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Pulp Feek #14

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Semana de Ficção Cientifica, com as séries de Rodolfo L. Xavier e Alaor Rocha.

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Descansem o meu leito solitário Na floresta dos homens esquecida,

À sombra de uma cruz, e escrevam nela: Foi poeta - sonhou - e amou na vida...”

Começo meu texto de hoje citando, Álvares de Azevedo, não como uma lembrança de morte, mas uma esperança de vida. Estamos no quarto ciclo de nossa revista e começamos a nos perguntar para onde vamos? O que nos trouxe até aqui?

O que trouxe vocês aqui foi à vontade de fazer história, a vontade de ser mais do que meros escritores em pequenos cantos. Nós nos unimos na esperança de nos tornamos fortes, e realmente aumentamos nossa força nos últimos meses.

E você leitor que aqui chegou faz parte da pulp, faz parte dessa família. É em você que pensamos ao diagramar esta revista, é por você que levanta-mos cedo, ou dormirmos de madrugada.

Não é apenas um desejo de lhe agradar, queremos lhe conquistar. Esta-mos aqui com o intuito de cortejá-los e nossa paquera está aqui, é esta revista, que agora está pronta mais uma vez e será entregue a vocês pela mão do nosso excelente diagramador João Lemes.

Que foi composta pelos textos de Alaor Rocha, Rodolfo L. Xavier, A.J. Peres e, colunas de Lucas Rueles e Rafael Marx.

Que tem como integrantes mensais diversos outros autores, que pouco a pouco constroem seus mundos em séries fantásticas. Ou que nos visitam eventualmente em contos.

“O mundo precisa de leitores”, o mundo precisa que você faça um leitor hoje.

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A fAlhA de Steinitz Acompanhe Coil em uma viagem ao planeta neso que trará a tona inúmeros fatos do passado. O que espreita o futuro de nosso querido corsário? estaria isso ligado ao seu passado? ------ Rodolfo l. Xavier - Pág 34X2: eigengRAu Se aprofunde no modo de vida e nos costumes de um período além da compreensão com a volta de personagens icônic-os como lady Starbuck e georgie, esse capítulo irá mexer com sua cabeça com profundas reflexões. ----------------------------- Alaor Rocha - Pág 15

Séries

A QuedA: no conto de hoje, acompanhe a queda de uma espaçonave e o desespe-ro de um de seus tripulantes pela sobrevivência, do ponto de vista que só a ficção científica pode nos trazer. ---------------------------------------- A. J. Perez - Pág 25

One-Shot

fOnte de inSPiRAçãO: uma breve proposta de diálogo, sobre como usar o estudo de diversas áreas como inspiração de seus textos. ---- lucas Rueles - Pág 33

extra

Na próxima semana:

Não perca o final dos arcos de nossas histórias.

O Dom das Sombras, por Philippe Avellar e Lúcia, por Amanda Ferrairo

E as sempre preserentes colunas dos nossos editores-chefes.

COmO eSCReveR SObRe: na coluna de hoje aprenda a usar o Plot twist, uma mudança de 180° dentro de sua obra. ------------------------ Rafael marx Pág 39

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Ano 37 P.E. — Órbita alta de Netuno

Sophia encarava o tampo de vidro do esquife onde Coil repousava. no interior do aparelho, oxigênio era infundido no corpo do cor-

sário sob alta pressão, saturando suas células, acelerando o processo de regeneração que transformara as perfurações de projéteis em pequenas cicatrizes circulares num espaço de poucos dias. tinha sido da mesma forma desde que ambos haviam escapado com vida, por muito pouco, da emboscada em ganimedes. Agora seguiam rumo a neso, um dos sa-télites de netuno, onde, à época da guerra civil, se desenrolara uma das batalhas mais acirradas do conflito. Os exilados da terra haviam mon-tado cerco a uma das colônias netunianas, extraviando suprimentos e munição, rechaçando seguidas investidas da Armada Colonial. O que parecia o momento de glória dos insurgentes tornara-se um massacre, graças à atuação de um pequeno esquadrão de elite que, infiltrado atrás das linhas inimigas, abordou o maior de seus cruzadores, assaltando a ponte de comando após invadir seus sistemas. no episódio que ficou conhecido como Ofensiva do neso, os rumos da guerra civil foram de-finidos, com a balança pendendo para o lado da Armada, tornando a situação dos exilados insustentável. O legionário era o cruzador abor-dado e o então Primeiro tenente deckard Coil liderara a operação. tudo isso a jovem tomara conhecimento tendo acesso aos arquivos do cruzador, enquanto Coil se recuperava. decidira inteirar-se do que quer que acontecera durante o período em que estivera em estase, e a situação não parecia nada boa, com uma grande guerra terminando em uma vitória das máquinas contra a humanidade, que lançou os sobrevi-ventes ao exílio no espaço e a um novo conflito, dessa vez com o povo já estabelecido em colônias por todo o sistema solar. Sophia não tinha se-

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quer memórias do exílio dos terranos, o que lhe sugeria estar congelada há pelo menos quarenta anos. A mulher suspirou, tocando com a ponta dos dedos o vidro que a separava do enigmático capitão da espaçonave. integrante da Armada desde os dezoito anos, sempre promovido com louvor. dúzias de condecorações por bravura, honra em combate, méri-to marcial. desligado com honrarias do corpo militar após a esmagadora vitória nas adjacências de netuno. franziu o cenho enquanto percebia incontáveis cicatrizes ao longo do corpo do corsário, um tétrico adorno à musculatura bem desenvolvida. O ombro e o membro superior direito eram completamente metálicos, de um aço-carbono negro, segmenta-do. Percebeu também as cicatrizes do lado direito do rosto, onde o olho fora substituído por um equivalente biomecânico. foi com um sobressalto que percebeu os olhos abertos do corsário, encarando-a de volta. Susteve a mirada, embora o rosto entregasse um discreto rubor. um silvo precedeu a despressurização da câmara e o tampo deslizou, abrindo-a. Coil ficou de pé, pegando uma toalha e se secando, sob o escrutínio da garota. mantinha os olhos deliberadamen-te fechados enquanto o fazia, mas percebia que a menina não mudava sua postura. Puxou para cima as vestes de baixo e as calças, fechando o cinto. Calçou as botas sentando-se em um banco de metal. vestiu a ca-misa e o colete, abotoando apenas algumas casas, a esmo, batendo um pé. — O que é? — encarou, sem mais aturar o olhar da mulher, aquela já conhecida sensação lhe pressionando as entranhas. — O que tanto olha? — não tem muita coisa pra fazer nessa nave né? — Sophia quase riu. — você já não é muito de conversa e a navegadora só pergunta o que eu não me lembro.

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diante da postura do corsário, que nada respondeu mas se manteve sentado, Sophia puxou um banco, sentando-se de frente para o capitão. — então, eu ando cansada de não saber de nada. Pode me dizer por que estamos indo em neso e o que vamos encontrar lá? — um velho conhecido — Coil cedeu. — vamos ao último bar da galáxia onde eu ainda tenho crédito estendido. depois da guerra vários militares foram caçar seus rumos. uns viraram bandidos, uma ou outra virou puta. O sargento manny abriu um bar. — e outros viraram mercadores da morte? — arriscou Sophia, usan-do o jargão que aprendera nos arquivos, o termo pelo qual os corsários eram conhecidos de maneira informal pela galáxia. — Cada um trabalha naquilo que é bom. — respondeu Coil, sem alterar a expressão. — e por que esse manny? — evadiu do assunto a jovem, perceben-do um terreno que ainda era melhor não pisar. — todo mundo gostava dele. era charmoso o filho da puta, mesmo com os cabelos grisalhos e sem dois dedos da mão. gostava de bebida e de mulher. Por isso abriu um bar. — e estamos procurando ele por causa de quê? — manny sempre soube o que falar e com quem falar. — Coil sor-riu, levantando-se e jogando o sobretudo sobre o ombro. — estamos quase chegando. Coloca teu vestido de festa que hoje teremos a cerveja do velho sargento. e pede pra nav cortar esses teus cabelos. muito com-pridos. Quase morreu por causa deles. O corsário saiu da enfermaria, deixando uma Sophia pensativa. A jovem correu os dedos entre as longas madeixas negras, lembrando-se do russo em ganimedes lhe agarrando os cabelos enquanto disparava contra Coil. encarou as mechas por alguns instantes e suspirou. levan-tou-se e foi procurar a androide.

