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DURBENS MARTINS NASCIMENTO
PROJETO CALHA NORTE:
Poltica de Defesa Nacional e Segurana Hemisfrica na Governana Contempornea
Tese apresentada ao curso de Doutorado em
Desenvolvimento Sustentvel do Trpico mido,
Ncleo de Altos Estudos Amaznicos,
Universidade Federal do Par, como requisito
parcial obteno do ttulo de Doutor em
Desenvolvimento Sustentvel do Trpico mido.
Orientador: Prof. Dr. David Ferreira Carvalho
BELM
2005
2
Nascimento, Durbens Martins
Projeto Calha Norte: Poltica de defesa nacional e
segurana hemisfrica na governana
contempornea/Durbens Martins Nascimento.
Belm, 2005.
355 f. : il. ; 30 cm.
Tese (Doutorado) Curso de Doutorado, Ncleo de
Altos Estudos Amaznicos, Universidade
Federal do Par.
1. Projeto Calha Norte. 2. Poltica de Defesa Nacional.
3. Segurana Nacional. 4. Sivam. 5. Fronteira
Poltica. 6.Territrio.
CDD 21 355.03300981
3
DURBENS MARTINS NASCIMENTO
PROJETO CALHA NORTE:
Poltica de Defesa Nacional e Segurana Hemisfrica na Governana Contempornea
BELM
2005
4
TERMO DE APROVAO
DURBENS MARTINS NASCIMENTO
PROJETO CALHA NORTE: Poltica de Defesa Nacional e Segurana Hemisfrica na
Governana Contempornea
Tese aprovada como requisito parcial para a
obteno do grau de Doutor no Curso de
Doutorado em Desenvolvimento Sustentvel do
Trpico mido, Ncleo de Altos Estudos
Amaznicos, Universidade Federal do Par, pela
seguinte banca examinadora:
________________________
Professor Dr. David Ferreira Carvalho - Orientador
_________________________
Professor Dr. Gilberto Miranda Rocha - Examinador UFPA
__________________________
Professor Dr. Thomas Peter Hurthienne - Examinador NAEA
____________________________
Professor Dra. Edna Maria Ramos Castro - Examinadora NAEA
_____________________________
Professor Dr. Celso Corra Pinto de Castro - Examinador Externo FGV/PUC-Rio
_____________________________
Professor Dra. Rosa Acevedo Marn - Examinadora NAEA - Suplente
Belm, 18 de maro de 2005
5
Dedico este trabalho aos meus pais Joo da
Costa Nascimento e Filomena Martins
Nascimento, pela indicao do caminho do
saber.
6
AGRADECIMENTOS
No decorrer da pesquisa, uma rede de amigos e colaboradores contribuiu sua
maneira para a concretizao desta Tese, aos quais gostaria de citar como testemunho do meu
mais profundo agradecimento.
Aos meus pais Filomena Martins Nascimento e Joo da Costa Nascimento, cuja
generosidade com o saber, embora aos seus teores, me fizeram reconhecer o valor da
disciplina no processo de ensino-aprendizagem.
minha companheira Andrea Lcia de Oliveira Nascimento, cuja lucidez fez com que
os momentos difceis se transformassem em estmulo para enfrentar, com altivez, os percalos
da vida.
Ao orientador Prof. David Ferreira Carvalho, pelo aceite, pacincia na reviso e
interesse demonstrado nas sucessivas reunies para moldar a Tese, assim como pela
competncia com que se dedicou tarefa da orientao e por ter transformado uma idia tosca
numa proposta estimulante.
Ao Prof. Gilberto Miranda Rocha, que me ensinou a importncia da Geografia para
compreender uma das interfaces do objeto de estudo e, ao mesmo tempo, pelo interesse com
que tambm se dedicou pesquisa, recomendando bibliografia, indicando os meios para
acessar dados imprescindveis. Alm disso, Gilberto foi, em todo o momento, um entusiasta
da temtica e isso deu um estmulo para continuar a caminhada.
Um agradecimento especial ao Prof. Celso Castro, da FGV (Fundao Getlio
Vargas), que acompanhou e supervisionou o meu Estgio de Doutorado Sanduche nesta
Instituio e forneceu o apoio necessrio para a realizao das atividades de pesquisa. Seu
olhar crtico sobre a Tese contribuiu para superar algumas lacunas e dificuldades ainda
presentes na ltima verso.
direo do CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentao em Histria
Contempornea) e da FGV pelo aceite que viabilizou o estgio no Rio de Janeiro.
Ao CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa) que forneceu uma Bolsa de Estudo na
FGV, para complementar a coleta de dados.
Profa. Edna Castro pela valiosa contribuio na Banca que examinou o Projeto e
pelas sugestes durante a defesa.
7
Aos professores Catharine Prost, poca, professora do NAEA (Ncleo de Altos
Estudos Amaznicos) e Shiguenoli Miyamoto (UNICAMP - Universidade Estadual de
Campinas), atravs dos quais tive acesso a relevantes trabalhos que constam na Bibliografia.
Aos professores do Curso de Doutorado, pela transmisso de seus conhecimentos
cientficos e trocas de experincias. Meno ao Prof. David McGrath cuja agudeza terica
ajudou-me a confirmar pontos de vistas realistas ainda vulnerveis ao romantismo de uma
concepo de cincias sociais, que persistiam no trato dos problemas sociais e ambientais,
incondizentes com as atuais exigncias para compreender os processos sociais.
A toda turma do doutorado 2002, especialmente, Lcia Maryse, Marilena e Ivana, pela
amizade. Ao Milton Farias Filho e Carlos Alexandre Bordalo no s pela generosidade, mas
porque ajudaram em vrias oportunidades.
Aos professores do Departamento de Cincia Poltica da UFPA (Universidade Federal
do Par) que consensuaram uma arrojada poltica de incentivo formao acadmica
viabilizando o afastamento de seus pares para a ps-graduao.
Ao amigo Jos Bittencourt da Silva que teve a gentileza de me ceder todo o material
de pesquisa que possua sobre o Calha Norte e ao Edinaldo, meu professor de ingls.
Aurilene dos Santos Ferreira que profissionalmente realizou a pesquisa de um dos
Relatrios do ISA (Instituto Scio-Ambiental) sobre a questo indgena e confeccionou
alguns quadros contidos na presente Tese.
Aos funcionrios da Biblioteca Jos Marcelino do NAEA, pelo apoio dispensado
durante minha permanncia no NAEA, agradecimento especial Waldenira.
Aos meus irmos Jucileide, Ronaldo, Romilson, Denilson e a Jucila. Ao Antnio Jos
de Oliveira (Seu Toninho) e Maria dos Anjos. De alguma forma, presentes na romaria do
Doutorado.
Ao casal de amigos Raimunda Ftima (Faf) e Manoel do Carmo (Manu), e Raquel
de Sousa, pelo companheirismo e por compartilharem momentos de alegria.
turma do Rio de Janeiro, Elaine Jussara de Oliveira, Marcelo Ribeiro Rodrigues e os
pequenos Jlia e Marcos Paulo (o Marquito), pelo acolhimento e apoio logstico. E
importante tambm foi a singela ajuda fraterna dos marinheiros Isa Castro e Sidney Fonseca.
Agradeo Daisy da Assessoria de Comunicao (ASCOM), da Comisso de
Coordenao do SIVAM (Sistema de Vigilncia da Amaznia), que gentilmente me enviou o
material sobre o SIVAM.
8
Agradeo ao Ncleo de Altos Estudos Amaznicos e ao seu Programa de Doutorado
em Desenvolvimento Sustentvel do Trpico mido que me permitiu um avano intelectual
nesses trs anos.
No poderia esquecer de agradecer Juliana, sempre lembrando do amigo.
Obrigado a todos aqueles que, neste instante, trado pela memria, no recordo, mas
que somaram para tornar possvel a pesquisa.
9
Os motivos para no se basear numa formao fixa so ao
mesmo tempo defensivos e ofensivos. Em termos de defesa,
previsibilidade significa vulnerabilidade, j que um adversrio
que saiba como voc ir reagir a uma determinada situao
poder aproveitar-se desse conhecimento para tramar contra
voc. Se voc no for to previsvel, por outro lado, no apenas
os adversrios no conseguiro fixar seus alvos, mas a ateno
deles ficar enfraquecida pela disperso.
Sun Tzu II, A Arte da Guerra, 1997, p. 27.
rdua a misso de desenvolver e defender a Amaznia.
Muito mais difcil, porm, foi a de nossos antepassados em
conquist-la e mant-la.
