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Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes na ótica empresarial e pública: o caso especial dos Municípios Portugueses Andrea Libório Neto [email protected] Bárbara Borges Friza [email protected] Mª Amélia Monteiro [email protected] Sónia Silva Barbosa [email protected] Nova IMS Information Management School Áreas Temáticas: A) Normas de contabilidade pública B) Relato financeiro do setor público Palavras-chave: Reconhecimento, divulgação, provisões, passivos e ativos contingentes, SNC-AP.

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Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes

na ótica empresarial e pública: o caso especial dos Municípios

Portugueses

Andrea Libório Neto

[email protected]

Bárbara Borges Friza

[email protected]

Mª Amélia Monteiro

[email protected]

Sónia Silva Barbosa

[email protected]

Nova IMS – Information Management School

Áreas Temáticas: A) Normas de contabilidade pública

B) Relato financeiro do setor público

Palavras-chave: Reconhecimento, divulgação, provisões, passivos e ativos contingentes, SNC-AP.

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Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes

na ótica empresarial e pública: o caso especial dos Municípios

Portugueses

RESUMO

Na sequência da harmonização contabilística internacional, Portugal adotou, no que respeita à

contabilidade empresarial, as IAS e aprovou o SNC e, ao nível das administrações públicas, o SNC-

AP.

Existem, assim, nas realidades privada e pública, diferentes normas internacionais e nacionais para as

provisões, passivos contingentes e ativos contingentes, respetivamente, a IAS 37, a NCRF 21 e a NCP 15.

Este trabalho tem por objetivos: efetuar o enquadramento teórico e a análise do quadro

normativo, com particular enfoque na subjetividade dos termos que o caracterizam; efetuar uma

revisão bibliográfica sobre o tema destacando os principais resultados de diversos estudos

empíricos e efetuar um estudo de caso do setor local, através da análise às contas de 2017 dos 10

Municípios com o nível de provisões para riscos e encargos mais elevado, por forma a aferir do

grau de cumprimento da NCP 15 nesta matéria, e a contribuir para futuras análises neste âmbito

e setor.

PALAVRAS-CHAVE: Reconhecimento, divulgação, provisões, passivos e ativos contingentes, SNC-AP.

ABSTRACT

As a consequence of the accounting harmonization at an international level, Portugal as adopted,

concerning private sector, the IAS and approved the SNC, and, in the public sector, the SNC-AP.

Therefore, it exists in Portuguese private and public sector different standards for the subject

related to provisions, contingent liabilities and contingent assets, the IAS 37, NCRF 21 and NCP

15.

This study aims to make: the theoretical approach of this subject and to analyse the mentioned

standards with particular focus in the subjectivity of the terms involved; the bibliographic review of

several studies highlighting the main results, and to examine the 2017 financial statements of the 10

local governments with the most significant level of provisions, in order to verify their level of the

accomplishment with the recent NCP 15, and to contribute for future analysis in this matter and

sector.

3

KEY WORDS: Recognition, disclosure, provisions, contingent liabilities and contingent assets, SNC-AP.

4

1. Introdução

A existência de diferentes contabilidades, resultados e níveis de divulgação, consoante o país não

é compatível com a crescente globalização da economia, situação que conduziu a uma crescente

pressão com vista à harmonização contabilística internacional.

Em Portugal a harmonização contabilística iniciou-se, no que respeita à contabilidade

empresarial, na sequência da adoção por parte da União Europeia (UE) das normas produzidas

pelo International Accounting Standards Board (IASB), num primeiro momento, para

determinado tipo de empresas, e, mais tarde, de forma generalizada, com a entrada em vigor do

Sistema de Normalização Contabilística (SNC).

A contabilidade pública também acompanhou esta tendência, com a aprovação do Sistema de

Normalização Contabilística para as Administrações Públicas (SNC-AP), o qual, como se refere no

preâmbulo do respetivo diploma é “consistente com o SNC e com as Normas Internacionais de

Contabilidade Pública (IPSAS)”, e “resolve a fragmentação e as inconsistências atualmente existentes e

permite dotas as administrações públicas de um sistema orçamental e financeiro mais eficiente e

convergente com os sistemas que atualmente vêm sendo adotados a nível internacional”.

Existem, assim, nas realidades privada e pública, diferentes normas internacionais e nacionais

para a matéria que nos propomos abordar - provisões, passivos contingentes e ativos

contingentes - respetivamente, a International Accounting Standards – IAS 37, a Norma

Contabilística e de Relato Financeiro – NCRF 21 e a Norma de Contabilidade Pública – NCP 15.

A problemática das provisões, passivos contingentes e ativos contingentes merece particular atenção no

âmbito da contabilidade dada a “luta que os responsáveis pela elaboração das demonstrações

financeiras enfrentam com as incertezas e riscos que inevitavelmente rodeiam muitos dos acontecimentos

e circunstâncias” (Eugénio, 2012).

Assim, com este trabalho, pretende-se efetuar:

5

O enquadramento teórico e a análise do quadro normativo, com particular enfoque na

subjetividade dos termos que o caracterizam;

A revisão bibliográfica sobre o tema, apresentando os resultados de diversos estudos empíricos

que:

Relacionam o nível de divulgação das contingências com variáveis como os setores de

atividade e a influência da cultura e do julgamento profissional na preparação da

informação financeira;

Analisam o grau de aplicação do quadro normativo, nomeadamente, através da

análise das contas e da verificação dos índices de conformidade com o mesmo.

