Upload
others
View
10
Download
2
Embed Size (px)
Citation preview
Câmpus de Presidente Prudente Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado)
Convênio: UNESP/INCRA/Pronera
Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes
PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA NO ASSENTAMENTO
MARIO LAGO (PDS FAZENDA DA BARRA)
EM RIBEIRÃO PRETO - SP
VANDEI JUNQUEIRA AGUIAR
Monografia apresentada ao Curso Especial de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia.
Orientadora: Prof. Dr. Valeria de Marcos
Monitora: Lara Cardoso Dalperio
Presidente Prudente
2011
PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA NO ASSENTAMENTO
MARIO LAGO (PDS FAZENDA DA BARRA)
EM RIBEIRÃO PRETO - SP
VANDEI JUNQUEIRA AGUIAR
Trabalho de monografia apresentado ao Conselho do curso de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, campus de Presidente Prudente da Universidade Estadual Paulista, para obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia.
Orientadora: Prof. Dr. Valeria de Marcos
Presidente Prudente
2011
VANDEI JUNQUEIRA AGUIAR
PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA NO ASSENTAMENTO
MARIO LAGO (PDS FAZENDA DA BARRA)
EM RIBEIRÃO PRETO - SP
Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Bacharel em Geografia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, submetida à aprovação da banca examinadora composta pelos seguintes membros:
Presidente Prudente, novembro de 2011
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar a meu pai Josué Alves e minha mãe Maria da
Conceição, por tudo que eles fizeram por mim e por eu esta aqui hoje. Ao movimento MST
pela luta e dedicação para com seus militantes que estão sempre em processo de formação.
Em particular ao MST de Ribeirão Preto por ter me indicado para este curso e aos
companheiros da regional que contribuíram nesta jornada.
A ENFF pelo apoio e contribuição nestes cinco anos do curso CGEO e a todos os
professores do curso CGEO, em especial Antônio Tomas Junior e ao Bernardo Mançano
Fernandes pelos seus respectivos desempenhos e dedicação nesta jornada.
Agradeço a todos os colegas da turma Milton Santos pelo carinho e companheirismo
nestes cinco anos de convivência, juntamente com todos da equipe de monitoria do curso
CGEO, em especial a Luciana e a Lara que me cobravam resultados intensamente.
Agradeço em especial a minha orientadora Valeria de Marcos que aceitou esta tarefa
de orientação nesta pesquisa, com toda sua paciência, muita atenção e carinho com as minhas
dificuldades e exigindo o máximo da minha capacidade intelectual.
Brasil diferente
Eu quero um Brasil para todos
Quero um Brasil diferente
Quero um Brasil com justiça
Com os homens conscientes
Quero um Brasil com paz e amor
E que viva independente.
Eu quero o Brasil com tudo
Com saúde e educação
Eu quero a liberdade
Pra toda a população
Um Brasil onde os sem terra
Tenham um pedaço de chão.
É assim que eu quero um Brasil
Vivendo com paz e amor
Porque Deus nos deu a terra
E nada ele nos cobrou
Pois a terra é da nação
De todo o trabalhador.
Quero o Brasil com Reforma Agrária
Porque é a solução
O Brasil vivendo livre
Do latifúndio ladrão
Quero que todo o sem terra
Tenha onde ganhar o pão.
Luiz Beltrame de Castro
RESUMO
Este trabalho de pesquisa analisa o processo de conquista territorial do
Assentamento Comuna da Terra Mario Lago, localizado no município de Ribeirão Preto –
SP, realizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Nosso intuito é
o de compreender o surgimento do MST e seu crescimento no estado de São Paulo,
destacando como ocorreu sua chegada na região e o processo de organização da luta que
levou à desapropriação de uma área, onde existiam vários processos de multas por passivo
ambiental cometido pela sua antiga proprietária devido à exploração da área para a produção
da monocultura da cana-de-açúcar. Vale destacar a importância desse fato uma vez que o
local onde hoje está situado o PDS da Barra, subdividido nos assentamentos Índio Galdino
(Bandeira Branca), Santos Dias (MLST) e o pioneiro e com maior expressão a Comuna da
Terra Mario Lago (MST), na antiga Fazenda da Barra, é área de recarga do Aquífero
Guarani. Busca-se também entender como se deu a conquista da posse da área e a proposta
do MST em construir novos assentamentos Agroflorestais com a concepção da Comuna da
Terra e os desafios na produção agroecológica, na expectativa de que as famílias envolvidas
possam produzir alimentos para sua subsistência e poder tirar uma renda com o excedente da
produção.
ABSTRACT
This monograph analyzes the territorial conquest process of the Settlement
Commune of Earth Mario Lago, localized in the municipality of Ribeirão Preto - SP realized
by the Landless Workers' Movement - MST. Our aim is to understand the MST' s emergence
and its growing in the São Paulo state, highlighting how its arrival in the region occurred
and its fight organization process which led to an area's expropriation, where various
process for environmental fines had been committed by the old owner, due to the area's
exploration for the sugar cane's mono culture's production. It is worth mentioning the
importance of this fact since the area where, today, the Barra's PDS' settlements Indio
Galdino, Santos Dias and the pioneer Commune of Earth Mario Lago, are situated, in the
old Barra's Farm, is a recharge area of the Guarani's Aquifer.One also seeks to understand
how the conquest of the area's ownership took place and the MST proposal to build new
agroforestry settlements with a Commune of Earth conception as well as the challenges of
an agro-ecological production. Thus, allowing the farmers' families involved to produce
aliments for their own subsistence as well as being able to get a rent with the production's
excess .
ÍNDICE DE MAPAS MAPA 1: Mapa do Corte da Área 44
ÍNDICE DE QUADROS Quadro 1– Assentamentos PDS no estado de São Paulo 36 Quadro 2- Áreas da Fazenda da Barra 44 Quadro 3- Áreas de Reserva Legal 45 Quadro 4- Quantidade de área de reserva por assentamento 46 Quadro 5-Áreas de lotes 46
ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 – Localização da Fazenda da Barra 18 Figura 2 – Fazenda da Barra 1984 19 Figura 3 – Proposta do corte da área 1996 20 Figura 4 – Fazenda da Barra 2000 21 Figura 5 - Ocupação do Sítio Braghetto 23 Figura 6 - Área ocupada da Fazenda da Barra 26 Figura 7 - Reunião da coordenação geral no Acampamento Mário Lago 28 Figura 8 - Assembléia Geral do Acampamento Mario Lago 28 Figura 9 - Território dos movimentos 40 Figura 10 - Áreas de Reservas Legais: 45 Figura 11 - Construção de moradia no Mario Lago. 48 Figura 12 - Foto aérea dos Assentamentos na Fazenda da Barra 2010 52
LISTA DE SIGLAS APP – Área de Preservação Permanente BR 330 – Rodovia Federal Brasileira CEBs – Comunidades Eclesiais de Base CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CPFL – Companhia Paulista de Força e Luz CPT – Comissão Pastoral da Terra CUT – Central Única dos Trabalhadores DAEE – Departamento de Água e Esgoto Estadual DAERP – Departamento de Água e esgoto Ribeirão Preto DEPRN - Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais EMPBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária FCT – Faculdade de Ciências e Tecnologia FEPASA – Ferrovia Paulista SA FHC – Fernando Henrique Cardoso IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária MLST – Movimento de Libertação dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MPE – Ministério Público Estadual MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
PA – Projeto Assentamento PAA – Projeto de Aquisição de Alimento PDA – Projeto de Desenvolvimento do Assentamento PDS – Projeto Desenvolvimento Sustentável PU – Projeto Utilização RL – Reserva Legal SAFs – Sistema Agroflorestais SIPRA - Sistema de Informação de Projetos de Reforma Agrária TAC – Termo de Ajustamento de Conduta UDR – União Democrática Ruralista
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
CAPÍTULO 1: UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA FORMAÇÃO DO MST
12
1.1 - Formação do MST em São Paulo 14
CAPITULO 2: O PROCESSO DE CONQUISTA DO TERRITÓRIO DO ASSENTAMENTO “MÁRIO LAGO” E SUA ORGANIZAÇÃO INTERNA
18
2.1 - Passivos ambientais da Fazenda da Barra (1983 – 2004) 18
2.2 - Acampamento Mário Lago 22
CAPÍTULO 3: AS NOVAS PROPOSTAS AGROFLORESTAIS DE ASSENTAMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO
30
3.1 - A Proposta da Comuna da Terra 30
3.2 - os elementos fundamentais da proposta 32
3.3 - O PDS como alternativa para assentamentos agroecológicos 35
CAPÍTULO 4 - UM PROJETO DE ASSENTAMENTO AGROFLOREST AL: DO PDS FAZENDA DA BARRA AO ASSENTAMENTO COMUNA DA TERRA MARIO LAGO, EM RIBEIRÃO PRETO-SP.
37
4.1 - A dificuldade da implantação do Projeto PDS 40
4.2 – As principais dificuldades para implantação dos assentamentos agroflorestais 42
4.3 - Parcelamentos da área 43
4.4 - Assentamento “Comuna da Terra” Mario Lago 46
4.5 - Questão ambiental 49
4.6 - A proposta da produção na Comuna da Terra Mario Lago 50
CONSIDERAÇÕES FINAIS 54
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 55
ANEXOS 57
10
INTRODUÇÃO:
A questão do desenvolvimento rural vem sendo discutida por diferentes agências e
agentes governamentais e não governamentais, que direcionam os debates para a
convergência entre as questões agrícola, agrária e ambiental. Nesta abordagem, a
conservação e a recomposição dos recursos naturais são consideradas tão importantes quanto
a produção camponesa.
No Brasil, esta perspectiva tem colocado os assentamentos de reforma agrária como
territórios importantes para a implantação de projetos agroecológicos, baseados na
sustentabilidade agroambiental. O presente estudo do assentamento Comuna da Terra Mario
Lago, localizado na Fazenda da Barra, em Ribeirão Preto, região nordeste do estado de São
Paulo, revela que a implantação de projetos agroflorestais faz com que se levante o debate
com relação ao modelo de produção na região.
Confrontando as diferentes concepções de assentamentos do MST e das propostas
implantadas pelo Estado, objetivamos compreender no que consiste a sustentabilidade
ambiental, renda familiar e os novos modelos de assentamentos para o estado de São Paulo.
O modelo de desenvolvimento da agricultura na região nordeste do estado de São
Paulo, especialmente aquele baseado na Revolução Verde implantado a partir dos anos de
1970, configura-se como um exemplo vivo das transformações colocadas pelo processo de
modernização da agricultura brasileira. A mecanização, o uso de insumos industrializados, a
crescente utilização de agrotóxicos e a exploração do trabalho por meio do assalariamento
ou de trabalho degradante são características desse modelo. A implantação de tal modelo
teve como consequência, de um lado o desenvolvimento de uma agricultura de alto valor
comercial, sobretudo nas atividades dos complexos agroindustriais da cana-de-açúcar e da
laranja e, de outro lado, sérios problemas do ponto de vista social e ambiental.
A região de Ribeirão Preto1, situada no interior do estado de São Paulo, traz uma
trajetória de ocupação vinculada diretamente ao setor sucroalcooleiro, que atualmente passa
por um processo de mudança na forma de produzir, caracterizado pela intensa mecanização
do plantio e corte da cana-de-açúcar. A região historicamente apresenta-se como pólo de
atração de força de trabalho nas épocas de safra da cana-de-açúcar, o que intensifica as
1 Esta região compreende 104 municípios. Nela os serviços, atendimento médico e hospitalar especializados,
órgãos federais e de justiça são centralizados na cidade pólo que é Ribeirão Preto. As principais cidades desta região são: Ribeirão Preto, Jaboticabal, Franca e Sertãozinho.
11
situações de desemprego e ocupação tanto no campo como na cidade no período de
entressafras.
Esses aspectos refletem a ideologia dominante na região, que são transmitidas
através de propagandas de empresas agrícolas com frases do tipo “Agronegócio: sua vida
depende dele!” ou “e se não fosse à cana?”. Assim, ao mesmo tempo em que cresce o
endeusamento da cana e as estratégias de manutenção do controle político da região
(reproduzido e disseminado pela mídia), cresce a depreciação do trabalhador.
Neste contexto, o enfrentamento entre os trabalhadores e o agronegócio foi
conformando novas frações de territórios, entre os quais se encontra o Assentamento PDS da
Barra, sendo formado por três assentamentos distintos, o Índio Galdino, o Santos Dias
ligado ao MLST e o mais antigo deles, que começou a luta pela conquista da Fazenda da
Barra, o assentamento Comuna da Terra Mário Lago, o único assentamento do MST
localizado no município de Ribeirão Preto, organizado segundo a construção coletiva da
proposta de Comuna da Terra.
