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Câmpus de Presidente Prudente Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado) Convênio: UNESP/INCRA/Pronera Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA NO ASSENTAMENTO MARIO LAGO (PDS FAZENDA DA BARRA) EM RIBEIRÃO PRETO - SP VANDEI JUNQUEIRA AGUIAR Monografia apresentada ao Curso Especial de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia. Orientadora: Prof. Dr. Valeria de Marcos Monitora: Lara Cardoso Dalperio Presidente Prudente 2011

PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA NO ASSENTAMENTO MARIO … · 3.3 - O PDS como alternativa para assentamentos agroecológicos 35 CAPÍTULO 4 - UM PROJETO DE ASSENTAMENTO AGROFLORESTAL:

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Page 1: PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA NO ASSENTAMENTO MARIO … · 3.3 - O PDS como alternativa para assentamentos agroecológicos 35 CAPÍTULO 4 - UM PROJETO DE ASSENTAMENTO AGROFLORESTAL:

Câmpus de Presidente Prudente Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado)

Convênio: UNESP/INCRA/Pronera

Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes

PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA NO ASSENTAMENTO

MARIO LAGO (PDS FAZENDA DA BARRA)

EM RIBEIRÃO PRETO - SP

VANDEI JUNQUEIRA AGUIAR

Monografia apresentada ao Curso Especial de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia.

Orientadora: Prof. Dr. Valeria de Marcos

Monitora: Lara Cardoso Dalperio

Presidente Prudente

2011

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PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA NO ASSENTAMENTO

MARIO LAGO (PDS FAZENDA DA BARRA)

EM RIBEIRÃO PRETO - SP

VANDEI JUNQUEIRA AGUIAR

Trabalho de monografia apresentado ao Conselho do curso de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, campus de Presidente Prudente da Universidade Estadual Paulista, para obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia.

Orientadora: Prof. Dr. Valeria de Marcos

Presidente Prudente

2011

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VANDEI JUNQUEIRA AGUIAR

PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA NO ASSENTAMENTO

MARIO LAGO (PDS FAZENDA DA BARRA)

EM RIBEIRÃO PRETO - SP

Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Bacharel em Geografia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, submetida à aprovação da banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Presidente Prudente, novembro de 2011

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AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a meu pai Josué Alves e minha mãe Maria da

Conceição, por tudo que eles fizeram por mim e por eu esta aqui hoje. Ao movimento MST

pela luta e dedicação para com seus militantes que estão sempre em processo de formação.

Em particular ao MST de Ribeirão Preto por ter me indicado para este curso e aos

companheiros da regional que contribuíram nesta jornada.

A ENFF pelo apoio e contribuição nestes cinco anos do curso CGEO e a todos os

professores do curso CGEO, em especial Antônio Tomas Junior e ao Bernardo Mançano

Fernandes pelos seus respectivos desempenhos e dedicação nesta jornada.

Agradeço a todos os colegas da turma Milton Santos pelo carinho e companheirismo

nestes cinco anos de convivência, juntamente com todos da equipe de monitoria do curso

CGEO, em especial a Luciana e a Lara que me cobravam resultados intensamente.

Agradeço em especial a minha orientadora Valeria de Marcos que aceitou esta tarefa

de orientação nesta pesquisa, com toda sua paciência, muita atenção e carinho com as minhas

dificuldades e exigindo o máximo da minha capacidade intelectual.

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Brasil diferente

Eu quero um Brasil para todos

Quero um Brasil diferente

Quero um Brasil com justiça

Com os homens conscientes

Quero um Brasil com paz e amor

E que viva independente.

Eu quero o Brasil com tudo

Com saúde e educação

Eu quero a liberdade

Pra toda a população

Um Brasil onde os sem terra

Tenham um pedaço de chão.

É assim que eu quero um Brasil

Vivendo com paz e amor

Porque Deus nos deu a terra

E nada ele nos cobrou

Pois a terra é da nação

De todo o trabalhador.

Quero o Brasil com Reforma Agrária

Porque é a solução

O Brasil vivendo livre

Do latifúndio ladrão

Quero que todo o sem terra

Tenha onde ganhar o pão.

Luiz Beltrame de Castro

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RESUMO

Este trabalho de pesquisa analisa o processo de conquista territorial do

Assentamento Comuna da Terra Mario Lago, localizado no município de Ribeirão Preto –

SP, realizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Nosso intuito é

o de compreender o surgimento do MST e seu crescimento no estado de São Paulo,

destacando como ocorreu sua chegada na região e o processo de organização da luta que

levou à desapropriação de uma área, onde existiam vários processos de multas por passivo

ambiental cometido pela sua antiga proprietária devido à exploração da área para a produção

da monocultura da cana-de-açúcar. Vale destacar a importância desse fato uma vez que o

local onde hoje está situado o PDS da Barra, subdividido nos assentamentos Índio Galdino

(Bandeira Branca), Santos Dias (MLST) e o pioneiro e com maior expressão a Comuna da

Terra Mario Lago (MST), na antiga Fazenda da Barra, é área de recarga do Aquífero

Guarani. Busca-se também entender como se deu a conquista da posse da área e a proposta

do MST em construir novos assentamentos Agroflorestais com a concepção da Comuna da

Terra e os desafios na produção agroecológica, na expectativa de que as famílias envolvidas

possam produzir alimentos para sua subsistência e poder tirar uma renda com o excedente da

produção.

ABSTRACT

This monograph analyzes the territorial conquest process of the Settlement

Commune of Earth Mario Lago, localized in the municipality of Ribeirão Preto - SP realized

by the Landless Workers' Movement - MST. Our aim is to understand the MST' s emergence

and its growing in the São Paulo state, highlighting how its arrival in the region occurred

and its fight organization process which led to an area's expropriation, where various

process for environmental fines had been committed by the old owner, due to the area's

exploration for the sugar cane's mono culture's production. It is worth mentioning the

importance of this fact since the area where, today, the Barra's PDS' settlements Indio

Galdino, Santos Dias and the pioneer Commune of Earth Mario Lago, are situated, in the

old Barra's Farm, is a recharge area of the Guarani's Aquifer.One also seeks to understand

how the conquest of the area's ownership took place and the MST proposal to build new

agroforestry settlements with a Commune of Earth conception as well as the challenges of

an agro-ecological production. Thus, allowing the farmers' families involved to produce

aliments for their own subsistence as well as being able to get a rent with the production's

excess .

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ÍNDICE DE MAPAS MAPA 1: Mapa do Corte da Área 44

ÍNDICE DE QUADROS Quadro 1– Assentamentos PDS no estado de São Paulo 36 Quadro 2- Áreas da Fazenda da Barra 44 Quadro 3- Áreas de Reserva Legal 45 Quadro 4- Quantidade de área de reserva por assentamento 46 Quadro 5-Áreas de lotes 46

ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 – Localização da Fazenda da Barra 18 Figura 2 – Fazenda da Barra 1984 19 Figura 3 – Proposta do corte da área 1996 20 Figura 4 – Fazenda da Barra 2000 21 Figura 5 - Ocupação do Sítio Braghetto 23 Figura 6 - Área ocupada da Fazenda da Barra 26 Figura 7 - Reunião da coordenação geral no Acampamento Mário Lago 28 Figura 8 - Assembléia Geral do Acampamento Mario Lago 28 Figura 9 - Território dos movimentos 40 Figura 10 - Áreas de Reservas Legais: 45 Figura 11 - Construção de moradia no Mario Lago. 48 Figura 12 - Foto aérea dos Assentamentos na Fazenda da Barra 2010 52

LISTA DE SIGLAS APP – Área de Preservação Permanente BR 330 – Rodovia Federal Brasileira CEBs – Comunidades Eclesiais de Base CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CPFL – Companhia Paulista de Força e Luz CPT – Comissão Pastoral da Terra CUT – Central Única dos Trabalhadores DAEE – Departamento de Água e Esgoto Estadual DAERP – Departamento de Água e esgoto Ribeirão Preto DEPRN - Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais EMPBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária FCT – Faculdade de Ciências e Tecnologia FEPASA – Ferrovia Paulista SA FHC – Fernando Henrique Cardoso IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária MLST – Movimento de Libertação dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MPE – Ministério Público Estadual MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

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PA – Projeto Assentamento PAA – Projeto de Aquisição de Alimento PDA – Projeto de Desenvolvimento do Assentamento PDS – Projeto Desenvolvimento Sustentável PU – Projeto Utilização RL – Reserva Legal SAFs – Sistema Agroflorestais SIPRA - Sistema de Informação de Projetos de Reforma Agrária TAC – Termo de Ajustamento de Conduta UDR – União Democrática Ruralista

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO 1: UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA FORMAÇÃO DO MST

12

1.1 - Formação do MST em São Paulo 14

CAPITULO 2: O PROCESSO DE CONQUISTA DO TERRITÓRIO DO ASSENTAMENTO “MÁRIO LAGO” E SUA ORGANIZAÇÃO INTERNA

18

2.1 - Passivos ambientais da Fazenda da Barra (1983 – 2004) 18

2.2 - Acampamento Mário Lago 22

CAPÍTULO 3: AS NOVAS PROPOSTAS AGROFLORESTAIS DE ASSENTAMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO

30

3.1 - A Proposta da Comuna da Terra 30

3.2 - os elementos fundamentais da proposta 32

3.3 - O PDS como alternativa para assentamentos agroecológicos 35

CAPÍTULO 4 - UM PROJETO DE ASSENTAMENTO AGROFLOREST AL: DO PDS FAZENDA DA BARRA AO ASSENTAMENTO COMUNA DA TERRA MARIO LAGO, EM RIBEIRÃO PRETO-SP.

37

4.1 - A dificuldade da implantação do Projeto PDS 40

4.2 – As principais dificuldades para implantação dos assentamentos agroflorestais 42

4.3 - Parcelamentos da área 43

4.4 - Assentamento “Comuna da Terra” Mario Lago 46

4.5 - Questão ambiental 49

4.6 - A proposta da produção na Comuna da Terra Mario Lago 50

CONSIDERAÇÕES FINAIS 54

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 55

ANEXOS 57

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INTRODUÇÃO:

A questão do desenvolvimento rural vem sendo discutida por diferentes agências e

agentes governamentais e não governamentais, que direcionam os debates para a

convergência entre as questões agrícola, agrária e ambiental. Nesta abordagem, a

conservação e a recomposição dos recursos naturais são consideradas tão importantes quanto

a produção camponesa.

No Brasil, esta perspectiva tem colocado os assentamentos de reforma agrária como

territórios importantes para a implantação de projetos agroecológicos, baseados na

sustentabilidade agroambiental. O presente estudo do assentamento Comuna da Terra Mario

Lago, localizado na Fazenda da Barra, em Ribeirão Preto, região nordeste do estado de São

Paulo, revela que a implantação de projetos agroflorestais faz com que se levante o debate

com relação ao modelo de produção na região.

Confrontando as diferentes concepções de assentamentos do MST e das propostas

implantadas pelo Estado, objetivamos compreender no que consiste a sustentabilidade

ambiental, renda familiar e os novos modelos de assentamentos para o estado de São Paulo.

O modelo de desenvolvimento da agricultura na região nordeste do estado de São

Paulo, especialmente aquele baseado na Revolução Verde implantado a partir dos anos de

1970, configura-se como um exemplo vivo das transformações colocadas pelo processo de

modernização da agricultura brasileira. A mecanização, o uso de insumos industrializados, a

crescente utilização de agrotóxicos e a exploração do trabalho por meio do assalariamento

ou de trabalho degradante são características desse modelo. A implantação de tal modelo

teve como consequência, de um lado o desenvolvimento de uma agricultura de alto valor

comercial, sobretudo nas atividades dos complexos agroindustriais da cana-de-açúcar e da

laranja e, de outro lado, sérios problemas do ponto de vista social e ambiental.

A região de Ribeirão Preto1, situada no interior do estado de São Paulo, traz uma

trajetória de ocupação vinculada diretamente ao setor sucroalcooleiro, que atualmente passa

por um processo de mudança na forma de produzir, caracterizado pela intensa mecanização

do plantio e corte da cana-de-açúcar. A região historicamente apresenta-se como pólo de

atração de força de trabalho nas épocas de safra da cana-de-açúcar, o que intensifica as

1 Esta região compreende 104 municípios. Nela os serviços, atendimento médico e hospitalar especializados,

órgãos federais e de justiça são centralizados na cidade pólo que é Ribeirão Preto. As principais cidades desta região são: Ribeirão Preto, Jaboticabal, Franca e Sertãozinho.

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situações de desemprego e ocupação tanto no campo como na cidade no período de

entressafras.

Esses aspectos refletem a ideologia dominante na região, que são transmitidas

através de propagandas de empresas agrícolas com frases do tipo “Agronegócio: sua vida

depende dele!” ou “e se não fosse à cana?”. Assim, ao mesmo tempo em que cresce o

endeusamento da cana e as estratégias de manutenção do controle político da região

(reproduzido e disseminado pela mídia), cresce a depreciação do trabalhador.