Estudo de caso do setor local mediante análise às contas de 2017 de 10 Municípios com o

nível de provisões para riscos e encargos mais elevado, no sentido de conhecer qual foi a

evolução em termos do reconhecimento daqueles passivos no balanço e de verificar se a

informação que prestaram sobre contingências se aproxima da exigida pelo futuro

normativo.

Em resumo, com este trabalho pretende-se abordar o disposto no normativo sobre provisões e

contingências, bem como os estudos empíricos sobre este tema, a nível internacional e nacional e

perceber de que forma esta realidade está refletida num contexto específico da administração

pública portuguesa – a administração local – por forma a contribuir para futuras análises neste

âmbito e setor.

2. Enquadramento teórico e normativo

2.1 Evolução da contabilidade por força da harmonização contabilística

A harmonização contabilística assenta na construção de uma linguagem comum, compreendida e

utilizada globalmente, que se traduz na adoção de normas internacionalmente aceites e que visa a

qualidade e a comparabilidade do relato financeiro.

6

Um dos organismos que se encontra na dianteira do processo de harmonização, sucessor do International

Accounting Standards Committee (IASC)1, cujas normas se denominam de International Accounting

Standards (IAS)2, é o IASB, constituído em 2001, cujas normas se designam International Financial

Reporting Standards (IFRS).

No contexto da então Comunidade Económica Europeia (CEE) a necessidade de harmonização

tornou-se patente já nas 4ª e 7ª Diretivas, respetivamente, Diretiva do Conselho 78/660/CEE, de 25

de julho de 1978 (relativa às contas anuais de certas formas de sociedades) e Diretiva do Conselho

83/349/CEE, de 13 de julho 1983 (relativa à divulgação de informação sobre a preparação de

contas consolidadas), tendo Portugal, na sequência da adesão à CEE em 1 de janeiro de 1986,

adaptado o Plano Oficial de Contabilidade (POC)3.

Em 27 de setembro de 2001 foi publicada a Diretiva 2001/65/CE, que alterou a 4ª e 7ª Diretivas,

bem como a Diretiva 86/635/CEE (relativamente às regras de valorimetria aplicáveis às contas

anuais e consolidadas, acolhendo-se o conceito do justo valor) e, em 19 de julho de 2002 foi

emitido o Regulamento (CE) n.º 1606/2002, onde a UE assume a adoção e utilização das já

mencionadas IAS e IFRS.

De facto, o referido Regulamento obrigava, a partir de 1 de janeiro de 2005, os grupos de

empresas cotados a apresentar as suas demonstrações financeiras de acordo com aquelas normas,

deixando à consideração dos Estados-membros a decisão de permitir a sua adoção noutros

casos4.

1 Entidade fundada em 1973, por dezasseis organismos contabilísticos de nove países, nomeadamente a Austrália, Canadá,

França, Japão, México, Holanda, Reino Unido, Estados Unidos da América e Alemanha. 2 Em Portugal denominadas Normas Internacionais de Contabilidade (NIC). 3 O POC foi criado pelo Decreto-Lei (DL) n.º 47/77, de 7 de fevereiro e foi adaptado aos normativos comunitários através dos

DL n.ºs 410/89 e 238/91, respetivamente, de 21 de novembro e 2 de julho. 4 Em Portugal, o DL n.º 35/2005, de 17 de fevereiro, veio permitir a adoção das IAS/IFRS na elaboração das contas consolidadas

de grupos não cotados e das contas individuais das entidades incluídas na consolidação dos grupos (cotados e não cotados).

7

Em 2009, face à necessidade de alinhamento do normativo contabilístico português com as NIC,

foi aprovado o SNC5, que operou uma verdadeira revolução na forma de fazer contabilidade,

passou-se de um modelo com ênfase jurídico e assente em regras, para uma abordagem

económica, baseada em princípios e com um recurso alargado a juízos de valor, passando as suas

normas a denominar-se de Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF).

O SNC foi alterado em 20156, em resultado da transposição para a ordem jurídica interna da

Diretiva 2013/34/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que

alterou a Diretiva 2006/43/CE, e revogou as Diretivas 78/660/CEE e 83/349/CEE do Conselho.

Entre as alterações introduzidas destaca-se a redução das divulgações exigidas pelas NCRF, dado o

reconhecimento por parte da UE, do papel significativo das pequenas e médias empresas e do peso

global da regulamentação que existe sobre as mesmas, no sentido da redução da sua carga

burocrática.

No âmbito da contabilidade pública, a harmonização contabilística concretizou-se com a aprovação

do SNC-AP, cuja entrada em vigor ocorreu a 1 de janeiro de 2018 para a generalidade dos

organismos da administração pública que não tenham a natureza, forma e designação de empresa e

para as entidades públicas reclassificadas, com a exceção do setor da administração local7.

No setor da administração local, o Orçamento de Estado para 2019 manteve em vigor o Plano

Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo DL n.º 54-A/99, de 22

de fevereiro8.

