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!!UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ARTES !!!!THIAGO BORTOLOZZO DA SILVA !!!
!!!!PROJETOS ARTÍSTICOS ELABORADOS A PARTIR DAS CIDADES DE:
CAMPINAS, SÃO PAULO E BERLIM !!!ARTISTIC PROJECTS ELABORATED FROM THE CITIES OF:
CAMPINAS, SÃO PAULO AND BERLIN !!!!!!!!! !!!!!!!!
CAMPINAS 2018 !
THIAGO BORTOLOZZO DA SILVA
!!!
PROJETOS ARTÍSTICOS ELABORADOS A PARTIR DAS CIDADES DE: CAMPINAS, SÃO PAULO E BERLIM !!
ARTISTIC PROJECTS ELABORATED FROM THE CITIES OF: CAMPINAS, SÃO PAULO AND BERLIN !!!!Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Artes Visuais.
Dissertation presented to the Institute of Arts of the State University of Campinas as part of the requirements required to obtain the Master's Degree in Visual Arts.
!!!!ORIENTADOR: PROF. DRA. SYLVIA HELENA FUREGATTI
!!!!ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃOFINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELOALUNO THIAGO BORTOLOZZO DA SILVA ORIENTADO PELA PROFA. DRA. SYLVIA HELENA FUREGATTI !!!!
CAMPINAS 2018 !
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES !!Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Artes
Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180 !!Bortolozzo, Thiago, 1976-
B648p Projetos artísticos elaborados a partir das cidades de : campinas, são paulo e berlim / Thiago Bortolozzo da Silva. – Campinas, SP : [s.n.], 2018. !
Orientador: Sylvia Helena Furegatti. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Artes. !1. Arte contemporânea. 2. Intervenção (Artes). 3. Arte urbana. I. Furegatti,
Sylvia Helena, 1968-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título. !!!
Informações para Biblioteca Digital !Título em outro idioma: Artistic project elaborated from the cities of : campinas, são paulo e berlin Palavras-chave em inglês: Contemporary art Intervention (Arts) Urban art Área de concentração: Artes Visuais Titulação: Mestre em Artes Visuais Banca examinadora: Sylvia Helena Furegatti [Orientador] Edson do Prado Pfutzenreuter Ruy Sardinha Lopes Data de defesa: 29-01-2018 Programa de Pós-Graduação: Artes Visuais
Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais
do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas. !!!
THIAGO BORTOLOZZO DA SILVA
!!!!
!!BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO !
MEMBROS
1. PROFA. DRA. SYLVIA HELENA FUREGATTI2. PROF. DR. EDSON DO PRADO PFUTZENREUTER 3. PROF. DR. RUY SARDINHA LOPES
!ORIENTADORA: PROFA. DRA. SYLVIA HELENA FUREGATTI
!!
A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca
examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno. !!!!
DATA DA DEFESA: 29.01.2018
!!!!!
AGRADECIMENTOS !
! Meu especial agradecimento a minha querida esposa e parceira Arianne
Vitale Cardoso pela paciência no acompanhamento em meu processo de trabalho.
Agradeço a minha orientadora Profa. Sylvia Helena Furegatti por ter me
orientado com extrema seriedade, empenho e compromisso para com a educação e
o conhecimento.
Agradeço aos meus pais, que me apresentaram a arte, agradeço minha irmã
e sobrinha por terem me apoiado e incentivado no desenvolvimento deste mestrado.
E, ao final, agradeço ao corpo docente, funcionários e colegas da pós-
graduação do Instituto de Artes da Unicamp, em especial ao Prof. Marco Do Valle
pelas contribuições e aconselhamentos.
!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
RESUMO !
Este trabalho apresenta os processos e a constituição própria de projetos artísticos elaborados a partir da vivência no contexto urbano das cidades contemporâneas de Campinas, São Paulo e Berlim. Sob a luz de conceitos que surgem nas artes visuais, no final dos anos 1960, tratando da ampliação do campo da escultura, a instituição da ação do artista que se desloca para tensionar o lugar e demais condições conceituais nas quais os trabalhos se realizam. A partir deste escopo, destacam-se o uso de estratégias de apagamentos, deslocamentos, apropriação e registros presentes nesta produção. As atualizações conceituais, trazidas por este novo século, evidenciam-se, principalmente, por meio de certa condição de precariedade, reverberada também pela e na sociedade contemporânea. Desse modo, esta dissertação apresenta e analisa projetos que transitam entre meios diversos da visualidade, tanto quanto busca averiguar as relações e gradações por eles estabelecidas ante ao constante fluxo indicativo da cidade contemporânea. !Palavras-chave: arte contemporânea; intervenções (arte); arte urbana.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!
ABSTRACT !This work presents the processes and the proper constitution of artistic projects elaborated from the experience in the urban context of the contemporary cities of Campinas, São Paulo and Berlin. In the light of concepts that emerge in the visual arts in the late 1960s, and which deal with the expansion of the field of sculpture, the institution of the artist's action that moves to stress the place and other conceptual conditions in which the works are performed. From this scope, we highlight the use of deletion, displacement, appropriation and records present in this production. The conceptual updates brought by this new century are evidenced, mainly, by a certain precarious condition, reverberated also by and in contemporary society. Therefore, this dissertation presents and analyzes projects that transit between different means of visually, as much as it seeks to ascertain the relations and gradations established by them before the constant flow indicative of the contemporary city. !Keywords: contemporary art; intervention (arts); urban art. !!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!
LISTA DE FIGURAS !Figura 1: Jd. Carlos Lourenço. Fotografia 75x50 (2000) 15 .......................................
Figura 2: Av. Saudade. Fotografia 75x50 (2001) 16 ...................................................
Figura 3: Base. 150x 50x 35cm (2000) 18 ..................................................................
Figura 4: Escora. 180x 30x 15cm (2001) 18 ...............................................................
Figura 5: L. 250x170x40 (2002) 20 .............................................................................
Figura 6: Esboços feitos em computador das estrutruras e formas de concreto 23 ...
Figura 7: Desenho Vital Brasil para o Salão de Arte Contemporânea de
Piracicaba (2003) 24 ....................................................................................................
Figura 8: Vital Brasil, Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba espaço
externo Engenho Central (2003) 25 .............................................................................
Figura 9: Desenho para intervenção Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes São Paulo
(2004) 26 ......................................................................................................................
Figura 10: Desenho técnico para intervenção Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes
São Paulo 2004 27 ......................................................................................................
Figura 11: Fotografia Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes São Paulo 2004 vista da
marquise do piso térreo 27 ..........................................................................................
Figura 12: Fotografia Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes São Paulo 2004 vista do
piso térreo 28 ...............................................................................................................
Figura 13: Fotografia Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes São Paulo 2004 vista do
espaço externo 28 .......................................................................................................
Figura 14: Thomas Hirschhorn, Musée Précaire Albinet, 2004 34 ..............................
Figura 15: Construção jardim do piso Caio Graco Centro Cultural São Paulo
1982 39 ........................................................................................................................
Figura 16: Construção Centro Cultural São Paulo 1982 39 ........................................
Figura 17: Maquete e desenhos de projetos. 40 .........................................................
Figura 18: Montagem fotográfica do piso Caio Graco 41 ...........................................
Figura 19: Esboços para projeto exposição individual 41 ...........................................
Figura 20: Vital Brasil, I Mostra do Programa de Exposição 2002
Coletiva 42 ...................................................................................................................
Figura 21: Vital Brasil, I Mostra do Programa de Exposicão 2002 coletiva 43 ...........
Figura 22: Esboços para projeto exposição individual 43 ...........................................
Figura 23: Processo de construção de Vital Brasil (2002), I Mostra do Programa
de Exposição 2002 individual 45 .................................................................................
Figura 24: Vital Brasil (2002), I Mostra do Programa de Exposição 2002 individual
45 ................................................................................................................................
Figura 25: Vital Brasil, intervenção na arquitetura do Instituto Cultural Tomie
Ohtake 7 out. 26 nov. 2006. 245 x 320 x 15cm 49 ......................................................
Figura 26: Construção do Museu de Arte São Paulo 54 .............................................
Figura 27: Foto Galeria Magnus Muller e complexo de arquitetônico de Hans
Poelzig e praça Rosa Luxemburg, Berlim, set. 2009. 57 .............................................
Figuras 28 e 29: Intervenção Club (2009) vista espaço externo. 63 ..........................
Figura 30: Vista do espaço interno da Galeria 65 .......................................................
Figura 31: Vista do espaço interno da Galeria com visitantes 65 ...............................
Figura 32: Performance PLAY 66 ...............................................................................
Figura 33: Toboágua vermelho, óleo sobre tela (2001/2007) 67 ................................
Figura 34: Vista do espaço interno da Galeria com as pinturas na parede 69 ...........
Figura 35: Fotografias dos trailers em funcionamento e vendendo seus
produtos durante a feira livre na praça Merhringplatz Halleschtor, Berlim 2011 71 .....
Figura 36: Mapa do bairro de Kreuzberg e Neukölln os pontos azuis
representam os trailers estacionados e os pontos vermelhos nas feiras onde
alguns destes trailers são encontrados vendendo seus produtos. 74 .........................
Figura 37: Pôster Trailer (2007-2017), 66 x 114 Ed.2 76 ............................................
Figura 38: Anhänger Eier (2017) Fotografia, Ed. 1/7. 36 x 56 78 ...............................
Figura 39: Anhänger Nüsse (2017) Fotografia, Ed. 1/7.36 x 56 80 .............................
Figura 40: Grupo 3nós3, Intervenção Ensacamento, 27/04/1979 85 .........................
Figura 41: Renata Lucas. The Residence, 2007. Tijolos, radiador e sistema de
aquecimento. Intervenção na fachada da Galeria Gasworks, Londres Dimensão:
2,8 x 15 x 1,7m (aprox.) De 15 de novembro de 2007 a 13 de janeiro de 2008 87 ....
Figura 42: Foto da serie 30. April - 03. Mai.(2013) 90 ................................................
Figura 43: Foto da serie 30. April- 03. Mai. (2013) 91 ................................................
Figura 44: Intervenção Empena Cega, Centro Cultural São Paulo (2015) 93 ............
Figura 45: Intervenção Empena Cega, Centro Cultural São Paulo (2015) 94 ............
Figura 46: Intervenção Empena Cega, Centro Cultural São Paulo (2015) …….…95
Figura 47: Intervenção Empena Cega, Centro Cultural São Paulo (2015) …….…95
SUMÁRIO !
INTRODUÇÃO 11 ........................................................................................................
CAPÍTULO 1: JD. CARLOS LOURENÇO, AV. DA SAUDADE, BASE,
ESCORA E L – A CONSTRUÇÃO E A SIGNIFICAÇÃO DAS CIDADES POR MEIO DA FOTOGRAFIA, ESCULTURA E INSTALAÇÃO 13 ............................1.1 A precariedade na arte contemporânea e as intervenções Vital Brasil 21 .............
1.2 Vital Brasil (2002) na exposição coletiva no Centro Cultural São Paulo 37 ..........
1.3 O dentro e o fora no projeto Vital Brasil (2002) exposição individual
no Centro Cultural São Paulo 44 .................................................................................
1.4 O arquiteto e o pedreiro no projeto Vital Brasil (2005) exposição coletiva
no Instituto Tomie Ohtake 48 .......................................................................................
!CAPÍTULO 2: BERLIM E OS ENGRENTAMENTOS DO ARTISTA NA CIDADE CONTEMPORÂNEA. EXPOSIÇÃO TRANSITION ZONE E A SÉRIE FOTOGRÁFICA ANHÄNGER 56 ................................................................................2.1 As relações travadas pelo projeto expositivo entre a vitrine e o transeunte 59 .....
2.2 A intervenção Club (2009) e a paisagem 62 ..........................................................
2.3 Os Toboáguas, deck e piscina na exposição Transition Zone 66 ..........................
2.4 A série fotográfica Anhänger e sua proposta de mapeamento para um
trecho da cidade de Berlim 69 .....................................................................................
2.5 Os trailers como comentário dos espaços privados na cidade contemporânea 72
!CAPÍTULO 3: A CIDADE CONTEMPORÂNEA E SEUS TERRITÓRIOS 81 .............3.1 O contexto urbano das cidades de São Paulo e Berlim como
geradores da intervenção artística Empena Cega (2015) 81 ......................................
3.2 A galeria e o espaço da rua no contexto da arte contemporâneo 83 ....................
3.3 Dos fluxos entre Berlim e São Paulo: da fotografia à instalação 88 ......................
3.4 O espaço social do Centro Cultural São Paulo e Empena Cega (2015) 91 ..........
!CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES 96 ..................................................................REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 98 ......................................................................APÊNDICE 103.............................................................................................................
!11
INTRODUÇÃO !! A pesquisa sobre a cidade contemporânea e suas paisagens foi determinante
no desenvolvimento de minha produção artística e para a constituição dos projetos
reunidos neste estudo. Ao todo, 10 trabalhos realizados e analisados, entre pinturas,
fotografias, esculturas, instalações e intervenções que proporcionaram disrupturas e
dissonâncias conceituais por sobre os lugares onde foram instaurados.
Pautado, principalmente, por trabalhos interventivos, o objeto desta
dissertação de mestrado contempla projetos em diversas linguagens, realizados em
espaços urbanos, tanto quanto institucionais, nas cidades de Campinas, São Paulo
e Berlim, entre os anos de 2000 e 2017. A reflexão teórica estabelecida desenvolve-
se a partir de um tipo de análise crítica posterior a esta produção artística, no intuito
de ocupar o locus e a plataforma para o apontamento de conceitos, processos de
criação e métodos de trabalho eleitos principalmente pela práxis.
Permeando os capítulos, pretende-se entender, por meio de um estudo do
processo de constituição dos trabalhos, como o contexto urbano influencia na
concepção e constituição de estratégias para a realização das propostas artísticas:
De que forma a arte pode ativar uma reflexão crítica no contexto institucional, urbano
e social? Quais estratégias e dispositivos são utilizados por esses projetos para
alterar o lugar por um determinado período de tempo?
A partir do estudo de alguns trabalhos realizados em diferentes contextos e
instituições, primeiramente entre Campinas e São Paulo entre os anos de 2001 e
2007, e depois em Berlim entre 2007 e 2014, expõem-se os processos criativos
destas produções que buscam vislumbrar a importância de ações artísticas que
colaborem para o debate sobre o capital humano e reflexões transversais sobre a
cidade e a vida em comunidade na sociedade contemporânea.
No processo e desenvolvimento da pesquisa teórica, busco compreender o
espaço urbano, o espaço social e o espaço arquitetônico do museu e suas
fronteiras, questões que se fazem necessárias para entender os procedimentos
utilizados para a produção artística em consonância com textos de teóricos e de
outros artistas, de modo a integrar as discussões sobre a produção de arte na
contemporaneidade.
!12
De modo mais preciso, pretende-se compreender, à luz dos trabalhos
realizados, como os variados equipamentos urbanos e sua relação construtiva, são
impulsos potentes para criação de projetos artísticos.
Diante deste processo de estudo, procura-se igualmente estudar as razões
pelas quais o trabalho nasce de uma situação de latência trazida pelo espaço e,
assim, insere-se naquele determinado contexto e lugar, que oscila dentre as
ordenações dos contextos social, histórico e estético conectados aos interesses
pessoais do artista propositor.
Para melhor investigação dos conceitos ativados pelos pensadores deste
campo, tanto quanto dos demais campos da atualidade que lhe emprestam sentido,
a dissertação divide os trabalhos artísticos analisados em três capítulos. O primeiro
capítulo concentra-se nos trabalhos da série Vital Brasil (2002/06), que discute a
arquitetura e processos de construção onde se instaurara e explora o conceito de
precariedade presentes em sua construção material e simbólica. Os trabalhos deste
período iniciam-se em fotografias realizadas entre as cidades de Campinas e São
Paulo, derivando para escultura, instalação e intervenção.
No segundo capítulo, analiso a cidade de Berlim, seus fenômenos urbanos, a
paisagem urbana e os enfrentamentos do artista com a cidade com foco nas
exposições Transition Zone (2009) e na série fotográfica Anhänger (2007/2017).
No terceiro capítulo, serão estudados os trabalhos fotográficos de
equipamentos de proteção urbana por meio da publicação 30. April - 3. Mai (2013)
realizada em Berlim e a intervenção Empena Cega (2014/2015) no Centro Cultural
São Paulo, trabalhos que versam sobre o contexto político e social do espaço
urbano e seus tensionamentos dos limites entre o espaço público e privado.
Tal análise se faz relevante por contribuir para a ampliação da reflexão a
respeito da criação de intervenções e expor as estratégias e dispositivos que atuam
na concretização de um trabalho artístico de caráter efêmero, precário e transitório.
Sobre estes conceitos experienciados pela arte, principalmente a partir do
início deste século, pretende-se revelar pontos de convergência para se construir
uma poética que conecte a natureza dos meus trabalhos, nas diversas situações,
para que a dissertação de mestrado possa servir para ampliar a discussão do artista
como pesquisador e propositor de revisões dentro do contexto interrogativo da arte
contemporânea.
!13
CAPÍTULO 1: JD. CARLOS LOURENÇO, AV. DA SAUDADE, BASE, ESCORA E L. – A CONSTRUÇÃO E A SIGNIFICAÇÃO DAS CIDADES NA FOTOGRAFIA, ESCULTURA E INSTALAÇÃO. !! Em constante transformação, a metrópole redesenha, projeta e cria espaços
por meio de suas construções e demolições, sendo que o construído que vemos,
hoje, poderá ser somente resíduo, vestígio ou ruína amanhã. As mudanças e
transformações vivenciadas em nossa paisagem cotidiana nos centros urbanos,
fazem parte do dia a dia dos transeuntes e passantes e constituem-se como
especificidades que caráterizam a transitoriedade e precariedade nas cidades
contemporâneas atuais. Assim sendo, a construção da cidade atual é aquela que se
refaz sobre as camadas do tecido urbano e nessa dinâmica experienciamos a
cidade de taipa para cidade de alvenaria cerâmica, cidade-concreto, cidade-aço-
vidro, cidade-imagem, cidade-cinema de modo a atuar sobre o comportamento do
homem metropolitano e nas suas formas de vida social. Essas camadas,
constituídas de tecituras graduais de varias épocas, estão fragmentadas e
submersas no tecido urbano da metrópole, num palimpsesto para serem revisadas,
tensionadas e subvertidas por artistas, principalmente aqueles interessados nesta
questão, a partir dos anos de 1960.
Toda esta atmosfera de mudanças e transformações podem ser consideradas
como influências no processo de criação de meus trabalhos, já que por meio deles
procuro captar especificamente estes processos urbanos de construção em
constante transformação, nas cidades de Campinas e São Paulo. E a justificativa
para este processo artístico advém justamente da percepção de que vivemos um
período de incerteza e instabilidade social, política e humana. Portanto, os trabalhos
desta série de intervenções, Vital Brasil, revelam a busca por meios, discursos e
linguagens que manifestem aspectos da transitoriedade e incertezas do espaço
urbano. Tais questionamentos a respeito das transformações urbanísticas nas
cidades contemporâneas estão presentes na argumentação que Vera Pallamin
apresenta sobre este tema. “Em meio à atmosfera de mutação e flexibilidade
caráterísticas da paisagem pública atual, a presença de objetos duráveis
!14
expressando permanência/perpetuidade tem dado lugar a manifestações do efêmero
e do surpreendente”. (PALLAMIN, 2000, p. 10) 1
No início dos anos 2000, os processos construtivos da arquitetura vivenciados
no trânsito entre as cidades de Campinas e São Paulo, manifestavam o transitório
na cidade, seus materiais de construção e situações de restauros, impulsionaram-
me a direcionamentos em estratégias e decisões sobre a escolha de meios,
linguagens e temas de minha produção artística.
