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Desafios Escalares no Planejamento: a produção socioespacial da Operação Urbana Consorciada da Linha Verde na Região Metropolitana de Curitiba Resumo Este estudo apresenta uma discussão escalar no planejamento urbano, configurado pelas três instâncias de poder: municipal, estadual e federal, e suas dificuldades de aplicação em regiões metropolitanas, dada a dialética da dinâmica socioespacial de produção da cidade e a fragmentação dos arranjos institucionais. Explicita a lógica excludente dos instrumentos de gestão urbana como ferramentas para a recuperação de mais valia e de que forma reforçam uma produção espacial centro-periferia na dimensão urbano-regional. Após 15 anos do Estatuto das Cidades, de abrangência principalmente municipal, traz alguns desafios do novo Estatuto da Metrópole qu e normatiza a instância de articulação do planejamento metropolitano. Traz como exemplo destes desafios escalares, o projeto da Operação Urbana Consorciada da Linha Verde (antiga BR-116), instrumento de gestão municipal implantado pelo município de Curitiba em 2012, em um eixo de caráter regional. Palavras-chave: Escalas de Planejamento. Instrumentos de mais-valia. Região Metropolitana de Curitiba. Operação Urbana Consorciada Linha Verde. Urban Planning Scalar Challenges: the socio spatial production of the Operação Urbana Consorciada da Linha Verde in the Metropolitan Region of Curitiba Abstract This study presents a scalar discussion in urban planning, by the three levels of government: municipal, state and federal, and the implementation difficulties in metropolitan areas, given the dialectics of socio-spatial dynamics of city production and the fragmentation of institutional arrangements. Explains the 1

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Desafios Escalares no Planejamento: a produção socioespacial da Operação Urbana Consorciada da Linha Verde na Região Metropolitana de Curitiba

Resumo

Este estudo apresenta uma discussão escalar no planejamento urbano, configurado pelas três instâncias de poder: municipal, estadual e federal, e suas dificuldades de aplicação em regiões metropolitanas, dada a dialética da dinâmica socioespacial de produção da cidade e a fragmentação dos arranjos institucionais. Explicita a lógica excludente dos instrumentos de gestão urbana como ferramentas para a recuperação de mais valia e de que forma reforçam uma produção espacial centro-periferia na dimensão urbano-regional. Após 15 anos do Estatuto das Cidades, de abrangência principalmente municipal, traz alguns desafios do novo Estatuto da Metrópole que normatiza a instância de articulação do planejamento metropolitano. Traz como exemplo destes desafios escalares, o projeto da Operação Urbana Consorciada da Linha Verde (antiga BR-116), instrumento de gestão municipal implantado pelo município de Curitiba em 2012, em um eixo de caráter regional.

Palavras-chave: Escalas de Planejamento. Instrumentos de mais-valia. Região Metropolitana de Curitiba. Operação Urbana Consorciada Linha Verde.

Urban Planning Scalar Challenges: the socio spatial production of the Operação Urbana Consorciada da Linha Verde in the Metropolitan Region of Curitiba

Abstract

This study presents a scalar discussion in urban planning, by the three levels of government: municipal, state and federal, and the implementation difficulties in metropolitan areas, given the dialectics of socio-spatial dynamics of city production and the fragmentation of institutional arrangements. Explains the exclusionary logic of urban management tools for surplus recovery and how it reinforces the center-periphery configuration in the urban regional dimension. After 15 years of the “Estatuto da Cidade” as a law of municipal appliance, brings some challenges of the new “Estatuto da Metrópole” that regulates the instance of metropolitan planning. It brings as an example of such scalar challenges, the project “Operação Urbana Consorciada da Linha Verde” (formerly BR-116), municipal management tool implemented by the city of Curitiba in 2012 in a regional axis road.

Key words: Urban Planning Scales. Surplus Instruments. Metropolitan Region of Curitiba. Operação Urbana Consorciada Linha Verde.

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1 Introdução

Considerando os processos de planejamento urbano em escala metropolitana,

compreender de que forma as cidades e suas áreas circundantes se constituem e se

articulam, ajuda a identificar tendências da dinâmica da urbanização contemporânea e

auxilia na discussão dos problemas e propostas de planejamento que podem contribuir para

superar as desigualdades sociais. Nesse sentido, o estudo traz os principais desafios

escalares dos municípios inseridos num recorte metropolitano, dada a dialética da dinâmica

socioespacial de produção do urbano e a fragmentação dos arranjos institucionais,

exemplificado pelo Projeto da Operação Urbana Consorciada da Linha Verde de Curitiba.

Questiona-se a abrangência dos planos diretores municipais, instrumentos de

planejamento urbano de escala local, que não atenderiam as demandas das cidades como

participantes de uma dinâmica regional. Estes planos devem estar de acordo com o Estatuto

da Metrópole, lei federal vigente desde 2015, que conceitua as Regiões Metropolitanas e os

Aglomerados Urbanos, instituindo instrumentos de planejamento regional.

Portanto, pretende-se realizar um estudo da problemática socioespacial, com uma

discussão em torno da fragmentação política da metrópole. Também demonstrar o limite da

escala municipal, que não considera de maneira ampliada a região e suas conexões, e

discutir a gestão do espaço urbano e a política de promoção do desenvolvimento integrado

à luz da gestão social da valorização da terra e dos instrumentos de recuperação de mais-

valia. Para isto, exemplifica-se o impacto do projeto implantado na antiga BR-116, resultante

da Operação Urbana Consorciada da Linha Verde no município de Curitiba.