Neste contexto, o enfrentamento entre os trabalhadores e o agronegócio foi

conformando novas frações de territórios, entre os quais se encontra o Assentamento PDS da

Barra, sendo formado por três assentamentos distintos, o Índio Galdino, o Santos Dias

ligado ao MLST e o mais antigo deles, que começou a luta pela conquista da Fazenda da

Barra, o assentamento Comuna da Terra Mário Lago, o único assentamento do MST

localizado no município de Ribeirão Preto, organizado segundo a construção coletiva da

proposta de Comuna da Terra.

Para que seja possível compreender como se deu a chegada do MST na região,

como ocorreu o processo de luta que culminou na conquista do assentamento e quais são os

desafios postos para o assentamento inserido no meio de um canavial, dividimos o presente

trabalho em quatro capítulos. No primeiro capítulo realizamos uma discussão acerca da

formação do MST no Brasil, no estado de São Paulo e na região de Ribeirão Preto, situando

o quadro que propiciou a luta e a conquista do assentamento Mário Lago. O segundo

capítulo compreende a luta e a conquista do assentamento Mário Lago, discutindo a proposta

de organização em Comuna da Terra. No terceiro capítulo discutimos de um ponto de vista

teórico, a proposta da Comuna da Terra e do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS)

e o seu desenrolar na área de estudo. Por fim, o quarto capítulo trata do processo de

implantação do assentamento Comuna da Terra Mario Lago e das discussões da atualidade

do assentamento, a produção e as políticas públicas conquistadas por meio da luta dos

assentados.

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CAPÍTULO 1: UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA FORMAÇÃO DO MST

De acordo com Fernandes e Stedile (2005) a história do Brasil é marcada pela luta

dos camponeses em diferentes épocas e locais. O campesinato brasileiro sempre foi uma

classe de resistência a todas as formas de opressão e de exploração da classe trabalhadora.

Ao longo do tempo, vivenciamos diversas formas de organizações camponesas, as quais, de

acordo com os fatos históricos, demonstram as resistências do campesinato à perda da terra e

de seu meio de vida. Podemos citar aqui o Contestado, Canudos, as Ligas Camponesas,

entre outros.

O golpe militar de 1964 e a ditadura que o seguiu interromperam os processos de

luta e de organizações sociais no campo. No entanto, a tensão existente entre camponeses

sem-terra e o latifúndio persistiu. Esta tensão foi sendo agravada pelo processo de

“modernização” da agricultura, que impôs um novo modelo de produção, principalmente

após a segunda guerra mundial, que preconizava uma agricultura extremamente dependente

da indústria, que ficou conhecido como Revolução Verde.

A introdução deste modelo terminou por expulsar do campo milhares de famílias de

camponeses, seja pela sua mecanização ou pelo amplo uso de insumos químicos que

igualmente reduziam o trabalho (gerando o desemprego). A resistência a esse modelo

culminou em um processo de abertura política, momento histórico ilustrado por Kelli

Maforte, dirigente estadual do MST de SP, em entrevista concedida em junho de 2011 para

fins de conclusão do presente trabalho. Segundo ela:

A abertura política foi possível por conta de um forte processo de mobilização popular bem como um desgaste político econômico do regime militar. No campo o Brasil tinha vivido os anos ditatoriais (1964-1980), uma espécie de “modernização conservadora” (conceito de Guilherme Delgado), ou seja, o campo passou por um inicio de transformação com a substituição do latifúndio improdutivo pra fazendas produtivas, através do uso de técnicas agrícolas do pacote da revolução verde. Deste processo é decorrente do expressivo êxodo rural que vivemos neste período. No entanto, essa modernização foi conservadora, pois não alterou a extrema concentração fundiária existente no Brasil. É importante lembrar que a modernização conservadora da ditadura militar derrotou a proposta de reforma agrária que era uma demanda latente dos movimentos sociais, das Ligas Camponesas, do Partido Comunista Brasileiro etc., nas décadas de 1950 e 1960. (Entrevista com Kelli Maforte, 2011).

As lutas que culminaram na queda do regime militar, foram sendo organizadas no

campo e na cidade. Entre elas, muitas ocupações de terras e conflitos fundiários tão diversos

quanto à expansão do capitalismo no campo brasileiro.

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O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST - é fruto dessas lutas, e

aprendeu com essas a necessidade de organizar-se nacionalmente, mantendo espaços

coletivos de decisões e encaminhamentos, unificando também as formas de lutas, princípios,

objetivos e símbolos (hino, bandeira, palavras de ordem). De acordo com Fernandes (1989):

Mesmo com a repressão às formas de organização camponesas pelo regime militar, a luta pela terra continuou em todo o território nacional. Um fator essencial que contribuiu para o desenvolvimento e crescimento da luta foi a participação da Igreja Católica, por meio da Comissão Pastoral da Terra. A CPT foi a articuladora das diferentes experiências que construíram uma nova realidade no campo. Durante o regime militar, as Comunidades Eclesiais de Base foram os espaços de socialização política que permitiram a recriação da organização camponesa. (FERNANDES, 1989, p. 41)

Este apoio possibilitou a luta dos camponeses a avançar para a construção de um

movimento massivo e de escala nacional. A esse respeito, FERNANDES (1989, p. 42),

quando se refere à gênese do MST, relata que esta

[...] aconteceu no interior dessas lutas de resistência dos trabalhadores contra a expropriação, a expulsão e o trabalho assalariado. O Movimento começou a ser formado no Centro – Sul, desde 7 de setembro de 1979, quando aconteceu a ocupação da gleba Macali, em Ronda Alta no Rio Grande do Sul. Essa foi uma das ações que resultaram na gestação do MST. Muitas outras ações dos trabalhadores sem-terra, que aconteceram nos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, fazem parte da gênese e contribuíram para a formação do Movimento. Assim, a sua gênese não pode ser compreendida por um momento ou por uma ação, mas por um conjunto de momentos e um conjunto de ações que duraram um período de pelo menos quatro anos.

Conforme esta reflexão, analisamos que a espacialização do MST ocorreu num

processo histórico e dialético, que sem duvida nenhuma foi protagonizado pela luta dos

camponeses. Todavia, o marco de sua fundação foi o 1o. Encontro Nacional, realizado em

janeiro de 1985 na cidade de Cascavel no Paraná, onde ele firma-se como um movimento

nacional com caráter sindical, popular e político e com três objetivos fundamentais: a luta

pela terra, pela reforma agrária e pela transformação da sociedade.

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1.1 - FORMAÇÃO DO MST EM SÃO PAULO

De acordo com FERNANDES, o desenvolvimento capitalista no estado de São

Paulo, também promoveu a desterritorialização do camponês. A exemplo do que ocorria em

outras regiões brasileiras, a CPT teve papel relevante na organização dos camponeses, fato

este que culminou na formação do MST no estado de São Paulo:

Ainda em 1984, a partir da articulação dos movimentos no estado, coordenada pela CPT, algumas lideranças dessas lutas (Andradina, Sumaré e Pontal) participaram da fundação do MST na cidade de Cascavel-PR, em janeiro desse ano. Em maio, os trabalhadores realizam em Andradina o Primeiro Encontro Estadual da Luta pela Terra. A partir desse Encontro, o processo de articulação das lutas tornou-se o processo de organização do MST no estado de São Paulo, com a participação de lideranças das lutas de Andradina, Pontal, Sumaré e Vale do Ribeira. Em novembro, a CPT promove uma assembléia para a preparação do I Congresso Nacional do MST, (realizado em Curitiba no mês de janeiro de 1985) e, também para o IV Congresso Nacional da CONTAG (realizado em maio de 1985), em Brasília. (FERNANDES, 1994, p. 90)

Assim, no estado de São Paulo a história agrária não é diferente de outros estados

brasileiros, inclusive a articulação para o Primeiro Encontro Nacional dos Camponeses. Para

entender essa luta e o surgimento do MST no estado de São Paulo é necessário tratar, ainda

que brevemente, da ocupação da Fazenda Primavera em Andradina, da conquista da Fazenda

Pirituba em Itapeva/Itaberá, do Pontal do Paranapanema e do retorno ao campo em Sumaré.

Segundo Fernandes (1993), a Fazenda Primavera, localizada na região de

Andradina, no oeste do estado de São Paulo possui 9.385 ha. Como muitas outras da região,

tratava-se de terra grilada. Nesta Fazenda viviam muitas famílias de agricultores que

arrendavam a terra do grileiro e produziam algumas culturas, como o algodão. Mesmo

recebendo a renda da terra dos agricultores, o grileiro começou trazendo gado do Mato

Grosso para engordar nesta área. Sem cercar uma área específica para o gado, este logo

começou a destruir a lavoura dos camponeses que, como resposta, passou a recusar o

pagamento do arrendamento. Em represália o grileiro, para cobrar dos devedores, colocou os

jagunços para queimar as casas e assassinar os trabalhadores que ali viviam (Fernandes,

1993).

Diante desta situação instalou-se ali um conflito entre o grileiro e os agricultores.

Em 1979 o conflito ainda encontrava-se sem solução. Neste período a CPT tinha uma forte

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organização de trabalhadores em outros estados e, segundo Morissawa (2001), juntou-se

nesta luta organizando os trabalhadores e orientando-os a “exigirem junto ao INCRA

desapropriação da fazenda” (Morissawa, 2001, p. 133).

No ano seguinte, o presidente General Figueiredo assinou o decreto de

desapropriação da Fazenda Primavera. Os agricultores, mesmo morando ali depois de

décadas, permaneceram mais de dois anos até que fosse feito o assentamento. A experiência

da Fazenda Primavera levou à formação do MST no oeste do estado de São Paulo.

No mesmo período, na região sudoeste paulista também já estavam ocorrendo

ocupações de terras organizadas inicialmente com um grupo de 300 famílias de meeiros e

trabalhadores bóia frias que tinham sido despejados pela polícia militar e jagunços

contratados pelos fazendeiros. Segundo Morissawa (2001) a área “foi ocupada três vezes na

década de 1980 e seus 17500 hectares pertenciam ao governo do estado, que os havia

arrendado a grandes fazendeiros” (Morissawa, 2001, p. 133).

Em 1983, o governador Franco Montoro nomeou para a Secretaria da Agricultura

do Estado de São Paulo José Gomes da Silva. A partir disso foi implantado um projeto de

regularização das terras do estado. Naquele mesmo ano, os posseiros voltaram a ocupar a

Pirituba e foram despejados uma semana depois. Porém, a tentativa do governo em amenizar

o conflito fracassou devido aos interesses políticos e econômicos da área. Segundo

Morissawa:

No ano seguinte, em 1984 os sem terra ocuparam novamente a área e os arrendatários não conseguiram judicialmente expulsar os sem terras partindo para violência e contratando jagunços para expulsar à força os sem terra. “O governo, para evitar o agravamento da situação, retomou a área e deu início ao processo de assentamento. Foi a primeira vitória dos Sem-terra no estado nos anos de 1980.” (MORISSAWA, 2001, p. 134).

“As ocupações continuaram ocorrendo em outras áreas da Fazenda e, no fim da

década de 90, ali havia cinco assentamentos e um pré assentamento.” (MORISSAWA, 2001,

p. 134).

Ao mesmo tempo, ainda em meados da década de 1980, no Pontal do

Paranapanema constatou-se, a partir de um estudo realizado pelo Instituto de Terras do

Estado de São Paulo – ITESP -, pelo Departamento de Regularização Fundiária - DRF - e

pela Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania que mais de um milhão de hectares de

terras devolutas encontravam-se localizadas na região do Pontal, dominadas por grileiros e

posseiros. Diante desse contexto, desencadearam-se diversas ocupações de terras na região,

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reivindicando sua distribuição às famílias, com um histórico de muitos assassinatos e

conflitos na disputa por um pedaço de terra que perdura nos dias atuais.

Nessa região, mais especificamente no município de Teodoro Sampaio, em 1983, de

acordo com Fernandes, 350 famílias ocuparam a Fazenda Tucano e Rosanela, com apoio

apenas de alguns religiosos e parlamentares. Logo em seguida foram despejados e

permaneceram acampados na beira da rodovia aguardando uma decisão do Governo do

Estado. Com as ocupações feitas pelos sem-terra e os conflitos aumentando no Pontal do

Paranapanema, em 1984 o governo fez as primeiras desapropriações que somaram uma área

de 15 mil hectares, assentando cerca de 460 famílias, conforme Fernandes (1999).

Estas conquistas fizeram com que os latifundiários e grileiros da região se unissem e

criassem a União Democrática Ruralista - UDR - com o intuito de contrapor o avanço da

luta dos camponeses. Todavia, o que ocorreu foi o aumento dos conflitos nesta região, mas

os camponeses seguiram se especializando no Pontal. Segundo Fernandes (1999, p. 158), o

[...] processo de espacialização e territorialização da luta pela terra promoveram o aumento do numero de ocupação no estado de São Paulo. Em 1995, a região do Pontal do Paranapanema era uma das principais áreas de conflitos fundiários do país, onde aconteceu o maior número de ocupações de terra.

