41
Desejo um inevitável Autora bestseller do New York Times e do USA Today No amor e na paixão, alguém tem de ceder. Prémio Romance Histórico do Ano

Prólogo - static.fnac-static.com · para reconquistar o seu coração. Poderá a paixão ser mais forte que o preconceito? Autora bestseller do New York Times e do USA Today No amor

  • Upload
    tranthu

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • Desejouminevitvel

    uma autora norte-americana, bestseller do New York Times e do USA Today, que conta com mais de 60 romances publicados.

    Quando se licenciou em Psicologia pela Universidade do Texas, Lorraine no fazia ideia de que tinha acabado de ganhar uma base valiosssima que lhe permitiria criar e descrever personagens consideradas quase reais.

    Por essa razo, os seus livros j foram nomeados e contemplados com inmeros prmios, entre os quais o Prmio RITA para Melhor Romance Histrico e, por duas vezes, o prmio All About Romance (AAR) para a mesma categoria.

    Um Desejo Inevitvel foi galardoado com o Romantic Times Reviewers' Choice Award na categoria de Romance Histrico do Ano.

    O senhor um canalha malvado. Que exatamente a razo pela qual a intrigo. Os cavalheiros elegantes que pairam sua volta entediam-na. Nunca pensariam em tocar-lhe com mos sem luvas. Susteve a respirao quando a mo quente e spera dele lhe tocou no lado esquerdo da cara. Uma mo grande, os dedos passando-lhe pelo cabelo, a palma da mo contra o maxilar dela, o polegar acariciando-lhe a face. Est farta de cavalheiros que se atropelam para lhe satisfazerem os caprichos continuou. No estou farta. Ela detestava soar to ofegante, como se tivesse andado a subir uma interminvel colina. No peito, tinha uma sensao apertada e dolorosa. mimada porque toda a gente lhe d o que quer. Nunca teve de se esforar paraconseguir nada. Nem sequer a atenoou o afeto de um cavalheiro. Voc no sabe nada sobre mim. A voz saiu-lhe frgil e assustada. No fundo do corao, sabia que Darling nunca lhe faria mal fisicamente, nem faria nada para prejudicar a sua reputao. Mas temia que ele conseguisse ver por dentro da sua alma desfeita. Cada qual com seu igual, cada ovelha com sua parelha. Sei mais do que pensa, Lady Ophelia. Compreendo mais do que possa imaginar. Vai casar com um lorde como deve ser, mas algo me diz que primeiro gostaria de danar a valsa com o diabo. Est muito enganado.

    Prove-o.

    Autora Vencedora do Prmio RITA Melhor Romance Histrico

    Contadora de histrias por excelncia, Lorraine Heath rene

    neste livro o poder emocional e o romance intenso. Poucos autores

    so to bem-sucedidos a captar a mente e o corao das leitoras.

    RT Book Reviews

    Nascido nas ruas e educado pela aristocracia, Drake Darling no consegue fugir do seu passado. Sobretudo porque Lady Ophelia Lyttleton

    o relembra constantemente as suas origens humildes.Para ela, Darling nunca ser um verdadeiro nobre.

    At ao dia em que este a salva de se afogar das guas do Tamisa e descobre que ela sofre de uma inexplicvel perda de memria. Aproveitando essa

    oportunidade, ele decide castigar Ophelia, convencendo-a de que ela sua empregada domstica. Contudo, enquanto brinca a este malicioso jogo,

    Darling fica inevitavelmente rendido ao charme de Lady Ophelia.

    Ophelia parece corresponder aos seus sentimentos, mas est inquieta. Sente que algo na histria dele no bate certo. E quando recupera finalmente

    a memria, fica devastada e aterrorizada com a traio de Darling.

    Agora, ele ter de provar que merece a confiana dela para reconquistar o seu corao.

    Poder a paixo ser mais forte que o preconceito?

    Autora bestseller do New York Times e do USA Today

    No amor e na paixo, algum tem de ceder.

    Prmio Romance Histrico do Ano

    Fico Romntica

    I S B N 9 7 8 - 9 8 9 - 8 8 4 9 - 7 8 - 6

    9 789898 849786

    um

    desejo

    inev

    itvel

  • 9

    Prlogo

    Do dirio de Drake Darling

    Nasci com o nome de Peter Sykes, filho de um assassino e de uma mulher assassinada, uma herana que sempre me perseguiu. No sei quantas vidas ter o meu pai ceifado, mas sei que matou a minha me porque ela queria dar-me uma vida melhor. Sem que ningum o soubesse, assisti ao enforca-mento dele. Eu tinha 8 anos na altura. Apesar de ter levado alguns encon-tres quando caminhei por entre a multido, consegui abrir caminho at frente. O meu pai chorava. Borrou-se nas calas, suplicando por mise-ricrdia. Palavras que eu tinha ouvido da boca da minha me, palavras que de pouco lhe valeram.

    Tambm de nada valeram ao meu pai, porque ataram uma corda volta do pescoo e a seguir abriram o alapo. Tudo o que vi e ouvi depois disso enterrei na zona mais obscura e recndita da minha mente, mas a verdade que, por mais que tentasse, nunca consegui enterrar o sangue manchado dele que me corre nas veias. Nem a raiva que me fervilhava flor da pele o legado que me deixou, um legado que sempre temi estar destinado a assumir, mais tarde ou mais cedo. Porque estava sempre l, pairando, ansiando por se manifestar.

    A minha me tinha-me confiado aos cuidados de uma Miss Frannie Darling, que acabou por casar com Sterling Mabry, o Duque de Greystone. Levaram-me para casa deles e criaram-me como se fosse filho legtimo. Como Miss Darling j no precisava do sobrenome dela, assumi-o, numa tentativa de me livrar dos pecados do meu pai.

    Um desejo inevitavel vale.indd 9 13/10/16 15:43

  • Lorraine Heath

    10

    Uma noite, o Duque apontou para a constelao Draco e nas estrelas vi o drago feroz, intocvel. Fiquei conhecido como Drake, uma vez mais na tentativa de me afastar do meu passado e do destino que me foi dado pelo meu pai. Com a famlia do Duque viajei pelo mundo, vi criaturas e criaes espantosas, experienciei maravilhas para alm da imaginao.

    Mas, por mais longe que eu viajasse, no conseguia escapar s minhas origens srdidas. Nunca poderia ser mais do que aquilo para o que tinha nascido.

    Um desejo inevitavel vale.indd 10 13/10/16 15:43

  • 11

    Captulo 1

    Londres 1874

    Por vezes, Lady Ophelia Lyttleton dava por si bastante chocada com as pessoas do seu gnero. Esta noite, infelizmente, estava a ser uma dessas ocasies. As jovens e no caso, as damas mais velhas tambm humilhavam-se ao disputarem a ateno de um dos mais notveis cavalheiros presentes no baile daquela noite.

    Drake Darling no frequentava muitas vezes os eventos sociais da elite, mas o supervisor do clube de cavalheiros no conseguiu evitar esta obrigao quando o objetivo da mesma era celebrar o casamento de Lady Grace Mabry com o Duque de Lovingdon. Afinal, Darling havia sido criado no seio da famlia de Grace, mesmo no estando relacionado com eles de forma alguma, nem sendo um primo dis-tante ou um sobrinho h muito perdido. Nem era da aristocracia e o seu sangue no era, certamente, azul.

    Contudo, as senhoras que davam risadinhas dissimuladas sua volta e acenavam os seus cartes de dana em frente do nariz dele pareciam ter esquecido esse seu lado. Ele no iria elevar-lhes a posi-o na Sociedade. No iria passar um ttulo ao seu filho primognito. No iria ter lugar na Casa dos Lordes.

    A nica coisa que garantidamente conseguiria era derreter as senhoras em volta dele. Era o seu sorriso. A maneira sublime como os seus lbios se abriam levemente para revelar dentes brancos regu-lares, e depois um canto da sua boca lasciva subia um pouco mais para formar uma minscula covinha na face direita que se iluminava com uma promessa de malcia.

    Um desejo inevitavel vale.indd 11 13/10/16 15:43

  • Lorraine Heath

    12

    Eram os seus olhos. A maneira como, negros como breu, brilha-vam sabedores, como se conseguisse no s decifrar o desejo mais ntimo de uma senhora, mas tambm satisfazer-lho de uma maneira que excederia, de longe, as suas expetativas.

    Era o seu cabelo, to negro que parecia quase azul quando visto luz das lamparinas a gs. A maneira rebelde como o deixava mais comprido do que o que ditava a moda, a maneira sugestiva como roava o colarinho do seu casaco azul, convidando os dedos a desliza-rem por entre as mechas encaracoladas.

    Era a largura dos seus ombros e do seu peito que sugeria con-solo oferecido a qualquer mulher que a encostasse o rosto, a sua altura que o tornava meia-cabea mais alto do que a maior parte dos homens presentes no salo. Era o seu riso, a facilidade com que o oferecia a uma senhora aps outra. Era a inclinao corts da cabea, a sua incrvel solicitude, a maneira sedutora com que a baixava para ouvir melhor e como se inclinava para a frente para sussurrar a um ouvido delicado.

    Ele fazia com que se apaixonassem por ele. To simples e des-preocupadamente. Sem pensar nas consequncias.

    Ela odiava-o por isso. Elas seguiam-no para os jardins onde ele as beijava at perderem os sentidos. Ela tinha-o apanhado uma vez a fazer exatamente isso a uma jovem criada na propriedade do duque. Por trs dos estbulos, a rapariga tinha trepado por ele acima ten-tando capturar tudo o que a boca dele tinha para oferecer. Embora tivesse apenas 8 anos, Ophelia ficou chocada com o espetculo, sabendo que estava errado e que era pecaminoso. Ela achava que no tinha sido avistada, mas ao fugir ouviu o seu riso baixo, o que a fez correr o mais que pde. Ela conhecia o seu tipo, sabia que no tinha considerao pela reputao de uma mulher.

    At ao momento, naquela noite, j tinha danado com uma dzia de senhoras. No que ela estivesse a contar.

    Ela j tinha tido a sua quota de ateno por parte de condes, viscon-des, marqueses e duques. De homens que tinham ttulos de cortesia, mas que um dia teriam muito mais, e daqueles que j tinham ascen-dido sua devida posio. No precisava de implorar ateno como as midas tontas que rodeavam Darling sempre que saa da pista de dana ou voltava de ir buscar um refresco para qualquer menina que

    Um desejo inevitavel vale.indd 12 13/10/16 15:43

  • Um dese jo inevitvel

    13

    lhe deitava olhares ternos prestes a desmaiar. Desempenhava bem o papel de gal, sem dvida, era mestre nisso. Fazia-as esquecer a todas o que ele era, de onde vinha. Um homem de origens rudes.

    Tm um comportamento to ridculo, na forma como bajulam o Darling murmurou ela.