O envolvimento com o tema das construções surge na série de fotografias
denominadas Assolamentos (1999-2000) na qual figuram processos de construção 2
de casas que revelam seus espaços em obras em eterno processo de acabamento.
As imagens apresentam a realidade bruta dos matérias sem acabamentos que
revelam o caráter construtivo das casas populares da periferia das cidades, neste
constante estado provisório e de precariedade num suposto acabamento final que
um dia acontecerá. As fotografias tentam captar esta situação transitória das
construções, o que foi fotografado hoje pode estar reformado e diferente amanhã. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! PALLAMIN, Vera. Arte urbana. São Paulo: Região Central (1945-1998) Obras de caráter temporário e 1
permanente. São Paulo: Annablume: Fafesp, 2000. p.10.
A série Assolamentos (1999-2001) parte da ideia de rua assolada por crateras, infiltrações e rachaduras, que 2
geram imensos buracos no espaço coberto pelo asfalto. O título da série é uma metáfora de assolamento no intuito das imagens criarem uma cratera simbólica que abra um espaço diferenciado à percepção do espectador. RIBEIRO, Daniela Maura; Frederico Dalton e Thiago Bortolozzo. folder Temporada de Projetos 2001-2002, Paço das Artes, 2002.
!15
Figura 1: Jd. Carlos Lourenço, fotografia 75x50, 2000.
Fonte: Acervo pessoal. ! A fotografia Jd. Carlos Lourenço (2000) da série fotográfica Assolamentos,
mostra-nos a empena cega de uma residência no bairro de Campinas, decorrente da
divisão de lote ainda vazio. A casa de dois andares sem rebocos e acabamentos
finos, pela indicação das vigas e colunas feitas em concreto nos sugere ambientes
compartimentados, revelando a arquitetura interna da casa, por meio de seus
materiais de construção e os diferentes tipos e modos de usos dos tijolos.
O céu azul contrasta sem grandes variações ou dramaticidade com o
vermelho dos tijolos, criando um plano bidimensional onde fundo e figura ganham
valores equivalentes na composição conectando a imagem a uma dimensão
vinculada a aspectos da linguagem da pintura.
!!!!!!
!16
Figura 2: Av. Saudade, fotografia 75x50, 2001 Fonte: Acervo pessoal !
Em Av. Saudade (2001), outra fotografia da série Assomamentos, vemos
outra empena de uma construção comercial protegida pelo seu sistema de
segurança, que engole uma antiga casa estilo portuguesa, deixando-se mostrar
apenas por uma silhueta de seu passado, agora concretado na empena cega de um
novo prédio na Av. da Saudade, em Campinas, avenida esta, atualmente, constituída
por grandes prédios comerciais, estacionamentos e apenas algumas casas antigas.
O processo de construção das imagens fotográficas visavam a criação de um
plano bidimensional, através de contrastes e elementos chapados que contrariavam
a dinâmica visual da perspectiva dada pelo funcionamento da câmera fotográfica.
A busca tinha como foco a justaposição entre o meio ambiente, a paisagem e
as condições do espaço e tempo em relação aos objetos construídos, seus modos e
materiais de construção. Para tal conformidade de fatores foram necessárias
diversas visitas e sessões fotográficas em diferentes dias e horários por este mesmo
lugar e sua paisagem, na busca de uma luminosidade e condições para que se
gerasse tal bidimensionalidade pretendida nas fotografias. Este processo de
pesquisa constituía-se em um dado plástico do trabalho, que valorizava as luzes,
!17
formas, contrastes e cores da imagem e, conceitualmente, o projeto procura criar um
assolamento, uma cratera na percepção do observador, e apresentar, por meio da
fotografia, um momento sublime entre construções e meio ambiente, numa
paisagem simples e corriqueira, geralmente desapercebida em nosso dia a dia.
Mas são alguns trabalhos tridimensionais do início dos anos 2000 que vão
contaminar-me de modo mais decisivo com a ideia de uma arte ligada aos
processos construtivos da construção civil e da arquitetura.
Aliado ao trabalho prático, o contato com a teoria e ensaio de Rosalind
Krauss sobre os conceitos que ampliam o campo da escultura, oferece ao artista
contemporâneo novas diretrizes na forma de atuar: o modelar, construir e desbastar
da escultura dão lugar a outros procedimentos como deslocamentos, demarcações,
locais de construção que derivam nas instalações e intervenções.
As minhas primeiras obras tridimensionais versam sobre a relação da
escultura e a construção. Em Base (2000), proponho uma revisão da perda do lugar
da escultura, quando este elemento de caráter expositivo e ou de anteparo para
escultura clássica se integra à escultura e a transforma, base e escultura se tornam
um único objeto. 3
A escultura propõe uma estrutura nas dimensões e formatos aproximados de
uma base para escultura, mas feita em madeira encontrada por caçambas de
entulho, seguindo os processos construtivos de fôrmas para concreto armado,
problematizando questões sobre eternidade e apresentação da escultura
contemporânea.
O trabalho Escora (2001) dialoga com a parede dos espaços onde se
instaura, escorando pequenos painéis de madeira que remetem a formatos de
quadros ou caixas. Nota-se nestes dois trabalhos que as relações ainda eram
acanhadas e tímidas com a arquitetura, pois representam elementos pertencentes
ao universo da expografia e das artes plásticas. Porém, o que podemos antever
nestes trabalhos é como o tema da construção assume diversas formas nas
linguagens artísticas.
!!
Os trabalhos Base (2000) e Escora (2001) foram produzidos a partir da análise do texto de Rosalind Krauss A 3
escultura no Campo Ampliado, tanto no período de produção das esculturas como posteriormente no desenvolvimento desta dissertação.
!18
!!!!!!!
!! !Figuras 3 e 4: Base, 2000 e Escora 2001 1,50x 50 x 35cm e 1.80x 0.30 x 0.15cm
Fonte: Acervo pessoal ! No processo de pesquisa, através das linguagens artísticas, procurei
representar aspectos da paisagem das cidades por meio de fotos, trabalhos
tridimensionais, mas é importante atentar neste período uma primeira ação que foi
além da instalação e se coloca como uma intervenção no espaço urbano.
O trabalho L (2002) apresenta uma outra situação, um salto para o espaço
externo e instaura FUREGATTI (2013) uma situação onde a escultura, diretamente
na rua, invade o espaço público e cria uma relação mais direta com o entorno e os
elementos urbanos, propondo uma disruptura na compressão deste um pedaço
deslocado de uma construção civil para o espaço da rua.
!Instaurar ao invés de apresentar nos traz pelo menos dois direcionamentos para esse estudo: o primeiro deles indica a necessidade de observação consistente das especificidades do local, do tempo pretendido para a permanência do trabalho, dos possíveis desdobramentos que essa ação pode causar no grupo de espectadores com quem dialoga a proposta artística, o segundo ponto nos chama a atenção para ao fluxo gerado pelo trabalho instaurado, ou seja, como o seu estabelecimento em determinado espaço adota um sentido de corte temporal que considera como artístico as alterações propostas a partir de sua presença e ação. (FUREGATTI, 2013, p. 381) !
!19
A estrutura em formato de L foi abandonada na esquina do bairro Jd. das
Andorinhas em Campinas próximo ao final de ruas pavimentadas e início de ruas
sem pavimentação, em um comentário dissonante sobre a construção e evolução
das cidades, que se legitimam pela pavimentação e asfaltamento das ruas das
periferias. O que nos resta do trabalho é o registro fotográfico, como sendo o
documento desta primeira intervenção que realizo na paisagem urbana.
Interessante notar, no processo de criação que derivou na série de
instalações e intervenções Vital Brasil, que as descobertas e experimentações que
se iniciaram na fotografia de construções, na imagem que se realiza no tempo e
espaço da cidade em fluxo e criam composições geométricas estáticas com os
materiais que dão forma às casas e moradias, seus chãos de terra vermelha ou
matos de lotes de terrenos baldios, desenvolveram-se com a produção das obras
tridimensionais, em que os materiais da construção civil surgem por apropriação e o
deslocamento da técnica construtiva das fôrmas de secagem de concreto para
trabalhos que remetem a problematizações da pintura e da escultura, concluindo
esse processo de ida para rua, até a proposta L (2002) inserida diretamente no
espaço público, em que o trabalho ativa uma nova relação com o espaço público,
requalificando e o ressignificando. !!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!
!20
Figura 5: L (2002), 250x170x40 cm Fonte: Acervo pessoal. !!!!!
!21
1.1 A precariedade na arte contemporânea e as intervenções Vital Brasil !! À essa altura de minha produção artística, ao analisar aspectos e questões
que envolviam o desenvolvimento e criação de um trabalho bimensional ou
tridimensional de sua concepção até sua aparição em uma exposição, percebi que a
arquitetura atuava como elemento definidor de espaços e, portanto, sobre o
comportamento dos espectadores, seus modos de ver e de se aproximarem do
trabalho apresentado e exposto. A partir deste descontentamento e na ânsia de criar
uma relação estreita entre a obra, público e espaço, passo a acreditar que a ação
artística mais relevante é aquela que propõe questionar os modos de percepção de
um espaço dado a priori, propondo questionamentos sobre este poder da arquitetura
por intermédio de suas construções e edifícios, ambientes habitados e ocupados
pelas pessoas. Desse modo, as intervenções realizadas no período entre 2002 e
2006 surgem a partir deste entendimento, ou seja, de uma relação de subserviência
de trabalhos de pintura, fotografia e escultura, à arquitetura, considerando que ela é,
por fim, aquela que define o espaço e a recepção desses trabalhos bidimensionais. 4
!Cada obra de arte é em si mesma um sinal de descontentamento. Todo artista, diversamente do comportamento padrão, em vez de simplesmente satisfazer-se com as obras já existentes, de ficar extasiado pela leitura de um livro, pela contemplação de uma pintura ou pela audição de uma musica, prefere ir além: prefere produzir mais um livro ou uma pintura ou obra musical. Sintoma de uma insatisfação, cada obra de arte traz embutida uma crítica própria à noção de arte e pode mesmo modificar aquilo que entendemos por arte. (FARIAS, 2005, p.14) ! !
O autor aponta ainda para um desejo dos artistas em ampliar as linguagens
artísticas, e este desejo da produção artística em alterar e propor novos modos de
sentir e relacionar-se com o mundo. Desenhos, fotografias, pinturas, intervenções e
o trânsito e hibridismo que compõem a minha poética surgem entre as linguagens
como meios diferentes de perceber as diversas camadas da realidade.
Nesse sentido, as instalações Vital Brasil apropriam-se de elementos
retirados da realidade do mundo comum, propondo uma relação mais direta com o
espaço e o espectador. Portanto, seguindo esta linha de pensamento, a instalação
Tal descontentamento também se relacionava com um ambiente de produção artística na cidade de São Paulo, 4
neste período ainda pautado em modalidades artísticas convencionais, sendo estas modalidades submetidas às regras impostas pelo espaço onde os trabalhos bidimensionais são expostos.
!22
seria o melhor meio para atingir o público, pois aproxima-se de modo direto na
relação entre o espectador, trabalho artístico e espaço.
Ao analisar meus projetos iniciais, pensados como estudos tridimensionais, o
trabalho Escora (2002) (Fig.4) apontava para esta tensão entre espaço e
espectador. O trabalho embaralha as convenções e lugares destinados à pintura e
escultura e criava um híbrido, pois a parede exerce força sobre a ação gravitacional
que deriva tradicionalmente da escultura. Além de ocupar parte do solo avançando 5
no espaço do espectador com a haste que sustenta a caixa de madeira em tensão.
Neste momento inquieto de minha carreira, dou início a uma produção
preocupada com o exame dos espaços que contém os trabalhos, uma preocupação
tanto com a expografia de exposições, como com a própria arquitetura e seus
elementos.
Paredes, vigas, colunas e pilares passam as ser percebidos como elementos
que recebem e transferem esforços físicos das edificações, e tais esforços e pesos,
podem ser revelados por meio das instalações e intervenções. Desta forma, o
espaço expositivo passa a ser entendido no seu todo e como parte fundamental do
trabalho. Brian Odoherty foi o autor que problematiza em seu livro No interior do
cubo branco diversos aspectos da percepção do espaço no momento em que o
espaço institucional de uma galeria ou museu passam a ser examinados pelos
artistas “como um fiscal da saúde, levando em conta a estética da parede, que vai
inevitavelmente ‚‘artistificar‘ a obra de um modo que quase sempre dispersa suas
intenções“. (ODOHERTY, 2002, p. 23)
A arquitetura deste ponto vista pode interferir na visibilidade do trabalho,
alterando as intenções do artista, portanto a intenção era problematizar aspectos
dados pelos espaços e suas arquiteturas com instalações e intervenções.
Concomitante a este contexto da produção prática, desenvolvi um
pensamento de compreensão do espaço tridimensional em forma da representação
visual em duas dimensões, por meio da projeções de sólidos, vistas e desenhos
perspectivos de propostas de trabalhos de instalação, além de por em prática o
conceito e uso de escalas.
Estas ferramentas de representação visual foram determinantes no
desenvolvimentos das instalações que dialogavam com a arquitetura, pois tal
Sobre o TUCKER, D. Willian. A linguagem da escultura. São Paulo: Cosac & Naif 1999 p.145.5
!23
compreensão fez possível visualizar e dimensionar o espaço real. Estas
visualizações auxiliavam em um estudo preciso de variantes e possibilidades de
realização antes de se dar início ao trabalho de execução.
Alguns trabalhos surgem de pequenos desenhos, esboços, rascunhos soltos,
como no caso do projeto Vital Brasil Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba
(2003). ! !
!Figura 6: Esboços feitos em computador das estruturas e formas de concreto.
Fonte: Acervo pessoal. !!!!!!!!!!!!
!24
!!!!!!! !!
!!!!!!!!Figura 7: Desenho Vital Brasil Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba (2003).
Fonte: Acervo pessoal. !!!
!!!!
!25
!Figura 8: Foto Vital Brasil Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba espaço externo
Engenho Central (2003). Fonte: Acervo pessoal. !A compreensão mais precisa do espaço possibilitou projetos que se
aproximam do campo de ação do arquiteto e engenheiro, como o desenho de
projeções, escalas e cotagem, no caso do trabalho desenvolvido para 24ª Bienal de
Artes de São Paulo (2004) , que demandava uma escala de produção típica de um 6
Ver apêndice do Capítulo 1 no final do trabalho p.103.6
!26
canteiro de obras, com engenheiro responsável, equipe de marceneiros e
mondadores da Bienal, além das negociações para o desenvolvimento do projeto
com curadores e equipe de Produção.
!!
!Figura 9: Desenho para intervenção Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes São Paulo 2004.
Fonte: Acervo pessoal. !
!27
!Figura 10: Desenho técnico para intervenção Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes São Paulo 2004.
Fonte: Acervo pessoal.
Figura 11: Fotografia Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes São Paulo 2004 vista da marquise do piso térreo. Fonte: Acervo pessoal. !
!28
Figura 12: Fotografia Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes São Paulo 2004 vista do piso térreo. Fonte: Acervo pessoal.
Figura 13: Fotografia Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes São Paulo 2004 vista do espaço externo. Fonte: Acervo pessoal.
!29
O tensionamento dos limites da arquitetura aparece na reflexão de outros
agentes do circuito artístico paulista. Vemos tais preocupações em artistas como
Renata Lucas que desenvolve sua produção colocando em dúvida e amplia os
limites dos espaços onde suas intervenções acontecem. Assim, esta artista
questiona e subverte as barreiras impostas pela arquitetura e torna fluídas as
relações entre propriedades e seus espaços público e privado. !
Ainda, a arquitetura é o limite em que todo trabalho de arte esbarra quando é instalado, ele sempre estabelece uma relação com o local onde é exposto ou com o que está além dele, de sua “moldura” . Tra ta-se um campo de contenção, um campo delimitado por aspas. E o desafio é o quão longe você pode lançar estas aspas, a ponto de perdê-las de vista…A arquitetura é o corpo do lugar, ela orienta o uso, os percursos possíveis, os fluxos por onde a informação, a luz, o ar e a comunicação vão passar; ela “metaboliza” (a arquitetura) o que acontece no interior. (LUCAS, 2007, p. 127) 7
!Como conseguir sobrepor-se a esta moldura no qual os trabalhos de
intervenção esbarram-se, a arquitetura? Vista deste modo, as paredes e elementos
da arquitetura seriam este campo de contenção pelo qual os artistas tentam saltar e
apresentar novas possibilidades de percepção para este território. Desta forma,
artistas como Renata Lucas subvertem elementos da arquitetura com alterações nos
possíveis usos e fluxos desses espaços destinados a exposições artísticas ou não.
A instalação e intervenção seriam, portanto, as linguagens das artes visuais 8
que se aproximam de forma mais direta do espectador, alterando-lhe o
comportamento e a percepção para além da mera visualidade e plasticidade dos
trabalhos.
Podemos refletir sobre esta escolha da intervenção a partir da contribuição
bastante relevante de Daniel Buren que argumenta em seu texto “Limites Críticos” 9
A artista Renata Lucas aponta para estas questões da arquitetura em entrevista para Adriano Pedrosa que foi 7
realizada em abril de 2007 e é parte integrante do catálogo produzido para acompanhar a mostra Falha, organizada por Clara Kim e apresentada no Redcat, Los Angeles, em junho de 2007. LUCAS, A. Renata. Visto de dentro Visto de fora. Tese de Doutorado USP, ECA, p.127.
Entendo a instalação como o uso do espaço ampliado para criações que envolvam o espaço, obra e corpo do 8
espectador. e intervenção se define quando uma situação no espaço ou não, apresenta uma ruptura, uma provocação, perturbação ou desequilíbrio na experiência do espectador, no curso normal de uma experiência estética.
BUREN, Daniel. Daniel Buren textos escolhidos 1967 2000. org. Paulo Sergio Duarte; trad, A. M. Castro 9
Santos, Andrés Sena, Lúcia Maria. Rio de Janeiro: Centro de Arte Hélio Oiticica, 2001.
!30
como as formas de discursos e a maneira como diversas modalidades artísticas são
percebidas dentro do contexto do Museu em que “a obra de arte só existe (…) , com
a ajuda dos esquemas, que este mesmo objeto não existe, não pode ser visto senão
em função do Museu Galeria que o circunscreve e para o qual foi produzido(…)”.
(BUREN, 2001, p. 22)
Em seu texto de 1970, Buren demonstra como trabalhos que pensam o
espaço e revelam os seus modos de fazer e seus materiais, no qual o objeto
apresentado aproximam-se dos espectadores mais fielmente, isto é, sem camadas
de apresentação, representação e significação que obliterem sua percepção.
Além disso, a partir do texto de Buren, Mauricio Fleury (2004) estabelece
como caráterísticas da instalação e sua complicação, levando em consideração não
somente o objeto pelo qual a obra de arte se apresenta mas, também, como o
trabalho que reflete caráterísticas na relação do espaço para o qual foi pensado, a
priori. Nesta direção, Fleury nos indica:
!(…) isto é, passa a revelar o seu processo e seus limites. Depois de tal operação, e recolocada em seu contexto, percebemos que a obra não é um fim em si, pois ela ainda seria determinada pelo espaço onde é percebida. Entretanto ao revelar (problematizar) o espaço que a circunscreve, a obra passaria a ter uma mobilidade que poderia romper os limites do museu/galeria, uma vez que o espaço (dentro e fora) existe a priori. A obra se expandiria de maneira a anular as limitações do espaço, possibilitando, assim vários ponto de vista.(FLEURY, 2004, p. 99) !!