Para que seja possível compreender como se deu a chegada do MST na região,
como ocorreu o processo de luta que culminou na conquista do assentamento e quais são os
desafios postos para o assentamento inserido no meio de um canavial, dividimos o presente
trabalho em quatro capítulos. No primeiro capítulo realizamos uma discussão acerca da
formação do MST no Brasil, no estado de São Paulo e na região de Ribeirão Preto, situando
o quadro que propiciou a luta e a conquista do assentamento Mário Lago. O segundo
capítulo compreende a luta e a conquista do assentamento Mário Lago, discutindo a proposta
de organização em Comuna da Terra. No terceiro capítulo discutimos de um ponto de vista
teórico, a proposta da Comuna da Terra e do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS)
e o seu desenrolar na área de estudo. Por fim, o quarto capítulo trata do processo de
implantação do assentamento Comuna da Terra Mario Lago e das discussões da atualidade
do assentamento, a produção e as políticas públicas conquistadas por meio da luta dos
assentados.
12
CAPÍTULO 1: UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA FORMAÇÃO DO MST
De acordo com Fernandes e Stedile (2005) a história do Brasil é marcada pela luta
dos camponeses em diferentes épocas e locais. O campesinato brasileiro sempre foi uma
classe de resistência a todas as formas de opressão e de exploração da classe trabalhadora.
Ao longo do tempo, vivenciamos diversas formas de organizações camponesas, as quais, de
acordo com os fatos históricos, demonstram as resistências do campesinato à perda da terra e
de seu meio de vida. Podemos citar aqui o Contestado, Canudos, as Ligas Camponesas,
entre outros.
O golpe militar de 1964 e a ditadura que o seguiu interromperam os processos de
luta e de organizações sociais no campo. No entanto, a tensão existente entre camponeses
sem-terra e o latifúndio persistiu. Esta tensão foi sendo agravada pelo processo de
“modernização” da agricultura, que impôs um novo modelo de produção, principalmente
após a segunda guerra mundial, que preconizava uma agricultura extremamente dependente
da indústria, que ficou conhecido como Revolução Verde.
A introdução deste modelo terminou por expulsar do campo milhares de famílias de
camponeses, seja pela sua mecanização ou pelo amplo uso de insumos químicos que
igualmente reduziam o trabalho (gerando o desemprego). A resistência a esse modelo
culminou em um processo de abertura política, momento histórico ilustrado por Kelli
Maforte, dirigente estadual do MST de SP, em entrevista concedida em junho de 2011 para
fins de conclusão do presente trabalho. Segundo ela:
A abertura política foi possível por conta de um forte processo de mobilização popular bem como um desgaste político econômico do regime militar. No campo o Brasil tinha vivido os anos ditatoriais (1964-1980), uma espécie de “modernização conservadora” (conceito de Guilherme Delgado), ou seja, o campo passou por um inicio de transformação com a substituição do latifúndio improdutivo pra fazendas produtivas, através do uso de técnicas agrícolas do pacote da revolução verde. Deste processo é decorrente do expressivo êxodo rural que vivemos neste período. No entanto, essa modernização foi conservadora, pois não alterou a extrema concentração fundiária existente no Brasil. É importante lembrar que a modernização conservadora da ditadura militar derrotou a proposta de reforma agrária que era uma demanda latente dos movimentos sociais, das Ligas Camponesas, do Partido Comunista Brasileiro etc., nas décadas de 1950 e 1960. (Entrevista com Kelli Maforte, 2011).
As lutas que culminaram na queda do regime militar, foram sendo organizadas no
campo e na cidade. Entre elas, muitas ocupações de terras e conflitos fundiários tão diversos
quanto à expansão do capitalismo no campo brasileiro.
13
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST - é fruto dessas lutas, e
aprendeu com essas a necessidade de organizar-se nacionalmente, mantendo espaços
coletivos de decisões e encaminhamentos, unificando também as formas de lutas, princípios,
objetivos e símbolos (hino, bandeira, palavras de ordem). De acordo com Fernandes (1989):
Mesmo com a repressão às formas de organização camponesas pelo regime militar, a luta pela terra continuou em todo o território nacional. Um fator essencial que contribuiu para o desenvolvimento e crescimento da luta foi a participação da Igreja Católica, por meio da Comissão Pastoral da Terra. A CPT foi a articuladora das diferentes experiências que construíram uma nova realidade no campo. Durante o regime militar, as Comunidades Eclesiais de Base foram os espaços de socialização política que permitiram a recriação da organização camponesa. (FERNANDES, 1989, p. 41)
Este apoio possibilitou a luta dos camponeses a avançar para a construção de um
movimento massivo e de escala nacional. A esse respeito, FERNANDES (1989, p. 42),
quando se refere à gênese do MST, relata que esta
[...] aconteceu no interior dessas lutas de resistência dos trabalhadores contra a expropriação, a expulsão e o trabalho assalariado. O Movimento começou a ser formado no Centro – Sul, desde 7 de setembro de 1979, quando aconteceu a ocupação da gleba Macali, em Ronda Alta no Rio Grande do Sul. Essa foi uma das ações que resultaram na gestação do MST. Muitas outras ações dos trabalhadores sem-terra, que aconteceram nos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, fazem parte da gênese e contribuíram para a formação do Movimento. Assim, a sua gênese não pode ser compreendida por um momento ou por uma ação, mas por um conjunto de momentos e um conjunto de ações que duraram um período de pelo menos quatro anos.
Conforme esta reflexão, analisamos que a espacialização do MST ocorreu num
processo histórico e dialético, que sem duvida nenhuma foi protagonizado pela luta dos
camponeses. Todavia, o marco de sua fundação foi o 1o. Encontro Nacional, realizado em
janeiro de 1985 na cidade de Cascavel no Paraná, onde ele firma-se como um movimento
nacional com caráter sindical, popular e político e com três objetivos fundamentais: a luta
pela terra, pela reforma agrária e pela transformação da sociedade.
14
1.1 - FORMAÇÃO DO MST EM SÃO PAULO
De acordo com FERNANDES, o desenvolvimento capitalista no estado de São
Paulo, também promoveu a desterritorialização do camponês. A exemplo do que ocorria em
outras regiões brasileiras, a CPT teve papel relevante na organização dos camponeses, fato
este que culminou na formação do MST no estado de São Paulo:
Ainda em 1984, a partir da articulação dos movimentos no estado, coordenada pela CPT, algumas lideranças dessas lutas (Andradina, Sumaré e Pontal) participaram da fundação do MST na cidade de Cascavel-PR, em janeiro desse ano. Em maio, os trabalhadores realizam em Andradina o Primeiro Encontro Estadual da Luta pela Terra. A partir desse Encontro, o processo de articulação das lutas tornou-se o processo de organização do MST no estado de São Paulo, com a participação de lideranças das lutas de Andradina, Pontal, Sumaré e Vale do Ribeira. Em novembro, a CPT promove uma assembléia para a preparação do I Congresso Nacional do MST, (realizado em Curitiba no mês de janeiro de 1985) e, também para o IV Congresso Nacional da CONTAG (realizado em maio de 1985), em Brasília. (FERNANDES, 1994, p. 90)
Assim, no estado de São Paulo a história agrária não é diferente de outros estados
brasileiros, inclusive a articulação para o Primeiro Encontro Nacional dos Camponeses. Para
entender essa luta e o surgimento do MST no estado de São Paulo é necessário tratar, ainda
que brevemente, da ocupação da Fazenda Primavera em Andradina, da conquista da Fazenda
Pirituba em Itapeva/Itaberá, do Pontal do Paranapanema e do retorno ao campo em Sumaré.
Segundo Fernandes (1993), a Fazenda Primavera, localizada na região de
Andradina, no oeste do estado de São Paulo possui 9.385 ha. Como muitas outras da região,
tratava-se de terra grilada. Nesta Fazenda viviam muitas famílias de agricultores que
arrendavam a terra do grileiro e produziam algumas culturas, como o algodão. Mesmo
recebendo a renda da terra dos agricultores, o grileiro começou trazendo gado do Mato
Grosso para engordar nesta área. Sem cercar uma área específica para o gado, este logo
começou a destruir a lavoura dos camponeses que, como resposta, passou a recusar o
pagamento do arrendamento. Em represália o grileiro, para cobrar dos devedores, colocou os
jagunços para queimar as casas e assassinar os trabalhadores que ali viviam (Fernandes,
1993).
Diante desta situação instalou-se ali um conflito entre o grileiro e os agricultores.
Em 1979 o conflito ainda encontrava-se sem solução. Neste período a CPT tinha uma forte
15
organização de trabalhadores em outros estados e, segundo Morissawa (2001), juntou-se
nesta luta organizando os trabalhadores e orientando-os a “exigirem junto ao INCRA
desapropriação da fazenda” (Morissawa, 2001, p. 133).
No ano seguinte, o presidente General Figueiredo assinou o decreto de
desapropriação da Fazenda Primavera. Os agricultores, mesmo morando ali depois de
décadas, permaneceram mais de dois anos até que fosse feito o assentamento. A experiência
da Fazenda Primavera levou à formação do MST no oeste do estado de São Paulo.
No mesmo período, na região sudoeste paulista também já estavam ocorrendo
ocupações de terras organizadas inicialmente com um grupo de 300 famílias de meeiros e
trabalhadores bóia frias que tinham sido despejados pela polícia militar e jagunços
contratados pelos fazendeiros. Segundo Morissawa (2001) a área “foi ocupada três vezes na
década de 1980 e seus 17500 hectares pertenciam ao governo do estado, que os havia
arrendado a grandes fazendeiros” (Morissawa, 2001, p. 133).
Em 1983, o governador Franco Montoro nomeou para a Secretaria da Agricultura
do Estado de São Paulo José Gomes da Silva. A partir disso foi implantado um projeto de
regularização das terras do estado. Naquele mesmo ano, os posseiros voltaram a ocupar a
Pirituba e foram despejados uma semana depois. Porém, a tentativa do governo em amenizar
o conflito fracassou devido aos interesses políticos e econômicos da área. Segundo
Morissawa:
No ano seguinte, em 1984 os sem terra ocuparam novamente a área e os arrendatários não conseguiram judicialmente expulsar os sem terras partindo para violência e contratando jagunços para expulsar à força os sem terra. “O governo, para evitar o agravamento da situação, retomou a área e deu início ao processo de assentamento. Foi a primeira vitória dos Sem-terra no estado nos anos de 1980.” (MORISSAWA, 2001, p. 134).
“As ocupações continuaram ocorrendo em outras áreas da Fazenda e, no fim da
década de 90, ali havia cinco assentamentos e um pré assentamento.” (MORISSAWA, 2001,
p. 134).
Ao mesmo tempo, ainda em meados da década de 1980, no Pontal do
Paranapanema constatou-se, a partir de um estudo realizado pelo Instituto de Terras do
Estado de São Paulo – ITESP -, pelo Departamento de Regularização Fundiária - DRF - e
pela Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania que mais de um milhão de hectares de
terras devolutas encontravam-se localizadas na região do Pontal, dominadas por grileiros e
posseiros. Diante desse contexto, desencadearam-se diversas ocupações de terras na região,
16
reivindicando sua distribuição às famílias, com um histórico de muitos assassinatos e
conflitos na disputa por um pedaço de terra que perdura nos dias atuais.
Nessa região, mais especificamente no município de Teodoro Sampaio, em 1983, de
acordo com Fernandes, 350 famílias ocuparam a Fazenda Tucano e Rosanela, com apoio
apenas de alguns religiosos e parlamentares. Logo em seguida foram despejados e
permaneceram acampados na beira da rodovia aguardando uma decisão do Governo do
Estado. Com as ocupações feitas pelos sem-terra e os conflitos aumentando no Pontal do
Paranapanema, em 1984 o governo fez as primeiras desapropriações que somaram uma área
de 15 mil hectares, assentando cerca de 460 famílias, conforme Fernandes (1999).
Estas conquistas fizeram com que os latifundiários e grileiros da região se unissem e
criassem a União Democrática Ruralista - UDR - com o intuito de contrapor o avanço da
luta dos camponeses. Todavia, o que ocorreu foi o aumento dos conflitos nesta região, mas
os camponeses seguiram se especializando no Pontal. Segundo Fernandes (1999, p. 158), o
[...] processo de espacialização e territorialização da luta pela terra promoveram o aumento do numero de ocupação no estado de São Paulo. Em 1995, a região do Pontal do Paranapanema era uma das principais áreas de conflitos fundiários do país, onde aconteceu o maior número de ocupações de terra.
Outra região referência para o processo de luta pela terra no estado de São Paulo é a
região de Sumaré. Ali, nas décadas de 1970 e 1980 houve um processo considerável de
industrialização, responsável pelas expulsões de muitas famílias do campo em busca de seu
sustento na cidade. Muitas famílias encontraram sérias dificuldades e não conseguiram
adaptar-se à realidade urbana pela falta de emprego. Dessa forma, tiveram a necessidade de
fazer o movimento contrário, buscando o retorno ao campo.
Em 1983, organizados pelas Comunidades Eclesiais de Base - CEBs - braço da
Igreja Católica, algumas famílias, na maior parte homens, ocuparam uma usina de cana em
Araraquara que tinha perdido sua terra penhorada pelo Estado, tendo sido expulsas pelos
jagunços. Este grupo saiu da usina, mas foi para um Horto Florestal pertencente à Empresa
Ferroviária Estatal - FEPASA. Todavia, para diminuir tensões, o Governo do Estado propôs
outra área desta mesma empresa para ser distribuída às famílias. Na sequência das
negociações as famílias conquistaram uma área de 137 ha em Sumaré, que constitui
atualmente o Assentamento Sumaré I.