    De p, ao lado dela, Miss Minerva Dodger deu uma achega. Quem as pode censurar? Ele uma curiosidade. Penso que

    o primeiro baile a que vem desde que a Grace foi debutante. Ele atrevera-se a convidar Ophelia para danar nessa noite, mas

    ela tinha ignorado o seu convite. Algum tinha de manter o nvel e seguir padres socialmente aceitveis. O pai dela tinha-lhe inculcado isso pancada. A sua linhagem remontava a Guilherme, o Conquis- tador. Ela nem tinha autorizao para danar com segundos filhos, quanto mais com filhos que tivessem vindo depois. Esperava que ela o deixasse, a ele, e aos seus antepassados, orgulhosos, que conti-nuasse a nobre tradio de casar bem. Se no obedecesse s suas res-tries, o seu impressionante dote seria perdido, e juntamente com ele, qualquer possibilidade de felicidade. Ela dependia do que obteria com a fortuna que ficaria na sua posse: a liberdade.

    plebeu recordou ela amiga.Minerva arqueou uma sobrancelha. Tal como eu.Ophelia suspirou rapidamente. A tua me nobre. O meu pai da rua.E um dos homens mais ricos da cristandade. Lutou pelo sucesso que alcanou. No se poderia dizer o mesmo do Drake? Poder algum verdadeiramente fugir ao seu passado? No pode ser das duas maneiras. No podes, por um lado,

    reconhecer que o meu pai fugiu ao passado dele e depois no teres a mesma considerao pelo Drake.

    Podia. Fazia-o. O seu pai tinha sido um homem incrivelmente ntegro. E desde a sua morte, o irmo tinha-se afastado um pouco dos bons caminhos, passando demasiadas noites a jogar e a beber, mas ela sentia obrigao em honrar os ensinamentos do pai. Ela atraa o pecado, e se no permanecesse sempre vigilante, ele acabaria por

    Um desejo inevitavel vale.indd 13 13/10/16 15:43

  • Lorraine Heath

    14

    vencer. Nunca tinha dito a ningum essa feia verdade sobre si prpria. O pai teria ficado terrivelmente desiludido, podia at nem sequer lhe dar dote nenhum, podia t-la deixado a viver sua prpria custa.

    O meu pai no tem queixas da maneira como o Drake gere o Dodgers Drawing Room continuou Minerva, referindo-se ao in- fame clube de cavalheiros como se tivesse toda a ateno de Ophelia. Tendo sido criado pelo Duque e Duquesa de Greystone e recebido a mesma devoo que dedicavam aos seus filhos, atrevo-me a dizer que podia ter evitado trabalhar de todo se assim o quisesse. Deve ser admirado por isso.

    Ela no tinha sido sensata ao mencionar fosse o que fosse, j que Minerva no poderia compreender como Ophelia conseguia ver Drake Darling exatamente como ele era: abaixo deles todos e no merecendo o mnimo de considerao. No era nenhum cavalheiro. Encorajava o pecado, tentando as senhoras com aquele sorriso malicioso.

    Ele consegue sempre suscitar o pior em ti refletiu Minerva. Nunca compreendi isso.

    No sejas ridcula. Nem sequer penso nele. No entanto, aqui estamos ns a discuti-lo. No, na realidade, eu estava a chamar a ateno para o com-

    portamento imprprio das senhoras, como se reflete negativamente em todas ns.

    O meu pai j me disse inmeras vezes que no somos o re- flexo do comportamento dos outros, apenas do nosso.

    Mas quando esse comportamento nos toca a nsInterrompeu o pensamento, empurrando-o para trs, para o bu-

    raco de onde tinha vindo, no querendo dignific-lo com a voz. Mas tinha de admitir que havia razo naquilo que Minerva dizia. Darling suscitava o pior dela. Sempre fora assim. O pecado atraa o pecado.

    Ainda naquela manh ela tinha sido alvo da inveja de todas as mulheres de Londres, pois Darling tinha-a acompanhado pela nave da Igreja de St. George depois da cerimnia que tinha unido Grace e Lovingdon. Ela tinha sido dama de honor de Grace enquanto Darling tinha sido o padrinho de Lovingdon. Mas durante a longa caminha- da desde o altar at sacristia, ela nem sequer lhe tinha dirigido uma palavra, e ele mal deu sinal de reconhecer a sua presena. Ele no a tinha agraciado com o seu notvel sorriso. Os olhos dele nem brilharam.

    Um desejo inevitavel vale.indd 14 13/10/16 15:43

  • Um dese jo inevitvel

    15

    Sabia que ele gostaria de estar com qualquer uma menos com ela, tal como ela gostava de estar com qualquer um menos com ele.

    As senhoras danavam com o diabo enquanto ele as conduzia alegremente para a tentao. Estava na hora de algum pr fim fantochada, que algum lhes lembrasse e a ele tambm do seu lugar na sociedade.

    Naquele preciso momento, Drake Darling sonhava com qual-quer outro lugar que no aquele, mas sabia bem que na vida no se podia ter tudo. De vez em quando, nem se tinha o que se merecia.

    Por isso, recorreu ao que tinha aprendido sobre a impostura du- rante a sua infncia e fingiu estar encantado, exultante de alegria, por ser o centro das atenes. Preferia de longe as sombras aos cintilan- tes sales de baile. Sentia-se mais confortvel quando no davam por ele, mas sentia-se lindamente na pele de camaleo. Sabia integrar-se mesmo quando tal sucedia dentro de uma sala com paredes espelha-das, candelabros a gs e os mais finos personagens que a aristocracia tinha para oferecer.

    A nica coisa que no fingia era a felicidade que sentia por Grace e Lovingdon. Considerava Grace uma irm, embora o sangue de am- bos no pudesse ser mais diferente. H muitos anos que era amigo ntimo de Lovingdon, ocasionalmente um confidente, mas era, sobre- tudo, um compincha no deboche. At que Grace capturara o corao do duque.

    Por isso, Drake no podia deixar de comparecer celebrao do seu casamento. Alguns minutos antes tinha vislumbrado o feliz casal a escapar-se do salo de baile. Geralmente, a noiva e o noivo no iam ao baile em sua honra, mas Grace era tudo menos convencional. Quisera danar com o pai uma ltima vez. A viso do Duque de Greystone estava a deteriorar-se, embora s a famlia soubesse do seu problema de sade. Outra razo pela qual Drake aqui estava: por reconhecimento da dvida que tinha com o homem e a mulher que lhe tinham dado um lar. Contavam com a sua presena e, por isso, no deixava transparecer qualquer indcio para as seis jovens senhoras que o rodeavam de que preferia estar noutro stio. Fazia sempre o que era preciso para garantir que o duque e a duquesa no se arre-pendiam de o ter acolhido.

    Um desejo inevitavel vale.indd 15 13/10/16 15:43

  • Lorraine Heath

    16

    Eram to jovens, as damas que lhe sorriam e lhe faziam olhinhos. Mesmo as que tinham mais de 25 anos eram demasiado inocentes para o seu gosto. Eram todas leves e frescas, como se no conheces-sem fardos, como se a vida mais no fosse que divertimento. Preferia mulheres mais condimentadas, saborosas, picantes e incisivas.

    Moo.Tinha chegado uma exceo sua preferncia pelas mulheres

    mais incisivas. A soberba da voz fez-lhe ranger os dentes. Devia ter adivinhado que no ia escapar vigilncia dela toda a noite. Conti- nuava sem compreender a razo pela qual Lady Ophelia Lyttleton era uma das melhores amigas de Grace. No percebia como que a sua irm do corao se dava com algum to arrogante quando a prpria Grace era a pessoa mais doce e gentil que conhecia. Teimosa, com certeza, mas no tinha um pingo de maldade no corpo. J de Lady Ophelia no se podia dizer a mesma coisa. A presena dela atrs dele era prova suficiente.

    As senhoras que o tinham agraciado com a sua ateno pesta-nejaram repetidamente e ficaram em silncio pela primeira vez em mais de duas horas. Porque elas estavam l, porque ele se esforava por dar a aparncia de ser um cavalheiro, ia poupar a Lady Ophelia o embarao de a ignorar. Embora suspeitasse que iria pagar pela sua generosidade. Pagava sempre. A dama era bastante competente a mandar farpas venenosas.

    Lentamente, virou-se e arqueou uma sobrancelha para a mulher cuja cabea nem sequer lhe chegava ao ombro. E, no entanto, apesar da sua altura diminuta, ela conseguia parecer olh-lo de cima. Era o seu nariz comprido, impertinente e esguio que se arrebitava ligeira-mente na ponta. Tinha sido uma permanente irritao quando visi-tava Grace e se cruzava com ele. Mas como diabrete que era, tratava de o desdenhar apenas quando Grace no estava por perto para tes-temunhar as suas humilhaes. Porque gostava demasiado de Grace para a magoar e ela havia de ficar chocada por saber que ele e a amiga dela no se davam particularmente bem tinha suportado os vexames de Lady Ophelia convencido de que ele fazia o que era correto enquanto ela se arrastava na porcaria.

    No fazia sentido para ele que uma tal beleza pudesse ser uma tamanha megera. Os seus olhos verdes de forma oval e extica

    Um desejo inevitavel vale.indd 16 13/10/16 15:43

  • Um dese jo inevitvel

    17

    desafiavam-no de forma to incisiva que ameaavam penetrar-lhe a alma se ele no tivesse cuidado. Embora fosse 12 anos mais velho do que ela, medida que se tornara mulher adulta, tinha adquirido a capacidade de o fazer sentir como um co a viver no atoleiro dos esgotos uma vez mais. No que outros da aristocracia no o tivessem feito sentir-se, ocasionalmente, da mesma forma, mas irritava-o de sobremaneira quando era ela a responsvel pela mossa no seu orgulho.

    Moo repetiu ela com ainda mais arrogncia , traga-me champanhe, e despache-se.

    Como se ele fosse criado, como se vivesse para a servir. No que achasse que servir fosse algo de errado. A tarefa de quem servia era mais nobre e as suas realizaes ultrapassavam de longe tudo o que ela poderia algum dia conseguir. Ela, que, sem dvida, comia um cho- colate na cama enquanto lia um livro, sem pensar no esforo que havia sido necessrio para colocar um e outro nas suas mos.

    Pensou dizer-lhe que fosse ela busc-lo, mas sabia que ela veria isso como uma vitria. Sabia que ela tinha esperanas de o irritar, que queria provar que ele no era suficientemente cavalheiro para no insultar uma senhora. Ou talvez s quisesse garantir que ele sa- bia qual era o seu lugar. Como se ele algum dia o pudesse esquecer. Tomava banho todas as noites, esfregava violentamente o corpo, mas no conseguia arrancar da pele a sujidade das ruas. A sua famlia tinha-o acolhido, os amigos deles tinham-no aceitado, mas mesmo assim ele sabia o que era e de onde tinha vindo. Se contasse a verdade sobre tudo o que se escondia no seu passado a Lady Ophelia, ela iria, sem dvida, empalidecer, e as suas madeixas de cabelo prateadas ha- viam de se encaracolar e murchar de horror.

