PROJETO PARA O BRASIL E CONTROLE SOCIAL

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PROJETO PARA O BRASIL E CONTROLE SOCIAL

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  • PROJETO PARA O BRASIL E CONTROLE SOCIAL

    Tiago Siqueira de Oliveira (Ps-graduao em Cincias Sociais, UNESP Marlia)

    Paulo Ribeiro Rodrigues da Cunha (Orientador)

    RESUMO

    Esta pesquisa tem como objetivo identificar a participao poltica e os interesses de

    classe da Liga de Defesa Nacional entre o final da I Guerra Mundial at a revoluo de 1930.

    Esta abordagem tem como ponto de partida a fundao da entidade em 1916 e os discursos

    efetuados por Olavo Bilac, acerca da Defesa do Servio Militar obrigatrio, e atravs deles,

    apontaremos a confluncia de interesses norteada pelo autor, com o objetivo de criar uma

    organizao que contemplasse os interesses civis e militares, transformando-se em uma

    organizao canal da oligarquia, dos militares e dos polticos em um projeto de nao. Esta

    abordagem tem como objetivo central verificar a hiptese da participao ou no dessa

    Instituio no cenrio poltico ao longo dos anos de sua criao at 1930, pois, atravs de

    levantamentos bibliogrficos realizados, identificamos personagens que atuaram

    intensivamente na poltica brasileira, os quais fizeram parte de um mesmo ideal. Em suma,

    buscaremos avaliar os reflexos da Liga de Defesa Nacional na poltica brasileira, traando

    como hiptese que a Liga da Defesa Nacional, supostamente, seria o embrio de um

    pensamento conservador entre tantos outros no projeto de modernizao do Estado

    Brasileiro e principalmente da populao pobre sem acesso ao mercado de trabalho. Havia

    nestes personagens o objetivo de se construir um pas, colocando a classe trabalhadora no seu

    devido lugar (subalternizada), como elemento constituinte de uma sociedade de classes. No

    havia mo-de-obra qualificada no Brasil e o servio militar obrigatrio seria a ferramenta que

    moldaria essa mo-de-obra amorfa e sem formao para a futura indstria nacional.

  • Contexto Histrico da Entidade

    O Brasil no final do sculo XIX e incio do sculo XX passava por mudanas

    profundas em sua estrutura. Havia no pas uma simbiose entre o direito e o aparelho, segundo

    Saes (1985), o qual baseado em Althusser, prope que o direito , ao mesmo tempo, regra e

    aparelho. A lei (= regra, escrita ou no), a qual determinaria a disciplina regulando as relaes

    sociais, enquanto em contrapartida ela engloba igualmente o processo de aplicao da Lei,

    concretizando seu carter impositivo. Nessa medida, o direito abrange a organizao material

    e humana que dirige o processo de aplicao da Lei. Isto quer dizer que a simbiose entre

    direito e aparelho legitimam a dominao, sendo as regras definidas por quem est no poder.

    O princpio fundamental do direito [...] a classificao dos homens em duas grandes categorias: a dos seres dotados de vontade subjetiva (pessoas) e a dos seres carentes de vontade subjetiva (coisas), estando estes sujeitos vontade daqueles que constituindo-se em propriedade dos mesmos. (SAES, 1985, p. 103).

    Posteriormente a citao acima Saes (1985) define quem so cidados e quem so

    coisas, segundo a concepo defendida pelo autor, no tocante a formao do Estado burgus

    no Brasil. Ele prope que as bases deste Estado esto intimamente ligadas ao modo de

    produo escravista, legitimada pelo direito (regras). O autor discorre sobre a legislao

    imperial, na qual analisada separadamente, aparenta ser liberal, contudo em seu cerne ela

    escravista, ocorrendo uma contradio, dentro da evoluo da legislao brasileira.

