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Purificação de substâncias ativas da planta
Phoradendron quadrangulare (Santalales:Viscacae) e do
líquen Teloschistes flavicans
(Telochistales:Telochistaceae) contra a larva de Aedes
aegypti (Diptera:Culicidae)
Analiz de Oliveira Gaio
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
Campos dos Goytacazes – RJ
Março de 2007
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ii
Purificação de substâncias ativas da planta
Phoradendron quadrangulare (Santalales:Viscacae) e do
líquen Teloschistes flavicans
(Telochistales:Telochistaceae) contra a larva de Aedes
aegypti (Diptera:Culicidae)
Analiz de Oliveira Gaio
Campos dos Goytacazes – RJ
Março de 2007
Dissertação de mestrado apresentada ao
Centro de Biociência e Biotecnologia da
Universidade Estadual do Norte Fluminense
para obtenção do grau de Mestre em
Biociência e Biotecnologia.
iii
Purificação de substâncias ativas da planta Phoradendron quadrangulare
(Santalales:Viscacae) e do líquen Teloschistes flavicans
(Telochistales:Telochistaceae) contra a larva de Aedes aegypti
(Diptera:Culicidae)
Analiz de Oliveira Gaio
Dissertação de mestrado apresentada ao Centro de Biociência e Biotecnologia da
Universidade Estadual do Norte Fluminense para obtenção do grau de Mestre em
Biociência e Biotecnologia.
Banca Examinadora:
___________________________________
Dr. José Roberto da Silva
___________________________________
Dr. Vanildo Silveira
____________________________________
Drª. Antônia Elenir Amâncio Oliveira
_____________________________________
Dr. Ivo José Curcino Vieira
(Co-orientador)
___________________________________
Dr. Francisco José Alves Lemos
(Orientador)
iv
Este trabalho foi realizado no Laboratório de Biotecnologia – LBT,
no Centro de Biociência e Biotecnologia da Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, sob a
orientação do Dr. Francisco José Alves Lemos.
Financiamento: Faperj
v
AAGGRRAADDEECCIIMMEENNTTOOSS
À Deus por ter me concedido a vida e as oportunidades e ter me
sustentado quando todas as outras forças me falharam.
Aos meus pais Antônio José e Áurea pela educação que me foi dada, pelo
apoio nas minhas escolhas, pela compreensão nos momentos difíceis e
principalmente pelo amor dedicado a mim.
Ao meu orientador Francisco José Alves Lemos por sempre ter estimulado
o interesse de seus alunos pela ciência, por ter acreditado no meu potencial, pela
amizade, paciência e respeito oferecidos a mim, pela humildade, e pelo exemplo
de conduta profissional e pessoal que desejo seguir ao longo de minha vida.
Ao meu co-orientador Ivo Curcino Vieira, pelos ensinamentos tão valiosos
para a elaboração deste trabalho e ao Daniel Uchoa por realizar a espectrometria
de massa e ressonância magnética.
À professora Aparecida TanaKa da Unifesp, São Paulo, Pelo auxilio na
purificação e sequenciamento da proteína tóxica.
Aos meus irmãos Tiago e Cícero por terem me apoiado para que eu
pudesse estudar e pelo orgulho que demonstram de mim, e a minha cunhada
Jeanne pela amizade.
Ao Adão por ter aceitado fazer a revisão da minha monografia.
Ao João Marcelo Alvarenga Braga, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do
Rio de Janeiro pelo auxilio na identificação das plantas e a Profª Sionara Eliasaro
do Departamento de Botânica/UFPR pela identificação do líquen.
vi
Aos professores José Roberto da Silva, Vanildo Silveira e Antônia Elenir
Amâncio Oliveira, por aceitarem fazer parte da minha banca.
Às técnicas Telma e Rívea pelo auxílio nos experimentos e pela disposição
de sempre ajudar.
A toda a minha família: avós, tios e primos que tanto me apóiam e admiram.
As minhas companheiras de bancada Tatiane, Kamilla , Natália, Flávia,
Desiely, Mirian, Raquel e Saulo pelo auxilio e pelos momentos de descontração.
E a todos que de algumas forma me auxiliaram para a conclusão deste
trabalho.
vii
ÍÍNNDDIICCEE
Índice de figuras....................................................................................................III
Índice de tabelas....................................................................................................VI
Abreviatura...........................................................................................................VII
Resumo................................................................................................................VIII
Abstract..................................................................................................................IX
1. INTRODUÇÃO
1.1. Biologia, importância médica e controle do mosquito Aedes aegypti...1
1.2. Interação inseto-planta................................................................................8
1.3. Proteínas com atividade inseticida............................................................11
1.4. Metabólitos secundários...........................................................................14
1.5. Ervas-de-passarinho.................................................................................17
1.6. Líquen........................................................................................................20
2. OBJETIVOS....................................................................................................21
3. MATERIAIS E MÉTODOS
3.1. Manutenção dos mosquitos...............................................................22
3.2. Coleta e identificação das plantas e líquen estudados.................. 22
3.3. Ensaios de atividade larvicida contra Aedes aegypti......................22
3.4. Preparação dos extratos aquosos e orgânicos de Phoradendron
quadrangulare............................................................................................. 23
viii
3.5. Determinação de proteína e eletroforese das amostras dos extratos
vegetais.................................................................................................................25
3.6. Eluição de proteínas de gel de poliacrilamida............................................25
3.7. Cromatografias de troca iônica DEAE e CM-Sepharose.............................25
3.8. Cromatografia de troca iônica em Hitrap Q (sistema FPLC).......................26
3.9. Cromatografia de fase reversa (sistema HPLC)...........................................26
3.10. Sequenciamento da região N-terminal da proteína tóxica.........................27
3.11. Preparação dos extratos orgânicos de Telochistes flavicans...................28
3.12. Purificação do metabólito secundário do líquen Telochistes
flavicans.................................................................................................................28
3.13. Avaliação do grau de pureza das frações e identificação do metabólito
secundário purificado...............................................................................................28
4. RESULTADOS
4.1. Atividade larvicida dos homogenatos aquosos de plantas e líquen..........31
4.2. Purificação da proteína tóxica de Phoradendron quadrangulare..............31
4.3. Atividade larvicida de extratos orgânicos de Phoradendron
quadrangulare........................................................................................................48
4.4. Purificação e identificação do metabólito secundário do líquen
Telochistes flavicans..............................................................................................48
5. DISCUSSÃO...............................................................................................................58
6. CONCLUSÕES...........................................................................................................64
7. REFERÊNCIAS BBLIOGRÁFICAS...........................................................................65
ix
ÍÍNNDDIICCEE DDEE FFIIGGUURRAASS
Figura 1. Ciclo biológico de A. aegypti ..................................................................2
Figura 2. Distribuição mundial do dengue................................................................7
Figura 3. Estrutura química de compostos com atividade inseticida...................16
Figura 4. Erva-de-passarinho Phoradendron quadrangulare ...............................18
Figura 5. Líquen Telochistes flavicans..................................................................20
Figura 6. Extrações do extrato metanol/água de Phoradendron quadrangulare.....24
Figura 7. Passos de extração realizados com o líquen Telochistes
flavicans........................30
Figura 8. Perfil cromatográfico em DEAE-Sepharose do extrato aquoso de Phorandedron
quadrangulare...................................................................................................................31
Figura 9. Perfil cromatrográfico de uma CM-Sepharose de extrato aquoso de
Phoradendron quadrangulare...........................................................................................32
Figura 10. Perfil cromatográfico de uma CM-Sepharose de extrato aquoso de P.
quadrangulare................................................................................................................33
Figura 11. Eletroforese semi-desnaturante em gel de poliacrilamida 10% corado com
Coomassie das frações de CM-Sepharose do extrato de Phoradendron
quadrangularare...............................................................................................................35
x
Figura 12. Cromatografia de troca-iônica em coluna HiTrap Q (sistema
FPLC)................................................................................................................................36
Figura 13. Eletroforese semi-desnaturante em gel de poliacrilamida 15% corado com
Coomassie das frações obtidas de troca iônica de extrato bruto Phoradendron
quadrangulare..................................................................................................................37
Figura 14. Cromatografia de fase reversa da amostra oriunda da coluna
HiTrap................................................................................................................................38
Figura 15. Eletroforese semi-desnaturante em gel de poliacrilamida 10% corado com
Coomassie das frações obtidas da fase reversa...............................................................39
Figura 16. Eletroforese semi-desnaturante em gel de poliacrilamida 10% de poço único
corado com Coomassie.....................................................................................................41
Figura 17. Eletroforese semi-desnaturante em gel de poliacrilamida 15% corado com
Coomassie.........................................................................................................................42
Figura 18. Eletroforese desnaturante em gel de poliacrilamida 10% corado com
Coomassie de extrato aquoso de Phoradendron quadrangulare......................................43
Figura 19. Cromatografia de fase reversa de proteína tóxica eluida de gel de
poliacrilamida ...................................................................................................................44
Figura 20. Toxidade da proteína de Phoradendron quadrangulare sobre as larvas de A.
aegypti............................................................................................................................45
Figura 21. Toxidade do extrato metanol-água da planta P. quadrangulare sobre as larvas
de A. aegypti.....................................................................................................................47
xi
Figura 22. TLC em coluna de sílica gel...........................................................................49
Figura 23. Cromatografia gasosa da fração 6 proveniente da fase de diclorometano....50
Figura 24. Estrutura química da caloploicina...................................................................51
Figura 25. Efeito tóxico de diferentes concentrações da caloploicina sobre larvas de
Aedes aegypti....................................................................................................................53
Figura 26. Toxidade da rotenona sobre as larvas de A. aegypti.....................................54
Figura 27. Mortalidade de larvas de Aedes aegypti ao longo do
tempo...............................................................................................................................55
xii
ÍÍNNDDIICCEE DDEE TTAABBEELLAASS
Tabela 1. Gradiente de eluição da cromatografia de troca iônica em coluna HiTrap Q......24
Tabela 2. Gradiente de eluição de cromatografia de fase reversa coluna C8.....................25
Tabela 3. Atividade larvicida contra Aedes aegypti de homogenatos de 6 plantas e 1
líquen coletadas na região Norte Fluminense.....................................................................30
Tabela 4. Frações de cromatografia com atividade larvicida..............................................48
xiii
Abreviaturas:
ACN- acetonitrila
BSA-Albumina sérica bovina
CM- carboxi metil
DEAE-Dietilaminoetil
DMSO- dimetilsulfóxido
EDTA- Ácido etileno diamina tetracética
HPLC- Cromatografia líquida de alta eficiência
KDa- Quilodaltons
SDS- dodecil sulfato de sódio
PBS- Tampão fosfato salino
TRIS- Hidrometil amino metano
xiv
RESUMO
O mosquito Aedes Aegypti possui grande importância médica por ser
transmissor de doenças como a dengue e febre amarela. Plantas e liquens
possuem mecanismos de defesa, como a produção de proteínas e metabolitos
secundário, para se protegerem de patógenos e do ataque de insetos herbívoros.
