PUNITIVE DAMAGES E O DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO adequação das condenações punitivas para a necessária repressão da delinquência patronal

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    PUNITIVE DAMAGES E O DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO: adequaodas condenaes punitivas para a necessria represso da delinquncia patronal1

    Rodrigo Trindade de Souza2

    1 INTRODUO

    Uma das muitas expresses do folclore que se formou em torno deErnesto Guevara, o revolucionrio cubano-argentino conhecido como Che, temcenrio nos primeiros anos aps a revoluo. Integrando-se nos esforosnacionais de produo e no menos importante como exemplo aos demaiscidados da ilha, o ento ministro da indstria ocupava os finais de semana notrabalho de corte de cana. Numa dessas ocasies, enquanto descansava, foiflagrado refrescando-se com uma garrafa de Coca-Cola. Imediatamente recebeu a

    represso de seus companheiros de labuta sobre o mau-exemplo de consumo doproduto tido como smbolo da explorao econmica e do colonialismo cultural.Sem largar a garrafa, Che respondeu que ideologias, culturas e produtos nodevem se confundir e que todos os benefcios e avanos, desde que aplicadoscom temperana, devem ser bem aproveitados, independentemente da origem.3

    Embora no esconda certo utilitarismo, o argumento de Che parecevoltar-se contra o que em retrica convencionou-se chamar de argumentum adhominem: uma condenvel prtica argumentativa que, em vez de atacar ocontedo de uma idia, atenta apenas s suas circunstncias e origens.4

    O instituto estrangeiro dos punitive damages ou na traduo queadotaremos condenaes punitivas costuma ser visto com semelhante viso,

    escravizada pela origem. Assim agem tanto aqueles que advogam plena eirrestrita aceitao, com base na imposio dos avanos da tecnologia jurdicaproduzida no economicamente mais importante pas do mundo, os EUA; como nano menos absoluta negao de utilizao da modalidade punitiva-ressarcitria,

    1A expresso delinquncia patronal de autoria de Wilson Ramos Filho, adotada inicialmente emartigo produzido em 1994: RAMOS FILHO, Wilson. O Enunciado n 331 do TST: terceirizao e adelinqncia patronal. Sntese Trabalhista.Porto Alegre, n. 58, p. 110-22, abr. 1994.2Juiz do Trabalho substituto do TRT da 4aRegio. Especialista em Direito Material e Processualdo Trabalho pela Universidade do Brasil - UNIBRASIL. Mestre em Direito pela UniversidadeFederal do Paran - UFPR.3A possvel imagem desse acontecimento pode ser visualizada em

    http://richmond.indymedia.org/media/all/display/3364/index.php?limit_start=762.4Esquemtica e simplificadamente, a prtica retrica do argumentum ad hominempode ser assimapresentada: 1) Sujeito X considera vlido o argumento Y; 2) X no confivel; 3) Logo, Y falso.H quatro formas principais de argumentos contra homem: abusivo (efetivamente referindo-se acaractersticas pessoais do defensor do argumento), circunstancial (dirigido ao debatedorcircunstancialmente acometido de grande emoo) e do tipo poo envenenado (sugere odescarte do argumento sob o fundamento de que o debater tem algo a ganhar com sua vitria), tuquoque(crtica ao argumento defendido por quem no efetivamente pratica). Para aprofundamentosobre a matria, ver COHEN, Jean; BREMOND, Claude; KUENTZ, Pierre; GENETTE, Grard;BARTHES, Roland. Pesquisas de Retrica. Vozes. Petrpolis, 1975.

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    em razo das diferenas culturais, econmicas e jurdicas entre o modelobrasileiro e o anglo-saxo.

    Este trabalho no nega as profundas diferenas dos dois sistemasjurdicos, bem como a importncia de ateno ao lugar como requisito de mtodo.Por igual, procura manter-se permevel s experincias jurdicas estrangeiras e

    possibilidade de adequaes s realidades nacionais, como resultado depossveis e esperados avanos dentro do macrossistema jurdico ocidental. Comessas premissas paradigmticas, nos captulos que seguem, pretendemos lanarconsideraes sobre punitive damages e sua possvel aplicao naresponsabilidade civil trabalhista brasileira.

    Em carter preliminar tentaremos compreender de forma geral ofuncionamento do modelo estadunidense de punitive damages. Como mtodo,utilizaremos as fontes originais, preferencialmente as orientaes fornecidas pelosrgos de excelncia de formao do direito, os tribunais superiores dos EUA.

    Utilizando-se o conhecimento adquirido no captulo pretrito, teremosoportunidade de debater as objees nacionais que costumam ser dirigidas ao

    modelo em estudo. Seguindo-se o objetivo de construir uma possvel sntese decompatibilidade, optaremos por utilizar mtodo dialtico de apresentao dascrticas, anlise da adequao de suas premissas e, efetivamente, apresentarnossas consideraes sobre adequao jurdica.

    Nos captulos finais temos a inteno de adentrar no universo do direitodo trabalho. Para uma anlise um pouco mais aprofundada, buscaremoscompreender a forma com que outras cincias identificam os macrossignificadosde contrato de emprego, empresa e delinqncia patronal. Com esses referenciaisestaremos, ento, preparados para a anlise propriamente dita de adequao,forma e necessidade de aplicao depunitive damagesno campo das relaes deemprego e seu manejo nas demandas individuais.

    Por fim, e retomando concluses parciais, apresentaremos nossasconsideraes finais.Este estudo est muito longe da pretenso de esgotamento das

    diversas questes que cercam os punitive damages e a responsabilidade civiltrabalhista. O singelo objetivo fornecer alguns elementos para possvelcompatibilizao de tais construes jurdicas. Para tanto, pretende-se situar omtodo e o discurso em ambiente alm da dogmtica, estabelecendo-se dilogopontual com a economia a sociologia e, essencialmente, com as inquietaes dequem lida cotidianamente com a aplicao do direito do trabalho.

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    2 CARACTERSTICAS CONTEMPORNEAS DO MODELO ESTADUNIDENSEDE PUNITIVE DAMAGES

    No possvel uma traduo literal de punitive damages, poisconduziria a uma expresso em lngua portuguesa desprovida de significado

    jurdico5

    . Optamos pela locuo condenao punitiva, pois se constitui nafixao judicial de montante condenatrio que no tem o objetivo imediato decompensao do dano, mas de efetiva represso da conduta do ofensor. Empoucas palavras, busca-se pontuar a reprovao de certas condutas que ofendamo sentimento tico-jurdico prevalente em determinada comunidade.6Os motivossero aprofundados com uma mais completa compreenso do instituto.

    Chamada por alguns crticos anglfonos de smart money, punitivedamages expresso cunhada no direito norte-americano e que corresponde figura correlata britnica de exemplary damages. Em maior ou menor grau, soaplicadas em outros pases de tradio de direito dos precedentes, como Austrliae Nova Zelndia.7Embora tenha origem no direito do Reino Unido, analisaremos

    os atuais balizadores adotados no sistema dos Estados Unidos da Amrica, pasque os desenvolveu e aplica de forma mais recorrente e com rigor cientfico.As condenaes punitivas so ordinariamente impostas quando as

    condenaes compensatrias no se mostram como remdio adequado ousuficiente. Os rgos de jurisdio costumam aplica-las em situaes denecessidade de aumento da compensao dos querelantes, quando haja objetivode desestmulo na repetio da prtica, para compensar delitos civis noperceptveis ou reforar punies criminais.

    Apesar de haver utilizao nos EUA desde o sculo XVIII, a partir de1996 produziu-se intenso debate jurdico naquele pas sobre o tema. A origemest na sistematizao introduzida como resultado do julgamento do caso BMW X

    Gore, iniciado no estado do Alabama, mas que foi objeto de deliberao pelaSuprema Corte.Em janeiro de 1990, Dr. Ira Gore comprou um automvel BMW zero

    quilmetro em uma revenda autorizada da capital Birmingham. Aps nove meses,levou o carro para manuteno e soube que o veculo fora, antes da venda,

    5As expresses utilizadas em diversos trabalhos de lngua portuguesa e espanhola danospunitivos ou dans punitivos nos parecem inadequadas, pois apresentam singela traduoliterale que esto muito longe de esclarecer real contedo jurdico.6FACCHINI NETO, Eugnio. Da responsabilidade civil no novo cdigo. In: SARLET, Ingo Wolfgang(coordenador). O novo cdigo civil e a constituio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p.183.7Em artigo publicado por The New York Times, em 26/3/2008, noticia-se que diversos pases tminiciado experincias com punitive damages, nomeando Espanha, Austrlia e Canad: At thesame time, courts in a few contries are expanding the availability of punitive damages. The TribunalSupremo, in Spain, for instance, enforced a $ 1.3 million punitive award in a Texas trademark andunfair competition case in 2001. The Supreme Court of South Australia indicated that it wouldconsider enforcing U.S. punitive awards where they involved brazen and fraudulente conduct in2005. Perhaps most notably, the Canadian Court in 2003 upheld a $ 50,000 award in a Florida landdispute is does not violate our principles of morality. Justice Louis LeBel explained why this wasso, saying there was nothing in the American approuch that was inherently offensive to Canadianideas of basic fairness.

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    parcialmente repintado. Como resultado da descoberta, demandou judicialmentecontra a montadora, alegando falha no dever de informao. A BMW confirmouque houve repintagem de cerca de 1000 carros, desde 1983, para poder vende-loscomo novos. Mas tambm admitiu que nunca informou os compradores ouconcessionrias sobre a prtica.

    Dr. Gore provou que houve desvalorizao de cerca de US$ 4.000,00com a repintura, obtendo condenao nesse montante a ttulo de compensao.Todavia, o Juzo de Birmingham (Alabama Circuit Court) multiplicou esse valorpelo nmero total de carros que sofreram a maquiagem e tambm somoucondenao de US$ 4 milhes para punitive damages. Analisando o recurso, aCorte estadual do Alabama reduziu essa condenao para ainda considerveisUS$ 2 milhes, mas apenas porque o valor trazia por elementos circunstncias deoutros estados da nao.

    Pretendendo esclarecer a questo para futuros casos, a Suprema Cortenorte-americana concedeu a avocao do processo, e teve a oportunidade deestabelecer trs balizadores gerais em punitive damages:a) grau de repreenso

    da conduta; b) correspondncia entre as condenaes punitivas e o efetivoprejuzo produzido; c) a magnitude de sanes civis e criminais por condutassimilares. Tais elementos sero melhor identificados adiante.

    a) Grau de repreenso da conduta

    Pontuou a Suprema Corte que se trata do mais importante indicador derazoabilidade dos punitive damages.8 Segundo LEVY, esse balizador reflete aaceitao pelo tribunal de que algumas faltas so mais censurveis que outras eque o conceito de razoabilidade deve ser compreendido a partir da consideraoda totalidade das circunstncias do caso.9 Todavia, certo que a Corte

    expressamente referiu que o montante indenizatrio deve observar o mnimonecessrio para efetivamente pontuar a conduta reprovvel do ru.No caso da BMW, a tribunal constitucional enumerou alguns fatores

    agravantes, indicativos de maior grau de repreenso: a) violncia ou ameaa dedanos fsicos10; b) negligncia do ru ou desconsiderao pela sade ousegurana11; 3) dolo12; 4) uso de fraude ou simulao13; 5) reincidncia14; 6)sofrimento psicolgico do lesionado15; 7) nos casos de danos econmicos, atosintencionais de conduta ilcita ou dirigidos vtima financeiramente vulnervel16.

