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Pura Picaretagem: Como Livros de Esoterismo e Autoajuda Distorcem a Ciência para te Enganar - Daniel Bezerra

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O poder da mente pode mesmo fazer com que coisas se concretizem? Pode aliviar males ou até mesmo curar problemas de saúde? É possível enriquecer ou se tornar famoso pensando positivo? Você certamente já ouviu alguém dizer sim a alguma dessas perguntas. Com as surpreendentes descobertas da Física Quântica, muitos 'picaretas' passaram a afirmar que ela justificaria diversos pressupostos esotéricos ou religiosos. Inúmeros livros começaram a circular com títulos como cura quântica, ativismo quântico, metafísica quântica ou coisas do tipo. Mas o que seria, realmente, a Física Quântica e que tipos de fenômenos ela poderia explicar? Isso é o que Daniel Bezerra e Carlos Orsi buscam responder neste livro. Aqui você vai conhecer um pouco mais sobre a verdadeira Física Quântica e aprender a se proteger das mais criativas picaretagens. O quantum nos concedeu maravilhas científico-tecnológicas, mas cada um desses avanços foi resultado dos esforços de cientistas e engenheiros trabalhando com os pés firmemente fincados no 'paradigma científico-materialista', e não do poder de seus pensamentos.

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  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivode oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem como o simplesteste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

    expressamente proibida e totalmente repudavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercialdo presente contedo

    Sobre ns:

    O Le Livros e seus parceiros disponibilizam contedo de dominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educao devemser acessveis e livres a toda e qualquer pessoa. Voc pode encontrar mais obras em nosso site:LeLivros.us ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.

    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando por dinheiro epoder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • Ficha Tcnica

    Copyright 2013, Daniel Bezerra e Carlos OrsiDiretor editorial: Pascoal SotoEditora executiva: Tain Bispo

    Editora assistente: Ana Carolina GasonatoProduo editorial: Fernanda Ohosaku, Renata Alves e Mait Zickuhr

    Preparao de textos: Tas GasparettiReviso de textos: Eliane Usui

    Reviso tcnica: Elton J. F. de Carvalho (captulos 2, 3 e 5)Ilustraes: Leandro Melite Moraes

    Capa: Maria Joo Carvalho | www.ideiascompeso.pt

    Dados internacionais de catalogao na publicao (CIP-Brasil)Anglica Ilacqua CRB-8/7057

    Bezerra, DanielPura picaretagem : como livros de esoterismo e autoajuda

    distorcem a cincia para te enganar. Saiba como no cair emarmadilhas! / Daniel Bezerra, Carlos Orsi. So Paulo: LeYa, 2013.

    ISBN 97885804482761. Fsica Quntica 2. Cincia 3. Literatura brasileira crtica

    I. Ttulo II. Orsi, Carlos13-0378 CDD 530.12

    ndices para catlogo sistemtico:1. Cincia - filosofia

    2013Todos os direitos desta edio reservados a

    TEXTO EDITORES LTDA.[Uma editora do grupo Ley a]

    Rua Desembargador Paulo Passalqua, 8601248-010 Pacaembu So Paulo SP Brasil

    www.leya.com.br

  • Este livro foi escrito tendo em mente o leitor curioso, porm leigo.A divulgao cientfica no Brasil, em especial a produzida por autores brasileiros, ainda

    engatinha. Espero que a leitura seja proveitosa.

    Mas deixo uma dedicatria especial a todos os que perderam noites de sono estudandopara provas de Mecnica Quntica e que, no meio de todos os clculos, pararam para se

    perguntar o que diabos tudo aquilo significava e em como comunicar esse significadopara outras pessoas.

    Daniel Bezerra

    Ao meu pai, Arar Jorge Martinho, que de tanto citar Fritjof Capra, l nos anos 80,acabou fazendo um adolescente de Humanas se interessar em descobrir o qu, afinal,

    era esse negcio de Fsica Quntica...

    Carlos Orsi

  • INTRODUO

  • O livro que voc tem em suas mos real. slido. feito de tomos reais. Os eltronsdos tomos de seus dedos repelem os eltrons dos tomos da folha de papel, provocando asensao de solidez. No importa o quanto voc se concentre, no h meio de tornar o livromenos slido a menos, claro, que voc decida queim-lo, rasg-lo ou dissolv-lo em cido.Mas temos a esperana de que a experincia de l-lo no seja traumtica a ponto de provocarreaes assim.

    Esperamos.O primeiro pargrafo desta introduo apenas reafirma um fato bvio da vida de todas

    as vidas , o de que objetos materiais tm uma realidade objetiva que independe do estadomental e da disposio de quem os contempla ou deixa de contempl-los. Como Albert Einsteindisse certa vez, a Lua continua l em cima, mesmo que ningum olhe para ela.

    um sintoma curioso do estgio atual da civilizao que essa obviedade precise serreafirmada mais ainda que haja gente disposta a escrever um livro inteiro para reafirm-la.

    Mas o fato que o bvio tem estado sob ataque, seja por parte de gurus de autoajuda queinsistem que querer necessrio e suficiente para fazer acontecer, seja por fsicos e filsofos (epseudofsicos e pseudofilsofos) que parecem convencidos de que a Teoria Quntica, uma dasmaiores conquistas da cincia do sculo passado, implica que a realidade uma espcie deiluso coletiva que pode ser pilotada pela fora da mente.

    O que deixa em aberto a questo: e se eu usar a fora da minha mente para fazer comque a realidade seja algo independente da mente? A mente pode criar uma pedra pesadademais para a mente levantar?

    O discurso da realidade como iluso manipulvel atrai porque engendra um sentimento depoder e controle. Seres humanos gostam de ter o controle das coisas. Estar ao sabor do acaso desconfortvel. desajeitado. Faz suar frio. Quem no gostaria que uma atitude mental positivarealmente fosse tudo o que bastasse para que o prprio acaso passasse a trabalhar a nossofavor?

    Mas os fatos, assim como a Lua, esto a, mesmo quando nos recusamos a olhar para eles.O fsico Amit Goswami disse a seguinte sentena, que ficou famosa: O mundo material

    ao nosso redor no nada alm de movimentos possveis da conscincia. Escolho, momento amomento, minha experincia. Heisenberg disse que tomos no so coisas, apenas tendncias.

    Menos famosa do que a fala de Goswami a resposta do historiador e articulista daScientific American dos Estados Unidos, Michael Shermer, que desafiou Goswami a saltar deum prdio de vinte andares e, conscientemente, escolher a experincia de passar inclumeatravs do cho.

    A resposta de Goswami ao desafio desconhecida por ns, mas no nos parece que tenhadecidido aceit-lo.

    O desafio que nos impomos talvez no seja menos audacioso do que o de Shermer, maspelo menos no de todo impossvel: garantir que nenhum leitor passe inclume, no atravsdas pginas materiais que compem este livro (isso est garantido pelas leis da Fsica), maspelos fatos e ideias que ele contm. E que, ao terminar, esteja melhor equipado para distinguirentre teoria cientfica legtima e pura besteira.

    A viagem comea na prxima pgina.

  • CAPTULO 1

    UMA BREVE HISTRIA DA FSICA

  • Em questes de cincia, a autoridade de mil homens no vale o raciocnio humilde deum s.

    Galileu Galilei Voc j deve ter ouvido algum comentar que a Fsica Quntica um mistrio

    insondvel, um enigma que nem mesmo os mais geniais cientistas conseguiram decifrar. ummundo estranho, onde espreitam gatos mortos-vivos, onde equaes intimidantes e um jargotcnico inacessvel produzem efeitos imprevisveis.

    provvel tambm que voc j tenha visto ou lido um dos livros de autoajuda que usamttulos vistosos como cura quntica, ativismo quntico ou algo assim. Esses livros prometem oalvio de muitos males modernos por meio do poder do pensamento positivo. A Fsica Quntica,dizem os autores dessas obras, garante que a mente humana tem o poder de moldar a realidadefsica.

    Enigma indecifrvel ou chave mgica para sade, sucesso e felicidade. Qual dessas duasposturas corresponde viso da comunidade cientfica sobre o mundo quntico?

    Nenhuma.Ao longo deste livro esperamos mostrar, primeiro, que a Fsica Quntica , sim, diferente

    e, ao menos no incio, mais complicada do que a Fsica clssica, mas que no h nada deesotrico ou incompreensvel nela. Boa parte da sensao de estranheza que o mundo qunticocausa vem de apenas dois fatos.

    O primeiro que sua base matemtica estatstica e no, como no caso da Fsica clssica,determinstica. Isso significa que, diferentemente da Fsica que voc estudou na escola cujasequaes permitem prever com exatido, por exemplo, o instante em que uma bola jogadapara o alto vai parar de subir e comear a cair , em geral, na Fsica Quntica, as equaesfornecem apenas probabilidades: digamos, se a bola fosse um objeto quntico, poderia haver90% de chance de ela comear a cair agora e 10% de que continue subindo por mais trssegundos.

    O segundo fato que o domnio quntico est restrito a objetos muito pequenos, com osquais a maioria de ns no est familiarizada no dia a dia. No obstante, os efeitos qunticosso, at certo ponto, previsveis e de simples manipulao: eles so manipulados pela tecnologiatoda vez que voc acende uma lmpada ou liga a televiso.

    Em segundo lugar, pretendemos desmistificar o uso que certos autores e algunstrapaceiros fazem da palavra quntico. Assim como, em sculos anteriores, a cultura popular(e alguns espertalhes) haviam se apropriado de conceitos cientficos como fluido, magnetismo,ter e atmico, hoje em dia o termo quntico vem sendo cada vez mais banalizado. usadopara ludibriar os incautos e dar a impresso de que o Universo, de alguma forma, se importacom a forma como pensamos ou como encaramos a vida. uma bela hiptese, massimplesmente no verdadeira. Esperamos que, ao fim desta leitura, voc consiga diferenciarclaramente a coisa real do embuste e, o que mais importante, entenda por que, como eonde o embuste est errado.

    Finalmente, buscaremos mostrar que h, sim, ainda muito a descobrir sobre asimplicaes filosficas da Fsica Quntica. Como em toda empreitada cientfica, ainda h

  • detalhes abertos discusso, mas nenhum deles sequer sugere que as interpretaes msticasdos picaretas qunticos possam estar corretas.

    A Fsica Quntica de verdade, aquela que se estuda nas universidades pelo mundo afora, resultado do trabalho intelectual rduo de muita gente. complexa e profunda, masperfeitamente compreensvel, uma vez que tenhamos nos habituado a deixar de lado certasideias preconcebidas sobre como o mundo deveria se comportar.

    Mas o que a Fsica Quntica, afinal? O que ela tem de to misterioso ou diferente quecausa tamanho frisson? Decerto que um ensino cientfico bsico poderia ao menos nos equiparpara comear a entender do que ela trata, no? Bem, antes de discutir o que quer que seja deFsica Quntica, precisamos saber do que fala a prpria Fsica. Neste captulo, trataremos doque a Fsica, como ela surgiu e quais os seus mtodos.

    Para comear, vamos nos lembrar de como que a maioria de ns encontrou a Fsica: noEnsino Mdio.

    De volta escola

    Se tudo o que voc conhece a boa, velha (e algo aborrecida) Fsica bsica do EnsinoMdio, sem dvida a Fsica Quntica vai parecer-lhe estranha. apenas natural: em nossa vidacotidiana estamos acostumados a lidar com objetos que podemos ver e tocar, coisas comocarros, termmetros, culos, bombas de gua.

