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QUANDO O IGUAL É DIFERENTE E O DIFERENTE
IGUAL
A DISCURSO DO SUJEITO COLEITO E A DIALÉTICA INDIVIDUAL-COLETIVO NO RESGATE DAS
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Fernando LefevreAna Maria Cavalcanti Lefevre
2013
Hoje em dia, mais do que nunca, é importante
conhecer o que pensam as coletividades, sobre os diversos temas que as
afetam
Para isso é fundamental pesquisar suas
Representações Sociais
Resumidamente, Representações Sociais (1)
podem ser vistas como esquemas de pensamento presentes nas sociedades, que as pessoas lançam mão
para formarem suas opiniões e crenças
Metodologicamente falando,quando se quer pesquisar,
com base em depoimentos de coletividades, as Representações
Sociais sobre um dado tema, temos que considerar que:
Empiricamente falando, as Representações Sociais
enquantos pensamentos de coletividades são
veiculadas por indivíduos na qualidade de entes cognitivos, portadores destes pensamentos (2)
Por outro lado, enquanto fatos sociais, as
Represtações são também veiculadas por indivíduos,
mas agora na qualidade de membros e representantes
das sociedades
Mas este tipo de pesquisa apresenta um problema ou tarefa
persistente
O problema
1.Como reconstituir a sociedade como sistema pensante a partir
dos indivíduos?
2. Como reconstituir as representações sociais a partir das
representações individuais?
Evidentemente cada pesquisa e cada tema colocam problemas particulares mas ainda
assim cabe, a nosso ver, uma discussão geral sobre a temática
A reconstituição da sociedade a partir dos indivíduos
Considerando o momento histórico, os traços mais
marcantes da formação social em questão e o tema a ser
investigado, para reconstituirmos a sociedade como sistema
pensante é preciso decidir que tipos de indivíduos e quantos de cada tipo devem ser mobilizados
(3)
Obter Representações Sociais é saber como uma sociedade pensa
sobre um determinado tema.Como uma sociedade não pensa diretamente, é preciso que ela,
enquanto sistema pensante, esteja presente na pesquisa por meio dos diferentes indivíduos
(seres pensantes) que a compõe
Para que ocorra tal presença é preciso ter hipóteses sobre que
características sociais dos indivíduos (idade,sexo,nível de
instrução,etc) podem estar associadas ao tema pesquisado, e selecionar uma dada quantidade
de indivíduos com tais características
Postas estas condições, podemos partir para obter e descrever as
representações sociais desta sociedade sob a forma de
depoimentos discursivos de seus representantes
Como obter Representaçoes Socias a partir de Representaçoes Individuais
Da perspectiva da pesquisa empírica, as Representações
Sociais são agregados ou somas de representações individuais
Mas qual o sentido desta soma ou agregado? Ou, em outras palavras,
porque as Representações individuais podem ser somadas e,
quando somadas, tornam-se sociais?
A resposta é que as Representações individuais podem ser somadas porque são
semanticamente equivalentes, ou seja apresentam sentidos semelhantes. E se
apresentam sentidos semelhantes é porque, como diria Durkheim ( ), estão em
outro lugar que não nos psiquismos ou consciências individuais e este lugar é a
sociedade.
A importante consequência disso é que no mundo do social, Geral e Particular não se opõem mas se interinfluenciam. Ou seja,
os indivíduos Representam usando esquemas socialmente compartilhados
mas de modo particular, de acordo com sua experiências próprias de vida
Isto quer dizer que cada pessoa representa usando esquemas
socialmente compartilhados mas de modo particular, de acordo
com sua experiências próprias de vida
Uma questão metodológica
A pergunta que se coloca é: em que medida e de que modo a
especificidade dos indivíduos como seres pensantes deve ser
levada em conta quando se trata de resgatar e descrever
Representaçoes Sociais ou pensamentos de coletividades
Três diferentes respostas são tradicionalmente dadas para esta
pergunta
1
Numa primeira possibilidade de resposta a especificidade dos indivíduos como seres
pensantes deixa simplesmente de ser considerada.
É o que ocorre quando se faz uma pesquisa empírica para resgatar Representações
Sociais por meio de questões fechadas com alternativas de resposta pré-definidas
Neste caso, o individuo só interessa à Representação Social como elemento indiferenciado do conjunto daqueles que escolhem alguma alternativa de
resposta e como membro de uma categoria demográfica (gênero, faixa
etária, grau de instrução, etc.)
2
Numa segunda possibilidade, quando as pesquisas são feitas com questões
abertas em que as respostas são categorizadas, a individualidade
pensante interessa à Representação Social apenas na medida em que ela é
usada para definir a categoria
Na categorização os pensamentos diferentes mas semelhantes são juntados numa categoria. E ai as diferenças entre os
depoimentos desaparecem
Feito isso, agregadas as respostas, as diferenças entre os
depoimentos passam a ser desconsideradas.
