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Propaganda Política e a Construção da Imagem Partidária no Brasil: Considerações Preliminares Afonso de Albuquerque e Marcia Ribeiro Dias Introdução Tradicionalmente, os partidos políticos têm sido considerados como instituições centrais da vida política, intermediários privilegiados das relações que se estabelecem entre os cidadãos e o Estado. Recentemente, porém, diversos autores dão conta de um declínio da importância dos partidos políticos. Quer recorrendo a fórmulas de caráter globalizante - como, por exemplo, Manin (1995) e sua oposição entre “democracia de partidos” e “democracia de público” - ou não, esses autores sugerem que, de maneira crescente, os meios de comunicação de massa têm substituído os partidos como mediadores políticos fundamentais. Tal via de interpretação é útil à construção de um quadro geral do problema, mas demonstra seus limites quando consideramos o assunto mais detalhadamente. Meios de comunicação e partidos não são instituições que se sucedem no tempo; elas coexistem e estabelecem relações entre si. Essas relações envolvem, por certo, uma dose de disputa entre as duas instituições, mas não se reduzem a isso. O caso britânico dá conta de uma solução de compromisso na qual a importância crescente dos media como locus e agentes da política não implicou em um enfraquecimento significativo dos partidos políticos e do Parlamento (Blumler, Kavanagh & Nossiter, 1996). Sob certas circunstâncias, o uso dos meios de comunicação como recurso político pode, mesmo, servir como fator de fortalecimento, e não de enfraquecimento dos partidos políticos. Acreditamos que seja este o caso do modelo brasileiro de propaganda política na televisão. Tradicionalmente, o partido político tem sido considerado um elemento frágil na explicação do voto no Brasil. Nesse sentido, tanto a escolha eleitoral apresenta traços acentuadamente personalistas, sendo as taxas de votos de legenda sempre inferiores à incidência de votos nominais, como as campanhas eleitorais da maioria dos partidos políticos centram-se fundamentalmente na imagem do candidato. As pesquisas de opinião também confirmam a preferência dos eleitores brasileiros por critérios de escolha eleitoral 1

Propaganda Política e a Construção da Imagem Partidária no Brasil - Considerações Preliminares

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Artigo de Afonso de Albuquerque e Marcia Ribeiro Dias

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  • Propaganda Poltica e a Construo da Imagem Partidria noBrasil: Consideraes Preliminares

    Afonso de Albuquerque e Marcia Ribeiro Dias

    Introduo

    Tradicionalmente, os partidos polticos tm sido considerados como instituies

    centrais da vida poltica, intermedirios privilegiados das relaes que se estabelecem

    entre os cidados e o Estado. Recentemente, porm, diversos autores do conta de um

    declnio da importncia dos partidos polticos. Quer recorrendo a frmulas de carter

    globalizante - como, por exemplo, Manin (1995) e sua oposio entre democracia de

    partidos e democracia de pblico - ou no, esses autores sugerem que, de maneira

    crescente, os meios de comunicao de massa tm substitudo os partidos como

    mediadores polticos fundamentais.

    Tal via de interpretao til construo de um quadro geral do problema, mas

    demonstra seus limites quando consideramos o assunto mais detalhadamente. Meios de

    comunicao e partidos no so instituies que se sucedem no tempo; elas coexistem e

    estabelecem relaes entre si.

    Essas relaes envolvem, por certo, uma dose de disputa entre as duas

    instituies, mas no se reduzem a isso. O caso britnico d conta de uma soluo de

    compromisso na qual a importncia crescente dos media como locus e agentes da poltica

    no implicou em um enfraquecimento significativo dos partidos polticos e do Parlamento

    (Blumler, Kavanagh & Nossiter, 1996). Sob certas circunstncias, o uso dos meios de

    comunicao como recurso poltico pode, mesmo, servir como fator de fortalecimento, e

    no de enfraquecimento dos partidos polticos. Acreditamos que seja este o caso do

    modelo brasileiro de propaganda poltica na televiso.

    Tradicionalmente, o partido poltico tem sido considerado um elemento frgil na

    explicao do voto no Brasil. Nesse sentido, tanto a escolha eleitoral apresenta traos

    acentuadamente personalistas, sendo as taxas de votos de legenda sempre inferiores

    incidncia de votos nominais, como as campanhas eleitorais da maioria dos partidos

    polticos centram-se fundamentalmente na imagem do candidato. As pesquisas de opinio

    tambm confirmam a preferncia dos eleitores brasileiros por critrios de escolha eleitoral

    1

  • relacionados ao perfil do candidato em detrimento de uma escolha partidria.1 Alm disso,o sistema de lista aberta, que distribui as cadeiras obtidas pelo partido entre seus

    candidatos mais bem votados, favorece a competio entre os candidatos de um mesmo

    partido, o que conspira contra a sua unidade.

    Em contrapartida, as regras estabelecidas pela legislao brasileira para a

    propaganda poltica gratuita na televiso concedem tempo aos partidos e no aos

    candidatos. Dada a importncia da televiso nas campanhas eleitorais, isto pode se

    constituir em um fator de estmulo disciplina partidria. Razes de natureza

    comunicacional tambm favorecem tal disciplina: em face da enorme diversidade de

    mensagens que so veiculadas na propaganda poltica na televiso, possvel supor que

    partidos capazes de subordinar as mensagens dos seus candidatos a um plano coerente

    consigam uma vantagem significativa sobre os seus adversrios no que concerne sua

    visibilidade.