General de Exrcito Rodrigo Octvio
Tunu Cachoeira Junho de 2001
10
SUMRIO
TERMO DE APROVAO
DEDICATRIA
AGRADECIMENTOS
EPGRAFE
LISTA DE TABELAS
LISTA DE QUADROS
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE SIGLAS
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUO, f. 27
CAPTULO 1 - INSTITUIO E FRONTEIRA POLTICA: Notas Tericas, f. 38
Introduo, f. 38
1.1. A PROBLEMTICA NO MARXISMO, f. 39
1.1.1. Filosofia da prxis, f. 42
1.1.2. O estruturalismo: Althusser e Poulantzas, f. 43
1.1.3. A escola derivacionista Alem, f. 46
1.2. A PERSPECTIVA INSTITUCIONAL DE WEBER, f. 47
1.3. INSTITUCIONALISMO E NEOINSTITUCIONALISMO NA CINCIA POLTICA,
f. 51
1.4. A PARTICULARIDADE DO ESTADO NO BRASIL, f. 56
Consideraes Finais, f. 61
CAPTULO 2 FRONTEIRA, NETS, CARTOGRAFIA E ESTADO DA ARTE, f. 63
Introduo, f. 63
2.1. FRONTEIRA: uma pluralidade de verses, f. 63
2.2. ESTADO E FRONTEIRA POLTICA, f. 71
2.3. O ESTADO NA CARTOGRAFIA DE GUILHERMO ODONNELL, f. 77
2.4. AS NETS NA CINCIA CONTEMPORNEA E OS DESAFIOS AO ESTADO, f.
81
11
2.5. LEGITIMIDADE PARA O CONTROLE DA FRONTEIRA POLTICA ATRAVS
DO USO DA FORA: Uma Abordagem Poltica, f. 90
2.6. ESTADO, INDIGENISMO E TERRITORIALIDADE, f. 95
Consideraes Finais, f. 103
CAPTULO 3 - ESTADO E PENSAMENTO ESTRATGICO SOBRE A AMAZNIA,
f. 106
Introduo, f. 106
3.1. A AMAZNIA NO HORIZONTE HISTRICO DA OCUPAO POLTICO-
MILITAR, f. 108
3.2. O ESTADO AUTORITRIO E OS GRANDES PROJETOS, f. 122
3.3. A AMAZNIA NO PROJETO BRASIL GRANDE POTNCIA, f. 124
3.3.1. Geopoltica e poder, f. 126
3.4. O CONFLITO LESTE-OESTE, f. 129
3.5. O ESQUEMA GEOESTRATGICO DE GOLBERY DO COUTO E SILVA, f. 132
3.6. CARLOS MEIRA MATTOS E A PAN-AMAZNIA, f. 133
3.7. AS IDIAS TRANSFORMADAS EM AO POLTICA, f. 135
Consideraes Finais, f. 140
CAPTULO 4 - GOVERNABILIDADE, ESTRUTURA SOCIAL E OS
ANTECEDENTES POLTICOS E ESTRATGICOS SEGUNDO O DOCUMENTO
SEGURANA E DESENVOLVIMENTO, f. 142
Introduo, f. 142
4.1. CRISE DE GOVERNABILIDADE E CAPACIDADE GOVERNATIVA, f. 144
4.2. O GRUPO DE TRABALHO INTERMINISTERIAL (GTI) E O DOCUMENTO
SEGURANA E DESENVOLVIMENTO S MARGENS DA CALHA DOS RIOS
AMAZONAS E SOLIMES PROJETO CALHA NORTE, f. 149
4.3. AS RAZES JURDICAS E POLTICAS DO PCN, f. 155
4.4. SITUAO SOCIAL DA FRONTEIRA POLTICA ATINGIDA PELO PCN, f. 161
4.5. ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DO PCN, f. 174
Consideraes Finais, f. 180
CAPTULO 5 - O MUNDO PS GUERRA FRIA E O ENQUADRAMENTO DA
AMAZNIA: Os determinantes Globais, f. 183
Introduo, f. 183
5.1. GOVERNANA E ESTADO-NAO, f. 184
5.1.1. O sculo breve, f. 186
12
5.2. A IMPORTNCIA DE MIKHAIL GORBACHEV, f. 187
5.3. AS AMEAAS CONTEMPORNEAS: Agressividade Norte-Americana, f. 191
5.4. ALCA e MERCOSUL: a questo da segurana na fronteira poltica, f. 195
5.5. O MERCOSUL e a segurana hemisfrica, f. 199
Consideraes Finais, f. 201
CAPTULO 6 - POLTICA DE DEFESA NACIONAL NO BRASIL
CONTEMPORNEO, f. 204
Introduo, f. 204
6.1. POLTICA DE DEFESA: Uma definio, f. 205
6.2. GOVERNANA E CONDIES INSTITUCIONAIS, f. 207
6.3. A CRIAO DO MINISTRIO DA DEFESA, f. 212
6.4. O AVANA BRASIL E A POLTICA DE DEFESA NACIONAL, f. 213
6.5. AMAZNIA: PRIORIDADE DE DEFESA, f. 220
6.5.1. Uma geopoltica da biodiversidade, f. 222
6.6. SUSTENTABILIDADE NO PCN: ESTRATGIA DISCURSIVA OU MUDANA
NA PERCEPO DA PROBLEMTICA AMBIENTAL?, f. 228
6.6.1. A Amaznia e a crise ambiental, f. 230
6.6.2. Sustentabilidade e ao coletiva: o problema poltico, f. 233
Consideraes Finais, f. 237
CAPTULO 7 - GOVERNANA E ESTRATGIA DE FINANCIAMENTO, f. 239
Introduo, f. 239
7.1. GOVERNO FHC: PPA, Avana Brasil e Brasil em Ao, f. 240
7.2. GOVERNANA E FINANCIAMENTO DO PCN, f. 243
7.3. FINANCIAMENTO DURANTE GOVERNO DE JOS SARNEY (1986-1990), f.
244
7.4. FINANCIAMENTO DURANTE O GOVERNO DE FERNANDO H. CARDOSO
(1995-2002), f. 248
7.5. POLTICA DE DEFESA NACIONAL VERSUS FINANCIAMENTO DO PCN, f.
259
7.6. IMPASSES E PERSPECTIVAS DE INVESTIMENTOS, f. 266
Consideraes Finais, f. 271
CAPTULO 8 - MILITARES, NDIOS, TRAFICANTES E MINERADORAS NO
CIRCUITO DA ILEGALIDADE DE UMA REA MARROM, f. 273
Introduo, f. 273
13
8.1. ASPECTOS TERICOS DA PRESENA DO PCN EM TERRAS INDGENAS, f.
274
8.2. A ETNIA YANOMAMI NO CENTRO DO DEBATE, f. 276
8.3. A POLTICA INDIGENISTA EM PERSPECTIVA HISTRICA, f. 278
8.4. A MILITARIZAO DA QUESTO INDGENA, f. 282
8.5. AS ROTAS DA ILEGALIDADE NA REA DO PCN, f. 293
8.6. A LEI DO ABATE NAS ROTAS DA ILEGALIDADE, f. 297
Consideraes Finais, f. 300
CAPTULO 9 - ESTADO E FRONTEIRA POLTICA: Possibilidades e Limites de
Controle da Fronteira (1994-2002), f. 302
Introduo, f. 302
9.1. AS REDES E O ESTADO NA AMAZNIA, f. 303
9.2. SIVAM E PCN: CONTROLE DA FRONTEIRA POLTICA?, f. 307
Consideraes Finais, f. 316
CONCLUSO, f. 318
APNDICE, f. 324
APNDICE METODOLGICO, f. 324
Mtodo de abordagem, f. 324
Mtodo de procedimento, f. 326
Tcnica de coleta de dados, f. 327
Fontes e Comentrios, f. 328
Tratamento e anlise dos dados, f. 329
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS, f. 332
INSTRUMENTOS LEGAIS, f. 350
FONTES, f. 352
ANEXOS, f. 354
FIGURA 17: Organograma Institucional do Ministrio da Defesa e seus Comandos Militares,
f. 354
FIGURA 18: Organograma do Comando do Exrcito, f. 355
14
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Populao e Territrio por Regio do Brasil, f. 162
Tabela 2: Populao dos Municpios do Estado do Amazonas na rea do PCN, para o Ano de
2000, f. 164
Tabela 3: Populao dos Municpios do Estado do Amap na rea do PCN, para o Ano de
2000, f. 165
Tabela 4: Populao dos Municpios do Estado do Par na rea do PCN, para o Ano de 2000,
f. 165
Tabela 5: Populao dos Municpios do Estado de Roraima na rea do PCN, para o Ano de
2000, f. 166
Tabela 6: Taxa de Concentrao Urbana das Capitais, f. 167
Tabela 7: rea e Populao Residente Total e em Situao Urbana (Valores Absolutos e
Relativos) para o Ano de 2000 (PCN), f. 168
Tabela 8: Perfil da Populao dos Territrios Federais em Formao, f. 173
Tabela 9: Comrcio Intra MERCOSUL: Importao e Exportao, f. 196
Tabela 10: Dependncia de Recursos Minerais dos Pases Ricos, f. 223
Tabela 11: Percentagem Anual de Crescimento Real de Madeira, por Produto, f. 227
Tabela 12: Recursos Aplicados pelos Ministrios (1986-1990) - Milhes/Cz$, f. 245
Tabela 13: Recursos Destinados aos Projetos Especiais de Incremento das Relaes Bilaterais,
f. 245
Tabela 14: Aumento da Presena Militar na rea/MB - Milhes/Cz$, f. 246
Tabela 15: Aumento da Presena Militar na rea /EB -Milhes/Cz$, f. 246
Tabela 16: Estruturao Regional da FUNAI na Faixa de Fronteira/MINTER Milhes/Cz$,
f. 248
Tabela 17: Populao Residente e PIB/Brasil 1992-2000, f. 250
Tabela 18: Demonstrativo Comparativo do PIB, da Dvida Externa e Investimentos no PCN,
f. 251
Tabela 19: Despesas Militares e PIB dos Maiores Pases em Populao, Territrio e Recursos
2002, f. 254
Tabela 20: Gastos em Defesa em Percentagem do PIB para o Ano de 2002, f. 255
Tabela 21: Gastos no Setor Militar dos Pases da Amrica do Sul para o Ano de 2002, f. 256
15
Tabela 22: Despesas com Pessoal e Encargos Sociais R$ Mil, f. 257
Tabela 23: Oramento de Despesas dos Principais Ministrios do Governo, f. 258
Tabela 24: Recursos Aplicados Mediante Parcerias com Prefeituras, f. 258
Tabela 25: Recursos Previstos e Liberados no Oramento do PPA 2000-2003 Em R$, f. 262
Tabela 26: Finanas Pblicas dos Municpios do Estado do Amazonas, f. 268
Tabela 27: Finanas Pblicas dos Municpios do Estado do Amap, f. 268
Tabela 28: Finanas Pblicas dos Municpios do Estado do Par, f. 269
Tabela 29: Finanas Pblicas dos Municpios do Estado de Roraima, f. 269
Tabela 30: Finanas Pblicas dos Estados, f. 270
Tabela 31: Mineradoras em Terras Indgenas na Fronteira, f. 288
Tabela 32: Sobreposies Entre TIs e reas de Uso Exclusivo das FFAA, f. 291
Tabela 33: Sobreposies Entre Unidade de Conservao Federal e TIs, f. 292
Tabela 34: Sobreposies Entre Unidades de Conservao Estadual e TIs, f. 292
Tabela 35: Montante Financiado para Compra de Equipamentos e Pagamentos de Servios, f.
309
16
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Vertentes Tericas-Interpretativas para o Estudo das Instituies Polticas, f. 39
Quadro 2: Cidades Situadas Sobre a Linha de Fronteira e as Correspondentes Cidades
Estrangeiras, f. 74
Quadro 3: Fronteira Distribuda por Unidade Administrativa e Populao Sul-Americana, f.
74
Quadro 4: Extenso da Fronteira Terrestre e Martima Sul Americana/Km 2000, f. 75
Quadro 5: Relao dos Fortes, Fortalezas, Fortins e Baterias Localizadas na Fronteira Norte
Construdos nos Sculos XVII, XVIII e XIX., f. 119
Quadro 6: Relao dos Municpios Inicialmente Definidos como rea de Atuao do PCN
(1985), f. 151
Quadro 7: Nmero de Municpios Brasileiros na Faixa de Fronteira Diviso Territorial de
Maro de 1990 Regio Norte, f. 162
Quadro 8: Resumo Quantitativo dos Municpios Pertencentes rea de Atuao do PCN
(2000), f. 166
Quadro 9: Relao das Entidades com Representao no PCN, f. 178
Quadro 10: Diretoria do PCN, f. 180
Quadro 11: Demonstrativo do Ecossistema Florestal Amaznico - 1/3 do Estoque Global, f.
224
Quadro 12: Importao de Madeira Tropical para os EUA e Unio Europia, 1999, f. 227
Quadro 13: Recuperao de Marcos Limtrofes/MRE Milhares/Cz$, f. 247
Quadro 14: Etapas de Encaminhamento do PPA 2000-2003, f. 261
Quadro 15: Atividades Realizadas At o Ano de 1999, f. 264
Quadro 16: Principais Realizaes no Perodo de 2000-2003, f. 265
Quadro 17: rea e Grupos Indgenas Localizados na Faixa de Fronteira do PCN, f. 284
Quadro 18: Municpios e Grupos Indgenas do Estado do Amazonas Situados na rea do
PCN, f. 285
Quadro 19: Municpios e Grupos Indgenas do Estado do Amap Situados na rea do PCN, f.
