homem a agir.
Portanto, a escolha deliberada é acompanhada de pensamento e reflexão, bem
como necessita de um tempo prévio para que o agente delibere. Sugere com isso que
o agente tem uma gama de opções onde a escolha é realizada através da preferência,
fazendo o percurso do raciocínio lógico, através de uma revisão das circunstâncias,
relacionando com as possibilidades, prudência e a intensidade para o agir.
Tanto a escolha como a deliberação são meios que levam ou dirigem a um
fim e nesse fim estará revelado o caráter. A escolha está baseada nos princípios do
bem e do mal. Escolhemos e deixamos de escolher em razão do resultado estar
ligado ao bem ou ao mal. A deliberação não pode ser utilizada para coisas
inconstantes e que não estão sob nosso alcance, e para aquilo que não há como
empregar nossas ações. Para Aristóteles, se o fim for resultado de um único meio,
vai considerar que o resultado será alcançado, e se tiver múltiplos meios será
considerado o que melhor produzirá um fim e de modo mais fácil.
Ainda para ele, o ser humano também é capaz de deliberar quanto à sua
profissão ou outro desejo particular. Na verdade, o que fica difícil deliberar é quando
um desejo é generalizado ou vago, ou mesmo quando não é específico e quando
não tem um fim prático, portanto a razão não consegue deliberar.
Para.Ross (1925), a Razão Prática está relacionada às coisas humanas e
está na razão justamente a boa deliberação.
A razão prática, diferentemente da razão teórica, diz respeito às coisas humanas e às coisas a respeito das quais é possível deliberar; pois dizemos que a atividade típica do homem dotado de razão prática é sobretudo esta, a boa deliberação (...) Aquele que delibera bem em geral é aquele capaz de visar as melhores dentre aquelas coisas que são alcançáveis pela ação, por meio do cálculo prático. A razão prática não diz respeito somente aos universais – ela
22
deve reconhecer também aquilo que é [específico a uma situação] particular. “É por isso que alguns, especialmente aqueles que possuem experiência, mesmo não conhecendo os universais, são mais práticos do que aqueles que os conhecem”.7
É importante perceber que não deliberamos acerca de fins, mas a deliberação
acontece para a determinação do meio, que na sequência leva para o caminho do
fim a se alcançar. Um médico não delibera a cura de um paciente, mas deve
escolher um caminho a fim de que possa assegurar o restabelecimento de seu
paciente e a consequente cura e, se isso ocorrer, então terá ao final alcançado um
bem, mas se a cura não tiver sido alcançada funcionará como uma deliberação
errada e o resultado da ação do médico será o mal decorrente da continuidade da
doença e pela incapacidade de escolher o método correto.
A pessoa que tem a capacidade mais refinada da boa deliberação, ela
consegue alcançar os melhores resultados em razão do cálculo prático e aqueles
que têm experiência são mais práticos do que aqueles que têm somente
conhecimento universais.
A conclusão que chega o comentador David Wiggins (1975-76) é que há de
fato uma busca não pelos meios, mas para uma melhor especificação, quando esta
estiver mais bem delineada; e se esta só aparecer, mas não for delineada, vai levar
a ocorrência da busca incessante e se lançar novamente por outra busca, por outra
deliberação, por outros meios, em um número grande de vezes, e essa sequência
de deliberações leva a um movimento estéril.
Até que a especificação esteja determinada, não há espaço para a busca por meios. Quando a especificação estiver delineada, a deliberação meios fins pode começar, mas dificuldades que podem aparecer no decorrer desta deliberação meios-fins podem me lançar de volta, um número finito de vezes, ao problema da busca por uma especificação melhor, ou mais praticável, do fim. E toda a dificuldade e o interesse da questão estão na busca por especificações adequadas, e não na sequência, ou sequências, de deliberações meios fins técnicas.8
7 ROSS, W.D. (trad.) Nicomachean Ethics em: The Works of Aristotle Translated into English, v. 9. Oxford, l925. In: ZINGANO, 2010, p. 136. 8 WIGGINS, D. Deliberation and Pratictical Reason. Publicado originalmente nos Proceedings of the Aristotelian Society, v.76. 1975-76, p. 29-51. In: ZINGANO, 2010. p. 137.
23
Para David Wiggins (1975-76) a reflexão e a razão são o ponto de partida e o
desejo só é estabelecido porque buscamos o bem. A deliberação prática não pode
ser reduzida a regra ou princípios e também não pode ser mensurada. Acontece por
sua vez de acordo com cada situação e de maneira apropriada a ela. No exemplo
de um jogo de cartas há um grande número de jogadas possíveis, de qualquer forma
o que o jogador busca é a maximização de pontos e é esse o fim perseguido.
Mas com relação às coisas humanas, apesar de alguma semelhança, não há
como maximizar os resultados com antecedência. O que primeiro acontece não é
pelo pensamento das probabilidades, mas sim “O que devo fazer?” Ainda que a
resposta passe pela reflexão da prática e da moral, paixões e interesses podem ter
um caráter mais elevado e dentro do silogismo prático, o que é menor pode ter um
caráter de maior.
Pode ocorrer ainda que tudo esteja claro para o “agente”, a situação
apresentada, o interesse relevante, mas o agente pode não gostar do silogismo prático,
como também pode recuar do próprio interesse ao perceber alguma consequência no
percurso não favorável, e pode recomeçar o processo novamente. Portanto, não é
verdadeiro afirmar que aquele que deseja um fim deve desejar igualmente os meios.
Enquanto os cidadãos são capazes de refletir o que é melhor e pode ser
alcançado através de um planejamento, o mesmo não pode ser deliberado pelas
agências públicas, há por parte da administração uma inabilidade crônica e por isso
o ódio racional da burocracia e da participação pública no planejamento.
Pode ainda ser afirmado que a pessoa investida de sabedoria prática é aquela
que consegue juntar o maior número de interesses, consegue o melhor discernimento
e, na medida certam delibera para alcançar a situação particular. Dessa forma, a
previsibilidade não é importante, mas são relevantes o processo decisório reescrito e as
novas situações que fornecerão o cenário renovado de situações passadas.
Para a construção e deliberação é necessária a sabedoria prática que diz
respeito ao último, ao particular e ao específico. É ela que traz os elementos de uma
resposta a uma pergunta posta. Para se alcançar essa sabedoria prática e
discernimento há que se falar da razão intuitiva que tem por objeto o que é mais
particular, que pode ser encontrado na premissa menor de um silogismo prático. É
através desta situação particular que se obterá a compreensão para se chegar ao fim.
24
Também fica compreendido que o período de vida traz um poder em relação
à razão intuitiva, logo, significa que a experiência fornece a capacidade de enxergar
as coisas de forma correta, sendo que as opiniões dos mais idosos e experientes
são, com frequência, as melhores respostas ao problema.
Ainda que existam divergências quanto ao significado da palavra aisthêsis
(avaliações situacional ou explicações que deixam de operar), Aristóteles fornece
esquema conceitual que pode ser aplicado aos casos particulares e estabelece uma
união entre os interesses do agente e da visão que o mesmo tem sobre o mundo e
da visão de como as coisas são.
É necessário perceber o entrelaçamento que há entre o desejo e a razão, na
medida em que a razão para o bem agir depende de um desejo educado e o desejo
depende da razão para educá-lo – sendo o resultado da boa educação do desejo a
busca na direção de um objeto que seja de fato bom. Para ter competência no
julgamento do que é bom é necessário uma educação prévia, como também habituar a
desejar o que é moralmente bom, passando o homem de um estado de formação de
caráter para um estado virtuoso, conseguindo interpretar com autonomia e domínio o
bom fim, como os bons meios. Educar o desejo é tornar-se moralmente virtuoso.
Não há nada mágico, muito menos uma teoria científica, não há nada
imediatista ou de fácil caminho, o que há é o pensar, educar, sentir, compreender e
deliberar. Está na razão a capacidade de discriminar corretamente as circunstâncias
particulares de modo a encontrar o termo e a ação desejada. A razão prepara o
homem com a capacidade para ver o melhor, dominar os afetos, de modo a produzir
uma regularidade de padrão e a julgar o que é bom de fato e a empreender com
exatidão e justiça as decisões e julgamentos, indicando que através da boa
deliberação se promove o rigor, se reflete o benéfico sobre a coisa certa e no tempo
certo e na forma correta.
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5. APRENDER A SER BOM SEGUNDO ARISTÓTELES
A resposta de Sócrates à pergunta – a virtude pode ser ensinada, ou pode ser
adquirida mediante prática, ou se advém por natureza do homem ou de outra forma
–, foi que o primeiro passo é conhecer a virtude, visto não ser possível ter virtude
sem ter informações ou noção sobre ela. A construção da virtude é realizada, ao que
parece, de forma gradual e, progressivamente levará o homem ao entendimento
necessário para ser bom.
Aristóteles caminha em busca do ponto de partida e quer ser claro em suas
especificações. Ele entende que o ponto de partida está em coisas que são
familiares e em outras que, mesmo sendo familiares, são sem qualificação. E
quando ele chega ao ponto de partida “o que” ele entende que a pessoa possui ou
tem facilidade em adquirir o conhecimento e por isso é importante ter sido criado em
bons hábitos, pois o ponto de partida estará norteado em princípios nobres justos.
Quem tem o saber do “que” possui a resposta ao “porque”. O familiar está
relacionado com a criação nos bons hábitos, o familiar da criação vai produzir o
conhecimento particular, vai caminhando desta forma para o conhecimento das
coisas nobres e justas. O fim então se origina no resultado que é assim ou que é de
outra forma.
Aristóteles diz que o nobre e o justo não admitem formulações precisas em
regras ou preceitos tradicionais. Aristóteles fala também em percepção educada,
atrelada ao saber a respeito de ações específicas, pois nela estaria concentrada a
informação necessária para a condução à felicidade e o bem humano. É também
uma habilidade natural do ser a internalização de coisas particulares. Mas tudo isso
é inválido se o ser não foi criado em ambiente de bons hábitos.
A felicidade ou bem humano em Aristóteles aparece como uma definição do
“que” particular. Por outro lado, já se sabe que os bons hábitos são um pré-requisito
para a apreensão do “que” e nesta fase deve ser acrescentado à habitualidade que
dá ênfase à apreensão do “que”. O entendimento do porquê corrige e aperfeiçoa o
conhecimento do quê.
Pela interpretação, percebe-se que apesar de a indução, percepção e intuição
estarem lado a lado com a habitualidade elas não têm ligação com o nobre e o justo,
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mas sim aprendendo a fazer coisas nobres e justas, assim, habituando-nos neste
exercício das coisas justas e temperantes. A prática possui poderes cognitivos e
esta soma nos torna nobres e justos. Por tudo isso se pode afirmar que o hábito faz
com que o homem internalize os conhecimentos adquiridos e nos leve ao ponto de
partida.
De novo voltamos à informação de que é necessária uma boa criação para
ensinar o que é nobre e justo, bem como para nos guiar. Temos então presente
outro ponto, outra discussão: quem melhor faz isso, os pais ou a comunidade?
Como se desenvolve o saber do que é verdadeiro? O começo se desenvolve
através da confiança de algo aprendido e após descobrirmos, por conta própria, ser
verdadeiro. O desenvolver do saber verdadeiro acontece quando o guardamos no
coração. Uma instrução oferecida pelos pais, mestre ou comunidade pode ser
executada pelo aprendiz: mas como aprender o que é nobre e justo?
Argumentos não são suficientes para a execução da nobreza e bondade,
principalmente quando se sabe da existência de paixões, pois estas só podem ser
controladas por meio da punição, não da razão. Existe ainda o argumento de que
nos tornamos bons por natureza somente por causas divinas e presente somente
nos afortunados. O estudante de Aristóteles é alguém que já ama o que é nobre e
isso lhe é prazeroso; outros, não tão bem criados, não possuem esta riqueza de
amor. Aquele que já ama tem a familiaridade com a virtude e possui receptividade
com as instruções.
Quando não se vive em boa criação, não é fácil remover determinados
comportamentos e perfil que já fazem parte de seu caráter. A dissuasão não tem
poder em quem vive sob a dominação das paixões. Argumentos não são capazes
de impor força para remoção daquilo que é indigno. O homem que, portanto, não
controla seus desejos e se deixa ser levado é incontinente e a razão não se
estabelece nesse ser.
Aristóteles insiste na capacidade de que “regozijar-se e odiar com a nobreza”
provém da habituação. Sustenta que o hábito é a segunda natureza. Outra
colocação importante é que não se aprende a ter prazer, ou seja, o “experimentar”
vai trazer o conhecimento do que seja o prazer. O experimentar vem acrescido do
que se sentiu naquele momento.
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Pode-se ter prazer também em decorrência não da situação em si, mas do
que ela originou após. Ex: [...] ter prazer com uma viagem ao exterior por causa das
fotografias tiradas [...] 9
Existe também o prazer imoderado acarretando a perversão. Aristóteles
afirma que o prazer apropriado é encontrado no aprender a ter prazer. É tornar um
hábito as ações virtuosas. Que a correta educação é encontrada quando temos uma
satisfação adequada perante determinada situação, e quando algo terrível acontece
não se sofre, mas antes enfrenta-se para combatê-la. Para isso ocorrer, é
necessário que desde muito cedo o aprendiz tenha sido criado nesse ambiente de
ensinamento.
Ter ou não ter prazer é o teste de ter ou não ter virtude, visto que só o
homem corajoso se mantém no posto em situação terrível, uma vez que nesse
momento não há o alívio de segurança, muito pelo contrário, a pessoa nesse posto é
sabedora de que algo ruim está para acontecer. O que são ações virtuosas, em
todos os casos será respondido que são escolhidas e realizadas porque são nobres
e para alguns porque são justas, corajosas, temperantes, etc.
Para que essas ações sejam prazerosas e guardadas no coração há
necessidade de aprender por nós mesmos a amá-las, ou seja, o aprendiz tem o
conhecimento do que é justo por ele mesmo, o aprendiz possui o “quê” e do
aprendizado por experiência própria decorre não só a prática, como o tempo fornece
a qualificação da habituação que leva à capacidade de sabê-la nobre e apreciá-la
com a razão através da sua própria existência.
Os jovens estão mais propensos a cometer erros justamente por conta da
idade e por uma inclinação em viver em função das paixões do momento. O jovem
tem por objetivo realizar ações nobres, porém, nesse ínterim, em função justamente
do momento e com a adição do que lhe atrai, por vezes faz coisas vis, ignóbeis, o
que após gera vergonha da sua própria conduta, ou seja, ele sabe que não praticou
coisas nobres, mas dada a força da paixão desvia-se do caminho justo e do nobre –
daí a necessidade da sabedoria prática para reforçar e evitar esses erros. A pessoa
9 BURNYEAT, M, Aristotle on Learning to be Good. Publicado originalmente em A. Rotary, Essays on Aristotle’s Ethics, University of California Press 1980, p. 69-92. In: ZINGANO, 2010., p. 165.
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bem criada tem a capacidade de perceber e evitar esses erros, bem como é com a
punição que também se evita os erros.
É aceito pelo indivíduo aquilo que conhece e isso o auxilia no discernimento e
de forma aprofundada no julgamento correto. Para ser um bom juiz o ingrediente
fundamental é uma educação completa. Aqueles que não possuem autocontrole e
são guiados tão somente pelo desejo, independente da cronologia, são incapazes
de um julgamento correto. Pudor e medo da desonra são a semivirtude do aprendiz,
não cabendo, portanto, tal sentimento a pessoa mais velha.