    Sentia no ar a ansiedade das senhoras que cirandavam ali em volta, talvez at a esperana de que ele a pusesse no lugar dela. Nunca entendera a malvadez que, por vezes, testemunhava entre as mulhe-res. Ele sabia que Grace havia sofrido com a inveja delas, porque o seu imenso dote fazia os homens atropelarem-se uns aos outros na tentativa de ganhar a sua ateno. Mas Lady O., apesar de no gostar nada dele, tinha permanecido fiel a Grace, tinha sido confidente da sua irm e uma verdadeira amiga. Ela no merecia o desdm dele nem uma humilhao em frente das senhoras que podiam ter dese-jado que Grace tivesse menos ateno.

    Um desejo inevitavel vale.indd 17 13/10/16 15:43

  • Lorraine Heath

    18

    Inclinou a cabea ligeiramente. Como desejar, Lady Ophelia. Virou-se para as outras. S

    demoro um momento, minhas senhoras, e depois poderemos con-tinuar a nossa discusso a respeito das fragrncias mais sedutoras.

    No sabia bem porqu, tinham concebido um joguinho que con-sistia em adivinhar o nome da flor que dava o cheiro ao perfume de cada uma delas. O que exigia, da parte dele, que se inclinasse para elas vrias vezes, arrancando-lhes por seu lado suaves suspiros.

    Lady Ophelia tinha chegado numa nuvem de orqudeas provo-cadoras e trocistas, prometendo prazeres proibidos que, apesar dos seus esforos para os ignorar, o atraam. Com tantas mulheres, por-que diabo que ela o intrigava? Talvez por ser um desafio to grande e ter erguido muros que s os mais lestos podiam escalar para ganhar o tesouro que estava por trs deles. Ele era perito a ler as pessoas, mas nunca tinha sido capaz de a ler.

    Dando meia volta, dirigiu-se mesa onde o champanhe e outros refrescos estavam a ser servidos. Sentia pungentemente o olhar dela fixo nas suas costas. Desconfiava que se olhasse por cima do ombro, a veria a cochichar com outras senhoras, a avis-las. Mal sabia ela que lhe faria um favor se conseguisse garantir que o deixassem em paz. Tinha-se comprometido com mais trs danas, e no ia desiludir as futuras parceiras dirigindo-se para o salo de jogos antes de cumprir as suas obrigaes. Nem ia dar a satisfao a Lady Ophelia de lhe estragar a noite, mandando-o fazer recados. Um copo era tudo o que ia ter dele.

    No sabia porqu, dois anos antes, no baile de debutante de Grace, tinha convidado Lady Ophelia para danar. Achara que ela se havia tornado uma criatura requintada, e tinha a vantagem de ser amiga de Grace. Embora muitas vezes tivesse olhado de cima para ele quando era ainda uma criana, sups que ela j teria ultrapassado essas infan-tilidades. Oh, como estava errado. Com um olhar horrorizado, ela deu-lhe imediatamente uma recusa. Virou-lhe as costas sem sequer responder ao seu convite. Perceber que a rejeio fora testemunhada pelos outros tambm no ajudou o seu orgulho ferido.

    Agarrando numa taa de champanhe da mesa, serpenteou pelo amontoado de gente, no ficando surpreendido por descobrir que ela se tinha ido embora. Pensou em beber a mistura borbulhante, mas

    Um desejo inevitavel vale.indd 18 13/10/16 15:43

  • Um dese jo inevitvel

    19

    o whisky puro era mais a seu gosto. E ento ouviu o seu riso sedutor. Como diabo podia uma dama de gelo ter um riso to gutural e sen-sual, uma cano de sereia que lhe ia direita ao baixo-ventre?

    Irritado consigo prprio por ficar to atrado pelo som, olhou por cima do ombro e viu-a a namoriscar escandalosamente com o Duque de Avendale e o Visconde de Langdon. Ambos de famlias respeita-das, poderosas e ricas. No ficou surpreendido por ver outras duas senhoras no grupo. Os cavalheiros eram procurados, mas tal como ele tinha tendncia para evitar ocasies sociais, eles tambm. O casa-mento estava to afastado nos seus futuros remotos que nem com um telescpio o conseguiria descortinar. S estavam aqui porque eram amigos chegados de Grace e de Lovingdon. Mas agora que o feliz casal se tinha ido embora, desconfiou que Avendale e Langdon iriam para outro stio para se divertirem.

    Ao contrrio de Lady O., eles iriam convid-lo para se juntar a eles.O riso de Ophelia chegou-lhe aos ouvidos outra vez, mas, desta

    vez, quando o som se desvaneceu, o olhar dela pousou nele como uma enorme pedra, mergulhando de seguida no champanhe, fazendo com que os seus lbios se abrissem em triunfo, pouco antes de fran-zir o nariz como se lhe cheirasse a algo desagradvel. Com a cara a transformar-se outra vez em doura enganadora, desviou novamente o olhar para Avendale, dispensando Drake.

    Infelizmente para ela, ele j no era assim to facilmente descar-tado.

    Ophelia sentiu um sbito assomo de pnico. Darling dirigia-se com ar decidido na sua direo, com as suas grandes mos as mos de um trabalhador ananicando o copo que tinha nas mos. A expresso indicava claramente que ele ia confront-la e temeu ter avaliado mal o seu humor esta noite e que lidar com ele pudesse ser mais difcil do que estava espera. Mas iria lidar com ele. No se deixaria intimidar, nem por ele, nem por qualquer outro homem, na realidade.

    Ele era um plebeu, vindo de origens rudes. Podia trajar como um cavalheiro, mas ela no tinha dvidas de que l no fundo era um patife, com as maneiras de um patife e inclinao para comporta-mentos pecaminosos.

    Um desejo inevitavel vale.indd 19 13/10/16 15:43

  • Lorraine Heath

    20

    No percebia porque que esse pensamento a fazia ficar descon-fortavelmente acalorada. Era a sala apinhada, os candelabros a gs, as vrias camadas de combinaes e o espartilho apertado. No estava, com certeza, a imaginar aquelas mos a explorarem-lhe o corpo. Ela no era da rua. Era uma senhora. E as senhoras no pensavam em tais coisas.

    Mas, medida que se aproximava, qualquer coisa nas profun-dezas negras dos olhos dele brilhou como se ele se apercebesse cla-ramente do trajeto dos pensamentos errantes dela e estivesse mais do que disposto a servir-lhe de companhia numa romagem iniqui-dade. Ele no era bonito, pelo menos no de acordo com a definio clssica. As suas feies eram rudes, vincadas como se tivessem sido esculpidas por um deus zangado. O nariz era demasiado grande, a testa demasiado ampla. O maxilar demasiado quadrado. Via o comeo de um sombreado, pelos que no tinham tido a decncia de esperar at mais tarde para aparecerem. Porque estava ela a perder tempo a catalogar cada centmetro dele quando tinha tanta abundn-cia de lordes dispostos a dar-lhe a sua ateno?

    Quando parou frente dela, deu rdea livre ao olhar para a exa-minar vagarosamente. A respirao tornou-se-lhe difcil, e ela sentiu um medo terrvel que ele lhe encontrasse alguma falta. Endireitou os ombros para trs: que importava a opinio que ele tivesse dela, quando esta no tinha qualquer valor?

    O seu champanhe.A voz rouca e profunda teceu algo de obscuro e sensual em volta

    das palavras. Ela desconfiou que ele no era um amante silencioso e que sussurrava coisas marotas ao ouvido de uma mulher.

    Foi to incrivelmente lento a ir busc-lo que j no tenho von-tade de o beber.

    Com certeza no ir furtar-se ao prazer de permitir que essas bolhas lhe faam ccegas no palato.

    Ele embrulhou a palavra prazer num significado profundo. Era to absolutamente intolervel que tivesse a ousadia de se lhe dirigir com tal desrespeito quando outros estavam to perto Mas por mais que tentasse, no conseguia encontrar uma resposta espirituosa, j que ele a estudava como se a estivesse a imaginar a fazer-lhe ccegas no palato dele.

    Um desejo inevitavel vale.indd 20 13/10/16 15:43

  • Um dese jo inevitvel

    21

    Com a sua demora, j deve ter perdido o gs disse ela, antes de lhe virar as costas. Avendale, acho que estava a dizer que

    Drake Darling teve o atrevimento de se meter entre ela e o duque. Os seus olhos estavam semicerrados, o maxilar firme.

    Lady Ophelia, insisto que aceite o champanhe. Voc, moo, no ningum para insistir em nada do que me

    diz respeito.O dedo enluvado dele bateu de lado no copo, enquanto o seu olhar

    perfurava o dela. Ophelia, por sua vez, quase conseguia ver a mente dele a fervilhar em retaliao. Ela no sabia por que razo procu-rava provoc-lo, mas qualquer coisa nele a destabilizava, sempre fora assim. Queria p-lo no lugar, recordar-lhe e a si prpria que estava abaixo dela. O pai tinha-lhe batido com o cinto no traseiro e nas pernas nuas quando uma vez a apanhou a falar com Darling. Tinha 12 anos nessa altura, mas no era uma lio que se esquecesse facilmente. Ela no podia estar na companhia de algum que no fosse da nobreza.

    Ento, que seja murmurou ele, levantando o copo. Incli- nou a cabea para trs e emborcou o lquido dourado numa nica e longa golada. Ela s lhe conseguia ver um pouco dos msculos a trabalhar na garganta, porque um lao de gravata perfeito escon-dia o resto da vista. Mas o pescoo, tal como o resto dele, era pode- roso. Afastando o copo, lambeu os lbios com satisfao a brilhar-lhe nos olhos.

    No est nada sem gs. Na verdade, bastante agradvel, como o beijo de uma sedutora.

    Ela foi trespassada por uma raiva quente, escaldante. Ele estava a ridiculariz-la. No importava que tivesse sido ela a comear este pequeno jogo com o seu pedido inicial. Ele devia apressar-se a desa-parecer da sua frente ao aperceber-se de que ela j no estava interes-sada no champanhe. E no deix-la a pensar se algum champanhe restaria nos seus lbios, para ela saborear.

    Moo J l vai muito tempo desde que eu era moo.Ela levantou o queixo. Moo, talvez nos queira ir buscar champanhe a todos. Quando o inferno congelar, minha senhora.

    Um desejo inevitavel vale.indd 21 13/10/16 15:43

  • Lorraine Heath

    22

    Deu um passo na sua direo. Ela deu apressadamente um passo para trs. O brilho do triunfo iluminou os olhos dele. Bolas para ele. Ela no iria recuar mais.

    Um criado passou, e sem tirar os olhos dos dela, Darling ps a taa na bandeja de prata que o criado transportava. Depois, deu outro passo para a frente.

    Ela lutou para se manter firme, mas conseguia agora respirar a sua fragrncia intoxicante. Um intenso cheiro a terra, o aroma de ta- baco ou talvez de pecado. Ele aproximou-se mais

    Meio passo para trs. Dance comigo disse ele. Como disse? Ouviu-me.Ela levantou o queixo. No dano com plebeus. De que tem medo? No temo nada. Mentirosa.O olhar dela saltitou rapidamente da esquerda para a direita. Sem

    que ela se tivesse apercebido disso, ele tinha conseguido manobr-la at s sombras de um recanto mal iluminado e barrava-lhe agora o caminho. Aqueles com quem ela estava anteriormente no se viam agora em lado algum. Ela deveria ter sabido que Avendale e Langdon se iam pr ao lado deste abusador e acompanhar as amigas dela para a pista de dana, para o jardim, ou para tomarem refrescos. Malditos! Mesmo assim, no seria intimidada por gente da espcie de Drake Darling.

