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Psicologia do Destino de Szondi Adalberto Tripicchio MD PhD Considerações históricas do conceito de destino A palavra destino costuma provocar penoso embaraço em muitos dos cientistas contemporâneos. E esta afirmação é verdadeira, quer seja abertamente confessada ou discretamente negada. A cadeia de associações condicionadora deste constrangimento segue geralmente o mesmo caminho que, em seu desenvolvimento histórico, seguiu no passado a palavra destino. Queiramos ou não, somos obrigados a pensar nos múltiplos métodos dos oráculos (Índia, China, Grécia etc.); depois, mais distante, no Karma como representação do determi- nismo interior; nas reencarnações, no Samsara (dos hindus e budistas), ou seja, no ininterrupto ciclo da vida, do nascimento à morte e renascimento; na astrologia e nos horóscopos (dos caldeus), na anánke e heimarméne, na moira e tyche (dos gregos), no fatum e necessitas (dos latinos). Podemos lembrar também, por exemplo, a Providência Cristã (Sto. Agostinho) e a individuelle fortuna (da Renascença); Schiller e os dramas do destino, do Romantismo, e por aí vai. O ocultismo mágico e o irracional parecem estar intimamente ligados à palavra destino. A própria filosofia do destino, do século XIX, mal pôde alterar esta concepção. Assim lemos na obra de Schopenhauer, de 1851, no trabalho "Sobre a aparente intencionalidade no destino de cada um": "O fato de todo acontecimento, sem exceção, ocorrer com a mais rigorosa 'necessidade' é uma verdade apriorística, conseqüentemente inabalável. Quero denominá-Ia aqui fatalismo demonstrável". A isto, Schopenhauer contrapõe um outro tipo de fatalismo, o fatalismo transcendental, dizendo: "De qualquer forma, porém, trata-se de um fatalismo de grau superior, quando reconhecemos que tudo o que acon- tece neste mundo é ao mesmo tempo planejado e inevitável; tem atrás de si uma determinação fatalista, mas não cega. Com este tipo de fatalismo - não demonstrável como o fatalismo puro e simples - todos nos defrontaremos, mais cedo ou mais tarde, talvez aceitando-o temporária ou definitivamente, de acordo com nossa mentalidade. Podemos denominá-Io fatalismo transcendental, para distingui-lo do fatalismo comum e demonstrável". E continua: "A repetida ocorrência da mesma predeterminação leva pouco a pouco à opinião, que muitas vezes se transforma em convicção, de que o curso da vida de cada indivíduo, por mais confuso que possa parecer, é um todo tão harmonioso quanto a 1

Psicologia Do Destino de Szondi

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Psicologia do Destino de Szondi - parte I

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Psicologia do Destino de SzondiAdalberto Tripicchio MD PhD

Consideraes histricas do conceito de destino A palavra destino costuma provocar penoso embarao em muitos dos cientistas contemporneos. E esta afirmao verdadeira, quer seja abertamente confessada ou discretamente negada.

A cadeia de associaes condicionadora deste constrangimento segue geralmente o mesmo caminho que, em seu desenvolvimento histrico, seguiu no passado a palavra destino. Queiramos ou no, somos obrigados a pensar nos mltiplos mtodos dos orculos (ndia, China, Grcia etc.); depois, mais distante, no Karma como representao do determinismo interior; nas reencarnaes, no Samsara (dos hindus e budistas), ou seja, no ininterrupto ciclo da vida, do nascimento morte e renascimento; na astrologia e nos horscopos (dos caldeus), na annke e heimarmne, na moira e tyche (dos gregos), no fatum e necessitas (dos latinos). Podemos lembrar tambm, por exemplo, a Providncia Crist (Sto. Agostinho) e a individuelle fortuna (da Renascena); Schiller e os dramas do destino, do Romantismo, e por a vai.

O ocultismo mgico e o irracional parecem estar intimamente ligados palavra destino. A prpria filosofia do destino, do sculo XIX, mal pde alterar esta concepo. Assim lemos na obra de Schopenhauer, de 1851, no trabalho "Sobre a aparente intencionalidade no destino de cada um":

"O fato de todo acontecimento, sem exceo, ocorrer com a mais rigorosa 'necessidade' uma verdade apriorstica, conseqentemente inabalvel. Quero denomin-Ia aqui fatalismo demonstrvel".

A isto, Schopenhauer contrape um outro tipo de fatalismo, o fatalismo transcendental, dizendo: "De qualquer forma, porm, trata-se de um fatalismo de grau superior, quando reconhecemos que tudo o que acontece neste mundo ao mesmo tempo planejado e inevitvel; tem atrs de si uma determinao fatalista, mas no cega. Com este tipo de fatalismo - no demonstrvel como o fatalismo puro e simples - todos nos defrontaremos, mais cedo ou mais tarde, talvez aceitando-o temporria ou definitivamente, de acordo com nossa mentalidade. Podemos denomin-Io fatalismo transcendental, para distingui-lo do fatalismo comum e demonstrvel". E continua: "A repetida ocorrncia da mesma predeterminao leva pouco a pouco opinio, que muitas vezes se transforma em convico, de que o curso da vida de cada indivduo, por mais confuso que possa parecer, um todo to harmonioso quanto a mais bem planejada obra pica, tendo determinada tendncia e sentido didtico".

Isto foi corroborado por Schopenhauer em nota de rodap: "Nem nossa ao, nem o curso da vida obra nossa, mas sim aquilo que ningum considera como tal, ou seja, nossa essncia e existncia. Em conseqncia, a vida do homem est irrevogavelmente traada, com todos os pormenores, j no nascimento [...]".

Aquilo que o filsofo do sculo XIX exps de modo puramente especulativo, com os pesquisadores do sculo XX transformou-se em cincia natural. A simples citao dos ttulos de algumas obras o comprova. Em 1929 foi editado o tratado de Lange, "Crime como Destino"; em 1931, Schultz publicou "Destino e Neurose"; em 1932, apareceu "A Hereditariedade como Destino", estudo caracterolgico, de Pfahler; de 1936 data "Destinos da Vida de Gmeos Criminosos", de Krans; em 1944 publicou-se "Carter e Destino", de Rudert.

De h muito, carter e hereditariedade so considerados como destino e suas regras e leis, determinadas de modo exato por mtodos das cincias naturais. No presente, no s a gentica se permite falar em destino, mas tambm a medicina interna. Em 1940, apareceu o livro de Hollmann, "Doena, Crise Vital e Destino Social"; e, em 1956, escreveu Jores em seu livro "O Homem e sua Doena": "Todo mdico atento, ao estabelecer um levantamento cuidadoso dos antecedentes familiares e pessoais de seus pacientes, surpreende-se cada vez mais com as conexes entre doena, destino vital e destino social. Os trs fatores se entrelaam intimamente". Na clnica mdica, Von Weizscker foi o precursor destas idias. Desta forma, o destino quase se tornou uma terminologia mdica.

Conceito de Destino na Psicologia ProfundaI. Na PsicanliseDesde que, em 1900, Freud criou a psicologia profunda com seu livro "Interpretao dos Sonhos", teve que se explicar muitas vezes a respeito do conceito de destino. Isto foi feito por ele especialmente em relao ao problema:- Seriam as afeces neurticas de natureza endgena ou exgena? E pronunciou-se de forma evasiva, quando escreveu em 1912: "A psicanlise nos advertiu a abandonar a infecunda contraposio de fatores internos e externos de destino e constituio, ensinando-nos a procurar normalmente numa determinada situao psquica a causa dos distrbios neurticos, que pode manifestar-se de diversos modos".

Com referncia a esses processos distingue, trs anos mais tarde, em 1915, quatro tipos dos chamados destinos pulsionais:

(1) a transformao no oposto, isto , a converso de uma determinada pulso da atividade para a passividade, e a converso do contedo de amor para o dio;

(2) a reao contra si mesmo, ou masoquismo;

(3) a represso, e

(4) a sublimao.

Embora Freud fale aqui de "destinos" pulsionais, ele descobriu ainda a relevante funo do ego na formao do destino, atravs dos mecanismos de defesa do ego. Escreveu: "Com referncia aos motivos que se opem a uma continuao direta dos instintos, podemos tambm apontar os destinos pulsionais como uma espcie de defesa contra essas mesmas pulses".

Em 1924, Freud deu uma definio mais ampla do conceito de destino: "A ltima imagem da srie de figuras que comea com os pais (professores, autoridades, heris consagrados no ambiente social) a potncia obscura do destino. Mas, s uma minoria pode conceb-Ia impessoalmente. Quando o poeta holands Multatuli substitui a moira dos gregos pelo par de deuses, pouco h a objetar. Mas todos os que atribuem a realizao csmica Providncia, a Deus ou a Deus-Natureza, despertam a suspeita de ainda continuarem a sentir (mitologicamente) estes poderes extremos e longnquos como uma espcie de pais, crendo-se ligados a eles por laos libidinosos".

Conseqentemente, para a psicanlise, o destino individual condicionado pelo conflito pessoal das pulses com o super-ego e o ego, inimigos das pulses. O tipo especfico da exigncia das pulses e as funes de defesa do ego formam, em conjunto, os fatores responsveis pela forma especial do destino individual. Para Freud, aqueles momentos traumticos que moldam o destino individual so especialmente o Complexo de dipo, o Temor da Castrao e os Mecanismos de Defesa de ambos. Somente em 1937, dois anos antes de sua morte, Freud reconheceu novamente a hereditariedade como fator importante na formao do destino. Distinguiu, ento, na origem das doenas psquicas, trs fatores:

(1) influncia dos sonhos; (2) fora constitucional da pulso; (3) mutao do ego. Mas, acentuou que nem sempre se deve responsabilizar a fora da pulso por essa mutao, pois possvel que a espcie e o modo de atuao das defesas do ego sejam de origem hereditria. Apesar de reconhecer a importncia do fator constitucional e sua contribuio desde o incio da vida, para Freud era admissvel, contudo, que um fortalecimento da pulso surgido mais tarde produzisse os mesmos efeitos que a constituio hereditria.

Os resultados das pesquisas psicanalticas relativas ao destino foram resumidos por Ellenberger na revista Psyche, em 1951, da seguinte maneira:

Fatores psicanalticos determinantes do destino:

(1) experincias isoladas, da primeira infncia;

(2) formao de uma imagem paterna ou materna e seu papel na escolha no amor;

(3) situaes da primeira infncia que, como repeties compulsivas, condicionam o destino posterior. Por exemplo: (a) a situao de dipo, sobre a qual Freud escreve: "Em ltima anlise, o destino tambm uma projeo posterior da influncia paterna"; (b) separao dos pais;

4) fixao e regresso a qualquer grau pr-genital de desenvolvimento.