    8Perhaps the most important indicium of the reasonableness of a punitive damages award is thedegree of reprehensibility of the defendants conduct.(BMW v. GORE)9LEVY, Barry R. Bad enough to punish: the apllications of the responsability guidepost in punitive

    damages cases after BMW v. Gore. Federation of Insurance & Corporate Counsel Quarterly.Disponvel em http://findarticles.com/p/articles/mi_qa3811/is_19810ai_n8812153/10Violence or threats of bodily harm.11

    Indifference to or reckless disregard for the health and safety of others.12

    Intentional malice.13

    Trickery and deceit.14

    Recidivism.15

    Plaintiffs mental suffering.16

    In cases of economic harm, intentional acts of affirmative misconduct or harm to a financiallyvulnerable victim.

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    Julgamentos estaduais que se seguiram relacionaram outros elementosagravantes para a fixao das condenaes punitivas: 8) participao de altosfuncionrios na formao das leses17; 9) condutas praticadas por cobia18; 10)condio do sujeito lesionante de detentor de posio privilegiada ou deconfiana19; 11) interesse estatal na preveno da ilicitude particular.20

    Cortes estaduais dos EUA costumam tambm enumerar fatoresminorantes para a fixao de condenaes punitivas, como a participao defuncionrios com baixo poder de deciso na formao das leses; reconhecimentoda responsabilidade pela ilicitude por parte do lesionante; e tentativa do causadordo dano em mitigar os prejuzos.

    Em julgamento mais recente (State Farm Mutual Automobile InsuranceCo. v. Campbell21) o rgo jurisdicional voltou ao tema, referindo que no qualquer conduta que deve ser punida com condenaes punitivas e que se deveinicialmente acreditar que a conduta j foi suficientemente reprimida com a fixaodo ressarcimento ao autor por seus danos, isto com a condenao ressarcitria.

    A condenao punitiva, portanto, apenas ocorre em caso de insuficincia,

    somente quando a conduta ainda carecer de mais repreenso.Pode-se resumir na afirmao de que punitive damages devem serfixados quando se puder identificar hiptese em que a conduta a ser punida sejauniversal e profundamente reprovada e que, portanto, represente potenciais danosa uma coletividade.

    b) Correspondncia entre as condenaes punitivas e o efetivo prejuzo: aimportncia do desestmulo

    Na anlise da disparidade entre os danos efetivamente experimentadospor Dr. Gore, e o montante fixado em punitive damages, a Suprema Corte

    registrou que baixos valores de indenizaes compensatrias podem permitir umamaior correspondncia que altos valores de mesmo ttulo.No julgamento pelo Ninth Circuit, em 2001, da condenao imposta

    Exxon pelo famoso derramamento de leo no Alasca, pelo navio Exxon Valdez,houve nova anlise desse balizador. Tambm tentando fixar o contedo dacorrespondncia com o prejuzo, esclareceu que se deve observar que os valoresfixados precisam igualmente servir para impedir futuras condutas danosas.2223

    Em poucas palavras, as condenaes punitivas devem guardar certarelao com a indenizao ressarcitria, mas sem deixar de observar a funo

    17Participation of corporate management.

    18Misconduct motivated by greed.19

    Special status or position of trust.20

    State interest in preventing the particular misconduct.21Supreme Court of the United States. STATE FARM MUTUAL AUTOMOBILE INSURANCE CO.v.CAMPBELL et al. Certiorari to the Supreme Court of Utah, n. 01-1289. Argued December 11,2002Decided April 7, 2003.538 U.S. 408 (2003).22 Because the costs and settlements in this case are so large, a lesser amount is necessary todeter future acts (Exxon Valdez, 270, f. 3d at 1244).23De igual forma no julgamento pela Suprema Corte de Sierra Club Foundation v. Graham 85 Cal.Rptr. 2d 726 (Ct. App. 1999).

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    pedaggica, de modo que seja aplicada para servir de desestmulo para futurascondutas.24

    c) Comparaes com outras punies

    Em seu ltimo balizador, a Suprema Corte dos EUA afirmou que acomparao entre os valores de punitive damages e as penalizaes civis ecriminais que possam ser impostas por condutas ilcitas pode fornecer um indciode excesso na fixao. Busca-se descobrir se as condenaes punitivas atingem oponto de equilbrio que satisfaz, mas no excede, o montante necessrio paradevidamente punir e dissuadir.

    Tambm no julgamento do Exxon Valdez, houve a anlise de todos osdemais prejuzos experimentados pela r lesionante por conta dos fatosdeterminantes dos pedidos condenatrios, em especial a perda do navio e dacarga, custos com limpeza, acordos com entidades governamentais e privadas ediversas indenizaes compensatrias a que foi condenada. Verificando que a

    Exxon teve de despender mais de US$ 3.4 bilhes, entre multas e indenizaesressarcitrias, fixou a corte que difcil imaginar mais adequada represso porconduta negligente.25 Todavia, tambm afirmou que penalidades criminais pelodano no servem para limitar os punitive damages, ainda que atuem como dadoimportante.

    Em resumo, sublinha-se que a fixao de punitive damagesno podeser vista como fato isolado. Antes disso, deve verificar se a necessria repressocivil da conduta j no foi alcanada com outros tipos de prejuzos ou decondenaes eventualmente impostas pela mesma Corte, por outros Tribunais, oumesmo instncias administrativas.

    3 CONSIDERAES SOBRE AS CRTICAS RECORRENTES UTILIZAODE CONDENAES PUNITIVAS NO BRASIL

    No so poucas as crticas manejadas pela doutrina e jurisprudnciapara utilizao de punitive damagesna realidade jurdica brasileira. So naturaisos receios de utilizao indiscriminada de institutos de direito estrangeiro,especialmente oriundos de pases que no compartilham do mesmo tronco dosistema nacional brasileiro.

    24Em julgado do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul pontuou-se a necessidadede que um dos componentes da fixao da indenizao seja o atendimento de sua funo

    pedaggica: DANO MORAL - DANO ESTTICO - PENSO VITALCIA CONVERTIDA EMPARCELA NICA - VALOR DAS INDENIZAES. 1. Incontroversa a ocorrncia de acidente dotrabalho, so presumidos o dano e, em princpio, o nexo de causalidade do evento com o trabalho.Demonstrado o nexo de imputabilidade (culpa da empregadora), devida a indenizao. 2. Para afixao do valor da indenizao consideram-se o grau de culpa do empregador e a gravidade doacidente, bem como a situao econmica do ru, pois a indenizao tambm tem a funopedaggica de desestimular os descumprimentos das normas de segurana no trabalho. AcrdoProcesso n 01069-2006-301-04-00-3. Redator: RICARDO TAVARES GEHLING.Data: 21/05/2009 Origem: 1 Vara do Trabalho de Novo Hamburgo.25Exxon Valdez, MAT 1246.

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    De modo bastante geral, as objees baseiam-se em quatroargumentos: a) necessidade de se evitar os excessos indenizatrios comuns nosistema norte-americano; b) a representao que tem o instituto na figuradecadente e superada da pena privada; c) impossibilidade de estabelecimento depena sem prvia cominao legal; d) vedao no sistema nacional do

    enriquecimento sem causa.Adiante, as crticas sero individualmente identificadas e analisadas.

    a) Aparente incompatibilidade entre sistemas: excessos condenatrios

    Estudando a responsabilidade civil trabalhista, defende TEIXEIRAFILHO o rechao completo da fixao de condenaes punitivas, mesmo paradelinquentes patronais contumazes. No v necessidade ou utilidade na formaode advertncias a esses empregadores ou que sirvam para promover inibiodas condutas reprovveis. Para o autor, os punitive damagesdevem ser sempreafastados da perspectiva jurisdicional:

    Precisamente porque sua funo satisfatria, descabe estipular aindenizao como forma de punio exemplar, supostamente inibidora dereincidncias ou modo de eficaz advertncia a terceiros para que noincidam em prticas smiles. Os juzes ho que agir com extremocomedimento para que o Judicirio no se transforme, como nos EstadosUnidos, num desaguadouro de aventuras judiciais busca de uma sortegrande fabricada por meio dos chamados punitive damages suasexarcebadamente polpudas e excntricas indenizaes.26

    De modo geral, essa crtica compartilhada por grande parte dadoutrina da responsabilidade civil no trabalhista, utilizando-se fundamentos

    bastante semelhantes.Embora se encontrem tmidos avanos da jurisdio cvel de 1 o grau,ainda h larga reticncia dos tribunais de justia estaduais27e do Superior Tribunal

    26Teixeira Filho, Joo de Lima. O Dano Moral no Direito do Trabalho, In: Revista LTr, Vol. 60, n09, Setembro. So Paulo: LTr, 1996, p. 1172.27 Assim se registrou em acrdo do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul: De registrar,ademais, ante os argumentos apologticos em favor do instituto norte-americano do punitivedamages ostentados pela autora em suas razes recursais, afigurar-se, atualmente, inviabilizadopelo ordenamento jurdico brasileiro (em que pese existir controvrsias tanto no mbito doutrinriocomo jurisprudencial acerca do possvel carter punitivo da indenizao aferida a ttulo de danosmorais no Brasil), que se atm a avaliar a extenso do dano e sua compensao, procurando

    nunca extrapolar o real prejuzo sofrido pela vtima, seja ele material ou moral. [...]. Assim, o carterpunitivo das indenizaes por danos morais no Brasil guarda semelhana com os "punitivedamages" do direito norte-americano, mas deles se distingue na forma de aplicao, na substnciae na eficcia, at mesmo porque nos EUA, a maioria das disputas jurdicas so resolvidas demaneira prtica, sem o abarrotamento dos tribunais com os processos tradicionais, em vista dadiscricionariedade conferida aos jris populares, que, de ressaltar, vem sofrendo severas crticastanto pela doutrina como jurisprudncia, ante a ocorrncia de distores na fixao dos danospuni t ivos, que extrapolam o bom senso, havendo j estudos no sentido de tentar combater averdadeira indstria de indenizaes que parece ter se instalado em territrio americano, onde ateoria do valor do desestmulo assumiu contornos de verdadeira aberrao jurdica, facilmente