Os inseticidas convencionais para o controle deste vetor, têm provocado
resistência na população de insetos. Uma alternativa para esse problema é a
busca de novos compostos tóxicos que participam dos mecanismo de defesa de
plantas e liquens. O objetivo deste trabalho foi a purificação de proteínas e
metabólitos secundários da planta Phoradendron quadrangulare e do Teloschistes
flavicans contra as larvas de A. aegypti . Extrato aquoso e metanólico de P.
quadrangulare foram testados contra as larvas de A. aegypti, e somente o extrato
aquoso promoveu 100% de mortalidade larval. Por eletroforese, observou-se um
perfil protéico de 6 bandas de proteína majoritárias em P. quadrangulare. Estas
bandas foram eluidas do gel e testadas. Uma proteína de cerca de 20 kDa
promoveu 100% de mortalidade larval. A região N-terminal desta proteína foi
seqüenciada e não apresentou similaridade com outras proteínas. Uma curva de
dosagem letal foi feita, obendo-se uma DL 50 de 6.77 mg/L. Alternativamente, esta
proteína tóxica foi purificada por cromatografias de troca iônica e fase reversa.
Extrato metanólico bruto de T. flavicans mostrou-se ativo contra as larvas de A.
aegypti. Após o fracionamento com diferentes solventes obteve-se 3 frações, das
quais a fração de diclorometano e acetate de etila foram ativas. A fase
diclorometano foi submetida a cromatrografia em silica gel, obtendo-se 5 frãções
tóxicas para a larva de A. aegypti, estando uma purificada. O metabólito
secundário tóxico foi identificado como caloploicina por espectometria de massa e
ressonância magnética nuclear de H e C13 e o valor de DL50 encontrado foi de 2
ppm.
xv
AABBSSTTRRAACCTT
The mosquito Aedes aegypti is the world's most important vector of yellow
fever and dengue viruses. Plants and lichens have evolved an array of defense
mechanisms to protect themselves against the wide variety of pathogens and pests
with which they are confronted. Included in these defense mechanisms are the
proteins and secondary metabolites. Attempts to eradicate mosquitoes have been
unsuccessful and search for more powerful alternatives. The objective of this work
was to purify the toxic proteins and secondary metabolites from the plant
Phoradendron quadrangulare and from the lichen Teloschistes flavicans against A.
aegypti larvae. Aqueous and methanol-water extracts of the P. quadrangulare
caused 100% of mortality in A. aegypti larvae. Through electrophoresis it was
observed 6 majority bands that were removed of the gel and tested separately
against A. aegypti larvae. The toxic 20 kDa protein was sequenced and did not
show homology to any other protein. The LD50 value of toxic protein was 6.77
mg/L. Alternatively, the toxic proteins was purified using ion exchange and reverse
phase chromatographies. Methanol extracts from the lichen T. flavicans was
fractioned using different organic solvents and three fractions were obtained and
tested against A. aegypti larvae. Two fractions presented high larval mortality: etil
acetate and dichloromethane. By Thin Layer Chromatography (TLC) was verified
that both fractions had similar composition. Dichloromethane phase from the
lichen Teloschistes flavicans was submitted to silica gel chromatography resulting
in five different toxic fractions which one of them was purified. The biologically
active component of T. flavicans was characterized as caloploicin by mass
spectrometric and magnetic ressonance analyses. The LD50 value of caloploicin
was 2 mg/L.
1
1. INTRODUÇÃO
1.1. Biologia, importância médica e controle do mosquito Aedes aegypti
Os mosquitos são insetos dípteros, pertencentes à família Culicidae,
conhecidos como pernilongos, muriçocas ou carapanãs. Os adultos são alados,
possuem patas e antenas longas e a maioria é hematófaga, enquanto as fases
imaturas são aquáticas (Consoli e Lourenço-de-Oliveira, 1997).
Aedes aegypti é um mosquito de coloração preta, com listras e manchas
brancas, adaptado ao ambiente urbano (Taveira et al., 2001). Somente as fêmeas
adultas são hematófagas e possuem hábitos diurnos, picando preferencialmente
ao amanhecer e antes do por do sol, mas podem picar durante todo o dia,
buscando refúgio dentro das residências atrás de objetos e móveis (Natal, 2002).
O local da picada é selecionado cuidadosamente, em geral diretamente num vaso
capilar, com a saliva concomitantemente inoculada. A saliva pode conter
anticoagulantes, aglutininas e substâncias alergênicas (Cobert e Smith,1974). Este
mosquito ataca diferentes animais, de acordo com a proximidade ao seu habitat,
mas, de uma maneira geral, prefere se alimentar do homem (Consoli e Lourenço-
de-Oliveira, 1997).
Os mosquitos apresentam um curto ciclo biológico, variando em média de 8
a 12 dias e são holometábolos, passando pelos estágios de ovo, larva, pupa e
adulto (Fig. 1). No gênero Aedes a oviposição é feita fora do meio líquido, porém
próximos a estes ou em locais inundáveis. Assim, o mosquito A. aegypti se
adaptou a depositar os ovos nas paredes de recipientes que acumulam água
(Natal, 2002).
O mosquito A. aegypti adota preferencialmente criadouros artificiais, tanto
recipientes abandonados pelo homem e que tiveram o acúmulo de água da chuva
quanto reservatórios de uso doméstico (Juliano, 1998; Cives, 2002). A água para o
desenvolvimento das larvas geralmente é pobre em matéria orgânica mas nada
impede que elas se desenvolvam em águas poluídas (Juliano, 1998).
2
Figura 1. Ciclo biológico de mosquito mostrando os quatro estágios de
desenvolvimento do Aedes aegypti. Adaptado de
www.arbovirus.health.nsw.gov.au/arbovirus/mosquit/photos.ht
ml
3
As larvas possuem mandíbulas e maxilas adaptadas para obter o alimento
presente na água, os quais podem ser microrganismos, detritos, folhas e
invertebrados vivos ou mortos (Nasci e Miller, 1996).
O corpo de A. aegypti adulto é nitidamente dividido em cabeça, tórax e
abdômen. Órgãos como os olhos, as antenas e os palpos situam-se na cabeça.
No tórax estão os apêndices especializados na locomoção (patas e asas), e no
abdômen está a maior parte dos órgãos internos, os aparelhos reprodutor,
digestivo e excretor (Consoli e Lourenço-de-Oliveira, 1997).
Os mosquitos são transmissores de uma série de doenças de grande
importância no campo da saúde pública, presentes em grande escala na América
Latina e África (Gwards e Collins, 1996). O dengue e a febre amarela são doenças
virais com graves conseqüências na saúde pública. O dengue e o dengue
hemorrágico são consideradas as mais importantes e disseminadas doenças
virais transmitidas por mosquito; e A. aegypti tem papel crucial na transmissão
destas infecções (Paho 1995; Nogueira et al., 1999).
O dengue configura, no momento atual, uma arbovirose reincidente e esta
situação se agrava nos países tropicais, onde as condições do ambiente,
associadas à ineficácia das políticas públicas de saúde, favorecem o
desenvolvimento e a proliferação de A. aegypti (FUNASA, 1998).
Atualmente, o dengue atinge mais de 100 países da África, Américas, Leste
Mediterrâneo, Sudeste da Ásia e no Oeste do Pacífico, e cerca de dois milhões e
meio de pessoas no mundo correm o risco de serem afetadas, pelo transmissor,
anualmente. Apenas no ano de 2001, foram registrados mais de 609 mil casos de
dengue nas Américas, dos quais 15 mil casos foram de dengue hemorrágica.
Neste mesmo ano, o Brasil registrou mais de 390 mil casos, incluindo 670 de
dengue hemorrágica (WHO, 2002). Em 2002, segundo dados divulgados pela
OMS e FUNASA, nos primeiros quatro meses do ano o Brasil registrou 84 mortes
em resposta ao dengue transmitida pela picada do mosquito. No total, foram
registrados no ano 550 mil casos da dengue, sendo que 200 mil pacientes tiveram
o tipo mais grave da doença, o dengue hemorrágica. Na região Sudeste foi
notificado o maior número de casos de Dengue (FUNASA, 1999).
4
O dengue é uma doença febril aguda causada por um arbobírus do gênero
Flavivírus, em que são reconhecidos atualmente 4 sorotipos: DEN-1, DEN-2, DEN-
3, DEN-4. As manifestações variam de uma síndrome viral, benigna e inespecífica
até um quadro grave fatal de doença hemorrágica (Tauil, 2001). O seu espectro
clínico é muito amplo, variando de formas assintomáticas ou oligosintomáticas até
formas graves e letais. As causas da ocorrência de formas graves ainda não estão
plenamente estabelecidas, existindo algumas teorias explicativas relacionadas à
maior virulência da cepa de vírus infectante, à seqüência de infecções pelos
diferentes sorotipos do agente etiológico, a fatores individuais do hospedeiro e a
uma combinação de todas as explicações anteriores. Por outro lado, apesar de
muito pesquisada, ainda não está disponível uma vacina preventiva eficaz
(Miagostovich et al. 2003).
Há três teorias que tentam explicar a ocorrência do dengue hemorrágico. A
primeira diz que o seu aparecimento se deve à virulência da cepa infectante, de
modo que as formas mais graves sejam resultantes de cepas extremamente
virulentas. A segunda teoria e mais aceita relaciona o dengue hemorrágico com
infecções seqüenciais por diferentes sorotipos do vírus da dengue, num período
de 3 meses a 5 anos. Nessa teoria, a resposta imunológica na segunda infecção
é exacerbada, o que resulta numa forma mais grave da doença. E finalmente a
terceira que tem sido proposta por autores cubanos, aliam as duas teorias citadas
acima a outros fatores de risco. A interação desses fatores de risco promoveria
condições para a ocorrência do dengue hemorrágico (Ministério da Saúde, 2002).
O mosquito A. aegypti é o vetor responsável pela febre amarela na América
Central e do Sul e é também vetor da dengue hemorrágica endêmica no Sul da
África e nas áreas das ilhas do Pacífico (Fig. 2).
A febre amarela é um outro tipo de doença causada por um arbovírus do
gênero Flavivírus, encontrado principalmente na África e nas Américas. Esta
doença pode ser classificada epidemiologicamente de duas maneiras: febre
amarela silvestre e febre amarela urbana (Consoli e Lourenço-de-Oliveira, 1997;
Nasci e Miller, 1996). A forma silvestre é veiculada na floresta por mosquitos
silvestres que picam animais susceptíveis ao vírus, especialmente macacos. Por
5
sua vez, a forma urbana é veiculada dentro das cidades sendo transmitida entre
os seres humanos (Consoli e Lourenço-de-Oliveira, 1997).