    Com base nessas premissas, pretendemos analisar o processo de construo de

    imagem dos grandes partidos envolvidos na campanha eleitoral de 2002. Menos do que

    analisar os traos particulares que caracterizam as campanhas nacionais e regionais dos

    partidos a serem analisados, interessa-nos investigar a possibilidade de identificarmos

    traos comuns s suas campanhas. Pretendemos com isso classificar as estratgias

    eleitorais e apreender o quadro atual da dimenso partidria na propaganda poltica

    veiculada na televiso.

    O argumento desenvolvido neste texto desdobra-se em trs partes: na primeira

    discutimos a hiptese segundo a qual os meios de comunicao de massa tm

    substitudo os partidos polticos em uma srie de aspectos, como por exemplo, na

    formao da opinio poltica; na segunda consideramos aspectos relativos ao sistema

    eleitoral brasileiro, e os problemas que ele implica do ponto de vista do voto partidrio; na

    terceira, enfim, damos conta de algumas caractersticas fundamentais do modelo

    brasileiro de propaganda poltica na televiso e das razes pelas quais elas podem se

    constituir em um fator de reforo da identidade partidria.

    1) A Hiptese da Substituio e seus Limites

    1Para resultados eleitorais ver encartes da Revista Opinio Pblica. Para pesquisas de opinio e personalismono Brasil, ver Silveira, 1998.

    2

  • O que denominamos aqui hiptese da substituio , na verdade, o produto da

    convergncia de duas linhas de investigao a princpio distintas: a primeira delas refere-

    se ao declnio dos partidos polticos na arena eleitoral e a segunda ao aumento da

    importncia poltica dos meios de comunicao de massa.

    1.1) Sobre o Declnio dos Partidos Polticos

    Nas democracias contemporneas, os partidos polticos so organizaes que

    competem eleitoralmente pela conquista de votos e, consequentemente, por cargos e

    prestgio polticos. So instituies polticas da sociedade civil que possuem status

    diferenciado j que, na maioria das vezes, detm o monoplio da representao poltica.

    O que significa dizer que a filiao a um partido poltico critrio para a viabilizao de

    projetos polticos, ou para a representao de interesses setoriais que emergem da

    sociedade, na esfera estatal. Nesse sentido, os partidos agregam um conjunto de

    propsitos, orientados, em maior ou menor grau, por uma ideologia poltica.

    Durante a primeira metade do sculo XX, os partidos polticos se consolidaram

    como os atores polticos centrais das principais democracias, na medida em que

    organizavam as demandas sociais, canalizavam as preferncias do eleitorado,

    viabilizavam solues para os problemas da organizao social atravs da

    implementao de polticas pblicas e, principalmente, atuavam diretamente na formao

    da opinio poltica.

    possvel afirmar que os custos da informao poltica na complexa organizao

    social capitalista representa um dos principais obstculos legitimidade dos sistemas

    democrtico representativos. Toda forma de poder estatal legitima-se a partir de alguma

    crena, mais ou menos enraizada entre os partcipes de uma determinada comunidade

    poltica. Assim que o poder das monarquias absolutistas europias, por exemplo,

    fundava-se na crena da origem divina do poder dos reis. De forma equivalente, o poder

    nos sistemas representativos de governo atuais funda-se na crena de que o poder

    estatal deve ser autorizado pelos indivduos que sofrem os efeitos de sua atuao.

    O mecanismo dessa autorizao, consagrado na atualidade, o da escolha dos

    representantes pelos representados atravs de procedimentos eleitorais. O que legitima,

    portanto, o poder nas modernas democracias a eleio dos governantes pelos

    governados. Essa escolha, no entanto, observa limites. O principal deles o fato,

    originalmente apontado por Alexis de Tocqueville (1987), de que indivduos voltados

    3

  • prioritariamente para o seu prprio bem-estar, concentrados nas atividades que garantem

    a sua sobrevivncia ou enriquecimento pessoal, no encontram tempo para se dedicarem

    aos negcios pblicos, tornando alto o custo da informao poltica.

    importante ressaltar que o desinteresse do eleitor no a nica varivel

    explicativa para o problema dos altos custos da informao poltica. Essa mesma

    informao de natureza complexa: tanto os processos de deciso de polticas pblicas,

    em suas mltiplas ramificaes, quanto a rara percepo de seus efeitos pelo eleitor em

    seu cotidiano, tornam o panorama poltico envolto em um nvoa que no vale a pena

    dissipar.

    Nesse cenrio, a obteno e sistematizao da complexidade e quantidade de

    informao poltica necessria a um diagnstico individual da conjuntura poltica, consiste

    em um obstculo ao processo de deciso eleitoral.

    Antony Downs, em 1950, procurou abordar esta problemtica, traduzida em

    termos de racionalidade eleitoral, a partir da determinao da funcionalidade dos partidos

    polticos na deciso do voto. Segundo ele, os partidos polticos reduziriam os custos da

    obteno de informao poltica pelos cidados a partir do momento em que

    processavam a referida informao e orientavam sua atuao por um conjunto bsico de

    princpios ideolgicos. Votar em um partido poltico significaria, portanto, agir

    racionalmente, e aqui nos referimos a um modelo de racionalidade econmica do voto, na

    medida em que se reduziriam os custos da participao eleitoral e se ampliariam as

    possibilidades de obteno de benefcios da ao governamental.2

    Profundas transformaes tecnolgicas, econmicas, sociais e polticas foram a

    marca do sculo mais curto de toda a histria do mundo ocidental (Hobsbaum, 1995).