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    de Justia na fixao de punitive damages.28Pontua-se a compreenso de que,mesmo se aceito o carter punitivo da condenao, este deve ocorrer apenascomo reflexo da condenao ressarcitria. O elemento de desestmulo at podeexistir embutido na condenao, mas apenas no montante suficiente pararessarcir o lesionado e sem que lhe produza riqueza inesperada. Esse

    entendimento fica claro em julgamentos pelo STJ de recursos em que se discutefixao de valor de indenizao:

    DANO MORAL. REPARAO. CRITRIOS PARA FIXAO DO VALOR.CONDENAO. ANTERIOR, EM QUANTIA MENOR. Na fixao do valorda condenao por dano moral, deve o julgador atender a certos critrios,tais como nvel cultural do causador do dano; condio scio-econmica doofensor e do ofendido; intensidade do dolo ou grau da culpa (se for o caso)do autor da ofensa; efeitos do dano no psiquismo do ofendido e asrepercusses do fato na comunidade em que vive a vtima. Ademais, areparao deve ter fim tambm pedaggico, de modo a desestimular a

    prtica de outros ilcitos similares, sem que sirva, entretanto, a condenao

    de contributo a enriquecimentos injustificveis. Verificada condenaoanterior, de outro rgo de imprensa, em quantia bem inferior, por fatosanlogos, lcito ao STJ conhecer do recurso pela alnea c do permissivoconstitucional e reduzir o valor arbitrado a ttulo de reparao . Recursoconhecido e, por maioria, provido.29

    Julgamentos de processos cveis brasileiros esclarecem a importnciade vedao de excessos condenatrios, para que assim sejam estancadasdemandas inconseqentes que buscam lucro fcil. Em algumas decises, o

    constatada pelos inmeros casos de indenizaes milionrias decorrentes dos fatos mais triviais einusitado (grifo nosso). Apelao Cvel n 70018626622, Relator Desembargador OsvaldoStefanello, julgado em 08/05/2008.28 Tambm a Corte Interamericana de Derechos Humanos nega a possibilidade de fixao dedaos punitivos, sob o argumento que a justa indenizao deve se limitar compensaoindividual dos danos: El reconocimiento del derecho a la reparacin integral no se opone a laposibilidad de establecer criterios para determinar el mbito y el monto de la indemnizacin. As,cuando no es posible la restitutio in integrum, como ocurre en el caso de violaciones al derecho ala vida, la Corte Interamericana ha admitido buscar formas sustitutivas de reparacin a favor de losfamiliares y dependientes de las vctimas, como la indemnizacin pecuniaria, para compensar losdaos materiales y los daos morales. Sin embargo, hasta ahora no ha aceptado que dichareparacin incluya los daos punitivos, es decir, aquellos otorgados a la vctima, no para repararun dao material o moral directamente causado, sino para sancionar la conducta del condenado,cuando ste ha actuado con excesiva maldad, temeridad, o violencia, a pesar de que variaslegislaciones internas los reconocen como parte de la reparacin integral de los daos

    ocasionados por el delito. En cuanto a la posibilidad de reconocer reparaciones por daospunitivos, la Corte Interamericana ha enfatizado que el carcter de la justa indemnizacin a quese refiere el artculo 63.1 es compensatorio y no sancionatorio, por lo cual, aunque algunostribunales internos, en particular los angloamericanos, fijan indemnizaciones cuyos valores tienenpropsitos ejemplarizantes o disuasivos, este principio no es aplicable en el estado actual dederecho internacional.(grifamos) (Corte Interamericana de Derechos Humanos, Caso VelsquezRodrguez, Sentencia de 17 de agosto de 1990, Serie C No. 9, prrs. 37 38. Caso Godinez Cruz,Sentencia de 21 de julio de 1989, Serie C, No. 8, prrs. 35-36).29REsp 355392 / RJ. RECURSO ESPECIAL. 2001/0137595-0. Relator para o acrdo Min. CastroFilho, 3aTurma, julgamento em 17/6/2002.

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    Tribunal Superior do Trabalho pde verificar a migrao para a JustiaEspecializada de absurdas pretenses indenizatrias de danos morais. Comoforma de barrar a prtica, tambm elegeu como parte importante de seusfundamentos a vedao de utilizao depunitive damagese sua incompatibilidadecom o sistema brasileiro de responsabilidade civil.Assim se verifica em julgado de

    2009, com voto de relatoria do Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira:No que concerne indenizao por danos morais, observa-se que umadas questes de maior complexidade nessa matria justamente a fixaodopretium doloris. Quando se trata de dano patrimonial, de fcil aferioo valor de reposio do bem atingido. Todavia, no dano moral, acorrespondncia entre a ofensa e o dano bem mais difcil, requerendo

    ponderao e bom-senso do julgador, a fim de que no se cometamexcessos, como nos Estados Unidos, onde existe uma quantidadeinfindvel de aventuras judiciais, por meio dos chamados punitivedamages, fruto de estarrecedoras decises dos pretrios americanos.30

    irrepreensvel a conduta jurisdicional de obstaculizar e punirdemandas embaladas por sonhos de lucros fceis, fabricaes de doresespirituais e dramatizaes de contratempos do cotidiano. A lida jurisdicionalproduz quase tanta indignao pelas delinquncias patronais, como pelosmanejos patolgicos de aes de indenizaes de danos morais.

    Por certo, no lcito supor que todas as demandas hbeis areceberem provimento de indenizao punitiva so conduzidas por ambiesindividuais despropositadas. Algumas sem dvida pretendem lucro fcil, mastambm h lucro fcil na empresa que produz largo descumprimento decondies de trabalho e, assim, aumenta seus resultados financeiros, lesandodiversos empregados e prejudicando a concorrncia. Especialmente quando o

    ressarcimento individual recebido unicamente pelos poucos trabalhadores quese aventuram na demorada, custosa e altamente incerta via do processo judicialde indenizaes pessoais.

    A anlise at ento feita da aplicao do direito comparado, comoforma de barrar as condenaes punitivas, tambm no parece ser a maisacertada. Nos ltimos anos a imprensa e o cinema trataram de abordar a fixaode punitive damages em Cortes dos EUA como verdadeira indstria do danomoral. Retrataram relativa facilidade com que pessoas comuns subitamenteficariam milionrias por pequenos contratempos da vida cotidiana, sempreimputveis s grandes, e s vezes inocentes, corporaes. Essas idias, por maisimprecisas, fazem parte hoje do imaginrio popular de grande parte do mundo

    ocidental e atuam como robusta barreira em muitos pases para adoo decondenaes punitivas.Desde o final do sculo XX, os EUA produzem jurisdicionalmente o que

    chamam de tort reform, e que especialmente direcionada para a diminuio devalores de condenaes nas aes de responsabilidade civil. Conformebalizadores estabelecidos com GORE x BMW, procurou a Suprema Corte

    30 Processo: AIRR - 301/2006-022-15-40.7 Data de Julgamento: 10/06/2009, Relator Ministro:Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3 Turma, Data de Divulgao: DEJT 31/07/2009.

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    estadunidense fixar de modo muito firme que punitive damages no deve sermanejado em qualquer tipo de processo. Ao contrrio, vem o rgo jurisidicionalesclarecendo no apenas as especficas hipteses, mas tambm a importncia delimitao de valores a serem fixados para desestmulo dos sujeitos infratores.31

    No mbito da conceituada Harvard Law School, produziu-se estudo

    estatstico a respeito dos valores alcanados em fixaes de punitive damages. Otrabalho considerou 64 hipteses de condenaes de mais de US$ 100 milhes,os quais espirituosamente denominou como blockbuster punitive damagesawards. Segundo as anlises conduzidas por VISCUSI, professor da mesmauniversidade, os blockbustersesto altamente concentrados geograficamente nosEUA, sendo que quase metade desses so oriundos de apenas dois estadosfederados. Tambm verificou que, em quase todos os casos de apelo, houvesignificativa reduo de valores.32

    Outro estudo da mesma universidade, produzido por SHAVELL, refereque os julgadores estadunidenses tm dedicado especial ateno anlise dovalor arbitrado de punitive damages. Verifica que cada situao deve ser

    individualmente analisada, identificando especialmente o potencial lesivo que tevea conduta do ru coletividade e o montante de pessoas potencialmenteatingidas.33

    A orientao jurisdicional surtiu efeito. Em trabalho, produzido em 2002,LAYCOCK percebe que punitive damagesso estabelecidos em apenas 2% dasdemandas que vo efetivamente a julgamento e que o valor mdio fixado oscilaentre US$ 38 mil e US$ 50 mil.34Deve-se atentar para a particularidade dos altoscustos dos processos judiciais estadunidenses, de modo que as contendas queefetivamente recebem sentena ordinariamente tm litigantes de grandecapacidade econmica. Os valores fixados, portanto, esto bastante longe designificar efetivo empobrecimento para o infrator ou enriquecimento exagerado ao

    autor da ao.Percebe-se que mesmo nos EUA so poucos os processosconsiderados habilitados a receber resposta jurisdicional na forma de punitivedamages. E mesmo nos que recebem esse provimento jurisdicional, h repdio naordinariedade de fixao de valores excessivos.

    Distores e ms-aplicaes de referenciais jurdicos prescindem deorigens especficas. Normas legisladas, clusulas contratuais, orientaes

    jurisprudenciais, lies doutrinrias ou experincias de direito comparado podemser bem ou mal manejados; corretos ou incorretamente postulados, conhecidos e

    31 No julgamento da demanda MATHIAS x ACCOR ECONOMY LODGING, INC., em 2003,registrou a Suprema Corte que few awards (of punitive damages) exceeding a single digit ratiobetween punitive and compensatory damages, to a significante degree, will satisfy due process(347 F.3d 672 (7 th Cir. 2003).32 VISCUSI, W. Kip. The blockbuster punitive damages awards. Trabalho apresentadoinicialmente como Discussion Paper n. 473, 04/2004. Harvard Law School, Cambridge, MA 02138,The Harvard John M. Olin Discussion Paper Series. Tambm apresentadona Emory Law SchoolThrower Symposium, February 19, 2004 e no Emory Law Jornal.33SHAVELL, Steven. On the proper magnitude of punitive damages: Mathias x Accor EconomyLodging, Inc.1210 Harvard Law Review 1223 (2007), p. 1224.34 LAYCOCK, Douglas. Modern American Remedies. Aspen: Aspen Law & Business, 2002, p.732-736.

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    aplicados, dependendo do conhecimento e intenes daqueles que atuam nosprocessos judiciais.