A febre amarela urbana considerada extinta das Américas desde 1942
(Nasci e Miller, 1996; Consoli e Lourenço-de-Oliveira,1997; Gubler e Clark, 1995),
pode voltar a ser deflagrada a qualquer momento, uma vez que os grandes
centros urbanos estão novamente infestados com o mosquito vetor. Mesmo com o
desenvolvimento de uma vacina eficiente, criada há décadas, a febre amarela
pode ser importada, através dos doentes, das áreas silvestres para a urbana, o
que pode reintroduzir a doença promovendo uma nova epidemia (Gubler e
Clarck,1995).
O mosquito A. aegypti, que havia sido erradicado em vários países do
continente americano nas décadas de 50 e 60, retornou na década de 70 por
falhas na vigilância epidemiológica e pelas mudanças sociais e ambientais
propiciadas pela urbanização acelerada da época (Tauil, 2002). Atualmente, este
mosquito é encontrado numa ampla faixa do continente americano, que se
estende desde o Uruguai até o sul dos Estados Unidos, com registro de surtos
importantes em vários países como Venezuela, Cuba, Brasil e no Paraguai.
No Brasil, desde 1967 e até recentemente, os programas de Saúde Pública
usaram exclusivamente inseticidas organofosforados para o controle de A. aegypti
(Ministério da Saúde, 1968; Lima et al., 2003). Em 1999, a resistência do mosquito
a este grupo de inseticidas começou a ser monitorada em vários municípios, em
um programa coordenado pela FUNASA. A comprovação da resistência, em
várias localidades do país, ao temefós, único larvicida usado até 2000 contra
Aedes (FUNASA, 1999; Lima et al., 2003) começou a nortear a definição de novas
estratégias de controle do vetor. Como alternativa, além do uso de piretróides no
controle de adultos, algumas formulações do biolarvicida Bti têm sido aplicadas
em regiões onde se detectou resistência.
A febre amarela pode ser controlada com vacinas, entretanto, a vacina é
inviável no caso do dengue devido a existência de, pelo menos, 4 sorotipos
diferentes que causam a doença. Sendo assim, a melhor alternativa, para o
controle do dengue, é o controle do vetor. Por experiências anteriores, viu-se que
6
toxinas liberadas ao ar livre (como spray) são muitas vezes ineficientes para os
adultos, já que os mosquitos optam por permanecerem escondidos em recintos
fechados. Então, o melhor caminho para o controle da população de A. aegypti é
atingir os locais de procriação das larvas (Carvalho et al., 2003).
7
Fonte: www.anlis.gov.ar/dengue/dengue
Figura 2. Distribuição mundial do dengue. Em A países de risco de surto de febre
amarela na América do Sul e África. Em B distribuição mundial do
dengue
8
1.2. Interação Inseto-Planta
Os variados seres hoje existentes resultam do processo evolutivo ocorrido
na Terra desde o surgimento da vida. A teoria da evolução pela seleção natural diz
que a mutação dos organismos é aleatória, e que mutantes inadaptados às
condições ambientais tendem a ser extintos. A sobrevivência dos seres vivos
depende, portanto, de sua habilidade para se adaptar ao estresse, que atua como
pressão seletiva. Assim, as várias estratégias de sobrevivência selecionadas
permitiram o aparecimento de diferentes formas de vida (Margis-Pinheiro et al.,
1999).
Plantas e insetos são organismos intimamente associados. Os insetos
beneficiam as plantas promovendo sua defesa e polinização, enquanto as plantas
oferecem aos insetos abrigo, sítios de oviposição e alimento, necessários para a
proliferação dos mesmos (Panda e Khush, 1995). Entretanto, dependendo da
intensidade do ataque dos insetos, este pode ser extremamente danoso para as
plantas, levando inclusive à morte do vegetal. Para minimizar os ataques, as
plantas desenvolveram diferentes mecanismos de defesas, que incluem barreiras
químicas e físicas, como a indução de proteínas de defesa (Haruta et al.; 2001),
voláteis que atraem predadores de insetos herbívoros (Birkett et al., 2000) e
metabólitos secundários (Kliebenstein et al., 2001).
As plantas possuem mecanismos químicos de defesa que podem
envenenar e interferir na digestão de herbívoros que se alimentam delas. A
diversidade dos metabólitos secundários é devida, em parte, à pressão seletiva
causada pela herbivoria. Metabólitos secundários são moléculas orgânicas de
baixa massa molecular que, por definição, não são requeridos para os processos
fisiológicos normais de crescimento. Ao contrário dos compostos do metabolismo
primário, estas substâncias são sintetizadas por grupos específicos de plantas,
sendo empregadas como marcadores para estabelecer linhas filogenéticas em
diferentes níveis taxonômicos (Gottlieb, 1982).
Os estudos referentes às defesas contra herbivoria têm sido,
freqüentemente, direcionados para os metabólitos secundários, ao invés das
proteínas. Isto, talvez seja, devido à sua grande diversidade estrutural e,
9
geralmente, uma maior atividade biológica (Duffey e Stout, 1996). Dentro deste
contexto, mais de 2.000 espécies de plantas que possuem propriedades
inseticidas naturais foram identificadas, apresentando metabólitos secundários
tóxicos tais como rotenóides, nicotina, alcalóides, entre outros (Macêdo et. al.,
1997). Estas moléculas freqüentemente afetam a função nervosa e o
comportamento do inseto. Extratos de plantas têm mostrado grande potencial
como larvicidas naturais no controle de mosquitos vetores, sendo conhecidas mais
de 300 espécies de plantas com esta característica (Pohlit et al., 2004).
Dentre as proteínas envolvidas em mecanismos de defesa as mais
conhecidas são as lectinas, as proteínas inativadoras de ribossomos (RIPs) e os
inibidores de enzimas proteolíticas e glicosidases (Ryan, 1990; Bowles, 1990;
Chrispeels e Raikhel, 1991; Barbieri et al., 1993; Peumans e Van Damme, 1995;
Koiwa et al., 1997). Outras proteínas vegetais, que também atuam em
mecanismos complexos de defesa, são as arcelinas (Osborn et al., 1988), as
quitinases (Herget et al., 1990) e a canatoxina (Carlini e Grossi-de-Sá, 2002).
As plantas têm utilizado sofisticados mecanismos de defesa. A maioria
deles está concentrada nos frutos já que são responsáveis pela propagação e
sobrevivência das espécies. Os tecidos da semente podem acumular compostos
que conferem resistência contra fitófagos predadores e infecção por vírus,
bactérias, fungos, nematóides, etc. (Wittstock e Gershenzon, 2002).
Estudos sugerem que algumas partes das plantas com alto capacidade
adaptativa, ou cuja destruição possa afetar a sobrevivência da espécie podem ser
melhor protegidas por defensivos que outras, que podem se defender induzindo
respostas após um dano inicial. Como o exemplo, a cenoura selvagen (Pastinaca
sativa) cujos órgãos reprodutores são freqüentemente atacados por herbívoros.
Estes órgãos acumulam altos níveis de substâncias tóxicas como xantotoxina e
suas concentrações não sofrem aumento com danos artificiais. Ao contrário, as
raízes são raramente atacadas, apresentando baixos níveis de xantotoxina, ao
qual sofre rápido aumento após sofrerem algum ferimento (Wittstock e
Gershenzon, 2002).
10
A pressão seletiva dos inseticidas convencionais vem aumentando as
populações de mosquitos resistentes, crescendo a demanda por novos produtos
que sejam seguros para o meio ambiente, específicos para o grupo de organismos
que se deseja controlar e, também, facilmente degradáveis (Carlini e Grossi-de-
Sá, 2002).
Atualmente existem dois larvicidas efetivos contra A. aegypti no mercado: o
Metoprene, um análogo do hormônio juvenil, que interfere no desenvolvimento
larval; e o Bacillus thuringiensis israelensis (Bti), que produz toxinas que se ligam
às células epiteliais do intestino, formando poros não específicos que levam ao
inchaço intestinal e a morte larval (Henrick et al., 1973). Contudo, a formulações
de Bti e de Metoprene disponíveis para uso no controle de A. aegypti, além de
terem custo elevado, apresentam baixo poder residual em nossas condições
climáticas. Sendo assim, estudos que objetivem o desenvolvimento de alternativas
eficientes de controle são importantes do ponto de vista estratégico.
As proteínas, como moléculas de defesa, têm uma vantagem sobre os
metabólitos secundários sob o ponto de vista biotecnológico. Cada proteína,
geralmente é codificada por um único gene. O gene pode ser isolado e usado para
transformação de uma determinada cultura visando aumentar a sua resistência às
pragas. Esta estratégia vem sendo utilizada pela indústria biotecnológica que
busca novas proteínas de defesa em plantas como também em outros organismos
(Rey et al., 1991).
Dentro deste contexto, as plantas podem representar uma forma alternativa
para o controle de mosquitos. Muitos trabalhos já têm sido feitos focalizando os
extratos de plantas ou metabólitos secundários como uma fonte potencial de
produtos comerciais visando o controle de mosquitos (Rey et al., 1991).
11
1.3. Proteínas com atividade inseticida
As plantas possuem sofisticados mecanismos de defesa contra predadores
e infecção por patógenos (Sales et. al., 2000). Uma das formas de proteção, que
as plantas se utilizam, é a produção de proteínas tóxicas. As principais proteínas
sintetizadas por plantas que estão envolvidas em mecanismos de defesa são:
lectinas, proteínas inativadoras de ribossomos, enzimas inibidoras de proteólise e
glicoidrolases (Carlini e Grossi-de-Sá, 2002).
As plantas sofrem um constante ataque de insetos herbívoros e uma
potente defesa destas, em resposta a este ataque, é a produção de inibidores
contra proteinases digestivas de insetos. Entretanto, com o processo evolutivo, os
insetos têm se adaptado a estes inibidores desenvolvendo proteinases variantes
que minimizam o efeito das proteínas defensivas das plantas (Giri et. al. 2003).
Em adição, alguns insetos polifagos são capazes de alterar a expressão de
diferentes isoformas de proteinases de intestino maximizando sua resistência aos
inibidores produzidos pelas espécies de plantas (Patankar et al., 2001).
Há evidências que componentes do sistema de defesa de algumas plantas
pode ter sido perdido durante a seleção artificial imposta pela domesticação.
