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QUANDO FALAR NÃO É SEGURO RESTRIÇÕES À LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM RUANDA

QUANDO FALAR NÃO É SEGURO - amnesty.org · de 10 anos de prisão, alegando que "pintar ... mês, do ex-chefe do exército ruandês, Kayumba Nyamwasa, exilado na África do Sul

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QUANDOFALAR NÃOÉ SEGURORESTRIÇÕES À LIBERDADE DEEXPRESSÃO EM RUANDA

A Frente Patriótica Ruandesa (RPF), nopoder desde o genocídio de 1994, mantémum rígido controle do espaço político, dasociedade civil e dos meios decomunicação, alegando que esse controle é

necessário para impedir o retorno daviolência. Defensores dos direitos humanos,jornalistas e adversários políticos nãopodem criticar as autoridades de modopúblico e aberto. Pessoas que ousam se

manifestar correm o risco de seremprocessadas e presas.

As restrições à liberdade de associação ede expressão impediram os novos partidosde oposição de participarem das eleiçõesde agosto de 2010. Nesse período,jornalistas foram submetidos a sançõespenais por difamação. Em vez de responderàs críticas de modo construtivo, o governode Ruanda preferiu suprimi-las.

CRIMINALIZANDO AS CRÍTICASNa década seguinte ao genocídio de1994, leis vagas e de grande alcancesobre "divisionismo" e "ideologia genocida"foram adotadas em Ruanda. Pelo menos800 mil ruandeses foram mortos nogenocídio, a maioria de etnia tutsi, mastambém hutus que se opunham àmatança organizada. Embora proíbam osdiscursos de ódio, essas leis são redigidasde modo tão amplo que chegam ao pontode criminalizar manifestações que não

Anistia Internacional - janeiro de 2012 Índice: AFR 47/002/2011

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Faz muitos anos que a liberdade de expressão tem sido indevidamente restringida emRuanda. Os meses que antecederam as eleições presidenciais de agosto de 2010 quederam a vitória ao presidente Paul Kagame, com 93 por cento dos votos, forammarcados pela repressão à liberdade de expressão. O governo ruandês expressou ocompromisso de rever as leis que criminalizam as manifestações de críticas; porém,os recentes julgamentos de políticos de oposição e de jornalistas sugerem que arepressão em Ruanda não apresenta sinal algum de recuo.

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constituem discursos de ódio, tais comocríticas legítimas feitas ao governo. Essasleis estão em contravenção às obrigaçõesregionais e internacionais de direitoshumanos de Ruanda, assim como aoscompromissos do país com a liberdade deexpressão. Ademais, sua redação emtermos demasiadamente vagos presta-sea intenções de violar os direitos humanos.

Em seu relatório de agosto de 2010“Melhor ficar calado: os efeitos sinistros dasleis ruandesas sobre ‘ideologia genocida’ e‘sectarismo’” (Índice AFR 47/005/2010), aAnistia Internacional descreve como ostermos vagos empregados na redaçãodessas leis são usados para criminalizar amanifestação de críticas ao governo e asdivergências legítimas de políticos deoposição, de ativistas de direitos humanos ede jornalistas.

A Anistia Internacional constatou quemuitos ruandeses, inclusive especialistasem direito ruandês, tais como advogados e

trabalhadores de direitos humanos, nãoconseguiam definir com precisão o queseria "ideologia genocida". Até mesmojuízes, os profissionais responsáveis pelaaplicação da lei, reconheceram que a leiera ampla e abstrata.

No contexto local, ao que parece,acusações de "ideologia genocida" estãosendo utilizadas para resolver desavençaspessoais. Tais leis permitem que mesmocrianças menores de 12 anos sejampunidas criminalmente, assim como pais,guardiões ou professores culpados de"inocular" uma criança com "ideologiagenocida". Para os adultos condenados, aspenas variam entre 10 e 25 anos de prisão.

COMPROMISSO DO GOVERNOCOM A REFORMA LEGISLATIVAEm abril de 2010, o governo ruandêscomprometeu-se a rever a lei de "ideologiagenocida". Em janeiro de 2011, durante aRevisão Periódica Universal de Ruanda, no

Conselho de Direitos Humanos da ONU, ogoverno ruandês reiterou essecompromisso e sinalizou que a lei dosmeios de comunicação, de 2009, querestringe indevidamente a liberdade deexpressão, também seria revista.

Apesar de ter reconhecido as falhas da leide "ideologia genocida", o governo continuaa utilizar essa lei para processar indivíduosque manifestam críticas de modo legítimo.Não está claro se a lei sobre "divisionismo",igualmente usada com a intenção de

Acima: Presidente Paul Kagame durante

coletiva de imprensa em Kigali no dia das

eleições, 9 de agosto de 2010. No período pré-

eleitoral, a liberdade de imprensa foi

severamente restringida e os veículos críticos

ao governo foram fechados.

À esquerda: Presença da polícia durante

comício eleitoral em Gicumbi, agosto de 2010.