    No o caso de empreendermos aqui uma longa explanao acerca das caractersticas

    de tais transformaes, mas de identificar seus efeitos, no agregado, sobre a funo dos

    partidos como elo de ligao entre governantes e governados.

    Alguns fenmenos podem ser associados redefinio do papel dos partidos nos

    sistemas representativos contemporneos. O primeiro deles foi a reestruturao do

    sistema de classes, marcada pela multiplicao das classes mdias em funo da

    ampliao das condies de bem-estar para um nmero cada vez maior de pessoas. A

    associao entre partidos e classes, caracterstica dos partidos de massas do incio do

    sculo, foi progressivamente perdendo o sentido, na medida em que as fronteiras entre as

    classes se tornaram cada vez mais indefinidas. Um outro fenmeno, importante de ser

    2 Downs, A. Uma Teoria Econmica da Democracia. EDUSP, 1999.

    4

  • aqui registrado, foi o enfraquecimento dos vnculos de solidariedade social, at mesmo

    em virtude da prpria diluio das identidades de classe.

    A resultante desses dois fenmenos relacionados foi a atenuao das posturas

    ideolgicas nos partidos polticos. Se as identidades sociais j no podiam mais ser

    precisadas, como precisar programas polticos correspondentes? Se, como foi visto

    inicialmente, o objetivo de todo partido poltico chegar ao poder atravs da competio

    eleitoral, e assim o ao menos nas democracias, natural que a impreciso ideolgica

    do eleitorado acarrete a impreciso ideolgica dos partidos. Ou seja, a convergncia do

    eleitorado para o centro poltico, distanciando-se progressivamente dos projetos polticos

    extremados, foi acompanhada pela tendncia centrpeta dos partidos, formando o que a

    literatura especializada chama de partidos catch-all.

    A terminologia utilizada para caracterizar esse tipo de partido fala por si mesma.

    So partidos que aproximam-se do centro poltico do eixo ideolgico, aonde se concentra

    o maior nmero de eleitores, a fim de se tornarem aptos s preferncias da maioria. Se a

    maioria de preferncia indefinida, o partido que a representa tambm o ser, afinal,

    representao tambm traduo.

    A incidncia de partidos catch-all em sistemas multipartidrios so menos

    problemticas, pois sempre admite a existncia de partidos interessados na

    representao das minorias, que no esto muito prximas ao centro. A situao se

    agrava quando consideramos sistemas bipartidrios. Como nestes casos, o sistema

    eleitoral, geralmente, estritamente majoritrio, onde vigora o jogo de soma zero, a

    sobrevivncia dos partidos depender de que eles se tornem catch-all, ou seja, que se

    tornem aptos preferncia da maioria dos eleitores. O resultado disso ser, certamente, a

    sub-representao das minorias, colocando em cheque o prprio modelo representativo

    de governo.

    Outro problema grave associado tendncia centrpeta dos partidos polticos

    que essas instituies foram perdendo progressivamente seu status na definio do voto.

    Esse o principal efeito perverso da flexibilidade ideolgica dos partidos catch-all; eles

    acabaram ficando muito parecidos mutuamente, perdendo seu tradicional significado junto

    aos eleitores. Estes passaram a buscar critrios de diferenciao de propostas polticas

    no perfil dos candidatos apresentados.

    O declnio da importncia dos partidos polticos nas democracias contemporneas

    um fenmeno extensivamente estudado nos meios acadmicos da Cincia Poltica

    nacional e, principalmente, internacional. Tal declnio est relacionado tanto ao

    5

  • comportamento eleitoral dos indivduos, na medida em que o partido poltico tem sido

    substitudo por outros atributos na escolha do eleitor, quanto reduo do potencial de

    representatividade dos partidos s demandas da sociedade frente ao Estado. Nesse

    sentido, estudos eleitorais demonstram que o voto se tornou mais personalista, ou seja,

    relacionado s caractersticas pessoais do candidato, ou fruto de issues (questes da

    pauta pblica) selecionadas pelos candidatos em seu programa eleitoral.3

    Bernard Manin decretou o fim da era dos partidos polticos no modelo de governo

    representativo, definido a partir de quatro princpios fundamentais: a eleio dos

    representantes pelos representados; a independncia parcial dos representantes com

    relao vontade dos representados; a liberdade de opinio pblica; e o debate como

    mecanismo para a tomada de deciso poltica. Segundo Manin, em mais de um sculo de

    funcionamento, esses princpios do modelo representativo de governo mantiveram-se

    constantes. O objetivo do autor combater o argumento, amplamente difundido, de que o

    declnio dos partidos polticos nas democracias contemporneas representaria uma crise

    no sistema representativo. Nesse sentido, o sistema representativo independeria da

    existncia de partidos polticos; como agentes do mecanismo de representao, os

    partidos seriam atores passveis de substituio sem prejuzo para o sucesso do

    espetculo.

    Segundo Manin, a Democracia de Partido, sucessria do modelo parlamentar,

    teria sido substituda pela chamada Democracia de Pblico, e seu principal sintoma

    seria a ampliao da volatilidade eleitoral. Assim, em lugar da identificao partidria, a

    personalidade dos candidatos passaria a ser determinante na escolha eleitoral. A

    personalizao da representao poltica, identificada tanto no processo de deciso do

    voto quanto na dinmica parlamentar, seria a marca dessa terceira etapa do modelo

    representativo de governo. A principal causa desta transformao, de acordo com Manin,

    estaria no desenvolvimento tecnolgico dos meios de comunicao, especialmente o

    rdio e a televiso, que ao aproximar candidato e eleitor, dispensaria a atuao dos

    ativistas partidrios.

