Psicologia e Formação

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A diferença entre o psicológico e o espiritual, e a diferença entre a terapia e a orientação espiritual.

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TERCEIRO ENCONTRO PSICOLOGIA E FORMAO

TERCEIRO ENCONTRO PSICOLOGIA E FORMAO

Nota inicial

Esse relatrio foi feito por frei Mamede, que tentou, nesses 4 dias em que estudamos 6 horas cada dia, anotar como pde, mo, tudo que falamos nas nossas reunies, depois digitou o relatrio e antes de enviar a todos os participantes do encontro, o fez corrigir na linguagem dele, por alguns dos participantes que fizeram uma espcie de reviso. O que resultou de tudo isso no um texto historiogrfico que reproduz o que fsica e realmente foi dito foneticamente. Frei Mamede, porm, no rob-gravador. Por isso, as suas anotaes, que, alis, so muito fiis, so interpretaes, de tal sorte que o texto j est filtrado. Filtrado atravs da compreenso de frei Mamede, do seu uso das palavras, da impossibilidade sentida por ele de reproduzir ipsis verbis o que se disse, devido a diversos tipos de defeitos de comunicao, tanto fsica como pela inadequao da fala de quem pronuncia suas idias. Todas essas contrariedades, em vez de ser interpretadas como falhas ou deficincias, no estilo do relatrio que nos caro, so consideradas como pertinentes e motivadoras da dinmica de reflexo. Se quisssemos um relatrio da exatido objetiva a modo da excelncia da historiografia, teramos simplesmente gravado tudo em disquetes.

O nosso Terceiro encontro, como o foram os dois encontros antecedentes, um encontro fraternal comunitrio para estudar, i., entrar para dentro da dinmica do empenho e desempenho de busca do nosso inter-esse. A nossa comunicao, as nossas trocas de idias, os nossos desencontros de opinies diferentes, muitas vezes at ideologizadas, mas tambm os nossos acertos, insight, mtuas confirmaes de concordncia entre duas ou mais pessoas sob a iluminao da exclamao aha!, contraposies at agressivas de posicionamentos, um defendendo sua idia, outro atacando a idia do outro, em cabeadas irracionais de teimosia e dogmatismo, etc., etc., tudo isso acontece, surge a partir de e est at ao pescoo enterrado no e impregnado do nosso inter-esse. Interesse (leia-se sempre inter-esse) ser no, a partir e dentro do que sempre j estamos e somos: a vida, a saber, o ser humano. Todos os nossos desejos, nostalgias, cobias, ambies, conquistas e fracassos, euforias e depresses, em suma, todos os nossos empenhos e desempenhos da vida humana so realizaes da realidade previamente dada, a partir e dentro da qual vivemos, nos movemos e somos: o ser da vida humana. Por isso, o que denominamos de interesse de cada um de ns, captado de modo estreito e apoucado como meu interesse, particular, individual seja ele nobre ou egosta, seja ele aberto ou fechado, comunicativo ou ensimesmado, no fundo sempre comum, de todos, pois os interesses privativos e particulares no so outra coisa do que a minscula ponta visvel de todo um abismo da imensido, profundidade e vitalidade da possibilidade e impossibilidade de ser, no qual todos, participamos. O nosso encontro anual, este o do terceiro ano desde o incio, tem por tema A diferena entre o psicolgico e o espiritual; a diferena entre a terapia e a direo espiritual. Este tema o mbito visvel que oculta no seu fundo mil e mil implicaes aparentemente confusas, no analisadas, inconscientes na linguagem cara aos psiclogos analticos, mas tambm demasiadamente certas, seguras, claras e distintas, fixas, dogmatizadas e fundamentalistas. Mas, todas essas implicaes e suas explicitaes so expresses de boa vontade. Da boa vontade do empenho e desempenho, i. do studium da busca do sentido ou senso fundamental do ser da vida, dado no como este fato, aquele fato, mas como o toque de origem, como o apriori da abarloao do abismo da possibilidade de ser que hoje costumamos chamar de existncialidade, ou melhor, facticidade. Isto significa: tudo quanto aqui apresentamos e discutimos dentro do mbito do nosso tema, sempre de novo nos desviando para outros momentos do nosso interesse, j opera na intencionalidade interna. Portanto, no bojo do que dissemos e no dissemos no encontro, todas as nossas pressuposies, quer na simplicidade e na ingenuidade ou na espontaneidade da vida cotidiana, quer no exerccio das nossas cientificidades como profissionais estudados, contm em si um fio condutor do sentido ou senso do fundo do ser da vida humana. A reviso do relatrio de frei Mamede que nos ofereceu de modo historiogrfico os mltiplos dados do nosso encontro, j por ele redigidos de algum modo na direo da ordenao da sondagem do fio condutor do sentido fundamental, foi feita, guardando enquanto possvel a forma primeira, para tematizar, i. , para trazer fala o fio condutor da reconduo ou do retorno ao sentido ou ao senso de fundo de todas as nossas posies, no nosso caso, principalmente de formadores, psiclogos, cientistas naturais, filsofos e telogos, conhecedores da espiritualidade crist. Por isso, nem sempre as pessoas que no relatrio tomam palavra, disseram ipsis verbis o que ali est relatado. Muitas vezes o que uma pessoa pensou e disse est na reviso atribuda a uma outra pessoa. Mas todas essas aparentes artificialidades, no so propriamente recursos de expresso ou meio instrumento para expressar dramaticamente ou vivamente o pensamento. Mas sim a tentativa de um esforo para seguir realmente o fio condutor da lgica da vida. Aqui o modo de relatar, segue o modo como na vida tentamos compreender os fatos, empenhos e desempenhos da facticidade do nosso inter-esse.

PSICOLOGIA E FORMAO

ASSUNTO: DIFERENA ENTRE O PSICOLGICO E O ESPIRITUAL E DIFERENA ENTRE A TERAPIA E A ORIENTAO ESPIRITUAL

ARARAQUARA (SP) 12 A 15/11/05 PARTICIPANTES: 28

Horrio: 7h30 caf 8h30 trabalhos 10h cafezinho 10h30 trabalho 12h almoo 14h trabalho 15h30 cafezinho 16h00 trabalho 17:15h Missa... jantar.

No dia 12, na parte da manh, enquanto frei Marcos e a equipe de Gois no chegavam, tentamos nos aquecer na reflexo, lendo um dos artigos propostos como leitura de fundo do nosso encontro. Antes da leitura se fez uma rpida colocao, dentro da qual se tentava ler o artigo, como preparao, para quando frei Marcos vier, nos acionarmos sob a sua coordenao. Essa colocao tinha mais ou menos o seguinte teor:

12/11/05: 8:30hsRegina: Frei Marcos e a turma de Gois vo chegar hoje somente depois do meio dia. Ns que aqui j estamos, vamos aproveitar essa manh, para fazermos o aquecimento na reflexo, tentando juntos ler assim por cima, um dos trs textos que vo servir de pano de fundo para as discusses. Os textos so artigos, todos tirados da Revista da Faculdade de Filosofia So Boaventura, Scintilla, n. 2. So eles: Rombach, Heinrich, A F em Deus e o Pensar cientfico, pp. 145-163; FERNANDES, Marcos Aurlio, Cincia e F: ensaio em busca de uma identidade na diferena, pp. 11-45; Spengler, Jaime, Pascal: F e Cincia, pp. 47-65.

Hermgenes: No ltimo encontro em Cocalzinho, tnhamos escolhido como tema desse ano Os estudos na Espiritualidade. A opo para esse tema surgiu da constatao, feita no ltimo encontro, do fato de todos termos a dificuldade de estudar para valer a espiritualidade. Quando se trata de cursos de diversas cincias positivas e da aquisio de habilidades para determinados fins prticos e de utilidade pblico-pastoral, a conscincia da importncia dos estudos entre ns unnime e as pessoas que fazem os cursos estudam para valer, para tirar ttulos de graduao, ps-graduao e doutorado. Quando se trata, porm, da espiritualidade, das coisas de Deus, das assim chamadas coisas espirituais, o nosso empenho, portanto, o estudo possui pouco volume, pouco interesse, e se h ali empenho mais em direo vivncia prtica, ao sentir, ao praticar a piedade, a moral, a experincia. Por isso, ao nos perguntarmos de que se trata quando falamos, tanto, todo o tempo do espiritual, da vida interior, ficamos perplexos, pois as nossas explicaes teorticas acerca desses assuntos so tiradas de conhecimentos das cincias como psicologia, antropologia, filosofia. E nos justificamos: aqui, trata-se da vivncia da F e sua experincia; aqui necessrio crer e viver e no tanto, saber e investigar.

Essa questo aparece na praxe de nossa vida na formao inicial e permanente, de diversas maneiras. No entanto, ela est presente de modo bastante acentuado na assim chamada vida espiritual crist, mormente na Vida religiosa Consagrada, quando, ao nos defrontarmos com as dificuldades da vida espiritual, da vocao e dos confrontos existenciais da vida, logo as interpretamos como problemas psicolgicos e recorremos psicologia, a seus especialistas e a seus mtodos psico-teraputicos. Ao observar esse fato por ltimo mencionado, frei Marcos props em vez da formulao do tema desse ano Os estudos na Espiritualidade a formulao mais definida A diferena entre o psicolgico e o espiritual e diferena entre a terapia e a orientao espiritual.

Tudo isso aparece de modo contundente na observao, feita h anos, em Rondinha no Instituto Filosfico So Boaventura da Provncia franciscana (OFM) Paran, de quando da visita do Frei John Walker, ento Superior Geral da OFM. Ao falar aos frades estudantes de Filosofia (junioristas ou professos de votos simples) disse: Estou cansado de receber sempre de novo a mesma resposta, ao pedir aos meus confrades que aceitem a tarefa do estudo e da formao espiritual dos novios, como Mestre no Noviciado: No posso, no sou capaz, pois no fiz curso de especializao na espiritualidade ou de outros estudos necessrios. Meu Deus, o que fizeram ento, o que estudaram e estudam todos esses 20, 30 e mais anos, em que viveram e vivem ainda diariamente na realizao de coisas e causas espirituais e franciscanas, nas oraes, meditaes, na vida fraterna comum, nos exerccios espirituais e na participao aos cultos divinos e nos trabalhos pastorais?

Usualmente, a nossa mentalidade de fundo se defende ou se explica, perante essa falta de estudo na espiritualidade e da sua coisa argumentando, mais ou menos assim: A nossa causa diferente das coisas do mundo. Conosco, trata-se do reino espiritual e interior. Das coisas de Deus, da experincia suprasensvel, invisvel aos nossos olhos, do sobrenatural. No caso de nossa formao inicial e permanente na espiritualidade, jamais podemos entender os estudos no sentido secular dos estudos feitos no mundo para a promoo do saber, competncia e da sua eficincia nas escolas do ensino fundamental, secundrio e superior universitrio. Como diz, portanto, So Francisco, ns jamais podemos negligenciar o esprito de orao e devoo, ao estudarmos o que devemos estudar para podermos atuar no mundo de hoje etc., etc., etc., bl, bl, bl. O que realmente acontece o seguinte: o nosso estudo (i. , empenho) ou dito com outras palavras, a dinmica da ao de busca e do seu engajamento nos trabalhos necessrios e teis para maior compreenso, maior estima e maior vontade das coisas de Deus est entrando ou j entrou na entropia. E aos poucos tambm o desejo, o gosto e o interesse de trabalhar na assimilao e na intuio das coisas e causas do esprito humano e das suas dimenses diminuem cada vez mais. E mesmo nas coisas materiais, somente estudamos para o nosso uso pastoralista caseiro, de tal sorte que hoje, nem se quer temos nimo e gosto de trabalhar para valer, embora possuamos a possibilidade financeira e fsica de fazer os cursos superiores de filosofia, teologia e de outras disciplinas auxiliares para o desempenho da nossa tarefa vocacional. Donde vem a compreenso que est na nossa mentalidade que cria todo esse modo de ser e pensar acerca da vida de estudos tanto nas disciplinas seculares como nas espirituais? Como pensamos a relao entre os estudos das cincias e da Filosofia e outros estudos afins com a formao espiritual, com o empenho no vigor e na clarividncia do que denominamos vida da F crist?