Algumas formas de destino que resultam da psicanlise:

(1) quanto ao problema do xito ou do malogro na vida, segundo Reik, pode a psicanlise verificar as seguintes formas neurticas de destino: ( a) o indivduo no pode suportar o xito e, no momento de sua obteno, renuncia ao resultado, por auto-punio; (b) no momento em que est prestes a atingir o objetivo, procura interpor obstculos ao xito; (c) na obteno do objetivo e do resultado, a alegria e a satisfao falham ou se frustram totalmente; (d) o xito surge tarde demais, por exemplo, s antes da morte;

(2) com referncia sade e doena, so pertinentes as opinies de Freud: "a neurose seria uma parte do destino do indivduo". H a considerar ainda a significao da escolha de sintomas, escolha do momento de adoecer etc.;

(3) destinos amorosos;

(4) destinos sociais, por exemplo, as formas de destino dos lderes da humanidade, rebeldes, filantropos e misantropos, fundadores de seitas, traidores etc.

Se bem que Freud haja indicado em uma "srie complementar" a cooperao de momentos constitucionais e traumticos, em sua escola a pesquisa psicanaltica do destino permaneceu limitada, principalmente, investigao dos efeitos traumticos at os primeiros meses de idade. Para os psicanalistas, o destino ainda continuou sendo destino da pulso e defesa.

II. Na Psicologia Analtica de CG JUNGParadoxalmente a psicanlise, que foi taxada de "mecanicista-materialista", ocupou-se de modo relativamente mais intenso com o destino humano que a psicologia espiritual-demonaca e esterico-astrolgica de Jung. Especiais so os dois aspectos sob os quais Jung considerou o destino, ou seja, o arquetpico e o astrolgico.

Arqutipos, como se sabe, so unidades de efeito operantes, intemporais, sempre presentes no inconsciente coletivo, cuja influncia se estende por todo o setor da psique. Atuam "como reguladores e estimulantes da atividade criadora da fantasia"; despertam "formaes correspondentes, tornando utilizvel para seus objetivos o material presente no consciente".

Jung por exemplo procurava, no s no romance familiar, como Freud, mas no arqutipo da imagem paterna, a importncia do pai para o destino do indivduo. Diz: "Se ns, pessoas normais, pesquisarmos nossa vida, veremos que uma mo poderosa nos conduz infalivelmente a destinos vrios, e nem sempre essa mo pode ser chamada de bondosa. Tambm na linguagem hodierna a fonte de tais destinos aparece como um demnio, como um esprito bom ou mau".

A compulso que modela a vida de nossa alma tem o carter de uma personalidade autnoma, ou sentida como tal. Como um demnio atuando dessa maneira, compreende Jung "as imagens paterna e materna que, com fora mgica, influenciam a vida psquica da criana". Para ele, tanto a imagem materna, como a paterna, se apiam sobre um molde do instinto congnito, pr-existente, sobre um pattern of behaviour, e a isto ele denomina arqutipo da imagem paterna e materna. Estamos sujeitos ao poder destas imagens-arqutipo, pois orientam nosso destino. Neste destino nada mais resta a cada um de ns, seno levantar-nos contra a influncia do arqutipo da imagem paterna ou materna, ou ento, identificar-nos "com o patris potestas, ou com a formiga-me". "Perigosa - escreve ele - exatamente esta identificao inconsciente com o arqutipo; no somente tem influncia sugestivo-dominadora, mas produz tambm, na criana, a mesma inconscincia; ela sucumbe assim influncia exterior, e por outro lado no pode se defender interiormente. Por isso, quanto mais o pai se identifica com o arqutipo, tanto mais inconsciente e irracional, ou at mesmo psictico, se torna o indivduo".

Jung chega seguinte concluso: "A fora do complexo paterno capaz de determinar o destino provm do arqutipo, e este fato a verdadeira razo pela qual o consensus gentium coloca no lugar do pai uma figura divina ou demonaca; pois o pai individual corporifica inevitavelmente o arqutipo, que confere sua imagem uma fora fascinante. O arqutipo atua como um ressonador, ampliando exageradamente as atuaes provenientes da imagem do pai na medida em que concorde com o tipo herdado".

O segundo aspecto do destino, o astrolgico, se manifesta na Teoria da Sincronicidade de Jung.

De acordo com Jung, pode-se falar de uma "identidade relativa ou parcial entre psique e continuidade fsica". Ter-se-ia que compreender a psique, sob este aspecto, como "massa movida". De algum modo, a psique est em contato com a matria e inversamente tem a matria de possuir uma psique latente. O arqutipo poderia conseqentemente ser de natureza atmica e os tomos de natureza arquetpica. Nesta vaga hiptese se apia a Teoria da Sincronicidade, com auxlio da qual Jung tenta esclarecer no s os destinos, como as experincias parapsicolgicas. Jung entende por sincronicidade o "encontro, no raras vezes observado, de fatores subjetivos e objetivos que no pode ser definido causalmente, pelo menos com nossos recursos atuais. Sobre esta pressuposio se baseiam a astrologia e o mtodo do I-Ching". Com o conceito de tempo da astrologia coincide tambm o conceito de "tempo relativo" de Jung. Escreve ele:

" como se o tempo no fosse menos que um contedo abstrato, mas, pelo contrrio, uma 'continuidade secreta' com qualidades e condies bsicas que podem manifestar-se em relativa sincronicidade em diferentes lugares, num paralelismo impossvel de ser explicado pelas leis da causalidade".

Por isso Jung fala de "qualidades de tempo", dizendo que "tudo que neste momento nasce ou criado tem as qualidades deste momento temporal". E, como na astrologia, tambm Jung conclui destas especiais qualidades de tempo para o destino posterior. Pode-se ento entender porque Jung - esse grande alquimista e mago do sculo XX - raras vezes iniciava um tratamento sem antes examinar o mapa astral do paciente.

III. Na Anlise do Destino de SzondiFazendo um retrospecto, pode-se dizer que o conceito de destino passou por muitas transformaes desde os meados do sculo XIX. De acordo com a filosofia daquela poca, o destino do indivduo se caracterizava pela planificao e necessidade, pela tendncia concordante e sentido didtico de um todo. O destino do homem estaria irrevogavelmente predestinado desde o seu nascimento.

Conforme a psicanlise de Freud, as pulses e os mecanismos de defesa fazem o destino.

Na psicologia analtica de Jung, os arqutipos do inconsciente coletivo e as qualidades, ou melhor, momentos de tempo, so as potncias demonacas, que determinam o destino.

Para estas duas tendncias da psicologia profunda, o destino no tem, todavia, a importncia de problema central. Ambas estudam a questo perifericamente. Somente mais tarde a gentica colocaria a questo do destino no centro das suas pesquisas. Ela estuda especialmente a relao concordncia-discordncia na vida de gmeos uni e bivitelinos, e a funo da herana e do mundo circundante, mediante mtodos estatstico-heredolgicos. E, com isso, a pesquisa do destino transformou-se numa ramificao das cincias naturais.

Os resultados da gentica, porm, concordam com os da filosofia de Schopenhauer. Para ambos, destino significa coao.

Denomina-se a este domnio das pesquisas sobre o destino de Arqueanancologia. A palavra annke tem dois significados no grego antigo. Primeiramente, coao, restrio da vontade por um poder externo (priso, correntes, amarras) e tambm por circunstncias divinas do destino. Da seu significado de sofrimento, atribulao e misria. Em segundo lugar significa tambm, como a palavra latina necessitas, parentesco consangneo.

Esta teoria antiga do destino, a Arqueanancologia, conhece, portanto s o destino coercitivo.

A idia de apresentar o destino como hereditariedade vem igualmente deste ltimo significado da palavra annke, conforme o qual o destino determinado pela coao de consanginidade dos ascendentes familiares.

A altssima concordncia dos destinos de gmeos univitelinos confirmou a impresso de que a pesquisa geral do destino houvesse estacionado no antigo conceito de destino coercitivo. Somente pesquisas posteriores ousaram ultrapassar essa suposta etapa final, fazendo indagaes que, para a gentica acadmica, soavam quase como heresia. O intuito de construir uma ponte vivel entre a gentica e a psicologia profunda motivou tais indagaes. Assim, surgiu uma nova teoria sobre o destino humano, a Anlise do Destino. Esta neo-anancologia indagava:

Possui o homem realmente um destino nico? Seu destino no oferece vrias alternativas? E, se todas essas possibilidades lhe so conferidas hereditariamente, desde o bero, no tem ele liberdade de escolha? Existe para o homem, ao lado do destino coercitivo hereditrio, tambm um destino de escolha livre? Se de fato existem muitas possibilidades desde o incio da vida, como poderia o indivduo tomar conscincia delas? Se o homem capaz de conscientizar-se das possibilidades que o destino lhe oferece, ser capaz tambm de escolher livremente? Em caso afirmativo, qual a faculdade interior que possibilita essa escolha? Podemos formular a pergunta tambm assim: pode o homem, uma vez consciente das possibilidades que seu destino oferece efetuar uma permuta livre entre essas mesmas possibilidades? Pode ele tambm livrar-se de um destino coercitivo, at ento aceito, trocando-o por outro, livremente escolhido?

Como qualquer pesquisa cientfica, esta investigao de novo tipo comeou tambm com hipteses de trabalho, cujas premissas mais importantes eram:

Entre todos os seres vivos, o homem o nico capaz de tomar conscincia das possibilidades que seu destino oferece.

Uma suposio entre outras, levantada por Rudert, em 1944, foi que o animal no tem destino. S quanto ao homem podemos falar, em sentido pleno, de destino. E cunhou a expresso "relao existencial", significando que "o homem percebe o essencial de sua situao". Dizemos ns: o homem conscientiza as caractersticas dessa situao.

Na opinio de Rudert, pois, o destino s tem um sentido: o homem - ainda que restritamente - livre. O primeiro passo dessa liberdade , parece-nos, justamente o fato de o homem saber que sua existncia oferece diversas possibilidades e que pode, voluntariamente, tomar conscincia delas. Mas, s possvel tomar conscincia daquilo que j existe em ns inconscientemente.