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***Ano 37 P.E. — Órbita baixa de Plutão

O imenso destroyer pairava sobre o planeta anão, guardando o tú-nel 82, última via conhecida naquele distante rincão da via láctea. Aci-ma e abaixo, vagando no espaço, cruzadores de batalha, bombardeiros e pequenos caças de abordagem iam e vinham, morosos, repletos de almas órfãs de esforços de guerra. Os aros metálicos do túnel reverbe-raram sem propagar som, e uma diminuta espaçonave emergiu de seu interior, célere em meio às outras, seguindo rumo ao destroyer. Seu piloto ofegava ao atracar e descer correndo, ignorando talvez meia dú-zia de protocolos. Outros soldados da Armada o observavam curiosos, afinal, quem vai com tanta pressa na direção da sala do almirante nor-malmente não trás boas novas. na ponte de comando, de frente para as telas que exibiam informa-ções da esquadra, noticiários de várias redes coloniais, imagens de saté-lites entre outras informações, um homem mantinha-se de pé, cada um dos quatro olhos vermelhos atentando para diferentes focos de imagem. À frente do tronco os braços metálicos se cruzavam, enquanto, às costas, outro par de braços formados igualmente por uma liga negra repousa-vam um no outro. A farda cinzenta era impecável, e, no grosso cinturão de quatro camadas descansavam quatro revólveres em coldres de couro preto. um olhar atento às botas de metal negro denunciava pernas e pés igualmente biomecânicos. Sobre a espinha dorsal subia uma miríade de placas metálicas, formando um sustentáculo similar a escamas, possibi-litando ao corpo do homem suportar o peso da massa de metal nele en-xertada. Apenas cabelos e barba brancos entregavam a idade do militar.

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Correndo esbaforido, o piloto cruzou a ponte de comando, esta-cando em frente ao superior em posição de sentido, com o rosto aver-melhado e coberto por espessas gotas de suor. O almirante desviou um dos olhos na direção do rapaz e esperou, paciente, que ele retomasse o fôlego antes de inquirir. — informe, velasco. — Senhor, — disse, após inspirar fundo e prestar a continência — trago informações do operativo sessenta e sete, enviadas há poucas ho-ras. — Cabo Waskman — o superior alteou a voz — transfira os dados do soldado velasco para o monitor dezoito. uma longa lista de códigos referentes a espaçonaves e carga foi subs-tituída por imagens de uma troca de tiros sobre uma plataforma suspen-sa acima de um oceano revolto. Sobre o plano flutuante, um esquadrão de mercenários trajando preto era abatido por um homem de sobretudo que disparava uma colt e fugiu em um cruzador de batalha acompanha-do de uma jovem de longos cabelos negros. Apesar da barba cerrada no rosto do pistoleiro e de seus cabelos fartos e desgrenhados, o almirante focou todos os olhares naquele monitor. Ordenou que diversas seções de imagens fossem congeladas e ampliadas, utilizando ao máximo a re-solução, até dois terços do grande monitor serem dominados pelas ima-gens dos três sobreviventes do combate sobre o mar. — Senhor, — relatou o soldado velasco, já completamente refeito — o homem de traços soviéticos e cicatrizes no rosto é vladimir mihailov, mercenário conhecido pela alcunha de Russo. Procurado em seis colô-nias por pirataria, homicídio doloso, sequestro, formação de quadrilha, contrabando e conspiração. — Prossiga — respondeu o almirante, sem emoção na voz.

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— A mulher não consta nos registros senhor, — informou, confe-rindo as projeções holográficas que emanavam do dispositivo que en-volvia seu pulso esquerdo — sem número de identificação atrelado. O almirante balançou de leve a cabeça de forma afirmativa, enquan-to um dos olhos focou na jovem de não mais de trinta anos. tinha tra-ços europeus e olhos azuis, notou o militar, embora o semblante não lhe trouxesse à tona lembrança alguma. — O pistoleiro é — prosseguiu velasco, mas foi interrompido pelo próprio superior. — O capitão deckard Coil. — Suspirou. — Como eu poderia esque-cer o meu melhor aluno? O operativo sessenta e sete conseguiu traçar a rota de evacuação do legionário? — Sim senhor. O cruzador de batalha seguiu na direção de netuno. Apoiando o queixo sobre uma das mãos, o almirante mickail enca-rou a figura de seu antigo subordinado. O rosto, antes barbeado e com o corte de cabelo dentro do padrão dera lugar a um pária. O corpo era mais robusto, e os movimentos mais ágeis que na época da guerra, ava-liou. notou, com certa satisfação, que não havia mais um brilho muito peculiar que habitava o olhar daquele guerreiro nos anos do conflito. talvez fosse apenas impressão, mas tinha a sensação de que a explosão no planeta vermelho não mutilara apenas o corpo do soldado. deckard Coil, de fato, morrera naquela guerra. — Waskman, qual o operativo mais próximo de netuno? — Codinome legião, senhor — respondeu, eficiente, segundos após consultar o monitor de sua estação de trabalho. — Perfeito, — sorriu, sem mostrar os dentes — perfeito de fato. não conseguiria pensar em ninguém melhor para esse serviço. envie legião para neso. Quero que o capitão receba uma mensagem.

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***Ano 37 P.E. — Neso

A colônia de neso era de fato um dos recantos mais obscuros do sistema solar. Arrasada após o conflito determinante da guerra civil e abandonada pelo governo confederado, incapaz de mandar verbas sufi-cientes para sua reconstrução, era povoada de estruturas ainda danifica-das pelos conflitos armados que se sucederam em seu território. Prédios exibiam vigas de aço nos pedaços onde o concreto desabara, feridas ain-da abertas no coração da cidade. bairros inteiros de diversos distritos eram enormes cadeias de morros de lixo e escombros, povoados por construções irregulares e, literalmente, por homens em buracos na ter-ra. nas ruas, crianças e idosos pediam dinheiro ou se roubavam uns aos outros. meninas que talvez ainda nem tivessem tido a primeira mens-truação se vendiam por comida ou água. um senhor que não tinha uma perna estava estirado no meio da rua, morto, onde tinha sido atropela-do horas antes por um dos caminhões de distribuição de ração. Sophia reparou que ninguém lhe dedicava mais que um olhar de canto de olho. A jovem e o corsário caminhavam pela cidade devastada, mesclados aos múltiplos tipos de pessoas que circulavam. gente endurecida pela vida nada fácil, pensou. Ali o corsário não diferia dos demais, em sua expressão rígida. Percorreram ruas largas e vielas estreitas, sem fazer perguntas ou interromper o percurso, mesmo quando Sophia fez men-ção de parar e alimentar uma criança, tendo sido interrompida por Coil. — A menos que você tenha comida para a cidade inteira, deixa a merda da mão no bolso e continua andando. — sibilou, completando no momento em que a morena o fuzilou com o olhar. — você dá comi-