    O senhor desprezvel. E voc uma menina arrogante que precisa de aprender uma

    lio. Suponho que pensa que homem para o fazer.Os seus olhos escureceram, o olhar desceu-lhe para os lbios dela

    e ela deu por si a dar trs passos rpidos para trs. No se atreva murmurou ela, odiando o facto de o seu

    tom soar como uma splica, mais do que como uma exigncia. Anda a espicaar o tigre h alguns anos. No pode esperar que

    ele fique sempre dcil.

    Um desejo inevitavel vale.indd 22 13/10/16 15:43

  • Um dese jo inevitvel

    23

    Tinha razo nisso. No sabia porque o escolhia sempre a ele. Talvez porque pressentisse nele um lado obscuro que a atraa, um lado que era perigoso acolher.

    Est a dar espetculo realou ela. Estamos na sombra. Ningum nos est a prestar ateno.Como um grande predador corpulento, ele avanou sobre ela.

    Embora soubesse que era pouco sensato, ela recuou ainda mais para o recanto at tocar com as costas na parede. O corao batia-lhe irregularmente. Dentro das luvas, as palmas das mos humedeciam.

    Se fizer alguma coisa imprpria, eu grito.Ele riu-se sombriamente. E arriscar-se a ser apanhada com escumalha? No me parece. O senhor um canalha malvado. Que exatamente a razo pela qual a intrigo. Os cavalheiros

    elegantes que pairam sua volta entediam-na. Nunca pensariam em tocar-lhe com mos sem luvas.

    Susteve a respirao quando a mo quente e spera dele lhe tocou no lado esquerdo da cara. Uma mo grande, os dedos passando-lhe pelo cabelo, a palma da mo contra o maxilar dela, o polegar acari-ciando-lhe a face.

    Est farta de cavalheiros que se atropelam para lhe satisfaze-rem os caprichos continuou.

    No estou farta. Ela detestava soar to ofegante, como se tivesse andado a subir

    uma interminvel colina acima. No peito tinha uma sensao aper-tada e dolorosa.

    mimada porque toda a gente lhe d o que quer. Nunca teve de se esforar para conseguir nada. Nem sequer a ateno ou o afeto de um cavalheiro.

    Voc no sabe nada sobre mim. A voz saiu-lhe frgil e assustada. No fundo do corao, sabia que Darling nunca lhe faria mal fisicamente, nem faria nada para prejudicar a sua repu- tao. Grace nunca lhe perdoaria tal ato, e se tinha aprendido alguma coisa com os anos, era que ele queria desesperadamente agradar a Grace e sua famlia. Mas temia que ele conseguisse vislumbrar a sua alma desfeita. Cada qual com seu igual, cada ovelha com a sua parelha.

    Um desejo inevitavel vale.indd 23 13/10/16 15:43

  • Lorraine Heath

    24

    Sei mais do que pensa, Lady Ophelia. Compreendo mais do que possa imaginar. Vai casar com um lorde como deve ser, mas algo me diz que primeiro gostaria de danar a valsa com o diabo.

    Est muito enganado. Prove-o.Antes que pudesse responder, ele cobriu-lhe os lbios com a sua

    boca macia. Era mais delicada do que ela esperava, mais quente. O polegar roava-lhe vagarosamente o canto da boca, como se fosse parte do beijo. Sentiu-lhe a lngua a contornar-lhe a abertura entre os lbios, antes de percorrer a parte de fora. Uma vez, duas vezes, depois voltava ao centro, mas j no satisfeito apenas com a superf-cie. Com uma insistncia que a devia ter assustado, impeliu-a a abrir os lbios. A lngua passou entre eles, deslizando sobre a dela, avelu-dada e sedosa. Convidando-a a explorar, a conhecer a intimidade da boca dele tal como ele descobria a dela.

    Ela devia ter ficado repugnada, horrorizada. Mas estava extasiada, atrada por sensaes que nunca tinha experimentado. Ele era to talentoso a desencadear reaes deliciosas reaes que comea-vam na ponta dos dedos dos ps e remoinhavam para cima, estreme-cendo todas as suas terminaes nervosas e provocando-lhe um calor letrgico , que tudo isto lhe enfraquecia os joelhos e a determina-o para o repelir.

    Ouviu um gemido profundo, sentiu uma vibrao contra os dedos e deu conta de que lhe agarrava a lapela do casaco. Agarrar-se a Drake Darling era a nica coisa que a impedia de se derreter numa poa de prazer a seus ps. Isto era apenas um beijo, uma ancestral dana de bocas, no entanto, estava a provar ser a sua perdio.

    Ele afastou-se com um brilho de triunfo nos olhos. Mais cinco minutos e tinha-a despida e de cosPs!A palma enluvada dela atingiu-o na face, surpreendendo-o a ele

    e tambm a si prpria. No lhe permitiria que a fizesse sentir como se fosse uma prostituta.

    Voc no s repugnante, como tambm sobrevaloriza os seus talentos. No gostei do seu toque nem do seu beijo. Nem um pouco.

    Os seus gemidos davam a entender coisa diferente.

    Um desejo inevitavel vale.indd 24 13/10/16 15:43

  • Um dese jo inevitvel

    25

    Levantou a mo para lhe dar outra bofetada, mas ele prendeu-lhe o pulso com os seus dedos compridos e grossos agarrando firme-mente os seus ossos finos. Podia parti-los to facilmente. Ela respirava com dificuldade, enquanto ele no parecia ter qualquer dificuldade em encontrar ar.

    Uma bofetada j lhe chega, minha senhora. Eu teria parado as minhas atenes ao mnimo protesto seu. No pode estar zangada agora s porque quis o que lhe estava a oferecer.

    No quero absolutamente nada que tenha que ver consigo. Agora largue-me.

    Os dedos largaram-na lentamente. Agarrando a mo j livre, fechou-a num punho junto ao seu corpo.

    Voc no melhor do que a lama que limpo dos meus sapatos. Eu c acho que a senhora protesta demasiado. Espero que apodrea no inferno. Deu um passo pelo lado

    dele, sentindo grande alvio por ele no a tentar impedir, mas tam-bm ligeiramente desiludida. O que se passava com ela? Era estranho aperceber-se que, com ele, ela se tinha sentido segura. Completa e absolutamente segura.

    O que era absurdo. Ele no gostava dela. Ela no gostava dele. Ele estava simplesmente a tentar dar-lhe uma lio. Ela s podia esperar ter-lhe ensinado uma: ela no era senhora com quem se brincasse.

    Um desejo inevitavel vale.indd 25 13/10/16 15:43

  • 26

    Captulo 2

    O que estavas a fazer a falar com o Drake Darling? perguntou Somerdale enquanto a carruagem rolava pelas ruas silenciosas.O baile iria sem dvida continuar at de madrugada, mas Ophelia

    estava mais do que disposta a ir embora depois do que sucedera com Darling. Parecia que o pequeno encontro secreto, naquele recanto, tinha passado despercebido, graas a Deus. Tinha perdido todo o en- tusiasmo pela dana, e pedira ao irmo que a acompanhasse a casa. Ele tinha acedido ao seu pedido com agrado, sem dvida porque estava igualmente ansioso por ir para o seu clube.

    Olhando para ele, Ophelia no conseguia ler-lhe a expresso, mas a sua voz sugeria desaprovao.

    Tinha sede. Pedi-lhe que me fosse buscar qualquer coisa para beber.

    Ficarias mais bem servida se desses a tua ateno a um lorde. O pai ps uma quantia escandalosa num fundo para que o teu dote atrasse os lordes mais influentes. Devias concentrar-te em algum como o Avendale. Ele um duque, por amor de Deus!

    Que no tenciona casar. S estava presente esta noite por causa da sua amizade com o Lovingdon. E no precisas de te preocu-par. No tenho qualquer interesse no Darling enquanto pretendente.

    bom que no tenhas. Gosto bastante do sujeito, mas o Pai ia dar voltas na tumba. Ele confiou-me a tarefa de garantir que te casa-vas bem. Tenciono cumprir essa responsabilidade.

    Um desejo inevitavel vale.indd 26 13/10/16 15:43

  • Um dese jo inevitvel

    27

    No farias melhor se tratasses do teu dever de casar com uma herdeira?

    J tinham passado dois anos desde a morte do pai deles, e ela sabia que os cofres no estavam to cheios como tinham estado em tempos.

    Somerdale olhou pela janela. Eu tinha esperana na Grace. Agora tenho de comear a pro-

    curar outra vez. uma tarefa aborrecida.O casamento de Somerdale com Grace teria sido um desastre.

    Ele precisava de uma pessoa menos rebelde. E no achas que eu considero a busca de um marido igual-

    mente maadora? Pode ser maadora, mas uma condio do teu fundo. pena

    no poderes ter acesso a ele antes de te casares. Podamos divertir--nos grande com o dinheiro. Voltou a virar a ateno para ela. Mas o teu marido vai ficar com ele quando vocs se casarem, e depois acabou-se.

    Os fundos tornam-se meus se no tiver casado quando fizer 30 anos. Que era o plano dela. Tal como Avendale, ela no tinha qualquer inteno de dar o n. Ah, ela propalava-o aos sete ventos, at fez Grace e Minerva acreditarem que queria casar por amor, mas a verdade era que queria ficar solteira e no ter de responder perante um homem. Nenhum homem a amaria o suficiente para lhe perdoar o que em tempos tinha feito, e esse era um segredo que no podia esconder para sempre de um marido.

    Se quiseres vestidos de baile para a prxima poca, melhor casares durante esta disse Somerdale, interrompendo-lhe os pen-samentos.

    O corao deu um pequeno salto. As coisas esto assim to apertadas?Ele encolheu os ombros. Os investimentos no resultaram como eu esperava. Pensei

    em pedir um emprstimo ao teu fundo para me aguentar at a minha situao melhorar, mandei o meu advogado analisar os detalhes, mas os teus fundos esto fechados a sete chaves. S o casamento com um plebeu ou a tua morte os poriam na minha mo.

    Um estremecimento perpassou-a. Ficou desconcertada por saber que ele tinha andado a procurar uma maneira de aceder ao fundo

    Um desejo inevitavel vale.indd 27 13/10/16 15:43

  • Lorraine Heath

    28

    que ela tinha. Aquele dinheiro era dela, o seu dote, a chave para o seu futuro, a sua liberdade. O pai queria que fosse dela. Somerdale teria simplesmente de encontrar maneira de se virar.

    No vou com certeza casar com um plebeu. Duvido que case seja com quem for. E no tenciono morrer to depressa.

    Se queres ter dinheiro para as tuas despesas antes dos 30 anos, vais ter de casar com um lorde, mesmo que esteja com os ps para a cova. Para ser franco, Ophelia, estou em apuros.