    Todos esses objetos, e os fenmenos que esto por trs deles, podem ser descritos, e seucomportamento previsto, por conjuntos simples de relaes matemticas: o motor do carro, porexemplo, percorre certo nmero de quilmetros com certa quantidade de combustvel.

    Uma vez estabelecida a relao matemtica, possvel criar uma equao que permitaprever o futuro: no caso, que o carro vai precisar ser reabastecido depois de viajar tantosquilmetros.

    As leis da Fsica que voc estudou na escola funcionam da mesma forma que a relaoentre quilometragem e consumo de seu automvel. Mesmo que voc tenha experimentadocerta dor de cabea para pegar o jeito das famosas Leis de Newton, deve se lembrar de quenunca precisou de nada muito mais sofisticado do que Matemtica bsica e algum esforo deabstrao para entender o que o professor explicava; e mesmo aquilo que no era to simplesassim podia ser rapidamente deduzido, aplicando um pouco de raciocnio lgico.

    Por descomplicada que seja, entretanto, para a maioria dos alunos e poderamos apostarque esse foi o seu caso a Fsica de escola se resumiu a tarefas mecnicas e repetitivas: decoreessa frmula, aplique aquele teorema, deduza tal equao. Nada muito excitante, no ? Damesma forma, os exemplos e exerccios estudados tinham muito pouco a ver com o mundoreal encontrado pelos alunos1 em seu cotidiano.

    Tome a queda livre como exemplo: na escola, aprendemos que, no vcuo, todos os corposcaem sofrendo a mesma acelerao, e que somente por causa da resistncia do ar que

  • objetos diferentes caem com aceleraes diferentes (e, por isso, chegam ao solo comdiferentes velocidades). Entretanto, em nosso dia a dia, nunca experimentamos o vcuo. Issofaz com que todos aqueles probleminhas dos livros que invariavelmente terminam comdespreze a resistncia do ar sejam pura fico cientfica. Um paraquedista certamente nopode desprezar a resistncia do ar, pois isso que impede que ele se esborrache no cho.

    A mesma coisa vale em maior ou menor grau para todas as demais situaes queencontramos na escola: o fenmeno de verdade sempre vai ser um pouco ou muito maiscomplicado do que vemos nos exerccios didticos.

    Essa complicao extra a razo pela qual um entendimento mais preciso das coisas aonosso redor custou a ser desenvolvido confiamos mais naquilo que est imediatamente diantedos nossos olhos, em nossa compreenso intuitiva do mundo, por assim dizer, e, a menos que ascircunstncias exijam, no procuramos por sutilezas subjacentes. E por que no agiramosassim, afinal? Essa forma primitiva de intuio uma ferramenta poderosa que a evoluo nosdeu. Graas a ela, nossa espcie foi capaz de observar padres na natureza, comparar ospadres com experincias individuais ou do grupo e, da, extrapolar regras gerais. Nem semprea intuio vai fornecer toda a verdade, mas serve como uma primeira aproximao boa obastante para, na maior parte das vezes, manter a tribo viva e alimentada at o dia seguinte.

    justamente quando desejamos ou precisamos de uma descrio do mundo melhor doque a intuio capaz de fornecer que entra em cena a caracterstica fundamental da Fsica talcomo a entendemos hoje: a experimentao.

    A experimentao consiste em realizar uma srie de procedimentos num ambientecontrolado o laboratrio. Por exemplo, se quisermos estudar o movimento de um pndulo,primeiro temos de constru-lo, tomando cuidado para no permitir que correntes de ar ou umamesa bamba interfiram em sua oscilao.

    Quando essa parte estiver resolvida, precisamos encontrar uma metodologia adequada como melhor medir o tempo de oscilao: cronometrando cada ida e vinda ou tomando amdia de vrios perodos? Em seguida, formulamos hipteses sobre o movimento o peso dopndulo faz o movimento variar? E o comprimento da corda? Como essa variao, se existir?Que regra geral podemos tirar para descrever a oscilao? E se eu puxar o peso cada vez maispara o alto antes de solt-lo, o que acontece?

    Repare que no fizemos ainda nenhuma inferncia sobre as causas do movimentopendular; tratamos apenas de tentar descrev-lo. Isso porque, conforme discutiremos mais frente, a cincia moderna evita pensar em termos de causa, razo, motivo, preferindo seconcentrar em como as coisas acontecem. Na verdade, saber formular perguntas to ou maisimportante do que respond-las, num primeiro momento. S depois, com a contnuaacumulao de conhecimento, que nos arriscamos a dizer alguma coisa sobre as causas dedeterminado fenmeno. Para continuar no exemplo do pndulo, depois de muitos experimentose observaes, talvez pudssemos dizer: A-h! Agora que descobrimos a Lei da GravitaoUniversal, afirmamos que o pndulo oscila porque a Terra atrai a sua massa! e aindapoderamos apresentar a equao que permite prever o movimento do pndulo com base emsuas caractersticas e na fora da gravidade, alm de demonstrar como conseguimos chegar expresso. Entretanto, voc pode perceber que responder o porqu do pndulo apenasdeslocou o elemento desconhecido para outro lugar. Agora temos que nos preocupar emdescobrir o porqu da Gravitao Universal algo sem uma resposta satisfatria mesmohoje em dia.

    Infelizmente, no bem isso que se v na maioria das escolas do Brasil e, at onde sesabe, de boa parte do mundo. Primeiro, a menos que o professor seja cuidadoso ao apresentar

  • a matria, tudo parece uma grande receita de bolo; os alunos inserem os nmeros nas frmulase elas cospem o resultado correto. No h a menor inspirao nas discusses em sala de aula.Raramente h tempo para refletir sobre o significado fsico do material exposto em sala. O fatocientfico apresentado em uma forma pronta e acabada, como se fosse bvio que as coisasso daquele jeito e no fizesse sentido perguntar como que os cientistas chegaram sconcluses. E enquanto tudo isso ocorre, a presso por boas notas nas provas continua alta,como sempre.

    Para piorar, costuma ser ensinada apenas a parte terica da Fsica. Os livros didticosadoram citar que a Fsica uma cincia experimental e enchem vrias pginas detalhando astcnicas laboratoriais de gnios como Michael Faraday ou Robert Andrews Millikan. Masdescrever um experimento, por mais que se tenha riqueza de detalhes, totalmente diferente desentar e fazer o experimento. Por uma srie de razes que no nos cabe citar aqui, a maioria denossas escolas simplesmente no est equipada com laboratrios capazes de demonstrar at omais simples princpio, que poderia ser ilustrado com uma mera coliso de bolas de bilhar. Enas poucas que, de fato, tm essa condio, os alunos so expostos a uma metodologia to ridaquanto a das aulas de teoria. De que adianta investir alto em equipamentos de laboratrio, se arotina de ensino no passa de preencher tabelas e anotar nmeros que, para a maioria dosestudantes, no significam nada?

    No surpresa nenhuma que muita gente ache que a Fsica um saco e trate de esquec-la to logo no precise mais dela para o vestibular.

    Como a coisa toda comeou

    Sinceramente, esperamos que seu primeiro contato com a Fsica tenha sido menosaborrecido do que o quadro pintado no item anterior. Claro que h colgios muito bons,professores timos e livros inspiradores por a; mas a triste verdade que a maioria das pessoassai da escola com um panorama muito incompleto das cincias empricas, e at mesmo de sualinguagem o que elas esto tentando nos dizer. impossvel discutir a Fsica Quntica mesmo em termos de filosofia de boteco sem que se tenha uma ideia mais ou menoscompleta desse panorama. Assim, vamos ver como a Fsica chegou at onde est agora.

    Em sua raiz, a palavra fsica vem do grego , que quer dizer natureza, ou aquiloque brota. O primeiro registro que se conhece da palavra vem da Odissia de Homero,quando o deus Hermes d ao heri Ulisses uma planta com virtudes mgicas para que ele sedefenda dos encantos da bruxa Circe. Esse significado de coisa natural se consolidou de vezdepois que o filsofo grego Aristteles escreveu suas famosas Lies sobre a Natureza. Ali,Aristteles tentou decifrar a origem do movimento como e por que as coisas se mexem paral e para c em vez de apenas ficarem paradas, o que pareceria ser uma atitude bem maisnatural estabelecendo suas causas e princpios.

    O mais curioso (ao menos para ns) a respeito dessa obra monumental que no consta

  • que Aristteles tenha realizado qualquer experimento para testar a validade de suas ideias. Porexemplo, ele dizia que o movimento natural de uma pedra era cair, pois mais pesada do que oar que a cerca. Da mesma forma, a gua se move para baixo, mas como mais leve que aterra, ficava acima desta. E ele est essencialmente correto, mas no pelas razes que sustenta.

    De fato, uma leitura mais criteriosa das Lies revela sacadas muito interessantes sobreconceitos fsicos que, mais tarde, viriam a ser explicados de outra forma e com maior preciso.A intuio de Aristteles sobre os fenmenos naturais e, de fato, o seu mtodo de tentarcompreender o mundo por meio do pensamento puro moldaram a Filosofia Ocidental porquase dois mil anos depois de sua morte.2

    A fora do paradigma aristotlico pode ser vista no Modelo Ptolomaico do Universo, porexemplo. Em seu Almagesto (Grande Tratado), Cludio Ptolomeu descreve a Terra como semantendo imvel no centro de um sistema de esferas de cristal sucessivamente maiores, nasquais esto engastados os planetas e estrelas. A diferena do Modelo Ptolomaico para osdemais sistemas geocntricos da poca (no sculo II) que o astrnomo props que certosplanetas, como Marte, estavam presos a esferas que, por sua vez, ligavam-se a outras esferas,que ele chamou de epiciclos. Ajustando cuidadosamente a velocidade de rotao das esferas edos epiciclos de acordo com o que se observava nos cus, Ptolomeu foi capaz de prever osmovimentos dos astros com assombrosa preciso.

    Mas espere um minuto, dir voc, acabei de ler ali em cima que Aristteles no faziaexperimentos. Como que Ptolomeu pode ter chegado a resultados empricos seguindo oparadigma aristotlico? Bem, ocorre que, para Ptolomeu, a Cosmologia de Aristteles adescrio do mundo dada pelo velho mestre era tomada como sendo verdade axiomtica.No cabia a Ptolomeu (ou assim ele pensava) testar se a hiptese das esferas celestes de cristalera verdadeira ou no; o que ele queria era descrever o movimento dos astros. E isso eleconseguiu muito bem, com os instrumentos de que dispunha na poca mesmo estandocompletamente errado em seus postulados iniciais.

    Vamos parar por um momento aqui e absorver a enormidade do que acabamos dedescobrir: possvel fazer uma hiptese completamente errada sobre determinado fenmenonatural e, ainda assim, montar um modelo que descreva adequadamente como o fenmenoocorre.

    Ora, mas se assim, o que garante que o que quer que se diga a respeito da natureza estcorreto? Isso mesmo: nada! De fato, o mximo que podemos fazer se resume a duas coisas.Primeiro, descrever com razovel preciso o que acontece, que foi o que Ptolomeu fez.Segundo, refinar constantemente nossas observaes, para que o modelo e suas hiptesessubjacentes estejam constantemente sendo testados. Essa a parte mais difcil, como veremosadiante.