Outra região referência para o processo de luta pela terra no estado de São Paulo é a

região de Sumaré. Ali, nas décadas de 1970 e 1980 houve um processo considerável de

industrialização, responsável pelas expulsões de muitas famílias do campo em busca de seu

sustento na cidade. Muitas famílias encontraram sérias dificuldades e não conseguiram

adaptar-se à realidade urbana pela falta de emprego. Dessa forma, tiveram a necessidade de

fazer o movimento contrário, buscando o retorno ao campo.

Em 1983, organizados pelas Comunidades Eclesiais de Base - CEBs - braço da

Igreja Católica, algumas famílias, na maior parte homens, ocuparam uma usina de cana em

Araraquara que tinha perdido sua terra penhorada pelo Estado, tendo sido expulsas pelos

jagunços. Este grupo saiu da usina, mas foi para um Horto Florestal pertencente à Empresa

Ferroviária Estatal - FEPASA. Todavia, para diminuir tensões, o Governo do Estado propôs

outra área desta mesma empresa para ser distribuída às famílias. Na sequência das

negociações as famílias conquistaram uma área de 137 ha em Sumaré, que constitui

atualmente o Assentamento Sumaré I.

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As lutas prosseguiram em diversas regiões do Estado de São Paulo e a partir de

encontros, reuniões e outras atividades realizadas em âmbito estadual, foram gerando o

embrião de um movimento organizado. Segundo Morissawa (2001, p. 134), no

[...] período de 1990-1999, o MST organizou ocupações em diversos municípios: Andradina, Getulina, Pradópolis, Tremembé, Iperó, Castilho, Iaras, Itapetininga e Porto Feliz; sem contar as reocupações da Pirituba em Itapeva- Itaberá.

Em 1998 o MST chega à região nordeste de São Paulo, com a ocupação do Horto

Boa Sorte no município de Restinga, próximo à cidade de Franca, onde hoje existe o

Assentamento 17 de Abril. Após um ano o MST abriu uma Secretaria Regional na Cidade,

com o objetivo de iniciar a integração campo - cidade.

Neste mesmo ano realizou a ocupação numa Fazenda do município de Matão,

constituindo o Acampamento Dom Hélder Câmara, onde existia a promessa de assentamento

por parte do ITESP. Esta promessa não foi concretizada e parte do acampamento deslocou-

se para a ocupação da Fazenda Santa Clara, entre os Municípios de Serrana e de Serra Azul,

região de Ribeirão Preto, onde hoje se encontra o Assentamento Sepé Tiarajú, com 80

famílias assentadas (DATALUTA, 2011).

A luta do Movimento na região continuou avançando após a conquista do

Assentamento Sepé Tiarajú. Em novembro de 2002 foi firmada uma parceria entre o

movimento e a Arquidiocese de Ribeirão Preto para utilização do Sitio Pau D´alho, o que

possibilitou a criação do Centro de Formação Sócio Agrícola “Dom Hélder Câmara”.

Em Maio de 2003, o MST inaugurou em Ribeirão Preto a loja Sabor do Campo,

com produtos da Reforma Agrária, produzidos em diversas regiões do país. A loja passou a

ser uma referência da Reforma Agrária na cidade, divulgando alguns de seus resultados

concretos. Após várias discussões entre campo e cidade, por ser uma região onde é aplicado

um modelo agrícola agroexportador, onde os pequenos agricultores não se enquadram neste

modelo, surge a necessidade da realização da Reforma Agrária na cidade de Ribeirão Preto

e, com o trabalho de base que estava sendo realizado em Ribeirão e na região e com o apoio

da Igreja católica, sociedade civil e sindicatos, o MST concretiza a luta pela terra em

Ribeirão Preto com a criação o Acampamento Mário Lago, sobre o qual falaremos a seguir.

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CAPITULO 2: O PROCESSO DE CONQUISTA DO TERRITÓRIO D O

ASSENTAMENTO “MÁRIO LAGO” E SUA ORGANIZAÇÃO INTERNA

Neste capítulo procuraremos resumidamente analisar o processo de cinco anos de

luta do acampamento Mario Lago e sua organização interna, com suas táticas e estratégias

para a conquista da Fazenda da Barra e a implantação do assentamento Comuna da Terra.

Para isso, é importante entender os processos judiciais relativos aos passivos ambientais

contra o antigo proprietário, a entidade Sinhá Junqueira o que, associados à luta do MST na

área, possibilitaram a desapropriação para fins de Reforma Agrária da Fazenda da Barra.

2.1 - PASSIVOS AMBIENTAIS DA FAZENDA DA BARRA (1983 – 2004)

A área ocupada pela fazenda localiza-se geograficamente sobre uma área de recarga

do Aquífero Guarani, constituída por solo permeável (Arenito Botucatu) e, portanto, de

rápida absorção da água das chuvas, o que facilita o aumento do nível de água no lençol

freático. Possui cerca de 1.540 hectares e está numa área próxima à Rodovia Anhanguera,

como demonstra a figura abaixo:

Figura 1: Localização da Fazenda da Barra

Fonte: Ministério Público Estadual

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A propriedade pertencia à Fundação Sinhá Junqueira e era arrendada para a

plantação de cana-de-açúcar pela Usina da Pedra. No ano de 1984, como se pode notar na

figura 2, a fazenda ainda conservava os 20% de reserva legal previsto em lei.

Figura 2: Fazenda da Barra 1984

Fonte: Ministério Publico Estadual

Nesse período, a área de reserva preservada correspondia a mais de 300 ha (MP).

Entretanto, o projeto dos arrendatários consistia na expansão da área de plantio de cana, o

que impulsionou um grande desmatamento. Observando o desmatamento, o Departamento

Estadual de Proteção de Recursos Naturais - DPRN - iniciou a abertura de inquéritos civis

para investigação de danos ambientais na Fazenda da Barra, com foco no desmatamento

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realizado nas áreas de reserva legal, nas Áreas de preservação Permanente – APP - e na

drenagem das áreas de várzea do Rio Pardo para a produção da monocultura.

A partir dos laudos de vistoria realizados, foi aberta uma ação civil pública em

1993, que constatou as irregularidades ambientais da área investigada e aplicou seguidas

multas pelos passivos ambientais. Pela Constituição Federal de 1988, a propriedade em

função das irregularidades constatadas, era passível de desapropriação para fins de reforma

agrária. Diante disso, alguns membros do poder público e da sociedade civil se organizaram

a fim de construir um projeto para área com uma utilização que garantisse o cumprimento da

função social da propriedade.

Nesse contexto, em 1996, a arquiteta Cláudia Maria Ferreira Perencin (na época

estudante de arquitetura na Faculdade Moura Lacerda), fez seu trabalho de conclusão de

curso com o titulo “A urbanização em área de recarga de aquífero em Ribeirão Preto-SP”,

propondo outra utilização para a Fazenda da Barra, um assentamento para 260 famílias que

garantisse a recuperação das áreas de reservas desmatadas, conforme a figura 3.

Figura 3: Proposta do corte da área 1996

Fonte: Cláudia Maria Ferreira Perencin

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Nos anos de 1999 e 2000 o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -

INCRA, vistoriou a Fazenda e a classificou como “grande propriedade improdutiva”. O

processo de desapropriação foi iniciado em 09 de outubro de 2000. No mesmo ano foi

indeferido um recurso encaminhado contra este processo. Em 28 de março de 2002 o

INCRA–SP enviou para Brasília o decreto de desapropriação para ser publicado. O então

superintendente nacional do INCRA, Rolf Rackbart, decidiu pela realização de uma nova

vistoria na Fazenda da Barra e o processo retornou a São Paulo (MINISTÉRIO PUBLICO

ESTADUAL, 2003).

Desde 1993, a propriedade vinha respondendo a ações judiciais por danos

ambientais, como afirmou o Promotor Marcelo Pedroso Goulart (Ministério Público

Estadual) ao Jornal A CIDADE de 05 de outubro de 2003: “São quatro inquéritos civis em

andamento e duas ações civis tramitando. O último inquérito civil foi aberto em 12 de abril

de 2000 para investigar o impedimento de regeneração natural de reserva legal”. A figura 4,

quando comparada à figura 2, permite visualizar o desmatamento ocorrido.

Figura 4: Fazenda da Barra 2000

Fonte: Ministério Publico Estadual

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Em 2003, laudos ambientais feitos pelo Departamento de Água e Energia Elétrica -

DAEE, Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais - DEPRN, Instituto

Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e pelo

Ministério Público Estadual que afirmavam

[...] que a propriedade estava parcialmente abandonada, que havia plantação de soja e cana em áreas de preservação permanente, como nas margens do Rio Pardo. O laudo aponta ainda que a exploração agrícola de uma área irregularmente desmatada, que correspondia à reserva legal, representa um risco constante de contaminação do Aquífero Guarani. ‘O risco de contaminação é potencialmente maior se considerarmos o modelo de produção das culturas agrícolas que vêm sendo plantadas na área (cana, soja e amendoim) que se caracterizam pelo uso intensivo de agrotóxicos’ afirma o laudo. (FOLHA DE SÃO PAULO, 27.out.2004.)

O valor total estimado pelo Ministério Público do passivo ambiental da Fazenda

ultrapassa 7 bilhões de reais (MPE). Nesse contexto, em agosto de 2003 o MST se propõe a

organizar famílias na região para ocupar a Fazenda da Barra.

2.2 - ACAMPAMENTO MÁRIO LAGO

Em 2 de agosto de 2003 foi formado o primeiro acampamento em Ribeirão Preto,

com 400 famílias vindas da região de Ribeirão Preto, Franca, Araraquara, e vizinhanças

(MST, 2011. Sd). Estas famílias foram convidadas pelo setor de frente de massa do MST

para montar um acampamento ao lado da Fazenda da Barra, que se denominou

Acampamento Mario Lago. Tinha como principal objetivo pressionar o Governo Federal

através do INCRA para a desapropriação da área vizinha à Fazenda da Barra, a fim de

realizar um assentamento de Reforma Agrária. Essas ações do MST aconteceram para

denunciar as irregularidades da área, reivindicando sua desapropriação para fins de reforma

agrária.

O Acampamento “Mário Lago” do qual falaremos mais concretamente enquanto

objeto da nossa pesquisa, foi inicialmente formado por 400 famílias que participaram do

trabalho de base2 feito pelo MST - (Setor Frente de Massa3) na cidade de Ribeirão Preto/SP

e região. Desde sua primeira ocupação, o acampamento já passou por várias mudanças.

2Trabalho de base é o nome utilizado pelo MST e por outros movimentos sociais para denominar as atividades de conscientização e mobilização de famílias para a formação dos acampamentos e realização da luta pela reforma agrária. 3Setor do MST responsável pelo trabalho de base.

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Essa estratégia de ação de montar o acampamento fora da área pretendida para

desapropriação, como foi o caso do acampamento Mario Lago - que se deu a partir da

ocupação do sitio Braghetto (Figura 5), ao lado da Fazenda da Barra, é utilizada pelo MST

em resposta à Medida Provisória nº 2.027-38, editada em maio de 2000, durante o governo

FHC, que impede a vistoria em terras ocupadas e sua desapropriação para fins de Reforma

Agrária no período de dois anos, podendo esse prazo ser prorrogado, no caso de reincidência

na ocupação.

Essa Medida Provisória - MP - foi instituída como tentativa de desmobilizar os

movimentos sociais do campo e impedir que fossem realizadas as ações de ocupações de

terras. Os movimentos, no entanto, passaram a ocupar as rodovias e áreas próximas às áreas

desejadas, indicando sempre, quando se iniciam as ações de desocupação, em qual área

gostariam de ser assentados, como o que ocorreu no Sítio Braghetto (MST, 2003. Sd).

Figura 5: Ocupação do Sítio Braghetto

Fonte: Ministério Público Estadual, 2003

Em 18 de agosto de 2003, as famílias conquistaram o cadastramento4 do INCRA,

passando a ter o direito à reivindicação de cestas básicas pelo Programa Fome Zero (do

4O cadastramento é feito quando ocorre uma ocupação de terra, como neste caso, ou quando já vai haver um assentamento de reforma agrária.

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Governo Federal) e ao lote, quando a fazenda fosse loteada, para a implementação do

assentamento. Nesta mesma semana, os advogados de Baldim, proprietário do sitio

Braghetto, ingressaram com um pedido de reintegração de posse da área. O juiz Alcides

Leopoldo e Silva Júnior concedeu a liminar, porém a suspendeu em seguida, a pedido do

Ministério Público de Ribeirão Preto.

