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Práticas Pedagógicas OUTRAS, a partir de Professoras Negras em espaços formais e não formais de aprendizagens. Ana Beatriz da Silva 1 Michele Lopes da Silva Alves 2 Palavras-Chave: Corpos, Práticas OUTRAS, Professoras Negras, espaços formais e não formais . Resumo Alvo de disputa por se configurar como um fenômeno social, cultural e político, o corpo envolve disputa, controle, dominação, processos de desumanização, mas, sobretudo, re-existência, luta, transgressão, descolonização. Neste sentido, as relações étnico-raciais são complexas abrangendo o relacionamento dos corpos em trânsito, nos espaços escolares e nos não formais de aprendizagens. O trabalho reflete sobre práticas de professoras negras, que a partir de seus corpos negros e de mulheres, se propõem a trabalhar com Práticas Pedagógicas Outras na formação de sujeitos/as em contextos de aprendizagens. Para tanto, desenvolvemos um Minicurso, que o diálogo e as trocas de experivivências fossem instaurados num processo de formação e integração propostos a discutirem: Corpo e a racialização; Corporeidade negra; Identidade e Representatividade afro-brasileira; Prática docente e perspectivas de raça e gênero; Práticas e pedagogias descolonizadas da racialização e de valorização das diferenças; Feminismo Negro, Movimentos Sociais e Outras Pedagogias, a partir de hooks, Gomes, Walsh, Miranda, Estudos Decoloniais e Arroyo. Com um conjunto de temas intrínsecos e complementares, a metodologia do Minicurso se vale de exposições dialogadas, vivências de Práticas Pedagógicas OUTRAS, que permite refletir sobre os corpos na dimensão do ser mulher negra, como também analisar práticas coerentes às referidas perspectivas pedagógicas. INTRODUÇÃO As relações étnico-raciais são complexas abrangendo o relacionamento dos corpos em trânsito no espaço escolar e demais espaços não formais de aprendizagens. Corpos esses que abarcam sujeitos díspares como: pessoas de diversos lugares, negros, brancos, indígenas, quilombolas, homens, mulheres, homossexuais, entre outros. Sobre a aprendizagem da dimensão étnico-racial, talvez, as formas pelas quais os corpos negros se apresentam e circulam na escola, podem complementar a significância das práticas docentes, planejadas e desenvolvidas didaticamente, porque se dão pelo sentir e pelo perceber. A aprendizagem para além da reflexão, pode ocorrer no convívio letivo, por meio dos corpos negros sejam de professoras/es sejam de estudantes que se relacionam, por vivências corporificadas do afeto, do respeito, da alteridade ou não. O corpo sempre foi alvo de disputa, controle, dominação, processos de desumanização, mas, sobretudo, re-existência, luta, transgressão, descolonização. No 1 Mestre em Educação, integrante do Grupo de Estudo e Pesquisa Formação de Professores, Pedagogias Decoloniais, Interculturalidade crítica (GFPPD) na UNIRIO, Diretora-executiva da Casa das Pretas e Pesquisadora e educadora da Ed. Básica do IMJA (Instituto Maria e João Aleixo). 2 Professora do IFPI-Cocal e integrante do NEABI/IFPI-Cocal; Doutoranda na FAE/UFMG e integrante do Programa Ações Afirmativas na UFMG.

Práticas Pedagógicas OUTRAS, a partir de Professoras ... · educativas com suas experivivências (experiências que só ganham significados a partir de vivências significativas

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Práticas Pedagógicas OUTRAS, a partir de Professoras Negras em espaços formais e não formais de aprendizagens.

Ana Beatriz da Silva1

Michele Lopes da Silva Alves2

Palavras-Chave: Corpos, Práticas OUTRAS, Professoras Negras, espaços formais e não formais .

Resumo Alvo de disputa por se configurar como um fenômeno social, cultural e político, o corpo envolve disputa, controle, dominação, processos de desumanização, mas, sobretudo, re-existência, luta, transgressão, descolonização. Neste sentido, as relações étnico-raciais são complexas abrangendo o relacionamento dos corpos em trânsito, nos espaços escolares e nos não formais de aprendizagens. O trabalho reflete sobre práticas de professoras negras, que a partir de seus corpos negros e de mulheres, se propõem a trabalhar com Práticas Pedagógicas Outras na formação de sujeitos/as em contextos de aprendizagens. Para tanto, desenvolvemos um Minicurso, que o diálogo e as trocas de experivivências fossem instaurados num processo de formação e integração propostos a discutirem: Corpo e a racialização; Corporeidade negra; Identidade e Representatividade afro-brasileira; Prática docente e perspectivas de raça e gênero; Práticas e pedagogias descolonizadas da racialização e de valorização das diferenças; Feminismo Negro, Movimentos Sociais e Outras Pedagogias, a partir de hooks, Gomes, Walsh, Miranda, Estudos Decoloniais e Arroyo. Com um conjunto de temas intrínsecos e complementares, a metodologia do Minicurso se vale de exposições dialogadas, vivências de Práticas Pedagógicas OUTRAS, que permite refletir sobre os corpos na dimensão do ser mulher negra, como também analisar práticas coerentes às referidas perspectivas pedagógicas.