O SNC-AP assenta em normas de contabilidade pública convergentes com as IPSAS, emitidas pelo

International Public Sector Accounting Standards Board (IPSASB)9, as quais são elaboradas em base

5 DL n.º 159/2009, de 13 de julho, que entrou em vigor a partir de 1 de janeiro de 2010 (cfr. art.º 16º). 6 DL n.º 98/2015, de 2 de junho, aplicável aos períodos que se iniciem em ou após 1 janeiro de 2016 (cfr. art.º 15.º), e posterior

Aviso n.º 8256/2015, de 29 de julho, que contempla as NCRF do SNC, homologadas por Despacho n.º 260/2015 -XIX do Senhor

Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 16 de julho. 7 O SNC-AP foi aprovado pelo DL n.º 192/2015, de 11 de setembro. A entrada em vigor deste diploma esteve prevista para 1 de

janeiro de 2017, porém, o DL n.º 85/2016, de 21 de dezembro, adiou-a para 1 de janeiro de 2018. 8 Vide art.º 98.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.

8

de acréscimo e convergem com as IFRS, sendo adaptadas ao contexto de setor público sempre que

apropriado (Marques, 2017).

2.2 Contextualização concetual na abordagem às contingências

Os conceitos de provisão e contingência estão intimamente relacionados com os conceitos de risco

e incerteza, que diferem, no sentido de que o risco está associado ao desenlace de determinado

evento e o de incerteza, está relacionado com a probabilidade de ocorrência desse evento.

Enquanto as provisões são passivos de oportunidade ou quantia incerta, as contingências são uma

condição ou situação, cujo desfecho final, ganho ou perda (originando os chamados ativos

contingentes e passivos contingentes), só será confirmado na ocorrência, ou na não ocorrência, de

um ou mais acontecimentos futuros e incertos (IAS 37 e IASB 1994: respetivamente, §10 e 3).

Em suma, a diferença está no facto de que, embora “todas as provisões sejam contingentes” (IAS 37:

§12) pelo carácter de incerteza que possuem, nem todas as contingências são relevadas/divulgadas sob a

égide das provisões.

Estamos, assim, numa área de grande subjetividade, perante conceitos passíveis de interpretações

muito distintas e fortemente dependentes do julgamento profissional, tão subjacente à filosofia

(“principle-based standards”) das NIC e com grande significado, nas normas em apreço.

Ora, o relato financeiro das entidades (privadas ou públicas) tem como objetivo proporcionar

informação que seja útil para os múltiplos utilizadores das demonstrações financeiras (DF) na

tomada de decisão.

Considerando a referida margem de subjetividade/julgamento profissional nesta matéria das

contingências, as características qualitativas da relevância e fiabilidade da informação têm,

assim, uma importância acrescida. Salienta-se que a descrição destes atributos é essencialmente

coincidente nas Estrutura Concetual (EC) do SNC e do SNC-AP – cfr. Anexo 1.

9 Este Conselho foi criado pela Internacional Federation of Accountants (IFAC).

9

2.3 O normativo internacional/nacional das contingências

Como já referimos, nas realidades privada (internacional e nacional) e pública existem normas que

tratam das provisões, passivos contingentes e ativos contingentes, respetivamente, a IAS 37, a NCRF

21 e a NCP 15.

Ora, importa verificar se aquelas normas são, na sua essência, semelhantes, quanto ao respetivo

objetivo, âmbito, definições, reconhecimento, mensuração e divulgações, maxime atendendo ao

facto de a literatura revista sobre contingências (em termos de estudos empíricos) ter por base as

duas primeiras e não a realidade da administração pública que pretendemos abordar.

A composição das aludidas normas é a que consta do quadro infra:

Da análise do quadro salienta-se a diferença em matéria de divulgações, que na IAS 37 constam da

própria norma, por oposição às NCRF 21 alterada e NCP 15, que estão previstas, respetivamente, na

NCRF 1 e na NCP 1 (relativas à Estrutura e Conteúdo das Demonstrações Financeiras, no caso em

apreço, o respetivo Anexo).

Os aspetos que são passíveis de divulgação, coincidem nas IAS 37 e NCP 15, mas divergem

significativamente da NCRF 21 em vigor (o que não acontecia com a inicial). De acordo com o

disposto na NCRF 1 uma entidade apenas deve divulgar, no anexo, “informação acerca dos

10

principais pressupostos relativos ao futuro, e outras principais fontes da incerteza das estimativas

à data do balanço, que tenham um risco significativo de provocar um ajustamento material nas

quantias escrituradas de ativos e passivos durante o período contabilístico seguinte” (§47).

Assim, o objetivo das IAS 37/NCFR 21/NCP 15 é o de prescrever/definir critérios de

reconhecimento e bases de mensuração apropriados a provisões, passivos contingentes e ativos

contingentes.

Em termos de âmbito, abrangem, grosso modo, a contabilização das provisões, passivos

contingentes e ativos contingentes excluindo os que resultem de contratos executórios, exceto

quando o contrato for oneroso, ou se encontrem abrangidos por outras normas (por ex., contratos

de construção, locações, benefícios de empregados e instrumentos financeiros).

Relativamente às definições, salienta-se que a noção de contrato oneroso na NCP 15 contempla o

termo “potencial de serviço”, que é uma parte essencial da noção de ativo nas administrações

públicas10

.

De facto, na EC do SNC-AP (§ 88 e 89) “um ativo é um recurso presentemente controlado pela

entidade pública como resultado de um evento passado”, sendo que “um recurso é um item que

contém em si a capacidade de proporcionar um influxo de potencial de serviço ou de benefícios

económicos futuros”.

Neste sentido, potencial de serviço (§ 90) “consiste na capacidade de um ativo ser utilizado na

prossecução dos objetivos da entidade pública, sem que, necessariamente, tenham que ser

gerados influxos de caixa ou equivalentes de caixa para a entidade”.