Portanto, a relação que a obra estabelece entre o espaço e o espectador
altera-se e alarga-se de acordo com o percurso realizado, por meio do contato com
o trabalho em diferentes pontos de vistas e circunstâncias físicas. A experiência
estética, desse modo, atua sobre os limites do conhecimento e contexto sócio
cultural, sendo o mais amplo quadro de percepção proposto para a experiência do
espectador.
As intervenções e instalações da série Vital Brasil (2000-2007) dependem do
espaço onde os trabalhos são apresentados, pois intervêm diretamente nos
elementos arquitetônicos. Os trabalhos levantam questões sobre a condição do
espaço em “estar em obras”, camuflando-se nos sistemas de construção civil,
propondo um momento de reflexão sobre o caráter político e das materialidades que
constituem o lugar onde os trabalhos se inserem.
!31
Frente às intervenções, que se apropriam de um processo e meios de
construção do concreto armado, vemos a suposta solidez do edifício revelar seu
caráter temporário e efêmero do seu canteiro de obras. !
Esta correlação de forças sugere um espaço em obras, como o da construção civil. Nada está pronto. O local parece incompleto, prestes a desabar ou a se refazer. Tanto que a marquise sai de fora e vem para dentro, e o que é instável parece desmentido.Tal indeterminação tem algo do território arriscado derivado da critica moderna ao espaço perspectivo. (MESQUITA, 2002)
O conjunto de trabalhos da série Vital Brasil propõe este estado de constante
“vir a ser” das arquiteturas dos prédios, supostamente alterando a estabilidade real
do lugar, intervindo naquilo que o material possui de mais caráterístico que é a sua
durabilidade, firmeza e certeza.
O intuito dos trabalhos é criar uma fissura na percepção do espectador e
visitante do museu e gerar um estado de suspensão de suas noções estabelecidas,
friccionar a percepção com a inserção desses equipamentos urbanos oriundos da
construção civil e comumente vistos pelas cidades de São Paulo e seus canteiro de
obras.
Neste momento, a apropriação e deslocamentos de elementos da construção
civil, no caso as formas para o concreto, feitas em madeira e utilizadas na secagem
de concreto, são os materiais da serie Vital Brasil que fornecem o discurso
necessário para o questionamento do caráter de permanência das construções
modernas, remetendo ao ininterrupto processo de deconstruir e construir da
metrópole. Como comenta ARAUJO (2004) no jornal Estado de São Paulo sobre a
intervenção Vital Brasil elaborada para 24ª Bienal de Artes de São Paulo, o trabalho:
“(…) propõe uma arquitetura tosca, precária e temporária, que remete à paisagem
fragmentada da metrópole”. 10
Desse modo, o uso de elementos da construção civil funciona como um
dispositivo facilitador da leitura do trabalho pelo grande público e com isso aproxima
ainda mais as instalações da relação obra-espaço-expectador, colocando em
questionamento as noções do público e o do senso comum. Jacopo Crivelli,
Texto sobre trabalho Vital Brasil realizado na 24ª Bienal de São Paulo. ARAUJO, Filipe, M.H. Na Bienal e fora 10
dela. Caderno 2, Estado de São Paulo, 20 set. 2004.
!32
assistente de curadoria da 24ª Bienal de São Paulo, partilha da mesma
argumentação, ao comentar alguns trabalhos que participavam da exposição:
!Depois de ter sido contemplado de uma perspectiva artística num contexto privilegiado, o material pobre é lido e entendido de maneira inerente também no ambiente de onde fora extraído, e não só pelo artista mas -e é o que importa - pelo observador. É exatamente nisso que reside um dos méritos da arte geral: apropriando-se de materiais comuns, ela age sobre nossa percepção da realidade, amplia os horizontes e, de fato, melhora nossa qualidade de vida, enquanto possibilita uma reavaliação pu ramen te i n t e l ec tua l do mundo , i r r edu t í ve l a qua lque r consideração económica. (VISCONTI, 2004, p. 46) !
A escolha deste elemento da construção civil aponta a intenção, como artista,
em propor relações diretas com o entorno, utilizando materiais do próprio canteiro de
obras e da cidade. Com esta apropriação, propõe-se um deslocamento dos aspectos
socioeconômicos e da realidade do mundo comum de onde o material advém,
ressignificando assim o contexto do material. A escolha de um material comum, em
detrimento aos matérias nobres da escultura tradicional, aproxima-se da condição
política e social como colocada por Artur Barrio em seu Manifesto:
!Contra as categorias de artes contra os salões contra as premiações contra os júris contra a crítica de arte Fevereiro de 1970 - Rio de janeiro Devido a uma serie de situações no setor das artes plásticas, no sentido de uso cada vez maior de materiais considerados caros, para nossa, minha realidade, num aspecto sócio-economico do 3º mundo (Amér i ca La t i na i nc l us i ve ) , dev ido aos p rodu tos industrializados não estarem ao nosso, meu, alcance, mas sob o poder de uma elite que contesto, pois a criação não pode estar condicionada, tem de ser livre. Portanto, partindo desse aspecto sócio-econômico, faço uso de materiais perecíveis, baratos, em meu trabalho, tais como: lixo, papel higiênico e urina, etc. É claro que a simples participação dos trabalhos fei tos com mater iais precár ios nos círculos fechados de arte provoca a contestação desse sistema em função de sua realidade estética atual. (…) (CANONGIA, 2002, p. 145)
Barrio trabalha com materiais efêmeros na criação de situações que fogem
das linguagens artísticas tradicionais. Rompe com convenções modernistas, e nos
apresenta uma produção com processos que evidenciam situações efêmeras e
precárias, criticando a noção da obra de arte moderna como objeto finalizado.
!33
O uso de materiais descartados pela sociedade de consumo e estruturas
arquitetônicas temporárias, que tangencia o conceito da precariedade, são aparatos
para os trabalhos de Thomas Hirschhorn. O artista suíço se apropria de estruturas e
materiais do mundo comum, em conexão com os valores de consumo, de modo
intervencionista. O artista também possui vasta produção escrita com textos e
manifestos, pelos quais acrescenta novas camadas de discussão à questão da
tênue relação entre o efêmero e precário em uma outra abordagem “my work isn´t
ephemeral, it´s precarious. It´s humans who decide and determine how long the work
lasts. The term “ephemeral” comes from the nature, but nature does'n´t make
decisions.“ 11
Thomas Hirschhorn entende que o precário é condição dada pelo ser
humano, pois ele que decide quanto tempo de duração aquela situação ou proposta
vai ter, diferente do efêmero que seria condição dada pela natureza. “O artista opõe
o termo precário ao efêmero, pois este último está associado a ordem da natureza,
comparável a vida de uma borboleta, enquanto seu projeto, está ligado a vida
humana e sua precariedade” 12
Hirschhorn tem uma vasta produção e análise da condição do precário em
suas proposições artísticas, instalações, museus e monumentos. Seus projetos 13
frequentemente ocupam espaços de praças públicas ou espaços de vazios urbanos,
com equipamentos arquitetônicos que estabelecem relações com os freqüentadores
ou moradores da região onde o trabalho acontece.
!!!!!
“Meu trabalho não é efêmero, é precário. São humanos que decidem e determinam quanto tempo dura o 11
trabalho. O termo "efêmero" deriva da natureza, mas a natureza não toma decisões“. FOSTER, Hal. Crossing over. The Berliner Journal number 20. Spring 2011, p. 28 tradução livre do autor desta dissertação
Comentário de Yvane Chapuis, em 27 de maio 2003 no Musée Précaire Albinet in MELO, Berta Oliveira. Arte 12
Museu Precário Albinet Thomas Hirschhorn - cidade Jamac parecer pinturas Monica Nador. p.37 Disponível em: http://issuu.com/bertaoliveira6/docs/museu_prec__rio_albinet_thomas_hirs Acesso em: 05/12/2107
Neste artigo a autora Marcia Ferran apresenta alguns projetos do artista Thomas Hirschhorn e o Museu 13
Precário Albinet: postura etnográfica e crítica urbana Disponível em .http://www.forumpermanente.org/event_pres/simp_sem/simposio/documentacao/comunicacoes-i/thomas-hirschhorn-e-o-museu-precario-albinet-postura-etnografica-e-critica-urbana. Acesso em: 03/12/2017
!34
Figura 14: Thomas Hirschhorn, Musée Précaire Albinet, 2004. Fonte: Les Laboratoires d’Aubervilliers.
Em Musée Precaire Albinet (2004), o artista construiu estruturas
arquitetônicas temporárias e com materiais comuns e baratos, na periferia da cidade
de Paris, em Landy, bairro de conjuntos habitacionais populares. Neste espaço de
ação, discussão e uso, realizaram-se debates, conversas, seminários, palestras,
oficinas e refeições. Além de uma mostra no museu temporário por oito semanas,
com trabalhos de Marcel Duchamp, Kasimir Malevich, Piet Mondrian, Salvador Dalí,
Joseph Buys, Andy Warhol, Le Corbusier e Fernand Léger. Hirschhorn atua nesta
relação com o outro, onde estabelece como material de seu trabalho este espaço de
pesquisa e reflexão. Neste caso importa-nos lembrar a contribuição de Foster (2009)
que também argumenta sobre a condição de precariedade do trabalho de Thomas
Hirschhorn no texto para Artforum:
!!!!!!!
!35
I came to the term precarious via Thomas Hirschhorn, and many of his projects, such as Musée Précaire Albinet, staged in the Aubervill iers banlieue of Paris in 2004, are very much to the point here; his sometime collaborator the French poet Manuel Joseph has also used the term, in a short text on la précarité "as a political and aesthetic apparatus." … ”Precarious: from the Latin precarius, obtained by entreaty, depending on the favor of another, hence uncertain, precarious, from precem, prayer." This implies that this state of insecurity is not natural but constructed - a political condition produced by a power on whose favor we depend and which we can only petition. 14!
Thomas Hischorn e Barrio são artistas contemporâneos que possuem
aproximações em suas propostas artísticas, ambos travam questionamentos sobre a
precariedade e contexto da periferias e espaços alternativos das cidades. Artistas
que se apresentaram como impulsionadores de problemáticas e situações que
adensaram minha poética e pensamento sobre arte contemporânea.
Uma outra abordagem da precariedade passa a ganhar espaço e ser
apontada como conceito que pode reunir parte da produção na primeira década do
século XXI. A precariedade encontra eco na produção artística atual, pois as
certezas, verdades que marcaram a modernidade se tornaram ultrapassadas, de
acordo com este enfoque Poltronieiri (2017) ressalta:
!Não é meu objetivo tratar especificamente da herança deixada pela modernidade, mas, sim, da ascensão em nossa época, de estruturas de pensamento que encontram na precariedade sua mobil idade conceitual, visto que me parece absolutamente deslocado fa lar em permanência em anos marcados pela efemêridade. 15!
De acordo com este enfoque, podemos verificar que alguns artistas
contemporâneos refletem em suas obras situações sociais e políticas, sofridas pelo
mundo, de catastróficos desastres ecológicos, a grandes acontecimentos políticos
“Cheguei ao termo precário através de Thomas Hirschhorn, e muitos de seus projetos, como o Musée Précaire 14
Albinet, encenado no Aubervilliers banlieue de Paris em 2004, que é bastante direto. Seu colaborador, o poeta francês Manuel Joseph, também usou o termo, em um breve texto no La précarité "como aparelho político e estético". ... "Precário: do Latim precarious, obtido por súplica, dependendo do favor de outro, portanto incerto, precarious, de precem, oração". Isso implica que esse estado de insegurança não é natural, mas construído - uma condição política produzida por um Poder em cujo favor dependemos e que só podemos pedir.” FOSTER, Hal. Precarious On the Art of the Decade. Artforum. Dec 2009, p. 209, (tradução livre do autor desta dissertação).
POLTRONIERI, Fabrizio Augusto. Precariedade como a base conceitual para o entendimento da arte como 15
jogo ininterrupto. Disponível em: http://periodicos.ufc.br/vazantes/article/view/20464/30901 Acesso em: 05/12/2017
!36
que transformaram a sociedade. Em texto publicado pela Revista Artforum,
Precarious On the Art of the Decade, Foster (2009) evoca um estado de incerteza no
meio social, como possíveis transformações que afetam o artista, alterando meios,
linguagens e estratégias na recepção e criação das suas propostas artísticas.
(FOSTER, 2009, p. 207)
A precariedade no circuito da arte internacional pode ser aferida através das
propostas de artistas como Marjetica Potrc, artista ganhadora do prêmio Hugo Boss
em 2000 e, Francis Alys, nomeado ao mesmo prêmio dois anos depois, como
ressalta a critica Anna Dezeuze (2006) . Em síntese, a autora lança um cuidadoso 16
olhar sobre a estética das favelas no ambiente das artes visuais. Surgida da
necessidade de sobrevivência e das adversidades da vida nas periferias das
metrópoles, pautando-se pelo texto de Hélio Oiticica “Da Adversidade
vivemos” (1968) e também pela curadoria de Carlos Basualdo que desenvolve esta
aproximação em sua proposta curatorial, The Structure of Survival, para 50ª Bienal
de Veneza de 2003, Anna Dezeuze questiona o uso do efeito estético do material
usado e roto, não nobre, e aponta para o perigo desses materiais serem utilizados
em função de uma estética da precariedade ou para uma tendência da fetichização
da pobreza, tirando proveito somente das qualidades e efeitos estéticos que esses
elementos apresentam. Desta maneira, o trabalho não apresenta um objetivo maior
de entendimento em busca de um significado além, e passa a ser visto somente
pelos efeitos plástico-estéticos que estes objetos e propostas artísticas
proporcionam, gerando desse modo um fetiche sobre o material pobre.
Portanto é necessário, para análise de trabalhos, dissecarmos os elementos
constituintes da obra e com isso rompermos sua unidade formadora para se chegar
às camadas de significação inesperadas. Importante notar que este estado de
incertezas e problemas políticos e naturais geram reações em muitos artistas que se
voltam para problemas sociais como objeto de seus trabalhos. Jacopo Criveli em
texto para 24ª Bienal de São Paulo em 2004 aponta como artistas transformam as
situações e estados de instabilidade em proposições artísticas.
DEZEUZE, Anna. Thriving on Adversity: the art of Precariousness. www.metamute.org 5 September 2006. 16
Além desse panorama, o programa Rumos Itaú Cultural de Artes Visuais 2001/03 contemplava como um dos seus segmentos de curadoria as Poéticas da Atitude: o transitório e o precário, com artistas que questionavam técnicas convencionais e interrogavam o valor de perenidade e utilizavam métodos não convencionais de ocupação espacial.
!37
!!Os artistas desta nova corrente, que poderíamos definir como a r t e g e r a l , u t i l i z a m e x c l u s i v a m e n t e m a t e r i a i s s i m p l e s , frequentemente retirados de outros contextos. Os resultados são em pr imeiro lugar insta lações e escul turas, mas também composições pictóricas e até vídeos, em que a precariedade dos suportes ou dos motivos representados se traduz em manifesto poético estético. Com freqüência aparecem madeiras usadas, queimadas ou em avançado estado de decomposição, ferros oxidados, cimento, arame e até mecanismos precariamente adaptados a novos usos. (VISCONTI, 2004, p. 45)
Deste modo podemos entender que algumas chaves de interpretação do
precário podem ser dadas a partir de um contexto artístico como, neste caso, a
corrente de artistas que trabalham com este conceito, que rondava o circuito das
artes da primeira década de XXI.
Com o uso das madeiras velhas e gastas já utilizadas para fôrmas de
concreto ou de tapumes de obras, revelam-se aspectos da feitura do espaço onde o
trabalho Vital Brasil se insere. Ele representa a construção do espaço e os conflitos
sociais que envolvem o complexo contexto da produção de cultura em um país como
Brasil. Revelando a construção no seu fazer e apresentando aspectos do espaço
transitório, efêmero e precário dos canteiros de obras que deveriam estar fora dali,
assim provoca tensionamentos, dissonâncias na relação entre a arquitetura do
prédio pronto e a percepção dos observadores e usuários do espaço. !1.2 Vital Brasil (2002) na exposição coletiva no Centro Cultural São Paulo ! Em frequentes visitas à biblioteca e discoteca do Centro Cultural São Paulo
gostava de ouvir discos LPs enquanto apreciava os amplos espaços proporcionados
pelos ousados vãos livres do projeto de Eurico Lopes. Posso dizer que desfrutava
das possibilidades que o local oferecia, eventos musicais, teatro, dança, cursos,
palestras e encontros de literatura e como ponto de encontro e reunião na cidade.
Estranhamente, a impressão do piso Caio Graco, destinado à área de artes
plásticas, no início dos anos 2000, não era animadora em comparação ao esperado
cubo branco. O piso das artes plásticas vazio, meio abandonado, estranho, uma
arquitetura ainda a se fazer e com detalhes ainda em acabamentos com fios e
estruturas do teto ainda a serem finalizadas. Caráterística esta que pode ser
observada em muitos dos prédios do poder público e ou privado no Brasil,
!38
construídos precariamente, com materiais baratos, à sombra de outras mazelas
estruturais.
Neste período enviei proposta para Edital Programa de Exposições 2002 que
contemplava a realização de uma exposição coletiva e outra individual, sendo aceito
pelo Júri composto por Carlos Augusto Calil, Ivo Mesquita, Paulo Venâncio Filho,
Sergio Sister e Stella Teixeira de Barros.
Após ser selecionado, realizei as visitas técnicas ao espaço, além do
determinante contato com o acervo histórico do CCSP e seus arquivos, onde
encontrei imagens da construção do prédio que alimentaram minhas pesquisas
sobre elementos da construção civil e as técnicas construtivas utilizadas na
construção do prédio.
Tratando-se de uma de minhas primeiras instalações em circuito institucional,
vislumbrei a necessidade de usar a oportunidade para criar algo em grande escala,
queria construir algo que gerasse realmente um ruído naquele espaço destinado às
artes visuais, presos aos convencionais módulos brancos e engessados para
exposições, utilizados até os dias de atuais para as exposições.
A partir dos estudos em maquetes e esboços que desenvolvia nesse período,
estabeleciam-se relações e prolongamentos de elementos da arquitetura, suas
quinas, colunas, pilares, vigas, paredes prolongamentos das construções, partes
que sustentam uma construção. Perfis que não são mostrados, escondidos pelos
tapumes, cortinados, máscaras para o efêmero, não se mostra o que sustenta o
concreto, a precariedade das construções, a provisoriedade não se apresenta, só se
tira a máscara quando tudo está pronto novinho e então aquele material se vai, tão
importante para a obra, vai para outra obra onde voltará a ter sua função de
sustentar outras construções, assim até o desgaste total de sua matéria. 17
!!!!!!!!!
O texto em itálico se refere a textos escritos durante o processo e anotações pessoais.17
!39
Figura 15: Construção jardim do piso Caio Graco Centro Cultural São Paulo 1982. Fonte: Acervo Centro Cultural São Paulo.
Figura 16: Construção Centro Cultural São Paulo 1982. Fonte: Acervo Centro Cultural São Paulo. !!
!40
Figura 17: Maquete e desenhos de projetos. Fonte: Acervo pessoal. ! Para o projeto, percebi que o uso de uma estética bruta e crua no uso dos
materiais eram aspectos da obra dos arquitetos Eurico Prado Lopes e Luiz Telles,
que me remetiam a este estado simples de acabamento final do edifício. E foi esta a
caráterística de materialidade do prédio que me chamou atenção e a qual me
apeguei para pensar a intervenção.
O concreto aparente das vigas que formam o grande esqueleto estrutural do
teto do CCSP e que convergem para grande pilar central na altura dos três andares
é o grande centro que concentra as tensões e pesos estruturais da arquitetura.