285
Quadro 20: Municpios e Grupos Indgenas do Estado do Par Situados na rea do PCN, f.
285
Quadro 21: Municpios e Grupos Indgenas do Estado de Roraima Situados na rea do PCN,
f. 286
17
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Mapa da Zona de Fronteira com Territrios Especiais, segundo o Grupo RETIS, f.
70
Figura 2: Figura com os Limites Fronteirios ao Norte do Brasil, f. 76
Figura 3: Mapa da Densidade Demogrfica Distribuda Espacialmente, f. 82
Figura 4: Mapa de Demarcao do Tratado de Tordesilhas de 1494, f. 110
Figura 5: Mapa do Brasil na Viso do Morgado de Matheus, f. 114
Figura 6: Quociente de Maritimidade na Viso de Carlos Meira Mattos, f. 135
Figura 7: Croqu do Mdio Rio Negro, f. 153
Figura 8: Mapa com reas de Conservao Federal, f. 170
Figura 9: Organograma Institucional do PCN, f. 175
Figura 10: Mapa das Bases Militares do Exrcito Distribudas Espacialmente pela Faixa de
Fronteira, f. 179
Figura 11: Nova Configurao da Presena Norte-Americana, f. 194
Figura 12: Mapa da Amrica do Sul, f. 200
Figura 13: Mapa com a Posio Estratgica do Rio Madeira para o Corredor Noroeste, f. 214
Figura 14: Mapa das Terras Indgenas, Terras de Uso das Foras Armadas e Localizao das
Unidades Militares, f. 287
Figura 15: Mapa da Rede Logstica do Trfico Internacional no Cone Sul, f. 295
Figura 16: Mapa da Rota das Cidades e Lavagem de Dinheiro, f. 296
Figura 17: Organograma Institucional do Ministrio da Defesa e seus Comandos Militares, f.
354
Figura 18: Organograma do Comando do Exrcito, f. 355
Grfico 1: Extenso Territorial por Regio, f. 163
Grfico 2: Populao por Regio, f. 163
Grfico 3: Taxa de Concentrao Urbana, f. 167
Grfico 4: Fluxo Imigratrio entre 1970 e 1990, f. 171
Grfico 5: Comrcio Intra MERCOSUL: Importao e Exportao, f. 196
Grfico 6: Recursos Previstos para o Incremento das Relaes Bilaterais, f. 245
Grfico 7: Aumento da Presena Militar na rea/EB Milhes/Cz$, f. 247
18
Grfico 8: Evoluo Comparativa do PIB, da Dvida Externa e dos Recursos Destinados ao
PCN, f. 251
Grfico 9: Comportamento das Despesas Militares e PIB dos Maiores Pases em Populao,
Territrio e Recursos 2002, f. 254
Grfico 10: Gastos no Setor Militar dos Pases da Amrica do Sul para o Ano de 2002, f. 257
19
LISTA DE SIGLAS
ABIN - Agncia Brasileira de Inteligncia
ADA - Agncia de Desenvolvimento da Amaznia
AEB - Agncia Espacial Brasileira
AI - Ato Institucional
AIEA - Agncia Internacional de Energia Atmica
ALBRS - Alumnio do Brasil S/A
ALCA - rea de Livre Comrcio das Amricas
ALN - Ao Libertadora Nacional
AM - Estado do Amazonas
AMAN - Academia Militar das Agulhas Negras
AMEAP - Associao dos Municpios do Estado do Amap
AMER - Associao dos Municpios do Estado de Roraima
AMM - Associao Amazonense dos Municpios
AMUCAN - Associao dos Municpios da Calha Norte
ANA - Agncia Nacional das guas
ANATEL - Agncia Nacional de Telecomunicaes
ANEEL - Agncia Nacional de Energia Eltrica
AP - Estado do Amap
APEC - Associao de Cooperao Econmica da sia e do Pacfico
ASCOM - Assessoria de Comunicao
BA - Base Area
BABV - Base Area de Boa Vista
BACEN - Banco Central do Brasil
BASA - Banco da Amaznia S/A
BCA - Banco de Crdito da Amaznia
BIRD - Banco Interamericano de Reconstruo e Desenvolvimento
BNDS - Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social
CAEPE Curso de Altos Estudos de Poltica e Estratgia
CAer - Comando da Aeronutica
CAN - Comunidade Andina
CAMDE - Campanha da Mulher pela Democracia
CCG - Centro de Coordenao Geral
CCSIVAM - Comisso Coordenadora do Sistema de Vigilncia da Amaznia
CDB - Conveno sobre Diversidade Biolgica
CDN - Conselho de Defesa Nacional
CEE - Centro de Estudos Estratgicos
CEI - Comunidade dos Estados Independentes
CEPESC - Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurana e Comunicaes
CGT - Confederao Geral dos Trabalhadores
CIE - Centro Internacional de Economia.
CIMI - Conselho Indigenista Missionrio
CINDACTA - Centro Integrado de Defesa Area e Controle do Trfego Areo
CM - Comando Militar
CMA - Comando Militar da Amaznia
20
CMD - Conselho Militar de Defesa
CMPOF - Comisso Mista de Planos, Oramentos Pblicos e Fiscalizao
CNBB - Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil
CNC - Comit de Negociaes Comerciais
CNEN - Comisso Nacional de Energia Nuclear
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
CNRH - Conselho Nacional de Recursos Hdricos
COMDABRA - Comando de Defesa Aeroespacial Brasileira
COMECOM - Mercado Comum Europeu
CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente
CONAMAZ - Conselho Nacional da Amaznia Legal
CONSIPAM - Conselho Deliberativo do Sistema de Proteo da Amaznia
CPI - Comisso Parlamentar de Inqurito
CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentao em Histria Contempornea
CPRM - Comisso de Pesquisa e Recursos Minerais
CRV - Centro Regional de Vigilncia
CSN - Conselho de Segurana Nacional
DEL - Dvida Externa Lquida
DF - Distrito Federal
DI - Divises de Informao
DIEESE - Departamento Intersindical de Estatsticas e Estudos Scio-Econmicos
DNPM - Departamento Nacional de Produo Mineral
DPF - Departamento de Polcia Federal
DSN - Doutrina de Segurana Nacional
EB - Exrcito Brasileiro
ECEME - Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito
ELN - Exrcito de Libertao Nacional
EM - Exposio de Motivos
EMBRAER - Empresa Brasileira de Aeronutica
EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa e Agropecuria
EME - Estado-Maior do Exrcito
EMFA - Estado-Maior das Foras Armadas
ESG - Escola Superior de Guerra
ETNs - Empresas Transnacionais
EUA - Estados Unidos da Amrica
FAB - Fora Area Brasileira
FARC - Foras Armadas Revolucionrias da Colmbia
FAUR - Fraterna Amizade Urbana e Rural
FFAA - Foras Armadas
FFT - Fundao Floresta Tropical
FGV - Fundao Getlio Vargas
FHC - Fernando Henrique Cardoso
FMI - Fundo Monetrio Internacional
FPM - Fundo de Participao dos Municpios
FUNAI - Fundao Nacional do ndio
GEBAM - Grupo Executivo do Baixo Amazonas
GEP - Grupo de Estudos e Planejamento
GETAT - Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins
GTI - Grupo de Trabalho Interministerial
IBAMA - Instituto Brasileiro de Recursos Renovveis e Meio Ambiente
21
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IMAZON - Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amaznia
INB - Indstrias Nucleares do Brasil
INCRA - Instituto Nacional de Colonizao Reforma Agrria
INMET - Instituto Nacional de Meteorologia
INPA - Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia
INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
IOF - Imposto sobre Operaes Financeiras
ISA - Instituto Scio-Ambiental
ISAE - Instituto Superior de Administrao e Economia da Amaznia
ITR - Imposto Territorial Rural
LDO - Lei de Diretrizes Oramentrias
LOA - Lei Oramentria Anual
MB - Marinha do Brasil
MEPE - Ministrio Extraordinrio de Projetos Especiais
MERCOSUL - Mercado Comum da Amrica do Sul
MFS - Manejo Florestal Sustentvel
MG - Estado de Minas Gerais
MINTER - Ministrio do Interior
MMA - Ministrio do Meio Ambiente, Recursos Hdricos e da Amaznia Legal
MP - Medida Provisria
MRE - Ministrio das Relaes Exteriores
MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
NAEA - Ncleo de Altos Estudos Amaznicos
NAFTA - Acordo de Livre Comrcio da Amrica do Norte
NOSSA NATUREZA - Programa de Defesa do Complexo da Amaznia Legal
NUCLEP - Nuclebrs Equipamentos Pesados S/A
OEA - Organizao dos Estados Americanos
OIGs - Organizaes Internacionais Intergovernamentais
OM - Organizaes Militares
OMC - Organizao Mundial do Comrcio
ONG - Organizao No Governamental
OP - Operacional
OTAN - Organizao do Tratado do Atlntico Norte
ONU - Organizao das Naes Unidas
OTCA - Organizao do Tratado de Cooperao Amaznica
PA - Estado do Par
PABV - Prefeitura de Aeronutica de Boa Vista
PC - Partido Comunista
PC do B - Partido Comunista do Brasil
PCN - Projeto Calha Norte
PCUS - Partido Comunista da Unio Sovitica
PDA - Plano de Desenvolvimento da Amaznia
PDN - Poltica de Defesa Nacional
PEI - Poltica Externa Independente
PEM - Plano de Estabilizao Monetria
PFL - Partido da Frente Liberal
PGC - Programa Grande Carajs
PIB - Produto Interno Bruto
PIN - Plano de Integrao Nacional
22
PLO - Projeto de Lei Oramentria
PLOA - Projeto de Lei Oramentria Anual
PMCI - Programa de Proteo de Meio Ambiente e s Comunidades Indgenas
PNMA - Poltica Nacional do Meio Ambiente
POLAMAZNIA - Programa de Plos Agropecurios e Agrominerais da Amaznia
PPA - Plano Plurianual
PPG-7 - Programa Piloto para a Conservao das Florestas Tropicais do Brasil
PR - Presidncia da Repblica
PROFFAO - Projeto de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira da Amaznia Ocidental
PROTERRA - Programa de Redistribuio e Estmulo Agroindstria do Norte e Nordeste
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira
PT - Partido dos Trabalhadores
PTB - Partido Trabalhista Brasileiro
RADAM - Radar da Amaznia
RETIS - Redes e Territrios
RESEXs - Reservas Extrativistas
RM - Regio Militar
RNA - Redes Neurais Artificiais
RO - Estado de Rondnia
RR - Estado de Roraima
SAA - Subsecretaria de Anlise e Avaliao
SADEN - Secretaria de Assessoramento de Defesa Nacional
SAE - Secretaria de Assuntos Estratgicos
SAR - Radar de Abertura Sinttica
SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia
SCA - Secretaria de Coordenao da Amaznia
SEBRAE - Servio de Apoio Pequena e Micro Empresa
SEPLAN - Secretaria de Planejamento
SG - Secretaria Geral
SIPAM - Sistema de Proteo da Amaznia
SIVAM - Sistema de Vigilncia da Amaznia
SNI - Servio Nacional de Informao
SP - Estado de So Paulo
SPI - Servio de Proteo ao ndio
SPP - Subsecretaria de Programas e Projetos
SPLTN - Servio de Proteo aos ndios e Localizao de Trabalhadores Nacionais
SPVEA - Superintendncia do Plano de Valorizao Econmica da Amaznia
STM - Superior Tribunal Militar
SUDAM - Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia
SUFRAMA - Superintendncia da Zona Franca de Manaus
TIs - Terras Indgenas
TCA - Tratado de Cooperao Amaznica
TCC - Trabalho de Concluso de Curso
TO - Estado de Tocantins
UCE Unidade de Conservao Estadual
UE - Unio Europia
UFAM - Universidade Federal do Amazonas
UFAP - Universidade Federal do Amap
UFPA - Universidade Federal do Par
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
23
UFRR - Universidade Federal de Roraima
UM - Unidades Militares
UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas
URSS - Unio das Repblicas Socialistas Soviticas
UV - Unidade de Vigilncia
ZEE - Zoneamento Econmico-Ecolgico
ZFM - Zona Franca de Manaus
24
RESUMO
A Tese pe em evidncia a anlise do percurso institucional e geoestratgico do
Projeto Calha Norte (PCN) como processo de territorializao da fronteira poltica. O PCN foi
pensado nos moldes convencionais da defesa e influenciado pela Doutrina de Segurana
Nacional (DSN) dos anos sessenta e setenta, que objetivava e objetiva garantir o aumento da
presena do Estado na Faixa de Fronteira Norte (Arco Norte), contribuindo para a Defesa
Nacional e para a assistncia s populaes locais. Busca-se entender, ento, as implicaes
histricas, estratgicas, geopolticas, financeiras e ambientais, desde a sua origem at os anos
noventa com nfase no governo de Fernando H. Cardoso FHC (1994-2002).