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da pro pirralho, se sente melhor consigo mesma, e os outros matam ele pra comer. O espaço é uma merda garota, e esse nem é o pior lugar, vai se acostumando. Atingiram finalmente uma ruela sem saída, povoada de casas par-cialmente demolidas. A única construção inteira era um prédio de três andares, de concreto e chapas de metal que recobriam os pontos onde houvera desabamentos. As paredes eram pintadas de vermelho, descas-cadas em vários pontos. das janelas saía uma luminosidade arroxeada e a música alta ressoava nos arredores, em riffs de guitarra e solos de bateria. um formigueiro de gente circulava, adentrando e deixando o local, com os mais distintos visuais. Sophia reparou em um casal de mulheres que se beijava em um dos becos na lateral do prédio, uma de-las com os cabelos raspados, roupas de couro e piercings, a outra com saia pregueada, meias três quartos e uma blusa amarrotada branca, um sutiã rendado à mostra. um homem negro de uns dois metros de altura arremessou um jovem porta a fora, derrubando-o em cima de quatro rapazes que bebiam cerveja, que o chutaram até perder a consciência. O cheiro de suor, cerveja, vômito e fumaça nauseou Sophia, que, sem perceber, passou a caminhar mais próxima do corsário. Coil parecia bastante à vontade naquele lugar, caminhando sem desviar de sua rota, abrindo passagem apenas com sua postura. na en-trada um dos seguranças o reconheceu, abrindo um sorriso carente de alguns dentes e fazendo uma saudação que Sophia não compreendeu, cerrando o punho direito sobre o lado esquerdo do peito. O corsário adentrou o recinto sem respondê-lo, avançando por entre as mesas, no salão enevoado e pouco iluminado pelas lâmpadas de luz negra. em um dos cantos uma banda fazia uma performance com guitarras, baixo e bateria, explodindo em um vocal gutural alemão. À frente do palco

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pessoas dançavam e pulavam em roda, agredindo-se. Coil puxou um dos bancos de pernas compridas no balcão, acomodando Sophia ao seu lado. bateu com dois dedos na tábua, chamando a atenção do barman. — Ora porra se não é meu capitão! O barman se aproximou, abrindo um largo sorriso emoldurado por uma barba por fazer. Passou a mão sobre os cabelos grisalhos, já com entradas, em um gesto debochado, como que arrumando o penteado. Ajeitou o suspensório com a outra mão, dando logo em seguida um tapa na nada modesta circunferência abdominal. Puxou debaixo do balcão dois copos e os encheu de gelo e whisky, deslizando-os pelo tampo de madeira até os recém-chegados. A jovem, pega de surpresa, quase dei-xou que seu copo fosse ao chão. Coil pegou o seu com presteza, batendo os copos em um brinde, antes de esvaziar o conteúdo todo em sua gar-ganta. O barman explodiu em uma gargalhada e apoiou-se na frente de ambos. — Sargento manny, — sorriu Coil — tua bebida continua sendo a melhor. — Capitão Coil, — rebateu o cinquentão — tu tem colhões, admito. O Russo ta puto contigo, carga extraviada, colocou um preço na tua ca-beça. Cem mil. — Se ele oferecesse cem milhões, eu até me entregava manny. Cem mil não anima ninguém a me caçar, você sabe disso. — Sei sim capitão, bem que eu sei. mas tem mais gente na tua cola, e gente grande. Coil franziu o cenho, inclinando a cabeça pra frente. Sempre valia à pena contar com a rede do sargento. Agente de inteligência duran-te a guerra civil, jamais deixara de manter seus informantes por perto, prosperando até naquele cu de satélite onde se instalara. manny sempre

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soube quem ouvir, quem evitar e qual era o preço de cada um. — Andaram fazendo perguntas sobre você em titã e ganímedes, me disseram. tem um puto atrás de você capitão, refazendo teus passos. infelizmente não sei o nome, mas é bom. matou os quatro que eu paguei pra descobrir em ele era. eu te diria pra sumir um pouco de circulação, mas você nunca me ouviu mesmo. — nem você manny, nem você. Se tivesse me escutado em marte, ainda teria os dez dedos da mão. — Pelo menos aquela puta não arrancou meu pau. — riu alto. — e você maravilha? — tomou uma das mãos de Sophia em um gesto afe-tuoso, beijando-lhe o dorso — deve ser maluca pra andar com esse cara. tem nome? — Sophia — gaguejou, pega de surpresa, notando que, ao menos, o Russo não divulgara qual era a carga que tinha extraviado. — Coil é meu guarda-costas — inventou, sorrindo oblíqua — uma mulher tem que se proteger hoje em dia. — Ora porra se ela não tem razão, — explodiu manny em mais uma gargalhada — pois sim, tem mesmo! bebam e sintam-se em casa senho-res, hoje o de vocês dois é por minha conta! O barman se afastou, deixando Coil, Sophia e a garrafa de whisky, com a qual o corsário encheu por diversas vezes seu copo. A garota o ob-servava, reticente. tentou iniciar uma conversa duas ou três vezes, mas Coil apenas virava mais uma dose. ele não sabe qual o próximo passo a tomar, refletiu. talvez esperasse mais desse sargento, adivinhou, queria um nome. todo o gelo no copo de Sophia já derretera, e ainda assim ela não levou a bebida aos lábios. deixou seu olhar vagar um pouco pelo salão, observando cada uma das figuras peculiares. Reparou que um homem acabara de adentrar o recinto, vestindo um terno italiano preto,

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sem gravata, o colarinho da camisa escura desabotoado. Caminhou de-vagar, se desviando dos outros clientes, mas sempre mantendo o olhar nas costas do corsário, que já tinha esvaziado duas garrafas da bebida e abria uma terceira. A garota pensou em chamar a atenção de Coil, mas o estranho fora mais rápido. Postara-se atrás do pistoleiro e tocara-lhe o ombro, inquisitivo. Coil mirou sobre o ombro, sendo atingido por um soco cruzado que fez sua cabeça bater contra o balcão, deixando o cha-péu cair e derrubando a garrafa que se espatifou em pedaços no piso. em um movimento rápido, o corsário agarrou um dos bancos com a mão metálica e o atirou no forasteiro que, ágil, desviou-se do golpe. deu dois passos para trás e sorriu, jocoso. Coil se refez do golpe e o reconhe-ceu, estupefato. — O almirante mickail mandou lhe entregar uma mensagem capi-tão. O soco é por minha conta mesmo. — zombou toye.

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—Quero saber sobre você, marie. É um sorriso divertido, o desse homem. divertido por

ser falso. nat(haniel) não sabe sorrir com verdade nos lábios desde a perda de sua família inteira para a ciberdimensão, muito mais atrativa do que a vida miserável mas honrada que levavam com o pouco salário do permissor. mas só o esforço para sorrir para marie depois da transa é um sinal de que ali ainda há esperança. Abotoa a calça. — minha vida ‘tá longe de ser atrativa como a sua — a morena re-truca, o corpo nu enrolado em um lençol diáfano — e, além do mais, sei que você ainda tem muito a falar — aproxima-se do corpo sentado de nat, repousa olhos inocentes na vastidão de vazio nas crateras dele. — me desculpe, mas — o loiro diz, acanhado — eu te paguei para que, hã, fizesse o que eu quiser, não? momento de reflexão. Argumento irrefutável. — você gosta dessa vida? — nat pergunta, a mão esquerda acari-nhando a morenice desnuda de marie. ela reflete sobre como provavelmente nenhuma vida lhe seria agra-dável. — É a única que tenho — responde com certa esperteza, sabe que deve se mostrar vivida nesse papel de prostituta. — mas não a única que pode ter — retruca o loiro. Sorri mais uma vez. está ficando bom nisso. marie já conta quatro meses sendo a Young American do little Won-der, como consta no cardápio. O maço de lites tomava volume entre suas roupas de lã-less, em breve já poderia trocá-los por ciberlites o bastante para um refúgio em tibete 2, onde a guerra nem mesmo havia pensado em avançar. Resolvera seguir os conselhos valorosos de lady Starbuck e fugir de nova Paris o quanto antes, tentaria a vida em uma das fazendas