Sendo o elemento mais imponente e marcante desta parte do prédio, foi um dos
primeiros lugares onde pensei em realizar a intervenção querendo interagir com o
elemento principal do prédio. Mas devido à grandiosidade de suas dimensões em
contraste com a falta de qualquer pro labore para o projeto, além do curto espaço de
tempo de realização, busquei escolher um outro elemento arquitetônico mais
acessível.
Primeiramente, a viga na qual pensei em intervir seria na biblioteca, no intuito
de mostrar que o processo de construção civil se relaciona com o processo de
construção de conhecimento e que nos dois casos é o trabalho, é a construção, seja
ele conceitual ou manual, que une as atividades do intelectual e do pedreiro, por
meio do conceito de labor.
!41
!!
Figura 18: Montagem fotográfica do piso Caio Graco. Fonte: Acervo pessoal.
!Figura 19: Esboços para projeto exposição individual. Fonte: Acervo pessoal.
Devido às dificuldades de permissão envolvendo outros setores do Centro
Cultural São Paulo e o desejo de manter a relação visual mais direta com a cidade, o
Piso Caio Graco oferecia esta melhor relação entre cidade e o espaço expositivo.
Portanto, a intervenção Vital Brasil, realizada para a I Mostra do Programa de
Exposição 2002 de 1 a 25 Ago coletiva, foi construída em uma viga sobre a área
onde se situam os sanitários daquele andar. A escolha da viga se deu pela
proximidade da parede de tijolos, o que fortaleceria a relação da construção e tijolo à
vista, com as madeiras e madeirites utilizados pelo projeto.
!
!42
!!Figura 20: Vital Brasil, I Mostra do Programa de Exposição 2002 coletiva.
Fonte: Acervo pessoal ! Com o isso, o trabalho camuflava-se interagindo com outros elementos e
desenhos da arquitetura, insinuando um prolongamento da curva da viga, que se
descolava do concreto e tendia à queda, apoiando-se desajeitadamente na parede e
caindo sobre o espaço, problematizando o comportamento e a circulação do público.
Este processo de escolha do lugar para a intervenção pode ser entendido como nos
propõe Krauss (1979, p. 136) em seu artigo: “arquitetura mais não arquitetura (…)
estruturas axiomáticas existe uma espécie de intervenção no espaço real da
arquitetura, (…) um mapeamento das caráterísticas axiomáticas da experiência
arquitetural - as condições abstratas de abertura e closura- na realidade do espaço
dado“.
Neste caso, a realidade do espaço, dados suas tensões, formas e desenhos,
é ativada pela intervenção e estrutura do trabalho, alterando a experiência
arquitetural daquele que visitava o prédio.
A técnica construtiva se dava por meio dos amarramentos dos madeirites nos
sarrafos, sendo os sarrafos presos às estruturas metálicas destinadas à iluminação
do teto. Não havia um projeto executivo ou projeto detalhado anterior, o recolhimento
!43
e as ajudas dos amigos, além do prazo construtivo, regiam todo o processo de
acúmulo de material, um processo realizado no ritmo do calor do momento.
O trabalho equilibrava-se nos possíveis pontos de fixação encontrados na
própria viga, pois não era permitido realizar furos no concreto armado devido ao
tombamento do prédio. Portanto, o mapeamento para a realização da intervenção se
dava de modo espontâneo no encontro com o as diversas proximidades materiais.
!Figura 21: Vital Brasil, I Mostra do Programa de Exposição 2002 coletiva. Fonte: Acervo pessoal. !!
!44
!Figura 22: Esboços para projeto exposição individual.
Fonte: Acervo pessoal. !!1.3 O dentro e o fora no projeto Vital Brasil (2002) exposição individual no Centro Cultural São Paulo
A intervenção para exposição individual pretendia relacionar-se de modo
formal e comentar aspectos do prédio que vinham ao encontro às vontades
conceituais do próprios arquitetos, que prezavam por um prédio transparente e
transpassável e voltado à heterogeneidade da população de São Paulo. Portanto,
esta relação entre o espaço externo e interno era um dos desejos que moviam o
trabalho Vital Brasil para I Mostra do Programa de Exposição 2002 individual.
A intervenção seguia a viga da marquise externa sobre o jardim e prolongava-
se pendendo para o chão, ao lado da porta de entrada do espaço expositivo interno
até próximo do ponto onde se localiza a escultura Eva (1920) de Victor Brecheret.
!!!
!45
Figura 23: Processo de construção de Vital Brasil, I Mostra do Programa de Exposição 2002 individual. Fonte: Acervo pessoal
Figura 24: Vital Brasil (2002), I Mostra do Programa de Exposição 2002 individual. Fonte: Acervo pessoal
!46
A partir da experiência do espaço, o concreto da viga obliterado por madeiras
da estrutura da intervenção chamava a atenção para seu espaço interno oco à
desabar sobre chão, próximo à passagem de entrada do visitante da exposição,
alterando a experiência e percepção da entrada do local. Sua forma sugeria a esse
usuário comum do lugar que o prédio poderia ter sido ocupado ou ainda estar em
processo de construção ou mesmo reforma.
Deste organismo estrutural em ferro e concreto, desta ossatura surgem as
estruturas precárias de Vital Brasil que se grudam à arquitetura de Eurico Lopes em
uma simbiose benigna. As madeiras traziam à tona toda uma carga de
fragmentação, que o prédio e o projeto arquitetônico evita. Mas era nesta relação de
fraturar a certeza do visitante, onde se gerava e se dá o conhecimento, que precisa
ser provocado atiçado e desconstruído. O que aquilo fazia ali? Para que servia? O
projeto desta maneira ativava a percepção do espaço e adentrava com esta camada
social, do pedreiro, do trabalhador, do construtor popular, pessoas que ainda hoje
são mal vistas pelas equipes de segurança da instituição pública e artística do
Centro Cultural São Paulo.
A intenção de envolver o visitante no espaço e desviá-lo de seu curso
propondo um novo ambiente e significados agregados ao trabalho contaminavam o
espaço do entorno onde a intervenção se encontrava.
A seriação das vigas e estruturas metálicas do teto do CCSP se relacionava
com o desenho seriado dos sarrafos de madeira que se prendia ao teto e aos
madeirites. O trabalho perturbava o trajeto projetado para o devaneio e
contemplação artísticos.
O ruído causado pelo trabalho e seus materiais estremece certezas e
convicções. Quem teria feito? Sabiam que alguém, mas com certeza não aquele
mestre de obras instruído, ou seria uma reforma no prédio? Não havia tapumes ou
sistemas de segurança. O trabalho remete a uma arquitetura e construção popular,
de periferia, construída com aquilo que é encontrado pelas ruas para dar origem a
uma arquitetura popular. “(...) arquitetura brasileira não é somente a de Niemeyer ou
a de Artigas. Também é a dos bairros periféricos, com suas casinhas auto
construídas (…)” (LEMOS, 2010)
O sistema construtivo precário e temporário que intervém na materialidade do
projeto de Eurico Lopes foi o mesmo sistema de construção das casas que se
!47
apresentam sem o reboco, onde as vigas, colunas e pilares das construções se
mostram aparentes e sem acabamento final, a deixar sempre na laje a ponta de
vergalhão para uma construção futura.
Este processo de construção utilizado na instalação Vital Brasil para Mostra
Individual (2002) faz referência a uma construção fragmentada e com materiais
achados e recolhidos pelo próprio construtor na sua escala de um pedestre,
encontrados aqui e ali e transportados de modo precário, reafirmando a
fragmentação de seu aspecto formal. (JACQUES, 2003, p. 23)
Pode-se então estabelecer também, a partir deste modo de construção,
analogia entre a construção do barraco e a construção de Vital Brasil (2003). A esta
prática construtiva podemos relacionar também a ideia de bricolagem, que tem a ver
com o acaso e a incompletude. Ao bricolar da prática construtiva do morador de
favelas, onde a arquitetura se dá pelo acaso, com os materiais encontrados pelas
ruas das cidades, materiais gastos, já utilizados, todos de segunda mão e que se
adequam ao espaço sem um projeto detalhado, Berestein (2003, p. 25) desenvolve
um aprofundado estudo a partir da análise dos processos constitutivos da favela no
trabalho de Helio Oiticica:
!(…) uma reciclagem arquitetural sobretudo aleatória, que nasce da fragmentação de antigas arquiteturas (…). A incessante recons t rução com f ragmentos de mater ia is já u t i l i zados , detentores de uma história construt iva própria, consti tui a temporalidade dessa outra maneira de construir. Sua “poesia” reside justamente na dimensão aleatória de resultado, sempre inesperado e intermediário.(JACQUES, 2003, p. 25)
Neste caso, a bricolagem como técnica construtiva geradora do abrigo serviu
como aproximação do caráter provisório e temporário que a intervenção Vital Brasil
pretendia ativar no espaço e seu entorno para problematizar as noções da
arquitetura daquele espaço, como algo sólido e eterno.
Com o trabalho, propõem-se novos fluxos de movimentação e uso do espaço
dado. A construção gera novos vetores de direções, alterando a praticidade e
propondo novas espacialidades geradas pela presença física do trabalho e suas
caráterísticas.
!!!
!48
1.4 O arquiteto e o pedreiro no projeto Vital Brasil (2005) exposição coletiva no Instituto Tomie Ohtake. !
Com arquitetura de formas marcantes que compõem espaços e volumes escultóricos, o Complexo Aché Cultural – composto por dois prédios de escritórios, centro de convenções, teatro e o Instituto Tomie Ohtake - já se tornou referência na paisagem da cidade de São Paulo. A criação de um espaço urbano inédito, onde as pessoas podem conviver com cultura, trabalho e lazer naturalmente integrados, rendeu ao autor do projeto, Ruy Ohtake, mais um prêmio em seu currículo, o da 9ª Bienal de Arquitetura de Buenos Aires, em 2001. Ocupando dois pisos, o Instituto é distribuído em 7.500m2, com 7 salas de exposição, um setor educativo com ateliês, salas para palestras e setor de documentação. O piso térreo é integrado a um grande hall onde funcionam restaurante, l ivraria e loja de objetos. 18!!
Convidado por Agnaldo Farias para participar da exposição Geração da
Virada 10+1: os anos recentes na arte brasileira (2005), logo nas primeiras visitas ao
Instituto Cultural Tomie Ohtake, chamaram-me a atenção os guarda-corpos em
concreto aparente na entrada do centro cultural, algumas da paredes logo na
entrada do espaço estão soltas e fazem pouco sentido em relação ao seu uso, no
entanto, tal recurso plástico e a mistura de linhas e formas em curvas em diferentes
sentidos, construídas com fôrmas de madeira, faz o concreto dançar. O mesmo
efeito das curvas está nas paredes do espaço interno e na escada de acesso e
guarda-corpos. O uso das curvas faz parte do repertório arquitetônico de Ruy
Ohatke como ele mesmo salienta:
!Na arquitetura, a curva estabelece uma relação muito rica de espaço e de volume. Proporciona, para quem está vendo, um exercício de prolongamento visual e, para quem está dentro, um espaço mais generoso, que não se deixa limitar pela rigidez geométrica… A curva foi a primeira ousadia da arquitetura contemporânea brasileira. Essa ousadia da forma precisava se sustentar numa ousadia estrutural, e provocou signif icativo avanço nos cálculos estruturais. A meu ver, as curvas de nossa arquitetura são as mais belas do movimento contemporâneo mund ia l . Por que se rá? Ta lvez porque não possam ser integralmente previstas pela alta tecnologia. Eu diria que são essencialmente gestuais. São criadoras. São bonitas. 19!
Espaço. Disponível em: http://www.institutotomieohtake.org.br/conheca/espaco material institucional do 18
Instituto Tomie Ohkate Acesso em: 05/12/2017
O processo de criação do Arquiteto Ruy Ohtake. Disponvel em: http://pt.slideshare.net/CristianeLarsen/19
apresentao-finalcompactadaruyothake Acesso em: 05/12/2017
!49
! Foi seguindo este movimento das formas curvas que se iniciam no espaço
externo, tanto no piso como nas fachadas, que projetei o prolongamento da parede
interna com a instalação Vital Brasil, na intenção de dar movimento ao concreto que
se mantinha acabado àquela altura da parede, a ideia era alterar a percepção da
entrada da primeira sala do primeiro piso do instituto cultural.
As marcas das faixas horizontais das tábuas de madeiras deixadas sobre a
parede principal de concreto foram medidas, refeitas e re-conectadas com a
instalação que se prende à arquitetura e projeta-se prolongando a parede para uma
nova possibilidade arquitetônica. Tal ação gerava a sensação de encontrar o prédio
em um tempo/espaço, em que o mesmo se encontrava em obras, por onde
andavam pedreiros por aqueles corredores ainda em fase de construção.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!Figura 25:Vital Brasil, intervenção na arquitetura do instituto Cultural Tomie Ohtake 7 out. 26 nov. 2006 dimensão: 245 x 320 x 15cm Fonte: Livro Geração da Virada 10+1 anos recentes da arte brasileira. ! Com a ação de reproduzir as mesmas medidas do concreto armado, com as
madeiras, o madeirite rosa, mais barato e mais acessível remete às fôrmas
utilizadas em construções mais populares, o trabalho também se refere aos
aspectos sociais que envolvem a arte produzida no Brasil e que se reflete em uma
!50
sociedade de luta e conflito entre classes, onde as desigualdades sociais são
observadas a poucos metros das portas do próprio Instituto Centro Cultural, onde se
encontra grande concentração de população de baixa renda, que ali tem saída de
seus ônibus e o comércio bastante peculiar do Largo da Batata.
O choque entre a arquitetura de Ruy Ohtake e a técnica de construção que
apresenta, somente os vestígios das madeiras gravados no concreto, são afirmadas
na instalação com as mesmas faixas de madeira que deram origem à parede e à
textura presente nas paredes.
A instalação Vital Brasil (2005) no Instituto Tomie Ohtake aponta para a
relação entre o saber do engenheiro e o fazer do pedreiro em nossa sociedade
capitalista, trazendo as técnicas construtivas do pedreiro para junto do desenho
proposto pelo arquiteto e engenheiro Ruy Ohtake.
Com a técnica construtiva do concreto armado detalhadamente exposta pela
conexão direta com o concreto aparente, flexibiliza-se a forma final do projeto
acabado do engenheiro, ou seja, o retorno destas formas instaura o trabalho
provisório e temporário do pedreiro, revelando questões sociais de prestigio e
valoração de trabalhos. “Há um enorme desnível de prestigio e de poder entre essas
profissões, decorrente da concepção generalizada em nossa sociedade de que o
trabalho intelectual é superior ao manual.” (ARANTES, 1982, p. 13)
A instalação gera questionamentos sobre as técnicas de trabalho, bem como
de prestígios profissionais envolvidos na área da construção civil, que se
transmutam nos conflitos sociais da sociedade brasileira, esta que ainda distingue, e
muito, o saber do pedreiro, como popular, do saber do engenheiro, como intelectual
“…essa dissociação entre “fazer" e “saber”, embora a rigor falsa, é básica para a
manutenção das classes sociais pois ela justifica que uns tenham poder sobre o
labor dos outros.” (ARANTES, 1982, p. 13)
Nesta condição, o fazer do pedreiro e o canteiro de obras devem desaparecer
quando o prédio estiver acabado e qualquer marca do trabalho manual deve ser
escondidp nos aspectos formais do edifício pronto.
No entanto, alguns arquitetos tomaram partido desta qualidade bruta do
material para a execução de seus projetos, valorizando efeitos de madeiras como
qualidade estética da superfície do concreto aparente.
!51
O uso de materiais da arquitetura costumam advir do contexto de onde
surgem as edificações, desta forma, a carência ou abundância de recursos naturais
e ou industriais podem definir o processo e técnica construtiva de determinada
região ou lugar. Em São Paulo nota-se a predominância nas construções
modernistas, onde se privilegia o uso estrutural do concreto armado, em detrimento
de materiais como o ferro, pois o uso daquele material encontra facilidades no
contexto paulistano e brasileiro. 20
O concreto armado possui uma técnica construtiva que vai ao encontro de
outro material em abundância no Brasil, a madeira. A técnica construtiva que utiliza a
fôrma de madeira para modelar o concreto armado é frequentemente utilizada em
importantes projetos de arquitetura em São Paulo e no Brasil. Apesar de muitas
empreiteiras utilizarem a fôrma para concreto em ferro, ainda é vigente o uso de
diferentes tipos de madeira nas construções em São Paulo, pois tal técnica
construtiva encontra facilidades no contexto da cidade, pelo baixo custo do material
madeira e fácil acesso ao cimento , simples manuseio na tecnologia empregada, 21
além da fácil manutenção do concreto.
Esta técnica construtiva que modela e dá forma ao concreto faz parte do
vocabulário de muitos arquitetos e da vida dos paulistanos. No Brasil, vários 22
arquitetos investigaram e desenvolveram grandes estudos sobre o concreto armado,
interessados na relação entre disponibilidade, potencialidade e adequação,
É claro que o êxito do concreto armado no Brasil não pode ser explicado unicamente por razões econômicas, 20
mas não ha dúvida de que estas tiveram um papel decisivo, pois seus componentes básicos, areia e cascalho, eram encontrados em qualquer lugar, a preços muito baixos. Além disso, a preparação do concreto no próprio canteiro de obras não exigia operários qualificados, fato importante num pais onde eles são escassos, mas que, em compensação, conta com uma abundante mão de obra não qualificada. Portanto independentemente se suas qualidades técnicas e plásticas, o concreto armado apresentava a vantagem de ser, de longe, o material mais barato para toda estrutura de maior porte. O mesmo não ocorria com produtos metalúrgicos, cuja fabricação dependia da existência de uma poderosa industria. BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. Trad. Ana M. Goldberger. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1981 p.36
“(...) em 1924, com a implantação pela Companhia Brasileira de Cimento Portland de uma fábrica em Perus, 21
Estado de São Paulo, cuja construção pode ser considerada como o marco da implantação da indústria brasileira de cimento. As primeiras toneladas foram produzidas e colocadas no mercado em 1926. Até então, o consumo de cimento no país dependia exclusivamente do produto importado. A produção nacional foi gradativamente elevada com a implantação de novas fábricas e a participação de produtos importados oscilou durante as décadas seguintes, até praticamente desaparecer nos dias de hoje“. BATTAGIN, Arnaldo Forti Battagin. Uma breve história do cimento Portland. Disponível em: http://www.abcp.org.br/cms/basico-sobre-cimento/historia/uma-breve-historia-do-cimento-portland/ Acesso em: 05/12/2017
O Metrô é um exemplo marcante do uso do concreto aparente tanto estético como funcional, sendo que todas 22
as estações possuem este mesmo acabamento. Vale notar, que no caso do Metrô são usados as fôrmas de ferro, opção para quem procura um aspecto extremamente liso e possibilidade de re-uso da mesma fôrma, sem deterioração e desperdício de material.
!52
exemplos podem ser vistos em arquitetos como Vilanova Artigas e Lina Bo Bardi
como nos apresenta os comentários de (GIANNECCHINI) sobre o uso do concreto: !Artigas tornou-se após meados da década de 1950 um dos arqui te tos bras i le i ros mais preocupados em invest igar as potencialidades do concreto armado. Não pelo material em si, mas por crer ter ele o sentido, no Brasil, de um material disponível e econômico. Embora a pesquisa de Lina não fosse estrutural, ela buscou na técnica do concreto armado o mesmo sentido que Artigas: adequação aos meios disponíveis no país.(GIANNECCHINNI, 2010, p. 42) !!
O concreto armado e aparente sugere uma relação direta com a arquitetura,
por ser um material bruto, eficiente e eficaz, referência às qualidades do estilo e
arquitetura moderna. Os arquitetos assumem o material que dispensa elaborados
acabamentos finais, portanto é de simples confecção e sem necessidade de
cobertura por camadas, como reboque, bastando usar somente impermeabilizante
ou tinta para sua proteção e ou manutenção.