Exemplo desse processo ocorreu com as arcelinas, uma família de proteínas que
exibem propriedades inseticidas, que são encontradas somente em variedades
selvagens do feijão Phaseolus vulgaris (Osborn et al.,1998).
A estratégia para aprimorar os sistemas de defesa de plantas para o futuro
é identificar inibidores de proteinases com alta atividade contra tipo particular de
insetos (Giri et. al., 2003).
Lectinas são uma classe de proteína que possui pelo menos um domínio
não catalítico que especificamente liga mono ou oligossacarídeos. Uma típica
lectina é multivalente e tem habilidade de aglutinar células. Elas são
extensivamente distribuídas na natureza e por vários anos essas moléculas têm
sido isoladas de plantas, vírus, bactérias, invertebrados e vertebrados. Sementes,
12
particularmente de leguminosas são ricas em lectina (Carlini e Grossi-de-Sá,
2002).
Várias lectinas de plantas têm mostrado efeitos tóxicos quando ingeridas
por insetos das ordens Coleoptera e Lepidoptera. Tem sido demonstrado que
algumas lectinas se ligam à membrana das células epiteliais intestinais de insetos,
ou no caso de lectinas com domínios de ligação a quitina, à membrana peritrófica
que é composta de uma malha de quitina associada à proteoglicanos e proteínas,
incluindo as glicoproteínas (Peters, 1992). Outra possibilidade de efeito tóxico
inclui ligação da lectina a enzimas digestivas glicosiladas. Contudo o mecanismo
preciso de ação das lectinas em insetos ainda é desconhecido (Carlini e Grossi-
de-Sá, 2002).
Tipicamente, lectinas multivalentes estão freqüentemente presentes em
sementes de plantas que contém proteínas tóxicas. Em contraste com as demais
lectinas, que possuem sítios multivalentes de ligação a carboidratos, ricina e
abrinina são outras proteínas tóxicas de plantas e de origem microbial que se
comportam como lectinas monovalentes, por possuirem sítios únicos de ligação à
carboidratos sendo designadas de hemilectinas (Carlini e Grossi-de-Sá, 2002).
Ricina e abrina têm se mostrado ativas como proteínas inibidoras de
síntese em células eucarióticas através da inativação da subunidade ribossomal
60S.
Muitas destas toxinas microbiais e proteínas tóxicas em plantas exercem
seus efeitos intracelularmente, sendo compostas de duas cadeias polipeptídicas
ou domínios com propriedades biológicas distintas. O hapetomer ou domínio B
reconhece a célula alvo por interação especifica com carboidratos ou
glicoderivados presentes na superfície das células. Sabe-se que a cadeia B de
proteínas tóxicas em plantas se liga longe de resíduos de D-galactose, N-acetil-
galactosamina (Carlini e Grossi-de-Sá, 2002).
Em geral os eventos que procedem aos efeitos tóxicos dessas proteínas
são: (1) ligação da subunidade B ao receptor na superfície das células o mediador
para a internalização da holotoxina; (2) uma vez dentro do compartimento
endocítico, as proteínas podem ser processadas por proteólise e/ou redução do
13
grupo tiol e /ou mudanças conformacionais devido a acidificação da vesícula
endocítica; (3) separação dos dois domínios que ocorrem na toxina, redistribuindo
o efeito da ação enzimática;(4) o domínio de efeito que se insere na membrana
da vesícula, alcança o citoplasma; (5) o efeito final da toxina é dependente da
atividade enzimática e dos componentes do citoplasma (Carlini e Grossi-de-Sá,
2002).
Outro grupo de proteínas, que podem possuir propriedades inseticidas são
os inibidores de proteinase. Estas proteínas inibem as enzimas proteolíticas que
catalisam a quebra da ligação peptídica na proteína. Estes inibidores são
classificados de acordo com os seus mecanismos de catalise e aminoácidos
presentes no sítio ativo: (1) serino proteinases, com serina e histidina; (2) cisteino
proteinases, com a cisteinas; (3) proteinases aspárticas, com o grupo aspartato e
(4) metaloproteinases, com íons metálicos (Zn 2+, Ca 2+ , Mn 2+) (Neurath, 1984).
Um grande número de inibidores de proteinases já foram descritos em
animais, plantas e microorganismos e suas estruturas e propriedades funcionais
têm sido extensivamente estudadas e elucidadas (Carlini e Grossi-de-Sá, 2002).
Em plantas, diferentes papéis para inibidores de proteinases tem sido
sugeridos, inclusive sua ação como proteínas de reserva, como reguladores da
atividade proteolítica endógena (Ryan, 1990), como participantes em diversos
processos de desenvolvimento, incluindo a morte celular programada (Solomon et
al., 1999), e como componentes associados à resistência de plantas à insetos e
patógenos . Eles podem ser sintetizados durante o desenvolvimento normal ou
podem ser induzidos por resposta ao ataque de insetos e patógenos. (Ryan, 1990;
Ryan e Pearce, 1998).
O mecanismo pelo qual os inibidores de proteinases interferem no processo
digestivo dos insetos se deve à diminuição da assimilação de nutrientes. Quando
insetos são submetidos a uma dieta artificial que contenha inibidores específicos
para a principal classe de proteases de seus intestinos, estes têm seu crescimento
e desenvolvimento retardados, bem como podem apresentar índices de
mortalidade bastante significantes (Sales et al., 2000; Macedo et al., 2000).
14
1.4. Metabólitos Secundários
O metabolismo primário refere-se aos processos responsáveis pela produção
de aminoácidos, carboidratos, ácidos graxos, proteínas e ácidos nucléicos, todos
essenciais para a sobrevivência e bem estar do organismo. Já os metabólicos
secundários não são essenciais para a vida, mas contribuem para uma melhor
adaptação do organismo as condições impostas e uma maior sobrevivência. Estes
são produzidos utilizando-se outras rotas metabólicas daquelas utilizadas pelo
metabolismo primário (Torsell, 1997).
Durante algum tempo, os metabólitos secundários foram considerados como
produtos de excreção do vegetal, entretanto, atualmente, sabe-se que muitas
dessas estruturas estão diretamente envolvidas nos mecanismos de adequação
do produtor a seu meio. Já foram reconhecidas funções de várias substâncias
pertencentes a essa classe de metabólitos, por exemplo, a defesa contra
herbívoros e microrganismos, a proteção contra os raios UV, a atração de
polinizadores ou animais dispersores de sementes (WinK, 1990).
As plantas possuem a capacidade de se defender contra ataque de
herbívoros, produzindo uma variedade de metabólitos secundários. Elas podem,
por exemplo, produzir compostos com alta toxidade ou compostos que imitam
aqueles normalmente produzidos por herbívoros, como hormônios de crescimento
e ferormônios, ou ainda produzir substâncias que interferem na digestibilidade dos
herbívoros, diminuindo sua assimilação de nutrientes. Um exemplo de composto
produzido por plantas que interfere na digestão dos herbívoros é a azadiractina
(figura 3), produzida pela Azadirachta Indica (Mittal et al., 1995).
Outro repelente de insetos bem conhecido é a piretrina (figura 3) ela repele
uma grande variedade de insetos, análogos sintéticos desse composto são
extensivamente usados como inseticidas (Harborne, 1983).
A diversidade de fitoquímicos encontrados no reino vegetal é alta e milhares
de estruturas são conhecidas (Luckner, 1990; Dey e Harborne, 1997). Embora os
fitoquímicos tenham outras funções ecológicas além de defesa, a co-evolução de
plantas com os insetos, provavelmente, contribuiu para a sua diversidade química
(Harborne, 1993). Os metabólitos secundários têm sido amplamente investigados
15
como defesa constitutiva contra herbívoros, mas demonstrações de sua síntese e
acúmulo como resultado de herbivoria e ferimento são ainda limitados.
Durante o século XX, alguns desses compostos, como nicotina, rotenona e
piretrinas, foram usados comercialmente como inseticidas (Ware, 1998). As
plantas produzem milhares de outros compostos inseticidas que têm modos de
ação diversos, como hormonal, neurológico, nutricional e enzimático (Rosenthal e
Jansen, 1979).
As principais plantas das quais são obtidas substâncias com atividade
inseticida pertencem aos gêneros Nicotiana (Solanaceae), produtoras de nicotina
e nornicotina; Derris, Lonchocarpus, Tephrosia e Mundulea (Leguminosae),
produtoras de rotenóides; Chrysanthemun (Asteraceae), produtoras de piretrinas e
Azadirachita (Meliaceae), produtoras de azadiractina que promove
indigestibilidade em alguns grupos de insetos (Mittal et al., 1995) .Além dessas,
outras plantas apresentam atividade inseticida e um grande número de metabólito
secundário está sendo estudado visando a produção de biopesticidas eficazes e
ecologicamente seguros (Rey et al., 1991). Assim, a busca por novos inseticidas
em plantas constitui-se um campo de investigação aberto, amplo e contínuo,
principalmente levando-se em consideração que apenas uma pequena parcela
dessas plantas foi investigada para tal finalidade.
16
Figura 3. Estrutura química de alguns compostos com atividade inseticida.
A, piretrina; B, rotenona; C, azadiractina; D, nicotina. Adaptado
de http://www.sbq.org.br/PN-NET/texto1/agricultura.htm.
17
1.5. Ervas-de-passarinho
Poradendron quadrangulare comumente conhecida como ervas-de-
passarinho pertence ao filo Magnoliophyta, classe magnoliopsida, ordem
Santalales, família Viscaceae. As ervas-de-passarinho constituem um grupo de
plantas parasitas que são capazes de realizar fotossíntese, mas não obtêm água
do solo ou da chuva (Fig. 4). Elas têm raízes especiais que retiram água e alguns
nutrientes diretamente de outros vegetais. Algumas espécies de ervas-de-
passarinho têm importância econômica por conta dos prejuízos que causam às
plantações, ao parasitar inúmeros arbustos e árvores frutíferas ou árvores usadas
em reflorestamentos para produção de madeira (Gazetta e Galetti, 2003).
Existem cerca de 700 espécies que dividem-se em 24 gêneros,
pertencentes a quatro famílias (Eremolepidaceae, Loranthaceae, Misodendraceae
e Viscaceae). O termo erva-de-passarinho é usado para designar essas plantas
porque a maioria delas depende das aves para a dispersão de suas sementes
(Gazetta e Galetti, 2003).
A erva-de-passarinho produz hastes de até 1 m de comprimento e 1 cm
espessura. As hastes são bastante ramificadas, suas partes mais inferiores
possuem um inchamento no ponto de em que se prende ao hospedeiro. As
inflorescencias são pontos pequenos, de um a três no número nos axis da folha, e
suportam flores pequenas. As frutas são de coloração amarela e globulosas
medindo de 3 a 4 milímetros de diâmetro (Howard 1988). A erva-de-passarinho é
nativa da América central, da América sul, e das Índias ocidentais (Howard 1988).