17
As lutas prosseguiram em diversas regiões do Estado de São Paulo e a partir de
encontros, reuniões e outras atividades realizadas em âmbito estadual, foram gerando o
embrião de um movimento organizado. Segundo Morissawa (2001, p. 134), no
[...] período de 1990-1999, o MST organizou ocupações em diversos municípios: Andradina, Getulina, Pradópolis, Tremembé, Iperó, Castilho, Iaras, Itapetininga e Porto Feliz; sem contar as reocupações da Pirituba em Itapeva- Itaberá.
Em 1998 o MST chega à região nordeste de São Paulo, com a ocupação do Horto
Boa Sorte no município de Restinga, próximo à cidade de Franca, onde hoje existe o
Assentamento 17 de Abril. Após um ano o MST abriu uma Secretaria Regional na Cidade,
com o objetivo de iniciar a integração campo - cidade.
Neste mesmo ano realizou a ocupação numa Fazenda do município de Matão,
constituindo o Acampamento Dom Hélder Câmara, onde existia a promessa de assentamento
por parte do ITESP. Esta promessa não foi concretizada e parte do acampamento deslocou-
se para a ocupação da Fazenda Santa Clara, entre os Municípios de Serrana e de Serra Azul,
região de Ribeirão Preto, onde hoje se encontra o Assentamento Sepé Tiarajú, com 80
famílias assentadas (DATALUTA, 2011).
A luta do Movimento na região continuou avançando após a conquista do
Assentamento Sepé Tiarajú. Em novembro de 2002 foi firmada uma parceria entre o
movimento e a Arquidiocese de Ribeirão Preto para utilização do Sitio Pau D´alho, o que
possibilitou a criação do Centro de Formação Sócio Agrícola “Dom Hélder Câmara”.
Em Maio de 2003, o MST inaugurou em Ribeirão Preto a loja Sabor do Campo,
com produtos da Reforma Agrária, produzidos em diversas regiões do país. A loja passou a
ser uma referência da Reforma Agrária na cidade, divulgando alguns de seus resultados
concretos. Após várias discussões entre campo e cidade, por ser uma região onde é aplicado
um modelo agrícola agroexportador, onde os pequenos agricultores não se enquadram neste
modelo, surge a necessidade da realização da Reforma Agrária na cidade de Ribeirão Preto
e, com o trabalho de base que estava sendo realizado em Ribeirão e na região e com o apoio
da Igreja católica, sociedade civil e sindicatos, o MST concretiza a luta pela terra em
Ribeirão Preto com a criação o Acampamento Mário Lago, sobre o qual falaremos a seguir.
18
CAPITULO 2: O PROCESSO DE CONQUISTA DO TERRITÓRIO D O
ASSENTAMENTO “MÁRIO LAGO” E SUA ORGANIZAÇÃO INTERNA
Neste capítulo procuraremos resumidamente analisar o processo de cinco anos de
luta do acampamento Mario Lago e sua organização interna, com suas táticas e estratégias
para a conquista da Fazenda da Barra e a implantação do assentamento Comuna da Terra.
Para isso, é importante entender os processos judiciais relativos aos passivos ambientais
contra o antigo proprietário, a entidade Sinhá Junqueira o que, associados à luta do MST na
área, possibilitaram a desapropriação para fins de Reforma Agrária da Fazenda da Barra.
2.1 - PASSIVOS AMBIENTAIS DA FAZENDA DA BARRA (1983 – 2004)
A área ocupada pela fazenda localiza-se geograficamente sobre uma área de recarga
do Aquífero Guarani, constituída por solo permeável (Arenito Botucatu) e, portanto, de
rápida absorção da água das chuvas, o que facilita o aumento do nível de água no lençol
freático. Possui cerca de 1.540 hectares e está numa área próxima à Rodovia Anhanguera,
como demonstra a figura abaixo:
Figura 1: Localização da Fazenda da Barra
Fonte: Ministério Público Estadual
19
A propriedade pertencia à Fundação Sinhá Junqueira e era arrendada para a
plantação de cana-de-açúcar pela Usina da Pedra. No ano de 1984, como se pode notar na
figura 2, a fazenda ainda conservava os 20% de reserva legal previsto em lei.
Figura 2: Fazenda da Barra 1984
Fonte: Ministério Publico Estadual
Nesse período, a área de reserva preservada correspondia a mais de 300 ha (MP).
Entretanto, o projeto dos arrendatários consistia na expansão da área de plantio de cana, o
que impulsionou um grande desmatamento. Observando o desmatamento, o Departamento
Estadual de Proteção de Recursos Naturais - DPRN - iniciou a abertura de inquéritos civis
para investigação de danos ambientais na Fazenda da Barra, com foco no desmatamento
20
realizado nas áreas de reserva legal, nas Áreas de preservação Permanente – APP - e na
drenagem das áreas de várzea do Rio Pardo para a produção da monocultura.
A partir dos laudos de vistoria realizados, foi aberta uma ação civil pública em
1993, que constatou as irregularidades ambientais da área investigada e aplicou seguidas
multas pelos passivos ambientais. Pela Constituição Federal de 1988, a propriedade em
função das irregularidades constatadas, era passível de desapropriação para fins de reforma
agrária. Diante disso, alguns membros do poder público e da sociedade civil se organizaram
a fim de construir um projeto para área com uma utilização que garantisse o cumprimento da
função social da propriedade.
Nesse contexto, em 1996, a arquiteta Cláudia Maria Ferreira Perencin (na época
estudante de arquitetura na Faculdade Moura Lacerda), fez seu trabalho de conclusão de
curso com o titulo “A urbanização em área de recarga de aquífero em Ribeirão Preto-SP”,
propondo outra utilização para a Fazenda da Barra, um assentamento para 260 famílias que
garantisse a recuperação das áreas de reservas desmatadas, conforme a figura 3.
Figura 3: Proposta do corte da área 1996
Fonte: Cláudia Maria Ferreira Perencin
21
Nos anos de 1999 e 2000 o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -
INCRA, vistoriou a Fazenda e a classificou como “grande propriedade improdutiva”. O
processo de desapropriação foi iniciado em 09 de outubro de 2000. No mesmo ano foi
indeferido um recurso encaminhado contra este processo. Em 28 de março de 2002 o
INCRA–SP enviou para Brasília o decreto de desapropriação para ser publicado. O então
superintendente nacional do INCRA, Rolf Rackbart, decidiu pela realização de uma nova
vistoria na Fazenda da Barra e o processo retornou a São Paulo (MINISTÉRIO PUBLICO
ESTADUAL, 2003).
Desde 1993, a propriedade vinha respondendo a ações judiciais por danos
ambientais, como afirmou o Promotor Marcelo Pedroso Goulart (Ministério Público
Estadual) ao Jornal A CIDADE de 05 de outubro de 2003: “São quatro inquéritos civis em
andamento e duas ações civis tramitando. O último inquérito civil foi aberto em 12 de abril
de 2000 para investigar o impedimento de regeneração natural de reserva legal”. A figura 4,
quando comparada à figura 2, permite visualizar o desmatamento ocorrido.
Figura 4: Fazenda da Barra 2000
Fonte: Ministério Publico Estadual
22
Em 2003, laudos ambientais feitos pelo Departamento de Água e Energia Elétrica -
DAEE, Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais - DEPRN, Instituto
Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e pelo
Ministério Público Estadual que afirmavam
[...] que a propriedade estava parcialmente abandonada, que havia plantação de soja e cana em áreas de preservação permanente, como nas margens do Rio Pardo. O laudo aponta ainda que a exploração agrícola de uma área irregularmente desmatada, que correspondia à reserva legal, representa um risco constante de contaminação do Aquífero Guarani. ‘O risco de contaminação é potencialmente maior se considerarmos o modelo de produção das culturas agrícolas que vêm sendo plantadas na área (cana, soja e amendoim) que se caracterizam pelo uso intensivo de agrotóxicos’ afirma o laudo. (FOLHA DE SÃO PAULO, 27.out.2004.)
O valor total estimado pelo Ministério Público do passivo ambiental da Fazenda
ultrapassa 7 bilhões de reais (MPE). Nesse contexto, em agosto de 2003 o MST se propõe a
organizar famílias na região para ocupar a Fazenda da Barra.
2.2 - ACAMPAMENTO MÁRIO LAGO
Em 2 de agosto de 2003 foi formado o primeiro acampamento em Ribeirão Preto,
com 400 famílias vindas da região de Ribeirão Preto, Franca, Araraquara, e vizinhanças
(MST, 2011. Sd). Estas famílias foram convidadas pelo setor de frente de massa do MST
para montar um acampamento ao lado da Fazenda da Barra, que se denominou
Acampamento Mario Lago. Tinha como principal objetivo pressionar o Governo Federal
através do INCRA para a desapropriação da área vizinha à Fazenda da Barra, a fim de
realizar um assentamento de Reforma Agrária. Essas ações do MST aconteceram para
denunciar as irregularidades da área, reivindicando sua desapropriação para fins de reforma
agrária.
O Acampamento “Mário Lago” do qual falaremos mais concretamente enquanto
objeto da nossa pesquisa, foi inicialmente formado por 400 famílias que participaram do
trabalho de base2 feito pelo MST - (Setor Frente de Massa3) na cidade de Ribeirão Preto/SP
e região. Desde sua primeira ocupação, o acampamento já passou por várias mudanças.
2Trabalho de base é o nome utilizado pelo MST e por outros movimentos sociais para denominar as atividades de conscientização e mobilização de famílias para a formação dos acampamentos e realização da luta pela reforma agrária. 3Setor do MST responsável pelo trabalho de base.
23
Essa estratégia de ação de montar o acampamento fora da área pretendida para
desapropriação, como foi o caso do acampamento Mario Lago - que se deu a partir da
ocupação do sitio Braghetto (Figura 5), ao lado da Fazenda da Barra, é utilizada pelo MST
em resposta à Medida Provisória nº 2.027-38, editada em maio de 2000, durante o governo
FHC, que impede a vistoria em terras ocupadas e sua desapropriação para fins de Reforma
Agrária no período de dois anos, podendo esse prazo ser prorrogado, no caso de reincidência
na ocupação.
Essa Medida Provisória - MP - foi instituída como tentativa de desmobilizar os
movimentos sociais do campo e impedir que fossem realizadas as ações de ocupações de
terras. Os movimentos, no entanto, passaram a ocupar as rodovias e áreas próximas às áreas
desejadas, indicando sempre, quando se iniciam as ações de desocupação, em qual área
gostariam de ser assentados, como o que ocorreu no Sítio Braghetto (MST, 2003. Sd).
Figura 5: Ocupação do Sítio Braghetto
Fonte: Ministério Público Estadual, 2003
Em 18 de agosto de 2003, as famílias conquistaram o cadastramento4 do INCRA,
passando a ter o direito à reivindicação de cestas básicas pelo Programa Fome Zero (do
4O cadastramento é feito quando ocorre uma ocupação de terra, como neste caso, ou quando já vai haver um assentamento de reforma agrária.
24
Governo Federal) e ao lote, quando a fazenda fosse loteada, para a implementação do
assentamento. Nesta mesma semana, os advogados de Baldim, proprietário do sitio
Braghetto, ingressaram com um pedido de reintegração de posse da área. O juiz Alcides
Leopoldo e Silva Júnior concedeu a liminar, porém a suspendeu em seguida, a pedido do
Ministério Público de Ribeirão Preto.
Em audiência de conciliação, a direção regional do MST assinou um acordo
comprometendo-se a desocupar o Sítio até 10 de dezembro de 2003, pois o Movimento
estava reivindicando a Fazenda da Barra que era vizinha do Sitio Braghetto .
O Sítio Braghetto, propriedade com cerca de 29 hectares, foi escolhido para a
ocupação por já possuir um histórico de elevadas dívidas fiscais:
Baldim [engenheiro agrônomo, proprietário do Sítio [Braghetto] estima que as dívidas fiscais do sítio (R$400 mil só com o INSS) superam R$1,5 milhão. Ele já parcelou os débitos com o INSS e faz o mesmo com a Fazenda Estadual e a Prefeitura Municipal – o sítio está classificado como área urbana e só de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) deve mais de R$150 mil. Por causa desse passivo fiscal o sítio, então penhorado, chegou a ir a leilão em 12 de julho, mas não apareceram interessados. Antes de a justiça marcar o segundo leilão, o novo dono parcelou as dívidas e sustou o processo de venda. (A CIDADE, 11 set. 2003)
Ao aproximar-se da data de desocupação, parte das famílias acampadas ocuparam o
Parque “Maurílio Biagi” (espaço público de lazer, localizado próximo à Câmara Municipal),
com o objetivo de pressionar o poder público local para que dispusesse de um outro local
para a instalação provisória do acampamento. A Prefeitura Municipal ofereceu uma área
próxima à Estrada do Piripau, a 18 km do Centro da cidade e, posteriormente, acordou com
o MST na utilização de um local no Parque dos Flamboyans (bairro residencial localizado na
zona leste da cidade de Ribeirão Preto) reservado para a construção de uma praça pública.