Neste caso, a individualidade pensante é
usada para ser, em seguida, negada (4)
3
Nas pesquisas qualitativas do tipo "história de vida" ou naquelas em que as entrevistas são feitas em profundidade com um número
limitado de indivíduos com os quais se entabula um diálogo conversacional, a
individualidade do sujeito pensante é, de uma certa forma, assumida
Mas, como vermos mais adiante, apesar de assumida, neste modelo
a individualidade é depois desconsiderada
Assim, nenhuma destas três soluções é satisfatória para dar conta da
questão da contribuição dos indivíduos para as Representações Sociais.
É preciso encontrar uma outra solução
Mas para encontrar esta outra solução é preciso resolver um problema ligado à linguagem
Falta de discurso para o pensamento coletivo
De fato, na nossa cultura e na nossa língua, não é
possível, por meio verbal, a expressão direta do pensamento coletivo
Não há uma pessoa verbal capaz de expressar tal pensamento.
Isto quer dizer que não é possível um discurso direto do pensamento
coletivo
Por isso que uma das "soluções" encontradas para representar o
pensamento coletivo foi, como nos casos 1 e 2, eliminar a discursividade de tal pensamento reduzindo-o seja à escolha de uma alternativa prévia de
resposta seja ao nome de uma categoria
Esta operação implica des-qualificar o pensamento coletivo transformando-o numa variável passível de
quantificação
A concepção subjacente aqui é que, de um modo geral, entes
coletivos (no caso, o pensamento coletivo) são sempre e
essencialmente, coisas contáveis, ou seja classes de elementos
iguais
Daí, para esta concepção, não haver lugar para a
particularismos na expressão do pensamento
coletivo
Quando a individualidade pensante é preservada, como no caso 3, a outra
"solução“ para a falta de discurso próprio do pensamento coletivo foi tornar indireta sua expressão, deslocando este pensamento para a terceira pessoa, de quem se fala ( 5)
Quem passa a falar, na primeira pessoa, o
pensamento coletivo, quem passa a expressá-lo
indiretamente fica sendo o pesquisador, que constitui o pensamento coletivo como
objeto
Como objeto de discurso, o pensamento coletivo não
fala, ele é falado
Nesta operação a individualidade pensante (os direntes
pensamentos de cada indivíduo) é re-qualificada: ela não desaparece
mas passa a estar a serviço - como exemplo e ilustração - do
sujeito pesquisador, que comanda o discurso na primeira pessoa
E o "serviço" prestado pelos estratos de depoimentos que o
pesquisador distribui ao longo do texto é o de conferir verdade ou
verossimilhança às suas afirmações ou argumentos
O sujeito pesquisador, por seu turno, pelo uso de uma redação
impessoal e pelo recurso às citações e referências
consagradas, não se assume como autor mas como mero porta-voz
da ciência ou da teoria
Nesta concepção, o sujeito do pensamento coletivo não é uma pessoa, a pessoa do pesquisador mas o próprio Conhecimento na
ação de Conhecer
E quando um pesquisador é criticado o é por não ter
"encarnado" devidamente o Conhecimento do qual deveria ser o porta-voz, por não ter sido um digno ou adequado representante “dele” (o Conhecimento Rei) no
ato de conhecer
Do exposto até agora pode-se concluir que o principal problema para a
pesquisa de Representações Sociais a partir de depoimentos é reunir
individualidades pensantes de sorte a obter pensamentos coletivos, sem
desnaturar o caráter discursivo, argumentativo e os conteúdos narrativos dos pensamentos
individuais
Além disso, é preciso fazer a coletividade falar na
condição de sujeito discursivo de seu
pensamento e não como objeto do discurso do
pesquisador, "porta voz" do conhecimento"
A proposta do Discurso do Sujeito Coletivo ou DSC (6)
busca implementar estas ideias
Definição do DSC
Sinteticamente, a técnica do DSC propõe que cada depoimento de
uma pesquisa com questões abertas seja analisado,
selecionando-se dele os trechos essenciais e nomeando de forma
resumida o ou os sentidos presentes nos trechos
selecionados
Feito isso,os depoimentos que apresentam sentidos semelhantes são reunidos numa categoria semântica
sintética
Por exemplo, numa pesquisa de Representação Social sobre Pílula
do Dia Seguinte por jovens da cidade de São Paulo (7)
encontramos respostas que foram agrupadas na categoria semântica denominada: “Não uso porque ela
é abortiva"
Em seguida, os conteúdos de cada depoimento
enquadrado na categoria são reunidos num único
discurso
Este discurso é redigido na primeira pessoa do singular, de forma a
constituir um depoimento que possa ser percebido pelos receptores como de uma só pessoa, como se uma só pessoa falasse pelos seus demais
"companheiros de representação".
Vejamos como exemplo o DSC da categoria: "Não uso a pílula porque é
abortiva"
Eu não tomaria a pílula do dia seguinte porque eu sou contra. Acho que é uma forma de aborto e eu sou contra toda e qualquer forma de aborto; se a pessoa
toma e perde o filho, eu não sou a favor.Tem que saber mesmo o que está fazendo porque uma vida é muito importante, já estaria já pra se formar o bebê.