Em audiência de conciliação, a direção regional do MST assinou um acordo

comprometendo-se a desocupar o Sítio até 10 de dezembro de 2003, pois o Movimento

estava reivindicando a Fazenda da Barra que era vizinha do Sitio Braghetto .

O Sítio Braghetto, propriedade com cerca de 29 hectares, foi escolhido para a

ocupação por já possuir um histórico de elevadas dívidas fiscais:

Baldim [engenheiro agrônomo, proprietário do Sítio [Braghetto] estima que as dívidas fiscais do sítio (R$400 mil só com o INSS) superam R$1,5 milhão. Ele já parcelou os débitos com o INSS e faz o mesmo com a Fazenda Estadual e a Prefeitura Municipal – o sítio está classificado como área urbana e só de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) deve mais de R$150 mil. Por causa desse passivo fiscal o sítio, então penhorado, chegou a ir a leilão em 12 de julho, mas não apareceram interessados. Antes de a justiça marcar o segundo leilão, o novo dono parcelou as dívidas e sustou o processo de venda. (A CIDADE, 11 set. 2003)

Ao aproximar-se da data de desocupação, parte das famílias acampadas ocuparam o

Parque “Maurílio Biagi” (espaço público de lazer, localizado próximo à Câmara Municipal),

com o objetivo de pressionar o poder público local para que dispusesse de um outro local

para a instalação provisória do acampamento. A Prefeitura Municipal ofereceu uma área

próxima à Estrada do Piripau, a 18 km do Centro da cidade e, posteriormente, acordou com

o MST na utilização de um local no Parque dos Flamboyans (bairro residencial localizado na

zona leste da cidade de Ribeirão Preto) reservado para a construção de uma praça pública.

(MST, 2004. Sd)

Muitas foram as dificuldades encontradas pelos acampados no Parque dos

Flamboyans: o espaço era pequeno para o grande número de pessoas – cerca de 400 famílias

-, e as condições estruturais eram precárias. A isso somava-se a insatisfação dos moradores

do bairro quanto à instalação do acampamento no local. Estes fatores contribuíram para o

esvaziamento do acampamento com as desistências das famílias.

Em março de 2004, as famílias decidiram ocupar uma estrada que corta a Fazenda

da Barra. A Prefeitura de Ribeirão Preto dizia que a estrada pertencia ao município enquanto

os advogados da Fazenda sustentavam que a área integrava a propriedade. Devido à ordem

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de reintegração de posse e sua execução pela Polícia Militar, o Acampamento “Mário Lago”

sofreu uma nova mudança, agora para um terreno de 10 mil metros quadrados vizinho à

Fazenda da Barra e pertencente a um advogado que cedeu o local para a acomodação das

famílias (MST, 2004. Sd).

Neste processo de ocupação e desocupação, o acampamento continuou sofrendo um

esvaziamento no número de pessoas que foram desistindo frente às dificuldades encontradas.

No dia 20 de julho de 2004, com cerca de 200 famílias, ocorreu a primeira ocupação da

Fazenda da Barra. Porém, em

[...] 23 de julho, uma decisão judicial concedeu à Empresa proprietária reintegração de posse e deu às 200 famílias (cerca de 420 pessoas) três dias para deixar o local. Apesar disso, os sem-terra ficaram na área. No dia 29 de julho, os sem-terra voltaram para [...] o terreno particular (A TRIBUNA, 22. set. 2004.)

Em 21 de setembro de 2004 aproximadamente 117 famílias ocuparam novamente a

Fazenda da Barra. “O Sem Terra foram motivados pela decisão da 5ª Vara de Justiça Federal

de São Paulo que indeferiu o agravo interposto pela Robeca Participações LTDA,

proprietária da Fazenda, contra o laudo do INCRA que considerou a Fazenda improdutiva”

(A TRIBUNA, 22. set. 2004.). A unidade estadual decidiu o oposto, ou seja, recusou-se a

realizar nova vistoria. O processo tem encaminhamento em Brasília já no Governo de Luís

Inácio Lula da Silva. Em setembro de 2004, como já citado anteriormente, a 5ª Vara de

Justiça Federal do Estado de São Paulo indeferiu o agravo interposto contra o laudo do

INCRA.

Em outubro do mesmo ano, os advogados e donos da Fazenda encaminharam uma

petição ao STF (Supremo Tribunal Federal) para notificar judicialmente o Presidente da

República, o Ministro do Desenvolvimento Agrário Miguel Rosseto e o Presidente do

INCRA Rolf Rackbart, a cumprirem a Medida Provisória nº 2.027-38 e não desapropriarem

a Fazenda por estar ocupada, senão estariam descumprindo a lei. No mesmo mês, o MST foi

notificado sobre a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que determinou a

desocupação da área e a reintegração de posse, sem data para ser cumprida. O Jornal A

Cidade retratou o caso como segue, dando voz a um acampado do movimento:

Não há condições de fazer a reintegração, o povo daqui espera que o Presidente da República baixe o decreto de desapropriação porquê os laudos comprovam que não existe alternativa para esta área improdutiva e que tem elevado passivo ambiental. Se a Constituição for cumprida o

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destino da Fazenda da Barra é a desapropriação. [...] O Acampamento é grande, tem 14 km de área que já foi ocupada por todas as famílias dentro da Fazenda. Transformamos a área em uma grande agrovila, onde cada família plantou em torno de 1 ha de terra [...]” (A CIDADE, 06.nov.2004).

A figura 6 refere-se a esse momento de contestação da terra por meio da ocupação.

Os pontos brancos são os barracos das famílias acampadas.

Figura 6: Área ocupada da Fazenda da Barra

Fonte: Ministério Público Estadual 2004

Em 2005 o Acampamento “Mário Lago” chegou a ter 600 famílias acampadas

(MST. Sd), organizadas internamente em 21 núcleos de base e 8 setores5, responsáveis por

dar unidade e encaminhamento às diversas atividades, além de serem os responsáveis pela

organização interna do acampamento. A intenção do MST em organizar os acampamentos

dessa forma é democratizar as informações e formações das famílias e incentivar a

5Núcleos e setores são formas de organização do trabalho nos diversos espaços do MST. Os setores consistem numa divisão a partir da necessidade interna em desempenhar algumas atividades em diferentes âmbitos como segurança, esporte, cultura, produção, entre outros. Ou seja, forma em que o Movimento divide os grupos de famílias para melhor organizá-las.

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participação das mesmas nas discussões cotidianas do acampamento. Esta organização

interna atende ao princípio da direção coletiva do MST e à sua organicidade6.

Cada núcleo recebeu o nome de um lutador do povo, no intuito de reforçar a mística

do MST de recordar a vida e a história de luta de homens e mulheres como Paulo Freire,

Zumbi dos Palmares, Dandara, Salete Strozake, Oziel Alves, entre outros. Além disso,

possui dois coordenadores, sendo um homem e uma mulher, moradores do próprio núcleo.

As famílias se reúnem semanalmente em seus respectivos núcleos para discutir os assuntos

trazidos da reunião da Coordenação Geral, discutir os problemas internos e também para

estudos de formação política.

Os setores também possuem, dois representantes de cada núcleo, um homem e uma

mulher. O Acampamento é organizado em oito setores: educação; finanças; saúde e higiene;

segurança; produção; gênero e formação; ciranda; esporte, cultura e lazer. Cada setor realiza

reuniões semanais com seus integrantes para propor e planejar as atividades e levantar as

demandas para o desenvolvimento dos trabalhos. No MST, estes setores também existem

nas instâncias regional, estadual e nacional, e são os responsáveis por pensar programas e

projetos acerca dos mais variados assuntos.

O setor de formação está vinculado ao setor de gênero, a fim de contribuir com sua

estruturação e dar andamento às suas atividades. A maioria dos setores promove estudos a

respeito de diferentes assuntos, o que os configura também enquanto espaços de formação7.

Porém, a característica atribuída na constituição do Setor de Formação é a de fomentar o

debate político e capacitar a base e as lideranças para a discussão de seus projetos com a

sociedade.

A Coordenação Geral do acampamento Mario Lago é formada por todos os

coordenadores e coordenadoras de todos os núcleos e setores. São realizadas reuniões

quinzenais (figura 7), sempre às segundas-feiras, na sede da antiga fazenda. Esse é o espaço

onde se deliberam as atividades, discutem propostas, problemas e a conjuntura do

acampamento e passam-se os informes dos diversos núcleos e setores para Direção

Regional.

6Organicidade é uma palavra usada pelo MST para designar a relação entre núcleos de base com os setores, com as direções, etc. 7Nas instâncias estaduais e nacional existem várias publicações do MST ou em parceria com outras organizações que são materiais para a formação das bases e lideranças do Movimento.

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Figura 7: Reunião da coordenação geral no Acampamento Mário Lago

Fonte: Arquivo MST, 2005

Também acontecem as Assembléias Gerais (figura 8) onde todas as famílias são

convidadas a participar. O objetivo, na maioria das vezes, é decidir sobre algum assunto

urgente que possivelmente já passou pelas várias instâncias do Acampamento e aguardar a

opinião da maioria. Acontecem também quando há alguma mudança na conjuntura política

do assentamento.

Figura 8: Assembléia Geral do Acampamento Mario Lago

Fonte:Arquivo MST, 2005

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Observa-se a organicidade do Acampamento Mario Lago, que foi de fundamental

importância para a consolidação do mesmo. Essa coletividade no acampamento ajudou a

manter 5 anos de luta intensa, com várias marchas e ocupações de órgãos públicos em

Ribeirão Preto, para a reivindicação dos direitos destas famílias que permaneciam

acampadas em baixo de barracos de lona preta para ter direito a um pedaço de terra para

poder trabalhar.

Para a implantação de assentamentos, o tamanho médio dos lotes na região de

Ribeirão Preto é de 12 hectares. Desta forma, caberiam cerca de 150 famílias (ITESP, 2003)

no assentamento a ser criado. Como a Fazenda da Barra é muito valorizada por estar

localizada dentro da cidade de Ribeirão Preto, fazendo divisa com três bairros urbanos, a

saber, Ribeirão Verde, Portinari e Parque dos Flamboyans, o escoamento da produção é

facilitado, reduzindo o valor frete. Neste sentido, a coordenação do MST vem discutindo

uma outra concepção de assentamento que é a proposta da Comuna da Terra, pensado para

ser realizado em assentamentos próximos às áreas urbanas, como é o caso do assentamento

que viria a formar-se com a desapropriação da Fazenda da Barra e de outras áreas na Região

Metropolitana de São Paulo.

De acordo com essa proposta, justamente a proximidade da área urbana, ao facilitar

o escoamento da produção, possibilita que os lotes tenham tamanhos menores, em torno de 2

a 3 hectares, o que torna possível assentar mais pessoas em menos área. No caso em questão,

ao invés das 150 famílias caso fossem mantidos os 12 ha médios da região de Ribeirão

Preto, seria possível assentar aproximadamente 260 famílias, proposta que o Movimento

vem discutindo para as novas formas de assentamentos no estado de São Paulo.

Com admissão de posse da área no ano de 2007 iniciam uma série de reuniões entre

as famílias acampadas no Mário Lago para discutir o modelo de assentamento, baseadas nos

debates sobre as novas propostas de projeto de assentamento que vinham sendo discutidas

pelo MST no estado de São Paulo. Neste sentido, foi feita uma rodada de núcleo8 em que

foram levantados os principais elementos das famílias para com relação ao modelo do

assentamento. Ao final foi elaborado um documento sintetizando as idéias das famílias.

Em 2008, o INCRA começou o processo de implantação na Fazenda da Barra,

fazendo reuniões com as famílias e trazendo o debate da proposta do Projeto de

Desenvolvimento Sustentável - PDS, um projeto desenvolvido para a reservas extrativistas

8Reuniões feitas em todos os núcleos de base para que todas as famílias possam democraticamente discutir temas relevante a vida do acampamento ou assentamento.

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na Amazônia que seria readequado para a realidade aqui do estado. Com essas reuniões o

INCRA começou elaborar o projeto de assentamento da Fazenda da Barra.

No próximo capítulo faremos o recorte territorial do estado de São Paulo para

entender as novas propostas dos assentamentos agroecológicos, compreendo a concepção da

Comuna da Terra, elaborada pelo MST, dentro dos assentamentos PDS do estado de São

Paulo.

CAPITULO 3: AS NOVAS PROPOSTAS AGROFLORESTAIS DE ASSENTAMENTOS NO

ESTADO DE SÃO PAULO

Neste capitulo veremos duas novas formas de propostas para os assentamentos

rurais que estão acontecendo no estado de São Paulo. A primeira, a Comuna da Terra, é

somente uma concepção de assentamento desenvolvida pelo MST para assentamentos

próximos aos centros urbanos, como Campinas, Vale do Paraíba, Ribeirão Preto e a Grande

São Paulo. A segunda, o PDS, proposto pelo INCRA para as novas áreas próximas aos

centros urbanos, fruto de sua preocupação com o passivo ambiental e com a possibilidade de

assentar mais famílias, devido aos altos valores das terras nestas regiões.