18
Figura 4. Erva-de-passarinho Phoradendron quadrangulare coletada em Campos
dos Goytacazes.
19
1.6. Líquens
O líquen é uma associação simbiótica entre um fungo e um microrganismo
fotossintetizante. O componente fúngico de um líquen (o micobionte) é, na grande
maioria, dos casos um fungo do Filo Ascomycota e, mais raramente,
Basidiomycota. O componente fotossintetizante (fotobionte, também chamado de
ficobionte em alusão à alga) é, em geral, uma Chlorophyta ou uma cianobactéria
(ou, muito raramente, uma bactéria autotrófica). O líquen é, portanto uma
associação geralmente de dois componentes- o heterótrofo (sempre em número
de um) e o fotoautótrofo (geralmente em número de um, e ocasionalmente dois ou
até mais (Oliveira, et al., 2002).
Os líquens apresentam diferentes aspectos morfológicos: filamentosos,
foliáceos e incrustantes. O fungo é geralmente, responsável não só pela forma
como também pela estrutura do líquen, as hifas contribuem para a maior parte da
sua massa. O fungo proporciona o ambiente físico para o crescimento da alga,
conferindo-lhe também proteção contra a intensa luz solar.
Líquens são freqüentemente os primeiros colonizadores. A maioria das
espécies de fungos constituintes dos líquens são encontrados apenas em regiões
com baixos índices de poluição (Dayan, 2001).
O talo de T. flavicans é composto por estruturas ligeiramente arredondadas
como lóbulos (Fig. 5). As estruturas formadas tem em torno de 8 cm de diâmetro e
entre 2-4 cm de altura. Os lóbulos são divididos regularmente em pares. São de
coloração amarelada . Os lóbulos são dispersados através de estruturas
proeminentes que são a mesma cor que os lóbulos ou pretos
( Filson 1969). Teloschistes favicans espécie estudada neste trabalho pertence ao
filo Ascomycota, classe Ascomycetes, ordem Teloschistales, família
Teloschistaceae.
20
Figura 5. Líquen Teloschistes flavicans coletado na restinga de Iquiparí, município
de São João da Barra, RJ.
21
2. Objetivo Geral
Identificar substâncias tóxicas nos extratos aquosos e orgânicos da planta
Phoradendron quadrangulare e do líquen Teloschistes flavicans.
2.1 Objetivos específicos
• Purificar uma proteína tóxica contra as larvas do mosquito Aedes aegypti a
partir do extrato aquoso da planta Phoradendron quadrangulare.
• Purificar e identificar um metabólito secundário tóxico para as larvas de
Aedes aegypti a partir do extrato metanólico do líquen Teloschistes flavicans.
22
3. Materiais e métodos
3.1. Manutenção dos mosquitos
Os mosquitos A. aegypti da linhagem Rockfeller foram obtidos da colônia
do Setor de Entomologia do Instituto de Biologia do Exército (IBEX-RJ).
As larvas utilizadas nos experimentos foram mantidas no insetário do
Laboratório de Biotecnologia da UENF, sendo criadas em bandejas com água
destilada a temperatura ambiente. A dieta das larvas consistiu de ração de
camundongo. Os mosquitos adultos foram mantidos a temperatura ambiente em
gaiolas umidificadas contendo uma solução de sacarose 10%. As fêmeas adultas
foram alimentadas com sangue de camundongo para que houvesse a maturação
e postura dos ovos.
3.2. Coleta e identificação das plantas e líquen estudados
As amostras vegetais foram coletadas na Região Norte Fluminense. Parte
do material foi utilizado para preparação dos extratos aquosos ou orgânicos. O
restante do material foi prensado e seco em estufa a 40 ºC com aeração, para a
confecção das excicatas, a fim de serem catalogadas e identificadas. Para
realização da identificação das espécies tivemos a colaboração do pesquisador
João Marcelo Alvarenga Braga do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio
de Janeiro e da Profª Sionara Eliasaro do Departamento de Botânica/UFPR.
3.3. Ensaios de atividade larvicida contra Aedes aegypti
Grupos de 30 larvas, do quarto estádio, foram mantidas em
concentrações fixas ou crescentes dos extratos aquosos ou orgânicos. A
mortalidade larval foi registrada após 24 h de exposição. Os extratos orgânicos
foram solubilizados em DMSO 1%. O grupo controle foi mantido em água
23
destilada (nos ensaios com extratos aquosos), ou em DMSO 1% (nos ensaios com
extratos orgânicos), sem acréscimo do extrato.
Nos testes larvicidas utilizando-se a proteína tóxica, usou-se 10 larvas do quarto
estádio. Os resultados dos experimentos, feitos com diferentes concentrações dos
extratos, foram analisados pelo método de log-Probit, para a obtenção das
dosagens letais de 50% da população testada (DL50) (Armitage e Berry, 1987).
3.4. Preparação dos extratos aquosos e orgânicos de Phoradendron
quadrangulare
Os extratos aquosos foram preparados macerando-se 1g do material
vegetal fresco em 10 mL de água destilada, com o auxílio de um liquidificador
comum. Os homogenatos obtidos foram utilizados para os ensaios de atividade
larvicida preliminares.
Para os outros ensaios, as amostras foram centrifugadas a 10000 g por 10
min, a 4 °C. Em seguida, os sobrenadantes foram tratados com 80% de acetona
gelada, durante 10 min, para a precipitação das proteínas que, posteriormente,
foram ressuspensas em água ou tampão apropriado.
Os extratos orgânicos de P. quadrangulare foram preparados utilizando-se
800 g de folhas secas e trituradas em moinho. Após esta etapa, o material obtido
foi imersa em metanol, ou em uma solução de metanol/água (1:1, v/v), durante 3
dias. Após este tempo, a fração líquida foi recuperada e novas adições (2 X) de
metanol ou metanol/água foram feitas. As soluções obtidas foram reunidas e os
solventes foram retirados utilizando-se um evaporador rotativo Büchi (modelo R -
114) a 40 °C (Fig. 6).
24
Figura 6. Extrações com solventes orgânicos realizados com a erva-de-passarinho
Phoradendron quadrangulare.
25
3.5. Determinação de proteína e eletroforese das amostras dos extratos
vegetais
As proteínas foram dosadas pelo Método de Folin Ciocalteu (Lowry et al.,
1951), utilizando-se albumina sérica bovina (BSA) para obter a curva padrão.
Eletroforeses desnaturantes, conforme Laemmli (1970), e semi-
desnaturantes foram feitas em gel de poliacrilamida a 10% e 15% a 0,75 mm de
espessura. O gel foi corado com uma solução de Coomassie Blue R 0,25% em
metanol, ácido acético e água destilada (4:1:5, v/v/v) e descorado com uma
solução de metanol 35% e ácido acético 10%.
3.6. Eluição de proteínas de gel de poliacrilamida
As bandas de interesse foram cortadas do gel de poliacrilamida, maceradas
em tampão Tris-HCl 0.03M pH 8,0, e em seguida sonicadas 10 X (30 segundos
cada), intercalando com intervalos de 30 segundos em gelo. Depois das proteínas
serem sonicadas foram centrifugadas a 10000 G por 5 min e o sobrenadante,
após a precipatação com acetona, foi utilizado para os ensaios larvicidas.
3.7. Cromatografias de troca iônica DEAE e CM-Sepharose
O precipitado com 80% de acetona (10 mg) (item 3.4) foi ressuspenso em
2 mL de tampão Tris-HCl 20 mM, pH 8.0, uréia 4 M, benzamidina 1 mM e EDTA 1
mM (DEAE Sepharose) e em tampão acetato de sódio 20mM pH 4.8 contendo
uréia 4 M e benzamidina 1 mM e 1 EDTA 1 mM (CM Sepharose). A coluna foi
eluída com 20 mL de NaCl 0,25 M, 20mL de NaCl 0,5 M e 20mL de NaCl 1M. O
fluxo da coluna foi de 1mL/ min e foram coletadas frações de 2,0 mL. As frações
dos picos obtidos foram testadas contra as larvas de A. aegypti.
26
3.8. Cromatografia de troca iônica em Hitrap Q (sistema FPLC)
O precipitado com 80% de acetona (50 mg) (item 3.4) foi ressuspenso em
2 mL de tampão acetato de sódio 20mM pH 4.8 contendo uréia 4 M e
benzamidina 1 mM e 1 EDTA 1 mM e cromatografado em coluna HiTrap Q em
sistema FPLC. A coluna foi equilibrada com o tampão acima sob o fluxo de
0,5ml/min. A eluição foi realizada seguindo gradiente linear (Tab. 1) com o tampão
de equilíbrio contendo de 0 a 0,7M de NaCl.
Tabela 1. Gradiente de eluição da cromatografia de troca iônica em coluna HiTrap
Q.
Tampão A: tampão acetado de sódio 20mM pH 4.8 contendo uréia 4 M e benzamidina 1 mM, EDTA 1
mM.
Tampão B: tampão acetado de sódio 20mM pH 4.8 contendo uréia 4 M e
benzamidina 1 mM, EDTA 1 mM, NaCl 0.7M.
3.9. Cromatografia de fase reversa (sistema HPLC)
Tempo
(min)
Tampão A
(%)
Tampão B
(%)
0 100 0
12 100 0
70 0 100
75 0 100
76 100 0
80 100 0
27
O material obtido da troca iônica em HiTrap Q (fração 3) foi analisado por
cromatografia de fase reversa em um sistema cromatográfico ÄKTA (Uppsala,
Pharmacia). A amostra foi aplicada em coluna C8 (Ultrasphere – 15 cm x 0.46
cm), com gradiente de acetonitrila (0-90%) em ácido trifluoracético 0,1%. A eluição
foi realizada utilizando-se gradiente de ácido trifluoracético 0,1% e acetonitrila
90%, como mostra a Tabela 2, sob fluxo constante de 1,0 mL/min.
Tabela 2. Gradiente de eluição de
cromatografia de fase reversa coluna
C8.
Tempo (min) Solvente B (%)
0,1 0
60 100
68 0
Tampão A: ácido trifluoracético 0,1%
Tampão B. ácido trifluoracético 0,1% em acetonitrila 90%.
3.10. Sequenciamento da região N-terminal da proteína tóxica
O sequenciamento automático da proteína foi realizado no Departamento
de Bioquímica da Unifesp utilizando o sequenciador automático Shimadzu modelo
PPSQ-23 segundo instruções do fabricante, empregando-se a técnica da
degradação de Edman (1956).