Apresenta a idia de que a poltica de defesa implementada por este obedeceu s
inflexes das mudanas internas na governana brasileira, bem como almejou adequ-la s
transformaes em curso regional e mundialmente, caracterizadas pela substituio da ordem
bipolar para multipolar/unipolar, pela alterao no perfil das instituies polticas e,
sobretudo, pela integrao hemisfrica do pas num quadro de incertezas e apelo ao
fortalecimento da segurana coletiva. Essas mudanas ocorreram no contexto da
modernizao capitalista, na qual o PCN concebido como uma modalidade particular de
interveno e expanso do Estado, que tem o uso exclusivo do monoplio da fora,
cumprindo suas prerrogativas constitucionais numa rea marrom - ausncia do Estado
enquanto um conjunto de burocracias funcionando efetivamente numa rea de baixa
densidade demogrfica.
A ineficcia dessas dimenses do Estado define a peculiaridade do circuito da
ilegalidade, isto , o locus das atividades ilcitas tais como o narcotrfico e o contrabando.
Assim, a racionalidade presente na ao do Estado consiste em articular os elementos capazes
de estimular a materializao de um processo de homogeneizao do espao social na
fronteira poltica em contexto de integrao e cooperao com os pases da Pan-Amaznia.
Baseando-se em indicadores demogrficos, econmico-financeiros e ambientais, e
numa ampla base de dados sobre a Faixa de Fronteira Norte, a pesquisa concluiu pela
necessidade da interveno na fronteira poltica, onde o Estado busca cumprir, relativamente,
sua funo para ordenar e disciplinar as relaes e os processos sociais a partir de referncias
constitucionais; afirmou que o esvaziamento financeiro deveu-se menos ao programa
governamental para ajustar as contas pblicas e o pagamento da dvida externa do que a
25
deciso poltica de reorientar os investimentos para o Projeto; provou-se que h um
movimento para a incluso efetiva da sustentabilidade na nova PDN (Poltica de Defesa
Nacional) e; finalmente, argumentou-se a favor da necessidade de integrar o PCN ao sistema
de produo de informaes do SIVAM entendido como um novo enfoque sobre a defesa
nacional na Era da Informao, e que necessrio para a vigilncia da regio.
PALAVRAS-CHAVE
Projeto Calha Norte, Poltica de Defesa Nacional, Segurana Nacional, Sivam,
Fronteira Poltica, Territrio.
26
ABSTRACT
This thesis highlights the analysis of the institutional and geo-strategic path of the
Projeto Calha Norte (Northern Border Project - NBP) influenced by the traditional models
of the National Security Doctrine (NSD) of the sixties and seventies. The goal of the National
Security Doctrine (a strategy widely applied in Brazil during the military regime) was to
guarantee the State presence in the Northern Border Line (North Arc) to support the National
Defense as well as to assist the local population. This study aims at understanding the
historical, strategic, geopolitical, financial, and environmental implications of this doctrine,
since its origin until the nineties, emphasizing the Fernando H. Cardoso government FHC -
(1994-2002).
Presenting the idea that the defense policy implemented by that Brazilian President
was in accordance with the lines of the internal changes in the Brazilian governance, and that
he wanted to adequate it to the regional and global changes, characterized by the replacement
of the bipolar order by the multipolar/unipolar one, a change in the national political
institutions profile and, most important, in the hemispherical integration of the country in a
uncertainty period and the appeal to the strengthening of collective security. Such changes
took place within the capitalist modernization framework, where PCN (northern border
project) was conceived as a particular form of state intervention and expansion, condoning the
legitimate use of physical force in order to fulfill its constitutional prerogatives within the
limits of a brown area meaning the absence of state bureaucracy and laws effectively in use
in an area of low demographic density.
The inefficiency of these state dimensions defines the peculiarities of the illegality
circuits, i.e., the locus of illegal activities such as narcotics traffic and smuggling. Therefore,
the rationale present in the state action consists in the articulation of elements capable of
stimulating the materialization of a homogenization process of the social space in the political
frontier in a context of integration and cooperation with the Pan-Amazon countries.
Based on demographic, economic, financial, and environmental indicators, as well as
strongly based on data about the Northern Border Line, this research concludes that state
intervention on the border is necessary, where the state tries to fulfill its obligations to
ordinate and discipline relations and social processes based on constitutional references; it
affirms that the financial emptiness was less due to the governmental program to adjust public
27
accounts and foreign debt payment than to the political decision to re-direct investments to the
project. It also proves that there is an effective movement towards the effective inclusion of
sustainability of the new NDP (National Defense Policy), and finally favors the need to
integrate the PCN to the SIVAM information system, which sheds new lights on national
defense issues in the Information Era and is necessary for the surveillance of the region.
Key words: Calha Norte Project, National Defense Policy, Security, Sivam, Policy
Border, territory.
28
INTRODUO
A literatura latino-americana farta em reflexes sobre os militares. Mesmo no Brasil
essa produo bastante diversificada. Engloba os vrios campos temticos das cincias
sociais. Contudo, ela se volta quase sempre s questes relacionadas origem social dos
militares (FERNANDES, 1978), autonomia, tutela, militarismo, funo constitucional e
soberania nacional (OLIVEIRA, 1987),1 socializao, conflito e identidade na AMAN
(CASTRO, 1990),2 ideologia militar, profissionalizao dos militares, poltica militar
(FLORES, 1992), intervenes militares e organizao institucional dos militares.
(COELHO, 2000)
Sobre a poltica de defesa enfocando a particularidade amaznica so relativamente
poucos os trabalhos significativos realizados, sobretudo os que se dedicaram a estudar o PCN,
que a partir de 1997, revitaliza-se, e transforma-se em Programa em 2000.
Concebido nos moldes da DSN,3 o PCN atualmente vem paulatinamente se
redefinindo para adequar-se aos novos padres de segurana globais consubstanciado na Era
da Informao a exemplo do SIVAM, com o qual se complementa em trs dimenses: o PCN
visa oferecer a segurana terrestre e martima e o SIVAM com escopo da vigilncia area.
1 O tema da soberania na Amaznia foi objeto de investigao de CASTRO (1992). Na dissertao de mestrado
O Brasil e a sua soberania sobre a Amaznia, o autor prope a indispensabilidade da teoria da dependncia
para pensar os problemas da Amaznia sob o enfoque das relaes internacionais. Desse modo, o
debilitamento da soberania brasileira sobre a regio reportada, antes de tudo, ao enfraquecimento do poder
decisrio em funo da crise social que abate o pas ao longo do ltimo sculo. A dvida externa e a
dependncia consentida imbricadas, prendem a Nao aos centros de poder global limitando nossa
capacidade de decidir sobre as questes ambientais, direitos humanos e proteo s comunidades indgenas.
Em princpio a varivel dvida externa pode explicar as dificuldades polticas estruturais do pas para
solucionar seus problemas na Amaznia assim como alhures; entretanto, uma discordncia com o autor
expressa-se na forma de pressuposto metodolgico, uma vez que a afirmao soberana pode estar ligada a
fatores exclusivamente polticos que isentam a prioridade de defesa e reorientam seus gastos financeiros para
outros setores, alm do fato de que, ao mesmo tempo, a causa pode estar circunscrita determinantes de ordem
gestora no que diz respeito eficincia e competncia com que os governantes lidam com a aplicao dos
recursos. Ver CASTRO, Flvio M. de Oliveira. O Brasil e sua soberania sobre a Amaznia. 1992. 131 f.
Dissertao (Mestrado em Relaes Internacionais) Departamento de Cincia Poltica e Relaes
Internacionais, Universidade de Braslia, Braslia. 1992. Mimeografado.
2 AMAN Academia Militar das Agulhas Negras.
29
No conjunto das poucas e marginais reflexes, ainda que tenham examinado aspectos
institucionais e polticos da origem (COSTA, 1994), no h uma explicao do processo
institucional, organizacional e oramentrio, bem como suas implicaes contemporneas; e
quanto ao curso da territorializao4 a partir do Estado encontra-se indito um trabalho que
focalize o controle do territrio conceituado como espao apropriado em perspectiva
histrica pelo povo na sua marcha para a constituio do poder soberano (SANTOS, 1980,
p.189), tampouco com centralidade emprica no mandato de FHC (1994-2002) h algum
trabalho.
A razo da limitada produo acadmica referida acima tem sido apontada como
relutncia de pesquisadores para qualquer incluso do assunto nos seus respectivos roteiros de
pesquisa. Em princpio, essa recusa se deve, geralmente, atribuio quase exclusivamente
aos militares, a responsabilidade pela interveno na poltica. (CARVALHO, 1989, p.137)
Dentre esse caleidoscpio de temas e questes estudadas pelos autores acima e por
aqueles especficos contidos na literatura sobre a Amaznia, urge pensar a problemtica da
atuao estatal em relao poltica de segurana nesta parte do pas para onde uma romaria
de militares se dirigem para proteg-la.