3.1: A PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA

A discussão no estado de São Paulo, por parte do MST, com relação à Comuna da

Terra surgiu no final da década de 1990 e inicio de 2000, no momento em que o debate

sobre a Reforma Agrária e, principalmente, sobre a concepção da Reforma Agrária Clássica

não mais se colocava como pertinente. Para Delwek Matheus, dirigente do MST, neste

período no Brasil com o avanço da política neoliberal no campo, o debate que ocorria

referia-se a qual concepção da reforma agrária seria adotada para a conjuntura brasileira.

Tendo em vista que o agronegócio, já baseado nas políticas neoliberais, colocava em questão

que não era preciso realizar a reforma agrária porque com essa nova reestruturação

neoliberal modernizou-se a agricultura brasileira. Nessa compreensão os latifúndios

improdutivos, com essa modernização, deixam de ser improdutivos para transformarem-se

em terras produtivas.

No governo FHC o então assessor do ministro Fernando Henrique Cardoso,

Francisco Graziano, vai dizer que ¨O Brasil não precisa de reforma agrária” (Stédile, 2002).

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Segundo Delwek Matheus, um dos fatores para a não realização da Reforma Agrária dita por

Graziano seria falta de público que estivesse vinculado com essa causa:

[...] Porque não tem mais publico para a reforma agrária. Aqui no Brasil, principalmente aqui no estado de São Paulo, não tem mais camponês para fazer a reforma agrária. A população já está toda na cidade, a classe trabalhadora, os trabalhadores já estão na cidade e não estão mais reivindicando a reforma agrária. Não tem publico para a reforma agrária. Então logo, a chamada reforma agrária clássica que é para desenvolver o capitalismo não há necessidade mais para o capitalismo. O capitalismo não tem mais esta necessidade da reforma agrária e logo, também, o Estado não tem interesse em fazer a reforma agrária porque o estado funciona com os interesses capitalistas. (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011)

Dada esta conjuntura o MST discute estas perspectivas de não ter reforma agrária

capitalista ou reforma agrária socialista, concluindo pela necessidade de pensar numa nova

forma de concepção da reforma agrária. Neste momento, surge o debate da Comuna da Terra

dentro desse debate sobre a Reforma Agrária. Não seria somente a simples distribuição de

terras, mas também um

[...] conjunto de medidas necessárias que consigam alcançar seus objetivos. Esse conjunto de mudanças representa a criação de um novo modelo agrário e agrícola que garanta desenvolvimento econômico, político, social e cultural para toda a população do campo e que também beneficie a população urbana. (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011)

Já havia um processo de organização de trabalhadores da cidade para fazer

ocupação de terra, principalmente na Grande São Paulo, onde começou o debate, e também

no centro da cidade de São Paulo, com a Igreja organizando os moradores de rua. A Igreja

estava organizando grupos de trabalhadores para lutar pela reforma agrária no interior do

estado, principalmente em Andradina, Iaras.

De acordo com Delwek Matheus (entrevista janeiro 2011), neste período o MST

fazia uma discussão sobre cidade/campo. Estas discussões eram para organizar o público

urbano para ir fazer ocupação de terra no Pontal, em Andradina, em Promissão. Neste

sentido muitas famílias foram organizadas nas cidades grandes como São Paulo e demais

pertencentes à Grande São Paulo, Sorocaba, Campinas e foram para os assentamentos que

no geral ficam longe de onde estas famílias moravam. Isso fazia com que muitas famílias

não fossem para as ocupações, porque eram muito longe de suas áreas de origem.

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As famílias vão criando raízes na cidade, muitas delas residiam há cerca de 20 anos

na cidade quando foram para as ocupações. Assim, morar em barracos, deixar parte de suas

famílias, que também moram na cidade, seus amigos é difícil, elas não querem sair da cidade

para ir para longe. Alguns membros da família que foram acampar, acabaram voltando e

muitos nem vão para os acampamentos para não deixar sua realidade. O trabalho de base

que tem sido feito nas grandes cidades do estado de São Paulo começa a perceber este

problema. Então, o debate surge desta realidade que estava dada e o Movimento começa a

discutir a estratégia para este novo público da Reforma Agrária,

[...] surgiu a necessidade de discutir uma nova concepção de reforma agrária. Porque inclusive nessa discussão do governo, ele também está dizendo que no Brasil, principalmente aqui nos estados do Sudeste, não tem terra para fazer a reforma agrária. Ou seja, o capitalismo não tem terra para fazer a reforma agrária porque o agronegócio vai modernizar a agricultura capitalista e logo resolver o problema dos latifundiários. Não tem terra para fazer assentamentos, não tem terra improdutiva (latifúndio para fazer reforma agrária) e não tem publico. Então a gente teria que provar o contrario: provar que tem gente que quer fazer reforma agrária, e provar também que há terra para fazer assentamento. E inclusive, próximo das grandes cidades. Então aí a gente começou discutir uma nova concepção de reforma agrária exatamente para fazer ocupação perto das grandes cidades. [...] Então começou com o trabalho de base nestas cidades também. (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011)

Diante dessa perspectiva, a reforma agrária necessariamente reuni características a

partir de uma nova concepção, capaz de constituir-se em um meio de resistência e realizar

permanentemente um combate ao atual modelo do “quadrado burro”, onde coloca o

assentado em um lote sem infraestrutura, casa, estrada, energia, água, não tendo formas de

produzir nem para o consumo. Segundo Matheus, a reforma agrária deve promover a

“desapropriação das áreas não utilizadas e aproveitamento das áreas públicas e devolutas,

próximo aos grandes centros urbanos e as principais rodovias como prioridade para a

reforma agrária” (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011).

3.2 - OS ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA PROPOSTA

De acordo com Delwek Matheus, no fim da década de 1990 e início do ano de

2000, o Movimento vivia um período de resistência e precisava dinamizar e inovar as ideias

e experiências no processo de luta pela Reforma Agrária. A massificação da participação e a

organização de um novo modelo de produção que levasse em consideração uma renda

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mínima por família e garantisse o respeito e a preservação da natureza, eram alguns

elementos básicos para o avanço da luta e para a possibilidade de que a Reforma Agrária

fosse colocada no centro das atenções políticas e da sociedade. Segundo Delwek Matheus:

A Reforma Agrária não pode ser somente uma política de distribuição de terras, ou uma política de compensação com o objetivo de amenizar conflitos de terras localizados, ou pensar na Reforma Agrária como propôs o Estatuto da Terra, somente para resolver a questão econômica, a partir do modelo em curso, na lógica da competitividade e eficiência na questão, como estão organizados os atuais assentamentos, a reprodução total da propriedade privada. Isso não significa que nossas experiências de assentamentos não são importantes, ao contrário, temos boas experiências, mas precisamos muito mais. O desenvolvimento das forças produtivas vê-se travado por normas, costumes, relações de poder, práticas comerciais, que decorrem das relações entre as classes proprietárias e a população do campo (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011).

Os assentamentos como espaços de convivência social devem também ser um local

de resistência e de formação sociocultural e política das pessoas. Local onde se passa a ter

qualidade de vida, melhorando a alimentação, possibilitando a prática de esportes, lazer e

cultura, principalmente para as mulheres, jovens e crianças, enfim, onde seja possível

alcançar o bem estar econômico e social dos trabalhadores. Necessariamente, são

características básicas dentro de uma nova concepção de Reforma Agrária.

Nesta nova concepção de Reforma Agrária, para Delwek Matheus, as principais

características a serem observadas são: 1. que a terra não seja propriedade privada, porque

principalmente essas áreas estão muito próximas às grandes cidades, e sujeitas à especulação

imobiliária; 2. que ela possa desenvolver a cooperação em seus diversos aspectos, ou seja,

não só a cooperação para produzir na agricultura, mas a cooperação na organização social,

na produção, na comercialização, no conjunto da vida das pessoas; 3. que ela seja capaz de

negar o pacote tecnológico da agricultura capitalista, através do desenvolvimento de uma

matriz tecnológica orgânica e agroecológica; 4. a organização social, ou seja, as famílias

devem morar próximas umas das outras, devem procurar formas de organizar os núcleos de

moradia, de forma que facilite a infraestrutura social, como ruas, ruas iluminadas, moradias

com luz elétricas, com água tratada, com saneamento básico, espaço para esporte, para lazer,

para cultura e principalmente para educação e para saúde; 5. por fim, o desenvolvimento da

organização política: essa nova organização necessita de um processo de formação,

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capacitação, organização dos trabalhadores para ter um processo de enfrentamento contra o

modelo convencional, numa perspectiva também de afrontamento político.

Neste mesmo sentido, outros elementos são importantes observar na proposta da

Comuna da Terra:

• Ser um meio de resistência e um permanente combate ao atual modelo e ao mesmo

tempo, ser uma alternativa viável aos trabalhadores na construção de um novo projeto de

desenvolvimento social.

• Desapropriação das áreas não utilizadas e aproveitamento das áreas públicas e devolutas,

próximo aos grandes centros urbanos e às principais rodovias como prioridade para a

Reforma Agrária.

• Massificação da Reforma Agrária incentivando a participação dos trabalhadores urbanos,

principalmente os desempregados.

• Desenvolver a cultura da socialização dos meios de produção. Planejamento, estímulo e

facilidade à formação de núcleos de economia camponesa, através da produção e da

organização social, núcleos de moradia com toda infra estrutura básica necessária,

desenvolvendo a cooperação em todos os aspectos.

• Adotar e desenvolver uma nova matriz de produção, voltada para a realidade local e

mais equilibrada do ponto de vista do meio ambiente, da natureza, inclusive a saúde do ser

humano e, em conjunto, adotar também um novo modelo tecnológico.

• Planejar e desenvolver a produção de forma que possa colocar em prática o mercado de

massas, comercialização direta aos trabalhadores da cidade, bairros e vilas de grande

população de baixa renda.

• Desenvolver um programa de agroindústria, com instalação de pequenas unidades de

beneficiamento e industrialização da produção.

• Implementar a marca dos produtos da Reforma Agrária, garantindo padrão de qualidade.

• Desenvolver atividades não agrícolas dentro das comunidades, como pequenas indústrias

e o próprio artesanato, como forma de complementar a renda das pessoas e envolver a

participação das mulheres e jovens na produção, por exemplo, marcenarias, cerâmicas, etc.

• Desenvolver um amplo programa de formação e capacitação massiva dos trabalhadores,

técnicos e profissionais envolvidos no projeto, e também que seja um espaço que prepare os

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trabalhadores com o novo conceito de agricultores, para que sejam sujeitos da história, ou

seja, uma Reforma Agrária sob o controle dos trabalhadores.

• Organizar espaço para as atividades sócio culturais, com a infra estrutura necessária

garantida como, centros poliesportivos, auditórios que permitam as atividades e práticas

esportivas, de lazer e culturais. (Delwek Matheus, entrevista Janeiro 2011)

Assim, observa-se a importância de um modelo para fazer frente ao grande capital e

que promova acima de tudo a identificação do sujeito como ator da realidade existente.

3.3 - O PDS COMO ALTERNATIVA PARA ASSENTAMENTOS AGROECOLOGICOS

A discussão dos novos projetos de assentamentos passava por uma dificuldade, pois

o modelo de assentamento como o Projeto de Assentamento Estadual – PA - que o INCRA

adota no estado não atendia à necessidade deste novo público. Foram estas condições que

incentivaram o INCRA a trazer para São Paulo o PDS, uma modalidade de assentamento

elaborado a partir das experiências das Reservas Extrativistas da Amazônia. Segundo

GOLDFARB (2007)

O PDS foi criado pelo INCRA, através da portaria n 477 de 04 de novembro de 1999, para poder assentar pessoas que não constituem uma comunidade tradicional, em áreas relevantes para o meio ambiente, como remanescentes de mata atlântica, áreas da Amazônia ou do cerrado (GOLDFARB, 2007, p. 31)

Neste sentido, o PDS traz a possibilidade de proteger ou recuperar áreas, em que

sua biodiversidade já estava comprometida ou totalmente extinta na região. O PDS visa

também garantir uma renda mínima para as famílias através do manejo ecológico, da coleta

de frutos ou da agricultura como milho, feijão, mandioca em áreas desmatadas. Ele se

diferencia das outras modalidades de assentamento, por ser construído em um processo

participativo entre o INCRA, os assentados e os parceiros locais em torno do compromisso

do desenvolvimento sustentável.

No cadastro das famílias para serem assentadas no PA, sua seleção é feita a partir

do Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária – SIPRA. No PDS, além da

seleção do SIPRA é necessário levar em conta o perfil agroecológico das famílias.

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Com relação ao publico alvo, no PA trata-se do agricultor tradicional sem terra. No

PDS o agricultor tem que ter perfil de trabalhar com praticas agroecológicas.