INTRODUÇÃO

As relações étnico-raciais são complexas abrangendo o relacionamento dos corpos em trânsito no espaço escolar e demais espaços não formais de aprendizagens. Corpos esses que abarcam sujeitos díspares como: pessoas de diversos lugares, negros, brancos, indígenas, quilombolas, homens, mulheres, homossexuais, entre outros. Sobre a aprendizagem da dimensão étnico-racial, talvez, as formas pelas quais os corpos negros se apresentam e circulam na escola, podem complementar a significância das práticas docentes, planejadas e desenvolvidas didaticamente, porque se dão pelo sentir e pelo perceber. A aprendizagem para além da reflexão, pode ocorrer no convívio letivo, por meio dos corpos negros sejam de professoras/es sejam de estudantes que se relacionam, por vivências corporificadas do afeto, do respeito, da alteridade ou não.

O corpo sempre foi alvo de disputa, controle, dominação, processos de desumanização, mas, sobretudo, re-existência, luta, transgressão, descolonização. No 1 Mestre em Educação, integrante do Grupo de Estudo e Pesquisa Formação de Professores, Pedagogias Decoloniais, Interculturalidade crítica (GFPPD) na UNIRIO, Diretora-executiva da Casa das Pretas e Pesquisadora e educadora da Ed. Básica do IMJA (Instituto Maria e João Aleixo). 2 Professora do IFPI-Cocal e integrante do NEABI/IFPI-Cocal; Doutoranda na FAE/UFMG e integrante do Programa Ações Afirmativas na UFMG.

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Brasil, temos o racismo que invisibiliza os corpos negros e os nega em conhecê-los e reconhecê-los como grupo formador na sociedade. Segundo, Gomes (2003) que nos ajuda nessa reflexão:

O entendimento desse contexto revela que o corpo, como suporte de construção da identidade negra, ainda não tem sido uma temática privilegiada pelo campo educacional, principalmente pelos estudos sobre formação de professores e diversidade étnico-cultural. E que esse campo, também, ao considerar tal diversidade, deverá se abrir para dialogar com outros espaços em que os negros constroem suas identidades (GOMES, 2003, p.169).

Sendo assim, ao analisar as particularidades que envolvem as subordinações entre as mulheres observa-se que o contexto das desigualdades de gênero entre outros marcadores sociais como raça, classe, sexualidade não coloca as mulheres negras e as mulheres brancas nas mesmas condições. As diferenças que as distinguem são muito marcantes, principalmente a étnico-racial. Assim, essas mulheres negras são acionadas para mobilizar situações de agenciamento e empoderamento nos questionamentos das estruturas de opressão (CARDOSO, 2017, p.3).

Dessa forma a categoria gênero, quando se baseia em um discurso universal sobre as mulheres, englobando as mulheres negras e brancas num mesmo patamar e sob as mesmas condições, apresenta sérios limites. Corre-se o risco de não revelar e nem nomear as mulheres negras e o lugar delas imposto na estrutura da desigualdade e do poder. Diante disso, percebe-se a necessidade de haver uma articulação entre a categoria gênero e a categoria raça, no plano teórico e político, para que as mulheres negras possam ser nomeadas, visualizadas e visibilizadas. Tal articulação tem sido proposta por estudiosas, como Kimberly Crenshaw (2002), Ana Claudia Pereira (2016) e Claudia Pons Cardoso (2017, p.4) que sinaliza os temas da “interseccionalidade” como parte da contribuição do Feminismo Negro, assim como preconizou Davis (2016) ao tratar da opressão às mulheres negras nos Estados Unidos:

Claro que classe é importante. É preciso compreender que classe informa a raça. Mas raça, também, informa a classe. E gênero informa a classe. Raça é a maneira como a classe é vivida. Da mesma forma que gênero é a maneira como a raça é vivida. A gente precisa refletir bastante para perceber as intersecções entre raça, classe e gênero, de forma a perceber que entre essas categorias existem relações que são mútuas e outras que são cruzadas. Ninguém pode assumir a primazia de uma categoria sobre as outras. (DAVIS, 2016, grifo nosso).

Nessa mesma direção, segundo Crenshaw (2002), o machismo e o racismo operam de forma conjunta na sociedade brasileira, o que configura uma dupla e com mais formas de opressão discriminação. Essa articulação traz para o campo da pesquisa e para as práticas políticas o desafio da interseccionalidade no tratamento das desigualdades de raça, gênero, classe, orientação sexual entre outros que considera o entrecruzamento entre ambos marcadores. Essa autora ao tratar das políticas que visam à garantia de direitos humanos articulados ao gênero aponta a importância de se reconhecer as discriminações de raça e de gênero conjuntamente, pois é sobre esses dois eixos que as desigualdades se estruturam. Ainda ela, a interseccionalidade permite “a conceituação do problema da desigualdade buscando

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capturar as consequências estruturais e as dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos de subordinação” (Crenshaw, 2002, p.177).