Então eu pensaria muito antes de fazer isso porque é uma vida, porque, sei lá, uma criança, é uma coisa bem vinda pra vida. Traz alegria pra família. A partir do momento que você ta com o bebê na barriga já é uma vida, né? Então eu não tiraria, eu não tomaria a pílula não, porque eu não teria coragem de tomar (8)
Este discurso tem a forma de um depoimento, como se fosse a fala de um só indivíduo mas na realidade foi composto com extratos de diversos depoimentos que expressavam, basicamente, a mesma ideia, no
caso a que associa a pílula do dia seguinte ao aborto
O DSC como solução para preservar na
dimensão coletiva o caráter discursivo, argumentativo e os
conteúdos narrativos dos pensamentos individuais
A pesquisa de Representação Social que usa o Discurso do Sujeito Coletivo
como técnica de coleta e processamento de depoimentos acaba
gerando, como produto final, um painel de distintos Discursos do Sujeito
Coletivo ou DSCs, que expressam as diferentes opiniões existentes na
sociedade sobre o tema pesquisado
Em cada um destes DSCs as individualidades pensantes
são preservadas
As diferenças entre os depoimentos
particulares (que, reunidos, constituem o discurso coletivo) são consideradas e são vistas como diferentes elos da mesma
cadeia argumentativa, diferentes aspectos de uma mesma história, ou seja mensagens
oriundas de códigos socialmente compartilhados
O DSC como solução para o pensamento
coletivo falar seu próprio discurso
Na técnica do DSC o pressuposto é que é possível um sujeito coletivo
expressar uma Representação Social na primeira pessoa, ou seja que uma
só pessoa pode falar por seus "companheiros de representação“
Isto porque os conteúdos, os argumentos e as histórias
particulares que os indivíduos reportam em seus depoimentos
são, ao mesmo tempo, particulares e socialmente
compartilhadas
De fato, depoimentos de sentido semelhante podem vir a constituir um só depoimento de uma só pessoa (que denominamos Sujeito
Coletivo) porque quando uma representação social é compartilhada tudo dela (conteúdo, argumentos, histórias, etc.) e não apenas seu sentido sintetizado numa categoria
semântica, é também socialmente compartilhado
Quando um indivíduo se depara com um DSC para a confecção do qual seu
depoimento particular concorreu ele se vê no DSC; isto porque, mesmo que não tenha expressado alguns conteúdos e argumentos que estão no DSC, poderia ter expressado já que a estrutura subjacente dos argumentos, das histórias e dos conteúdos é comum ou
social (9)
Assim, para expressarem da melhor maneira possivel as
Representações Sociais, os DSCs são híbridos qualiquantitativos
Neles, uma dada Representação Social é qualitativamente
detalhada em seus componentes de conteúdo e argumentação
Já, quantitativamente, quando os depoimentos são equalizados é
possível estabelecer uma soma e saber quantos indivíduos professam a Representação e, com isso, conhecer a
distribuição das diferentes ideias no tecido social de onde foram extraídas
Em suma
Em suma, com o uso do Discurso do Sujeito Coletivo
é possível conciliar, na pesquisa de Representação
Social, o individual e o coletivo, o qualitativo e o
quantitativo
Isto é possível porque pensar, opinar, representar,
em todos seus aspectos, são ações eminentemente sociais ainda que vividas
individualmente
Para expressar Representações Sociais numa pesquisa empírica,é
preciso enfatizar as dimensões coletivas da Representação e por isso lançar mão dos instrumentos
e recursos próprios da pesquisa quantitativa
Ao mesmo tempo, é preciso destacar as dimensões individuais da Representação e por isso usar
os recursos e instrumentos da pesquisa qualitativa
É o que se pretendeu fazer com o Discurso do Sujeito Coletivo
Referências bibliográficas1.Jodelet, D. Représentations Sociales: un domaine en expansion. In
Jodelet, D. (org). Les Représentations Sociales, Paris, PUF, 1989.
2.Lefevre F; Lefevre AMC. Pesquisa de Representação Social. Um enfoque qualiquantitativo. Brasilia: Liberlivro, 2010
3.-----------------4.----------------
5. Lefevre F; Lefevre AMC. Depoimentos e Discursos. Brasilia: Liberlivro, 2005
6. Lefevre F; Lefevre AMC. Pesquisa de Representação Social. Um enfoque qualiquantitativo. Brasilia: Liberlivro, 2010
7. Lefevre F et al. Gravidez Adolescente e anticoncepção de emergência: o software Di@Seguinte como auxílio virtual para as equipes de saúde. RECIIS. (Edição em Português. Online), v. 6, 2012.
8.---------------9.Lefevre F; Lefevre AMC. Depoimentos e Discursos.Brasilia: Liberlivro,
2005