Com relação aos documentos que cada um deve ter, o PA necessita para sua

implantação do Laudo de Vistoria e do Projeto de Desenvolvimento do Assentamento –

PDA. O PDS necessita do Laudo de Vistoria e do Plano de Utilização – PU - que define a

utilização de todas as áreas do assentamento, que pode ser definida através de um Termo de

Ajuste de Conduta –TAC -, que é um compromisso coletivo que esclarece como se dará o

uso das áreas dos assentamentos.

Com relação à titulação da área, no PA a posse é individual enquanto que no PDS a

posse é coletiva e o assentado tem uma Concessão do Direito Real de Uso, ficando a

titulação no nome da União.

No estado de São Paulo, até o momento desta pesquisa, existem 17 assentamentos

denominado PDS, detalhados no quadro abaixo:

Quadro 1– Assentamentos PDS no estado de São Paulo

Municípios Assentamentos Famílias Área Caconde PDS Agroecológico Hugo Mazzilli 25 135,53 Descalvado PDS Comunidade Agrária 21 de Dezembro 40 378,91 PDS Horto Florestal Aurora 80 533,36 Ribeirão Preto PDS da Barra 440 1.548,48 Serra Azul e Serrana

PDS Sepé Tiarajú 79 798

São Carlos PDS Santa Helena 19 98,83 Americana PDS Comuna da Terra Milton Santos 85 103,45 Cajamar PDS São Luiz 37 123,07 Itanhaém PDS Agroecológico 6 153,26 Limeira PDS Elizabeth Teixeira 150 602,87 Iepê PDS Bom Jesus (São Marcos) 37 68,36 São Mateus PDS Boa Esperança (João Ramalho) 40 54,69 Taubaté PDS Olga Benário 63 692,12 Tremembé PDS Manoel Neto 44 378,91 Ubatuba PDS Quilombo Caçandoca 53 210 Apiaí PDS Professor Luiz de David Macedo 86 7.767,22 Eldorado PDS Alves, Teixeira e Pereira 64 3.072,68 Miracatu PDS Ribeirão do Pio 8 406,1 Fonte: INCRA, 2011. Org. Vandei Junqueira Aguiar

Observamos que dos 17 PDS que se encontram no estado, 6 são do tipo Comuna da

Terra (em negrito no quadro 1), são eles: Comuna da Terra Milton Santos em Americana;

São Luiz em Cajamar; Manuel Neto em Taubaté; Olga Benário em Tremembé; O PDS da

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Barra, onde se localiza a Comuna da Terra Mario Lago, em Ribeirão Preto Sepé Tiarajú em

Serro Azul Serrana.

Em todas estas áreas de PDS houveram, e ainda há, muitas dificuldades em se fazer

a implantação dos assentamentos. Um dos fatores é a assistência, onde os técnicos não estão

preparados para esta modalidade de assentamento, ficando assim um conflito entre os ideais

que as famílias têm e as condições e limites que os técnicos tentam administrar.

Observando o quadro 1, verifica-se o aumento do número de famílias assentadas

em áreas cada vez menores. E nestes dez anos de existência da Comuna da Terra, este

número vem aumentando no estado de São Paulo. É o caso do PDS da Barra que, em

1.548,48 hectares possui 440 famílias assentadas, numa média de 1.5 ha/família, sendo o

maior até o momento em quantidade de famílias assentadas e o terceiro em tamanho de área,

atrás somente do PDS Professor Luiz de David Macedo em Apiaí, com 86 famílias

assentadas em 767,22 ha (aproximadamente 7 ha/família) e do PDS Alves, Teixeira e

Pereira, em Eldorado com 64 famílias assentadas em 3.072,68 ha (aproximadamente 31

ha/família).

No próximo capítulo iremos analisar o caso da Comuna da Terra Mario Lago (PDS

da Barra) em Ribeirão Preto, que é considerada a capital do agronegócio paulista, tentando

observar as relações entre as famílias na proposta da produção e a implantação das políticas

públicas nos assentamentos.

CAPÍTULO 4 - UM PROJETO DE ASSENTAMENTO AGROFLOREST AL: DO

PDS FAZENDA DA BARRA AO ASSENTAMENTO COMUNA DA TERR A MARIO

LAGO, EM RIBEIRÃO PRETO-SP

No processo de luta pela conquista do assentamento Mario Lago, um dos fatores

mais importantes discutidos com o grupo foi a proposta de um assentamento agroecológico

para contrapor-se ao modelo agrícola da região de Ribeirão Preto no qual predomina,

atualmente, o agronegócio sucroalcooleiro, propagando uma agricultura moderna e

mecanizada, que não precisa de pessoas morando no campo. A proposta de contrapor-se ao

agronegócio consistia em trazer famílias da cidade que tinham vontade de voltar para o

campo e levá-las a ocupar os latifúndios de cana.

Desde o começo do acampamento, em 2003, no sitio Braghetto, próximo à BR 330

Anhanguera, o MST - que foi o primeiro movimento a ocupar a Fazenda da Barra – discutiu-

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se com as famílias um modelo de assentamento diferenciado. Neste assentamento, as

famílias não poderiam fazer queimadas, usar veneno nas plantações, desmatar os resquícios

de mata que restaram na fazenda, pois, devido ao desmatamento que o antigo proprietário

havia feito para aumentar a área de plantio de cana, tinham graves problemas ambientais e

também um passivo de multas. A terra encontrava-se envenenada devido ao insumo

utilizado para o cultivo da cana de açúcar e era preciso recuperá-la. Deveriam também

preservar e reflorestar as áreas de nascente que foram drenadas, pois esta é uma área de

recarga do aquífero Guarani, tendo seu afloramento em vários pontos da área onde hoje se

encontra o assentamento Mario Lago.

A discussão sobre a formação de um assentamento agroflorestal perpassou pelos

sete anos durante os quais as famílias ficaram acampadas. Junto com o Ministério Público

que acompanhava a área há muito tempo, através do promotor Marcelo Goulart, o

Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais, a sociedade civil e os

movimentos sociais, discutiram em diversas audiências no Ministério Público qual seria o

projeto do assentamento mais adequado para a Fazenda da Barra. Em dezembro de 2004, a

Fazenda da Barra foi decretada terra a ser desapropriada para fins de reforma agrária pelo

presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas somente em 2007 o INCRA iniciou o processo de

discussão com as famílias sobre o projeto de assentamento a ser implantado, tendo o

parcelamento dos lotes ocorrido apenas no fim de 2008.

A demora do processo de assentamento fez com que a dissidência entre famílias

acampadas acirrasse as contradições afloradas pelo desgaste no processo de luta o que

acabou causando, em 2005, um racha que culminou na saída de algumas famílias do

acampamento Mario Lago. Essas foram acampar próximo à porteira da entrada da Fazenda,

ao lado do bairro Ribeirão Verde, levantando a bandeira do outro movimento social, o

Movimento de Libertação dos Sem Terra - MLST.

Nesse período no MLST existiam poucas famílias, mas com o decorrer do tempo

outras famílias chegaram para acampar, fazendo com que aumentasse o acampamento. Em

2006 aconteceu outro conflito interno no acampamento do MLST, dando origem a outros

conflitos. Assim, 56 famílias que não concordavam com o MLST foram acampar em outra

área da fazenda, próximo à Anhanguera, criando o acampamento Índio Galdino, sem

nenhuma filiação com movimentos sociais, ficando assim apelidado como “Bandeira

Branca”.

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No período entre 2007 e 2009, período do pré assentamento, as famílias que

estavam divididas em três acampamentos já estavam homologadas junto ao referido órgão,

já estavam depositados o apoio inicial e os fomentos, ambos créditos para que os acampados

começassem a se estruturar para produzir nos seus lotes, mas o corte da área não tinha sido

feito e as estruturações das políticas públicas do assentamento estavam sendo realizadas.

Neste período, aconteceram as audiências do Ministério Público para discussão do

projeto do assentamento. Todos os movimentos sentavam juntos com o Promotor do Meio

Ambiente Marcelo Goulart, a sociedade civil e o INCRA, para elaborar juntos o projeto de

assentamento. Tudo que envolvia a comunidade do assentamento era discutido: as áreas a

serem destinadas a cada movimento, o tamanho dos lotes, as estradas, a água, as áreas de

reservas, o transporte escolar, a escola do campo, o posto de saúde, a energia elétrica, etc.

Para que todos os envolvidos no processo de assentamento cumprissem os termos definidos

coletivamente, foi assinado, o pré Termo de Ajuste de Conduta juntamente com o INCRA, a

sociedade civil, o Ministério Público e as famílias assentadas.

Um dos termos mais discutidos nas audiências do Ministério Público foi o tamanho

do lote. O fato da Fazenda da Barra ter várias áreas de nascentes, quatro quilômetros de

divisa com o Rio Pardo que contém uma grande área de várzea (alagada), diversas áreas de

APP em dois córregos que cortam a área, três linhas de alta transmissão de energia que,

juntas somam 61,27 hectares, corredores ecológicos para ligação de uma mata dentre outros,

fazia com que restasse uma parcela de área seca para assentar todas as famílias que estavam

acampadas nos quatro acampamentos.

O tamanho do lote também era influenciado pela área na qual cada acampamento se

localizava. O Mario Lago (MST) ocupava cerca de 70% da área da fazenda, com 264

famílias; o Santos Dias (MLST) ocupava cerca de 25% da área, com 154 famílias e o Índio

Galdino (Bandeira Branca) cerca de 5% da área, com 44 famílias, como podemos observar

na figura 9.

Nos dias atuais, permanecem os quatro assentamentos na Fazenda da Barra. O

assentamento Mario Lago do MST com 264 famílias, o assentamento Santos Dias do MLST

com 85 famílias, o assentamento Índio Galdino, sem filiação a nenhum movimento social

(Bandeira Branca) com 56 famílias e o assentamento Luíza Marri, também sem filiação a

nenhum movimento social (outro assentamento Bandeira Branca) com 59 famílias. Juntos,

os quatro assentamentos somam um total de 464 famílias assentadas na Fazenda da Barra.

(INCRA, 2011)

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Figura 9: Território dos movimentos

Fonte: Ministério Publico Estadual. Org. Vandei Junqueira, 2011.

4.1 - A DIFICULDADE DA IMPLANTAÇÃO DO PROJETO PDS

A proposta do projeto de assentamento do INCRA para a Fazenda da Barra, como

já dito, era o PDS. O órgão já havia implantado um modelo na região, no assentamento Sepé

Tiarajú, localizado no município de Serra Azul. Esse assentamento foi um dos primeiros

assentamentos de tipo PDS do estado de São Paulo. Segundo o promotor de justiça, Marcelo

Goulart em entrevista concedida em junho 2011, a razão de escolher como modelo um PDS

era

para implementar assentamentos agroecológicos que não só viriam a proteger o meio ambiente, a flora, a fauna, a biodiversidade, os recursos hídricos, mas também para mostrar que existe uma alternativa viável a aquele padrão do agronegócio. [...]”

Ele acrescenta ainda que isso se dava não apenas:

[...] na defesa estrito senso do meio ambiente do Aquífero Guarani, mas também devido a necessidade de se afrontar com o novo modelo de

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agricultura com um outro padrão de produção. Padrão sustentável do ponto de vista ambiental. Também discursa novas formas de organização na posse do assentamento com a previsão de áreas de exploração coletivas, que se tenha um projeto alternativo de agricultura para mostrar que existe um padrão mais sustentável do ponto de vista ambiental, do ponto de vista social, em relação ao agronegócio baseado na monocultura, no latifúndio, no uso de intensivos agroquímicos e motomecanização, e perca de postos de trabalho no campo, concentração do latifúndio [...]”

Para o INCRA, por sua vez,

O projeto de desenvolvimento sustentável (PDS) é, portanto, uma modalidade de assentamento rural que se diferencia das outras modalidades, por se propor a ser construída através de um processo participativo entre o INCRA, os assentados e outros parceiros locais e regionais em torno de compromissos concretos com o desenvolvimento sustentável. (INCRA, 2011)

Para o MST, o PDS não daria conta das demandas destes novos modelos de

assentamento que o mesmo vinha discutindo, realizados próximos aos grandes centros

urbanos, também denominados “eixos metropolitanos”, onde uma das principais

características é o público alvo que não vem mais do campo. Esse novo modelo de

assentamento é composto de trabalhadores da indústria, do comércio, da construção civil,

domésticas, pessoas que saíram do campo ou filhos de agricultores que foram expulsos do

campo e tentam voltar para uma vida mais tranqüila, próximo à natureza, saindo das favelas

ou periferias das cidades, buscando afastar-se da violência e das drogas. Segundo o

Movimento, o novo público da reforma agrária não se acostumaria a morar em um

assentamento convencional longe da cidade, sem infraestrutura, escola, energia e água

encanada.