2 O desafio escalar do planejamento: o paradoxo do “espaço do problema” e o “espaço da ação política”

As regiões metropolitanas brasileiras são o paradoxo entre a riqueza e o déficit

social: são tanto o lócus privilegiado de concentração do capital como o da (re)produção das

disparidades socioespaciais e do acesso aos serviços públicos. Ainda que essas regiões

conformem realidades muito distintas (físicas, geográficas, históricas, culturais, econômicas,

etc), a metropolização contemporânea, de dimensão urbano-regional (Moura, 2012)

manifesta-se pelo país marcada por contradições, que transitam pelo institucional, social,

econômico e político.

Embora no Estado brasileiro persista uma divisão espacial do poder em três níveis

federados, nos quais se definem as políticas urbanas – União, Estados e Municípios – os

problemas e desafios da realidade socioespacial ultrapassam as fronteiras político-

institucionais. A incoerência entre o espaço onde estendem-se os problemas socioespaciais

– que chamaremos, grosso modo, de “espaço do problema” - e os níveis oficiais nos quais

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se estabelecem as ações de ordenamento territorial – o “espaço da ação política” - pode ser

entendida, primeiramente, pelo processo de definição das escalas para o planejamento

territorial.

A escala em si é uma construção social, política, simbólica e discursiva, articulada

por meio das estratégias e dos projetos dos agentes sociais que a constroem (Vainer, 2001).

Apresentando características de fluidez e de arranjo ou rigidez, as escalas (locais, regionais,

nacionais ou mesmo globais) sobrepõem-se, imbricam-se e relacionam-se. (Klink, 2013).

Como elucida Vainer (2001), os processos econômicos, políticos, sociais, etc possuem

dimensão quase sempre transescalares, sendo a constituição da escala político-

institucional, assim como a hierarquização do poder entre as mesmas, o resultado de

embates, passíveis de contestação. Esse entendimento permite questionar as escalas do

planejamento, como se estas contivessem, a priori, os processos socioespaciais. Desta

forma, é impossível compreender os processos que se desdobram em uma escala de forma

dissociada das outras; ainda que a intervenção no ordenamento territorial e a ação política

definam-se normativamente, no Brasil, em uma das três distintas esferas de poder, cada

qual com suas responsabilidades federativas.

O aspecto contraditório entre o “espaço do problema” socioespacial e o “espaço da

ação política” é evidenciado na construção da escala metropolitana, arena de disputas

contínuas entre os agentes sociais pela hegemonia sobre o projeto da política urbana de

dimensão urbano-regional. Os agentes com maior capacidade de agenciamento avançam

em função dos seus projetos estratégicos, geralmente com primazia de força decisória do

município polo partícipe de uma região metropolitana. Com o recém estabelecido Estatuto

da Metrópole (Lei federal nº 13.089 de 2015), faz-se essencial problematizar quais os

interesses que se reproduzem na política urbano-regional e o quão próximos ou distantes

esses interesses se encontram das preocupações de concretização do direito à cidade na

metrópole (Franzoni, 2015).

Marcada pela desigualdade de distribuição dos recursos urbanos, a contradição da

escala metropolitana agrava-se no contexto de retomada de investimentos nas grandes

cidades, a partir da década de 1990. Segundo Klink (2013), as áreas metropolitanas são

conferidas de privilégio ao crescimento econômico por parte dos governos estaduais e

federais e alçadas a pivôs dos investimentos privados para a execução de grandes projetos

urbanos (GPU) e operações urbanas consorciadas (OUC); a exemplo da OUC Linha Verde

em Curitiba, a ser tratada mais adiante.

O agenciamento das áreas metropolitanas pelo processo produtivo manifesta-se,

contudo, de forma seletiva nos municípios polo, sem irradiar potencialidades para a periferia,

agravando um quadro de “metropolização ex-post” (Rolnik e Klink, 2011), historicamente

manifesto pelas disparidades sociespaciais e ambientais acumuladas no processo de

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crescimento das grandes cidades brasileiras, desde a década de 1930. Sustentada pela

lógica das parcerias público-privadas e da construção das novas engenharias financeiro-

institucionais em torno do planejamento e da execução de grandes projetos de infraestrutura

e de empreendimentos, a mudança na estrutura de financiamento dos projetos urbanos

estimula a concorrência entre os lugares – inclusive entre os municípios partícipes de uma

mesma região metropolitana - catalisando transformações ainda mais amplas no ambiente

urbano e político (Klink, 2013).

O aspecto da fragmentação urbano-regional encontra-se também na insuficiência da

escala municipal para a realização do direito à cidade na metrópole, uma vez que o “espaço

do problema” onde os desafios para a sua concretização se desdobram ultrapassam os

limites municipais. Preconizado pelo municipalismo adotado após a Constituição de 1988, a

autonomia municipal revela-se na produção do espaço da cidade por meio do Estatuto da

Cidade (Lei Federal nº 10.257 de 2001), que normatiza o plano diretor como instrumento

básico da política urbana e da articulação dos diversos instrumentos para a realização das

funções sociais da cidade e da propriedade. Caberia ao Estado-membro criar a escala

metropolitana via lei estadual, a partir do Estatuto da Metrópole e nos moldes da governança

metropolitana interfederativa, com vistas a articular as atribuições de todos os municípios

partícipes, para a maior efetividade na organização, no planejamento e na execução das

funções de interesse comum – incluso o desenvolvimento urbano integrado. O espaço da

ação política metropolitana não confunde-se, portanto, nem com o do Estado-membro nem

com o dos Municípios partícipes de uma região metropolitana, nem adota para si

responsabilidades federativas do ordenamento territorial.