Nesse sentido, raça e gênero tornam-se pertinentes como categorias de análise na perspectiva da interseccionalidade, quando se busca investigar, num patamar de diversidade, as aproximações e as particularidades existentes entre as mulheres negras e brancas, mulheres negras e homens negro, no contexto das desigualdades e no jogo das relações de poder para que haja uma compreensão das estratégias de invisibilidade. Contudo, os mesmos corpos de dominação, são também de resistência, luta, re-existência, transgressão e recriação.

A partir das lutas dos movimentos sociais: negro, de mulheres negras e feminismo negro foi possível manter as ancestralidades de conhecimentos, saberes científicos e culturais africanos, que a colonização se apropriou e usurpou. Desse modo, ajudou a manter nossos corpos vivos, pretos e assumindo a afro-negritude. As mulheres negras lutam para que os corpos ainda sejam valorizados, respeitados e preservados plenamente em sua integridade e dignidade. Sendo assim, gerando outros conhecimentos e novas possibilidades no campo da Educação vinda dos movimentos sociais. As mulheres negras a nosso ver, produzem conhecimentos, saberes que vão evidenciar analisar e tratar as problematizações que trazem no campo da educação.

Gomes (1995, p.35) argumenta, também, que “a mulher negra professora se defronta com muitos conflitos para a construção de sua identidade e o estabelecimento de sua condição de mulher e profissional” provocando-nos a entender percepções que nos levam a desvelar o racismo e sexismo camuflados em todas as instâncias da nossa sociedade moderna/colonial.

Dessa forma, percebemos que os movimentos de mulheres negras e do feminismo negro, que nos transformou enquanto pessoas e nos constituiu como sujeitos de histórias, fazem com que mulheres negras e professoras alinhem práticas educativas com suas experivivências (experiências que só ganham significados a partir de vivências significativas e tocantes), tendo como base pedagogias descolonizadoras da racialização. Ou seja, essas práticas podem ser vistas como transgressoras decoloniais e emancipatórias? Práticas que advém e se configuram como Práticas OUTRAS dos movimentos sociais, sobretudo o feminismo negro, pode ser uma possível resposta. Segundo Arroyo (2016), as Práticas Outras emergem dos sujeitos que são tratados e vistos como “outros sujeitos”, que ao se reunirem produzem várias outras dimensões educativas que confrontam com as dadas e postas como referências pedagógicas.

Essas Práticas Outras Pedagógicas são ações, nos contextos de cada professora negra, de seu currículo oculto que são ações de ruptura com o instituído da normalidade da escola e de outros espaços de formações, nos ajudam a pensar, sobretudo, quando recorremos aos estudos da Pedagogia Decolonial e do Feminismo Negro imprimindo , nesses espaços, outras educações, com uma pedagogia de (re) existência alinhada a decolonialidade3 com “práticas educativas que possibilitam a

3 A decolonialidade desafia o parecer eurocêntrico colonial em função da construção de novas tessituras políticas, sociais e epistêmicas fomentadas nas culturas que sofreram com a ferida colonial. Neste sentido, questionam o processo de desumanização que balizou a exploração material e subjetiva empreendida pelos colonizadores sob a denominação de modernidade (SILVA, 2014, p.164).

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proposição de outros achados na perspectiva da pedagogia decolonial”, conforme aprendemos com Walsh (2013).

Nesse contexto, concordamos com Claudia Miranda (2014):

Para além de intervir, o segmento feminino negro formado por intelectuais [professoras negras] se posiciona como tal e se impõe para promover agendas que não abarcam puramente suas demandas específicas. Passa a ser imperativo enfrentar as urgências relacionadas com processos mais interpenetrados pelas formas de desigualdade social. As idiossincrasias e as questões de fundo que perpassam os lugares de subalternização revelam as formas de ressignificação permanente dessas subjetividades, mas, ao mesmo tempo, exigem amplas visões sobre o que é ser, cotidianamente aprisionado/a como o Outro colonial. (MIRANDA, 2014, grifo nosso).

Diante disso, a proposta de realização de um minicurso que contemple essas Práticas Outras advindas da experivivências da corporeidade étnico racial de mulheres negras, é provocar momentos de encontro dinâmicos e de trocas de conhecimentos e experiência com mulheres negras, sujeitos outros, que se fazem a partir da luta e resistência, transgredido espaços e saberes que tentam silenciá-las, para demarcar seu lugar de fala (Ribeiro, 2017) e fomentar ações emancipatórias coletivas e individuais. Pode-se até parafrasear Spivak (2010, p.70) podem as mulheres negras falar? E por muito tempo atrás não! Mas, sempre falaram por outras linguagens, como a corporal. Hoje, suas falas ecoam e povoam como “agências” onde há tentativas de silênciamento.