A Amaznia est no centro do debate sobre a defesa de suas fronteiras consideradas
largamente vulnerveis da espao de controle. Com efeito, a parte da fronteira Norte, na
Faixa de 150 Km de largura, definida constitucionalmente, ao longo de 7.413 Km que
corresponde a 17% do territrio nacional e 47,1% da poro terrestre do pas, que de 15.719
Km, e abrange 38 municpios, atualmente incorpora mais 36 localizados fora da Faixa,
totalizando at o presente 74 e situada ao norte das Calhas dos rios Amazonas, Negro e
Solimes e seus afluentes: I, Japur, Branco, Uatum, Jatapu, Nhamund, Trombetas,
Maicuru, Paru e Jari.
Essa rea geogrfica de abrangncia do PCN limitada internacionalmente com as
fronteiras polticas, no sentido de limite territorial, da Guiana Francesa, do Suriname, da
Guiana, da Venezuela e da Colmbia.
Nesse espao social, no lado nacional, residem 2.700.000 pessoas, pertencentes aos
Estados do Amazonas (AM), Par (PA), Roraima (RR) e Amap (AP). Aqui, o governo
3 A DSN oferece um programa completo para a ao. uma sntese poltica, econmica, social e de estratgia
militar. Ela cobre todas as reas de ao, desde o desenvolvimento econmico at a educao ou a religio e
nelas determina os critrios fundamentais que devem ser levados em conta. (URN, 1987, p.180)
4 Territorializao de acordo com HAESBAERT (2004: p. 16) o processo de domnio (poltico-econmico)
e/ou de apropriao (simblico-cultural) do espao pelos grupos humanos.
30
brasileiro, em 1985, concebeu e implementou o PCN com o objetivo de garantir a presena do
Estado e contribuir para a Defesa Nacional e a assistncia s populaes locais.5
Esse objetivo do PCN se altera no PPA (Plano Plurianual) 2000-2003,6 quando se
acrescenta a frase e fixando o homem na regio, isto , garantir o desenvolvimento regional
com a manuteno da soberania, entendida como espao limitado e definida
institucionalmente e administrado pelo Estado.
E, para toda a Amaznia Legal, o governo implementa o Projeto SIVAM, um sistema
operacional formado a partir de uma rede de satlites e radares com vistas a vigiar o espao
areo da Amaznia Legal7, para produzir informaes de diferentes naturezas para otimizar e
agilizar a atuao dos rgos estatais na regio.8 Ambos, PCN e SIVAM, no geral, com a
finalidade de defender, proteger e garantir a integridade do territrio nacional e combater os
ilcitos e alavancar o desenvolvimento. Registre-se tambm que o discurso contido, tanto nos
principais documentos oficiais, quanto das autoridades governamentais salientam,
exaustivamente, que o modelo da PDN expresso no PCN e no Projeto SIVAM, singular
5 No governo de Lus Incio Lula da Silva, atravs da EM (Exposio de Motivos) n. 616, de 19/12/2003, o PCN
sofreu mudanas significativas na sua rea de cobertura. Seu raio de ao foi estendido para os Estados do
Acre e Rondnia, o que provocou evidentemente uma alterao na rea, populao e no nmero de municpios
atingidos. Passou para 151, destes, 95 na fronteira poltica, cobrindo uma rea de 10.938 km. Abrange, agora,
25% do territrio nacional com 2.186.252 km2.
6 Cf. BRASIL. Governo Federal. PPA 2000-2003. Avana Brasil. Relatrio de Avaliao, exerccio 2000, Anexo
I, Oramento Fiscal e Seguridade. Braslia, 2000.
7 A Amaznia concebida como um espao no-homogneo, complexo e extremamente diversificado.
(GONALVES, 2001, p.9) Nela tem a Serra do Carajs, as plancies litorneas, as florestas, sobretudo as
frentes de expanso das relaes sociais capitalistas e o espao vazio civilizatrio e ainda, das riquezas
naturais a serem controladas geopolicamente pelo poder central, principalmente a parte dela concernente
Faixa de Fronteira. Mais do que isso: a Amaznia de que se fala aquela que possui um vasto ecossistema de 6
milhes de km2, de base geomorfolgica, pedolgica, geolgica, fabulosas reservas de gua doce e de
ocupao humana ao longo de sua histria. Por outro lado, denomina-se Amaznia Legal a poro do territrio
instituda pela Lei n 1.806/1953, com 4,9 milhes de km2, o que representa 60% do territrio nacional e que
compreende os Estados do Amazonas, Par, Rondnia, Roraima, Amap, Acre, partes do Maranho (238.961
km2), Tocantins e tambm parte de Mato Grosso (875.720 km2).
8 Regio, para usar uma expresso de BOURDIEU (1989, p. 115), delimitada em funo dos diferentes critrios
concebveis (lngua, habitat, tamanho da terra, etc.) nunca coincidem. Esse sentido tomado por diferentes
autores: AMADO (1990, p.8) define regio como uma categoria espacial que expressa uma especificidade,
uma singularidade, dentro de uma totalidade. Assim, (...) a regio configura um espao particular dentro de
uma determinada organizao social mais ampla, com a qual se articula, isto , a formao social concreta
cujo aspecto dinmico e relevante , para SILVEIRA (1990, p.35), (...) o nvel de articulao das atividades
produtivas da regio com o modelo de acumulao dominante; na relao com os demais cortes espaciais,
cujas fronteiras esto em contnuo reajustamento, o aspecto bsico a forma especfica de reproduo do
capital, portanto, a diferenciao e articulao entre os cortes; e, finalmente, no mbito interno a prpria regio,
o aspecto bsico o nvel de suas foras produtivas e suas relaes de produo. Mas esses aspectos so
tambm constitudos por relaes polticas, ou seja, relaes de poder que permeiam as relaes sociais na
regio, que na perspectiva da geografia, tem um fundamento poltico, de controle e gesto de um territrio.
(GOMES, 1995, p. 73).
31
porque no causa degradao ambiental, no prejudica as naes indgenas e controla o
processo de apropriao territorial atravs do manejo da questo agrria na Faixa de Fronteira.
Tanto um quanto outro, integram o SIPAM (Sistema de Proteo da Amaznia) com
sede em Manaus (AM), ao qual esto subordinados. E se situam em dois momentos da recente
histria republicana do pas, a Transio (1985-1988) e a reforma de Estado (1992-2002),
respectivamente.
O SIPAM um sistema multidisciplinar com o objetivo de coordenar as aes de
vigilncia na Amaznia, buscando integrar as diversas instituies pblicas e privadas, a fim
de gerenciar informaes obtidas com os projetos para fins de segurana nacional e
desenvolvimento social regional, bem como reduzir custos infra-estruturais necessrios ao
desenvolvimento sustentvel da regio e alavancar a integrao nacional; aproveitar e garantir
a biodiversidade e gerar bem-estar para os habitantes mediante polticas pblicas.
A colossal perda de sua biodiversidade e o malbarato tratamento com os recursos
financeiros em mega projetos impostos regio nas dcadas de setenta e oitenta, no deve
favorecer o discurso anti-Estado to comum em estudos sobre seus problemas e candentes
questes, especialmente os influenciados pela literatura regional que examinou os impactos
sociais e ambientais dos grandes projetos, assim como uma determinada vertente da
Antropologia brasileira e internacional que estuda as sociedades tradicionais.9
De outro lado, alguns trabalhos acadmicos da rea de cincias sociais trataram do
problema da ocupao da Amaznia desde o fim dos anos 60. De certa maneira, eles
constituram um discurso alternativo ao propagandstico do governo; sua
contrapartida estava no fato de estabelecerem um tipo de estudo que se aproximava
de populaes margem do chamado processo desenvolvimentista. Isto se v mais
claramente na antropologia, disciplina tradicionalmente vinculada s populaes
nativas da Amaznia (...) O resultado, no texto, geralmente produz uma viso anti-
establishment que, at certo ponto, pretende dar conhecimento de vises
diferenciadas, que no eram pblicas, mas cuja contrapartida deslocamento dos
atores politicamente hegemnico ao segundo plano. (LEIRNER, 1995, p. 2)
Resgatar o ator Estado para o primeiro plano, no faculta esta instituio da crtica
acerca de seus efeitos perversos produzidos pela ao poltica em diversos setores da
9 Os contornos fundamentais da crtica so vistos claramente no debate sobre os autores que estudaram o PCN
contidos no II Captulo.
32
sociedade, ainda que sob o imprio da boa inteno de resolver seus angustiantes problemas
sociais.
No que tange ao PCN, no se pretende examinar a organizao do principal ator
responsvel pela coordenao e comando dessa poltica, ou seja, as FFAA: seu modo de
funcionamento, seu papel constitucional, sua relao com a sociedade, entre outras questes;
nem tampouco proveitoso investigar as razes pelas quais fracassou o modelo anterior de
controle efetivo sobre a Amaznia e, apenas levemente, discute-se o Projeto SIVAM, uma vez
que no constitui objeto de investigao; e, sobretudo, tecnicamente falando so restritas as
intenes avaliativas do PCN, porque se buscam as implicaes mais amplas do seu
envolvimento com o ambiente sociopoltico. Menoscabar, entretanto, uma avaliao da
poltica pblica como a que representa o PCN, no significa, de modo algum, o abandono da
possibilidade de mensurar os seus resultados at o presente, apesar de no se constituir em
objetivo da presente Tese.
No obstante a relevncia da questo indgena contida na problemtica do Projeto
opta-se por no abord-la em profundidade, haja vista que, a rigor, foi bastante explorada por
pesquisas anteriores que sero citadas em momento oportuno e porque o limite emprico
recortado demandaria uma outra pesquisa, quem sabe futuramente. Apesar dos condicionantes
internacionais do objeto no um trabalho de relaes internacionais, mesmo que questes
afins estejam integradas na referncia terica e emprica. No conjunto do trabalho conceitos e
categorias subtradas dessas disciplinas sero integradas anlise.
Estud-lo do ponto de vista da ao estatal, torna-se tarefa inadivel, proporo que
pretende resolver problemas antigos e novos relacionados segurana mediante a ocupao
demogrfica e a presena militar. Colocado dessa forma, o problema central implica a
aceitabilidade do privilegiamento das formas polticas, estratgicas e geogrficas de insero
da regio amaznica no trad off entre o cenrio nacional, regional, hemisfrico e mundial no
contexto da modernizao capitalista na qual se insere o PCN.10
Este o objeto de
10
Modernizao, objetivamente, trata-se da maneira pela qual se configuram as mudanas motivadas
economicamente pela diviso internacional do trabalho que emerge da Revoluo Industrial, e que,
simultaneamente, determinada e determina uma nova estrutura de poder representada pelo Estado-Nao na
busca do uso e apropriao do territrio. Atualmente, na Revoluo Tcnico-Cientfica em curso, o processo de
modernizao conforma uma ordem reformista social que atinge suas funes (do Estado) e o seu papel em
relao aos cidados, sociedade civil e ao mercado. Aplicado Amaznia o conceito de modernizao se
insere no contexto obedecendo a decises polticas e levando em conta a complexidade de processos sociais e
polticos e suas particularidades geogrficas. Esse conceito difere de modernidade. GIDDENS (1991, p. 12)
assevera que modernidade (...) estilo, costume de vida ou organizao social que emergiram na Europa a
partir do sculo XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influncia. Isto associa
33
investigao que ser potencializado, enquanto unidade bsica de investigao, pelos
indicadores socioambientais e econmico-financeiros, abdicando das reas especficas para
efeito de estudo de caso to comum nas pesquisas acerca da Amaznia contempornea, salvo,
obviamente, excees.11
O motivo de tal recusa a possibilidade de oferecer uma viso integrada da poltica na
atuao estatal remodelando o seu territrio no campo da defesa nacional, inerentemente geral
e particular. Primeiro, no geral, porque a preocupao mundial e regional devido ao cenrio
de incertezas que paira sobre os Estados nacionais, e, segundo, particularmente porquanto
dotado de caractersticas inerentes s condies determinantes do terreno nacional e
amaznico.