Aqueles que são menos afortunados a única maneira de se obter um
comportamento adequado é através do medo da punição. Para esses, tanto faz o
ato, não possuem qualquer razão para viver pelas ações nobres e justas. Diferente
daqueles bem criados, que são receptivos, com a moral estando em conexão com a
sabedoria prática que lhe permite evitar ou desviar de praticar erros. Aqueles
dotados do senso de vergonha corresponderão melhor às coisas corretas. Aquele
que não o possui, a única coisa que o deterá será a punição.
A visão de que o ser humano possui uma base fisiológica é de grande
importância, pois ela é movida pelo prazer e este pode ser devidamente treinado, de
modo a se tornar apropriado se for utilizado com grau de moderação. Outro ponto
abordado também por Aristóteles é o fato de o ser humano ser por natureza um
animal social e que a amizade está dentro do que se considera nobre.
A virtude para Aristóteles é um esforço para aprender, para adquirir e para
controlar. O hábito está ligado ao costume e mediante a habituação atingimos o
caráter, decorrendo o controle de nossa índole. No vício fica estabelecido o mau
hábito e a fraqueza.
A sequência da direção do bem é representada, primeiro pelo aparecimento
da deliberação, que promoverá a formação do desejo que levará a decisão para uma
ação que será baseada na escolha. O homem acrático tem um conhecimento do
bem, porém, é levado a fazer outra coisa, ele é influenciado de tal forma pelo
corpóreo que está associado ao prazer que para ele o prazer tem um instante mais
forte e dominante em relação ao bem. O acrático persegue algo que é sabido
reprovável e que exerce uma atração predominante nesse homem.
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O acrático age de forma contrária ao conhecimento que possui. Ainda que ele
tenha o conhecimento e tem a capacidade de raciocinar, esses elementos não
dominam a opinião que aliado à história das pessoas imaturas resultam na ação
segundo o que é aprazível em certo momento. Pode-se também explicar a akrasia
como servos precipitados, que antes de ouvir tudo já saem correndo e erram no pedido.
No exemplo do silogismo “desrespeitos e injustiças devem ser combatidos, fui
desrespeitado/injustiçado, devo, pois, vingar-me”10. O que certamente fica claro na
akrasia diante do silogismo supra é que para Aristóteles a parte irascível não se
detém para ouvir ou refletir, mas que deve ser melhor esperar e investigar esse
aparente malfeito.
Burnyet avalia que além da nossa criação, os apetites corpóreos estão em nós
como parte de nossa herança, assim também a semente da acrácia está em nós.
Se, pois, essas respostas avaliativas estão em nós como resultado de nossa criação e os apetites corpóreos estão em nós como parte de nossa herança natural enquanto seres humanos, as sementes da acrasia estão conosco quando adentramos a sala de aula de Aristóteles.11
De acordo ainda com Burnyeat o que precisa ser explicado, não é porque
certas pessoas caem na tentação, mas porque outras não caem. Por que a maioria
de nós é desencaminhada com certa facilidade? Qual a composição das pessoas
continentes? Onde está centrada a virtude plena?
O que exige explicação é antes como certas pessoas adquirem a continência ou, ainda melhor, a virtude plena do que por que a maioria dentre nós é suscetível a desencaminhar-se em decorrência de apetites corpóreos ou respostas avaliativas não racionais. Não acidental que Aristóteles conceda tanto espaço para o acrático enquanto tipo de pessoa quanto para as ações acráticas isoladas, sendo característico que meça a suscetibilidade à incontinência por comparação com o homem normal.12
A impressão que o comentador tem é que a incontinência está relacionada ao
homem normal, daí porque Aristóteles dá tanto espaço para o acrático.
10 BURNYEAT, M, Aristotle on Learning to be Good. Publicado originalmente em A. Rotary, Essays on Aristotle’s Ethics, University of California Press 1980, p. 69-92. In: ZINGANO, 2010., p.176. 11 Ibidem, p. 177. 12 Ibidem, p. 178.
30
Para Aristóteles, são três os objetivos de persecução e três de fuga: o nobre, o
vantajoso e o prazeroso e; seus contrários: o ignóbil, o detrativo e o doloroso. O que é
prazeroso cresce conosco desde a infância e não é possível desvincular esse
sentimento de nós. Então como é esse ser virtuoso? Para Aristóteles, a condição
adicional é um caráter firme e imutável onde encontra prazer naquilo que sabe ser bom.
O homem tem em harmonia as três categorias e por isso nada o seduzirá a
não ser a ação temperante ou corajosa, portanto é totalmente compreensível que o
homem dotado de virtude e sabedoria prática não tenha a mínima chance de ser
acrático.
Para Aristóteles, o ideal a se atingir é a formação do cidadão bom, virtuoso e
justo indo de encontro com a felicidade. É o homem em excelência, natural da vida
que leva e que resulta em uma vida completa. A excelência ética requer experiência
e tempo, produto da aprendizagem e do hábito. O mesmo fator que produz a
excelência pode produzir o oposto, as virtudes podem ser destruídas por excesso ou
por defeito. A virtude só é produzida por atos contínuos de virtudes. Para o homem
bom ser virtuoso não basta conhecer o bem, é preciso possuir esse bem e procurar
ser bom. Aristóteles não defendia a existência de uma elite ou muito menos que
haveria um número limitado provido de virtudes e com características do homem
bom. Aristóteles concorda com Platão e parte do princípio que o homem bom deve
nascer com uma característica natural virtuosa, ou seja, ele já nasce com uma
predisposição para o bem, porém ele só estará completo através da educação
baseada nos hábitos, pelas leis da cidade e fundados na experiência e
aprendizagem, assim estará completo o ciclo da excelência trazendo o homem mais
perto do divino.
31
6. ARISTÓTELES E OS MÉTODOS DA ÉTICA
Desejamos saber o que é bom, mas como saber? Como identificar se
determinadas proposições estão certas ou erradas? Queremos, portanto, saber
identificar o que é falho e quais concepções podem ser aceitas. Investigar significa nos
aproximar da verdade e com o resultado nos assegurar que as proposições aceitas são
verdadeiras e este questionamento aprimora o nosso desenvolvimento intelectual.
O método de acordo com Aristóteles possui três componentes:
1. estabelecer
2. percorrer as aporias
3. provar
Os componentes 1 e 3 não são expressões sinônimas, embora sejam
utilizadas para designar a mesma classe de itens. Estabelecer representa crenças
ou opiniões de algum tipo, “coisas que parecem ser o caso” e, ainda, levantamento
das opiniões a cerca de um assunto ou tema. Então o primeiro componente do
método de Aristóteles é reunir as opiniões a cerca do tema em questão. De quem
vai ser apreciada a questão? Quem é essa pessoa? Quem são as pessoas dotadas
desse monopólio do saber? Aparece aqui então as endoxa (opiniões reputáveis)
aquilo que aparece à maioria dos sábios. A qualificação do estabelecer estará
balizada por aqueles que têm uma reputação reconhecida por serem sábios.
O segundo componente seria um percorrer as aporias (não ter um caminho para)
que se reveste na apreciação geral das aporias ou das dificuldades encontradas pela
investigação. Pode-se dizer que no percorrer as aporias possuem um conflito entre si.
Esse segundo método pressupõe que sempre será descoberto inconsistências – ele
leva a imprecisões. Nesse processo, através das provas se descobrirão insuficiências.
Na endoxa reside inicialmente uma dificuldade intelectual, pois ao examinar um
determinado assunto percebem-se discordâncias e nessa travessia deve-se atentar a
todos os conflitos originários que existem no exame das endoxas.
Entramos então no terceiro componente “a prova”, onde se determina a solução
ou resolução do problema. Precisa haver um filtro nas provas e ela se faz através do
abandono de algumas e na preservação de outras. A verdade, pois estará concentrada
32
nas provas preservadas. O método das provas para Aristóteles é compreendido como
um método do Senso Comum e que passa pelas crenças populares.
Os contra em relação à prova fica muito evidente pelo comentador Jonathan
Barnes quando este coloca três questões de ataque ao pré-estabelecimento do
senso comum. Ele admite que seja possível outros pontos de partida, que também
existem verdades ainda não sonhadas e, por fim, que é muito pobre considerar que
respostas às novas questões éticas já estão em nosso poder e sendo imutáveis não
precisam passar, portanto, pelo processo intelectual.
Quanto “à prova”, no que exatamente ela consiste? Parece que nas
traduções há certa divergência quanto ao que exatamente ela representa. Alguns
concluíram que representa “provável”, “plausível” ou “crível”. Estudiosos modernos
chegam à conclusão que a tradução correta é “opiniões recebidas” ou “opiniões
aceitas”.
Qual é o critério para se aceitar essas opiniões? Nós temos crenças e a
propomos e a valorizamos para que sejam recebidas. Avalizamos também através
de ações nas quais é mostrado o prazer, que temos e que isso é julgado como um
bem. É na análise lingüística que ocorrerá os esclarecimentos sobre crenças do
senso comum. O senso comum é resultado de todas as crenças, sustentadas por
todos ou pela maioria dos homens. No “provar” estarão inclusas as crenças da
minoria, as opiniões dos sábios, especialistas e estudiosos cujas crenças estariam
em desacordo com o senso comum.
Aristóteles exclui considerações de homens insensatos, doentes e crianças
por serem opiniões peculiares e, de acordo com estudiosos, porque a missão aqui é
armazenar dados e não transformar mentes.
Aristóteles fala que o homem tem uma sede natural da verdade e ela tem que
ser refinada pela experiência. Não dá para afirmar que tudo que o homem acredita
seja verdade, mas boa parte o é, resultando assim dizer que o argumento mostra
que a prova tende a ser verdade, em detrimento de a verdade não ter a tendência a
ser a prova.
Na verdade, queremos descobrir coisas, saber a verdade, identificar as falhas
nas concepções e atitudes cotidianas. A preocupação de Aristóteles não é o
33
convencimento por meio de uma audiência seleta, mas de mostrar que qualquer
mudança que façamos em nossa crença prática será positiva se forem decorrentes
de investigação. É uma tentativa de um caminho acertado, uma forma de lidar com
as questões práticas e nos tornar assim pessoas sábias.
Para Aristóteles, se as endoxas permanecem e são sustentáveis aos testes
então foram aprovadas. A palavra doxa significa opiniões de certo tipo, enquanto
endoxa significa opiniões reputáveis, e os sábios são considerados pessoas
reputáveis. Se uma opinião estiver de acordo com um sábio e se estiverem
presentes outras pessoas, ainda que em maioria ou ainda em pequeno grupo, então
ela estará de acordo e será qualificada como endoxa.
A primeira coisa a se fazer, de acordo com Aristóteles, é investigar o que
parece ser o caso a todos e atentar também para as opiniões daqueles que
anteriormente investigaram a matéria. Ao que tudo indica quando a mente se abre é
capaz de encontrar a verdade a partir de opiniões, porque derivam delas o início
para a atenção da nossa mente.
É importante frisar que se um número considerável de adultos normais tem
experiência em determinado assunto, um estudante pode considerar a hipótese de
haver verdade numa informação. É possível que, embora as investigações sejam
realizadas por filósofos e estes na ânsia de difundirem o que consideram verdades,
muitas vezes percam a habilidade em dizer coisas com propriedade. Assim,
Aristóteles recomenda, para aquele que estuda, não se basear somente nos
especialistas, mas acrescentar opiniões de pessoas comuns, decorrendo daí uma
abertura contra qualquer distorção e assim respeitando também o próprio método.
A endoxa é um método geral e destaca a observação para qualquer opinião,
assim como de especialistas. Para resolver dificuldades é necessário submeter cada
opinião, ver o que conflita e analisar as razões para ver o que tem procedência ou
não. O problema está para o estudante, pois quem dá a opinião, o faz com
convicção, de tal forma que na apresentação nada parece errado ou conflituoso. Só
há uma análise bem feita se o estudante não estiver confortável, ou seja, se houver
uma investigação demasiada forte para induzi-lo na apresentação perfeita.
34
Muitas vezes, o que parece verdadeiro não é daí ocorrer que nem todas as
endoxas sejam aprovadas no exame. Não importa a maneira como as palavras
demonstram as endoxas, o que importa é o reconhecimento da verdade das endoxas.
Além da aceitação do argumento e sua defesa e o posicionamento firme
sobre sua verdade, é importante também ter um argumento forte e aceitável para a
opinião que está sendo rejeitada. Deve-se encontrar uma explicação que promova
o aceitar a fundamentação dada pelo que foi rejeitado.
Em função do contato contínuo, é pouco provável que aconteça um erro ou
distorção e, se isso ocorrer, é sinal de que algo está acontecendo com seu juízo,
alterando assim a visão da verdade. O fato de haver equívocos de argumentos não
significa que quem os deu mudará a sua ideia após a exposição dos enganos. Pode
haver resistência e teimosia, porém a função do estudante de acordo com
Aristóteles não é a tarefa do convencimento, mas a análise e a justa verdade do
argumento apresentado.
O objetivo do método de Aristóteles é provar que não é só aparentemente que
a prova apresentada não deixa dúvidas e que não há elementos controversos.
Aristóteles também afirma que devemos começar pelo conhecido, que a nossa
partida é pelo que é familiar. O segundo ponto de partida será com base na direção
daquilo que já nos deu o princípio, a sustentação para a outra parte da investigação,
vamos para o outro ponto no sentido de chegar à trajetória final.
É preciso ainda nesse trajeto desvendar as aporias. Para Aristóteles, o
estudante deve inverter a direção para testar a investigação, pois aquilo que não
está muito bem compreendido poderá ter um entendimento mais apurado, dando
maior amplitude à verificação, dissolvendo qualquer discordância do que foi
efetivamente investigado.
O método de Aristóteles exige que os estudantes analisem determinado assunto com a mente aberta e façam justiça aos diferentes pontos de vista, mas isso não significa que devam convencer quem quer que tenha alguma opinião sobre o assunto ou, inclusive, que esses outros sejam persuadíveis.13
13 KRAUT, 2009, p 84.
35
A proposta de Aristóteles é fazer com que o aluno seja imparcial na análise e
no resultado de sua investigação, deve também não se utilizar do artifício da
persuasão, pois aquilo que é demonstrável e verdadeiro não carece de imposição.
Então, só após tudo ser analisado e todo o assunto ser investigado e revisto, poderá
se chegar a um termo final e é nesse momento que o aluno pode dizer que tem o
conhecimento no sentido estrito.
Aristóteles também fala em teste, ou seja, não basta ter chegado à
conclusão reputável de uma determinada proposição, tanto pela participação da
opinião de sábios como pela maioria, é necessária a ratificação através do teste da
experiência, visto que tem importância aquilo que é demonstrável. Uma teoria ética
deve corresponder ao que experimentamos na vida, se elas estiverem em
consonância com nossas experiências e percepções do cotidiano podemos então
julgá-la como verdadeira.
A prova é a recompensa de toda a investigação: ela transforma a
possibilidade aparente em proposição que merece confiança, porque através de
todo o processo consegue ser provada, constituindo e se revestindo da verdade
provada. Ainda dentro do método de Aristóteles, para se chegar à sustentação
definitiva, o estudante deve evitar dois extremos:
1. a recusa a considerar o que se mostra como plausível porque ninguém antes teve aquele pensamento; 2. a recusa de considerar a ideia de outra pessoa porque tal ideia não parece ter de início, nenhuma plausibilidade.14
Para usar o método é necessário um ingrediente muito importante que é ter
sido bem educado nos bons hábitos desde o início de sua vida. Só assim serão
capazes de utilizar o método com sucesso. O olhar e sentimento dos que foram bem
educados são capazes de perceber as diferenças, bem como examinar com
sabedoria argumentos ambíguos e excluir aquilo que não for procedente.