J se constatou que o indivduo est equipado com todas as suas possibilidades de existncia. Isto , que no seu inconsciente devem existir ancestrais familiares - quase como moldes e figuras (Rilke), como possibilidades diversas de vida, como pattern of behaviour. Tm de estar presentes, para seu prprio destino, no inconsciente do indivduo, e certamente no ncleo das clulas, isto , nos genes dos cromossomos. Os antepassados carregados no patrimnio hereditrio esforam-se por manifestar-se. Psicologicamente, esse mpeto de manifestao expresso como "pretenso dos ancestrais". J que tais pretenses dos ancestrais so, na realidade, dinmicas e inconscientes, fala-se na psicologia profunda de um inconsciente familiar. a sede e a sala de espera das figuras dos ancestrais, as quais se esforam por retornar em nosso prprio destino. O sentido da hereditariedade sem dvida, como disse Heidegger, a repetio: "A repetio a tradio expressa, isto , um retorno a possibilidades da existncia passada".

Segundo a teoria da Anlise do Destino, as possibilidades familiares de existncia (herdadas desse suposto inconsciente familiar, como pretenses dos antepassados), deveriam penetrar na conscincia - espontnea ou artificialmente - atravs de uma psicoterapia.

Conseqentemente, a Anlise do Destino se refere a trs qualidades (no camadas) do inconsciente:

(1) o inconsciente pessoal (Freud), que inclui todas as manifestaes pulsionais, pessoais e reprimidas;

(2) o inconsciente coletivo (Jung), com todos os arqutipos humanos;

(3) o inconsciente familiar (Szondi), da Anlise do Destino, com as pretenses especiais dos ancestrais.

Em qualquer conduta humana (ao e omisso), em todos os acontecimentos predestinados, funcionam estas trs qualidades do inconsciente. Da contextura destas qualidades do inconsciente, s com ajuda de mtodos especiais podemos separar as funes especficas das caractersticas individuais.

O mtodo que revela a qualidade dos apelos ancestrais inconscientes exatamente a Tcnica Analtica do Destino. A Anlise do Destino , pois, uma tendncia da psicologia profunda que procura, antes de tudo, tornar conscientes os apelos ancestrais inconscientes. Por ela, a indivduo levado a confrontar-se com as possibilidades que seu destino lhe oferece (das quais no tinha ainda conscincia) e posto diante da alternativa de escolha de uma vida pessoal mais adequada.

Portanto, conscientiza o homem de haver vivido (inconscientemente) um destino coercitivo, repetindo o destino familiar de um de seus ancestrais; verifica que, ao lado desse penoso destino coercitivo, existem outras possibilidades de existncia, entre as quais lhe possvel escolher livremente. S ento poder ele afirmar que conquistou seu prprio destino.

Torna-se claro que a Anlise do Destino (AD):

(1) tenta construir uma ponte entre a gentica (pretenses dos ancestrais) e a psicologia profunda (conscientizao das pretenses inconscientes dos ancestrais);

(2) distingue duas grandes categorias de destino: destino coercitivo e destino de livre escolha.

Estas duas formas de destino relacionam-se numa ordem de sucesso. O conceito de destino no perde seu carter coercitivo, porm complementado pela caracterstica de escolha. O novo conceito de destino da neo-anancologia diz:

Destino o conjunto das possibilidades, herdadas e livremente elegveis, que nossa existncia oferece.

A hiptese de trabalho exposta em relao ao destino humano serve como guia no princpio das pesquisas, mas no eleva e transforma em realidade, imediatamente e sem esforo, o "sonho do pesquisador". Foram necessrios mais de 25 anos (1937 a 1963) para que a anlise do destino encontrasse sua adequada tcnica de trabalho na gentica, no diagnstico, na patologia clnica, na egologia e na terapia do destino.

S em traos amplos poderemos expor aqui esse longo processo de realizao.

Os fatores que condicionam o destino compulsivo so:

(1) funes hereditrias dos genes;

(2) funes pulsionais e afetivas;

(3) funes sociais; e

(4) ambiente mental ou cosmoconceitual em que o indivduo nasceu, por fora do destino.

As funes que condicionam o destino de livre escolha so:

(5) funes do ego;

(6) funes da mente.

Essas funes no devem ser estaticamente separadas, mas, de modo dinmico, devem completar-se reciprocamente, ou seja, dialeticamente, pois a concepo neo-anancolgica do destino dialtica, movimentando-se constantemente entre contradies e oposies, e no imvel e rgida. As seis funes vitais condicionantes e configuradoras do destino movem-se normalmente de modo contnuo, simultneo e oposto.

Por isto, o destino se transforma tambm em sua forma fenomnica com o correr do tempo. Como as cenas de teatro sobre um palco giratrio, tambm assim, aproximadamente, giram o destino no cenrio da vida individual (Schopenhauer). Se, o destino se paralisa numa determinada posio desse palco giratrio da vida, a ponto de petrificar-se, torna-se destino coercitivo (por exemplo, na catatonia). Se, pelo contrrio, com auxlio da mente, o ego capaz de enfrentar vigorosamente os efeitos petrificadores das funes determinantes do destino e de continuar a mover o palco giratrio, pode sob circunstncias favorveis, estar em formao um destino de livre escolha.

As pesquisas concernentes s funes do ego e terapia do destino comprovaram de maneira convincente que o regente mvel do palco do destino so o ego e a mente. Um grau especial de maturidade do ego atua no destino do indivduo como "conciliador dos opostos", como pontifex oppositorum. Se o ego alcana ento este grau de maturidade, oscila constantemente entre a herana, a natureza pulsional e afetiva, os ambientes social e ideolgico e a mente. Esse ego o executor da escolha. Pode transformar a compulso em liberdade no destino. O ego, que se move constantemente, que concilia funes opostas, capaz de escolher, e, portanto muda o destino compulsivo em destino de livre escolha. Conseqentemente, da mesma forma que o ego, tambm o destino est em constante peregrinao. Movimenta-se entre a esfera da herana ancestral, a prpria natureza pulsional e afetiva, o ambiente scio-intelecto-ideolgico e o reino espiritual. Se o ego se paralisa em qualquer setor destas funes, com ele tambm se paralisa o destino. Petrifica-se em destino compulsivo, interrompendo o processo de humanizao do indivduo. O destino se petrifica na existncia (como, nos psicticos, delinqentes contumazes etc.).

A novidade da anancologia pode-se resumir do seguinte modo: o destino no condicionado por um poder obscuro ou por um demnio. O destino humano - como tudo no homem - apia-se num sistema de funes que pode ser examinado com exatido na medicina e na psicologia. Assim como no se pode conceber o homem sem um sistema nervoso, tambm inimaginvel para ns um homem sem um sistema de destino. Ainda que seja impossvel tornar visvel antomo-topograficamente esse sistema de destino, e suas perturbaes no possam ser desvendadas mediante processo antomo-patolgico, aps a morte, as funes fisiolgicas e as perturbaes patolgicas desse sistema j podem ser examinadas por mtodos clnicos especiais. A pesquisa clnica das funes do sistema de destino do homem deveria (como j acentuaram Weizscker, Hollmann, Jores e outros) fazer parte do esquema geral de exame de cada paciente. Pois este sistema de destino pode tambm "adoecer", exatamente como o sistema nervoso ou como o sistema hematolgico do homem.

A Gentica do DestinoAntes de tudo acentue-se aqui que as funes hereditrias do destino manifestam-se especialmente em cinco setores da vida:

(1) escolha no amor;

(2) na amizade;

(3) na profisso;

(4) na doena;

(5) no tipo de morte.

So estes os mais importantes setores de manifestao do destino. Se bem que na vida cotidiana se fale de "escolha", a gentica do destino descobriu funes hereditrias latentes e ativas no inconsciente familiar.

Escolha do cnjuge, a LibidotropismoPara uma grande parte de pessoas, a escolha no amor, na amizade e na profisso no livre, mas dirigida pelos genes recessivos, latentes, que existem em forma anloga no patrimnio hereditrio dos dois parceiros. Este fenmeno denominado genotropismo e desempenha importante funo na gentica do destino. Com base em centenas e centenas de anlises matrimoniais (1937 a 1963), a anlise do destino comprovou a regra genotrpica da escolha dos parceiros.

Genotropismo a atrao recproca - condicionando o destino no amor, na amizade e na profisso - dos condutores de genes anlogos, latentes, recessivos.

Em conseqncia, nestes casos, a escolha apenas aparente, porque no dirigida pelos prprios indivduos, mas pelos genes anlogos (ancestrais). Essas pessoas que se atraem reciprocamente no so portadoras (homozigticas) de uma predisposio recessiva que retorna; portanto, no so indivduos aa ou aabb, mas trazem, em estado latente, e em doses individuais, os genes recessivos idnticos. Sua frmula de hereditariedade mista (heterozigtica) , por conseguinte, no processo hereditrio monmero, Aa; no dmero recessivo, AaBb.

A frmula da atrao , portanto, AaBb x AaBb.

Na anlise do destino, esses condutores se denominam indivduos parentes de genes ou eletivos (Goethe). E seu tipo de atrao recproca genotrpica. Este fenmeno, que se confirmou num nmero muito grande de indivduos, conduziu a um novo tipo de pesquisa familiar, que se denomina pesquisa familiar genotrpica. Consiste no seguinte:

(1) com a rvore genealgica do paciente, temos constantemente que apresentar tambm as rvores genealgicas de todos os indivduos que esto em relao mais estreita com ele, atravs da escolha no amor, amizade ou profisso;

(2) alm das doenas manifestadas, tem-se tambm que examinar com exatido as profisses, os caracteres, os currculos dos parentes consangneos e afins, sadios e doentes. Destas pesquisas familiares genotrpicas resultou, ento, a regra genotrpica da escolha dos parceiros.

Um exemplo: na rvore genealgica de uma assistente social, psiquicamente normal, a me figura como esquizofrnica internada. A assistente social ficou noiva duas vezes; teve, porm, que romper as duas ligaes, porque nas famlias dos noivos havia igualmente parentes prximos esquizofrnicos (tio e tia), a respeito dos quais ela e seu noivo nada sabiam anteriormente. Segundo a gentica da anlise do destino, as duas aes eletivas no foram livres, mas de tipo genotrpico.

No primeiro livro da anlise do destino so apresentadas centenas de escolhas de parceiros, todas semelhantes; entre elas, as de uma amostra de 517 indivduos que haviam realizado escolha genotrpica.