Faz-se essencial considerar que o planejamento urbano é capaz de intensificar as

desigualdades socioespaciais intraurbanas assim como as diferenças estruturais

intrametropolitanas, constrangido por autonomias municipais e interesses de mercado, ao

mesmo tempo em que inserido numa dinâmica urbano-regional. Do ponto de vista da

maioria dos projetos políticos e das agendas de governo até então estruturadas nas escalas

metropolitanas, a desarticulação em torno da definição de metodologias e diretrizes comuns

dos planos diretores evidencia a fragilidade da capacidade de controle social sobre o

ordenamento territorial de dimensão urbano-regional, afastada das exigências do direito à

cidade e pervasiva à atuação do mercado imobiliário (Klin, 2013; Franzoni, 2015; Gorsdorf,

2009).

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3 O desafio da gestão social da valorização da terra na dimensão urbano-regional

Um dos temas mais recorrentes quando se pensa na escala metropolitana é o

ordenamento do território, uma vez que uma de suas principais características é o contíguo

do uso e ocupação do solo. Pela moldura institucional brasileira, realizar o ordenamento

territorial exige executar a política urbana preconizada pela Constituição Federal e pelo

Estatuto da Cidade. Dessa forma, deve ser pautado por dois princípios fundamentais, pilares

da ordem urbanística: o princípio da função social da cidade e da propriedade urbana.

A função social da cidade e da propriedade são normativamente balizadoras do

desenvolvimento urbano e regional. O princípio da função social da propriedade é

reafirmado como princípio da ordem econômica e financeira (Brasil, 1988, art. 170, III),

permeia todo o texto dos dispositivos da política urbana (Brasil, 1988, art. 182 e 183) e os da

política agrícola e fundiária (Brasil, 1988, art. 184 a 191). Supera-se, assim, a concepção de

propriedade como unidade restrita ao interesse privado ou de mercado, para a concepção

de sua dimensão coletiva e social.

A adoção deste princípio assume que o uso da propriedade se reflete não apenas na

efetivação dos direitos individuais - dentre estes, o direito de propriedade - mas também dos

direitos sociais, como direito à moradia e à mobilidade urbana, e dos direitos difusos,

incluindo o direito ao meio ambiente equilibrado e ao ambiente urbano (Soares & Feres,

2008). Essa reflexão é essencial ao pensarmos a efetivação dos direitos da cidade,

independente da escala de análise.

No contexto desse estudo, duas diretrizes do Estatuto da Cidade para a garantia do

pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, merecem

destaque: a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de

urbanização (Brasil, 2001, IX, art. 2º); e a recuperação dos investimentos do Poder Público

de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos (Brasil, 2001, XI, art. 2º). Ambas

diretrizes são orientadas para a gestão social da valorização da terra – também denominada

de recuperação da valorização fundiária ou recuperação de mais-valia urbana (Santoro &

Cymbalista, 2005) - fundamentais para a realização da justiça social no território. Estes

dispositivos fixam um critério fundamental ao aspecto econômico do processo de

urbanização, estabelecendo a distribuição do ônus e bônus segundo um critério de justiça

para reversão da desigualdade socioespacial (Piza, Santoro & Cymbalista, 2005).

Sob a perspectiva da gestão social da valorização da terra, as desigualdades

socioespaciais são entendidas, grosso modo, como resultantes de um processo urbano

excludente onde o valor do imóvel bem localizado e com infraestrutura é apropriado de

maneira privada, por meio de uma valorização que provém de investimentos públicos em

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determinadas porções do território. A gestão social da valorização da terra parte do

pressuposto que tais acréscimos no valor de propriedade que derivam de ações do poder

público – tais como investimento em infraestrutura e serviços ou decisões regulatórias sobre

o uso do solo urbano - não deveriam ser apropriados privadamente (Piza, Santoro &

Cymbalista, 2005). Ao contrário, o incremento deveria retornar à coletividade, revertido em

benefício ao desenvolvimento urbano equitativo. A lógica é que investimentos públicos na

urbanização, e o desenvolvimento urbano como um todo, seriam impactantes na economia

e na sociedade, sendo a política urbana equipada de mecanismos para diminuir tais

distorções da interação Estado e Mercado (Baltrusis, 1999).

O Estatuto da Cidade (EC) institui uma série de instrumentos financeiros e jurídicos

para reprimir a apropriação privada de valorização fundiária, visando o controle da

especulação imobiliária, assim como para recuperar essa mais-valia. Dentre os

instrumentos, alguns apresentam potencialidades específicas para a recuperação do poder

público, no interesse coletivo, de parcelas da valorização fundiária decorrentes de

investimentos: contribuição de melhorias (art. 4º, EC); outorga onerosa do direito de

construir (seção IX, EC); e as operações urbanas consorciadas (seção X, EC); esse último

do qual trataremos com mais profundidade adiante.

Contudo, faz-se necessária uma ressalva com relação à recuperação da valorização

fundiária, considerando a atual lógica que governa as cidades em sua relação Estado e

Mercado. As operações urbanas consorciadas (OUC) são certamente o instrumento mais

controverso do Estatuto da Cidade quanto à promoção do interesse coletivo e

comprometimento com a função social da propriedade. As experiências de utilização deste

instrumento pelos municípios têm revelado uma dinâmica de favorecimento do mercado

imobiliário e acumulação de recursos, ao contrário de recuperar a mais-valia produzida pelo

investimento público em favor da coletividade (Piza, Santoro & Cymbalista, 2005). Segundo

Fix (2001), ainda que haja a recuperação da valorização fundiária, essa, ao ser reinvestida

na mesma área valorizada (especificidade da OUC), acaba por reconcentrar os recursos e

investimentos e não redistribuir espacialmente a mais-valia recuperada.