    O Almagesto de Ptolomeu prosseguiu como a grande fonte de conhecimento sobreAstronomia por mais de doze sculos. Sua autoridade parecia to incontestvel que foi adotadapela Igreja medieval como dogma, com as consequncias que se pode imaginar para quem ocontradissesse. Isso porque o pensamento da Igreja achava interessante que a Terra ocupasselugar de destaque no Universo; assim como o Homem ocupava lugar de destaque na CriaoDivina. Desloque uma dessas posies de destaque e todo o arcabouo teolgico cristodesabaria (ou assim eles pensavam). A despeito disso, sinais de fragilidade do sistemacomeavam a se acumular, e nem mesmo a ameaa da danao parecia deter certas mentesinquietas na Europa. Em meados do sculo XVI, o monge polons Nicolau Coprnico publicouo seu De Revolutionibus Orbium Coelestium (Sobre as Revolues das Esferas Celestes), no qual

  • argumentava que observaes ao longo de vrios anos sugeriam que o movimento dos astrospoderia ser satisfatoriamente descrito de forma bem mais simples do que pelos clculos dePtolomeu, bastando para isso que se colocasse o Sol, e no a Terra, no centro do Universo.

    Foi o suficiente para causar um tremendo furor na sociedade. Martinho Lutero teria dito:Este tolo quer subverter a cincia da Astronomia; mas a Sagrada Escritura afirma que Josucomandou que o Sol ficasse parado, e no a Terra! (Kuhn, 1957, p.191).

    E logo o livro de Coprnico encontraria seu lugar no Index de obras proibidas pela Igreja.Mas a caixa de Pandora cientfica j tinha sido aberta.

    Coube a Johannes Kepler fazer a prxima grande contribuio. Reunindo um enormevolume de dados astronmicos compilados no observatrio de Tycho Brahe, Kepler deduziutrs leis empricas do movimento dos planetas ao redor do Sol. Uma delas ainda preconizavaque as rbitas no eram crculos (tidos como figuras perfeitas pelo pensamento aristotlico e,portanto, apropriadas para os movimentos celestes), mas formas alongadas, chamadas elipses.Esse imbrglio filosfico ps os defensores do Modelo Geocntrico em maus lenis comojustificar matematicamente a enorme preciso obtida pelo Modelo Heliocntrico? Comodefender a existncia de esferas rgidas de cristal, se as rbitas planetrias so elpticas?

    E enquanto cortes e arcebispos discutiam ainda o significado das Leis de Kepler, o ltimoprego no caixo do geocentrismo estava para ser batido.

    Galileu e o Mtodo Cientfico

    Um certo Galileu Galilei, de Pisa, Itlia, procurava uma maneira de aumentar a sua rendaconstruindo lunetas terrestres para uso nutico e para fazer observaes do cu. Era janeiro de1610, e ele j era um catedrtico em Pdua, ensinando Geometria e Astronomia. Apontandouma de suas lunetas para Jpiter, Galileu descobriu quatro estrelas totalmente invisveis aprincpio, por sua pequenez, as quais ocasionalmente desapareciam e reapareciam, no que spodia ser um movimento cclico que as levava para trs do planeta. Ora, isso s podia significarque as pequenas estrelas eram, na verdade, pequenos planetas (ou satlites, como chamamoshoje) que orbitavam ao redor de Jpiter o que era totalmente incompatvel com a Cosmologiade Aristteles. Se, at ento, podiam-se discutir os mritos filosficos ou a facilidade das contasna comparao entre os Modelos Copernicano e Ptolomaico, no havia como rebater a brutalrealidade dos satlites de Jpiter: outros corpos giravam ao redor de algo que no era a Terra.De 1610 em diante, Galileu faria ainda diversas outras observaes que reforariam a crticaao geocentrismo: a face cheia de crateras e, portanto, imperfeita da Lua, as fases de Vnus,a rotao do Sol, e vrias outras.

    O grande mrito de Galileu talvez tenha sido o de no se prender exclusivamente a tentarexplicar os porqus do que observava, e sim, arregaar as mangas e descrever o que via emtermos matemticos, alm de realizar inmeras experincias empricas.

    De fato, o trabalho astronmico foi apenas uma das vrias atividades cientficas que oformidvel italiano desenvolveu. dele o primeiro trabalho que buscou descrever

  • matematicamente a queda dos corpos, sem se ocupar da suposta motivao das pedras embuscar o solo, contrariando o que Aristteles declarara quase dois mil anos antes. Ele e seualuno Evangelista Torricelli tabularam os movimentos de diversos corpos e comearam oestudo das leis do movimento, alm de fazerem descobertas importantes sobre a temperaturados corpos.

    Sem a menor sombra de dvida, podemos dizer que Galileu foi o pai do que hoje em diase chama de Mtodo Cientfico, que vem a ser a observao e medio criteriosa de umfenmeno, a elaborao de hipteses para explic-lo e o teste dessas hipteses. Mas mesmoesses sucessos estrondosos no pouparam Galileu de dissabores com a Igreja.3 Galileu foiprocessado por conta das ideias contidas em seu livro Discusso sobre os Dois Grandes Sistemasdo Mundo, em que recontava suas descobertas e argumentava em favor do heliocentrismo.Alguns anos antes, ele j havia entrado em atrito com um padre jesuta por causa do tomjocoso usado para rebater os argumentos do padre sobre a natureza dos cometas (ironicamente,o argumento de Galileu estava errado). O cientista foi condenado a se retratar de sua obra e apermanecer em priso domiciliar pelo resto da vida. Morreria quase cego por causa dasobservaes que fez do Sol pela luneta, mas no sem deixar um legado fabuloso.

    O triunfo terico de Newton

    No mesmo ano em que morreu Galileu, nasceu Isaac Newton. Newton foi provavelmenteo cientista mais visionrio que j existiu. A grandeza do seu trabalho s pode ser rivalizada porCharles Darwin em termos de profundidade e impacto. Na prpria Fsica, apenas AlbertEinstein se compara, e talvez nem mesmo ele tenha construdo um arcabouo intelectual tovasto.

    Newton cresceu e estudou num ambiente majoritariamente livre das crises religiosas quetanto perturbaram seus predecessores. Tomado de interesse pelas obras de Kepler e Galileu,buscou ir alm da mera descrio emprica dos movimentos celestes. Chegou a criar um ramointeiro da Matemtica o Clculo Diferencial, paternidade que divide com o matemtico efilsofo alemo Gottfried Wilhelm von Leibniz para ajudar em seu trabalho. No final dascontas, conseguiu um feito formidvel: props trs leis que adequadamente descreviam omovimento de qualquer corpo comum na Terra; e o fez sem se preocupar (muito) em definircoisas abstratas como tempo, espao, massa, velocidade, quantidade de movimento e fora.Sua definio de fora, alis, como sendo algo que poderia atuar distncia, era uma coisa queo incomodava, mas postulou-a mesmo assim.

    O grande sucesso de Newton, se formos comparar sua obra terica s especulaesfilosficas da Antiguidade, foi que sua teoria permitiu no s descrever os fatos at entoconhecidos, mas tambm fazer previses que viriam a ser confirmadas por novos fatos. Suasleis de movimento, unidas ao princpio da Gravitao Universal (matria atrai matria narazo direta das massas e na razo inversa do quadrado das distncias), permitiram-lhe

  • reproduzir, de modo independente, as trs leis orbitais empricas de Kepler.Considere por um instante o que isso significa: um homem preso Terra, munido apenas

    de Geometria e Clculo Diferencial, conseguiu deduzir matematicamente o que Keplerencontrou depois de tabelar dcadas de observaes do cu. Mesmo assim, Newtonfamosamente declararia depois que se verdade que enxerguei mais longe, foi apenas porqueestava apoiado nos ombros de gigantes.

    Newton fez ainda inmeras outras contribuies nos mais variados campos, tais comoMatemtica, ptica e Mecnica Ondulatria. Suas leis de movimento obtiveram um sucessoestrondoso em prever tanto rbitas planetrias quanto o comportamento de fluidos e osprincpios da Acstica; e, de fato, foram usadas para descrever todo e qualquer movimento. AFsica terica, iniciada na Mecnica graas ao trabalho de Newton, se expandiu e deu origem adiversos outros ramos, sempre usando o mesmo ferramental matemtico e terico criado porele. Experimento aps experimento, cada resultado sempre parecia concordar totalmente comas previses feitas usando os mtodos tericos de Newton.

    A Mecnica Newtoniana reinava absoluta e, at finais do sculo XIX, nada indicava queprecisasse de grandes correes. Parecia no haver limites para seu poder de previso, e houvemesmo quem acreditasse que, 300 anos depois de sua criao, ela seria capaz de fechar aFsica e explicar todo o Universo num conjunto conciso de leis. Mas, em breve, tudo issomudaria.

    1 Por outro lado, um de ns (Daniel) lembra-se de penar como professor, logo na primeira turmaem certo colgio particular. Perdeu vrios minutos tentando explicar o conceito de movimentorelativo dando exemplos de trens e nibus at finalmente perceber que aqueles alunos nuncatinham andado de nibus ou de trem e, portanto, no faziam ideia do que estava falando!

    2 No que se esteja desprezando o trabalho de Aristteles. O filsofo da cincia AlexandreKoy r costumava dizer que Aristteles tinha embasado suas teorias de maneira muito mais deacordo com o senso comum do que Galileu. Parece que Aristteles estava muito maisinteressado em estabelecer o significado dos fenmenos naturais do que propriamente emdescrev-los o que justamente o ponto fundamental da questo.

    3 Verdade seja dita, parece que os maiores problemas de Galileu com a Igreja no eram nemtanto suas posturas cientficas, mas sua verve irnica e a maior influncia de seus inimigos nacorte papal quando da morte do Papa Gregrio XV e da ascenso de Urbano VIII.

  • CAPTULO 2

    A LUZ, DA ONDA AO QUANTUM

  • As leis e os fatos mais importantes da Cincia Fsica j foram descobertos, eencontram-se to firmemente estabelecidos que a possibilidade de virem a ser

    suplantados em virtude de novas descobertas excessivamente remota (...). Asdescobertas do futuro devero ser buscadas na sexta casa decimal.

    Albert Michelson (1903, p.23-24) Em 1666, ano de um grande incndio que destruiu boa parte da cidade de Londres, Isaac

    Newton abriu um furo no postigo de sua janela, de forma que, com o quarto todo fechado e sescuras, um estreito raio de luz do Sol fosse capaz de entrar. Usando um prisma, ele conseguiudecompor a luz nas cores do arco-ris do vermelho ao violeta, passando por azul, laranja,verde, amarelo e, usando outro prisma, foi capaz de recombinar essa sequncia de faixascoloridas, o chamado espectro visvel da luz, em um raio branco de iluminao solar.

    Esse resultado reverso indicava que as cores j estavam presentes no raio original. Noeram, como se poderia supor na poca, pintadas pelo prisma. Alm disso, Newtondemonstrou que, uma vez separadas, as cores no podiam mais ser modificadas: o vermelho, ovioleta e o azul anil no se prestavam a novas decomposies.

    A existncia de outras cores, invisveis para o olho humano, foi determinada mais deum sculo mais tarde, em 1800, quando William Herschel o descobridor do planeta Urano aplicou um termmetro s faixas de cor estudadas por Newton, determinando que cada umadelas produzia uma leitura diferente no mercrio do instrumento: a temperatura subia medidaque o termmetro era levado do violeta para o azul, do azul para o verde e o amarelo e, depois,para o vermelho. Para a surpresa de Herschel, a temperatura continuou a subir quando otermmetro foi posicionado um pouco alm do vermelho, numa altura onde, a olho nu, noparecia haver nenhuma outra faixa do espectro. Ele havia descoberto um tipo de radiaoinvisvel, a infravermelha.