    O direito civil afirma que o escravo objeto de propriedade (coisa), mas reconhece-lhe a possibilidade de ser proprietrio (possuir peculium); o direito comercial define o escravo como objeto de troca, mas reconhece a sua capacidade, em certas ocasies, de realizar atos de troca [...] (SAES, 1985, p. 106)

    Este perodo abordado pelo autor, entre 1888-1891, norteia a complexidade do

    momento histrico da formao e consolidao do Brasil como Instituio Republicana com

    resqucios da Monarquia portuguesa. A evoluo da legislao, segundo Saes (1985) ocorre

    consoante presso dos movimentos sociais, e, parafraseando Marx, o poder econmico dita

    as relaes sociais de produo, e toda a produo econmica brasileira era baseada na mo-

    de-obra escravista no perodo descrito por Dcio Saes. No queremos nos deter na anlise do

    Estado imperial, pois tal anlise polariza uma grande parte dos cientistas polticos brasileiros,

    este objeto intriga sem dvida os pesquisadores, segundo Saes (1985), pela peculiaridade do

    2

  • chamado poder moderador, sendo que nossa perspectiva terica, resgatada neste autor, aborda

    anlise da natureza de classe (tipo) do Estado.

    Atravs do liberalismo implantado com a evoluo da legislao brasileira, entre o

    fim da monarquia e incio da repblica, h predominncia na defesa da liberdade, porm

    assegurando a propriedade. O que coloca em evidncia nesta nuance do liberalismo que a

    populao em sua maioria era pobre e em sua grande parte ex-escravos, no possuindo o

    acesso a terra e muito menos as condies objetivas de reproduo social. A falta de acesso

    educao, apenas freqentada pela pequena-burguesia e as oligarquias, culmina com o

    aprofundamento das desigualdades sociais, gerando os conseqentes conflitos entre as classes.

    Para refletirmos sobre esta problematizao, Gramsci realiza uma contribuio importante

    teoria do pensamento marxista, consistindo na reviso do conceito de Estado. Se Marx o

    considerava momento exclusivo da coao e da violncia, Gramsci metodologicamente

    subdivide em duas categorias analticas, em relao a um processo indissocivel: a sociedade

    poltica, na qual se concentra o poder repressivo da classe dirigente (Governo, Tribunais,

    Exrcito, Polcia), caracterizado pela hegemonia de poder, conquistada pela classe dominante

    e a sociedade civil, constituda pelas associaes ditas privadas (Igreja, escolas, sindicatos,

    clubes, meios de comunicao de massa), na qual essa classe busca obter o consentimento dos

    governados, atravs da difuso de uma ideologia unificadora, destinada a funcionar como

    cimento da formao social (transmisso da ideologia). (ROUANET, 1978, p. 69). Gramsci

    caracterizado como o terico da super-estrutura, dentro da tradio marxista e nessa

    qualidade que ele fornece os elementos que permitem pensar uma teoria dialtica da

    Sociedade civil e poltica. Contudo h estudiosos, dentre eles Del Roio (2005) o qual afirma

    que h uma simplificao esta forma de apreenso das categorias analticas propostas em

    Gramsci. Sendo que h a subdiviso real entre estrutura e super-estrutura, mas sim uma

    abstrao metodolgica para estas categorias analticas, pois ambas fazem parte de um mesmo

    processo de dominao.1

    As oligarquias predominavam no cenrio poltico na primeira repblica. Os

    latifundirios regionais exerciam influncia em suas regies, principalmente atravs do

    coronelismo. Com o fim da escravido, ocorreram presses sociais nas cidades, por causa da

    busca de trabalho e de condies de sobrevivncia, despertando nos militares, em alguns

    seguimentos da burocracia estatal e em cidados eminentes preocupaes constantes com o

    1 Para uma compreenso da complexidade do pensamento Gramsciniano ver: GRAMSCI, Antonio. O Materialismo Histrico. Roma: Editori Riunti, 1973, DEL ROIO, Marcos. Os prismas de Gramsci. So Paulo: Ed. Xam, 2005

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  • desenvolvimento do Brasil. Saes (1985) afirma que a mobilizao da intelectualidade,

    apoiando a abolio e as diversas rebelies agravaram a crise das oligarquias cafeeiras, tendo

    em vista a falta de mo-de-obra para o trabalho nos cafezais. Para a classe dominante em

    geral, o essencial era a reorganizao do Estado, ou seja, a criao de um projeto de pas. O

    positivismo permeado no Brasil atravs dos militares exerceu um papel progressista naquele

    momento histrico, pois eles queriam criam as bases sociais e polticas para a efetivao da

    produo de mercadorias no Brasil, consolidando o desenvolvimento nacional.