A par de tudo isso é entendido que o método existe não para a concordância
do resultado da investigação, mas para assegurar uma confiabilidade no resultado
reconhecido como verdadeiro.
14 Ibidem, p. 92.
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7. A PERMANÊNCIA DA FELICIDADE
Aristóteles reconhece que o objetivo da vida é a felicidade e por esse
pensamento é que escolhemos honra, prazer, dinheiro, amigos, conhecimento e
família porque acreditamos que através deles seremos felizes. A excelência no
homem pode ser encontrada no intelecto e justamente por conta dele é que o
homem se torna superior e governa outras formas de vida. O intelecto tem uma
função importante para o homem e a evolução dessa faculdade o leva à realização
da felicidade na medida em que ele a usa para harmonizar e exercer o domínio
sobre seus instintos. Nessa sequência vem o resultado do agir de acordo com a
razão e que ao longo vai representar na produção da perfeita felicidade.
A felicidade também não pode ser confundida com divertimento, com uma
distração que provoca um bem estar passageiro e que por algum tempo desvia o
homem das coisas sérias. A felicidade está relacionada com a plenitude da vida
humana relacionada também com Deus, divinizando a razão, pois aquele que é
imperfeito não possui esse atributo. A felicidade só é encontrada em um ser perfeito
e absoluto. Para Aristóteles, os Deuses são seres felizes, pois nada lhes falta e
sendo assim o homem utiliza a sua razão para estar próximo do Divino e poder
experimentar parte na participação da sua infinitude.
Temos que possuir, também, num grau razoável, bens materiais: a pobreza nos torna avarentos e ávidos; enquanto que os bens nos livram de preocupações e mesquinharias. E essa liberdade é a fonte da tranquilidade e encanto aristocráticos.15
É reconhecido por Aristóteles a importância dos bens materiais e essa
referência também se apresenta nos comentários T. Irwin. O autor faz referência a
uma passagem bíblica (Jó 1:9-11) onde satã desafia Deus quanto à fidelidade de Jó,
acreditando que se dele tudo for tirado não mais o seguirá.
Satã respondeu ao Senhor: “Acaso Jó teme a Deus a troco de nada”? Porventura não o cercaste de proteção, a ele, sua família e suas posses? Abençoaste a obra de suas mãos e aumentaste seus
15 DURANT, Will. The story of Aristoteles philosophy, tradução MariaTheresa Miranda, p. 79.
37
rebanhos sobre a terra. Estende, no entanto, a tua mão, toca tudo o que ele tem – e ele lançar-te-á maldições ao rosto. 16
Ainda Irwin, afirma querer demonstrar a correspondência existente entre a
felicidade e a virtude, caso algo venha a ocorrer durante a vida de uma pessoa que
a transtorne ou lhe tire por um período os bens materiais ou aquilo que lhe é
importante, então esta pessoa não poderá ser considerada feliz, mas sim infeliz em
face de algo desfavorável a que foi submetida, bem como quer demonstrar a
permanência da virtude e que esta não pode ser tirada de quem a possui e mostrar
que a virtude é permanente.
Aristóteles se vê na responsabilidade de explicar e argumentar quanto à
felicidade. Ele afirma ser a felicidade vulnerável, pois infortúnios acontecem no
decorrer da vida. Isso acontece porque [...] nenhuma das funções humanas possui
permanência.17 A permanência está presente na virtude, pois esta é duradoura e
valiosa gerando a estabilidade e assim faz o ser humano ser feliz e mesmo com as
reviravoltas da sorte, o duradouro e valioso estará sobreposto.
É na adversidade que a virtude resplandece, ela traz a serenidade para
entender e passar pelos infortúnios e assim ver emergir a grandeza da alma e é de
se supor ainda, que este em vida não foi infeliz, pois é bem aventurado e incapaz de
praticar ações odiosas. Ele cita o exemplo de Príamo no fim da vida, ou seja, ele na
juventude teve glórias. Como rei de Tróia acumulou poder e riquezas, porém na sua
velhice teve que lidar com a morte do filho mais velho e antes que a infelicidade o
destruísse por completo conseguiu resgatar o corpo do filho para que pudesse ter
um enterro de acordo com a tradição de seu povo.
A partir dessa ilustração, Aristóteles quer dizer que se apenas parte da vida
está bem e outra não, não se pode assinalar aí a concepção de felicidade. Ele em
uma das passagens afirma que para sermos felizes, devemos cultivar e praticar as
virtudes. Mas adianta que a felicidade é vulnerável e não se pode afirmar que a
virtude por si só vai garantir a felicidade.
16 IRWIN, T, Permanent Happiness: Aristotle and Solon. Publicado originalmente em Oxford Studies in Ancient Philosophy, v, 3 1985, p. 84-124. In: ZINGANO, 2010, p. 208. 17 BINI, 2014, p. 68.
38
Os gregos esperavam que, independente do infortúnio, a virtude estivesse
presente no ser, porém é fato para nós que a virtude nem sempre promove a
felicidade. Há uma passagem onde um [...] rico e bem sucedido Creso oferece a
Sólon um tour guiado de seu palácio e seus tesouros, pedindo a seguir que Sólon18
diga quem julga ser o mais próspero dos homens.19
No pensamento desse rico homem, ele seria o mais rico de todos em função
da grandiosidade de sua fortuna, porém Sólon o contraria e afirma que varias
pessoas que ele citou, apesar de mortas, menos ricas e ilustres, são prósperas, pois
não estão mais sujeitas a problemas quanto à sua fortuna. E como Creso ainda está
vivo, não sabe se até à sua morte ocorrerá algum problema com sua fortuna. Sólon
consegue ver que Creso é feliz, mas que sua vida ainda está incompleta. Sólon
acredita que a felicidade não é apenas de um dia ou dois, mas sim de toda uma
vida.
Aristóteles descreve a felicidade como:
1- Atingir o bem com virtude
2- Autosuficiência de vida
3- A vida mais prazerosa com segurança
4- Prosperidade de posses e corpos com o poder de protegê-los e
usá-los na ação.
“Existe um antagonismo [...] a felicidade requer a fortuna e a fortuna é instável
[...]”.20 Outro antagonismo estaria presente no maleável e no inflexível. Para os
gregos o inflexível é admirável enquanto que o maleável concentra uma pessoa
previsível que tudo organiza de tal forma que sua passagem é realizada sem perdas.
Aquele que faz sempre tudo certo, não sai um milímetro fora do lugar é quem não
causa prejuízo, não tem sucesso entre os gregos. Aristóteles, por outro lado,
concorda em parte com Sólon quando diz que a felicidade depende da fortuna.
18 SÓLON (638 a.C. – 558 a.C.) foi um estadista, legislador e poeta grego, um dos Sete Sábios da Grécia, acabou com a transmissão de poder hereditário e abriu o acesso aos altos cargos do governo para (quase) toda a população ateniense. Dedicou a vida a construir uma sociedade mais justa e igualitária. Tanto que os historiadores o consideram o pai da democracia ateniense. 19 IRWIN, T, Permanent Happiness: Aristotle and Solon. Publicado originalmente em Oxford Studies in Ancient Philosophy vv. 3 1985, p. 84-124. In: ZINGANO 2010, p. 209. 20 Ibidem, p. 211.
39
Sólon descreveu bem a felicidade ao dizer que em sua opinião eram felizes aqueles que possuindo bens externos em quantidade moderada, haviam realizado os atos mais nobres e vivido comedidamente.21
A felicidade deve ser completa e autossuficiente para uma vida digna e
carente de nada e se não há carência de nada, nada mais há que ser acrescentado.
“O [...] autossuficiente aquilo que por si só torna a vida desejável e destituída
de qualquer carência [...]”22 e a função do ser humano é a sua participação,
conjugando a atividade da alma com a razão. Um homem só pode ser chamado de
bom quando ele executa essa conjugação de acordo com a excelência. Isso mostra
que ser um ator é diferente de ser um bom ator, pois um bom ator é o que há de
melhor e mais completo.
Aristóteles acrescenta que além dos bens genuínos (fortuna) tem que ter a
abrangência que nada mais é que a presença da família, dos amigos e dos
concidadãos. Ele rejeita a concepção de Sócrates que basta a virtude e somente
ela é suficiente para se ter a felicidade. Aristóteles quer representar a felicidade
completa, através da virtude, da fortuna, dos familiares e de amigos.
Aristóteles divide os bens exteriores e eles podem ser instrumental e não
instrumental. No instrumental estariam os amigos, riqueza e poder político e no não
instrumental estaria a honra. A existência dos dois é fundamental, visto que os
primeiros são de natureza cooperativa e interior e no segundo, a falta interfere na
felicidade. Salienta Aristóteles que não há felicidade completa caso haja ausência
desses bens e parte da felicidade encontra-se no uso correto desses bens.
Quanto à amizade, Aristóteles as classifica em duas categorias: as que são
duráveis e as que são acidentais. As acidentais são aquelas amizades úteis e
aprazíveis por um período de tempo, visto que a pessoa não permanece sempre
como é; neste caso amamos o amigo não por ele mesmo, mas tão somente por
aquilo que pode nos dar de útil sendo que o amor ao final se transforma e se torna
frio e portanto são facilmente desfeitas as amizades. A amizade verdadeira é durável
e ocorre entre virtuosos e consiste numa reciprocidade. O homem é amado pelo que
21 BINI, 2014,, p. 381. 22 ibidem, p.. 58.
40
ele é em si mesmo. Isso também acontece porque em sociedade é mais fácil
conviver com pessoas amigas do que com estranhos. As grandes amizades exigem
duração e intensidade.
Voltando um pouco a falar sobre riqueza e amizade, há que se destacar que é
próprio do homem virtuoso beneficiar, fazer o bem e para isso ele precisa de
pessoas para fazer o benefício. Contudo a amizade deve ter um rol pequeno visto
que é impossível ser amigo de muitas pessoas. A amizade exige igualdade, pois se
assim não for este alicerce será vacilante, na medida que quando há gratidão
significará que um é credor e o outro é devedor e ninguém gosta de ser devedor.
É sugerido por Aristóteles que uma pessoa de estrutura social muito inferior,
solitário ou mesmo sem filhos, estaria longe da felicidade e mesmo alguém que
tenha amigos, porém ruins, falecidos ou ainda filhos ruins estaria em circunstâncias
piores. São bens que fazem da vida um ciclo completo, nada faltando, nada a ser
acrescentado. Assim “[...] parece que a felicidade exige a prosperidade material,
sendo esta a razão de alguns indivíduos identificá-la como ‘boa sorte’”.23
Em outro ponto Aristóteles discorda de Sólon quando este diz que a felicidade
depende de condições exteriores ao agente. O pensamento contrário a isso é que as
atividades virtuosas que nos dão a felicidade estão em nosso poder e são difíceis de
serem subtraídas, assim, na passagem bíblica sobre Jó o Senhor não tira a integridade
de Jó, só os bens exteriores Jó é o único que podia manter a sua integridade.
Aristóteles tenta conciliar bens exteriores e felicidade, na medida em que a última
inclui a primeira. A fortuna pode refletir na felicidade de duas formas. A fortuna tornando
mais feliz a pessoa feliz e a perda privando a pessoa feliz de sua felicidade, mas não
chega a torná-la infeliz. É difícil para Aristóteles explicar como a adição e subtração de
bens pode tornar uma pessoa mais ou menos feliz sem que ele deixe de ser feliz.
O seguinte exemplo esclarece melhor a sua pontuação quanto à felicidade e
bens: se uma pessoa é virtuosa e também rica o bastante para apresentar ações
magnificentes e praticá-las de forma contínua e sempre no mesmo grau, caso
receba uma grande herança será possível essa pessoa realizar um maior número de
23 Ibidem, 2014, p. 64.
41
ações magnificentes, demonstrando assim que embora possua mais bens ela
continua a ser boa e virtuosa, deixando claro que essa grande fortuna não produz
mais felicidade, que não acrescenta mais felicidade do que ela já possuía, apenas
multiplica-lhe as ações virtuosas.
Porém os efeitos da má fortuna são graves. Para Aristóteles há uma grande
diferença entre uma pessoa ter felicidade e parte da felicidade, para outra que não
possui parte alguma da felicidade.
Para ele a pessoa que não possui parte alguma da felicidade não é virtuosa e
a pessoa não virtuosa resulta em infeliz e afirma que a virtude combina com
qualquer componente porque ela é um bem dominante. É claro também que a
estabilidade é um princípio do virtuoso e a inflexibilidade não dá abertura a
mudanças ou variações ao caráter do virtuoso.
O maleável, na verdade, vive mais em função da fortuna e de suas variações
do que da virtude. Aristóteles concorda com Sólon quando este afirma que se deve
chamar de feliz apenas a pessoa morta. Aristóteles define a felicidade como
completa e conquistada durante a sua vida.
Uma criança que ainda está iniciando a vida não possui a felicidade completa e
muito menos há a noção do tipo correto de ações que deve perseguir. Aristóteles
sugere o que acredita ser o tempo completo, o tempo de uma vida, que é longo e
suficiente.
No exemplo de Jó, ele consegue restabelecer sua posição, pois ainda vive
outros 140 anos. Portanto é verificável que após perder, ele teve tempo suficiente
para recobrar a sua felicidade, o que foi diferente de Príamo, que possuiu por longo
tempo – em quase uma vida completa –, a felicidade, porém na velhice a perde e
não tem tempo de recuperá-la.
Feliz é, portanto, aquele que tem uma vida boa e agradável conforme a
virtude, vive uma vida intelectual, dirige bem a vida, se dedica à prática de ações
virtuosas, além de viver as virtudes dentro da polis. É necessário ainda muito
exercício e muita prática da virtude e uma vida completa. Para Aristóteles, a
felicidade é impermanente, ela pode ir como também pode vir. Aristóteles termina
concordando com Platão quanto à dominância da virtude e não a sua suficiência.
42
8. VIRTUDE E RAZÃO
Aristóteles vê a felicidade como atividade da alma transpirando razão e
virtude. É no que há de melhor, nas práticas do homem, que se encontra a
felicidade. Uma pessoa sábia trilha o caminho da razão prática, deixando de lado a
fortuna e as circunstâncias exteriores.
A princípio se tem em mente que o conhecimento do significado da virtude é o
bastante para que ela esteja presente em nossas ações. Além de ser um caminho
curto e errado, ele somente, é insuficiente. O importante, na verdade é a sua
presença através da prática, esse hábito faz com que as pessoas sejam
influenciadas por essa essência a ponto de transformá-las em boas pessoas. A
virtude não se ensina e a força da natureza só está presente em alguns afortunados
através da graça divina. A escolha de ações cujo resultado depende do acaso não
será escolhida para aquele que pretende atingir com sucesso o fim perseguido.
Portanto, o objetivo de uma pessoa virtuosa é praticar ações virtuosas. Aristóteles
afirma que uma pessoa virtuosa “praticamente não se arrepende” (1166 a 29). 24
É o objetivo da vida do homem alcançar a felicidade, para isso será
necessário viver racionalmente, o que significa viver segundo a virtude. A virtude
está ligada à decisão e consiste em agir de acordo com a justa medida. A excelência
é encontrada no meio termo, que não é uma medida matemática, mas o equilíbrio
perfeito entre os apetites e a razão.