28
3.11. Preparação dos extratos orgânicos de Telochistes flavicans
Para a preparação do extrato de T. flavicans foram moídos 800 g do líquen
e imersos em metanol durante 3 dias. Após este tempo, a fração líquida foi
recuperada e novas adições (2 X) de metanol foram feitas. As soluções obtidas
foram reunidas e os solventes foram retirados utilizando-se um evaporador rotativo
Büchi (modelo R -114) a 40 °C Após essa extração inicial, processou-se uma
partição sucessiva, utilizando-se solventes com diferentes polaridades.
Posteriormente, os extratos semi-puros foram testados e aqueles que
apresentaram atividade larvicida, foram submetidos aos procedimentos
cromatográficos visando o isolamento do metabólito ativo (Fig. 7).
3.12. Purificação do metabólito secundário do líquen Telochistes flavicans
Para o fracionamento da fase diclorometano (item 3.10) do líquen T.
flavicans, foi realizada uma cromatografia de adsorção em coluna, empacotada
com sílica gel Merck Darmstadt 60 (0,063 – 0,200mm). No processo de purificação
foi adicionado diclorometano até que fosse possível a visualização de um padrão
de bandas de diferentes cores ao longo da coluna cromatográfica. Após a
passagem de diclorometano, adicionou-se pequenas quantidades de metanol nas
seguintes porcentagens: 2%, 5%, 10%, 15%, 20%, 30% e 50%. A coluna foi
esgotada com uma mistura dos solventes diclorometano 50% e metanol 50%.
Para a escolha do solvente utilizado na eluição da coluna, foi realizada uma
cromatografia em camada delgada analítica em cromatofolhas de alúmínio com
sílica gel 60 F254 Merck.
3.13. Avaliação do grau de pureza das frações e identificação do metabólito
secundário purificado.
Após cada cromatografia de adsorção, usou-se a cromatografia de camada
delgada em cromatofolhas de alúmínio com sílica gel 60 F254 Merck, foi utilizada,
para analisar a semelhança entre as frações coletadas e o grau de pureza através
29
do perfil de manchas. Estas manchas foram reveladas por uma solução de vanilina a
2% em ácido sulfúrico concentrado e lâmpada ultravioleta (Aldrich) a 254nm e
365nm.
A pureza das substâncias isoladas nas frações foi também acompanhadas e
identificada através de análises de espectrometria de massa do modelo CG/MS –
QP – 5050 e espectrômetro de ressonância magnética modelo Elipse (400 MHz para 1H e 100 MHz para 13C).
30
Figura 7. Passos de extração com solventes orgânicos realizados com o líquen
Telochistes flavicans.
31
4. Resultados
4.1. Atividade larvicida dos homogenatos aquosos de plantas e líquen
A tabela 3 mostra as atividades larvicidas contra A. aegypti de
homogenatos de plantas e líquen coletados na região Norte Fluminense. Observa-
se que a planta P. quadrangulare e o líquen T. flavicans apresentaram as
atividades tóxicas mais elevadas, matando 100% das larvas de A. aegypti.
4.2. Purificação da proteína tóxica de Phoradrendron quadrangulare
O extrato aquoso de P. quadrangulare foi submetido a uma cromatografia
de troca iônica utilizando a resina DEAE-Sepharose. O perfil cromatográfico pode
ser observado na Figura 8 onde são mostrados dois picos de proteína: um maior,
das proteínas não retidas à coluna, e um bem menor, que inclui as proteínas
retidas na resina de separação. A atividade larvicida foi detectada no primeiro
pico, frações 1 e 2. A fração 1 causou 80% de mortalidade das larvas de A.
aegypti enquanto que a fração 2 causou 20% de mortalidade. As frações 3, 4 e 5,
do pico 2, não causaram mortalidade.
Uma outra resina de troca iônica foi utilizadada (CM-Sepharose) como fase
estacionária (Fig. 9). Os picos 1 e 2 referem-se às proteínas não retidas, visto que
o extrato bruto de P. quadrangulare foi aplicado duas vezes (2 x 4 ml) na coluna.
Observou-se que as frações 3 e 4, presentes no primeiro pico das proteínas
retidas, apresentaram atividade larvicida de 80 e 100%, respectivamente. Por sua
vez, as frações 1 e 2 (pico não retido) e 5 (pico retido) não apresentaram atividade
larvicida. Este procedimento cromatográfico foi repetido várias vezes para verificar
a sua reprodutibilidade e acumular material para os próximos passos
cromatográficos (Fig. 10) e constatou-se que o segundo pico das proteínas retidas
não é sempre observado.
32
Tabela 3. Atividade larvicida contra Aedes aegypti de homogenatos de
6 plantas e 1 líquen coletados na região Norte Fluminense.
Nome da planta
Parte utilizada
Atividade larvicida*
(%)
Telochistes flavicans talos 100
Phoradendron quadrangulare folhas 100
Dalbergia ecastophyllum semente 90
Phoradendron affine folhas 75
Phoradendron crassifolium folhas 15
Sideroxilon obtusifolium folhas 10
Maytenus obtusifolia fruto 05
Dalbergia ecastophyllum folhas 05
*A atividade larvicida foi observada, na concentração de 7 mg/mL, após 24 h de ensaio
33
Figura 8. Perfil cromatográfico em DEAE-Sepharose do extrato aquoso de
Phorandedron quadrangulare. Foram aplicados 10 mg do extrato bruto. A
coluna foi equilibrada em tampão Tris-HCl 0.02 M, pH 8.4 contendo uréia 4M,
benzamidina 0,01 M e EDTA 0,01 M. A eluição das proteínas foi feita utilizando
NaCl 0,25 M (tubos 21-34), 0,5 M (tubos 35-45) e NaCl 1M (tubos 46-55). As
frações assinaladas foram testadas nos ensaios larvicidas.
0
1
2
3
4
5
0 10 20 30 40 50 60
Número de frações
Abs
a 2
80 n
m
1
2
3
4
5
34
Figura 9. Perfil cromatográfico de uma CM-Sepharose de extrato aquoso de
Phoradendron quadrangulare. Foram aplicados 20 mg do extrato bruto . A
coluna foi equilibrada em tampão acetato de sódio 20 mM, pH 4,8, uréia 4 M,
benzamidina 0,01 M e EDTA 0,01 M. A eluição foi feita com NaCl 0,25M (tubos 31
ao 45), 0,5M (tubos 46 ao 60), 1M (tubos 61 ao 76). As frações assinaladas foram
testadas nos ensaios larvicidas.
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Número de frações
Abs
a 2
80 n
m
1
3
4
5
2
35
Figura 10. Perfil cromatográfico de uma CM-Sepharose de extrato aquoso de
Phoradendron quadrangulare. Foram aplicados 20 mg do extrato bruto de P.
quadrangulare. A coluna foi equilibrada em tampão acetato de sódio 20 mM pH-
4,8, uréia 4M, benzamidina 0,01 M e EDTA 0,01 M. A eluição foi feita com NaCl
0,25M (tubos 31 ao 45), 0,5M (tubos 46 ao 60), 1M (tubos 61 ao 76). As frações
assinaladas foram testadas nos ensaios larvicidas.
0
0,5
1
1,5
2
2,5
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Número de frações
Abs
a 2
80 n
m
36
As frações obtidas da cromatografia de troca iônica foram submetidas à
eletroforese. Na Fig. 11 é possível observar uma proteína de aproximadamente 20
kDa (raia 2, pico não retido), e cinco proteínas na raia 3 do pico das proteínas
retidas à resina , no qual foi possível detectar a atividade larvicida .
Após a realização da CM-Sepharose, através de dosagens protéicas pode-
se observar baixa concentração de proteína no pico 3 (60 µg/mL) no qual foi
observada a atividade larvicida, impossibilitando passos posteriores de
purificação.
Realizou-se 5 corridas em coluna HiTrap Q, sistema FPLC e foram
aplicadas 50 mg de proteína em cada corrida. No perfil cromatográfico pode-se
notar a presença de 4 picos, sendo um não retido e três retidos à resina (Fig. 12) .
Houve reprodutibilidade dos resultados obtidos nas diferentes repetições (dados
não mostrados). Após a reunião dos picos das diferentes corridas, uma alíquota
de cada pico foi analisada por eletroforese (Fig. 13). Constatou-se a presença da
proteína tóxica na raia 4 referente ao pico 3 da troca iônica.
O pico 3 da cromatrografia de troca iônica (HiTrap Q) foi aplicado a uma
resina de fase reversa em coluna C8 (sistema HPLC) (Fig. 14). As frações de cada
pico foram reunidas, liofilizadas e analisadas por eletroforese. O perfil protéico
pode ser observado na Figura 15. Pode-se notar a proteína de interesse na raia 4.
37
Figura 11. Eletroforese semi-desnaturante em gel de poliacrilamida 10%,
corado com Coomassie, das frações de CM-Sepharose do extrato de
Phoradendron quadrangulare. Raia M, Padrão de massa molecular; raia 1,
extrato aquoso (100 µg), raia 2, proteína não retida à CM Sepharose (50 µg); raia
3, proteínas eluidas com solução salina da CM Sepharose (50 µg).
38
Figura 12. Cromatografia de troca-iônica em coluna HiTrap Q (sistema FPLC).
Foram aplicadas 50 mg de amostra precipitada com acetona. A coluna foi
equilibrada em tampão acetato de sódio 0,02 M, pH 4,8 , uréia 4M, benzamidina
0,01 M e EDTA 0,01 M, e eluida com gradiente de NaCl (0-0.7M).
0
200
400
600
800
0 20 40 60 80Número de tubos
mA
u
0
20
40
60
80
100
Eluente (%
)
2
43
1
39
Figura 13. Eletroforese semi-desnaturante em gel de poliacrilamida 15%,
corado com Coomassie, das frações obtidas de troca iônica de extrato bruto
Phoradendron quadrangulare. Raia P, padrão de massa molecular; raias 1 e 2,
proteínas eluidas do pico 2 (20 µg) da troca iônica (condições desnaturantes e
semi-desnaturantes, respectivamente); raias 3 e 4, proteínas eluidas do pico 3 (30
µg) da troca iônica (condições desnaturantes e semi-desnaturantes,
respectivamente); raias 5 e 6, proteínas eluidas do pico 3 (10 µg) da troca iônica
(condições desnaturantes e semi-desnaturantes, respectivamente); raia 7,
proteína de extrato bruto de P. quadrangulare (30 µg). A seta indica a proteína
tóxica.
40
Figura 14. Cromatografia de fase reversa da amostra oriunda da coluna
HiTrap. A cromatografia foi realizada em coluna C8 conectada ao sistema ÄKTA.
O eluente foi ácido trifluoracetico 0,01% em acetonitrila 90%.