    A questo abolicionista e a questo da mudana do regime se desenvolveram, entre ns, com profundos vnculos, que as denunciam como sintomas do mesmo processo. E em ambas, a participao dos militares, e os do Exrcito em particular, foi fundamental. (SODR, 1968, p. 153).

    Alguns militares oriundos da doutrina positivista, gerada pelo conceito de soldado-

    cidado, criado por Constant, durante a Guerra do Paraguai, influenciaram a gerao de

    militares do incio do Brasil Repblica.

    A participao de Benjamim Constant na Campanha do Paraguai foi curta, mas decisiva para a sua formao emocional, intelectual e poltica, para a sua viso de mundo, enfim. Como militar, foi de significao relativamente modesta. Mas, no plano essencialmente individual teve importantes conseqncias, algumas das quais se tornariam elementos do processo histrico coletivo. No plano filosfico, a guerra concorreu para o aprofundamento da sua identificao. (NETO E LEMOS, 1999, p. 183).

    Lemos e Neto (1999), afirma que a formao de Constant aps a campanha

    aproximou-lhe dos bacharis adeptos do pacifismo positivista, os quais davam pouca

    importncia ao guerreira e viam a Guerra do Paraguai como um desastre. Estes militares

    seriam uma expresso jacobina brasileira, na qual a pequena burguesia era a expresso

    dessa concepo poltica e social, norteada pela sua origem social menos abastada. Entretanto,

    o autor destaca que Constant nunca deixaria de considerar a Guerra com o Paraguai como

    uma referncia positiva nas anlises que faria do papel das Foras Armadas na histria

    poltica do pas. A experincia da Guerra teve um efeito poderoso sobre a trajetria pessoal de

    Constant, inclusive em termos de insero poltica. Junto com os integrantes de seu crculo

    pessoal, que vivenciaram tal experincia, eles acabaram se tornando patrimnio ideolgico da

    gerao que executou a liquidao do regime monrquico2.

    2 Para uma anlise pormenorizada desta doutrina ver: Lemos e Neto, Renato Lus do Couto. Benjamin Constant Vida e Obra. Ed TOPBOOKS, Rio de Janeiro, 1999.

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  • Para Moraes (2005) a doutrina do Soldado-Cidado, criada por Constant, sinaliza

    uma verso jacobina de nacionalismo:

    Para ns, a doutrina positivista do soldado-cidado apresenta um duplo interesse histrico de um lado, poltico-prospectivo de outro. Do ponto de vista histrico, configura, ao lado da matriz jacobina (com a qual no se confunde, embora ambas tenham convergido para formar a primeira verso de nossa esquerda militar), uma matriz cientificista-humanista cujo principal interesse consiste em estar voltado para a formao tico-intelectual do profissional da guerra. (Moraes, 2005, p.128).

    Podemos sugerir como um exemplo hipottico do desdobramento da doutrina do

    Soldado-cidado, o Tenentismo dos anos 1920, pois este vis terico tinha como escopo

    transformar as academias militares, alm de escolas de profissionais da guerra, instituies

    formadoras para o servio pblico, cidados identificados com os valores democrticos. Estas

    iniciativas eram colocadas na ordem do dia, contudo eram to difceis quanto necessrias.

    Carvalho (1996), discorda da ao positiva da concepo Comtiana, pois afirma que

    a doutrina positivista foi uma ferramenta organicista para controlar as massas nos rumos

    traados pela classe dominante. Este autor defende que o positivismo no contemplava o

    questionamento da ordem estabelecida, gerando apatia nos cidados.

    No caso da ao positivista (e quase todas as lideranas republicanas que se preocupavam com o proletariado, o faziam em funo da influncia comtiana), as conseqncias para a nova cidadania foram ainda mais srias. A noo positivista de cidadania no inclua os direitos polticos, assim como no aceitava os partidos e a prpria democracia representativa. (CARVALHO 1996, p. 54).

    Em 1889 dava incio a incipiente repblica Brasileira com um presidente militar.