A ideia de Irwin (1985) é concentrar que na pessoa virtuosa o dominante é o
agir racionalmente, característica primaria e essencial na natureza humana e que lhe
dá a sustentação da virtude na felicidade. A pessoa que é virtuosa não se desvia de
seu caminho, tem a rigidez com a realização de seu objetivo. O ser justo nem
sempre corresponde a um resultado antecipado. Quanto mais maleável e flexível é o
caráter do ser, mais ele se sabota, e também o fim a perseguir.
O hábito é um fator determinante e importante para a apreensão da virtude:
se não houver o hábito o homem estará propenso a tentar uma escolha na base da
24 IRWIN, T, 1985 Permanent Happiness: Aristotle and Solon. Publicado originalmente em Oxford Studies in Ancient Philosophy , v. 3, 1985, p. 84-124. In: ZINGANO,.2010, p.230.
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sorte e não na base da razão e o resultado tanto pode ser de acerto como pode ser
de erro. A segurança para uma boa escolha só será alcançada através do hábito.
Fazer uma ou duas escolhas certas dentre muitas escolhas erradas não basta. Se as escolhas erradas são em número muito maior do que as escolhas certas, você persistirá na direção errada – irá para longe da felicidade, e não para perto dela. É por isso que Aristóteles enfatiza a ideia do hábito.25
A juventude não ajuda na produção da virtude, pois a vida moderada não é
um atributo perseguido, a presença da paixão é dominante e a razão translúcida se
transforma em algo denso e obscuro. A virtude, portanto, só é alcançada com hábito
de praticar boas ações e com o tempo, na medida em que se vai constituindo a
personalidade do homem e ajustando este para resultados corretos e justos.
O agir voluntariamente, entendido como virtude não pode ser concebido na perspectiva dos desejos, das intenções ou das decisões improvisadas e momentâneas. É preciso agir com razoável conhecimento das circunstâncias para, assim, poder decidir adequadamente e, a partir desse desejo deliberado, poder agir de modo correto e justo. O desejo corretamente orientado é fruto da prática habitual das virtudes morais, que, desde o nascimento, vão constituindo nossas personalidades na medida em que somos educados e que fazemos nossas escolhas e ações ao longo da vida. O hábito de praticar boas ações vai constituindo nosso caráter moral que, por sua vez, deverá expressar sob as orientações da razão as escolhas e respostas emocionais corretas e justas para alcançar uma vida boa e feliz.26
Há que se mencionar que quando adulto, ainda que se tenha disciplina e
consolidado hábitos da virtude, ainda assim são necessárias as leis para que, de uma
maneira geral, e para a vida toda, as mesmas possam combater e agir através da
punição nos momentos onde a razão e a nobreza de conduta não puderem atuar
continuamente.
A maleabilidade não assegura os interesses futuros uma vez que a
maleabilidade interfere na persistência futura. A pessoa maleável não se destrói,
ocorre que essa pessoa muda suas escolhas. Materializando essa maleabilidade,
pode-se usar a dissolução de amizades. A minha amizade existe em função do
25 ADLER, J M., 2014,. p. 108. 26 SANGALI; STEFANI, 2012, p. 63.
44
caráter virtuoso desta, mas se de alguma forma não vejo mais esse caráter, a
pessoa deixa de ser aquele amigo que era para mim. É claro também que a
flexibilidade é aceitável para a pessoa que tenha mau caráter, pois se ela abandona
esse procedimento ela está adicionando uma melhoria à sua personalidade.
Para Aristóteles, a alma é racional como também não racional. Na não
racional estaria alocada a parte vegetativa e a apetitiva, enquanto que na parte
racional estaria o intelecto, o pensamento racional. A vegetativa não obedece à
razão e a apetitiva obedece de certo modo à razão, na medida em que esta regula
as paixões, fazendo com que seja obedecida.
O virtuoso possui amigos, percebe a honra e a boa reputação e ainda recebe e
oferece dinheiro e, por mais que os bens exteriores representem um valor de grande
relevância na vida de um indivíduo, ele não o tem como principal valor, não o
supervaloriza. Para o virtuoso os bens possuem um grau moderado de importância.
Ao analisar um otimista e um pessimista onde ambos possuem fortuna, o
otimista usará os bens exteriores e será mais feliz que o pessimista, visto que este
não usa sua fortuna com medo de perdê-la. A essência do otimista é o objeto de
Aristóteles, pois a virtude com otimismo permite usar bem a fortuna e a superar a má
fortuna quando ela ocorre sem que o otimista se considere um perdedor. Ele
enfrentará com serenidade a má fortuna. Então a sustentação para preparação e
enfrentamento tanto da boa como da má fortuna se realizará através da
racionalidade prática e da estabilidade dominante. Aristóteles também inclui como
bem a família, os amigos e os concidadãos.
Ele mostra que os erros são evitados no caminho da virtude. A pessoa virtuosa
evita preocupar-se com os bens exteriores, bem como em ter uma visão pessimista
com relação a eles – o virtuoso age acertadamente em situações que se apresentam.
Para Aristóteles, as virtudes éticas se aprendem da mesma forma como se aprende
uma profissão: a virtude é comparada a uma apólice, ou seja, somos reembolsadas
em circunstâncias desfavoráveis e desnecessária em circunstâncias favoráveis.
A pessoa inflexível possui coragem, força para suportar a perda de bens
exteriores. Para Aristóteles, a pessoa virtuosa adotará a postura correta diante de
uma situação desfavorável porque é nobre e magnânima. Essa pessoa magnânima
45
significa que se preocupa com a comunidade, ela utiliza de suas posses para com a
comunidade e valoriza os bens exteriores para utilizá-los nas ocasiões corretas.
A pessoa persegue seus objetivos e estes são dominantes, por isso sua
felicidade permanece mesmo que o resultado seja o fracasso. A pessoa magnânima
persegue o bem, portanto não se abate quando se depara com a má fortuna. O
contrário só resulta em egoísmo, em excesso nas valorizações dos bens exteriores,
prejudica os amigos e enganam-se uns aos outros. Quem se preocupa com a
opinião alheia está propenso a fazer algo tolo ou perigoso, encontrando aqui o
caráter maleável. A inflexibilidade defendida por Aristóteles é a realizada com
justiça, com um senso apurado de seu valor, que não desonra e muito menos se
apega só com a honra ou com o bem exterior.
A virtude é dominante e ela traz o poder da subordinação de tudo o que dela
decorre. A inflexibilidade só é boa se ela estiver associada às coisas corretas. Apesar
das críticas, Aristóteles associa felicidade com a virtude, ele pega uma carona na
concepção de Sólon para demonstrar que o acaso não determina se somos ou não
felizes, que ser inflexível é correto se estivermos relacionando a coisas corretas, que a
felicidade pode ser instável, mas seu componente dominante é estável e, por fim, que
a pessoa virtuosa tem um compromisso com a virtude justificado no bem e no grau
correto.
Para Aristóteles, a finalidade do homem é encontrar a felicidade. Para que o
homem a alcance é necessário viver racionalmente, o que implica viver segundo a
virtude que, por sua vez, é encontrada entre os opostos, isto é, entre deficiência e
excesso. Que a virtude não é inata no homem e onde há excesso ou vício não existe
virtude e esta se instala no homem através da educação, hábito e prática, sendo
atualizada pelo hábito de praticar ações boas – o hábito formador do caráter que
resulta no controle das paixões. Não se pode esquecer que somos responsáveis por
nossas ações e que na parte mais elevada da alma encontram-se as virtudes da
razão. Ela nos dá a capacidade de deliberar bem, de calcular bem de modo a
encontrar os meios necessários e adequados para alcançar um bom fim e também
são necessários uma boa família e viver numa boa sociedade, sendo que viver
numa boa sociedade significa que esta trata de modo justo os indivíduos e seus
membros.
46
9. POR UMA LEITURA DIALÉTICA
O debate principal aqui é saber qual foi o método utilizado na ética de
Aristotélica, se foi o método dialético ou científico ou se seria ainda os “endoxa”,
opiniões comuns tanto da maioria como dos mais respeitáveis que ajudaram a
construir os princípios que nortearam os argumentos de Aristóteles.
Essa questão divide vários intérpretes em dois campos opostos. Para
intérpretes como John Burnet e Georges Rodier e outros autores, o método seria
dialético visto que ele recai inteiramente sobre os endoxa. Para os autores W.F.R.
Hardie ou Terence Irwin, defendem o método científico, baseado nas investigações.
[...] W.F.R. Hardie ou Terence Irwin, que se incluem na corrente aberta por Stewart e Susemihl, defende exatamente a ideia inversa: o método das investigações éticas seria o mesmo ou de qualquer forma muito semelhante aos de outras investigações; a exemplo do que ocorre na Física ou no de Anima, as numerosas e longas discussões de tipo dialético seriam substituídas por considerações de tipo científico.27
Na defesa da interpretação científica está o livro Ética a Nicômaco onde
encontra-se descrita a base de uma ética universal, e que não se refere à cultura
grega ou de uma época. Porém, fica evidente para os estudiosos que também é
válida a importância dos “endoxa”.
Na ética a Nicômaco há numerosas passagens que falam a respeito do
método. Inicia-se pela apreciação dos fatos tal como são e expõe os problemas para
provar a melhor das opiniões comuns que afligem a alma – ou pelo menos tentar
restringir nas mais importantes dessas opiniões –, e se puderem resolver os
problemas e manter as opiniões comuns então a prova se realizará.
Pierre Destrée (2002) nisso se baseia, no capítulo 6, do primeiro livro da Ética
a Nicômaco, pois para ele este livro fornece como conceito central a definição da
felicidade para Aristóteles, bem como a filosofia prática de Aristóteles.
27 DESTRÉE, P Comment Démontrer le Propre de l’Homme – Pour une Lecture Dialectique de EN I 6. Publicado originalmente em G. Romeyer Dherbey e G. Aubry L’Excellence de La Vie, Vrin 2002, p. 39-61. In: ZINGANO, 2010,,p.380.
47
[...] esse capítulo é evidentemente crucial na economia da obra inteira, porque ele nos fornece a definição aristotélica à felicidade, que é o conceito central, e mesmo fundamental, da filosofia prática de Aristóteles. Mas também pela razão que esse capítulo é considerado um dos maiores instrumentos de prova de interpretação ‘científica’ do método da filosofia prática de Aristóteles.28
Destrée procura no Princípio da Não Contradição a demonstração de um
princípio que se origina de outro, que um princípio último validado não pode aceitar a
validade de um princípio contrário. Trata-se de uma lei contra a contradição. Ela está
ligada ao bom senso sobre as realidades que devemos pensar. Ela nos diz que não
devemos responder a uma questão – sim e não – ao mesmo tempo. Uma coisa
qualquer não pode existir e não existir, ao mesmo tempo. Ou ela existe ou ela não
existe. Para Aristóteles essa lei é evidente.
Esse princípio vai demonstrar ao final que o homem de alguma maneira
acaba formatando uma opinião que lhe serve como convicção. A defesa do filósofo
passa pelo esclarecimento do pensamento desorganizado e atrapalhado, recusando
opiniões comuns e doutrinas filosóficas não alinhadas com o esclarecimento.
Destrée (2002) vai analisar especificamente o capítulo 6 da Ética a Nicômaco
onde extrairá três pontos que na sua apreciação são os mais importantes.
- O próprio capítulo
- A maneira como Aristóteles aborda seu argumento
- A maneira de se argumentar sobre a “Função do Homem”.
Para Destrée há uma continuidade progressiva nos capítulos 3 a 5 cujo
método utilizado é o dialético, e ao chegar no capítulo 6 este já utilizaria o método
científico.
A estratégia de Aristóteles seria utilizar como final para seu argumento, para
dar carga de verdade ou de falsidade o senso comum. O seu método está dirigido
para uma opinião ou desejo que a princípio nos seja essencial para se confrontar
com outras de nossas opiniões ou desejos.
28 Ibidem, p.382.
48
No capítulo 3, ainda por Destrée, foram apresentadas resposta à questão
formulada sobre “o que é felicidade?”. Na resposta 1, encontra-se a das pessoas
vulgares, onde a felicidade estará no prazer, na vida dedicada à satisfação do prazer ao
qual é criticada, pois essa resposta leva à conclusão da escravidão e na não diferença
da pessoa e do animal. Na resposta 2, encontramos a que informa que a felicidade é
encontrada na busca de honras. Com efeito, essa visão vai de encontro aos homens
políticos, onde também aparecem as críticas, visto que a honra é um efeito.
Essas duas concepções não encontram identificação com a nossa impressão
quanto à felicidade. Tanto a honra como a riqueza são um meio cujo fim seria outro.
Então ainda aqui não temos a reposta do que esperamos da felicidade.
Na busca pela argumentação, Aristóteles se vale de outros livros, ele faz
várias objeções e o que ele deixa claro é que sua busca passa pelo praticável, por
aquilo que o homem pode realizar. Para Platão suas investigações são teóricas e
para Aristóteles pouco importa saber o que é a felicidade, o que para ele tem valor e
importância é como tornar-se efetivamente feliz.
A crítica de Aristóteles em Platão não resulta do fato de que a identificação do
que é a felicidade esteja fora de foco e que não seja importante, mas que ele
também deveria conter a prática, ou seja, iniciar o ponto de partida onde está
localizada a perspectiva de que todos os homens desejam ser felizes.
Outro ponto que Destrée quer que seja entendido é que a busca pela
felicidade não é pela felicidade geral, mas particularmente, a felicidade do homem.
O critério da felicidade passa pela escolha ou por uma decisão que termina na
finalidade. Para Aristóteles a felicidade aparece como algo perfeito e autossuficiente,
sendo o fim de nossas ações. O bem supremo é a felicidade, mas qual é a definição
de felicidade. Aristóteles se propõe a responder, mas o melhor método é retomar um
argumento familiar.
Para isso Aristóteles utiliza-se do método de ensinar ao ouvinte sem
apresentar coisa nova e, dessa forma, ele faz comparações para assegurar sem
objeções as nossas opiniões. No exemplo: a fabricação de calçado é para o
sapateiro assim como a visão é para o olho, o uso da razão pelo homem é igual para
ambos os casos. Aristóteles quer demonstrar que o homem também possui um
49
“ergon” o que significa para algumas traduções a correspondência de “função” para
Aristóteles, que em palavras se traduzem como a atividade que revela o “bem”.
Para Aristóteles, uma mão de pedra ou de outro material sólido tem a mesma
estrutura visual de mão, mas não pode executar nenhuma tarefa. Na verdade o
“ergon do homem é a energia da alma segundo o logos” (1098a7).29 A compreensão
do “ergon” passa pela dúvida se ele é uma função, tarefa ou atividade essencial de
um ser e se pode ser naturalista ou metafísica. A impressão que se tem é que
quando se fala de função ou atividade essencial, a interpretação pode ser
naturalista.
Por outro lado, quando Santo Tomás expõe a expressão “a natureza não faz
nada em vão”, atribui através do oculto que Deus é que deu ao homem uma função.
Mas de uma forma ou de outra, Aristóteles não defende, apenas as utiliza de forma
metafórica. A finalidade, portanto, da argumentação é uma resposta para o jogo de
palavras que leva a interpretar o que é essa atividade essencial.
Em torno dessa reflexão vem a pergunta de Aristóteles para que o ouvinte
possa ser provocado. “O homem teria nascido para dormir e não ter nenhuma
atividade a realizar?”30.