Os textos dos artigos propostos como leitura de fundo para as nossas discusses tratam dessas nossas questes acima mencionadas, a partir de uma colocao terica muito mais de fundo e de origem, marcados com a questo do relacionamento entre Razo e F, que na nossa poca tomou a forma da questo de relacionamento entre cincias e coisas de Deus. A partir de comentrios, explanaes, informaes e discusses desencadeados na leitura desses textos, vamos cada qual, dentro e a partir da profisso e vocao de cada um(a) de ns aqui presentes, portanto, das pessoas que vm da psicologia, pedagogia, da fsica moderna, da espiritualidade, teologia e filosofia, sondar o fundo teortico do nosso saber, tomando como fio condutor de nossas discusses o tema: a diferena entre o psicolgico e o espiritual e a diferena entre a terapia e a orientao espiritual.

12/11/ 05: 8,30-12 H

De manh conseguiu-se ler todo o primeiro artigo, da autoria de Rombach, A F em Deus e o Pensar cientfico. Com o intuito de ao menos termos lido todo o texto assim materialmente, lemos pargrafo por pargrafo, cada vez uma pessoa lendo alto numa seqncia em crculo, outros escutando, simultaneamente tambm lendo o que escutava na apostila que tinha mo, interrompendo-se aps cada pargrafo a leitura, para explicao de termos desconhecidos, estranhos ou de significao especfica ou se destacando o pensamento ali contido, sem, porm, entrar propriamente em discusses mais detalhadas que nos afastassem dessa leitura elementar, quase material de primeiro contacto.

At o almoo, conseguimos passar todo o texto de Rombach, de modo por cima, mas bem calcado. Acentuou-se que esse tipo de leitura material de grande importncia, para que depois quando comeamos a refletir o tema, tenhamos presente de modo concreto-material onde nos agarrar, de tal sorte que no disparemos para todos os lados inocuamente e avoadamente, sem progredirmos passo a passo e concretamente na compreenso mais real do assunto. Na reflexo, quanto mais algum capaz de ler assim materialmente e isso com cordialidade, vrias e repetidas vezes, tanto mais se penetra no tema de modo certeiro. Usualmente ao dialogar podemos fazer quais dois bodes. Ao se encontrarem em direes opostas sobre uma pinguela, ficam dando com cabea de idias fixas pancadas de mesmo jeito e na mesma direo, sem fazer o feed back de suas pressuposies ou disparamos em conversas incuas a modo de todo mundo discutir, sem perceber que se est discutindo de modo inteiramente equvoco, cada qual colocando como significado de um mesmo termo suposies diferentes. Esse tipo de defasagem nas nossas reflexes e debates vm quase sempre de no nos prepararmos o suficiente numa espcie de concentrao ao redor de um exerccio de cunho material (aqui ler literal e materialmente um texto vrias vezes). A nossa mente, igualmente ao nosso corpo, se antes no fizermos exerccios prvios adequados de aquecimento, no consegue assim de repente, ainda fria, seguir e abrir caminhos de uma boa reflexo.

Como o resumo do contedo do texto, lido nessa manh, temos os seguintes itens:

A nossa conscincia epocal contempornea est dividida em duas partes, por abismo de uma fenda, tida por intransponvel, entre a realidade da F em Deus e a realidade do Pensar cientfico. Se rastrearmos a provenincia dessa fenda abissal, chegaremos ao incio da nossa epocalidade, quando se deu a assim chamada revoluo copernicana com o surgimento das cincias modernas da natureza, cujo fundo terico unvoco e dominante aparece no modo de ser das cincias fsico-matemticas. Houve entrechoque entre essa concepo do mundo e da vida a partir e dentro dessa visualizao fsico-matemtica e a concepo do mundo e da vida a partir e dentro da mundividncia que se estabeleceu dentro da assim chamada F crist ou F em Deus. o famoso e famigerado conflito entre representantes da Igreja catlica e corifeus das cincias em surgimento, como Coprnico, Kepler e Galileu, conhecido como a luta entre o heliocentrismo e o geocentrismo. Esse conflito escondia no seu bojo uma questo: tanto na F como na Cincia aqui materializadas como a posio geocntrica institucional da Igreja e como a posio heliocntrica da cincia moderna em surgimento, se davam a sedimentao e o enrijecimento defasados das suas respectivas inspiraes originrias. O conflito, em vez de levar tanto a F como a Cincia ao exame de reviso em retorno de cada qual sua inteno e experincia de origem, e ali buscar uma compreenso do relacionamento das duas colocaes, disparou em direo ao endurecimento interno de cada posio. Isto levou ou separao irredutvel entre F e o Pensar cientfico ou s tentativas infundadas e confusas de uma sntese a modo da Filosofia crist nos moldes manualsticos de uma neoescolstica dogmatizada.

Em vez de buscar uma sntese e procurar uma ponte de ligao entre as duas partes, radicalizar a fenda e ir at l onde iniciou a separao, o que prope Rombach. Se seguirmos esse caminho, chegaremos a descobrir que a separao se deu devido prpria F e sua Teologia que ao radicalizar de tal maneira a identidade absoluta de Deus, nos revelou uma realidade em si, cuja diferena em referncia a outras realidades que no fossem Deus era tanta que a partir de outras realidades no haveria a possibilidade de um acesso a Deus, i. , realidade da F. Essa radicalizao, a partir e dentro da F, longe de ser uma rejeio ou afastamento de Deus, era a expresso da mais ntima e suprema estima e do absoluto respeito para com Ele no amor na positividade de afirmao da sua presena. No momento em que essa presena pregnante da F comea a perder a sua vigncia, e esquecida, surge a separao. E todo o empenho de busca se concentra em se realizar na positividade da absoluta afirmao do Mundo, de suas possibilidades e suas implicncias. Surge assim a impostao da modernidade e o seu a-tesmo, no como negao de rejeio ou de repulsa contra Deus, mas sim como a autonomia da positividade de uma nova impostao diante da totalidade do ente, portanto no todo da realidade Deus, realidade Homem e realidade Universo. Abre-se assim a possibilidade das cincias modernas como abordagem universal e seu mtodo de processamento na realizao da realidade, dividida na dinmica da busca das cincias naturais (realidade Universo = natureza), das cincias humanas (realidade Deus e realidade Homem = esprito ou o humano) e da cincia primeira, que pesquisa a cientificidade de todas as cincias, quer naturais quer humanas: a epistemologia cuja estruturao bsico-fundamental aparece nas cincias lgico-matemticas.

Nessa nova perspectiva da dominao vigente da dinmica de busca universal enquanto impostao cientfica que atinge o todo do ente, a questo do relacionamento F em Deus e o Pensar Cientfico no mais abordada no nvel de confronto da diferena e identidade de duas concepes ou vises do mundo e da vida, ou de ideologias ou crenas de dois diferentes grupo de pessoas, uma chamada mundividncia crist e outra mundividncia cientfica. Tudo agora avaliado e medido sob a dominncia da cientificidade da impostao cientfica. Aqui a cincia uma ao humana de processamento e transformao de todo o ente na realizao da realidade. Aqui no se trata de interpretao da realidade. No se trata da coisa em si dada de antemo a ser contemplada e descrita fielmente. Trata-se sim de um gigantesco projeto do processo de transformao a partir e dentro de uma interpelao produtiva da realidade. Cincia projeto de antemo lanada como hiptese que a partir de um posicionamento prvio. A partir dali, tenta processar tudo que lhe vem de encontro dentro desse prprio projeto. E o faz para confirmar, averiguar, constatar a validez do lance projetivo ou da hiptese, ou no caso de no confirmao, voltar ao primeiro lance do projeto, e ali refundar, relanar nova, ou novas hipteses, cada vez mais, melhoradas, mais abrangentes, mais duradouras etc., reduzindo tudo homogeneidade do asseguramento da coerncia e lgica da hiptese lanada. De tal modo que nesse imenso sistema da nova humanidade e do seu saber, no haja nada que no esteja assegurada pela homogeneidade da realizao da realidade na sua imanncia absoluta. Por causa desse posicionamento de autoasseguramento as cincias se chamam cincias positivas, e o prottipo atual dessa positividade a preciso do tipo das cincias lgico-matemticas das cincias naturais que se chama exatido. Por isso, as cincias naturais se chamam tambm de cincias exatas. E tudo isso de tal modo que hoje todas as cincias humanas mostram a tendncia de adotar a cientificidade das cincias exatas como medida e valia de sua cientificidade. Rombach, em vez de combater em nome das cincias humanas e das coisas da F essa dominao totalitria do modo de ser lgico matemtico das cincias naturais, busca no prprio bojo, no mais ntimo das cincias modernas uma teoria que pode ser entendida como radicalizao ou identidade nuclear da cientificidade positiva ou melhor positivista das cincias naturais, denominada por ele de teoria das dimensionalidades que variante qualitativamente mais profunda da teoria dos conjuntos em Husserl (Mannigfaltigkeitslehre). Nessa teoria das dimensionalidades encontra-se, conforme a sugesto de Rombach, a nova ponte entre a F e o Pensar cientfico. Ponte que propriamente no nenhuma sntese, nem passagem, nem transformao nem evoluo, mas a soluo denominada identidade da diferena do relacionamento entre A F em Deus e o pensar cientfico, entre a experincia e o experimento, entre esprito de geometria e esprito de finura, entre as ordens do corpo, do esprito e a ordem da caridade em Pascal.

Assim o artigo nos prope uma nova concepo da cientificidade que segundo Rombach no est mais sob o domnio da concepo ingnua, tradicionalista e obsoleta da Cincia, mas um novo paradigma da cientificidade, livre das amarras de mundividncias, ideologias e infindos ismos, mas que o prprio movimento, a prpria dinmica dos multifrios desvelamentos do ser na sua inesgotvel e insondvel cordialidade da vitalidade e riqueza na sua possibilidade abissal.

E para ilustrar esse modo de ser da nova cientificidade, na qual p. ex. a dimenso da F vem fala na sua logicidade, metodologia e efetivao toda prpria, com outras palavras, na sua plena cientificidade prpria, Rombach evidencia alguns fenmenos da existncia religiosa como p. ex. a experincia da autojustificao, a recepo assumida da culpabilidade como salvao etc.

Dentro dessa leitura, ao esclarecer provisoriamente alguns pontos ou termos ocorridos na leitura, surgiram alguns pensamentos que so de alguma forma afins com o contedo do texto que a seguir enumeramos assim de modo avulso:

Sobre a questo do heliocentrismo e geocentrismo. A Igreja com seu bitolamento e fechamento diante das novas descobertas da astronomia condenou o heleiocentrismo em favor de geocentrismo. Aqui, Rombach afirma que a situao histrica dessa oposio j se tinha deslocado da sua situao originria. O que movia originariamente a questo, o piv da questo no era propriamente se a terra girava ao redor do sol ou se o sol girava ao redor da terra. O ncleo da questo desse confronto estava na tentativa de, tanto na F como na Nova Cincia, cada qual manter lmpida e viva a lgica e a coerncia da busca da profundidade, a partir e dentro da qual cada uma delas fundava a verdade do seu ser.