    Percebe-se que a fixao de condenaes punitivas no encontracorrespondncia em idias de prmios sbitos e exorbitantes para sujeitoscircunstancialmente lesionados por fatos cotidianos. Trata-se de medida

    cientificamente identificada para oferecer resposta adequada a fatosextremamente relevantes e que demandam cuidados um pouco diferentes dossimplismos dos ressarcimentos individuais.

    b) Vedao de instrumentos de pena privada

    Nos estudos de MARTINS-COSTA & PARGENDLER a grande atraoexercida pelos punitive damages est na idia retrgrada da pena privada:relatam que o instituto de origem romana sano a ato privado, resultando numaaflio ao ru derivada da imposio de uma diminuio patrimonial imposta comcarter punitivo, e no ressarcitria. Defendem as autoras que o processo de

    despenalizao da responsabilidade civil conduziu ao cancelamento da originriafuno penal, o que desautoriza a retomada no direito brasileiro.35A doutrina, todavia, est longe de ser unnime. A primeira reparao

    refere-se aparente confuso entre os conceitos de pena e sano. Nessesentido o magistrio de PAMPLONA FILHO ao discorrer sobre a natureza jurdicada responsabilidade civil:

    [...] h uma grande confuso na utilizao dos termos sano e pena queconstantemente so tratados como sinnimos, quando, em verdade, trata-se de dois institutos que esto em uma relao de gnero e espcie. Asano, como j exposto, a consequncia lgico-jurdica da prtica deum ato ilcito, pelo que, em funo de tudo quanto foi exposto, a natureza

    jurdica da responsabilidade, seja civil, seja criminal, somente pode sersancionadora. Entretanto, no h que se dizer que a indenizao oucompensao, decorrente da responsabilidade civil, seja uma pena, poisesta uma conseqncia da prtica de um delito (o ato ilcito, na suaconcepo criminal), ou seja, a conduta que lesa ou expe a perigo umbem jurdico protegido pela lei penal.36

    Com propriedade, tambm lembra o autor que so comuns casos emque a responsabilidade civil originada de imposio legal, como nas hiptesesde acidentes do trabalho ou das atividades nucleares. Nesses casos, defende queos efeitos no deixam de ser sanes, pois decorrem do reconhecimento dodireito positivo de que os danos causados j eram potencialmente previsveis, emfuno dos riscos profissionais da atividade exercida.37

    35MARTINS-COSTA, Judith; PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da funo punitiva(punitive damages e o direito brasileiro). In: REVISTA DA AJURIS, ano XXXII, n. 100. Porto

    Alegre: AJURIS, dezembro de 2005, p. 231, 237 e 248.36PAMPLONA FILHO, Rodolfo. O dano moral na relao de emprego.So Paulo: LTr, 1999, p.29.37PAMPLONA Filho, op. cit., p. 29-30.

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    Compreende CAHALI que parece ser mais acertado dizer que omecanismo protetivo da norma geral de ressarcimento ou reparao caracteriza-se por uma natureza mista, de modo que o dever de indenizar representa por si aobrigao fundada na sano do ato ilcito.38

    Soma-se o magistrio de MARIA HELENA DINIZ, para a qual a

    responsabilidade civil possui uma dupla funo: em paralelo ao objetivo essencialde indenizar, ressarcir, reparar, coloca-se a necessidade de tambm ser vistacomo modo de atuao de uma sano civil, punindo o lesante e desestimulandoa prtica de atos lesivos.39

    Em estudo sobre as caractersticas da responsabilidade civil brasileiratemperada pelas determinantes constitucionais, FACCHINI NETO lembra que aenorme difuso contempornea da tutela jurdica dos direitos da personalidadeteve o poder de recuperar uma funo diferente para a condenao. Soma-se noapenas uma funo dita punitiva, mas outra que o autor identifica comodissuasria e que tem o objetivo de sinalizar a todos os cidados sobre quaiscondutas devem ser evitadas, por serem reprovveis do ponto de vista tico-

    jurdico.

    40

    Tambm a doutrina portuguesa, sem precisar render-se a frmulasretrgradas da pena privada, consegue compreender uma funo sancionadora naresponsabilidade civil:

    A responsabilidade civil exerce uma funo reparadora, destinando-se,como destina, a reparar ou indenizar prejuzos por outrem sofridos. Masdesempenha tambm uma funo sancionadora, sempre que na sua basese encontra um acto ilcito e culposo, hiptese a que nos vimos reportando,pois representa uma forma de reao do ordenamento jurdico contra essecomportamento censurvel.41

    As figuras pena privada e funo sancionadora so bastantediferentes tambm nos objetivos. A pena privada relaciona-se essencialmente coma vingana pessoal. Vingar-se no envolve qualquer interesse de criar benefciopara outros, envolve unicamente promover uma satisfao pessoal atravs dosofrimento alheio. As hipteses de atuao das condenaes punitivas viu-seatravs das condies fixadas no direito norte-americano relacionam-seprimordialmente com o objetivo social de promover o desestmulo de condutasfortemente danosas e reprovadas pela coletividade. Nessa hiptese, a utilizaodo mecanismo punitivo est longe da pequeneza moral da vingana, mas atuacomo instrumento para consagrar a inteno social de no repetio da infrao.

    Fora-se a impossibilidade de confundir qualquer modalidade de pena

    privada com a responsabilidade civil contempornea. Independentemente de se

    38CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. So Paulo: RT, 1998, p. 33.39DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil.Vol VII. So Paulo: Saraiva, 2006, p. 8-9.39FACCHINI NETO, op. cit., p. 184.40TELLES, Inocncio Galvo. Direito das Obrigaes. 7. ed.Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p.418.

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    manifestar como pena, indenizao ou compensao pecuniria, sua naturezajurdica ser sempre sancionadora.

    A compreenso de uma atuao tambm punitiva no mbito do direitoprivado no significa a aceitao da validade da violncia entre os privados, ou aproduo de justia com as prprias mos. O entendimento resulta

    essencialmente da compreenso de alcance e objetivo que tem o Estado nombito da regulao dos privados. Mesmo no ambiente da normativa das relaesparticulares, cumpre ao instrumento estatal do direito, manejado pelo monoplioda jurisdio, estabelecer o que deve prevalecer. Tambm na jurisdio do direitoobrigacional cumpre ao Poder Pblico identificar, premiar e punir condutas queso incompatveis com o projeto estatal de regulao social.

    O macro sistema do direito obrigacional brasileiro no plenamenterefratrio ao estabelecimento depenas. Em especial todo o captulo V do Ttulo IVda Parte Geral de nosso Cdigo Civil (artigos 408 e seguintes), ao prescrever oregramento da clusula penal, fixa autntica pena pelo descumprimento deobrigaes, sem que isso possa ser confundido com aspecto de justia privada ou

    prtica criminosa.O Supremo Tribunal Federal j teve a oportunidade de se manifestarsobre punitive damages por ocasio do julgamento, em 2004, do Agravo deInstrumento 455846/RJ e, com naturalidade, viu presente uma funo punitiva.Paciente de hospital pblico recebeu tratamento mdico inadequado ministradopor funcionrio, resultando danos fsicos permanentes. No julgamento da ao deindenizao de danos morais dirigida em face da Administrao, observou a Corteque o juzo a quobem observou a orientao de que a condenao deve ter duplafuno: uma compensatria e uma de carter punitivo, denominando essa ltimacomopunitive damages.

    O instituto do punitive damages no se confunde com efeito punitivo

    produzido e esperado como conseqncia da condenao imposta deressarcimento de danos morais ao indivduo ofendido. Viu-se, pela anlise tantoda doutrina nacional como pelo direito estadunidense, que o estabelecimento decondenao punitiva no mbito de demanda de responsabilidade civil individual medida que parte da suposio da necessidade de penalizao do ofensor paradesestmulo de prticas futuras, fixada de modo relativamente independentementedo ressarcimento dos prejuzos pessoais sofridos.

    Em poucas palavras, a hiptese manejada pelo STF de penalizaodentro do ressarcimento; punitive damages punio em paralelo aoressarcimento. De qualquer forma, a deciso importante para compreenso daresponsabilidade que tem o Estado na regulao das relaes interprivadas,tambm cabendo fixar sanes para impedir repeties danosas.42

    42 O Tribunal Regional do Trabalho, em diversos julgados, reconhece a existncia de carterpunitivo na fixao de indenizaes de danos morais produzidos durante contrato de emprego. Aementa de julgado recente expressa a esse respeito: RECURSO DE REVISTA. (...) DANOSMORAIS - CRITRIO PARA ARBITRAMENTO DO VALOR DA INDENIZAO - CARTERSATISFATIVO-PUNITIVO. A quantificao do valor que visa a compensar a dor da pessoa deve terum duplo carter, ou seja, satisfativo-punitivo. Satisfativo, porque visa a compensar o sofrimento davtima, e punitivo, porque visa a desestimular a prtica de atos lesivos honra, imagem daspessoas. Recurso de revista conhecido e desprovido. Processo: RR - 1851/2002-002-17-00.0 Data

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    c) Impossibilidade de estabelecimento de pena sem prvia cominao legal

    BODIN DE MORAES autora que traz interessante crtica aos punitivedamagesna afirmao da impossibilidade de criao de pena, sem prvia lei quea preveja. Afirma, portanto, violao ao princpio da legalidade. Nas palavras da

    professora carioca:No entanto, ao se adotar sem restries o carter punitivo, deixando-o ao arbtriounicamente do juiz, corre-se o risco de violar o multissecular princpio dalegalidade, segundo o qual nullum crimen, nulla poena sine lege; alm disso, emsede civil, no se colocam disposio do ofensor as garantias substanciais eprocessuais como, por exemplo, a maior acuidade quanto ao nus da prova tradicionalmente prescritas ao imputado no juzo criminal.43

    No h dvidas de que a norma da impossibilidade de pena sem prviacominao legal, prevista no artigo 5o XXXIX da CRFB/88 notvel conquistacivilizatria e deve ser preservada. Mas diante da natureza jurdica e destinaoda sano, com de regra a privao de liberdade, o dispositivo trata apenas dodireito criminal. A norma de impossibilidade de penas sem previso legal anteriorao fato refere-se a condutas consideradas crimes e contravenes, condutasomissivas ou comissivas descritas exaustivamente na legislao penal. A prpriaredao do dispositivo deixa bastante claro: no h crime sem lei anterior que odefina, nem pena sem prvia cominao legal (grifamos).

    A doutrina constitucional relativamente pacfica quanto ao alcanceexclusivamente criminal do dispositivo:

    O dispositivo contm uma reserva absoluta de lei formal, que exclui a possibilidadede o legislador transferir a outrem a funo de definir o crime e de estabelecerpenas. Demais, a definio legal do crime e a previso da pena ho que preceder

    o fato tido como delituoso.