    Deodoro da Fonseca inicia seu governo, promulgando uma constituio antes mesmo da

    assemblia constituinte, sendo sucedido pelo Marechal Floriano Peixoto, perodo este,

    conhecido como a repblica das espadas. Neste nterim foi deflagrada a revolta de Canudos3,

    sendo esta rebelio massacrada pelas Foras Armadas. Depois de sofrer vrias derrotas do

    Exrcito, somente no governo de Prudente de Morais, consolidada a repblica. Importante

    ressaltar o interesse de classe e a luta pela hegemonia, objetivada pelas classes dirigentes do

    pas. O escopo da ao era a manuteno das massas subservientes aos interesses das

    oligarquias. De acordo com Sodr (1968, p. 153) a pequena-burguesia4 era desvinculada dos

    3 Para uma abordagem deste evento ver: Cunha, Euclides. Os Sertes. Rio de Janeiro: Ed Francisco Alves, 2000.4 Uso o conceito de pequena burguesia, composta por profissionais liberais e nas pessoas que tinham alguma posse no perodo de objeto de estudo. Refiro-me elite urbana, a partir da interpretao de Nelson Werrneck Sodr. Usamos este conceito para melhor elucidar a populao urbana que tinham formao educacional e posses para influenciar a poltica naquele momento histrico. Bilac tinha a preocupao em convencer esta frao da sociedade, atravs de seus discursos.

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  • problemas de Soberania e das questes de Diplomacia enfrentada pelos agentes pblicos do

    Estado. As oligarquias apenas se preocupavam com os problemas privados, no

    contemplando os interesses coletivos. O interesse nacional era defendido apenas por alguns

    agentes pblicos do Estado e intelectuais que pensavam sobre o Brasil e a questo nacional,

    evidenciando nesta perspectiva os militares e alguns elementos da sociedade civil (Oliveira,

    2008, p.14).

    O Brasil era um pas repleto de revoltas e sedies como o exemplo citado de

    Canudos, a revolta da Chibata na Marinha, Contestado em Santa Catarina, revoltas populares

    contra a vacina no Rio de janeiro, etc. Essas questes estavam na ordem do dia dos militares e

    das elites oligrquicas. Mas, alm das revoltas populares havia os choques entre as lideranas

    civis e militares em busca do poder do Estado. A repblica da espada foi expresso deste

    choque, sendo Prudente de Morais, o vitorioso e a primeira liderana civil no governo

    brasileiro. A partir deste momento houve a alternncia do bloco no poder de lideranas

    regionais, os quais buscavam a conquista dos rumos do pas privilegiando seus interesses

    imediatos. Campos Sales, o qual implementou a poltica do Caf com Leite, iniciou a

    alternncia no poder das oligarquias de So Paulo e Minas Gerais5. Contudo, na passagem da

    faixa presidencial, Afonso Pena em 1909, no conseguiu eleger seu sucessor. Rui Barbosa

    inaugura no perodo de 1909-1910 a campanha civilista, tendo em vista os resqucios anti-

    militarista gerado pelo governo de Floriano Peixoto. Havia naquele momento uma grande

    reserva em relao aos militares, principalmente por parte de Rui Barbosa. No entanto o

    vencedor do pleito de 1910 foi Hermes da Fonseca, prestigiado Marechal do Exrcito.

    Agrava-se o choque de interesses entre civis na conquista do poder e militares em relao

    modernizao do exrcito, com a conseqente participao no cenrio poltico.

    Irritado com a interveno dos militares na vida poltica do pas em moldes que, no seu entender, feriam a disciplina castrense, Tobias Monteiro, em 1913, discorre que esse mau nascera da presena das Foras Armadas na regio do Prata, durante a Guerra do Paraguai. (NETO E LEMOS, 1999, p. 178-179).

    No iremos nos deter nas nuances polticas deste perodo, pois seria necessrio

    descrever sobre os detalhes dele. O que fica claro nesses tpicos excessivamente resumidos

    que havia alm dos conflitos regionais da populao pobre, o choque entre as oligarquias

    entre si e dos militares pela participao poltica. neste contexto histrico de projeto e

    5 Para acompanhar o choque da transio da Repblica Velha ver: Faoro, Raimundo. Os donos do poder: formao do patronato poltico brasileiro, So Paulo: Ed USP, 1975.