A regra de escolha genotrpica dos parceiros foi confirmada por Rey-Ardid (1955), em Madri, em relao esquizofrenia; por Nachin (1957), em Lyon, em relao s psicoses alcolicas; por Wagner-Simon (1963), em Riehen, Basilia, em relao a dificuldades conjugais; e por muitos colaboradores da comunidade de trabalho da Anlise do Destino, de Zurique.

Ainda que a regra e o mtodo da pesquisa familiar do genotropismo continuem a ser discutidos, podem apoiar-se em eminentes predecessores desse pensamento. Em particular, numa afirmao intuitiva de Johannsen, que escreve:

"Os clculos (da difuso de genes recessivos anormais entre a populao) no podem pretender nem mesmo uma exatido aproximada. Apresentam, contudo, certo interesse. Uma suposio, a respeito da qual as pesquisas populacionais apresentam, talvez maior inexatido, a de que os casamentos so concludos 'ao acaso', ou seja sem prvia escolha eletiva, que obedece a padres diversos. bem possvel, e at provvel, que a inclinao recproca consciente ou inconsciente de indivduos anlogos Aa se faa valer e, em tais casos, o clculo baseado no nmero de indivduos realizados aa daria como resultado uma freqncia demasiado grande do gene recessivo em questo. de se esperar, para a humanidade como um todo, que esta considerao tenha alguma validade, e que, portanto, genes recessivos anormais no tenham to grande difuso, como fazem temer os clculos acima citados".

Johannsen j pressentia, portanto, a inclinao recproca, consciente ou inconsciente, de indivduos anlogos Aa. Mas tal inclinao, denominada genotropismo, s foi demonstrada pela Anlise do Destino.

Como importante constatao emprica, mencionamos a regra biolgica dos parceiros de Stumpfl (1935). Escreve ele:

"Constatou-se que o ndice de criminalidade de um grupo populacional, selecionado sob um ponto de vista sociolgico unitrio, corresponde ao ndice de criminalidade dos cnjuges desse grupo, isto , est numa correlao numericamente definida. Acreditamos, com isto, haver enunciado uma regra, que se apia no fato de que na escolha conjugal atua uma recproca atrao de caracteres e que - apesar das mltiplas diversidades desses caracteres - deve ser reconduzida finalmente a uma similitude essencial, profunda e imanente.

A semelhana entre essas pesquisas e as da Anlise do Destino est em haver Stumpfl estendido igualmente suas investigaes s famlias dos cnjuges, e em considerar tambm a atrao como um processo biolgico. A regra biolgica dos parceiros de Stumpfl apia-se, embora no definidamente, numa profunda semelhana, essencial, entre os parceiros. S em 1937, dois anos mais tarde, pde a Anlise do Destino provar, em artigo provisrio sob o ttulo de Analysis of Marriages, que tal "semelhana essencial" consiste na igualdade dos cnjuges (indivduos Aa), ou seja, numa analogia dos genes recessivos, latentes, dos parceiros, como j supunha Johannsen.

Tambm Von Verschuer menciona, entre as pressuposies de uma anlise gentica da populao, a pan-mixia, condio segundo a qual "a escolha matrimonial no se d casualmente, mas com freqncia dentro de determinados grupos de pessoas (seleo de casais)". Que este "grupo de pessoas" formado por indivduos heterozigotos anlogos Aa ou AaBb, e que os genes recessivos, anlogos, latentes, causam a atrao, eram fatos desconhecidos tambm deste autor.

Escolha na Amizade, o SociotropismoApia-se, como a escolha dos cnjuges, na mesma igualdade dos genes recessivos latentes.

Escolha da Profisso, o pero ou ErgotropismoComo uma forma especial de genotropismo, possui uma alta importncia, tanto na sociologia como em relao ao fenmeno da heterogeneidade no homem. Na escolha da profisso, um grupo de pessoas procura uma atmosfera de trabalho na qual possa colaborar com indivduos portadores manifestos em forma latente e em doses individuais - de genes anlogos. Exemplo clssico a semelhana das rvores genealgicas de psiquiatras, psicanalistas e psiclogos com as de seus pacientes. Nas rvores genealgicas de famosos psiquiatras e psicanalistas encontrou-se, uma porcentagem acima da mdia de parentes consangneos e de escolha psicticos e s vezes esquizofrnicos. No crculo familiar e seletivo de indivduos Homo sacer (sacer do latim: sagrado; sacerdotes, monges, monjas, pastores, rabinos); a freqncia do morbus sacer (parentes consangneos epilticos) quase 10 vezes maior entre casamento de parentes por afinidade, e quase 4 vezes mais freqente que na mdia da populao. Este fato foi constatado em estatstica baseada numa pesquisa sobre hereditariedade, a qual englobou 707 parentes consangneos e 712 por afinidade de 25 sacerdotes; portanto, um total de 1419 pessoas. Assim ficou tambm confirmada, de modo significativo, a exatido do libidotropismo e, portanto, da forma mais freqente de genotropismo.

interessante notar que, nas rvores genealgicas de bombeiros, foram achados piromanacos; nas de juristas, paranicos com compulso de querela, e por a vai.

Estes resultados da Anlise do Destino provam, pela primeira, vez, que a heterose desempenha relevante funo tambm no homem. Denomina-se heterose ao fenmeno verificado nos indivduos heterozigotos de hereditariedade mista, portadores - em doses individuais - de genes letais ou de grave morbidez, que apresentam uma fora vital, tanto somtica quanto germinativa, aumentada. A vitalidade acima da mdia desses heterozigotos foi verificada, sobretudo em determinadas espcies de cereais e, parcialmente, tambm no reino animal.

Escolha da Doena, o Morbotropismo

Assim designa-se o fenmeno em virtude do qual o indivduo reage s vezes com uma perturbao a surtos infecciosos ou a traumas; sendo que esta perturbao, sem infeces ou traumas, j existia, de forma endgena, na famlia. Pode-se conseqentemente presumir uma atuao dirigente dos genes latentes.

Em uma famlia, a sfilis congnita conduziu surdez; nessa famlia, porm, a surdez hereditria j existia em diversos membros.

Num outro caso, a sfilis transmitida por herana levou epilepsia numa famlia em que esta - sem sfilis - j existia hereditariamente. Interessante tambm o caso daquela famlia onde cinco membros tinham dificuldades auditivas. Essas dificuldades apareceram, num deles, aps um surto de tifo; num outro, aps um ferimento na cabea; num terceiro, depois de uma inflamao cerebral; em dois outros, aps acessos de malria.

Escolha da Morte, o TanatotropismoSignifica, como destino, a escolha e o tipo do suicdio. Nesse ponto, a Anlise do Destino pode confirmar as estreitas ligaes entre epilepsia latente e suicdio, entre homossexualidade egodistnica, esquizofrenia paranide, mania e suicdio, atravs de pesquisas sobre a famlia.

Os suicidas do grupo hereditrio paranide-homossexual preferem veneno ou revlver; os do grupo de sdicos utilizam de preferncia a corda, a navalha, a faca, o punhal, o machado ou a espada. As formas de suicdio preferidas pelo grupo hereditrio epileptiforme so o salto em profundidade, da janela ou torre, da ponte, do trem, e a morte pelo fogo ou a autocombusto (com benzina, petrleo). O tipo mais freqente de suicdio no grupo catatnico-esquizomorfo a morte pela fome (por exemplo, na anorexia nervosa), ou atirando-se sob as rodas de um carro. Suicidas do tipo circular escolhem freqentemente tipos de morte por via oral: ingesto de morfina, lcool, barbitricos, raticidas etc. Neste ltimo caso h um relato sobre a existncia de oito suicidas na mesma famlia.

O Diagnstico Experimental do DestinoA Anlise do Destino tentou evitar as dificuldades que se apresentam na pesquisa genotrpica do destino de certas famlias, de modo que fez os pacientes escolherem, de uma coleo de 48 fotografias, as 12 mais simpticas e as 12 mais antipticas. As fotografias so expostas em 6 sries de oito fotografias.

Cada srie consta de 8 fotografias que reproduzem:

(1) um hermafrodita (h);

(2) um sdico (assassino) (s);

(3) um epiltico genuno (e);

(4) um histrico (hy);

(5) um catatnico (k);

(6) um paranico (p);

(7) um depressivo (d);

(8) um manaco (m).

Pela escolha das 12 fotografias mais simpticas e das 12 mais antipticas estabelecido um perfil de primeiro plano do paciente; as restantes 24 fotografias so expostas novamente em 6 sries qudruplas, e de cada srie devem ser escolhidas as 2 fotografias mais simpticas e as 2 mais antipticas. Assim se origina um segundo perfil, o perfil complementar experimental, que torna visveis as funes do plano de fundo das pulses e do ego. Essa experincia de fase dupla ento repetida 10 vezes, em dias diferentes e - aps a aplicao de um determinado mtodo de clculo - verificam-se os resultados.

O processo relativo pesquisa experimental das funes pulsionais e do ego apia-se num sistema de oito fatores de pulso. Todos eles condicionam, em grupos de dois, tendncias pulsionais dialeticamente opostas. So eles:

(1) fator do amor pessoal humanitrio;

(2) fator do sadismo e masoquismo;

(3) fator da inteno assassina de Caim e da justia de Moiss, ou da tica;

(4) fator do exibicionismo e do retraimento, da moral:

(5) fator de possuir-tudo ou negar-tudo;

(6) fator do ser-tudo e do ser-nada;

(7) fator da procura e do apego:

(8) fator do agarramento e da separao (os dois ltimos fatores originam-se de Hermann).

A Anlise do Destino d aos oito fatores pulsionais o nome de razes ou radicais da vida instintiva, porque atravs de milnios permaneceram essencialmente iguais. Os radicais pulsionais hereditrios possuem efetivamente algo de no histrico, algo de contedo ainda no especificado totalmente, que atravessa toda vivncia, comportamento e realizao, estando continuamente presentes para cada indivduo (Jaspers).

O sistema dos oito fatores pulsionais comprovou-se bem no ltimo quarto do sculo XX, em especial por ser capaz de analisar experimentalmente os fenmenos em aparncia unitrios da vida pulsional, quase atravs de uma "anlise espectral" nas suas razes nutritivas radicais.