    44

    No poderia ser diferente. Desde a regra geral do artigo 159 dorevogado Cdigo Civil de 1916 e, atualmente, no artigo 927 do novo Cdigo, aopo nacional de fixao de um preceito genrico para responsabilidade civil.Mesmo no perodo de mais intensa paixo pelas idias de completude codicista,

    jamais se cogitou que pudesse haver enumerao de todas hipteses de fato paraaplicao de responsabilidade civil e fixao de condenaes tarifadas.

    Nem a fixao de condenao ressarcitria ao indivduo pontualmentelesado, nem o estabelecimento de parcela de condenao punitiva confundem-secom crime e pena. A responsabilidade civil estabelecida no sistema de direitobrasileiro de forma genrica, devendo ser manejada pelo juiz na fixao decondenao que seja a mais esperada e eficaz individual e socialmente.

    de Julgamento: 02/09/2009, Relator Ministro: Renato de Lacerda Paiva, 2 Turma, Data deDivulgao: DEJT 18/09/2009.43BODIN DE MORAES, Maria Celina. Danos pessoa humana: Uma leitura civil-constitucionaldos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 260.44SILVA, Jos Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. So Paulo: Malheiros, 1999,p. 430.

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    d) Vedao no sistema nacional do enriquecimento sem causa

    Impedir enriquecimentos sbitos e desmesurados de particulares, comoresultado de recebimento de expressivos montantes condenatrios eis o centrode importante argumento contrrio frmula de punitive damages.

    Dogmaticamente, centra-se na idia de ocorrncia de bice no ordenamentojurdico nacional que, mesmo antes da vigncia do Cdigo Civil de 2002, j vedavao enriquecimento sem causa como princpio informador do direito. Com a novacodificao privada, o artigo 884 passou a inscrever expressamente:

    Aquele que, sem justa causa, se enriquecer custa de outrem, ser obrigado arestituir, o indevidamente auferido, feita a atualizao dos valores monetrios.

    O artigo 884 no dispositivo que tem pretenso aparente de regrarelementos para fixao de indenizaes, vez que est inserido no Ttulo VII Dos

    Atos Unilaterais. Em hermenutica, parece evidente que os critrios de fixao deresposta jurisdicional para demandas de responsabilidade civil devem ser

    buscados em dispositivos do Cdigo Civil um pouco mais prximos, conceitual egeograficamente, do Ttulo IXDa Responsabilidade Civil. Especialmente, porqueh ttulo prprio (II, artigos 944 a 954) que trata da indenizao.

    Em algumas situaes, fora-nos verificar que h mais esforo tendentea buscar argumentos para a diminuio de indenizaes a notrios violadores doordenamento jurdico, que estabelecer efetivas solues para impedir adelinqncia. Parece-se acreditar que a segurana jurdica ou segurana social preferencialmente alcanada impedindo que os j reconhecidos transgressoresdo direito sejam punidos em demasia. Para se evitar o excesso, opta-se porfrmulas sabidamente insuficientes e barram-se iniciativas de estabelecimento demedidas judiciais que ofeream respostas voltadas efetividade.

    Especialmente no universo do direito do trabalho, a situao no nova. Lembra RAMOS FILHO que o ilcito trabalhista sempre foi,eufemisticamente, considerado pela doutrina e pela jurisprudncia comodescumprimento ou como inadimplemento da lei ou do contrato, ao contrrio doque ocorre em outros ramos do direito. A criminalizao e a represso aintegrantes das classes dominantes so posturas novas na histria da repblica,razo pela qual talvez nem sempre tenham sido bem recebidas por parte de certosmeios de comunicao e rgos de imprensa. O autor utiliza a figura do cinismocaricato daquele que temeria eventual falta de lugar nas cadeias se a nova leipegasse e que, agora, poderia argumentar que, na mesma medida em que aJustia Criminal no foi concebida para colocar integrantes das elites nas prises,

    a Justia do Trabalho tambm no teria sido engendrada para, efetivamente, fazercumprir a legislao do trabalho; o que aqui se defenderia seria ingenuidade ouperda de tempo. Conclui o professor da UFPR que nem por isso a Justia doTrabalho est condenada a se tornar eternamente seletiva como o a

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    Justia Criminal e que no deve permanecer inerte em relao s prticasde delinqncia patronal que sejam identificadas.45

    V-se que a busca da efetividade da represso da delinqncia privada caminho difcil, pois esbarra em aparentes entraves institucionais, em pr-orientaes histricas, em falsas neutralidades.

    Escolher entre, de um lado premiar o trabalhador j lesionado comprofunda e extremamente reprovada violao jurdica por seu empregador,estabelecendo-se indenizao acima do ressarcimento individual; ou, de outrabanda, manter parcialmente impune o mesmo delinquente, no nos parece umaescolha muito difcil.

    De qualquer forma, no sero essas dificuldades que retiraro dacincia jurdica sua caracterstica de cincia do dever-ser, da busca pela soluomais prxima da justia. No se h de recorrer s simplicidades de formasutilitaristas de escolha e tentar optar pela frmula menos pior. Mesmo a idia devedao de enriquecimento sem causa como princpio informador do direito podeser preservada, seguindo-se a coerente concepo da coletividade dos atingidos

    pela delinqncia patronal e a certeza de necessidade de eficaz construo demecanismos que impeam a reincidncia.Apesar de estar longe de acabada, uma possvel frmula de represso

    de delinquncias patronais por meio de condenaes punitivas, suprimindo-sehiptese de enriquecimento injustificado do trabalhador lesionado, ser retomadano final deste trabalho.

    4 RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DO TRABALHO

    Singelamente, responsabilidade civil pode ser delimitada como aobrigao de reparar o dano que uma pessoa causa a outra. A fonte geradora da

    responsabilidade civil o interesse em restabelecer o equilbrio violado pelo dano.O artigo 197 do nosso Cdigo Civil determina que aquele que, por atoilcito causar dano a outrem, fica obrigado a repar-lo. Teorias da responsabilidadecivil procuram determinar em que condies uma pessoa pode ser consideradaresponsvel pelo dano sofrido por outra pessoa e em que medida est obrigada arepar-lo. Essa reparao ou compensao do prejuzo da vtima poder serpecuniria, in naturaou mesmo uma carta de retratao. relativamente pacficoque ao identificar um dano causado a outrem em decorrncia de um ato ilcito,procura-se analisar prioritariamente trs aspectos: o dano existente, o nexo causale a responsabilidade do agente causador.

    O fato gerador do direito e a reparao do dano pode ser a violao de

    um ajuste contratual das partes ou de qualquer dispositivo legal do ordenamentojurdico, incluindo-se o descumprimento de dever geral de cautela. Quando ocorrea primeira hiptese, dizemos que a responsabilidade de natureza contratual; ena segunda denominamos responsabilidade extracontratual ou Aquiliana.

    45RAMOS FILHO, Wilson. Delinquncia patronal, represso e reparao, So Paulo, a. 7, n. 28,p. 129-48, out./dez. So Paulo: LTr-Anamatra, 2008.

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    MARIA HELENA DINIZ lembra que o princpio que domina aresponsabilidade civil na era contempornea o da restitutio in integrum, ou seja,da reposio completa situao anterior leso, por meio de uma reconstituionatural, de recurso a uma situao material correspondente ou de indenizao querepresente do modo mais exato possvel o valor do prejuzo no momento de seu

    ressarcimento

    46

    . A concepo da plena restituio dos prejuzos interessa a essetrabalho na concepo que consegue identificar a leso abstrada do sujeito que arecebe de forma mais imediata.

    A responsabilidade civil est a cada dia mais presente na esferatrabalhista. Antes raros, atualmente so comuns os pedidos de dano moraloriundos de prticas abusivas, podendo-se mencionar o assdio moral e sexual, ainterceptao de correspondncias eletrnicas, as revistas ntimas, os castigos pordescumprimento de metas. As prprias aes acidentrias movidas em face doempregador tambm derivam da aplicao do instituto da responsabilidade civil naesfera do contrato de trabalho. Diversos so os estudos que concluem que oambiente laboral provavelmente o mais propcio para a produo de diversos

    prejuzos de ordem moral, em especial como resultado da subordinao subjetivaimposta ao empregado.No obstante, a conquista da responsabilidade civil no campo de

    atuao do direito individual do trabalho, seu desenvolvimento tem sido umcaminho difcil, tanto no mbito do direito material, como no de competncia

    jurisdicional. Apenas com a vigncia da Emenda Constitucional n 45 houvesedimentao no entendimento da competncia da Justia do Trabalho paraanlise e julgamento de todas as demandas em que se busca ressarcimento porprejuzos formados no ambiente de trabalho. A compreenso das diversashipteses de prejuzos, no singelamente oriundos de descumprimentos explcitosde regras legisladas ou do contrato individual, ainda questo tormentosa e que

    comumente esbarra em posicionamentos conservadores sobre normas gerais deconduta e aplicabilidade de direitos fundamentais.Talvez por tais caractersticas, so difceis as alteraes/evolues de

    posicionamento na esfera da responsabilidade civil trabalhista.Vimos anteriormente que a opo que tem o monoplio da jurisdio

    em estabelecer sanes tendentes a impedir, por meio da fixao de condenaespunitivas, a repetio de condutas intensamente reprovadas e danosas no seconfunde com as figuras da Antiguidade de penas privadas. Ao contrrio,pudemos perceber significativos traos de recente conquista civilizatria, pois ascaractersticas do Estado Social de ampliao de responsabilidades j comeam aalcanar as teorias da responsabilidade civil. Outorga-se ao Estado-Juiz poder-dever de identificar e reprimir condutas particulares reconhecidamenteincompatveis com o projeto contemporneo de vida em sociedade.

    Apesar das dificuldades que tem o direito do trabalho em tratar daresponsabilidade civil, percebe-se j na dogmtica motivo para uma compreensomais natural sobre os efeitos punitivos pelo descumprimento do referencialnormativo legislado: as diversas multas previstas nas leis trabalhistas.

    46DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Vol. VII. So Paulo: Saraiva, 2006, p. 7-8.

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    A legislao tutelar, de forma muito natural e desde sua origem,reconheceu que a infrao empresarial ao contrato mnimo legal no apenasimplica deveres de ressarcimento ao funcionrio, mas tambm produz puniespatrocinadas pelo Estado. Diversas verbas trabalhistas quando no devidamentepagas, ou condies de trabalho se no corretamente observadas, tm como

    efeito ao transgressor o estabelecimento de sanes no meramenteressarcitrias ao empregado. Entre outras hipteses, temos multas por nocumprimento dos dispositivos de durao do trabalho (artigo 75 da CLT), de frias(artigo 153 da CLT), de segurana e medicina do trabalho (artigo 201 da CLT), denacionalizao do trabalho (artigo 351 da CLT), de proteo ao trabalho da mulher(artigo 401 da CLT), de proteo ao trabalho do menor (artigos 434 e 435 da CLT),pelo no recolhimento de FGTS (artigo 22 da Lei n 8.036/90).

