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A HISTÓRIA DA ECONOMIA BRASILEIRA DE PAÍS AGRÍCOLA A INDUSTRIALIZADO: BOSSA NOVA, REGIME MILITAR E URBANIZAÇÃO O Brasil do pós-guerra

pós-guerra O Brasil do - premiocnh.com.br · o chamado presidente bossa nova, e seu ousado plano de metas que efetivamente o brasil daria um salto. estradas foram rasgadas de norte

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A H I S T Ó R I A D A E C O N O M I A B R A S I L E I R A

DE PAÍS AGRÍCOLA A INDUSTRIALIZADO: BOSSA NOVA, REGIME MILITAR E URBANIZAÇÃO

O Brasil dopós-guerra

O BRASIL QUE EMERGIU DA SEGUNDA GUERRA

MUNDIAL ESTAVA REPLETO DE POSSIBILIDADES:

COM AS RESERVAS EM ALTA, O PAÍS NÃO PODERIA

DEIXAR DE APROVEITAR A OPORTUNIDADE PARA

FAZER DECOLAR O PROJETO DE DESENVOLVIMENTO

QUE GETÚLIO VARGAS JÁ INICIARA NOS ANOS 1930.

ERA PRECISO ENCONTRAR ALTERNATIVAS A UMA

ECONOMIA BASEADA FORTEMENTE NA AGRICULTURA.

REELEITO DEMOCRATICAMENTE EM 1950, GETÚLIO

ADOTOU AS PRIMEIRAS PROVIDÊNCIAS PARA QUE

O PAÍS PUDESSE REDUZIR SUA DEPENDÊNCIA DAS

IMPORTAÇÕES, CRIANDO A PETROBRAS, A COMPANHIA

SIDERÚRGICA NACIONAL (CSN) E A VALE DO RIO DOCE,

ENTRE OUTRAS. MAS FOI COM JUSCELINO KUBITSCHEK,

O CHAMADO PRESIDENTE BOSSA NOVA, E SEU OUSADO

PLANO DE METAS QUE EFETIVAMENTE O BRASIL DARIA

UM SALTO. ESTRADAS FORAM RASGADAS DE NORTE

A SUL E DE LESTE A OESTE, AO MESMO TEMPO EM

QUE DIVERSAS INDÚSTRIAS SE ESTABELECERAM EM

TERRITÓRIO NACIONAL, EM ESPECIAL AS DO SETOR

AUTOMOBILÍSTICO. ERAM OS “50 ANOS EM 5” GERANDO

CRESCIMENTO ACELERADO E PROPORCIONANDO UMA

NOVA FOTOGRAFIA DA ECONOMIA NACIONAL. COMO

OS GASTOS DO GOVERNO NÃO FORAM POUCOS, A

HERANÇA QUE FICOU PARA JÂNIO QUADROS E, DEPOIS,

JOÃO GOULART INCLUÍA ALTOS ÍNDICES DE INFLAÇÃO

E DE ENDIVIDAMENTO PÚBLICO. JUNTANDO-SE A ESTES

ASPECTOS ECONÔMICOS AS QUESTÕES GEOPOLÍTICAS

DA GUERRA FRIA, QUE TRANSFORMAVAM O PAÍS EM

NAÇÃO ESSENCIAL PARA QUE OS ESTADOS UNIDOS

MANTIVESSEM A HEGEMONIA DO CAPITALISMO NA

AMÉRICA DO SUL, ESTAVAM DADAS AS CONDIÇÕES PARA

O GOLPE DE 1964, QUE REDUNDARIA NA REDUÇÃO DAS

LIBERDADES DEMOCRÁTICAS E NA CENTRALIZAÇÃO DA

POLÍTICA ECONÔMICA. EM PARALELO ÀS TORTURAS,

PRISÕES E EXPURGOS, VEIO TAMBÉM O MILAGRE

ECONÔMICO E NOVO CICLO DE DESENVOLVIMENTO EM

FINS DOS ANOS 1960, QUE SERIA INTERROMPIDO PELA

CRISE DO PETRÓLEO DE 1973. COMO SE CONSTATA,

FORAM DÉCADAS MUITO INTENSAS.

A H I S T Ó R I A D A E C O N O M I A B R A S I L E I R A

O Brasil dopós-guerraDE PAÍS AGRÍCOLA A INDUSTRIALIZADO: BOSSA NOVA, REGIME MILITAR E URBANIZAÇÃO

PORTO ALEGRE, RS, BRASIL

DEZEMBRO DE 2013

1a EDIÇÃO

TOTALCOM COMUNICAÇÃO I QUATTRO PROJETOS

R I C A R D O B U E N O

A H I S T Ó R I A D A E C O N O M I A B R A S I L E I R A

DE PAÍS AGRÍCOLA A INDUSTRIALIZADO: BOSSA NOVA, REGIME MILITAR E URBANIZAÇÃO

O Brasil dopós-guerra

PROJETO CULTURAL: TOTALCOM COMUNICAÇÃO

PRONAC 123542

BRASIL CONTEMPORÂNEO: ECONOMIA E CULTURA – INDUSTRIALIZAÇÃO E

NACIONALISMO DOS ANOS 50-60 NO EMBALO DA BOSSA NOVA E DO TROPICALISMO

COORDENAÇÃO EXECUTIVA: QUATTRO PROJETOS I 51 3209.7568

www.quattroprojetos.com.br I [email protected]

COORDENAÇÃO EDITORIAL: RICARDO BUENO – ALMA DA PALAVRA

CONSULTORIA: VOLTAIRE SCHILLING

TEXTOS: RICARDO BUENO

REVISÃO: FERNANDA PACHECO – ALMA DA PALAVRA

PROJETO GRÁFICO E DIREÇÃO DE ARTE: LUCIANE TRINDADE

TRATAMENTO DE IMAGENS: KDPRESS

IMPRESSÃO: GRÁFICA E EDITORA PALLOTTI

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( CIP )

B928b Bueno, Ricardo O Brasil do pós-guerra : de país agrícola a industrializado : bossa

nova, regime militar e industrialização / Ricardo Bueno. – 1. ed. –Porto Alegre : Totalcom, 2013.

116 p. : fots. col. ; 20 x 30 cm. – (A história da economia brasileira ; v.3).

História da economia brasileira nas décadas de 50-60 e início de 70.

1. Brasil – História. 2. Economia – Industrialização brasileira.Industrialização – Brasil. I. Título. II. Coleção.

CDU 330.341.42(81)(091)

Bibliotecária Responsável: Denise Pazetto CRB-10/1216 51 30297042

REALIZAÇÃOPATROCÍNIO

PONTE JUSCELINO KUBITSCHEK, EM BRASÍLIA

A CNH Industrial é uma empresa nova no Brasil e no mundo. Entretanto, várias de suas marcas existem desde o século 19 e, no país, estão presentes há mais de 60 anos, sempre desempenhando um papel importante no desenvolvimento da sociedade.

Entre as décadas de 1950 e 1970, a sociedade brasileira atravessou um importante ciclo de crescimento econômico, ao mesmo tempo em que consolidou uma legislação trabalhista, criada pelo Estado Novo alguns anos antes.

Com o suicídio de Vargas, Juscelino Kubitschek foi eleito com a promessa de fazer o Brasil se desenvolver “50 anos em 5”. Tivemos no país a ascensão da indústria de base, com surgimento de companhias estatais, além da chegada de importantes montadoras internacionais e da construção do parque automobilístico nacional.

Os anos Kubitschek foram de grandes transformações econômicas, sociais, culturais e políticas no Brasil, com o surgimento de um grande parque industrial, expansão do comércio, dos serviços, forte investimento em infraestrutura e profundas modificações na estrutura social, que acabaram por abrir espaço para o regime militar, anos depois.

Durante as décadas de 1950 a 1970, tivemos alguns marcos que até hoje estão pre-sentes e influenciam o imaginário da sociedade, como a inauguração de Brasília.

Para o Grupo Fiat, esse período também foi muito produtivo. Em 1950, foi fundada a Moto Agrícola Indústria e Comércio, que distribuía os tratores Fiat pelo país. Em 1967, a Moto Agrícola uniu-se à Diesel Motor Indústria e Comércio, dando origem à Tratores Fiat do Brasil, que posteriormente se tornaria Fiatallis – nome bastante lembrado ainda hoje.

Mas foi em 1970 que o primeiro grande pilar da marca foi cravado no Brasil, com a inauguração da fábrica de tratores em Contagem (MG). Até hoje, esta planta produz máquinas de construção da Case Construction e da New Holland Construction – duas das marcas que compõem a CNH Industrial. Nas últimas duas décadas, também chega-

6décadasde Brasil

(*) Toda a coleção é patrocinada pela CNH Industrial com o apoio da Lei Federal de Incentivo à Cultura.

MILTON REGODIRETOR DE COMUNICAÇÃO CORPORATIVA E RELAÇÕES INSTITUCIONAIS CNH INDUSTRIAL LATIN AMERICA

riam com força a Iveco, marca do segmento de transportes, e os motores e transmissões da Fiat Powertrain. Agora, no setor de propulsores diesel, conhecida por FPT Industrial.

Ainda em 1976, outro grande pilar foi cravado: a inauguração da fábrica da Fiat Auto-móveis, em Betim (MG), e com ele ficou selada a eterna relação do Grupo Fiat com o Brasil.

O livro “O Brasil do Pós-Guerra – de país agrícola a industrializado: bossa nova, regime militar e urbanização” mostra bem como foram estas décadas no Brasil e permite ao leitor conhecer também um pouco mais sobre a história do Grupo Fiat no país.

Este livro dá sequência à coleção “A história da Economia Brasileira”, lançada em 2010 com os ciclos do pau-brasil, do ouro e da cana-de-açúcar. O ciclo do café foi o tema do segundo livro, lançado em 2011. O terceiro, de 2012, abordou o ciclo da borracha e o início da industrialização.(*)

Para 2014, junto com a 22ª edição do Prêmio CNH de Jornalismo Econômico, uma nova obra abordará a crise econômica dos anos 1980 após o “Milagre” do crescimento na década anterior, o crescimento da dívida externa, a hiperinflação, o arrocho e a abertura no governo Collor, e, por fim, a estabilidade conquistada com a chegada do Real, além das privatizações e as bases criadas para o novo ciclo de crescimento econômico.

Com ações como esta, a CNH Industrial reforça a importância do investimento cultural em nosso país. Esta publicação comemora também o 21º ano do Prêmio CNH de Jornalismo Econômico.

apresentação

RICARDO BUENO

O CONGRESSO NACIONAL DO BRASIL

Inspiração

produtividadepara a

As décadas de 1950, 1960 e 1970 foram emble-máticas para o Brasil em muitos aspectos, e entre eles chamam a atenção as diferentes iniciativas ao longo do período que visavam dar ao país um perfil industrial que até então não dispunha. Ressalvadas as conjunturas bastante distintas de cada momento e o perfil político-ideológico dos governos, o fato é que Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e os governos militares tiveram como ponto em comum a percepção de que o Brasil necessitava, de forma peremptória, deixar de ser um país eminentemente agrícola e buscar seu lu-gar entre aqueles que não apenas têm capacidade de produzir internamente seus próprios insumos, como ainda o fazem de forma competitiva, ga-nhando terreno no mercado internacional, via exportações de bens duráveis. Como não poderia deixar de ser, além de estabelecer mecanismos de financiamento para a instalação de indústrias no país, sucederam-se ao longo do período iniciativas visando dotar o Brasil da mínima infraestrutura necessária para alavancar o setor industrial.

Algumas décadas e muitos planos econômicos depois – uns

mais, outros nem tão bem-sucedidos –, e já em pleno século XXI,

a discussão sobre industrialização se renova, agora com outro viés:

o da produtividade e da competitividade. Dada a conjuntura atual,

em especial a partir da crise de 2008, o que se percebe é que cresce

sistematicamente a presença de produtos importados no Brasil. Esse

aumento dos importados se desenvolve de forma dramática na in-

dústria. E por que isso está acontecendo? Basicamente, porque não

estamos conseguindo atingir o nível de competitividade necessário

para enfrentarmos os gigantes do mercado.

É claro que, do ponto de vista dos consumidores, é positiva a possibi-

lidade de se adquirir bens importados, a preços mais competitivos e com

apresentação

O BRASIL NÃO PODE SE DAR AO LUXO DE NÃO

TER UM PARQUE INDUSTRIAL DINÂMICO

padrão internacional de qualidade. Mas de outra parte é preciso lembrar

que o Brasil cresceu muito e nos tornamos uma sociedade complexa.

Não somos apenas um país de consumidores. Somos também um país

de trabalhadores, e portanto precisamos produzir, gerar excedente, in-

vestir, exportar e criar novos postos de trabalho. E isso só é possível se

pudermos contar com um setor industrial dinâmico. Os empregos do

segmento industrial são justamente os melhor remunerados. Nenhum

país com a população do tamanho da nossa pode se dar ao luxo de não

ter um parque industrial dinâmico.

As receitas para se chegar à tão almejada competitividade são mui-

tas. É preciso melhorar as bases para a produtividade da indústria em toda

a cadeia, o que requer infraestrutura, disponibilidade de mão de obra

com educação técnica, logística adequada para exportação, reforçar as

cadeias de fornecedores locais e, ainda, privilegiar, via tributação e linhas

de financiamento, os investimentos em pesquisa, ciência, inovação, qua-

lidade dos fabricantes e fornecedores, gerando-se, consequentemente,

o aumento da competição.

Como afirma o professor Há-Joon Chang, da Universidade de Cam-

bridge, “(…) no longo prazo, a desindustrialização é um problema porque

o setor de manufatura é o mais confiável motor de crescimento (…)

porque a indústria é a principal fonte de progresso tecnológico”. Nada

mais oportuno, portanto, do que podermos relembrar neste livro como se

deu o início do processo de industrialização do país, naquelas três décadas

que se sucederam ao fim da Segunda Guerra Mundial, período que exigiu

esforços e determinação ímpares das lideranças políticas e empresariais

de então. Quem sabe possamos nos inspirar naquele momento histórico

para fomentar o debate e encontrar os melhores caminhos, hoje, que nos

permitam alçar voos mais altos, nas asas de uma efetiva competitividade.

PRAÇA DOS TRÊS PODERES

50anos

18euforia e desenvolvimento

70anos

em busca de dias melhores

60anos

o país sob regime militar

64 94

18

50anos

euforia e desenvolvimento

19

MEMORIAL JK FOI

INAUGURADO EM 12 DE DE

SETEMBRO DE 1981

20

O trecho a seguir, retirado do livro Uma história do Brasil, do brasilianista Thomas Skidmore, é uma bela síntese do Brasil pós-guerra:

“As duas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial viram um dilúvio de mudanças políticas no Brasil. A democracia e as eleições livres voltaram em 1945. Getúlio Vargas, o ex-ditador, conseguiu usar a democracia em seu proveito e voltou ao poder como presidente democraticamente eleito em 1951. (...) Uma interessante questão emergia agora: teria o destino selecionado a América Latina para beneficiar-se dessa tragédia [a guerra] abrindo--lhe novos mercados, criando novos imigrantes e conferindo um novo valor a seus imensos recursos naturais? Mais especificamente, teria o futuro final-mente chegado para o Brasil, o maior, mais populoso e mais bem-dotado país da América Latina? Era nesse clima otimista que a elite política brasileira enfrentava o mundo pós-guerra.”

Em linhas gerais, que Brasil tão cheio de perspectivas era esse, afinal de contas? Cabe ressaltar, antes de mais nada, que em 1950 a população brasileira beirava os 52 milhões de habitantes. O próprio Skidmore elenca alguns indicadores, deixando claro que socioeconomicamente, na expressão da época, éramos um país atrasado: “A indústria limitava--se a poucas cidades grandes, doenças crônicas eram comuns e cuidado médico regular era inexistente para a maioria da população. A expec-tativa de vida geral era de 46 anos, diminuindo para 40 no Nordeste”, elenca o brasilianista. A taxa de natalidade seguia crescente, passando de 6,16 filhos por mãe em 1940 para 6,8 em 1960, enquanto a taxa de mortalidade caía 68% no mesmo período. A combinação resultou em uma taxa de crescimento populacional que acarretava um forte ônus. Essa população, a propósito, era cada vez mais urbana, ainda que em proporções muito distintas do que se verifica hoje. O que chama a atenção é mesmo a mudança: por volta de 1950, a parcela da popula-ção classificada como urbana aproximava-se de 40%, contra 30% em 1940, um crescimento e tanto. E mais: “O processo de urbanização era

anos 50: cultura e sociedade

Os anos dourados

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GETÚLIO E JK EM AGOSTO DE 1954 (ALTO). ACIMA, NA POSSE, COM O GENERAL LOTT (DE BRANCO)

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caótico. Imigrantes do campo, não encontrando moradia, erguiam suas próprias favelas. (...) a crescente proporção de brasileiros com menos de 12 anos de idade constituía um ônus especial porque a infraestrutura para educação e saúde era tênue e subfinanciada. Escolas, hospitais e clínicas eram inadequados”, relata Skidmore.

De outra parte, haviam os desequilíbrios regionais. São Paulo, que em 1940 concentrava 36% das indústrias, viu esse percentual passar para 47% em 1950 e 54% em 1960, com o Nordeste amargando as maiores perdas nesse indicador (de detentor de 12% das indústrias do país passou para 8%, em 1960), seguido do Rio de Janeiro (de 27% para 17% no período).

Cabe reforçar que, apesar do forte incremento na urbanização, mais da metade da população brasileira seguia vivendo no campo, onde a assistência médica e a educação, que na cidade eram precárias, praticamente inexistiam. “As pessoas se comunicavam boca a boca. O único vínculo regular com o mundo exterior era o rádio. Entre 1945 e 1960, o número de estações aumentou de menos de cem para mais de 800. A viagem à cidade mais próxima era feita a pé ou a cavalo. O

anos 50: cultura e sociedade

A CHAMADA ‘JUVENTUDE TRANSVIADA’ PREFERIA AS LAMBRETAS

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EM 1950 EXISTIAM

CERCA DE 400 MIL

VEÍCULOS NO BRASIL,

INCLUINDO CARROS,

MOTOS, ÔNIBUS,

CAMINHÕES

E AMBULÂNCIAS

EVA VILMA APRESENTA O MODELO FNM-2000 JK NO I SALÃO DO AUTOMÓVEL BRASILEIRO

acesso a ônibus, caminhões ou automóveis era difícil e caro”, elenca Skidmore. Havia exceções, como a rede de colônias de fazendas pro-dutoras de hortaliças dos japoneses, em São Paulo, no Paraná e no Pará, e a rede de assentamentos dos descendentes principalmente de alemães, mas também de poloneses e de ucranianos, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, os quais dominavam a agricultura comercial de média escala e providenciavam os serviços públicos (em especial a educação) de que a maior parte do Brasil carecia.