(MST, 2004. Sd)
Muitas foram as dificuldades encontradas pelos acampados no Parque dos
Flamboyans: o espaço era pequeno para o grande número de pessoas – cerca de 400 famílias
-, e as condições estruturais eram precárias. A isso somava-se a insatisfação dos moradores
do bairro quanto à instalação do acampamento no local. Estes fatores contribuíram para o
esvaziamento do acampamento com as desistências das famílias.
Em março de 2004, as famílias decidiram ocupar uma estrada que corta a Fazenda
da Barra. A Prefeitura de Ribeirão Preto dizia que a estrada pertencia ao município enquanto
os advogados da Fazenda sustentavam que a área integrava a propriedade. Devido à ordem
25
de reintegração de posse e sua execução pela Polícia Militar, o Acampamento “Mário Lago”
sofreu uma nova mudança, agora para um terreno de 10 mil metros quadrados vizinho à
Fazenda da Barra e pertencente a um advogado que cedeu o local para a acomodação das
famílias (MST, 2004. Sd).
Neste processo de ocupação e desocupação, o acampamento continuou sofrendo um
esvaziamento no número de pessoas que foram desistindo frente às dificuldades encontradas.
No dia 20 de julho de 2004, com cerca de 200 famílias, ocorreu a primeira ocupação da
Fazenda da Barra. Porém, em
[...] 23 de julho, uma decisão judicial concedeu à Empresa proprietária reintegração de posse e deu às 200 famílias (cerca de 420 pessoas) três dias para deixar o local. Apesar disso, os sem-terra ficaram na área. No dia 29 de julho, os sem-terra voltaram para [...] o terreno particular (A TRIBUNA, 22. set. 2004.)
Em 21 de setembro de 2004 aproximadamente 117 famílias ocuparam novamente a
Fazenda da Barra. “O Sem Terra foram motivados pela decisão da 5ª Vara de Justiça Federal
de São Paulo que indeferiu o agravo interposto pela Robeca Participações LTDA,
proprietária da Fazenda, contra o laudo do INCRA que considerou a Fazenda improdutiva”
(A TRIBUNA, 22. set. 2004.). A unidade estadual decidiu o oposto, ou seja, recusou-se a
realizar nova vistoria. O processo tem encaminhamento em Brasília já no Governo de Luís
Inácio Lula da Silva. Em setembro de 2004, como já citado anteriormente, a 5ª Vara de
Justiça Federal do Estado de São Paulo indeferiu o agravo interposto contra o laudo do
INCRA.
Em outubro do mesmo ano, os advogados e donos da Fazenda encaminharam uma
petição ao STF (Supremo Tribunal Federal) para notificar judicialmente o Presidente da
República, o Ministro do Desenvolvimento Agrário Miguel Rosseto e o Presidente do
INCRA Rolf Rackbart, a cumprirem a Medida Provisória nº 2.027-38 e não desapropriarem
a Fazenda por estar ocupada, senão estariam descumprindo a lei. No mesmo mês, o MST foi
notificado sobre a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que determinou a
desocupação da área e a reintegração de posse, sem data para ser cumprida. O Jornal A
Cidade retratou o caso como segue, dando voz a um acampado do movimento:
Não há condições de fazer a reintegração, o povo daqui espera que o Presidente da República baixe o decreto de desapropriação porquê os laudos comprovam que não existe alternativa para esta área improdutiva e que tem elevado passivo ambiental. Se a Constituição for cumprida o
26
destino da Fazenda da Barra é a desapropriação. [...] O Acampamento é grande, tem 14 km de área que já foi ocupada por todas as famílias dentro da Fazenda. Transformamos a área em uma grande agrovila, onde cada família plantou em torno de 1 ha de terra [...]” (A CIDADE, 06.nov.2004).
A figura 6 refere-se a esse momento de contestação da terra por meio da ocupação.
Os pontos brancos são os barracos das famílias acampadas.
Figura 6: Área ocupada da Fazenda da Barra
Fonte: Ministério Público Estadual 2004
Em 2005 o Acampamento “Mário Lago” chegou a ter 600 famílias acampadas
(MST. Sd), organizadas internamente em 21 núcleos de base e 8 setores5, responsáveis por
dar unidade e encaminhamento às diversas atividades, além de serem os responsáveis pela
organização interna do acampamento. A intenção do MST em organizar os acampamentos
dessa forma é democratizar as informações e formações das famílias e incentivar a
5Núcleos e setores são formas de organização do trabalho nos diversos espaços do MST. Os setores consistem numa divisão a partir da necessidade interna em desempenhar algumas atividades em diferentes âmbitos como segurança, esporte, cultura, produção, entre outros. Ou seja, forma em que o Movimento divide os grupos de famílias para melhor organizá-las.
27
participação das mesmas nas discussões cotidianas do acampamento. Esta organização
interna atende ao princípio da direção coletiva do MST e à sua organicidade6.
Cada núcleo recebeu o nome de um lutador do povo, no intuito de reforçar a mística
do MST de recordar a vida e a história de luta de homens e mulheres como Paulo Freire,
Zumbi dos Palmares, Dandara, Salete Strozake, Oziel Alves, entre outros. Além disso,
possui dois coordenadores, sendo um homem e uma mulher, moradores do próprio núcleo.
As famílias se reúnem semanalmente em seus respectivos núcleos para discutir os assuntos
trazidos da reunião da Coordenação Geral, discutir os problemas internos e também para
estudos de formação política.
Os setores também possuem, dois representantes de cada núcleo, um homem e uma
mulher. O Acampamento é organizado em oito setores: educação; finanças; saúde e higiene;
segurança; produção; gênero e formação; ciranda; esporte, cultura e lazer. Cada setor realiza
reuniões semanais com seus integrantes para propor e planejar as atividades e levantar as
demandas para o desenvolvimento dos trabalhos. No MST, estes setores também existem
nas instâncias regional, estadual e nacional, e são os responsáveis por pensar programas e
projetos acerca dos mais variados assuntos.
O setor de formação está vinculado ao setor de gênero, a fim de contribuir com sua
estruturação e dar andamento às suas atividades. A maioria dos setores promove estudos a
respeito de diferentes assuntos, o que os configura também enquanto espaços de formação7.
Porém, a característica atribuída na constituição do Setor de Formação é a de fomentar o
debate político e capacitar a base e as lideranças para a discussão de seus projetos com a
sociedade.
A Coordenação Geral do acampamento Mario Lago é formada por todos os
coordenadores e coordenadoras de todos os núcleos e setores. São realizadas reuniões
quinzenais (figura 7), sempre às segundas-feiras, na sede da antiga fazenda. Esse é o espaço
onde se deliberam as atividades, discutem propostas, problemas e a conjuntura do
acampamento e passam-se os informes dos diversos núcleos e setores para Direção
Regional.
6Organicidade é uma palavra usada pelo MST para designar a relação entre núcleos de base com os setores, com as direções, etc. 7Nas instâncias estaduais e nacional existem várias publicações do MST ou em parceria com outras organizações que são materiais para a formação das bases e lideranças do Movimento.
28
Figura 7: Reunião da coordenação geral no Acampamento Mário Lago
Fonte: Arquivo MST, 2005
Também acontecem as Assembléias Gerais (figura 8) onde todas as famílias são
convidadas a participar. O objetivo, na maioria das vezes, é decidir sobre algum assunto
urgente que possivelmente já passou pelas várias instâncias do Acampamento e aguardar a
opinião da maioria. Acontecem também quando há alguma mudança na conjuntura política
do assentamento.
Figura 8: Assembléia Geral do Acampamento Mario Lago
Fonte:Arquivo MST, 2005
29
Observa-se a organicidade do Acampamento Mario Lago, que foi de fundamental
importância para a consolidação do mesmo. Essa coletividade no acampamento ajudou a
manter 5 anos de luta intensa, com várias marchas e ocupações de órgãos públicos em
Ribeirão Preto, para a reivindicação dos direitos destas famílias que permaneciam
acampadas em baixo de barracos de lona preta para ter direito a um pedaço de terra para
poder trabalhar.
Para a implantação de assentamentos, o tamanho médio dos lotes na região de
Ribeirão Preto é de 12 hectares. Desta forma, caberiam cerca de 150 famílias (ITESP, 2003)
no assentamento a ser criado. Como a Fazenda da Barra é muito valorizada por estar
localizada dentro da cidade de Ribeirão Preto, fazendo divisa com três bairros urbanos, a
saber, Ribeirão Verde, Portinari e Parque dos Flamboyans, o escoamento da produção é
facilitado, reduzindo o valor frete. Neste sentido, a coordenação do MST vem discutindo
uma outra concepção de assentamento que é a proposta da Comuna da Terra, pensado para
ser realizado em assentamentos próximos às áreas urbanas, como é o caso do assentamento
que viria a formar-se com a desapropriação da Fazenda da Barra e de outras áreas na Região
Metropolitana de São Paulo.
De acordo com essa proposta, justamente a proximidade da área urbana, ao facilitar
o escoamento da produção, possibilita que os lotes tenham tamanhos menores, em torno de 2
a 3 hectares, o que torna possível assentar mais pessoas em menos área. No caso em questão,
ao invés das 150 famílias caso fossem mantidos os 12 ha médios da região de Ribeirão
Preto, seria possível assentar aproximadamente 260 famílias, proposta que o Movimento
vem discutindo para as novas formas de assentamentos no estado de São Paulo.
Com admissão de posse da área no ano de 2007 iniciam uma série de reuniões entre
as famílias acampadas no Mário Lago para discutir o modelo de assentamento, baseadas nos
debates sobre as novas propostas de projeto de assentamento que vinham sendo discutidas
pelo MST no estado de São Paulo. Neste sentido, foi feita uma rodada de núcleo8 em que
foram levantados os principais elementos das famílias para com relação ao modelo do
assentamento. Ao final foi elaborado um documento sintetizando as idéias das famílias.
Em 2008, o INCRA começou o processo de implantação na Fazenda da Barra,
fazendo reuniões com as famílias e trazendo o debate da proposta do Projeto de
Desenvolvimento Sustentável - PDS, um projeto desenvolvido para a reservas extrativistas
8Reuniões feitas em todos os núcleos de base para que todas as famílias possam democraticamente discutir temas relevante a vida do acampamento ou assentamento.
30
na Amazônia que seria readequado para a realidade aqui do estado. Com essas reuniões o
INCRA começou elaborar o projeto de assentamento da Fazenda da Barra.
No próximo capítulo faremos o recorte territorial do estado de São Paulo para
entender as novas propostas dos assentamentos agroecológicos, compreendo a concepção da
Comuna da Terra, elaborada pelo MST, dentro dos assentamentos PDS do estado de São
Paulo.
CAPITULO 3: AS NOVAS PROPOSTAS AGROFLORESTAIS DE ASSENTAMENTOS NO
ESTADO DE SÃO PAULO
Neste capitulo veremos duas novas formas de propostas para os assentamentos
rurais que estão acontecendo no estado de São Paulo. A primeira, a Comuna da Terra, é
somente uma concepção de assentamento desenvolvida pelo MST para assentamentos
próximos aos centros urbanos, como Campinas, Vale do Paraíba, Ribeirão Preto e a Grande
São Paulo. A segunda, o PDS, proposto pelo INCRA para as novas áreas próximas aos
centros urbanos, fruto de sua preocupação com o passivo ambiental e com a possibilidade de
assentar mais famílias, devido aos altos valores das terras nestas regiões.
3.1: A PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA
A discussão no estado de São Paulo, por parte do MST, com relação à Comuna da
Terra surgiu no final da década de 1990 e inicio de 2000, no momento em que o debate
sobre a Reforma Agrária e, principalmente, sobre a concepção da Reforma Agrária Clássica
não mais se colocava como pertinente. Para Delwek Matheus, dirigente do MST, neste
período no Brasil com o avanço da política neoliberal no campo, o debate que ocorria
referia-se a qual concepção da reforma agrária seria adotada para a conjuntura brasileira.
Tendo em vista que o agronegócio, já baseado nas políticas neoliberais, colocava em questão
que não era preciso realizar a reforma agrária porque com essa nova reestruturação
neoliberal modernizou-se a agricultura brasileira. Nessa compreensão os latifúndios
improdutivos, com essa modernização, deixam de ser improdutivos para transformarem-se
em terras produtivas.
No governo FHC o então assessor do ministro Fernando Henrique Cardoso,
Francisco Graziano, vai dizer que ¨O Brasil não precisa de reforma agrária” (Stédile, 2002).