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  • processos que surgem vrias organizaes e grupos com projetos para nao. A Revista

    Defesa Nacional, A Academia Brasileira, O Clube Militar entre outras entidades emergiram

    nestes anos, a maioria, conservadora, mas com objetivo de modernizar o pas e entre elas

    formarem consensos, para a viabilizao de uma poltica que procurasse contemplar a maioria

    dos interesses destes grupos. A Liga da Defesa Nacional neste sentido objetivava confluir os

    vrios discursos entre os segmentos Civis e Militares.

    Surgimento da Entidade

    A Liga da Defesa Nacional foi criada atravs da tentativa da confluncia dos

    interesses entre civis e militares, liderada e incentivada por Bilac. A organizao desta

    Entidade surgiu dos discursos proferidos por Olavo Bilac em defesa do Servio Militar

    Obrigatrio6.

    [...] est claro que seu primeiro discurso na Faculdade de Direito de So Paulo exaltou os nimos dos dois lados da questo. O ministro Faria e o General Bento Ribeiro imediatamente enviaram telegramas de congratulaes. Faria aplaudiu a opinio de Bilac de que o servio militar obrigatrio seria a fonte de ressurreio de um Brasil forte pelo patriotismo de seus filhos. Oficiais do Exrcito demonstraram seu apoio com um banquete para 250 pessoas no Clube Militar em 6 de novembro de 1915. Na capa do menu mandaram gravar: Homenagem do Exrcito a Olavo Bilac, o poeta e o apstolo da defesa nacional. (MCCANN, 2007, p. 230).

    A I Guerra Mundial servira de advertncia da vulnerabilidade militar e econmica

    do Brasil, saltando aos olhos a necessidade de se pensar o pas. Surgiram nesses meandros

    questionamentos como: Que pas somos? Que pas queremos ser? A organizao de um

    complexo produtivo se fazia necessrio, pois o Brasil era predominantemente agrrio e com

    uma populao pobre e analfabeta. Havia a necessidade de se efetivar um projeto de

    organizao nacional para garantir um pas soberano e progressista. Dentro desse vis de

    pensamento a preocupao com a fragmentao do pas, por causa de revoltas como o

    Contestado e o resultado desastroso do Exrcito em Canudos eram recorrentes. Essas

    inquietaes candentes nos militares da poca foram enfatizadas pela pequena-burguesia

    atravs dos discursos de Bilac.

    6 Ver: Bilac, Olavo. A defesa Nacional Discursos. Rio de Janeiro: Ed bibliex, 1965.

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  • O fundamental entre os militares e os intelectuais da poca era controlar as massas

    para manter a Unidade Nacional e a Soberania do pas. A autonomia dos Estados dispersava a

    Nao e o servio Militar era uma forma eficiente, segundo os militares, para evitar o

    separatismo e disseminar a centralizao do poder na mo do Presidente.

    A partir dos discursos de Olavo Bilac foram convocados dentro da elite social e

    militar os quadros que compuseram a Liga da Defesa Nacional. Bilac era carismtico em seus

    discursos, servindo como elo de ligao entre os militares e as classes dominantes

    (OLIVEIRA, 2008, p. 52) O referido poeta defendera o servio militar e a concepo de

    nao, peregrinando nas principais capitais do pas, no intuito de convencer as elites aos

    interesses dos militares, a respeito do Servio Militar Obrigatrio, do nacionalismo e dos

    objetivos de modernizao do Exrcito.

    O discurso realizado na conferncia de divulgao da Liga da Defesa Nacional em 7

    de setembro de 19167 foi uma ocasio peculiar, refletindo as intenes acima mencionadas,

    defendida pelos militares. A eminncia dos participantes da sesso solene de incio da Liga e

    os membros que iniciaram a composio da organizao, demonstram o poder de persuaso

    de Bilac em um momento peculiar de aglutinao dos segmentos diversos da sociedade, com

    um mesmo propsito.