Então ainda permanece a pergunta: “Qual é a característica essencial do
homem”? O que ela pode ser?
Poderia ser o simplesmente viver, mas isso não é característica só do
homem, é também dos vegetais. Seria a vida sensitiva? Também não, pois esse
atributo também é verificado nos animais. Onde então estaria esse próprio do
homem? Estaria onde a vida se apresenta com certa atividade interior pertencente à
alma, exposta na razão.
Para chegar a isso, Aristóteles induz o ouvinte a formular sua própria
resposta, a partir de um diálogo daquilo que já é de seu conhecimento e
obscuramente todo mundo pensa. Ele volta ao argumento para que paralelamente
seja absorvido onde está a resposta, ou seja, que uma vida explicitamente vivida só
29 Idem, p.398. 30 Ibidem, p. 400.
50
no prazer se torna bestial, pois o que todos os homens buscam é uma vida própria
da espécie humana.
Aristóteles utiliza o método de reflexão por meio de respostas às questões de
forma a ser absorvida ou eliminar aquilo que não nos satisfaçam aparecendo aqui a
figura também do método dialético como uma artimanha para talvez constatar a
veracidade da sua teoria.
Parece, talvez, que Aristóteles quisesse apresentar de forma distinta as três
formas de vida.
. viver comum aos vegetais
. sensitivo como os animais
. atividade da alma que é próprio do homem
O homem é, portanto, o único a ter e ser o logos (reflexão). Essa capacidade
de racionalização é o determinante do homem e sem ela seria impossível adicionar
qualquer descoberta, compreensão e reflexão sobre tudo que cerca o homem.
Então fica claro que assim como o escultor exerce uma atividade que é própria de
seu ofício e pode ser apreciada por todos é onde também reside o bem ou o
sucesso. A felicidade também é uma atividade onde o foco de seu ofício seria o
logos e essa vida bem sucedida seria também apreciada por todos.
51
10. A DOUTRINA ARISTOTÉLICA DO MEIO TERMO
A ética da virtude proclamada por Aristóteles é a mais atraente em relação a
outros filósofos. Para falar sobre a virtude temos que iniciar com a dor e o prazer. A
apresentação do prazer se faz a partir da infância. Estaria longe do mediano se a
abstinência o incomodasse ou se se aproveitasse de maneira desregrada. Como
afirma Edson Bini (2014) “Ademais, se as virtudes têm a ver com ações e paixões e
toda paixão e toda ação são acompanhadas por prazer e dor”31, a virtude tem
relação direta com a dor e o prazer e com o moderado.
A virtude é entendida como uma qualidade humana no sentido de agir da
melhor forma quanto ao prazer e às dores. A Ética da virtude agrada mais a teoria da
ética moderna, ela se aproxima mais do senso comum, como no exemplo que o bem
precisa ser prazeroso e que a virtude não cria barreiras contra o efeito de atos
desastrosos.
Aristóteles relaciona o conceito de virtude com a conquista de uma vida
melhor e próspera e coloca que a virtude é um processo que se inicia na formação e
se estabelece no caráter da pessoa. Para Aristóteles, a virtude é um ponto médio
entre dois vícios correlatos e que gera embate entre teóricos que o criticam e outros
que com classe o ignoram.
É intenção do comentador Cristof Rapp destacar algumas características para
tornar a doutrina do meio termo mais aceitável. “[...] vou sublinhar algumas
características da definição aristotélica da virtude ética que permitem uma leitura
mais benevolente da doutrina do meio termo.”32
Espera-se muito da doutrina do meio e com frequência a reação é de
frustração. Na Ética Nicomaquea, o primeiro livro examina a felicidade e no segundo
livro aparece o meio termo, onde é analisada a virtude ética. O terceiro e quarto
livro abordam as virtudes particulares. Curiosamente essa sequência vai se repetir
na Etica Eudemia, ou seja, o primeiro capítulo introduz uma definição de felicidade
31 BINI, 2014, p. 86. 32 RAPP. C. What Use is Aristotle’s Doctrine of the Mean? Publicado originalmente em B. Reis, The Virtuous Life in Grrek Ethics, Cambridge University Press 2006, p. 99-126. In: ZINGANO, 2010, p.406.
52
depois vai para a virtude ética, só que para abordá-la de forma geral há uma
discussão abundante de cada virtude particular.
Na Ética Eudemia ”[...] a felicidade (eudaimonia) é caracterizada como a
atividade de uma vida completa em concordância com a virtude completa.”33 Para
Aristóteles a investigação da palavra-chave “virtude” é essencial para um melhor
entendimento sobre a felicidade.
A virtude (aretê) vem indicar que somente a boa (em vez de cada) atividade
da alma deve ser associada à felicidade, quer dizer, portanto, um estado de
excelência. Há também diferença de virtude no plural e singular. No plural referindo-
se a traços de personalidade e no singular significando o excelente estado da alma.
Esta abordagem é necessária para se compreender a ligação entre elas.
A virtude também pode ser ética e pode ser intelectual. Dentro dessa divisão
Aristóteles associa as virtudes intelectuais com a parte da alma que possui razão e a
virtude ética àquela que não possui razão em si mesma, mas que reage ao comando
da razão.
A virtude ética se apresenta nas ações executadas, ou seja, através de atos
justos, do poder de valoração no sentido de méritos e qualidades, enquanto que a
virtude intelectual é decorrente da virtude moral. O ponto da questão é definir o bom
estado da parte não racional, ao que Aristóteles leva a entender que se ela obedece
o que a razão comanda, significa então que ela está em bom estado.
Para assegurar a resposta quanto à obediência temos que entender a
doutrina do meio, pois ela contribuirá para a solução da questão. Em termos
conceituais muitas coisas com relação ao seu montante podem ter excesso,
deficiência ou meio termo; o núcleo da doutrina do meio termo para Aristóteles
implica em que o que é bom ou correto não deve ser nem muito, nem pouco, daí
fazer uma analogia com o provérbio onde “pessoas costumam dizer que o que é
bem acabado não é possível nem acrescentar e nem retirar algo” (EM 2.6. 1106b9-
33 Ibidem, p. 407.
53
11).34 Aristóteles resume-a em o excesso e deficiência como malograr e o
intermediário como acertar.
A atração por tudo àquilo que o homem pode participar é muito grande. A
busca por sempre mais é constante, o homem pode querer mais do que ele precisa,
e mais do que ele precisa na verdade não lhe faz bem. Pode também acontecer o
contrário, ele não se sente estimulado a buscar nada e essa falta de pretensão
também não lhe faz bem.
O homem que tem medo e o que se entrega a todo o prazer são pessoas que
desconhecem o que é bom e o que seria uma ação virtuosa. Para Aristóteles, o
homem bom trabalha retamente com o excelente, o benéfico e o agradável, bem
como sabe do vergonhoso, do prejudicial e do doloroso. Aquele que está longe do
bom, erra sobre todos esses termos, visto que o que rege a sua direção e está
aprofundado em si é o desejo do prazer.
O correto e o bom não podem ser colocados através de uma regra geral, visto
que as virtudes éticas estão embasadas em atos contínuos, o meio termo não significa
uma decisão, nem uma técnica, significa portanto, exatidão, bondade e retidão.
O meio termo evita diversas falhas, ou seja, ser muito ou ser pouco. Ele dá
como exemplo a força física, que pode ser destruída pelo treinamento excessivo ou
deficiente se não for praticada.
De qualquer forma, aconteça o que acontecer, fica claro que o estado mediano é louvável, pois é ele que nos conduz à ira com as pessoas devidas pelas coisas devidas da maneira devida e assim por diante, ao passo que todas as formas de excesso e deficiência são censuráveis.35
Aristóteles observa que o excesso e deficiência podem destruir nossas
faculdades físicas e psíquicas. Excesso e deficiência são a marca do vício e na
mediania encontra-se a marca da virtude.
34 RAPP. C. What Use is Aristotle’s Doctrine of the Mean? Publicado originalmente em B. Reis, The Virtuous Life in Grrek Ethics, Cambridge University Press 2006, p. 99-126. In: ZINGANO, 2010, p. 412. 35 BINI, 2014, p. 167.
54
Os maus hábitos levam o homem a fazer escolhas erradas e cada vez que se
faz uma escolha errada leva o homem para uma caminhada na direção oposta, e
quando se escolhe a direção certa o homem leva a cabo o fim último de viver uma
vida boa. Aqueles que regularmente fazem escolhas erradas ocasionam também
injustiças e prejudicarão outras pessoas e a sociedade. Portanto a pessoa virtuosa é
aquela que faz escolhas certas regularmente, não há a presença do mais nem do
menos e de forma repetida e regularmente ela acerta ainda que não
necessariamente todas às vezes.
Outra formulação argumentada é a de que quem foge de toda (geral) situação
perigosa se torna covarde, e quem evita todo (geral) tipo de prazer é insensato. Isso
só acontece porque os impulsos não racionais interferem no julgamento correto,
impedindo de observar que para tudo há um grau, e essa medida pode acarretar o
perigo ou prazer e que deficiências ou excessos desviam para longe do bom ou do
correto. Esse mesmo desvio ocorre com a virtude, ou seja, ela pode ser destruída
pelo excesso ou deficiência ou ainda, o excesso ou deficiência não geram virtudes.
A doutrina do meio termo não foi trazida por Aristóteles para ser uma regra
geral, visto que para ele regras e enunciados gerais não podem a todo momento
determinar o que é bom ou correto. A doutrina do meio termo, na verdade,
estabelece enunciados que funcionam mais de uma vez e não como regra geral.
Ainda quanto ao meio termo há que se fazer duas distinções o meio termo
relativo ao objeto em si e ao meio termo relativo a nós. No meio termo relativo ao
objeto é fácil observar as extremidades e ainda pode também ser quantificado
aritmeticamente. O mesmo não pode ser aplicado e dito quanto ao meio termo
relativo a nós.
Certamente, um treinador de cavalos, responsável pela escolha da sua dieta, não escolherá uma única e a mesma dieta para todos, mas sim uma para o velho Bucéfalo, outra para o jovem e agitado Pégaso e outra para Xantipa que está prenhe e, ainda, diferentemente no inverno e no verão, de acordo com a quantidade de exercícios que eles realizam, etc. 36
36 KRAUT, 2009, p. 101.
55
Um professor de educação física, que trabalha com exercícios físicos para
tratamento da saúde, vai desenvolver um treinamento específico de acordo com as
condições físicas e idade do seu cliente. Assim, para uma pessoa de 25 anos o
treinamento será desenvolvido com base no aspecto da potência que a idade
oferece e para uma pessoa de oitenta anos o treinamento será desenvolvido de
acordo com os movimentos possíveis e com uma dinâmica menos frequente de
modo a deixar o treinamento agradável, eficiente e leve. Esse mesmo treinamento
também vai variar em relação ao gênero, demonstrando assim que a mediania não é
a mesma para todos e consequente não é uma única coisa.
A mediania relativa a nós não produz um bom produto, um bom vaso ou um
bom cavalo de corrida, no contexto da ética, envolve a excelência, agir e sentir bem
– é a mediania relativa a circunstâncias relevantes, bem como ela pode ser uma
coisa para mim e outra para outra pessoa. A mediania relativa a nós é dirigida aos
bens humanos e cujo alvo é agir e sentir nas ocasiões certas, em relação às coisas
certas, pelas razões certas, em relação às pessoas certas.
O meio relativo a nós pressupõe o uso e conjugação da razão (logos) e do
conhecimento prático do homem (phronimos). Mas isso ainda não é suficiente para
Aristóteles, pois ainda coloca a participação de um sábio para a finalização de uma
boa ação. Percebe-se assim que a presença de uma pessoa virtuosa, de qualidades
incontestáveis e que por si só é particular, chegará à resposta ao procedimento
correto, aniquilando, portanto, a aplicação de qualquer regra ou premissa.
Isso na realidade traz um problema, o meio termo nem sempre poderá ser
usado. Aristóteles dá o exemplo que a inveja, assassinato e adultério não há muito
nem pouco, o ato em si é completamente reprovável. Comentadores conseguem sair
pela tangente, justificando que a virtude sendo continua, pode ser divisível daí a
existência do parâmetro do meio termo.
Há uma distinção a se perceber, ou seja, que a virtude está entre dois vícios
enquanto que a emoção e ação por ser quantitativo o ponto correto é o ponto médio
cuja linha demonstra que não há excessos ou deficiências. A virtude não é divisível,
bem como ela é desejável e boa. Concluindo, daí, que quando Aristóteles se refere
ao meio termo refere-se às emoções e ações e não a virtudes e vícios.
56
Na Retórica em 3.2, Aristóteles procura explicar o que vem a ser a virtude da
prosa. Ela deve ser clara, nobre e admirável. Essas características são importantes
no sentido de darem mais sustentação a um discurso. O discurso deve ser admirável
porque assim o orador despertará a atenção para sua fala e através da nobreza
soará o discurso mais agradável e a clareza final tornará o discurso mais facilmente
inteligível. O discurso deve então apresentar um meio termo, pois ele não pode ser
banal demais e nobre demais – é o que o autor chama de “virtude de estilo”.
Um discurso muito nobre vai combinar neologismo, metáforas,
estrangeirismos, epítetos, deixando o discurso muito complexo, perdendo a clareza
na compreensão. A nobreza pode ser um obstáculo para a clareza, bem como pode
deixar irritados os ouvintes e ainda passar a imagem de uma oratória artificial,
demonstrando assim uma falha de estilo.
Portanto, os excessos prejudicam e inviabilizam a audiência e desestimulam a
apreciação pela arte da eloquência e da narrativa profunda, bem como, pode
também atrapalhar tão somente uma palavra como pode prejudicar o estilo, ou
também quando uma palavra estiver qualitativamente errada pode virar
quantitativamente por ser uma palavra errada demais.
Ainda dentro da doutrina do meio termo deve-se falar sobre muitas ações que
dentro da mediania chegam à virtude. No caso da Lei ela proíbe vícios e também
ordena virtudes. A justiça é chamada de a virtude perfeita. A lei proíbe vários vícios
particulares e, por outro lado, ordena as várias virtudes particulares.
O juiz restaura a igualdade através da punição, ou seja, se o indivíduo sofreu
algum dano, ele está numa situação de menos ou de perda, de outro lado o agressor
encontra-se pelo seu fazer no mais e ou no estado de ganho. Nessa linha imaginária
o igual vem atender a mediania, assim como atende a justiça correta e o juiz sendo
o mediador para a realização do justo.
Infringir a lei é usar de excesso e sofrer uma injustiça é a deficiência. A
virtude ética também, analogamente a virtude de estilo apresenta a questão de
excesso e de deficiência, porém, as falhas aparecem na qualidade e não na
quantidade, ou seja, no fato de apresentar equivocadamente uma reação ou emoção
com um caráter de deficiência ou de excesso.
57
O autor dá como exemplo ter ira quando a emoção deveria ser contrária. O
mesmo também ocorre para vícios tais como assassinato, roubo, inveja,
malevolência e adultério. No caso do adultério o autor explica que é o tipo de ação
que sempre acontece com a pessoa errada, na hora errada, deixando claro aqui um
excesso na direção da falha.
Exemplos de excesso, deficiência e mediania:
Desregramento/insensível-moderação
Prodigalidade/mesquinhez-generosidade
Bufão/rude-espirituoso
Bajulador/obsequioso-amistoso
A princípio, as falhas quantitativas e qualitativas são facilmente identificáveis
e fáceis se forem analisadas de forma sintética, porém, numa análise mais
elaborada a estruturação nos oferece um resultado não tão exato.