    Nas situaes expostas, no temos a fixao de penalizao ao infratorcomo efeito do estabelecimento de indenizaes ao empregado. As multas soautnticas penas, produzidas no ambiente de contratos individuais, mas cujasano efetuada em benefcio do Poder Pblico. O ressarcimento ao empregado

    lesado com a conduta at pode produzir penalizao empresarial pela restituioindividual, mas as multas acima so verdadeiramente penas, fixadas em paralelo restituio.

    No poderia ser muito diferente, porque a penalizao, como resultadodo ressarcimento, seria por demais limitada se apenas atuasse estabelecendo opagamento em atraso da verba inadimplida. Valendo-se do benefcio do tempo,fora-se admitir que o atraso no pagamento, nesses casos, significa mais umbenefcio ao empregador delinqente que verdadeiramente uma pena.

    V-se que o microssistema obrigacional trabalhista expressamenteidentifica diversas hipteses em que o no cumprimento de normativos da relaoprivada empregador-empregado provoca efeitos ao lesionante que exorbitam a

    rbita do interesse ressarcitrio do indviduo prejudicado.Acaso se o direito do trabalho brasileiro tivesse optado por considerarefeitos limitadamente de recomposio econmica ao sujeito agredido pelo nocumprimento do direito tutelar, haveria coerncia na sustentao de igual limitaodo provimento jurisdicional ao pontual ressarcimento do que foi perdido. Todavia,verificando-se que h clara opo normativa pelo estabelecimento paralelo decondenao punitivas, na forma de multas pelas mesmas faltas, a defesa daimpossibilidade de imposio de outras condenaes punitivas por parte do

    julgador fica um tanto mais difcil.

    5 EXTENSO DO DANO NO MBITO TRABALHISTA

    O campo de estudo do direito do trabalho incorpora elementos esituaes jurdicas complexas e naturalmente plurisignificativas. Contrato,empresa e os danos produzidos no ambiente de trabalho protagonizam oambiente de anlise juslaboralista, mas so to importantes para a cincia jurdicaem geral, como para compreenses de universos muito mais amplos, comoEstado e sociedade.

    Como conseqncia parcial da amplitude conceitual e, tambm emparte, por efeito de se constiturem fenmenos estudados por diferentes ramos do

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    conhecimento cada qual com mtodos, focos e ideologias prprios contrato,empresa e danos produzidos no ambiente de trabalho podem, em amplas linhas,ser enxergados sob duas perspectivas bastante diferentes.

    A primeira produz (ou produzia) as seguintes expresses: a) limitaodo contrato a um simples acordo de vontades individuais, livres e integralmente

    manifestadas por seus participantes; b) identificao da empresa como entidadeunicamente voltada para a satisfao dos interesses de seus titulares, tendoresponsabilidades gerais apenas para com esses; c) compreenso dos danosefetivados na relao de emprego como de modo geral nas demais relaes

    jurdicas entre privados igualmente circunscritos aos sujeitos diretamenteenvolvidos e, portanto, resolvendo-se na simplicidade do ressarcimento dosprejuzos.

    De modo geral, tais concepes so resultados de construesjurdicas calcadas no liberalismo oitocentista, no individualismo, noabstencionismo estatal e na fora da autonomia da vontade.

    Esses no so os referenciais desse trabalho, como tambm no

    parecem ser os modelos majoritrios do atual projeto de Estado brasileiro. Sob osfocos contemporneos da solidariedade constitucional, dignidade humana eresponsabilidade social, as perspectivas so bastante diferentes para anlise decontrato, empresa e responsabilidade civil.

    Na tica que nos propomos a balizar esse estudo, o contrato deemprego perpassa bastante os simples limites das relaes interprivadas, tanto noseu contedo, como efeitos. A relao de emprego bem mais que singelacompra e venda de trabalho humano, constituindo-se sempre numa relao

    jurdica complexa, dinmica, social e solidria. Tais referenciais projetamimportantes conseqncias na esttica e na dinmica contratual justrabalhista.

    A vocao constitucional brasileira de atribuir dignidade humana ao

    contratante no encontra no monlogo elementar dos direitos subjetivospatrimoniais de crdito e dbito a conformao mais adequada ao perfil da relaojurdica obrigacional. O primeiro resultado prtico passa a ser a compreenso darepersonalizao do indivduo empregado, no mais como simples sujeito abstratode direito, mas como cidado detentor de direitos47 que ultrapassam a limitadageografia normativa do direito do trabalho. Superam-se os traos do contrato deemprego como simples instrumentalizador de situao de dbito e crdito entreprivados, para ser reconhecido tambmseno principalmentecomo residnciados mais importantes referenciais normativos e que, de forma geral, soagregados e reconhecidos como direitos fundamentais.48

    47Segundo definio de FERRAJOLI, son derechos fundamentales aqueles derechos subjetivosque las normas de um determinado ordenamiento jurdico atribuyen universalmente a todos emtanto personas, ciudadanos y/o personas capaces de obrar. FERRAJOLI, Luigi. Losfundamentos de los derechos fundamentales. Madrid: Editorial Trotta, 1998, p. 291.48Os principais argumentos para a eficcia dos direitos fundamentais nas relaes interprivadasso retiradas da doutrina de PEREZ LUO: Em cualquier caso, entiendo que la necesidad deextender la aplicacin de los derechos fundamentales a las relaciones entre sujetos privados esfruto de dos argumentos bsicos. El primero, que opera en el plano terico, es corolario de laexigencia lgica de partir de la coherencia interna del ordenamiento jurdico lo que constituye, al

    proprio tiempo, una consecuencia del principio de la segurida juridica. Se ha indicado, com razn,

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    Ainda na linha da compreenso do fenmeno contratual trabalhista, osegundo efeito revela-se na remodelao do princpio da obrigatoriedade.Estudiosos do direito obrigacional constitucionalizado, como PERLINGIERI,LORENZETI e TEPEDINO fazem ver que o elemento fundante do dever decumprimento do pacto deve ser a correspondncia entre o contedo das

    obrigaes com a expectativa que tem a sociedade sobre esse contrato.

    49

    Aliberdade de contratar mantida, mas sob o signo da autonomia privada,englobando na manifestao volitiva das partes elementos de natureza nopatrimonial com intenso contedo social.

    No ambiente do Estado Social, o enfoque dirigido ao fenmenoempresarial no fica alienado e divorciado dos valores da sociabilidade. Hclareza que a atividade empresarial tem significado importante na organizaosocial e, na medida em que integra o esforo de gerao de emprego, tributo,valor, consumo, produto, servio, inovao e renda, insere-se privilegiadamentenas estruturas sociais.50

    O discurso hegemnico da economicidade passa a ser inaceitvel

    mesmo para a atividade empresarial. Na medida em que a propriedade teve seuconceito e significados relativizados, a empresa tambm no pode mais serconsiderada como mero direito individual. Sob esse contexto, h o fortalecimentoda concepo da empresa comunitariamente responsvel, em que aresponsabilidade social do empreendimento ordinariamente associada comunicao das relaes produtivas com as obrigaes estatais.

    A compreenso da funo social da empresa obriga que, sem precisarse esquecer do lucro, receba tutela jurdica na medida em que atuar em favor deseus empregados, valorizando o trabalho humano. Em especial, na tarefa deconcreo dos valores constitucionais do trabalho previstos no artigo 7 o, execuoda poltica de gerao de pleno emprego (artigo 170, VIII), valor social do trabalho

    (artigo 1

    o

    , IV) e, essencialmente, a dignidade da pessoa humana (artigo 1

    o

    , III).

    que el no admitir la eficcia de los derechos fundamentales en la esfera privada supondrareconecer una doble tica en el seno de sociedad: la una aplicable a las relaciones entre el Estadoy los particulares, la otra aplicable a las relaciones de los ciudadanos entre s, que serandivergentes en sua propia esencia y en los avalores que consagran. El segundo obedece a unacuciante imperativo poltico del presente, en una poca en la que al poder pblico, secularamenaza potencial contra las libertades, le ha surgido la competencia de poderes econmico-sociales fcticos, en muchas ocasiones, ms aplicables que el propio Estado en la violacin de losderechos fundamentales. PEREZ LUO, Antonio Enrique. Derechos humanos, estado dederecho y constituicin. Madrid: Tecnos, 1995, p. 314.49 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002; LORENZETTI,

    Ricardo Luis. La nueva teoria contratual: Obligaciones y contratos en los albores del siglo XXI.Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2001; TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodolgicas para aconstitucionalizao do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.50 Os modernos estudos de administrao de empresas tambm se voltam para a eticidade eresponsabilidade social. Nesse sentido, ensina MAXIMIANO que o agir dos administradores nopode se limitar a buscar a satisfao dos interesses individuais dos acionistas. Numa ampliao damoralidade e tica empresarial, os empreendimentos coletivos devem igualmente pautar suascondutas nos melhores interesses da sociedade em que esto inseridos (MAXIMIANO, AntnioCsar Amaru. Teoria Geral da Administrao: da revoluo urbana revoluo digital. SoPaulo: Atlas, 2004).

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    Como terceiro elemento, parcialmente resultado dos dois primeiros,tem-se percepo de impossibilidade de se conceber a relao de emprego comotendo funo puramente econmica interprivada. Em especial nos estudos decincia poltica faz-se clara a necessria imbricao que tm as relaes detrabalho subordinado com os traos mais gerais do Estado, da economia e da

    sociedade.Bem identificou POULANTZAS que se as relaes de produo traamo campo do Estado, este desempenha, contudo, um papel autnomo na formaodessas interaes. Contra o economicismo tradicional e tecnicismo, o primadodas relaes de produo sobre as foras produtivas que d sua articulao aforma de processo de produo e reproduo. Da decorre a presena dasrelaes polticas (e ideolgicas) no seio das relaes de produo e essasdesempenham papel essencial em sua reproduo: o processo de produo aomesmo tempo processo de reproduo das relaes de dominao poltica eideolgica.51

    Mesmo no ambiente do Estado Social, o trabalho humano o elemento

    que, na maior parte das vezes, produz a condio de cidadania. Como acentuaCASTEL, na disciplina do trabalho, na disciplina para o trabalho e no acesso aotrabalho que se produzem as novas formas de consumo dos operrios, que seexpressam no apenas no consumo propriamente dito daquilo que produzem, masem todo o tipo de subvenes sociais (propriedade social e servios pblicos)52.Enfim, toda a homogeneizao das condies de trabalho acompanhada de umahomogeneizao dos meios e dos modos de vida.53

    A importncia que tem o trabalho subordinado na ossatura institucionaldo sistema econmico faz extrapolar os efeitos no apenas da correta execuodas obrigaes, mas tambm se no principalmente de toda sorte deinexecuo contratual produtora de prejuzos imediatos ao trabalhador54. Em

    outras palavras, da mesma forma que a pontual realizao do trabalho contratadofortalece e azeita o sistema, a delinqncia patronal, ainda que direcionadaaparentemente a um nico trabalhador, produz prejuzos a toda a coletividade.