Como mencionado anteriormente, a escala do município é normatizada como a

principal efetivadora da função social da propriedade urbana e da cidade pelo Estatuto da

Cidade. Dotados de força normativa, os princípios de função social constituem-se como

exigência no momento de aplicação, valoração e ponderação das normas dos planos

diretores. Logo, o plano diretor é o instrumento que explicita a forma como a gestão social

da valorização da terra será feita na escala municipal (Piza, Santoro & Cymbalista, 2005). A

operação urbana consorciada só pode, inclusive, ser aplicada se estiverem definidas as

áreas para sua utilização em lei municipal, em consonância com as diretrizes de

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desenvolvimento do município. Ou seja, o plano diretor garante a autonomia municipal na

intervenção no ordenamento territorial.

Ao adotar-se a dimensão regional da desigualdade socioespacial, a perspectiva de

justa distribuição do ônus e bônus da urbanização nos parece dever também alterar-se em

escala, uma vez que o processo excludente da urbanização ultrapassa os limites municipais.

Sob essa perspectiva, a gestão social de valorização da terra pode ser interpretada como

um dos sombreamentos entre a regulação do planejamento territorial na dimensão municipal

e sua possibilidade de efetivação na dimensão metropolitana, apresentando-se como mais

um dos desafios para o desenvolvimento urbano-regional.

O objetivo do recente Estatuto da Metrópole seria preencher as lacunas do Estatuto

da Cidade quanto à articulação das funções de interesse comum na escala metropolitana,

incluso o desenvolvimento urbano integrado. A atuação dessa esfera nos moldes da

governança metropolitana interfederativa, preconizada pelo novo Estatuto, deve, ainda

assim, ser pautada pelo imperativo de democratização da cidade e pelo direito urbanístico

estabelecido pelo Estatuto da Cidade (art. 1º, §2º, Estatuto da Metrópole).

O Estatuto da Metrópole, no seu artigo 9º, lista os possíveis instrumentos a serem

utilizados no desenvolvimento das regiões metropolitanas e de aglomerações urbanas, entre

eles: o plano de desenvolvimento urbano integrado - aprovado mediante lei estadual - o

PDUI; macrozoneamento para a unidade territorial; planos setoriais interfederativos;

operações urbanas consorciadas interfederativas; delimitação de zonas para aplicação

compartilhada dos instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade; e parcerias

público-privadas interfederativas. Segundo as normas desse Estatuto, os Estados-membro

são os entes competentes para a instituição, via lei estadual, dos instrumentos de

planejamento metropolitano, cabendo aos municípios compatibilizarem seus planos

diretores às diretrizes apontadas para a unidade territorial (art. 10º, § 3º, Estatuto da

Metrópole).

O que de certa forma poderia amortecer o municipalismo das políticas urbanas,

evidencia-se ainda dependente da tratativa da escala metropolitana dada pelos planos

diretores para a execução e decisão sobre as formas que, na prática, concretizam a

dinâmica entre a escala municipal e a metropolitana (Gorsdorf, 2009). O Estatuto da

Metrópole abre o campo de possibilidades para a gestão social de valorização da terra de

dimensão urbano-regional, mas sem aprofundamento quanto à efetiva aplicação

compartilhada de instrumentos, uma vez que reitera os espaços de decisão política nas

esferas municipal e estadual.

Se abre o espaço para a reflexão da distribuição do ônus e bônus da urbanização

metropolitana, também aparenta abrir espaço para a reprodução da distorcida interação

Estado e Mercado, ao reforçar como instrumentos de desenvolvimento urbano-regional os

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aparatos financeiro-institucionais das operações urbanas consorciadas interfederativas e

das parcerias público-privadas interfederativas. Especialmente a operação urbana

consorciada interfederativa, o único instrumento apontado no Estatuto da Metrópole

acrescentado à lei do Estatuto da Cidade, conforme artigo 24º:

“A Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 34-A: Art. 34-A. Nas regiões metropolitanas ou nas aglomerações urbanas instituídas por lei complementar estadual, poderão ser realizadas operações urbanas consorciadas interfederativas, aprovadas por leis estaduais específicas” (Brasil, 2015).

Sem, contudo, vincular o uso do instrumento à definição de sua área de aplicação no

plano de desenvolvimento urbano integrado e ao macrozoneamento da unidade territorial

metropolitana; para exemplificar apenas alguns possíveis conflitos de utilização do

instrumento, capaz de reforçar a primazia de atração de investimentos ao Município polo e

disseminar reflexos desequilibrados no conjunto da região metropolitana.

Fato é que a aprovação do Estatuto da Metrópole substancia o reconhecimento da

segregação socioterritorial e da precarização urbana num contexto metropolitano. Parece

supor a necessidade de articulação regional de políticas públicas de desenvolvimento

urbano para apoiar o acesso ao direito à cidade na metrópole. Assim, se o Estatuto da

Metrópole pode ser entendido como construção de um novo arcabouço jurídico para nortear

o desenvolvimento urbano-regional, determinadas questões sobre a distribuição desigual

dos ônus e bônus da urbanização metropolitana devem ser aprofundadas para desencadear

uma agenda mais consistente na efetivação da função social da cidade e da propriedade

nesta escala.

Requer-se um olhar para o processo de metropolização com recorte de justa

distribuição de ônus e bônus da urbanização e no uso dos mecanismos econômico-

financeiros que podem tanto permitir a redistribuição social da recuperação da mais-valia

como promover a captura exclusivamente privada da mesma. Sob essa perspectiva, o

processo de metropolização de Curitiba e a Operação Urbana Consorciada da Linha Verde

serão referência para a análise da produção socioespacial da Região Metropolitana de

Curitiba (RMC), em seu entrelaçamento nas escalas municipais e a metropolitana. O

interessante a notar, como demonstraremos com a Operação Urbana da Linha Verde em

Curitiba, é a polêmica explícita no uso deste instrumento – a priori considerado de gestão

social de valorização fundiária - aplicada em um contexto metropolitano, porém determinada

por uma decisão política municipalista.