De acordo com todas as normas um ativo contingente é um ativo possível que decorre de

acontecimentos passados e cuja existência apenas será confirmada pela ocorrência ou não de um

ou mais acontecimentos futuros incertos que não estão totalmente sob controlo da entidade.

10 Salienta-se que, contrariamente ao que acontece na NCP 15 consta da NCRF 21 a noção de passivo.

11

Já passivo contingente é uma obrigação:

Possível, que decorre de acontecimentos passados e cuja existência apenas será

confirmada pela ocorrência ou não de um ou mais acontecimentos futuros incertos, que

não estão totalmente sob controlo da entidade; ou

Presente, que decorre de acontecimentos passados, mas não é reconhecida porque:

Não é provável que seja exigido um exfluxo de recursos incorporando benefícios

económicos (ou potencial de serviço, no caso do SNC-AP) para liquidar essa

obrigação;

A quantia da obrigação não pode ser mensurada com suficiente fiabilidade.

Provisão é um passivo de momento ou quantia incertos, que deverá ser reconhecida quando,

cumulativamente:

Uma entidade tem uma obrigação presente (legal ou construtiva) como resultado de um

acontecimento passado;

É provável que seja exigido um exfluxo de recursos incorporando benefícios

económicos (ou potencial de serviço) para pagar essa obrigação;

Pode ser feita uma estimativa fiável da quantia dessa obrigação.

Já no que se refere à mensuração, a quantia reconhecida como uma provisão deve ser a melhor

estimativa do dispêndio exigido para liquidar a obrigação presente à data de relato.

Salientamos, por fim, que:

Um ativo contingente deve ser divulgado quando seja provável um influxo de

benefícios económicos (ou potencial de serviço no caso do SNC-AP). Já quando a

realização do rendimento seja praticamente certa, então os ativos relacionados não são

ativos contingentes e o seu reconhecimento é apropriado;

12

Um passivo contingente deve ser divulgado, exceto se for remota a possibilidade de um

exfluxo de recursos incorporando benefícios económicos (ou potencial de serviço no

caso do SNC-AP).

Em resumo, as provisões são reconhecidas no balanço, na demonstração de resultados e nas

notas anexas enquanto que os passivos e ativos contingentes são apenas divulgados.

3. Revisão da Literatura – Estudos empíricos

Como já referimos, existe uma grande subjetividade nos conceitos de probabilidade associados ao tema

das provisões, ativos e passivos contingentes, matéria que tem sido especialmente visada por vários

investigadores.

Neste item procuramos evidenciar algumas das abordagens e estudos empíricos que têm sido

feitos nesta matéria, designadamente quanto aos fatores determinantes do reconhecimento e da

divulgação das provisões, passivos e ativos contingentes e ao cumprimento do normativo

contabilístico.

3.1. Fatores que influenciam o reconhecimento e divulgação de provisões, passivos

contingentes e ativos contingentes

Para alguns autores a contabilização de provisões, passivos contingentes e ativos contingentes

depende não só da sua quantificação, mas também da interpretação que possa ser efetuada dos

termos estatísticos de probabilidade que definem a sua possibilidade de ocorrência: provável,

razoavelmente possível e remoto (Oliveira, 2006).

Embora esta conceitualização seja muito subjetiva e discutível, existem estudos relacionados

com a atribuição de equivalentes numéricos a termos de probabilidade, dos quais citamos os

seguintes:

13

Outros autores têm mostrado a profunda subjetividade destes termos (Chesley & Wier, 1985;

Castrillo & Luís, 1992), daqui decorrendo que um facto contingente poderá ser objeto de

reconhecimento como provisão ou de divulgação nas notas ao balanço e demonstração dos

resultados, dependendo da interpretação que cada avaliador possa efetuar dos termos

probabilísticos referidos.

Alguns estudos empíricos relacionam a divulgação de factos contingentes com o setor de

atividade, por exemplo o trabalho de Castelló e Lizcaino (1989)11

.

Esses autores analisaram dados de empresas espanholas, obtidos da Central de Balanços do

Banco de Espanha, dos anos de 1986 e 1987, distribuídas por 11 dos mais representativos setores

de atividade, e após terem definido 11 tipos de contingências conseguiram estabelecer indícios

de que o setor de atividade poderia ser um forte determinante na divulgação de eventos

contingentes.

Em sentido contrário, Oliveira (2006) concluiu existir evidência estatística (com 95% de

confiança) que a propensão para a divulgação de informação sobre provisões para riscos e

encargos, passivos contingentes e ativos contingentes não depende do setor de atividade.

11 Refira-se que este estudo e o de Castrillo e Luís (1992), entram em consideração com diversos tipos de contingências, nomeadamente,

ajustamentos para clientes de cobrança duvidosa, amortizações de ativos fixos, ajustamentos para a depreciação de existências,

ajustamentos em investimentos financeiros, que são, em alguns casos, situações de risco que a empresa pode enfrentar, ou correções

valorativas do ativo, que não assumem os conceitos de provisão, passivos contingentes e ativos contingentes, sendo reguladas por outras

normas.

14

3.2. A influência da cultura e do julgamento profissional na preparação da informação

financeira

O estudo de Marcelino (2013) teve como objetivo analisar a influência da cultura sobre o

julgamento profissional, através da análise da existência de diferenças significativas

relativamente às decisões em torno da divulgação ou reconhecimento de ativos e passivos, bem

como validar a classificação atribuída a Portugal noutro estudo, no que respeita aos valores

contabilísticos do conservadorismo e do secretismo12

.