    Um ano mais tarde, em 1801, o cientista prussiano Johann Ritter determinou que umcomposto de prata, semelhante aos que depois seriam usados nos filmes de fotografia em pretoe branco, escurecia um fotgrafo poderia dizer que era velado muito mais rapidamentequando posicionado a uma altura do espectro alm do violeta. Essa observao de Rittermarcou a descoberta da radiao ultravioleta.

    Mais ou menos no mesmo perodo em que essa relao entre cor e temperatura eraestabelecida, outros cientistas, trabalhando num ramo da Fsica denominado Termodinmica na origem, uma empreitada extremamente prtica, dedicada a descobrir as melhores formasde construir e operar mquinas movidas a carvo e a vapor , encontravam uma relao entretemperatura e energia. A correlao entre cor e energia, que levaria Teoria Quntica, estava,portanto, pronta para ser detectada.

  • Onda ou partcula?

    Quando os estudos acerca da natureza e das propriedades da luz comearam a serconsolidados, l para o fim do sculo XVII, na Europa, quase ningum duvidava de que suavelocidade de propagao seria finita, embora muito alta mas havia um profundo debatesobre se a luz era composta por pequenas partculas ou se se propagaria como uma onda.

    As pessoas olhavam para o Sol ou para a chama de uma vela e se perguntavam se essasfontes de iluminao estavam disparando pequenos projteis que iam se chocar com seus olhose com tudo mais ao redor ou se na verdade no faziam nada alm de perturbar um meio, comouma pedra lanada num lago perturba a gua ou a vibrao das cordas de um piano perturba oar.

    Um dos principais defensores da teoria ondulatria que via a luz como um tipo deperturbao era Christiaan Huygens, astrnomo e matemtico holands. Ele sustentava que aluz era uma espcie de onda de choque esfrica, como uma bolha que se expandia a partir dafonte luminosa. Cada ponto dessa bolha atuava como uma fonte de novas bolhas, que sepropagavam apenas em frente. A soma de todas as ondas de choque resultava nos raiosluminosos que chegam aos nossos olhos.

    Trata-se, claro, de uma hiptese ad hoc,4 que Huygens propusera para tentar explicar osresultados obtidos em laboratrio. Embora ele tenha conseguido usar seu modelo ondulatriopara deduzir as regras prticas da reflexo da luz, no havia, em sua teoria, nenhumajustificativa para as ideias em que tinha se baseado. De fato, a teoria de Huygens sofreucrticas severas na Inglaterra. Ningum menos do que Newton achava que a luz era um fluxode partculas, voando sempre em linha reta.

    O imenso prestgio de Newton nos meios acadmicos dava um peso enorme teoriacorpuscular (corpsculo, ou pequeno corpo, o mesmo que partcula), num exemploclssico da falcia do apelo autoridade, que o erro de se considerar uma coisa verdadeirano por causa das provas a favor dela, mas, sim, pela fama ou autoridade de quem faz aafirmao.

    As crticas de Newton concepo de Huy gens eram duras, mas no infundadas. Seumodelo corpuscular tinha a virtude de ser mais simples e tambm de estar de acordo com oque se conhecia sobre a luz na poca. Em particular, o Modelo Newtoniano explicava muitobem a reflexo da luz em espelhos e outras superfcies polidas tanto a luz batendo emespelhos quanto bolas de bilhar chocando-se com as laterais de uma mesa de sinuca parecemse comportar da mesma forma.

    Newton tambm achava que as partculas de luz moviam-se mais rpido em meios maisdensos (como a gua) e mais lentamente em meios mais rarefeitos (como o ar). Essa ideiafundamentava-se no seu entendimento de que mesmo os tomos de luz tinham que ter massae, portanto, seriam atrados com um puxo gravitacional mais forte quando passassem pertode corpos mais densos.5 Era por isso, dizia Newton, que a luz se dobra e muda de direoquando sai do ar e entra na gua,6 ou vice-versa.

    Prestgio de Newton parte, o fato era que nem todas as propriedades da luz poderiam seradequadamente explicadas pela teoria corpuscular. Por exemplo, uma das objees teoriaondulatria era que, se a luz fosse uma onda, deveria ser capaz de contornar obstculos, comoas marolas num lago de guas calmas passam ao redor de um barco.

  • Ocorre que a luz de fato aparenta contornar pequenos obstculos, um fenmeno que jhavia sido observado na poca de Newton e chamado por seu descobridor, o padre FrancescoGrimaldi, de difrao. Ele observara que a luz sada de um pequeno furo se abria,propagando-se num cone e, alm disso, produzia franjas iluminadas na sombra de pequenosobjetos postos no caminho do cone. Newton no tinha uma explicao satisfatria para adifrao alm da j citada ao gravitacional de corpos densos e, depois de realizar algunsquantos experimentos, deixou a questo em aberto.

    O debate sobre a natureza da luz prosseguiu por cerca de um sculo depois de Huygens eNewton, sempre com vantagem para o pai da Gravitao Universal. Mas, no sculo XIX, umexperimento abalaria o edifcio da teoria corpuscular da luz.

    Na primeira dcada do sculo XIX, o ingls Thomas Young, um profundo conhecedor dotrabalho de Newton sobre os fenmenos pticos, percebeu que algumas das propriedades da luzpoderiam ser melhor explicadas se considerarmos que ela formada por ondas que sesuperpem, ora reforando, ora enfraquecendo umas s outras.

    Para demonstrar esse princpio, ele props o seguinte experimento: num quarto escuro,pegue uma fonte de luz e coloque um anteparo sua frente, de modo que toda a luz sejabloqueada. Agora, faa um furinho no anteparo de modo a deixar passar um cone de luz. E, acerta distncia do anteparo com o furinho, coloque um segundo anteparo, agora com duasfendas pequenas, de modo que a luz possa passar por elas. Por fim, coloque um terceiro eltimo anteparo (esse sem furo nenhum) para receber a luz que passa pelo par de fendas.

    H dois resultados possveis para essa experincia, pensou Young. Ou a luz realmentecomposta de partculas e, nesse caso, o terceiro anteparo vai apresentar uma manchaluminosa forte onde os dois cones de luz se encontram e duas reas de luminosidade menosintensa nas bordas; ou a luz composta de ondas e, nesse caso, o terceiro anteparo vai formarum padro misturado de luz e sombra, parecido com o que Grimaldi observara no passado.

    Young j sabia que quando duas ou mais ondas se encontram elas podem se reforar ouse enfraquecer. Se as cristas de duas ondas se sobrepem, a crista resultante a soma deambas. Se uma crista coincide exatamente com um vale, a onda resultante fica menor e podeat se anular. De maneira geral, a soma de duas ou mais ondas gera um padro deinterferncia, cujo formato vai depender das condies especficas.7

    Nas Figuras 1 a 4, vamos mostrar a representao matemtica de duas ondas e o queacontece quando elas se superpem.

  • Figura 1 Representao matemtica de uma onda bem-comportada.Ondas numa praia so diferentes da onda desta figura porque so muitomalcomportadas efeitos como correntes marinhas, vento, turbulncia, atrito epresena de outras ondas modificam o comportamento e o formato delas.Marolas num lago calmo se aproximam mais dessa representao. O eixovertical representa a amplitude (ou intensidade) da onda. Podemos entenderisso como a altura da crista de uma onda no mar, por exemplo. O eixo horizontalrepresenta a distncia entre duas cristas sucessivas de uma ondulao.

  • Figura 2 Uma onda deslocada em relao primeira. Repare que ascristas da primeira onda esto mais ou menos na mesma posio dos vales destasegunda onda. Diz-se que a segunda onda tem uma diferena de fase em relao primeira.

  • Figura 3 A soma das duas ondas anteriores, num exemplo deinterferncia destrutiva.

  • Figura 4 A soma de duas ondas iguais da Figura 1, num exemplo deinterferncia construtiva. Repare que a amplitude (a altura das cristas ou aprofundidade dos vales) o dobro da anterior, embora o formato da ondaresultante seja o mesmo.

    Petrov Victor/Creative Commons

    Figura 5 Exemplo de um padro de interferncia num experimento feitocom um laser. A imagem tem uma definio muito melhor do que aquelaobtida por Young. Observe os aros de luz e as zonas escuras: correspondem,respectivamente, a reas de interferncia construtiva e destrutiva. Fonte:http://en.wikipedia.org/wiki/File:Laser_Interference.JPG#globalusage

    Quando Young realizou seu experimento, hoje conhecido como experimento da fenda

    dupla, encontrou os padres de interferncia que esperaria caso a luz fosse mesmo compostapor ondas. Os resultados eram incontestveis: no havia como conciliar o resultadoexperimental de Young com a teoria corpuscular de Newton. Ao longo do sculo XIX, outrasexperincias foram montadas com a inteno de demonstrar a natureza ondulatria da luz.Todas obtiveram grande sucesso.

    E como se todas essas demonstraes empricas no bastassem, o escocs James ClerkMaxwell publicou um artigo de quatro partes, entre 1861 e 1862, demonstrando que a luz erauma onda e construindo, no contexto dessa demonstrao, um modelo para explicar a relao,

  • at ento profundamente misteriosa, entre eletricidade e magnetismo.Maxwell obteve ainda um sucesso terico triunfal ao apresentar quatro concisas equaes

    que mostravam como a luz se propagava alm de deduzir o valor exato da velocidade da luzem qualquer meio, desde que conhecidas as propriedades eletromagnticas dele.

    Numa grande unificao, comparvel obtida por Newton ao explicar, por meio dagravidade, tanto a queda das mas no solo quanto o movimento da Lua ao redor da Terra e odos planetas ao redor do Sol, Maxwell conseguiu unir, numa s teoria, fenmenos to dsparesquanto ms, a luz entendida como uma onda e os relmpagos. O sucesso estupendo dateoria de Maxwell pareceu ser o ponto final no longo debate sobre a verdadeira natureza da luz.Mas era mesmo?

    Surge o quantum

    Quantum uma palavra do latim que significa quo, quanto, tanto quanto ouquantidade. Ela entra no mundo da Fsica em 1900, quando o alemo Max Planck prope quea luz emitida por um corpo aquecido como um pedao de metal deixado sobre brasas, porexemplo poderia ser mais bem compreendida se os cientistas a tratassem no como um fluxocontnuo de ondas, mas como algo composto de minsculos pacotes de energia, sendo que cadapacote seria um quantum.

    Ao sugerir que as tais ondas da bem-sucedida teoria de Maxwell e dos experimentos deYoung talvez no bastassem para dar conta do fenmeno da luz, Planck (que j foi definidocomo o revolucionrio relutante) no estava tentando transformar radicalmente nossacompreenso do Universo, e muito menos abalar os pilares da cincia, mas apenas buscandoresolver um problema bem prtico: em 1900, havia uma dura disputa comercial pelo mercadode lmpadas incandescentes.

    a economia, estpido

    A criao da lmpada incandescente costuma ser atribuda a Thomas Alva Edison, mas oprincipal mrito do inventor americano esteve mais na criao de um modelo comercialmentevivel do que, de fato, na ideia da iluminao eltrica. A primeira patente de uma lmpadaeltrica foi concedida no a Edison, mas ao britnico Joseph Swan. A casa de Swan, na

  • Inglaterra, foi a primeira residncia do mundo a ser iluminada com lmpadas eltricas.Swan tambm eletrificou por completo a iluminao do Teatro Savoy, em Londres, num

    experimento descrito, na poca, tanto no jornal The Times quanto na revista cientfica Nature. Osistema estreou numa apresentao da opereta Patience, da famosa dupla vitoriana decompositores Gilbert & Sullivan. O uso da eletricidade em substituio s velas e luz de gsfoi classificado pelo Times como um sucesso total. Escreveu o jornal, em sua edio de 29 dedezembro de 1881:

    A luz manteve-se perfeitamente estvel durante toda a apresentao, e o efeito

    pictrico foi superior ao do gs, as cores dos vestidos um importante elemento da peraesttica parecendo to verdadeiras e distintas quanto em pleno dia. As lmpadasincandescentes Swan foram usadas, o auxlio da luz de gs sendo totalmente

    desnecessrio.8

    A dcada de 1880 assistiu a uma intensa competio entre industriais dos Estados Unidos,

    da Inglaterra e da Alemanha pela criao de um padro para as lmpadas eltricas. Ailuminao representava o mais recente desenvolvimento numa srie de tecnologiasenvolvendo eletricidade, como o motor eltrico e o telgrafo, e havia a sensao de que o pasque conseguisse impor seus produtos como o padro da indstria conquistaria enormesvantagens econmicas.