Lina Bo Bardi em seus projetos mantém uma relação franca no uso de
materiais, visível tanto na sua estética quanto no seu pensamento político.
Preocupada na repercussão e franqueza de seu projeto do MASP, Lina já previa um
certo estranhamento das pessoas da época em relação a simplicidade e no uso dos
materiais.
!S e i q u e m u i t a s p e s s o a s f i c a r ã o e s c a n d a l i z a d a s c o m a ‘brutalidade’ do acabamento, que não esconde os elementos da construção, mas põe à mostra o concreto, as instalações de e le t r i c i dade , de a r cond ic ionado , os encanamentos e a maquinaria do elevador. Não aceitei mármores, lustres, rodapés, lambris, nada. Recusei as soluções formalistas. Assim o fiz porque não compreendo de outra maneira a arquitetura dos dias presentes. Ela deve ser baseada numa técnica reduzida ao essencial. Em outras palavras, é necessário descobrir uma ‘poética’ da técnica, uma técnica humanizada, bem diferente do romantismo técnico. (GIANNECCHINI, 2009, p. 41)
! A arquiteta defende uma arquitetura simples e utilizou o concreto armado
como material por excelência em muitos de seus projetos na cidade de São Paulo.
Podemos compreender o uso do material bruto dentro da chave do movimento
Brutalismo. Estilo que predomina em muitas construções pela cidade de São Paulo e
na arquitetura dos arquitetos citados.
!
!53
Brutal ismo: arquitetura que faz uso extensivo do concreto aparente, dos volumes puros e geralmente maciços, e não oculta a função das estruturas e dos serviços. Brutalismo, sob influxo do inglês brutalism. – Bruto: do latim brutus, originariamente pesado no sentido físico. 23!!
Lina Bo bardi é uma das arquitetas que em muitos de seus projetos fez uso
desta estética, deixando aparente os vestígios do madeiramento no concreto com o
uso das fôrmas com tábuas de madeira bruta.
No projeto do MASP, o uso do concreto aparente é visível nos espaços
externos e paredes internas do prédio e em grande parte das fachadas do Sesc
Pompéia a arquiteta se apropria dos vestígios e veios de madeira sobre o concreto
armado, deixando-o aparente, desse modo nos apresenta a qualidade e
materialidade do cimento, onde ressalta-se o lado humano do mestre de obras, do
trabalhador. “O Concreto como sai das formas e o não acabamento podem chocar
toda uma categoria de pessoas.” (FERRAZ, 2015, p. 08)
Interessante notar como a arquiteta valorizava todas as etapas e os
processos de construção nas suas obras, construindo muitas vezes o seu escritório
no canteiro de obras de onde poderia acompanhar de perto as etapas da construção
e com isso tirar proveito de seus efeitos e qualidades simples.
!Lina parecia não fazer questão de um detalhamento executivo do projeto. Não tinha um escritório fixo: montava um escritório na obra e, com poucos desenhos, gostava de acompanhar a execução diariamente, resolvendo problemas no momento. A ela interessava não apenas o projeto e a obra construída, mas também o processo, o contato com os operários, com os engenheiros e fornecedores. Enfim, estava interessada nas relações estabelecidas no canteiro.(BARDI, 1992, p. 105) !!
A proximidade da arquiteta com o trabalhador no labor do canteiro de obras
gera troca de conhecimentos. Em muitas de seus projetos, os pedreiros e
trabalhadores sentem-se não somente mão de obra alienada, mas se convertem
também em criadores do projeto.
Portanto, a partir da análise do projeto artístico Vital Brasil (2005) no Instituto
Tomie Ohtake, nota-se a pertinência no uso da madeira em contraste com a
arquitetura acabada, pois verifica-se o recorrente uso da fôrma de madeira para a
FUENTES, Maribel A. Lina Bo Bardi: concreta poesia Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/23
arquitextos/04.040/653 Acesso em 05/12/2017
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secagem do concreto ou para construção de andaimes nos canteiros de obra
brasileiros.
Esta vontade de trazer parte do canteiro de obras, esta qualidade
arquitetônica negativa do espaço urbano da cidade para as instituições artísticas,
gera uma alteração dos sistemas e regras onde este se insere. As estruturas que
derivam da construção civil e da arquitetura passam a se constituir como elementos
para criação de instalações e intervenções que dialogam e comentam arquiteturas
de edificações acabadas.
Figura 26: Construção do Museu de Arte São Paulo Fonte: Arquivo Instituto Lina Bo Bardi
No caso dos trabalhos da série Vital Brasil, ao retornar as formas aos seus
elementos arquitetônicos que a madeira modelou, evidencio um processo vital para
a arquitetura brasiliera.
O título da série, Vital Brasil, remete a esta técnica de construção
determinante e fundamental para o desenvolvimento moderno das construções e da
paisagem das cidades brasileiras, além de possuir uma tecnologia básica e
essencial. De outro modo, o título se constitui um comentário ao próprio processo de
consolidação da instituições artísticas brasileiras, que ainda nos apresenta uma
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panorama precário, em estado de construção e consolidação, processo esse vital
para o Brasil e para o desenvolvimento de uma sociedade.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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CAPÍTULO 2: B E R L I M E O S E N F R E N TA M E N T O S D O A R T I S TA N A C I D A D E CONTEMPORÂNEA. EXPOSIÇÃO TRANSITION ZONE E A SÉRIE FOTOGRÁFICA ANHÄNGER.
!! A vida na cidade contemporânea é cheia de fraturas e disrupturas,
provocadas por quebras perceptivas no fluxo cotidiano da metrópole. Regulada por
aspectos econômicos, o movimento nas cidades é condicionado por funcionalidades
e automatismos, que se reflete em comportamentos do corpo ao olhar, ou seja,
movimentos e trajetos que valorizem a velocidade e produtividade. Porém, algumas
frestas, cuja percepção nos possibilita uma desacelaração promovida por
estranhamentos oriundos desta experiência do dia a dia, geram intensas vontades,
que se transformam em ações, pensamentos e comentários sobre os aspectos deste
viver no espaço urbano. Apesar de Berlim ser considerada um grande canteiro de
obras e estar em constante construção e vir a ser, a preocupação com a 24
arquitetura e seus modos construtivos, que foram norteadores de meu processo de
trabalho na série de intervenções Vital Brasil em São Paulo, amplia-se para outras
relações com a cidade.
O espaço urbano passa a ser compreendido pelo artista contemporâneo não
mais como um campo de ação direta no intuito de romper as fronteiras entre museu
e público com as intervenções. No caso de Berlim, as proposições eram uma
maneira de aproximação do espaço urbano, pensando este como uma plataforma de
pesquisa e lugar que impulsiona a minha reflexão sobre os modos de como
apresentar um recorte do contexto urbano, um fragmento da cidade contemporânea
deslocado para o contexto da arte e suas instituições.
Tendo em vista tais motivações, minha produção direcionou-se para outras
modalidades da visualidade, essas relacionadas à construção de imagens.
Este capítulo desenvolve-se a partir da exposição Transition Zone (2009) na
galeria Magnus Mülller, para qual foram realizados os projetos: a intervenção Club
(2009), algumas pinturas de toboáguas, além da fotografia Anhänger Transition Zone
(2009). Os trabalhos aqui analisados remetem a este desejo mais introspectivo de
JÜRGENS, Isabell. So läuft es auf Berlins Großbaustellen. Disponível em: https://www.morgenpost.de/berlin/24
article207042689/So-laeuft-es-auf-Berlins-Grossbaustellen.html Acesso em:05/12/2017
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processo de análise visual, com demandas estéticas voltadas para processos
pictóricos.
!!Figura 27: Foto Galeria Magnus Muller e complexo de arquitetônico de Hans Poelzig e praça Rosa
Luxemburg, Berlim Mitte set. 2009. Fonte: Acervo pessoal. !! A galeria Magnus Müller ficava situada em uma das quadras das esquinas 25
que configuram a forma triangular da praça Rosa Luxemburgo em frente ao teatro
Volksbünhe em Berlim . O espaço da galeria, com as amplas vitrines e janelas, 26
oferecia uma forte relação com a paisagem do espaço externo.
O conjunto habitacional onde a galeria se encontrava foi criado pelo arquiteto
Hans Poelzig . Os andares inferiores do conjunto, que ocupa uma quadra inteira, 27
abrigam espaços destinados ao comércio e, na esquina oposta à galeria, encontra-
se o Cinema Babylon. A região é frequentada pelo público do teatro, cinema e
A galeria Magnus Muller mudou de endereço no final de 2010, e atualmente possui um escritório temporário 25
de arte em Husum. Disponível em: http://www.magnusmuller.com/index.php Acesso em:05/12/2017
O diretor do teatro Volksbuhne Franz Castorf foi um dos responsáveis por minha ida à Berlim, convidado como 26
cenógrafo da peça teatral A Missão de Heiner Muller e Anjo Negro de Nelson Rodrigues durante 2007 em turnê por Hannover e Berlim e depois desta produção Castor convidou-me para o desenvolvimento de outro cenário junto ao teatro Volksbünhe para criação de uma nova intervenção cenográfica, a Opera Die Maßnahme - Mauser, depois desse período de trabalho com teatro permaneci na cidade onde iniciei meus estudos de mestrado e realizava exposições e trabalhos esporádicos.
Hans Poelzig (1869-1936) arquiteto alemão nascido em Berlim, trabalhou em diversos projetos para cidade de 27
Berlim, exemplos em 1919 o teatro Grosses Schauspielhaus, importante projeto de arquitetura interna expressionista, a Haus des Rundfunks central de transmissão e desenhou de 1927 a 1929 o conjunto comercial e residencial com oito blocos para na Bülowplatz, hoje Rosa-Luxemburg-Platz. Os blocos concluídos incluíram 170 apartamentos e 80 lojas, além do cinema Babylon, que está localizado em uma das vértices do triângulo equilátero formado de pela desenho dos blocos.O arquiteto também possui obras de envergadura na Polônia.
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galerias de arte, e possui movimento intenso de passantes no verão, onde se pode
tomar cafés da manhã em bares ou cafeterias em mesas colocadas ao lado da
praça.
O convite para realizar uma exposição somente com minhas pinturas da série
de Toboáguas na galeria Magnus Müller me impulsionava a pensar em algo a mais,
talvez um trabalho que pudesse criar um diálogo com o entorno. Sendo minha
primeira exposição individual na Alemanha, a intenção foi apresentar uma
intervenção concomitante às pinturas, pois acreditava ser a modalidade artística que
alcança o público pelo contato direto, além da vontade de estabelecer uma relação
de ironia e imagética da intervenção com as pinturas.
Analisando a situação dada pelo contexto social do entorno da Galeria,
podemos dizer que estamos em um dos lugares de grande importância cultural e
histórica de Berlim, em frente ao principal teatro da Alemanha Oriental o Volksbhüne
(Palco do Povo) e sobre as calçadas da praça e rua, podemos ver poemas de Rosa
Luxemburgo no chão, inscritos em placas de mármore preto que foram incrustadas 28
no chão da praça pelo artista Hans Haacke em projeto realizado em 2006 , nesta 29
região estamos a poucas quadras do antigo centro de Berlim pertencente à
República Democrática Alemã (RDA- DDR Deutsch Democratische Republic)
próximo a Karl-Liebknecht-House, antiga sede do Partido Comunista Alemão (KPD).
Apesar do contexto político do lugar, hoje os arredores da praça e o bairro de
Mitte vem sendo assolado pelo markentig das cidades culturais e pelo turismo
global. Desde os anos 90, a cidade adentra na busca pela titulação de cidade
cultural e a região enfrenta a ocupação de grandes marcas e investimentos que
podem vir a eclipsar a história cultural e memória daquele lugar. Andreas Huyssen 30
analisa pontualmente esta situação quando argumenta, “O objetivo é nada menos do
Rosa Luxemburgo (1871-1919) fascinante como mulher emancipada, versátil e artisticamente ativa, atuou na 28
esquerda política de sua época e seus pontos de vista estavam no movimento socialista e de trabalhadores. Disponível em: http://www.rosalux.de/geschichte/thema/rosa-luxemburg/2369/283.html Acesso em: 07/12/2017
Projeto de intervenção pública de Hans Haacke criado em 2006 Disponível em: https://www.berlin.de/ba-mitte/29
politik-und-verwaltung/aemter/amt-fuer-weiterbildung-und-kultur/geschichte/gedenkorte/artikel.501077.php Acesso em: 07/12/2017
Durante o processo de desenvolvimento do mestrado, o logotipo do teatro do Volksbuhne que ocupava o 30
centro da praça foi retirado, com esta remoção do logotipo, faz-se pertinente as colocações de Andreas Huyssen sobre os apagamentos, como processo de esquecimento de qualquer equipamento ou elemento do espaço urbano, que possam remeter ao passado da Alemanha Oriental. Sobre a retirada do monumento, Volksbuehne das rad ist weg.(Palco do Povo, a rodo se foi). Disponível em: dhttp://www.berliner-zeitung.de/kultur/volksbuehne-das-rad-ist-weg-27890442 Acesso em: 07/12/2017
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que criar a capital do século XXI, mas essa visão se vê persistentemente
assombrada pelo passado.“ (HUYSSEN, 2000, p. 93)
No centro da praça, ao redor do monumento com o logotipo do Teatro
Volksbhune , encontram-se todas as possibilidades de cultura de uma grande 31
cidade, ótimas livrarias de arte com publicações independentes e livros de design,
literatura especializada e arquitetura, diversas galerias de arte contemporânea com
obras de artistas relevantes no cenário mundial. A sala de espetáculos Rote Salon
no interior do teatro Volksbühne, é outro chamativo que oferece música e shows de
diversos artistas e músicos. Portanto, podemos vislumbrar neste roteiro, como
Berlim tem investido fortemente em políticas culturais urbanas para tornar-se a 32
capital da cultura.
A partir da análise do espaço social e toda a agitação cultural que vivenciei
como artista pesquisador, levei em conta estas informações para a criação de uma
intervenção que pudesse dialogar com os aspectos sociais e públicos que envolvem
a cultura daquela região. Portanto a premissa do trabalho era potencializar estas
caráterísticas culturais e de entretenimento da praça, somada às caráterísticas da
arquitetura da galeria, seus usos e funções, além de estabelecer um diálogo e
ambiência que acolhessem as pinturas e suas representações.
Defini, portanto, como foco para esta intervenção, o espaço da galeria
comercial de arte e sua relação com a praça, com a intenção de chamar o visitante
para usufruir da praça como local de contemplação e contato com a natureza.
2.1 As relações travadas pelo projeto expositivo entre a vitrine e o transeunte ! A configuração urbana onde se encontra a praça Rosa Luxemburgo oferece
um lugar com grande fluxo de visitantes. A fachada do conjunto habitacional onde se
encontrava a galeria, com suas grandes janelas totalmente envidraçadas
Durante o período de escrita desta dissertação, o monumento foi retirado pela nova equipe que passa 31
administrar o Teatro com novas diretrizes, gerando a critica da sociedade artística berlinense que ocupou o prédio em Setembro de 2017.
“Políticas culturais diz respeito àquelas políticas relacionadas com a cultura, seja em nível, local, regional, 32
nacional ou internacional, que são, ou focados na cultura como tal, ou designadas para ter efeito direto em manifestações culturais de individuais, comunidades ou sociedades, incluindo a criação, produção, disseminação, distribuição e acesso a atividades, bens e serviços culturais” HEINRICH, Bettina. Mudando Cidades: Um novo papel para a política cultural urbana. In: A Cultura pela cidade. São Paulo: Iluminuras & Observatório Itaú Cultural, 2008, p.87-102.
!60
estabeleciam relação direta com os passantes em trânsito pela calçada, e assim
sendo, convidavam à contemplação do espaço interno.
As paredes de vidro serviam como o anúncio de seu próprio espaço e à
venda dos produtos que ali estão expostos, podendo ser admirados a todo momento
sem fechamento durante todo o dia e a noite.
Esta configuração das ruas com as fachadas da arquitetura como vitrines,
acabam por estabelecer uma maior aproximação com o transeunte, e com isso,
foquei minhas ideias em um projeto que estabelecesse um diálogo com o espaço
interno da galeria e a transparência do vidro, de modo a ampliar a relação com o
espaço interno e externo do entorno.
As vitrines são elementos da arquitetura usados como ferramenta de
publicidade e propaganda . São equipamentos que criam o fetiche do consumo, 33
revelar sem poder tocar, olhar sem poder alcançar, estabelecendo desejos e
vontades naqueles que passam por sua frente. Vale notar que as vitrines desta
região em Berlim ainda mantém esta relação direta com a cidade 24h por dia, sendo
que muitas outras vitrines, normalmente em bairros, já possuem as portas de correr
de ferro, que protegem o vidro e produtos durante a noite. Mas no caso das lojas da
praça em questão, nenhuma delas possui este tipo de proteção, estabelecendo a
todo momento uma relação direta com os transeuntes da rua. Apesar de indicar um
sentido amistoso, este não se completa em plenitude, pois o vidro, como nos lembra
Baudrillard:
!(…) o vidro principalmente materializa de forma extrema a ambiguidade fundamental da ambiência: a de ser a um tempo proximidade e distância, intimidade e recusa da intimidade, comunicação e não comunicação. Embalagem, janela ou parede, o vidro funciona funda uma transparência sem transição: vê-se, mas não se pode tocar. A comunicação é universal e abstrata. Uma vitrina é encantamento e frustração, a própria estratégia da publicidade.(BAUDRILLARD, 2004, p. 48) !
Tais ferramentas de apresentação de produtos com as grandes fachadas de
vidro tem sua origem com o surgimento dos grandes magazines e lojas de
Este conceito como conhecemos surgiu no final do século XIX “Em virtude do novo modo de organizar a 33
relação produção/consumo, a partir do século XVII as lojas se multiplicam por toda a Europa e, gradualmente, vão ocupando todo o mundo ocidental sob a égide de uma economia em expansão e de um progresso ilimitado. As vitrinas, então, se materializam como um dos ingredientes fundamentais das novas necessidades.” pg. 11.http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/1615/2/20427472.pdf Acesso em: 14/12/17
!61
departamentos que utilizavam da mesma estratégia para apresentarem seus
produtos sendo o vidro este delimitador entre o espaço privado da loja e espaço
público da calçada. Assim o passante vai ter acesso através da vitrine somente a
contemplar o espaço interior, pois o material vidro, nesta condição de vitrine ou
mesmo embalagem, como nos apresenta (BAUDRILLARD, 2004, p. 49):
!(…) deixa transparecer somente o signo de seu conteúdo e interpõe-se, na sua transparência, (…) Sem contar a sua virtude essencial que vem a ser moral: sua pureza, sua lealdade, sua objetividade, a imensa conotação higiênica e profilática que faz dele verdadeiramente o material do porvir, um porvir de recusa do corpo e das suas funções primarias e orgânicas em beneficio de uma objetividade radiosa e funcional de que a higiene é, para o corpo a versão moral. ! !
Deste modo o espaço da galeria Magnus Muller oferecia uma estrutura
arquitetônica ligada ao comércio e às lojas de departamentos, portanto considerei a
fachada como uma vitrine para a apresentação de minha proposta de exposição,
desse modo busquei entender este espaço como um sistema de apresentação de
produtos. O que percebemos atualmente é que a vitrine é explorada por diversas
estratégias de apresentação de produtos de marcas e estilos de vida.