Para a nova cincia natural, o que valia como o ponto de deciso no era tanto o fato do heliocentrismo, mas que o heliocentrismo como fato, era mais coerente e lgico do que o geocentrismo como fato, dentro do todo do lance hipottico, cujo projeto a partir e dentro do qual, todos os fatos do universo fsico pudessem ser ordenados e ligados mutuamente dentro de previso, clculo e cmputo dos relacionamentos e equaes matemticas. Para a teologia (que tida como cincia da F) a preocupao era apenas guardar lmpida e logicamente a interpretao coerente da realidade que se dizia divina, portanto, realidade das palavras de Deus, da Bblia.

Nesse relacionamento entre o reino da F e o reino das cincias, a indevida extrapolao, i. , o contrabando, a exportao e importao de momento(s) de um reino para o outro, somente impede e retarda o progresso. O que aconteceu com Newton que ao introduzir na Fsica o espao absoluto como o fundo de referncia no qual toda a indicao de lugar e tempo deveria ser relacionada, tentou salvaguardar o dogma da onipresena de Deus, criando o lugar de mediao entre esprito puro e matria. Essa introduo de uma mundividncia ou ideologia de fundo teolgico na cincia exata bloqueou por muito tempo o progresso da fsica e astronomia.

Esse modo de ser preconizado por Rombach na assim chamada teoria das dimensionalidades como sendo o modo de ser insinuado na compreenso nova das cincias pode aparecer p. ex. na compreenso originria e defasada da excelncia nas disciplinas do ensino e da pesquisa nas cincias. Por isso frei Hermgenes trouxe como exemplo o que foi dito num colquio acadmico realizado na Faculdade So Boaventura entre pessoas da rea da gesto e administrao, da medicina, da economia e da filosofia. Resumindo o colquio foi dito mais ou menos o seguinte: O substantivo a excelncia indica a qualidade de uma coisa ser excelente. O adjetivo excelente nele mesmo superlativo, mesmo que se possa dizer: excelente, mais excelente, excelentssimo. Excelente e excelso vm do verbo latino excello, excellsus, excellere (frmula arcaica). Excellere se compe de duas palavras: ex e cellere. Ex- um prefixo que indica o movimento de ir-para-alm; Cellere significa erguer-se, se levantar: refere-se, pois, ao, dinmica da superao. Conota, portanto, o estar aberto sempre de novo melhoria. , pois, a qualidade do movimento de ao, o vigor de buscar, cada vez mais, o melhor de si: o gosto, a paixo da alegria expansiva de ser. a jovialidade de ser. Nesse sentido, a excelncia indica a vitalidade, a cordialidade de ser. Por isso excelncia, cada vez, em cada disciplina deve ser entendida como a jovialidade de ser de cada disciplina, na plenitude cordial e viva do prprio de cada disciplina. Essa compreenso original da excelncia pode ser esquecida e substituda por um valor menor, o de busca do primeiro lugar no ranking de competividade de uma determinada efetividade e produtividade. Assim o conceito de excelncia se estreita e se bitola. O estreitamento, com o tempo, pode-se virar contra a prpria efetividade e produtividade, de tal sorte que o empenho humano cujo caracterstico o vigor da jovialidade de ser, i. , a excelncia, se transforma numa angustiada e angustiante acribia de clculo e medio de si, sempre se medindo com os outros numa corrida sem rumo do primeiro lugar. Segundo o que foi dito, se conclui que cada disciplina cientfica tem o seu ser, e conforme seu ser deve definir a sua excelncia. As cincias positivas partem de um fundamento j dado como posto, (da o nome cincia positiva) com sua definio, conceitos fundamentais determinados, e seus mtodos. Esse fundamento por assim dizer o posicionamento inicial do lance projetivo hipottico que cria o horizonte a partir e dentro do qual se processam os posteriores passos de averiguao da validez da hiptese, e assim a partir dali construir, para cima, todo um sistema de conhecimentos assegurados, concatenados entre si numa rigorosa coerncia lgica. Dito de outro modo e em repetio, esse fundamento, j posto, por assim dizer, um projeto que a cincia lana sobre a realidade, como hiptese de trabalho. Esse lance sempre de novo examinado, em diversos e sempre renovados experimentos. Assim, o lance primeiro testado na sua validade e eficincia, de tal sorte que, na medida em que se d a averiguao positiva, vai confirmando a validez da sua colocao posta inicialmente, passando-se da hiptese teoria. Mas na medida em que os experimentos no confirmam a validez da hiptese, volta-se sua colocao primeira, para ampliar, aprofundar, recolocar ou purificar a hiptese, buscando para a colocao positiva de incio uma fundamentao mais vasta, mais profunda e mais purificada de interferncias indevidas de outras colocaes ou de extrapolaes. Esse movimento de retorno das Cincias positivas para o lance inicial do seu projeto, como ao fundamento da sua positividade para re-fundao e aprofundamento da sua base, se d nas cincias positivas, quando o todo do seu sistema entra em crise. no aprofundamento da sua colocao primeira que se d propriamente o progresso de uma cincia. As cincias, portanto, jamais so um sistema fixo de conhecimentos definitivos, mas so variegadas concatenaes em diferentes ordenaes e constelaes de hipteses e suas averiguaes em constante retorno para a renovao e refundao da hiptese primeira que deu a origem a uma determinada cincia. nessa dinmica do todo vivo de sistemas abertos em mtuas implicncias que cada cincia constitui seu ser, sua definio, seus mtodos e modos de vir fala como excelncia.

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A partir dessas reflexes, ficamos trocando idias assim sondando por cima por que, ao estudarmos, cada qual aqui reunidos, o que pertence ao nosso ofcio, no sentimos na nossa pele a proximidade e urgncia de abraar os estudos de uma forma bem mais existencial como minha coisa.

Regina: No estudamos a espiritualidade devidamente como seria prprio para a vocao e profisso que abraamos. No porque se estuda para passar para os outros?

Hermgenes: E se os outros no escutam o que eu quero passar? Como fica? A questo do estudo pode ali virar coisa ou causa da existncia humana, i. , da minha vida? pergunta feita no Evangelho Quem o meu prximo Jesus responde, contando a parbola do bom samaritano e pergunta: Qual dos trs, em tua opinio, foi o prximo do homem que caiu nas mos dos assaltantes? Responde o mestre da lei: Aquele que usou de misericrdia para com ele (Lc 10,25-37). Que tal supor que o outro mais prximo e mais real, o primeiro outro, o mais necessitado a quem devo cuidar sou eu mesmo? Para que esse quem-eu-mesmo se torne cada vez, sempre de novo e para sempre um eu mesmo. Mas um eu-mesmo como o de Deus, que sempre e em toda a parte, e cada vez de todo o corao, de toda a alma, e de toda a dinoia usa, ou melhor, est no uso de misericrdia. E misericrdia no na acepo de compaixo e pena de um ser superior para com a misria de um ser inferior. Mas miseri-crdia como amor apaixonado de um Deus incarnado. Misericrdia entranhada de um radical novo amor de Deus que feito Homem Crucificado se sabe que no amor no h superior e inferior, mas todos, de preferncia o prprio Deus por saber Caridade, se sabe dando o seu prprio, o melhor de si humilde, livre e gratuitamente, como um msero pedinte, a esmolar do outro que o outro lhe conceda a benevolncia de aceitar a doao do seu amor. Quando estudar se torna minha causa, minha coisa e percebo que o outro, o mais real e o mais prximo sou eu mesmo a mim mesmo, e que amar o prximo querer e fazer para todos os outros, o que eu fao e quero a mim mesmo como o primeiro outro, o mais prximo de mim, ento se comea a entender o que significa a responsabilidade existencial de tornar-se o prximo do outro, de tal sorte que, tudo que fao para mim mesmo, o empenho cada vez mais cordial e trabalhado da disposio de ser Deus-Misericrdia. Esse studium fundamental da existncia crist pode nos dinamizar e agilizar para que estudemos para valer tudo que vem de encontro como tarefa e desafio do nosso destinar existencial.

Corniatti: Vida Religiosa vira um grande estudo.

Lucas: Qual idia de cincia diz que filosofia, espiritualidade no cincia...

Hermgenes: Talvez aquela ideologia que se aninhou na cincia e a define como sendo unvoca, cuja cientificidade deve ser pautada segundo uma nica idia fixa padronizada de cincia, a modo de uma objetividade da exatido las cincias naturais de um feitio? E que no conhece a nova concepo multifria da cincia como cincias? Mas aqui para poder captar o que Rombach fala da nova concepo crtica da cincia moderna necessrio aprender a ver. A esse ver, Rombach chama de experincia.

Hugo: Teologia no exata. Se quiser s-lo, no pode dizer qualquer besteira?!?

Hermgenes: Teologia por ser mais vasta, mais profunda e mais vital na propriedade da dimenso a partir e dentro da qual se movimenta, no pode ter nem se contentar com a preciso de uma cincia que se move na dimenso de clculos, cmputo e medio do tipo de exatido. O rigor do saber teortico de preciso toda prpria. Aqui na busca do rigor de preciso exige empenho e ateno toda prpria, que no se adquire atravs dos exerccios na exatido matemtica. O que na teologia pode parecer indeterminado e confuso ou demasiadamente fixo e no esmiuado pode ocultar, se bem examinado, preciso e rigor que a exatido matemtica desconhece. Mas no nosso caso, entre ns, pode ser e o na maioria dos casos, inexatido e confuso de dimenses, por nem sequer alcanarmos na teologia, na cincia de Deus, o prprio do rigor e preciso do toque originrio que cria e estabelece o seu fundamento.

12/11/05: 14H

Hermgenes: O que entendemos por problema psicolgico?

Lucas: Vem da pessoa mesmo. Da sua cabea.

Corniatti: Cincia o real. Psicolgico o inventado.

Regina: Psiclogo, ele mesmo, no diagnostica to facilmente um sintoma de psicolgico. Leigo que fala com muita facilidade do psicolgico.

Hermgenes: o jeito popular de falar. Psiclogo sabe que o psicolgico pertence a uma cincia toda prpria. Mas o que ser que a linguagem popular quer indicar quando fala: isto psicolgico? Ou quando dizemos que podemos aprender muito mais psicologia do romance de um Machado de Assis ou do relato da experincia de um sertanejo do que da cincia Psicologia? Desconfio que aqui, o psicolgico c e o psicolgico l, indicam duas coisas bem diferentes. Piada: um homem deitado no div, a relatar ao psiclogo que um jacar o persegue. O mdico lhe receita um calmante. O paciente nas seguintes sesses se queixa que o jacar se achega cada vez mais perto dele. Novas receitas de calmante, cada vez mais forte. Depois de um longo tempo de terapia, o paciente se cura e no mais aparece ao consultrio. Um dia, ao encontrar com a esposa do paciente, lhe pergunta pela sade do marido. A viva, vestida de luto responde: Doutor, o jacar o comeu. Quando h pouco frei Corniatti, laconicamente definiu a cincia como real e o psicolgico como inventado, talvez quisesse dizer que no uso popular do adjetivo psicolgico, identifica o psicolgico com o fantasiado, imaginado, subjetivo, e no objetivamente real. Mas quando um psiclogo diz psicologicamente falando, est dizendo a partir e dentro da cincia chamada psicologia. Trata-se de algum que tem plena conscincia de que est engajado no modo de ser, pensar, sentir e querer da comunidade humana, chamada cientfica. As pessoas que chamamos de leigos nos assuntos cientficos no esto isentos da pertena comunidade humana cientfica, pois hoje cincia possibilidade humana epocal, se no necessria, ao menos densamente pregnante e urgente, historicamente. Aqui a expresso leigos no assunto quer apenas dizer que no somos oficialmente especialistas no assunto. Por isso frases, ditas frequentemente por ns, como essa: A gente estuda tanto Sagrada Escritura, tanto Psicologia, Filosofia, Teologia e depois me vem uma me de famlia pobre quase analfabeta e faz uma reflexo to profunda e viva! Ou o que adianta estudar tanto, se a coisa vai de modo muito mais simples, sim simples como Francisco revela uma superficialidade e imaturidade to grande que aqui no h condio nem para entender a simplicidade sofrida, lutada, conquistada na vida pela me pobre e analfabeta, nem o desafio de empenho e desempenho, do sofrimento e luta na busca e sua defasagem na seduo do poder e sua tentao, da existncia humana da comunidade hodierna e epocal chamada Humanidade da era cientfica.