Com base em milhares de exames (na Hungria e na Sua), pode-se dizer o seguinte sobre essas pesquisas experimentais do destino:

(1) o teste revela as doenas psquicas extremas de tipo familiar, cujo portador o examinando;

(2) torna visveis, pois, de modo especial, as funes latentes das pulses e do ego, que pela hereditariedade ameaam o portador;

(3) alm disso, o teste pode revelar 17 estruturas diferentes de pulses e do ego, que podem ser avaliadas como "possibilidades de destino" ou formas de existncia; 12 entre as 17 so diagnosticveis como formas existenciais de perigo; as 5 restantes, como formas existenciais de defesa;

(4) determinando as propores das existncias perigosas e protetoras, pode-se indicar um tratamento psicoteraputico.

Atravs de um clculo especial e tambm do julgamento social das reaes individuais escolha das fotografias, conseguiu Beeli elaborar um prognstico bastante til do destino.

A respeito do sistema de pulses de Gall, escreveram Leibbrand & Wettley em sua conhecida obra, A Loucura:

"Antes de Freud, Gall reconheceu a sexualidade precoce da criana. Admitiu uma espcie de senso de estrangulamento ou de assassinato, cuja legitimidade, no homem, provm de sua participao no gnero carnvoro. Gall identificava um senso de furto, uma faculdade de imitao, um senso lingstico, lxico, cromtico, tonal. Acentuava, de novo, no se tratar absolutamente de predisposies fixas, mas de possibilidades. justamente esse 'conceito de possibilidade', em sua multiplicidade combinvel, que estabelece o fundamento prtico para pedagogos e juzes. Gall pensava poder utilizar essa teoria no sentido de uma psicoterapia e psiquiatria socializada. Achou, portanto, o mesmo que hoje Szondi espera conseguir com sua teoria das pulses, isto , que o conhecimento das possibilidades das pulses v levar compreenso do ego. Alm disso, acreditava, assim como Szondi, que estaria em condies de fazer prognsticos pulsionais que pudessem ser utilizados juridicamente."

Esse interessante retrospecto mdico-histrico, destacando a Teoria das Pulses de Gall (1758-1828), prova mais uma vez que nada novo debaixo do sol.

A Patologia do Destino

J foi discutido que o destino humano dirigido por um sistema de funes. Essas funes criativas e dirigentes do destino, como, por exemplo, as funes hereditrias pulsionais, afetivas do ego e da mente, podem em parte e - algumas vezes na totalidade - sofrer perturbaes ou "adoecer". Conforme as modalidades das ligaes funcionais perturbadas, originam-se diversas formas patolgicas de destino.

Pergunta-se: que ligaes funcionais especficas podem ser experimentalmente descobertas atrs dos transtornos psicopatolgicos fenomenicamente diversificado?

Neste ponto, evitando exposies individuais, fazemos referncia ao livro Triebpathologie (Patologia das Pulses) no qual, para todas os transtornos psquicos, foram prescritos tratamentos em relao s latentes ligaes funcionais das pulses.

Das pesquisas comparativas, englobando casos de psicoses diversas, neuroses, psicopatias, anomalias sexuais, como tambm de crimes e vcios (relacionando-se os diagnsticos clnicos e os resultados das anlises experimentais de pulses e do ego), tiram-se as seguintes concluses:

(1) os resultados das pesquisas relativas s pulses e ao ego de doentes mentais mostram que a idia de uma unidade patolgica (na concepo de Kraepelin) no seria simplesmente "caa a um fantasma", como acentuaram os extremistas das sndromes, entre eles Roche, Schneider e Tripicchio;

(2) verificou-se experimentalmente que predisposies especiais vetoriais, do ego e das pulses, funcionam no homem, dinamicamente, como radicais biolgicos, que determinam se, sob certas circunstncias, poderia o indivduo adoecer antes, de forma esquizofrnica ou na forma circular;

(3) finalmente, as funes pulsionais e do ego, em conjunto, como associaes de funo, condicionam o rumo da doena: (a) pelo tipo especial de ciso, hereditariamente determinado, das funes pulsionais e do ego; (b) pelo setor, pulsional e do ego, onde o perigo maior; (c) pelo tipo especial de defesa do ego.

(4) segundo essas pesquisas experimentais, a idia de unidade patolgica se apia num fato biolgico: cada indivduo possui uma disposio individual, pulsional e do ego, que determina onde - sob dadas circunstncias - poderiam ocorrer os maiores riscos. Conseqentemente, apenas nesse sentido se pode afirmar a idia de unidade patolgica. O carter da catatonia conduz o ego psicologicamente negao, aniquilao de todos os valores; o da parania resume-se numa ilimitada ego-distole, num impulso de projeo e de inflao. Na depresso destaca-se o impulso insacivel de busca; na mania, o impulso imoderado de desligar-se de toda ligao com o mundo;

(5) o resultado mais importante dessas pesquisas o seguinte: cada ser humano portador (em seu inconsciente familiar) de uma disposio pulsional e do ego para todos os quatro grandes grupos de doenas, compreendendo as formas circulares esquizofrnicas, paroxsticas ou hstero-epilticas e da possibilidade de doena sexual.

Assim sendo, no h duplicidade, mas quadruplicidade dos grupos doentios do destino. As diferenas individuais caracterizam-se to somente pela graduao proporcional dessas quatro disposies fundamentais. A disposio para as psicoses hereditrias sempre condicionada pelas propores hereditrias. Estas propores so evidenciadas nas experincias, atravs das propores de latncia das ligaes funcionais;

(6) a psiquiatria funcional e a psicologia da profundidade distinguem-se, em conseqncia, da escola de psiquiatria clssica clnica, principalmente em dois pontos: (a) procura nas disposies pulsionais e do ego os radicais biolgicos das unidades patolgicas; (b) considera as doenas mentais sempre nas propores, nas relaes potenciais dos diversos conjuntos funcionais. S do aspecto proporcional possvel, em nossa opinio, entender, de modo multidimensional a natureza dos doentes, em todas as direes de suas possibilidades de destino;

(7) em lugar de diagnsticos clnicos, deveriam ser especificadas, em cada caso, as propores individuais das funes pulsionais e do ego, como conjuntos ocultos. Nisto vemos o fundamento mais importante de uma psiquiatria funcional.

Estes resultados das pesquisas experimentais relativas a conjuntos funcionais de doentes mentais concordam com os conceitos da gentica. Luxemburger, um dos representantes desta escola, escreve:

" possvel que um esquizofrnico possua, junto ao gentipo esquizofrnico pleno, disposies parciais manaco-depressivas ou epilticas e vice-versa." E continua: "Sou at de opinio que um mesmo indivduo pode tornar-se primeiramente epiltico, depois esquizofrnico e, finalmente, ainda, manaco-depressivo, como proposto pela concepo de Psicose nica. Com o grau atingido pelas pesquisas relativas hereditariedade, no h razo para supor que as psicoses hereditrias se excluam reciprocamente. Pesam contra tal viso, justamente ao lado de to freqente combinao familiar de diversas psicoses hereditrias (tambm em irmos de ambos os sexos), o grande nmero de esquizofrenias atpicas, ciclotomias e epilepsias, assim como aqueles casos dificilmente diagnosticveis que foram denominados 'psicoses mistas' [melhor dizer, associadas e/ou enxertadas]".

Este ponto de vista plenamente confirmado pelas pesquisas experimentais sobre o destino. At agora, porm, no pde a gentica verificar as propores individuais e atuais das predisposies hereditrias. Hoje, entretanto, podemos consegui-Io com a ajuda do Teste de Escolha de Fotografia. O destino de um homem, como indivduo, habitualmente marcado pelas propores pessoais de sua predisposio hereditria, e especialmente atravs de suas predisposies pulsionais e de seu ego. Conseqentemente, deve tambm cada doente mental ser apresentado nas propores de suas predisposies funcionais, nunca por um nico diagnstico clnico.

Com estas consideraes esclarecemos que a Anlise do Destino construiu seu sistema sindrmico experimental sobre os transtornos dos conjuntos de funes, invisveis latentes; e no, como fazem Hoche, Schneider e Tripicchio, sobre sintomas clnicos manifestos. Como estes conjuntos hereditrios invisveis constam de funes do destino coercitivo, a Anlise do Destino fala em uma patologia do destino, referindo-se a esses quadros psicopatolgicos e hereditrios.

A Egologia do Destino - A Doutrina do EuA importante ao das manifestaes do ego no destino de cada indivduo manifesta-se de muitas maneiras:

(1) na conscientizao e na capacidade de conscientizao das pretenses ancestrais inconscientes do inconsciente familiar. Isto acontece parcialmente atravs da conscientizao, isto , da projeo inconsciente das imagens ancestrais, em conseqncia da qual se efetuara at aquele momento a busca e a escolha de um parceiro; parcialmente atravs da conscientizao do fato de que a pessoa fica obsedada por tendncias ancestrais opostas, isto , da inflao;

(2) o ego deve tomar posio quanto s possibilidades de destino herdadas: deve ou afirm-Ias, incorpor-Ias ao prprio ego, identificando-se, com elas, ou neg-las e, em casos extremos, at mesmo destru-las;

(3) como j foi mencionado no incio da parte I, o ego pode em circunstncias favorveis desenvolver-se tanto que fica incapaz de conciliar os antagonismos da existncia. Isto , o sonho e a viglia; o inconsciente e o consciente; os mundos subjetivo e objetivo; a onipotncia e a impotncia; o corpo e a alma; a feminilidade e a masculinidade; a mente e a natureza; o aqum e o alm. J mencionamos que a Anlise do Destino denomina esse ego altamente desenvolvido de Pontifex Oppositorum. Esse ego, capaz de supervisionar e conciliar todas as antinomias, tem o poder de escolher, entre as possibilidades do destino compulsivo herdado, um destino de livre escolha.

O Destino de Livre EscolhaPreliminarmente foi feita a pergunta: que instncia tem ento o poder de eleger um destino de livre escolha, em lugar do destino compulsivo? Essa instncia o Ego Pontifex, em outras palavras, as funes do ego, conciliando os antagonismos conscientizados. Para poder construir conscientemente um destino de livre escolha, o ego deve exercer as seguintes funes:

(1) a integrao: o ego deve dominar e dirigir soberanamente suas funes elementares. Isto implica, psicologicamente, que o ego examina as diversas pretenses ancestrais at o momento projetadas para fora (projeo) e as conscientiza (inflao), com a medida da realidade; e, se uma, das muitas possibilidades de existncias herdadas, lhe oferecer a oportunidade de um destino melhor, ele a confirma, a incorpora (introjeo), e nega (negao) o destino coercitivo at ento vivido, seja uma anormalidade sexual, uma neurose afetiva do ego ou de contato, ou at mesmo uma pr-psicose;

(2) a transcendncia: O ego deve poder transcender at a mente. Deve procurar uma ligao com uma idia superior (humanidade, arte, cincia ou religio) e ativar a funo de crena na humanidade;

(3) a participao mental: O ego deve unificar-se de maneira duradoura com esta idia superior, isto , o ego deve poder participar.