    Por isso que estavas interessado na Grace, por ela ter um dote to grande.

    Bem, sim, com certeza.Ele disse-o como se ela fosse uma idiota por pensar que fosse

    outra coisa. Ela queria casar por amor. Garanto-te que se uma mulher me restabelecer a sade finan-

    ceira a irei amar mesmo muito. No era esse tipo de amor que a Grace queria disse ao irmo.

    Estou muito contente por ela no ter levado a tua corte a srio. Bem, eu no estou absolutamente nada contente. O Lovingdon

    no precisava da fortuna dela. Tem fortuna prpria. No justo.Ela podia esclarec-lo sobre coisas que no eram justas. Mas

    tinha a certeza de que ele estava a exagerar no que dizia respeito ao estado das suas finanas.

    As coisas esto muito mal? perguntou ela. Deixa l isso, mas no compres vestidos novos disse,

    cansado. No vejo porque devo ser prejudicada por tu teres gerido mal

    as coisas. A carruagem parou em frente da residncia deles. Alm disso, tenho a certeza de que aparecer alguma coisa.

    Decerto existiria uma herdeira em qualquer stio que levaria a corte dele a srio.

    Somerdale riu-se baixinho. melhor acontecer rapidamente j que os credores no tarda-

    ro a bater porta. E tens razo, irmzinha, no queremos que sejas prejudicada, pois no?

    Antes que ela pudesse responder, o criado abriu a porta e deu-lhe a mo para ela descer. O irmo seguiu-a.

    Um desejo inevitavel vale.indd 28 13/10/16 15:43

  • Um dese jo inevitvel

    29

    No vais ao clube? perguntou ela enquanto subiam as escadas.

    A nossa conversa deixou-me sem vontade de me divertir. Acho que vou beber at esquecer tudo.

    Ele abriu a porta e entraram no trio. Isso no far com que os teus problemas desapaream lem-

    brou ela. Mas far com que me esquea deles por algum tempo, pelo

    menos. Inclinando-se, beijou-a na face. Dorme bem, Ophelia.Ele tinha dado dois passos quando ela o chamou. Somerdale?Ele parou e olhou para trs por cima do ombro.Ela soltou um longo suspiro de vtima. No vou comprar vestidos novos, mas no vou ficar feliz com

    isso.Ele sorriu levemente. No esperava que ficasses. E tenho a certeza de que tens razo.

    Vai aparecer qualquer coisa. S preciso de pensar um pouco.Ela ficou a observ-lo enquanto percorria o corredor. Por instan-

    tes, considerou ir atrs dele, mas ela tinha os seus prprios proble-mas. O principal era como fazer Drake Darling pagar pelo beijo que lhe tinha roubado. Quando os seus caminhos voltassem a cruzar-se, ela iria humilh-lo como deve ser. Afront-lo-ia publicamente. Iria contar a Grace o patife que ele era. Talvez a famlia dela o pusesse na rua, o canalha.

    Subiu as escadas, e s quando chegou ao cimo que deu conta de que tinha andado procura de qualquer sabor que ainda restasse dele nos lbios dela. Como que algum to pecaminoso podia ter um sabor to delicioso? Teria beijado outras hoje noite? Provavelmente. Detestou o pensamento, ele num canto escuro com outra mulher, passando-lhe os dedos pelo cabelo, reclamando a sua boca como se fosse morrer sem ela.

    Entrando no quarto, decidiu que precisaria de um banho esta noite para se livrar do cheiro dele. Depois de puxar o cordo da campainha para chamar a criada, comeou a andar de um lado para o outro. No lhe apetecia tomar banho, mas tinha de ser feito, caso contrrio leva-ria o cheiro dele para os seus sonhos. A ltima coisa que queria era

    Um desejo inevitavel vale.indd 29 13/10/16 15:43

  • Lorraine Heath

    30

    que ele a visitasse durante o sono. Virando-se com o som de passos, ralhou com a criada.

    Porque demoraste? Ajuda-me a despir. Sinto que vem a uma dor de cabea. Vou querer leite quente antes de me retirar.

    Sim, senhora.Tinha passado quase uma hora e Ophelia estava com a roupa de

    dormir enroscada no sof, olhando para as chamas de uma pequena fogueira. Colleen estava a preparar o leite quente. Porque estava a demorar tanto tempo? O pessoal por estas bandas andava a passo de caracol. Teria de falar novamente com a governanta sobre o assunto. Francamente, desde a morte do pai que o pessoal tinha cado na de- gradao total. Somerdale precisava mesmo de ser um pouco mais enrgico, mais como Darling.

    Ela tinha dvidas de que os criados de Darling andassem a fazer ronha. Se que tinha criados. Tinha dvidas de que tivesse ou algum dia viesse a ter. J no vivia com a famlia de Grace. Pelo que tinha percebido, ele vivia naquele antro de jogo que geria. Questionou-se se seria a que recebia as senhoras. Abanou a cabea. No ia pensar nele a receber senhoras.

    Onde estava o leite quente? Ps-se de p no momento em que Colleen entrou no quarto de mos vazias.

    Que diabo, Colleen? No d valor ao seu lugar aqui? Peo desculpa, minha senhora, mas sua senhoria mandou-

    -me para cima para comear a arrumar as suas coisas. Ele diz que a senhora se vai embora dentro de uma hora.

    So onze e meia. No vou a lado nenhum.Colleen parecia terrivelmente embaraada quando murmurou: Ele parece ter outra opinio. Bem, j vamos ver isso.Ophelia quase voou pelas escadas abaixo. O irmo devia estar

    sem dvida num estupor etlico. Viajar a esta hora da noite no fazia sentido nenhum. Mesmo que ele estivesse com algum problema com os credores que resultasse numa partida pressa, podia esperar at uma hora decente. E porque haveria de a envolver a ela? No era ela que estava em dificuldades.

    Ao aproximar-se da biblioteca, um criado abriu a porta. Ela pas-sou por ele intempestivamente

    Um desejo inevitavel vale.indd 30 13/10/16 15:43

  • Um dese jo inevitvel

    31

    E cambaleou at parar quando o medo a atravessou. A porta fechou-se furtiva e suavemente atrs dela, fechando-a l dentro com o seu pior pesadelo.

    Um desejo inevitavel vale.indd 31 13/10/16 15:43

  • 32

    Captulo 3

    Com as mos enfiadas nos bolsos do casaco, Drake passeava ao longo do caminho que bordejava o Tamisa. Quando era criana costumava vir para aqui procurar na lama pequenos tesouros que lhe pudessem trazer uma moedinha: um boto de fan-tasia, um pedao de seda, um sapato que no servia de grande coisa sem o par um relgio. O relgio de bolso tinha sido o seu achado mais precioso, mas tinha cometido o erro de o mostrar ao pai, que logo lho arrebatou da mo. Muitas vezes se interrogou como teria aquele objeto ido parar ao lodo junto do rio.

    Ele no era a nica criana com esperanas de que a lama revelasse alguma coisa de valor. Chamavam-lhe peneireiros da lama. s vezes, ainda se sentia como se a lama lhe estivesse agarrada pele, roupa.

    Talvez fosse por isso que Lady Ophelia Lyttleton o conseguia irri- tar tanto, porque, quando ela olhava para ele, ele sentia-se como se ela visse a criana suja que outrora tinha sido. A criana a quem obrigavam a passar fome para permanecer magro e mais facilmente passar pelas janelas das caves ou descer chamins de forma a entrar numa residncia fina. Entrava cuidadosamente a coberto do escuro e abria a porta ao pai um brutamontes corpulento.

    s vezes, quando Drake se via ao espelho, via o pai. No possua a elegncia polida da aristocracia. Por melhor que fosse o corte da sua roupa, por mais refinado que fosse o seu discurso e mais impecveis que fossem as suas maneiras, nunca podia esquecer que tinha vindo da lama.

    Um desejo inevitavel vale.indd 32 13/10/16 15:43

  • Um dese jo inevitvel

    33

    Embora esta noite, ainda mais do que de costume, existisse o pe- rigo de a lama voltar a sug-lo.

    Mas que raio lhe tinha passado pela cabea para beijar Lady O.? Ela irritava-o superlativamente, era certo. Talvez por saber que ela gos- tava to pouco dele, pretendera dar-lhe uma boa razo para pensar nele como indigno dela. Tanto quanto sabia, nunca a tinha tratado mal. No conseguia encontrar uma razo para ela o detestar que no fosse pelo seu bero. Ele supunha que isso bastasse nos crculos em que ela se movia.

    Dentro daquele pequeno recanto, as sombras que os rodearam criaram efetivamente uma intimidade que eclipsava as diferenas. Ele e ela eram simplesmente um homem e uma mulher. E ela tinha um cheiro to sedutor. Estivera rodeado de fragrncias variadas du- rante toda a noite e, no entanto, o seu cheiro a orqudea atraa-o como nenhuma outra. Imaginava a sua pele quente de paixo, hmida de desejo fazendo o cheiro florescer, desabrochar. A pele to sedosa sob os seus dedos speros. E aqueles olhos, aqueles malditos olhos ver-des que sugeriam segredos.

    Apostava a sua alma em como ela era uma senhora de camadas complicadas, e por qualquer razo insondvel, ele sentira-se tentado a explor-las, para ver o que aconteceria quando inquietasse a sua fachada calma, quando derretesse o gelo.

    O que aconteceu que ela lhe deu uma bofetada. Merecidamente.Se ao menos pudesse esquecer o sabor dela, talvez conseguisse

    ignor-la no futuro. Infelizmente, esquecer os acontecimentos do seu passado nunca tinha sido o seu ponto forte.

    Passando por cima da barreira baixa que servia de guia ao cami-nho, caminhou at junto da gua. Os candeeiros de rua, distantes, pouco faziam para iluminar esta rea. Remoinhavam farripas de nevoeiro. Coibiu-se de cair em velhos hbitos, de se agachar e meter os dedos no lodo frio e viscoso. Esta noite a sua alma sentia-se negra como o rio. Tudo por causa dela. Moo, traz-me champanhe.

    Moo. Ele quis demonstrar-lhe que no era um moo, mas na sua abordagem para lho demonstrar, no se tinha revelado propriamente um cavalheiro. Orgulho estpido, estpido

    Um leve gemido chamou-lhe a ateno. Ps-se imediatamente em alerta. No era invulgar as pessoas dormirem fora de portas. Nem

    Um desejo inevitavel vale.indd 33 13/10/16 15:43

  • Lorraine Heath

    34

    toda a gente tinha um telhado por cima da cabea. Nem era invulgar que ladres e desordeiros andassem por ali espreita. Mas no cos-tumavam fazer barulho para no atrair atenes. Teria algum sido atacado antes da sua chegada?

    Escutando novo queixume, deu um passo cauteloso na direo de onde pensava que tinha vindo o gemido, mas o nevoeiro podia distorcer os sons, disfarando a sua origem.

    Est a algum?Ps-se escuta com mais ateno. gua a marulhar na margem.