Tendo em vistas esses aspectos anteriores, o trabalho se estrutura por três eixos de reflexão e inflexão diante das produções eurocêntricas, se propondo, primeiramente a resgatar a dimensão do corpo como campo de disputa à luz de algumas produções decoloniais e brasileiras. Em seguida, resgata que a disputa pela reconstrução e um reinventar dessa corporeidade étnico racial é um processo de autoconhecimento e afirmação de movimentos sociais, especificamente o feminismo negro e o movimento negro. Reconstrução que se fez a partir de muitas inflexões configuradas por práticas outras e decolonizadoras, último eixo abordado.

I - CORPO E RACIALIZAÇÃO; IDENTIDADE E REPRESENTATIVIDADE NEGRA;

CORPOREIDADE NEGRA.

Os corpos definidos e marcados por suas diferenças fisiológicas naturais e culturais foram efetivamente a razão maior para justificar a colonização, produzindo essa justificativa em si. Ou seja, fazendo das diferenças um processo de diferenciação no qual os corpos diferentes dos corpos europeus, brancos e vestidos, fossem subjugados e subalternizados, podendo aí criar uma justificativa para as várias tentativas de apropriação desses.

Neste sentido, eles sofreram e sofrem um impacto duradouro dos efeitos da violência colonial, sendo a maior: o racismo. Esse se deu pelo prisma defendido pelos colonizadores e, por muito tempo pela ciência produzida por esses, de que havia a existência de humanos e não humanos, sendo esses últimos tratados e denominados como uma raça distinta porque desproviam da “civilização” dos colonizadores. Algo que

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paira até hoje (2018) no imaginário europeu e, infelizmente, no imaginário de muitos países colonizados, como o Brasil, devido à incidência arraigada do racismo. Porém não mais vistos como não humanos e, sim como povos inferiores, subalternos e subjugados, como assim os trataram.

Entretanto, o processo histórico e real dos atuais dias produzem conhecimentos que apresentam os corpos se constituindo como 'lugar' das mais decisivas lutas pelo significado, pela memória e pela resistência cotidiana (Martins, 2016) 4, e tais corpos aos constatarem como subalternos e subjugados, se afirmam na dimensão de corpos que se reinventam, resistem e lutam. Afinal, são pelos corpos que nos colocamos e situamos no mundo, percebendo-o e intervindo nele por meio da interação corporal e corpo/ambiente. Portanto, ao passo que sofrem os resíduos da colonização, também lutam para se descolonizarem.

A população negra no Brasil teve como um dos legados históricos do processo de Colonialismo:5 a sua constituição enquanto povo negro, devido suas diferenças fisiológicas, presentes em corpos originários da África e dos corpos originários do processo de estupro das mulheres africanas, na exploração das terras e culturas e na constituição da nação. Tais corpos para além de escravizados e explorados, também foram sendo demarcados para um lugar de ocupação social, após o fim do escravismo e sendo negados a um ideal sociocultural de branquitude6, que tenta deformar e impor jeitos e comportamentos distintos de ser, para “tornar-se negro” 7. Estratégias essas do colonialismo para gerar e justificar a escravidão, mas que perpetua até os tempos de hoje, por outro processo de continuidade dele, denominada de colonialidade do poder. Um conceito tratado por Aníbal Quijano (2007, in: Castro-Gomes, 2007), para analisar como o controle da exploração econômica, social e cultural articulada com a dimensão das diferenças corporais, hierarquizadas e julgadas como inferiores, construídas como raça, no domínio da colonização da América Latina sob os povos ameríndios e da diáspora africana8. Dentro da ótica de colonização pela e para a exploração, a população africana espalhada pela diáspora africana foi a que teve seus corpos mais