    Ao mesmo tempo, que defende a democracia, Bilac (1965) se posiciona contra a

    contestao da ordem estabelecida. Ele norteava a unidade e o interesse nacional, como

    princpios bsicos de soberania e progresso. Na ata de fundao, lavrada de prprio punho por

    Olavo Bilac, contm a relao histrica dos seus fundadores, entre os quais Dr. Pedro Lessa,

    Dr. Miguel Calmon, Dr. Wenceslau Braz ( poca, Presidente da Repblica), Almirante

    Alexandrino de Alencar ( poca, Ministro da Marinha), General Caetano de Farias ( poca,

    Ministro da Guerra), Conselheiro Ruy Barbosa, Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves (ex

    Presidente do Brasil), Dr. Joo Pandi Calgeras ( poca, Ministro da Fazenda), Monsenhor

    Vicente Lustosa, Dr. Miguel Couto e o poeta Coelho Neto. Todos eles eram integrantes do

    governo ou mesmo de atuao poltica evidente no quadro da ordem conservadora e

    oligrquica estabelecida.

    Em nossa abordagem, defendemos que a organizao Liga da defesa Nacional seria

    e ou atuaria como um partido com participao de civis e militares, atravs da elaborao de

    um projeto que se concatena as diversas fraes de classe que compunha a referida entidade.

    7 Bilac, Olavo. A Defesa Nacional (discursos), 1965, p. 82.

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  • E este pressuposto se manteve ao longo de sua histria, com presena inconstante, mas

    sempre ativa no cenrio nacional. Vrios autores sustentam esta tese, mas utilizando-se da

    variante polmica, contrapem Campos Coelho (1976) e Alfred Stepan (1971), os quais

    defendem uma interpretao das Foras Armadas institucional-organizacional, sendo esta

    leitura pressuposta apenas em aspectos concernentes vida na caserna, passando ao largo de

    qualquer possibilidade de atuao poltica dos militares. Campos Coelho (1976), dentre outros

    autores, enfatiza a instituio militar como autnoma face sociedade global. Essa

    abordagem, em ltima anlise, torna-se auto-explicvel, pois salienta traos do perfil da

    atividade militar, como hierarquia, centralizao, etc. e desconsidera a influncia civil dentro

    do processo histrico dos militares.

    De maneira bastante flexvel, o conceito de partido militar enfatiza as situaes em que exrcito e poltica se relacionam e as instncias institucionais de insero da poltica no aparelho militar (e vice-versa). Concretamente: os partidos militares podem ser verdadeiros partidos fundados por militares para agirem na sociedade civil ou a cristalizao de tendncias que lutam pelo poder no mbito da instituio militar e em estruturas polticas prprias do exrcito, e inclusive na organizao militar como um todo, quando certos chefes se esforam por transform-la em organizao poltica unificada. (PEIXOTO, 1980, p. 13)

    Peixoto (1980) em contrapartida, afirma que as Foras Armadas atuaram em alguns

    momentos da histria como partido. Utilizaremos este referencial terico, de que os militares

    se colocaram em alguns momentos da histria brasileira, como partido, de maneira geral,

    defendendo que o papel da Liga da Defesa Nacional era convergir o dilogo poltico para

    dentro de uma entidade, fora da caserna, mas que hipoteticamente teria papel central nas

    decises do governo sobre os rumos da nao e principalmente as possveis modernizaes

    necessrias principalmente no Exrcito.

    No obstante, o Exrcito brasileiro que, para certos autores, costuma atribuir-se no sistema poltico um poder moderador anlogo ao do soberano no tempo do imprio, tem estado presente em todas as reviravoltas da histria nacional e apresentado peso determinante nos perodos de crise. Foi o velho Exrcito de Deodoro da Fonseca e de Floriano Peixoto que instaurou a Repblica de 1889, antes de entregar a direo da coisa pblica aos civis. E foi ele tambm, que deu fim repblica oligrquica, em 1930 [...] Vigilantes, mas aparentemente inconseqentes, os fiadores da ordem e do progresso se opuseram em 1945 e 1961 s autoridades legitimamente eleitas, mas em 1955 voaram em socorro da Constituio. Enfim, em 1964 os militares abandonaram seu papel moderador tradicional para assumir a direo do sistema poltico. (PEIXOTO, 1980, p 11)

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  • Um dos aspectos que possibilitam sustentarmos esta hiptese, remete a primeira

    gesto durante a criao da organizao, onde identificamos a presena de pessoas atuantes na

    poltica durante a Repblica Velha. Identificamos o ex presidente Rodrigues Alves,

    autoridades como Ministro da Guerra, o General Caetano Faria, o Ministro da Marinha,

    Almirante Alexandrino de Alencar, dentre outros. Inclusive homens de destaque da sociedade

    civil como Rui Barbosa e o Poeta Coelho Neto, sendo que ambos participaram ativamente das

    discusses sobre os rumos do pas.