Corniatti: Na VR tem os estudados e os no estudados.

Hermgenes: Frei Dorvalino disse que um confrade seu estudante de teologia falou que era m aplicao de recursos ir s misses ad gentes porque aqui no Brasil, em casa, se precisa mais de missionrios do que l fora. Um irmozinho, sem estudo, com toda a admirao e inveja comentou: O que no faz o estudo! H, pois, estudo e estudo, e importante que ns, os estudados e os no estudados, enterrados at o pescoo na humanidade cientfica, estudemos a nosso modo o que significa, e de que se trata, quando falamos da necessidade, da inutilidade, dos perigos ou das vantagens dos estudos.

Uma criana do ensino fundamental, hoje, sabe infinitamente mais sobre tomo do que Aristteles. Chamamos o saber e o mundo criado pela humanidade cientfica de nosso mundo moderno hoje. E o que a gente faz no cotidiano que nem sempre tido como cientfico e chamado por isso de pr-cientfico, est impregnado do modo de ser e pensar do mundo cientfico. Por ex. ao dirigir carro estou me movendo inteiramente no mundo cientfico operativamente. Bem antigamente, quando eu era clrigo estudante de Filosofia em Curitiba, um casal de caboclos do interior estava internado na Santa Casa, onde eu tambm estava por causa de uma cirurgia no joelho. A irm enfermeira me contou rindo o seguinte: O doente era marido e a esposa vinha como acompanhante. De manh bem cedo, quando a irm enfermeira foi fazer primeiros curativos, a esposa se queixou que fez de tudo para apagar a lmpada l em cima no teto, jogou travesseiro, jogou gua, mas no conseguiu apag-la. Quando a irm apertou o boto de contato na parede, ficaram boquiabertos pelo milagre. Ns rimos de pessoas assim simples, achando-as ingnuas e ignorantes. No entanto, no se trata nem de ingenuidade nem de ignorncia. Trata-se da identidade e diferena de mundidades. O espanto do casal que est inteiramente fora do sistema cientfico da rede eltrica, longe de ser simploriedade, ingenuidade ou ignorncia, uma racha, uma aberta (nesga do cu que as nuvens, se abrindo, deixa ver no dia nublado), prenncio da possibilidade de comear a ver um novo mundo no seu lance inteiramente novo. Inteligncia de uma pessoa no depende tanto da habilidade em funcionar dentro de um sistema ou saber tudo ou muito das padronizaes e estruturaes de um determinado sistema. Inteligente quem capaz de ser tocado, ser ferido pela racha de fundo de um sistema. Ns que funcionamos tranquilamente dentro dos percursos do sistema eltrico e sabemos tudo ou quase tudo do sistema em que operamos e vivemos, no sabemos nada saber em que consiste propriamente o fundo, o mais fundo, donde deslanchou todo esse sistema que possibilita que uma lmpada eltrica se acenda. O decisivo como e com que acordo, isto , com que acordao estamos despertos para a questo do fundo do nosso saber: problema do estudo na nossa formao. Para perceber como estamos cercados do clima da cientificidade das cincias naturais, experimentemos dizer o que nesta sala no cientfico. Se voc disser que voc, e o gato, a planta, a pulga que mora no cachorro etc., porque so vivos, ento experimente examinar como voc entende todos esses seres orgnicos e vivos. No assim que todas as nossas interpretaes do que seja vida, seja vida vegetal, animal, anmica, espiritual, divina so mediadas pela compreenso elementar do que seja energia a modo das cincias fsicas da natureza? Portanto como pro-ductos das cincias naturais? Por que ser que hoje em dia, em exposies de ikebana, se ouvem exclamaes como essa: puxa que flor bonita! Parece artificial?!?

12/11/05: 3:30hsChegam Marcos e a turma de Gois. Comeamos sob a coordenao de frei Marcos ler outro artigo acima mencionado, tirado da Scintilla, da autoria dele que se chama: Cincia e F: ensaio em busca de uma identidade na diferena, pp. 11-45.

Marcos: Trabalhei aqui a teoria da cincia que Rombach tematizou com seus alunos. Talvez o primeiro passo a gente ver o que entendemos por concepo ingnua de cincia e concepo crtica da cincia.Hermgenes: O que aqui se denomina concepo crtica da cincia insinuada pela teoria das dimenses que falamos de manh, ao lermos o artigo de Rombach.

Marcos: A concepo ingnua da cincia a que temos usualmente, tanto os leigos como os prprios cientistas. algo como cama de Procustes.

Hermgenes: Que coisa essa a cama de Procustes?Marcos: cama inventada e usada por um bandido, personagem mitolgica da mitologia grega, chamada Procustes ou Procrustes. Chamava-se tambm Damasts ou Polypmon. Procustes possua uma hospedagem beira de uma estrada perto da cidade de Mgare e atraia os viandantes a descansarem e dormirem na sua hospedaria. Suas camas eram todas de dois tipos: de um tipo, a saber, camas compridas e iguais; de outro tipo, a saber, camas curtas e iguais. A hspedes altos, ele os colocava em camas curtas. E os ajeitava, encurtando-os conforme a medida da cama, cortando-lhes os ps. A hspedes baixos, ele os colocava em camas compridas. E os ajeitava, esticando-os conforme a medida da cama. E se orgulhava que as camas da sua estalagem, de antemo estavam na adequao exata para toda e qualquer diferena dos seus usurios. Dois tipos de camas aqui sugerem os binmios, p.ex. como alto e baixo, grande e pequeno, pesado e leve etc. Os opostos parecem dois, mas na realidade, um extremo outro extremo oposto do igual. Como a inrcia o 0 do movimento. O que aqui parece dois, na realidade um, no sentido de uma nica medida igual unidimensional a partir e dentro da qual se do os extremos. Medida fixa e dogmatizada, para a qual, tudo que no lhe afim, eliminada, e o que lhe afim, lhe adequada, na medida em que o corta ou estica conforme a funcionalidade a partir e dentro da medida igual, preestabelecida.

Esse modo de ser da unicidade unidimensional se traduz e aparece na concepo ingnua da cincia, quando usualmente, cientistas ou no, pensamos que h a cincia, i. , a cincia uma e una no seu todo, na sua cientificidade, de tal sorte que h somente um conceito de cincia. Certamente existem vrias cincias, h diferenas e especializaes. Variam segundo os objetos correspondentes, os quais elas explicam. Mas no ser cincia, na cientificidade, todas as cincias tm e se no tiver ainda tentam adquirir a excelncia cientfica, tendo como modelo nico e nico modo de ser o modo de ser das cincias naturais fsico-matemticas, que se transforma em medida nica na medio da cientificidade das cincias. Esse modo de conceber a cincia encontra-se, p. ex., na concepo empirista na fsica; na concepo materialista na qumica; no relativismo, ou historicismo na historiografia; psicologismo, biologismo e por fim fisicismo na psicologia. Todos esses ismos so no fundo crenas ou mundividncias que operam na concepo ingnua, fixa e unicista da cincia, tendo o modelo das cincias naturais como a medida nica e absoluta e optimal na avaliao da cientificidade de todas as outras cincias.

Hermgenes: Vamos ver estes ismos como esto na cabea de cada um de ns, e como atuam na maneira de julgar e avaliar o grau de cientificidade de nossos conhecimentos (um momento de silncio para esse tipo de rastreamento).

Corniatti: Todos os ismos para mim so coisas negativas.

Hermgenes: Temos como evidente que 2 + 2 = 4. O lgico e o matemtico dizem: evidente que essa equao no muda. O Psicologismo no tempo de Edmund Husserl (o fundador da moderna fenomenologia) dizia: o juzo 2+2=4 um juzo e como tal um ato psquico. Assim a figura ideal, cuja estrutura aparentemente imutvel se d no e depende do ato psquico. O ato psquico se d e depende da vida biolgica do homem. Enquanto biolgico, o ato psquico, que configura a estrutura lgico-ideal 2+2=4, est sujeito lei da evoluo. Assim, mais tarde no futuro, quando a evoluo humana tiver atingido um grau digamos supremo, essa estrutura lgico-ideal poderia talvez mudar? Mas essas mudanas evolutivas no so outra coisa do que degraus de processos de evoluo, no qual o estado de coisa do ente hoje chamado ser humano passou do estado fsico-material para biolgico, do biolgico para psico-anmico, do psico-anmico para racional, de tal sorte que ao partir da incrustao na pura coisidade da pura materialidade, nos clareamos a partir da irracionalidade de uma imerso na vida biolgica, para um lusco-fusco de uma tentativa ainda dormente de conscincia incoativa como vida psico-anmica, para aos poucos alcanarmos e adentrarmos o acabamento evolutivo de racionalidade de um iluminismo e esclarecimento da conscincia humana, cuja expresso, a mais legtima e autntica a cincia moderna, na sua configurao e estruturao a modo das cincias naturais fsico-matemticas. Assim, as estruturaes lgico-matemticas como p. ex. 2+2=4 podem evoluir nelas mesmas. Tornam-se cada vez mais diferenciadas, refinadas, de-coisificadas, na direo de desmaterializao e des-substancializao. E isto, a ponto de se transformarem em puro movimento de estruturaes das estruturaes, tanto para a maximalizao das estruturas como para a sua minimalizao, numa afinao infinitesimal de clculos de clculos de clculos cada vez mais certeiros, reconduzindo tudo e todos os momentos de todas as coisas a uma pura presena homognea de relaes de clculos a modo matemtico. Assim tudo se torna um e igual em todas as coisas.

Alozio: Psicologismo ou biologismo?

Hermgenes: psicologismo que vira biologismo, biologismo que vira fisicismo, fisicismo que vira puro movimento de clculo e relaes lgicas da ao de asseguramento da certeza e homogeneidade dos clculos.

Marcos: Talvez o que a gente usualmente, digamos na concepo ingnua da cincia, entende por cincias so resduos destes ismos. E a conscincia da gente acaba moldada pelos diversos -ismos.

Dbora: Isso quer dizer que o sujeito fica voltado para si mesmo e no para o todo. Fica compartimentado.