EUFORIA NOS GRANDES CENTROSNas cidades, os bondes ainda circulavam, o bambolê rodava nas

cinturas de adolescentes e jovens e a vida era mais calma, na comparação com os tempos estressantes da atualidade. Estima-se que, no final de 1950, existiam no Brasil cerca de 400 mil veículos, entre carros de passeio, ônibus, motocicletas, caminhões e ambulâncias (atualmente, este número gira em torno de 70 milhões). O uso de telefone era restrito a algumas regiões, sendo que o Distrito Federal – na época, o Rio de Janeiro – e o estado

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de São Paulo concentravam 70% dos aparelhos. Ligar para outro estado consistia em uma operação demorada. Algumas novidades chegavam ao país, inaugurando novos costumes. A primeira transmissão televisiva na América Latina foi feita em São Paulo: a TV Tupi entrou no ar em setembro de 1950. Os aparelhos ainda eram poucos e todos importados, e os programas eram transmitidos ao vivo; ainda não existia o videoteipe, nem, portanto, reprises. Outra novidade da época foi a instalação dos primeiros supermercados, que estabeleceram uma maneira de consumo diferente daquela à qual a população estava acostumada: começava a era do chamado autosserviço.

O fato é que, apesar dos muitos problemas, a década de 1950, mais exatamente sua segunda metade, foi definitiva para os rumos do Brasil. O país entrava em uma fase de muito entusiasmo, e as transforma-ções ocorridas nesse período geravam um clima de otimismo. É bem verdade que o Maracanã, então o mais grandioso estádio do planeta, acabou sendo palco da maior tragédia da história do futebol brasileiro, com a inesperada derrota na final da Copa do Mundo por 2 a 1 para a seleção uruguaia, em 1950, mas a redenção viria em 1958, com o primeiro título mundial conquistado na Suécia por Garrincha, Pelé e companhia, que repetiriam a dose em 1962, no bicampeonato do Chile. Havia uma certa inocência, e alguma euforia até, pairando no ar. Depois do suicídio de Vargas, em agosto de 1954, convulsionando a nação, e passado um breve período em que até mesmo o estado de sítio foi implantado, para conter a revolta da população, veio o governo de Juscelino Kubitschek, o anúncio de seu famoso Plano de Metas ancorado no slogan “50 anos em 5”, a decisão de construir Brasília

anos 50: cultura e sociedade

MARACANÃ (ABAIXO) FOI

PALCO DA TRAGÉDIA DE 1950

NO FUTEBOL. TRIUNFO

VIRIA NA SUÉCIA

(AO LADO), EM 1958

O PAÍS ENTRAVA

EM UMA FASE DE

ENTUSIASMO, E

TRANSFORMAÇÕES

GERAVAM CLIMA

DE OTIMISMO

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26

anos 50: cultura e sociedade

ANÚNCIO DA ÉPOCA VALORIZAVA O STATUS DE TER UM APARELHO DE TV EM CASA, A MAIORIA IMPORTADO (AO LADO)

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e de ligar os grandes centros ao cerrado e aos sertões com estradas e mais estradas. Não seria bem assim, mas o fato é que parecia que tudo ia mesmo dar certo. De certa forma, até que deu.

A Palma de Ouro em Cannes, em 1959, e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro para Orfeu Negro (ou Orfeu do Carnaval), em 1960, eram uma espécie de coroamento à produção nacional, ainda que ofi-cialmente o filme seja uma produção franco-ítalo-brasileira. Tratava--se de uma adaptação do espetáculo teatral Orfeu da Conceição, de 1956, primeiro trabalho que reuniu uma dupla que se tornaria eterna: Vinícius de Moraes nas letras e textos, Tom Jobim na melodia (veja detalhes a seguir). Por essas e outras, o Rio de Janeiro dos anos 1950 era o epicentro do otimismo cultural e social, como que parecendo se despedir em grande estilo da condição de capital do país, que perderia a partir de 21 de abril de 1960. Se bem que nem tudo se resumia ao universo dos cariocas, ainda que Copacabana de certa forma fosse a imagem-símbolo do Brasil na época. A tenista Maria Ester Bueno, por exemplo, paulista da gema, conseguiu um inédito título no torneio de duplas de Wimbledon em 1958, e levantou a taça na modalidade individual, no ano seguinte. Em 1960, foi a vez de Eder Jofre, campeão mundial de boxe na categoria peso galo, desfilar em carro aberto.

Eram os bons tempos das revistas Manchete e O Cruzeiro. A se-gunda chegou a tirar 800 mil exemplares, embalada pelo sucesso das reportagens de David Nasser, dos desenhos do Amigo da Onça, das fotos de Jean Manzon e dos textos de Millôr Fernandes.

Se até então dominavam as ruas os carrões importados, como Studebakers, Citroën e Peugeot, o Fusca da Vokswagen ganharia as ruas em 1959, passando a desfilar ao lado do DKW-Vemag com 50% de suas peças produzidas no Brasil, e da Rural Willys, outra paixão da época. A Vemag (Veículos e Máquinas Agrícolas) fabricava seus modelos com licença da fábrica alemã DKW, integrante da Auto Union, atual Audi. Alguns de seus veículos se tornaram clássicos, como o Vemaguet, Belair, Puma, Malzoni GT e Candango, além de modelos mais populares, como o Caiçara e o Pracinha. Se bem que os jovens de então preferiam mesmo as lambretas, precursoras da paixão por motos, que viria bem depois. No cinema, predominavam as chanchadas da Atlântida e sua fórmula simples e de apelo popular: humor, carnaval e as “boazudas”, como as certinhas do Lalau e suas cinturas finas e coxas grossas. “É chato ser gostoso” virou bordão, graças à interpretação histriônica de Zé Trindade em O batedor de carteiras. E ninguém fazia mais sucesso na época do que as vozes da Rádio Nacional: Emilinha Borba, Marlene e Jorge Veiga. Claro que a concorrência era dura com as revistas musicais de Carlos Machado, que misturavam crítica política e rebolado das vedetes. Sem contar os vozeirões de Cauby Peixoto, Angela Maria e os muitos conjuntos vocais que faziam sucesso na época.

Em 1956, já funcionavam aproximadamente 250 mil televisores entre São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. A programação era quase que totalmente ao vivo, com telejornais, teleteatros, pro-gramas musicais, de variedades e esportivos, encontros com artistas e celebridades em geral, que penetravam nos lares mais abastados dos

O RIO DE JANEIRO

DOS ANOS 1950 ERA

O EPICENTRO DO

OTIMISMO, MAS NEM

TUDO SE RESUMIA

A COPACABANA

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maiores núcleos urbanos. As câmeras pesadas, os recursos técnicos precários e o improviso marcaram os primeiros tempos de um meio de comunicação que teria importância crescente.

Jorge Amado seria o campeão de vendas com seu romance Ga-briela, cravo e canela, fazendo jus à fama de ter seus livros traduzidos em mais de 30 idiomas, quase todos eles, até então, focados em fortes críticas sociais. As fofocas da época giravam em torno das aventuras de playboys, como Jorge Guinle e Baby Pignatari. Volta e meia apareciam de caso com estrelas de Hollywood que desembarcavam no país e se hospedavam no lendário Copacabana Palace. Nelson Rodrigues, o cronista sem papas na língua que havia assegurado ter o Brasil perdido o complexo de vira-latas depois de conquistar o campeonato mundial no futebol, chocava o público com a montagem de Os sete gatinhos, peça que conta a história de um pai que transforma sua casa em um prostíbulo de filhas e convida os amigos para frequentá-lo. Eram tem-pos quentes, e não foi por outra razão que foram lançados os primeiros refrigeradores da Clímax, quase ao mesmo tempo em que estreavam os aparelhos de ar condicionado produzidos no país pela Admiral.

Na era das misses, Teresinha Morango (Miss Brasil 1957) e Adalgisa Colombo (1958) beliscaram o título de Miss Mundo, mas ainda não seria dessa vez que o planeta se dobraria à beleza da mulher brasileira (apenas em 1963 Yeda Maria Vargas envergaria a coroa de mais bela da Terra).

anos 50: cultura e sociedade

LINHA DE MONTAGEM DA CLIMAX (ACIMA) E A MUSA ADALGISA COLOMBO (AO LADO)

NA ERA DAS MISSES, SURGEM REFRIGERADORES

E APARELHOS DE AR CONDICIONADO

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30

CULTURA EM EBULIÇÃOImportantes movimentos no campo artístico nasceram ou toma-

ram novo impulso na segunda metade da década de 50 no Brasil. Novas formas de conceber o cinema, o teatro, a música, a poesia e a arte desabrocharam, através de uma reflexão crítica sobre a produção e as linguagens vigentes. A efervescência do movimento cultural, que encontrava eco junto às camadas médias urbanas em franca expansão, sobretudo universitárias, sintonizava-se tanto com o espírito nacionalista, expresso na valorização da cultura popular, quanto com a crença nas possibilidades de desenvolvimento e transformação do país.

Em 1951, realizou-se a I Bienal Internacional do Museu de Arte Moderna de São Paulo, na qual a população teve acesso a 2 mil obras, de 23 países. Em sua segunda edição, realizada em dezembro de 1953, a mostra passou a ocupar o parque do Ibirapuera, um projeto de Oscar Niemeyer e Burle Marx, recém-inaugurado por ocasião das comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo. A mostra

anos 50: cultura e sociedade

CRIADA EM 1951,

BIENAL DE SÃO PAULO

SE TRANSFORMARIA EM

UM DOS TRÊS MAIORES

EVENTOS DAS

ARTES NO MUNDO

A BIENAL DE SÃO PAULO PASSOU A OCUPAR O IBIRAPUERA, DESENHADO POR NIEMEYER E BURLE MARX, EM 1953

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GLAUBER ROCHA REVOLUCIONOU A FORMA DE FAZER CINEMA NO BRASIL NOS ANOS 50-60

ficou conhecida como a “Bienal de Guernica”, por exibir o célebre quadro de Picasso, de 1937. Era um momento especial das artes no país, que contavam com o inestimável apoio de mecenas como Ciccillo Matarazzo e Assis Chateaubriand. Hoje, a Bienal de São Paulo é um dos três mais importantes eventos do circuito artístico internacional, juntamente com a Bienal de Veneza e a Documenta de Kassel.

Como uma reação ao cinema industrial feito nos grandes estúdios e às populares chanchadas, cujo objetivo maior era apenas fazer rir, surge o Cinema Novo, que pretendia refletir sobre a realidade brasileira e trazer à cena os problemas do povo e do subdesenvolvi-mento. A preocupação era com a criação de uma nova linguagem cinematográfica. Foi o que levou jovens cineastas cariocas, baianos e paulistas, como Glauber Rocha, Roberto Santos e Nelson Pereira dos Santos, a discutir e a incorporar várias tendências do cinema estrangeiro, como o neorrealismo italiano, a Nouvelle Vague fran-cesa, o novo cinema japonês e até mesmo o cinema soviético de Sergei Eisenstein. Sobre o Cinema Novo, Glauber Rocha bradava

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em 1961: “Nosso cinema é novo porque o homem brasileiro é novo e nossa luz é nova, e por isso nossos filmes já nascem diferentes dos cinemas da Europa.”

Se o Cinema Novo se fazia longe dos estúdios, seguindo o bordão “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, garantindo custos baixos e agilidade de produção, a renovação no teatro se dava no espaço cênico: o despojamento era total, com cenários simples e mais pró-ximos da plateia, abandonando-se as interpretações grandiloquentes em benefício de uma representação mais realista. Em meados dos anos 1950, o Teatro de Arena de São Paulo fundiu-se com o Teatro Paulista do Estudante, trazendo à cena uma temática social e política. O teatro popular buscava oferecer à cultura brasileira um projeto de conscientização do público.

Romper com os temas tradicionais e com a linguagem conven-cional também era um dos objetivos do Grupo Oficina, formado por universitários da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, na capital paulista, em 1958. Arena e Oficina mantiveram-se como grupos distintos, mas apesar das diferenças, as influências eram as mesmas. Oduvaldo Viana Filho, Augusto Boal e Benedito Rui Barbosa foram nomes importantes na direção das montagens.

Papel extremamente relevante na época, e na verdade referência tanto para o Teatro de Arena quanto para o Oficina, foi desem-penhado pelo Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Durante as várias fases por que passou e durante os anos em que existiu como companhia estável, de 1948 a 1964, o palco do TBC chegou a ter o melhor elenco do país, em que se distinguiam Cacilda Becker (um dos maiores mitos do teatro brasileiro em todos os tempos e que depois fundou sua própria companhia), Tônia Carrero, Fernanda Monte-negro, Dionisio Azevedo, Cleyde Yáconis, Nydia Lícia, Nathalia Timberg, Tereza Rachel, Paulo Autran, Sérgio Britto, Jardel Filho, Sérgio Cardoso, Walmor Chagas, Ítalo Rossi, entre muitos outros. A encenação estava confiada a europeus e, em certos momentos, até quatro deles se alternavam nas montagens: Adolfo Celi, Luciano Salce, Ruggero Jacobbi, Ziembinski, Flaminio Bollini Cerri, Maurice Vaneau, Alberto D’Aversa e Gianni Ratto.

O TBC trabalhava com a premissa de um teatro de equipe, em que todos os papéis recebiam o mesmo tratamento. Valorizava-se igualmente a cenografia e a indumentária, bem como a política do ecletismo de repertório, revezando-se montagens de textos de Sófocles, John Gay, Goldoni, Strindberg, Bernard Shaw, Pirandello, Tennessee Williams, Arthur Miller, Sauvajon, Sardou, Roussin, Barillet e Grédy, Jan de Hartog e André Mirabeau, entre muitos outros.

Um desdobramento do TBC foi a criação da Companhia Cine-matográfica Vera Cruz, cujos galpões em São Bernardo do Campo abrigaram inúmeras produções nacionais, algumas premiadas inter-nacionalmente.

O TBC consolidou a renovação estética do espetáculo brasileiro,

anos 50: cultura e sociedade

O TEATRO BRASILEIRO

DE COMÉDIA (TBC)

SERVIU COMO

REFERÊNCIA TANTO

PARA O OFICINA

QUANTO PARA O

TEATRO DE ARENA

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ENCENAÇÃO DO GRUPO OFICINA PARA FOGO FRIO, DE BENEDITO RUI BARBOSA, COM DIREÇÃO DE AUGUSTO BOAL

A COMEMORAÇÃO DE 200 APRESENTAÇÕES DE OTELO (À ESQ.) E CENA DE GIMBA, DE GIANFRANCESCO GUARNIERI

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iniciada pelo grupo amador carioca Os Comediantes, e tornou-se a origem de outros conjuntos dele desdobrados, como a Companhia Nydia Lícia-Sérgio Cardoso, a Companhia Tônia-Celi-Autran, o Teatro Cacilda Becker e o Teatro dos Sete. Maria Della Costa, en-quanto aguardava a construção de sua casa de espetáculos, passou por ele, e adotou no Teatro Popular de Arte os mesmos princípios.

Acusado de certo conservadorismo, tanto na encenação quanto na escolha de seus textos, além de certo privilégio a uma cultura oficial que mantinha laços com a burguesia dominante, o TBC entrou em sua última fase na primeira metade dos anos 1960, alterando suas diretrizes. Passou a confiar as encenações aos brasileiros Flávio Rangel e Antunes Filho, além do belga Maurice Vaneau, e o repertório privi-legiou os dramaturgos nacionais, como Dias Gomes, Jorge Andrade e Gianfrancesco Guarnieri.

E SURGE UMA NOVA BOSSACom a palavra, o mestre Ruy Castro: “Ligue o rádio em Nova

York, Montreal, Paris, Tóquio ou Sydney e você ouvirá bossa nova.

anos 50: cultura e sociedade

TOM JOBIM (À ESQ.) E VINICIUS DE MORAES: OS AUTORES DE CLÁSSICOS COMO GAROTA DE IPANEMA (ABAIXO)

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JOÃO GILBERTO E NARA LEÃO NA PRAIA DO ARPOADOR (RJ): UM NOVO JEITO DE CANTAR A VIDA

Em discos, a música de Antonio Carlos Jobim e João Gilberto vive a bordo de aviões, navios, bares, elevadores, salas de espera, ae-roportos, estações, ferroviárias – e ao vivo, em salas de concerto, teatros, ginásios, estádios, praias. Isso está acontecendo há mais de 40 anos [agora, 50]. Segundo dados oficiais, ‘Garota de Ipanema’ rivaliza com ‘Yesterday’, de Lennon & McCartney, na casa dos 5 milhões de execuções, e ‘Águas de março’ foi apontada pelo crítico americano Leonard Feather como uma das dez canções do século. Além destas, Jobim tem outras cinco ou seis canções com quase 2 milhões de execuções em escala planetária.”

Este primeiro parágrafo do prólogo de Chega de saudade (o me-lhor, mas não o único livro interessante sobre a bossa nova) dá uma ideia da revolução que tomou conta do cenário musical brasileiro em 1958. Canção do amor demais é o nome do LP (sigla de long play, uma das medidas dos discos de vinil) que Elizete Cardoso gravou em abril daquele ano, e que no futuro seria festejado como o disco que lançou a bossa nova. Não apenas por ser todo dedicado às canções de uma nova dupla, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, mas principalmente porque um baiano chamado João Gilberto acompanhava Elizete ao

‘ÁGUAS DE MARÇO’

FOI APONTADA POR

LEONARD FEATHER

COMO UMA DAS DEZ

CANÇÕES DO SÉCULO

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anos 50: cultura e sociedade

FOTO DO ARQUIVO PESSOAL DE NELSON MOTTA (CENTRO, DE TERNO E GRAVATA) REGISTRA ENCONTRO HISTÓRICO DE NOMES DA MPB

NARA LEÃO FOI A MUSA DA BOSSA NOVA. À DIREITA, SYLVINHA TELLES E TOM JOBIM EM APARTAMENTO DA ZONA SUL CARIOCA

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violão em duas faixas (‘Chega de saudade’ e ‘Outra vez’). Fazia-se, então, pela primeira vez, a “batida da bossa nova”.