Muitas vezes explodimos por um fato sutil, em outra oportunidade explodimos
com a pessoa errada e ainda em outras ocasiões fazemos isso com muitas pessoas,
o que nos torna pessoas reprováveis. Nessa linha, o entendimento que se supõe é
que essas explosões estão orientadas para uma ou várias pessoas, ou ainda, para
um caso, designando uma dimensão, supondo uma medida em termos quantitativos.
Num sentido mais profundo podemos indagar qual o grau que pode ser
estabelecido para “demais”, o que é essa explosão excessiva? Outro detalhe:
quantas ocasiões ou quantas pessoas são necessárias para se avaliar o excesso?
Em que momento deixou de ser moderado? E se essa pessoa passa por insulto com
frequência, não estaria justificada a sua explosão?
Para julgar alguém é necessário ter todos os elementos que envolvem a
situação e a pessoa. Chega-se então a conclusão que para se avaliar a deficiência
ou excesso quantitativo depende da qualidade atribuída às falhas.
Assim como comer maçãs demais, evidencia um excesso a um padrão de
comportamento correto, o mesmo acontece com falhas qualitativas. Nenhuma
quantidade pode definir o certo ou o errado, só é possível uma relação se já há uma
definição padrão do bom ou do certo em determinada situação.
58
O meio termo a nós deve colocar à vista o modo certo a se conduzir, ou ainda, a
exata verificação do movimento, certificando-se do que é correto, de forma a evitar ou
desviar-se do excesso e da deficiência. Ainda na abordagem sobre virtudes Aristóteles
introduz os “parâmetros” isso por que existem falhas no agir e como fazer para acertar.
Esse pensar sobre as falhas é contemplado quando abordamos o fato de que de algum
modo, em muitas ocasiões, não acertam a maneira de tratar um assunto, como também
muitas vezes se erra no tratar de forma adequada com a pessoa certa e a excelência
está em justamente aplicar o ponto intermediário certo.
Por exemplo, tanto o medo, quanto a confiança, o apetite, a raiva, a pena e, em geral, o prazer e a dor podem ser sentido muito ou muito pouco e, em ambos os casos, não da maneira correta, mas senti-los nos momentos certos, com referência aos objetos certos, em relação às pessoas certas, com o intento certo e do modo correto, é o que é intermediário e melhor, e isso é característicos da excelência.37
Aqui o parâmetro vai significar a maneira correta de agir, ou seja, como ter o
medo na medida certa e na hora certa. O parâmetro é um ponto para se avaliar o muito
e o muito pouco, não no sentido aritmético, mas na qualidade dos sentimentos
expressados.
O parâmetro veio para ajudar o conceito do meio termo. É demonstrável também
até aqui que sempre há dois modos de falhar, ou pelo excesso ou pela deficiência.
Será que se uma pessoa tiver raiva – por exemplo, trinta vezes por mês, no seu
local de trabalho, é melhor que ter raiva quarenta vezes? Será que o local de trabalho é
um lugar propício para fomentar esse sentimento? O parâmetro vai filtrar tão somente
se as nossas reações foram corretas, ainda que, para mais ou para menos, essa
escala do mais ou do menos é que dará qualidade à reação das nossas emoções.
A virtude está representada pelo “meio” e esse meio não é o mesmo para todos,
essa eleição do meio está relacionada com nós, determinada pela razão. A virtude vai
se caracterizar quando se irritar, se compadecer, se desejar, sentir prazer e sentir dor
no momento adequado, em relação às coisas certas e com as pessoas corretas.
37 ROSS, W.D. (trad.) Nicomachean Ethics em: The Works of Aristotle Translated into English, v. 9. Oxford, l925. In: ZINGANO, 2010, p. 433.
59
Outra correspondência a se falar é sobre o grau de responsabilidade de
nossos atos. Para Aristóteles, a única ignorância que nos absolve de
responsabilidade é a ignorância acerca de alguma coisa material, por exemplo:
acreditar que as balas da arma eram de festim, quando eram balas de verdade.
Se para o fim desejado os meios forem eleitos e deliberados de acordo com
ele, significa que os meios têm relação com a virtude, logo a virtude depende de
nós, assim como o vício também depende de nós.
Aristóteles não dá exemplos de pessoas erradas, mas pela leitura consegue se
pensar em exemplos de excesso e deficiência. O meio termo pode ser exemplificado
como um círculo onde o meio é o alvo desejado. O centro de um alvo é circular e
podemos inferir que é difícil de acertar o meio, enquanto que errar é muito fácil. Há
muitas maneiras de errar, enquanto há apenas uma maneira de acertar.
“O morrer para escapar da pobreza, do amor ou de algo doloroso, como
reconheceu Aristóteles é sinal de covardia e não de valor. Assim, pois, é condição
necessária para que uma ação seja valorosa que se cometa pelo excelente”38; em
outras palavras, deve-se ter uma ação baseada em meios e fins corretos, visto que o
virtuoso tem suas ações baseadas no que tem valor moral e intelectual.
Muitas coisas que fazemos são reprováveis, quer por excesso ou por
deficiência, porém há que se observar que o meio termo não se pode medir ou ser
determinado aritmeticamente entre o excesso e a deficiência. É através do número de
reações deficientes ou excessivas que podemos representar graficamente em escala.
O virtuoso para alcançar esse status deverá atingir nas circunstâncias e
questões relevantes o ponto médio para as suas ações. O que interessa, portanto, é
a quantidade de reações inapropriadas, pois elas distanciam as pessoas do meio
termo que, em consequência, ficam longe do bom, do que é certo.
Ainda dentro do resultado de excesso ou deficiência, encontramos os
“parâmetros” onde, por meio de nossas reações, pode ser verificado se os impulsos
38 “El morir para escapar de la pobreza, del amor o de algo doloroso, como añade Aristóteles um poco más adelante, es señal de cobardia, y no de valor. Así pues, es condición necessária de que uma accín sea valerosa el que se cometa “por lo excelente” GONZÁLES ARAMBURO (trad), Introducción a la ética griega, p. 188.
60
da nossa alma não racional estiverem em consonância com a nossa razão,
correspondendo às ações boas ou corretas ou, ainda, o contrário.
É certo que a virtude é o ponto mediano entre as paixões e as ações e para
achar a mediana há que se passar por vezes pelo excesso e por vezes pela
deficiência, pois só assim atinge-se o conhecimento do estado mediano e do bem.
É intrigante para Rosalind Hursthouse39 que a paixão sendo inata no homem,
como pode este receber as virtudes. Ela acha a resposta no hábito e que desde
criança devemos ser educadas para nos deleitarmos e sofrer por coisas certas. É
desde pequena que devemos fazer nas crianças os ajustes necessários de modo a
demonstrar que algumas coisas fazem mal e são perigosas, que outras são gostosas
e boas e através desse senso vamos nos alegrar e sofrer pelas coisas certas.
Esse ajuste vai se transformando aos poucos em ensinamento onde desde os
primeiros dias deve-se aplicar as palavras relevantes às variadas situações.
Engana-se quem acha que a técnica de adestramento de animais é a mesma que se
utiliza para o homem. Na verdade, nas palavras está o início da reflexão, é um
treinamento a base do pensamento e da fala, nomeando palavras e circunstâncias
específicas para a virtude. O resultado disso é o despertar das virtudes em potencial
existente no ser humano, cujo despertar será provocado pelo experimentar contínuo
das palavras nas variadas situações, encorajando as pessoas a pensar em si
mesmas como potencialmente boas e a praticar as virtudes, desenvolvendo assim
as suas disposições naturais para a virtude.
39 Rosalind Hursthouse, filósofa, nascida na Inglaterra,
61
11. ARISTÓTELES E A EDUCAÇÃO
No Liceu, Aristóteles dedicava-se ao estudo e sistematização de seus cursos.
A maior parte de seus escritos era utilizada nas suas aulas. A Filosofia era uma
atividade especificamente oral. Aristóteles acreditava que o filósofo deveria focar a
sua vida em estudos e não em política, decorrendo daí a visão de que só os homens
políticos teriam a possibilidade da transformação da cidade e dos homens,
originando assim o objetivo de preparar o homem para uma conduta ética e para a
prática da virtude.
Para a saúde do Estado a educação entra como parte importante e
necessária ao regime.
É indubitável, portanto, como ele próprio menciona que o legislador deve ocupar-se seriamente da educação dos jovens, pois quando isso não ocorre provoca danos nas cidades, uma espécie de patologia ou de desgaste para o regime. Será preciso, com toda certeza que a educação e a formação do cidadão sejam conformes à moral, caráter que convém a todo o regime, pois é desse modo somente que o regime fica garantido e estabelecido desde o início.40
A educação promove a segurança necessária ao regime. A saúde aqui
referenciada está ligada à unidade orgânica da comunidade política. Na Grécia
antiga, a educação era um componente imprescindível para a política, visto que é
por meio da educação que o homem pode querer e realizar o bem estar comum,
com vista a uma cidade perfeita e um cidadão feliz e só aquele que é capaz de
legislar deve contribuir para a educação. Funciona como um círculo, pois o que
legisla também foi no passado um aluno.
Aristóteles percebe que os homens têm necessidade e anseiam por uma
instrução correta e por alguém que seja o timoneiro desse conhecimento, de modo a
conduzi-los, e que se dediquem durante uma vida toda. A autoridade paterna não
impõe o caráter e deferência da obediência, somente a Lei tem esse poder e em
sendo esta uma norma escrita, aqueles que estão sob seu escudo sabem que ela só
prescreve o que é justo e não há como atacá-la.
40 HOURDAKIS, 2001, p.28.
62
Para o filósofo, é um grande erro considerar a guerra e a dominação como fim
do Estado; na verdade, para o filósofo o que realmente tem importância é a paz e o
tempo livre, desenvolvendo nos homens a oportunidade para cultivarem suas
virtudes políticas e morais.
Entre as funções do legislador está à ocupação da educação dos jovens,
estabelecer leis que ajudem a propagar a educação da moral e a vida política no
Estado. O Estado também participa desde a procriação até a maioridade, imprimindo
um cuidado com a alimentação de gestantes e dos bebês, habituando no tempo
devido a criança a se movimentar e na adolescência tomar parte da leitura e das
ciências e na maioridade até os 35 anos prestar serviço militar.
Para se ensinar a virtude, o adequado inicialmente é por meio do hábito, visto
a matéria não ser constituída de saber teórico. Na verdade, é um rol de costumes
que deve ser exercitado nas gerações mais jovens, com a finalidade de que na vida
adulta possam ter apreendido, através da repetição e do exercício, a conduta
adequada e sendo instruído para a virtude, correspondendo à vida digna e feliz.
Para Aristóteles, o processo educacional está fundamentado na organização
política da Polis, por isso a participação do Estado começa desde a gestação e vai
até a vida adulta. O homem, por sua vez, é integrante da cidade e necessita da
cidade para suas funções por ser uma sociedade patriarcal – a mulher e as crianças
são subordinadas ao homem e este está subordinado à cidade. Assim a organização
da cidade deve estar fundamentada e erguida sob à da felicidade.
A Constituição, no entender de Aristóteles, assegurava a vida feliz do cidadão
e que além da formação militar era importante a formação intelectual, pois quando
há paz na cidade não se saberá o que fazer com ela e mesmo a intelectualidade
contribui na preparação para a guerra. E ainda de acordo com o filósofo, em uma
Constituição é fundamental que existam capítulos sobre liberdade, riqueza,
educação e nobreza.
A sociedade é composta de homens que mandam e homens que obedecem,
é importante observar que em função de necessidade pode haver uma troca de
função e é a educação que vai responder por essa divisão. O Legislador vai se
ocupar também do casamento com vista a um resultado positivo para a prole. A
idade ideal então para o casamento corresponde a 18 anos para mulheres e 37 para
63
homens, assim a união se dará no momento máximo do vigor de ambos, e os dois
terão o tempo suficiente para educar a família.
O Estado determina que a mulher grávida seja bem alimentada e para as
crianças disformes deverá ser proibida a alimentação, bem como deverá a criança
ser abandonada. É dever também limitar o número de nascimento. O aborto deverá
ser provocado antes que o feto receba animação. Essa prática seria utilizada para
os casos onde os costumes não permitem o abandono.
Quanto às crianças, estas são observadas desde o início da vida. É
importante a supervisão dos exercícios físicos, bem como deve ser fiscalizado o que
se conta às crianças. Os inspetores existem para isso, cuidando dos jogos e
passatempos, bem como cuidam para que nessa fase passem o mais tempo
possível em casa com a família. As conversas obscenas devem ser totalmente
banidas.
A educação dos jovens é um dos principais alvos e cuidado do legislador.
[...] a escrita e o desenho deverão ser ensinados aos jovens, pois, por um lado, são úteis e prestam serviços em numerosas necessidades vitais e, por outro lado, podem ajudar as crianças a adquirir também outros conhecimentos. Em paralelo, o ensino do desenho deverá tender, talvez mais ainda do que qualquer outra coisa, a sensibilizá-los enquanto homens e a torná-los capazes de apreciar o belo, tanto na natureza como na arte. Por outro lado, o fim do ensino da ginástica deverá ser cultivar a coragem.41
A educação deve ser única para todos e não pode ser delegada. É preciso
também além da aprendizagem dos elementos essenciais que se conheça música,
literatura, desenho e ginástica. A literatura vai proporcionar a ampliação de muitos
outros conhecimentos e o desenho vai assegurar a evitar erros e enganar-se nas
compras e vendas de imóveis, bem como vai proporcionar uma visão melhorada
sobre a beleza dos corpos. Assim é colocado como importante a formação de
hábitos antes da prevalência da razão e o corpo antes do espírito. A música é uma
das coisas mais agradáveis que existem, tanto tocada quanto acompanhada de
canto, por isso, deve estar presente, de algum modo, na vida dos jovens e servem à
catarse e ao relaxamento. A ginástica deve ser estimulante para o desenvolvimento
físico e da coragem, bem como prepará-los para a guerra, quando for necessário.
41 Ibidem, p. 38-39.
64
Deve-se tomar cuidado com pinturas e espetáculos na formação dos jovens.
Os jovens não devem ter permissão para assistir espetáculos e participar de mesas
e beber vinho puro. Essas apreciações devem ser difundidas quando alcançarem
uma idade mais avançada visto que na fase madura estarão imunizados contra os
efeitos negativos que esses eventos possam provocar.
A educação é fundamental e o legislador deve se empenhar nesse encargo e,
se houver negligência, o grande perdedor serão o legislador e as cidades, gerando
um grande mal sem volta. A educação deve ser um encargo público. É a pura
educação pública onde realmente o Estado se ocupa do processo de formação. É
dever também se preocupar com excessos na educação.
Assim compete ao Estado a educação visando o bem comum e a formação
moral dos cidadãos e somente um processo de educação pode fazer do indivíduo
um excelente político.
65
12. A COMUNIDADE POLÍTICA E O BEM SUPREMO
O sumo bem humano que trata da felicidade exposto na Ética Nicomaqueia é
abordado no sentido de demonstrar que o percurso é longo e passa pelo estudo da
contemplação da liderança política, das virtudes, das amizades e do prazer.
Aristóteles afirma ainda que sua obra só estará completa quando o seu leitor ou
ouvinte tiver conhecimento dela e/ou a usufrua no campo do poder político, de modo
a exercer a sua participação efetiva no Estado.