    Autores consagrados da cincia poltica, como Giovanni Sartori quando se refere

    videopoltica, tendem a partilhar de argumentos semelhantes ao de Bernard Manin. Em

    essncia, o fenmeno do declnio dos partidos nas democracias contemporneas seria

    3 Bartolini e Mair. Identity, Competition and Electoral Availability; Cain, Ferejohn e Fiorina. The PersonalVote; Daalder e Mair. Western European Party System; Katz. Democracy and Elections; Lawson e Merkl.When Parties Fail; Mair. Party System Change; Samuels. DADOS, vol.40, n3 (pg. 493 a 533); Schmidt.When Parties Matter; so alguns exemplos de estudos recentes empreendidos neste sentido.

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  • entendido, na interpretao desses autores, nos termos de uma lgica de substituio:

    suas atribuies clssicas, especialmente a formao da opinio poltica, estariam sendo

    assumidas pelos meios de comunicao. Este o assunto que ser abordado no prximo

    mdulo deste trabalho.

    1.2) Sobre a Importncia dos Meios de Comunicao na Dinmica Eleitoral

    Os argumentos acerca do aumento da importncia dos meios de comunicao de

    massa como agentes polticos tm na obra de Walter Lippmann um referencial pioneiro.

    Contrariando uma perspectiva bem estabelecida no pensamento poltico norte-americano

    - segundo a qual uma imprensa livre e atuante constitua uma linha segura de defesa da

    democracia - Lippmann considerava a atuao da imprensa com grande desconfiana.

    Ecos da sua obra podem ser encontrados em duas correntes tericas que, por

    caminhos distintos, destacam a importncia dos meios de comunicao de massa no

    tocante poltica. A primeira delas encontra nas obras de autores como Debord (1989) e

    Baudrillard (1981, 1985) seus melhores exemplos. Tais autores descrevem a situao

    contempornea nos termos de uma sociedade do espetculo ou uma era da

    simulao, na qual uma profuso vertiginosa de imagens e mensagens tecnicamente

    produzidas e reproduzidas conduz aniquilao dos referenciais absolutos: a uma

    substituio do real por signos do real (Baudrillard, 1981: 11). Os meios de comunicao

    de massa no atuam nesse cenrio, portanto, como instrumentos de construo da

    realidade, mas sim de dissoluo do real. No de se espantar que, em um tal contexto,

    a atuao dos media conduza a uma degenerao da poltica, tornada puro espetculo:

    as entidades polticas fundamentais no so a, nada mais do que fetiches, criaes dos

    observadores que dominam e mistificam seus criadores (Edelman, 1988: 11).

    A segunda corrente congrega autores identificados com a perspectiva terica da

    construo social da realidade - sistematizada por autores como Berger e Luckmann

    (1973) e Goffman (1986). importante observar que o termo construo no usado

    aqui em um sentido negativo, como esteretipos ou simulacros que se oporiam a uma

    realidade integral ou autntica. Para Berger e Luckmann, a realidade tal como ns a

    vivenciamos socialmente (intersubjetivamente) construda, nas relaes que os

    indivduos estabelecem cotidianamente entre si. Sendo assim, a construes da realidade

    podem se opor apenas outras construes da realidade, sem que se possa recorrer a

    critrios puramente objetivos de arbitragem entre elas.

    7

  • Tanto Berger e Luckmann quanto Goffman concentraram a sua ateno no estudo

    da comunicao interpessoal, com nfase para as relaes face-a-face. A partir do final

    da dcada de setenta, porm, diversos autores se valeram dos conceitos por eles

    desenvolvidos para analisar a atuao dos meios de comunicao de massa no espao

    pblico. Chamou a ateno desses autores o fato de os meios de comunicao de massa

    - em particular aqueles baseados no princpio do broadcasting (rdio e televiso) -

    servirem de base instaurao de relaes comunicacionais profundamente

    assimtricas, uma vez que permitiam a um nmero bastante limitado de agentes veicular

    mensagens para um conjunto potencialmente infinito de receptores. Dito de outro modo, o

    advento dos meios de comunicao favoreceria uma extraordinria concentrao da

    capacidade de definir a realidade, com importantes conseqncias polticas.

    Em particular, os autores vinculados perspectiva da construo social da

    realidade identificaram trs tipos de influncia que os meios de comunicao de massa

    exerceriam sobre o debate pblico. O primeiro diz respeito hiptese da agenda setting,

    segundo a qual os meios de comunicao no tm o poder de determinar o que as

    pessoas pensam, mas exercem uma influncia significativa na seleo dos temas que se

    tornam objeto do debate pblico (McCombs & Shaw, 1972). O segundo refere-se ao

    conceito de enquadramentos de media. Desenvolvido inicialmente por Tuchman (1978),

    ele foi posteriormente sistematizado por Gitlin (1980) como dizendo respeito aos

    princpios de seleo, nfase e omisso adotados no processo de produo de notcias,

    que organizam tanto o trabalho dos jornalistas - permitindo a eles processar

    rotineiramente uma grande quantidade de informao - quanto a percepo das

    audincias. Os estudos que se valem deste conceito sugerem que os meios de

    comunicao influenciam significativamente no apenas a seleo dos temas do debate

    pblico, mas tambm do enfoque adotado acerca deles. Finalmente, o efeito priming

    refere-se capacidade dos meios de comunicao de influenciar o processo pelo qual o

    pblico julga a responsabilidade dos lderes polticos pelos temas que ganham destaque

    na esfera pblica. (Iyengar, 1991).