31
Segundo Delwek Matheus, um dos fatores para a não realização da Reforma Agrária dita por
Graziano seria falta de público que estivesse vinculado com essa causa:
[...] Porque não tem mais publico para a reforma agrária. Aqui no Brasil, principalmente aqui no estado de São Paulo, não tem mais camponês para fazer a reforma agrária. A população já está toda na cidade, a classe trabalhadora, os trabalhadores já estão na cidade e não estão mais reivindicando a reforma agrária. Não tem publico para a reforma agrária. Então logo, a chamada reforma agrária clássica que é para desenvolver o capitalismo não há necessidade mais para o capitalismo. O capitalismo não tem mais esta necessidade da reforma agrária e logo, também, o Estado não tem interesse em fazer a reforma agrária porque o estado funciona com os interesses capitalistas. (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011)
Dada esta conjuntura o MST discute estas perspectivas de não ter reforma agrária
capitalista ou reforma agrária socialista, concluindo pela necessidade de pensar numa nova
forma de concepção da reforma agrária. Neste momento, surge o debate da Comuna da Terra
dentro desse debate sobre a Reforma Agrária. Não seria somente a simples distribuição de
terras, mas também um
[...] conjunto de medidas necessárias que consigam alcançar seus objetivos. Esse conjunto de mudanças representa a criação de um novo modelo agrário e agrícola que garanta desenvolvimento econômico, político, social e cultural para toda a população do campo e que também beneficie a população urbana. (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011)
Já havia um processo de organização de trabalhadores da cidade para fazer
ocupação de terra, principalmente na Grande São Paulo, onde começou o debate, e também
no centro da cidade de São Paulo, com a Igreja organizando os moradores de rua. A Igreja
estava organizando grupos de trabalhadores para lutar pela reforma agrária no interior do
estado, principalmente em Andradina, Iaras.
De acordo com Delwek Matheus (entrevista janeiro 2011), neste período o MST
fazia uma discussão sobre cidade/campo. Estas discussões eram para organizar o público
urbano para ir fazer ocupação de terra no Pontal, em Andradina, em Promissão. Neste
sentido muitas famílias foram organizadas nas cidades grandes como São Paulo e demais
pertencentes à Grande São Paulo, Sorocaba, Campinas e foram para os assentamentos que
no geral ficam longe de onde estas famílias moravam. Isso fazia com que muitas famílias
não fossem para as ocupações, porque eram muito longe de suas áreas de origem.
32
As famílias vão criando raízes na cidade, muitas delas residiam há cerca de 20 anos
na cidade quando foram para as ocupações. Assim, morar em barracos, deixar parte de suas
famílias, que também moram na cidade, seus amigos é difícil, elas não querem sair da cidade
para ir para longe. Alguns membros da família que foram acampar, acabaram voltando e
muitos nem vão para os acampamentos para não deixar sua realidade. O trabalho de base
que tem sido feito nas grandes cidades do estado de São Paulo começa a perceber este
problema. Então, o debate surge desta realidade que estava dada e o Movimento começa a
discutir a estratégia para este novo público da Reforma Agrária,
[...] surgiu a necessidade de discutir uma nova concepção de reforma agrária. Porque inclusive nessa discussão do governo, ele também está dizendo que no Brasil, principalmente aqui nos estados do Sudeste, não tem terra para fazer a reforma agrária. Ou seja, o capitalismo não tem terra para fazer a reforma agrária porque o agronegócio vai modernizar a agricultura capitalista e logo resolver o problema dos latifundiários. Não tem terra para fazer assentamentos, não tem terra improdutiva (latifúndio para fazer reforma agrária) e não tem publico. Então a gente teria que provar o contrario: provar que tem gente que quer fazer reforma agrária, e provar também que há terra para fazer assentamento. E inclusive, próximo das grandes cidades. Então aí a gente começou discutir uma nova concepção de reforma agrária exatamente para fazer ocupação perto das grandes cidades. [...] Então começou com o trabalho de base nestas cidades também. (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011)
Diante dessa perspectiva, a reforma agrária necessariamente reuni características a
partir de uma nova concepção, capaz de constituir-se em um meio de resistência e realizar
permanentemente um combate ao atual modelo do “quadrado burro”, onde coloca o
assentado em um lote sem infraestrutura, casa, estrada, energia, água, não tendo formas de
produzir nem para o consumo. Segundo Matheus, a reforma agrária deve promover a
“desapropriação das áreas não utilizadas e aproveitamento das áreas públicas e devolutas,
próximo aos grandes centros urbanos e as principais rodovias como prioridade para a
reforma agrária” (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011).
3.2 - OS ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA PROPOSTA
De acordo com Delwek Matheus, no fim da década de 1990 e início do ano de
2000, o Movimento vivia um período de resistência e precisava dinamizar e inovar as ideias
e experiências no processo de luta pela Reforma Agrária. A massificação da participação e a
organização de um novo modelo de produção que levasse em consideração uma renda
33
mínima por família e garantisse o respeito e a preservação da natureza, eram alguns
elementos básicos para o avanço da luta e para a possibilidade de que a Reforma Agrária
fosse colocada no centro das atenções políticas e da sociedade. Segundo Delwek Matheus:
A Reforma Agrária não pode ser somente uma política de distribuição de terras, ou uma política de compensação com o objetivo de amenizar conflitos de terras localizados, ou pensar na Reforma Agrária como propôs o Estatuto da Terra, somente para resolver a questão econômica, a partir do modelo em curso, na lógica da competitividade e eficiência na questão, como estão organizados os atuais assentamentos, a reprodução total da propriedade privada. Isso não significa que nossas experiências de assentamentos não são importantes, ao contrário, temos boas experiências, mas precisamos muito mais. O desenvolvimento das forças produtivas vê-se travado por normas, costumes, relações de poder, práticas comerciais, que decorrem das relações entre as classes proprietárias e a população do campo (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011).
Os assentamentos como espaços de convivência social devem também ser um local
de resistência e de formação sociocultural e política das pessoas. Local onde se passa a ter
qualidade de vida, melhorando a alimentação, possibilitando a prática de esportes, lazer e
cultura, principalmente para as mulheres, jovens e crianças, enfim, onde seja possível
alcançar o bem estar econômico e social dos trabalhadores. Necessariamente, são
características básicas dentro de uma nova concepção de Reforma Agrária.
Nesta nova concepção de Reforma Agrária, para Delwek Matheus, as principais
características a serem observadas são: 1. que a terra não seja propriedade privada, porque
principalmente essas áreas estão muito próximas às grandes cidades, e sujeitas à especulação
imobiliária; 2. que ela possa desenvolver a cooperação em seus diversos aspectos, ou seja,
não só a cooperação para produzir na agricultura, mas a cooperação na organização social,
na produção, na comercialização, no conjunto da vida das pessoas; 3. que ela seja capaz de
negar o pacote tecnológico da agricultura capitalista, através do desenvolvimento de uma
matriz tecnológica orgânica e agroecológica; 4. a organização social, ou seja, as famílias
devem morar próximas umas das outras, devem procurar formas de organizar os núcleos de
moradia, de forma que facilite a infraestrutura social, como ruas, ruas iluminadas, moradias
com luz elétricas, com água tratada, com saneamento básico, espaço para esporte, para lazer,
para cultura e principalmente para educação e para saúde; 5. por fim, o desenvolvimento da
organização política: essa nova organização necessita de um processo de formação,
34
capacitação, organização dos trabalhadores para ter um processo de enfrentamento contra o
modelo convencional, numa perspectiva também de afrontamento político.
Neste mesmo sentido, outros elementos são importantes observar na proposta da
Comuna da Terra:
• Ser um meio de resistência e um permanente combate ao atual modelo e ao mesmo
tempo, ser uma alternativa viável aos trabalhadores na construção de um novo projeto de
desenvolvimento social.
• Desapropriação das áreas não utilizadas e aproveitamento das áreas públicas e devolutas,
próximo aos grandes centros urbanos e às principais rodovias como prioridade para a
Reforma Agrária.
• Massificação da Reforma Agrária incentivando a participação dos trabalhadores urbanos,
principalmente os desempregados.
• Desenvolver a cultura da socialização dos meios de produção. Planejamento, estímulo e
facilidade à formação de núcleos de economia camponesa, através da produção e da
organização social, núcleos de moradia com toda infra estrutura básica necessária,
desenvolvendo a cooperação em todos os aspectos.
• Adotar e desenvolver uma nova matriz de produção, voltada para a realidade local e
mais equilibrada do ponto de vista do meio ambiente, da natureza, inclusive a saúde do ser
humano e, em conjunto, adotar também um novo modelo tecnológico.
• Planejar e desenvolver a produção de forma que possa colocar em prática o mercado de
massas, comercialização direta aos trabalhadores da cidade, bairros e vilas de grande
população de baixa renda.
• Desenvolver um programa de agroindústria, com instalação de pequenas unidades de
beneficiamento e industrialização da produção.
• Implementar a marca dos produtos da Reforma Agrária, garantindo padrão de qualidade.
• Desenvolver atividades não agrícolas dentro das comunidades, como pequenas indústrias
e o próprio artesanato, como forma de complementar a renda das pessoas e envolver a
participação das mulheres e jovens na produção, por exemplo, marcenarias, cerâmicas, etc.
• Desenvolver um amplo programa de formação e capacitação massiva dos trabalhadores,
técnicos e profissionais envolvidos no projeto, e também que seja um espaço que prepare os
35
trabalhadores com o novo conceito de agricultores, para que sejam sujeitos da história, ou
seja, uma Reforma Agrária sob o controle dos trabalhadores.
• Organizar espaço para as atividades sócio culturais, com a infra estrutura necessária
garantida como, centros poliesportivos, auditórios que permitam as atividades e práticas
esportivas, de lazer e culturais. (Delwek Matheus, entrevista Janeiro 2011)
Assim, observa-se a importância de um modelo para fazer frente ao grande capital e
que promova acima de tudo a identificação do sujeito como ator da realidade existente.
3.3 - O PDS COMO ALTERNATIVA PARA ASSENTAMENTOS AGROECOLOGICOS
A discussão dos novos projetos de assentamentos passava por uma dificuldade, pois
o modelo de assentamento como o Projeto de Assentamento Estadual – PA - que o INCRA
adota no estado não atendia à necessidade deste novo público. Foram estas condições que
incentivaram o INCRA a trazer para São Paulo o PDS, uma modalidade de assentamento
elaborado a partir das experiências das Reservas Extrativistas da Amazônia. Segundo
GOLDFARB (2007)
O PDS foi criado pelo INCRA, através da portaria n 477 de 04 de novembro de 1999, para poder assentar pessoas que não constituem uma comunidade tradicional, em áreas relevantes para o meio ambiente, como remanescentes de mata atlântica, áreas da Amazônia ou do cerrado (GOLDFARB, 2007, p. 31)
Neste sentido, o PDS traz a possibilidade de proteger ou recuperar áreas, em que
sua biodiversidade já estava comprometida ou totalmente extinta na região. O PDS visa
também garantir uma renda mínima para as famílias através do manejo ecológico, da coleta
de frutos ou da agricultura como milho, feijão, mandioca em áreas desmatadas. Ele se
diferencia das outras modalidades de assentamento, por ser construído em um processo
participativo entre o INCRA, os assentados e os parceiros locais em torno do compromisso
do desenvolvimento sustentável.
No cadastro das famílias para serem assentadas no PA, sua seleção é feita a partir
do Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária – SIPRA. No PDS, além da
seleção do SIPRA é necessário levar em conta o perfil agroecológico das famílias.
36
Com relação ao publico alvo, no PA trata-se do agricultor tradicional sem terra. No
PDS o agricultor tem que ter perfil de trabalhar com praticas agroecológicas.
Com relação aos documentos que cada um deve ter, o PA necessita para sua
implantação do Laudo de Vistoria e do Projeto de Desenvolvimento do Assentamento –
PDA. O PDS necessita do Laudo de Vistoria e do Plano de Utilização – PU - que define a
utilização de todas as áreas do assentamento, que pode ser definida através de um Termo de
Ajuste de Conduta –TAC -, que é um compromisso coletivo que esclarece como se dará o
uso das áreas dos assentamentos.
Com relação à titulação da área, no PA a posse é individual enquanto que no PDS a
posse é coletiva e o assentado tem uma Concessão do Direito Real de Uso, ficando a
titulação no nome da União.
No estado de São Paulo, até o momento desta pesquisa, existem 17 assentamentos
denominado PDS, detalhados no quadro abaixo:
Quadro 1– Assentamentos PDS no estado de São Paulo
Municípios Assentamentos Famílias Área Caconde PDS Agroecológico Hugo Mazzilli 25 135,53 Descalvado PDS Comunidade Agrária 21 de Dezembro 40 378,91 PDS Horto Florestal Aurora 80 533,36 Ribeirão Preto PDS da Barra 440 1.548,48 Serra Azul e Serrana
PDS Sepé Tiarajú 79 798
São Carlos PDS Santa Helena 19 98,83 Americana PDS Comuna da Terra Milton Santos 85 103,45 Cajamar PDS São Luiz 37 123,07 Itanhaém PDS Agroecológico 6 153,26 Limeira PDS Elizabeth Teixeira 150 602,87 Iepê PDS Bom Jesus (São Marcos) 37 68,36 São Mateus PDS Boa Esperança (João Ramalho) 40 54,69 Taubaté PDS Olga Benário 63 692,12 Tremembé PDS Manoel Neto 44 378,91 Ubatuba PDS Quilombo Caçandoca 53 210 Apiaí PDS Professor Luiz de David Macedo 86 7.767,22 Eldorado PDS Alves, Teixeira e Pereira 64 3.072,68 Miracatu PDS Ribeirão do Pio 8 406,1 Fonte: INCRA, 2011. Org. Vandei Junqueira Aguiar
Observamos que dos 17 PDS que se encontram no estado, 6 são do tipo Comuna da
Terra (em negrito no quadro 1), são eles: Comuna da Terra Milton Santos em Americana;
São Luiz em Cajamar; Manuel Neto em Taubaté; Olga Benário em Tremembé; O PDS da
37
Barra, onde se localiza a Comuna da Terra Mario Lago, em Ribeirão Preto Sepé Tiarajú em
Serro Azul Serrana.