Integrao, transcendncia e participao ideal super personalizada, do ao ego a fora de negar o destino compulsivo e, entre as possibilidades familiares conscientizadas, escolher livremente seu prprio destino, e viver de acordo com tal opo.

A Terapia do Destino

Talvez seja vlido afirmar que as trs condies j mencionadas, das quais depende o surgimento do Ego Pontifex, so tambm passveis de condicionamento hereditrio. Pois impossvel negar que uma elite humana, nem sempre constituda de intelectuais, pode alcanar espontnea e naturalmente esse alto grau do Ego Pontifex.

Porm, a Anlise do Destino comprovou que tambm em muitas doentes mentais estas mesmas condies existem em estado latente, embora vivam seu difcil destino compulsivo como neurticos ou psicticos. Esta circunstncia forou a Anlise do Destino a experimentar mtodos artificiais, psicoteraputicos, com a ajuda das quais possvel transformar o destino compulsivo em destino livre.

Do ponto de vista "rumo-efeito" da psicoterapia analtica, podemos classificar as curas em processos diretos e indiretos. Como paradigma do processo direto, deve ser mencionado a psicanlise. Neste mtodo, o terapeuta visa diretamente as tendncias pulsionais, reprimidas (complexo de dipo etc.), os quais so responsveis pelo surgimento dos sintomas. A terapia da Anlise do Destino no pode aplicar esses mtodos diretos de tratamento nos casos em que as pretenses ancestrais herdadas e causadoras da doena, nunca foram conscientes e, em conseqncia, no foram tambm reprimidas; contudo, apesar disso, ameaam de modo latente o destino do indivduo atravs do inconsciente familiar. Por exemplo, uma predisposio familiar para a autodestruio ou para a epilepsia. A Anlise do Destino deve, portanto, com freqncia, escolher meios indiretos de tratamento. So eles:

(1) inverso dos destinos pulsionais dialeticamente construdos da forma social-negativa para a social-positiva do destino. Paradigma: piromania latente --> bombeiro; esquizofrenia latente --> clnico psi; mania processual latente --> advogado; mania religiosa latente --> psicologia da religio etc. Nestes casos, o operotropismo atua terapeuticamente, depois do paciente tomar conscincia de que seu destino compulsivo est intimamente ligado possibilidade de escolha de uma determinada profisso;

(2) inverso das partes cindidas (e, portanto, dos destinos complementares do ego) em determinadas doenas que acarretam uma ciso. Alguns exemplos: a parania projetiva - mania de perseguio como uma parte cindida do ego pode, sob determinadas circunstncias, inverter-se na outra parte cindida complementar, a existncia de trabalho compulsivo. Ou: a megalomania (parania inflativa) pode desaparecer se, pela inverso, a outra parte cindida do mesmo ego (o ego evasor) continuar a viver como viajante profissional, glob-trotter etc.

(3) permuta de uma forma de existncia doentia por outra mais inofensiva, para a qual existia uma predisposio que ser descoberta no patrimnio hereditrio do paciente atravs do teste e do exame da rvore genealgica. Assim, possvel que o paciente consiga permutar a parania esquizofrnica por uma cefalalgia paroxstica, ou por paroxismos de outro tipo; ou a parania e a mania por uma compulso.

Para promover essas permutas das formas de destino, a terapia analtica do destino elaborou mtodos especiais (mtodo do martelamento, do psicochoque).

Apresentamos as transformaes do conceito de destino na psicologia profunda, e chegamos a uma psicoterapia que ousa at transformar as normas de destino do indivduo. nova essa ousadia? No livro j citado, A Loucura, de Leibbrand & Wettley estes salientam que; em 1843, Von Struve elaborou uma Frenologia Profunda destinada, sobretudo, a tornar-se a base do tratamento das doenas psquicas. possvel, e at provvel, que h mais de cem anos a Frenologia Profunda tivesse os mesmo objetivos que tem hoje a Psicologia Profunda. Atualmente, porm, qual dos adeptos da Psicologia Profunda conhece o nome de Von Struve e sua Frenologia Profunda? Provavelmente o mesmo destino aguarde, daqui a cem anos, os atuais representantes da Psicologia Profunda.

Nova orientao ao problema da Ciso do EgoConsideraes geraisO fenmeno a que, em 1911, Eugen Bleuler deu o nome heurstico de ciso do ego, j figurava na literatura com denominaes diferentes, tais como "dissociao", ''desintegrao da conscincia" (Gross), "disjuno" (Wernicke). Esses termos hoje desapareceram. Tambm com a expresso homnima "ciso da auto-conscincia" (Foersterling), que significava um aumento da perturbao psicomotora, no se podia iniciar muita coisa. Por uma determinao conceitual mais clara devemos agradecer em primeiro lugar a Bleuler que, rebatizando a dementia praecox (Kraepelin) de esquizofrenia, como psicose de ciso, obteve fundamento slido para a idia de ciso ego.

Bleuler discriminou duas classes de ciso: uma primria, na qual associaes de pensamentos concretos, firmemente ligados, separam-se; .outra secundria na qual um complexo de idias, acentuadamente afetado, se define cada vez mais e, com firmeza, alcana na vida psquica uma autonomia sempre crescente.

Com a denominao de esquizofrenia queria Bleuler atingir as duas classes de ciso porque freqentemente se fundem numa s. As caractersticas da esquizofrenia so especialmente, na opinio de Bleuler:

(1) a falta de inibio;

(2) o autismo, em conseqncia da falha da inibio, idias incompatveis podem coexistir. Por exemplo, o esquizofrnico pode ver simultaneamente numa mesma pessoa seu inimigo Y e o mdico X; como conseqncia do autismo, o paciente substitui a realidade, desagradvel para ele, por um mundo irreal do desejo.

Duas outras importantes afirmaes de Bleuler ficaram quase esquecidas. Afirmou em primeiro lugar que os fenmenos de ciso no so prprios somente da esquizofrenia; tambm a psique sadia, tanto na viglia, quanto no sonho pode cindir seu ego. Na opinio de Bleuler, a ciso esquizofrnica deveria ser definida simplesmente como exagero de um fenmeno fisiolgico que separa (cindente). Disse ainda Bleuler que, em certas circunstncias, a ciso fisiolgica dos complexos pode acarretar indistintamente cises histricas, epilticas, autsticas e paranides. Fenmenos de ciso podem, conseqentemente, surgir tambm em outras afeces. Segundo Bleuler, de supor que o esquizide venha a cindir-se demais; o sintnico, na medida exata; o epiltico, pelo contrrio, insuficientemente.

Com base nessas duas notveis afirmaes de Bleuler (que, na opinio de Szondi, ainda no teriam sido bem analisadas), de 1937 a 1963 Szondi estudou a ciso do ego em indivduos sadios e em doentes mentais, em primitivos e civilizados. E isso por meio da Anlise Experimental do Ego, da observao clnica e, em parte, tambm pela psicoterapia analtica e anlises onricas.

O exame dos casos clnicos, em 1956, deu-nos a oportunidade de verificar para que grau anterior de ciso costuma regredir muito freqentemente o ego dos pacientes dos diferentes grupos. Essas anlises experimentais do ego, realizadas em 3341 casos, nos estimularam a idealizar uma Teoria Funcional do Ego e a tornar exeqvel, com auxilio dessa teoria, uma nova orientao para o problema das cises do ego.

Cises do Ego luz da Teoria Funcional do Ego De conformidade com essa teoria, o ego no um rgo anatomicamente localizvel, nem um aparelho psquico (Freud), mas um conjunto de quatro funes elementares que denominamos "radicais do ego". Esses quatro radicais congnitos do conjunto ego-funcional so:

(1) a participao, isto , a tendncia a formar com o outro o ser-uno, o ser-igual. Conduz, por projeo do poder prprio do ego, formao de unidades duplas. Isto , vida do ego no outro (unidade me-criana, cl-solidariedade). Aps a desintegrao dessa dupla unidade participante, a mesma tendncia funciona como projeo secundria, como extravazamento do poder prprio do ego sobre outras pessoas que, depois, prejudicam ou at perseguem o indivduo projetante. tambm o estado de impotncia prprio do ego na parania projetiva (mania de perseguio);

(2) a inflao, isto , a tendncia do ego duplicao de seu poder, portanto, o querer ser ambos-e-tudo, a "ambitendncia", na definio de Bleuler. Tambm se chama inflao obsesso, por duas tendncias opostas, que agem ao mesmo tempo, mas sem se unir, nem excluir-se. Tal estado corresponde ciso primria (Bleuler). Poderamos tambm denominar de "autismo no ser" a conseqncia da inflao; cujo contedo pode variar de objeto e de intensidade. Por exemplo, desejar ser simultaneamente homem e mulher, diabo e anjo, senhor e servo, criana e lder, homem e animal. A isso denominamos inflao, segundo Jung. Domina na parania inflativa (megalomania);

(3) a introjeo, isto a primitiva tendncia do ego tomada de posse, incorporao e capitalizao dos objetos de valor, das idias de valor e de todos os contedos de valor e de poder do mundo exterior e interior. Em resumo: a urgncia de tudo possuir e de tudo saber. A funo fisiolgica da introjeo de servir de ponte para a percepo externa e interna. A forma doentia e o autismo, em relao posse, isto , a alucinao, o "pensamento mgico", na qualificao de Bleuler para a esquizofrenia;

(4) a negao, ou tendncia elementar do ego para esquivar-se, para a negao, a inibio, o recalcamento. A forma doentia se chama negativismo, desvalorizao total, desespero, encarceramento do ego, a autodestruio na catatonia e o suicdio.

As quatro funes radicais da psicopatologia no se restringem a um conjunto de funes cognominado "o ego", mas foram sempre consideradas isoladamente, de modo independente. A Anlise Experimental do Ego provou, porm, que essas quatro funes elementares se interligam em sucesso regulada num movimento circulatrio. Representam quase que "estaes", tanto no desenvolvimento quanto na vida posterior do ego. Estaes que tm de ser percorridas por todas as manifestaes instintivas, percepes internas ou externas e representaes que afloram ao psiquismo. J em 1947, podamos comprovar que tambm a evoluo fisiolgica do ego segue caminho idntico ao da circulao: (1) participao-projeo; (2) inflao; (3) introjeo; (4) negao ou adaptao.