    Embora os argumentos relativos ao declnio dos partidos polticos e ao aumento

    da importncia poltica dos meios de comunicao de massa tenham se desenvolvido de

    maneira autnoma, diversos autores os tm integrado como elementos de uma mesma

    equao, que aponta para uma substituio dos partidos pelos meios de comunicao

    como referenciais fundamentais da vida poltica. este o caso de Popkin (1994), Mancini

    e Swanson (1996) e Manin (1995).

    8

  • A hiptese da substituio se aplica ao argumento desenvolvido por Popkin em

    seu The Rational Voter, especialmente quando se considera a reformulao que ele

    promove no modelo de racionalidade eleitoral de Downs. Analisando o comportamento

    eleitoral com base no modelo econmico da relao custo/benefcio, Downs sustenta que

    racional, para os eleitores, evitar despender muitos recursos na obteno de informao

    poltica uma vez que o voto individual, diludo na massa total de votos, oferece um retorno

    muito reduzido. Por este motivo, os eleitores se vem estimulados a recorrer a atalhos

    cognitivos como a identificao partidria, que poupa os eleitores da necessidade de

    obter informaes mais completas e detalhadas acerca dos candidatos e partidos.

    Tal como Downs, Popkin analisa o eleitor como um investidor racional que,

    baseado em informaes custosas e imperfeitas em condies de incerteza, investe em

    bens coletivos (p. 14). A questo da relao entre os custos da obteno da informao

    poltica e os benefcios do voto aqui tambm importante, mas, ao contrrio do que

    acontece com Downs, no constitui, em si, o problema que se trata de investigar. A

    questo fundamental de Popkin diz respeito ao modo como essa relao custo/benefcio

    fundamenta o processo de aquisio e processamento de informaes e a tomada de

    deciso do voto, no contexto de uma racionalidade de baixa informao. Assim como

    Downs, Popkin, vai recorrer ao conceito de atalho cognitivo para dar conta do problema;

    diferentemente dele, porm, Popkin identifica a campanha eleitoral - e no a identificao

    partidria - como a principal fonte de tais atalhos cognitivos. Especificamente no que

    concerne s campanhas recentes, Popkin destaca a importncia do papel desempenhado

    pela televiso, no sentido de favorecer, nas campanhas, um foco nos candidatos

    enquanto indivduos, s expensas dos partidos e das instituies (p. 90).

    Em Mancini e Swanson, por sua vez, o argumento da substituio vem

    associado ao conceito de modernizao das campanhas eleitorais. Tal modernizao,

    por sua vez, relacionada ao aumento da complexidade social, isto , a tendncia de

    substituio das estruturas sociais tradicionais, de carter agregador, por um conjunto

    diversificado de microestruturas que produzem realidades simblicas conflitantes.

    Aplicada poltica, essa situao se traduz no advento de uma nova forma de democracia

    - a poliarquia de Dahl - na qual esta passa a ser compreendida como uma arena onde

    diversos grupos, nem todos de natureza estritamente poltica (como por exemplo os

    grupos de interesse), disputam entre si, o advento dos partidos polticos do tipo catch-all

    e o aumento da importncia de figuras polticas individuais em relao aos partidos

    polticos.

    9

  • Neste contexto, os meios de comunicao de massa emergem como um centro autnomo

    de poder, que concorre com os demais centros, e sua atuao favorece significativamente

    a personalizao da poltica. De um modo geral, os modelos explicativos que expusemos

    aqui fornecem um relato verossmil das transformaes que se verificam no mbito da

    poltica em escala global. Toda generalizao, porm, apresenta limites, e esses modelos

    no constituem exceo. No caso do Brasil no mnimo imprudente estabelecer uma

    correlao positiva entre o aumento da importncia dos meios de comunicao como

    locus e como agentes da vida poltica, e o declnio dos partidos polticos. Em primeiro

    lugar porque, devido a fatores que detalharemos a seguir, a vida poltica no Brasil jamais

    se estruturou em torno de um sistema partidrio slido. No h, pois, evidncias de uma

    desestruturao, nos dias atuais, de um sistema partidrio pr-existente. Ao contrrio,

    acreditamos que o crescimento regular e sistemtico do Partido dos Trabalhadores (PT)

    nas duas ltimas dcadas indicativo, em algum grau, de uma tendncia de reforo do

    sistema partidrio. Em segundo lugar, porque o modelo brasileiro de propaganda poltica

    na televiso atenua os efeitos personalizantes e anti-institucionais que a bibliografia

    corrente atribui a este meio de comunicao, uma vez que o tempo para a propaganda

    poltica na televiso fornecido aos partidos polticos e no diretamente aos candidatos.

    2) Estrutura da Identificao Partidria no Brasil: tendncias recentes

    Se fizermos uma retrospectiva do voto no Brasil, desde o perodo da

    redemocratizao at os nossos dias, perceberemos que os partidos polticos nunca se

    consolidaram como expoentes da definio eleitoral. No entanto, este no um fenmeno

    recente no Brasil. Antnio Lavareda, demonstrou que o sistema de partidos, entre 1945 e

    1964, tambm no apresentava relevncia significativa na definio do voto pelos

    eleitores, embora seu fortalecimento fosse visvel ao final do perodo.4

    Tradicionalmente no Brasil, pouco se vota em partidos, o que possvel perceber

    se fizermos um quadro evolutivo das votaes de legenda no pas. O eleitor tem preferido

    a alternativa da votao nominal, ou seja, de escolher, dentro dos partidos, os candidatos

    que julgam serem capazes de defender seus interesses. importante tambm registrar

    que o movimento das candidaturas em campanhas eleitorais so tambm essencialmente

    individualistas, ou seja, valorizam, na maioria das vezes, o perfil do candidato em

    4 Lavareda, A. A Democracia nas Urnas. Revan, 1999; pg.181.

    10

  • detrimento da estrutura coletiva partidria. Sendo assim, poucos partidos investem seu

    arsenal de campanha no estmulo votao de sua legenda.