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retrógradas mas pacíficas da região dos seguidores de Anandji. faria o máximo para se filiar à religião ãn, esqueceria essa vida de prazeres fá-ceis e nocivos que um mundo em turbulência proporciona... mas aí aparece nat, e com ele aparece paixão em seu olhar. Sua sim-patia inerente já havia triplicado, não havia uma drag que não soubesse dizer que aquelas orbes moças brilhavam, queimavam até a alma da morena. A expectativa de encontrar o loiro em suas noites de trabalho a motivava a aguentar os piores clientes, os assassinos, as terroristas. espe-rava com fervor que ele adentrasse sua cabine, visse seu corpo recheado e pouco coberto ao som de madonna e sorrisse com aquela sinceridade exclusiva. Pagaria com ciberlites, leve leitura biométrica em um painel à frente do vidro reforçado que a separava dos clientes em potencial, e uma janela se abriria naquele escafandro, permitindo o mergulho de nat em marie. As cortinas se fechariam automaticamente. nem mesmo sua lady havia sido tão carinhosa com ela. e isso que aqueles beijos na testa lhe arrepiam a nuca num estalo. marie não sabe se dever contar sobre sua imigração. Remenda inu-tilmente sua própria história com selos de segurança como se distribu-ísse tapa-sexos em uma orgia. tudo sai embolado, colcha de retalhos, nat engole pois seus olhos também brilham. Seu polegar roça carinho-samente as costas da mão da prostituta enquanto ela discorre sobre sua infância imaginária em nova Paris. Pela primeira vez se beijam sem a intenção da transa. ela sabe que o moço, de cara boa, barba bem-feita e olheiras de certo choro diário, pode mudar seu rumo. Poderiam cons-truir uma história sem retalhos, uma história contínua. guerras proporcionam paixões assim, eles seguem se beijando. O sinal sonoro ecoa, time up. despedem-se em sussurros, as almas próximas, magnetizadas. O próprio silêncio saberia dizer seu até-logo

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sem problemas. As cortinas se abrem e uma quarentona pressiona o polegar no pai-nel e paga meia hora com a Young American. marie desce das nuvens.

— nem me fale sobre a marie. diz lady Starbuck antes de verter fluido de fumo na boca. faz um bochecho generoso, espera a substância adormecer suas gengivas, cospe o líquido na poeira da rua sem fazer jus à classe que seu nome sugere. Seu estresse a transforma em um bicho. Senta ao lado de georg, vicia-do em acompanhar a guerra pelos hi-goggles. de dentro do Spaceboys saem urros e lamentações do campeonato de bandas de black metal, e da boca dormente de lady saem exatamente as mesmas coisas. — Aquela putinha só pode ‘tar apaixonada... você viu como ela anda? Avoada, destrambelhada, nem parece aquela menininha toda dedicada de quando chegou — resmunga olhando para o céu há anos sem uma estrela sequer. As luzes verdes que oscilam no eigengrau tóxico são sa-télites marcianos, as azuis são terrestres — e o pior: ela deve ‘tar caindo de amores por um cliente que só quer foder com ela... no bom sentido, claro, mas ainda assim... — bem, as guerras proporcionam paixões assim — o ruivo, vestin-do a peruca dourada de Stella vie sem compromisso com o resto do vestuário masculino, murmura enquanto, tragando seu cigarro, perde seus olhos em uma entrevista que o Conselho concedeu há poucos dias sobre os ataques nucleares norte-americanos de dois meses atrás. — você não ‘tá me ouvindo, sua bicha mal paga. — lilah, você sabe que eu te amo, não é? — e georg passa o braço deveras malhado pelas costas de lady, aproximando-a com um apertão — mas a guerra...

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— Ah, a guerra! Ah, o horror! essa merda vai chegar aqui de qual-quer jeito e não vamos poder fazer nada! Já temos guerras demais den-tro de nós mesmos — ela retruca. — Posso falar a verdade? — ele fecha os olhos por cinco segundos, desativando os hi-goggles e liberando a visão para o eigengrau — Acho que você... — Que eu o quê? — ‘tá com ciúme — revela, limpando as lentes do dispositivo com o tecido da camiseta. — da marie? — não, daquele satélite ali. É claro que é da marie! — você não me venha com gracinha, cretino. — nossa vida é um eigengrau para nossos próprios olhos — filoso-fa. — mas o que é esse aiguen... ai-o-quê? — escuridão absoluta. O que você vê quando não há luz. — isso tem nome? — tem: eigengrau. — treva. — Pode ser. — e o que isso tem a ver? — dificilmente enxergamos o óbvio em nossas próprias vidas, isso que quero dizer. todo mundo do Spaceboys e do little Wonder sabe que você tem uma quedinha pela marie. — ela é uma garota maravilhosa, mas é quase uma filha para mim. não quero que ela se perca no-- — você não quer que ela te perca de vista. ela é a única pessoa da sua vida inteira — georg faz questão de frisar — que te tem como lilah,

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e não como lady Starbuck. você nasceu sendo uma personagem, e só marie te vê como pessoa. isso é tão óbvio que nem passa pela sua cabe-ça. A dupla segue discutindo o assunto noite afora, noite adentro, noi-te e mais noite. lady surrupia um cigarro do ruivo nessa brincadeira, e acaba convencida de que sua vida pode estar muito mais bagunçada do que acreditava. Como se já não bastasse a clientela escassa, o clima que tem tudo para matar três quartos da raça humana e seu nome sendo jo-gado na vala a cada dia passado, deveria arcar com as consequências in-voluntárias do afeto. Ah, o ciúme. Ah, o horror. ela se lembra de quando se apaixonou por uma das governantas da mansão Starbuck (quando georgia ainda ostentava o título e a glória), doze anos mais velha do que a adolescente lilah. Alexie, se não lhe falha a memória, e a ruivinha sardenta que operava o maquinário de limpeza como ninguém abusou da inocência da adolescente e mimada lilah. da adolescente e mimada e ingênua lilah. da adolescente e mimada e ingênua e acorrentada aos pés da cama e chicoteada e crente em um amor submisso e descrente que Alexie pudesse sussurrar em seu ouvido que só estava usando seu corpinho pequerrucho lilah. lady Starbuck não acreditava no amor como algo bom. O amor nunca é correspondido com as mesmas palavras, dizia. e ela não leria as palavras que marie tinha guardadas, se é que tinha. — Só me darei ao luxo de amar de novo — continua, noite e mais noite — quando eu puder dominar o amor com foco, sabe? Como uma batalha final da vida. Até lá, georg, preciso pagar minhas contas.