Hermgenes: Sujeito, nessa afirmao de Dbora, seria a cincia na sua concepo ingnua de si mesma? Compartimentado ento significaria que fica fechada em si, de tal modo que se considera como a cincia? Nesse caso um saber que no se sabe a no ser como absoluto. Como seria ento a cincia voltada para o todo? No seria, em vez de a cincia, cincias na livre e cordial soltura de relacionamento mtuo, na expanso e no recolhimento vivo, da sintonia universal?

Marcos: Sujeito voltado para si mesmo, compartimentado uma cincia tomada como viso do mundo, mundividncia, uma crena ideolgica. Isso vai tomando corpo no nosso dia-a-dia, e isso mesmo dentro da vivncia da F.

Hermgenes: Talvez possamos chamar o que acima foi descrito como a concepo ingnua da cincia de cientificismo? No seria ento essa mundividncia chamada agora cientificismo que cria tambm a concepo ingnua de mundo cientfico e mundo no cientfico? Nessa concepo o que ou quem do mundo cientfico real, verdadeiro, melhor e possui a excelncia de algum ilustrado, esclarecido, racional, ao passo que o mundo no cientfico qualificado de primitivo, irreal, subjetivo fantasioso, irracional, ignorante e atrasado!?

Joaquim: Tive um tempo problema de ouvido. Ao conselho de uma pessoa sbia e ciente nas coisas da terapia caseira, usava gua oxigenada. Estava indo bem. Influenciado pelo conselho de quem est assim por dentro da atualidade e atuao da medicina cientfica, senti-me um tanto irresponsvel pela minha sade, e submeti-me terapia cientfica, com sua bateria fantstica de exames e aplicaes de antibiticos. Tudo isso, na hora aliviava. Mas depois tudo voltou de novo. Por fim, eu voltei gua oxigenada e foi melhor.

Marcos: Num encontro srio de representantes da Formao na Vida Religiosa, ouvi uma longa e aborrecida exposio de Teologia estatstica. O que significa aqui a palavra estatstica e sua realidade e realizao, numa cincia cujo carter prprio se chama Teo-logia? Que tipo de cincia precisa de estatsticas? As estatsticas como cincia estatstica pertence especificao de que cincia? Diante dessa confuso e extrapolaes que se do dentro da concepo ingnua da cincia, se sente a necessidade de esclarecer o conceito de cincia numa compreenso mais crtica e real. Por que, na opinio usual e pblica, quem de humanas no cientfico, s os que so de fsica e qumica e de estatstica?

Hermgenes: Conheci um professor que ensina numa faculdade de administrao em Santa Catarina e ensina cincias naturais no colgio. Ele afirma com orgulho que conhece muito bem a teoria de relatividade de Einstein e da teoria dos quanta, e que a partir dos seus conhecimentos certos das cincias exatas, consegue provar que existiu a criao do mundo por um criador, e que as cincias exatas hoje conseguem provar a existncia de Deus. Quem no aceita essas provas cientficas acerca das coisas divinas e das coisas que a Igreja ensina um ser irracional. Essa pessoa, alis, um catolico. Certamente Geraldo vai protestar, dizendo que essa pessoa pode ser tudo, um grande crente, mas jamais algum que entende realmente o que cientfico. E a gente pode tambm dizer que essa crena, provavelmente pouco, ou melhor, nada tem a ver com a F, no sentido cristo. Quando um confrade meu que estuda filosofia e faz doutorado em Plotino ouviu essa pessoa dizer que ao ensinar cincias naturais aos jovens no colgio, com esse modo de mostrar que as cincias provam as verdades da F, est formando cristos futuros, esclarecidos e modernos na F, me disse baixinho: com todo o respeito, esse senhor est corrompendo os jovens teoreticamente, tanto em referncia s cincias como em referncia religio.

Marcos: E pensa que est prestando um servio F. Vamos ver os preconceitos desta viso ingnua.

A seguir, um trecho do seu artigo Cincia e F: ensaio em busca de uma identidade na diferena.

Marcos: Os preconceitos que caracterizam a concepo ingnua da cincia. Os preconceitos aqui significam conceitos prefixados de antemo. So eles: a) que cincia uma forma de conscincia fixa e imutvel; b) que, se existe uma historicidade da cincia, ento esta consiste num aumento dos conhecimentos; c) que existe s um tipo de cincia e que, se existe pluralidade de cincias, esta pluralidade decorrente puramente da diversidade de objetos; d) que no caminho do aumento dos conhecimentos os erros se distinguem claramente dos acertos e que as contradies e os equvocos esto excludos; e) que o conhecido pela cincia no pode sofrer uma reinterpretao radical; f) que as cincias podem ter como pronta sua cientificidade, sem precisar de rever e reinterpretar a si mesmas; g) que a cincia, na sua essncia, no muda.Tendo esses preconceitos, que caracterizam a nossa compreenso usual e ingnua da cincia, no fundo, contrastemos com esse fundo, as caractersticas da concepo crtica da cincia. So elas: a) no h nenhum conceito fixo de cincia, nenhuma forma de cincia como tal, mas ao contrrio, a forma total da cincia pode ir se transformando com as suas prprias descobertas; b) no progresso cientfico, no h um aumento unvoco e unitrio do conhecimento, uma vez que os critrios do que conhecimento mudam justamente com o progredir no conhecimento; c) no existe um conceito de cincia imutvel e aplicvel a todas as cincias em particular, e os seus conceitos fundamentais da cientificidade variam de sentido, de cincia para cincia (experincia, fundamentao, demonstrao, teoria no so o mesmo em cada uma das diversas cincias particulares); d) assim como h uma pluralidade de cincias, tambm pode haver uma pluralidade de mtodos nas cincias em particular, partindo-se de diversos arranques; e) toda cincia permanece, at nos seus fundamentos mais profundos, em questo; f) as cincias se transformam no somente nos seus fundamentos e nas decises prvias condutoras de seus projetos, mas tambm nas condies historiais e sociais em que se desenvolvem (percepo, experincia, por exemplo, transformam-se ao longo da histria e da sociedades); g) tambm as pressuposies, as decises prvias e os fundamentos das diversas cincias se transformam historialmente.Ao redor desse texto, teceram-se explanaes, apresentaram-se exemplos e ilustraes, de modo avulso, primeiramente acerca da concepo ingnua da cincia e seus preconceitos; depois sobre as caractersticas principais da concepo crtica da cincia. A seguir avulsa e fragmentariamente alguns pensamentos, representaes e exemplos ocorridos ali.

Marcos: Ocorre frequentemente a idia de que a cincia fixa e imutvel. Isso aparece na Historiografia, quando se toma um pre-socrtico e tenta valoriz-lo como um dos primeiros a falar de teoria atmica, portanto como um precursor da fsica atmica, apesar de ainda to primitivo; quando se v na alquimia medieval a cincia qumica no seu estado ainda bem inicial. Um caso tpico desse preconceito quando o positivismo interpreta o mito, a religio e a filosofia como estgios primitivos em evoluo e aperfeioamento em direo cincia moderna, partindo do seu estado primitivo o mais irracional para o pleno desenvolvimento racional na cincia atual. Tal concepo pr-conceituosa da cincia cincia que no chegou e nem chega clareza total de si mesma. Nas aulas de histria da filosofia medieval a gente explica, explica e tenta tirar esse tipo de pr-conceito dos alunos. D uma canseira e decepo, quando um ouvinte, logo depois de tal esclarecimento, se refere Idade Mdia como idade das trevas!

Hermgenes: O pr-conceito que afirma ser a cincia a palavra definitiva, a medida suprema da verdade, entendida como certeza da objetividade, se mostra em avaliaes cotidianas, as mais banais e corriqueiras.

Regina: Creme dental de efeitos comprovados cientificamente vende mais.

Alozio: Aqui aparece uma cabea cuja concepo da cincia a que diz: a cincia a ltima palavra.

Hermgenes: O nosso professor de fsica, matemtica e astronomia, frei Onsimo Dreyer era cobra nas cincias naturais. Era de uma inteligncia clara, de reao rpida. Era muito irnico, sem ferir a ningum. Numa das suas aulas de astronomia, ao nos expor a grandeza e limpidez das relaes lgico-matemticas que ordenam o universo, ele o fez de tal modo que ficamos impressionados com a beleza da matemtica. Ento nos observou brincando que nos Estados Unidos, onde ele se formou, nas exposies de arte, os curadores da arte, colocam junto das obras de arte, o seu preo de venda. Assim os espectadores podem dizer: Quanto custa esse quadro. carssimo! Oh que beleza! Tal cientfico como preo de valorao de todas as coisas.

Corniatti: Em Guara, onde trabalhei, numa loja de tecidos, panos bons e baratos no vendiam. Outros, inferiores, mas mais caros, vendiam bastante. O problema aqui, nesse exemplo anterior, no tanto que o cientfico a ltima palavra na avaliao das coisas, mas que o povo associa o caro com bom, e barato com imperfeito. Embora eu substitua o caro com o cientfico, esta qualificao passa a ter o mesmo efeito como a qualificao caro.

Hermgenes: No assim que na fsica, novas descobertas obrigaram a mudar o prprio conceito de fsica?

Geraldo: A teoria da relatividade est fazendo 100 anos. Fez a fsica ser revista nas suas razes.

Jovem de Gois: A cincia nasceu da viso ingnua. O erro foi ficar nisso.

Hermgenes: O termo ingnuo ambguo. Pode primeiro significar alienado, defasado. Mas pode tambm significar inocente, nascivo, no prevenido, sem pr-conceito. A cincia recebe ou tira seus dados bsicos da vida. Vida aqui compreendida como a prejacncia da imensido, profundidade e vitalidade criativa do abismo da possibilidade de ser. Chamamos essa presena prvia ao surgimento, crescimento e consumao de cincias de dimenso pr-cientfica. a dimenso do que ns sem pensar muito chamamos de vida cotidiana.

Marcos: A vida cotidiana a matriz da cincia. S que vem a cincia e v este momento da vida como ingnuo e como subdesenvolvimento de si, i. , da cincia ela mesma.

Hermgenes: Hoje, no ensino, na aprendizagem e na pesquisa das cincias, fala-se muito da qualidade total ou da excelncia. O substantivo a excelncia indica a qualidade de uma coisa ser excelente. O adjetivo excelente nele mesmo superlativo, mesmo que se possa dizer: excelente, mais excelente, excelentssimo. Excelente e excelso vm do verbo latino excello, excellsus, excellere (frmula arcaica). Excellere se compe de duas palavras: ex e cellere. Ex- um prefixo que indica o movimento de ir-para-alm; cellere significa erguer-se, se levantar: refere-se, pois, ao, dinmica da superao. Conota, portanto, o estar aberto sempre de novo melhoria. , pois, a qualidade do movimento de ao, o vigor de buscar, cada vez mais, o melhor de si: o gosto, a paixo da alegria expansiva de ser. a jovialidade de ser. Nesse sentido, a excelncia indica a vitalidade, a cordialidade de ser. Trata-se, pois, do ser humano pleno. Exemplos: satisfao da criana mamando. No calor, tomar banho e grunhir como foca satisfeita com a gua. Essa compreenso original da excelncia pode ser esquecida e substituda por um valor menor, o de busca do primeiro lugar no ranking de competividade de uma determinada efetividade e produtividade. Assim, o conceito de excelncia se estreita e se bitola. O estreitamento, com o tempo, pode-se virar contra a prpria efetividade e produtividade, de tal sorte que o empenho humano cujo caracterstico o vigor da jovialidade de ser, i. , a excelncia, se transforma numa angustiada e angustiante acribia de clculo e medio de si, sempre se medindo com os outros numa corrida sem rumo do primeiro lugar. Essa busca do primeiro lugar aparece na concepo ingnua da cincia nos pr-conceitos, haja vista p.ex. ser a nica medida vlida, ser a ltima palavra, ser a absoluta valia perene e imutvel, princpio e meta de todas as tentativas da busca da certeza das cincias.