Neste sentido, o MST, como já citado no capítulo anterior, vem discutindo a

concepção de Comuna da Terra, que teria mais condições de atrair um público acostumado a

ter as “mordomias” da cidade, morando no campo em lotes menores, devido ao alto valor da

terra próximo às grandes cidades, com uma produção voltada para pequenos animais e

hortifrutigranjeiros, com área coletivas de produção e com agroindústrias. Essa concepção

de assentamento, na visão do Movimento, permitiria ao assentado manter uma renda o ano

todo. Mas, para que isso pudesse ocorrer, os novos modelos de assentamentos

agroecológicos teriam que ter, na sua implantação, as políticas públicas de estruturação

como luz elétrica, água encanada para o consumo das famílias assentadas e a irrigação,

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moradia, agroindústrias, escola, posto de saúde, transporte escola etc. Só assim, o

assentamento seria viabilizado. Porém, isso nem sempre acontece, como veremos a seguir.

4.2 - PRINCIPAIS DIFICULDADES PARA IMPLANTAÇÃO DOS

ASSENTAMENTOS AGROFLORESTAIS

Existem vários impedimentos à implantação destes modelos de assentamentos. Segundo

Marcelo Goulart (em entrevista concedida em junho 2011),

Há dificuldades em relação ao INCRA, porque é um modelo novo. Então a burocracia do INCRA não está preparada para implantação deste tipo de assentamento. Portanto não existe recurso próprio, por exemplo, no INCRA para atender a produção em área coletiva. Estes financiamentos são feitos individualmente para cada família para a exploração do lote individual. Quando chegamos para exploração do lote coletivo, não existe uma fonte de custeio previsto na lei para propiciar o financiamento desta produção (Marcelo Goulart, entrevista junho 2011).

Segundo Marcelo Goulart as dificuldades de implementações dos assentamentos

agroecológicos são a falta de recurso humano: o INCRA dispõe de poucos técnicos

capacitados para esta nova realidade, há falta de infraestrutura no assentamento como água

potável, estradas adequadas, iluminação, de acompanhamento técnico para produção

agroecológica o que compromete o sucesso da implantação desse novo modelo de produção.

Além disso, a demora por parte do INCRA desanima as famílias acampadas que estão

esperando um pedaço de terra para poder produzir e muitas vezes faz com que elas procurem

outras fontes de renda, que não a produção no lote, para garantir o sustento da família.

Com relação à questão ambiental, tanto as famílias quanto o INCRA não têm uma

visão socioambiental completa do assentamento. Por mais que esteja sensibilizado em

assinar o TAC, o processo de conscientização e formação leva tempo. Todavia, o INCRA

como, instituição responsável pela implantação do projeto, não tem acumulo de experiência

nesta área. Isso fica claro na fala do promotor Marcelo Goulart:

[...] embora em São Paulo a superintendência no INCRA tenha se sensibilizado com a proposta, assinou o TAC […] mas o INCRA não tem enquanto instituição uma visão socioambiental de projeto do assentamento [...] Nós temos que inventar a roda (Marcelo Goulart, entrevista junho 2011).

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Assim, observamos que há várias dificuldades para implantação dos assentamentos

agroflorestais. O Estado e todos os órgãos responsáveis têm que ser conscientes da criação

dos mesmos e entender que eles são territórios conquistados por meio de muita lutas em

âmbito local, regional, nacional e internacional.

4.3 – PARCELAMENTOS DA ÁREA

Depois de um longo período de discussão entre 2008 e 2009 no Ministério Publico,

contando numerosas contradições entre movimentos e apoiando-se nas normas da lei como

legislação ambiental da área, uma primeira proposta do corte da área foi feita. Nesta

primeira proposta a maioria das áreas de Reserva Legal ficariam na área destinada ao MST,

no acampamento Mario Lago. Portanto, para poder assentar todas as famílias, os lotes

deveriam ser menores.

Diante desta constatação, o MST pediu uma nova audiência junto ao Ministério

Público para propor que a divisão da área de Reserva Legal (RL) fosse proporcional aos três

assentamentos e que o tamanho dos lotes familiares fosse igual para todos. No entanto, para

alcançar esta divisão igualitária, as áreas de Reserva Legal do Índio Galdino e do Santos

Dias teriam que ser aumentadas. O Ministério Público acatou a proposta e pediu que o

INCRA refizesse um novo mapa, garantindo que os três movimentos tivessem uma divisão

igual dos lotes e das áreas a serem reflorestadas. No fim do ano de 2008, uma nova proposta

do corte da área da antiga Fazenda da Barra foi apresentada (ver mapa1).

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Mapa 1: Mapa do Corte da Área

Fonte: Ministério Publico Estadual, 2008

Podemos observar no mapa 1, a seguinte questão: sendo 1.541.3402 hectares da

área total da Fazenda da Barra, 99.9436 ha seriam áreas de APP; 43.6818 ha seriam áreas de

várzea; 61.2727 ha seriam áreas de linhões de alta transmissão de energia elétrica; 60.5939

ha seriam áreas de estradas; 740.0695 ha seriam áreas de lotes familiares, coletivos de

produção, áreas de comercialização e áreas sociais (INCRA, 2008), O quadro 2, traz a

porcentagem representada destes dados:

Quadro 2- Áreas da Fazenda da Barra

Descrição Área em Hectares Porcentagem -Área total 1.541.3402 100.00%

-APP 99.9436 6.49% -Várzea 43.6818 2.83% -Linhões 61.2727 3.73% -estradas 60.5939 3.93% -lotes9 740.0695 48.01%

Fonte: INCRA 2008. Org. Vandei Junqueira:

9 Incluindo lotes familiares, coletivos de produção, áreas de comercialização, áreas sociais.

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Em relação às áreas de Reserva Legal demarcadas (ver quadro 3), a Fazenda da

Barra totaliza 539.5065 hectares, sendo 16 áreas de reserva legal no assentamento Mario

Lago totalizando 305.7998 ha, 13 áreas de reserva legal no assentamento Santos Dias

totalizando 122.1635 ha e 9 áreas de reserva legal totalizando 111.5432 ha no assentamento

Índio Galdino (INCRA, 2008).

Quadro 3- Áreas de Reserva Legal

Descrição Área em Hectares Porcentagem Mario Lago 305.7998 19.85% Santos Dias 122.1635 7.92%

Índio Galdino 111.5432 7.23% Fazenda da Barra 539.5065 35.00%

Fonte: INCRA 2008. Org. Vandei Junqueira

Do total dessas áreas de Reserva Legal, 20% são obrigatórios de acordo com a lei e

15% é proposto pelo modelo de assentamento para área de SAF a serem reflorestadas, tendo

uma porcentagem proporcional ao numero de famílias em cada área. A distribuição das áreas

de reserva legal pode ser observada na figura10 e a quantidade de área de reserva por

assentamento no quadro 4:

Figura 10: Áreas de Reservas Legais:

Fonte: Ministério Publico Estadual.

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Quadro 4- Quantidade de área de reserva por assentamento

Descrição Quantidade de áreas de reserva n° no mapa Mario Lago 16 10-25 + 40 Santos Dias 13 26-39

Índio Galdino 09 01-09 Fonte: INCRA 2008. Org. Vandei Junqueira

Na divisão das áreas disponíveis para assentar as famílias dos três movimentos (ver

quadro 5), as áreas totais dos assentamentos seriam de: 423.50 hectares divididos em 281

lotes, sendo 18 coletivos para o assentamento Mário Lago; 210.06 ha divididos em 162

lotes, dois dos quais coletivos para o assentamento Santos Dias e 79.20 ha divididos em 44

lotes, também dois coletivos para o assentamento Índio Galdino (INCRA, 2008).

Quadro 5 - Áreas de lotes

Descrição Área em hectares Quantidade Mario Lago 423.50 281 (sendo 18 coletivos) Santos Dias 210.06 162 (mais 2 coletivos)

Índio Galdino 79.20 44 (mais 2 coletivos) Fonte: INCRA, 2008. Org. Vandei Junqueira

Neste sentido, podemos observar tanto no mapa 1 quanto nos quadros 2, 3, 4 e 5

que as famílias assentadas terão um desafio muito grande em ter que reflorestar, preservar e

se sustentar em um lote familiar por volta de 1,5 ha.

Para podermos compreender melhor as relações que se dão nestas novas formas de

assentamento faremos um recorte. Ao invés de continuarmos discutindo os PDS da Fazenda

da Barra, passaremos a seguir a tratar do Assentamento Comuna da Terra Mario Lago,

conquistado por meio da luta do MST, com 281 lotes e 264 famílias assentadas em 423,50

ha que representam 19,85% da área da fazenda.

4.4 - ASSENTAMENTO “COMUNA DA TERRA” MARIO LAGO

Uma das principais diretrizes desta nova forma de assentamentos é a de estimular a

aproximação das moradias das famílias, sendo essa proposta fruto do acúmulo que o MST

traz dos assentamentos convencionais, onde as famílias são assentadas em lotes grandes

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distantes uns dos outros, dificultando o acesso as políticas públicas de direito nos

assentamentos. Para o MST essa organização se daria agrupando as famílias

[...] de acordo coma realidade regional, em povoados, comunidades, agrovilas ou núcleos de moradia. Criando a infra estrutura básica necessária através dos serviços públicos de luz elétrica, acesso a água potável, telefone, posto de saúde, escolas. Buscando construir moradias próximas de maneira organizada para facilitar a instalação de energia elétrica, distribuição de água e saneamento básico, rede de esgoto (MATHEUS, 2003, p. 47).

Delwek Matheus sugere esta infra estrutura para poder atender este público que

vem dos centros urbanos. No caso da Comuna da Terra Mario Lago, em uma pesquisa de

campo feita no mês de maio de 2011 através de aplicação de questionários na área 110 (ver

nos anexos) pôde constatar que 90% das famílias que estão no Mario Lago vieram da cidade.

No que se refere à proximidade das moradias que já havia desde a época de

acampamento quando, em 2005, se distribuíram em toda fazenda, as famílias continuaram

bem próximas umas das outras, com uma distancia em média de 80 metros uma casa da

outra, facilitando assim a implantação da infraestrutura do assentamento, que começou logo

depois do corte da área em 2009.

A primeira necessidade foi a abertura das estradas nas novas formas de distribuição

dos lotes que foram demarcadas pelo corte da área. A abertura das estradas começou na

metade do ano de 2008 e pela lentidão com que foi implantada, chegou a época das chuvas

de novembro sem que o trabalho tivesse sido concluído, sendo necessário interrompe-lo,

tendo o mesmo sido concluído no segundo trimestre de 2009.

No período de 2008, começou também, a discussão para a implantação da rede

elétrica, onde as famílias poderiam opinar em ter o projeto do Governo Federal “Luz Para

Todos” ou a proposta da Companhia Paulista de Força e Luz – CPFL- “Luz Convencional”.

Em todos os casos seria a CPFL que executaria a obra. As famílias do Mario Lago decidiram

em assembléia geral que optariam pelo Programa “Luz Para Todos”, pois tinham mais

benefícios: além da energia; o padrão (medidor), instalação de rede interna nas casas - três

lâmpadas e duas tomadas - e a tarifa rural mais barata do que a da cidade. O Programa

iniciou-se em 2008, mas ainda hoje (setembro/2011) a CPFL não terminou a instalação de

energia elétrica.

10 O INCRA na época da implantação do assentamento dividido o Mario Lago em 4 áreas, para melhor organizar devido ser uma área muito grande, sendo que a área 1 é a maior com 105 famílias e fica localizada mais próxima da cidade fazendo divisa com o bairro Pedra Branca, Jardins das Palmeiras, Residencial Portinari

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Neste período também foram liberados os créditos do apoio inicial, ao qual toda

família assentada tem direito logo após que seu nome foi selecionado para ser beneficiário

da Reforma Agrária. O primeiro crédito, que corresponde ao fomento no valor de R$

2.400,00, é para o assentado comprar alimento e ferramentas para trabalhar no lote. O

segundo, chamado de apoio inicial, é um credito no valor de R$ 3.200,00 e destina-se à

compra de estrutura para começar uma pequena produção no lote.

No final do ano de 2009, foi parcialmente liberado o crédito para habitação. Na

época estava ocorrendo uma atualização no valor que estava muito defasado: o crédito, que

no período era de R$ 7.000,00 e seria ajustado para R$ 15.000,00 um valor que também não

é suficiente para fazer uma casa para morar uma família com a média de 3 pessoas. Como as

famílias do Mario Lago acessaram este crédito neste período de transição, só receberam R$

7.000,00, tendo a alegação do INCRA que o restante deveria entrar na sua lei orçamental

para o próximo período, o que não aconteceu até hoje. As famílias começaram as casas e não

puderam acabar, como podemos ver na figura 11, onde o pai e o filho estão construindo uma

casa para a família, pois não daria para pagar mão de obra. Nos dias de hoje, a maioria das

casas estão incompletas, com exceção de algumas onde o assentado investiu recurso próprio

para ter onde morar.

Figura 11: Construção de moradia no Mario Lago.