O citado movimento circulatrio tem, na patologia do ego, uma importncia especial. Poderamos demonstrar que cada ciso do ego se produz devido parada do movimento circulatrio numa "estao", ou seja, numa funo elementar do ego.

Melhor dizendo: cises do ego no se originam da diviso de "contedos", mas da falha, da paralisao de determinadas funes elementares. A natureza especial das funes do ego restantes, aps o desligamento e uso exagerado, determina sempre, tambm, a natureza especfica dos sintomas psicopatolgicos. Se queremos definir melhor a expresso "ciso", devemos falar de "ciso das funes elementares ou das tendncias elementares do ego". As funes cindidas, porm, desaparecem exclusivamente do primeiro plano. Em verdade permanecem ilesas no plano de fundo e podem, ocasionalmente, reintegrar-se ao movimento circulatrio ou, atravs da inverso da rotao das peas cindidas, ocupar solitrias o cenrio da vida do ego.

Nessa teoria do movimento circulatrio das quatro funes elementares do ego, tm lugar muito importante a integrao e desintegrao.

lntegrao um estado em que as funes elementares perfazem seu circuito conforme a regra, sem parada demasiado longa, ou seja, sem falha; melhor explicando: independentemente da qualidade do contedo psquico existente. Isto significa que a vida do ego integrada se todos os seus contedos (sejam manifestaes instintivas ou representaes e idias) percorrem seu circuito, da projeo e da introjeo negao. Na integrao, nenhuma das quatro funes elementares falta. Todas so capazes de ao.

Desintegrao, pelo contrrio, indica um estado no qual as quatro funes elementares estacionaram e, conseqentemente, os contedos do psquico percorrem o circuito compulsivamente, "sem ego", ou seja, no estado crepuscular (por exemplo, ataques crepusculares e epilticos).

Com essa teoria puramente funcional, que examina em primeiro lugar as cises das funes do ego, e no os contedos deste (ao contrrio de Freud) tenta-se responder s perguntas que a seguir formulamos: como se d a ciso das quatro funes elementares do ego nos indivduos primitivos (negros selvagens), nos civilizados e nos doentes mentais?

Cises do Ego nos PrimitivosO arquivo da lnternationale Forschungsgemeinschaft fr Schicksalspsychologie (Sociedade Internacional de Pesquisa da Psicologia do Destino) de Zurique, dispe de mais de 100 anlises experimentais do ego com o teste Szondi, referentes a negros selvagens da frica Equatorial. Foram realizadas por Percy, ento mdico-chefe da Instituio Albert Schweitzer, mediante exames feitos nos acompanhantes sadios dos doentes tratados no hospital da floresta virgem, em Lambarne. Os examinandos vinham da selva e eram selvagens. Estavam entre eles membros das tribos primitivas de Fang, Galoa, Akele, Massango, N'komi e Esfiha. De 100 negros, 42 eram portadores de uma ciso projetiva de participao, total; 72% deles apresentavam uma combinao de cises, predominando a projeo. A ciso do ego desses primitivos era idntica quela encontrada (entre os civilizados) nos paranicos com mania de perseguio, delrio egocntrico, delrio de interpretao e delrio de reivindicao.

Entretanto, os 100 negros examinados (tambm na condio de membros da primitiva sociedade alde) eram indivduos totalmente sadios, no esquizofrnicos, apresentando cises psicolgicas (do ego) justamente porque viviam com exagero a funo sob forma de uma extrema solidariedade com o cl. E, sobretudo em unificao total (do ego) com seus animais totmicos, suas plantas totmicas, como era prprio de sua religio. A anulao das trs outras funes do ego, a saber inflao, introjeo e negao - to importantes para o homem civilizado - no fazia adoecer sua psique primria.

Esses resultados provam duplamente:

(1) que Bleuler tinha razo quando admitia serem fisiolgicas as cises, mesmo nos homens primitivos;

(2) que nos primitivos uma projeo total pode levar a uma sadia solidariedade com o cl e religio totmica, enquanto em povos cultos, a mesma ciso do ego conduz a delrios fantasmagricos e alucinaes. O julgamento das conseqncias de uma projeo est, portanto, ligado a determinada poca da civilizao.

Cises do Ego em CivilizadosPor carncia de espao; temos de desistir da explanao sobre o processo de evoluo das cises do ego nas diversas fases cronolgicas da vida humana. Neste momento, tratamos somente dos tipos de ciso do ego de dois grupos de adultos: o do homem comum e o dos homens mentalmente sublimados:

(1) Qualquer indivduo adulto pode cindir o feixe das quatro funes do seu ego, de tal modo que, em viglia, atue apenas a parte cindida constante de projeo e negao. Essa parte cindida caracteriza-se como "adaptao social". Na consistncia psquica do ego, essa adaptao significa um estado de renncia (negao) s extrapoladas (projetadas) pretenses do desejo.

A outra parte cindida, posta fora de ao, compreende o ser-tudo (inflao) e o ter-tudo (introjeo).

Para ser um homem socialmente adaptado indispensvel renunciar ao ter-muito e ao ser-muito. Freqentemente tal adaptao tem incio no 9 ao 10 ano de vida. Na mdia da populao, porm, s paulatinamente atinge sua freqncia mxima (54,2%). freqncia da adaptao apresentam curva sempre ascendente: entre 13 e 20 anos de idade, 22%; 21-30 anos, 28,3%; 31-40 anos, 29,1%; 41-60 anos, 40,3%; 61-70 anos, 43%; 71-80 anos, 54,2%.

Na evoluo do homem primitivo a civilizado, o passo decisivo consiste, portanto, em por em ao a funo de negao, a renncia s projees do desejo.

O homem selvagem, supostamente sem pretender renunciar a essas projees, as satisfaz completamente, em viglia, pela participao e unificao com seu totem e seu cl. O civilizado, ao contrrio, s no sonho as satisfaz.

(2) O homem sublimado pe em ao, num movimento circulatrio contnuo, todas as funes elementares do ego; todos os contedos da psique as percorrem; os contedos do ego, porm, s passageiramente, durante uma breve pausa, permanecem numa das quatro estaes. Esses grupos humanos sem cises do ego so raros. Com maior freqncia, encontramos o denominado "trabalhador intelectual compulsivo" que cinde somente a funo de projeo e, pela sujeio ao trabalho, d um cheque-mate em sua obsesso (inflao) ou a contenta parcialmente.

Cises do Ego em doentes mentaisNossas pesquisas confirmaram experimentalmente a tese de Bleuler relativa existncia de uma ciso fisiolgica do ego em homens tanto primitivos, quanto civilizados sadios. Mas, confirmaram igualmente sua opinio de que os fenmenos de ciso podem ocorrer no apenas no grupo das esquizofrenias, mas tambm em afeces psquicas de outro tipo. Pelo exame clnico-psicopatolgico, relativamente numeroso, de 1087 casos de diversos pases, pudemos separar oito tipos diferentes de cises do ego e verificar a relao especial dessas cises com determinados quadros mrbidos.

Na enumerao dessas oito formas de ciso, procedemos de modo a indicar sempre, em relao s duas partes cindidas do ego, tanto as funes clinicamente atuantes quanto as cindidas, com suas respectivas manifestaes clnicas e fisiolgicas.

Formas de Ciso no Grupo das Esquizofrenias

Neste grupo foram encontradas quatro formas diferentes de ciso do ego:1 forma: ciso projetiva-paranide:

(a) a parte cindida, clinicamente atuante, pe em ao somente a projeo total; o quadro clnico indica uma parania projetiva, isto , mania de perseguio, delrio de observao, delrio de reivindicao; parania de base epiltica, segundo Buchholz (1895) e Seidel.

(b) a parte cindida, situada no plano de fundo, pe fora de ao a inflao, a introjeo e a negao; essa parte condiciona o chamado "ego do trabalhador compulsivo", que pode aparecer aps um acesso projetivo-paranide; com certa freqncia, pode acontecer uma rpida permuta das duas partes cindidas, de modo que mal pode ser notada a fase paranide; a ciso projetivo-paranide apresenta-se em seu desenvolvimento como ego precoce "participativo", em forma de unidade me/criana; outrora, quando ainda existia o "homem selvagem", encontrvamos em 42% dos primitivos, como dissemos atrs, a ciso projetivo-paranide do ego.

2 forma: ciso do ego inflativo-paranide, inflativo-epileptiforme, histrico-inflativa e hebefrnica:

(a) a parte cindida clinicamente atuante pe em ao somente a obsesso, a inflatividade; os sintomas clnicos so:

(1) megalomania, delrio religioso, erotomania, delrio de reivindicao;

(2) obsesso epileptiforme do tipo de ataques com idias delirantes sobre a morte ou a religio;

(3) obsesso saltitante, incoerente, histeriforme, teatral-pattica, freqentemente retalhativo-hebefrncia com idias megalomanacas;

(4) escroqueria hebefrncia, falsificao;

(5) mania inflativa.

(b) a parte cindida pe fora de ao a projeo, a introjeo e a negao; essa parte cindida costuma freqentemente fazer as vezes da obsesso, apresentando os sintomas clnicos da evaso epileptiforme (fuga), da dromomania (ou, poriomania), da epilepsia retroflexiva, ou tambm de genunos ataques epilticos. A forma inflativa de ciso pode aparecer fisiologicamente, enquanto evaso, em crianas de 5 a 6 anos de idade; mais tarde, na adolescncia (17 a 18 anos de idade).

3 forma: ciso do ego autstica, introprojetiva e introjetiva:

(a) a parte cindida, clinicamente atuante, o ego introprojetivo que pe em ao a projeo e a introjeo; na psicopatologia, isto se chama autismo; psicologicamente acontece o seguinte: os desejos inconscientes no so transferidos a pessoas do meio-ambiente - como na parania projetiva - mas, ao prprio ego; todas as pretenses do desejo so incorporadas, introjetadas, ou seja, afirmadas; em conseqncia, o doente ultrapassa os limites da realidade, tem alucinaes, age de maneira autista, indisciplinada (Bleuler); no incio da melancolia, o ego tambm sofre uma ciso autista, porm, enquanto o esquizofrnico autista onipotente em relao a "ter", o melanclico torna-se impotente por uma autodesvalorizao, auto-inculpao e delrios de auto-acusao e de indigncia; contudo, to autista quanto o esquizofrnico, s que forma idias delirantes negativas com as quais se coloca igualmente acima dos limites da realidade.