O que vai corresponder e ser demonstrado na Política são as preocupações do
filósofo com as coisas humanas. A ideia inicial de felicidade dá o subsídio necessário
para se pensar sobre as coisas humanas. A partir dela pode ser pesquisado uma
atividade que venha a determinar o fim último da existência do homem, e o que dá
sentido à vida do homem é encontrar dentro de suas variadas atividades um fim último:
é essa a mesma tarefa do projeto de todo político, uma meta última para a sua cidade.
Há uma analogia pois a busca do indivíduo está baseada na ordenação para o fim
último que do mesmo modo serve para a cidade, sai do individual para o coletivo.
É por meio da política que os indivíduos juntos vão desenvolver um sentido
para a dinâmica da cidade habitada, na medida que o bem do particular deve estar
subordinado à coletividade e cujo bem de todos completam uma cidade justa.
Ainda no campo da política, Aristóteles afirma ser necessário a elaboração de
boas leis e boas constituições. Essa associação parece ser necessária para facilitar a
administração de uma cidade e conjugar um esforço para que todo esse conjunto de
leis possa gerar um equilíbrio nos interesses distintos e proporcionar uma vida feliz.
Reforça ainda que há necessidade do conhecimento das leis e da
constituição, pois sem elas estaremos paralisados e incapacitados de agir,
decorrendo daí um bloqueio e, portanto, não podendo participar de acordo com as
virtudes. Para chegar ao núcleo, ou seja, o que é o sumo bem humano, “a atividade
feliz”, deve-se passar pelo político. Essa orientação política é a finalidade do estudo
de John M Cooper (2010).
Para Aristóteles, o principal não está no conhecimento teórico ou contemplativo,
mas que o importante é agir de forma virtuosa. O principal é nos tornar boas pessoas,
mas como isso se dá é o que deve ser investigado. O objetivo no estudo político não
66
está concentrado no conhecimento, mas em como agir. A sabedoria prática é o início do
movimento para o “tornar bom” e que, adicionado aos estudos filosóficos sobre a ética,
permite uma passagem acertada para tornar-se uma boa pessoa de forma plena. Um
estudo através de outra área não possibilitaria o alcance da felicidade humana.
Aristóteles dá ênfase à participação da Filosofia para se alcançar as boas ações.
O comprometimento e motivação são os pontos importantes para se chegar ao que é
bom. Não ocorre, segundo Aristóteles, de modo casual a atração pela atividade virtuosa
ou ainda, por simples curiosidade, ou mesmo por simples e despretensioso querer
entender. O ser humano é movido, é atraído nessa direção porque já há nele implícito
bons hábitos de sentimentos decorrentes da criação e da educação escolar.
Esses hábitos são contínuos pela criação e educação transporta o ser
humano a querer um refinamento e uma melhor qualificação, decorrendo desse
hábito a procura por conhecimento e a aproximação com a filosofia de modo a
adquirir a sabedoria prática, daí que quando empenhados nesses conhecimentos é
possível prestar atenção às informações da razão e da filosofia.
Outro fator importante neste momento é a idade: um jovem, por conta da própria
idade é movido ou se deixa levar na maior parte desse período pela paixão. Aquele
que foi bem criado é capaz de repudiar essa emoção, contrário aos que não o foram,
pois não conseguem evitar tal comportamento diante do precário conhecimento ou do
conhecimento insuficiente. O ajuste de sentimentos não faz parte do entendimento
desses jovens cujas boas práticas não foram disseminadas no princípio da criação.
Mas essa direção para o correto, o racional, o bem, vão muito além do
treinamento infantil das virtudes, do conhecimento e da filosofia, deve ser agregado
o fator adulto. De acordo com o John M Cooper (2010), é necessário verificar, no
sentido exato, que as ações virtuosas só serão alcançadas quando o jovem se
tornar um jovem adulto, pois a maturidade vai concentrar o que de alguma forma
estava disperso, trazendo à superfície a experiência e a reflexão que o
conhecimento pode alcançar.
Após todos os degraus alcançados o “querer” do homem possui uma direção
apoiada na razão fruto da sua educação, treinamento, conhecimento e maturidade.
Portanto, a partir daí não é possível mais uma ação ser baseada no instintivo e nas
paixões: será decorrente e tão somente na razão prática. Aristóteles afirma que todo
67
aquele que se dedica à filosofia com o fim de aprender a respeito da ética já é um
jovem adulto basicamente decente.
É possível acreditar que após toda esta leitura sobre ética, estaremos em
plena faculdade dela, ou que estamos impregnados de ética, mas na verdade o
entender não significa que já nos tornamos desde então éticos ou pessoas investida
de todo o caráter e virtudes.
Falta ainda a cobertura final, para que a ética seja efetiva em nossas vidas.
Será que neste caminho, ainda é necessário ser estudado mais alguma coisa? Ou
que exista algo mais que se possa ser acrescentado? Aristóteles para e retrocede,
vai percorrer o caminho não daqueles que já estão ingressos nestes estudos, vai
parar na maioria das pessoas comuns, ou seja, como torná-las pessoas descentes.
Os discursos, embora recebidos, não são suficientes para motivação Apesar
da força das palavras, elas por si só não são suficientes para um enraizamento e
para lidar com a população são necessárias leis para impor e para guiá-las. Daí a
necessidade dos estudiosos em investir, pesquisar, para além da filosofia, passarem
a estudar as Leis, a fim de melhorar a vida dessas pessoas de forma a atingir com
abrangência toda uma comunidade.
Se já temos o treinamento infantil, através da criação, o conhecimento, da
Filosofia, Leis, Constituição e do ser adulto, então para finalizar todo o estudo da
ética, qual o ingrediente que falta? Faltam o ele e o nós: ele representado pelos
ensinamentos de Aristóteles que somado aos nossos esforços no aprendizado, em
conjunto, devem ser aplicados a ajudar as pessoas comuns para que se não
totalmente, estejam pelo menos próximos à “ética”, vivam e compreendam o que é
viver bem e descentemente, para que como comunidade seja incluída ao menos nas
boas práticas de se viver em uma cidade.
“Segundo Bodéüs, Aristóteles dava essas lições a ambiciosos aspirantes à
liderança política em suas respectivas cidades...” 42. Aqui e em muitas passagens
há que se perguntar se todo esse ensinamento tinha realmente por finalidade uma
ética e onde estaria presente o bem humano, ou se na verdade era conveniente
68
esse ensinamento para se adestrar a população de forma a preservá-la de qualquer
interferência danosa, não só à liberdade dos filósofos como dos que comandavam a
política.
Leis boas e Constituição cordata fazem com que as pessoas vivam de forma
descente, educadas e felizes. A Lei é necessária, pois através dela é que se praticam
os hábitos descentes, só através do medo e da imposição de penalidades esse objetivo
é alcançado. A vergonha e humilhação, por assim dizer, não são sentimentos capazes
de bloquear uma ação nociva. A função da formação de um jovem cabe ao pai, porém,
para que este jovem ande na linha é preciso mais que persuasão. De acordo com
Aristóteles os pais são odiados pelos filhos, porque estes freiam seus impulsos e para
não parecerem simplesmente arbitrários, terão que se amparar nas leis, para que essa
visão de dominação se transforme num saber, baseados em boas razões.
Portanto, mesmo que os jovens possuam uma boa criação, tenham aprendido
desde criança bons hábitos é necessária a punição através das leis, para na idade
adulta manter o que foi desenvolvido. Outro ponto é que as Leis e Constituições não
podem ser qualquer legislação elas precisam ser boas, de forma a proporcionar o
bem para toda a cidade.
Hábitos familiares são importantes e influenciam, mas, somado a isso, além
do efeito familiar são necessários e apropriados à edição de leis e constituições para
que se produza um sistema
Para isso somente as boas leis produzirão uma boa administração pública e
essas leis serão elaboradas para produzirem efeitos de forma geral e não particular,
com precisão e de forma a alcançar o estabelecimento de ações boas e preservação
do Estado.
Aristóteles propõe o sumo bem não individual, mas coletivo de forma a
abranger toda a população e cidades. Ainda pode-se afirmar que quem tem a
pretensão de modificar a vida de sua comunidade, das pessoas que nela habitam,
42 BODÉÜS, apud COOPER, Political Community and the Highest Good. Texto inédito; versão inglesa a ser publicada em J. Lennox e R Bolton, Being, Nature, and Life – Essays in Honor of Allan Gotthelf, Cambridge University Press (2010). In: ZINGANO, 2010, p. 451.
69
deve ter em mente que é necessário conhecer muito bem as leis sob as quais estão
sendo regidas e ainda conhecer os princípios da política.
Mais uma vez há que se ressaltar que o propósito de Aristóteles na Ética, é
iniciar os bem dotados e bem criados no conhecimento político não só para simples
conhecimento, pois ainda não conseguiram alcançar seu objetivo, mas inserindo-o
também através da prática.
Então para se alcançar o sumo bem as etapas estariam completadas, quer
através dos princípios gerais, quer da ética e política. Aqui também vai significar que
foi atingido o segundo objetivo do estudo da ética, a participação do líder no interesse
da política de sua cidade, então se fecha aqui o ciclo da vida sumamente feliz.
Mas isso não quer dizer que o cidadão que não participa da política não viva
uma vida feliz, na realidade com o acréscimo do exercício político ele vai ser mais
plenamente realizado. Portanto, o governo que busca uma vida virtuosa, ou mesmo
o ouvinte, ou ainda os estudiosos de Aristóteles devem, além do exercício das
virtudes práticas, continuar seus estudos voltados às Leis e a Constituição, pois ele
viverá a virtude na sua mais ampla concepção. Viverá então a segunda vida.
Ainda no campo da Política, Aristóteles fala sobre a comunidade. Na
“Política”, Aristóteles inicia afirmando que a Polis, por ser uma comunidade, que tem
por si e que rege todas as que estão inseridas, tem por objetivo, por finalidade,
algum bem. Eles têm algo em comum, é compartilhado com um grupo de pessoas
de forma conjunta e não individualmente.
Explica também que na Polis se desenvolve três comunidades:
1- As do senhor e escravos
2- De pais e filhos
3- Povoado
É importante verificar que esse “algum bem” não é um bem qualquer e muito
menos realizado de forma individual; é realizado de forma que cada membro dessa
comunidade realize o que quiser e por conta própria; é realizado individualmente, por
meio da lógica com a participação individual dos membros, porém, com vistas à
comunidade e nela pensando com a característica contínua de existência.
70
É importante perceber que a Polis não é só formada pelos indivíduos, mas
pelas terras, prédios, animais, tesouro público, instituições, área comercial, exército
etc. e que essa estrutura resultava na cidade e tudo isso era “comum” a todas as
pessoas que nela habitavam.
Tem também importância a estrutura do senhor e escravo. É um pressuposto
que muitas dessas relações foram perversivas, um lado defeituoso, mas existente
nas comunidades. Para Aristóteles, o escravo é um instrumento de trabalho, seria
como uma ferramenta em uso. Mas para esse instrumento ser usado, requer a
regência do senhor, ser humano mais bem dotado intelectualmente e que sem ele
não seria possível desenvolver o trabalho, bem como, o escravo perderia o foco.
O escravo é uma propriedade do senhor, além de servir como instrumento
vivo e que ainda precisa ser dirigido na sua vida pessoal. Naquele período, havia
uma relação preestabelecida das competências do escravo que não passavam de:
varrer o chão, arar a terra, preparar a refeição e muitas vezes ainda ajudavam na
criação dos filhos das famílias.
Mas não significa que o senhor não fizesse esses serviços, ou seja, ele varria
o chão através de seu escravo. Mas onde estaria aqui o bem? O bem estaria apenas
para o senhor e de maneira indireta para o escravo usufruir, na medida em que o
seu subdesenvolvimento participa da superioridade do saber do seu senhor.
Passando para a comunidade – marido, mulher e filhos, sendo que as
atividades são realizadas por todos. O homem e a mulher têm um compromisso com
a procriação, por isso formam um casal. As atividades desempenhadas são as
sexuais (são parceiros no casamento), criação e educação dos filhos, onde a criação
e educação podem ser exercidas apenas por um de cada vez e em conjunto.
As atividades cotidianas também são realizadas em conjunto, ou seja, as
refeições, jogos, conversas e outras e com a dose de virtudes morais, pois é ela que
pode concluir para a vida humana ser bem vivida. É um bem atingido e comum a
todos.
Aristóteles também fala da comunidade-povoado, onde está presente a
necessidade do dia a dia, formado por algumas famílias. O que é presente no
povoado é um comum a todos, através de cultos locais, conversas, festas, troca
71
recíproca de produtos excedentes, resultando inclusive numa interação, propiciando
uma gama e variedade de produtos disponíveis.
Aqui percebe-se que o bem comum é mais abrangente e não fica restrito a
família de uma casa, mas de outras, provendo inclusive o sustento de outras famílias
que habitam o povoado. Por fim chega-se à Comunidade da “Polis”, onde o viver
bem é uma vida governada onde está presente a posse das virtudes humanas por
todos os cidadãos. Essa união de certo número de povoados se traduz nas relações
comerciais, com instituições religiosas, culturais numa dimensão muito maior, onde
comparado com o povoado que por si já é mais rico, a vida na Polis será ainda mais.
A sensação que se tem sobre a virtude é como o entrelaçamento de fios de
fibra, onde no primeiro estaria a família, correspondendo ao filho criado, as refeições
são realizadas e demais afazeres, que em conjunto com as demais atividades
preparam para o bem comum, com um objetivo maior, aparecendo aqui o povoado,
que seria mais um fio, que finalmente chegará à Polis, outro fio de fibra, como
resultado de uma vida virtuosa da comunidade como um todo, representando esse
processo final no tecido fabricado e pronto.
No livro I da Política é abordado que a Comunidade Polis regula todas as
outras comunidades, ou seja, a vida em família é praticada através da educação nas
virtudes que não se detêm nos bens, mas numa vida que começa na família e se
estende na comunidade. A visão é para que as crianças aprendam uma vida
descente e que isso se estenda para a comunidade, pois se todos se comportarem
dessa forma todos serão beneficiados, procurando um bem comum maior em
oposição a uma virtude isolada. Todos participam desse bem maior.
A maioria dos discípulos de Aristóteles tem a pretensão, além do
conhecimento da ética, também de se tornar um líder político de sua comunidade e
uma das proposições de um monarca é o de melhorar a vida das pessoas que
habitam a comunidade.
A característica para ser plenamente virtuoso pressupõe ações virtuosas
individuais que devem ser apreciados pelos demais. Essa vida completa de virtude e
comum na comunidade é necessária, mas para se alcançar essa adequação é
imprescindível o conhecimento, estudar e conhecer as verdades das constituições e
legislações.
72
O exercício de se praticar o conhecimento político leva o líder político a querer
mais essa prática, isso gera, através de sua percepção um resultado maior e mais
bem acabado que é para o bem de uma cidade, o que significa uma vida virtuosa
absolutamente perfeita da virtude prática.
Aristóteles percebe também uma tendência humana em agir com vista ao
prazer imediato e que mesmo os bons hábitos podem incorrer em um erro.
Poderão ocorrer escolhas erradas e ações não virtuosas e é aí que a comunidade
pode ajudar. Ora, se a pessoa possui uma boa criação, boa educação e ainda
incorre em algum erro, a vida na comunidade pode ajudar na correção e a realizar
um reforço nas atividades virtuosas e pode inclusive expandi-las.