    Um peixe a saltar na gua. Pezinhos em passo apressado. Uma tosse intensa e convulsiva.

    Dando mais dois passos na direo do ltimo som, lamentou no ter trazido consigo uma lanterna, mas conhecia bem esta parte de Londres. Conseguia andar por ali de olhos vendados. Alm disso, pre- feria confundir-se com a escurido. Por muito que gostasse que fosse de outra maneira, no era pessoa de derramar luz sobre as coisas. Lady Ophelia tinha razo: a alma dele era a de um libertino.

    Avistando um montculo que parecia deslocado do que estava sua volta, apressou o passo. Ouviu-se um novo gemido fraco. Era uma pessoa, uma mulher, que tinha acabado de dar costa, com as saias adejando por trs dela acompanhando a gua da mar. Ajoelhou- -se ao seu lado na escurido, e no distinguia mais que a cor clara do cabelo, embora fosse difcil de saber ao certo j que estava coberta de lama. Tocou-lhe no ombro. Estava gelado. Sacudiu-a levemente.

    Minha senhora?Nada. Nem um som, nenhum tipo de reao ou resposta.Olhando rapidamente volta, no viu sinal de mais ningum nas

    proximidades. Colocando os dedos logo abaixo do maxilar, sentiu-lhe a pulsao fraca. Para que a mulher tivesse alguma hiptese de sobre-viver, teria de a aquecer o mais depressa possvel.

    Tirou prontamente o casaco e estendeu-o por cima dela, esperando que algum do calor do seu corpo se entranhasse no dela. Metendo os braos por baixo da mulher, teve dificuldades em ergu-la, pois a lama puxava-a para baixo, reclamando-a, mantendo-a sua cativa. No o permitiria. Tinha recuperado muitas bugigangas das margens do Tamisa, mas nunca tinha salvado uma mulher. No a deixaria morrer agora que a tinha recuperado.

    Um desejo inevitavel vale.indd 34 13/10/16 15:43

  • Um dese jo inevitvel

    35

    Estava completamente encharcada. Como teria ido parar ao rio? Era uma pergunta a ser respondida mais tarde, quando ela tivesse re- cuperado os sentidos e, por Deus, iria recuper-los. Maldisse o facto de no ter vindo de carruagem, mas tinha-lhe apetecido dar um longo passeio. Felizmente, a sua residncia no era muito distante, mas com a gua e a lama ela parecia pesar toneladas. Pensou em perder alguns segundos a despi-la, mas como explicaria uma mulher nua se fosse mandado parar por um polcia? E onde estava o diabo da Polcia quando era precisa?

    Restava-lhe esperar que o seu peito lhe providenciasse o calor de que ela tanto precisava. Ela murmurou qualquer coisa ininteligvel.

    Est tudo bem, querida, estamos quase a chegar. No tarda nada.Apressou o passo, alongou a passada, por uma vez que fosse grato

    pelo seu tamanho e a sua massa corporal. Apesar do pesado fardo e da distncia, teve a energia necessria para avanar rapidamente. Devido hora tardia, no havia ningum nas ruas. Estavam sozinhos: ele e ela. Ele no lhe ia falhar.

    Concentrando-se na tarefa que tinha em mos mais do que na grande distncia que tinha de percorrer, comeou a gizar um plano. Lev-la para a sua residncia, aquec-la, mandar chamar o Dr. William Graves. Uma mulher encontrada na casa de um homem ficaria com-prometida, mas Graves seria discreto. Era um velho amigo da fam-lia. Poderia confiar na sua discrio.

    Vislumbrando a sua casa, Drake suspirou de alvio ao confirmar que ela ainda respirava, embora pequenos tremores tivessem come-ado a perpassar-lhe o corpo. Abriu o porto pressa, avanou a passos largos pelo curto caminho e subiu o pequeno conjunto de degraus. Com alguma dificuldade, conseguiu tirar a chave e abrir a porta. Depois de a atravessar fechou-a com o p e subiu as escadas para o andar de cima onde o esperavam quatro quartos. Felizmente, tinha deixado os candeeiros a gs acesos no mnimo antes de sair. Tendo comprado a residncia h pouco tempo, ainda no tinha tido tempo de pr as coisas como queria. S um quarto tinha cama: o dele.

    Entrou, dirigiu-se para a enorme cama, e suavemente, pousou-a. Querida?Deu umas palmadinhas na sua cara enlameada, mas ela no rea-

    giu. Estava fria, extremamente fria. To impessoalmente quanto pde,

    Um desejo inevitavel vale.indd 35 13/10/16 15:43

  • Lorraine Heath

    36

    tirou-lhe a roupa, surpreendido pela qualidade do tecido e pelo seu tra- balho refinado. No era plebeia, nem vivia nas ruas. Talvez a amante de um lorde. Algum que caiu em desgraa.

    medida que combinaes, camisola interior e meias eram rele- gadas para o cho, reparou em algumas ndoas negras, mas parecia que nada estava partido. Olhando para ela, poderia at parecer que tinha apenas ido nadar.

    Quando toda a roupa tinha sido tirada, ele cobriu-a com lenis e cobertores. Foi para a lareira e ps-se a preparar uma grande fogueira, na esperana de aquecer o quarto e a ela. Parecia estar a dar resultado para o quarto pois deu por si a transpirar. Tirou o casaco e o colete, atirando-os para o cho, antes de voltar para a cama. Parecia que ela no se tinha mexido.

    Devia ir buscar Graves, mas estava relutante em deix-la sozinha. Podia acordar um vizinho, pensou, mas os seus horrios tardios tinham-no impedido at ao momento de conhecer qualquer um deles. Ainda tinha de contratar criados porque no passava aqui tempo su- ficiente para justificar a despesa. A maior parte do seu tempo era passado no Dodgers Drawing Room. Tinha um conjunto de divises l, e chegavam-lhe bem quando o seu horrio de trabalho se prolon-gava. Mas tinha comprado esta casa porque sentira a necessidade de possuir algo que implicasse permanncia.

    Foi ao lavatrio, pegou no jarro e colocou-o junto do fogo, para a gua comear a aquecer. Depois pegou num pano e na bacia e voltou para a cama. Cuidadosamente, sentou-se na ponta da cama, molhou o pano na gua que j estava na bacia e espremeu-o. Puxando-lhe delicadamente o cabelo enriado para o lado, comeou a limpar--lhe a lama da cara. Uma cara oval, nem redonda nem quadrada, mas longa e elegante. Um queixo gracioso e delicado. Mas do rosto proeminentes e um nariz afilado que arrebitava ligeiramente na ponta.

    A mo parou ao mesmo tempo que ficou a olhar para as feies que o seu trabalho revelara. Ele conhecia aquelas feies, conhecia aquela cara. Que diabo?

    Tinha acabado de salvar Lady Ophelia Lyttleton.Suavemente, deu-lhe palmadinhas na face. Lady Ophelia?

    Um desejo inevitavel vale.indd 36 13/10/16 15:43

  • Um dese jo inevitvel

    37

    No murmurou ela. No quero que me toque. No. No me toque! protestou, debatendo-se.

    Rapidamente, ele deu um passo atrs. No, no lhe tocarei. As palavras dele devem ter chegado onde quer que ela estava, por-

    que imediatamente se acalmou, com a respirao a ficar leve, a cara a relaxar e a deixar transparecer linhas suaves que disfaravam a arrogncia que desfigurava o que, de outro modo, seriam feies agradveis. At a dormir, ela parecia capaz de lhe reconhecer a voz, lembrando-se de que o toque dele a revoltava, que ela lhe era supe-rior, que ele era como algo que se raspava da sola do seu sapato.

    A indignao que o percorreu quase o ps a imaginar o prazer que teria se a voltasse a atirar ao Tamisa.

    Desviando o olhar para o monte de roupa dela que estava no cho, apercebeu-se de que tinha de tentar tirar-lhes alguma da lama. Ela no conseguiria voltar a vestir as saias e combinaes retesadas se no as lavasse. Ophelia iria, sem dvida, fazer uma cena porque ele lhe tinha tocado na roupa interior. Raios! Como desejava ter j contra-tado uma criada para tratar de tarefas to banais, para pr a sua casa em ordem. Claro que, se houvesse uma criada, assim que Ophelia acordasse iria pr-se a dar ordens pobre rapariga emitindo pedi-dos, encontrando defeitos na temperatura da gua do banho ou na consistncia da torrada ou do ovo. to fcil julgar quando nunca se esteve na pele de uma criada.

    Voltou a ateno de novo para Ophelia. Estava quieta como a mor- te, calada como uma tumba. Devia ir buscar Grace, talvez ela conse-guisse determinar o que a querida amiga estava a fazer ao rebolar-se na lama, mas era a noite de npcias de Grace e, por mais que ela gos-tasse de o ajudar, ele suspeitava que o marido ia passar o tempo sem a mulher na cama a congeminar formas inventivas de o fazer sofrer. No, no importunaria um casal na sua noite de npcias por causa de uma senhora mimada que, sem dvida, apenas escorregou des-cuidadamente de uma barca de lazer para o Tamisa. Provavelmente embriagada, perdeu o equilbrio, e l foi ela.

    Incomodaria Grace quando o dia raiasse. O problema que os noivos partiriam para a lua de mel nas primeiras horas do dia. Iam para o continente por duas semanas, tanto quanto tinha percebido.

    Um desejo inevitavel vale.indd 37 13/10/16 15:43

  • Lorraine Heath

    38

    No, no era to urgente que precisasse de perturbar os seus planos. Mas talvez devesse arriscar-se a chamar Graves.

    Nunca lhe tinha causado transtorno viver ali sozinho, mas de repente, deu por si a desejar ter um exrcito inteiro ao seu dispor, ou pelo menos, de algum que lhe pudesse levar um recado. Pensou em aban-la, mas no queria incomod-la outra vez. Talvez fosse melhor deix-la dormir.

    Subitamente, os olhos dela arregalaram-se, e ele ficou a olhar para a profundidade verde, esperando uma bofetada, um guincho, uma exploso horrorizada ao aperceber-se de que estava no quarto dele.

    Em vez disso tudo, piscou os olhos, vrias vezes, olhou volta len- tamente antes de voltar a olhar para ele. Apesar da sua posio de bruos, conseguiu inclinar aquele seu narizinho impertinente.

    O que fao aqui?O seu tom condizia com ela: exigente, achando-se com direito a

    tudo e mais alguma coisa, acostumada a que lhe dessem respostas. Pesquei-a do rio declarou ele, desejando t-la deixado l.

    Teve dvidas de que ela tivesse algum apreo pelo facto de ele a ter salvado, o que levantava a questo: porque diabo tinha ela precisado de ser salva? Mas como que foi l parar?

    Ela pressionou as pontas dos dedos da mo esquerda contra a tmpora e fechou os olhos com fora.

    No sei. Como pode no saber?Abanando a cabea levemente, abriu os olhos. Di-me a cabea. Ainda no tive oportunidade de a examinar. mdico? perguntou ela, enfaticamente.Olhou para ela com expresso desaprovadora. A tentativa de o

    criticar era muito irritante numa altura como esta quando ele estava a tentar ajud-la. Ser que ela nunca iria conseguir pr de lado as diferenas entre eles?