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3 Metropolização de Curitiba

A Região Metropolitana de Curitiba (RMC) foi criada na década de 1970 com

quatorze municípios limítrofes (Núcleo Urbano Central – NUC), formação mantida até a

década de 1990, quando ocorreram alguns desmembramentos, e em 2016 totaliza 29

municípios (FIG 1). Desde a sua criação, a região, com área de 15,5 mil km², sofreu um

acelerado crescimento populacional, com incremento de 907.391 hab para 3.223.836 hab

em 2010 (IBGE, 2010), concentrando 91,70% da população em 4% de sua superfície,

considerada como área urbana.

Podemos entender o crescimento populacional na região em diferentes períodos.

Entre a década de 1970 e 1990, tem-se um movimento de migração rural-urbano,

acompanhando a dinâmica que ocorria todo território nacional. A partir daí, a construção da

imagem da cidade através do ‘city marketing’ atrai investimentos econômicos e torna-se um

atrativo populacional. Isto fica evidente ao constatar-se que em 2000 a RMC concentrava

30% da população de todo Paraná, com incremento de 16,36% em toda região e de 19,59%

nos 28 municípios, ao se excluir Curitiba (IPEA, 2013). Destacaram-se os município de São

José dos Pinhais, onde localiza-se o polo automotivo e o Aeroporto Internacional, Colombo,

Araucária, polo petroquímico e industrial, Piraquara e Campo Largo, localizados em porções

distintas do território (tanto leste, oeste, norte e também sul).

Classificada como única metrópole no Estado do Paraná pelo IBGE (2008) e

metrópole nacional pelo IPEA (2002), polariza um dos sistemas urbanos no país (MOURA,

2009 p. 136), rede na qual suas influências extrapolam os limites político-administrativos,

polarizando inclusive algumas cidades do Estado de Santa Catarina. Neste cenário, os

municípios periféricos à capital deveriam participar da dinâmica do processo de

planejamento de forma integrada ao município polo. Porém, identificam-se graves

problemas resultantes da desconexão entre os municípios, como as disparidades sociais,

econômicas, a baixa oferta de habitação de qualidade, de infraestrutura, de transporte

público e de lazer, podendo-se destacar a taxa de pobreza (renda familiar per capita de até

½ salário mínimo), que, enquanto em Curitiba é de 8,6%, chegando a 21% nos 14

municípios limítrofes (NUC), atinge 35% nos demais, ficando evidente a desigualdade

(IPEA, 2013 p. 13). Cabe lembrar que, ao se tratar de médias percentuais, não se deve

desconsiderar que a divergência intra-municipal também é acentuada, pois os valores

absolutos de pobreza também se destacam na capital.

Podemos entender brevemente a lógica de periferização e de apropriação destes

espaços com a expansão das primeiras aglomerações no entorno de Curitiba. Com o

desenvolvimento da região seguindo principalmente ciclos da economia, tem-se uma

ocupação inicial impulsionada pela vinda de imigrantes, que consolidaram a cidade de

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Curitiba como um centro regional. Na segunda metade do século XX, com a integração

nacional e a criação de uma rede urbana impulsionada pela industrialização em alguns

estados, Curitiba, com um crescimento urbano ainda lento, elabora o primeiro Plano

Urbanístico de Alfred Agache (1943), prevendo a abertura de largas vias no tecido da cidade

e um anel periférico limitador. Na década de 1960, foi elaborado o Plano Preliminar

Urbanístico de Curitiba que previa o desenvolvimento linear para a cidade em vias

estruturais (Sul e Norte), com objetivo de orientar a expansão do crescimento acelerado na

direção nordeste-sudeste.

Nos anos 1970, ocorre a diversificação e modernização da agropecuária no Estado e

a introdução de ramos industriais, acompanhados pelo crescimento populacional da cidade

com vetores ao norte e leste. Por meio do planejamento, busca controlar o aumento

populacional do núcleo urbano, com o uso de instrumentos de uso e ocupação do solo,

como o zoneamento. Nesta mesma década, foram criados dois órgãos de planejamento

para atuarem em diferentes escalas: o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de

Curitiba (IPPUC) e a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (COMEC). É quando

se elabora o primeiro Plano de Desenvolvimento Integrado (PDI) da RMC.

O PDI, elaborado pela COMEC, constatava já no final da década de 1970 que as

cidades da região metropolitana sofriam um processo de expansão urbana condicionado à

fatores físicos, indicando a região oeste como vetor de expansão ao crescimento. Com isso,

o plano orientava esta expansão de acordo com restrições ambientais, buscando também

diminuir os desequilíbrios econômicos, na tentativa de atenuar as disparidades regionais.

Orientava uma concentração dispersa, com a criação de sub-centros regionais polarizados

para redistribuição dos efeitos do desenvolvimento, até então concentrados no município

polo.

Segundo o plano, a estratégia de ocupação deveria ocorrer em partes distintas do

território, de acordo com os condicionantes físicos e ambientais, determinando a área

central como de contenção de expansão, ao leste de preservação, ao norte e sul de

dinamização rural e ao oeste de promoção industrial e urbana. Intencionava criar uma rede

de cidades, com o objetivo de contenção do tecido urbano de Curitiba dentro de seus limites

políticos-administrativos, e redistribuindo as funções urbanas da metrópole entre outros

municípios (COMEC, 2006 p 15).

No entanto esta estratégia regional não contemplava uma distribuição equitativa da

população e das atividades econômicas geradoras de renda sobre o território metropolitano,

criando tensões entre os proprietários de terras, que buscavam aumentar seus lucros, e das

lideranças municipais, que desejam elevar seu potencial de poder político, mediante a

ampliação dos contingentes populacionais e da renda econômica em seus territórios.