— depois conversamos sobre essa tal de marie. A silhueta feminina e levemente obesa anda em círculos irritadi-

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ços por um dos cantos do armazém onde normalmente os rasputinni se concentram. na mão direita, necrosada e curvada para dentro como galhos de uma árvore seca, um copo de grafeno com conhaque até a metade. Segura-o na altura do busto, gesticulando com ele durante a fala masculinizada pelo fumo excessivo. Sentado em uma embalagem do que quer que seja naquele ambiente iluminado por um frouxo lume, a dias de morrer, está o senhor de cabeleira alva de outrora. — você tem que entender, fariq, que estuprar uma imigrante está lo-o-o-o-onge — ela estala os dedos da mão esquerda enquanto prolon-ga a distância — de ser prioridade em um momento como esse. Já mar-camos nosso território em nova Paris, não precisamos desses métodos para aterrorizar a população. e outra que estamos em guerra, meu bem: Todos estão apavorados. — e qual o plano, Jimi? — Chega de pensar em planos, cada dia é um dia nesse fim de mun-do — Jimi se aproxima do lume, deixando visível a cicatriz que atraves-sa diagonalmente seu rosto oblongo. Reza a lenda que ela própria fez o rasgo pelo bem de sua aparência (precisava de vilania naquele rosto que beirava a fofura de um desenho animado) — mas acho importante que eliminemos potenciais contingentes opositores de grande importância da região. Pausa. — falei meio difícil, né? A bebida opera cada milagre... — e entorna o conhaque puro, nada de metadêmico ocre dissolvido em chá. Regalia de poucos. — então você planeja... — eu não planejo nada, caralho! tenho que falar isso quantas ve-zes? — Jimi volta a circular impaciente pelo salão — Qualquer hora,

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quando me der na telha, te falo e você reúne seus paus-mandados lá pra matar a lady Starbuck ou o mr. daft ou a escarlate, algum desses donos de boate. Ou algum pintor que forma opinião por aí, sempre tem desses artistinhas marrentos... — É... madame, eu sei que é complicado o planejamento nesses tem-pos de guerra, mas... — mas o quê? — vocifera a mulher, os cabelos lisos se debatendo com o virar de cabeça raivoso dela. — uma execução assim demanda certa preparação, você não acha? — Olha, fariq — Jimi se aproxima do homem, ajoelha à sua frente, a mão podre se esfarelando ao apertar o copo — Acho que você se esque-ce de quem é aqui. eu acho que você se esquece — altera a voz — de que é um John-Smith como metade desses rasputinni de merda que você lidera. Acho que você se esquece de que só existe e tem o status que tem porque eu plantei você aqui em nova Paris. Acho que você se esquece que uma ligação minha para o Conselho te faz em cinzas. espero que você não se esqueça dessas coisas mais uma vez, senão serei obrigada a, bem, você sabe. ela se levanta, contorna a caixa, desliza a mão saudável sobre o om-bro de fariq. toca sua nuca enrugada, o silicone que nem faz questão de imitar pele humana. As peças de metal. Ah, o horror. Suas unhas curtas mas proeminentes entram na superfície plástica do que seria o couro cabeludo do senhor. Começa a massagear. — você é um John-Smithzinho que não pensa, só faz cálculos. você sabe que posso te fazer sentir a dor mais lancinante da história de vo-cês, legos humanos, com uma só pergunta. você pode ficar aí sentado, minutos sentindo seus miolos eletrônicos fundindo com a temperatura dos cálculos falhos — aproxima a boca carnuda do ouvido de fariq —

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“Senhor meu...” — tudo bem, madame. não tenho mais perguntas — ele responde, inflexível mas sentindo sua coluna vertebral genuína ficar a tempera-turas glaciais. Sente os lábios de Jimi se flexionando em um sorriso e a mão se afastando de sua cabeça. — fique a postos — ela continua, a voz exaltada como se o momen-to anterior fosse mero delírio do escritor dessa história — mantenha nova Paris sabendo que os rasputinni existem. Qualquer hora mando matar aquela puta da Starbuck. Quando isso acontecer, não haverá mais ídolos a serem cultuados pelas massas. nada de rockstars ou milioná-rios: estaremos todos no mesmo degrau, rolando escada abaixo. termina o conhaque.

— Puta madre, hein? — heathen deixou os papéis holográficos na mesa de centro e veio cá me dar um abraço caloroso — Por isso qu’eu te agencio, ‘sa história ‘tá muito boa! — eu acho que a parte da Jimi ficou muito corr-- — você tem o dever de fechar a boca agora, beleza? vou ficar com isso aqui — e desligou o programador, fazendo os hologramas sumirem e colocando o aparelhinho oval no bolso do paletó — e ver se podemos lançar uma publicação mensal com o que já temos, o que acha? melhor do que um livro, talvez demore muito... — mas aí vai meio contra a ideia de que é uma sequência do 3x2, não? — Confie no que digo, minch — heathen estendeu o dedo indica-dor repleto de escamas defeituosas (por motivos de: radiação) para que eu me mantivesse calado — vou fazer umas ligações agora e em uma meia hora te chamo de volta, beleza-belezinha? desce lá na lanchonete

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do prédio enquanto isso. meu agente dizia essas coisas me enxotando delicadamente de seu escritório, a mão escamosa por volta do meu quadril fazendo uma bar-reira para que eu voltasse. Até que a porta fechou atrás de mim, minha boca igualmente fechada e retorcida numa careta, o dia fechado a vácuo. mas cada vez mais portas se abrem para mim, segundo heathen. desço à lanchonete pensando até onde minha fama súbita vai me levar, pois sei que é para longe. Compro um x-búrguer processado em matéria-bruta (estranho gosto de salame torrado, nutrientes para o res-to da semana) enquanto me fecho para balanço: o carequinha do hea-then era muito gente boa antes do 3x2. É nítido como dentes parasitas surgiram em sua boquinha de tamanduá e se instalaram em minhas ideias, sugando tudo que posso oferecer. espremem até sair a alma. A conta bancária vai recebendo ciberlites sem piedade, as cifras em fibo-nacci. elerian comprou sua primeira peça de roupa que não gostou: um vestido de seda num verde que não cai nada bem em sua pele “mas na loja parecia tão bom”... As costas de minha elfa estão encurvando para servir o vil metal dentro de minha própria casa, como posso com isso? Arrisco dizer que sou o primeiro rockstar pós-lady Starbuck. Sofro certo assédio da imprensa ártica, coisa que não pensei que aconteceria exatamente pela política de igualdade desse novo mundo, mas tudo que vejo são cordinhas me fazendo de marionete para hipnotizar uma réstia de humanidade que acha que as coisas serão diferentes, mas não serão. Ah, a fama. Ah, o horror. tenho um alvo pintado no meio do peito e um altar em cada residência de Atlântida, e isso é fama e é horror. São a mesma coisa, lá no fim. termino o x-búrguer.

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O gigantesco cruzador Thunder-flame de 5ª geração da A.g.f. irrompeu na órbita do planeta Khaidenar vi no sistema Obala-

rion segundos depois de ter alcançado aceleração ftl.tamanha velocidade na resposta do pedido de socorro da colônia

veio graças ao cruzador estar em translado a poucos milhares de quilô-metros dali. Caso estivesse muito distante, precisaria se utilizar de um dos portais de transdobra-temporal para romper o espaço-tempo e che-gar ali o mais rápido que pudesse.

Assim que a espaçonave desacelerou, os computadores de bordo trataram de liberar a crioestasis da tripulação. As comportas se abriram no instante em que a descarga de adrenalina foi injetada remotamente em todos os tripulantes, os acordando aos solavancos.

Aquela era a única maneira de viajar a velocidades próximas ou su-periores à da luz e sobreviver. A radiação no espaço era demasiadamen-te alta. em baixa velocidade era aceitável, mas, quanto mais rapidamen-te as espaçonaves viajavam, mais radiação as atravessava. Acelerações surpreendentes como as de ftl seriam mortais a qualquer espécime biológico conhecido na galáxia até o momento. Para isso serviam as câmaras de crioestasis, que eram blindadas contra a temível radiação que poderia aniquilar a vida em milésimos de segundo fora delas. Co-gitaram blindar naves inteiras contra a radiação, porém os custos eram inviáveis e o peso dos materiais empregados as tornaria um alvo fácil em velocidade de combate. Assim, optaram por uma quantidade de câ-maras de crioestasis (ou cápsulas de suspensão, como alguns preferiam chamar) suficientes para a tripulação e mais alguns passageiros extras, fora delas tudo morreria, com exceção da ala médica, que era a única zona blindada da nave fora as capsulas, por motivos lógicos.

“atenção tripulação dirija-se aos postos de combate, frota x’henos-gra’al detectada. múltiplos inimigos. sistemas de armas estão travados e prontos para dispa...”