4 Conferência Corpo e racismo: do colonialismo à descolonização do humano, para estudantes dos

cursos de graduação da UFMG, no auditório do Centro de Atividades Didáticas de Ciências Naturais (CAD 1), em 29 de março de 2016. 5 A conquista de terras para enriquecimento e exploração, desconsiderando culturas e processos de organização de nações em terras colonizadas, marcadas pela exploração, desumanização, extrativismo de riquezas e culturas diante de uma cultura que se impõem as demais por julgá-las como inferiores, mediante o uso das forças, da guerra e da violência, enfim da destruição de povos e culturas. Trata-se, portanto, da dimensão imperial de dominação. 6 Branquitude, segundo Aparecida Bento (2013) é o processo histórico pelo qual os brancos formam um grupo racial que defende seus interesses, e acabam se beneficiando, direta ou indiretamente com o racismo, mantendo se garantidos em seus direitos por privilégios. 7 “Tornar-se negro”, de acordo Souza Santos (1983), ninguém nasce negro numa sociedade por ter corpo e fisiologias distintas. A pessoa passa por um processo que o torna negro diante dos demais tão diferentes quanto ela, mas que a vê e cria estratégias sociais de fazê-la se perceber como sendo negra. Adjetivação categórica oriunda do processo de racismo, em negar toda a origem cultural e civilizatória de povos africanos, com base em julgamentos e constituição de relações dicotômicas e verticais tais como: superiores e inferiores, humanos e não humano, bom e ruim, belo e feio e etc. 8 Diáspora Africana: é o nome que se dá ao fenômeno sociocultural e histórico que ocorreu em países além África devido à imigração forçada, por fins escravagistas mercantis que perduraram da Idade Moderna ao final do século XIX, de africanos (em especial africanos de pele escura, chamados pela cultura ocidental de negros ou afrodescendentes). https://pt.wikipedia.org/wiki/Di%C3%A1spora_africana

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explorados e deformados para a constituição do trabalho e, consequentemente, para o desenvolvimento econômico, pois fizeram parte da sociedade colonial demarcada como anglo-americana” (Castro-Gomes, 2007).

De acordo com o antropólogo Munanga (1994), a identidade é um processo de construção real de si com demais pessoas, presente em realidades distintas de quaisquer sociedades humanas. Qualquer grupo humano, através do seu sistema axiológico sempre selecionou alguns aspectos pertinentes de sua cultura para definir-se em contraposição ao alheio. A definição de si (auto definição identitária) e a definição dos outros (identidade atribuída e projetada) têm funções conhecidas: a defesa da unidade do grupo, a proteção do território contra inimigos externos, as manipulações ideológicas por interesses econômicos, políticos, psicológicos, etc.

Defesa, proteção do grupo frente a inimigos externos instiga a pensar como reações a outra dimensão eficaz do colonialismo, apontado pelos teóricos decoloniais como a colonialidade do ser. Essa tem a ver com as sequelas históricas das colonialidades do poder, do saber e da natureza, nas experiências vividas por cada sujeito, povo, cultura e, considerando acima de tudo as subjetividades daqueles transformados em subalternos. Trata-se, portanto, das vicissitudes do ser advindas dos resquícios da colonização que buscou demarcar o conceito de raça pelo fenótipo.

Gomes (2002), ao discorrer sobre o corpo e o cabelo como símbolos da identidade negra, menciona que o fenótipo de uma pessoa não pode ser considerado como um simples conjunto de elementos biológicos, porque são eles que expressam o racismo e a desigualdade racial. A autora considera que raça, no contexto brasileiro, trata-se uma dimensão política e histórica, pela qual a construção identitária do que é ser negro ainda guarda resquícios e legado do passado escravocrata acerca do que o povo negro passou e passa todo dia, pelas discriminações raciais.

Neste sentido, o corpo negro que se projeta e se garante como humano, perante a convivência e um estar no mundo, constitui-se a partir da trajetória de vida vivenciada e experimentada por cada ser pela qual sua identidade é expressa tanto pelo corpo como por atitudes. A culminância dessas histórias de vida, através de escolhas positivas ou negativas pode ser diagnosticada através da forma de comportamentos de vida, sociais e culturais, sobretudo um posicionamento político perante situações de racismo e discriminações cotidianas. Até mesmo por situações corriqueiras, como pela forma que se apresenta em suas interações sociais, como as vestes, o modo de andar, o falar, ou seja, na projeção e visibilização de como o corpo se apresenta e comporta.

Por isso, é possível compreender que o corpo é construído socialmente, biologicamente e simbolicamente dentro de culturas e histórias nas quais as pessoas estão inseridas e vão se configurando em sujeitos, uma vez que a subjetividade de viver, alinhada ao que lhe foi possível viver, lhes possibilita ser e estar no mundo. O mundo que ao mesmo tempo nega e afirma a existência enquanto corpo subjetivado. Mas, a cultura e a história do corpo negro marcado pela violência e a violação de direitos, geraram traumas e a negação de suas origens fenotípicas. Em contrapartida, a resistência e a luta da ancestralidade africana escravizada no Brasil também possibilitaram a afirmação e aceitação dessas origens. Foi por meio de seus corpos que buscaram se auto afirmar e se contrapor a hegemonia de branqueamento, como por exemplo, através do cabelo natural em dreads ou blacks.

De acordo com Gomes (2002) os cabelos crespos e o corpo negro são considerados as expressões simbólicas ícones da identidade negra no Brasil, pois

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juntos fomentam a construção social, cultural, política e ideológica de uma expressão intrínseca da população negra. São expressões de que ser negro, é ser político, consciente e transgressor da subalternidade e das dicotomias que os colocam na parte pejorativa, discriminatória e inferior. Ser negro é ser político, humano, ter negritude e ser lindo!