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Após a Constituição Federal de 1988, os municípios ganham autonomia como entes-

federados e as estratégias do PDI não são aplicadas. Nos anos seguintes, Curitiba efetiva-

se como concentrador de população e a malha urbana se espalha sobre os territórios:

“a expansão do núcleo urbano central nos municípios vizinhos a Curitiba processou-se fora do ordenamento previsto no PDI de 1978, sem a implantação das infraestruturas necessárias à formação de um tecido urbano contínuo e estruturado, principalmente no que se refere aos corredores viários e de transportes de passageiros. Além disso, os municípios que receberam elevados contingentes populacionais em curto espaço de tempo não tiveram a correspondente contrapartida do crescimento econômico e das receitas financeiras para fazer frente as demandas por serviços públicos oriundas dessas populações.” (COMEC, 2006, p. 16)

Com a realidade de metropolização da região, Curitiba aprova uma nova Lei de

Zoneamento em 2000, ainda seguindo as premissas do Plano Diretor de 1966. Dentre as

alterações, a criação de um eixo de integração e desenvolvimento metropolitano na BR-116,

ainda de gestão federal (DNER), além de outros novos eixos de adensamento. Previam-se

alterações significativas para os bairros atravessados pela rodovia, ocupada até então por

estabelecimentos de comércio e serviço ligados ao transporte. Segundo a proposta, este

perfil original deveria ser alterado para tornar-se integrador metropolitano, através da

implantação de sistema de transporte de grande capacidade e a diversificação de usos

(PMC, 2000). Permitia a construção de edifícios comerciais e residenciais com até 12

pavimentos, com altura livre nos polos, onde se localizariam as estações do transporte

público. Uma nova lei também alteraria o instrumento do Solo Criado, antes somente

vinculado ao Fundo Municipal de Educação, que poderia também ser utilizado para

preservação de áreas verdes, ampliando o mecanismo de transferência de potencial

construtivo para preservação não só do patrimônio histórico, mas também ambiental.

Em adequação ao Estatuto da Cidade, em 2004, um novo plano diretor entra em

vigor em Curitiba, com as premissas de considerar a realidade especifica do município,

permitindo a intervenção no ordenamento territorial com autonomia. Novos instrumentos

foram incorporados às práticas de planejamento urbano e a participação popular

considerada fundamental em debates sobre os rumos das cidades. Dentre alguns

instrumentos já conhecidos pelo planejamento da cidade de Curitiba estão o solo criado e a

transferência do direito de construir e ,descritos pela primeira vez, as operações urbanas

consorciadas.

Neste mesmo período, a COMEC elabora um documento para a Gestão do Sistema

Viário, identificando formalmente as vias que exercem funções metropolitanas, propondo

que mecanismos de gestão fossem integrados e que estas estruturas viárias regionais

deveriam ter função de grandes vetores de expansão. A antiga BR-116 (caracterizada

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posteriormente por Linha Verde) é classificada como uma via de integração metropolitana,

que abrigaria prioritariamente o tráfego de longa distância intra-metrópole e o tráfego do tipo

interno-externo e externo-interno - o tráfego que entra e sai da metrópole - apresentando

continuidade com o sistema de vias expressas, localizando-se internamente ao Anel de

Contorno Regional. Nesta classificação, propôs também diretrizes para cada categoria

viária: como se dariam os acessos, de que forma seriam as interseções e qual a distância

entre estas, estabeleceu geometria e velocidades desejadas, a capacidade para o

escoamento, estacionamentos, e que para o transporte coletivo e uso do solo deveriam ser

pensados projetos específicos (COMEC, 2010).

Ainda segundo este documento, o sistema viário, dada sua importância como

elemento de conexão, deveria ser gerido através de um modelo que contemplasse a

pluralidade institucional existente sobre o seu processo decisório e a diversidade funcional

de seu uso, com uma integração institucional que permitisse uma ação conjunta dos órgãos

públicos e diversos municípios, evitando-se que visões parciais de um segmento da

administração pública privilegiassem uma determinada função viária em detrimento das

outras.

Neste contexto, em 2012, Curitiba utiliza-se do instrumento previsto no plano diretor

municipal, e cria a Operação Urbana Consorciada da Linha Verde na antiga BR 116, eixo

que atravessa o município de Curitiba de norte a sul em quase sua totalidade, se

conectando a rede viária metropolitana (FIG 2).

5 Operação Urbana Consorciada Linha Verde

Dentre os instrumentos instituídos legalmente para recuperação da mais-valia

urbana, a operação urbana consorciada consiste em um conjunto de intervenções

urbanísticas em grande escala para transformação estrutural de um determinado setor da

cidade, através da reconstrução e redesenho do tecido urbano, com recursos públicos e

privados. Para isto, alteram-se os direitos de usos e edificabilidade do solo, buscando

transformações econômicas e sociais, com parcerias entre proprietários, poder público,

investidores privados, moradores e usuários. Com objetivo de adensamento de áreas

subutilizadas, propicia área de construção adicional acima dos parâmetros mínimos de uso

e ocupação. Com isso, ao aumentar gradativamente o número de usuários e habitantes do

local, acentuaria a demanda por infraestrutura e equipamentos, produzidos com os recursos

que são obtidos pelas contrapartidas.