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Antes que a iA da nave pudesse terminar a mensagem, o cruzador foi atingido abruptamente, sacudindo de forma violenta. As luzes pisca-ram segundos antes de explodir, liberando uma chuva de fagulhas pelos corredores da Thunder-flame. Os trezentos e quarenta e sete tripulan-tes foram jogados contra as paredes de forma violenta. luzes vermelhas se acenderam e o alarme se iniciou.

Quatro toques rápidos de uma buzina eletrônica, pausa, dois bipes estridentes. O significado era claro para eles: “estamos sob fogo inimigo, o casco está avariado”.

Os soldados rapidamente se organizavam em meio ao caos dentro dos estreitos corredores, a equipe médica tentava preparar a enfermaria para receber os feridos, mas, a cada novo impacto que a nave recebia, os utensílios eram lançados com força para os lados. As luzes do complexo já não funcionavam, apenas a iluminação vermelha de emergência per-manecia ativa.

O cabo vann greysson avançava com seus companheiros em dire-ção à ponte de controle em meio aos corredores rubros, tentando chegar até a sala de comando. ele era o responsável pelo sistema de escudos da nave, e, pelos repetidos sons de alerta, estava mais do que claro que eles não estavam funcionando.

ele corria em meio à tripulação quando um duto gás no teto explo-diu, lançando chamas com violência pelo corredor matando dezenas de pessoas. ele se lançou para o corredor da esquerda quando as chamas passaram varrendo tudo que encontravam no caminho, quando acre-ditou que o pior havia passado, o cruzador mais uma vez foi atingido, vann caiu e em seguida uma viga de sustentação despencou sobre ele.

em um movimento rápido, estendeu os braços para amortecer o impacto. O peso esmagaria uma pessoa normal, porém ele não era qual-quer pessoa, era um soldado da A.g.f., equipado com um Suit-War, um traje de combate projetado para multiplicar a força, resistência e velo-cidade dos soldados. ele usou a habilidade complementar da armadura

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para retirar a travessa de metal de cima de si.Assim que se ergueu, olhou a destruição ao seu redor e todos os

mortos jogados pelo chão. Procurou rapidamente com os olhos o cor-po de uma jovem entre eles e ficou feliz em não encontrá-la ali. ele mal podia acreditar que alguns minutos antes se encontrava no seu turno de folga, bebendo cerveja arguiliana e flertando com a mecânica no-vata que concertava um canhão de gauss. greysson sempre admirou mulheres que não se importavam em sujar as mãos, elas não eram do tipo “cheias de frescuras” como as demais garotas. A novata se chamava freyah e tinha crescido em uma colônia hasghtyana, nos limites do sis-tema tounex, quase fora da jurisdição da A.g.f. ela se orgulhava de ter seguido os passos do pai, que também havia sido mecânico da Aliança galática federativa, assim como ela era agora.

enquanto o cabo e a jovem conversavam ela contou como o pai dela um antigo habitante da velha terra havia conseguido fugir com ajuda de contrabandistas para a colônia onde conheceu a sua mãe. uma mer-cenária a serviço dos hasghtyanos. Contou que a mãe havia morrido no parto, e quem a criara foi o pai, que para garantir um futuro seguro para ela se alistou da A.g.f. trabalhando de mecânico para a frota. ele serviu por vinte anos a bordo da hancarock-vi até cinco anos antes, quando ele foi morto junto com toda a tripulação da espaçonave, em um devas-tador ataque x’henosgra’al.

A nave guinou de forma brusca. vann foi lançado violentamente contra o teto do corredor quando a nave pareceu despencar, ele afastou os pensamentos sobre a garota de sua mente. tinha uma missão a cum-prir, ele precisava alcançar o seu posto o mais rápido que pudesse. Sua vida e de seus camaradas dependia disso.

O metal rangia, então houve um abalo seguido de um estrondo tão alto como se um raio tivesse atingido a própria cabeça dele, que imedia-tamente percebeu que o ar começava a ficar rarefeito. Repentinamente vann se viu sugado por um turbilhão de ar, instintivamente ativou o elmo pressurizado para conseguir respirar. Suas mãos rasparam pelas

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paredes lisas do caminho que ele seguia até que ao se aproximar de uma porta ela se abriu permitindo que ele se agarrasse com toda sua força ao marco dela. Os músculos dos braços queimavam e ele sentia como se os eles fossem ser arrancados, enquanto era sugado de forma indiscrimi-nada para alguma fenda na fuselagem. de fato se não estivesse com a armadura de combate possivelmente não teria a força para se agarrar, e mesmo que tivesse era bem possível que fosse desmembrado segundos depois. Aos poucos a sucção parou e ele caiu no chão ofegando enquan-to olhava ao redor, e via que todo o fogo que antes se espalha ao redor estava apagado.

O sistema de iA era responsável por selar as anteparas e vedar áreas de descompressão, mas estava aparentemente destruído ou havia sido desativado pelo inimigo. greysson acreditava na primeira hipótese. Os x’henosgra’al baseavam sua tecnologia em uma energia desconhecida e ultra potente, eram de fato a raça mais evoluída que se tinha conhe-cimento, uma das poucas que não fazia parte de A.g.f. Os pulsos de energia eram letais a formas biológicas e eletrônicas de qualquer tipo, não havia defesa eficaz contra aquele tipo de armamento. nem mes-mo as capsulas de crioestasis seguravam as partículas dos disparos. A cada nova carga de energia disparada pelos seus cruzadores, pulsos ele-tromagnéticos fritavam as redes neurais artificiais nas espaçonaves da Aliança galática. eram formidáveis inimigos, temidos aonde quer que houvesse vida inteligente, suas motivações ainda eram desconhecidas, suas atitudes confusas, eles jamais conquistavam os planetas que ata-cavam, não matavam civis desarmados ou atacavam fragatas médicas. Os alvos sempre eram bases e naves militares, nos poucos combates fí-sicos entre soldados, se algum soldado da aliança soltasse as armas eles simplesmente o ignoravam como ignoravam os civis. Apesar desse es-tranho comportamento, o pânico ao ver uma frota deles eram comum. uma única coisa certa sobre os x’henosgra’al era uma; em combate eles quase nunca eram vencidos.

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A respiração estava acelerada e densa dentro do capacete. Quando ele finalmente chegou ao elevador que levava a ponte de comando seus temores se concretizaram. havia uma imensa fenda onde antes estava o elevador. ele se aproximou da borda e pode ver o espaço pelo enorme rombo, logo depois dela a gigantesca esfera azul que era o planeta Khai-denar vi. ele estava com riscos vermelhos e incandescentes em vários locais em toda sua extensão. A visão era aterradora, greysson podia ver uma frota enorme de destroyers de guerra x’henosgra’al. eles pul-verizavam naves de todas as raças e bombardeavam qualquer cruzador delas que se desacelerar próximo ao planeta. eles já estavam esperavam uma resposta, o planeta nunca havia sido o alvo primário, o verdadeiro objetivo era aniquilar as frotas da A.g.f. ele tentou visualizar a ponte de controle, e conseguiu. estava completamente destroçada ao menos o que restara dela.

ele esbravejou e finalmente quando recobrou a sanidade decidiu correr de volta ao setor de carga, ele precisava dar o cair fora dali o mais rápido que pudesse.