A autonomia e a afirmação identitária ocorridas no contexto brasileiro, pelos movimentos negros, sobretudo o de mulheres negras, expressa uma educação antirracista e intercultural que viabilizou a descolonização de seus corpos da racialização para a valorização, a aceitação e o sentimento de pertence. Revela as vicissitudes da negritude de proposição das ações, das intervenções, reivindicações e lutas sociopolíticas desses movimentos. As formas de propor mudanças sociais e eliminação do racismo e sexismo por pedagogia autogestionária e antiautoritária são bases da pedagogia decolonial.

No âmbito da proposta de uma pedagogia decolonial de libertação e felicidade (baseada no bem viver feminista negro), tal pedagogia se configura também por giros paradigmáticos, pelos quais compreende que como a globalização neoliberal reordena o mundo para o desenvolvimento, porém, não para a vida, dimensão está epistêmica da pedagogia decolonial, que ao:

Repensar los movimentos de Indepencias descolonizadoras (em sus dos momentos históricos, en América Y en Ásia-África) significa pensarlos como momentos de desprendimentos y abertura el proceso de decolonizar el saber y el ser; momentos que fueran velados por la maquinaria interpetativa de la retórica de la modernidad, el ocubramiento de la colonialidad y, em consecuencia, la invisibilizacion del pensamento decolonial em germen. (Mignolo, 2007:32)

A colonialidade do ser, portanto, trata-se da forma como tais vivências foram absorvidas pelos corpos em suas formas de ser e como se comportam e expressam sua corporeidade étnica racial, em suas subjetividades, a partir do que foram e são ditados pela colonialidade do poder e colonialidade do saber. Contudo também, pelas vivencias e subjetividades construídas pelas resistências em se opor a tais colonialidades e em se recriarem de formas alternativas, porque foram vividas, vivenciadas pelo sentir de luta e seus sentidos, pela contraposição e por reações cujos corpos são marcados pela memória da resistência, da resignação e da esperança de viver em um mundo alternativo e desprovido da racialização.

Vale lembrar que explicitar as diferenças humanas e os recursos usados sob essa para opressão e dominação fora o campo de reivindicação e lutas dos movimentos sociais negros, de mulheres negras, feministas e LGTBI9. Os primeiros movimentos ora mencionados, explicitaram o racismo da sociedade brasileira e procuraram enfrenta-lo e combatê-lo até os dias atuais, porque esse persiste de forma estruturante. As mulheres negras, por sua vez, procuraram explicitar a interseccionalidade da raça e do gênero, como dominação de seus corpos em explorá-los sexualmente e negá-los em direitos específicos a suas necessidades singulares advindas das consequências históricas do racismo e machismo. Elas se organizam em coletivos que ao mesmo tempo refletem sobre o racismo construído pela diferença em 9Nomenclatura de LGBTI- Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e pessoas Intersex.

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ser negro ou branco, refletem pela diferença nas diferenças, de que além de ser negra, ser mulher negra, pobre e/ou lésbica, cis ou trans, urbana ou quilombola só vem acirrar o quadro das desigualdades e retiradas de direito com bases nesse acumulo de diferenciação. Diante disso, a luta passa a ser mais árdua e também determinante e ousada nas formas de reinventar. Uma delas é pelo feminismo negro.

II - FEMINISMO NEGRO E MOVIMENTOS SOCIAIS

As mulheres negras procuraram constantemente esclarecer e discutir sobre os

impactos e mazelas do racismo, nos espaços de mulheres, ditos ou vistos como de feministas. Houve, no cenário político brasileiro, embates com o Mov. Feminista acerca de sua pauta universal de generalização sobre a dimensão em ser mulher que instigou a entrada definitiva das mulheres negras como sujeitos políticos a lutarem pelo processo de autonomização e inserção política do Movimento de Mulheres Negras, com pautas específicas oriundas de suas condições de vida e construção em ser mulheres negras distintas das mulheres brancas.

Surgiu daí o Feminismo Negro que utiliza como ponto de partida o reconhecimento das diferenças entre mulheres a fim de possibilitar um “nós” com base na intersecção da raça e do gênero, num espaço próprio. As mulheres negras, além de se confrontarem com o Movimento Feminista e com o Movimento Negro, por abordam o racismo a partir da interseccionalidade de gênero, viram-se obrigadas a construir espaços próprios para se organizarem em torno de suas reflexões ao perceber a ausência de apoio, solidariedade e, sobretudo, do reconhecimento de suas singularidades. O desafio estava em não se isolar na especificidade, mas construir uma luta mais ampliada e mais aberta à diversidade interna, às próprias mulheres negras politicamente , e que tinham repercussões positivas para toda a sociedade. Uma luta que contemplou as identidades, as diferenças e traçou com competência os pontos comuns da luta pelo respeito à diferença, pela igualdade de gênero e pela inserção da mulher negra, branca, indígena e demais companheiras nos espaços que ainda lhes eram e ainda são negados.