O estudo se concentra na anlise do processo de formao, concepo, financiamento
e territorializao do PCN, de 1985 a 2002, com nfase na fase da reforma do Estado para o
mercado, isto , de 1994 a 2002, pelo ngulo da governabilidade, da governana, da fronteira
poltica12
e da insero hemisfrica e global da segurana da Amaznia.
Quais as implicaes institucionais, territoriais, oramentrias, polticas, estratgicas e
ambientais do PCN?
Qual o significado da Nova PDN para os contornos atuais da segurana nacional na
Amaznia, principalmente na fronteira poltica, tipicamente uma rea marrom
(ODONNELL, 1993) onde prevalece o contrabando e o narcotrfico na peculiaridade do
circuito da ilegalidade (MACHADO, 2000), nomeadamente durante o processo reformista do
Estado comandado por FHC?
Que desafios se apresentam ao Estado, atravs do PCN, quanto ao enquadramento da
Amaznia no modus operandi hemisfrico e global de poder na esfera da segurana
coletiva?13
a modernidade a um perodo de tempo e a uma localizao geogrfica inicial, mas por enquanto deixa suas
caractersticas principais guardadas em segurana numa caixa preta.
11
As teses de BRITO (2001) e SILVA (2003), por exemplo, abdicaram dessa postura metodolgica de escolhas
de reas investigativas especficas para fins de anlise dos problemas amaznicos, respectivamente, as
instituies polticas de planejamento na Amaznia e a governana global a partir do PPG-7.
12
Toda referncia ao termo social se no vier acompanhada de devidas especificaes, reporta-se
dimensionalidade totalizante das interaes estabelecidas entre os indivduos e destes com o ambiente, ou seja,
a dimenso econmica, poltica, espacial, cultural etc. vistas integradamente.
13
Define-se segurana coletiva, com extenso para o conjunto do trabalho, na base de um novo paradigma que
incorpora elementos do velho paradigma e acopla elementos do novo - (o velho definia a segurana
coletiva enquanto manifestao coibitiva de atos de agresso internacional e combate a violncia interestatal) -
34
Parte-se de trs pressupostos fundamentais. Primeiro, o Estado dinamicamente tem
buscado controlar e proteger a Amaznia ao longo da histria, e desempenhado o seu papel
constitucional e poltico, com iniciativas e medidas preventivas no sentido de dissuadir
quaisquer tentativas que expressem perigo manuteno da integridade territorial. O PCN
como uma dessas medidas apresenta um conjunto de problemas, para os quais sugere-se as
seguintes hipteses:
1. Financiamento: o esvaziamento financeiro do PCN ocorreu menos ao programa
governamental para ajustar as contas pblicas e o pagamento da dvida externa do
que a deciso poltica de reorientar os investimentos para o Projeto;
2. Desenvolvimento sustentvel: h um esforo para a incluso efetiva da
sustentabilidade na Nova PDN;
3. Estado em rede: h um movimento tambm para integrar o PCN ao sistema de
produo de informaes do SIVAM, entendido como um novo enfoque sobre a
defesa nacional na Era da Informao, e que necessrio para a vigilncia da
Amaznia;
Segundo, a PDN implementada pela administrao de FHC impulsionou o
revigoramento dos projetos de segurana e vigilncia e fortaleceu a presena do Estado na
fronteira poltica, bem como almejou adequ-la s transformaes em curso regional e
internacionalmente, condicionada pela substituio da ordem bipolar para multipolar/unipolar,
num quadro de incertezas na ordem internacional.
E terceiro, a revitalizao do PCN e a implantao do SIVAM mantm a condio do
Brasil de potncia mdia e de destaque no hemisfrio sul, revela ainda a permanncia de uma
estratgia do poder central para consolidar a soberania brasileira sobre a regio, mas que
ganha novos significados com a mudana nas relaes internacionais e seus impactos na
governana, com a entrada na agenda do desenvolvimento sustentvel dos direitos humanos,
do narcotrfico e do contrabando.
O Estado mediado pelo PCN, as Foras Armadas (FFAA) e o governo de FHC so
definidos como atores polticos centrais em escalas e nveis de responsabilidades
diferenciadas. Se as responsabilidades polticas e funes so desiguais, no menos
importantes so as diferenas assimtricas no entrelaamento das escalas regional, nacional,
continental e mundial. As relaes sociais entre esses atores, que operam em rede (o que no
a ateno dispensada manifestao de instabilidade no interior dos Estados, sejam eles o produto de
conflitos armados ou no. (PATRIOTA, 1998, p.8)
35
exime sua verticalidade e sobreposies funcionais e de classe) constituem o eixo temtico
sobre o qual o objeto, o PCN, adquire significado e relevncia analtica.
Aborda-se a temtica pelo ngulo da cincia poltica, da geografia poltica, das
relaes internacionais, da histria e da geopoltica, numa cooperao multidisciplinar. Para
tanto, escolhe-se um enfoque centrado no Estado que d conta dos mecanismos institucionais
centrais responsveis pela tomada de deciso relativa produo e aprovao de uma poltica
pblica que desgua no reordenamento do espao14
em rea de fronteira, na poca das
reformas comandadas por FHC e de conturbado cenrio internacional.
Trata-se de uma rea com caractersticas particulares em virtude da reduzida densidade
demogrfica e da importncia mundial que adquiriu sua biodiversidade15
e, sobretudo, porque
a Pan-Amaznia, especialmente a parte colombiana, palco de operaes militares
envolvendo o governo desse pas e foras guerrilheiras, o que tem provocado especulaes
(verdadeiras ou no) em torno de uma interveno norte-americana ou de uma coalizo
comandada por este governo.16
14
Categoria central da cincia e da geografia em particular. Apesar do sentido percebido por DAK (1986) apud
MORI (1988, p. 94), do espao como territrio de um mercado unificado no qual a forma-mercadoria tenha se
generalizado na vida social, intrinsecamente prenhe da ao de homens e mulheres no processo histrico de
constituio do Estado-Nao, com uma carga de historicidade inerente ao conjunto das relaes sociais que
definem o real estruturado no modo de produo capitalista, que unifica e homogeniza o mercado capitalista.
(Sobre este ltimo conceito, consultar a vasta literatura marxiana, j bastante explorada e conhecida do pblico
acadmico, cuja reviso escapa aos objetivos deste trabalho). Embora o espao seja entendido como totalidade,
SANTOS (1980, p.145) faculta uma outra definio dessa categoria ocorrendo somente em relaes onde o
mercado foi unificado pelo capitalismo. Diz que o espao no pode ser apenas um reflexo do modo de
produo, nem uma condio natural, e enriquece-o afirmando que o espao, como as outras instncias
sociais, tende a reproduzir-se, uma reproduo ampliada, que acentua os seus traos j dominantes. A estrutura
espacial, isto , o espao organizado pelo homem como as demais estruturas sociais, uma estrutura
subordinada-subordinante. E como as outras instncias, o espao embora submetido lei da totalidade, dispe
de uma certa autonomia que se manifesta por meio de leis prprias, especficas de sua prpria evoluo.
Finalmente, conceitua o espao da seguinte forma: ...o conjunto de relaes realizadas atravs de funes e de
formas que se apresentam como testemunho de uma histria escrita por processos do passado e do presente.
Isto , o espao se define como um conjunto de formas representativas de relaes sociais do passado e do
presente e por uma estrutura representada por relaes sociais que esto acontecendo diante dos nossos olhos e
que se manifestam atravs de processos e funes. O espao , ento, um verdadeiro campo de foras cuja
acelerao desigual. Da porque a evoluo espacial no se faz de forma idntica em todos os lugares.
(SANTOS, 1980, p.122)
15
Compreende-se a biodiversidade como a variabilidade de organismos vivos de todos os tipos, abrangendo a
diversidade de espcies e a diversidade entre indivduos de uma mesma espcie. Compreende tambm a
diversidade de ecossistemas terrestres e aquticos e os complexos ecolgicos de que fazem parte. (IBGE.
Estudos e Pesquisas: Informao Geogrfica, n. 2, Indicadores de Desenvolvimento Sustentvel, Brasil 2002.
Rio de Janeiro, 2003, p. 130).
16
Pan-Amaznia uma regio com ecologia semelhante e formada pela Bacia do Rio Amazonas, limitando-se
pela Cordilheira dos Andes, a oeste, ao norte pelas Serras das Guianas e ao sul Planalto Central, ou seja, entre
o Peru e o Estado do Maranho, no Brasil; do Orinoco, na Venezuela, at o Norte do Estado de Mato Grosso.
E abrange nove pases: Brasil, Bolvia, Venezuela, Peru, Equador, Colmbia, Suriname, Guiana e Guiana
Francesa. Possui uma superfcie de 7,7 milhes de km2, 2/5 da Amrica do Sul.
36
Apoiando-se em indicadores demogrficos, econmico-financeiros e ambientais, e
numa ampla base de dados sobre a Faixa de Fronteira Norte, a tese que pretende-se testar no
decorrer da evoluo e desenvolvimento consiste no seguinte: appeessaarr ddoo ddiissccuurrssoo qquuee eennffaattiizzaa
ooss lliimmiitteess ddaa ppoossssiibbiilliiddaaddee ddaa ppoollttiiccaa nnaa ccoonntteemmppoorraanneeiiddaaddee,, ee ddaa ccrrttiiccaa ddee uummaa lliitteerraattuurraa nnaass
CCiinncciiaass SSoocciiaaiiss qquuee ccoommbbaattee aa iinntteerrvveennoo ffeeddeerraall nnaa rreeaa ddaa sseegguurraannaa nnaa ffrroonntteeiirraa NNoorrttee,, oo
ppooddeerr cceennttrraall aattrraavvss ddoo EEssttaaddoo tteemm bbuussccaaddoo,, hhiissttoorriiccaammeennttee,, pprrootteeggeerr ee pprreesseerrvvaarr oo tteerrrriittrriioo
aammaazznniiccoo,, iinncclluussiivvee ccoomm mmeeddiiddaass pprreevveennttiivvaass ((aa eexxeemmpplloo ddoo PPCCNN,, ddoo SSIIVVAAMM ee ddaa LLeeii ddoo
AAbbaattee)) aa ffiimm ddee ddiissssuuaaddiirr qquuaaiissqquueerr tteennttaattiivvaass qquuee ssiiggnniiffiiqquueemm aa ffrraaggmmeennttaaoo ddaa rreeggiioo,,
ccuummpprriinnddoo,, aassssiimm,, sseeuuss pprreecceeiittooss ccoonnssttiittuucciioonnaaiiss qquuee rreeaaffiirrmmaa aa ddeeffeessaa ddaa iinntteeggrriiddaaddee ddaa
nnaaoo eemm tteemmppooss ddee iinncceerrtteezzaass nnaass rreellaaeess iinntteerrnnaacciioonnaaiiss,, aaiinnddaa qquuee ccoomm uummaa ppoollttiiccaa
eexxtteerrnnaa qquuee pprriioorriizzaa aa ccooooppeerraaoo ee sseegguurraannaa hheemmiissffrriiccaass.. DDoo ppoonnttoo ddee vviissttaa ddeemmooccrrttiiccoo,, aa
ggoovveerrnnaannaa ccoonntteemmppoorrnneeaa tteemm ssiinnaalliizzaaddoo ppaarraa oo ffoorrttaalleecciimmeennttoo ddaa aauuttoorriiddaaddee eessttaattaall nnoo
eessttrriittoo ccuummpprriimmeennttoo ddee ssuuaass aattrriibbuuiieess ccoonncceerrnneenntteess pprroodduuoo,, eexxeeccuuoo,, ffiinnaanncciiaammeennttoo,,
ccoonnttrroollee ee aavvaalliiaaoo ddaass ppoollttiiccaass eessttaattaaiiss vvoollttaaddaass ppaarraa aa ooffeerrttaa ddee sseerrvviiooss ccoolleettiivvooss ppeellaa
aaddmmiinniissttrraaoo ppbblliiccaa nnaa eessffeerraa ddaa ddeeffeessaa nnaacciioonnaall..