Três meses depois, João lançaria seu primeiro disco, um 78 rota-ções com apenas duas músicas: de um lado, a mencionada ‘Chega de saudade’; do outro, ‘Bim-Bom’, dele mesmo. Nas palavras do jornalista Joaquim Ferreira dos Santos, autor de Feliz 1958 – o ano que não devia terminar, assim como aconteceu com Lúcio Alves, o cantor ícone de uma época, quem ouvisse aquilo saberia, depois da primeira audição, que “a música brasileira nunca mais seria a mesma. O violão pulava de um jeito inédito, o cantor sussurrava. A primeira impressão podia ser de um desencontro absoluto. E ali, no entanto (...), estava rodando um novo país. Nunca mais se morreria de mal de amor nas canções.” A última frase faz referência às canções dor-de-cotovelo que predo-minavam até então e tinham em Maysa, Sylvinha Telles e Dolores Duran suas mais conhecidas intérpretes.

Nelson Motta, jornalista, compositor, escritor, roteirista, pro-dutor musical e letrista, relembra: “Fui a um show no auditório da Escola Naval, a ‘Operação bossa nova’, produzido e apresentado por Ronaldo Bôscoli, que vi pela primeira vez no palco (...) explicando entre um número e outro, que bossa nova era o moderno, o novo, o diferente, que era ‘um estado de espírito’. Foi também onde vi e ouvi pela primeira vez Nara Leão, timidíssima, cantando de uma maneira que fiquei sem saber se gostava ou não. Mas sem dúvida queria ver de novo. (...) Lúcio Alves, Alayde Costa e Sylvinha Tel-les e os desconhecidos Carlinhos Lyra, Oscar Castro Neves e Nara cantavam e tocavam umas músicas muito diferentes de tudo que se ouvia no rádio e na televisão. (...) Eles se apresentavam de uma maneira mais informal e intimista, as músicas pareciam mais leves e melodiosas, e as letras falavam de situações e pessoas parecidas com a vida que se levava nos apartamentos, nas praias e nas ruas de Copacabana naqueles anos bacanas. A bossa nova era a trilha sonora que nos faltava, que nos diferenciaria dos ‘quadrados’ e dos antigos, dos românticos e melodramáticos, dos grandiloquentes e dos primitivos, dos nacionalistas e regionalistas, dos americanos. Tínhamos uma música que imaginávamos só para nós.”

Retornando a Ruy Castro: “Grande parte do catálogo clássico da bossa nova está hoje disponível em CD nos Estados Unidos, no Japão e na Europa. (...) Lojas de discos usados do Rio e de São Paulo são visitadas por colecionadores do mundo inteiro em busca dos LPs originais, muitas vezes à procura de capas em perfeito estado. Meses depois, esses discos ressurgem em CD (com a capa, a contracapa e o selo tal e qual no vinil) em lojas de Londres ou Barcelona.” De acordo com Castro, o vinil original de Canção do amor demais chegou a atingir 500 dólares em leilões internacionais, antes de seu relan-çamento em CD, em 1998. Em resumo, a bossa segue com ares de nova. E como diria Vinícius em um dos seus mais famosos sonetos, que seja eterna enquanto dure.

AINDA HOJE

ESTRANGEIROS

GARIMPAM LPs

ORIGINAIS NO RIO,

QUE TRANSFORMAM

EM CDs

COMERCIALIZADOS

NA EUROPA

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Desde a década de 1930, o governo brasileiro procurava novas orientações para fortalecer a eco-nomia do país, tendo em vista sua condição essen-cialmente agrária e os acontecimentos do cenário mundial. A crise econômica internacional de 1929, decorrente da quebra da Bolsa de Valores de Nova York, havia afetado diretamente o Brasil, levando a uma queda brusca dos preços do café, principal produto de exportação. Os efeitos da crise de 1929 demonstraram que o Brasil precisava diversificar a sua pauta de produtos. Era preciso, também, dar início a um processo de industrialização, visando à redução dos gastos com importações e ao equilíbrio do balanço de pagamentos.

anos 50: cenário econômico

Um novo momento

CONSTRUÇÃO DE ITAIPU TEM SEUS PRIMÓRDIOS NOS PLANOS DE MELHORIA DA INFRAESTRUTURA DE ENERGIA DOS ANOS 50

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Durante o Estado Novo, Getúlio Vargas havia iniciado um movi-mento de criação de grandes empresas estatais, como a Companhia Vale do Rio Doce (1942), a Companhia Siderúrgica Nacional (1943), a Companhia Nacional de Álcalis (1943) e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (1945). Apesar das indústrias existentes, o Brasil ainda possuía uma economia vulnerável e dependente de importações da grande maioria de produtos consumidos internamente.

Em paralelo, a Segunda Guerra Mundial afetou duramente o co-mércio de produtos europeus, incentivando a demanda por produtos de outras regiões. Com isso, as matérias-primas nacionais se valori-zaram e a economia brasileira cresceu. Ao final do conflito mundial, as reservas cambiais do país haviam aumentado significativamente, permitindo uma expansão industrial. O estreitamento das relações com os Estados Unidos facilitou a entrada de recursos no Brasil, possibilitando a realização de vários empreendimentos. Além disso, em 1942, o governo brasileiro acertou a vinda de uma equipe técnica norte-americana, que ficou conhecida como Missão Cooke, por conta do nome de seu chefe, Morris Llewellyn Cooke. Paralelamente, uma missão técnica brasileira foi constituída para acompanhar o trabalho dos norte-americanos.

A missão tinha como principais objetivos aumentar a produção de

AO FINAL DA SEGUNDA

GUERRA, RESERVAS

CAMBIAIS ESTAVAM

EM ALTA, E PODERIAM

VIABILIZAR A EXPANSÃO

INDUSTRIAL

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bens essenciais; adaptar as indústrias brasileiras a uma tecnologia mais avançada, para produzir sucedâneos àqueles produtos habitualmente importados; aperfeiçoar os meios de transporte públicos; e canalizar melhor a poupança interna para as atividades do setor industrial. A Missão Cooke é considerada a primeira tentativa de diagnóstico global da economia brasileira e de seus problemas dentro de uma perspectiva de promoção do desenvolvimento do país. Alguns anos mais tarde, em 1948, o país ainda contou com a Missão Abbink, liderada por John Abbink e Otávio Gouveia de Bulhões.

O FIM DA ERA GETÚLIOEm outubro de 1950, Getúlio Dornelles Vargas foi reeleito, e o

povo, com o seu costumeiro bom humor, não deixou passar em branco o retorno do político que já havia permanecido 15 anos na Presidên-cia, cantando a marchinha “Bota o retrato do velho outra vez / Bota no mesmo lugar / O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar”. Tudo porque, mesmo fora do governo desde 1945, Vargas continuou sendo a figura mais influente do cenário político brasileiro, em razão da po-pularidade conquistada com a consolidação da legislação trabalhista, em 1943, que protegia os direitos dos trabalhadores.

Ainda em 1951, surge o Plano Nacional de Reaparelhamento Eco-nômico, com foco na expansão dos serviços básicos de infraestrutura, principalmente de transporte e energia, que se apresentavam como empecilhos ao processo de industrialização. A questão era como obter os recursos necessários para colocá-lo em prática. Para tanto, o gover-no brasileiro já havia acordado com o governo norte-americano uma colaboração financeira do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) e do Export-Import Bank (Eximbank), nego-ciação que incluía também a vinda de técnicos norte-americanos para trabalhar no assunto. No entanto, estava prevista uma contrapartida do governo brasileiro, e para levantar estes recursos foi instituído um empréstimo compulsório, que seria cobrado por meio de um adicional ao Imposto de Renda.

O grupo formado pelos quase 200 técnicos americanos e brasileiros recebeu o nome de Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU) e atuou até julho de 1953, no âmbito do Ministério da Fazenda, pe-ríodo em que foram analisados os principais problemas econômicos brasileiros. Os estudos anteriores, efetuados pela Missão Cooke e pela Missão Abbink, foram utilizados como subsídio pela nova comissão.

Diferentemente de suas antecessoras, a Comissão Mista apresen-tou resultados concretos. A meta era incrementar o fluxo de inves-timentos públicos e privados, nacionais e estrangeiros, para acelerar o desenvolvimento industrial e econômico brasileiro. O objetivo imediato era preparar projetos específicos para inversões de capital em setores básicos, capazes de assegurar o crescimento equilibrado da economia nacional. No total, foram apresentados 41 projetos ligados

anos 50: cenário econômico

PLANO NACIONAL DE

REAPARELHAMENTO

ECONÔMICO, DE

1951, TINHA FOCO EM

INFRAESTRUTURA

DE TRANSPORTE

E ENERGIA

41

GETÚLIO ASSINA A LEI 2.004, DE 3 DE OUTUBRO DE 1953, CRIANDO A PETROBRAS E GARANTINDO O MONOPÓLIO BRASILEIRO

CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS, DE 1943, ALÇOU GETÚLIO A UMA POPULARIDADE IMPRESSIONANTE

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anos 50: cenário econômico

COM A CRIAÇÃO DA PETROBRAS, AS DEMAIS EMPRESAS

PETROLÍFERAS PASSARIAM A SER PRESTADORAS

DE SERVIÇOS OU FORNECEDORAS DE MATERIAIS

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à energia e aos transportes. Cada projeto correspondia a um ponto de estrangulamento que prejudicava o desempenho industrial do país.

Entre as várias medidas, uma das principais foi a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), em 1952, para dar corpo a uma política de fomento à industrialização do país. No ano seguinte, a proposta desenvolvimentista foi reafirmada com a criação da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras). Com a Lei 2.004, de 3 de outubro de 1953, o governo outorgava à instituição o monopólio de exploração e produção de petróleo no país, atendendo ao apelo nacionalista de ampla parcela da população, que durante anos havia movimentado o Brasil com a campanha “O petróleo é nosso!”. As empresas petrolíferas no Brasil seriam apenas prestadoras de serviços ou fornecedoras de materiais e manteriam acordos comerciais com a Petrobras. A ideia era que os novos órgãos estatais aju-dassem a construir um país moderno, dando impulso à estrutura produtiva, que começava a se tornar mais dinâmica.

A Assessoria Econômica da Presidência da República, encarregada de estudar e formular as principais ações do segundo governo Vargas de um ponto de vista mais técnico, trabalhou com foco mais dirigido ao setor energético, tendo participado da proposta de criação da Petrobras, mas também do Plano Nacional de Eletrificação (bem como de um fundo para garantir os projetos dessa área), da Eletrobras (Centrais Elétricas Brasileiras S.A.) e do Plano Nacional do Carvão. Outras propostas importantes em campos distintos foram a criação da Capes, da Carteira de Colonização do Banco do Brasil, do Instituto Nacional de Imigração, da Comissão de Política Agrária, da Comissão de Desenvolvimento Industrial, do Banco do Nordeste e a realização de uma reforma administrativa.

A Assessoria Econômica e a CMBEU prepararam os projetos de infraestrutura básica indispensáveis para o desenvolvimento da economia nacional. O Plano Nacional de Eletrificação deu base para que a Comissão Mista selecionasse projetos a serem apoiados. A Assessoria Econômica colaborou na proposta da criação do banco de desenvolvimento, essencial para dar o impulso necessário ao processo

CAMPANHA ‘O PETRÓLEO É NOSSO’ VOLTOU EM 2013, COM FOCO NO PRÉ-SAL

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de industrialização nacional. O Fundo Nacional de Eletrificação pas-sou a ser gerido pelo BNDE por recomendação da própria Assessoria Econômica. Até a instalação da Eletrobras, em 1962, o BNDE também ficaria incumbido de dar suporte aos projetos de energia elétrica no país.

Oficialmente, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE – ainda não havia incorporado a palavra “social”) foi criado em 20 de junho de 1952, inicialmente sob a jurisdição do Ministério da Fazenda. O capital inicial, de 20 milhões de cruzeiros, foi forneci-do pelo Tesouro Nacional. Além dos adicionais sobre o Imposto de Renda, o capital seria constituído por depósitos obrigatórios de parte das reservas técnicas das companhias de seguro e de capitalização. O adicional ao Imposto de Renda seria cobrado por cinco anos, para reembolso nos cinco anos subsequentes; mais tarde, esse período viria a ser prorrogado por mais dez anos.

O BNDES ficaria responsável pela negociação de empréstimos externos para o financiamento do Plano de Reaparelhamento e por executar as operações financeiras conexas. Além do respaldo finan-ceiro, o BNDES deveria realizar análises econômicas e identificar os principais problemas do país, definindo sua linha de ação. O BNDES assumiu um papel estruturante e de agente direto nos setores que exigiam investimentos de longo prazo. Assim, coube ao Estado não apenas garantir e promover a industrialização, mas também ser o responsável pela modernização do país.

Em agosto de 1952, o BNDES aprovou o primeiro contrato de financiamento, com a Estrada de Ferro Central do Brasil, uma das principais artérias de integração do país, que ligava Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. O projeto da Central do Brasil foi desdobrado em seis partes, que possibilitariam sua ampliação e reequipamento em caráter de urgência. Outro apoio nessa área foi concedido à Estrada de Ferro Santos-Jundiaí. Os trabalhos da Comissão Mista recomendavam também atenção especial com a rede de silos, armazéns e frigoríficos, demonstrando a preocupação com o problema de abastecimento. O banco apoiou projetos nesse setor em vários estados brasileiros. Ainda em 1953, foi criado um grupo de trabalho formado por técnicos do BNDES e da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (Cepal), organismo criado pela ONU que, desde 1948, promovia estudos sobre modelos de desenvolvimento econômico aplicáveis à região. A chefia dos trabalhos do Grupo Misto BNDES-Cepal ficou sob a responsabilidade do economista Celso Furtado. A ideia era complementar os trabalhos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e auxiliar o BNDES na obtenção e na análise de dados macroeconô-micos. O grupo dedicou especial atenção aos problemas de transporte e energia, principais empecilhos para a continuidade do crescimento econômico do país. O resultado final dos trabalhos foi divulgado no relatório “Esboço de um Programa de Desenvolvimento para a Eco-nomia Brasileira. Período de 1955-1962”. Esses estudos constituiriam depois a base do Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek.

anos 50: cenário econômico

COUBE AO ESTADO

NÃO APENAS

PROMOVER A

INDUSTRIALIZAÇÃO,

MAS TAMBÉM SER O

RESPONSÁVEL PELA

MODERNIZAÇÃO

DO PAÍS

45

ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO BRASIL FOI A PRIMEIRA A RECEBER FINANCIAMENTO DO ENTÃO BNDE

BANCO TEVE PAPEL DECISIVO EM VÁRIOS PLANOS DE DESENVOLVIMENTO

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anos 50: cenário econômico

JK E JANGO, LOGO APÓS A POSSE DE JUSCELINO NA PRESIDÊNCIA

CARLOS LACERDA

E A UDN TENTARAM

IMPEDIR A POSSE

DE JUSCELINO, MAS

O GENERAL LOTT

GARANTIU A ORDEM

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DEPOIS DA TEMPESTADE, TEM INÍCIO A ERA JK Os anos de 1954 e 1955 foram bastante tumultuados no Brasil.

Além do agravamento da crise econômica, houve o acirramento da crise política, que culminaria com o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. Com isso, violentas manifestações populares explodiram nas ruas de todo o país. Jornais e representações diplomáticas norte-americanas chegaram a ser atacados. O vice-presidente, João Café Filho, assumiu o poder, apoiado por uma equipe composta de políticos, empresários e militares de oposição ao governo.

Novas eleições para a Presidência foram realizadas em outubro de 1955, sendo vencidas por Juscelino Kubitschek, candidato pelo Partido Social Democrático (PSD). No entanto, setores da União Democrática Nacional (UDN), representados pelo jornalista Carlos Lacerda, e alguns militares divergiram quanto aos resultados das ur-nas. Além disso, a oposição receava que a vitória de JK e João Goulart, o Jango, pudesse significar um retorno da política de Vargas. Jango, inclusive, assumiria o Ministério do Trabalho. Houve enorme pressão para impedir a posse do novo presidente, em uma clara tentativa de golpe de Estado. O presidente em exercício adoeceu, e o presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, assumiu o controle do país, recusando-se a punir os militares golpistas. O então ministro da Guerra, o general Henrique Lott, favorável ao resultado das urnas, mobilizou uma operação que incluiu a ocupação de vários prédios do governo, estações de rádio e jornais, e afastou Carlos Luz. O presidente do Senado, Nereu Ramos, assumiu o governo, decretou estado de sítio, instituiu censura à imprensa e garantiu a posse de Juscelino no ano seguinte.

JK NA INAUGURAÇÃO DA FÁBRICA DE VEÍCULOS AUTOMOTIVOS, JÁ EM 1956

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Ao tomar posse, em fevereiro de 1956, Juscelino Kubitschek determinou o fim do estado de sítio e da censura de imprensa. O governo JK foi marcado por seu Plano de Metas, um conjunto de 30 projetos relativos a energia, transporte, alimentação, indústrias de base e educação técnica. A promessa da construção de uma nova capital, na região Centro-Oeste, Juscelino acabou incluindo no plano como a metassíntese, ou a 31ª primeira.

Para coordenar o plano, foi criado o Conselho Nacional de Desenvol-vimento, ficando o presidente do BNDES como seu secretário-executivo. O Conselho teve o papel de uma administração paralela, com autonomia para decidir sobre os rumos dos projetos. Ligados ao Conselho de De-senvolvimento, foram organizados vários grupos de estudos, alguns deles transformados em grupos executivos, que tinham como função realizar pesquisas e determinar as medidas necessárias para a implantação de indústrias em seus respectivos setores, tais como o Grupo Executivo das Indústrias de Construção Naval (Geicon) e o Grupo Executivo das Indús-trias de Mecânica Pesada (Geimape). Entre todos, o mais relevante foi o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia).