Foto: Vandei Junqueira

e o Bairro Flamboyan.

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Outro ponto polêmico com relação à infra estrutura é a questão da água e

saneamento básico. Pelo fato do assentamento Mario Lago estar localizado em uma área de

recarga do Aquífero Guarani, os assentados não podem cavar poços cacimbas ou artesiano,

pois uma das normas para que a área fosse um assentamento era a preservação da área de

recarga do Aquífero.

Desde o surgimento do assentamento o abastecimento de água é feito por um

caminhão pipa do DAERP. Esta norma causou muita polêmica entre os assentados, pois nos

longos meses de seca do ano o tema da água é sempre pautado, tendo a intervenção do

Ministério Público como mediador dos conflitos, com várias audiências onde os assentados

pressionavam o INCRA para que providenciasse as perfurações dos seis poços artesianos

que haviam sido prometidos no projeto do assentamento e instalasse a rede de distribuição

de água em todos os lotes do assentamento. Ocorreram várias audiências no Ministério

Público Estadual em Ribeirão Preto com a participação dos movimentos sociais, sociedade

civil, DAEE, INCRA e Associação Pau Brasil. Chegou-se ao acordo de que o DAEE faria o

projeto dos poços e da rede de distribuição e o INCRA viabilizaria a implantação do projeto

no prazo de seis meses que venceram no dia 31 de dezembro de 2010. Neste período o

INCRA perfurou três poços os quais, somados ao que ele perfurou no começo do corte da

área, totalizam quatro poços.

No ano de 2010, o INCRA colocou as caixas e a bomba nos poços e lacrou-os,

deixando as famílias sem água. Vê-se que este tema é muito polêmico, tem suas origens no

começo do assentamento e ainda se perpetua nos dias atuais. E as questões da produção e

consumo, que só são possíveis através da água, ainda não foram resolvidas.

4.5 - QUESTÃO AMBIENTAL

As Comunas da Terra possuem um desafio a ser enfrentado, em especial no Caso

da Comuna da Terra Mario Lago, devido ao processo de conquista desta área. Foi uma área

conquistada devido ao seu passivo ambiental, o antigo proprietário ao não cumprir as

normas na lei vigente, desmatando áreas de reserva legal averbadas, drenando as áreas de

várzeas próximas ao Rio Pardo e contaminando o solo com defensivos químicos na

implantação da monocultura da cana-de-açúcar, recebeu várias multas.

Neste sentido, o assentamento Comuna da Terra Mario Lago já nasce com um

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compromisso intrínseco em preservar e recuperar as áreas de reservas, sendo que o

compromisso feito é que 20% é obrigatório e 15% de área Reserva Legal, para áreas de

produção coletiva com manejo sustentado na forma agroflorestal (Sistemas Agroflorestais -

SAFs). Esse compromisso foi aprovado pelo órgão ambiental estadual competente, nos

termos do art. 16, § 2° do Código Florestal.

Para atender ao acordado, o MST em parceria com a EMBRAPA começou uma

experiência de SAF escola no Centro de Formação Dom Hélder Câmara, que está localizado

no espaço da Antiga sede da Fazenda da Barra. Esta experiencia foi implantada em

dezembro de 2010 onde reuniu um numero significativo de famílias, na maioria mulheres,

querendo saber como produzir nas áreas de SAF. A experiencia foi implantada em uma área

de 2500 metros quadrados com linhas de frutíferas (jaboticaba, figo, mamão, bananeira,

abacaxi, goiaba) e intercalando com linhas de árvores nativas da região, e entre-linhas de

espaçamento de 4 metros e 9 metros para plantio de culturas anuais (milho, batata, feijão,

etc) no período de dois anos, enquanto as árvores estão se formando, ocorrendo depois a

coleta de frutos. Esta é uma primeira proposta para reflorestamento das áreas de SAF do

Assentamento Comuna da Terra Mario Lago.

4.6 - A PROPOSTA DA PRODUÇÃO NA COMUNA DA TERRA MARIO LAGO

A produção de alimentos no Assentamento Comuna da Terra Mario Lago, tem

inicio desde o acampamento em 2005 quando as famílias se distribuíram pela fazenda, cada

uma ocupando uma área de 30m por 300m, onde era possível plantar seus alimentos de

forma agroecológica, sem o uso de fogo e de veneno, procurando formas alternativas de

combate de pragas e doenças nas plantas, como o uso urina de vaca, gergelin ou de cinza do

fogão para o combate a formigas, calda bordalesa para o combate às pragas. Plantava-se

feijão guandu, mucuna preta, lambe-lambe e mamona como adubação verde e para

descompactar o solo.

O MST vem trabalhando com as famílias com a ideia da implantação de SAF, com

bastante diversificação na produção com frutíferas exóticas ou nativas para o

aproveitamento de frutos e sementes para fazer artesanato e para o melhor aproveitamento

da área, podendo ter produção ao logo de todo o ano. Mesmo sem o apoio técnico por parte

do INCRA para a produção, as famílias estão produzindo pensando no consumo e para a

produção de alimentos para as criações de animais de pequeno e médio porte, como porco,

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galinha, cavalo, vaca e outros. Isso pensando também em ter um excedente para venda para

obtenção de uma renda.

Observamos em pesquisa feita que 75% das pessoas entrevistadas plantam milho

sem o uso de agrotóxico. O milho também é usado para ver se a terra está com falta de

calcário: quando o milho fica amarelo e não consegue se desenvolver ficando pequeno

significa que a terra está acida, com falta de calcário e matéria orgânica. Também são

plantados mandioca 70%, bananeiras 60% e legumes variados 60% .

No ano de 2011 os assentados começaram acessar o credito Programa Nacional de

Financiamento da Agricultura Familiar - PRONAF. Este projeto tem o valor de 20 mil reais

e é para a estruturação do lote para a produção, como cerca do lote, irrigação, preparo da

terra para o plantio, compra de mudas, de insumos, e de animais. Como na Comuna da Terra

os lotes são menores que os assentamentos convencionais, este credito está sendo usado na

produção de Hortifrutigranjeiros, pensando em diversificar entre a produção de hortaliças,

legumes, verduras e tubérculos, frutas nativas e exóticas e também na criação de pequenos

animais como galinha, codorna, coelho, pato, ganso, peixe. Também ficou definido no TAC

que se poderia criar uma vaca por família, tudo isso pensando em diversificar a produção

para ter renda o ano todo e beneficiar os alimentos para agregar valor.

Outra característica da Comuna é a necessidade de se organizar em Cooperativa

para poder ter uma maior autonomia de compra ou na comercialização dos produtos para

acessar projetos para escoamento da produção. Como acontece atualmente no Mario Lago, a

maior parte da produção é entregue para a Cooperativa que por sua vez a entrega ao projeto

do Projeto de Aquisição de Alimento – PAA - do Governo Federal. Este projeto consiste em

adquirir alimento da agricultura familiar pela Companhia Nacional de Abastecimento –

CONAB - a ser entregue pelos próprios assentados às entidades, creches, hospitais, igrejas,

asilos dentre outros, fazendo com que o assentado possa ter uma renda mínima, pois cada

família cadastrada tem uma cota de R$ 4.500,00/ano. Pela proximidade do assentamento

com a cidade (ver figura 12) outra forma de comercialização é a venda direta nos bairros

próximos, onde o assentado usando transportes alternativos como bicicleta, carroça, carrinho

de mão, leva sua produção e vende de porta em porta.

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Figura 12: Foto aérea dos Assentamentos na Fazenda da Barra 2010

Foto: Christine Bugnon

Também há na entrada do assentamento o começo de uma estrutura de um barracão

que é um antigo projeto que o MST vem discutindo com as famílias para comercializar sua

produção sem sair do assentamento: o cliente ou atravessador teria que se locomover para

comprar e conhecer como está sendo produzido o alimento comercializado.

Na proposta da Comuna da Terra, além da proposta da produção no lote como

forma de renda incentiva, as famílias podem desenvolver outras formas para complementar a

renda familiar como marcenaria, artesanato, oficinas ou prestação de serviços pontuais ou

mesmo trabalhando na cidade vendendo sua força de trabalho por um período para o

complemento da renda. No Mario Lago estas iniciativas vem desde a época do

acampamento, onde as pessoas saiam para fazer trabalhos na cidade para poder se manter no

acampamento. Nos dias de hoje, observa-se a existência de várias pessoas que trabalham na

cidade, no geral os homens saem para trabalhar e as mulheres ficam cuidando dos lotes.

Outras formas de renda que estão surgindo são provenientes da abertura de

comércio no assentamento como bar, mercearia, venda de caldo de cana e pastéis na própria

casa, pamonha, galinha, porco etc. Por outro lado, muitas famílias têm ajuda dos parentes

que ficaram na cidade, como doação de roupas, alimentos, ou também ao virem morar no

assentamento alguns assentados alugaram suas casas na cidade para ajudar nas despesas do

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lote, pois como já citado, os recursos provenientes do Estado e das instituições não são

suficientes para atender as necessidades da família.

Assim, cada assentamento tem suas particularidades tanto na produção quanto na

sua estruturação. Eles são frações de territórios que antes eram territórios do agronegócio.

Sem a ajuda do MST e de outros movimentos sociais a Reforma Agrária não seria colocada

em pauta. É necessário que a população e toda a gama de políticos tenham esse debate como

transformador não só na questão fundiária, mas nas questões sociais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve como objetivo analisar a proposta de Comuna da terra enquanto

projeto político de um movimento social, o MST. Começando por um pequeno resumo da

historia deste movimento e suas contradições, a conquista do Mario Lago e o retorno destas

famílias ao campo.

Também observamos os diversos aspectos no processo de concretização dessa

proposta, a forma de uso e ocupação da área, a organicidade do acampamento/assentamento

tanto na questão da produção, comercialização e na questão ambiental.

Essa pesquisa permitiu um melhor entendimento da concepção da comuna da terra

como novo projeto de assentamento visando um público diferenciado.

A conquista do assentamento Mario Lago com a proposta da Comuna da Terra

reacendeu o debate com o modelo produtivo do agronegócio baseado no monocultivo, neste

caso estudado, o da cana de açúcar. Essa proposta ofereceu oportunidade de retorno ao

campo para um público urbano sem perspectivas futuras.

Este estudo mostrou que, no assentamento Mario Lago, estas famílias foram

sensibilizadas a importância da produção agroecológica e preservação ambiental.

Para compreender a organicidade do acampamento/assentamento foi preciso

entender o público que o compõe e sua forma de organização. Nesses anos de luta, a

organização das famílias, principalmente pelo seu vinculo com a cidade, deu a base para este

modelo diferenciado de assentamento.

No caso do Mario Lago, a proposta da Comuna da Terra, pela sua proximidade

geográfica com a cidade permite aos assentados realizar trabalhos na cidade permanecendo

no assentamento. Alem destes trabalhos urbanos, observamos várias experiências de renda

dentro do assentamento como mercearias, bares, restaurantes, beneficiamento da cana de

açúcar para produção de rapadura etc.

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N°003.1.003.7/01. Degradação de vegetação da área de reserva legal da Fazenda da Barra. Ribeirão Preto, 2001. Ministério público do estado de São Paulo. Termo de arquivamento. Inquérito civil n°805/2008. Regularização ambiental de assentamento da reforma agrária. Ribeirão Preto, 2011. Ministério público do estado de São Paulo. Termo de compromisso de ajustamento de conduta. Fazenda da Barra. Ribeirão Preto, 2010. Ministério do desenvolvimento agrário. Governo do estado de São Paulo. Convenio INCRA/ITESP. Relatório agronômico de fiscalização Fazenda da Barra. São Paulo, 2000. MORISSAWA, Mitsue. A História da luta pela terra e o MST / Mitsue Morissawa. - São Paulo : Expressão Popular, 2001. PERENCIN, Claudia Maria Ferreira. A urbanização em área de recarga de arquífero em Ribeirão Preto-SP. Ribeirão Preto, 1997. RIOS Helena Galrão. Rural x Urbano. Perspectivas e antagonismos decorrentes da localização das Comunas da Terra do MST na Região Metropolitana de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAUUSP, 2007. STÉDILE, João Pedro, A questão agrária hoje – 3.ed. / organizado por João Pedro Stédile. - Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 2002. STÉDILE, João Pedro. A questão agrária no Brasil: Programas de reforma agrária 1946-2003 / João Pedro Stédile (org) ; Douglas Estevam (assistente de pesquisa) –1. ed. – São Paulo : Expressão Popular, 2005. SILVA , José Graziano da.O desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro e a reforma agrária. UFRGS, 2002. WALKER, Thomas. “Dos coronéis à metrópole”, fios e tramas da sociedade e da política em Ribeirão Preto no século XX / Thomas Walker e Agnaldo de Sousa Barbosa. – Ribeirão Preto, SP : Palavra Mágica, 2000.

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ANEXOS

1- Auto de Vistoria e constatação

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2- Ação Civil Publica

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