Em todas estas áreas de PDS houveram, e ainda há, muitas dificuldades em se fazer
a implantação dos assentamentos. Um dos fatores é a assistência, onde os técnicos não estão
preparados para esta modalidade de assentamento, ficando assim um conflito entre os ideais
que as famílias têm e as condições e limites que os técnicos tentam administrar.
Observando o quadro 1, verifica-se o aumento do número de famílias assentadas
em áreas cada vez menores. E nestes dez anos de existência da Comuna da Terra, este
número vem aumentando no estado de São Paulo. É o caso do PDS da Barra que, em
1.548,48 hectares possui 440 famílias assentadas, numa média de 1.5 ha/família, sendo o
maior até o momento em quantidade de famílias assentadas e o terceiro em tamanho de área,
atrás somente do PDS Professor Luiz de David Macedo em Apiaí, com 86 famílias
assentadas em 767,22 ha (aproximadamente 7 ha/família) e do PDS Alves, Teixeira e
Pereira, em Eldorado com 64 famílias assentadas em 3.072,68 ha (aproximadamente 31
ha/família).
No próximo capítulo iremos analisar o caso da Comuna da Terra Mario Lago (PDS
da Barra) em Ribeirão Preto, que é considerada a capital do agronegócio paulista, tentando
observar as relações entre as famílias na proposta da produção e a implantação das políticas
públicas nos assentamentos.
CAPÍTULO 4 - UM PROJETO DE ASSENTAMENTO AGROFLOREST AL: DO
PDS FAZENDA DA BARRA AO ASSENTAMENTO COMUNA DA TERR A MARIO
LAGO, EM RIBEIRÃO PRETO-SP
No processo de luta pela conquista do assentamento Mario Lago, um dos fatores
mais importantes discutidos com o grupo foi a proposta de um assentamento agroecológico
para contrapor-se ao modelo agrícola da região de Ribeirão Preto no qual predomina,
atualmente, o agronegócio sucroalcooleiro, propagando uma agricultura moderna e
mecanizada, que não precisa de pessoas morando no campo. A proposta de contrapor-se ao
agronegócio consistia em trazer famílias da cidade que tinham vontade de voltar para o
campo e levá-las a ocupar os latifúndios de cana.
Desde o começo do acampamento, em 2003, no sitio Braghetto, próximo à BR 330
Anhanguera, o MST - que foi o primeiro movimento a ocupar a Fazenda da Barra – discutiu-
38
se com as famílias um modelo de assentamento diferenciado. Neste assentamento, as
famílias não poderiam fazer queimadas, usar veneno nas plantações, desmatar os resquícios
de mata que restaram na fazenda, pois, devido ao desmatamento que o antigo proprietário
havia feito para aumentar a área de plantio de cana, tinham graves problemas ambientais e
também um passivo de multas. A terra encontrava-se envenenada devido ao insumo
utilizado para o cultivo da cana de açúcar e era preciso recuperá-la. Deveriam também
preservar e reflorestar as áreas de nascente que foram drenadas, pois esta é uma área de
recarga do aquífero Guarani, tendo seu afloramento em vários pontos da área onde hoje se
encontra o assentamento Mario Lago.
A discussão sobre a formação de um assentamento agroflorestal perpassou pelos
sete anos durante os quais as famílias ficaram acampadas. Junto com o Ministério Público
que acompanhava a área há muito tempo, através do promotor Marcelo Goulart, o
Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais, a sociedade civil e os
movimentos sociais, discutiram em diversas audiências no Ministério Público qual seria o
projeto do assentamento mais adequado para a Fazenda da Barra. Em dezembro de 2004, a
Fazenda da Barra foi decretada terra a ser desapropriada para fins de reforma agrária pelo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas somente em 2007 o INCRA iniciou o processo de
discussão com as famílias sobre o projeto de assentamento a ser implantado, tendo o
parcelamento dos lotes ocorrido apenas no fim de 2008.
A demora do processo de assentamento fez com que a dissidência entre famílias
acampadas acirrasse as contradições afloradas pelo desgaste no processo de luta o que
acabou causando, em 2005, um racha que culminou na saída de algumas famílias do
acampamento Mario Lago. Essas foram acampar próximo à porteira da entrada da Fazenda,
ao lado do bairro Ribeirão Verde, levantando a bandeira do outro movimento social, o
Movimento de Libertação dos Sem Terra - MLST.
Nesse período no MLST existiam poucas famílias, mas com o decorrer do tempo
outras famílias chegaram para acampar, fazendo com que aumentasse o acampamento. Em
2006 aconteceu outro conflito interno no acampamento do MLST, dando origem a outros
conflitos. Assim, 56 famílias que não concordavam com o MLST foram acampar em outra
área da fazenda, próximo à Anhanguera, criando o acampamento Índio Galdino, sem
nenhuma filiação com movimentos sociais, ficando assim apelidado como “Bandeira
Branca”.
39
No período entre 2007 e 2009, período do pré assentamento, as famílias que
estavam divididas em três acampamentos já estavam homologadas junto ao referido órgão,
já estavam depositados o apoio inicial e os fomentos, ambos créditos para que os acampados
começassem a se estruturar para produzir nos seus lotes, mas o corte da área não tinha sido
feito e as estruturações das políticas públicas do assentamento estavam sendo realizadas.
Neste período, aconteceram as audiências do Ministério Público para discussão do
projeto do assentamento. Todos os movimentos sentavam juntos com o Promotor do Meio
Ambiente Marcelo Goulart, a sociedade civil e o INCRA, para elaborar juntos o projeto de
assentamento. Tudo que envolvia a comunidade do assentamento era discutido: as áreas a
serem destinadas a cada movimento, o tamanho dos lotes, as estradas, a água, as áreas de
reservas, o transporte escolar, a escola do campo, o posto de saúde, a energia elétrica, etc.
Para que todos os envolvidos no processo de assentamento cumprissem os termos definidos
coletivamente, foi assinado, o pré Termo de Ajuste de Conduta juntamente com o INCRA, a
sociedade civil, o Ministério Público e as famílias assentadas.
Um dos termos mais discutidos nas audiências do Ministério Público foi o tamanho
do lote. O fato da Fazenda da Barra ter várias áreas de nascentes, quatro quilômetros de
divisa com o Rio Pardo que contém uma grande área de várzea (alagada), diversas áreas de
APP em dois córregos que cortam a área, três linhas de alta transmissão de energia que,
juntas somam 61,27 hectares, corredores ecológicos para ligação de uma mata dentre outros,
fazia com que restasse uma parcela de área seca para assentar todas as famílias que estavam
acampadas nos quatro acampamentos.
O tamanho do lote também era influenciado pela área na qual cada acampamento se
localizava. O Mario Lago (MST) ocupava cerca de 70% da área da fazenda, com 264
famílias; o Santos Dias (MLST) ocupava cerca de 25% da área, com 154 famílias e o Índio
Galdino (Bandeira Branca) cerca de 5% da área, com 44 famílias, como podemos observar
na figura 9.
Nos dias atuais, permanecem os quatro assentamentos na Fazenda da Barra. O
assentamento Mario Lago do MST com 264 famílias, o assentamento Santos Dias do MLST
com 85 famílias, o assentamento Índio Galdino, sem filiação a nenhum movimento social
(Bandeira Branca) com 56 famílias e o assentamento Luíza Marri, também sem filiação a
nenhum movimento social (outro assentamento Bandeira Branca) com 59 famílias. Juntos,
os quatro assentamentos somam um total de 464 famílias assentadas na Fazenda da Barra.
(INCRA, 2011)
40
Figura 9: Território dos movimentos
Fonte: Ministério Publico Estadual. Org. Vandei Junqueira, 2011.
4.1 - A DIFICULDADE DA IMPLANTAÇÃO DO PROJETO PDS
A proposta do projeto de assentamento do INCRA para a Fazenda da Barra, como
já dito, era o PDS. O órgão já havia implantado um modelo na região, no assentamento Sepé
Tiarajú, localizado no município de Serra Azul. Esse assentamento foi um dos primeiros
assentamentos de tipo PDS do estado de São Paulo. Segundo o promotor de justiça, Marcelo
Goulart em entrevista concedida em junho 2011, a razão de escolher como modelo um PDS
era
para implementar assentamentos agroecológicos que não só viriam a proteger o meio ambiente, a flora, a fauna, a biodiversidade, os recursos hídricos, mas também para mostrar que existe uma alternativa viável a aquele padrão do agronegócio. [...]”
Ele acrescenta ainda que isso se dava não apenas:
[...] na defesa estrito senso do meio ambiente do Aquífero Guarani, mas também devido a necessidade de se afrontar com o novo modelo de
41
agricultura com um outro padrão de produção. Padrão sustentável do ponto de vista ambiental. Também discursa novas formas de organização na posse do assentamento com a previsão de áreas de exploração coletivas, que se tenha um projeto alternativo de agricultura para mostrar que existe um padrão mais sustentável do ponto de vista ambiental, do ponto de vista social, em relação ao agronegócio baseado na monocultura, no latifúndio, no uso de intensivos agroquímicos e motomecanização, e perca de postos de trabalho no campo, concentração do latifúndio [...]”
Para o INCRA, por sua vez,
O projeto de desenvolvimento sustentável (PDS) é, portanto, uma modalidade de assentamento rural que se diferencia das outras modalidades, por se propor a ser construída através de um processo participativo entre o INCRA, os assentados e outros parceiros locais e regionais em torno de compromissos concretos com o desenvolvimento sustentável. (INCRA, 2011)
Para o MST, o PDS não daria conta das demandas destes novos modelos de
assentamento que o mesmo vinha discutindo, realizados próximos aos grandes centros
urbanos, também denominados “eixos metropolitanos”, onde uma das principais
características é o público alvo que não vem mais do campo. Esse novo modelo de
assentamento é composto de trabalhadores da indústria, do comércio, da construção civil,
domésticas, pessoas que saíram do campo ou filhos de agricultores que foram expulsos do
campo e tentam voltar para uma vida mais tranqüila, próximo à natureza, saindo das favelas
ou periferias das cidades, buscando afastar-se da violência e das drogas. Segundo o
Movimento, o novo público da reforma agrária não se acostumaria a morar em um
assentamento convencional longe da cidade, sem infraestrutura, escola, energia e água
encanada.
Neste sentido, o MST, como já citado no capítulo anterior, vem discutindo a
concepção de Comuna da Terra, que teria mais condições de atrair um público acostumado a
ter as “mordomias” da cidade, morando no campo em lotes menores, devido ao alto valor da
terra próximo às grandes cidades, com uma produção voltada para pequenos animais e
hortifrutigranjeiros, com área coletivas de produção e com agroindústrias. Essa concepção
de assentamento, na visão do Movimento, permitiria ao assentado manter uma renda o ano
todo. Mas, para que isso pudesse ocorrer, os novos modelos de assentamentos
agroecológicos teriam que ter, na sua implantação, as políticas públicas de estruturação
como luz elétrica, água encanada para o consumo das famílias assentadas e a irrigação,
42
moradia, agroindústrias, escola, posto de saúde, transporte escola etc. Só assim, o
assentamento seria viabilizado. Porém, isso nem sempre acontece, como veremos a seguir.
4.2 - PRINCIPAIS DIFICULDADES PARA IMPLANTAÇÃO DOS
ASSENTAMENTOS AGROFLORESTAIS
Existem vários impedimentos à implantação destes modelos de assentamentos. Segundo
Marcelo Goulart (em entrevista concedida em junho 2011),
Há dificuldades em relação ao INCRA, porque é um modelo novo. Então a burocracia do INCRA não está preparada para implantação deste tipo de assentamento. Portanto não existe recurso próprio, por exemplo, no INCRA para atender a produção em área coletiva. Estes financiamentos são feitos individualmente para cada família para a exploração do lote individual. Quando chegamos para exploração do lote coletivo, não existe uma fonte de custeio previsto na lei para propiciar o financiamento desta produção (Marcelo Goulart, entrevista junho 2011).
Segundo Marcelo Goulart as dificuldades de implementações dos assentamentos
agroecológicos são a falta de recurso humano: o INCRA dispõe de poucos técnicos
capacitados para esta nova realidade, há falta de infraestrutura no assentamento como água
potável, estradas adequadas, iluminação, de acompanhamento técnico para produção
agroecológica o que compromete o sucesso da implantação desse novo modelo de produção.