Geraldo: O pensador chins Chuang-Tzu nos admoesta que quem exerce e exercita a arte de arco e flecha deve somente atirar em si mesmo na sua agraciada finitude. Se assim no mira a plenitude da jovialidade do seu ser no atirar, mesmo acertando o alvo, no acerta e assim no faz o que pode livre e cordialmente, porque divide e objetiva a sua energia em funo de obter o primeiro lugar na competio.Marcos: A concepo ingnua da cincia concebe o progresso da cincia como aumento cada vez mais crescente de quantificao de conhecimento. E mesmo que se busque, digamos, escalao potencializada de qualidade (cf. qualidade total!), mesmo que haja rampas e degraus de aumento progressivo de excelncia, tanto quantitativo como qualitativo, h uma univocidade homognea, um avanar na mesma linha, de mesmo jeito. Alis, a prpria idia de progresso j problemtica. Recuos, rupturas, bloqueios, saltos, evaso, titubeios, ambigidades e retraimentos so excludos dessa idia de progresso. Uma concepo dessa bitola no percebe que o verdadeiro progresso na cincia s se d na crise de seus conceitos fundamentais. Progresso deve ser sempre parafrentex, evoluo, jamais revoluo ou everso de todos os valores.

Uma irm: isso mesmo, depende do conceito de progresso. Se for aumento na quantidade, no. Se for aumento de qualidade, sim.

Marcos: Quantidade e qualidade so atributos do mesmo sujeito (leia-se sub-iectum). A pergunta esta: se o prprio sujeito muda? Talvez no que os gregos chamam de fsica e no que os medievais, e depois ns hoje chamamos de fsica no haja ligao de univocidade, de evoluo ou de involuo. Trata-se de totalidade-mundos, cada vez finito-completo, todo prprio na identidade da sua diferena e na diferena da sua identidade, cujo inter-relacionamento no mais pode ser visto a partir e dentro da univocidade unidimensional da concepo ingnua da cincia.

Hermgenes: Todos ns vemos o sol se levantar. Dizemos o sol est nascendo. Essa viso est no todo da paisagem ali aberto, tendo todos os seus momentos-elementares, cada qual na sua diferena, a pregnncia de fundo da tonncia de fundo, quais configuraes variegadas de um vitral medieval, cada configurao em diferentes modos e densidade participando do e concretizando o colorido de fundo do vitral. O cientista diz: Sol no est levantando no. Tudo isso uma iluso tica, causada pela rotao da terra ao redor do sol. Aqui se abrem duas paisagens do modo de ser bem diferente e distinto. Qual dos dois verdadeiro? Por que ns temos a tendncia de logo padronizar a primeira paisagem de subjetiva, menos real, fantasiosa e a segunda de objetiva, real e verdadeira? Algum que v sol nascendo na sua ambincia da totalidade da cotidianidade pr-cientfica esta fazendo astronomia? Posso ver essa concepo pr-cientfica como astronomia no seu estgio primitivo. Quem opera na concepo cientificista, i. , na concepo ingnua da cincia v tambm o sol nascer. Mas reconduz, i. , reduz, no somente o sol que nasce, mas toda a paisagem do universo, inclusive a si mesmo que se acha nesse nvel subjetivo e primitivo, paisagem fsico-matemtico, inclusive esse sujeito que lana o projeto hipottico a modo das cincias naturais e o prprio projeto com todos os seus contedos. Como seria a realidade, quando tivermos conseguido reconduzir tudo, inclusive o homem e seus projetos imensa rede de objetividade cuja nica realidade a realizao de funcionalidade de movimentos da mtua relacionalidade, portanto da dinmica de molculas, tomos, partculas sub-atmicas, de quanta etc. numa composio e decomposio infinitesimal?

Ao falar dessa dimenso pr-cientfica, frei Arcngelo Buzzi gosta de dizer que o pai sopesava, ponderava aipim com a mo. Esse sopesar com a ponderao da mo coincide no seu modo de ser com o modo de ser do clculo de uma balana?

Geraldo: Nos mercados de Belm. Pescador pesa o peixe com a mo. Ao lado tem balana para quem quiser conferir.

Hermgenes: Bem aqui depende de como a gente v o balouar e o ponderar do sopesar e o equilbrio do movimento mecnico da mquina de clculo. uso e possvel comparar esses dois modos de pesar sob o horizonte nico e geral da busca de excelncia na exatido de clculo e averiguao objetiva. Mas tambm possvel rastrear para dentro da interioridade do modo de ser do sopesar e do modo de ser do clculo de exatido, e sondar o ponto de salto, a partir do qual surge todo um mundo da paisagem da vida pr-cientfica e tambm o mundo do sistema de clculo matemtico.

Marcos: H uma s cientificidade? O que experincia no mbito das cincias naturais no o mesmo nas cincias humanas. E o que demonstrar na psicologia ou na histria no o mesmo das cincias naturais. Ou ser que cada cientificidade tem o seu tipo de demonstrao?

Dbora: Ultimamente a fsica vem apoiando a psicologia.

Hermgenes: D para dar um exemplo?

Dbora: O subjetivo no cincia. No pondervel. Hoje a fsica vai ficando subjetiva tambm como medir o vazio? Assim acaba corroborando com a psicologia.

Marcos: Nivelou por baixo. Pela inexatido...

Geraldo: A fsica exata, embora medir seja interagir.

Marcos: Medir, na psicologia e medir na fsica o mesmo?

Dbora: Hoje no se tem nada puro. No mais mecnica e eletrnica, mecatrnica. Uma cincia apia ou se apia na outra.

Geraldo: O fsico foi o arrogante do sculo passado.

Marcos: O que medir para a fsica e para a psicologia? Muda s o elemento trabalhado? Uma mede a natureza, outra mede o homem? Hermgenes: E d a impresso que o ser da medio igual. No assim que a psicologia ficou fsica e esqueceu a alma?

13/11/05: 10H

Marcos: Nosso tema a diferena entre o psicolgico e o espiritual, entre a terapia e a orientao espiritual. Porque psicologia cincia, o tema se deslocou para a questo cincia. Quando se separarem os lugares comuns da rea, voltaremos ao nosso tema. Estamos lendo Rombach. No final da tarde de ontem estvamos questionando a fixidez na concepo de cincia. Vimos que imaginar a cincia como crescimento unvoco defasado. Ela faz saltos. E tambm medio no o mesmo em todas as cincias. Cada uma tem seu jeito de medir. A pr-compreenso ingnua e usual da cincia diz entre outras coisas expressas nos pr-conceitos acima mencionados que cincia um conhecimento claro e distinto; unvoco, buscando como ideal conhecimento definitivo, certo, onde todas as inseguranas, ambigidades, irracionalidades e inconseqncias lgicas sero eliminadas. No haveria em tal colocao qualquer coisa de impreciso dogmtica, uma fixidez sem agilidade, liberdade e finura de uma vitalidade da existncia humana? Assim como h uma pluralidade de cincias, h tambm uma pluralidade de mtodos. Nas cincias as coisas nem sempre esto claras e distintas. s vezes h uma nebulosa de problemas. Assim tambm as solues no so tranqilas. No mbito das cincias h contradies. por isso que elas podem ser questionadas e revistas.

Hermgenes: Pensamos que cincia um conjunto de conhecimentos certos. Que vai se concatenando e ampliando. Isso uma concepo ingnua da cincia.

Marcos: A prpria matemtica hoje no tem uma univocidade tranqila. Parece assim que a prpria matemtica j se libertou deste dogmatismo do sculo.

Geraldo: A fsica uma coisa! Uma coisa turbulenta cavalo selvagem! Cr que um dia tudo vai serenar numa sntese maior. Como o artista que burila a pedra at sair a esttua. Por exemplo, a radiao pode ser eletro-magntica e corpuscular. Pensava-se que fosse clarssimo isso. De repente se viu que o corpuscular pode ser to pequeno que como onda magntica. Cria-se um modelo vai-se at o fim. E ento todos os modelos se esgotam.

Marcos: J nas cincias humanas isso mais claro. Isto , o tempo todo o pessoal est se contradizendo um ao outro. Agora, no d para dizer que as cincias exatas no tm contradio.

Hermgenes: (Dirigindo-se para Geraldo) permitido dizer que na exatido da Fsica, as contradies so mais grosseiras ou a grosso modo, ao passo que nas cincias humanas elas so infinitesimal e pluridimensionalmente mais finas, diferenciadas?

Geraldo: Na fsica, havendo dois contraditrios, um engole o outro.

Dbora: Na psicologia tambm. P.ex. Freud entende energia psquica como libido (leia-se energia sexual). Jung como fora da vida. Jung assim operou uma ruptura com o conceito de energia psquica tido por Freud como libido. No entanto, a psicologia no seu todo no mudou por isso. Cada um ficou na sua.

Hermgenes: Talvez possamos distinguir entre a opinio dos psiclogos e a teoria da psicologia que eles seguem como cincia. Permanecendo estritamente no exame desse ltimo item, no poderamos dizer que entre Freud e Jung, no houve propriamente uma ruptura na teoria, na pr-compreenso teortica do que se deve entender por energia. No poderia ser assim que Jung, continuando na mesma compreenso do que seja energia, a liberta do seu uso em Freud que a contraiu exclusivamente para vitalidade sexual, e considerou todas outras vitalidades como modificaes sublimadas da energia sexual, do libido. Jung ao definir o libido de Freud como energia vital, ele ampliou a compreenso da energia sexual, mostrando que na maneira como Freud coloca o libido, a energia sexual como energia fundamental, a partir da qual, em suas diferentes modificaes atravs de sublimao, se constituem e se configuram outras energias da vida como arte, religio etc. existe um equvoco na escolha do libido como energia fundamental. Pois toma como fundamental, uma determinada e especfica concretizao da energia fundamental. Como algum que quer explicar vrias ramificaes de uma rvore, tomando como base, como raiz, um galho grosso; sem perceber que esse galho grosso, j uma das, digamos trs principais ramificaes de tronco, aqui denominadas religio, arte e sexo que de modo prprio, se constituem concrees do vigor que vem do tronco, que por sua vez se fundamenta na raiz e no seu vigor (energia vital). Mas nessa operao de amplificao da compreenso da libido para a energia vital, tanto Freud como Jung e outros no tematizam a compreenso da energia, deixam-na vaga, indeterminada, dando-nos a impresso, a ns leigos no assunto, tanto da psicologia como da fsica, se aqui no estamos lidando com a compreenso da energia que a mesma da fsica, quando a fsica na sua dinmica terica fala de modelo corpuscular (infinitesimalmente minscula), do modelo ondulatrio, do modelo quanta etc. etc.

Dbora: A psicologia um mosaico. No existe uma psicologia s. Existem vrias.

Hermgenes: Ser assim pela natureza, a partir da sua essncia, teoreticamente variegada e pluriforme, no ser isso a cientificidade da psicologia?

Dbora: Exatamente.

Hermgenes: Mas os psiclogos realmente pensam assim?

Dbora: Tem-se a F de que um dia chegaremos nica psicologia.

Hermgenes: Com isso, Dbora afirma que no fundo, no admite a pluralidade essencial e radical, i. , a partir da raiz, na psicologia. Pois segundo a sua explanao, essa diversidade multifria apenas uma imperfeio do processo de evoluo da psicologia, que tem como seu ideal, nico vlido, chegar ao sistema nico e definitivo: um dia chegaremos l.