Para tal foram analisados os conceitos previstos na NCRF 21 e recolhidos dados a partir de um

questionário dirigido aos preparadores da informação financeira (Técnicos Oficiais de Contas)

em Portugal. Foi obtida uma amostra de 408 profissionais e testadas as seguintes hipóteses:

H1: Verificar se Portugal continua a apresentar elevados níveis de conservadorismo e

secretismo, a partir do julgamento profissional;

H2: Verificar se existem diferenças significativas relativamente à decisão tomada pelo

preparador da informação de acordo com o seu julgamento no que diz respeito à decisão

de reconhecimento ou divulgação de um passivo ou ativo.

Os resultados obtidos suportam parcialmente a H1, pois, não obstante, ter-se confirmado o

conservadorismo (por ex. pela preferência de reconhecimento de passivos por quantias mais

elevadas e de ativos mais reduzidas), foi identificada uma atitude de não secretismo (ou seja,

maior transparência, na divulgação, por ex., de matérias mais complexas e de contingências em

situações de incerteza).

Já no que respeita à H2, os dados analisados permitiram a confirmação de que existem diferenças

significativas na perceção dos profissionais quanto à divulgação e ao reconhecimento de

12 De acordo com Gray (1988), no seu estudo Towards a theory of cultural influence on the development of accounting systems

internationally, Portugal é um país de elevados níveis de conservadorismo e secretismo.

15

passivos e ativos, constatando-se uma maior tendência para a divulgação dos primeiros em

detrimento dos segundos, em linha, de resto, com o conservadorismo.

Estes resultados comprovam a influência dos fatores culturais no julgamento profissional dos

preparadores da informação financeira. No mesmo sentido, também Choi e Meek (2005),

concluem que diferentes fatores económicos, políticos, culturais e legais influenciam diferentes

sistemas contabilísticos.

3.3. O cumprimento do normativo contabilístico em matéria de contingências

Sobre o cumprimento do normativo em matéria de contingências destaca-se o estudo realizado por

Castrillo (1992), que resultou de um inquérito efetuado a 76 empresas espanholas, com a finalidade de

analisar o nível de:

Divulgação das contingências, ou seja, quem é que divulga, que tipo de contingência é

mais usual divulgar e onde é habitual divulgar;

Cumprimento do normativo contabilístico.

Dos resultados obtidos destaca-se que a maioria das empresas inquiridas informava sobre perdas

contingentes no balanço, na demonstração dos resultados e no anexo ao balanço de

demonstração de resultados e, em alguns casos, também no relatório de gestão.

A natureza da contingência, a experiência da empresa em casos semelhantes e a opinião de

peritos externos eram os fatores mais utilizados para apurar o grau de probabilidade, sendo a

média, a regressão e a extrapolação linear, as técnicas mais utilizadas para a quantificar.

Este autor concluiu ainda que a maioria das empresas seguiram o normativo contabilístico no

que respeita ao cumprimento da relevação de provisões para riscos e encargos, mas 24% das

inquiridas não o cumpriu quanto à divulgação de factos contingentes.

16

O grau de cumprimento do normativo contabilístico foi aferido através de uma análise

multivariada, com recurso à análise fatorial, obtendo-se três fatores: fator 1 (nível de

cumprimento do normativo contabilístico); fator 2 (propriedade da empresa) e fator 3 (atribuição

de equivalentes numéricos).

Da conversão destes fatores em três classes, obtiveram-se os seguintes perfis:

Classe 1: (60 empresas inquiridas), empresas que cumpriam as normas contabilísticas,

auditavam as suas demonstrações financeiras, revelavam informação sobre

contingências e a propriedade da empresa era privada com participação estrangeira;

Classe 2: (5 empresas inquiridas), empresas que cumpriam o normativo contabilístico,

nos aspetos do quando e como informar e nas quais a propriedade da empresa era

pública;

Classe 3: (11 empresas inquiridas), empresas que não cumpriam as normas de

contabilidade sobre contingências, a propriedade era privada sem participação

estrangeira e não revelavam qualquer informação sobre eventos contingentes.

Já quanto à situação das empresas portuguesas destacamos o estudo de Oliveira 200613

. Este

autor analisou a forma como os factos contingentes estão a ser tratados pelas empresas nacionais,

com base num inquérito por questionário às 50014

empresas que integravam, em 2001, o ranking

da revista Exame. Neste estudo foram testadas várias hipóteses das quais salientamos as

seguintes:

13 Este estudo teve como objetivo a verificação do cumprimento da IAS 37 pelas empresas portuguesas e considerou apenas os factos

contingentes que podem originar o reconhecimento de provisões para riscos e encargos ou a divulgação de passivos contingentes: litígios

e reclamações, garantias pós-venda, avales e garantias de terceiros, pensões, indemnizações ao pessoal, impostos, pré-aquisições

empresariais, reestruturações empresariais, questões ambientais, factoring, expropriações e subsídios estatais. 14 Salienta-se que a taxa de resposta do questionário foi de 15,6% (78 empresas).

17

H1: As empresas portuguesas, no ano de 200015

, divulgaram provisões para riscos e

encargos, passivos contingentes e ativos contingentes?

H4: Quais os motivos subjacentes à divulgação dos Passivos e Ativos contingentes?