Como mencionado anteriormente, o Programa de Metas foi

anos 50: cenário econômico

LINHA DE MONTAGEM DOS DAUPHINE E AERO-WILLYS, EM SÃO PAULO

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LINHA DE MONTAGEM DO ROMI-ISETTA, EM SANTA BÁRBARA DO OESTE

elaborado com base nos estudos do Grupo Misto BNDES-Cepal, tendo como objetivo dar continuidade e incrementar o processo de industrialização por meio da política de substituição de importações. Entre 1956 e 1960, foram realizados projetos de usinas hidrelétricas, rodovias, linhas de transmissão e dos setores siderúrgico e de papel e celulose. No que se refere à produção de energia elétrica, foram finan-ciados 46 projetos, distribuídos pelos nove programas em que se dividia a meta. Os mais importantes foram a construção das usinas de Três Marias e de Furnas (o maior projeto de energia de todo o programa), em Minas Gerais, o complexo de usinas da Light, em São Paulo, e a ampliação da Usina de Paulo Afonso, em Pernambuco.

Os investimentos realizados ampliaram consideravelmente a estrutura industrial do país, com ênfase nos setores de bens de produção e bens de consumo duráveis. A implantação da indústria automotiva propiciou diversos projetos ligados a essa iniciativa, não só na siderurgia, como também em outros segmentos necessários para o desenvolvimento da cadeia produtiva, como borracha e têxteis.

Nesse período, a produção industrial no país cresceu 80%, com destaque para as indústrias de aço, mecânicas, elétricas e de equipa-

OS INVESTIMENTOS

AMPLIARAM

A ESTRUTURA

INDUSTRIAL DO PAÍS,

COM ÊNFASE EM BENS

DE PRODUÇÃO E DE

CONSUMO DURÁVEIS

50

anos 50: cenário econômico

GM DO BRASIL AMPLIOU FÁBRICA EM 1948 E FOI A PRIMEIRA CLIENTE DO AÇO PRODUZIDO PELA COMPANHIA SIDERÚRGICA NACIONAL

ROMPIMENTO COM FMI TEVE APOIO POPULAR

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mentos de transporte. Em um cômputo geral, os resultados ficaram dentro do previsto, mas alguns índices excederam as expectativas – para o bem e para o mal. A economia cresceu, como o previsto, cerca de 5% ao ano. O coeficiente de importações caiu de 14% para 8% em 1960, superando as previsões em torno dos 10%. No entanto, a inflação superou a previsão de 13,5%, ficando em torno de 25% ao ano, entre 1957 e 1960.

Como ressalta Thomas Skidmore, ao invés de desacelerar o programa, reduzindo o déficit de seu governo, a equipe de Juscelino tolerava o aumento dos preços. “A inflação e o déficit nos pagamentos andavam juntos em 1958, forçando o Brasil a negociar um acordo de estabilização com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O pro-grama proposto provocou furiosa oposição nacional, pois exigia, como é usual, controles de crédito e restrições salariais. Entrando em seu último ano de governo, JK decidiu romper com o FMI. A medida teve ampla repercussão popular, mas a posição do país junto à economia mundial ficou fragilizada – e a conta a pagar viria mais adiante.

Vale ainda lembrar, sobre esse período, que, entre os grupos de estudos criados pelo Governo Federal, estava o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), que ficou a cargo de Celso Furtado. A ideia era reduzir as diferenças entre Nordeste e Centro-Sul, que o processo de industrialização só fez acentuar. Em 1958, a grave seca que assolava aquela região, aumentando o desemprego e o fluxo migratório, motivou JK a pedir a Celso Furtado a elaboração de um plano de política econômica para o Nordeste. Em dezembro de 1959, era constituída a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), vinculada diretamente à Presidência da República.

Criada como meta especial do governo Kubitschek, a Sudene foi o primeiro órgão de planejamento regional do país. Deveria ainda atuar como órgão centralizador dos investimentos federais na região. Designado para coordenar em Recife a instalação do novo órgão, Celso Furtado foi responsável pelas estratégias de atuação da Sudene entre 1959 e 1964.

As mudanças na economia nacional foram intensas naqueles anos. O Brasil “moderno” que vinha sendo desenhado começava a ganhar forma. A política desenvolvimentista provocara um grande crescimento das cidades. Essas mudanças afetaram também a vida das pessoas. O automóvel, a televisão, os eletrodomésticos e o su-permercado passaram a fazer parte do cotidiano de quem vivia em centros urbanos. Ao final dos anos 1950, o Brasil não era mais um país apenas agrícola. A participação da produção do campo no Produto Interno Bruto (PIB) foi caindo de forma gradativa e, paralelamente, a participação da indústria alcançou um significativo aumento nesse período. Houve também a queda da população que vivia no campo. O Censo de 1955 registra uma parcela de 64% e, no de 1960, esse indicador cai para 55% dos habitantes; ao passo que o número de domicílios urbanos havia crescido de 37% em 1950 para 47% em 1960. Essa tendência foi ainda intensificada nos anos seguintes, sendo interrompida na década de 1980.

O AUTOMÓVEL, A TV,

OS ELETRODOMÉSTICOS

E O SUPERMERCADO

PASSARAM A FAZER

PARTE DO COTIDIANO

DOS BRASILEIROS

DAS ZONAS URBANAS.

O BRASIL NÃO ERA

MAIS APENAS

UM PAÍS AGRÍCOLA

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EPÍLOGOA inauguração de Brasília, em abril de 1960, dividiu opiniões. A

moderna cidade, planejada pelo urbanista Lúcio Costa e com suas principais edificações projetadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer, conquistou a admiração nacional e internacional. Para alguns brasi-leiros, a ousada ideia parecia mais uma utopia. Para outra parte, a do funcionalismo público, a transferência para o Planalto Central era considerada um tormento.

A mudança da capital da República, do Rio de Janeiro para a região Centro-Oeste, não representava apenas a transferência do complexo administrativo do Governo Federal para outra cidade, mesmo levando em conta tudo o que isso pudesse implicar, mas significava também efetivar a ocupação do território nacional ou, em outras palavras, a interiorização do Brasil. A ideia de uma capital no coração do país, a propósito, não era nova. A proposta de sua mudança consta inclu-sive da primeira Constituição Republicana, de 1891, que atribuía ao Congresso Nacional competência para “mudar a capital da União”.

O mapa rodoviário do país foi transformado por uma rede de novas estradas, que começavam a interligar a capital às demais regiões. O de-senho do futuro parecia tomar forma com Brasília, uma cidade de linhas arrojadas e avenidas largas, projetadas para um grande fluxo de automóveis, construída em tempo recorde. O lema “50 anos em 5” do governo JK fora sintetizado em Brasília. A transferência da capital teria sido suficiente para alterar a face do país. No entanto, outras mudanças estavam em curso, e marcariam profundamente a vida e a história do Brasil.

anos 50: cenário econômico

JK VISITA AS OBRAS DA USINA DE TRÊS MARIAS (ACIMA) E DE FURNAS (AO LADO)

53

O MAPA RODOVIÁRIO

DO PAÍS GANHOU

UMA REDE DE NOVAS

ESTRADAS INTERLIGANDO

A CAPITAL ÀS

DEMAIS REGIÕES

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Os simbólicos “50 anos em 5” tiveram uma cidade como materialização histórica: Brasília, a capital inaugurada em 21 de abril de 1960. Brasília exprimia o tom que o presidente JK desejava imprimir ao Brasil - dinamismo, tena-cidade, pioneirismo e audácia, fruto da vontade política associada ao espírito de aventura. JK misturava-se aos candangos, empoeirava-se, inspirava letras de músicas, estimulava social-mente o sonho que se tornara seu, de dar vida no Planalto Central à ousadia do desenho ar-quitetônico moderno. A cidade construída nos anos 50 nos leva de volta à herança de Minas Gerais, que no final do século passado também construiu sua nova capital, trocando Ouro Preto por Belo Horizonte.

anos 50: a construção de Brasília

A construção de um sonho

NIEMEYER, JK E ISRAEL PINHEIRO COM MAQUETE. AO LADO, OBRAS NO CONGRESSO

55

56

anos 50: a construção de Brasília

AS LINHAS “LEVES E FLUTUANTES” DO PROJETO DE NIEMEYER, ACIMA. ABAIXO, JUSCELINO E LÚCIO COSTA EXAMINAM O PLANO-PILOTO

JK NÃO TEVE

DIFICULDADES EM

CONTAGIAR A TODOS

QUE SE ENVOLVERAM

COM A EPOPEIA

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A utopia urbana concebida no sonho de Brasília nos traz de volta a modernidade de JK, que ganhava agora foro nacional. O grande projeto de integrar o país ao mundo moderno tomaria forma na cida-de de linhas leves e flutuantes que, nas palavras de Oscar Niemeyer, manteriam “os palácios como que suspensos, leves e brancos, nas noites sem fim do Planalto”. O plano “ortogonal” de Lúcio Costa acolheria as “curvas” de Niemeyer, misturando-se, assim, ao modelo racionalista do desenho urbanístico, a monumentalidade e a exploração dinâmica dos volumes dos edifícios.

O Planalto Central, além da mítica tradição, era lembrado como ponto estratégico para a nova capital pela possibilidade de unificar o país de dimensões continentais. Brasília era uma decisão do espírito de empreendimento que registrava na paisagem virgem a mão do homem. Era o exemplo de uma moderna concepção de cidade que correspondia à intencionalidade racional do homem na sua relação com a natureza.

A construção de Brasília teve ares de epopeia. Juscelino esteve pela primeira vez no local onde a cidade seria construída em 2 de outubro de 1956. Como ele mesmo relembra em seu livro Por que construí Brasília, “só existia naquela região a planura do deserto e, comunicando certa vida à paisagem da desolação, estendia-se até os sem-fins do horizonte o cerrado – um mar de árvores raquíticas, retorcidas e quase órfãs de folhas – que era o lado aposto, em feição agreste, do céu, que é um dos mais belos do mundo”. Para se chegar ao local, na época, ia-se de avião a Goiânia, e dali, em teco-teco, a Planaltina, seguindo depois em jipe, através de trilhos abertos no cerrado, até o sítio onde seria Brasília.

Graças ao seu espírito empreendedor e a uma simpatia levada ao ex-tremo, JK não teve dificuldades em contagiar a todos que se envolveram no projeto. O Catetinho (leia detalhes no quadro), que seria sua primeira residência no local, foi construído em 10 dias. “Operários chegavam de todas as regiões do país em busca de trabalho. Eram os candangos, que derivavam do Nordeste, do interior de Goiás e dos municípios das fronteiras de Minas e de Mato Grosso, a fim de ‘dar uma mão’ na obra de desbravamento do Planalto”, narra o presidente.

Oscar Niemeyer, da mesma forma, havia se transferido para o Pla-nalto. Relembra JK: “Ele estava integrado, de corpo e alma, naquela obra, única no gênero. Morava num barracão, num compartimento isolado, que converteu em estúdio, colocando ali suas pranchetas. Trabalhava sem cessar, pois o ritmo que prevalecia na execução das obras não comportava descanso. Sucediam-se, assim, os projetos. Niemeyer nunca revelou a menor ambição pecuniária. Perguntei-lhe um dia: ‘Quanto você quer ganhar?’ Respondeu-me, sorrindo: ‘O mesmo que o governo dará a um diretor de qualquer serviço.’ E assim foi feito. Tudo o que foi construído em Brasília, e que valeria milhões nas mãos de um artista ambicioso, custou a insignificante soma de quarenta contos de réis mensais.”

O PLANALTO CENTRAL

ERA LEMBRADO COMO

PONTO ESTRATÉGICO

PARA UNIFICAR UM

PAÍS DE DIMENSÕES

CONTINENTAIS

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anos 50: a construção de Brasília

A CADA DOIS DIAS, JK IA A BRASÍLIA, VISTORIAVA

OBRAS NA MADRUGADA E RETORNAVA AO RIO

MOMENTO RARO: JK NÃO CONTÉM A EMOÇÃO E VAI ÀS LÁGRIMAS

Seis meses após o início das obras, JK achou por bem realizar uma missa no local: “Havia chegado o momento de proporcionar aos pioneiros um pouco de conforto espiritual. (...) Escolhi a data de 3 de maio por me parecer a mais expressiva, já que recordava a missa mandada dizer por Pedro Álvares Cabral. (...) A primeira assinalara o redescobrimento da Nova Terra; e a segunda, 400 anos mais tarde, lembraria a posse efetiva da totalidade do território nacional.” Cerca de 15 mil pessoas compareceram ao evento, inclusive autoridades e senhoras vindas do Rio de Janeiro e uma delegação de índios carajás. O presidente, sempre entusiasmado e otimista, assim resumiu aquele momento: “De um lado, os carajás de penas, e do outro, as elegantes da sociedade carioca exibindo as últimas criações dos costureiros de Paris. Brasília já nascia como um fator de aglutinação dos desníveis nacionais.”

O fato é que a construção de Brasília foi movida pela energia e determinação de Juscelino. Sua disposição era impressionante: “Cada dois dias eu fazia uma viagem a Brasília, para fiscalizar as obras e es-timular, com minha presença, a atividade dos candangos. Como não podia deixar o Rio durante o dia, esperava o fim do expediente para tomar o avião que me levaria ao Planalto. Chegava lá às 10 ou 11 horas da noite. Percorria, então, as obras até às 3 horas da madrugada,

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Catetinho, o palácio de tábuasReza a lenda que os rascunhos da primeira

morada de Juscelino Kubitschek em Brasília foram rabiscados por Oscar Niemeyer em um guardanapo do extinto Juca’s Bar, em uma noite de 1956, no Rio de Janeiro. Ali mesmo, sensibilizados com a distân-cia que separava JK de seu sonho, quase utopia, uma “vaquinha” foi realizada entre os amigos do presidente. Do montante, deu-se início à construção do Palácio de Tábuas, ou Catetinho.

Há quem conteste o episódio, inclusive com do-cumentos, mas, entre a história oficial e a folclórica, a segunda tem um caráter, lírico, caricato e até mesmo boêmio, em consonância com o ambiente da época.

O nome, uma brincadeira do músico Dilermando Reis, amigo pessoal de JK – que foi o primeiro artista de prestígio nacional a tocar na solidão do cerrado – fazia referência a até então sede do Governo Federal, localizada no Rio de Janeiro, o Palácio do Catete, onde, anos antes, Getúlio Vargas cometera suicídio.

O prédio de madeira, erguido sobre pilotis, foi construído em 10 dias, a partir do esforço de 20 ope-rários que trabalharam duro, em uma jornada diária de 18 horas, para erguer a primeira residência oficial de Juscelino Kubitschek naquela que seria a nova capital do país. Para o próprio presidente mineiro, o lugar era um símbolo.

“Foi ele [o Catetinho] a flama inspiradora que me ajudou a levar à frente, arrastando o pessimismo, a

descrença e a oposição de milhões de pessoas, a ideia de transferência do governo”, registraria o presidente no seu livro Por que construí Brasília.

Inaugurado em 10 de novembro de 1956, o Catetinho era também porto seguro de muitos homens de confiança de JK, como o engenheiro Juca Chaves e o arquiteto Oscar Niemeyer, além do xerife do cerrado, Israel Pinheiro, que coordenaria as obras com pulso firme e tinha no Catetinho um quarto exclusivo.

E foi no Catetinho que a dupla sensação da música brasileira daquele momento, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, se hospedaria em 1958 para escrever a mítica ‘Sinfonia da Alvorada’, buscando inspiração na paisagem deslumbrante formada pelas matas de galeria, o som das águas da fonte, a festa dos pássaros e bichos do lugar. Tom Jobim, amante da natureza, descreveu assim, certa vez, um pas-seio que fez pela selva do Catetinho: “De repente, de perto, como um grito, veio o piado do macho chamando a fêmea. Silêncio. E de longe chega a resposta. É uma conversa que parece vir do fundo dos tempos”.

Construção concebida a partir dos princípios modernistas, a pedido do próprio JK, o Catetinho foi tombado como patrimônio histórico e cultural de Bra-sília pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Homenagem mais do que justa.

VINICIUS E TOM CRIARAM NO CATETINHO A ‘SINFONIA DA ALVORADA’ , COMPOSTA ESPECIALMENTE PARA A INAUGURAÇÃO DE BRASÍLIA

anos 50: a construção de Brasília

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JK E JANGO NA INAUGURAÇÃO (ACIMA) E OBRAS NO PALÁCIO DA ALVORADA (AO LADO)

EM TORNO DE 60 MIL CANDANGOS TRABALHARAM

DE SOL A SOL PARA CONSTRUIR A NOVA CAPITAL

quando tomava, de novo, o avião e vinha acordar no Rio, para o início de novo expediente. Durante dois anos fiz 255 viagens desse gênero.”

Como é de se supor, em meio a um cenário inóspito e dadas as dificuldades de comunicação e de deslocamento da época, nem tudo foram apenas flores. Como descreve o jornalista Carlos Marcelo, fazia “muito calor de dia, muito frio de noite; a variação brusca de temperatura, aliada à baixa umidade do ar, acentuava o desconforto. Centenas de trabalhadores tombaram ao longo da jornada – por causa de doenças, excesso de fadiga ou acidentes de trabalho. Muitos tive-ram morte instantânea ao despencar das estruturas dos prédios dos ministérios e do Congresso Nacional. Igualmente instantânea era a remoção dos corpos, para não assustar os sobreviventes e comprome-ter o ritmo frenético da construção. As baixas não desestimulavam Juscelino, que inspecionava as obras e reafirmava a cada operário a necessidade de cumprir o prazo que fixara:

– Como é, meu velho? Vai me dar essa obra na data marcada?– É claro, presidente!”Não deu outra. Em 21 de abril de 1960, Brasília era inaugurada,

em um festival de eventos e com a presença de nada menos que 55 embaixadores, entre diversas outras autoridades e milhares dos quase 60 mil candangos que ajudaram a construí-la.

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anos 50: a construção de Brasília

Juscelino, o domador do sertãoPOR VOLTAIRE SCHILLING

O ano de 1956 foi extremamente importante na história política e cultural brasileira. Naquela ocasião, o mineiro Juscelino Kubitschek, presi-dente do Brasil, recém-eleito, deu início a sua espetacular empreitada de construir no Planalto Central uma nova capital – Brasília. Enquanto isso, seu conterrâneo, médico como Juscelino, o escritor e diplomata João Guimarães Rosa, trazia a público o seu monumental livro Grande Sertão: Veredas, celebrando o mundo arcaico que Juscelino começaria em breve a por abaixo.

“... não deixavam o Miguilim parar quieto. Tinha de ou debulhar milho no paiol, capinar canteiro de horta, buscar cavalo no pasto, tirar cisco nas grades de madeira do rego. Mas Mi-guilim queria trabalhar, mesmo. O que ele tinha pensado, agora, era que devia copiar de ser igual como o Dito.”