    Lmpadas incandescentes como as do Teatro Savoy em 1881 e as da sua casa hoje emdia devem seu poder de gerar luz capacidade de um pedao de metal (o filamento nointerior do bulbo) de brilhar quando aquecido. A definio de um padro para a luz eltricadependia, portanto, de uma compreenso completa ou o mais completa quanto possvel deste fenmeno: a produo da luz por meio do aquecimento. A proposta do quantum de Plancknasceu nesse contexto.

    O corpo negro

    A relao entre a cor de um raio de luz e sua capacidade de afetar a temperaturaregistrada num termmetro, que como vimos tinha sido estabelecida j dcadas antes dotrabalho de Maxwell, foi estudada em detalhes, ainda em meados do sculo XIX, pelo fsicoalemo Gustav Kirchhoff. Ele reduziu todo o problema a um modelo abstrato, que chamou decorpo negro. Podemos imaginar o corpo negro como uma esfera oca, com um pequeno furoconectando sua superfcie externa cavidade em seu interior. Esse corpo tem ainda apropriedade de no refletir nenhuma luz: no importa o tipo de lmpada e holofote que seaponte em sua direo, ele sempre parecer e da o nome negro.

  • Agora, imagine que a cavidade interior desse corpo seja aquecida, mais e mais: logo asparedes da cavidade comearo a brilhar, como um pedao de metal que esquenta, passandodo vermelho escuro ao amarelo e ao branco-azulado medida que a temperatura se eleva.Essa evoluo da cor pode ser acompanhada graas ao furo aberto na superfcie.

    Kirchhoff demonstrou, matematicamente, que essa radiao do corpo negro no dependiado material de que o objeto era feito, de seu tamanho ou formato, mas apenas de suatemperatura. Ele props que deveria ser possvel criar uma equao ligando a temperatura docorpo negro energia emitida, mas no foi capaz de deduzi-la os meios para realizar osexperimentos necessrios no existiam em sua poca. Quando uma equao finalmente foiproposta, dcadas depois, ela desencadeou uma crise que levou Planck ao seu ato dedesespero.

    O leitor familiarizado com as guerras comerciais de hoje pelo mercado de tablets esmartphones talvez consiga ter uma ideia da guerra pelo mercado de lmpadas eltricas dadcada de 1880.

    Em 1887, a Alemanha fundou o Instituto Imperial de Fsica e Tecnologia, num campusestabelecido em terras doadas por ningum menos que o magnata da indstria eltrica WernerVon Siemens (a Siemens, por falar nisso, havia tomado parte na eletrificao do Savoy deLondres, em 1881). Na dcada de 1890, o instituto desenvolveu um agressivo programa paracriar a melhor lmpada eltrica possvel, que por sua vez motivou um intenso estudo doproblema do corpo negro.

    Um forte candidato posio da equao sonhada por Kirchhoff surgiu, finalmente, nofim do sculo. Em 1893, o jovem fsico Wilhelm Wien, do Instituto Imperial, mostrara como opico da radiao emitida por um corpo negro deslocava-se em direo ao azul e ao ultravioleta medida que a temperatura subia.

    Isso significa que, embora o corpo aquecido sempre emita luz de vrias coressimultaneamente, a cor predominante muda medida que a temperatura sobe. E essa mudanaacontece sempre na direo da extremidade azul do espectro.

    Trs anos depois de demonstrar esse deslocamento, Wilhelm Wien props uma frmulamatemtica para dar conta do fenmeno, relacionando a cor predominante temperatura.

    A Lei de Wien, como foi chamada, permitia explicar por que uma barra de ferroaquecida mudava de cor o fenmeno observado correspondia ao deslocamento do pico deemisso. Nos anos seguintes, no entanto, ficou claro que a lei era falha; suas previses nocorrespondiam exatamente aos resultados dos experimentos.

    Embora a lei funcionasse bem para uma parte do espectro, ela falhava em prever (eexplicar) o aumento observado na emisso de infravermelho com o crescimento datemperatura. De acordo com a Lei, a intensidade de infravermelho deveria ser bem menor doque a observada quando os cientistas faziam seus experimentos nos laboratrios.

    Como, em cincia, nenhuma teoria mais forte do que os resultados experimentais que aapoiam, foi como se o cho tivesse desaparecido debaixo dos ps da proposta de Wien. E osfsicos voltaram a correr atrs de uma soluo melhor. Max Planck, que havia ajudado aestabelecer uma justificativa terica para a Lei de Wien houve at mesmo propostas,modestamente repelidas, para cham-la de Lei de Wien-Planck , lanou-se ao desafio.

    Planck primeiro apresentou, em outubro de 1900, uma simples emenda emprica Lei deWien. Era uma equao cujos resultados correspondiam aos fatos, mas que a comunidadecientfica em geral (e o prprio Planck, em particular) viu como nada mais que um remendoprovisrio.

  • Catstrofe a caminho

    Meses antes de Planck, na Alemanha, apresentar sua regra prtica para o espectro docorpo negro, um fsico ingls, John William Strutt, tambm conhecido como Lord Ray leigh,9havia tentado calcular esse mesmo espectro, s que com base em princpios fundamentais daFsica clssica, derivados diretamente das leis do movimento de Isaac Newton e de avanos,ainda no esprito newtoniano, obtidos no estudo do comportamento de partculas minsculas,como os tomos e as molculas que compem os gases.

    Um desses avanos era um resultado conhecido como teorema da equipartio,segundo o qual a energia de um gs deve ser dividida igualmente entre as molculas que ointegram e, em seguida, entre os diferentes rumos que essas molculas podem tomar noespao.

    A ideia era mais ou menos assim: se voc tem 10 molculas que podem vibrar em 3dimenses para cima e para baixo; para frente e para trs; para a direita e para a esquerda num sistema com 60 unidades de energia, ento cada molcula deve receber 6 unidades, sendo2 unidades para cada dimenso (60 moedas de energia divididas por 10 molculas, e depoispelas 3 dimenses disponveis para cada molcula).

    Lord Ray leigh usou o teorema para dividir a energia do interior do corpo negro entre asdiferentes frequncias da radiao presente na cavidade.

    O resultado obtido por Ray leigh, que posteriormente foi ampliado por James Jeans e ficouconhecido como Lei de Ray leigh-Jeans, previa que a energia no interior da cavidade do corpoescuro deveria crescer de modo ilimitado, atingindo valores infinitos na faixa ultravioleta doespectro.

    Trocando em midos: uma aplicao perfeitamente lgica de um resultado vlido daFsica clssica levava concluso de que deveria ser possvel obter uma quantidade infinita deenergia simplesmente aquecendo um pedao de metal por exemplo, deixando-se um espetode ferro sobre uma churrasqueira acesa. No preciso pensar muito para concluir que essapreviso representava um erro ainda mais desastroso do que os peculiares desvios apontadospela Lei de Wien.

    Com efeito, anos mais tarde a previso de Ray leigh-Jeans seria apelidada de catstrofeultravioleta.

    Curiosamente, a principal motivao de Planck no parece ter sido, como s vezes sesupe, encontrar uma soluo para o clamoroso impasse entre fato e teoria trazido pelacatstrofe.

    Isso porque ele no acreditava que fosse correto aplicar o teorema da equipartio aoproblema da radiao do corpo negro e, portanto, no concordava com a validade terica dotrabalho de Ray leigh.10 Planck trabalhava no para resolver o dilema filosfico criado pelonobre ingls, mas para satisfazer sua curiosidade pessoal e, claro, para solucionar questesprticas pertinentes indstria alem.

  • Energia em pacotes

    Manipular uma equao para que ela se ajuste aos experimentos pode ser til para oengenheiro, mas para o terico tem o sabor amargo de disparar flechas ao acaso e, depois,pintar alvos cuidadosamente centralizados nos pontos atingidos. Entre outubro e dezembro de1900, Max Planck buscou uma interpretao que lhe permitisse justificar sua frmula com algomelhor do que um dar de ombros e a alegao de que assim porque assim funciona.

    O que obteve foi a noo de que a energia no emitida pelas paredes do corpo negro demodo contnuo, mas, sim, em pequenos pacotes que chamou de quanta, o plural do latimquantum.

    Nessa viso, quando um tomo da parede da cavidade do corpo negro passa a emitir luz, oque ele gera, na verdade, uma rajada de pequenas partculas, sendo que cada uma delasencapsula um quantum de energia proporcional frequncia dessa luz. Cabe esclarecer quefrequncia o nmero de oscilaes, por segundo, da onda luminosa.11

    O que nossos olhos veem como cor , na verdade, a frequncia da luz: quanto maior essevalor, mais azulada a iluminao.

    O raciocnio, agora, bem direto: as diferentes cores do espectro na verdade sodiferentes frequncias, e diferentes frequncias transportam diferentes quantidades deenergias. Logo, diferentes cores tm diferentes energias.

    Isso significa que as cores tm diferentes quanta: voc pode pensar no quantum de luzinfravermelha como uma bala de revlver e no de luz ultravioleta como um mssil.12 Cada cordo espectro tem seu quantum prprio, indivisvel, e voc nunca ver uma bala e meia ou doisteros de mssil voando por a. Mas, levando a analogia um pouco mais adiante, voc pode vermsseis e balas voando juntos. Isso o que acontece quando nossos olhos captam cores como orosa ou o roxo: essas so misturas de diferentes frequncias puras do espectro.

    Planck e seus colegas inicialmente trataram a ideia do quantum como uma ficomatemtica que, algum dia, seria superada por uma compreenso melhor do mecanismo docorpo negro. Afinal, para eles estava mais do que claro que a luz era uma onda e no umarajada de partculas: a prpria noo de frequncia aparecia na definio do quantum. Mas,cinco anos mais tarde, um jovem chamado Albert Einstein provaria que o conceito de fton como a partcula de luz veio a ser chamada era til demais para ser tratado como algomeramente ficcional.

    O ano maravilhoso

    Em 1905, Albert Einstein publicaria uma srie de artigos cientficos que, embora no

  • viessem a se tornar um sucesso imediato, acabariam sendo a base de sua reputao como umdos maiores gnios do sculo XX, possivelmente o maior fsico terico desde Isaac Newton.

    Os mais famosos desses artigos trazem a elegante deduo do fato de que nenhum objeto capaz de se mover mais depressa do que a velocidade da luz a Teoria da RelatividadeRestrita e a derivao da equao E = mc. So ambas descobertas fundamentais, mas elasno nos dizem respeito aqui.