(b) a parte cindida pe fora de ao a inflao e a negao; essas duas funes do ego condicionam a "inibio". Autismo e inibio so sintomas clnicos de partes cindidas opostas. A Anlise Experimental do Ego pde tambm a confirmar as afirmaes de Bleuler. A forma autista aparece fisiologicamente no perodo infantil de obstinao, e porque freqentemente a ciso introjetiva pura, sem projeo, pode levar ao autismo, tambm chamada de tipo introjetivo de ciso - o oposto dela a despersonalizao.

4 forma: ciso do ego negativo-catatnica:

(a) a parte cindida clinicamente atuante pe em ao, nas psicoses, somente a exagerada negao e a destruio; nas neuroses, ao contrrio, o recalcamento e a evitao neurtica; o grave negativismo aparece clinicamente na esquizofrenia catatnica, na mania e no suicdio;

(b) a parte cindida pe fora de ao a introjeo, isto , as idias delirantes projetivas, inflativas e introjetivas; supostamente, a negao catatnica dos psicticos uma espcie de tentativa de cura espontnea da parania e do autismo; nos neurticos, o recalcamento assegura certa proteo contra a aceitao da homossexualidade egodistnica e a solido. Fisiologicamente, a ciso de negao aparece, sobretudo como recalcamento da primeira infncia (3 a 6 anos de idade), depois, na pr-puberdade (9 a 12 anos).

As quatro formas de ciso mencionadas permitem distinguir, no grupo das esquizofrenias, quatro formas nosolgicas:

(1) a parania projetiva;(2) a parania inflativa;

(3) a esquizofrenia introjetivo-autista;

(4) a esquizofrenia negativo-catatnica.

Formas de Ciso no Grupo das EpilepsiasComo nota preliminar, frisamos que as perturbaes epileptiformes do ego podem tambm aparecer nos tipos de ciso esquizofrnica, pela inverso do movimento de rotao das partes cindidas. Os dois tipos de ciso paroxstica seguintes possuem uma conotao especial, pois primria a perturbao epileptiforme do afeto e no a perturbao do ego. A mentalidade assassina de Caim e o contedo dessas perturbaes do afeto causa, secundariamente, as cises do ego.

5 forma: despersonalizao paroxstica, condicionada pelo afeto:

(a) a parte cindida clinicamente atuante pe em ao, sincronicamente, trs funes do ego: a negao, a inflao (com inibio) e a projeo; o fenmeno que resulta desse fato a despersonalizao epileptiforme e hstero-epileptiforme; caso a negao se transforme em autodestruio, forma-se o quadro clnico da despersonalizao caracterizado por crises de dipsomania episdica, pelo suicdio e freqentemente tambm pela histeria e depresses crnicas;

(b) a parte cindida pe fora de ao a importante funo do ego que escapa ao mundo da percepo: a introjeo; na psicologia do ego, a despersonalizao definida como conseqncia de um desligamento da introjeo condicionado pelo afeto; portanto, como conseqncia do desligamento da ponte da percepo ligando o exterior ao interior; com o desligamento da introjeo, falham tambm todos os contedos incorporados: conhecimento, memria, imagens mnsicas motoras e senso-motoras; j em 1911 se referia Bleuler ciso dos afetos como proteo na esquizofrenia; efetivamente uma proteo, pois, caso a introjeo domine sozinha o quadro clnico, surge certamente o autismo; fisiologicamente, aparece a despersonalizao exatamente nas fases de transio: jardim de infncia - idade escolar (5 a 7 anos) - idade juvenil - adulto.

6 forma: ciso desintegrada, epileptiforme, com estados crepusculares:

(a) a parte cindida clinicamente atuante totalmente separada do ego; todas as quatro funes elementares so provisoriamente desligadas; clinicamente surge um estado crepuscular, pequeno mal oral, freqentemente a pura desorientao ou mutao do ego;

(b) a parte cindida situada no plano de fundo mantm em seu ntimo as quatro funes do ego desligadas no primeiro plano. Esse ego aparece, freqentemente, antes e depois do ataque crepuscular como um pressentimento de catstrofe (fobia). Fisiologicamente, pode essa desintegrao surgir de modo passageiro, como mutao do ego, dos 17 aos 20 e dos 60 aos 70 anos de idade.

7 forma: ciso do ego de forma compulsiva, anancstica:

(a) a parte cindida clinicamente atuante pe em ao simultnea, com igual intensidade, a introjeo e a negao; cada ato de afirmao (dizer sim, introjeo) imediatamente bloqueado por um ato de negao (dizer no); assim tem origem o quadro clnico da ambivalncia, do desespero, da incapacidade de ao na neurose e na psicose compulsivas;

(b) a parte cindida pe fora de ao a inflao extremamente perigosa e a projeo; melhor dizendo, pe fora de ao a parania; conseqentemente, a ciso compulsiva serve de proteo contra a parania de fundo, porm, a compulso pode tambm assegurar proteo contra a homossexualidade egodistnica latente; fisiologicamente, a ciso compulsiva atinge sua freqncia mxima dos 9 aos 13 anos, isto , na puberdade (ou, pr-adolescncia).

8 forma: ciso de adaptao do ego: j dissemos que, em adultos civilizados sadios, domina a forma de ciso do ego denominada "de adaptao"; com a finalidade de exaurir o assunto, mencionamos aqui, ainda uma vez, essa forma de ciso para expor em sua totalidade o sistema dos oito tipos de ciso:

(a) a parte cindida atuante pe em ao as funes de projeo e negao; desse modo tem origem a adaptao;

(b) a parte cindida pe fora de ao as tendncias para tudo-ser (inflao) e tudo ter (introjeo); essa parte cindida se denomina tambm "narcisismo total"; em indivduos sadios de formao acadmica, ocupantes de altas posies, essa parte cindida atua no primeiro plano com caractersticas de narcisismo; enquanto a adaptao fisiolgica cresce constantemente at a idade senil, a ciso de narcisismo total muito freqente entre 20 e 30 anos, e mais rara na puberdade. Na pr-puberdade e na idade avanada, esse tipo de ciso quase nunca ocorre.

Aplicao da Teoria da Ciso do Ego

Interpretao da Mutao de Quadros Mrbidos Antagnicos A sistemtica relativa teoria funcional da ciso pode prestar ao psicopatologista boa assistncia para a compreenso, tanto de aparentes antagonismos que surgem no decurso da molstia, quanto de casos mistos.

Como primeiro exemplo, mencionamos a discutida conexo entre a esquizofrenia e epilepsia.

Alguns psicopatologistas defendem a tese da existncia de um antagonismo biolgico entre as duas molstias. Outros falam de combinao, ou seja, de casos mistos. J em 1895, Buchholz aventou a hiptese da parania de base epiltica. Drries e Selbach tambm so de opinio que as esquizofrenias paranides, catatnicas e hebefrnicas podem ter base epiltica. Alajouanine & cols., afirmam que a ao da epilepsia desencadeia os surtos psicticos.

Das formas de ciso esquizofrnica e epiltica identificadas empiricamente pela experincia, e no por especulao terica, resulta visivelmente que a esquizofrenia e a epilepsia podem ser duas diferentes manifestaes de duas partes cindidas do mesmo ego. Mas, tendo ambas suas prprias predisposies hereditrias, raramente surge essa combinao. Urna das partes cindidas provoca a perturbao do ego na epilepsia. Explicando melhor: se a parte esquizofrnico-paranide atua no primeiro plano, a parte cindida epileptiforme se coloca no plano de fundo. As duas partes cindidas podem, porm, trocar de lugar pela inverso de sua rotao, corno num palco giratrio. A observao clnica das duas partes cindidas nas formas de ciso 3 e 5 evidencia a possibilidade de um aparecimento sucessivo das duas formas por meio da inverso do movimento rotatrio das partes cindidas.

O segundo exemplo relativo s formas de ciso 1 e 7 destaca a relao entre obsesso e esquizofrenia. Essas duas formas so partes cindidas do mesmo ego. A obsesso protege freqentemente da esquizofrenia paranide. Este segundo exemplo nos conduz terapia.

Aplicao da Teoria da Ciso TeraputicaSe a parte cindida for condicionante da perturbao paranide esquizofrnica do ego, sempre contra-indicado anular a compulso por meio de qualquer psicoterapia. Em certas circunstncias, ao contrrio, pode-se deslocar a parania com aes coercitivas, pela inverso artificial do movimento de rotao das partes cindidas. Mas, s atravs de uma anlise experimental do ego podemos verificar se possvel faz-Io. Na Terapia Analtica do Destino expusemos uma srie de mtodos denominados artificiais para a inverso do movimento das partes cindidas, destacando o psico-choque. Porm, antes de inverter artificialmente a rotao das partes cindidas, preciso saber se a parte cindida que se pretende trazer para o primeiro plano mais difcil de suportar que a outra, aquela que desejaramos colocar no plano de fundo. A a Anlise Experimental do Ego pode novamente ser o guia de nosso roteiro.

A teoria da ciso desempenha um importante papel na escolha da teraputica ocupacional. fundamental saber que atravs de uma ocupao adequada pode-se reintegrar paulatinamente as partes cindidas na movimentao do ego. Um exemplo clssico a ligao da introjeo atravs da aprendizagem contnua e da acumulao de conhecimentos (estudo da medicina, de idiomas), nos casos de despersonalizao. Tambm a vida doentia das partes cindidas do primeiro plano pode ocasionalmente socializar-se. Assim, a obsesso pode ser tratada com o manuseio de fichrios; a parania com a atividade exercida por detetives (contra-espionagem, psicologia). Muitos conseguem atravs do trabalho de sanitarista (enfermeira, cirurgio, presbtero, analista) socializar a parte cindida (de mentalidade assassina, epileptiforme), ainda que aparea em cena episodicamente, como um encolerizado Caim.

A clnica do Campo Psi especfica das perturbaes do ego. Pacientes com perturbaes da pulso e do afeto na maioria das vezes procuram o clnico psi apenas depois que seu ego j est perturbado.

No centro de todas as psicoses e neuroses est o ego. Depois vem a vida pulsional e afetiva.

Disso tudo, resulta que a clnica psi tem tanta necessidade de uma psicologia e anlise do ego adaptadas a ela, quanto a oftalmologia precisa da tica e do oftalmoscpio.