    Encontramos, desse modo, um personalismo persistente na dinmica poltica

    brasileira que se refora mutuamente entre representantes e representados. No sendo a

    fragilidade dos partidos um fenmeno novo no Brasil no pode ser explicado por um

    modelo de democracia de pblico, tal como descrevemos acima. Novidade mesmo seria

    demonstrar o movimento contrrio, ou seja, o fortalecimento das identidades partidrias

    entre os eleitores e a utilizao da legenda partidria como recurso para a captao de

    votos pelas elites polticas. o que tentaremos fazer a seguir.

    Um interessante trabalho sobre o voto partidrio no Brasil foi desenvolvido por

    David Samuels (1997). O autor mostrou como o sistema eleitoral brasileiro gera incentivos

    para o personalismo na competio por votos, mas ao mesmo tempo, que estratgias de

    valorizao da legenda partidria, podem ser bem-sucedidas na captao de votos, como

    revela o caso do Partidos dos Trabalhadores (PT). O autor analisa os incentivos ao

    individualismo presentes no formato institucional do sistema eleitoral brasileiro , tentando

    demonstrar, atravs do percentual de votos de legenda sobre o o nmero total de votos

    obtidos por cada partido, entre 1986 e 1994, que a lgica personalista se confirma na

    prtica. Segundo Samuels, o PT tem sido o nico grande partido brasileiro a receber

    esses votos (de legenda) de modo regular e constante e em alta proporo (pg. ?),

    consonante com o esforo que o partido faz pela promoo da prpria legenda em

    detrimento da imagem individual de seus candidatos.

    Esse diferencial de performance registrado pelo PT nos levou a investigar outros

    indcios que confirmem o sucesso de sua estratgia coletivista, demonstrando que,

    contrariamente ao argumento da substituio, acima desenvolvido, possvel que outros

    partidos brasileiros venham a assumir uma postura pragmaticamente orientada para a

    valorizao da prpria legenda.

    Para alm da conquista de um significativo percentual de votos de legenda, o PT

    tem revelado xito na construo de sua imagem junto ao eleitorado, o que pode ser

    percebido no nmeros relativos identificao partidria entre os brasileiros. Assim como

    foi verificado com os votos de legenda, o PT tem sido o nico partido a manter taxas

    significativamente ascendentes na preferncia do eleitorado.

    11

  • Grfico 1Fonte: Instituto Datafolha

    Como possvel perceber pelo grfico acima, a identificao partidria com o PT

    entre os eleitores brasileiros aumentou quase quatro vezes em um perodo de 12 anos,

    chegando em 2001 a 21% da preferncia nacional. A curva de identificao com o partido

    manteve-se ascendente durante quase todo o perodo, registrando queda apenas em

    1994 e 1998, coincidindo com duas derrotas eleitorais para presidente, ainda no primeiro

    turno, para o PSDB. Este ltimo partido registrou nos mesmos momentos seus picos de

    popularidade, como pode ser visto pelo grfico abaixo:

    Grfico 2Fonte: Instituto Datafolha

    12

    Identificao Partidria PT (1989 a 2001)

    6

    911

    14 14 13 14 14 141211

    15 15

    21

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    ago/89 ago/91 ago/93 ago/95 ago/97 ago/99 ago/01

    Ms/Ano

    Pref

    ern

    cia

    (%)

    PT

    Identificao Partidria PSDB (1989 a 2001)

    1 1 1

    2 2

    5

    4

    5 5 5

    4

    3 33

    3

    0

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    ago/

    89

    ago/

    90

    ago/

    91

    ago/

    92

    ago/

    93

    ago/

    94

    ago/

    95

    ago/

    96

    ago/

    97

    ago/

    98

    ago/

    99

    ago/

    00

    ago/

    01

    Ms/Ano

    Pref

    ern

    cia

    (%)

    PSDB

  • A identificao com o PSDB multiplicou-se por trs entre 1989 e 2001, mas em

    termos percentuais esse crescimento foi pouco significativo: ao final do perodo apenas

    3% da populao identificava-se com o partido. O crescimento ainda menos significativo

    se considerarmos o fato de que o PSDB esteve frente do governo nacional durante 7

    dos 12 anos avaliados. Os demais partidos ou mantiveram seus nveis de preferncia

    estveis, como o PMDB que iniciou e terminou o perodo com os mesmos 12%, ou

    declinaram, como o PPB (antigo PDS) que comeou com 4% e chegou a 2001 com 1%

    da preferncia do eleitorado.

    Um outro dado interessante de ser avaliado o que se refere aos eleitores que

    no se identificam com nenhum partido. Embora este dado tenha observado uma

    irregularidade acentuada, considerando-se que em 1989 62% dos entrevistados no se

    identificava com nenhum partido e que em 2001 esse nmero era de 53%, foi possvel

    perceber um relativo fortalecimento no sistema partidrio: 9% dos eleitores passaram a se

    identificar com algum partido ao longo do perodo. Este dado, certamente, contraria a tese

    de declnio dos partidos polticos, ao menos no que se refere ao caso brasileiro. Embora

    mais da metade da populao ainda no se identifique com nenhum partido, o

    desempenho do PT demonstrou que esse quadro pode ser revertido.