A vitrine, neste contexto histórico, mostra este lugar de encenações e
criações de ilusões e desejos, portanto a ideia era criar uma situação de
proximidade com os passantes e que, por meio da intervenção, pudesse vir a se
tornar visitantes e, deste modo, preparados para entrar no espaço da galeria e
contemplar outros trabalhos que compõem a mostra. Portanto, o trabalho de
instalação teria de ativar estes desejos. Dentro desta mesma chave de pensamento
Demetresco (2005, p. 25) afirma que ”A vitrine é uma montagem que concentra
inúmeras áreas que se fundem para criar uma imagem cujo propósito é gerar prazer
por alguns segundos”.
Nesta situação o transeunte do espaço público, ao parar e dar-se tempo para
admirar a vitrine, passa da condição de observador a contemplador daquilo que está
sendo apresentado. Talvez não consuma os produtos que ali estão sendo
oferecidos, comprando-os, mas de qualquer modo consuma os desejos que estes
representam.
!!
!62
2.2 A intervenção Club (2009) e a paisagem
Dadas as caráterísticas do espaço e lugar da galeria conectados aos seus
usos e funções , pensei na apropriação de um equipamento urbano que pudesse 34
aproximar o público transeunte da praça e possibilitar um tempo maior de
contemplação para se apreciar as pinturas de paisagens, onde figuram os
Toboaguás em diversas configurações e cores. Com essas premissas ligadas à
paisagem e à vista da galeria, vislumbrei a construção de um deck de madeira que
interligasse os espaços externo ao interno da galeria no intuito de oferecer um
elemento de acolhimento para a galeria melhor acomodar o visitante, isto é, este
poderia sentar e contemplar do lado de fora a movimentação circundante ou,
estando do lado de dentro, as imagens de toboáguas pintadas a óleo. Portanto, a
exposição oferecia dois modos de apropriação de camadas da paisagem, a
paisagem real oferecida por meio do deck de madeira e a piscina, bem como as
paisagens que remetem a um suposto clube.
A escolha do deck de madeira, realizou-se devido a seu uso frequente em
ambientes externos no intuito de gerar uma maior proximidade com a paisagem
circundante. Usado normalmente como plataforma de descanso e repouso, os decks
adequam-se a variações de topografias e, como no caso da galeria, servem de piso
para entrada de piscina. Além disso, o material do deck, a madeira, considerada um
material quente e aconchegante, nos remete à natureza domesticada, à natureza no
espaço urbano. O elemento natural madeira carrega esta nostalgia do natural como
Baudrillard (2002, p. 44) comenta “A madeira (…) tem uma nostalgia afetiva uma vez
que tira sua substancia da terra, vive e respira ‘trabalha‘ (…) A madeira tem seu odor
envelhece tem mesmo seus parasitas etc. Enfim, este material é um ser”.
A madeira com tais caráterísticas e qualidades vai em encontro ao vidro, que
é impessoal e quase imaterial, a transparência que faz deste um material uma
“espécie de grau zero da matéria“ (BAUDRILLARD, 2002, p. 48). Assim temos o
contraste destes materiais que são propostos a partir da instalação de um deck na
galeria. Ampliando desta forma, as camadas simbólicas envolvidas no deck, que
pode ser entendido como um elemento urbano destinado ao descanso, ou pode ser
Definições de espaço e lugar podem ser encontradas a partir da análise de Michael Certeau que define o 34
espaço, como suas dimensões e direções, enquanto lugar é o modo como nosso corpo se relaciona com este espaço, político social.
!63
!Figuras 28 e 29: Intervenção Club (2009) vista espaço externo. Fonte: Ludger Paffrath.
compreendido como originalmente advindos de ambientes de piscina e praia e
mesmo no campo. Portanto, a intervenção intitulada Club se constituiu em um deck
construído entre o espaço interno e externo transpassando visualmente e
materialmente o vidro, construído da porta de entrada, percorrendo cerca de 10
metros até o início da esquina, onde termina em uma piscina de plástico popular,
instalada dentro do espaço expositivo.
Desta maneira, a instalação possibilitava este lugar e ponto de observação
para a paisagem e criava o diálogo e acolhimento pretendido com as pinturas da
série Toboáguas, estas que representam toboáguas de parques de diversão ou
mesmo de clubes e casas particulares.
!64
O titulo da instalação Club (2009) lança luz sobre a noção clube que une
pessoas ao redor de um interesse comun, que podem ser recreativos ou de lazer.
Por outro lado, o título ativa o conceito de clube popular, aquele aberto a toda
população, interagindo com os dois públicos, o de especialistas e o de pessoas
comuns. Nesta situação, a intervenção Club estabelece uma relação de harmonia
com o espaço, que pode ser compreendida dentro da chave instalação site specific
assimilativa, distinção apresentada por Rosalind Deutsch a partir de:
modelo assimilativo de site-specific no qual o trabalho de arte é articulado na direção de uma integração ao ambiente existente, produzindo espaço unif icado, “harmonioso” de total idade e coesão… – e modelo intervencionista, em que o trabalho de arte funciona como intervenção crítica na ordem existente do local . (DEUTSCH apud KWON, 1997) !
Outra contribuição bastante relevante para este estudo na escolha do deck e
piscina como equipamentos retirados do contexto externo para intervenção está na
chave do conceito desenvolvido por Ana Maria Tavares em suas esculturas para o
olhar e para o corpo, o conceito de armadilhas para o sentido. Como a artista
Tavares enfatiza “…o trabalho poderia ser entendido como um mirante, lugar que
propicia a experiência distanciada da realidade ou mesmo um aparelho de
transporte para outro espaço-tempo.” (TAVARES, 2000, p. 22)
O deck de madeira é este elemento que gera uma suspensão do espaço e
tempo da galeria. Serve tanto para um descanso no espaço em trânsito da cidade,
como para deslocar o transeunte para um lugar e tempo de contemplação. Os decks
são realmente este porto seguro não natural de onde posso apreciar a paisagem,
daí serem instalados em fazendas, clubes e lugares próximo a belas paisagens
naturais.
A instalação Club (2009) reconstitui o desenho da fachada da galeria e define
um posicionamento do observador frente as pinturas do lado interno ou frente à
praça do lado externo. Relativizando com a inserção do deck o espaço de fora e de
dentro, público e privado, propõe-se um momento de contemplação em que o
espectador pode sentar e apreciar as diferentes visões, estando nesta zona de
transição entre o dentro e fora. !!
!65
Figura 30: Vista do espaço interno da Galeria Fonte: Ludger Paffrath
!!
!!!!!!
Figura 31: Vista do espaço interno da Galeria comvisitantes Fonte: Acervo Pessoal
!66
Figura 32: Performance PLAY realizada por Thiago Bortolozzo e Nathalie Fari no evento de Finissage da Exposição Fonte: Zé de Paiva !
2.3 Os toboáguas, deck e piscina na exposição Transition Zone.
Em meados de 2002, dei início ao projeto de pintura a óleo a partir da
fotografia de um toboágua, tal projeto acontece concomitante a projetos espaciais de
instalação e intervenção, neste período ainda compreendendo a linguagem da
pintura como uma possibilidade de reflexão sobre o trabalho artístico, individualizado
do pintor. A primeira pintura que da início à série é Toboágua vermelho (2002-06) foi
realizada em 4 anos na busca de uma perfeição fotográfica e sem preocupação ou
demandas exteriores oriundas de mercado.
A escolha dos toboáguas, como elementos para serem representados nas
pinturas, se deu por este ser um momento em meus trabalhos remetiam a idéia de
entretenimento, refere-se de modo irônico e critico ao surgimento de grandes
exposições que clamavam por um grande público, tal fenômeno começa a surgir no
final dos anos 1990 com as exposições blockbuster portanto o toboágua
apresentava-se como um comentário da busca de entretenimento, prazer e diversão
táctil, corporal.
!67
Figura 33: Toboágua vermelho, óleo sobre tela 2001/2007. Fonte: Acervo pessoal.
!As imagens das quais derivam as pinturas, são fotografias encontradas em
aparelhos de busca na internet, sites de venda de toboáguas, ou mesmo de
apresentação de clubes. A feitura sendo metodicamente realizadas por um processo
totalmente manual.
A oportunidade da exposição individual em Berlim possibilitou pensar o todo
da exposição, a partir das pinturas. Propondo com a instalação do deck um duplo
conforto para a contemplação da realidade da imagem representada, como salienta
Martin Seel :“La pintura no sólo abre um espacio en el espacio -, un espacio del
quadro en el espacio en que el cuadro se encuentra - sino que la vez dispone con
sus configuraciones internas de l tiempo de su contemplation”. (SEEL, 2007)
Ao sentar-se no deck e dar-se tempo, ao contemplar as pinturas, o visitante
da exposição depara-se com as figuram toboáguas, pintados em estilo hiperrealista
em grandes e pequenos formatos, gerando incertezas no público em relação à sua
feitura, questionando a linguagem da pintura que se camufla, se posicionando em
uma zona de transição entre a pintura e fotografia.
!68
Temos então duas interrogações propostas. O que faz o Deck na galeria?
Este que problematiza o espaço institucional e comercial da galeria. E as pinturas,
estas que questionam o seu próprio meio, a tela e as tintas revelando-se bem mais
próximas da fotografia, que da própria pintura.
Assim, quando o visitante adentra o espaço expositivo encontra-se com
elementos que se relacionam e se constituem em diferentes camadas de
apropriação de aspectos de um clube, com os seus equipamentos de diversão, os
toboáguas. Simbolicamente e em diferentes materialidades, os diversos signos de
um clube estão postos sob o espaço da galeria, definindo uma paisagem marcada
por este equipamento de parques diversão, que carrega esta qualidade de espaço
de lazer, paisagens, sem pessoas, que criam certa sensação de abandono,
definindo-se como um não-lugar , pois os toboáguas existem em toda a parte e 35
determinam um comportamento, sentimento diante da piscina, que incita ao
mergulho, mas que poucos teriam a coragem.
Os equipamentos chamam à participação, proporcionada pela diversão de
escorregar, mas esta ação não se completa em plenitude tanto no caso da pintura
quanto no caso da piscina, o que nos resta é o deck, como consolo para um
descanso e acolhimento para apreciação estética. Um pouco como a pintura que
nos coloca nesta situação de ver, perceber, contemplar sem poder participar
ativamente do que a pintura nos propõe.
Ao apropriar-se destes elementos do mundo comum, do deck e da piscina
para compor a ambiência do espaço, o espectador é estimulado a se relacionar com
a obra por meio do ambiente, sentar, andar ou se quiser ainda se aventurar na
piscina, que serve ao mergulho do corpo do visitante. O trabalho também sugere um
percurso das pinturas expostas nas paredes da galeria até chegar ao final do espaço
com a piscina real cheia com água, que cria um espelho de água que reflete o
próprio espaço da galeria. A exposição Transition Zone pretendeu interrogar e
questionar as funções deste espaço comercial pelo período da exposição 18
setembro a 14 novembro 2009, transformado-o em um pequeno ambiente de
descontração e relaxamento, um pequeno Clube, com suas diversões, paisagens e
naturezas domesticadas.
“O espaço do não-lugar não cria identidade singular nem relação, mas solidão e similitude” AUGÉ, Marc. Não-35
lugares. Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Trad. MariaLúcia Pereira. Campinas: Papirus, 1994. p.95
!69
Figura 34: Vista do espaço interno da Galeria com as pinturas na parede. Fonte: Ludger Paffrath. !!
2.4 A série fotográfica Anhänger e sua proposta de mapeamento para um trecho da cidade de Berlim !! A série Anhänger realizada durante todo o período de vivência na cidade,
entre 2007 e 2014 foi determinante na experiência com a paisagem urbana naquele
lugar. E essa série de trabalhos fotográficos organizou-se em diversos formatos
apresentados em diferentes exposições . 36
Anhänger, palavra alemã, que traduzida denomina reboque, trailer ou os
atuais food truck, que são modelos de equipamentos urbanos móveis que vendem
alimentos e outros produtos em festas, eventos e feiras no espaço externo. A palavra
anhänger tem outro significado, o de seguidor ou de pingente. Usarei no decorrer do
texto a palavra trailer para definir o veículo e Anhänger quando discorrer sobre
títulos de imagens da série fotográfica em questão.
Transition zone, exposição individual na galeria magnusmuller 2009, The Law of the market, coletiva no Freies 36
Museum, 2012 e La Belle Alliance, coletiva na Mehringplatz 11, 2011 todas em Berlim e Pedestre exposição individual Galeria de Arte do Instituto de Artes da Unicamp de 21 Nov. a 15 Dez. 2017.
!70
Os trailers de comércio no Brasil ocupam pontos comerciais em locais fixos.
Este modelo de veículo, encontra-se muitas vezes sem rodas ou pneus,
irremovíveis, acorrentado e muitas vezes conectados a um outro edifício. No
contexto urbano da cidade de Berlim, estes mesmos modelos de trailers comerciais
ocupam ruas e praças da cidade em momentos distintos e se utilizam do espaço
público em dois movimentos: em funcionamento, quando os trailers de comércio
oferecem seus produtos em ruas movimentadas ou parques, gerando alterações e
fluxos no seu entorno e, outro, quando estão fechados, fora de seu uso comum,
colocados às margens das principais vias de acesso, este espaço cúbico privado,
que contém algo que não sabemos e que não se revela ou nem mesmo pelos
desenhos sobre suas superfícies. Esta foi a primeira característica que me ressoou,
observando este veículo na paisagem urbana. No processo de desenvolvimento das
fotografias dos trailers, este equipamento urbano , foi eleito por mim como o 37
protagonista na constituição de minhas paisagens da cidade de Berlim.
A partir deste momento, em 2007, ele passa a ser um objeto de busca pelos
meus trajetos e caminhadas fotográficas pela cidade, assim, tornei-me um seguidor
de trailers.
A experiência de viver em Berlim impulsionou-me a refletir sobre as formas,
uso e apropriação de elementos que compõe a paisagem do espaço urbano. Desse
contato, surge uma nova escala de enfrentamento com as caráterísticas desta
cidade, que alteraram o meu modo de ação, produção artística e novos processos
de trabalhos, sendo menos intervencionistas, no sentido aberto e expansivo do
termo, dentro das artes visuais, e mais introspectivos, nesse mesmo sentido e
abrangência.
Berlim ofereceu a possibilidade de relacionar-me com o contexto e
fenômenos urbanos da cidade, fazendo-me sentir mais conectado às ruas, aos seus
!!!!
Os equipamentos urbanos são definidos pela associação de normas técnicas - ABNT, no documento 37
NBR9284, como “todos bens públicos ou privados, de utilidade pública, destinados à prestação de serviços necessários ao funcionamento da cidade, implantados mediante autorização do poder público, em espaços públicos e privados.” A norma define como categorias: circulação e transporte, cultura e religião, esporte e lazer, infra-estrutura (…)”. Portanto o trailer pode ser considerado dentro da categoria de cultura, lazer, sendo parte integrante de feiras livres na cidade.
!71
Figura 35: Fotografias dos trailers em funcionamento e vendendo seus produtos durante a feira livre na praça Merhringplatz Halleschtor, Berlim 2011. Fonte: Acervo pessoal. !
trajetos e seus percursos, sempre em trânsito, seja por bicicleta, metrôs, bondes ou barcos . 38
A cidade possui uma ampla rede de transporte público, o que possibilita uma
maior autonomia no deslocamento dos usuários, ao mesmo tempo em que 39
Durante os verões de 2012 a 2014 participei do projeto Weißensee, do artista alemão Felix Strumpf, o projeto 38
consistia na construção de uma balsa que circulava no verão no Spree (rio) e diversos canais do bairro de Kreuzberg, Landwerkanal servindo como plataforma para ações artísticas de todas as áreas da visualidade. Colaborei em diversas etapas do projeto como: construtor, fotografo, performer ou marinheiro. Disponível em: http://www.felixstumpf.de/Auf-der-Weisensee-1. Acesso em: 05/12/2017
No sistema de transporte público em Berlim, é quase nulo o uso de catracas, o usuário desta forma tem total 39
autonomia em entrar e sair seja dos meios de transporte, com ou sem o ticktes, pois a cobrança deste é feita esporadicamente pelos guardas das BVG a paisana, que circulam pelo sistema de transporte.
!72
proporciona um certo estado de desatenção, durante o trajeto, ampliando a
possibilidade de contemplação da cidade em seus detalhes, por meio de paradas
facilmente acessíveis ao usuário do transporte publico. O mesmo se dá com o uso
constante da bicicleta, este que, mesmo sendo em Berlim um tipo de transporte
privado, exige pausas a todo o momento, opondo-se à velocidade e aceleração
desenfreada para qual a cidade contemporânea vem sendo construída. Outras
velocidades e espessuras da paisagem urbana; sob esses aspectos disserta Nelson
Brissac Peixoto: A velocidade provoca, para aquele que avança num veículo, um achatamento da paisagem. Quanto mais rápido o movimento, menos profundidade as coisas têm, mais chapadas ficam, como se estivessem contra um muro, contra uma tela. A cidade contemporânea corresponderia a este novo olhar. Os seus prédios e seus habitantes passariam pelo mesmo processo de superf ic ia l ização, a paisagem urbana se confundindo com outdoors. O mundo se converte num cenário, os indivíduos em personagens. Cidade-cinema. Tudo é imagem. (PEIXOTO, 2000 p.361) !
Assim, comecei o registro fotográfico dos trailers de comércio em seu
momento de desaceleração, estacionados em um outro fluxo da cidade
contemporânea. As imagens fotográficas revelam a busca de uma paisagem
transversal a esta movimentação que transforma a cidade em cinema.
2.5 Os trailers como comentário dos espaços privados na cidade contemporânea. ! As necessidades e demandas da sociedade pós-moderna geram dinâmicas e
fluxos que transformam as cidades em lugares flexíveis e super adaptáveis.
Da habitação em casas, para apartamentos, kitnets, trailers e containers,
ocupamos espaços cada vez menores e alternativos e que apresentam-se como
soluções para as nossas moradias ou negócios. Nesse horizonte, passamos a
habitar abrigos.
Esse processo nos permite compreender a arquitetura da cidade
contemporânea partilhando da mesma argumentação de Nelson Brissac :
!A cidade contemporânea deixou de ser um testemunho cultural, a arquitetura deixou de ser pensada como criação de um espaço de habitação. Perdeu-se a relação entre construir e morar. Quando se muda sempre de lugar, cr iam-se abrigos, não testemunhos culturais.(PEIXOTO,1996 p. 301). !
!73
Pensando sobre esse processo de vida onde habitações dão lugar a
ocupações e abrigos, iniciei a série de fotografias de trailers entendendo este
elemento como um equipamento que dialoga com os nômades, que se deslocam
sem morada ou ponto fixo ocupando os espaços de acordo com as necessidades.
Como expõe Deleuze e Guattari (1997, p. 53) “O nômade tem um território, segue
seus trajetos costumeiros, vai de um ponto a outro, não ignora os pontos (…). O
ponto de água só existe para ser abandonado, e todo ponto é uma alternância e só
existe como alternância.”
O uso do trailer nasce de uma necessidade de espaço. Pode ser um
prolongamento do carro para transporte ou, no caso do trailer de comércio, é um
local de armazenamento e, quando em funcionamento comercial aberto, é um
espaço de trocas e negócios sempre em adaptação às condições do lugar e seu
contexto.
O trailer de comércio é este espaço ampliado destinado ao alojamento de
mercadorias de algum tipo de comercio ambulante. Os modelos Verkaufanhänger
(trailers de comércio) eram os mais frequentes nas ruas de Berlim, naquele
momento em que os presenciei.
As situações transitórias e provisórias pelas quais este dispositivo do
comércio ambulante se encontrava constituíam um modelo de comércio informal que
subverte o uso de ruas e movimenta a ressignificação de não-lugares.