H5: Qual a interpretação efetuada, pelos responsáveis do departamento de

contabilidade, dos termos probabilísticos relacionados com a ocorrência dos factos

contingentes?

Este autor concluiu relativamente à H1 e através de uma análise univariada onde foi calculada a

média, o desvio padrão e as frequências relativas, que nem todas as empresas (cerca de 12,8%, 6

entidades) que prestam informação sobre provisões para riscos e encargos no balanço e

demonstração de resultados (61,5%, 47 entidades), complementam essa informação com

descrições qualitativas e/ou quantitativas nas notas ao balanço e demonstração de resultados,

originando, desta forma, um incumprimento do normativo contabilístico (tanto do POC à altura,

como da IAS 37).

As situações de passivos contingentes e ativos contingentes relatadas são muito diminutas

(respetivamente, 4% e 23%, ou seja, 3 e 18 entidades), segundo o que concluiu o autor, por

observância ao princípio da prudência, eleito como um dos mais importantes motivos para essas

divulgações.

No que se refere à H4 (motivos subjacentes à divulgação dos Passivos e Ativos Contingentes) o

autor conclui que, não obstante, a existência de uma maior dispersão, as variáveis mais

importantes são a da relevância da informação (75%) e a obediência ao princípio da prudência

(64%), em detrimento do grau de probabilidade de ocorrência inferior (29%), da impossibilidade

de quantificação razoável ( 35%) ou do não cumprimento da definição passivo/ativo (30%).

15 Observa-se que em 2001 estava em vigor o POC, normativo que embora não estabeleça um tratamento contabilístico para os passivos

e ativos contingentes, exige a obediência à hierarquia definida no Diretriz Contabilística 18, ou seja, as empresas portuguesas, para

tratarem corretamente estas situações eram obrigadas a aplicar a IAS 37.

18

Por fim, relativamente à H5 (critérios seguidos para a determinação do grau de probabilidade)

ficou demonstrado que o critério escolhido é a natureza do facto a avaliar, pois 72% das respostas

recolhidas indicam uma importância elevada deste critério, em detrimento da opinião de peritos

internos e externos (69%), experiência da empresa em casos semelhantes (67%) e experiência de

outras empresas (6%).

Considerando as conclusões deste estudo, as empresas portuguesas:

Perante a análise de um facto contingente, preferem verificar se tal evento é suscetível de

originar uma provisão, sem efetuar qualquer estudo sobre a potencialidade de gerar um

passivo contingente ou um ativo contingente, o que pode ser explicável pela dificuldade em

distinguir o que é uma provisão, um ativo ou um passivo contingente, através da

interpretação dos termos de probabilidade de ocorrência dos eventos contingentes:

provável, razoavelmente possível e remoto;

No momento do reconhecimento das provisões e/ou da divulgação dos passivos

contingentes e dos ativos contingentes, não apoiaram a política de relato financeiro no

tratamento contabilístico estabelecido na IAS 37, uma vez que a divulgação de passivos

e ativos contingentes é efetuada tendo em conta a relevância da informação e a

obediência ao princípio da prudência, tal como refere o POC em matéria de riscos e

incertezas;

Não cumprem a IAS 37, facto que pode ser explicado pela incompreensão da norma ou

por opção deliberada.

4. O tratamento das contingências nos Municípios

4.1. Enquadramento teórico

Como já vimos, a entrada em vigor do SNC-AP foi adiada para as administrações públicas, pelo

que, em 2017 não foram elaboradas demonstrações financeiras naquele sistema contabilístico,

19

tendo os Municípios apresentado contas em POCAL. Assim, por constituir uma área de

particular interesse para a IGF, e, por o acesso às respetivas contas estar facilitado, vamos

proceder a uma análise daquelas entidades em matéria de contingências.

As DF de 2017 foram elaboradas em obediência ao POCAL que dispõe sobre provisões,

designadamente:

Nas notas explicativas à conta 292 – Provisões para Riscos e Encargos (PRE), que “esta

conta serve para registar as responsabilidades derivadas dos riscos de natureza

específica e provável. Será debitada na medida em que se reduzam ou cessem os riscos

previstos”.

Nas “Notas ao balanço e à demonstração de resultados” (Nota 8.2.27.), onde é feito o

desdobramento das contas de provisões acumuladas explicitando os movimentos

ocorridos no exercício (saldo inicial + aumento – redução = saldo final).

Estas entidades também estão sujeitas ao Regime Financeiro das Autarquias Locais e das

Entidades Intermunicipais (RFALEI)16

, que na alínea a), do n.º 1, do art.º 46.º dispõe que o

orçamento municipal inclui um “relatório que contenha a apresentação e a fundamentação da

política orçamental proposta, incluindo a identificação e descrição das responsabilidades

contingentes”.

De acordo como o art.º 2.º do referido diploma, responsabilidades contingentes são “possíveis

obrigações que resultem de factos passados e cuja existência é confirmada apenas pela

ocorrência ou não de um ou mais acontecimentos futuros incertos não totalmente sob controlo da

entidade, ou obrigações presentes que, resultando de acontecimentos passados, não são

reconhecidas porque:

16 Diploma aprovado pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro.

20

i) Não é provável que um exfluxo de recursos, que incorpora benefícios económicos ou um

potencial de serviço, seja exigido para liquidar as obrigações; ou

ii) O montante das obrigações não pode ser mensurado com suficiente fiabilidade.”