    Se considerarmos a evoluo da distribuio partidria de cadeiras na Cmara

    Federal, vemos que a situao acima se reproduz: apenas o PT e o PSDB mantiveram

    uma curva ascendente constante entre 1982 e 1998. O grfico abaixo demonstra o

    aumento da representao poltica na Cmara desses dois partidos.

    13

  • Grfico 3

    O que mais importa ressaltar com relao a esse grfico que apenas esses dois

    partidos mantiveram-se imunes s oscilaes polticas do perodo, como a entrada de

    novos competidores atravs da multiplicao no nmero de legendas, e continuaram em

    sua trajetria ascendente. O PSDB, por razes bvias (seu desempenho eleitoral para o

    Executivo nacional), observou uma ascenso bem mais acentuada do que o PT. Os

    outros grandes partidos (PMDB, PFL, PPB, PDT e PTB) apresentaram desempenho

    irregular, oscilando entre momentos de ascenso e de queda em seus percentuais de

    cadeiras.

    O mais interessante a se notar, entretanto, a curva de desempenho dos micro

    partidos, tal como podemos observar a seguir.

    14

    Evoluo da Representao Partidria na Cmara Federal (1982 - 1998)

    1,73,3

    79,6

    11,3

    0 0

    7,5

    12,1

    19,3

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    1982 1986 1990 1994 1998Ano

    Perc

    entu

    al d

    e C

    adei

    ras

    PT

    PSDB

  • Grfico 4

    A multiplicao no nmero de partidos na Cmara Federal iniciou-se nas eleies

    de 1986, atingindo o seu pico em 1990 quando os micro-partidos somavam juntos 22,6%

    das cadeiras parlamentares. possvel afirmar que a volta do multipartidarismo, depois

    de quase 20 anos de conteno poltica sob a lgica bipartidria, assim como a

    permissividade da legislao brasileira para a competio eleitoral de partidos com

    registro provisrio (Nicolau, 1994), foram responsveis pelo acentuado aumento no

    nmero de partidos com representao parlamentar. Mas, seu declnio posterior pode ser

    considerado um forte indcio de consolidao do sistema partidrio em torno de sete

    grandes partidos. Mais uma vez, o caso brasileiro contradiz os rumos apontados pela

    literatura acadmica no sentido de um enfraquecimento progressivo dos partidos no

    sistema representativo contemporneo.

    Discutiremos, a seguir, as principais caractersticas do modelo brasileiro de

    propaganda poltica, ressaltando novamente os aspectos que tornam a experincia

    brasileira singular frente tendncia geral apontada pela literatura recente.

    3) O modelo brasileiro de propaganda poltica na televisoA concesso de horrio gratuito para a propaganda poltica na televiso no Brasil

    remete as suas orgens a 1962, mas ento o seu impacto eleitoral foi mnimo, dado o

    subdesenvolvimento desse meio de comunicao. A televiso era, ento, um meio

    fundamentalmente regional e o nmero de aparelhos receptores no pas no atingia a

    marca dos 2 milhes. O Regime Militar, que se instalou dois anos depois, desempenhou

    15

    Evoluo da Representao Partidria na Cmara Federal (1982 - 1998)

    0

    3,8

    22,6

    17,4

    10,4

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    1982 1986 1990 1994 1998Ano

    Perc

    entu

    al d

    e C

    adei

    ras

    Outros

  • um papel importante na consolidao de uma infra-estrutura nacional de

    telecomunicaes, ao mesmo tempo em que relegou as eleies a um papel secundrio

    na vida poltica nacional. Foi somente a partir de 1985, portanto, que a propaganda

    poltica na televiso passou a existir enquanto realidade politicamente relevante. Embora

    desde ento cada eleio tenha sido regulada por uma legislao especfica, um conjunto

    de regras tem se mantido constante desde ento: o tempo para a propaganda poltica

    concedido aos partidos polticos, em blocos situados parte da programao normal

    (Horrio Gratuito de Propaganda Eleitoral ou HGPE), tendo em vista regras que

    relacionam a quantidade de tempo de que dispe cada partido dimenso da(s) sua(s)

    bancada(s) parlamentar(es) em mbito federal, estadual ou municipal. Desde 1996, um

    novo formato foi acrescentado propaganda poltica na televiso: os spots de 30 ou 60

    segundos, veiculados nos intervalos comerciais ao longo da programao normal.

    O modelo brasileiro de propaganda poltica na televiso possui caractersticas

    nicas: ele combina como nenhum outro eficcia comunicativa com a gratuidade do

    acesso televiso 5. A eficcia comunicativa da propaganda poltica na televiso se

    explica em grande medida pelo lugar privilegiado que a televiso ocupa na vida social do

    pas (o que leva alguns autores a caracteriz-lo como uma sociedade media-centric) e

    favorecida pela ampla liberdade no uso dos recursos comunicativos da comunicao que,

    com excees pontuais 6, tem sido contemplada pelas diversas legislaes eleitorais

    desde 1985.