Guimarães Rosa, Manuelzão e Miguilim. 1956

Os dois eram rapazes do interior de Minas Gerais. Juscelino nascera em Diamantina, em 12 de setembro de 1902; Rosa, em Cordisburgo, em 27 de junho de 1908. Vieram cursar a mes-ma Faculdade de Medicina em Belo Horizonte. Juscelino Kubitschek de Oliveira ganhou o ca-nudo e o anel em 1927; João Guimarães Rosa graduou-se mais tarde, em 1930. Engajaram-se em revoluções. Não para matar, mas para sal-var vidas. Juscelino embarcou numa coluna na Revolução de 1930, Guimarães Rosa alistou-se como voluntário na Constitucionalista de 1932. Eram vocacionados para o serviço público. Jus-celino abrigou-se nas asas de Benedito Valadares, o Grande Chefe Joca Ramiro dele, tornando-se deputado e depois prefeito de Belo Horizonte (entre 1940-45).

Guimarães Rosa, um caipirão muito culto, grande cabeça, ingressava no Itamaraty para ser diplomata. Foi ver o mundo. Mandaram-no para Hamburgo, Bogotá e Paris. E de novo para Paris. Mas o sertão – a imagem do pequizeiro e do jatobá, a beleza do ipê-amarelo, o rio vadio e vistoso –, nunca saía de dentro dele. Voltando por uns tempos ao Brasil, o doutor foi desbravar o interior de Minas Gerais e de Mato Grosso. Acreditou que podia pre-servar aquilo com sua pena, aquela gente, o mundo dos matutos, dos trabucos e das traições. Assina-se então como Vaqueiro Mariano.

Juscelino, ao contrário, ao conhecer os Esta-dos Unidos, em viagem em 1948, regressou com outra cabeça. Evidentemente que, político hábil, nunca disse, mas tratou de fazer. No Brasil dele, veio convicto, não tinha mais lugar para o sertão. Era eletricidade, era fábrica, era carro e trator. Logo que eleito presidente, no dia 18 de abril de 1956, em uma curta passagem por Anápolis, em Goiás, assinava às pressas a transferência da capital para o Planalto Central. Brasília iria começar a ser erguida bem no meio do sertão, no coração amado de Riobaldo, o personagem de Grande Sertão: Veredas, livro que Guimarães Rosa lançara naquele mesmo ano.

RIOBALDO E BERNARDO SAYÃOEra naquela vastíssima região, um mundo em

si mesmo, impenetrável império de matos e brenhas, que cobriam as terras sem-fim do norte de Minas, indo até o sul da Bahia, passando pelos cerrados de Goiás, que os do bando do Urutu-Branco, dos jagunços Riobaldo e Diadorim, atuavam em busca do famigerado bandidão Hermógenes, homem mau, agente do Tinhoso, para vingar-se daquele judas. Exatamente era ali o mundo bárbaro e arcaico que Juscelino estava disposto a fazer sumir. Não com tiros, que não era seu jeito, mas com estradas, de cimento e de asfalto, com escavadeiras, caminhões e postes de luz.

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Para tal tarefa de Hércules, ele convocou, entre tantos, um gigante, o engenheiro Bernardo Sayão, um homenzarrão, a quem ele colocava na Novacap (o estado-maior que ergueria Brasília), poderoso como o Zé Bebelo de Guimarães Rosa, um coronelão que fazia e acontecia. Tão imenso era o Bernardo que foi preciso uma enorme árvore para matá-lo, quando ele assombrava o Brasil, abrindo a estrada para Belém, em 1959, à serra e a socos. Foi as Veredas-Mortas dele, local onde o diabo de Rosa o levou.

JK E NIEMEYEREntrementes, Juscelino, carregando meio

mundo para o Planalto Central (André Malraux, soberbo escritor, ministro da Cultura francês, encantado com a obra, batizou-a de “a capital da esperança”), conseguiu espantar para sempre os impedimentos que o mítico rio Liso do Sussuarão, de Guimarães Rosa, fazia. As veredas dele, impe-netráveis, que durante tanto tempo protegeram o sertão dos assédios inimigos, sucumbiram frente ao ímpeto de Juscelino. Para seduzir os roceiros e os jagunços, desconfiados de tudo e de todos, ele, como já fizera antes em Belo Horizonte, nos seus tempos de prefeito, resolveu embasbacá-los.

Trouxe para o meio de Goiás o arquiteto

Oscar Niemeyer, a fim de erguer maravilhas com concreto nos descampados de Brasília, e mais uma leva de artistas e vitralistas para fazer tudo bonito, tudo moderno, para encher o brasileiro de orgulho, para arrumar um lugar e tanto para a Copa do Mundo, recém-conquistada em 1958. A planta da cidade era, como se sabe, a forma de um pássaro colossal cujo voo sacudiu o Brasil de então. Juscelino não parava num só lugar, não ficava quieto nunca. Em um país de gente acomodada, dada à lassidão, parecia um azou-gue, decolando e aterrissando nos lugares mais inesperados, os mais improváveis, tão rápido tudo andava que até o seu nome encurtou, virou JK.

Vendendo otimismo, entusiasmando a cultu-ra, fez a música, dispensando a viola, a sanfona e o tambor, tocar em uma outra batida; fez o cinema olhar diferente, tudo era novo, a bossa era nova, até ele, o presidente, era o presidente bossa nova. Guimarães Rosa morreu em 1967, de emoção. Não foi pelo fardão da Academia Brasileira de Letras que o seu coração falhou, foi sim pelo fim do sertão, que desaparecia. Juscelino, o Miguilim tornado homem, o dito domador do sertão, acompanhou-o anos depois, em 1976, morto, como não podia deixar de ser, em viagem, em um automóvel, por uma estrada.

BERNARDO SAYÃO MORREU

ATINGIDO POR UMA ÁRVORE,

DURANTE A CONSTRUÇÃO DA

RODOVIA BELÉM-BRASÍLIA

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60anos

o país sob regime militar

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PROMOVIDO A MARECHAL,

GENERAL CASTELO BRANCO

(SEM QUEPE) SERIA O PRIMEIRO

PRESIDENTE DO REGIME MILITAR

INSTALADO EM 1964

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anos 60: cultura e sociedade

Luzes e sombrasUma euforia dominava o país por conta de to-

das as renovações ocorridas na década de 1950, não sem razão chamada de “os anos dourados”. A televisão começava a se popularizar no Brasil, inclusive por conta da introdução do videoteipe, que possibilitou às populações de cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte assistirem à inauguração da nova capital pela TV. Em 1962, o país vibrou mais uma vez com uma conquista da seleção brasileira de futebol, bicampeã da Copa do Mundo realizada no Chile. Mas nem tudo daria tão certo.

Após uma vitória estrondosa nas eleições de 1960, com 48% dos votos, Jânio Quadros havia sido eleito presidente pelo pequeno Partido Trabalhista Nacional. Durante a campanha presidencial, havia prome-tido controle da inflação e reformas na política interna e externa. Ainda como candidato, visitou Cuba, tendo em vista uma aproximação políti-ca. Logo depois de empossado, adotou medidas polêmicas, proibindo o uso de maiôs em concursos de beleza, biquínis nas praias, lança-perfume no carnaval, corridas de cavalo, brigas de galo e espetáculos de hipnose. Esse estilo de governar não duraria muito tempo.

Com a renúncia de Jânio, sete meses depois, o cargo seria de João Goulart, o Jango, mas houve uma tentativa de evitar sua posse, até porque Jango estava em visita oficial à China comunista quando da renúncia do então presidente, o que só acirrava o temor de que uma república sindicalista fosse implantada no Brasil. Surgiu, então, no Rio Grande do Sul aquele que ficaria conhecido como Movimento da Legalidade, liderado por Leonel Brizola, então governador gaúcho e cunhado de Jango, com quem compartilhava a herança trabalhista de Getúlio Vargas. Brizola, com apoio dos militares gaúchos, entrincheirou--se no Palácio Piratini, usou os microfones das rádios para mobilizar a sociedade (a chamada Rede da Legalidade) e convocou a população a se armar e resistir à tentativa de impedir que João Goulart assumisse a presidência. O movimento alcançou grande repercussão em todo o país.

A saída para o impasse foi a implantação do regime parlamenta-rista, com Tancredo Neves sendo indicado para o cargo de primeiro ministro. Jango foi empossado presidente, e seguiu enfrentando resistências pelo viés socialista de seu governo, desconfianças que só

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POSSE DE JANGO (ESQ.) SÓ FOI CONFIRMADA DEPOIS QUE BRIZOLA (CENTRO), APOIADO PELO GENERAL MACHADO LOPES, SE REBELOU

JÂNIO OBTEVE 48% DOS VOTOS, MAS SUA PASSAGEM PELA PRESIDÊNCIA FOI BREVE

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TANCREDO DISCURSA COMO PRIMEIRO MINISTRO (À ESQ.), E JANGO FALA PARA A MULTIDÃO, AO LADO DA MULHER, EM MARÇO DE 64

VIÉS SOCIALISTA DO GOVERNO JOÃO GOULART FOI DECISIVO PARA QUE OS MILITARES SE LEVANTASSEM

anos 60: cultura e sociedade

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A RESPOSTA AO

COMÍCIO DA CENTRAL

DO BRASIL VEIO UMA

SEMANA DEPOIS,

COM A MARCHA DA

FAMÍLIA COM DEUS

PELA LIBERDADE

aumentaram depois que ganhou mais poderes, a partir da renúncia de Tancredo Neves, em 1962, e da volta ao regime presidencialista, após um plebiscito, em 1963.

A questão mais complexa da política de Jango envolvia as chamadas reformas de base, em especial a reforma agrária. Os mo-vimentos dos trabalhadores rurais passavam a ter um maior grau de organização, de forma a apresentarem suas demandas, com destaque para as Ligas Camponesas. Organizadas em 1955 pelo advogado e político pernambucano Francisco Julião, as Ligas tinham como pro-posta defender os interesses dos trabalhadores rurais. Rapidamente, o movimento ganhou força e se espalhou para outros estados do Nordeste, ganhando projeção nacional no início dos anos 1960. Seguramente, uma grande conquista originada desta mobilização foi o Estatuto do Trabalhador Rural, que instituiu a carteira profissional para o trabalhador do campo, regulamentou a duração do trabalho, prevendo direitos como repouso semanal e férias remuneradas. Além disso, a Lei 4.214, de 2 de março de 1963, que estabeleceu o estatuto, determinou que nenhum trabalho poderia ser remunerado em base inferior ao salário mínimo regional.

No entanto, a agenda da reforma agrária não chegou a avançar por causa da resistência de setores mais conservadores da sociedade. Paralelamente, a reforma urbana também encontrava resistência. O fato de o governo ter minoria no Congresso dificultava, inclusive, o desempenho do plano de estabilização, que dependia de apoio político. Para garantir o apoio às reformas de base, Goulart tentou organizar uma investida política com apoio dos grupos de esquerda. A estratégia era conquistar uma base popular, por meio de grandes comícios nas principais cidades do país, para contornar a resistência do Congresso às reformas. O primeiro evento, realizado no dia 13 de março de 1964, no Rio de Janeiro, ficou conhecido como o “Comício da Central do Brasil”. Cerca de 150 mil pessoas compareceram ao evento, que contou com a proteção das tropas do I Exército. Em seu discurso, transmitido pela televisão, Goulart reafirmou a necessidade de mudar a Constituição e anunciou a desapropriação das refinarias de petróleo particulares, declarou sujeitas a desapropriação propriedades privadas valorizadas por investimentos públicos, situadas às margens de estradas e açudes, e mencionou que daria início à reforma urbana.

A resposta ao comício veio menos de uma semana depois, com a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, organizada em São Paulo pela ala conservadora da Igreja Católica. A manifestação reu-niu o dobro de pessoas que o evento de Goulart no Rio de Janeiro. O comício da Central serviria de estopim para o golpe. A política de Goulart já era vista com desconfiança por setores da sociedade que, sob o pretexto de suas supostas tendências comunistas, apoiaram o levante dos militares que instituiu a ditadura no país, no dia 1º de abril de 1964. Na época, Jango declarou ter preferido evitar o confronto, para não haver derramamento de sangue, e exilou-se no Uruguai, jun-tamente com Leonel Brizola e outros políticos do espectro da esquerda.

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A CULTURA SOBREVIVEEm meio à convulsão política e restrição de liberdades (confira

detalhes no subcapítulo sobre o regime militar), grupos de teatro como o Arena e o Oficina dividiam a vanguarda da estética politizada. Junto com o Cinema Novo, seguiam a onda do neorrealismo italiano. Eram anti-imperialistas e anticapitalistas, defendiam radicalmente o nacio-nalismo e denunciavam as disparidades sociais. Talvez o nome mais marcante dessa tendência tenha sido o de Glauber Rocha. Seu primeiro filme, feito de muitas idéias e uma câmera na mão, foi Barravento (1961).

Espetáculos teatrais também passaram para a tela grande com muito bom resultado. Em 1963, O pagador de promessas, baseado na peça homônima de Dias Gomes, dirigido por Anselmo Duarte e estre-lado por Leonardo Vilar e Glória Menezes, recebeu o prêmio máximo do Festival de Cannes. Em 1964, Glauber concluía Deus e o diabo na terra do sol, exibido no ano seguinte.

Nos palcos, o Oficina teve uma temporada triunfal com Os pequenos burgueses, de Gorki: o espetáculo ficou em cartaz de 1963 a 1965, pas-sando por várias capitais. Depois, em 1966, o mesmo grupo lançou O rei da vela, primeira montagem da obra escrita por Oswald de Andrade 35 anos antes. Sob a direção de José Celso Martinez Corrêa, a peça foi enorme sucesso de crítica e público.

A pressão do regime militar contra a resistência cultural que o teatro representava intensificou-se a partir de 1965, com a exacerbação dos mecanismos de censura. Começando por frequentes cortes em peças, já em março a censura proibia pela primeira vez uma peça inteira: O vigário, de Rolf Hochhuth, montada no Rio. Em julho do mesmo ano, ocorreu também a primeira proibição de um espetáculo antes mesmo da estreia: O berço do herói, de Dias Gomes. Liberdade, liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel, sofreu 25 cortes em sua estreia paulistana.

Mas o teatro continuava resistindo. Em especial, as montagens de textos de Brecht acentuavam a ênfase na temática política e social. O teatro inconformista entrou no ano de 1968 sofrendo os rigores do que, naquela altura, já era uma guerra aberta, deflagrada pela censura.

O elenco de Roda Viva, de Chico Buarque, numa montagem arrojada e iconoclasta de José Celso, foi agredido em Porto Alegre, e a censura terminou por interditar o espetáculo. No fim da década, a repressão cultural, à sombra do AI-5, extremou-se a tal ponto que algu-mas montagens passaram a ser proibidas em todo o território nacional antes mesmo da estreia. Foi o que ocorreu, por exemplo, com Abajur lilás, de Plínio Marcos, e Calabar, de Ruy Guerra e Chico Buarque.

FESTIVAIS, JOVEM GUARDA, TROPICALISMODurante os anos 1960, a bossa nova explodiu para muito além de

Copacabana. ‘O barquinho’, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, faria da música brasileira um dos produtos mais conhecidos em todo o mundo. ‘Garota de Ipanema’, na versão de Tom Jobim, João e Astrud

PRESSÃO DO REGIME

MILITAR CONTRA

A RESISTÊNCIA

QUE O TEATRO

REPRESENTAVA SE

INICIOU EM 1965

anos 60: cultura e sociedade

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O PAGADOR DE PROMESSAS (AO LADO) FOI PREMIADO EM CANNES EM 1963. ACIMA, CENA DE DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL

EXIBIÇÃO DE RODA VIVA EM PORTO ALEGRE, ONDE O ELENCO, DEPOIS, FOI AGREDIDO

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Gilberto, ganharia quatro Grammies, suplantando Beatles e Elvis Presley. Quem resume com precisão o espírito da época é Nelson Motta:

“Para o Brasil, pode ter sido péssimo, mas 1964 foi um ano maravi-lhoso para a música brasileira. E também para o cinema, e para o teatro. Depois do estrondoso sucesso internacional de Getz & Gilberto, com ‘Garota de Ipanema’ chegando ao número um da lista da Billboard, é lançado o Getz & Gilberto 2. Nara Leão lança com sucesso seu primeiro disco na Elenco, com músicas de Edu Lobo e Francis Hime em parceria com seu namorado Ruy Guerra. Carlos Lyra e Vinícius apresentam o sensacional score musical de Pobre menina rica, com várias canções que se tornam clássicos instantâneos, como ‘Primavera’ e ‘Sabe você’. Marcos Valle é grande sucesso nacional com ‘Samba de verão’, que logo em seguida é gravado por diversos artistas americanos e se transforma num dos maiores hits internacionais da música brasileira. Marcos parte para a Califórnia surfando na onda do sucesso.”

Vai adiante Nelson Motta, sobre o clima de contestação da época:“Dory [Caymmi] foi contratado para ser o diretor musical do show

Opinião, criado por Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes, Armando Costa e Ferreira Gullar e dirigido por Augusto Boal, com Nara Leão dividindo a cena com o sambista carioca Zé Ketti e o compositor nor-destino João do Vale. Numa tarde de verão, olhando o mar de Copa-cabana, assisti fascinado a uma reunião no apartamento de Nara, com

NELSON MOTTA (À ESQ.) E VINICIUS (À DIR.): TEMPOS ÁUREOS NA COPACABANA DOS ANOS 1960

anos 60: cultura e sociedade

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Boal falando sobre a necessidade de fazer oposição ao governo militar, de conscientizar o povo, de denunciar as injustiças, prisões e persegui-ções e de integrar a música com os movimentos populares. (...) O hino desse tempo é a ‘Marcha da quarta-feira de cinzas’, uma belíssima e melancólica marcha-rancho de Carlos Lyra com uma letra emocionada de Vinicius metaforizando o golpe militar que acabou com o carnaval da liberdade: ‘E no entanto é preciso cantar / mais que nunca é preciso cantar / é preciso cantar e alegrar a cidade’.”