    As estruturas do prprio Estado, enquanto elemento da sociedade emsentido amplo so igualmente afetadas com a delinqncia patronal, pois aagresso na relao de emprego produz efeitos prejudiciais s conformaeseconmicas que sustentam todo o modelo de organizao estatal.

    Mantendo-se o foco nos macrosignificados da relao de emprego, masafastando-se um pouco do campo da cincia poltica em sentido estrito, h maior

    51POULANTZAS, Nicos. O Estado, o Poder, o Socialismo. So Paulo: Graal, 2000, p. 24-25.52 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questo social: uma crnica do salrio. Petrpolis:Vozes, 2005, 5ed., p. 429.53CASTEL, idem, p. 431.54 Assim, se h uma relao de trabalho, pela qual o trabalho alheio utilizado para odesenvolvimento de um projeto de acumulao de capital, sem o efetivo respeito aos direitossociais (que servem, muitos deles, para preservao da sade e para o convvio social e familiar),quebra-se o vnculo bsico de uma sociedade sob a gide do Estado de Direito Social. SOUTOMAIOR. Jorge Luiz. A supersubordinao invertendo a lgica do jogo. Revista do TribunalRegional do Trabalho da 3aRegio, v. 48, n 78, julho-dezembro. Belo Horizonte: TRT3, 2008, p.157-193.

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    clareza de vinculao sociedade na delinqncia patronal quando a agressoenvolve direitos fundamentais. Nessas situaes, os prejuzos so direcionados sociedade em sentido amplo, primeiramente porque os direitos fundamentais noso pertencentes apenas ao trabalhador, ou grupo de trabalhadores diretamentelesados. Nesse sentido esclarece ALEXY que por referirem-se os direitos

    fundamentais estrutura bsica da sociedade

    55

    , cada ponderao abarcadecises sobre a prpria estrutura fundamental do estado e da prpriasociedade56.

    Os castigos vexatrios impostos ao vendedor que no cumpriu suadifcil meta de vendas do ms, alm de destruir a auto-estima do empregado,informa a todos os colegas sobre sua descartabilidade e os obriga, sob o signo domedo da humilhao, a atingir sua cota a qualquer preo.

    A prtica rotineira de revistas ntimas da empregada no apenas destricom a intimidade da operria, como mutila a sanidade da famlia e do grupo socialprximo em que esse ser humano est inserido.

    A deliberada falta de cuidado do empregador com a segurana laboral

    no se resolve com o pagamento individual do adicional ou indenizao deacidente aos poucos empregados que reclamam, pois sociedade e o Estado sodramaticamente afetados com a perspectiva de pagamentos de benefciosprevidencirios de invalidade provisria e aposentadorias precoces.

    fcil perceber que a cada violao de direito fundamental detrabalhador, toda a sociedade, e em especial o grupo que trabalha, so afetados elesionados. essa ampliao do universo de atingidos por expressivosdescumprimentos de obrigaes de conduta no campo da relao de empregoque obriga conseqente dilatao da idia de dano. Se a pretenso de levarrealmente a srio o paradigma da restituio integral dos danos, a compreensode um dano dito social precisa estar amarrada uma conduta estatal de

    represso adequada.6 EMERGNCIA DO DANO SOCIAL

    Os estudos de dano social no direito do trabalho oferecem adequadofoco para a questo. No apenas porque devidamente conseguem enxergar a realextenso dos prejuzos, mas pelo oferecimento de solues que ultrapassam opontual e insuficiente ressarcimento individual.

    O dano social costuma ser formado pelo somatrio de danos individuaisque atingem resultados macrossiginificativos s realidades dos indivduoslesionados. Conforme j identificado, a relao de emprego relao jurdicacomplexa e que, portanto sua atuao patolgica projeta efeitos muito alm dossujeitos que dela participam. Os prejuzos so projetados para outrostrabalhadores, outros empregadores e para a sociedade em geral.

    Nos estudos de SOUTO MAIOR identifica-se que as agresses aodireito do trabalho acabam atingindo uma grande quantidade de pessoas, de

    55ALEXY, Robert. Los derechos fundamentales en el estado constitucional democrtico. In: MiguelCarbonell (Org.). Neoconstitucionalismo(s).Madrid: Editorial Trotta S.A., 2003, p. 35.56ALEXY, Robert. Direito, razo, discurso. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 176.

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    modo que o empregador muitas vezes se vale dessa prtica para obter vantagemna concorrncia com outros empregadores. Isto implica dano a outros empresriosno identificados que, inadvertidamente, cumprem a legislao trabalhista ou que,de certo modo, se vem forados a agir da mesma forma delinquente. O resultadoverificado a precarizao completa das relaes sociais, na forma de um

    dumping social.

    57

    O microssistema trabalhista apenas aparentemente oferece instrumentopunitivo atravs da fixao de condenaes no ressarcitrias individuais. Asmultas previstas na CLT so quase irrisrias e a fiscalizao promovida pelasDelegacias Regionais do Trabalho normalmente se mostram insuficientes,principalmente, em razo da falta de vontade poltica refletida na deficincia derecursos destinados. Os empregadores delinqentes, bem conhecedores dessasrealidades, aproveitam-se e, em no poucas situaes, permanecem mantendo apoltica de descumprimento de obrigaes patronais, independentemente decondenaes individuais.

    Na notria falta de efetividade dos instrumentos institucionalizados pela

    dogmtica, h atuao da jurisprudncia. A necessidade de oferecer respostaadequada ao dumping social foi devidamente avaliada pelo Tribunal Regional doTrabalho da 3a Regio, por ocasio de julgamento do Recurso Ordinrio n 00866-2009-063-03-00-3. Verificou a 4a Turma que prtica empresarial deprecarizar diversos direitos trabalhistas criou situao de concorrncia deslealdentro de certa comunidade.58Eis a ementa do julgado:

    REPARAO EM PECNIACARTER PEDAGGICODUMPING SOCIALCARACTERIZAOLongas jornadas de trabalho, baixos salrios, utilizao demo-de-obra infantil e condies de labor inadequadas so algumas modalidadesexemplificveis do denominado dumping social, favorecendo em ltima anlise olucro pelo incremento de vendas, inclusive de exportaes, devido queda doscustos de produo nos quais encargos trabalhistas e sociais se acham inseridos.As agresses reincidentes e inescusveis aos direitos trabalhistas geram um dano sociedade, pois com tal prtica desconsidera-se, propositalmente, a estrutura doEstado Social e do prprio modelo capitalista com a obteno de vantagemindevida perante a concorrncia. A prtica, portanto, reflete o conhecido dumpingsocial (1a Jornada de Direito Material e Processual na Justia do Trabalho,Enunciado n 4). Nessa ordem de idias, no deixam as empresas de pratic-lo,notadamente em pases subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, quandoinfringem comezinhos direitos trabalhistas na tentativa de elevar a competitividadeexterna. Alega-se, sob esse aspecto, que a vantagem deriva da reduo do custode mo-de-obra injusta, desvirtuando o comrcio internacional. Sustenta-se,ainda, que a harmonizao do fator trabalho indispensvel para evitar distoresnum mercado que se globaliza (LAFER, Celso Dumping Social in Direito e

    57SOUTO MAIOR, Jorge Luiz.O dano social e sua reparao.Revista LTr, 71-11/1317, p. 1324.58 A deciso tem origem em sentena de conhecimento do juiz do trabalho Alexandre ChibanteMartins, do Posto Avanado de Iturama, ligado Vara do Trabalho da pequena Ituiutaba, noTringulo Mineiro. A reparao no foi requerida pelo autor, mas aplicada de ofcio pelomagistrado, o qual identificou a ocorrncia de dumping social e fundamentou a deciso emenunciado da 1a Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho promovida pelo TST e

    Anamatra. Esclareceu-se no processo a prtica corriqueira de jornada extraordinria, fazendo comque os funcionrios permanecessem trabalhando por mais de 10 horas dirias. Apenas h notciaque a 4aTurma do TRT/III confirmou decises anlogas proferidas pelo juiz.

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    Comrcio Internacional: Tendncias e Perspectivas, Estudos em homenagem aoProf. Irineu Strenger, LTR, So Paulo, 1994, p. 162). Impossvel afastar, nessevis, a incidncia do regramento vertido nos artigos 186, 187 e 927 do CdigoCivil, a coibir ainda que pedagogicamente a utilizao, pelo empreendimentoeconmico, de quaisquer mtodos para produo de bens, a coibir evitandoprticas nefastas futuras o emprego de quaisquer meios necessrios parasobrepujar concorrentes em detrimento da dignidade humana.59

    Em seu voto de relatoria, registrou o Desembargador Jlio Bernardo doCarmo que restar caracterizado o dumping socialquando a empresa, por meioda burla na legislao trabalhista, acaba por obter vantagens indevidas, atravs dareduo do custo da produo, o que acarreta um maior lucro nas vendas. Logo,representa uma prtica prejudicial e condenvel, haja vista uma conduta deslealde comrcio e de preo predatrio, em prejuzo da dignidade da pessoa humana.

    Aps verificar a reincidncia da empresa, atestada em diversos outros processos,e concluir pelos extremos riscos sociais na delinqncia, concluiu como correta afixao de sano pecuniria, em prol do reclamante, a ser paga pelo reclamado.

    A deciso do TRT de Minas Gerais , em parte, reflexo de enunciadoaprovado na 1aJornada de Direito Material e Processual na Justia do Trabalho,verbis:

    Enunciado n 4. DUMPING SOCIAL. DANO SOCIEDADE. INDENIZAOSUPLEMENTAR. As agresses reincidentes e inescusveis aos direitostrabalhistas geram um dano sociedade, pois com tal prtica desconsidera-se,propositalmente, a estrutura do Estado Social e do prprio modelo capitalista coma obteno de vantagem indevida perante a concorrncia. A prtica, portanto,reflete o conhecido dumping social, motivando a necessria reao do Judiciriotrabalhista para corrigi-la. O dano sociedade configura ato ilcito, por exerccioabusivo do direito, j que extrapola limites econmicos e sociais, nos exatostermos dos arts. 186, 187 e 927 do Cdigo Civil. Encontra-se no artigo 404,

    pargrafo nico do Cdigo Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir aoagressor contumaz uma indenizao suplementar, como alis, j previam os artis.652, d e 832, 1o, da CLT.