O início de estruturação e organização do Movimento de Mulheres Negras, no Brasil, ocorreu na década de 80. O florescimento de várias organizações de mulheres negras no cenário dos Movimentos Sociais ficou conhecido como Feminismo Negro10. Este se caracterizou pela busca da autonomia em relação aos Movimentos Feminista e Negro, pela aliança das perspectivas de gênero no combate ao racismo bem como pelo resgate da cidadania das mulheres negras, negada pelas desigualdades sociais vigentes no Brasil e no mundo. Carneiro (2003) nos informa que a participação e as intervenções de mulheres negras no Movimento Feminista, por sua diversificação de concepções e práticas políticas, foi um processo de enegrecimento do Feminismo, resultado de um discurso dialético.

10 Vale ressaltar que não há consenso entre as estudiosas desse assunto ou do Movimento de Mulheres

Negras quanto à complementaridade na abordagem dessas temáticas. Ao contrário, autoras como Edna Rolland (2000), falam do Movimento de Mulheres Negras e não mencionam nenhuma discussão referente ao Feminismo Negro. Isso porque há uma premissa que afirma o Movimento de Mulheres Negras como desvinculado e diferente do Movimento Feminista, por isso não seria possível tratar de um Feminismo Negro no interior desse Movimento.

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Acreditamos que essas mulheres negras insurgentes (HOOKS & WEST, 1991, p.84) são especialmente aquelas vinculadas ao movimento negro, movimento feminista e ao movimento de mulheres negras, e há questões ligadas à construção de sua individualidade à opção pela militância, e sua ligação com as comunidades e culturas negras, como também, a continuidade de suas trajetórias enquanto acadêmicas e intelectuais (RATTS, 2009, p. 3).

A contribuição maior, quiçá, é resgatarmos os avanços e as conquistas decorrentes de muitos anos de atuação e luta do Feminismo Negro, que tem implicando em novas pautas de narrativas e, não somente lutas. Essas continuam para avançarmos e tornarmos efetivamente em conquistas. Mas, há narrativas de contestação e que emergem de querer falar da dimensão de ser mulher negra enquanto ser humano de dignidade reconstruída; que detém amor próprio, envaidecimento e sabe da importância de pensar e cuidar de seus corpos, seus cabelos, suas estéticas e seus afetos como mulheres negras. Isso porque, esses foram negados ou impossíveis de serem pensados, na época dos anos 60 a 2000; quando as pautas se aprofundavam conforme a reflexão e a expansão de conhecimentos dos movimentos sociais, como o Feminismo Negro, Movimento Negro e se consolidavam em conquistas e reavaliação do que ainda faltava avançar, conquistar. Ou seja, formos galgando avanços para além das denuncias e criando epistemologias. As mulheres negras se configuraram em propositivas e construtoras de conhecimentos. Muitas delas oriundas desses movimentos e assim, passam acreditar e propor suas pedagogias e seus saberes de forma didática e epistemológica (GOMES, 2017, p.89).

E passaram a intervir e provocar conquistas legais e de grandes transformações. De intervenções e fomentações políticas, passaram a ocupar espaços e a enegrecê-los, como no caso da Secretaria da Promoção da Igualdade Racial, a extinta SEPPIR. Geraram e geram conhecimentos advindos de outras experiências e provocaram inflexões. Hoje, produzem conhecimentos de reavaliação das pautas de sobrevivência e, conquista da dignidade, para construírem pautas, conhecimentos e novos espaços sobre a existência. Acreditamos que o feminismo negro, sobretudo influenciou ou facilitou novas possibilidades de demandas, como quando as mulheres negras, atualmente, se propõem a ousar nos estilos, nas roupas, nos cabelos, nas falas e, principalmente, no direito de fala com conhecimento de causa e acadêmico.

Estamos não só existindo, nos afirmando como possibilitando novas e outras existências que ainda estão por emergir e trazer novas transgressões, formas de pensar e criar novos significados e sentidos em ser em singularidades, coletivos e redes sociais. Estamos até conseguindo reunir alguns pontos possíveis e comuns de pauta com o feminismo, se pensarmos que a opressão masculina também tem sido resgatada ou refeita em atual conjuntura de um governo interino e golpista como do tal “Temer”. Nesse sentido, faz-se necessário, contextualizarmos tais movimentos e a partir deles, observarmos novos caminhos possíveis para que as mulheres negras constituíssem a base para produção do conhecimento e o pensamento feminista negro, pois o conhecimento é situado e, socialmente construído, a partir de determinada posição social.

Em outras palavras, é decorrente do lugar que ocupamos na raça, no gênero, na classe, na sexualidade (CARDOSO, 2017, p.1) que as mulheres negras professoras através das suas práticas pedagógicas outras, se apresentam no campo da educação, sejam elas no espaço formal e não formal de aprendizagem. A partir de suas

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experivivências formando um pensamento outro que promove a afirmação da diversidade, uma história “outra” que fomenta a desconstrução de uma visão unívoca de existência, determinando a reconstrução dos espaços de convivência para garantir a mobilidade de grupos historicamente subalternizados através de um pensamento decolonial.