Mas a década de 1960 teria mais, muito mais. Em meados de 1965, surge um movimento inspirado no pop internacional, uma espécie de versão tupiniquim do “yeah yeah yeah” dos Beatles: o iê-iê-iê da Jovem Guarda embalaria as tardes de domingo dos brasileiros, com as performances dos tremendões Roberto e Erasmo Carlos, mais a garota papo-firme Wanderléa e o príncipe Ronnie Von. Movimento muito bem pensado do ponto de vista do marketing, a Jovem Guarda, nas palavras do jornalista Eduardo “Peninha” Bueno, “falava de calhambeques, boti-nhas sem meia, cabelos na testa, anéis brucutu e queria que tudo mais fosse para o inferno. Com sua alegria contagiante, arrombou a festa da bossa nova, do samba e da MPB”. Nem tão inocente assim, um dos clás-sicos da Jovem Guarda foi ‘É proibido fumar’, que deu nome ao terceiro disco de Roberto Carlos, lançado ainda em 1964, e que teoricamente era um hino a favor da liberação da maconha.

AS TARDES DE DOMINGO NA VOZ E NO EMBALO DE ROBERTO CARLOS

O “YEAH YEAH YEAH”

DOS BEATLES VIROU

IÊ-IÊ-IÊ NA VOZ DOS

TREMENDÕES DA

JOVEM GUARDA

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Em paralelo, estava se iniciando a era dos festivais, que revelaria talentos para o Brasil inteiro e colocaria, de um lado, os defensores da música de protesto e de caráter mais nacionalista, e de outro, os adeptos de inovações e experimentos, mas com letras menos com-bativas e de caráter político-ideológico. As redes de TV Excelsior, Record, Rio e Globo se revezariam, a partir de 1965, na transmissão de programas que valorizavam a música brasileira e eram assistidos não apenas por entusiasmadas plateias, mas acompanhados em todo o país pela televisão.

O primeiro Festival de Música Popular Brasileira, da TV Excelsior, em abril de 1965, consagrou ‘Arrastão’, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, em arrasadora interpretação de Elis Regina, o furacão que vinha do Sul e já então fazia sucesso no programa “O fino”, ao lado de Jair Rodrigues. Em segundo lugar, ficou ‘Canção do amor que não vem’, na voz de Elizete Cardoso em composição de Baden Powell e Vinícius de Moraes. A segunda edição do festival, já na Record, em 1966, con-sagraria duas canções em primeiro lugar: ‘A banda’, de Chico Buarque (que estava prestes a se tornar o artista brasileiro mais censurado pelo regime militar, tanto na música quanto no teatro), interpretada por ele e por Nara Leão, e ‘Disparada’, de Geraldo Vandré e Theo de Barros, defendida por Jair Rodrigues, Trio Maraiá e Trio Novo.

Também em 1966 surgiria, em outubro, organizado pela Rede Glo-bo e TV Rio, o Festival Internacional da Canção (FIC), que em sua primeira edição foi vencido pela música ‘Saveiros’, de Dori Caymmi e Nelson Motta, interpretada por Nana Caymmi, ficando ‘O Cavaleiro’, de Tuca e Geraldo Vandré, na interpretação de Tuca, em segundo lugar.

Duas edições que podem ser consideradas épicas são o festival da Record de 1967 e o FIC do ano seguinte. Os quatro primeiros lugares do III Festival de Música Popular Brasileira marcaram época: venceu ‘Ponteio’, de Edu Lobo e Capinam, interpretada por Edu, Marília Medalha, Momentoquatro e Quarteto Novo. Gilberto Gil dividiu o palco com Os Mutantes para interpretar ‘Domingo no Parque’ e ficar com o segundo lugar. Na terceira posição, entrou ‘Roda Viva’, de Chico Buarque, interpretada por ele ao lado do MPB4, e Caetano Veloso e os Beat Boys defenderam ‘Alegria, alegria’, do próprio Caetano, a quarta colocada. Foi o festival em que Sérgio Ricardo subiu ao palco para defender ‘Beto bom de bola’, e diante das vaias da plateia enquanto ele tentava cantar, descontrolou-se e bradou: “Vocês ganharam! Isso é o Brasil subdesenvolvido! Vocês são uns animais!”, e estraçalhou o violão contra um pedestal de madeira, jogando-o no público.

Já em setembro do emblemático ano de 1968, na terceira edição do FIC, o Brasil, dividido entre engajados e nem tanto, assistiu à disputa entre a lírica ‘Sabiá’, de Chico Buarque e Tom Jobim, e a engajada ‘Pra não dizer que não falei das flores’ (também conhecida como ‘Cami-nhando e cantando’), de Geraldo Vandré. Venceu a primeira, sob um mar de vaias de boa parte da plateia.

Vaias, apupos, gritos, tomates e ovos no palco, a propósito, já

EM 1968,

DISPUTARAM O FIC

A LÍRICA ‘SABIÁ’ E

A ENGAJADA ‘PRA

NÃO DIZER QUE NÃO

FALEI DAS FLORES’.

GANHOU A PRIMEIRA

anos 60: cultura e sociedade

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CHICO E NARA APRESENTAM ‘A BANDA’ (ACIMA) NO FESTIVAL DA RECORD DE 1966. NA PÁGINA AO LADO, INTELECTUAIS PROTESTAM

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haviam sido protagonistas do FIC, dias antes da final. Caetano Ve-loso e as guitarras distorcidas d’Os Mutantes tentavam interpretar ‘É proibido proibir’, canção inspirada nos grafites que cobriam a revoltosa Paris de maio daquele ano. A plateia estava se lixando para tanto experimentalismo, ao que Caetano bradou um discurso furioso que se transformaria em um emblema da época: “Mas é isso a juventude que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir esse ano uma música que não teriam coragem de aplaudir no ano passado. São a mesma juventude que vai sempre matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem. Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada...(...) Vocês são iguais sabem a quem? Àqueles que foram na ‘Roda Viva’ e espancaram os atores. (...) Se vocês forem em política como são em estética, estamos feitos. Me desclassifiquem junto com o Gil. (...) Chega!”, e retirou-se do palco. Foi desclassificado, obviamente.

Três meses depois viria o Ato Institucional nº 5, e na sequência Caetano e Gil (que chegaram a ser presos pelo regime militar), mais Chico Buarque, partiram para o exílio na Europa. Agoni-zava o movimento tropicalista de Gil e Caetano, “releitura pop e hippie da Antropofagia de Marioswald de Andrade. Baseados em tudo que acontecia de novo e de jovem em um país ainda fervilhante – o Cinema Novo, os experimentalismos do Teatro de

CAETANO, CHICO E GIL: COM

O AI-5, ÚNICA SAÍDA FOI O

AEROPORTO, RUMO AO EXÍLIO

anos 60: cultura e sociedade

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Arena e Teatro Opinião, os ecos da bossa nova, a ‘rebeldia’ pop da Jovem Guarda, a cultura televisiva, Chacrinha e as telenovelas, a poesia concretista, a pintura de Hélio Oiticica –, Caetano e Gil fermentaram a geleia geral brasileira, acima e além da caretice”, atesta Eduardo Bueno.

Ao lado de Gil e Caetano, o tropicalismo encontraria eco também em Tom Zé, Capinan e mesmo em Nara Leão, mas es-pecialmente n’Os Mutantes, o trio formado por Rita Lee e pelos irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, que apresentava um rock anárquico e experimental, misturando psicodelia, Beatles, música concreta, música erudita e até o samba. Tudo isso com muita distorção de guitarra. Desde 1966 a banda já fazia participações em programas de TV bem populares, tais como “Astros do Disco”, “Jovem Guarda”, “O Pequeno Mundo de Ronnie Von”. Isso per-mitiu que o som deles chegasse aos ouvidos do maestro Rogério Duprat, que encantado, os chamou para contribuírem no arranjo de ‘Domingo no parque’, de Gilberto Gil, a quem acompanha-ram no festival de 1967. A grande visibilidade viria por conta do episódio ao lado de Caetano, no ano seguinte. Poucos discos depois, Rita Lee, desde sempre um talento fulgurante, deixaria o grupo logo no início dos anos 1970. Os Mutantes tiveram vida breve, mas marcante.

OS MUTANTES, DE

RITA LEE, ARNALDO

BAPTISTA E SÉRGIO

DIAS, TIVERAM

VIDA BREVE, MAS

MARCANTE

OS MUTANTES (À ESQ.) FORAM EXPOENTES DO TROPICALISMO, EM TEMPOS EM QUE CHACRINHA COMEÇAVA A BALANÇAR A PANÇA

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anos 60: contexto econômico

O fantasma dos apagões continuou assombrando nos anos 1960, não obstante as pesadas obras, principalmente em relação ao abasteci-mento de água. No transporte, em lugar dos bondes, o colapso atingia os novíssimos trolleys. Há registros de certa ocasião em que vários carros ficaram retidos quando rumavam para o terminal Erasmo Braga, ina-cessível em razão de um apagão na região central da capital carioca.

“Mal se enxergava em casa. O racionamento e os apagões que-braram a produção industrial e serviram de plataforma eleitoral para a oposição consolidar candidaturas como a do futuro presidente da República, Jânio Quadros, para a Câmara de São Paulo”, lembra o historiador e cientista político Ricardo Frota Maranhão, professor do Departamento de Ciências Políticas do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e membro do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Unicamp (NIPE).

Em paralelo, investiu-se na necessária expansão de estradas. A rede rodoviária brasileira, que até então se resumia a modestos 440 mil km asfaltados no início de 1960 (em geral, vias no entorno das grandes cidades), pulou para 1,4 milhão de km em meados dos anos 1970, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dentro da estratégia de desenvolvimento regional da Amazônia brasileira, foi de fundamental importância a construção da Rodovia Belém-Brasília, completada em 1964, que viabilizou a migração para o norte de Goiás, o sudeste do Pará e o sul do Maranhão.

Os dilemas da economia

Os anos 1960 encontraram um Brasil mais sofisticado e mais complexo. Se os investimentos em infraestrutura foram os primeiros passos na transição de país agrário a potência industrial, a urbanização acelerada criava dificuldades. No início dos anos 1960, quase metade da população brasileira não tinha fornecimento de água, esgo-to e energia elétrica. Somente 3% da população tinha telefone. Surgiram inclusive marchinhas de carnaval nos anos 1950 narrando as agruras do carioca pela falta de água, durante o dia, e de luz, à noite.

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URBANIZAÇÃO ACELERADA:

RUA XAVIER DE TOLEDO, EM SÃO

PAULO, EM 1960 (ACIMA); OS ARCOS

DA LAPA, COM AS OBRAS DO ATERRO

DO FLAMENGO (MEADOS DE 1966)

VAGALUMEde Vítor Simon e Fernando Martins, gravada pelos Anjos do Inferno

RIO DE JANEIROCIDADE QUE NOS SEDUZDE DIA FALTA ÁGUADE NOITE FALTA LUZ.

ABRO O CHUVEIRONÃO CAI NEM UM PINGODESDE SEGUNDA ATÉ DOMINGO.

EU VOU PRO MATO AI! PRO MATO EU VOUVOU BUSCAR UM VAGALUMEPRA DAR LUZ AO MEU CHATÔ.

ACENDE A VELA de Braguinha, gravada por Emilinha Borba

ACENDA A VELA, IAIÁACENDE A VELAQUE A LIGHT CORTOU A LUZNO ESCURO EU NÃO VEJO AQUELACARINHA QUE ME SEDUZ.

Ó SEU INGLÊS DA LIGHTA COISA NÃO VAI ALL RIGHTSE COM UÍSQUE NÃO VAI NÃOBOTA CACHAÇA NO RIBEIRÃO.

AS MARCHINHAS DE PROTESTO DOS ANOS 1950-60

80

anos 60: contexto econômico

OS BONDES CARIOCAS SOFRIAM COM A FALTA DE LUZ (ACIMA). ABAIXO, ANÚNCIO DE UM DOS PRIMEIROS SUPERMERCADOS DO PAÍS

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Graças ao incremento na malha de rodovias, atenuavam-se os problemas de abastecimento de gêneros alimentícios. Ainda assim, mantinha-se certa resistência aos supermercados, novidade dos anos 1950. Na época, a dona de casa ainda era uma instituição clássica em todas as camadas sociais, e prevalecia a prática de anotações em caderneta nas mercearias, os chamados “vales”, quitados de tempos em tempos. Em Belo Horizonte, por exemplo, ao contrário de São Paulo, Rio de Janeiro e algumas capitais nordestinas, o abastecimen-to na década de 1960 seguiu sob responsabilidade quase total de mercearias, varejões, quitandas, padarias e açougues. Somente na segunda metade dos anos 1970 pode-se dizer que o supermercado passou a ser hegemônico na capital mineira. O Brasil começava a ter estradas para que seu interior pudesse entrar de vez na era da televisão, com o automóvel se popularizando e o supermercado se apresentando efetivamente como o novo modelo de distribuição varejista.

O cenário, de maneira geral, era bem complicado. Jânio Qua-dros, eleito em 1961, herdou de Juscelino uma economia com déficit no balanço de pagamentos e inflação em alta: de 12,5% em 1956 para 30,5% em 1960. O Brasil estava entrando em um período de forte retração econômica e, como decorrência do arrocho salarial, trabalhadores de várias categorias – transportes, bancos e indústrias – entraram em greve por todo o país. Jânio procurou atacar os pro-blemas mais urgentes negociando a dívida externa, desvalorizando a moeda e suspendendo os subsídios de alguns produtos, como os do trigo e do petróleo. Eram medidas impopulares, como a elevação em 100% dos preços do pão e dos transportes. O Congresso Nacional recusava-se a apoiar as medidas recessivas. Em agosto de 1961, o presidente condecorou o companheiro de Fidel, Che Guevara, de-sagradando mais uma vez aos conservadores, especialmente à UDN. Ao procurar contornar a crise política, Jânio renunciou, acreditando que o Congresso questionaria sua decisão, mas isso não aconteceu. A renúncia foi aceita, deixando o país perplexo, e a crise política se agravou.

A posse do vice, João Goulart, como se viu no início deste capí-tulo, foi cercada de acordos que procuravam evitar o enfrentamento entre as forças político-econômicas em jogo. Em dezembro de 1962, o Governo Federal procurou retomar a prática de planejamento eco-nômico, lançando o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, elaborado por Celso Furtado. Para a sua execução, João Goulart criou o Ministério de Planejamento e convidou Furtado para chefiá-lo. Os principais objetivos do plano para o período 1963-1965 eram o combate à inflação, a renegociação da dívida externa e a criação de incentivos para o crescimento econômico. No plano, estavam também previstas as chamadas reformas de base, por incidirem principalmente em reformas fiscal, bancária, urbana, agrária e universitária.

JANGO CRIOU O

MINISTÉRIO DO

PLANEJAMENTO

E CHAMOU CELSO

FURTADO PARA

CHEFIÁ-LO

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EM ABRIL DE 1963, JANGO (À ESQ.) APARECE COM MILITARES, ENTRE ELES CASTELO BRANCO (À DIR.), QUE ASSUMIRIA SEU LUGAR

JÁ COMO PRESIDENTE, O MARECHAL CASTELO BRANCO DISCURSA EM MATO GROSSO, EM JUNHO DE 1966

anos 60: contexto econômico

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As reformas de base reuniam um conjunto de medidas destinadas a ajustar a estrutura econômica em compasso com a estrutura social e política, a fim de reduzir as desigualdades sociais no país. Por isso, das reformas, a mais importante era a agrária, uma vez que o campo concentrava as maiores diferenças. Já a Lei de Remessa de Lucros, que nacionalizou as receitas de empresas estrangeiras consideradas excessivas, não foi bem recebida pelo empresariado estrangeiro, de-sencadeando pressões externas.

As medidas do Plano Trienal não surtiram os efeitos esperados. A inflação continuou a subir, reduzindo o poder aquisitivo da população. A brusca desaceleração do crescimento econômico em 1963, o aumen-to dos salários, a falta de apoio político e a escalada da inflação foram alguns dos fatores que contribuíram para a derrubada de João Goulart.

SOB O REGIME DE EXCEÇÃOA partir do golpe, houve a adoção de uma legislação autoritária e

a supressão dos direitos civis, por meio da revogação da Constituição. Durante mais de duas décadas o país iria conviver com um regime de exceção. Sob governo militar, redefiniu-se o planejamento estratégico econômico nacional. Centralizando o poder decisório nas mãos do Poder Executivo, o novo governo teria de enfrentar o déficit público, a alta inflacionária e a incapacidade da estrutura financeira para responder às novas exigências de capital que a complexa economia brasileira fazia.

A equipe econômica do governo de Castelo Branco adotou inicialmente medidas para conter a inflação, como a redução do crédito, o controle dos salários e a restrição à emissão de moeda. Em novembro de 1964, os ministros da Fazenda, Otávio Gouveia de Bulhões, e do Planejamento, Roberto Campos, lançaram o Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg), visando à retomada do cres-cimento econômico, interrompido em 1962. O Paeg propunha uma ampla ação coordenada do governo no campo econômico, dividida em duas linhas: medidas conjunturais e reformas estruturais. As medidas tinham cinco objetivos: conter progressivamente o processo inflacio-nário; acelerar o desenvolvimento econômico; atenuar os desníveis setoriais e regionais e as tensões criadas pelos desequilíbrios sociais mediante a melhoria das condições de vida; aumentar a política de investimentos e, com isso, gerar empregos; e corrigir a tendência ao desequilíbrio do balanço de pagamentos. Além disso, estavam previs-tas novas políticas econômicas, com alteração nas esferas tributária, monetária, financeira e do setor externo.

Uma das medidas adotadas pelo Paeg, referente à reforma monetária, foi a criação da Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN), cujo valor nominal seria atualizado periodicamente em função das variações do poder aquisitivo da moeda nacional. Instituída para ser um índice provisório, a ORTN – conhecida como correção monetária – acabou sendo incorporada por mais de 20 anos como um dos instru-

EM NOVEMBRO DE

1964, BULHÕES E

ROBERTO CAMPOS

LANÇARAM O PLANO

DE AÇÃO ECONÔMICA

DO GOVERNO (PAEG)

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mentos de captação de recursos do governo e da economia nacional.Um novo empréstimo foi obtido junto ao Fundo Monetário In-

ternacional (FMI) e teve início uma reforma bancária – normatizada pela Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que dispôs sobre a polí-tica e as instituições monetárias bancárias e creditícias e instituiu o Conselho Monetário Nacional. Além disso, a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc) foi transformada em Banco Central do Brasil. O Sistema Financeiro Nacional passou a ser composto pelos seguintes órgãos: Conselho Monetário Nacional, Banco Central da República do Brasil, Banco do Brasil, Banco Nacional de Desenvol-vimento Econômico (hoje BNDES) e demais instituições financeiras públicas e privadas. O Banco Central ficou encarregado de disciplinar as atividades e funções dos bancos comerciais, públicos e privados, de investimento e desenvolvimento, sociedades de crédito e financia-mento, sociedades corretoras e distribuidoras de valores.