Além disso, a demora por parte do INCRA desanima as famílias acampadas que estão
esperando um pedaço de terra para poder produzir e muitas vezes faz com que elas procurem
outras fontes de renda, que não a produção no lote, para garantir o sustento da família.
Com relação à questão ambiental, tanto as famílias quanto o INCRA não têm uma
visão socioambiental completa do assentamento. Por mais que esteja sensibilizado em
assinar o TAC, o processo de conscientização e formação leva tempo. Todavia, o INCRA
como, instituição responsável pela implantação do projeto, não tem acumulo de experiência
nesta área. Isso fica claro na fala do promotor Marcelo Goulart:
[...] embora em São Paulo a superintendência no INCRA tenha se sensibilizado com a proposta, assinou o TAC […] mas o INCRA não tem enquanto instituição uma visão socioambiental de projeto do assentamento [...] Nós temos que inventar a roda (Marcelo Goulart, entrevista junho 2011).
43
Assim, observamos que há várias dificuldades para implantação dos assentamentos
agroflorestais. O Estado e todos os órgãos responsáveis têm que ser conscientes da criação
dos mesmos e entender que eles são territórios conquistados por meio de muita lutas em
âmbito local, regional, nacional e internacional.
4.3 – PARCELAMENTOS DA ÁREA
Depois de um longo período de discussão entre 2008 e 2009 no Ministério Publico,
contando numerosas contradições entre movimentos e apoiando-se nas normas da lei como
legislação ambiental da área, uma primeira proposta do corte da área foi feita. Nesta
primeira proposta a maioria das áreas de Reserva Legal ficariam na área destinada ao MST,
no acampamento Mario Lago. Portanto, para poder assentar todas as famílias, os lotes
deveriam ser menores.
Diante desta constatação, o MST pediu uma nova audiência junto ao Ministério
Público para propor que a divisão da área de Reserva Legal (RL) fosse proporcional aos três
assentamentos e que o tamanho dos lotes familiares fosse igual para todos. No entanto, para
alcançar esta divisão igualitária, as áreas de Reserva Legal do Índio Galdino e do Santos
Dias teriam que ser aumentadas. O Ministério Público acatou a proposta e pediu que o
INCRA refizesse um novo mapa, garantindo que os três movimentos tivessem uma divisão
igual dos lotes e das áreas a serem reflorestadas. No fim do ano de 2008, uma nova proposta
do corte da área da antiga Fazenda da Barra foi apresentada (ver mapa1).
44
Mapa 1: Mapa do Corte da Área
Fonte: Ministério Publico Estadual, 2008
Podemos observar no mapa 1, a seguinte questão: sendo 1.541.3402 hectares da
área total da Fazenda da Barra, 99.9436 ha seriam áreas de APP; 43.6818 ha seriam áreas de
várzea; 61.2727 ha seriam áreas de linhões de alta transmissão de energia elétrica; 60.5939
ha seriam áreas de estradas; 740.0695 ha seriam áreas de lotes familiares, coletivos de
produção, áreas de comercialização e áreas sociais (INCRA, 2008), O quadro 2, traz a
porcentagem representada destes dados:
Quadro 2- Áreas da Fazenda da Barra
Descrição Área em Hectares Porcentagem -Área total 1.541.3402 100.00%
-APP 99.9436 6.49% -Várzea 43.6818 2.83% -Linhões 61.2727 3.73% -estradas 60.5939 3.93% -lotes9 740.0695 48.01%
Fonte: INCRA 2008. Org. Vandei Junqueira:
9 Incluindo lotes familiares, coletivos de produção, áreas de comercialização, áreas sociais.
45
Em relação às áreas de Reserva Legal demarcadas (ver quadro 3), a Fazenda da
Barra totaliza 539.5065 hectares, sendo 16 áreas de reserva legal no assentamento Mario
Lago totalizando 305.7998 ha, 13 áreas de reserva legal no assentamento Santos Dias
totalizando 122.1635 ha e 9 áreas de reserva legal totalizando 111.5432 ha no assentamento
Índio Galdino (INCRA, 2008).
Quadro 3- Áreas de Reserva Legal
Descrição Área em Hectares Porcentagem Mario Lago 305.7998 19.85% Santos Dias 122.1635 7.92%
Índio Galdino 111.5432 7.23% Fazenda da Barra 539.5065 35.00%
Fonte: INCRA 2008. Org. Vandei Junqueira
Do total dessas áreas de Reserva Legal, 20% são obrigatórios de acordo com a lei e
15% é proposto pelo modelo de assentamento para área de SAF a serem reflorestadas, tendo
uma porcentagem proporcional ao numero de famílias em cada área. A distribuição das áreas
de reserva legal pode ser observada na figura10 e a quantidade de área de reserva por
assentamento no quadro 4:
Figura 10: Áreas de Reservas Legais:
Fonte: Ministério Publico Estadual.
46
Quadro 4- Quantidade de área de reserva por assentamento
Descrição Quantidade de áreas de reserva n° no mapa Mario Lago 16 10-25 + 40 Santos Dias 13 26-39
Índio Galdino 09 01-09 Fonte: INCRA 2008. Org. Vandei Junqueira
Na divisão das áreas disponíveis para assentar as famílias dos três movimentos (ver
quadro 5), as áreas totais dos assentamentos seriam de: 423.50 hectares divididos em 281
lotes, sendo 18 coletivos para o assentamento Mário Lago; 210.06 ha divididos em 162
lotes, dois dos quais coletivos para o assentamento Santos Dias e 79.20 ha divididos em 44
lotes, também dois coletivos para o assentamento Índio Galdino (INCRA, 2008).
Quadro 5 - Áreas de lotes
Descrição Área em hectares Quantidade Mario Lago 423.50 281 (sendo 18 coletivos) Santos Dias 210.06 162 (mais 2 coletivos)
Índio Galdino 79.20 44 (mais 2 coletivos) Fonte: INCRA, 2008. Org. Vandei Junqueira
Neste sentido, podemos observar tanto no mapa 1 quanto nos quadros 2, 3, 4 e 5
que as famílias assentadas terão um desafio muito grande em ter que reflorestar, preservar e
se sustentar em um lote familiar por volta de 1,5 ha.
Para podermos compreender melhor as relações que se dão nestas novas formas de
assentamento faremos um recorte. Ao invés de continuarmos discutindo os PDS da Fazenda
da Barra, passaremos a seguir a tratar do Assentamento Comuna da Terra Mario Lago,
conquistado por meio da luta do MST, com 281 lotes e 264 famílias assentadas em 423,50
ha que representam 19,85% da área da fazenda.
4.4 - ASSENTAMENTO “COMUNA DA TERRA” MARIO LAGO
Uma das principais diretrizes desta nova forma de assentamentos é a de estimular a
aproximação das moradias das famílias, sendo essa proposta fruto do acúmulo que o MST
traz dos assentamentos convencionais, onde as famílias são assentadas em lotes grandes
47
distantes uns dos outros, dificultando o acesso as políticas públicas de direito nos
assentamentos. Para o MST essa organização se daria agrupando as famílias
[...] de acordo coma realidade regional, em povoados, comunidades, agrovilas ou núcleos de moradia. Criando a infra estrutura básica necessária através dos serviços públicos de luz elétrica, acesso a água potável, telefone, posto de saúde, escolas. Buscando construir moradias próximas de maneira organizada para facilitar a instalação de energia elétrica, distribuição de água e saneamento básico, rede de esgoto (MATHEUS, 2003, p. 47).
Delwek Matheus sugere esta infra estrutura para poder atender este público que
vem dos centros urbanos. No caso da Comuna da Terra Mario Lago, em uma pesquisa de
campo feita no mês de maio de 2011 através de aplicação de questionários na área 110 (ver
nos anexos) pôde constatar que 90% das famílias que estão no Mario Lago vieram da cidade.
No que se refere à proximidade das moradias que já havia desde a época de
acampamento quando, em 2005, se distribuíram em toda fazenda, as famílias continuaram
bem próximas umas das outras, com uma distancia em média de 80 metros uma casa da
outra, facilitando assim a implantação da infraestrutura do assentamento, que começou logo
depois do corte da área em 2009.
A primeira necessidade foi a abertura das estradas nas novas formas de distribuição
dos lotes que foram demarcadas pelo corte da área. A abertura das estradas começou na
metade do ano de 2008 e pela lentidão com que foi implantada, chegou a época das chuvas
de novembro sem que o trabalho tivesse sido concluído, sendo necessário interrompe-lo,
tendo o mesmo sido concluído no segundo trimestre de 2009.
No período de 2008, começou também, a discussão para a implantação da rede
elétrica, onde as famílias poderiam opinar em ter o projeto do Governo Federal “Luz Para
Todos” ou a proposta da Companhia Paulista de Força e Luz – CPFL- “Luz Convencional”.
Em todos os casos seria a CPFL que executaria a obra. As famílias do Mario Lago decidiram
em assembléia geral que optariam pelo Programa “Luz Para Todos”, pois tinham mais
benefícios: além da energia; o padrão (medidor), instalação de rede interna nas casas - três
lâmpadas e duas tomadas - e a tarifa rural mais barata do que a da cidade. O Programa
iniciou-se em 2008, mas ainda hoje (setembro/2011) a CPFL não terminou a instalação de
energia elétrica.
10 O INCRA na época da implantação do assentamento dividido o Mario Lago em 4 áreas, para melhor organizar devido ser uma área muito grande, sendo que a área 1 é a maior com 105 famílias e fica localizada mais próxima da cidade fazendo divisa com o bairro Pedra Branca, Jardins das Palmeiras, Residencial Portinari
48
Neste período também foram liberados os créditos do apoio inicial, ao qual toda
família assentada tem direito logo após que seu nome foi selecionado para ser beneficiário
da Reforma Agrária. O primeiro crédito, que corresponde ao fomento no valor de R$
2.400,00, é para o assentado comprar alimento e ferramentas para trabalhar no lote. O
segundo, chamado de apoio inicial, é um credito no valor de R$ 3.200,00 e destina-se à
compra de estrutura para começar uma pequena produção no lote.
No final do ano de 2009, foi parcialmente liberado o crédito para habitação. Na
época estava ocorrendo uma atualização no valor que estava muito defasado: o crédito, que
no período era de R$ 7.000,00 e seria ajustado para R$ 15.000,00 um valor que também não
é suficiente para fazer uma casa para morar uma família com a média de 3 pessoas. Como as
famílias do Mario Lago acessaram este crédito neste período de transição, só receberam R$
7.000,00, tendo a alegação do INCRA que o restante deveria entrar na sua lei orçamental
para o próximo período, o que não aconteceu até hoje. As famílias começaram as casas e não
puderam acabar, como podemos ver na figura 11, onde o pai e o filho estão construindo uma
casa para a família, pois não daria para pagar mão de obra. Nos dias de hoje, a maioria das
casas estão incompletas, com exceção de algumas onde o assentado investiu recurso próprio
para ter onde morar.
Figura 11: Construção de moradia no Mario Lago.
Foto: Vandei Junqueira
e o Bairro Flamboyan.
49
Outro ponto polêmico com relação à infra estrutura é a questão da água e
saneamento básico. Pelo fato do assentamento Mario Lago estar localizado em uma área de
recarga do Aquífero Guarani, os assentados não podem cavar poços cacimbas ou artesiano,
pois uma das normas para que a área fosse um assentamento era a preservação da área de
recarga do Aquífero.
Desde o surgimento do assentamento o abastecimento de água é feito por um
caminhão pipa do DAERP. Esta norma causou muita polêmica entre os assentados, pois nos
longos meses de seca do ano o tema da água é sempre pautado, tendo a intervenção do
Ministério Público como mediador dos conflitos, com várias audiências onde os assentados
pressionavam o INCRA para que providenciasse as perfurações dos seis poços artesianos
que haviam sido prometidos no projeto do assentamento e instalasse a rede de distribuição
de água em todos os lotes do assentamento. Ocorreram várias audiências no Ministério
Público Estadual em Ribeirão Preto com a participação dos movimentos sociais, sociedade
civil, DAEE, INCRA e Associação Pau Brasil. Chegou-se ao acordo de que o DAEE faria o
projeto dos poços e da rede de distribuição e o INCRA viabilizaria a implantação do projeto
no prazo de seis meses que venceram no dia 31 de dezembro de 2010. Neste período o
INCRA perfurou três poços os quais, somados ao que ele perfurou no começo do corte da
área, totalizam quatro poços.
No ano de 2010, o INCRA colocou as caixas e a bomba nos poços e lacrou-os,
deixando as famílias sem água. Vê-se que este tema é muito polêmico, tem suas origens no
começo do assentamento e ainda se perpetua nos dias atuais. E as questões da produção e
consumo, que só são possíveis através da água, ainda não foram resolvidas.
4.5 - QUESTÃO AMBIENTAL
As Comunas da Terra possuem um desafio a ser enfrentado, em especial no Caso
da Comuna da Terra Mario Lago, devido ao processo de conquista desta área. Foi uma área
conquistada devido ao seu passivo ambiental, o antigo proprietário ao não cumprir as
normas na lei vigente, desmatando áreas de reserva legal averbadas, drenando as áreas de
várzeas próximas ao Rio Pardo e contaminando o solo com defensivos químicos na
implantação da monocultura da cana-de-açúcar, recebeu várias multas.