Os trailers de comércio, por meio desta dupla condição de uso do espaço
urbano e público, ativavam-me sensações de aproximação deste equipamento pela
condição de nomadismo que ele possui. Esta vivência estabelecia paralelos com a
minha vida pessoal, também um nômade na cidade de Berlim adequando-me às
novas condições e contextos da cidade. Deleuze nos possibilita entender as
diferenças entre a condição ambulante do nômade e do migrante:
!O nômade não é de modo algum um migrante, pois o migrante vai principalmente de um ponto a outro, ainda que este outro ponto seja incerto, imprevisto ou mal localizado. Mas o nômade só vai de um ponto a outro por consequência e necessidade de fato; em princípio os pontos são para ele alternâncias num trajeto.(DELEUZE e GUATTARI, 1997, p. 54) !
Na busca de uma imagem que representasse esse trânsito nômade pela
cidade a partir da fotografia, criei um inventário destes veículos, por meio do
!74
mapeamento dos trailers nos bairros de Kreuzberg e Neukölln, pois essa região os
abriga em grande número devido a proximidade dos mercados de pulgas, feiras
livres de comercio de frutas, feiras essas que fayem parte da cultura do bairro.
Notei que, após as feiras livres, os trailers estacionavam em grupos, em ruas
próximas a seu ponto comercial e local de venda usual. Esses pontos são ruas e
avenidas onde frequentemente poucos carros estacionavam. Assim, a descoberta
desses lugares passou a ser parte de meus percursos e caminhadas fotográficas.
Passei a construir esses percursos e a demarcá-los por pontos de referência da
paisagem, pelas praças, ruas e pelos próprios trailers. Esses percursos
condicionaram o meu olhar para cidade, onde cada local se constituía parte de um
grande mapa pessoal. Michel Certeau de forma poética analisa esta arte de moldar
os percursos comentando que: “A arte de moldar frases tem como equivalente a arte
de moldar percursos. Tal como a linguagem ordinária, esta arte implica e combina
estilos e usos.” (CERTEAU, 2012, p. 179)
As principais ruas onde estacionavam os trailers nos bairro de Kreuzberg e
Neukölln eram próximas a praças como Wassertourplatz, Volkspark Hasenheide e
na avenida Columbia Damm onde se encontra o antigo aeroporto Flughafen
Tempelhof e ao longo do Landwehrkanal o rio que corta o bairro de Kreuzberg.
Figura 36: Mapa do bairro de Kreuzberg e Neukölln os pontos azuis representam os trailers estacionados e os pontos vermelhos nas feiras onde alguns destes trailers são encontrados
vendendo seus produtos. Fonte: Acervo pessoal!
!75
! Condicionei os meus caminhos para regressar constantemente à estes
lugares, na busca de acompanhar e registrar as alteração situações do tempo
destes trailers nos fluxos da paisagem urbana, como argumenta Duarte Belo sobre o
processo “(…) na verdade nunca se regressa, nunca se volta a um lugar, a vida só
se faz para frente e todo o mundo, em toda a sua Extensão, é um devir: cada
regresso é sempre uma primeira vez.” 40
Em minhas caminhadas fotográficas, o foco eram os espaços abandonados,
espaços que não se veem (CERTEAU, 2012, p. 171), registrar as alterações sofridas
e vestígios deixados nos trailers ou na paisagem urbana onde estes frequentemente
estacionavam.
Depois passei a notar e interessar-me na forma como os trailers estabeleciam
certa interlocução com o contexto das ruas onde estacionam, e o modo como as
pessoas se apropriavam deste como lugar, transformando esse elemento em um
muro de graffitis, pixações ou painel para colagem de cartazes, apropriações que
estabelecem um forte diálogo deste equipamento urbano com os passantes e
transeuntes destes não-lugares onde estes estacionam.
Essas constantes caminhadas e retornos podem ser consideradas operações
em busca de uma experiência poética de apropriação de camadas da paisagem no
fluxo das cidades. Como resultado deste processo de registro dos trailers em
desacelaração realizado por anos pela ruas de Berlim, foram organizado dois
trabalhos: o pôster Trailer (2014) e a série de fotografias Anhänger (2017) que
integra exposição individual Pesdestre na GAIA.
O formato de pôster para o trabalho Trailer (2017) foi escolhido, pois os
trailers se relacionam com o caráter público deste meio de comunicação. Estão por
toda a parte, diferente do caráter de exclusividade dos objetos de arte, este meio de
comunicação visual tem com essência a sua reprodução, como nos apresenta em
um comentário Susan Sontag: “Portanto a reprodução de um pôster não cria um
objeto de segunda geração, esteticamente inferior ao original ou diminuído em valor
social, monetário ou simbólico. Desde sua concepção, o destino do pôster é ser
reproduzido“. (SONTAG, 1970, p. 213)
DUARTE, Belo apud CAMBRAIA Duração da Paisagem construções de luz nas margens do tempo. in 40
Filosofia e Arquitetura da paisagem. Rui Cambraia. pg. 268 centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.lisboa, 2013.
!76
Figura 37: Pôster Trailer (2007-2017), dimen.66 x 114 Ed.2. Fonte: Acervo pessoal.
!77
A justaposição das imagens de cerca de 80 trailers, geram o pôster de
66x102 que apresentam diferentes lugares da cidade e possibilita desse modo
colocar o espectador dentro deste processo de pesquisa e de busca do artista, onde
cada imagem apresenta alguma facetas das infinitas facetas da cidade de Berlim.
Outro formato no qual os trailers se organizaram foram em 6 imagens em 41
formato 36x56cm que compõe a exposição individual Pedestre concebida e
realizada em paralelo ao desenvolvimento desta dissertação de mestrado.
As fotografias da exposição nos colocam na condição de pedestre, pelas ruas
da cidade. As imagens apresentam com fidelidade o contexto e elementos
fotografados. Ruas que não possuem comércios ou residências, estas que se
localizam entre centro e periferia, espaços de ruas sem movimentos onde os trailers
denotam a existência de um espaço individual de comércio familiar e ou pessoal.
Sem a utilização de recursos pictóricos exagerados ou dramaticidades
através de efeitos fotográficos, as imagens da serie Anhänger (2017) nos mostra os
elementos básicos que constituem a paisagem, sob seus aspectos clássicos e
modernistas, o enquadramento, o ponto de vista e o horizonte, no ambiente e
natureza das cidades.
O trailer sem volume ou profundidade é apresentado pelo enquadramento
frontal, somente de lado, pela sua lateral do ponto de vista do pedestre, este
espectador ativo do entorno. A composição da imagens alimentam a ambiguidade
existente entre o as imagens graffitadas sobre os trailers, que os transformam em
uma tela de paisagem, ou um muro, visto como representação, em meio a meio a
real paisagem circundante, ao final temos dois momentos de desfrute como nos
apresenta Maderuelo (2007, p. 14): “el paisaje nos es algo que está en el territorio o
en la naturaleza, que en sí mismos no son ni bellos ni feos, sino que se encontra en
la mirada de quien contempla con ánimo de disfrutar de la contemplación”.
A fotografia da série Anhänger Eier 2017 (Trailer ovos) conecta as
ambiguidades existentes nas diferentes camadas de percepção da paisagem no
espaço urbano. A pequena imagem grafitada sobre o trailer, apresenta uma
paisagem campestre e idílica utilizada no marketing visual para apresentar Eier e
Geflugel (ovos e aves) e funde-se aos elementos da paisagem circundante, desse
modo os ovos encontram-se apoiados sobre a rua, ao mesmo tempo que no campo
Consultar apêndice p.107 para ver imagens que compõe a série.41
!78
Figura 38: Anhänger Eier (2017) Fotografia, Ed. 1/7 36 x 56cm. Fonte: Acervo pessoal.
!79
com montanhas em um céu azul coberto por nuvens, em um dia frio totalmente
nublado e com as calçadas cobertas por neve.
A outra fotografia da série Anhänger Nüsse (Trailer nozes) nos apresenta o
trailer como um outdoor, como um anúncio de suas mercadorias (Nozes e frutas
secas - grande variedade) e logo abaixo apresenta os dias da semana e as feiras
livres com os nomes das ruas onde vende seus produtos. !Como fenômeno da cu l tura , a pa isagem produz-se tanto f i s i camente_ um entorno rea l tan to quanto é também a representação deste entorno, quando assume a forma de uma imagem. Está na ambiguidade e na fluidez da ideia de Paisagem a força motr iz que at iva, em nosso tempo, na produção contemporânea, a elaboração de trabalhos artísticos dotados de diferentes camadas de apropriação da Paisagem, seja ela dentro, fora, além dos espaços designados para a Arte.(FUREGATTI, 2017) !
Como elemento que estrutura a ideia de paisagem, os trailers se apresentam
camuflados como vestígios de permanências nas ruas das cidades, com suas cores
e inscrições, que ganham visibilidade nessa série fotográfica. Um recorte que
registra o meu caminhar nos meandros do espaço urbano, em direção contrária às
conhecidas e fáceis vistas e as visões panorâmicas e perspectivas da paisagem de
Berlim.
!80
!Figura 39: Anhänger Nüsse (2017) Fotografia, Ed. 1/7 36 x 56cm. Fonte: Acervo pessoal. !!!!!!!
!81
CAPÍTULO 3: A CIDADE CONTEMPORÂNEA E SEUS TERRITÓRIOS !!3.1 O contexto urbano das cidades de São Paulo e Berlim como geradores da intervenção artística Empena Cega (2015) ! Nas cidades contemporâneas, podemos encontrar interesses heterogêneos
convivendo lado a lado, justapondo-se e sobrepondo-se ao seu desenho. Neste
panorama percebe-se, a cada dia, o meio urbano transformar-se num lugar
fragmentado que se manifesta por meio de um patchwork de interesses de
comunidades sociais, moradores, empresas, políticos, instituições e comércios,
formando limites e territórios que muitas vezes se revelam por meio de barreiras e
confrontos. Na cidade de São Paulo estes confrontos revelam-se por meio de um
tipo de urbanismo e arquitetura excludentes, higienistas que potencializam as
diferenças sociais e de classe. Neste contexto temos no tecido urbano dessa cidade
aquilo que expõe Henri Léfèbvre:
!Os violentos contrastes entre riqueza e pobreza, o conflitos entre os poderosos e os oprimidos não impedem nem o apego à Cidade nem a contribuição ativa para a beleza da obra. No contexto urbano as lutas de facções, de grupos, de classe. reforçam o sentido de pertencer. Os confrontos políticos entre […] a aristocracia e a oligarquia, tem a cidade por local, por arena . (LEFEBVRE, 1991, p. 06)
Com tantas tensões e confrontos é contundente notar o fato deste lugar ser
escolhido como propulsor de trabalhos e morada de muitos artistas, sendo a cidade
o lugar de onde predominantemente surgem suas ideias e criações artísticas, desde
final do Século XIX, tal qual comenta Lefebvre sobre a cidade de Paris, quando “a
vida urbana da capital. Entra então para literatura e poesia […] ” (LEFEBVRE, 1991,
p. 15)
Os centros urbanos das cidades modernas, dentro de seu processo de
modernização bem como, um lugar de desenvolvimento e de reprodução de capital,
teve sua ascensão e auge, e hoje vivenciamos uma crise do espaço urbano e
espaço público. O que nos restou atualmente do espaço urbano de convivência e
trocas? O que temos é o acirramento das noções de realidades fragmentadas,
!82
cortadas por muros e barreiras que revelam os conflitos da sociedade. E como
salienta José Resende a cerca da ação do artista por sobre a cidade :
!Ora a cidade contemporânea não tem mais a escala humana e os e s p a ç o s p ú b l i c o s d e c o n v í c i o p e r d e r a m s i g n i f i c a ç ã o . A reconquista da praça medieval é uma utopia passadista. A cidade é espelho das contradições que a sociedade de c lasses estabelece. Tentar interferir nela é acirrar essas contradições.(RESENDE, 2006, p. 359) !
O quadro que se molda nas cidades atuais, nos apresenta um domínio de
cooperações do sistema imobiliário e bancário sobre a administração do solo
urbano. Além disso, a especulação imobiliária trabalha em comunhão com o turismo
para criação de uma imagem e marketing para cidades e de tal situação resultam
dois grupos que usam as cidades e assim podem ser definidos: aqueles que
entendem a cidade como espaço de convivência e uso, como espaço social que
possibilita uma prática urbana de interação com diferentes grupos de utilizadores; e
o outro grupo que compreende o espaço como espaço abstrato, isto é, como um
espaço instrumental que funciona como lugar de controle e lucro dos capitalistas.
Assim sendo, os centros urbanos concentram interesses, conflitos e protestos
de grupos sociais que apresentam seus diferentes protocolos na rua, o espaço de
ação e das reivindicações populares e sociais, como insiste acertadamente Henri
Lefebvre . Compartilhando desse mesmo pensamento Roberto Lobato Corrêa 42
salienta:
!O espaço urbano assume assim uma dimensão simbólica que entretanto, é variável segundo os diferentes grupos sociais e e t á r i o s e t c . M a s o c o t i d i a n o f u t u r o p r ó x i m o a c h a m - s e enquadrados num contexto de fragmentação e desigual de espaços, levando a conflito sociais, como greves operarias, as barricadas e os movimentos urbanos. O espaço da cidade é assim, e também, o cenário e o objeto das lutas sociais, pois estas visam, afinal de contas, o direito à cidade, à cidadania plena igual para todos 43!
Neste contexto, da cidade metrópole contemporânea e da busca de outras
maneiras de ver a cidade, talvez como palco de situações de conflitos, vemos surgir
Entre a ordem próxima e a ordem distante: contribuições a partir do pensamento de Henri Lefebvre. GECEL, 42
Grupo de Estudos de Cidade, Espaço e Lugar UFF, Universidad Federal Fluminense RJ 2003 Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/Brasil/ppgeo-uff/20121204012940/uno.pdf Acesso em: 05/12/2017.
CORRÊA, L. Roberto.O espaço urbano, 4ed. Ed. Ática São Paulo, 1999 p 943
!83
estratégias de preservação do patrimônio privado nas cidades. É a partir da análise
deste processo de fechamentos, acobertamentos, ocultamentos que pretende-se
compreender como os conflitos da cidade e o espaço social do Centro Cultural São
Paulo se relacionam, na criação da intervenção artística Empena Cega 44
apresentada na III Mostra do programa de exposições 2014.
!3.2 A galeria e o espaço da rua no contexto da arte contemporânea ! A partir dos anos 1960, quando o espaço e o campo das artes amplia-se e
desloca-se para o espaço da paisagem urbana e ambientes naturais e passam a
compor novos territórios de ação para artistas, nota-se, com tal deslocamento, o uso
de estratégias e procedimentos para além de processos construtivos provenientes
das linguagens artísticas como escultura, pintura e fotografia. A instalação e a
intervenção passam a envolver outras escalas e contratos artísticos para se
concretizarem em sua plenitude.
É particularmente importante ressaltar que mesmo agindo fora ou nos limites
do espaço idealizado da galeria modernista, tensionando suas fronteiras ou
criticando suas funções, a relações entre artista e instituição artística ainda mantém-
se alinhadas, pois são estas as mesmas galerias e instituições que apoiam e
subvencionam muitas destas ações artísticas externas.
Muitos destes artistas que agiram nos anos 1960 e outros até os dias atuais,
aventura-se em propostas de fechamentos, empacotamentos, ocultamentos, isto é,
apagamentos de espaços sejam este museus, galerias, instituições artísticas, 45
monumentos históricos e equipamentos urbanos.
A estratégia de tapar, acobertar e ocultar, para assim revelar outros aspectos
daquilo que sofre tal ação, frequentemente foi empregada na criação de uma outra
imagem. No entanto, os modos, as formas e métodos de fechamentos, são
Por empena, entende-se a parede lateral de um edifício, sem aberturas (janelas ou portas), estas paredes 44
estão preparadas a receber outro edifício encostado. Parede cega de um edifício que habitualmente é de encosto para outro edifício. Disponível em: http://www.engenhariacivil.com/dicionario/search/empena Acesso em: 05/12/2017
Segundo Marco do Valle, os processos de apagamentos, proporcionam o questionamento especifico sobre a 45
visão, desconstruindo aquilo que vemos e instaurando uma reflexão sobre conceitos de arte que põe em duvida o próprio objeto de arte. “ O processo de apagamento consegue diluir e desmaterializar o objeto de arte, ocorre um apagamento deste enquanto matéria que perde sua significação passando a escultura a ser simplesmente uma imagem” DOVALLE, M. A. A.; Processos de apagamento em Escultura Moderna e contemporânea. São Paulo Mestrado ECA USP 1999, p. 166.
!84
compreendidos, conectados aos contextos históricos e sociais onde os trabalhos são
apresentados e contribuem para o entendimento dos projetos e sua pertinência.
Nesta ótica, os artistas utilizam-se destas estratégias, tal como Brian O‘Doherty
argumenta: “cada qual utiliza uma única obra a fim de chamar a atenção para os
limites da galeria, ou a abrange com uma única ideia”. (ODOHERTY, 2002, p. 106)
Muitos artistas tensionaram a galeria em seu espaço idealizado, levando aos
limites o que este espaço poderia não conter, como o vazio de Ives Klein, ou conter,
sejam cavalos, toneladas de terra ou entulhos entre muitos outros materiais. Neste
contexto os artistas questionam a condição sacralizada do espaço da arte, sendo
que tudo que se encontra dentro deste espaço se torna obra de arte. Disto
decorrem ações que ocupam este espaço em suas barreiras, fachadas e vitrines, e
tensionam os limites deste espaço, bem como o seu poder de Midas. A caixa da
galeria e museus gradativamente abrem-se para trabalhos que envolvam escalas
urbanas e questões da rua, da cidade e do espaço urbano e público, retirando o
espectador de seu lugar de conforto. Pela primeira vez na breve historia das
intervenções em galeria, o visitante fica fora dela. 46
Um do pioneiros, em ocultar e empacotar elementos urbanos e nos colocar
diante de uma nova relação com espaços da cidade foi a dupla francesa Christo e
Jean Claude, conhecidos por realizarem, a partir dos anos 1980, empacotamentos
na escala da cidade, gerando grandes ocultamentos de equipamentos urbanos e
monumentos históricos. As proposições da dupla geravam imagens de esculturas
monumentais (DOVALLE, 1990, p. 172) de pontes, edifícios, até mesmo de encostas
e falésias ao longo do Mar, propondo novas percepções do elemento empacotado
bem como da paisagem do entorno. As estratégias de Christo e Jean Claude
envolvem extenso período de pré-produção, que podem chegar a décadas, e se
concretizam em apenas 14 dias, como salienta Sylvia Furegatti:
!Suas intervenções propõem, num curto espaço de tempo, uma possibilidade de renovação do olhar e entendimento sobre aquele espaço. É dessa forma que o artista trabalha com a mobilidade do espaço urbano, da memória e da própria arte. O trabalho de Christo tem um apelo às formas geradas por seus pacotes em lona que valorizam tanto o caráter de volumes e formas, como o caráter de reversibilidade efêmeridade e nomadismo de sua instalações e intervenções urbanas.(FUREGATTI, 2007, p. 101)
Sobre o trabalho Le Plein de Arman ver Odoherty, Brian. Op citt. p.10846
!85
Os conceitos de temporalidade de seus trabalhos adequam-se perfeitamente
ao uso da lona, material que é encontrado em muitas de situações urbanas para a
cobertura. No entanto, o trabalho dessa dupla mantém ainda uma apelo à forma
dada pelos modos que realizam o empacotamento, pensando nos efeitos das dobras
e volumes que venham surgir do ato de empacotar.
Figura 40: Grupo 3nós3, Intervenção Ensacamento, 27/04/1979. Fonte: Coleção dos artistas Hudinilson Jr. e Mario Ramiro !