41
Figura 15. Eletroforese semi-desnaturante em gel de poliacrilamida 10%
corado com Coomassie das frações obtidas da fase reversa. Raia P, Padrão
de massa molecular; raia 1, proteínas correspondentes ao pico 1; raia 2, proteínas
correspondentes ao pico 2; raia 3, proteínas correspondentes ao pico 3; raia 4,
proteínas correspondentes ao pico 4; raia 5, proteínas correspondentes ao pico 5;
raia 6, proteínas correspondentes ao pico 6.
42
O extrato bruto de P. quadrangulare foi submetido a uma eletroforese semi-
desnaturante em gel de poliacrilamida (Fig. 16) e as 6 bandas majoritárias foram
cortadas e eluídas do gel. Após precipitação com acetona e suspensão em água
destilada, as proteínas foram utilizadas para a realização do ensaio larvicida.
Apenas a proteína de mais baixa massa molecular, aproximadamente 20 kDa, foi
tóxica para o A. aegypti, matando 100% das larvas.
Quatro bandas de proteínas (bandas 3, 4, 5 e 6) foram reaplicadas em gel
de poliacrilamida (Fig. 17). Observa-se a presença de várias proteínas em cada
uma das raias. O experimento foi repetido em condições desnaturantes (Fig. 18) e
novamente mais de uma proteína foi observada no gel.
A banda protéica tóxica, eluída do gel, foi submetida à cromatografia de alta
performance em coluna C18. Vê-se a presença de somente um pico majoritário e
bem definido, indicativo da pureza da amostra (Fig. 19).
Proteína de 4 géis de poço único foram eluídas e submetidas à
cromatografia de fase reversa C18. A proteína do pico majoritário foi seqüênciada
na sua região N-terminal. A seqüência obtida foi a seguinte: Ala-Pro-Pro-Gly-Pro-
Pro-Gly-X-Pro-Pro. A análise no banco de dados Blast não mostrou homologia da
seqüência encontrada com outras proteínas.
Uma curva de atividade larvicida da proteína eluída de oito géis foi obtida
(Fig. 20). A DL50 da proteína calculada foi de 6,77 µg/mL.
43
1
2
4
5
6
Figura 16. Eletroforese semi-desnaturante em gel de poliacrilamida 10% de
poço único corado com Coomassie. Foram aplicados 10 mg de proteína de P.
quadrangulare precipitados com acetona. As setas indicam as proteínas eluidas
do gel, a proteína com atividade larvicida está indicada pelo número 6.
3
44
Figura 17. Eletroforese semi-desnaturante em gel de poliacrilamida 15%
corado com Coomassie. As bandas protéicas 3 (raia 1), 4 (raia 2), 5 (raia 3) e 6
(raia 4) eluídas do gel da figura 14 foram aplicadas neste gel. Raia M, padrão de
massa molecular.
45
Figura 18. Eletroforese desnaturante em gel de poliacrilamida 10% corado
com Coomassie de extrato aquoso de Phoradendron quadrangulare. Raia M,
padrão de massa molecular; raia 1, proteína eluida diretamente do gel de
poliacrilamida.
1
46
Figura 19. Cromatografia de fase reversa de proteína tóxica eluida de gel de
poliacrilamida. A cromatografia foi realizada em coluna C18 conectada ao
sistema ÄKTA. O eluente foi ácido trifluoracetico 0,01% em acetonitrila 90%.
0
5
10
15
20
25
30
35
0 20 40 60 80 100
Tempo de retenção (min)
mA
u
47
Figura 20. Toxidade da proteína de Phoradendron quadrangulare sobre
larvas de Aedes aegypti. Efeito de diferentes concentrações da proteína após 24
h de tratamento.
0 10 20 300
25
50
75
100
Concentração (ppm)
Mo
rtal
idad
e (%
)
48
4.3. Atividade larvicida de extratos orgânicos de Phoradendron
quadrangulare
Os extratos orgânicos em metanol e metanol/água da planta P.
quadrangulare foram testados contra as larvas de A. aegypti. Somente o extrato
em metanol/água mostrou-se eficaz em matar as larvas de A. aegypti. Uma curva
de atividade larvicida utilizando diferentes concentrações do extrato foi feita
obtendo-se a DL50 de 92 ppm (Fig. 21).
4.4. Purificação e identificação do metabólito secundário do líquen
Telochistes flavicans
O extrato metanólico do líquen T. flavicans foi fracionado por solventes com
diferentes polaridades e foram realizados ensaios larvicidas (Fig. 7). Pode-se
verificar atividade larvicida na fração com diclorometano e acetato de etila. Após
análise por cromatografia em camada delgada (CCD), constatou-se a grande
similaridade entre estas duas frações (resultado não mostrado).
A fração em diclorometano, mais abundante, do extrato de T. flavicans foi
submetida a uma cromatografia em sílica gel. Foram obtidas 21 frações que foram
testadas contra larvas do mosquito A. aegypti. Cinco delas apresentaram atividade
larvicida (Tab. 4), sendo que uma delas, a fração 6, causou 100% de mortalidade,
a mais alta entre todas as frações. Por CCD verificou-se que a substância estava
pura (Fig. 22). A pureza do metabólito secundário foi confirmada por
cromatografia gasosa acoplada ao espectrômetro de massa (Fig. 23). Este
metabólito foi identificado como o metabólito secundário caloploicina por
ressonância magnética nuclear de hidrogênio e carbono-13 da qual obteve-se a
sua estrutura química (Fig. 24). A análise de espectrometria de massa, indicou
que este metabólito secundário apresenta massa molecular de 410 Da.
49
Figura 21. Toxidade do extrato metanol-água da planta P. quadrangulare
sobre as larvas de A. aegypti. Efeito de diferentes concentrações do extrato
após 24 h de tratamento.
0 50 100 150 200 2500
20
40
60
80
Concentração (ppm)
Mo
rtal
idad
e (%
)
50
Tabela 4: Frações de cromatografia de sílica gel com
atividade larvicida contra Aedes aegypti
Frações com atividade larvicida
Número da fração % de atividade Peso (g)
Fração 4 75 1,65
Fração 5 60 0,25
Fração 6 100 0,32
Fração 12 65 0,04
Fração 17 70 0,13
A concentração utilizada no ensaio foi de 0,35mg/ml
51
Figura 22. CCD de fração obtida de coluna de sílica gel. Cromatografia da fase
em diclorometano mostrando a fração purificada do líquen Telochistes flavicans.
52
Figura 23. Cromatografia gasosa da fração 6 proveniente da fase em
diclorometano.
53
Figura 24. Estrutura química da caloploicina
54
Foi possível determinar a DL50 da caloploicina variando a sua concentração.
O valor encontrado foi de 2 ppm (Fig. 25).
Utilizamos uma concentração de 5 ppm para analisar a mortalidade das
larvas ao longo do tempo. Três horas após o inicio do ensaio, 90% das larvas
haviam morrido e 100% da mortalidade foi alcançada com 24 h (Fig. 26). O tempo
necessário para matar 50% das larvas foi de 67 min e 100% das larvas morrera
em 2 h com a concentração de 10 ppm. Uma curva de atividade larvicida também
foi realizada com o inseticida rotenona (Fig. 27) obtendo-se uma DL50 de 23ppm
55
Figura 25. Efeito tóxico de diferentes concentrações da caloploicina sobre
larvas de Aedes aegypti após 24 h de tratamento. Cada ponto representa a
média de 3 repetições.
0 1 2 3 4 50
25
50
75
100
Concentração da caloploicina (ppm)
Mo
rtal
idad
e (%
)
56
Figura 26. Mortalidade de larvas de Aedes aegypti ao longo do tempo sob
efeito de 5 ppm de caloplocina. Cada ponto representa a média de 3 repetições.
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.00
25
50
75
100
Tempo de tratamento (h)
Mo
rtal
idad
e (%
)
57
Figura 27. Toxidade da rotenona sobre larvas de A. aegypti. Efeito de
diferentes concentrações da rotenona após 24 h de tratamento. Cada ponto
representa a média de 3 repetições.
0 10 20 30 40 50 600
25
50
75
100
Concentração (ppm)
Mo
rtal
idad
e (%
)
58
5. Discussão
O Brasil possui a mais vasta diversidade genética de espécies de plantas
do mundo, porém, menos de 10% deste total, tem sido estudada no que diz
respeito às suas atividades biológicas e menos de 5% tem sido usadas para
estudos detalhados acerca dos metabólitos secundários que as compõem. Apesar
de um aumento da pesquisa nesta área, as plantas ainda continuam sendo pouco
estudadas e sub-utilizadas, já que são fontes de muitas substâncias biológicas
ativas (Luna et. al., 2005).
As taxas de incidência de dengue, no Brasil, tem alcançado níveis
preocupantes e o mosquito responsável pela disseminação do arbovírus que
provoca a doença é o mosquito A. aegypti (Mendonça et. al., 2005). O controle
dos vetores de doenças é dificultado, entre outras coisas, pelo limitado número de
inseticidas disponíveis para o uso na saúde pública, e pela utilização inapropriada
dos inseticidas convencionais que tem selecionado populações de mosquitos
resistentes (Jang et al., 2002).
Este trabalho iniciou-se com o estudo da atividade larvicida de diferentes
homogenatos (mistura das frações solúveis e insolúveis do tecido estudado) de
diferentes espécies de plantas e de um líquen coletados na região Norte
Fluminense. Esta primeira abordagem teve o objetivo de selecionar as espécies
mais promissoras a fim de se isolar e identificar substâncias tóxicas (proteínas e
metabólitos secundários) com potencial de serem utilizadas como larvicida para o
controle do mosquito A. aegypti.
Neste trabalho purificou-se parcialmente uma proteína da planta P.
quadrangulare e isolou-se e identifiou-se um metabólito secundário, a caloploicina,
do líquen T. flavicans, que são tóxicos para as larvas de A. aegypti. Estas
espécies se mostraram as mais promissoras devido ao fato de serem as mais
tóxicas contra as larvas de A. aegypti e por serem abundantes na região.
A escolha da erva-de-passarinho P. quadrangulare também foi baseada na
expectativa de se isolar proteínas e metabólitos secundários tóxicos oriundo de
59
suas folhas, uma vez que as frações solúvel e insolúvel deste tecido apresentaram
atividade larvicida separadamente. Visto que proteínas, em geral, são solúveis em
água e, metabólitos secundários, geralmente são solúveis em solventes orgânicos.
O processo de purificação de uma proteína tóxica do extrato aquoso da
planta P. quadrangulare iniciou-se com uma precipitação protéica utlilizando
acetona 80%, a fim de concentrar a proteína tóxica, visto que as folhas desta
planta tem baixa concentração protéica (1 mg/mL). Este procedimento foi
importante também para eliminar parte do alto teor de pigmentos presentes neste
extrato e que interferiam nas dosagens protéicas e nas etapas de purificação.
