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PSICANÁLISE SELVAGEM Num sentido amplo, tipo de intervenções de “analistas” amadores ou inexperientes que se baseiam em noções psicanalíticas muitas vezes mal compreendidas para interpretarem sintomas, sonhos, palavras, ações, etc. Num sentido mais técnico, chamamos de selvagem uma interpretação que desconhece uma situação analítica determinada, na sua dinâmica atual e na sua singularidade, principalmente revelando de modo direto o conteúdo recalcado sem levar em conta as resistências e a transferência. No artigo que consagrou à análise selvagem (Psicanálise “selvagem”, 1910), Freud definiu-a em primeiro lugar pela ignorância; o médico cuja intervenção ele critica cometeu erros científicos: “É um erro técnico atirar bruscamente na cara do paciente, na primeira consulta, os segredos que o médico adivinhou”. Podemos dizer assim que todos aqueles que têm “alguma noção das descobertas da psicanálise” mas não receberam a formação teórica e técnica necessária fazem análise selvagem. Mas a crítica de Freud vai mais longe: estende-se aos casos em que o diagnóstico formulado é correto e a interpretação do conteúdo inconsciente exata. “Há muito tempo ultrapassamos a concepção de que o doente sofre de uma espécie de ignorância; se conseguíssemos dissipa-la pela comunicação (sobre as relações de casualidade entre a sua doença e a sua existência, os acontecimentos da sua infância, etc.), a sua cura estaria assegurada. Ora, não é este não-saber que constitui em si mesmo o fator patogênico, mas o fato de este não-saber basear-se em resistências interiores que começaram por provocá-lo e que continuam a alimentá-lo. Comunicando aos doentes o seu inconsciente, provoca-se sempre neles uma recrudescência dos seus conflitos e um agravamento dos seus males”. Por isso essas revelações exigem que a transferência esteja bem estabelecida e que os conteúdos recalcados se tenham tornado próximos da consciência. De outro modo, elas criam uma situação de ansiedade não controlada pelo analista. Neste sentido, o método analítico nas suas origens, que mal se distinguia, como Freud muitas vezes enfatizou, das técnicas hipnótica e catártica, pode ser qualificado hoje de selvagem.

PSICANALISE SELVAGEM

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PSICANÁLISE SELVAGEM

Num sentido amplo, tipo de intervenções de “analistas” amadores ou inexperientes que se baseiam em noções psicanalíticas muitas vezes mal compreendidas para interpretarem sintomas, sonhos, palavras, ações, etc. Num sentido mais técnico, chamamos de selvagem uma interpretação que desconhece uma situação analítica determinada, na sua dinâmica atual e na sua singularidade, principalmente revelando de modo direto o conteúdo recalcado sem levar em conta as resistências e a transferência. No artigo que consagrou à análise selvagem (Psicanálise “selvagem”, 1910), Freud definiu-a em primeiro lugar pela ignorância; o médico cuja intervenção ele critica cometeu erros científicos: “É um erro técnico atirar bruscamente na cara do paciente, na primeira consulta, os segredos que o médico adivinhou”. Podemos dizer assim que todos aqueles que têm “alguma noção das descobertas da psicanálise” mas não receberam a formação teórica e técnica necessária fazem análise selvagem. Mas a crítica de Freud vai mais longe: estende-se aos casos em que o diagnóstico formulado é correto e a interpretação do conteúdo inconsciente exata. “Há muito tempo ultrapassamos a concepção de que o doente sofre de uma espécie de ignorância; se conseguíssemos dissipa-la pela comunicação (sobre as relações de casualidade entre a sua doença e a sua existência, os acontecimentos da sua infância, etc.), a sua cura estaria assegurada. Ora, não é este não-saber que constitui em si mesmo o fator patogênico, mas o fato de este não-saber basear-se em resistências interiores que começaram por provocá-lo e que continuam a alimentá-lo. Comunicando aos doentes o seu inconsciente, provoca-se sempre neles uma recrudescência dos seus conflitos e um agravamento dos seus males”. Por isso essas revelações exigem que a transferência esteja bem estabelecida e que os conteúdos recalcados se tenham tornado próximos da consciência. De outro modo, elas criam uma situação de ansiedade não controlada pelo analista. Neste sentido, o método analítico nas suas origens, que mal se distinguia, como Freud muitas vezes enfatizou, das técnicas hipnótica e catártica, pode ser qualificado hoje de selvagem.