Marcos: Pensar que um dia chegar-se- a uma s psicologia est dentro da concepo ingnua da cincia.

Corniatti: que por trs da cincia tem o homem que tem seu jeito de existir. Mas aqui surge a pergunta: o que quer dizer por trs da cincia tem o homem que tem seu jeito de existir?

Hermgenes: Essa pergunta decisiva para uma compreenso teortica mais precisa da questo que estamos ventilando aqui. Pois, cincia como est sendo tratada a prpria concreo da existncia humana.

Geraldo: (Olhando com a mira inquisidora para Leila) A psicologia de Gestalt no quer ser a nica?

Leila: A pessoa em cada poca e cada vez tem suas necessidades. A, cada vez se serve de uma corrente: comportamental, behaviorista...

Hermgenes: Leila, na sua habilidade teraputica plurigestltica, esquivou-se elegantemente da pergunta direta do fsico Geraldo. Que tal ver a teoria que est seguindo como psicloga da Gestalt? Os pressupostos da cincia denominada Psicologia de Gestalt, enquanto cincia na sua cientificidade.

Mamede: (Tentando sacar de Corniatti cujo forte resumir em uma sentena lacnica, a modo de definio mais explicitao da colocao densa na sua implicitao). Como Corniatti sentiu a interpretao da Leila de sua fala que o homem tem seu jeito de existir?

Corniatti: A pessoa tem um jeito de estar na vida que o jeito de dar sentido. O jeito que ela est num momento tem o todo da existncia dela. Uma pessoa pensa que o amar retribuir e receber a retribuio; outra pensa que pura doao. Cada atitude trai a concepo de existncia da pessoa. Quem est na de retribuir, no fica, por ex., em cima de um texto difcil, que no lhe retribui logo entendimento.

Dbora: Os psiclogos diriam logo que a concepo do Corniatti existencialista. Se aqui estivesse um psiclogo comportamentalista, o seu pressuposto seria comportamental.

Hermgenes: Imaginemos que somos todos psiclogos. De diferentes escolas. Objeto de pesquisa nossa como psiclogos a psique humana. Todos ns, porm, somos mais do que apenas psiclogos. Somos e fazemos uma poro de coisas para alm, ao lado e para aqum do nosso ofcio de psiclogos. Na nossa mente, alm do nosso saber profissional, temos diferentes tipos de saber e experincias. Tudo isso, tudo que vivemos, somos, est presente quando exercemos a nossa profisso e lidamos com seres humanos na terapia. Vivendo nos nossos afazeres, correndo de c para l, de l para c, preocupados com isso e com aquilo, no tendo seno esse espao e tempo do nosso instante presente. O que queremos, o que que estamos fazendo, quando reunidos aqui em Araraquara, estamos indagando em que consiste cincia moderna, na qual est o fundamento da teoria e prxis da nossa profisso como psiclogos? O mesmo podemos dizer, da nossa profisso como socilogos, fsicos, estudantes, professores, mes e pais de famlia, religiosos, sacerdotes, jovens, da segunda e da terceira idade, sos e doentes, masculinos e femininos, brancos, negros e amarelos etc. O que fazemos? O que sabemos? De que se trata, quando dizemos que somos psiclogos, fsicos, educadores, sacerdotes? Tudo isso, pois, e muito mais, tudo, no fenmeno humano?

Dbora: Cada qual faz o que pode, a partir do seu ponto de vista. Cada um com e no seu, sabendo que no esgota o humano.

Marcos: As cincias sejam elas naturais ou humanas partem de um determinado conceito do humano e da realidade tambm.

Hugo: Ouo dizer muitas vezes que o humano muda conforme a mudana das matrizes mentais.

Corniatti: Muda a partir de propsitos.

Vander: Cada teoria, um modelo. Qual modelo o real?

Marcos: Quando est no nvel de terapia, prtica, tcnica vivel, no h tanto problema. Questo se torna mais apertada e difcil, quando se trata da teoria. Por qual teoria responsabilizamo-nos ns, quando estamos no exerccio da nossa profisso, no meio de todos esses afazeres acima mencionados?

Dbora: Eu fui escolhida pela minha teoria. a teoria que escolhe a gente. Por ser o ser humano o objeto da psicologia, por isso difcil ser cincia objetiva, pois o ser humano aqui sujeito e ao mesmo tempo objeto da sua busca.

Hermgenes: A Fsica parece tratar de matria, mas no fundo, em tratando da matria, est se tratando, i. , esta sendo uma modalidade de o homem ser. Seja qual for a cincia, no fundo, tem por inter-esse o ser humano e a sua concreo. Por isso as cincias naturais ao estarem no inter-esse da natureza projetada segundo o lance hipottico da sua interpelao projetiva, esto no inter-esse todo prprio do ser humano: astronomia, fsica, qumica, engenharia gentica, ciberntica, tudo isso no uma gigantesca tentativa de facilitar e melhorar a vida humana, eliminando-lhe doenas, imperfeies, se possvel at a morte? Mas qual tipo de ser homem e sua melhoria est pressuposto na dinmica terica que rege e comanda todas essas cincias?

Marcos: A natureza uma variante do ser humano. O ser humano uma variante da natureza. Fundiu tudo. Podemos tambm dizer con-fundiu tudo numa viva inter-relao?

Hermgenes: Na Psicologia, tudo o que voc faz para o paciente, faz para voc?

Leila: reao, relao.

Geraldo: Na Fsica medir interagir!

Leila: Eu trabalho com o que est ali. Vivencio a cura junto com o cliente.

Hermgenes: Gostaria de saber dos psiclogos se confere o que ouvi algumas vezes. Embora rarssimas vezes alguns terapeutas afirmam que se for necessrio para o bem da terapia, uma transa entre o(a) terapeuta e o(a) cliente faz parte da terapia. Ou que a castidade um tabu imposto pela moral etc. e vai contra a natureza. Ns religiosos, a partir e dentro da espiritualidade dizemos: a castidade consagrada, no somente no contra a natureza humana, mas enobrece e leva o ser humano excelncia. Chamemos de teoria a evidncia dessas afirmaes. Donde cada qual dessas afirmaes busca e tira a teoria de suas teses?

Dbora: Por isso, disse que a gente no escolhe a linha da teoria na psicologia.

Corniatti: A gente joga no outro a concepo que tem. Se voc tem a compreenso de amor como gratuidade, joga-a sobre o outro. Mas pode ser que ele tem outra concepo: de amor como retribuio, por exemplo, e ento ele joga essa concepo sobre mim.

Hermgenes: Nesse caso, quando uma religiosa que psicloga, lana a compreenso do amor como gratuidade sobre o outro, no caso, paciente, o faz enquanto religiosa crist ou enquanto psicloga? O que a dirige e a orienta nessa prxis teraputica, F ou Cincia?

Marcos: Dbora escolhida pela linha teraputica. Os fundadores das linhas teraputicas dependem do que eles so?!?

Hermgenes: O problema nessa fala o so. So a terceira pessoa plural indicativo presente do verbo ser. De que se trata, quando usamos o verbo ser e falamos do ser humano?

Marcos: Um americano no ter dificuldade em ser psiclogo comportamental. Um alemo, talvez o tenha. A terapia est comprometida com o que se !?!? E o que o ser da terapia? E o ser do humano?

Leila: Parece que o que ns psiclogos andamos dizendo no responde a vocs, fsicos, filsofos, aos da espiritualidade. Qual a pergunta?

Marcos: No fiz pergunta. Estou vendo os pressupostos.

Dbora: As nossas amigas e amigos crticos esto a dizer que ns psiclogos encaixamos o paciente na da gente.

Marcos: A concepo trai o que se est sendo.

Dbora: bom lembrar que o homem no . Est sendo. No sou a mesma de 10 anos atrs.

Marcos: Acho que estamos falando de coisas diferentes.

Hermgenes: Como o Geraldo costuma fazer com a Fsica, quando nos quer dizer algo sobre ela, vamos pegar um exemplo dado por um psiclogo e analisar. Quem se arrisca?

Dbora: Um doente no hospital com distrbio neural. Diferentemente da Leila e da Regina, no fao a pessoa se descobrir. Proposta de melhoria ou cura atravs de cirurgia: eu fao testes para avaliar a situao do paciente para discutir com o mdico se vale pena proceder cirurgia mesmo. Neuro-psicologia: estuda a mediao entre neurologia, conhecimento e memria. Estuda a mudana de comportamento causada pelo desequilbrio de interao entre o psicolgico e o fsico. Portanto, distrbios psicolgicos oriundos de um distrbio fsico.

Hermgenes: Tenho um amigo frade, de outra provncia, que tem um irmo neurologista e cirurgio famoso. de um corao bonssimo, e inteiramente ateu. Os irmos quando se encontram, calorosa discusso, horas a fio acerca do mundo da F e mundo das cincias naturais. O mdico cirurgio disse um dia ao irmo frade: Vocs, padres, frades e freiras, podem ser santos e impecveis como quiserem. Eu transformo qualquer um de vocs de santo para crpula, s mexendo em alguns nervos de vocs. E o frade: Com isso voc provou apenas o que?Marcos: No caso de Dbora e no exemplo do neurologista, o que interessa que funcione. O decisivo examinar a teoria que d suporte a uma tcnica que assim funciona. E indagar: Qual a relao entre fsio-neurolgico e o psicolgico. So domnios diferentes? Como esto relacionados? Por enquanto s se falou da funcionalidade de e como causa e efeito. Mas esta teoria evidente, est tematizada e aclarada nas suas pressuposies? Vale o modo de atuao do binmio causa e efeito em qualquer mbito da natureza? O fisiolgico e o psicolgico no poderiam se relacionar de modo todo prprio, no mais explicvel pelo binmio causa e efeito?

Dbora: Tudo est baseado no corpo. Pega-se uma doena no corpo e muda na alma o sentido de vida.

Regina: Cirurgia na cabea. Mudou!?! E o que mudou? Como o ser do mudar aqui?

Mamede: Outro faz cirurgia na cabea e no muda nada!?! E o que no muda? Como o ser do no mudar aqui?

Hermgenes: Terapia cura ou no cura. E os que ela no cura!?! Justamente quando no cura, no pode surgir para os no curados uma nova possibilidade da existncia, um sentido do ser da vida todo novo?13/11/05: 10,33H

Regina: Irm Angelita, coloca, por favor, sua experincia.

Leila: Para que ajude a clarear o que estamos tratando.

Angelita: Uso tcnica corporal e anlise transacional. Eric Berger observava o comportamento da pessoa. Entre as suas teorias me identifiquei com esta: Eric Berger dizia que todos nascemos prncipes e podemos nos tornar sapos. Trabalho com crianas. A maioria delas passou fome, viu e sofreu violncia. Elas experimentaram situaes infrahumanas, viveram sem condies. Junto dessas crianas, trabalho com florais.

Marilza: Como o estudo no somente da psicologia e suas tcnicas, mas principalmente o estudo que voc faz de voc mesma ao viver e trabalhar em contato com essas suas crianas? A questo emocional. Voc e a criana? Digamos, uma criana sofreu violncia sexual de um tio seu. Falar sobre o caso fisicamente como um caso de penetrao neutro e fcil. Mas no caso, falar psicologicamente difcil. E mais difcil, sim impossvel falar aqui existencialmente.

Leila: Estou comeando a entender o que o meu primo frei Marcos quer dizer. falar da psicologia como cincia da experincia da alma.