As proteínas precipitadas com acetona foram inicialmente aplicadas a uma
coluna de troca iônica (DEAE-Sepharose). A proteína tóxica não ficou retida a esta
resina. Como uma alternativa para melhorar a purificação, utilizou-se uma outra
resina de troca iônica (CM-Sepharose). Obteve-se dois picos retidos em que o
primeiro pico apresentava a atividade larvicida. Este passo cromatográfico foi
repetido outras vezes para verificar sua reprodutibilidade e acumular material para
as etapas seguintes de purificação e verificou-se que nem sempre o segundo pico
retido era observado. Como boa parte da amostra obtida (primeiro pico retido) era
usado para verificar a atividade larvicida, não sobrava material suficiente para
prosseguir as etapas de purificação.
Devido às da dificuldade encontradas para purificar a proteína tóxica,
utilizou-se metodologia de purificação mais eficiente tais como os sistemas FPLC
e HPLC. As amostras de proteínas (50 mg) de P. quadrangulare foram, desta vez,
aplicadas em coluna HiTrap Q sistema FPLC. Esta cromatografia foi repetida 5
vezes e mostrou-se reprodutível em que três picos retidos foram eluidos com um
gradiente contínuo de NaCl. O segundo pico retido continha a proteína tóxica de
massa molecular de cerca de 20 kDa. O reconhecimento da atividade larvicida
desta proteína será discutida mais abaixo.
O segundo pico retido da cromatografia em coluna Hitrap Q foi aplicado em
uma coluna C8 (sistema HPLC). Foram obtidos seis picos de proteína sendo que o
pico 4 continha a proteína tóxica (20 kDa) e uma outra banda menor que,
possivelmente, foi originado pela degradação da proteína tóxica. Pelas análises
60
eletroforéticas, constatou-se que o extrato aquoso de P. quadrangulare, apesar de
sua baixa concentração protéica, é pouco complexo, apresentando seis bandas de
proteína majoritárias. Desta forma, resolveu-se usar a estratégia de cortar e eluir
estas bandas do gel de uma eletroforose semi-desnaturante, concentrá-las por
precipitação com acetona e verificar qual delas apresentaria atividade larvicida. De
todas, somente a banda protéica com massa molecular próxima a 20 kDa
mostrou-se letal para as larvas do mosquito. Esta estratégia mostrou-se, também,
como uma alternativa de purificação desta proteína. A análise por cromatografia
em coluna de fase reversa (C18), mostrou que a banda eluída do gel foi obtida em
um pico único. A seqüência N-terminal da proteína deste pico (Ala-Pro-Pro-Gly-
Pro-Pro-Gly-X-Pro-Pro) foi comparada com outras sequências já depositadas em
bancos de dados e não apresentou similaridade com nenhuma outra proteína. A
massa molecular (cerca de 20 kDa) e a presença de seis prolinas nesta região
sugerem que esta proteína possa ser um inibidor de uma alfa-amilase (Profa.
Aparecida Tanaka, UNIFESP, comunicação pessoal). Contudo novos estudos
devem ser realizados para se saber a real natureza desta proteína.
Foram necessários a realização de oito eletroforeses com géis de poço
único para acumular uma massa de proteína tóxica suficiente para a obtenção das
curvas de dosagem letal. A DL50 calculada foi de 6,77 ppm.
Proteínas tóxicas contra mosquitos são sintetizadas pela bactéria Bacillus
thuringiensis. Esta bactéria entomopatogênica é o mais importante bioinseticida
vendido no mundo (Poopathi e Tyagi, 2006). A atividade larvicida se dá pelo efeito
sinérgico de 4 proteínas tóxicas principais que atuam amplificando o efeito
larvicida, tornando-o mais efetivo, além de diminuir a probabilidade de resistência.
Estas proteínas possuem valores de DL50 bastante baixos variando de 0,04 ppm a
0,135 ppm (Tabashnik, 1992).
A vantagem de se utilizar proteínas com atividade tóxica, para o controle de
larvas de mosquito, é a possibilidade de utilização de seus genes para transformar
geneticamente bactérias comumente presentes em ambientes aquáticos nos quais
as larvas de mosquito se desenvolvem. Relatos deste tipo de abordagem já estão
presentes na literatura científica (Stevens et al. 1994; Khasdan et. al., 2003;).
61
Um fato interessante que acontece com esta proteína (P. quadrangulare) é
que, quando ela é eluída de um gel e reaplicada em um outro, seja em condições
desnaturantes ou semi-desnaturantes, ela não é visualizada com uma banda
protéica única. Proteínas com massas moleculares acima e abaixo da mesma são
visualizadas. Pode-se concluir, então, que dois fenômenos provavelmente estão
ocorrendo com esta proteína: agregação e degradação.
Para um controle mais eficiente das populações de mosquitos vetores a
Organização Mundial de Saúde recomenda o uso de diferentes inseticidas
associados, ou a rotação deles, como medida preventiva para evitar o
desenvolvimento de resistência nos mosquitos (Andrade e Modolo, 1991), fato que
tem sido observado com o uso continuado dos organofosforados (Ministério da
saúde, 2002; Lima et. al., 2003) que, no Brasil, foi substituído pelo Bti que está
sendo amplamente utilizado pelos órgão governamentais para o controle das
larvas de A. aegypti ( Lima et al 2003 ). Apesar de sua resistência ainda não ter
sido observada em condições de campo, resistência ao Bti tem sido induzida em
laboratório ( Saleh et. al., 2003). Com isso faz-se necessário a busca por novas
substâncias tóxicas para os mosquitos, para serem usadas juntamente com as já
disponíveis ou em sistema de rodízio, minimizando a seleção de populações de
mosquitos resistentes.
As folhas de P. quadrangulare, além de apresentarem uma proteína tóxica contra
larvas de A. aegypti, possuem também uma atividade tóxica solúvel em uma solução de
metanol/água. A DL50 calculada foi de 92 ppm. Esta dosagem letal está dentro dos
valores obtidos para extratos orgânicos, obtidos de outras espécies de plantas, quando
foram testados contra larvas de A. aegypti. Estes valores variam em uma escala
bastante ampla, de unidades, dezenas e centenas de ppm, conforme é mostrado por
Shaalan et al. (2005).
A fração solúvel em água do homogenato do líquen T. flavicans foi testado
contra a larva de A. aegypti e não se mostrou ativo, ao contrário da fração
insolúvel, que promoveu 100% de mortalidade larval. Decidiu-se, então, preparar
um extrato usando metanol como solvente. Este solvente foi bastante eficiente na
extração do metabólito tóxico deste líquen porque causou 100% de letalidade.
62
O extrato metanólico de T. flavicans foi fracionado com solventes de
diferentes polaridades. A fração de diclorometano, mais abundante e com alta
atividade larvicida, foi submetida à purificação em colunas de sílica gel. A fração
purificada ativa obtida destas cromatografias foi analisada por cromatografia
gasosa acoplada com espectrometria de massa e RMN 1H e 13C resultando na
determinação da estrutura e identificação do metabólito secundário. Este
metabólito já tinha sido previamente descrito, a caloploicina, por Yosioka e
colaboradores em 1973. Entretanto não há registro na literatura a respeito de sua
atividade biológica.
A partir da curva de mortalidade larval, em relação à concentrações
crescentes de caloploicina, obteve-se o valor de DL50 de 2 ppm. Este valor é
condizente com os valores de DL50 encontrados na literatura com outros
metabólitos secundários isolados. Por exemplo, Goniotalamina, um metabolito
secundário extraído da planta Bryonopsis laciniosa, possui DL50 de 21.5 ppm
quando testado contra larvas de Culex quinquefasciatus (Kabir, et al 2003). O
ácido tânico é eficaz em matar as larvas de A. aegypti e Cx quinquefasciatus com
o valor de DL50 de 13 ppm (Rey et. al. 2001). Segundo Evans e Raj (1991),
quassina, o metabólito extraído de Quassina amara mata larvas de Cx.
quinquefasciatus com DL50 de 6 ppm. Por sua vez, Pellitorina, extraída de frutos
de Piper longum, possui DL50 de 0.92 ppm quando testado contra as larvas de A.
aegypti. O valor de DL50 de 23 ppm utilizando rotenona comercial, um conhecido
inseticida ( Greenhalgh, 1986 ), nas mesmas condições utilizada para a
caloploicina, mostra que este metabólito tem grande potencial para utilização
como larvicida. O LT50 encontrado para caloploicina foi de 67 minutos na
concentração de 5 ppm. Este tempo foi baixo se comparado ao LT50 encontrado
para o extrato etanólico de Derris urucu, composto predominantemente de
rotenona, que foi de 6h na concentração de 250 ppm (Gusmão et. al. 2002),
mostrando o potencial da caloploicina como um possível agente larvicida.
O modo e sítio de ação dos metabólitos secundários com atividade larvicida
tem recebido pouca atenção (Rey et. al. 1999). David et. al (2000) mostraram que
as substancias larvicidas derivadas de plantas são ingeridas e, geralmente, afetam
63
primeiramente o epitélio do intestino médio e, em seguida, os cecos gástricos e
os túbulos de Malpighi das larvas de mosquito. Aparentemente, o efeito tóxico da
caloploicina se deve à sua ingestão pelas larvas, e não, pelo contato com o
exoesqueleto. Esta afirmação é decorrente de testes de atividade inseticida da
caloploicina sobre A. aegypti adultos. A pulverização em torre de Potter, de uma
solução 10 ppm de caloploicina em DMSO 0,1% sobre grupos de 10 mosquitos,
não causou mortalidade.
Os estudos de extratos e substâncias produzidas por plantas permitirão ampliar
os conhecimentos sobre o metabolismo dos vegetais, possibilitando a descoberta de
novas moléculas com atividade inseticida de interesse científico, social e econômico
(Balandrin., 1993).
64
6. Conclusões
• A planta Phoradendron quadrangular e o líquen Telochistes flavicans,
apresentaram as mais altas atividades tóxicas dentre as testadas, matando
100% das larvas de Aedes aegypti.
• A planta P. quadrangular possui uma proteína tóxica, contra as larvas de
Aedes aegypti, de massa molecular de 20 kDa e DL50 de 6.77 ppm.
• A proteína tóxica de P. quadrangular não apresentou homologia com outras
proteínas depositadas em banco de dados (Blast).
• O extrato metanol/água da planta P. quadrangular possui atividade larvicida
contra Aedes aegypti, com DL50 de 92ppm.
• O líquen T. flavicans possui um metabólito secundário, identificado como
caloploicina, que possui atividade larvicida contra Aedes aegypti, com DL50
de 2 ppm.
65
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