Esta noção coincide com o conceito de passivo contingente, tal como definido na NCP 15,

todavia, o momento da divulgação daquela informação ocorre previamente ao final do exercício,

uma vez que o órgão executivo tem de apresentar ao órgão deliberativo, até 31 de outubro, a

proposta de orçamento municipal para o ano económico seguinte - Cfr. art.º 45.º do RFALEI.

4.2. Amostra e metodologia

Com base nos dados que constam do Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses de 2017,

selecionamos os 10 Municípios que apresentavam o montante mais elevado de Provisões para

Riscos e Encargos (PRE) naquele ano (cfr. Anexo 2):

A amostra selecionada integra 6 municípios de grande dimensão e 4 de média dimensão, cujo

valor total de PRE representa, em 2017, 67% do conjunto dos 308 Municípios (682 M€ em

1 012 M€).

Efetuámos a análise ao tipo de PRE que foram reconhecidas por aqueles Municípios e

procurámos aferir se esta informação foi complementada com descrições qualitativas e/ou

21

quantitativas, bem como se foram divulgados passivos contingentes e ativos contingentes no

anexo “Notas ao balanço e à demonstração de resultados” e no Relatório de Gestão.

Para este efeito construímos uma grelha composta por 18 parâmetros que contempla as

divulgações obrigatórias para a NCP 15 (cfr. Anexo 3).

4.3. Principais resultados

4.3.1. Em matéria de provisões

A análise efetuada evidencia que entre 2006 e 2017 (respetivamente, 5 e 16 anos após a

implementação do POCAL) o montante de PRE aumentou significativamente, 582 M€ (634%).

A tipologia de PRE reconhecida pelos Municípios nos balanços de 2017 consta do quadro infra

(previsto nas notas para a preparação do anexo às DF, que integra o Manual de implementação do

SNC-AP V2):

O montante mais significativo de PRE (503 M€), que representa 74% do total, respeita a

processos judiciais em curso, sendo que apenas Lisboa tem provisões relativas a impostos,

contribuições e taxas (devolução da taxa municipal de proteção civil) e a restruturação e

reorganização (internalização da EPUL).

22

Observa-se que, em relação à tipologia “Outras provisões”, não foi possível efetuar esta análise

qualitativa, mesmo com recurso às Notas ao balanço e à demonstração de resultados e ao

Relatório de Gestão, por ausência de informação.

Verificou-se ainda que os Municípios de Lisboa e do Porto têm PRE relativas a

responsabilidades com pensões, situação que em SNC-AP não é tratada pela NCP 15, mas sim

pela NCP 19.

Constatou-se que todos os Municípios explicitam na Nota 8.2.27 do Anexo as quantias de PRE

escrituradas no início e no fim do período, bem como os seus aumentos e diminuições

(parâmetros 1, 2 e 4 do Anexo 3), em cumprimento do disposto no POCAL.

Todavia, a maioria dos municípios que integra a amostra apresenta um nível de divulgação

superior à exigida, dando já cumprimento ao que consta da NCP 15.

De facto, todos os municípios, à exceção de Sintra e Bragança, fazem uma breve descrição da

natureza da obrigação, nomeadamente, se se trata de questões jurídicas ou outras e seis já

informam sobre “Indicação das incertezas acerca da quantia ou do momento de ocorrência desses

exfluxos” e sobre “Principais pressupostos assumidos respeitantes a acontecimentos futuros”

(respetivamente, parâmetros 8 e 9)17

.

Em suma, embora os Municípios não estejam ainda sujeitos ao cumprimento da NCP 15, na

amostra constituída verifica-se que alguns dos parâmetros (53%) de divulgação de provisões

exigíveis pela norma já são cumpridos (cfr. Anexo 3).

4.3.2. Em matéria de passivos contingentes

17 Os Municípios de Barcelos, Paços de Ferreira, Porto, Marco de Canaveses, Fundão e Bragança cumprem o disposto no parâmetro 8, e

os Municípios de Barcelos, Paços de Ferreira, Porto, Marco de Canaveses, Bragança e Loures cumprem o disposto no parâmetro 9.

23

A divulgação de passivos contingentes e de ativos contingentes apresenta alguma expressão

quantitativa na amostra (respetivamente, 83 e 5), no entanto estas situações respeitam a um

número reduzido de Municípios, como se constata no quadro seguinte:

Assim, apenas Lisboa, Barcelos, Porto e Fundão (40%) divulgam passivos contingentes ou ativos

contingentes. No que respeita aos passivos contingentes, apenas o Fundão estima o seu efeito

financeiro, limitando-se os restantes a fazer uma descrição da sua natureza, salientando-se que

nenhum dos Municípios indica as incertezas que se relacionam com a quantia ou o momento de

ocorrência de qualquer exfluxo, nem com a possibilidade de qualquer reembolso.

Face ao exposto, os 4 Municípios que apresentam passivos contingentes, apenas cumprem com

31% dos parâmetros de divulgação da NCP 15 sobre esta matéria (cfr. Anexo 3).

Refira-se, a título de exemplo, as divulgações efetuadas pelo Porto, que refere que: “No decurso

normal da sua atividade, existem ainda diversos litígios e contingências (de risco possível) de

natureza administrativa e tributária (…). Estas ações judiciais, administrativas ou outras, envolvem

munícipes, empresas, funcionários, autoridades administrativas, fiscais ou outras. Da análise efetuada

e da informação prestada pela DMSJ, o risco de perda destas ações não é provável e o desfecho das

mesmas não afetará de forma material a posição financeira do Município. Assim, os processos destas

naturezas cujas perdas foram estimadas como possíveis, não requerem a constituição de provisões e

são periodicamente reavaliados”.