Com o Paeg, houve queda da inflação e certa melhoria das contas públicas. No entanto, as medidas se mostraram recessivas. Em 1964, nasce também o Banco Nacional da Habitação (BNH).

Nesse contexto, estabeleceram-se diversos fundos, sob gestão do BNDES, cada qual visando prover uma área da economia em espe-cial. Seguindo a orientação do regime militar, com base no Plano de Ação Estratégica do Governo (Paeg), o banco disponibilizou número mais extenso de programas de apoio financeiro. Nisso, a indústria de transformação foi a maior beneficiada. Os novos fundos e programas do Banco contemplaram com financiamento a Cia. Alagoana de Fiação de Tecidos (AL), a Aratu – Estaleiros Navais da Bahia (BA), a Indústria Paraense de Artefatos de Borracha (PA), a Refrigeração Springer (RS) e a Indústria Têxtil Hering (SC), para citar apenas alguns exemplos.

Em 1964, surgiram o Fundo de Financiamento para Aquisição de Máquinas e Equipamentos Industriais (Finame) e o Fundo de Desen-volvimento Técnico e Científico (Funtec). Pelo Decreto 59.170, de setembro de 1966, o Finame se transformaria em autarquia, com o nome Agência Especial de Financiamento Industrial. Conservou-se a sigla, mas mudou-se o gênero: agora, dizia-se “a Finame”. Seu objetivo era aumentar a competitividade da maquinaria e do equipamento na-cional: para incentivar a produção, exigia-se que tivessem um mínimo de componentes fabricados aqui.

O fundo era alimentado por empréstimos ou doações de enti-dades internacionais, nacionais e estrangeiras, recursos colocados à disposição do Banco do Brasil e outras agências financeiras da União ou dos estados, captados pelo BNDES no mercado interno e externo de capitais ou oriundos dos rendimentos das próprias operações do Finame. Constituiu-se uma rede de agentes para financiar a compra e venda de máquinas e equipamentos, rede esta que hoje se compõe de 160 bancos, com milhares de agências instaladas por todas as regiões do país.

FINAME, DEPOIS

TRANSFORMADO

EM AGÊNCIA, DEU

ORIGEM A UMA REDE

PARA FINANCIAR

COMPRA E VENDA

DE MÁQUINAS E

EQUIPAMENTOS

anos 60: contexto econômico

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NA REFORMA DO SISTEMA BANCÁRIO, REALIZADA EM 1964, SURGIU O BANCO CENTRAL DO BRASIL

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Essa iniciativa do BNDES era inédita no Brasil. Tratava-se da primeira instituição que oferecia recursos com volume, prazo e taxa de juro (variável segundo o índice de nacionalização dos equipamentos adquiridos) compatível com a importação dos bens de capital necessários ao desenvolvimento e à atualização do parque industrial. Ao mesmo tempo, incentivava, por meio de taxas diferenciadas, a nacionalização de diversos itens passíveis de fabrico no país.

O BNDES logo percebeu que as empresas precisavam desenvol-ver-se tecnologicamente. O propósito do Funtec, cujo embrião foi a Quota de Educação, era financiar a fundo perdido certos cursos de pós-graduação, na época raros no Brasil. Os primeiros que receberam esse auxílio foram o curso de engenharia química da Universidade Federal do Rio de Janeiro e o de engenharia mecânica da Pontifí-cia Universidade Católica-RJ. Investir na formação de técnicos e engenheiros operacionais era o segundo objetivo. Logo de início, destinou-se à Escola Técnica Federal do Rio de Janeiro uma verba para elaborar normas aplicáveis a produtos da siderurgia e da indús-tria de mecânica pesada, em trabalho conduzido pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). E a Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da USP, em convênio com o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo e com a Universidade de Delft

EMBRAER TEVE ORIGEM NO CENTRO TÉCNICO AEROESPACIAL, FINANCIADO PELO FUNTEC

anos 60: contexto econômico

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CRIAÇÃO DO FUNTEC

TINHA COMO

OBJETIVO PRINCIPAL

FINANCIAR CURSOS

DE PÓS-GRADUAÇÃO

ATÉ ENTÃO

INEXISTENTES

(Holanda), recebeu meios para implantar um curso de extensão em administração de empresas. Por meio do Funtec, mais de 5 mil pessoas concluíram mestrado em universidades brasileiras, com recursos não reembolsáveis do Banco.

Graças a todas essas iniciativas, reduziam-se os custos não só de aquisição de tecnologia importada, mas também de assistência técnica. Com o tempo, o reequipamento dos centros de pesquisa de universidades e empresas veio também a fazer parte dos objetivos do Funtec, para formar pessoal capacitado a projetar e construir as máquinas de que a indústria nacional necessitava. Um exemplo vitorioso foi o Centro Técnico Aeroespacial (CTA). Subordinado ao Ministério da Aeronáutica, ele se tornaria o núcleo original da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), que hoje fabrica aviões de alta tecnologia, aptos a competir com seus concorrentes do Primeiro Mundo e até superá-los.

Em 1965-66, elevara-se para 20% a parcela do Imposto de Renda destinada ao BNDES. No ano seguinte, ela foi reduzida para 10%, com posterior devolução aos contribuintes em ações de sociedades anônimas que eram propriedade do banco. Em 1967, este começou também a receber dotações consignadas anualmente pelo Orçamento da União, com o produto do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF), surgido quando se reformulara todo o sistema financeiro.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FOI DAS PRIMEIRAS INSTITUIÇÕES BENEFICIADAS PELO FUNDO

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DIFICULDADES E MILAGREO cenário, entretanto, era bastante complexo. Entre 1964 e

1967, registrou-se queda de 40% a 60% do valor real dos salários. A prolongada crise econômica afetava todo o sistema produtivo nacional. Em 1966, o número de falências e concordatas de empre-sas privadas havia triplicado em relação ao ano de 1964. Vestuário, alimentos e indústria de construção foram os setores mais atingidos. O índice de desemprego subiu drasticamente. As multinacionais tiveram que buscar recursos junto às suas matrizes. Muitas propostas implantadas pelo Paeg haviam sido enunciadas como necessárias no Plano Trienal, pois eram reformas estruturais impostas pela comple-xidade social e econômica brasileiras, fruto do crescimento acelerado e do desenvolvimento industrial do país.

A partir de 1967, o país superou a crise iniciada no começo da década e retomou o crescimento. Delfim Netto deu continuidade à política de combate à inflação, incorporando, porém, mudanças na política econômica. O problema era equacionar controle da inflação e crescimento do PIB, em ações de curto prazo. A equipe do Minis-tério da Fazenda entendeu que seria possível reduzir a inflação sem prejudicar o desempenho do PIB. O próprio crescimento da economia ajudaria a provocar uma queda da inflação.

Em 1968, o Ministério do Planejamento lançou o Programa Estra-tégico de Desenvolvimento (PED), redefinindo a política econômica para o triênio 1968-1970. O programa previa o combate à inflação, a expansão das oportunidades de emprego e a aceleração do cresci-mento econômico a partir da ampliação da capacidade produtiva. A meta era fazer o PIB crescer 6% ao ano. A política industrial do PED visava, sobretudo, à expansão de setores considerados dinâmicos, como os de bens de capital e de bens intermediários, capazes de ace-lerar o crescimento econômico. Havia necessidade de mobilização de recursos para financiá-los. Desse modo, foi prevista a ampliação das áreas de atuação do BNDES para os financiamentos dos setores de petroquímica, siderurgia e metalurgia do alumínio, papel e celulose, indústrias mecânica e elétrica, agropecuária, comunicações, entre outros. As medidas adotadas pelo PED surtiram resultados. O país começou a superar a crise e retomou o crescimento.

Em 1968, a economia cresceu 9,3%, graças ao desempenho da indústria, que se expandiu 15,5%. A retomada do crescimento foi corroborada por fatores externos importantes, tais como a disponibi-lidade de crédito no mercado financeiro internacional, a redução da taxa de juros externa e a expansão do comércio mundial. O contexto de liquidez externa foi outro fator que colaborou com o crescimento acelerado, sem afetar o balanço de pagamentos. O contexto externo garantiu o financiamento do déficit de transações correntes e ajudou a impulsionar a expansão das exportações nacionais. Se o país, assim, dava seus primeiros passos do chamado “Milagre Econômico”, de outra parte as tensões políticas se acirrariam.

EM 1968, A ECONOMIA

CRESCEU 9,3%,

PUXADA EM ESPECIAL

PELA INDÚSTRIA,

COM EXPANSÃO

DE 15,5%

anos 60: contexto econômico

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ANO PIB% TAXA DE INFLAÇÃO % DÉFICIT INVESTIMENTO PÚBLICO CR$

1961 8,6 13,1 52,32 –

1962 6,6 15,5 73,81 –

1963 0,59 17,0 90,65 –

1964 3,4 15,0 57,09 332,21

1965 2,4 14,4 38,45 2.560,88

1966 6,7 15,9 28,58 6.089,07

1967 4,2 16,2 24,23 8.677,50

VARIÁVEIS MACROECONÔMICAS DO BRASIL NA DÉCADA DE 1960

Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2002

O JOVEM DELFIM NETTO ESTAVA À FRENTE DO MINISTÉRIO DA FAZENDA QUANDO SE INICIOU O “MILAGRE ECONÔMICO”

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Logo após o golpe militar, em 31 de março de 1964, uma violenta repressão atingiu setores considerados de esquerda, como a União Na-cional dos Estudantes (UNE), a Confederação Geral dos Trabalhadores, as Ligas Camponesas e grupos católicos, como a Juventude Univer-sitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP). Milhares de pessoas foram presas de modo irregular. O primeiro instrumento político pós--golpe foi o Ato Institucional n° 1, que conferia ao Executivo poder legal para a cassação de mandatos e a suspensão dos direitos políticos de parlamentares, intelectuais, diplomatas e membros das Forças Armadas. O referido ato concedia também autonomia ao Executivo para declarar o estado de sítio, sem prévia autoriza-ção do Congresso. O general Humberto Cas-telo Branco, promovido a marechal, assumiu a Presidência da República.

Em outubro de 1965, era lançado o Ato Institucional nº 2, que, entre outras medidas, instituía eleições indiretas para a Presidência da República, decretava a dissolução dos partidos políticos existen-tes e reforçava ainda mais os poderes do presidente. O mandato do Marechal Castelo Branco foi estendido até 1967. A legislação par-tidária permitia a organização de apenas dois partidos, que passaram a ser representados pela Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

Em março de 1967, entrava em vigor uma nova Constituição, respaldando as ações do regime militar, e um novo presidente, marechal Arthur da Costa e Silva, assumia o poder por meio de eleições indiretas. Antonio Delfim Netto foi convidado para co-mandar o Ministério da Fazenda, e Hélio Beltrão ficou encarregado do Ministério do Planejamento. Costa e Silva pediu a Beltrão que organizasse um plano econômico de impacto, com medidas urgentes e de repercussão nacional.

Os bons resultados obtidos na economia em 1968 (veja no capítulo

anos 60: regime militar

Tempos sombrios

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A EMBLEMÁTICA FOTO DE ASSIS HOFFMANN REGISTRA UMA VISITA DO PRESIDENTE COSTA E SILVA AO RIO GRANDE DO SUL

O AI-2 INSTITUIU ELEIÇÕES INDIRETAS, DISSOLVEU OS

PARTIDOS E PRORROGOU MANDATO DE CASTELO BRANCO

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sobre cenário econômico) não se refletiam no campo político. Diversas manifestações contra o governo tornaram o quadro político ainda mais tenso. Esse ano foi especialmente conturbado. A rebeldia juvenil explodiu no mundo inteiro, contagiando também o Brasil: as revol-tas estudantis, iniciadas em Paris, em maio de 1968, e replicadas em vários países, decretavam que “era proibido proibir” – lema de que se apropriou Caetano Veloso em uma de suas músicas daquele período (confira no capítulo sobre sociedade e cultura). Além disso, outras ma-nifestações marcaram a época, como as lutas por direitos iguais para negros, mulheres (numa segunda onda do feminismo) e homossexuais. Idealismo, contestação e espírito de luta eram as palavras-chave desse momento. Foram anos efervescentes, quando, muitas vezes, cultura e política se misturaram num caldeirão de ideologias.

Em março de 1968, as manifestações contra o governo atingiram o seu ápice após a morte do estudante Édson Luis, em conflito com a Polícia Militar, no Rio de Janeiro.

Os confrontos entre estudantes e a polícia ganhariam ainda mais intensidade. Em junho, o movimento estudantil organizou um gigantesco protesto – conhecido como a Passeata dos Cem Mil – contra a ditadura, com a permissão do governo estadual. O protesto reuniu políticos, intelectuais, artistas e músicos, no centro do Rio de Janeiro. Nessa ocasião, não houve confrontos. O Conselho de Segurança Nacional se reuniu para discutir a situação das ondas de protesto, naquela altura espalhadas pelas principais cidades do país, que ocasionaram a prisão de vários estudantes.

Contrariando a ala linha dura do governo militar, o presidente Costa e Silva recebeu a liderança estudantil, procurando acalmar os ânimos. Durante a conversa, ouviu o pedido pela libertação de estudantes presos, o fim da censura e a restauração das liberdades democráticas. No entanto, já era tarde para apaziguar a escalada das reações extremas desencadeadas dos dois lados. No mesmo dia da Passeata dos Cem Mil, uma caminhonete da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) era lançada contra as instalações do quartel do II Exército, em São Paulo, matando o soldado Mário Kozel Filho. Era o início da luta armada, agravada no ano seguinte.

O pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves no plenário da Câmara dos Deputados, responsabilizando o governo pela violência contra os estudantes, gerou protestos de ministros militares. A resposta governista não tardou. Em dezembro de 1968, o marechal Costa e Silva assinava o Ato Institucional nº 5 (AI-5) que, entre outras medidas, fechava o Congresso Nacional. A fase mais dura do governo comandado pelos militares estava por chegar.

Em 1969, o marechal Arthur Costa e Silva teve o mandato interrompido por problemas de saúde e foi sucedido por uma Junta Militar, que elegeu o novo presidente, Emilio Garrastazu Médici, para o mandato entre 1969-1974. Tinham início os chamados “anos de chumbo”.

anos 60: regime militar

COM O IMPEDIMENTO

DE COSTA E SILVA,

ASSUMIRIA MÉDICI,

DANDO INÍCIO AOS

ANOS DE CHUMBO

CAPA DO JORNAL DO BRASIL

DE 14 DE DEZEMBRO DE

1968 TEVE CONTEÚDOS

CENSURADOS, SUBSTITUÍDOS

POR CLASSIFICADOS

93

94

70anos

em busca de dias melhores

PONTE RIO-NITERÓI: UMA DAS

GRANDES OBRAS DA ERA

DO “MILAGRE ECONÔMICO”

96

Em meados da década de 1970, o Brasil tinha aproximadamente 110 milhões de habitantes e já era apontado como um dos países mais populosos do mundo. Em 30 anos, a população brasileira havia mais do que dobrado. O perfil do país estava mudando, e a principal alteração registrada era o deslocamento do eixo econômico do campo para a cidade. Grandes centros urbanos, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, passaram a con-centrar a maior parte da população.

Desde a década anterior, o Brasil já era um país urbano. As cidades se beneficiaram do vertiginoso processo de industrialização, que ao lado da urbanização, criava novas oportunidades de trabalho. Ao longo dos anos 1970, 17 milhões de pessoas migraram do campo para as principais capitais do país. De acordo com os dados do Censo de 1970, 56% da população brasileira já vivia nas cidades.

Se de um lado a expansão industrial havia se concentrado no Centro-Sul, de outro, em incontáveis vilarejos do Nordeste, pouca coisa havia mudado, quando muito a chegada da luz elétrica.

O estado de São Paulo reuniu um núcleo econômico consistente, fortalecido com o desenvolvimento de um polo industrial, formado pelas cidades de Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Guarulhos e Osasco, o chamado ABC Paulista. Ainda assim, o mercado nacional estava mais bem integrado, em decorrência do forte impulso da política econômica adotada pelo governo militar. Uma das vertentes dessa política foi a linha de incentivos fiscais para outras regiões, como o Norte e o Nordeste, que estimulou a migração de capitais produtivos de regiões industrializadas, tentando promover certa “desconcentração” de centros urbanos. Polos industriais petroquímicos, siderúrgicos e de celulose instalados em outros estados ajudaram a gerar empregos em outras regiões e a consolidar o parque industrial do país.

Por outro lado, o Banco Nacional da Habitação (BNH), criado em 1964, logo se tornou importante fator de fomento. A classe média descobriu a caderneta de poupança, a compra de ações na Bolsa e os consórcios, sobretudo de automóveis. Voltou-se também a investir em energia e transporte. Teve início, por exemplo, a construção de grandes e desafiadores projetos hidrelétricos. Promissão (MG) e Ilha Solteira (SP) foram as primeiras usinas com barragens de terra, numa série que faria do Brasil um especialista mundial na área.

Restrições e milagres

anos 70: cultura, sociedade e economia

97

OBRAS EM FÁBRICA DA INDÚSTRIA AUTOMOTIVA EM SÃO BERNARDO DO CAMPO: POLO INDUSTRIAL SEMPRE EM EXPANSÃO

SHOPPING EM SANTO ANDRÉ: PUJANÇA DO ABC PAULISTA

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CONTRASTESA ditadura militar pautava a vida política e econômica brasileira.

A censura aos meios de comunicação limitava o debate público e o esclarecimento da real situação do país à maior parte da população. Além disso, interferia diretamente na produção literária e musical, proibindo a publicação de livros e a veiculação de músicas tidas como contrárias ao regime. Naquele período, no mundo inteiro, em todas as áreas – na música, na moda, no comportamento –, houve uma explosão de criatividade. A época foi marcada pelo rock’n’roll, pelo boom da disco music e, também, pelo experimentalismo na música erudita. Os movi-mentos iniciados em meados da década 1960, ou até mesmo antes, que pregavam uma contracultura ou uma cultura alternativa, influenciaram não somente a produção cultural, como também o comportamento de toda uma geração. Slogans como “paz & amor” e “faça amor, não faça a guerra” ganharam as ruas em todo o planeta, popularizando esses valores.