    Para lidar com os desafios peculiares ao formato - tais como o isolamento do

    HGPE em relao programao normal (e a vulnerabilidade que isto implica com

    relao ao dos telespectadores insatisfeitos), a necessidade, que se apresenta para

    os programas, de adaptar a mensagem a um quadro temporal pr-definido e os

    problemas decorrentes do excesso de informao devido ao fato de programas de

    diversos partidos serem apresentados em um mesmo bloco - os programas do HGPE

    desenvolveram uma gramtica prpria, baseada na articulao de diversas mensagens

    em um mesmo programa. Grosso modo, as mensagens que compem os programas do

    HGPE cumprem trs funes bsicas, denominadas atravs das categorias campanha,

    5 Modelos de outros pases6 A Lei no 8.713 de 30 de setembro de 1993 proibiu o uso de trucagens, montagens, animaes, imagens externas e a presena de outras pessoas que no os prprios candidatos e seus vices nos programas. A justificativa oficial para tais restries foi que elas possibilitariam uma melhora nonvel dos programas do HGPE. Na prtica, elas implicaram em uma marginalizao do HGPE na campanha eleitoral, o que favoreceu a candidatura de Fernando Henrique Cardoso, apresentado pela imprensa como o grande responsvel pelo sucesso do Plano Real. (cf. Albuquerque; 1995 e Miguel, 1997).

    16

  • metacampanha e auxiliar. As mensagens de campanha tm como objetivo debater temas

    e apresentar os prprios partido(s) e candidato(s) sob uma luz favorvel e os adversrios

    de maneira desfavorvel. As mensagens de metacampanha tm como objetivo fornecer

    relatos sobrer a campanha eleitoral, bem como promover o engajamento dos

    telespectadores no esforo de campanha. As mensagens auxiliares, por sua vez, se

    destinam a estruturar a propaganda do(s) partido(s) e candidato(s) como um programa de

    televiso, bem como ajudar a fornecer uma unidade estilstica a esses programas (cf.

    Albuquerque, 1999).

    Ainda que bastante sumria, uma tal apresentao do modelo brasileiro de

    propaganda poltica na televiso necessria para demonstrar que a interveno da

    televiso nas campanhas eleitorais no se processa da mesma maneira em toda parte:

    Da porque generalizaes sobre o impacto da televiso sobre o sistema poltico tm

    necessariamente valor limitado.

    Qual , ento, o impacto do modelo brasileiro de propaganda poltica na televiso

    sobre o sistema partidrio? Contrariando expectativas correntes, sustentamos que, sob

    diversos aspectos, ele pode se constituir como fator de fortalecimento, antes que de

    enfraquecimento do sistema partidrio.

    De diferentes maneiras, o fato de o tempo na televiso ser concedido aos partidos

    polticos pode contrabalanar as tendncias individualistas alimentadas pelo modelo

    eleitoral brasileiro. Embora a propaganda poltica na televiso no seja capaz de, por si

    s, contrabalanar a competio intra-partidria que o modelo eleitoral estimula, ela atua

    no sentido de subordinar as estratgias individuais dos candidatos a estratgias coletivas

    dos partidos. As regras do jogo atribuem aos dirigentes partidrios o poder de determinar

    quais candidatos tero acesso televiso e em que condies: de quanto tempo cada

    candidato dispor ou se ele receber alguma forma de tratamento especial (ter o seu

    nome recomendado por uma liderana do partido, receber um tratamento audiovisual

    distinto).

    O assunto no se esgota no tratamento dispensado aos candidatos

    individualmente, mas contempla a possibilidade de os partidos estabelecerem estratgias

    gerais de ocupao do espao meditico. Tais estratgias no necessariamente tem

    como prioridade a maximizao dos votos no partido; frequentemente elas atendem a

    demandas decorrentes de barganhas intra-partidrias. Assim, os programas podem

    adotar uma diviso igualitria do tempo entre seus candidatos, equilibrar o tempo entre as

    faces mais importantes do partido, marginalizar faces dissidentes, montar uma

    17

  • estratgia baseada em puxadores de votos, etc. Alm disso, os partidos podem apostar

    no voto de legenda e dedicar uma poro significativa dos seus programas construo

    da imagem partidria, independentemente da referncia a candidatos especficos.

    A conquista de mais tempo na televiso - particularmente para candidatos a

    eleies majoritrias - tem como se constitudo, juntamente com a construo de uma

    base parlamentar que garanta a governabilidade do candidato eleito, como um dos

    principais fatores de estmulo construo de coligaes partidrias. Mesmo quando tais

    coligaes se originam de clculos oportunistas, a sua edificao se apresenta, para os

    partidos envolvidos, como ocasies privilegiadas nos quais eles renegociam interna e

    externamente a sua identidade poltica.

    Consideraes Finais

    Este um texto seminal que tem por objetivo lanar as bases de uma pesquisa

    interdisciplinar e inter-institucional, que visa recuperar a construo da imagem partidria

    no horrio gratuito de propaganda eleitoral. Nosso objetivo verificar em que medida

    possvel identificar e classificar distintas estratgias discursivas, entre partidos e

    campanhas, para a captao de votos. Nossa hiptese a de um progressivo

    fortalecimento das estratgias coletivistas entre os grandes partidos brasileiros.

    Nosso objetivo, com esse passo inicial, foi demonstrar que a tese de um

    irreversvel declnio dos partidos polticos na dinmica representativa, e de sua

    substituio pelos meios de comunicao pode ser inadequada para explicar o caso

    brasileiro, tanto pelos fatores personalistas de nossa cultura poltica, quanto pelo formato

    institucional da propaganda poltica na televiso. Alm disso, ressaltamos algumas

    evidncias que podem nos levar a uma trajetria inversa a que tem sido assumida pela

    literatura especializada, apontando para um fortalecimento do sistema de partidos tanto

    na esfera eleitoral quanto representativa.

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    20

    IntroduoFonte: Instituto DatafolhaGrfico 2Grfico 3Grfico 4Consideraes FinaisBibliografia