Se dirigiu pela escaria ao sul, podia sentir a espaçonave se inclinan-do cada vez mais. As vezes ele notava a gravidade artificial oscilando. tinha de chegar a zona de carga e usar um dos módulos médicos para escapar com vida. Com a ponte de controle totalmente destruída ele não tinha outra saída além dessa, o cruzador estava sobre fogo inimigo a deriva, orbitando um planeta sitiado e possivelmente logo o cruzador seria atraída pela gravidade dele e mergulharia em chamar se colapsan-do e desfazendo até atingir o solo em um colossal impacto gerando uma explosão nuclear de proporções titânicas. eles estavam condenados.

depois de cruzar pelos tortuosos corredores da nave encontrou a entrada da área de carga colapsada, mesmo com o Suit-War seria mui-to demorado transpor a barreia. greysson retornou um andar a cima e seguiu pelo túnel baixo, até chegar ao poço de um elevador eletrônico, a mão envolta na manopla tecnológica agarrou a grade de segurança e

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a lançou dentro do fosso, ele viu o elevador em chamas dezenas de me-tros acima. ele acessou o painel de controle da armadura e aumentou a potência do salto, conseguiu pular do outro lado e se agarra a parede usando as vigas internas como apoio. Olhando alguns metros a baixo se lançou no vazio caindo abaixado no fundo do fosso. As armaduras pos-suíam um sistema antissinético que não lesionava os usuários até certos graus de impacto.

Outra explosão se ouviu e toda a nave estremeceu, em seguida ou-tra e mais outro, o ataque aparentemente havia recomeçado por algum motivo, os ruídos dos disparos de energia penetrando a nave de dissol-vendo tudo em seu caminho, era como uma sinfonia macabra de morte.

ele disparou da área do elevador a tempo de ver a caixa metálica se chocando contra o fundo e explodindo em seguida.

A estrutura estalou alto e outro solavanco e a nava começou a se inclinar, mas dessa vez, vann percebeu que não haveria retorno. A gra-vidade do planeta os havia pegado. Correndo entre o imenso setor de carga e descarga ele olhou ao redor, várias naves e módulos já haviam decolado, provavelmente alguns teriam conseguido se livrar dos dispa-ros da frota inimiga, e explosões. ele pensou em freyah, e se agarrou a ideia de que ela havia conseguido escapar, embora tivessem passado alguns poucos dias juntos ele realmente tinha gostado dela.

houve um estrondo, o chão inteiro trincou, e começou a se partir, explosões violentas tomaram a nave, destroços voavam em todas as di-reções quando ele finalmente alcançou um modulo de fuga médico que havia ajudado a garota a concertar naquela mesma manhã. ele o ativou, e antes mesmo de o fechar ou colocar o cinto o portão do convés se rompeu e tudo foi sugado com violência para o vazio do espaço. ele se agarrou a na única cadeira da cápsula individual ainda do lado de fora dela, enquanto a estrutura girava em alta velocidade saindo na espaço-nave direto para a zona de combate.

um goliahs, uma unidade de combate terrestre blindada, acertou

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em cheio o soldado e quase o lançou para longe do módulo, os nervos do braço esquerdo dele se distenderam, a armadura cibernética foi ava-ria com o impacto, tamanha havia sido a força dele. Com um esforço final ele conseguiu entrar e se amarrar com o sinto no modulo o fechan-do. Pelo visor oval ele viu o cruzador Thunder-flame se partir ao meio explodindo assim que entrou na atmosfera do planeta Khaidenar vi.

ele já começava a sentir o tremor da reentrada quando o vidro foi recoberto pela capa de blindagem ativada automaticamente pelo detec-tor de calor. greysson usou os instrumentos para manobrar o melhor que pode, dentando deixar o modulo na posição correta, as luzes do painel acenderam, e ele puxou a alavanca abrindo os flapes de freagem, em seguida outra luz verde se acendeu e ele liberou a carga da turbina reduzindo violentamente a velocidade, ao final com combustível auto-maticamente o paraquedas se abriu. e depois alguns segundo veio o choque contra o solo. A capsula rodou, e se bateu dezenas de vezes até parar, os exaustores e braços mecânicos se moveram deixando ela na posição ideia em comparação ao terreno para que ele pudesse sair. não havia detecção de água ao redor do modulo. ele estava em terra. ele apertou o botão de saída e a parte superior da capsula se abriu.

Cinzas desciam do céu, ele surgiu de dentro do modulo e observou em volta, quilômetros ao longe uma imensa detonação nuclear podia ser vista no horizonte.

uma pequena cidade próxima estava igualmente em ruínas, uma grande nave de combate da A.g.f. havia caído sobre ela a pulverizando.

Acima dele onde se podia contemplar o céu haviam inúmeras ex-plosões. A A.g.f. havia chegado, agora era esperar pelo fim do comba-te. ele estava salvo, então se pegou pensando na jovem freyah, e aonde teria sido sua queda.

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hoje pretendo partir de uma idéia diferente das que normalmente habitam esta coluna. irei apresentá-los ao meu pensamento sobre um dos pontos da inspiração: o estudo. É impossível a um autor sobreviver apenas de idéias retiradas de um texto, ele precisa estar conectado ao seu mundo. fatos, tecnologia, ciên-cia, geografia, história, um escritor precisa dominar o máximo possível de conhecimento para obter sucesso em sua obra. ele precisa ser um arquivo vivo de conhecimento.

“Consuma de tudo, mas digira bem cada coisa” É preciso consumir um pouco de tudo, não ter preferências por as-suntos que gostamos mais ou menos. É óbvio que é mais fácil começar pelo que gostamos, a partir disso passamos aos assuntos mais comple-xos e trabalhosos, mas que também nos são necessários. um escritor deve pensar cada estudo como uma ferramenta, ele não sabe muitas vezes se precisa de todas elas, mas sabe que se em algum momento da construção de sua obra uma delas vir a faltar sua casa irá vir a baixo. ler, é importante, precisamos estudar a leitura profundamente, mas também existem outras maneiras de se consumir estes artigos, uma de-las é o debate. Para iniciar um debate basta um twitt, ou um post no facebook, e a partir disso já se podem construir inúmeros conhecimentos. Sem con-tar que ali se constrói outra forma de conhecimento, o conhecimento popular. entretanto um cuidado é importante, não se deve deixar que estes conhecimentos se tornem superficiais. muitos são os que fazem leituras

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rasas em páginas de Wikipédia e se acham os donos da verdade de cer-tos assuntos. um escritor não deve se enquadrar nestes, ele é mais que isso, ou deve buscar ser mais que isso. Para o escritor ter controle do que ele fala é importante para que ele não crie argumentos mal construídos, ou caia no pecado de falar algo por falar. Por isso é importante se aprofundar, começar a criar intertextuali-dades entre os diferentes planos de estudos desenvolvidos, e ter certeza de que está absorvendo bem as informações. lembre-se sempre, você como escritor não é obrigado a saber de tudo, apenas deve conhecer o máximo de coisa, é o que é bem diferente. Aprenda seu limite, e descubra os pontos que você realmente tem extre-ma dificuldade, evite-os em um primeiro momento, mas nunca tenha medo de retomá-los.

“Pergunte, não tenha medo de parecer burro” temos que saber a hora de admitir que não possuímos certeza, essa é nossa principal ferramenta para não cair em erros bobos. Pesquisa é importante, mas às vezes temos que admitir que alguém sabe mais do que nós. neste momento é interessante perguntar, o quanto nossa pesquisa está certa? entendemos corretamente o exposto? nossa ficção é válida ou é tão absurda que chega a ser incoerente. Para isso é preciso encontrar especialistas, não precisam ser verda-deiros especialista. eleja os seus próprios conselheiros dentre as pessoas que você conhece, veja quem sabe mais de um assunto a ser trabalhado. É parecido com um princípio da revisão, não conseguimos enxergar até que ponto nosso limite vai. nesse momento é preciso sempre testar ele, dando sempre preferência para um confronto com outras pessoas.