III - PEDAGOGIAS DECOLONIZADORAS – PRÁTICAS OUTRAS…

Essa perspectiva se aproxima de um ideário compreendido a partir das pedagogias alternativas (MIRANDA, 2013), decoloniais (Walsh, 2013) que nos parecem relevantes por apresentarem novos conteúdos, outras metodologias e aprendizagens decoloniais, sobretudo quando se trata de temas que aglutinam educação, gênero e raça. Essa ênfase revela que tais práticas (sobre nosso entendimento) formam sujeitos/as na sua identidade individual e coletiva na perspectiva da identidade racial, e nas formas de propor outras pedagogias. Desse modo, rompendo e produzindo no contexto de resistências e re-existências professoras negras contribuem com o reconhecimento de propostas que se entrelaçam para uma construção político-pedagógico fortalecida por processos pautados nas relações étnico-raciais, de gênero e raça promovendo outros processos de aprendizagens. Práticas pedagógicas outras que são realizadas e refletidas, a partir de professoras negras comprometidas e nos trazem muitas mudanças comportamentais, de aceitação de si e de empoderamento dos sujeitos/as nesses espaços de formações.

Localizamos, portanto, estratégias políticas de um espaço possível de diálogos interculturais críticos, com construções de novas imagens, pensamentos e conhecimentos exercidos nessa prática pedagógica outra. Sobre esse panorama, pensamos com Gomes (2017, p.54): “as epistemologias criadas nos levam a radicalidade sobre o avanço e compreensão do pensamento pedagógico e ações e saberes emancipatórios produzidos e sistematizados pelo movimento de mulheres negras”. Com isso, dá-se ênfase ao que bell hooks (2017, p.20), nos aponta da seguinte maneira, “minhas práticas pedagógicas nasceram da interação entre as pedagogias anticolonialistas, críticas e feministas, cada uma das quais ilumina as outras”.

Com isso, nossa percepção em relação às práticas pedagógicas outras inseridas nesse artigo, entendemos ser uma pedagogia decolonial, alternativa, crítica, feminista negra na perspectiva de visibilizar sujeitas subalternizadas pela sua classe, raça, sexualidade, idade entre outros marcadores e com práticas curriculares apoiada na interseccionalidade. Pelo exposto, compreendemos as professoras negras alinhadas por um tipo de insurgência e que indicam possibilidades de resistir (re) existir e (re) viver como sinaliza Walsh (2013). Isso nos convoca a examinar experiências de grupos sociais subalternizados, que através das pedagogias alternativas estruturam plataformas interventivas (Miranda, 2014). Elas rompem com a visão essencialista das culturas e das identidades culturais, concebendo-as, tendo como escopo processos de construção, desestabilização e reconstrução. A interculturalidade crítica que almejamos é: “em última instância, um sonho, mas um sonho que se sonha na insônia da práxis” (WALSH, 2009, p. 28).

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REFLEXÕES FINAIS

A Educação dinamizada por professoras negras através de práticas outra

pedagógicas em espaços formais e não formais de aprendizagens, sejam elas ligadas ou não ao movimentos sociais, sejam eles Movimento de Mulheres Negras, Movimento Negro, Movimento Feminista; ganhou centralidade. Neste sentido, o nosso objetivo é incluir uma análise da perspectiva de suas práticas outras pedagógicas, configuradas a partir de suas experiviências de seus corpos étnicos raciais de mulheres negras, e por serem localizadas nas suas ações dentro de espaços de aprendizagens formal ou não formal. Vislumbrou-se apreender e entender as experiências advindas de práticas pedagógicas experimentadas. Além disso, entender como essas ações podem refletir nuances de uma filosofia educacional, encharcada do ideário do Feminismo Negro, na agenda mais ampla dessas professoras negras.

O caminho que percorremos na construção desse artigo, privilegiou leituras sobre o pensamento decolonial latino-americano, o que nos possibilitou identificar traços de uma práxis educacional possível na contracorrente, na contramão do instituído. Acreditamos que a as práticas outras pedagógicas, promovidas por essas professoras negras, abarcam proposições capazes de disputar currículos estabelecidos e de promover “desestabilização epistêmica”, por assim dizer. Partimos dessa reflexão, e vimos como podem ser analisadas como outros espaços da (des) construção de conhecimentos e de (re) aprendizagens. Ambiências que promovem a crítica ao instituído por causa de mediações interculturais e intervenções curriculares insurgentes e que geram resultados transformadores tanto para as professoras e/ou educadoras negras, como para estudantes. Nossas questões do artigo orientaram as análises sobre uma “agenda outra para a Educação”.

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