Capa: Eleitores fazem fila no dia das eleições,

9 de agosto de 2010, no setor de Kimihururu,

em Kigali.

silenciar as críticas, também será objeto derevisão. Desde as eleições, pessoas quecriticam o governo também têm sidocondenadas por ameaçar a segurança doEstado, outra acusação punível com duraspenas de prisão.

RESTRIÇÕES AOS MEIOS DECOMUNICAÇÃO NO PERÍODOPRÉ-ELEITORALNo período que antecedeu as eleiçõespresidenciais de agosto de 2010, o governoresolveu reprimir os seus críticos. Sançõesregulatórias, leis restritivas e processos pordifamação foram usados para reprimir veículosque manifestavam críticas ao governo.

O Conselho Superior de Comunicação deRuanda, um órgão regulador que mantémvínculos estreitos com o partido governista,suspendeu a publicação de dois jornais

privados em língua kinyarwanda, oUmuseso e o Umuvugizi, de abril até outubrode 2010. Depois disso, o Conselho requereu ofechamento dos jornais por tempoindeterminado, alegando que alguns de seusartigos ameaçavam a segurança nacional.

Jean-Bosco Gasasira, editor do Umuvugizi,e Didas Gasana, editor do Umuseso,tiveram que fugir de Ruanda, em abril emaio de 2010, respectivamente, depois dereceberem ameaças.

PRISÃO DE POLÍTICOSOPOSICIONISTASEm 11 de fevereiro de 2011, o políticooposicionista ruandês Bernard Ntaganda,fundador presidente do Partido Social Ideal(PS-Imberakuri), foi preso por acusaçõespoliticamente motivadas e sentenciado aquatro anos de prisão. Ele foi condenado porviolar a segurança do Estado, por"divisionismo" em discursos públicos nosquais criticou as políticas governamentais

antes das eleições e por tentativa de planejaruma manifestação "não autorizada". BernardNtaganda recorreu da sentença.

A condenação do líder oposicionista insere-se em uma tendência mais ampla epreocupante de processar, com base emsupostas ameaças à segurança nacional,indivíduos que criticam o governo de modolegítimo. A ação penal por "divisionismo" eameaça contra a segurança do Estadobaseou-se, unicamente, nos discursos queele proferiu criticando as políticas dogoverno. A promotoria requereu uma penade 10 anos de prisão, alegando que "pintaruma imagem negativa de autoridade doEstado" poderia levar a população àrebelião e provocar distúrbios.

Bernard Ntaganda foi preso na madrugadade 24 de junho de 2010 – primeiro dia emque os candidatos poderiam se registrarpara o pleito –, horas antes de umamanifestação programada por seu partidona capital, Kigali. Embora Bernard

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Acima: Bernard Ntaganda (direita) durante seu

julgamento em janeiro de 2011.

Ntaganda tenha pedido autorização pararealizar a manifestação, a promotoria disseque as autoridades tentaram notificá-lo daproibição no dia anterior ao evento. Adefesa afirma que os manifestantes nãosabiam da proibição.

O Partido Social Ideal (PS-Imberakuri) era oúnico partido novo que havia conseguidofazer o registro. No entanto, dissidentes quedefendiam não apresentar um candidato àseleições infiltraram-se no partido.

No fim de 2009, Bernard Ntaganda foiconvocado a comparecer perante o Senadopara responder a acusações de "ideologiagenocida". Em abril de 2010, a ComissãoPolítica do Senado considerou asacusações procedentes.

Bernard Ntaganda foi preso por manifestarsua opinião sem advogar violência. Ogoverno ruandês deve libertá-loimediatamente e de modo incondicional.

JORNALISTAS PRESOS Agnes Nkusi Uwimana, editora do jornalUmurabyo, publicado em línguakinyarwanda, e sua editora-adjunta, SaidatiMukakibibi, foram sentenciadas, em 5 defevereiro, a 17 e a 7 anos de prisão,respectivamente, por artigos de opinião quepublicaram antes das eleições. Ambasrecorreram da condenação.

Agnes Nkusi Uwimana foi consideradaculpada por ameaçar a segurança doEstado, por "ideologia genocida", por"divisionismo" e por difamação. SaidatiMukakibibi foi considerada culpada deameaçar a segurança do Estado. As duasforam processadas com base em diversosartigos em que criticavam políticasgovernamentais e faziam denúncias decorrupção contra autoridades do alto escalãodo governo, entre as quais o PresidenteKagame. Os artigos também se referiam aosentimento de insegurança que predominava

no período pré-eleitoral e às divisõescrescentes dentro das forças de segurança.

Antes de ser processada, Agnes NkusiUwimana foi chamada perante o ConselhoSuperior de Comunicação de Ruanda a fimde defender-se das acusações de que seusartigos eram difamatórios.

O governo ruandês deve libertar, de modoimediato e incondicional, Agnes NkusiUwimana e Saidati Mukakibibi, presas porexercerem seu direito à liberdade deexpressão sem advogar violência.