    A finalidade da entidade, consubstanciada no seu Estatuto inicial, datado de 23 de

    setembro de 1916, afirmava robustecer na opinio pblica nacional um elevado sentimento de

    patriotismo. Segundo esta afirmao, podemos sugerir como hiptese que esta organizao

    teve papel fundamental nas decises polticas na Repblica Velha, culminando na revoluo

    de 1930, pois atravs da leitura dos integrantes desta primeira gesto, identificamos

    personagens que atuaram intensamente na poltica brasileira, fazendo parte de um mesmo

    ideal. Interessante observar que no estatuto da referida entidade, foi declarado que a

    organizao seria independente de qualquer credo poltico, religioso ou filosfico, definindo,

    ainda, que o Presidente da Liga seria sempre o Presidente da Repblica, tanto que o Dr.

    Wenceslau Braz foi o seu primeiro Presidente e primeiro signatrio do Estatuto. Tal postura

    demonstra a preocupao dos fundadores em dar nova entidade uma grandeza concordante

    com a sua finalidade.8 Atravs deste panorama, podemos apontar trs momentos importantes

    da histria da organizao e do pas onde esta primeira atou de forma contundente:

    1o Ano de 1916 Ano de seu surgimento e pice da primeira Guerra Mundial;

    2o Ano de 1945 manifesto expedido pelos militares que compunham a F.E.B.

    na II Guerra Mundial9;

    3o Ano de 1964- Golpe dos militares10;

    Diante destes trs momentos, podemos tambm inferir a Liga como expresso da

    sociedade civil emergente. Para esta interlocuo, resgatamos Coutinho (1990), o qual cita que

    8 Contudo dando um salto de 70 anos em sua histria, mais precisamente em 1986, ocorreu uma reforma estatutria, considerando a impraticabilidade do acesso ao Presidente da Repblica, colocou-o como Presidente de Honra. Informao disponvel no stio da Liga da Defesa Nacional. Extrado do site: Pesquisa realizada em: 18 Nov 2008

    9 ver: Cunha, Paulo R R. Um manifesto elaborado no calor das Batalhas. In ______. PENNA, Lincoln (Org.). Manifestos Polticos do Brasil Contemporneo. Editora: E-Papers.So Paulo, 2008.

    10 Ver: Dreifuss, Armand. 1964. A conquista do Estado. Ao poltica, poder e golpe. Rio de Janeiro: Ed Vozes, 1981.

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  • a emergncia da sociedade civil pressupe a luta de classes pela hegemonia do poder. E o que

    especifica essa sociedade civil, alicerado em Gramsci, Coutinho (1990) expe que a

    especificidade dessa sociedade civil o fato de que, atravs dela, ocorrem relaes sociais de

    direo poltico-ideolgicas, e de hegemonia, as quais completam a dominao estatal, a

    coero, assegurando tambm o consenso dos dominados ou assegurando tal consenso, ou

    hegemonia, para as foras que querem destruir a velha dominao. (COUTINHO, 1990. p. 14)

    A relevncia da pesquisa aqui exposta de esclarecer e procurar respostas, embora

    sugerimos que a Liga expresse uma vertente do pensamento nacionalista, o qual prope um

    projeto de defesa articulado com um projeto nacional, sendo assim o embrio de uma proposta

    para o pensamento social brasileiro. Conseguinte, ressaltamos o papel poltico desta entidade ao

    longo da histria, pois, parafraseando Cunha (2008) no h trabalhos que contemplem a

    participao dessa organizao, sendo apenas citada sua existncia. No h trabalho especfico

    sobre a atuao ou no da Liga de Defesa Nacional, sendo apenas identificada em alguns

    momentos da historiografia nacional (CARONE, 1970, MACCANN, 2009), em relao

    importncia da entidade na campanha para a obrigatoriedade do ensino (alfabetizao) e do

    servio militar obrigatrio populao.

    BIBLIOGRAFIA

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    RESUMOContexto Histrico da Entidade