Geraldo: O objeto da fsica mais simples. Dizem que perguntaram a Galileu Gallilei, por que ele ia to longe, fora da terra, pesquisar os astros e os planetas. E ele teria respondido: Vamos comear primeiro com o mais simples, para depois quem sabe abordar o mais complexo, pois tudo que nos perto na Terra dos homens demasiadamente complicado e difcil de analis-lo.

Regina: Uma das experincias que me marcou muito foi o estgio no manicmio judicial de Franco da Rocha. a experincia de no saber o que fazer. O estgio pertencia ao meu curso de Psicologia, mas no era obrigatrio. O trabalho consistia em conversar e entrar em contato com presos que eram doentes mentais e criminosos de alta periculosidade. Para ns estagirio(a)s se estabeleceu uma lei que deveria ser observada risca. A norma consistia em jamais perguntar aos presos por que estavam ali presos. A curiosidade e a vontade de adquirir o mais possvel experincia com o estgio fizeram com que eu infligisse a lei. A pessoa com quem conversei era um senhor de meia idade, de aparncia normal. E perguntei-lhe: Por que o Senhor est aqui? Senti nele uma espcie de frmito de excitao. Tornou-se loquaz. E comeou a me explicar que ali estava porque matara sua me. E comeou a descrever em detalhes o crime, o assassinato, o que fez com a morta, como a picou pedao por pedao. Comecei a suar frio, as pernas me tremiam. Tentei permanecer serena. Por dentro, porm, tremia toda. O professor orientador, de longe, percebeu a minha situao. Como quem estivesse passando por ali, virou-se para mim e me chamou: Regina, esto chamando a voc. um telefonema. Recebi por essa transgresso da lei, uma pequena admoestao. Mas o orientador gostou da minha curiosidade cientfica e segundo ele, coragem. Assim, props-me outra experincia. O entrevistado dessa vez era um criminoso barra-pesada que j tinha matado 9 ou mais pessoas. Era to furioso, louco e perigoso que estava enjaulado. Para conversar com ele, era necessrio aproximar-se da jaula, ao longo da qual havia uma passagem, espcie de corredor estreito de espao, de um lado as grades da jaula, do outro uma parede. O espao entre as grades da jaula e a parede era to estreito que no havia muita folga para por ali passar. Era necessrio colar as costas parede e arrastar o corpo assim de lado, bem devagar, a modo de caranguejo. Antes de tentar a aproximao, tive que amarrar os cabelos, em feixe atrs da cabea, tirar brincos, vestir cala jeans, roupa colada ao corpo, para que o enjaulado no encontrasse em mim nada que me pudesse facilmente agarrar. Recebi uma severa recomendao pelo professor orientador do estgio que eu concentrasse inteiramente em jamais descolar minhas costas da parede e custe o que custar no perder o controle interior. Advertiu-me que o preso, logo que perceba que se tratava de uma mulher, iria se despir, ficar inteiramente nu, e se desandaria em obscenidades de todos os tipos, provocando aos gritos e tentando agarrar a quem dele se aproximasse. No sei como conversei com ele, por fora aparentando calma e serenidade, por dentro quase a desabar, por um tempo, e passar a prova. Depois dessa entrevista tive distrbios intestinais, e outras disfunes psquicas diversificadas, dito de outro modo, fiquei grogue por longo tempo. Aps a prova, o orientador comunicou-me que fora nica a se arriscar e a agentar aquela prova. E me disse: Percebo que voc possui dentro de voc um recurso prprio que a fez, a seu modo permanecer calma e serena, mesmo que seja na aparncia. Que recurso interior voc usou? De fato, quando estava diante do paciente, louco, na aparncia um animal, no sabia fazer outra coisa do que dizer para mim mesmo, como quem se agarra tbua de salvao numa reza jaculatria: Ele tambm filho de Deus, ele tambm filho de Deus. No revelei o meu segredo ao orientador, pois senti uma espcie de vergonha de faz-lo. Ele e meus colegas da classe, com exceo de uma ou duas pessoas, no sabiam que eu sou membro de um Instituto Secular. Foi algo pavoroso e ao mesmo tempo fascinante: fiz a experincia de que aqui a psicologia no d conta.

Corniatti: Como ser que o entrevistado se sentiu?

Regina: Depois de todos aqueles desmandos esperados, ele aos poucos acalmou. Parecia, no sei, bastante vontade.

Leila: Esse olhar...

Hermgenes: No sei se no vou desencaminhar inteiramente a reflexo para uma anlise inadequada da situao relatada por Regina. que estou com pulgas atrs das orelhas, devido ao nosso tema que soa: diferena entre terapia e orientao espiritual, diferena entre o psicolgico e o espiritual. Quando antes, Angelita nos relatou a sua experincia com as crianas que foram abusadas violentamente pelas pessoas da sua prpria famlia, que por lao de parentesco, pela obrigao e pela afeio, deveriam cuidar, amar e proteg-las de todo o mal, todos ns sentamos dentro de ns o fervilhar das nossas entranhas como diriam os japoneses. Era vivncia de perplexidade, indignao, revolta, pena e afeio por essas vidas inocentes, expostas a essas inominveis barbaridades. Era revolta contra defasagens, injustias, maldades da crueldade da vida na Terra dos homens. Imaginemos que Regina, no meio da sua entrevista, se perturba de tal modo que esquece a recomendao de jamais desencostar as costas da parede e agarrada pelo louco. E no sei como digamos que um filme de terror ou de cincia fico o animal consegue pux-la para dentro da jaula e deixa-a semi-morta aps toda sorte de violncia. Salva da morte, por milagre, agora ela mesma que precisa de terapia. Antes se mencionou o receio do desencaminhamento da reflexo. Ele consiste na seguinte indagao intempestiva e indignada com a polcia, com a famlia, com a sociedade, com a Igreja, religio, com os outros, comigo, com tudo, e antes e por fim com a vida, com o prprio Deus que os, ou melhor, ns cristos adoramos, amamos, acolhemos como fonte da vida, fonte de tudo, Amor, Bondade.. .Pai? Por que assim? Que sentido tem tudo isso? Nossas reflexes, filosficas, espirituais, psicolgicas, todos os empenhos humanos e humanistas: sociais, polticos, jurdicos, humanitrios, tcnicos, cientficos, todos os empenhos e desempenhos pessoais, particulares, de imensa multido das pessoas de boa vontade, exrcitos de mes, pais, professore(a)s, enfermeiro(a)s, religioso(a)s, em resumo todos os homens, vares e mulheres de todas as raas, religies, mundividncias, sim ideologias!...Por qu? Para que? De onde e para onde? De que se trata afinal, que sentido tem tudo isso? A ira e indignao das entranhas ferventes acima mencionadas, indomavelmente vem errupo sempre de novo, cada vez que se d, por mnimo que seja a incidncia de fatos como os acima relatados por Angelita e Regina e exacerbados nessa reflexo como se fosse num filme de terror e cincia fico. Em que teoria e prxis voc encara esse paredo de contradio e sem sentido, expressos num grito: Por qu? Para que? De onde e para onde? De que se trata afinal, que sentido tem tudo isso?

Uma Irm, formadora e psicloga: A Regina falou: a psicologia no d conta. Eu tenho um caso. Estou em contacto com uma mulher, me que trabalha para ajudar no sustento de marido e filha. Marido um homem grosseiro e obsessivo. J h 10 anos, por motivos fteis, espanca a esposa. Aqui tenho conscincia de que devo ser mediadora dentro da tcnica que uso como psicloga e formadora. No tomo assim partido. S ouvir j d fora para o cliente.

Marcos: Voc contou a histria do casal. Se voc fosse a Regina na situao fictcia h pouco inventada por Hermgenes, ou a mulher espancada por 10 anos??

Hermgenes: A gente costuma dizer na espiritualidade, necessrio, seja qual for a situao, aproveitar do fato, para trabalhar a si mesmo. Mas, de que se trata, o que significa na rigorosa preciso, trabalhar a si mesmo(a)?!!.... Eu, psiclogo (a), formador(a), religioso(a), professor(a), cientista pesquisador(a) na Fsica, Matemtica, Geometria, na Gesto, Economia, Direito, Psicologia, Pedagogia, Filosofia, Teologia, Pastoral, tratar a mim mesmo(a)?

Dbora: Se o psiclogo est na mesma situao do paciente, no pode atender.

Corniatti: Mas, gente! A gente tem que dar sentido vida. Se fosse gnio que resolve tudo... Mas mesmo assim, o problema o mesmo. Se voc no sabe resolver em si o problema, no vai saber resolver nos outros.

Marcos: Vocs conhecem um filme sobre Jung? Ali Jung, como psiclogo e terapeuta, se envolve com uma paciente. Sua posio social, familiar, sua profisso, seus mtodos... tudo isso colocado em questo pelo seu envolvimento com aquela paciente.

Leila: O que Jung faz para tratar a si mesmo e a cliente ali na situao? Ele, a sua Psicologia analtica d ou no d conta da sua situao?

Regina: No se poderia dizer que, porque eu pessoalmente no dou conta, recorro Psicologia, Psiquiatria, terapia, s florais, ao Tai-chi-chuan, a Padre Marcelo, ao tero, religio, a Deus?

Hermgenes: O que que se est procurando, na terapia, na cura, na busca da harmonia csmica?...Estatisticamente a maioria da humanidade est sofrendo 90 % talvez sofrendo a situao da impossibilidade de sada da sua, esta, aquela situao, aqui e agora, pela pobreza, ignorncia, pela violncia, imposta pela desordem, corrupo legalizada como status quo de uma sociedade que constri tudo na ganncia e poder, onde toda essa gente no d conta nem da melhoria, nem da sua prpria sobrevivncia a mais elementar. O enjaulado do relato da Regina, no estaria nesse seu estado terminal de animalidade, porque quem sabe, quando ainda criana inocente, espontnea e feliz, sofreu as violncias injustas e incompreensveis relatadas pela irm Angelita? O que quer realmente dizer para as nossas teorias e prxis na psicologia, na espiritualidade, na religio... casos em que nos damos conta de que no damos conta?

Marcos: Pode ser que Jung no resolveu a situao dela. Que ela, e depois de muito tempo tambm ele morreu sem ter resolvido! Ou ento, resolveu?

Hermgenes: No d conta... faz o qu? A(s) crianas(s) sob o amor e cuidado de Angelita e Regina tiveram ajuda. Mas vamos pensar que 90% dessas pessoas no tm ajuda. Ou tm e se tm, donde, e como? (???!!!). Temos que tentar apesar de tudo, tentar resolver. Mas resolver no aplicar princpios. Mas, ento, de que se trata?

Irm Ananias: A gente at agora s est falando da vtima. Mas e o algoz? E o pai que fez mal filha...

Hermgenes: Quando o ser humano no seu empenho, cujo supremo e o mais elaborado e eficiente desempenho, parece se realizar no que denominamos cincias e suas cientificidades, hoje sob o poder da tecnologia, no d conta, nem tem conta, quando resolver no resolve, no ali que o ser humano est colocado sobre si mesmo? Ser que no ali que comeamos a adentrar uma dimenso nova...

Mike: Por que se preocupar com a morte? No sei bem, mas no foi Buda que disse: Ou se est ainda vivo e ainda no morreu; porque ento se preocupar, ou j estou morto, e assim, por j no mais existir, nem sequer posso me preocupar. Portanto est eliminado o problema?

Marcos: O que problema? O que resolver? Quando Geraldo falou de eltron etc., nem liguei.