Neste sentido, o assentamento Comuna da Terra Mario Lago já nasce com um
50
compromisso intrínseco em preservar e recuperar as áreas de reservas, sendo que o
compromisso feito é que 20% é obrigatório e 15% de área Reserva Legal, para áreas de
produção coletiva com manejo sustentado na forma agroflorestal (Sistemas Agroflorestais -
SAFs). Esse compromisso foi aprovado pelo órgão ambiental estadual competente, nos
termos do art. 16, § 2° do Código Florestal.
Para atender ao acordado, o MST em parceria com a EMBRAPA começou uma
experiência de SAF escola no Centro de Formação Dom Hélder Câmara, que está localizado
no espaço da Antiga sede da Fazenda da Barra. Esta experiencia foi implantada em
dezembro de 2010 onde reuniu um numero significativo de famílias, na maioria mulheres,
querendo saber como produzir nas áreas de SAF. A experiencia foi implantada em uma área
de 2500 metros quadrados com linhas de frutíferas (jaboticaba, figo, mamão, bananeira,
abacaxi, goiaba) e intercalando com linhas de árvores nativas da região, e entre-linhas de
espaçamento de 4 metros e 9 metros para plantio de culturas anuais (milho, batata, feijão,
etc) no período de dois anos, enquanto as árvores estão se formando, ocorrendo depois a
coleta de frutos. Esta é uma primeira proposta para reflorestamento das áreas de SAF do
Assentamento Comuna da Terra Mario Lago.
4.6 - A PROPOSTA DA PRODUÇÃO NA COMUNA DA TERRA MARIO LAGO
A produção de alimentos no Assentamento Comuna da Terra Mario Lago, tem
inicio desde o acampamento em 2005 quando as famílias se distribuíram pela fazenda, cada
uma ocupando uma área de 30m por 300m, onde era possível plantar seus alimentos de
forma agroecológica, sem o uso de fogo e de veneno, procurando formas alternativas de
combate de pragas e doenças nas plantas, como o uso urina de vaca, gergelin ou de cinza do
fogão para o combate a formigas, calda bordalesa para o combate às pragas. Plantava-se
feijão guandu, mucuna preta, lambe-lambe e mamona como adubação verde e para
descompactar o solo.
O MST vem trabalhando com as famílias com a ideia da implantação de SAF, com
bastante diversificação na produção com frutíferas exóticas ou nativas para o
aproveitamento de frutos e sementes para fazer artesanato e para o melhor aproveitamento
da área, podendo ter produção ao logo de todo o ano. Mesmo sem o apoio técnico por parte
do INCRA para a produção, as famílias estão produzindo pensando no consumo e para a
produção de alimentos para as criações de animais de pequeno e médio porte, como porco,
51
galinha, cavalo, vaca e outros. Isso pensando também em ter um excedente para venda para
obtenção de uma renda.
Observamos em pesquisa feita que 75% das pessoas entrevistadas plantam milho
sem o uso de agrotóxico. O milho também é usado para ver se a terra está com falta de
calcário: quando o milho fica amarelo e não consegue se desenvolver ficando pequeno
significa que a terra está acida, com falta de calcário e matéria orgânica. Também são
plantados mandioca 70%, bananeiras 60% e legumes variados 60% .
No ano de 2011 os assentados começaram acessar o credito Programa Nacional de
Financiamento da Agricultura Familiar - PRONAF. Este projeto tem o valor de 20 mil reais
e é para a estruturação do lote para a produção, como cerca do lote, irrigação, preparo da
terra para o plantio, compra de mudas, de insumos, e de animais. Como na Comuna da Terra
os lotes são menores que os assentamentos convencionais, este credito está sendo usado na
produção de Hortifrutigranjeiros, pensando em diversificar entre a produção de hortaliças,
legumes, verduras e tubérculos, frutas nativas e exóticas e também na criação de pequenos
animais como galinha, codorna, coelho, pato, ganso, peixe. Também ficou definido no TAC
que se poderia criar uma vaca por família, tudo isso pensando em diversificar a produção
para ter renda o ano todo e beneficiar os alimentos para agregar valor.
Outra característica da Comuna é a necessidade de se organizar em Cooperativa
para poder ter uma maior autonomia de compra ou na comercialização dos produtos para
acessar projetos para escoamento da produção. Como acontece atualmente no Mario Lago, a
maior parte da produção é entregue para a Cooperativa que por sua vez a entrega ao projeto
do Projeto de Aquisição de Alimento – PAA - do Governo Federal. Este projeto consiste em
adquirir alimento da agricultura familiar pela Companhia Nacional de Abastecimento –
CONAB - a ser entregue pelos próprios assentados às entidades, creches, hospitais, igrejas,
asilos dentre outros, fazendo com que o assentado possa ter uma renda mínima, pois cada
família cadastrada tem uma cota de R$ 4.500,00/ano. Pela proximidade do assentamento
com a cidade (ver figura 12) outra forma de comercialização é a venda direta nos bairros
próximos, onde o assentado usando transportes alternativos como bicicleta, carroça, carrinho
de mão, leva sua produção e vende de porta em porta.
52
Figura 12: Foto aérea dos Assentamentos na Fazenda da Barra 2010
Foto: Christine Bugnon
Também há na entrada do assentamento o começo de uma estrutura de um barracão
que é um antigo projeto que o MST vem discutindo com as famílias para comercializar sua
produção sem sair do assentamento: o cliente ou atravessador teria que se locomover para
comprar e conhecer como está sendo produzido o alimento comercializado.
Na proposta da Comuna da Terra, além da proposta da produção no lote como
forma de renda incentiva, as famílias podem desenvolver outras formas para complementar a
renda familiar como marcenaria, artesanato, oficinas ou prestação de serviços pontuais ou
mesmo trabalhando na cidade vendendo sua força de trabalho por um período para o
complemento da renda. No Mario Lago estas iniciativas vem desde a época do
acampamento, onde as pessoas saiam para fazer trabalhos na cidade para poder se manter no
acampamento. Nos dias de hoje, observa-se a existência de várias pessoas que trabalham na
cidade, no geral os homens saem para trabalhar e as mulheres ficam cuidando dos lotes.
Outras formas de renda que estão surgindo são provenientes da abertura de
comércio no assentamento como bar, mercearia, venda de caldo de cana e pastéis na própria
casa, pamonha, galinha, porco etc. Por outro lado, muitas famílias têm ajuda dos parentes
que ficaram na cidade, como doação de roupas, alimentos, ou também ao virem morar no
assentamento alguns assentados alugaram suas casas na cidade para ajudar nas despesas do
53
lote, pois como já citado, os recursos provenientes do Estado e das instituições não são
suficientes para atender as necessidades da família.
Assim, cada assentamento tem suas particularidades tanto na produção quanto na
sua estruturação. Eles são frações de territórios que antes eram territórios do agronegócio.
Sem a ajuda do MST e de outros movimentos sociais a Reforma Agrária não seria colocada
em pauta. É necessário que a população e toda a gama de políticos tenham esse debate como
transformador não só na questão fundiária, mas nas questões sociais.
54
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve como objetivo analisar a proposta de Comuna da terra enquanto
projeto político de um movimento social, o MST. Começando por um pequeno resumo da
historia deste movimento e suas contradições, a conquista do Mario Lago e o retorno destas
famílias ao campo.
Também observamos os diversos aspectos no processo de concretização dessa
proposta, a forma de uso e ocupação da área, a organicidade do acampamento/assentamento
tanto na questão da produção, comercialização e na questão ambiental.
Essa pesquisa permitiu um melhor entendimento da concepção da comuna da terra
como novo projeto de assentamento visando um público diferenciado.
A conquista do assentamento Mario Lago com a proposta da Comuna da Terra
reacendeu o debate com o modelo produtivo do agronegócio baseado no monocultivo, neste
caso estudado, o da cana de açúcar. Essa proposta ofereceu oportunidade de retorno ao
campo para um público urbano sem perspectivas futuras.
Este estudo mostrou que, no assentamento Mario Lago, estas famílias foram
sensibilizadas a importância da produção agroecológica e preservação ambiental.
Para compreender a organicidade do acampamento/assentamento foi preciso
entender o público que o compõe e sua forma de organização. Nesses anos de luta, a
organização das famílias, principalmente pelo seu vinculo com a cidade, deu a base para este
modelo diferenciado de assentamento.
No caso do Mario Lago, a proposta da Comuna da Terra, pela sua proximidade
geográfica com a cidade permite aos assentados realizar trabalhos na cidade permanecendo
no assentamento. Alem destes trabalhos urbanos, observamos várias experiências de renda
dentro do assentamento como mercearias, bares, restaurantes, beneficiamento da cana de
açúcar para produção de rapadura etc.
55
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A CIDADE, 06.nov.2004. A TRIBUNA, 22. set. 2004. BRASIL. Decreto n°251, de 29 de dezembro de 2004. Declaro de interesse social, para fins de reforma agrária, os imóveis rurais que menciona, e dá outras providencias. Diário oficial da União. Brasília, 2004. CASTRO, Luiz Beltrame de. Sonha com a terra. São Paulo, 2002. CONCRAB (Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil). Parceria com o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Caderno de Cooperação Agrícola N° 11. “A constituição e o desenvolvimento de formas coletivas de organização e gestão do trabalho em assentamentos de reforma agrária” . São Paulo, 2004. INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). A Modalidade de assentamento “Projeto de desenvolvimento sustentável” (PDS). Escritório Regional. Ribeirão Preto, 2011. GOLDFARB, Yamila. A luta pela terra entre o campo e a cidade: as Comunas da Terra do MST, sua gestação, principais atores e desafios. 2007. 91 f. Dissertação (mestrado) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - Departamento de geografia. Universidade de São Paulo – USP. São Paulo, 2007. Disponível em: <www.teses.usp.br/teses/.../TESE_YAMILA_GOLDFARB_PARTE_I.pdf> e < www.teses.usp.br/teses/.../TESE_YAMILA_GOLDFARB_PARTE_II.pdf>. Acesso em: 25 set. 2010 FERNANDES, Bernardo Mançano. MST (Movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra). Formação e territorialização em São Paulo. / Bernardo Mançano Fernandes. - 2. ed. São Paulo : Hucitec, 1999. FOLHA DE SÃO PAULO, 27.out.2004. LOWY, Michael. Método dialético e teoria política / Michael Lowy; tradução de Reginaldo Di Piero. -2. ed. - Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1978. MENDONÇA, Sonia Regina. A questão agrária no Brasil: a classe dominante agrária – natureza e comportamento 1964-1990 / Sonia Regina Mendonça ; João Pedro Stédile (org.) --1.ed.--São Paulo : Expressão Popular, 2006. Ministério público do estado de São Paulo. Laudo de Vistoria. Fazenda da Barra. Ribeirão Preto, 2000. Ministério público do estado de São Paulo. Termo de audiência. Fazenda da Barra. Ribeirão Preto, 2000. Ministério público do estado de São Paulo. Portaria n°2/201-IC/MA . Inquérito civil
56
N°003.1.003.7/01. Degradação de vegetação da área de reserva legal da Fazenda da Barra. Ribeirão Preto, 2001. Ministério público do estado de São Paulo. Termo de arquivamento. Inquérito civil n°805/2008. Regularização ambiental de assentamento da reforma agrária. Ribeirão Preto, 2011. Ministério público do estado de São Paulo. Termo de compromisso de ajustamento de conduta. Fazenda da Barra. Ribeirão Preto, 2010. Ministério do desenvolvimento agrário. Governo do estado de São Paulo. Convenio INCRA/ITESP. Relatório agronômico de fiscalização Fazenda da Barra. São Paulo, 2000. MORISSAWA, Mitsue. A História da luta pela terra e o MST / Mitsue Morissawa. - São Paulo : Expressão Popular, 2001. PERENCIN, Claudia Maria Ferreira. A urbanização em área de recarga de arquífero em Ribeirão Preto-SP. Ribeirão Preto, 1997. RIOS Helena Galrão. Rural x Urbano. Perspectivas e antagonismos decorrentes da localização das Comunas da Terra do MST na Região Metropolitana de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAUUSP, 2007. STÉDILE, João Pedro, A questão agrária hoje – 3.ed. / organizado por João Pedro Stédile. - Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 2002. STÉDILE, João Pedro. A questão agrária no Brasil: Programas de reforma agrária 1946-2003 / João Pedro Stédile (org) ; Douglas Estevam (assistente de pesquisa) –1. ed. – São Paulo : Expressão Popular, 2005. SILVA , José Graziano da.O desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro e a reforma agrária. UFRGS, 2002. WALKER, Thomas. “Dos coronéis à metrópole”, fios e tramas da sociedade e da política em Ribeirão Preto no século XX / Thomas Walker e Agnaldo de Sousa Barbosa. – Ribeirão Preto, SP : Palavra Mágica, 2000.
ANEXOS
1- Auto de Vistoria e constatação
2- Ação Civil Publica