Neste caminho para o espaço exterior e urbano, a análise do funcionamento e
das condições sociais e políticas começam a ser explorados para engendrar novas
camadas de significação às intervenções artísticas. Ordens de caráter político e o
uso dos meios de comunicação e imprensa parecem se sobressair, quando tratamos
de artistas brasileiros, no caso as intervenções urbanas do grupo 3nós3. No
contexto da arte e com uma forte relação com a imprensa o grupo paulista realiza
duas ações: Ensacamentos (1979) e Operação X-Galeria (1979) que tangenciam os
conceitos de apagamentos e fechamentos de elementos do espaço urbano.
!86
Na ação/intervenção Ensacamento (1979) o grupo realiza um mapeamento
dos monumentos, estátuas e bustos históricos da cidade e sua relação com o fluxo
na cidade, para realizar a ação de ensacar a cabeças de 60 esculturas no centro da
cidade entre eles: o da Independência, Anhanguera e dos Bandeirantes. A
intervenção criava uma situação de forte apelo político em momento em que o Brasil
ainda estava sobre o domínio de um governo e sociedade ditatorial, bem como um
questionamento dos padrões de estética formalista ainda reinante na produção
paulistana do período como argumenta.
Em sua essência o trabalho era uma atitude contra o formalismo acadêmico e até mesmo moderno, representado por aqueles monumentos, além de uma atitude contra a figura do herói (o representante dos valores designados pela sociedade).(PONTES, 2016) !
Com a Operação X Galeria (1979), novamente os artistas questionam os
valores das instituições artísticas da cidade com o lacramento das portas de
galerias. Com uma ação de requintes estratégicos e de materiais precários, diante
da força institucional e comercial do espaço da galeria, sua edificação e visibilidade,
o grupo formado por Rafael França, Mario Ramiro, Hudinilson Jr promoveu o
fechamento de um total de 29 Galerias de São Paulo. Mario Ramiro assim sintetiza:
Operação X Galeria, a ação consistiu no fechamento das portas de várias galerias de arte com um adesivo/lacre em forma de “X” e com folhas de papel mimeografadas afixadas com a frase: “o que está dentro fica, o que está fora se expande”. OperaçãoX Galeria, São Paulo, 1979. Noticiado pelos jornais impressos Folha de São Paulo (7 de abril de 1979) e Jornal da Tarde (7 de abril de 1979) 47!
Com o lacramento das galerias comerciais os artistas questionavam um
circuito ainda fechado aos jovens e estudantes de artes, com poucas ou nenhuma
galeria ou mesmo centro cultural que acolha tal produção neste período.
Além do fechamento das galerias, o grupo desenvolve, no mesmo ano de
1979, intervenções urbanas monumentais que desenham em grande escala sobre o
mapa da cidade de São Paulo.
Interessante notar como o grupo utilizava a estratégia de apropriar-se de
elementos de divulgação da impressa e jornais, como material de registro das ações
Conhecendo: 3nós3. Disponível em: http://jornadadeintervencoes.blogspot.com.br/2013/01/47
conhecendo-3nos3.html Acesso em: 05/12/2017
!87
considerando estes como objetos e documentação das intervenções que geravam
múltiplos e edições de arte para comercialização.
Figura 41: Renata Lucas, The Residence, 2007, Tijolos, radiador e sistema de aquecimento. Intervenção na fachada da Galeria Gasworks, Londres. Dimensão: 2,8 x 15 x 1,7m (aprox.) De 15 de
novembro de 2007 a 13 de janeiro de 2008. Fonte: Renata Lucas. !Outra artista brasileira que dialoga diretamente com a arquitetura e meio
urbano em seus trabalhos e utiliza frequentemente materiais permanentes em suas
intervenções é Renata Lucas. A intervenção artística The Residence (2007),
constitui-se no fechamento com tijolos estilo inglês da fachada de entrada principal
da residência Gasworks em Londres, e do lado de fora, a artista instalou um
aquecedor, ressignificando o uso desse eletrodoméstico, com funções de caráter
interno. A proposta da artista reconfigura o acesso de entrada, e para isso faz uso de
material tijolo que dialoga com o entorno da edificação. O prolongamento do muro
fecha a entrada da galeria, criando uma barreira real, uma parede que impossibilitou
a entrada por aquela porta de 9 de abril à 23 de junho 2011. Luciana Valio, em sua
tese de doutorado, analisa o trabalho e acrescenta:
!A relação entre interior e exterior é confundida na fachada do prédio. A entrada principal da galeria não é mais a passagem para se adentrar, há apenas um recuo, como um nicho, onde ficam aparentes a luminária do interior do edifício e o aquecedor. A fachada, elemento externo ao prédio, entra (invade) o interior, como se o edifício vizinho quisesse fazer parte do espaço da instituição. Afinal, a instituição chama-se Gasworks por ter como vizinho a companhia de abastecimento de gás de Londres. Enfim, o “gesto resul tante [da pesquisa para o desenvolv imento trabalho] tende desfazer. (VALIO, 2014) !
!88
O trabalho de Renata apropria se dos tijolos da parede da edificação ao lado,
para criar um deslocamento da parede para a frente da fachada da residência
Gasworks e com isso promove o apagamento da mesma, criando um efeito de
espelhamento e confusão com a nova configuração arquitetônica da fachada do
prédio proposta por Renata Lucas.
Aferimos com os trabalhos anteriores como fachada e os limites da galeria
são espaços comuns onde os artistas agem frequentemente tensionando suas
barreiras e fronteiras, e propondo novas dinâmicas e fluxos para estes espaços.
!3.3 Dos fluxos entre Berlim e São Paulo: da fotografia à instalação
! Durante as manifestações e passeatas de 2013 no Brasil, quando a
população tomou as ruas para lutar por seus direitos e interesses, vimos o
surgimento de novas formas de proteção do patrimônio de estabelecimentos
comerciais e agências bancárias. Além das conhecidas câmeras de segurança,
policiamento e barreiras de contenção, podíamos encontrar o uso de tapumes na
função de barricadas de proteção das fachadas de vidro de edificações públicas e
privadas.
A intervenção Empena Cega (2015) apropria-se dos tapumes contra
depredações em passeatas, para fechar a fachada de vidro da entrada do espaço
Caio Graco do Centro Cultural São Paulo CCSP e revelar, através deste
encobrimento, o medo e angústias que vivemos em nossa sociedade, provocando
com esta ação uma reflexão sobre a acessibilidade e abertura do espaço público
cultural, destinado à população heterogênea como a da cidade de São Paulo.
A intenção é a de contrapor a transparência democrática do vidro com
materialidade e plasticidade precária e provisória dos compensados, demarcando e
propondo uma reverberação em todo o entorno e marquise da entrada do piso Caio
Graco.
O projeto também potencializa as curvas da arquitetura do CCSP em
contraste com a linearidade plana e sutil da construção do prédio como um todo e
nos propõe a refletir sobre idéias e soluções para os problemas sociais e políticas
culturais em nosso país, mesmo quando tudo esta fechado.
!89
O fechamento do Piso apropria-se da estrutura dos sistemas de proteção
feitos com tapumes. Com isso desloca-se um dispositivo de proteção usualmente
utilizado para proteger edifícios e ou instituições privadas, para uma situação de
proteção da cultura ou como fechamento da cultura. O equipamento de proteção e
segurança, no espaço do Centro Cultural São Paulo, ganha outras cargas de
significado, gerando tensões ligadas à cultura e universo das artes.
As alterações provisórias nos espaços urbanos através destes novos
sistemas de proteção provisórios são os elementos propulsores para o
desenvolvimento da intervenção Empena Cega (2015) para I Edital do Programa de
Exposições Centro Cultural São Paulo, do qual participo como artista convidado. O
contexto social e político ligado ao sistema de segurança de estabelecimentos
privados foi tema da série de fotografias denominada 30. April - 03. Mai (2013) que
direcionou os conceitos que atuaram sobre criação da intervenção artística.
Iniciei a série de fotografias registrando tipologias de tapumes provisórios e os
sistemas utilizados para o fechamento dos estabelecimentos temporariamente. Na
série figuram as fachadas de lojas e estabelecimentos comerciais em duas
situações, durante as festas e manifestações do 1°Maio em Berlim e após este
evento, em seu modo tradicional. Os registros foram realizados marcados sempre
pelo mesmo enquadramento e distância e as imagens são colocadas lado a lado,
com local rua do registro e data e hora, resultando em edição de 50 exemplares em
forma de livro A5.
O registro fotográfico tem como foco os materiais, tecnologias e métodos de
construção, dos tapumes e superfícies que protegem as lojas durante dois dias de
festas e passeatas no bairro de Kreuzberg. No total, foram registradas 19 lojas ao
longo da rota da manifestação 1° de Maio Passeata Revolucionária em torno de
Kottbusser e Kreuzberg na rota da festa MYFEST.
!!!!!!!
!90
Figura 42: Foto da série 30. April - 03. Mai.(2013)
Fonte: Acervo pessoal ! A necessidade de uma nova camada de proteção cria uma arquitetura cega,
em que a transparência do vidro é neutralizada com a superfície das placas de
protecção de diferentes qualidade e materiais. Por medida de segurança a fachada e
vitrine apresentam novas camadas incomuns às suas funções. A vitrine
convencional, que normalmente convida ao olhar e à entrada de pessoas, não se
mostra e nem indica nada.
A série de fotografias expõe a divergência, já que no dia do trabalho o
trabalhador perde o direito ao consumo. E a vitrine que comumente incentiva à
compra e ao desejo se transforma em algo neutro, e gera, pela sua presença, um
!91
distanciamento entre a sua janela, vitrine, que se transforma em muro para os
transeuntes da rua.
Figura 43: Foto da serie 30. April- 03. Mai. (2013). Fonte: Acervo pessoal. !!
3.4 O espaço social do Centro Cultural São Paulo e Empena Cega (2015)
A partir do convite do curador para pensar sobre uma intervenção no Centro
Cultural São Paulo iniciei uma seqüência de visitas às diversas dependências do
espaço, do porão às salas de exposições. Em conversas com ele, durantes as
visitas promovidas, o mesmo sugeria-me pensar a intervenção em qualquer
dependência do 3 mil metros quadrados construídos do espaço do CCSP.
Após pensamentos e reflexões sobre o espaços possíveis para realização da
intervenção no CCSP, proponho-me a ficar no espaço de entrada principal para o
piso Caio Graco, que normalmente é o piso de acesso às exposições e à área
destinada ao setor de Artes Visuais. Para chegar a essa decisão levei em conta ser
esta a entrada principal para as exposições temporárias do setor de Artes Visuais e
ter em mente a intenção de tensionar os limites e fronteiras deste espaço, com um
!92
público passante de carro e mesmo nas calçadas na entrada do piso, além de
querer dar materialidade a uma intervenção nos mesmos moldes das estruturas
fotografadas na série citada anteriormente 30. April - 03. Mai. (2014), que serviu
como direcionamento na construção da intervenção.
Analisando aspectos formais da fachada, a marca arquitetônica que chama
atenção neste espaço da entrada do piso Caio Graco é relação e sua abertura para
com o exterior. O jardim externo e sua marquise com cobertura que acolhe a entrada
dos visitantes. A marquise emoldura a transparência da fachada de vidro e suas
estruturas industriais construída com vidro do piso ao teto. O vidro e o ferro fecham
toda a extensão de 80 metros da fachada. Valorizando a entrada pelo piso Caio
Graco: O desenho resultante da implantação da Avenida 23 de Maio e da Rua Vergueiro conferem expressão signif icativa ao sentido longi tudinal da paisagem, pela noção de cont inuidade da paisagem urbana, em referência ao pensamento desenvolvido por Aldo Rossi (2001), com foco principalmente no conceito de fatos urbanos. 48!
A característica do projeto arquitetônico dos arquitetos Eurico Lopes e Luiz
Telles no piso Caio Graco é sua permeabilidade; logo na entrada é possível ver todo
o espaço em um só olhar e chegando ao centro do prédio é possível ver todos os
departamentos, a biblioteca, a área central, o café, jardim externo, jardim suspenso
e as áreas externa que conectam o prédio a seu entorno urbano, com as Av. 23 Maio
e Rua Pinheiros. Toda esta fluidez do espaço é gerada devido à ausência de
paredes fixas.
Portanto, a ideia inicial do projeto era intervir neste aspecto de
permeabilidade da arquitetura do espaço. Deste modo, tal proposta altera o
funcionamento e uso dos espaços e cria situações em que o espaço deixa de ser
praticado pelo espectador ou usuário do espaço expositivo e outros serviços.
Atuando nas bordas e barreiras e limites das galerias os artistas transbordam
suas obras para fora do espaço expositivo e com isso propõe novos significações as
edificações e equipamentos urbanos onde as intervenções se instauram. E para
compreender a definição de espaço Certeau conceitua:
! NASCIMENTO, G.M e Teixeira, K.A.T. Paisagem urbana, arquitetura e representação. arq.urb. número 12 48
segundo semestre de 2014. Disponível em: http://www.usjt.br/arq.urb/numero-12/9-gislaine-moura.pdf Acesso em:05/12/2017
!93
(...) existe espaço sempre que se tomam em conta vetores de direção, quantidade de velocidade e a variável tempo. O espaço é um cruzamento de móveis. É de certo modo animado pelo conjunto dos movimentos que ai se desdobram. (…) Em suma, o espaço é um lugar praticado. Assim a rua geometricamente definida por um urbanismo é transformada em espaço pelos pedestres. Do mesmo modo, a leitura é o espaço produzido pela prática do lugar constituído por um sistema de signos-um escrito. Merleau Ponty o espaço antropológico.(CERTEAU, 2002, p. 212)
O trabalho se constrói em uma zona que envolve diversas forças e poderes
para se concretizar. Portanto, as negociações com equipe de curadoria, de
arquitetura, de acessibilidade de deficientes visuais, a equipe de segurança, a
equipe de bombeiros foram consideradas como partes determinantes para a
realização desta proposta de intervenção e foram primordiais para o êxito da
intervenção.
Figura 44: Intervenção Empena Cega Centro Cultural São Paulo 2014/15 Fonte: Acervo pessoal. l
Com a intervenção Empena Cega (2015), o espaço do piso Caio Graco deixa
de ser praticado “usado” e utilizado do mesmo modo como era usualmente. Do lado
de fora a antiga fachada de vidro que chamava a entrar no espaço expositivo torna-
se uma Empena, como as fachadas cegas de muitos prédios de São Paulo, que te
!94
Figura 45: Intervenção Empena Cega Centro Cultural São Paulo (2015) Fonte: Acervo pessoal. !
impossibilitam de entrar, seja pelo olhar ou com o corpo. Com a ação, o
espaço interior do piso e da entrada nos é primeiramente negado. Reafirmando as
lógicas excludentes atuais do próprio Centro Cultural. ”Tudo se passa como se duas
lógicas opostas estivessem em confronto: de um lado, a lógica da democracia, dos
direitos civis e de suas instituições; do outro, a lógica da violência e da
segregação.“ (CALDEIRA, 2000)
Com o fechamento da entrada, as funções e usos do espaço são
supostamente colocadas em dúvida e atuam diretamente no corpo físico, no
caminhar do visitante, que precisa andar, perguntar, se questionar para ter acesso
ao espaço e a exposição. Além do fluxo de entrada, altera-se também a visão do
espaço, a função dos seguranças internos, é neutralizada, a luminosidade interna
escure-se, a relação do espaço com a cidade é negada. ficando o espaço, refém
desta situação proposta pelo artista. Tal Situacao também remete ao uso dos
tapumes nas manifestações que ocorrem pelo Brasil desde o os anos 2013. Quando
a estratégia de esconder possíveis alvos de depredação como fachadas de bancos
concessionárias de carros e edifícios públicos durante manifestações e passeatas. 49
A nova espacialidade gerada pelo trabalho, a sua presença física altera o
ambiente por quatro meses: de 16 Novembro de 2014 a 22 Fevereiro 2015. Neste
período, o piso Caio Graco transformou-se, perdeu a transparência de sua fachada,
coberta por uma grande superfície de compensados de madeiras. Do ponto de vista
interno, dentro do espaço expositivo tínhamos o reflexo do vidros que são
potencializados pela madeira que funcionava como um efeito de espelhamento. E de
fora temos a superfície de madeira que cobria toda a extensão de vidro da fachada e
entrada do Centro Cultural São Paulo. Transformando os fluxos do espaço
expositivo, Empena cega (2015) coloca em questão as forças de agentes do poder
que atuam no ambiente das instituições culturais e sócias brasileiras.
CASTILLO, del Miguel. A Privada dos tapumes. Disponível em: http://migueldelcastillo.tumblr.com/post/49
55275093542/a-vida-privada-dos-tapumes. Acesso em:05/12/2017
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Figura 46: Intervenção Empena Cega Centro Cultural São Paulo (2015) Fonte: Acervo pessoal.
Figura 47: Intervenção Empena Cega Centro Cultural São Paulo (2015) vista interna do espaço. Fonte: Acervo pessoal.
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CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES !
Ao final desta etapa de trabalho, concluo que, ao invés de chegar a um
fechamento, a dissertação abre novos caminhos. A precariedade que se apresenta
no corpo e conjunto dos trabalhos em termos materiais e simbólicos, passam a ser
compreendidos como um elemento chave e central de toda uma produção que
relacionava a tríade espaço trabalho e espectador. Após este período, percebo como
a interrelação entre as linguagens possibilitam quebras com as tradicionais formas
de recepção de uma proposta artística, acrescentando outras camadas significativas
a prática.
Outro aspecto determinante neste trabalho foi a análise do contato e
vivências na cidade de Berlim, como artista, esta experiência foi um fator para me
posicionar, com distanciamento da cultura onde passei toda parte de minha vida.
Nesse processo, surgiu um novo olhar crítico sobre a minha própria produção,
endossando e embassando a prática artística.
Ao colocar-me como o escritor e crítico do meu próprio trabalho para o
desenvolvimento da pesquisa da dissertação de Mestrado, foram sendo superados
desafios e foi-se engendrado conceitos à pesquisa. Por distanciamento e alteridade,
atuei sobre as possibilidades de aprofundamento teórico para criar um conhecimento
sistematizado, que foi realizado a partir de uma vontade mais visceral, no entanto,
se transformou em material textual e crítico sobre a produção de arte nos dias
atuais.
Dessa forma, a produção e a pesquisa afinam-se, aquecem o pensamento e
diminuem arestas a serem polidas no desenvolvimento de uma produção futura. A
partir da análise da produção, fez-se possível a compreensão de conceitos, que
atravessam períodos de trabalhos tendo a vivência da cidade contemporânea como
cerne central que mobiliza essa produção. Mesmo se tratando de linguagens
artísticas distintas, optei por um recorte de trabalhos que foram paradigmáticos em
alterações de conceitos e decisivos na minha poética.
Como resultado da interseção entre o trabalho acadêmico e suas
desdobramentos no processo de trabalho prático, realizei, concomitantemente ao
final desta dissertação, a exposição individual Pedestre, como artista selecionado
para edital de exposições no GAIA - Galeria de Artes do Instituto de Arte na
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Unicamp. Nesta mostra individual foi possível um retorno a projetos por meio da
dissertação, revisitando os trabalhos e fortificando a prática artística e suas
implicações na contemporaniedade.
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!!- Anhänger Flying Fisch Fotografia, impressão sobre papel Canson Ed. 1/7, 2017 36 x 56 - Anhänger Falafel Fotografia, impressão sobre papel Canson Ed. 1/7, 2017 36 x 56 - Anhänger ACAB Fotografia, impressão sobre papel Canson Ed. 1/7, 2017 36 x 56 - Anhänger T Fotografia, impressão sobre papel Canson Ed. 1/7, 2017 36 x 56 !
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