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faça de seus amigos seus professores, e seus guias de conteúdo em seus livros, você não vai se arrepender.*nc

“Faça você mesmo!” você pode entrar num curso, você pode estudar com um bom pro-fessor, ter boas apostilas, mas essas coisas só se tornam úteis em ca-sos onde você tem um objetivo direcionado. não existe nenhum curso específico para formar conteúdo literário, por isso à melhor forma de aprender qualquer coisa para os seus textos é estudar por conta própria. foi assim com a maior parte dos escritores, poderia listá-lo aos montes aqui, mas para não me explanar muito prefiro me focar em um exemplo apenas: machado de Assis. nascido pobre, de ascendência negra, impedido de ir à escola de-vido a sua saúde frágil, quantos poderiam na sua época dizer que desse enunciado sairia um dos maiores, se não o maior escritor brasileiro.

Como conseguiu isso? Simplesmente estudou por conta, foi auto-didata, encarou os livros com apreço, amor e curiosidade tal, que com dezesseis anos, publicava seu primeiro poema.

foi cronista, teatrólogo, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, crí-tico, ensaísta, novelista e é claro romancista. e em cada uma de suas áre-as conseguiu seu destaque e seu espaço, demonstrando um assombroso conhecimento sobre diversos assuntos.

em sua abra há citação direta e indireta de gênios de diversos locais do mundo, intertextualidades com cada ponto bíblico, caricaturas per-feitas de seres humanos que poderiam ou não existir. e acima de tudo um profundo estudo sobre a natureza do ser humano.

foi assim, que sem ter muitas chances, estudou, devorou livros, di-

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zimou conteúdos e ainda por cima produziu a partir dele aos montes. A partir desse exemplo, continuo com minha defesa, ao escritor não

resta alternativa, a não ser estudar por conta as matérias que deseja ver exposta em seu texto. Professores, apostilas e cursos devem ser apenas muletas de auxílios para esse estudo que deve ser conduzido na verdade pelo escritor.

“O mundo está desnudado pelo pai Google” Sim está tudo ai, basta procurar acredite. Aprenda a usar as palavras chaves certas, o mecanismo do google não consegue adivinhar o que você quer dizer com: fotos bonitas, espa-das belas, indivíduos magros. tente ser específico e usar palavras de modo que não forme frases, é como se você aumentasse o número de tags de sua busca. frases devem ser usadas quando você está procurando algo bem específico, não sur-fando atrás de um bom conteúdo genérico. Cuidado com as armadilhas do google, os sites que aparecem na primeira página, respondem a um algoritmo complexo que não leva em conto a sua pesquisa. ele não sabe sobre o que fala seu livro, ele não está nem ai pra obra de arte da literatura que você está compondo. Por isso não pare na primeira página, persista, o melhor material está além do desafio do conteúdo genérico encontrado nas buscas su-perficiais. e isso não é sobre o google... isso aí, eu estou falando para você levar toda leitura a sério, se em-brenhar de verdade em busca do que você quer. não ter preguiça de usar uma ideia, porque ela não funciona com você, o conteúdo esta aí, faça funcionar.

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“O que isso tem a ver com inspiração?”inspiração, uma de suas definições retirada do dicionário michaelis

é a seguinte: ato ou efeito de inspirar ou de ser inspirado. tem a ver com respirar, tem a ver com consumir ar.

entenderam? eu estive todo esse tempo tentando te mostrar como é respirar para mim, para que eu possa dar uma nova cara para essa colu-na. espero profundamente que vocês tenham gostado do conteúdo.

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Antes de tudo, vamos estabelecer um conceito: diferente do que é dito e acreditado, fazer um Plot twist não é sobre enganar o leitor, mas sobre inverter os caminhos da sua história. não é portanto, um brin-quedo com o qual se possa exagerar o uso, uma vez que estamos falando em inverter rumos e quebrar conceitos que passamos horas criando. fazer uma virada de trama deve ser um exercício de desprendimen-to. Se a decisão pela alteração não for nem um pouco incômoda então a utilização dessa técnica de trama será inútil e esperada. um exemplo forte é a obra do escritor best Seller dan brown. bro-wn é conhecido pelas suas histórias envolvendo obras de arte, tributos à cidades onde a história se passa, além do uso de tecnologias experi-mentais e pouco conhecidas como elementos importantes na história. mas também é marca do autor fazer uso de diversos plot twist, princi-palmente com relação aos alinhamentos dos personagens com relação ao protagonista, invariavelmente Robert langdon, um professor de se-miótica em harvard. O fato de brown alterar os rumos de sua história em toda e qual-quer obra que realize é um pouco frustrante para o leitor. Após a leitura de um ou dois de seus livros, o leitor estará “vacinado” contra a mania do autor, até mesmo pelo fato do plottwits vir sempre da mesma fonte: traições e alinhamentos de personagens. Portanto, podemos concluir que o problema não seria, assim, a pró-pria reviravolta, mas a forma como ela é realizada. Seria surpreendente para um leitor, por exemplo, que se descubra que todos os personagens são, sim, quem pareciam ser, mas que todos estavam sendo, na verdade, enganados pela circunstância. digamos por exemplo, que ao invés de

Como Escrever Sobre Rafael Marx

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Como Escrever Sobre Rafael Marx

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descobrirmos um aliado do protagonista como um traidor, descubra-mos que os “mocinhos” estavam enganados sobre a situação, e assim auxiliam os antigos antagonistas contra o perigo, agora tendo como ad-versário o tempo. uma situação semelhante é vista no final da primeira parte de guer-reiras mágicas de Rayearth. Se me desculpam o spoiler: descobrimos que as três protagonistas, que acreditavam estar naquele mundo mági-co para salvar a princesa protetora daquele mundo, tem na verdade a missão de acabar com a vida dela, e que isso é um desejo da própria. A revelação de que, desde o princípio, o destino das protagonistas era o exato oposto do que acreditávamos é uma verdadeira surpresa, mas as indicações mostram que ela faz sentido, por si só. eis então, outro problema que deve ser combatido pelo autor que desejar incluir uma reviravolta em sua história. Caso o leitor não tenha nenhuma indicação anterior da reviravolta, ele se sentirá traído. um au-tor mestre em realizar plot twist com pequenas dicas pré-apresentadas é o japonês naokiurasawa, autor de séries como monster e 20th Century boys. O autor faz uso de pequenas pistas, inicialmente ignoradas pe-los protagonistas, mas que posteriormente revelam a verdade sobre um aspecto da história. Assim, o leitor não apenas não se sente enganado, como admira o autor pela capacidade de “manter oculta” aquela verda-de. na realidade, nada é mais fácil para um autor do que ocultar algo da história, mas a impressão que o leitor terá será essa. Portanto, caso em meio a sua história você resolva utilizar uma ou mais reviravoltas de trama, tome o cuidado de não fazer todas a partir da mesma fonte, e também lembre-se de reescrever as cenas anteriores

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de maneira a incluir pistas para os leitores. O estudo de obras que fize-ram uso do recurso, como as citadas nessa coluna, é mais do que reco-mendado, bem como o uso de fluxogramas para evitar que você mesmo se perca na complexidade de sua trama. nada é mais inconveniente para esta técnica do que pontas soltas.

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EDITORES-CHEFESLUCAS RUELESRAFAEL MARX

EDITORES SEMANAISERIC PAROJOÃO LEMESLUIZ LEALDIOGO MACHADO

DIAGRAMADORJOÃO LEMES

REVISOR ANDRÉ CANIATO

REDATORALAN PORTO VIEIRA

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SEMANA HORROR

Horror: Amanda Ferrairo

Noir: Philippe Avellar

SEMANA FANTASIA MODERNA

Steampunk: Rafero Oliveira

Fantasia Urbana: Thiago Sgobero

AUTORES:

SEMANA FANTÁSTICA

Fantasia Épica: Marlon Teske

Espada e Magia: Victor Lorandi

SEMANA CIENTíFICA

Ficção Científica Social (Cyberpunk): Alaor Rocha

Ficção Científica Space Opera: Rodolfo Xavier

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