    O que o prprio Einstein considerava o trabalho mais original13 de seu ano maravilhoso a descoberta pela qual viria a receber o Prmio Nobel mais de uma dcada depois, em 1922 dizia respeito ao fenmeno do efeito fotoeltrico.

    Detectado pela primeira vez no fim do sculo XIX, esse efeito descreve como uma placade metal, uma vez iluminada, passa a produzir corrente eltrica. A explicao comumenteoferecida para o fenmeno, na poca, era a de que as ondas de luz, ao atingirem a superfciemetlica, davam aos eltrons do metal energia suficiente para que se pusessem emmovimento, gerando assim a corrente.

    Experimentos realizados em 1902, no entanto, revelaram que havia algo de errado comessa interpretao. O que o fsico hngaro Philipp Lenard14 descobriu foi que a intensidade daluz projetada sobre a placa no afetava a energia dos eltrons emitidos, e sim, seu nmero; j afrequncia afetava a energia, mas no o nmero.

    Vamos dar uma olhada melhor nisso: Lenard determinou que substituir uma lmpada de,digamos, 50 W por uma de 100 W, da mesma cor, para estimular a corrente no faz os eltronscorrerem mais depressa, mas aumenta a quantidade de eltrons correndo.

    J mudar a cor isto , a frequncia da luz, mantendo a mesma faixa de potncia, novai afetar o nmero de eltrons em trnsito, mas altera a energia de cada um.

    Essa situao era um tanto quanto difcil de explicar pela teoria ondulatria da luz. Afinal,uma luz mais intensa significa que h mais energia sendo transmitida para a placa. Por que essaenergia no se reflete no comportamento individual de cada um dos eltrons?

    Num golpe de gnio, Einstein percebeu que a soluo estava no quantum. Aumentar aintensidade da iluminao significa arremessar mais partculas de luz sobre o metal. Mas, parauma luz monocromtica, cada partcula tem a mesma energia das outras, correspondente aoquantum da frequncia em questo. Assim, a luz mais forte no transmite mais energia aoseltrons individuais, mas eleva o nmero de eltrons atingidos pelos projteis qunticos.

    J a mudana de frequncia, mantendo-se a intensidade, tem o efeito oposto: o nmero departculas continua constante, mas a energia de cada partcula se altera, o que permite explicara mudana na energia transmitida aos eltrons em escala individual. Ou, nas palavras doprprio Albert Einstein, em seu texto de 1905:

    De acordo com a pressuposio considerada aqui, quando um raio de luz,

    comeando de um ponto, se propaga, a energia no continuamente distribuda sobre umvolume cada vez maior, mas consiste de um nmero finito de quanta de energia,localizados no espao, que se movem sem se dividir e que s podem ser absorvidos ou

    emitidos por inteiro.15

    Nos anos seguintes, experimentos confirmaram a interpretao de Einstein para o efeito

  • fotoeltrico. Em 1916, o americano Robert A. Millikan, um famoso fsico experimental,publicou resultados demonstrando que, de fato, havia uma ligao direta entre a energia doeltron emitido e a frequncia da luz incidente.

    Esses resultados, no entanto, desfaziam a certeza legada pelos trabalhos de Young eMaxwell, mas sem deixar claro o que pr em seu lugar: ao mesmo tempo que a bem-sucedidateoria eletromagntica do sculo XIX continuava em p e o conceito de ondas de luz dotadasde uma frequncia especfica mantinha-se fundamental , uma interpretao corpuscularparecia ser indispensvel para dar conta do efeito fotoeltrico e at do funcionamento de umasimples lmpada de rua. Afinal, qual a soluo?

    4 Ad hoc uma expresso latina que significa para isto. Em cincia, hipteses ad hoc soexplicaes criadas especialmente para se encaixar num conjunto de observaes, muitas vezessem uma base terica e sem ligao com outros fatos conhecidos. Podem ser teis como pontosde partida para a reflexo, mas os cientistas tendem a desconfiar um bocado delas.

    5 O que tambm uma hiptese ad hoc, verdade seja dita. E errada. Na realidade, a luz sepropaga mais lentamente em qualquer meio material (ar, gua, vidro etc.) do que no vcuo. Issotem a ver com o fato de a luz no conseguir andar muito longe num meio denso sem esbarrar emalguma coisa que atrapalhe seu caminho.

    6 O conhecido fenmeno da refrao, que pode ser facilmente observado colocando um lpisdentro de um copo de vidro cheio de gua ou notando que nossa altura dentro de uma piscina noparece a mesma quando olhamos para nossas pernas dentro da gua.

    7 Por que no observamos padres de interferncia a qualquer hora em nossa sala de estar? Porduas razes. Primeiro, porque o comprimento da onda de luz visvel muito pequeno. A distnciatpica entre duas cristas consecutivas de uma onda de luz vermelha, por exemplo, da ordem de650 nanmetros. Isso 650 bilionsimos de um metro, ento o padro de interferncia difcil deenxergar. Segundo (e muito mais importante), a luz precisa ser coerente para formar padres deinterferncia que durem tempo o bastante para que sejam observados. E duas fontes de luz, A eB, so coerentes se a distncia entre as cristas das ondas emitidas por A e por B mantiver-se amesma ao longo do tempo. A luz natural (e das nossas lmpadas) emitida, refletida e polarizadade tantas maneiras antes de chegar aos nossos olhos que qualquer padro de interferncia que seforme na parede ter uma durao curta demais para que o enxerguemos.

    8 Excerto preservado em The Gilbert & Sullivan Archive.http://math.boisestate.edu/GaS/carte/savoy /electric.html, acessado em 29/03/2013 (traduonossa).

    9 A forma como a luz do Sol se dispersa pela atmosfera da Terra, e que faz o cu ser azul, chamada de Disperso de Ray leigh em homenagem a ele.

  • 10 A despeito do ceticismo de Planck, a catstrofe ultravioleta viria a ser reconhecida como umproblema grave para a Fsica clssica: um ponto de ruptura no mundo newtoniano que tornavanecessria a adoo do quantum.

    11 No caso da luz visvel, essa frequncia fica na casa de algumas centenas de trilhes deoscilaes por segundo, com o vermelho escuro realizando cerca de 400 trilhes e o violeta, porvolta de 790. A unidade de frequncia o Hertz (smbolo Hz), e portanto se diz que a luz visvelfica numa faixa de frequncia que vai de 400 THz a 790 THz, onde o T a abreviao deTera, o prefixo grego para trilho, ou 1 seguido de 12 zeros.

    12 por ser altamente energtica que a luz ultravioleta capaz de causar queimaduras e atcncer de pele, enquanto a luz visvel, que transporta menos energia, inofensiva.

    13 As equaes usadas por Einstein para expressar a Relatividade j haviam sido deduzidas, em1895, pelo holands Hendrik Lorentz, e ainda hoje so conhecidas pelos cientistas comotransformaes de Lorentz. O gnio de Einstein, nesse caso, foi dar s transformaes umcontexto e um significado revolucionrios. Quanto a E = mc, essa mesma equao j havia sidoapresentada em 1900 pelo matemtico francs Henri Poincar. Alguns historiadores consideramque Lorentz e Poincar escaparam de descobrir a Relatividade antes de Einstein por puro azarou falta de imaginao ou uma mistura de ambos.

    14 triste e irnico que Lenard, um fsico importante que chegou a receber um Nobel, e cujotrabalho experimental inspirou Einstein, depois viesse a aderir ao nazismo e se tornasse umdefensor da Fsica ariana, que supostamente se opunha Fsica judaica de Einstein e outros.

    15 Artigo On a Heuristic Point of View Concerning the Production and Transformation ofLight, em Einsteins Miraculous Year: Five Papers that Changed the Face of Physics. Princeton:Princeton University Press, 2005, p. 178. (Traduo nossa).

  • CAPTULO 3

    CERTEZAS NUM MUNDO INCERTO

  • Possibly Gilman ought not to have studied so hard.Non-Euclidean calculus and quantum physics are enough to stretch any brain ()16

    H. P. Lovecraft, Dreams in the Witch House Em uma carta a seu rival Robert Hooke, Newton certa vez declarou que se verdade que

    enxerguei mais longe, foi porque me apoiei nos ombros de gigantes, referindo-se aos trabalhosanteriores de outros cientistas.17 Embora o sempre cido Newton talvez estivesse se referindoindiretamente baixa estatura de Hooke, o ponto : em cincia, fundamental que haja, se nocooperao direta, um contnuo levar adiante de trabalhos anteriores por outras mos e mentes.Novas ideias so constantemente adicionadas e comparadas s noes anteriores, de forma queo edifcio da cincia est sempre crescendo, ainda que de forma gradual.

    Ou, ao menos, assim se idealiza.O caso da Fsica moderna, que viemos desenhando nos ltimos captulos, ilustra bem o que

    acontece quando h uma ruptura radical nesse processo acumulativo. A luz, considerada comopartcula por Newton e seus defensores durante muito tempo, teve seu carter ondulatriodramaticamente demonstrado por Young e Maxwell; apenas para Einstein, de maneiraigualmente dramtica, estabelecer que a luz tambm pode se comportar como partcula. Mas,ento, quem diabos est certo? Como possvel que a luz possa ser ora um fluxo de partculas,ora uma propagao ondulatria? E se verdade que a luz as duas coisas, quem (ou o qu)determina em que condies qual comportamento vai se manifestar?

    Essa pergunta comeou a ser respondida no contexto de outro problema queaparentemente no tinha nada a ver com ela: a razo pela qual os tomos dos quais somosfeitos no desabam sobre si mesmos.

    A estabilidade dos tomose as ondas de matria

    Que todo corpo material ao nosso redor feito de tomos no uma ideia nova naverdade, a ideia de que somos feitos de pequenos pedaos microscpicos de matria tem pelomenos 2.500 anos.18 Porm, foi apenas no comeo do sculo XX que a estrutura atmicacomeou a ser desvendada. Em 1911, Ernest Rutherford bombardeou uma folha fina de ourocom partculas alfa (uma espcie de radiao que, j naquela poca, sabia-se ser formada porpartculas de carga eltrica positiva) e observou a magnitude do desvio que as partculas

  • sofriam ao atravessar a folha, medida pelo ngulo de deflexo.At ento, pensava-se que o tomo era semelhante a um pudim de ameixas a massa

    do pudim seria um amlgama de cargas positivas, e as ameixas, cargas negativas distribudasem pontos especficos da superfcie. O que Rutherford observou, no entanto, era que aspartculas alfa s vezes passavam atravs da folha de ouro sem se desviar muito, e s vezesdemonstravam uma deflexo muito grande. Quase como se fossem bolas de bilhar colidindocom um arranjo compacto de outras bolas de bilhar e, por conta disso, mudando radicalmentede direo, como num ricochete.

    Como se sabe, cargas eltricas de igual sinal se repelem. Assim, Rutherford e sua equipeforam capazes de deduzir que as cargas positivas de um tomo se encontravam confinadasnuma regio central muito pequena cem mil vezes menor do que o prprio raio atmico,como sabemos hoje rodeada por uma nuvem de eltrons carregados negativamente. Essenovo modelo explicava que as partculas alfa que se aproximavam desse centro diminuto eramas que sofriam maior deflexo, enquanto as demais passavam mais ou menos inclumes.