A organizao terico-metodolgico da Tese fixou-se num Apndice Metodolgico.
Entretanto, objetivando facilitar a compreenso do encaminhamento das questes formuladas,
mostra-se que a pesquisa histrica foi acionada como recurso explicativo, uma vez que se
procura salientar o carter histrico relativo tanto peregrinao militar para proteger a
Amaznia quanto da temporalidade do prprio PCN. Alm disso, a estratgia de pesquisa
implica, tambm, a descrio dos processos e relaes sociais ao caracterizar a realidade
concreta na qual movimenta-se o PCN. Assim, almeja-se, para tanto, um relato das atividades
que configuram a estrutura fsica do Projeto, bem como dos conjuntos dos outros aspectos
(geopolticos, polticos, oramentrios, estratgicos e hemisfricos), sobretudo das aes
realizadas no perodo recortado, isto , de 1994 a 2002.
Por ltimo, o mtodo explicativo ser utilizado para fins de anlise aprofundada para
todos esses aspectos, apoiado no modelo terico adotado que permitir extrair concluses de
carter terico e conseqncias polticas para as autoridades governamentais ligadas rea da
segurana e defesa nacionais, se relevante, adot-las nos procedimentos estratgicos e sociais
na fronteira poltica ou em qualquer outro lugar.
A Tese est organizada em captulos, alm desta Introduo e da Concluso, dos
Anexos e do Apndice Metodolgico. O primeiro captulo expe o debate terico que visa
projetar a problemtica e suas implicaes terico-metodolgicas cuja transversalidade d
importncia ao Estado enquanto ente institucional dotado de poderes organizacionais,
37
jurdicos e estratgico-militares. Assim, ele alado como problemtica terica em torno das
principais vertentes que ainda circulam nas cincias sociais, e assim, ressalta-se em suas
primeiras seces a contribuio do marxismo e de suas diversas escolas tericas; a
importncia de Max Weber para o institucionalismo; o neo-institucionalismo na cincia
poltica; e na ltima seco, uma construo interpretativa sobre o Estado no Brasil pelo
olhar das cincias sociais. O segundo captulo, tambm terico, j na primeira seco
prossegue na exposio do debate sobre o Estado, enfatizando a multiplicidade de verses
sobre a fronteira; a segunda seco apresenta a construo de um conceito integrado de
Estado e fronteira poltica; na terceira seco, destaca-se a tipologia cartogrfica na
convergncia de Guilhermo ODonnell; a quarta seco aborda, sucintamente, o referencial
terico-metodolgico baseado na sociedade em rede como proposta por Castells (1999) e
Haesbaert (2004) e os desafios fulcrais ao Estado nesta perspectiva e, conclui, nas duas
ltimas seces, com uma avaliao do estado-da-arte sobre o PCN, remetendo a uma
avaliao dos autores, cientistas polticos, gegrafos e antroplogos, que compreenderam a
necessidade de entend-lo.
O terceiro analisa o pensamento geoestratgico construdo em torno da Amaznia para
mostrar, inclusive em perspectiva histrica, a permanente preocupao do poder central com a
Amaznia em geral, e com a Faixa de Fronteira, em particular. Examina a interveno estatal
na regio desde os primeiros sculos, sobretudo aps a Segunda Grande Guerra para
identificar a concepo que norteou a elaborao do PCN. O quarto captulo objetiva analisar
o surgimento do PCN, dando nfase Transio democrtica17
a fim de identificar os
fundamentos polticos e geopolticos, bem como busca apresentar um exame da situao
social da fronteira poltica. O quinto captulo tem a ambio de explicitar os traos
constituintes da conjuntura internacional determinantes da nova PDN; por isso, a dinmica
institucional e a poltica esto entrelaadas com as transformaes sociais em curso no mundo
e como essas mudanas que redefinem as relaes internacionais orientadas pela governana,
rebatem nos processos polticos desencadeados pelo governo de FHC e que resultaram na
Nova PDN. O sexto descreve a Nova PDN, lanada na administrao de FHC, em 1996, e
prope o conceito de governana para verificar em que medida essa poltica assimila as
mudanas ocorridas no mundo ps-Guerra Fria e que implicaes teve e tm para os rumos do
Projeto na Amaznia.
17
Veja-se: KINZO, Maria D Alva G. A democratizao brasileira: um balano do processo poltico desde a
transio. Perspectiva, v. 15, n. 4, p. 3-12, out./dez., 2001.
38
O stimo investiga as fontes de financiamento e os mecanismos oramentrios com o
objetivo de captar a dimenso da crise, assim como os custos, em perspectiva comparada, em
relao ao Oramento da Unio. Pretende responder aos questionamentos feitos sobre se a
onda reformista do Estado na gesto de FHC incidiu sobre sua continuidade e expanso. O
oitavo identifica no espao social da Faixa de Fronteira, nos limites da rea que circunscreve
o Projeto, os atores sociais que transitam na Faixa, mapeia as rotas de contrabando e trfico de
drogas e identifica as empresas mineradoras em Terras Indgenas (TIs), para problematizar a
conflitualidade da ao estatal na fronteira poltica e analisa a Lei do Abate enquanto medida
repressiva tomada com o objetivo de coibir as rotas areas do trfico e do contrabando.
Logo em seguida, o ltimo captulo, pe em relevo os limites e as possibilidades do
Estado, nas escalas local, regional continental e mundial, de controlar efetivamente o
territrio. O aspecto a registrar, neste captulo, a modalidade militar permanentemente atenta
aos problemas oriundos da defesa do territrio-rede que se aperfeioa com a implantao do
Projeto SIVAM.
39
CAPTULO 1 - INSTITUIO E FRONTEIRA POLTICA: Notas Tericas
Introduo
Este primeiro captulo oferece um quadro analtico sobre o Estado, de acordo com as
mais conhecidas vertentes tericas, conforme quadro 1, e uma anlise das mltiplas relaes
tericas, polticas e normativas no conceito de Estado. Traa um painel sobre as diversas
correntes que legaram uma reflexo acerca dessa instituio poltica. Estabelece interface
entre elas, mostrando suas virtudes e fraquezas. Comea com um resumo sobre a perspectiva
marxista e seus desdobramentos posteriores no neomarxismo, a reflexo gramsciana; a escola
derivacionista alem, o estruturalismo francs e, por fim, o modelo burocrtico baseado em
Weber que instituiu as bases para as discusses do institucionalismo e o neo-institucionalismo
na cincia poltica. Ensaia-se um exame das influncias do pensamento europeu sobre os
intelectuais brasileiros que, na primeira metade do sculo passado, buscaram entender a
particularidade de nosso Estado e sociedade.
A anlise est calcada no fato de que, para o entendimento dos problemas de
segurana na extremidade da Amaznia, implica significativamente a necessidade de explicar,
simultaneamente, numa nica moldura terica tanto uma discusso sobre o Estado quanto da
fronteira poltica, interligando seus elementos socioespaciais e resgantando seu sentido macro.
Esse ser o resultado da pesquisa terica dos dois primeiros captulos. Em conseqncia, o
Estado visto como ator que, simultaneamente, organiza e disciplina o conflito social no e
pelo territrio inerentemente imbricado rede de relaes sociais, e funda-se tambm numa
gama de instituies e agncias menores na produo e implementao de polticas pblicas
para a fronteira.
40
Quadro 1
Vertentes Tericas-Interpretativas para o Estudo das Instituies Polticas
Fonte: D.M.N.
1.1. A PROBLEMTICA NO MARXISMO
Tradicionalmente polticas pblicas so examinadas exteriormente, atravs das
abordagens conhecidas como macro-sociolgicas, metateorias e teorias de longo alcance.
Realizar uma avaliao sobre a reflexo marxiana, apesar de apressadamente soar como
antiquado, a anlise responde necessidade de salientar que a discusso contempornea sobre
a crise do Estado e das cincias sociais, que estende seu diagnstico incapacidade das
teorias de longo alcance, em particular o marxismo de responder aos arrostos tericos para
compreender as alteraes institucionais ocorridas no ltimo sculo, enfatiza os aspectos
coercitivos das instituies estatais tradicionais e contemporneas. Finalmente, porque ele (o
marxismo) exerce at esse tempo prestgio nos estudos acerca da definio e execuo de
polticas pblicas, em suas bases sociolgicas e econmicas.
Far-se- uma breve reviso de suas mais relevantes preocupaes quanto ao papel
desempenhado pelo Estado especialmente quanto questo da autonomia, um dos principais
Corrente terico-interpretativa Perspectiva
Institucional Referncias tericas
Campo de
aplicao
disciplinar
Marxismo
(Marx,
Engel e
Lnin)
Filosofia da
prxis
Macro
Antonio Gramsci
Cincias
Sociais
Estruturalismo Macro
Louis Althusser e Nicos
Poulantzas
Escola
derivacionista
alem
Macro Joachim Hirsch, Elmar
Atvater e Claus Off
Perspectiva compreensiva macro e micro Max Weber Cincias
Sociais
Neoinstitucionalismo Micro
Anthony Downs, Mancur
Olson, Jon Elster, Douglas
Nort, Ellen Immergut e
George Tsebelis
Cincia
poltica
Estado Cartogrfico Macro Guilhermo ODonnell
Cincia
poltica e
geografia
Sociedade em Rede Macro Manuel Castells Cincias
sociais
41
temas de anlise da quarta gerao de marxistas conhecidos como neomarxismo, para
mostrar que os mais recentes trabalhos nessa rea provm, de certa forma, do debate da
tradio conformada no ltimo sculo.