JORNALISTA ASSASSINADOO jornalista ruandês Jean-LeonardRugambage, chefe de redação do jornalUmuvugizi, publicado em línguakinyarwanda, foi morto a tiros em frente asua residência em Kigali, às 10 horas damanhã do dia 24 de junho de 2010. Ele foio primeiro jornalista ruandês a serassassinado em anos recentes.

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Acima: Vendedores de jornal em Kigali.

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Jean-Leonard Rugambage estavainvestigando o assassinato, ocorrido naquelemês, do ex-chefe do exército ruandês,Kayumba Nyamwasa, exilado na África doSul. Na manhã do dia 24 de junho, o jornalUmuvugizi havia publicado, em sua ediçãoonline, um artigo denunciando que agentesdos serviços de informação ruandesesestariam envolvidos no crime. Nos dias queantecederam seu assassinato, Jean-Leonardcontou aos colegas que havia percebido quea vigilância sobre ele aumentava.

Não há qualquer evidência de que a políciaruandesa tenha investigado os sinais queindicavam haver motivações políticas para oassassinato de Jean-Leonard Rugambage.Poucos dias depois do crime, dois suspeitosforam presos. Em outubro, foramcondenados por homicídio e receberampena de prisão perpétua. Eles alegaram queJean-Leonard Rugambage havia matado umde seus parentes durante o genocídio de1994. Em 2005, depois de Jean-Leonard terpublicado um artigo criticando os tribunaisgacaca (tribunais comunitários para julgarpessoas suspeitas de participação nogenocídio), uma ação semelhante foiimpetrada contra ele em um tribunalgacaca, com base em alegaçõessemelhantes. Porém, a ação foi suspensapor falta de provas.

A Anistia Internacional acredita que ogoverno deva criar uma comissão deinquérito independente para reabrir ainvestigação sobre a morte de Jean-LeonardRugambage, investigando todas as possíveissuspeitas para o crime.

POLÍTICO OPOSICIONISTAASSASSINADONo dia 14 de julho de 2010, André KagwaRwisereka, vice-presidente do Partido VerdeDemocrático, de oposição, foi encontradomorto em Butare, sul de Ruanda. Ele foradecapitado.

André Kagwa Rwisereka, que deixou aFrente Patriótica Ruandesa para criar oPartido Verde Democrático, contou acolegas, semanas antes de ser assassinado,que estava preocupado com sua segurança.Outros integrantes do Partido VerdeDemocrático também relataram teremrecebido ameaças.

Ninguém foi levado à Justiça para responderpelo assassinato de André. A polícia abriuinvestigações, mas a promotoria alega nãoter provas suficientes para iniciar uma ação judicial. A Anistia Internacional apela aogoverno para que crie uma comissão deinquérito independente sobre a morte deAndré Kagwa Rwisereka.

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Esquerda: O chefe de redação do jornal Umuvugizi

foi assassinado em junho de 2010. Entre abril e

outubro de 2010, os jornais Umuseso e Umuvugizi

foram suspensos pelo Conselho Superior de

Comunicação de Ruanda depois de publicarem

artigos com críticas ao governo.

Acima: André Kagwa Rwisereka, falando

durante uma conferência do Partido Verde

Democrático.

Índice: AFR 47/002/2011 Anistia Internacional - janeiro de 2012

A Anistia Internacional é um movimento global com mais de 3 milhões deapoiadores, membros e ativistas, em mais de 150 países e territórios, que realizacampanhas para acabar com os mais graves abusos contra os direitos humanos.

Trabalhamos por um mundo em que cada pessoa possa desfrutar de todos osdireitos contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em outrasnormas internacionais pertinentes.

A Anistia Internacional é independente de quaisquer governos, ideologiaspolíticas, interesses econômicos ou religiões, sendo financiada principalmentepor seus membros e por doações privadas.

Índice: AFR 47/002/2011Portuguese

Junho de 2011

Amnesty InternationalInternational SecretariatPeter Benenson House1 Easton StreetLondon WC1X 0DWUnited Kingdom

amnesty.org

TOME UMA ATITUDE AGORAEscreva para as autoridades de Ruanda

pedindo que:

� Permitam que políticos de oposição,

jornalistas, defensores dos direitos humanos

e outros manifestem suas opiniões, o que

inclui fazer críticas legítimas às políticas

governamentais, sem que eles precisem

temer por sua segurança.

� Acelerem a revisão da lei de "ideologia

genocida" e da lei dos meios de comunicação

de 2009, a fim de adequá-las às obrigações

de Ruanda conforme o direito internacional

dos direitos humanos.

� Revisem as leis sobre "sectarismo" e

"insultos ao presidente" a fim de adequá-las

às obrigações de Ruanda conforme o direito

internacional dos direitos humanos.

ENVIE SEUS APELOS PARA: Président Paul Kagame

Présidence de la République

BP 15

Kigali

Ruanda

Fax: + 250 252 58 43 90

Mr Tharcisse Karugarama

Minister of Justice

Ministry of Justice

BP 160

Kigali

Ruanda

Fax: + 250 252 586 509

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Mulher deposita o voto em uma seção eleitoral de Kigali, 9 de agosto de 2010.

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