24

Saliente-se, por fim, ao nível das responsabilidades/passivos contingentes (exigíveis pelo RFALEI), a

heterogeneidade de procedimentos entre os Municípios, designadamente quanto – cfr. Anexo 4:

Ao momento da divulgação da informação, pois nem todos cumprem a obrigatoriedade de

divulgação aquando da elaboração do orçamento (v.g., Loures em 2017/2018 e Sintra, no último

ano);

À forma e substância do que é divulgado, já que nem todos efetuam a respetiva quantificação

(Barcelos e Porto) e alguns apresentam a informação de forma diferente de um ano para outro

(v.g., Barcelos que em 2018 não apresentou a quantificação das responsabilidades, ao contrário do

que tinha efetuado em 2017).

Ora, quando a NCP 15 estiver em vigor o tipo de informação a prestar sobre responsabilidades

contingentes para efeitos de orçamento, ou passivos contingentes, ao nível das DF, deverá ser o

mesmo, ainda que, com eventuais diferenças quanto ao momento do reporte.

4.3.3. Em matéria de ativos contingentes

No que se refere a ativos contingentes, apenas Lisboa, Porto e Fundão divulgam situações desta

natureza, sendo que os dois últimos efetuam a respetiva quantificação.

Destaca-se o Município do Porto que relata como ativo contingente, o valor a entregar pela

Autoridade Tributária relativamente às receitas fiscais de CA, IMI, IMT, IUC e SISA

(apresentando os montantes recebidos em anos anteriores, 2015: 29,4 M€ e 2016: 27,6 M€), por

considerar que não estão reunidos os critérios de reconhecimento de um ativo.

5. Conclusões e sugestões de futuras investigações/pesquisas

5.1. Conclusões

A evolução recente da contabilidade, privada e pública, em Portugal, é resultado da adoção e

adaptação de normas que decorrem da harmonização contabilística internacional.

25

O conteúdo das normas contabilísticas internacionais/nacionais em matéria de contingências, no

contexto empresarial (IAS 37/NCRF 21) e na administração pública (NCP 15) é, no essencial, o

mesmo, maxime, quanto ao objetivo, âmbito, definições e critérios de reconhecimento e mensuração.

Em matéria de divulgações existem diferenças assinaláveis, salientando-se a maior exigência de

divulgação nas IAS 27/NCP 15 comparativamente com a NCRF 21, bem como a especificidade de

alguns conceitos, nomeadamente de ativo, que em SNC-AP, tem em consideração o denominado

potencial de serviço.

A matéria das provisões, dos passivos contingentes e ativos contingentes é uma área de grande

subjetividade, em que são utilizados conceitos passíveis de interpretações distintas e fortemente

dependente do julgamento profissional tão subjacente à filosofia “principle-based standards”

patente nas normas internacionais de contabilidade. Neste contexto, a avaliação qualitativa e

quantitativa dos acontecimentos deverá assentar em pressupostos devidamente sustentados e

transparentes para que a comparabilidade da informação financeira não fique comprometida.

Os estudos empíricos realizados nesta matéria são bastante variados: alguns atribuíram

equivalentes numéricos a termos de probabilidade, outros relacionaram a divulgação de factos

contingentes com variáveis como o setor de atividade, a cultura e o julgamento profissional e

alguns autores verificaram o cumprimento do normativo no universo empresarial. Todos os

estudos referidos terão particular interesse para a realidade da Administração Local, maxime

considerando a entrada em vigor do SNC-AP.

Da análise efetuada às contingências no âmbito da Administração Local concluímos que, embora os 10

Municípios analisados não estejam ainda sujeitos ao cumprimento da NCP 15, alguns dos parâmetros

de divulgação de provisões exigidos pela norma já são cumpridos (em 53% dos parâmetros exigidos).

No que se refere à divulgação de contingências, tanto ao nível dos passivos como dos ativos, os

resultados obtidos são similares aos verificados no âmbito privado, designadamente, quanto ao

26

reduzido número de situações identificadas (só 4 Municípios divulgam passivos contingentes,

observando 31% dos parâmetros exigidos e apenas 3 Municípios divulgam ativos contingentes,

observando 83% dos parâmetros exigidos).

Por fim, constataram-se situações que estão a ser reconhecidas ao nível das PRE que, no futuro,

não são reconhecidas como provisões pela NCP 15 (caso dos benefícios dos empregados), bem

como uma grande heterogeneidade de critérios quanto ao que constitui responsabilidade/passivo

contingente, situações que deverão merecer a atenção das entidades envolvidas (Municípios e

entidades de controlo).

5.2. Sugestão de futuras investigações/pesquisas

Atenta a relevância dos Municípios no âmbito da Administração Pública importaria replicar para o

conjunto dos 308 Municípios Portugueses, após a implementação do SNC-AP, a metodologia

seguida por alguns dos estudos apresentados, testando, por exemplo, hipóteses que permitam aferir

do grau de cumprimento da NCP 15 e da influência das diversas variáveis em matéria de

contingências.

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Sites consultados: Câmara Municipal (CM) de Lisboa, CM Barcelos, CM Loures, CM Paços de Ferreira,

CM Porto, CM Coimbra, CM Marco de Canaveses, CM Fundão, CM Sintra e CM Bragança.

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