A vida não seria voltada para si, para a satisfação da própria felicidade, mas
viveria inclusive um compartilhar ético com a comunidade. Para Aristóteles o “...
impulso corrompe os governantes, mesmo os melhores”43 ou seja, o homem por
mais bem preparado que esteja é corruptível e também é passível de erros. Mesmo
o melhor líder, dentro da melhor comunidade está vulnerável e pode ser levado pelo
apetite ou pelo impulso a um agir não virtuoso.
A Lei vem para esse freio, visto que ela evita a corrupção, ela por si é uma
representação de algo já visto e estudado e que após sua edição fica caracterizada
pela inexistência de qualquer influência de vontade, e ainda, ela não se sujeita ao
comando puro e simples do homem. Para sua existência pressupõe anterioridade e
uma profunda pesquisa e após sua publicação fica impedida de manipulação através
da vontade. A lei assegura à comunidade da Polis uma vida segura e plenamente
virtuosa.
Naquilo que há de comum, aparece uma segunda categoria de cidadãos,
aqueles que não são políticos e muito menos filósofos contemplativos, que
classificados como cidadãos decentes, cidadão com conhecimento em ética e
política, ainda ouvintes de Aristóteles eram aspirantes a líderes.
A vontade de entender não basta, elas devem possuir as virtudes de caráter e
aspirarem não ser líder político, mas tornarem-se filósofos, devem possuir ainda um
73
interesse grande em melhorar a si mesmo e um grande amor pelo belo. Aquele que
busca seu aprimoramento com afinco torna-se mais seguro, constante e,
independente do nível de virtude que vivam, suas vidas são mais completas.
Os filósofos não usam seu conhecimento prático na direção da vida da
comunidade, mas de certa forma eles promovem através de seus estudos e de suas
atividades teóricas um avanço para o caminho, para o exercício dos líderes políticos.
O uso do conhecimento dos filósofos garante uma abrangência prática a ser
realizada pelos líderes políticos, que se distribui na Polis.
Então a massa cresce e se espalha com uniformidade e a soma de todos os
virtuosos através da prática compartilhada garante à Polis um bem comum. O
princípio da política é edificar o homem bom e a boa Polis. A perfeição de uma
cidade de acordo com Aristóteles estaria também no território que ocupa e seria bom
para o Estado, ainda que não possa isso ser controlado por ele, que o solo do
território fosse fértil, que estivesse instalado em uma região geográfica favorável,
bem como possuísse uma população mediana, através da limitação de seus
cidadãos para o equilíbrio do Estado. Possuir “ ... o socorro da boa fortuna ...”44para
que todos esses elementos sejam encontrados e o Estado, sem dificuldades, possa
fazer presente a felicidade.
A cidade perfeita ainda necessitaria do regime político perfeito e para isso
vigorar é necessário que aquele que produz, que trabalha, que proporciona os
recursos necessários à cidade deva ficar subordinado à autoridade justa dos que
não trabalham e que as autoridades, deveriam antes passar por um aprendizado de
justiça e da defesa militar não com fins da guerra, mas com a finalidade de defesa e
de comando do território, pois antes teriam aprendido a obedecer.
Para Aristóteles a república seria um regime político justo, mas não seria o
melhor regime, na medida em que ele entende que como aquele que produz
também teria deveres políticos, em razão dessas funções serem heterogêneas tal
associação não proporcionaria uma boa combinação, os interesses e julgamento
43 COOPER, J, Political Community and the Highest Good. Texto inédito; versão inglesa a ser publicada em J. Lennox e R Bolton, Being, Nature, and Life – Essays in Honor of Allan Gotthelf, Cambridge University Press (no prelo, 2010). In: ZINGANO, 2010, p. 484. 44 BODÉÜS, 2007, p.. 104.
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estariam prejudicados em função que este ao mesmo tempo seria governante e
governado. A aristocracia proporciona o desmembramento dessas funções,
dividindo entre cidadãos formados para cultivar uma inteligência própria para
produzir bens e cidadãos formados com inteligência para decidir o que é bom para
os habitantes do território. A cidade no regime aristocrático, portanto, proporcionaria
garantia de interesses para a maioria.
E por fim a educação é vista pela aristocracia como elemento chave de toda a
política, sendo que a política não disciplina ninguém, somente a ética tem esse
poder, a política mostra a necessidade da educação, através do cuidado do corpo
como início da aprendizagem, partindo para a lapidação do caráter e o refrigério do
apetite irracional, bem como demonstra a necessidade dos conhecimentos de saúde
e higiene e que para a felicidade de todos, cabe principalmente à política o dever de
ser intervencionista.
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CONCLUSÃO
O homem, no fundo de sua alma tem o desejo e busca no período de sua vida
um sentido, é uma tendência presente em si que o leva a buscar um fim e esse fim é
decisivo e último. Toda uma vida de conhecimento e de trabalho visa algum bem,
decorrendo assim o pensamento de que esse bem não pode ser qualquer bem. A
honra poderia até a princípio ser esse bem, mas a honra só é obtida através do
reconhecimento e esse reconhecimento nem sempre poderá ocorrer e ele depende
da relação com o outro.
A felicidade poderia também ser encontrada no dinheiro, visto que a sua
posse é muito boa e ele é muito útil, mas ele também possui instabilidade e
vulnerabilidade, e, em não sendo duradouro também está longe de ser um bem
supremo. Esse bem é muito mais que isso, ele é desejável em si mesmo e nunca
dependente de outra coisa, ele é altamente suficiente e não dá para querer outro em
seu lugar e, portanto, esse fim é a eudaimonia, ou seja, o bem viver.
A virtude não é da natureza do homem, mas ela é lapidada pela
habitualidade, que recorrente se transforma em uma prática que não se pode mais
ser apartada do homem bom, porque esse é o seu caminho e para se tratar de
qualquer assunto e principalmente o político há que ser possuidor de um bom
caráter e está aqui o princípio de tudo, tratar do caráter do homem para que este
possa agir corretamente para se chegar ao mais elevado bem. Tanto os fins como
os meios vão demonstrar sobre que bases foram realizadas as escolhas, ou seja, se
o sujeito for um homem virtuoso seus meios e fins estarão inclinados para a direção
do agir correto e esse agir está relacionado com a deliberação.
Aqueles que têm a capacidade mais refinada da boa deliberação, conseguem
alcançar melhores resultados, e essa boa deliberação está relacionada à sabedoria e
à experiência que lhe impõem a capacidade de enxergar as coisas na sua melhor
formatação, sem erros, resultando então nas melhores opiniões, proporcionadas pelas
pessoas mais experientes e estas corresponderão às mais idosas..
Mas, até se chegar a esse refinamento o ser passa pelo domínio das paixões
e sua ações nem sempre podem ser aplaudidas ou aprovadas, muitas vezes
passam pela censura, às vezes também são até perdoadas, mas é importante
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perceber que o homem traz em si o imperfeito que aliado muitas vezes a pouca
idade e pouca informação ou visão, suas ações são cometidas à revelia do que se
sabe ser certo.
A ignorância deve ser levada em consideração e utilizada como limite
aceitável para determinar o resultado de uma ação involuntária, mas ela não é única,
muitas vezes também além do desejo, o homem é propenso – a fim de alcançar o
seu objetivo –, a ir pelo caminho mais fácil e pelo prazo mais curto.
Enfim, o que nos parece é que o indivíduo tem presente em si o estado da
imperfeição, porém aquele que convictamente tem em seu caráter o conhecimento
não terá em seu currículo o estado de falha e, portanto, não será corrompido,
permanecendo inalteradas suas convicções.
Não é possível afirmar que tudo em que se acredite seja verdade, e muito
menos que as questões ditas como verdadeiras não possam passar por
modificações. Qual é o critério para aceitar as opiniões? Qual é o caminho para nos
tornar pessoas sábias? A ânsia na credibilidade de verdades resulta na perda da
visão e no pensar com propriedade; o método recomendado por Aristóteles é na
observação de qualquer opinião: investigar profundamente até que o resultado dê
força e induza o estudioso na apresentação perfeita.
Deve-se começar pelo que é familiar e depois fazer uma trajetória inversa. É
necessário também o teste além da conclusão reputável, quer por meio da
participação de sábios, como também pela maioria. Se a experimentamos na vida,
se estiver em consonância com nossas experiências e com o nosso cotidiano pode-
se então corresponder a uma apresentação verdadeira. Mas, se quem estiver no
caminho da busca da verdade não tiver sido educado nos bons hábitos, desde o
início da vida, não terá a capacidade de utilizar bem o método e não será capaz de
perceber a diferença e argumentos ambíguos.
O método existe para assegurar a confiança do resultado que se alcançou,
bem como indicar o que é verdadeiro. Uma pessoa sábia trilha o caminho reto e
para a realização da felicidade é importante cultivar e praticar a virtude.
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No decorrer da vida, a probabilidade de sermos atropelados por
acontecimentos desfavoráveis é grande, ocasionando daí à conclusão que a
felicidade é um fim vulnerável.
A felicidade é um bem desejado por todos e considerado como o bem
supremo. Se ela é tão desejada qual será o meio que se emprega para se atingir a
felicidade? Será que em todas as ações estão concentradas o meio reto, o meio
bom ou o meio para o agir bem, ou, até quanto a opinião alheia nos influencia a
ponto de nos desviar do meio reto.
Interfere diretamente na felicidade a ausência dos bens exteriores
representados por amigos, família, beleza, riqueza, poder político e honra, bem
como necessitamos deles para o nosso bem estar físico, sem eles haveria uma
interrupção em nossas atividades e constituiria em um empecilho para obtenção da
eudaimonia. Somente a conjugação dos bens exteriores com a virtude podem nos
levar a felicidade completa. Para Aristóteles a felicidade só pode ser atribuída
quando se trata de uma vida inteira, ou seja, se só em parte de uma vida a felicidade
se faz presente, não se poderá auferir a felicidade na vida da pessoa. Aristóteles
demonstra também que quando se utiliza os bens externos de forma moderada e
vive comedidamente e durante a sua existência realiza atos nobres, então este
poderá ser apresentado como uma pessoa feliz.
Mas Aristóteles adverte que a felicidade é vulnerável, ela pode acontecer
como pode ser perdida, enquanto que a virtude não se pode subtrair da pessoa que
a tem. Se a pessoa é virtuosa e rica, com certeza saberá utilizar sua riqueza da
melhor forma possível e, em sendo uma pessoa virtuosa, a riqueza jamais lhe
acrescentará mais felicidade, mas proporcionará a felicidade pela multiplicação de
ações virtuosas.
A virtude concentra a força do hábito e da experiência, bem como é uma
disposição de caráter da alma que, conjugada com a deliberação, está sempre
voltada ao que é reto e a um fim bom, que ligado também ao racional e ao desejo
impõe ao homem o atributo da escolha. Uma pessoa virtuosa não se desvia de seu
caminho, tem a rigidez e o inflexível no seu ser, bem como diante de uma situação
negativa, não se deixa abalar, pois a razão o ajudará a adotar a posição firme e
correta para o bem agir.
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A virtude é o alicerce para o homem que se depara com o fracasso. Da
virtude emana uma força capaz de fazer com que o homem atravesse obstáculos
com o fim de modificar tal situação.
A virtude é um processo e para seu aprimoramento serão vivenciados os
extremos que correspondem à deficiência e o excesso e o eixo que corresponderá à
boa e correta ação será praticado através do mediano. Excesso e deficiência são as
marcas do vício, enquanto que na mediana se encontra a virtude, bem como o
excesso ou deficiência desviam o homem do excelente, do benéfico e do agradável.
Quem se arrasta pelo vergonhoso, pelo prejudicial e pelo doloroso optou pelo
caminho do vício. Essa mesma observação pode ser levada para a Lei, pois ela
proíbe vícios e ordena virtudes. A injustiça revela o desrespeito à Lei. Ao juiz cabe o
reestabelecimento da igualdade através da punição onde o agredido encontra-se
numa situação de menos e o agressor numa situação de mais e assim o juiz realiza a
mediação através do justo. A doutrina do meio termo vem demonstrar que no decorrer
da vida o homem passará pelo excesso e pela deficiência e é através dessa
passagem que o homem tomará contato com o mediano e se aproximará do bem.
O homem sumamente feliz o é porque se conduz pelos princípios verdadeiros
e por desejos retos e sabe que é de sua responsabilidade o bem agir. Dentro desse
contexto pode-se afirmar que o homem estuda a ética com o fim único de ser
efetivamente ético e isso o levará a alcançar uma vida boa e feliz.
Esse bem máximo de realização que o homem quer atingir se constitui na
potencialização da ética e esta o aproxima de Deus, pois Deus é o que há de
superior. O bem não se contrapõe à felicidade e a razão permite ao homem
distinguir o que é bom e o que é mau.
A ética é tipicamente humana e ela é desejada por todos e no sentido mais
amplo ela é uma atividade realizada pelo homem em relação à sociedade; tem o fim
de defender e restituir a dignidade ao homem, mulher, criança, pobres, doentes e
outros que participam da sua comunidade, restituindo a estes, portanto, a vida feliz. O
objetivo é esse, ou seja, o de atingir o estado mais elevado e belo que a vida pode
oferecer.
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Enfim o “tornar bom” se realiza de acordo com a soma da sabedoria prática,
do estudo da filosofia, de uma educação apropriada que se inicia na infância, com
amigos, família, riqueza, maturidade e habitualidade, mas se o homem não possuir o
conhecimento das Leis e da Constituição e, ainda que as conheça e não as aplica
na melhoria da sua comunidade ele não chegará a concluir as etapas e, portanto,
não alcançará a vida sumamente feliz e não conseguirá impedir as ações má
qualificadas e injustas.
Aristóteles também elabora um sistema de educação e tem como norte a
busca da felicidade. Nesse sistema, qualidades são esperadas, tanto dos cidadãos
quanto das organizações das cidades, e no entendimento do filósofo o ser humano
está subordinado à cidade, bem como as mulheres e crianças ao homem. A cidade
deverá comportar também os artífices, religiosos agricultores e juristas. A visão
daquela época estava concentrada na vida feliz e esta só poderia ser alcançada por
aqueles que estivessem longe dos trabalhos manuais.
Somente um processo de educação poderia fazer do indivíduo um excelente
político. O cuidado com a educação se principia com o casamento e as disciplinas
de gramática, ginástica, música e desenho deveriam fazer parte do currículo, visto
que a gramática auxiliaria nos negócios, a música no relaxamento e prazer, a
ginástica seria útil para a saúde e para o ganho de força e o desenho seria
importante nas construções e em outras artes. Aí vem a grande pergunta: Qual é a
melhor forma de governo? Entre os estudos de mais de cento e cinquenta e oito
constituições e regimes, o resultado está concentrado naquele que garante justiça a
todos e possa decidir o que é humanamente bom.
Aristóteles pensa no sistema como uma engrenagem que só roda a partir da
boa educação familiar e da educação pública, como um processo de formação de
cidadania, e que termina com a formação do governante que ali está para
proporcionar o equilíbrio de interesses e oferecer uma vida feliz para os habitantes
da cidade.
Portanto, em tudo que se faz há uma finalidade e o homem feliz é aquele que
age de maneira sábia, visando mais que uma simples ação, visando à abrangência
para que o resultado seja incontestavelmente o melhor. A ética é um exercício
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contínuo e eterno, um empenho constante no aprimoramento da alma humana e
quanto mais se exercitar a ética e a virtude, mais feliz o homem se torna.
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