A implantação do Operação Urbana da Linha Verde na antiga BR-116 teria como

objetivo recuperar antigas zonas da cidade de localização privilegiada e que perderam ou

tiveram suas funções subutilizadas, local caracterizado por grandes terrenos e com usos

industriais e de baixíssima densidade. Com a conclusão do Contorno Viário Leste em 2002,

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os fluxos rodoviários foram deslocados, ao desviar o tráfego intenso de caminhões e

transporte de cargas e passageiros do perímetro urbano, passando a comportar somente

fluxos diários de transportes municipais e metropolitanos.

Ao se considerar a importância do eixo nestes fluxos, entende-se a Linha Verde

como um Eixo Estrutural de ligação em massa (semelhante aos outros Eixos já existentes

em Curitiba que vinculam transporte público, vias de alta capacidade de tráfego,

concentração de equipamentos públicos e densificação da ocupação através da

verticalização) de sentido norte-sul, que atravessa quase todo perímetro da cidade nesta

extensão e conecta-se em nós com eixos de ligação leste-oeste. Pode-se citar os seguintes

nós: inicia-se no trevo do Atuba, ligação com os município de Colombo, Quatro Barras e

Campinha Grande do Sul, conectando-se ao contorno da BR-116 sentido São Paulo; com a

Av. Vitor Ferreira do Amaral, importante eixo de conexão com os municípios de Pinhais e

Piraquara, que conecta-se ao Contorno Leste; com a Av. Presidente Affonso Camargo (eixo

Estrutural Leste-Oeste) que faz ligação com o litoral do Estado através da rodovia BR-277;

com a Av. Comendador Franco (Av. das Torres), eixo de ligação com São José dos Pinhais,

com o Aeroporto Internacional e ao Estado de Santa Catarina; com a Av. Marechal Floriano

Peixoto (Eixo Estrutural Sudeste); até conectar-se ao Contorno Sul, ligação com o município

de Fazenda Rio Grande e sul do Estado do Paraná.

Para aplicação da operação, a administração da via foi transferida do governo do

estado para o município, que além de modificações viárias, propôs novos parâmetros para o

uso do solo, alterando o zoneamento e as permissões construtivas. Emitiram-se títulos, os

Certificados de Potencial Construtivo (CEPACS), que vendidos em leilões na bolsa de

valores, permitem aos compradores adquirir potencial construtivo para edificar acima dos

parâmetros estabelecidos em lei. Na OUC-LV foi prevista a emissão em etapas de 4,83

milhões CEPACs ao longo da vigência de 25 a 30 anos da operação, que equivaleriam a R$

1,2 bilhões, a serem utilizados nas intervenções urbanísticas. Estes títulos têm lastro no

potencial de 4,47 milhões de metros quadrados de área adicional de construção, e

dependem do interesse do mercado para sua comercialização.

Na fase de análise dos impactos do projeto, o eixo foi caracterizado como sendo

indutor de crescimento, conforme premissas do PDI: “Cabe destacar que, a ocupação

urbana e o adensamento populacional metropolitano evidenciam a antiga rodovia federal

BR-116, atual Linha Verde, como a conexão diametral mais importante em relação à capital,

configurando-se como seu principal eixo de desenvolvimento” (FIPE, 2012), mas

posteriormente nas diretrizes e ações, não considerou os impactos metropolitanos, voltando-

se apenas ao município de Curitiba. Como resultado, o projeto altera a configuração

espacial local, ao criar um eixo de valor para o mercado imobiliário deste núcleo,

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impactando na produção espacial dos municípios limítrofes que não acompanharam esta

dinamização do valor da terra, abrigando a população excluída.

Portanto, pode-se verificar que a Operação Urbana da Linha Verde enquadra-se na

lógica de produção espacial de exclusão, ao se elaborar normas de uso e ocupação do solo

municipais, que elevam o custo da terra e criam condições para reprodução das

desigualdades sociais e conflitos, adicionado valor através da nova infraestrutura a

determinados locais, que se tornam de interesse dos promotores imobiliários e afastam

determinadas classes da população. Com a utilização dos instrumentos que captam

recursos dos proprietários e construtoras, deveria ser possível recuperar os investimentos.

Com a compra de potencial para construção, interferia-se na produção espacial urbana ao

promover ações de inclusão da população, através da recuperação das áreas degradadas,

construindo moradias de interesse social e permitindo a permanência dos habitantes que em

outras propostas seriam excluídos. Porém, na própria formulação do instrumento, em que os

valores arrecadados só podem ser aplicados na mesma área de implantação do projeto,

beneficia-se apenas aqueles inseridos nas áreas que contribuíram.

Nos eixos estruturais implantados em Curitiba na década de 1970, através das

políticas públicas, atribuem-se valores suplementares a espaços já valorizados, formando

um estoque para a expansão seletiva do centro da cidade, onde a população é classificada

de forma a dividir o espaço de maneira desigual. As transformações na BR-116, agora novo

eixo estrutural, antes excluída da dinâmica de valorização elevada da terra urbana, incluem-

na nesta lógica dos demais eixos. O projeto da Linha Verde, que poderia ter sido o elemento

articulador da integração dos espaços historicamente excluídos, deslocou as fronteiras de

ocupação da cidade polo, para atender às necessidades de novos empreendimentos em

manter a cidade como núcleo atrativo de investimentos. Afastou as classes mais populares,

que não teriam mais acesso à terra valorizada, para os municípios vizinhos e se tornou um

novo estoque de espaço para ser ocupado pela população organicamente integrada

(SOUZA, 2001 p. 121).

Conclui-se que na implantação desse tipo de estrutura na cidade, definem-se quais

são os locais para investimentos públicos e melhorias em grande escala.  Como resultado,

adiciona-se um valor fundiário pela própria infraestrutura projetada, e, ao invés de recuperar

os investimentos, cria-se um estoque para a expansão da especulação imobiliária. Mais que

um projeto que gera valorização do custo da terra, entende-se que a Operação Urbana da

Linha Verde deveria ser implantada como forma de criar um eixo de transportes, que viria

beneficiar mais do que somente os promotores imobiliários, mas também a população

inserida em um contexto metropolitano.