    Claro que no, mas sou capaz de sentir um alto se l estiver. Deixe-me ver.

    A altivez pareceu sumir-se. Est bem.

    Um desejo inevitavel vale.indd 38 13/10/16 15:43

  • Um dese jo inevitvel

    39

    Est bem? Ela ia voluntariamente deix-lo tocar-lhe? Presumiu que ela tinha percebido que no tinha alternativa. Cuidadosamente, passou os dedos pelos seus cabelos revoltos, massajando os dedos suavemente sobre o couro cabeludo. Tocou num alto. Ela gemeu.

    Desculpe disse ele. Tem mesmo um alto a. Pequeno. Tirou os dedos. No parece estar a sangrar.

    Isso bom sinal, no ? No haver sangue sempre bom. J bati com a cabea. Acho

    que deve ficar bem depois de algum tempo.Ela olhou sua volta outra vez, mas mais devagar, como se esti-

    vesse a catalogar cada imperfeio: o papel desmaiado da parede que estava a comear a descascar e que ele ia substituir, a racha na cornija da lareira que ainda tinha de reparar, a ausncia de tapetes, cortinas e quadros. Tudo o que ele planeava arranjar quando tivesse tempo. Os olhos dela semicerraram-se e ele preparou-se para o comentrio custico relativamente a tudo o que faltava no quarto.

    Este quarto h qualquer coisa que no est certa, no me parece que possa ser meu.

    Fixando-a, tentou perceber o que as palavras dela queriam dizer. Porventura o alto que sentiu poderia ser mais perigoso do que presu-miu, pois ela parecia terrivelmente confusa.

    Claro que no seu. meu.Ela virou a cabea na direo dele, olhando-o to fixamente, com

    a testa to franzida que, se a cabea no lhe estivesse j a doer, era certo que comearia a doer agora.

    Porque haveria de me trazer para aqui? Quem o senhor?Que jogo estaria ela a fazer? A menina sabe quem eu sou. Drake Darling. Temo que esteja enganado. No o conheo sussurrou ela. Isso no faz qualquer sentido. J me conhece h muito tempo.Lentamente, ela abanou a cabea e os olhos encheram-se-lhe de

    lgrimas. Geralmente, ele no era pessoa para ficar desconcertada, mas uma mulher a chorar costumava desconcert-lo. Nenhuma das mulheres mais importantes da vida dele a duquesa de Greystone e a filha, Grace tinha tendncia para chorar. Eram mulheres for-tes e corajosas, por isso, quando se tratava de lidar com lgrimas, ele ficava atrapalhado. E ficava especialmente perdido quando tinha

    Um desejo inevitavel vale.indd 39 13/10/16 15:43

  • Lorraine Heath

    40

    de oferecer conforto a Lady O. A ltima coisa que se tinha imagi-nado a fazer algum dia era a querer consol-la, mas naquele preciso momento era a nica coisa que lhe apetecia fazer; queria-o mais do que tudo no mundo porque no suportava lgrimas. Queria que ela se sentisse segura e protegida. Embora ela certamente o vituperasse, ele decidiu usar uma forma do nome dela que tinha ouvido a Grace usar de vez em quando. De certeza que ela havia de se sentir confor-tada com o termo familiar de afeto.

    Phee Phee? Uma pergunta. Phee. Uma resposta. Uma dis-

    tncia na sua expresso como se estivesse a esforar-se por agarrar qualquer coisa que estava fora do seu alcance. Phee. -me fami-liar. Fez um gesto de assentimento com a cabea e depois olhou-o nos olhos. o meu nome, no ?

    Algo estava terrivelmente errado. Muito lentamente, ele saiu da beira da cama e foi para os ps, criando distncia entre eles ao mesmo tempo que tentava decifrar o que que se passava ali ao certo.

    De que se lembra?Com um vinco entre as sobrancelhas, abanou a cabea de um

    lado para o outro. De nada.

    Um desejo inevitavel vale.indd 40 13/10/16 15:43

  • 41

    Captulo 4

    Drake estudou-a como se ela fosse uma curiosidade, uma enge- nhoca bizarra descoberta numa loja de raridades que ele queria pr de lado e examinar. Colocou uma grande mo em volta do poste da cama. De onde ela

    estava, ele parecia um gigante. Ele franziu a testa e os seus lbios formaram uma linha sombria.

    A menina est, com certeza, apenas desorientada por causa do mergulho no rio. Espere um momento. Pense. No se pode ter esquecido de tudo.

    Falou com tal autoridade que parecia que tinha poder para fazer sair as memrias dela do abismo profundo em que tinham cado. Tinha razo, claro. Ela iria conseguir lembrar-se de alguma coisa, de qualquer coisa, mas era como se ela estivesse a bater numa pa- rede de lato que pouco mais fazia do que ecoar num quarto vazio.

    Lembro-me de acordar. Esta manh?Ele parecia incrivelmente esperanoso, mas ela no conseguia

    partilhar da sua esperana. No, agora mesmo, nesta cama. E antes disso? Abanando a cabea, ela pensou que devia ter medo deste homem.

    No o conhecia, no entanto, qualquer coisa nele lhe parecia familiar, e instintivamente sabia que estava segura com ele. Mas como pode- ria ela saber isso? Como podia saber que este no era o seu quarto se

    Um desejo inevitavel vale.indd 41 13/10/16 15:43

  • Lorraine Heath

    42

    no se lembrava de como era o seu verdadeiro quarto? Como poderia saber o nome das coisas cama, janela, cobertores, fogueira e, no entanto, no saber o prprio nome? Mas sabia que devia ter nome. Phee tinha-lhe soado bem mas ao mesmo tempo no soava bem. Estava confusa, aterrorizada e atordoada. Ele parecia estar a sentir as mesmas emoes bem, exceto a de aterrorizado. No tinha aspeto de ser um homem que tivesse medo de nada e isso pouco tinha que ver com o seu enorme tamanho. Tinha apenas o ar de um homem que compreendia quem era. Ela queria sentir o mesmo a respeito de si prpria. Quem diabo era ela?

    Ele disse que ela estava no rio. Porque haveria de estar no rio? Foi percorrida por um arrepio gelado e a cabea comeou a latejar impiedosamente. No queria pensar no rio. No queria pensar em nada seno no homem que estava ali aos ps da cama.

    Tinha ombros to largos que achou que ele podia carregar um fardo pesado sem qualquer problema. Pensou em como ele a teria trazido para aqui, aninhada naqueles braos fortes. De repente, aper-cebeu-se de que debaixo dos cobertores estava nua. Puxou-os para junto do peito.

    A minha roupa. Tive de a tirar. Estava encharcada e cheia de lama. Tomou liberdades. Teria preferido ficar doente e morrer?No, mas no verbalizou a resposta. Tinha a certeza de que a per-

    gunta dele era retrica. Como conhecia ela essa palavra? Como sabia qualquer palavra? Como sabia que era errado ele tirar-lhe a roupa? Como o conhecia? Em que qualidade o conheceu? O que lhe era ele a ela? O que lhe era ela a ele? E porque no estava certa de querer obter respostas?

    Passou os dedos pelo cabelo e deteve-se quando encontrou uma coisa pegajosa que a fez arrepiar-se.

    O que isto? Lama. Estava a tentar tirar-lha, mas voc preferiu que eu no

    lhe tocasse.A voz tinha um tom duro, como se ela o tivesse ofendido. Mas

    ela no conseguia determinar os estados de esprito dele. Mal com-preendia os seus. Mas ficou extremamente consciente da lama no

    Um desejo inevitavel vale.indd 42 13/10/16 15:43

  • Um dese jo inevitvel

    43

    cabelo e pescoo. Estendendo os braos e examinando as mos, viu claramente a sujidade.

    Um banho. Tenho de tomar banho. Mande-o preparar imedia-tamente. gua quente, um nadinha mais do que tpida.

    Ele arqueou uma sobrancelha escura. Um nadinha mais do que tpida.Pois, era assim que ela gostava dos seus banhos. Isso ela sabia.

    Que mais saberia? A minha roupa. Mande algum tirar a lama e sec-la o mais

    depressa possvel. Como parece saber quem sou, presumo que me possa levar minha residncia. Fulminou-o com o olhar. O que est a fazer, a parado? Trate das coisas sem demora!

    O seu queixo escuro retesou-se e um msculo contraiu-se-lhe na face.

    Como desejar.O estmago dela estremeceu. Ele j lhe tinha dito aquelas pala-

    vras antes. Escuras e perigosas, uma promessa que a fez desviar o olhar. Que relao tinham os dois? Seria ele um seu amante? Porque outro motivo pareceria to vontade por ela estar nua na cama dele? E porque se sentia ela to bem com isso? Porque no estava a tremer e agitada?

    Estava bem ciente dos seus passos a ecoar no quarto escassa-mente mobilado. Ouviu o restolhar de tecido quando ele apanhou a roupa dela do cho. O bater da porta ao sair.

    No, no era amante dela. Se fosse, ter-lhe-ia pegado na mo, acariciado a testa e t-la-ia puxado para si, abraando-a. Teria feito tudo o que pudesse para a confortar. Ela teria ficado grata pelo seu toque. No teria presumido nada mais do que isso.

    Esfregou a testa. Como podia ela saber aquilo tudo, mas no quem ela era?

    No fazia qualquer sentido. O que estava a fazer no rio? Saberia nadar? Sim, pensava que sim, mas as janelas revelavam a escurido que estava do lado de fora. Porque estava sozinha na rua noite? Teria estado sozinha? Haveria mais algum?

    A dor de cabea acentuou-se como uma faca penetrando pouco a pouco. Neste momento no queria pensar nisso nem tentar com-preender o que se passara. Havia de lhe ocorrer quando fosse a altura

    Um desejo inevitavel vale.indd 43 13/10/16 15:43

  • Lorraine Heath

    44

    certa. Tinha a certeza disso. Quando fosse levada novamente para casa, e estivesse integrada num ambiente conhecido, no seio da sua famlia

    Outra dor aguda quando pensou na famlia. Famlia, famlia. Quem eram? Andariam na rua procura dela? Ser que se importa-vam com ela? Claro que sim. Era amada no era?

    Tudo iria ter uma resposta em breve, quando ele a levasse para casa. Tudo se tornaria claro e faria sentido. No teria este escuro vazio de nada na sua mente e deixaria de se sentir como se estivesse a atravessar um nevoeiro denso. E a sua cabea deixaria de latejar abo-minavelmente.

    Empurrando os cobertores para o lado, sentiu um tremor a per-correr-lhe o corpo quando viu as pernas cobertas de lama. Ele tinha-a metido suja na cama. Que tipo de homem era este para no se impor-tar com a limpeza bsica?

    E como poderia supostamente conhec-lo se no se lembrava mi- nimamente dele?