    O tomo de Rutherford era, portanto, semelhante a um minsculo sistema solar, com oseltrons girando em torno do ncleo positivo a altssimas velocidades. Alm de dar conta dopadro de deflexo das partculas alfa, o modelo explicava com sucesso muitas daspropriedades observadas empiricamente na poca, mas tinha uma falha fatal: de acordo comas leis conhecidas da Eletrodinmica, qualquer sistema assim necessariamente teria de emitirradiao eletromagntica (luz), o que acarretaria em perda de energia e um subsequentecolapso: girando em suas rbitas, os eltrons deveriam emitir partculas de luz que levariamembora a energia necessria para que se mantivessem afastados do ncleo. Como cargaspositivas e negativas atraem-se, a tendncia natural do eltron seria mergulhar em direo aocentro do tomo.

    Em outras palavras, o tomo de Rutherford deveria ser instvel, caindo sobre si mesmoem fraes de segundo. Ora, mas se tudo ao nosso redor (incluindo ns mesmos) feito detomos, e se no vemos as coisas implodindo at desaparecer, o que est errado?

    Felizmente para ns (e para fsicos que dependem da coerncia de suas teorias com omundo real para arranjar emprego), o modelo atmico de Rutherford precisava apenas dealguns ajustes, feitos por um jovem fsico dinamarqus de nome Niels Bohr a partir de 1913.Bohr imaginou que, tal como o espectro do corpo negro era quantizado, como vimos no captuloanterior, assim tambm deveriam ser as emisses de um tomo. Ou seja, os eltrons de umtomo s poderiam emitir luz em frequncias bastante especficas, que variam de tomo paratomo e no causam colapso.

    Ele sugeriu dois postulados para explicar a estabilidade dos tomos:

    1. Os eltrons de um tomo s podem se manter em certas rbitas estacionrias, comvalores de energia bem definidos. No possvel para um eltron ocupar o espaointermedirio entre duas rbitas atmicas consecutivas.

    2. A energia do fton de luz emitido ou absorvido por um tomo, quando um de seuseltrons muda de rbita, um mltiplo inteiro da constante de Planck.19 Por mais que a ideia inicial de Bohr tivesse sido capaz de, numa s tacada, resolver o

    quebra-cabea da estabilidade e prever as frequncias da luz emitida por tomos de hidrognio,permanecia a questo de que seus postulados no tinham muito a ver com a Fsica tal como sefazia at ento. Uma srie de objees srias foi surgindo, por exemplo: quando um tomoexcitado vai emitir um fton? Exatamente de que forma o eltron sabe que no pode ocupar

  • espaos intermedirios entre as rbitas? Como o fton emitido sabe para qual outra rbita oeltron est saltando, para ento ajustar sua frequncia de acordo?

    A Fsica, at aquele momento, era fortemente influenciada pelo determinismo. Graas aosucesso tremendo da Mecnica Newtoniana e a seu incrvel poder de previso, pensava-se que,se tivssemos acesso a todas as condies iniciais de um sistema ou seja, se conhecssemos avelocidade e a posio inicial de todas as partculas de um sistema e todas as foras e potenciaisatuantes nele , seramos capazes de prever, com exatido, todas as futuras posies de todas aspartculas. Essencialmente, seramos capazes de prever o futuro com exatido, ao menos emprincpio.

    O tomo de Bohr, por outro lado, apresentava um comportamento fortementeindeterminstico, ou seja, no havia nada no modelo que nos desse uma ideia de quando umfton seria emitido, o que era um incmodo filosfico bem grande.

    Mesmo com todo o sucesso obtido, o modelo de Bohr era limitado. Funcionava bem spara o tomo de hidrognio, o mais simples de todos, que possui apenas um prton e umeltron. Qualquer sistema mais complicado apresentava dificuldades crescentes para serdescrito, o que levou o modelo a sofrer vrios ajustes nos anos que se seguiram.

    Paralelamente ao trabalho de Bohr e de seus colegas, outro cientista, de nome Louis-Victor de Broglie,20 estava s voltas com sua tese de doutorado e ponderava o problema da luz,como tantos antes dele. Para de Broglie, no parecia estranho que a luz se comportassealgumas vezes como partcula e algumas vezes como onda, como sugeriam os resultados deEinstein a respeito do efeito fotoeltrico. O que lhe parecia de fato estranho era a aparenteassimetria implcita na sugesto de que o quantum de luz o fton deveria ser tratado comoonda e partcula, enquanto os componentes da matria eram vistos exclusivamente comocorpusculares.

    Assim, ele fez uma sugesto ousada: toda a matria deveria ser entendida como tendouma natureza dual, assim como a luz; e revelaria esse ou aquele carter dependendo do tipo deexperimento realizado. A onda guiaria sua partcula associada, fazendo com que ocorpsculo oscilasse em um tipo de movimento peridico, algo como uma rolha de cortiasendo carregada por ondas no mar.21

    Essa ideia sobre as ondas de matria ocorreu a De Broglie, como vimos, por razes desimetria. Estava claro para o cientista francs que, da mesma forma que se pode descrever apropagao da luz por meio de raios retilneos quando se trata de fenmenos macroscpicos (ochamado limite da ptica Geomtrica, que d conta, por exemplo, dos clculos de reflexo emespelhos e de refrao em lentes que os jovens aprendem a fazer no Ensino Mdio), ou pormeio de ondulaes, quando se trata de fenmenos microscpicos (o chamado limite da pticaFsica, ou Ondulatria), tambm o mesmo poderia ser feito com relao a qualquer outraentidade microscpica, como um eltron.

    Uma caracterstica bsica das ondas a distncia entre duas cristas ou dois valessucessivos, chamada de comprimento de onda. Quanto maior o comprimento de onda, tantomenor ser a energia transportada pela ondulao, e vice-versa: quanto menor o comprimentode onda, maior a energia. E uma caracterstica bsica de uma partcula de matria emmovimento o seu momento linear, grandeza que mede o mpeto de seu deslocamento quantomais momento um corpo tiver, maior ser a dificuldade de alterar sua trajetria, desviando-odo caminho original; razo pela qual tambm chamado de quantidade de movimento. Omomento linear foi definido por Newton como sendo o produto da massa de um corpo por sua

  • velocidade.A proposta da dualidade onda-partcula, ento, a seguinte: o carter ondulatrio e o

    corpuscular de cada ente subatmico esto atrelados constante de Planck aquela mesmaque j aparecia na descrio do tomo de Bohr e, antes, nas equaes do efeito fotoeltrico edo corpo negro. Se multiplicarmos o momento linear de cada partcula pelo comprimento deonda associado, vamos obter exatamente a constante de Planck que muito, muitopequena.22

    Dito de outra forma, quanto maiores a massa e a velocidade de um corpo, tanto menor ocomprimento de onda associado a esse corpo.

    Como vimos no captulo anterior, o carter ondulatrio de um objeto pode ser verificadofazendo experimentos de interferncia e difrao com anteparos de tamanhoaproximadamente igual ao comprimento de onda considerado. Ou seja, s somos obrigados alevar em conta o carter ondulatrio de um objeto se as dimenses do aparato experimentalforem comparveis ao comprimento de onda de De Broglie; de outra forma, podemos trat-locomo partcula, sem problema algum.

    exatamente por esse motivo que no enxergamos a dualidade onda-partcula nocotidiano. Um corpo macroscpico, como este livro, voc, um carro, uma montanha, ou umapulga tem um comprimento de onda de De Broglie to pequeno que no pode ser observado.23

    Para de Broglie, o tomo de Bohr no representava surpresa alguma. possvel entenderas rbitas eletrnicas de Bohr como ondas estacionrias anlogas s vibraes que produzemmsica numa corda de violo. Cada estado excitado do tomo de hidrognio tem quecorresponder a um nmero inteiro de comprimentos de onda que caiba na circunferncia darbita.

    As ondas de matria de De Broglie ajudavam a visualizar um novo panorama para aFsica, mas elas sozinhas ainda no eram suficientes para que a velha Mecnica Quntica(como chamamos hoje) desse conta de explicar as emisses espectrais de tomos maiscomplicados que o hidrognio. Para isso, um novo passo teve de ser dado.

    Schrdinger e a funo de onda

    At aquele momento, a velha Mecnica Quntica tinha dado conta do tomo dehidrognio e dos metais alcalinos, que ocupam a mesma coluna que o hidrognio na tabelaperidica, alm de lidar bem com algumas questes em outros campos da Fsica. Umtratamento completo do panorama subatmico continuava a eludir os cientistas, at mesmoaqueles do grupo de Bohr, que contava com pesos-pesados da rea, como Arnold Sommerfelde Werner Heisenberg (sobre quem falaremos mais daqui a pouco), e recebia colaboraes deWolfgang Pauli e outros.

    Munidos de mtodos matemticos mais precisos imaginados por Heisenberg, eles tinhamconseguido avanos significativos na tentativa de descrever sistemas qunticos mais complexos.

  • Porm, logo a comunidade cientfica seria atordoada por uma srie de artigos do austracoErwin Schrdinger.24

    O raciocnio de Schrdinger foi o seguinte: se De Broglie tinha teorizado que qualquerpartcula subatmica tem um carter ondulatrio, fazia sentido tentar escrever uma equaocuja soluo seria a funo de onda que descrevesse o sistema quntico considerado. Essaequao governaria a evoluo do sistema e deveria nos dizer, por exemplo, quais as chancesde um eltron saltar de rbita lembre-se de que a impossibilidade de se prever qualquer coisaa respeito do salto era um dos principais problemas com a velha Teoria Quntica.Evidentemente, a equao buscada por Schrdinger teria de atender s relaes matemticasentre comprimento de onda e momento linear que De Broglie tinha encontrado, j que sua baseterica era o trabalho do francs.

    Alm disso, a equao deveria satisfazer velha e conhecida conservao da energiapara que pudesse descrever sistemas fsicos reais. Por fim, e to importante quanto, a equaodeveria ter como solues funes de onda lineares, ou seja, a soma de duas (ou mais)solues da equao deveria ser tambm uma soluo. Esta ltima condio garante queefeitos de interferncia (como vimos no captulo passado) sejam observados. De fato, qualquerTeoria Quntica precisa prever fenmenos de interferncia, ou no estar sendo consistentecom a realidade.

    Aps se trancar por vrios dias numa cabana nas montanhas (aparentemente para serecuperar de uma doena; o mais provvel que tenha levado tambm sua amante),Schrdinger apareceu com um artigo bombstico em janeiro de 1926, no qual propunha afamosa equao que leva seu nome, e j com solues para os nveis de energia do tomo dehidrognio. Ao longo daquele ano, outros artigos se seguiram,25 nos quais Schrdingerpraticamente definiu o caminho que a Mecnica Quntica tomaria at os dias de hoje.

    Mas o que a tal funo de onda?Essa no uma pergunta simples de responder. Anteriormente, dissemos que a funo de

    onda uma soluo da equao de Schrdinger. Matematicamente, um objeto que guardatodas as informaes sobre o sistema quntico considerado. Ela no representa uma entidadequntica particular um eltron, uma partcula alfa, um tomo etc. e sim, o estado dessaentidade.

    Nos meses que se seguiram s publicaes de Schrdinger, De Broglie, Bohr e os demaiscientistas debateram exatamente qual o significado fsico da funo de onda. O problema queela era representada por um nmero complexo uma necessidade da equao deSchrdinger que a funo de onda seja complexa, tendo uma parte com nmeros reais queso os nmeros como 10, 1/3, 6 ou at mesmo , que usamos para representar quantidades emedidas que encontramos no dia a dia, como pesos, comprimentos, saldos bancrios,velocidades e uma parte com nmeros imaginrios, que so mltiplos do nmero i, smboloque representa a raiz quadrada de 1.26 S que apenas conseguimos interpretar fisicamentegrandezas reais, e temos grande dificuldade para dizer o que representa de verdade umagrandeza imaginria.