Neste sentido, importa inicialmente destacar que o Estado no marxismo uma
organizao poltica que surgiu a partir de determinadas condies histrico-sociais
especficas, caracterizadas pelo surgimento da propriedade privada que marca o aparecimento
das sociedades de classes. O Estado meio disposio da classe dominante a fim de dar
soluo aos conflitos advindos da impossibilidade de todas as classes coexistirem
pacificamente em sociedade. Por conseguinte, essa classe se apropria do poder poltico
visando cobrir seus interesses particularistas. Este poder, nascido da sociedade, mas posto
acima dela e distanciando-se cada vez mais, o Estado. (ENGELS, 1985, p.227)
O bordo marxiano o de que o Estado tem carter de classe e a natureza dessa
relao de classe (a correspondncia e a ruptura) determinada, em ltima instncia, pelas
relaes sociais de produo em cada formao econmico-social. A dinmica da histria
determinada pelo conflito entre as classes sociais. O Estado s existe para reproduzir essas
relaes e representar os interesses dessas classes hegemnicas, inclusive atravs do uso da
fora. No caso da sociedade capitalista - a burguesa -, e suas diversas fraes, detm o
monoplio exclusivo sobre a dinmica poltica do Estado, condicionando o contedo das
polticas governamentais. Isso explica o fato de que ele age em funo do capital, que
determina o contedo das polticas pblicas. Enfim, essa concepo define o Estado como o
lugar-coisa a ser conquistado pelas classes e/ou fraes de classe que disputariam os recursos
atravs de suas estratgias, no conflito competitivo pelo ncleo de poder do aparelho de
Estado.
Ora, como o capital no uma coisa, mas uma relao social, os capitalistas surgem
ento como agentes, cujos interesses dominam o contedo daquelas, como demonstra
claramente a clebre frase de Marx e Engels: O poder estatal moderno apenas uma
comisso que administra os negcios comuns do conjunto da burguesia. (1998, p.9) Em
outras palavras, isto quer dizer que o Estado filtra as polticas danosas ao capital diretamente
atravs da articulao dos capitalistas e organiza de modo particular a dominao da classe
burguesa, ao estabelecer todos os agentes da produo, produtores diretos ou proprietrios,
como iguais. (SAES, 1994, p.33)
Por causa do ciclo da revoluo burguesa na Frana, Marx e Engels modificariam sua
concepo do Estado, inserindo a discusso da autonomia da dimenso superestrutural nos
processos poltico e histrico. (MARX & ENGELS, 1998; MARX, 1974)
42
A continuidade, entretanto, das pesquisas no pensamento poltico marxiano se daria
somente mais de meio sculo depois, com a obra de V. I. Lnin, em 1917. As reflexes
tericas do revolucionrio russo foram expostas nas conferncias que proferiu na
Universidade Sverdlov e, posteriormente, em O Estado e a Revoluo, obra elaborada para
solucionar os impasses tericos e polticos acerca do andamento da revoluo e,
simultaneamente, sobre o papel do Estado no projeto de reforma da sociedade, pois alguns
tericos eram, entre eles Karl Kautsky, contrrios, por princpio, demolio da mquina
estatal numa Rssia supostamente ps-revolucionria.
Lnin (1979), seguindo o caminho deixado por Marx e Engels, deu continuidade ao
exame do Estado destacando os pressupostos deixados por estes. No entanto, inova ao
acrescentar que o Estado continuaria um instrumento de explorao de uma classe sobre a
outra mesmo com a derrubada da burguesia do poder. A extino do Estado era, para Lnin,
influenciado por Engels, um longo processo histrico no qual as funes deste estariam sendo
restituda aos indivduos organizados em instituies de auto-gesto para resolver os assuntos
pblicos. Esse conceito diferente do de supresso do Estado. Neste claro o pressuposto
transitrio de mudana dos fundamentos burocrticos de um tipo de Estado que serve, to-
somente, aos interesses de uma determinada classe dominante: a burguesia. Por fim, a
democracia universal, que Lnin considerava um conceito de significado burgus (portanto de
classe) e de estratgia da burguesia para a preservao do poder poltico, no precisaria ser
ampliada, dizia ele, mas demolida, porque seria edificada pela classe dominante e viciada por
esta em suas entranhas institucionais-burocrticas.
Durante um bom tempo no houve progressos na reflexo acerca do Estado na teoria
marxista. Tal reflexo foi congelada pela transformao do marxismo em ideologia oficial do
Estado-burocrtico Sovitico. Depreende-se disso o fato de que somente na dcada de
sessenta, com o rompimento pelo partidos comunistas europeus da influncia da ex-Unio
Sovitica, as condies foram criadas para que, intelectuais marxistas, especialmente os
europeus, firmassem uma independncia adquirida em meio a protestos dos soviticos, como
desdobramento dos debates ideolgicos e polticos do XX Congresso do PCUS (Partido
Comunista da Unio Sovitica), em 1956, no qual rompe-se com o monoplio ideolgico dos
partidrios de J. Stalin. Conseqentemente, essa independncia revela-se profcua para o
prosseguimento das pesquisas pertinentes natureza e perfil do Estado capitalista, na era do
capitalismo avanado e tardio.
43
1.1.1. Filosofia da prxis
Essa inflexo foi causada pela descoberta e publicao, no final dos anos cinqenta,
dos Cadernos Del Carcere, de Antonio Gramsci (1978 e 1984). A publicao desses
manuscritos, na verdade, deu incio a uma verdadeira revoluo no paradigma marxiano
acerca do Estado.
Gramsci estabeleceu uma abordagem nova para esse tema. Para ele, no Estado reside
um novo espao e tempo histricos, isto , o deslocamento analtico para o entendimento do
Estado na Europa ocidental e, concomitante, o sculo XX, como marca temporal de uma nova
realidade histrico-social. Ou seja, existiria uma particularidade das sociedades capitalistas
avanadas no Ocidente e que, tal fato, corresponderia a um novo momento histrico no
vivido por Lnin e pelos fundadores da filosofia da prxis (MARX & ENGELS).
Neste sentido, o intelectual Sardenho, atribui como causa da onda revolucionria
malograda na Itlia e na Alemanha, ponto de partida para o debate terico e poltico, no
comeo do sculo XX, uma incompreenso dos marxistas em relao atuao dos partidos
operrios e comunistas na nova conjuntura nacional e internacional e, conseqentemente, da
incapacidade de formular uma estratgia de guerra de posio em vez da superada guerra de
movimento, a primeira mais adequada para o novo contexto histrico-social do capitalismo
tardio.
Segundo Gramsci era preciso examinar esse objeto (o Estado) luz da hegemonia
poltica e cultural exercida pelas classes dirigentes, cujos mecanismos de difuso
extrapolavam as estreitas fronteiras polticas do Estado-Nao, em sentido estrito. A relao
passa agora pela correspondncia entre dirigidos e dirigentes e no mais exclusivamente entre
dominante e dominados.
H, perceptivelmente, uma nfase no papel desempenhado pela sociedade civil
entendida como conjunto dos organismos ditos privados e fazendo parte do Estado Ampliado,
cujo objetivo garantir o consentimento ativo e passivo dos grupos subalternos. Mas no s
isso, o Estado seria a somatria (relao de correspondncia contraditria e de unidade) da
sociedade civil (lugar do consenso) com a sociedade poltica (lugar da coero) - o Estado
propriamente dito de Marx, Engels e Lnin. Esta sociedade poltica destina-se dominao de
classe e o lugar por excelncia da fora: tribunais, leis, aparelho policial-militar e FFAA.
44
1.1.2. O Estruturalismo: Althusser e Poulantzas
Um movimento estruturalista originrio da antropologia e da lingstica penetrou no
marxismo com a obra de Althusser (1985) e Poulantzas (1984), ambos, herdeiros da reflexo
gramsciana do Estado. Estas obras esto inseridas no horizonte cultural e poltico da crtica ao
socialismo real.
Essa abordagem estruturalista do Estado ganha fora e universalidade com o livro
seminal de Loius Althusser. O filsofo francs publicaria, em 1969, um texto que se torna um
verdadeiro manual na militncia de esquerda no final da dcada de sessenta e em toda a
seguinte, chamado de Aparelhos ideolgicos do Estado, de enorme repercusso nas cincias
sociais no mundo inteiro, especialmente nas academias onde prevalecia as teses de Lnin de O
Estado e a revoluo (1917).
Na perspectiva do corte epistemolgico entre a filosofia e a cincia, entre o mtodo
descritivo (filosofia) e o mtodo explicativo (cincia), Althusser, se prope a realizar a tarefa
de avanar o que Marx e Engels haviam deixado sobre a construo de uma Teoria do Estado,
fornecendo uma outra leitura do O Capital, diferentemente das obras (Crtica do Estado
Hegeliano de 1843, A Questo Judaica, Introduo Crtica da Filosofia do Direito de
Hegel de 1843-1844) do jovem Marx (hegeliano/mtodo descritivo/filosofia), a obra mais
importante do chamado velho Marx, ou Marx da maturidade.
Althusser evoca que o Estado sempre foi pensado como Aparelho repressivo, ou seja,
o conjunto de mecanismos disposio de uma determinada classe ou fraes de classe para
reprimir e ordenar violentamente a sociedade, mantendo os grupos subalternos sujeitos
estrutura de dominao social, econmica, poltica e cultural. Ao assimilar as idias de
Gramsci no tocante ao fato de que o Estado no se restringia ao Aparelho repressor, ele
incorpora o conceito de aparelho ideolgico do Estado.
Althusser (1985) introduz pela primeira vez a idia de que a ideologia enquanto
dimenso do Estado no existe separadamente das relaes materiais de uma dada sociedade,
isto , ela tem uma existncia material e se reflete no comportamento dos agentes sociais e
polticos. Mais do que isso, a prtica da ideologia permite a reproduo de um dado modo de
produo atravs da naturalizao da diviso do trabalho.
Com efeito, os mecanismos ideolgicos sujeitam os indivduos no lugar da produo
mantendo-os nos limites impostos pela necessidade da reproduo da produo. A tese central
aquela que prev o Estado como compondo uma dimenso poltica, ideolgica e econmica
45
cuja reproduo imprescindvel para a reproduo das condies econmicas. So os efeitos
das relaes ideolgicas e polticas sobre a produo que cimenta e dar o condimento s
relaes entre a estrutura e superestrutura, afastadas na discusso clssica de Marx e Engels.
E enunciamos duas teses simultneas: 1. s h prtica atravs de e sob uma ideologia 2.
s h ideologia pelo sujeito e para o sujeito. (ALTHUSSER, 1985, p.93)
Nas instituies concretas prova-se o carter reprodutor dessas prticas ideolgicas
medida que tem o efeito de sujeio do conjunto dos agentes sociais. Essa atitude de
Althusser pressupe uma virada na discusso da Teoria Geral do Estado no marxismo quando
o desloca como ente abstrato e deslocado de sua base material para o mago das relaes
sociais concretas levadas a efeitos por indivduos inseridos em relaes tambm concretas.
Isso permite colocar o Estado no conjunto d