    O enunciado, produzido com objetivo de servir de referncia parafuturos julgamentos de demandas trabalhistas, identifica a repercusso socialproduzida em descumprimentos da legislao trabalhista. A conseqnciaverificada de que seja fixada condenao complementar a cargo doempregador.60

    A prtica de dumping social normalmente identificada pela cincia daEconomia quando empresrios encerram suas atividades em locais onde ossalrios so muito elevados. Deslocam ento a atividade produtiva para outras

    59Processo 00866-2009-063-03-00-3 RO, TRT/III, Quarta Turma, Relator Des. Jlio Bernardo doCarmo, publicao 31/8/2009 DEJT.60 Em situaes especiais preciso aplicar, tambm, a teoria do valor do desestmulo, utilizadacomo referncia pelo sistema americano, conhecido como punitive damages ou exemplary damageno sentido de a sua imposio importar de exemplo para a no reincidncia pelo causador dodano, seno tambm para prevenir a ocorrncia de futuros casos de leso (Processo: AIRR -80/2006-041-23-40.1 Data de Julgamento: 13/06/2007, Relator Juiz Convocado: Ricardo AlencarMachado, 3 Turma, Data de Publicao: DJ 03/08/2007).

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    regies de mo-de-obra barata, normalmente porque l os referenciais normativosso precarizados. A prtica contrria idia do fair trade, pelo qual o mercadointernacional deve evitar consumir produtos que no efetivam direitos trabalhistasmnimos.61

    Mas tambm em situaes de competio empresarial dentro do

    mercado interno pode haver clara identificao de dumping social. Como nasituao identifica no julgado de Minas Gerais, h semelhante prtica desleal decomrcio e formao de preo predatrio com o descumprimento da legislaotrabalhista e conseqente promoo da indignidade dos trabalhadores. Adiminuio do preo do produto do empresrio delinqente alcanada pelaeconomia da subtrao de direitos dos trabalhadores. Bem identificou a decisoque a simples restituio pecuniria ao trabalhador lesado jamais ter o poder deoferecer a resposta estatal adequada prtica.

    A questo da reincidncia tambm importante para a identificao dodano social/dumping social. No mesmo trabalho j citado, SOUTO MAIOR advogaque a repetio constante da prtica predatria empresarial o critrio objetivo

    para apurao da repercusso social das agresses ao Direito do Trabalho. Anoo de reincidncia, segundo o autor, trazida expressamente no artigo 59 doCDC, no Direito Penal constitui circunstncia agravante da pena (artigo 6 o, I, CPC)e impede a concesso de fiana (artigo 323, III, CPP). Outro critrio que levanta o carter deliberado do transgressor em desrespeitar a ordem jurdica, pois o atovoluntrio inescusvel.62

    V-se que leses produzidas no mbito das relaes de emprego, e emespecial quando direcionadas a direitos fundamentais dos trabalhadores, no socircunscritas na singeleza do prejuzo meramente individual. O provimento

    jurisdicional que se segue agresso no apenas pretendido pelo indivduocircunstancialmente lesionado, pois no se trata do nico prejudicado. A pretenso

    de resposta estatal passa a ser de toda a comunidade lateralmente prejudicada

    63

    .E sendo o ataque sentido nas conformaes mais bsicas da estruturasocial, pertencendo ao conjunto da sociedade titularidade do interesse daresposta jurisdicional, o provimento no pode mais se liminar reparao pontualdos danos individuais. Com a certeza da extenso dos efeitos da delinqncia

    61A indstria caladista brasileira sente fortemente a concorrncia desleal da China, pas que fazuso do dumping social na forma de profunda precarizao trabalhista e previdenciria. Comoresultado, desde o final do sculo XX, diversos estabelecimentos originalmente estabelecidos naregio do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, transferiram suas unidades fabris paraDongguan, no sul chins. Atualmente, o Vietn aponta como outro grande produtor de sapatos e

    no ser surpresa uma nova migrao de indstrias para o sudeste asitico ou qualquer outrolugar que permita a reduo dos custos atravs da subtrao de direitos sociais.62SOUTO MAIOR, op. cit., p. 1325.63 Havendo dano, produzido injustamente na esfera alheia, surge a necessidade de reparao,como imposio natural da vida em sociedade e, exatamente, para sua prpria existncia e odesenvolvimento normal das potencialidades de cada ente personalizado. que as investidailcitas ou antijurdicas no circuito de bens ou de valores alheios perturbam o fluxo tranqilo dasrelaes sociais, exigindo, em contraponto, as reaes que o Direito engendra e formula para areparao do equilbrio rompido. BITTAR, Carlos Alberto. Reparao Civil por Danos Morais.So Paulo: RT, 1993, p. 16.

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    patronal, a tecnologia de resposta jurisdicional a ser formada precisa ser, ento,proporcionalmente aperfeioada.

    O instrumento na dogmtica para aperfeioamento desse provimentopode ser buscado no Cdigo Civil. A compreenso da ocorrncia do dano socialpode servir para outorgar uma nova interpretao ao pargrafo nico do artigo 404

    do CCB

    64

    . A percepo da insuficincia da condenao de restituio permite queo juiz possa fixar indenizao suplementar. V-se a abertura de atuaojurisdicional no estabelecimento de acrscimo condenatrio necessria para amais adequada atuao do direito positivo. Esse acrscimo condenatrio nonecessariamente precisa ser dirigido para o indivduo ofendido; percebendo odecisor a extenso dos afetados, poder acrescer condenao na forma deindenizao de dano social.

    Transportando-se o at aqui estudado, o estabelecimento decondenaes punitivas deve ser manejado em situaes de larga reprovaosocial na conduta do sujeito lesionante, e como forma de impedir a repetio dasposturas delinqentes. Os prejuzos so espalhados, diludos em torno de uma

    coletividade de difcil ou impossvel individualizao e, portanto, demandam queresposta jurisdicional contemple, da forma mais completa possvel, o universo deofendidos.

    A regra do artigo 404, pargrafo nico do Cdigo Civil Brasileiro,animada pela compreenso da realidade nacional de situaes de danos sociais,so elementos que podem servir para a solda no instituto depunitive damages. Oscritrios fixados no direito estadunidense servem no apenas para embasar aprtica jurisdicional, mas principalmente para limitar possveis excessos.

    O requisito de grau de repreenso da conduta mostra que as hiptesesde necessidade de fixao de condenao suplementar so bastante limitadas.Cumpre ao intrprete identificar as situaes em que a delinqncia patronal de

    extrema reprovao e representa grandes danos coletividade. Aqui, o conceitode coletividade afetada pode ser encarado como o grupo de trabalhadores dedeterminada localidade, grupos humanos minoritrios (de opo sexual, religiosa,tnica etc) ou mesmo agrupamentos de muito maior extenso, at o alcance todaa coletividade nacional.

    O elemento que sublinha a importncia pedaggica igualmenteimportante e que pode ser transportado para a responsabilidade civil trabalhista.Sublinha a importncia de averiguar a possibilidade da condenao ressarcitriaindividual j no ser suficiente para o desestmulo na repetio da reprovadaconduta empresarial. Apenas na percepo de insuficincia, deve o aplicadorcogitar de somar verba de condenao punitiva. O objetivo repita-se, de utilizar opeso da perda econmica para desencorajar a reincidncia.

    Deve o intrprete verificar se os objetivos das condenaes punitivas jno foram alcanados com outros tipos de medidas. No se trata aqui de apenasobservar a condenao ressarcitria individual, mas diferentes penalizaes que

    j foram enfrentadas em outros processos judiciais ou administrativos. No

    64Cdigo Civil Brasileiro, artigo 404, Pargrafo nico. Provado que os juros da mora no cobremo prejuzo, e no havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenizaosuplementar.

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    ambiente do direito do trabalho, so importantes os termos de ajuste de condutafirmados com o Ministrio Pblico do Trabalho, multas administrativas fixadaspelas Delegacias Regionais do Trabalho, condenaes em aes coletivas ouacordos expressos com sindicatos.

    Em diversas situaes, a anlise de reincidncia do empregador

    delinqente pode tambm fornecer importante balizador para a fixao decondenao suplementar. Embora no se trate de critrio que deva sempre estarpresente, em diversas situaes a reincidncia pode ter significao dealargamento de prejuzos e malcia reiterada do empregador.

    Por fim, Outros fatores relacionados no direito estadunidense podem,com temperana, ser observados na fixao de condenao punitiva.

    Dolo, Violncia, ameaa de danos fsicos e sofrimento psicolgico soelementos que podem estar presentes em agresses a funcionrios,especialmente em relaes de emprego marcadas pela hipersubordinao. Areprovao da conduta na forma de condenao punitiva mostra-se importante emsociedades que ainda possuem vivas tristes expresses de um passado de

    trabalho servil e escravo. Tambm em grandes e poderosas empresas que seutilizam ordinariamente da prtica do assdio moral como elemento motivador daproduo, a fixao depunitive damagespode ser o mais importante desestmulo.

    A desconsiderao pela sade e segurana so bastante comuns emdemandas sobre acidentes do trabalho ou doenas equiparadas. Em diversassituaes, percebe-se que economicamente mais vantajoso a algunsempreendimentos o pagamento de adicionais ou reparaes por prejuzos desade que efetivamente investir na subtrao das condies prejudiciais. A fixaode condenao suplementar acaba sendo a nica forma de forar a atuaoempresarial no esforo de formao de um meio-ambiente saudvel.

    A relao de emprego tem como um de seus principais elementos a

    situao de subordinao econmica do empregado ao empreendimento. Oelemento agravante de o ato ser dirigido vtima financeiramente vulnervel ,portanto, adequado a maior parte dos contratos de emprego.

    De igual forma, circunstncias minorantes para a responsabilidade daempresa delinqente tambm podem ser sopesadas na anlise do caso concreto,como participao de funcionrios com baixo poder de deciso na formao dasleses, reconhecimento da ilicitude por parte do lesionante e sincera tentativa docausador em diminuir os prejuzos individuais.

    Percebendo-se o campo de afetados por condutas empresariais, aimportncia da correta represso, e a possibilidade de utilizao de critrioscientficos para identificao das hipteses de atuao, pode-se, nesse momento,retomar as consideraes sobre a vedao de enriquecimento injustificado e suaaparente incompatibilidade com condenaes punitivas.

    A legislao consumeirista brasileira bem compreende a universalidadedos afetados por condutas empresariais. O disposto no artigo 100 do CDC fazclara que a razo para o pagamento da condenao em que se verifica leso ainteresses individuais homogneos tem por origem os danos causados, e no osprejuzos sofridos. No mbito das demandas coletivas, o fundo previsto no artigo13 da lei da Ao Civil Pblica foi institudo pela Lei n 9.008/95. O Fundo deDefesa dos Direitos Difusos tem o objetivo de promover a reparao dos bens

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    lesados e no sendo mais possvel, os valores devem ser destinados a umafinalidade compatvel.

    A socializao dos atingidos e beneficiados pelas indenizaesassemelha-se ao fluid recoverydo direito estadunidense, em que o resultado daindenizao no necess