    Ele no lhe parecia algum que se esquece facilmente. Nada nele parecia macio e suave. Suspeitava que ele era um homem duro. Tinha sido bastante rspido com ela, pelo menos de incio, at que perce-beu que ela estava com dificuldade em se lembrar. Depois tinha-se tornado um pouco mais compreensivo at ela pedir o banho. No o compreendia, nem tinha a certeza de querer compreender.

    Atravessou para o guarda-vestidos e abriu a porta. Estava quase vazio. Seria este homem um pedinte? No, ele tinha uma residncia e conhecia-a. Decerto ela no se daria com algum de uma classe social inferior.

    Parando, interrogou-se de onde teria vindo tal pensamento. Classe social inferior. Quem era ela? Uma princesa? Uma rainha? Talvez ele fosse um guarda. Tinha-a salvado do rio porque era o seu dever. No importava quem ele era. O que importava era que ela fosse para casa o mais depressa possvel e tentasse deslindar as coisas.

    De um gancho, tirou um casaco grande e pesado. O casaco dele. Vestiu-o e sentiu calor de imediato, fazendo com que se sentisse pro-tegida. Aproximando-se do lume, sentiu-se bem com o calor que lhe brincava com os dedos dos ps. Ouvia atividade na diviso ao lado. Os criados, sem dvida, a preparar o seu banho.

    Um desejo inevitavel vale.indd 44 13/10/16 15:43

  • Um dese jo inevitvel

    45

    Tentou agarrar-se imagem de criados, mas no conseguia. Ela parecia saber algumas coisas, como se as compreendesse instin-tivamente. Porque no conseguiria lembrar-se de tudo da vida dela?

    Os olhos comearam a encher-se de lgrimas e ela tentou reprimi--las, pestanejando. No iria chorar. No podia faz-lo. Isso indicaria fraqueza e permitiria que outros se aproveitassem dela. No chorava h anos, desde

    Oh, cus, a cabea. Aquele latejar horrvel outra vez. De repente, foi tomada pela exausto. Mas no havia cadeiras estofadas, nem sofs para se enroscar. Junto parede viu uma cadeira de madeira de costas altas, que arrastou para perto da lareira e onde se sentou com um baque pesado. No era nada elegante deixar-se cair como um saco de farinha.

    No queria pensar, no queria questionar as coisas que sabia e as coisas que no sabia.

    Focou-se antes no homem. Era bem bonito, de uma maneira spera e rude como a costa da Cornualha. Como que ela conhe-cia a costa da Cornualha?

    Reprimiu o medo que ameaava tomar conta dela e consumi-la. No devia mostrar medo nunca. Tambm sabia disso.

    Ser forte. Nunca mostrar fraqueza, dvidas ou falta de confiana. Concentrando-se nas chamas que se contorciam, esforou-

    -se por se recompor. Havia um cheiro masculino a pairar no ar volta dela. J tinha estado perto dele, rodeada por ele. Provocava-lhe uma agitao estranha no estmago e um tropel no corao. Levantando o colarinho, encostou-lhe o nariz. Drake. O que que ele lhe era para ela se sentir ao mesmo tempo receosa e, no entanto, confiar nele implicitamente?

    Queria lembrar-se do papel dele na vida dela. Parecia a nica coisa tangvel neste momento. Porque estaria a demorar tanto tempo a voltar para junto dela? Havia mil perguntas a assaltar-lhe a mente. Ele podia responder a todas.

    Soou uma pequena pancada na porta. Lentamente, ela levantou--se, puxou os ombros para trs e esticou o queixo. Recusava-se a dei-xar entrever de forma alguma que estava assustada e que este grande buraco em que a vida dela estava ameaava engoli-la.

    Entre.

    Um desejo inevitavel vale.indd 45 13/10/16 15:43

  • Lorraine Heath

    46

    A porta abriu-se, Drake entrou e o quarto ficou mais pequeno. To simplesmente quanto isto. Ele dominava-o com a sua presena. No s pelo seu tamanho, mas pelo seu porte. No era pessoa para brincadeiras. Ele era o dono deste quarto, desta residncia, mas mais do que isso, era dono de si prprio.

    Quo maravilhosa seria a sensao de no ter de responder perante ningum?

    Franziu o sobrolho. Perante quem respondia ela? Uma imagem atravessou-lhe fugidiamente a mente, mas no conseguiu agarr-la o tempo suficiente para a examinar e identificar.

    Tenho uma diviso para banhos. Apontou ele para a porta. O banho est pronto.

    Os criados demoraram imenso tempo disse ela dirigindo--se para a porta. Tenho a certeza de que os apaparica.

    Assaltada pelo cheiro, pela masculinidade dele, hesitou um ins-tante antes de entrar na diviso. Era prudente nunca dar a entender as nossas dvidas com um passo em falso, ombros cados ou desviando os olhos. Regras que lhe tinham sido marteladas na cabea at se tornarem costumeiras e que exigiam no ser esquecidas, ao contrrio de outros aspetos da sua vida.

    Ficou surpreendida pelo tamanho da banheira que a esperava. Teria algum dia visto uma assim to grande? Mas claro, tinha de ser para acomodar o corpo dele. No queria imaginar as pernas compri-das dele abertas em toda a extenso do cobre nem os seus movimen-tos provocando ondas na gua.

    No sabia porque ficara subitamente relutante em tomar banho. Parecia-lhe obsceno entrar numa banheira que pertencia a outra pes-soa. De certeza que teria a dela, mas no estava aqui, e no poderia atravessar Londres coberta de lama.

    Levantou a cabea. Deu meia volta e estacou. Ele estava encostado ombreira da porta de braos cruzados por cima do seu peito largo, com a camisa desabotoada revelando um subtil tufo de pelos. Tinha enrolado as mangas para cima. Os braos eram bronzeados e tendinosos, os msculos esculpidos, as veias grossas. Ela reconheceu fora ali. Potn- cia. Apeteceu-lhe passar as mos por aqueles braos, faz-los fechar-se sua volta enquanto descansava a cabea no peito dele. Conforto. Ele dar-lhe-ia imenso conforto. Mas seria completamente inapropriado.

    Um desejo inevitavel vale.indd 46 13/10/16 15:43

  • Um dese jo inevitvel

    47

    Estamos em Londres? perguntou ela. Estamos. estranho; as coisas que sei e as que no sei.A testa dele franziu-se. Continua a no se recordar de nada da sua vida?Ela abanou a cabea lentamente. No, mas tenho a certeza de que tudo vai ficar claro quando eu

    voltar ao seio da minha famlia.Outra dor fez ricochete pela cabea dela. Estas dores estavam a

    ficar bastante incomodativas. Fazendo os possveis por a ignorar, mer- gulhou os dedos na gua com cuidado.

    Est demasiado quente. Terei de esperar que arrefea. Bastante inconveniente. Mande a rapariga que est a limpar a lama da minha roupa trazer as coisas para cima logo que estejam prontas. Entretanto, v buscar uma rapariga para me ajudar a lavar a cabea.

    Olhando por cima do ombro, ela viu que ele no tinha mexido um msculo, seno o do queixo que parecia ter-se transformado em granito.

    No fique a como se tivesse o dia todo. V buscar a rapariga e depois mande preparar uma carruagem.

    A rapariga voc. Como disse?Ele descruzou os braos, centmetro a centmetro, antes de avan-

    ar lentamente para ela como um grande felino corpulento. Se me permite a franqueza, Phee, a criada aqui voc.

    Um desejo inevitavel vale.indd 47 13/10/16 15:43

  • Desejouminevitvel

    uma autora norte-americana, bestseller do New York Times e do USA Today, que conta com mais de 60 romances publicados.

    Quando se licenciou em Psicologia pela Universidade do Texas, Lorraine no fazia ideia de que tinha acabado de ganhar uma base valiosssima que lhe permitiria criar e descrever personagens consideradas quase reais.

    Por essa razo, os seus livros j foram nomeados e contemplados com inmeros prmios, entre os quais o Prmio RITA para Melhor Romance Histrico e, por duas vezes, o prmio All About Romance (AAR) para a mesma categoria.

    Um Desejo Inevitvel foi galardoado com o Romantic Times Reviewers' Choice Award na categoria de Romance Histrico do Ano.

    O senhor um canalha malvado. Que exatamente a razo pela qual a intrigo. Os cavalheiros elegantes que pairam sua volta entediam-na. Nunca pensariam em tocar-lhe com mos sem luvas. Susteve a respirao quando a mo quente e spera dele lhe tocou no lado esquerdo da cara. Uma mo grande, os dedos passando-lhe pelo cabelo, a palma da mo contra o maxilar dela, o polegar acariciando-lhe a face. Est farta de cavalheiros que se atropelam para lhe satisfazerem os caprichos continuou. No estou farta. Ela detestava soar to ofegante, como se tivesse andado a subir uma interminvel colina. No peito, tinha uma sensao apertada e dolorosa. mimada porque toda a gente lhe d o que quer. Nunca teve de se esforar para conseguir nada. Nem sequer a ateno ou o afeto de um cavalheiro. Voc no sabe nada sobre mim. A voz saiu-lhe frgil e assustada. No fundo do corao, sabia que Darling nunca lhe faria mal fisicamente, nem faria nada para prejudicar a sua reputao. Mas temia que ele conseguisse ver por dentro da sua alma desfeita. Cada qual com seu igual, cada ovelha com sua parelha. Sei mais do que pensa, Lady Ophelia. Compreendo mais do que possa imaginar. Vai casar com um lorde como deve ser, mas algo me diz que primeiro gostaria de danar a valsa com o diabo. Est muito enganado.

    Prove-o.

    Autora Vencedora do Prmio RITA Melhor Romance Histrico

    Contadora de histrias por excelncia, Lorraine Heath rene

    neste livro o poder emocional e o romance intenso. Poucos autores

    so to bem-sucedidos a captar a mente e o corao das leitoras.

    RT Book Reviews

    Nascido nas ruas e educado pela aristocracia, Drake Darling no consegue fugir do seu passado. Sobretudo porque Lady Ophelia Lyttleton

    o relembra constantemente as suas origens humildes. Para ela, Darling nunca ser um verdadeiro nobre.

    At ao dia em que este a salva de se afogar das guas do Tamisa e descobre que ela sofre de uma inexplicvel perda de memria. Aproveitando essa

    oportunidade, ele decide castigar Ophelia, convencendo-a de que ela sua empregada domstica. Contudo, enquanto brinca a este malicioso jogo,

    Darling fica inevitavelmente rendido ao charme de Lady Ophelia.

    Ophelia parece corresponder aos seus sentimentos, mas est inquieta. Sente que algo na histria dele no bate certo. E quando recupera finalmente

    a memria, fica devastada e aterrorizada com a traio de Darling.

    Agora, ele ter de provar que merece a confiana dela para reconquistar o seu corao.

    Poder a paixo ser mais forte que o preconceito?

    Autora bestseller do New York Times e do USA Today

    No amor e na paixo, algum tem de ceder.

    Prmio Romance Histrico do Ano

    Fico Romntica

    I S B N 9 7 8 - 9 8 9 - 8 8 4 9 - 7 8 - 6

    9 789898 849786

    um

    desejo

    inev

    itvel