    De Broglie insistia que por trs da funo de onda deveria existir um objeto fsico real uma onda existente, tal como uma radiao luminosa ou uma vibrao sonora, responsvel porguiar a trajetria de uma partcula igualmente existente. O prprio Schrdinger no sabiaexatamente o que dizer. Para ele, a funo de onda era pouco mais do que um artifcionecessrio para fazer as contas darem certo. A funo de onda de um eltron, por exemplo,

  • representaria uma distribuio de carga sobre um determinado volume onde se esperaobserv-lo. Nessa interpretao, a funo de onda seria um campo com existncia to realquanto um campo eltrico ou um campo gravitacional. Caberia ao grupo de Bohr, entretanto,bater o martelo sobre como a funo de onda seria enxergada.

    De incertezas e probabilidades

    Uma partcula na Fsica clssica tem uma trajetria muito bem definida. A qualquermomento podemos dizer onde ela est e a que velocidade est se movendo. J com uma ondaisso no mais verdadeiro. Considere uma onda no mar: voc capaz de dizer com exatidoonde ela est localizada? Pode estipular com toda certeza com que velocidade ela se desloca?V em frente, feche o livro por um instante, pense um pouco e depois volte.

    Pensou? Muito bem. Se tiver visualizado direitinho uma onda quebrando na areia, vaiperceber que ela no pode ter uma localizao definida porque est espalhada por uma faixabem larga de espao. Da mesma forma, partes da onda quebraro sobre a areia comvelocidades diferentes. Podemos at tentar calcular uma velocidade mdia para essa onda (quena verdade o resultado da interferncia de vrias ondas simples, mais efeitos de turbulncia,atrito etc.), mas dificilmente seremos capazes de atribuir uma velocidade nica e definida paraa onda toda. E repare que em momento nenhum falamos de um objeto microscpico, e sim, dealgo que podemos ver e sentir a qualquer hora em qualquer praia.

    De fato, todas as ondas so assim. Se considerarmos uma onda plana bem-comportada,cuja velocidade perfeitamente determinada pela matemtica, vamos perceber que suaposio totalmente indeterminada a onda est to espalhada que no podemos dizer que elaest aqui ou ali.

    Com objetos qunticos isso no diferente.Lembre-se de que, pelo princpio da dualidade onda-partcula, podemos tratar uma

    partcula subatmica como partcula mesmo ou seja, com posio e velocidade bemdefinidas se nosso aparato experimental no for sensvel o suficiente para detectar ocomprimento de onda de De Broglie correspondente. Porm, se os instrumentos forem precisoso bastante para que o comprimento de onda associado faa diferena, obrigatoriamente vamosobservar o carter ondulatrio da entidade quntica; o que inclui essa incerteza fundamental.

    Assim, podemos dizer que quanto mais tivermos certeza da posio de um eltron, porexemplo, tanto menos saberemos sobre a velocidade dele, e vice-versa.

    Foi Werner Heisenberg, um dos colegas de Niels Bohr, quem percebeu que isso era vlidopara todos os sistemas qunticos e no apenas para posio e velocidade, mas para uma sriede pares de observveis, como ele chamou.

    As grandezas dentro desses pares momento angular em diferentes direes, energia deum estado excitado e tempo de transio para outro estado, as j citadas posio e velocidade,entre outras no podem ser ambas conhecidas com preciso arbitrariamente alta ao mesmo

  • tempo. Se tivermos uma boa ideia de uma delas, nosso conhecimento da outra ser,necessariamente, limitado. E isso no tem nada a ver com a preciso de nossos instrumentos,ou com a habilidade dos cientistas que esto fazendo medidas. um limite imposto pela prprianatureza, contra o qual no parece haver contorno possvel.

    Essa ideia conhecida como o Princpio da Incerteza de Heisenberg.Paralelamente ao desenvolvimento do Princpio da Incerteza, o fsico germnico Max

    Born estava se ocupando do problema do indeterminismo na Mecnica Quntica. Nosabemos, por exemplo, exatamente em qual posio encontraremos um eltron orbitando oncleo de um tomo. Sabemos que ele tem que estar l. Assim, se olharmos em todo o espao,a probabilidade de encontrarmos o eltron em algum lugar de 100%. Mas se limitarmos abusca a uma regio mais restrita digamos, apenas nas rbitas correspondentes ao terceiro equarto estados excitados , as chances de encontrar o eltron diminuem bastante. Em outraspalavras, no possvel prever onde encontraremos uma partcula. No mximo, podemoscalcular qual a probabilidade de ela estar em certa regio. E isso se aplica no apenas posio, mas a qualquer um dos observveis da Mecnica Quntica velocidade, momentoangular, energia, entre outros; sempre podemos esperar que tais grandezas apresentem umcerto espectro de valores possveis, mas no saberemos qual valor vai aparecer at irmos aolaboratrio e realizarmos a tal medida.

    Em seu trabalho, Born demonstrou como calcular essas probabilidades. Implcito noraciocnio estava o seguinte: se prepararmos um nmero suficientemente grande de sistemasqunticos idnticos e medirmos um mesmo observvel em cada um deles, vamos verificar queo nmero de resultados iguais proporcional probabilidade de obter aquele resultado. A cadapossvel valor do observvel atribudo um coeficiente que proporcional probabilidade deele ser encontrado numa medio.

    Em portugus claro, isso significa que, se num experimento h uma chance de 70% deobservar um fton com uma certa polarizao, podemos esperar que cerca de 70 de cada cemftons observados tenham a tal polarizao. Nunca ser uma proporo exata, pois estamostratando de probabilidades aqui, no de certezas. Mas quanto maior o tamanho da amostra,tanto mais prximo do valor exato.

    Isso de calcular probabilidades muito bonito, mas Born no parou por a. Para ele e parao grupo de Niels Bohr, tornava-se cada vez mais claro que o mundo quntico jogava comregras um pouco diferentes das que esperaramos se nos basessemos apenas pela Fsicaclssica. Born ento arriscou uma interpretao para a funo de onda sozinha, ela no tinhasignificado fsico (lembre-se de que ela um nmero complexo, contendo o fator i, umagrandeza difcil de interpretar em termos fsicos). Mas se multiplicarmos a funo de onda porseu complexo conjugado, uma operao equivalente a elevar um nmero real ao quadrado,fazemos desaparecer o i e obtemos um nmero real que representa uma densidade deprobabilidade. Ou seja, para Born, a funo de onda no exprime uma coisa real, um campofsico de verdade apenas um conjunto de probabilidades. A funo em si nem sequer temsignificado, antes de ser elevada ao quadrado.

    Bohr e Heisenberg trataram de sintetizar todos esses trabalhos no que se convencionouchamar de a Interpretao de Copenhague para a Mecnica Quntica.27 Para eles, opanorama quntico apresentava caractersticas muito diferentes do que compreensvelintuitivamente. Vamos resumir o que eles disseram:

    1. O princpio da complementaridade: a matria exibe um carter dual entre onda e

  • partcula. Qual carter se apresenta depende das caractersticas do experimento. No sepode invocar apenas o carter corpuscular ou o ondulatrio para descrever os fenmenosqunticos.

    2. A funo de onda de um sistema quntico guarda todas as informaes acessveissobre o estado do sistema.

    3. A funo de onda sozinha no tem significado fsico. Multiplicada por seucomplexo conjugado, representa a probabilidade de encontrar o sistema quntico neste ounaquele estado.

    4. impossvel conhecer simultaneamente e com preciso absoluta todas ascaractersticas do sistema. Nosso conhecimento limitado pelo Princpio da Incerteza.

    5. impossvel prever que valor um observvel vai assumir antes de realizarmosuma medida.

    6. O princpio da correspondncia: para objetos suficientemente grandes ou sistemascom um nmero de partculas satisfatoriamente elevado, as previses da MecnicaQuntica devem ser equivalentes s da Mecnica clssica. Veja s quanta diferena se comparado ao panorama determinstico da Fsica clssica!

    No universo de Newton, partculas ou planetas tm suas trajetrias cuidadosamente definidas,sem espao para dvidas. As incertezas que existem so resultados da impreciso de nossosinstrumentos ou da falta de percia do experimentador. No universo quntico, no. Asimprecises e incertezas so parte intrnseca da natureza, e preciso instrumental algumapoder elimin-las. Alm disso, Bohr sugeriu que sequer fazia sentido dizer que o eltronestava realmente na posio x. Antes de realizar uma medida, o eltron simplesmente noest em lugar nenhum que se possa definir.

    Outra caracterstica desconcertante que, por causa das condies de linearidadeimpostas por Schrdinger no desenvolvimento de sua equao, possvel que uma funo deonda seja dada pela soma de duas ou mais funes de onda superpostas. No mundo real, issosignifica que possvel montar experimentos em que um sistema quntico se encontre numestado superposto indefinido. Voltando ao exemplo dos ftons polarizados acima, podemos dizerque um dado fton est num estado de polarizao superposto, com 70% de chance de estarpolarizado de uma forma e 30% de chance de estar em outra polarizao. Mas at que ele sejamedido, no h sentido em afirmar que o estado de polarizao do fton seja um ou outro.

    Bohr versus Einstein

    Como voc pode imaginar, isso incomodou muita gente de pedigree cientfico impecvel.Einstein, por exemplo, apesar de ter sido um dos fundadores da Mecnica Quntica, seperguntava se o Princpio da Incerteza era mesmo um limite fundamental ou se haveriaalguma maneira de contorn-lo e chegar a uma descrio completa do mundo quntico. Para

  • Einstein, a coisa toda era um contrassenso: como assim, o eltron no tem uma posiodefinida? Ele podia aceitar que o conhecimento sobre a posio do eltron fosse muito difcil,seno impossvel, de obter. Mas o mundo s faria sentido (ao menos para ele) se o eltronrealmente estivesse na posio x.

    sempre perigoso usar analogias para descrever fenmenos cientficos, mas vamosarriscar uma mesmo assim, para tentar deixar a bronca de Einstein um pouco mais clara.

    Imagine que voc tem um baralho comum de 54 cartas (13 de cada naipe, mais doiscoringas). Voc embaralha bem e saca quatro cartas, deixando-as com a face para cima: umcoringa, o rei de copas, o dois de copas, o sete de ouros e o dez de paus. Voc tenciona sacarmais uma carta do topo do baralho. Qual ser essa carta?

    Bem, podemos calcular qual ser a probabilidade de a carta pertencer ao naipe deespadas (que 13/50, ou 13 chances em 50), por exemplo, ou qual a chance de ser uma figura(11 em 50), ou o outro coringa (apenas uma chance em 50). Podemos assinalar probabilidadespara qualquer dessas coisas. Entretanto e esse o cerne da crtica de Einstein , noimportam quais sejam as chances, j que o valor da carta est bem definido a priori. Ns queno sabemos qual esse valor at virar a carta.

    O panorama descrito por Bohr diferente. Para ele, o mundo quntico no um jogo decartas marcadas (com o perdo do trocadilho), mas uma loteria. Imagine que voc faz umaaposta simples na mega-sena, marcando seis dezenas na esperana de ficar milionrio. Vocno sabe se suas dezenas sero sorteadas (as chances so algo como 50 milhes para 1 boasorte!) e precisa esperar at que o globo da sorte pare de girar para que as bolinhas numeradascaiam. Antes de as bolinhas carem totalmente impossvel prever quais nmeros serosorteados, porque eles simplesmente no existem ainda.

    Voltando ao baralho, como se a carta seguinte escolhesse seu naipe, nmero ou figurano instante em qu