Como reflexo da onda hippie dos anos 1960, o movimento de contracultura no Brasil surgiu na década de 1970, em um momento de intensa repressão pela ditadura militar. Era um movimento híbrido

DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS: SUCESSO NO CINEMA BRASILEIRO NA DÉCADA DE 1970

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A DÉCADA TEVE A

MARCA DE SLOGANS

COMO “PAZ & AMOR”

E “FAÇA AMOR, NÃO

FAÇA GUERRA”

SÍTIO DO PICA-PAU AMARELO: UM CLÁSSICO DA TV BRASILEIRA

de contestação que misturava elementos da contracultura hippie com a cultura popular brasileira. Esse movimento era denominado de “cul-tura marginal” e foi difundida através de publicações alternativas com Pasquim, Bondinho, Rolling Stone, entre outras.

Na área cinematográfica, dois movimentos distintos: um dos marcos da época foi a criação da Embrafilme, em 1969, que resultou na obriga-ção de exibição de filmes nacionais 112 dias por ano. Deu-se, assim, a prevalência de filmes de longa metragem de propaganda do governo e de comédias apolíticas. A maior bilheteria da década foi de Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), de Bruno Barreto. De outra parte, iniciou--se a produção de um cinema “marginal” que procurava revolucionar a linguagem através de um discurso fragmentado incorporando elementos de kitch e absurdos.

Já na TV brasileira, que inicia a era das imagens em cores a partir da transmissão da Festa da Uva, em Caxias do Sul, em 1973, fariam sucesso programas como Chico City, Vila Sésamo, Sítio do Pica-Pau Amarelo e A Grande Família. Em meados dos anos 1970, a sociedade civil começa a se movimentar de forma mais intensa; os intelectuais e acadêmicos

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SELEÇÃO TRICAMPEÃ EM 1970, NO MÉXICO, RECEBIDA POR MÉDICI: O FUTEBOL UTILIZADO COMO PROPAGANDA DO GOVERNO

USIMINAS: SIDERURGIA SEMPRE ESTEVE ENTRE OS PILARES DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO

anos 70: cultura, sociedade e economia

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fizeram duras críticas ao regime no SBPC (Congresso Brasileiro para o Progresso das Ciências); e os movimentos populares pediam melhores condições de vida nas cidades.

PROPAGANDA E DESENVOLVIMENTOA posse do general Emílio Garrastazu Médici, em 1969, signifi-

cou um incremento na repressão aos direitos e garantias individuais e a intensificação da censura aos meios de comunicação. O governo Médici ficou marcado, ainda, pelas denúncias de torturas e morte ou desaparecimento dos presos políticos.

Foram anos de muita propaganda oficial, como os slogans “Brasil! Ame-o ou Deixe-o” e as canções da dupla Tom e Ravel, que em suas músicas exaltavam o Brasil, contribuindo para divulgar o regime, com refrões como “este é um país que vai pra frente” e “ninguém segura a juventude do Brasil”. Foi também a década em que o futebol esteve mais uma vez em pauta, com o tricampeonato mundial conquistado pela Seleção Brasileira no México, em 1970, sendo tratado de forma ufanista, apesar da incontestável qualidade da seleção formada por craques como Pelé, Jairzinho, Tostão, Rivelino, Carlos Alberto e Clodoaldo, para citar apenas alguns. Eram os chamados “90 milhões em ação”.

Do ponto de vista econômico, o aspecto mais relevante do governo Médici foi o Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), lançado em 1971, paralelamente ao Programa Metas e Bases para a Ação de Governo (1970-1974). Idealizado pelos ministros João Paulo dos Reis Velloso e Mário Henrique Simonsen, o PND tinha uma meta bastante ambiciosa: elevar o Brasil à categoria das nações desenvolvi-das “no espaço de uma geração”. O plano deveria prover o país com a infraestrutura necessária para que alcançasse pleno desenvolvimento nas décadas seguintes. A ênfase estava em setores como energia, trans-portes e telecomunicações. Estavam também previstos investimentos em educação, ciência, tecnologia e, sobretudo, para a ampliação do parque industrial, com destaque para siderurgia e petroquímica. Outro ponto estratégico era a integração nacional, por meio da criação de novos polos regionais, que alargariam as fronteiras econômicas.

Os resultados do I PND se traduziram em uma admirável expansão da economia nacional, materializada no expressivo crescimento do PIB, na estabilização dos índices inflacionários e na ampliação do par-que industrial, do emprego e do mercado interno. Os surpreendentes resultados econômicos do período constituem o chamado “Milagre Brasileiro”. A partir da reorganização da economia, o Governo Federal passou a utilizar seus recursos também na criação de novas empresas estatais. Projetos de integração nacional buscavam fazer do Brasil uma grande potência. Alguns se tornaram emblemáticos, como a Rodovia Transamazônica, a Ponte Rio-Niterói e a Usina Hidrelétrica de Itaipu, obras de expressivas dimensões que foram logo apelidadas de faraônicas.

PND QUERIA ELEVAR

O BRASIL AO STATUS

DE NAÇÃO

DESENVOLVIDA

NO ESPAÇO DE

UMA GERAÇÃO

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A CRISE DO PETRÓLEO E A ABERTURAAs razões do milagre foram, portanto, bem terrenas. Os bons

resultados da economia brasileira estavam em consonância com o cenário internacional. O período entre 1947 e 1973 foi marcado pela estabilidade e pela expansão das principais economias do mundo. No entanto, esse quadro se alterou por ocasião do primeiro “choque de petróleo”, no fim de 1973, quando a Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) decidiu aumentar o preço do barril de petróleo de 2,90 para 11,65 dólares. O mundo todo foi afetado, e a maior parte dos países da Europa e os Estados Unidos entraram em recessão. O Brasil também sentiu o impacto da alta dos preços do petróleo; o valor das importações de combustível quadruplicou, provocando um desequilíbrio na balança comercial.

Em 1974, a oposição ao governo militar, centrada no MDB, lançou a “anticanditadura” de Ulysses Guimarães para a Presidência da Repú-blica, como uma forma de protesto.

O general Ernesto Geisel venceu a eleição indireta por enorme diferença. O quarto militar a assumir a Presidência durante a ditadura se comprometeu a dar início a um processo de abertura política, que

CONSTRUÇÃO DA PONTE RIO-NITERÓI: UM DOS PROJETOS CONSIDERADOS FARAÔNICOS, MAS QUE CHEGOU A BOM TERMO

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chamou de “lento, gradual e seguro”. A tarefa de gerenciar este processo ficou a cargo do general Golbery do Couto e Silva, que anos antes havia sido designado para estruturar o SNI (Sistema Nacional de Informa-ções), ferramenta de combate às ações de resistência ao regime militar. E foi assim mesmo. A revogação do Ato Institucional nº 5 só ocorreria em 1978, enquanto a promulgação da Lei da Anistia data de 1979.

Na área econômica, Geisel deu continuidade à política do governo anterior, lançando o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), novamente estruturado pelo ministro do Planejamento, Reis Velloso, mas desta feita já em rota de colisão com Mario Henrique Simonsen.

Mesmo sentindo os efeitos da crise, optou-se por uma estratégia de transformação estrutural, procurando manter o crescimento da economia dos últimos anos. O objetivo do II PND era complementar de forma mais eficaz a política de substituição de importações do governo Médici.

Novos investimentos foram previstos para diversificar e consolidar o parque industrial nacional, tendo como foco as petroquímicas, side-rúrgicas, mineradoras de cobre e indústria pesada. A ideia do Brasil

GOLBERY DO COUTO E SILVA: O HOMEM ENCARREGADO POR GEISEL DE CONSTRUIR UMA ABERTURA LENTA, GRADUAL E SEGURA

O SEGUNDO

PND BUSCAVA

COMPLEMENTAR

DE FORMA MAIS

EFICAZ A POLÍTICA

DE SUBSTITUIÇÃO

DE IMPORTAÇÕES DO

GOVERNO MÉDICI

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como grande potência foi reforçada com novos projetos, como a Usina Nuclear de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, e a Hidrelétrica de Itaipu, no Paraná.

Numa mudança de curso, o BNDES veio a dar maior apoio às empresas privadas que às públicas. Uma importante mudança de estatuto ocorreu em 1971. Pela Lei 5.662, de 21 de junho, o banco passou de autarquia a empresa pública. O objetivo era ter mais flexibilidade para contratar pes-soal, dispor de mais liberdade nas operações de captação e aplicação de recursos e sofrer menos interferência política. Nesse período, deu-se início ao que viria a ser o Sistema BNDES. Este seria formado por subsidiárias, entre elas a Finame e Centro Brasileiro de Assistência Gerencial à Pequena e Média Empresa (Cebrae), criado em 1967. Anos depois, o Cebrae iria se desvincular do Sistema BNDES, mudando sua designação para Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).

O Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento implantou refor-mas estruturais significativas, porém, os custos macroeconômicos desse êxito não foram desprezíveis, especialmente no que diz respeito ao en-dividamento externo. No Brasil, os gastos com importação de petróleo subiram de 4,1 bilhões de dólares em 1978 para 9,5 bilhões em 1982. O ciclo de crescimento vertiginoso da economia brasileira chegava ao fim. A nova crise internacional, em 1979-80, sinalizava dificuldades ainda maiores para o futuro próximo.

JOÃO PAULO DOS REIS VELLOSO FALA SOBRE OS OBJETIVOS DO II PND

CUSTOS MACROECONÔMICOS DO SEGUNDO PND

NÃO FORAM DESPREZÍVEIS. E VEIO NOVA CRISE

anos 70: cultura, sociedade e economia

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A CONSTRUÇÃO DE ITAIPU (ACIMA, FOTO HISTÓRICA; ABAIXO, FOTO ATUAL): UM MARCO NA ENGENHARIA E NA LOGÍSTICA

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AGRICULTURANo Brasil, a partir dos anos 1970, a produção da soja passou a ter

grande relevância para o agronegócio, verificada pelo aumento das áreas cultivadas e, principalmente, pelo incremento da produtividade pela uti-lização de novas tecnologias. Segundo a Embrapa (2004), foi a partir da década de 1960, impulsionada pela política de subsídios ao trigo, visando autossuficiência, que a soja se estabeleceu como cultura economicamente importante para o Brasil. Nessa década, a sua produção multiplicou-se por cinco (passou de 206 mil toneladas em 1960 para 1.056 milhão de toneladas em 1969), sendo que 98% desse volume eram produzidos nos três estados da região Sul. Essa concentração da produção é explicada pelo fato de aquele ser, na época, o único espaço possível para o plantio de soja no país, por se tratar de um cultivo de climas temperados e subtropicais.

A evolução tecnológica, entretanto, foi determinante no progresso do agronegócio no Brasil. Em relação à soja, permitiu que este produto se espalhasse ao longo de estados da região Norte e Nordeste do país. No âmbito internacional, o Brasil figurou pela primeira vez como produtor de soja em 1949, quando produziu 25.881 toneladas, evoluindo para 100 mil toneladas em meados dos anos 50 e para 1 milhão (mais exatamente 1.056.000t) em 1969. A partir daí, a produção brasileira explodiu, alcan-çando 12,51 milhões de toneladas em 1977, um impressionante salto de 1.185% no período, catapultando o Brasil de produtor periférico para a segunda posição no ranking dos grandes produtores mundiais.

GRAÇAS Á TECNOLOGIA, SOJA CONSEGUIU ULTRAPASSAR FRONTEIRAS DA REGIÃO SUL

PRODUÇÃO DE SOJA ALCANÇOU 12,51 MILHÕES

DE TONELADAS EM 1977, UM SALTO DE 1.185%

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A FIAT CHEGA A MINAS GERAISOs anos 1970 foram importantíssimos do ponto de vista da

história da produção de automóveis no Brasil, em especial para a Fiat, cuja presença no país na verdade remonta ao ano de 1950. Foi quando o grupo italiano decidiu apostar no Brasil e trouxe seus primeiros representantes e máquinas para um armazém no bairro do Brás, em São Paulo. A empresa foi batizada Moto Agrícola Indústria e Comércio e tinha como finalidade distribuir tratores Fiat para um país que estava despertando. Na época, os escritórios da Fiat ocupavam o Edifício Itá-lia, na capital paulista, e as operações eram feitas via porto de Santos.

O primeiro grande parceiro comercial da empresa foi o Departa-mento de Engenharia e Mecânica da Agricultura (Dema), do governo do Estado de São Paulo, que promoveu uma concorrência pública para a compra de 200 tratores de esteiras, vencida pela Moto Agrícola.

Em 1967, a empresa funde-se com a Diesel Motor Indústria e Comércio, dando origem à Tratores Fiat do Brasil. Dois anos depois, o Grupo Fiat vence outra concorrência, desta feita para entregar ao estado de Minas Gerais 4 mil tratores de esteira, com a condição de que fossem montados no país. Para tanto, a Fiat adquire a fábrica de motores da alemã Deutz, que ficava em Contagem, cidade industrial da região

anos 70: cultura, sociedade e economia

PRESENÇA DA FIAT

NO BRASIL REMONTA

A 1950, ÉPOCA EM

QUE A EMPRESA

COMERCIALIZAVA

TRATORES

A FÁBRICA DE TRATORES DA FIAT EM CONTAGEM, REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE, FOI INAUGURADA EM 1970

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GOVERNADOR RONDON PACHECO (À ESQ.) E GIOVANNI AGNELLI ASSINAM O CONTRATO, EM 1973

metropolitana de Belo Horizonte, e ali monta sua unidade industrial. Seriam 96 mil metros quadrados de terreno e 400 funcionários.

Segundo Gino Cucchiari, italiano que veio para o Brasil em 1969, foi nesta fábrica de Contagem que aconteceram diversas reuniões ante-riores ao acerto da instalação da Fiat Automóveis no município vizinho de Betim. Cucchiari, a propósito, fez parte da equipe responsável pela unificação e desenvolvimento da rede de distribuição da Fiat no Brasil, a partir da criação de uma marca histórica na trajetória da empresa, a Fiatallis, em 1974, resultado da aquisição por parte do grupo Fiat da norte-americana Allis Chalmers. Desde então, são inúmeros os capítulos que marcam a presença e o crescimento da empresa no Brasil.

Datam, portanto, de 1971 os primeiros contatos do então gover-nador de Minas Gerais, Rondon Pacheco, com a Fiat S.p.A., com o objetivo de criar um polo industrial mineiro, levando para o estado a maior indústria automobilística italiana. As conversas evoluíram com naturalidade, de forma que já em março de 1973 aconteceu a celebração do acordo de interesse entre a Fiat S.p.A e o governo de Minas Gerais. A solenidade foi realizada no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, e contou com a presença do governador, Rondon Pacheco, e do presidente da Fiat S.p.A, Giovanni Agnelli.

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A cerimônia de inauguração da fábrica da Fiat Automóveis, em 9 de julho de 1976, foi prestigiada mais uma vez por Giovanni Agnelli, e contou com a presença do então presidente da República, Ernesto Geisel, do governador de Minas, Aureliano Chaves, e de diversas outras autoridades nacionais e internacionais. A fábrica foi inaugu-rada com a produção em série do Fiat 147, apresentado ao público no Salão do Automóvel de São Paulo no mesmo ano.

Desde a inauguração de sua fábrica no país, a Fiat revolucionou o mercado automobilístico brasileiro, indicando tendências, tecnologias e processos, até então disponíveis apenas nos países mais avançados. Além disso, atraiu novos investimentos para Minas Gerais, criando um novo e importante mercado para as indústrias, gerando assim empregos e crescimento econômico. Nasceram e cresceram com a Fiat cerca de 500 empresas de autopeças e componentes, dando ori-gem ao que se pode chamar de “mineirização” do desenvolvimento industrial brasileiro.

INOVAÇÃODerivado do 127 italiano, o Fiat 147 trouxe para o Brasil a fórmula

mais atualizada da engenharia de automóveis de grande produção: motor dianteiro transversal, tração dianteira, coluna de direção retrátil e pneu radial de série. A novidade para o mercado era evidente: um veículo seguro, confortável, de amplo espaço interno e dimensões externas compactas.

Na época, o Fiat 147 era o menor automóvel montado no Brasil, com 3,627 m de comprimento, e o melhor conceito de espaço interno: 80% do espaço útil para passageiros e bagagens e 20% para a parte mecânica. A proposta da empresa, de disponibilizar para o consumidor um veículo moderno, familiar e econômico, foi um sucesso. A Fiat foi, portanto, a primeira montadora a construir uma indústria fora do eixo Rio-São Paulo, consolidando a descentralização industrial do país. O Fiat 147 também foi o primeiro automóvel brasileiro equipado com motor a álcool.

É curioso notar que Minas Gerais é a terra onde nasceu Juscelino Kubitschek, o presidente que nos anos 1950 implantou no Brasil o Grupo de Estudos da Indústria Automobilística (Geia), como parte de seu Plano de Metas que, sob o slogan “50 anos em 5”, pretendia transformar o país em uma nação desenvolvida. Mesmo sendo um homem de visão, é bem possível que JK jamais tenha sonhado que seu estado um dia seria protagonista tão destacado na história da industrialização brasileira, em especial na área de automóveis, ativi-dade que para ele era o mais perfeito sinônimo de desenvolvimento. JK teve oportunidade de conhecer a fábrica da Fiat em 1975, um ano antes de falecer.

anos 70: cultura, sociedade e economia

FÁBRICA FOI

INAUGURADA COM

A PRODUÇÃO DO

FIAT 147, VEÍCULO

PIONEIRO EM

VÁRIOS ASPECTOS

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O PRESIDENTE GEISEL ACIONA OS EQUIPAMENTOS DO SETOR DE MECÂNICA DA FIAT AUTOMÓVEIS, EM 9 DE JULHO DE 1976

EX-PRESIDENTE JUSCELINO KUBITSCHEK (DE TERNO PRETO) EM VISITA À FÁBRICA, EM 1975

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E/OU ICONOGRÁFICAS

fontes consultadas

OBRA DE RUY CASTRO

É UM CLÁSSICO DA

HISTÓRIA DA BOSSA NOVA

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REALIZAÇÃOPATROCÍNIO