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6 Considerações Finais

A função social da cidade e da propriedade, ao fundamentarem a ordem urbanística,

desempenham papel argumentativo, ainda que não expressos diretamente em qualquer

enunciado nos planos objeto (Soares & Feres, 2008). Portanto, ambos os princípios podem

ser interpretados como implícitos ao ordenamento urbano-regional, não devendo restringir-

se apenas aos planos diretores, pois seriam argumentativos também aos planos de

desenvolvimento urbano integrado. Este entendimento nos permite expandir o

questionamento sobre a gestão social de valorização da terra para além da escala

municipal. Para mais, nos permite questionar os limites de efetivação da função social da

cidade e da propriedade, tal como regulada pelo plano diretor, dado que o “espaço do

problema” do ônus e bônus da urbanização metropolitana é de dimensão urbano-regional.

Percebe-se, com o exemplo do processo de metropolização de Curitiba e a

implementação da OUC – Linha Verde, que o agenciamento da escala metropolitana pelo

processo atual de acumulação e reprodução do capital reforça as centralidades já existentes

do município polo - que atraem os grandes investimentos de capital e infraestrutura – e sem

o controle sobre a valorização fundiária, grosso modo, acentua-se a reprodução da

desigualdade socioespacial, por meio da expulsão da população para os municípios

limítrofes, das irregularidades fundiárias, distribuição desigual dos serviços urbanos, etc.

Segundo Franzoni (2015, p. 09), “essa lógica reforça a compreensão da escala

metropolitana como o lugar da verticalização (centralidade – periferia), ao invés da

horizontalidade (multiplicação das centralidades)”.

Institucionalmente, permanece um hiato entre a escala metropolitana e o processo

de planejamento e ordenamento territorial, assim como um esvaziamento de estratégias e

instrumentos de controle do uso e ocupação do solo e de recuperação da mais-valia de

dimensão urbano-regional. Cenário de inefetividade que o Estatuto da Metrópole não

aparenta desembaraçar, uma vez que a ação metropolitana permanece refém da autonomia

municipalista - pelo viés do plano diretor e das leis municipais - das disputas de projetos

políticos e da complexidade inerente à articulação de ações interfederativas, reguladas em

um espaço de ação política dos Estados-membro – via leis estaduais.

Contudo, é preciso salientar que, ainda que o conflito do ordenamento territorial

urbano-regional seja evidente, o possível equilíbrio dos projetos políticos em disputa na

escala metropolitana se encontram, atualmente, mais no campo propriamente político da

ação municipal e estadual do que apenas na esfera do ordenamento jurídico. A exemplo do

desmonte que ocorreu na chamada Rede Integrada de Transportes da Região Metropolitana

de Curitiba (RIT), em funcionamento desde a década de 1980, quando a URBS

(Urbanização Curitiba S.A.) assumiu a gerência do sistema como concessionária das linhas

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e empresas privadas que operavam como permissionárias e a remuneração dos serviços

passou a ser feita por quilômetro rodado e não mais por passageiro. Neste período, se

implantou a tarifa única, com os percursos mais curtos subsidiando os mais longos, sendo

possível aos usuários utilizarem os terminais de integração metropolitana e as estações

tubo. Em 2015, a COMEC não renovou o convênio da rede, decretando o fim da integração

metropolitana, pelo não acordo (e suspensão) do valor de repasses do governo do Estado

do Paraná para cobrir a chamada tarifa técnica, mais cara nos percursos metropolitanos do

que nos municipais. A proposta do Estado-membro era o déficit ser dividido meio a meio, e o

município de Curitiba não foi de acordo, alegando que sua tarifa técnica era inferior à

metropolitana. Com isso, diversas linhas foram desativadas, outras encurtadas e algumas

divididas, operando entre as bordas do município polo, sendo necessária a troca de sistema

para percorrer todo trajeto (e, portanto o pagamento duplicado de passagem).

A dimensão urbano-regional, entendida como lócus da reprodução da desigualdade

socioespacial metropolitana, aponta para a necessidade efetiva da absorção do

ordenamento territorial nessa escala, em contestação à concentração de ações políticas

municipais - que intensificam a implementação de medidas urbanísticas de valorização

fundiária - e às decisões estaduais - imersas na arena de disputas de projetos políticos entre

os entes federados. Defendemos aqui que, ao adotar-se a dimensão urbano-regional como

o “espaço do problema” da desigualdade socioespacial, a justa distribuição do ônus e bônus

da urbanização deveria também reescalonar-se para o “espaço da ação política”.

Este estudo não objetivou explicitar a dimensão operacional e tática do planejamento

na escala metropolitana, porém, buscou-se demonstrar os desafios do ordenamento urbano-

regional à luz da gestão social da valorização da terra. Parece-nos que a reversão da lógica

de exclusão da metropolização contemporânea, deverá transitar por novas propostas de

arranjo institucional de poder que atendam às demandas metropolitanas, em um sistema de

gestão regional efetivamente integrado e instrumentalizado para tal. Faz-se necessário

entender estas lacunas institucionais e instrumentais e redefinir os limites da autonomia

municipal perante o direito à cidade na metrópole: a cogestão do planejamento e a cogestão

social da valorização da terra urbano-regional.

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Anexos

Figura 1 – Núcleo Urbano da Região Metropolitana de Curitiba

fonte: COMEC, 2006 – modificado pelo autor

Figura 2 – Delimitação da Linha Verde no Sistema Viário da RMC

fonte: COMEC, 2000 – modificado pelo autor

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