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Ano 9 nº 96 fevereiro 2009 ENTREVISTA CLAYTON CHRISTENSEN: EMPRESA QUE PRIORIZA CLIENTE DE BAIXA RENDA TEM MAIOR CHANCE DE CRESCER QUANTO É PRECISO CORTAR DOS JUROS E MAIS ALGODÃO COLORIDO GANHA O MUNDO SEGURANÇA ALIMENTAR COMEÇA EM CASA

QuAnto é prEciso cortAr Dos juros - Página Inicialbibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/services/revistas_dig... · Robson Braga de Andrade (MG), ... termo que significa pintura

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Ano 9nº 96fevereiro2009

EntrEvistA Clayton Christensen: empresa que prioriza Cliente de baixa renda tem maior ChanCe de CresCer

QuAnto é prEciso cortAr

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Armando Monteiro Neto, presidente da CNI – Confederação Nacional da Indústria

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a cni lançará no final de março a 14ª Agenda Legislativa da Indústria, que vem sendo construída por meio de um processo amplo e participativo, no qual o Fórum na-cional da indústria e as Federações de in-dústrias desempenham papel fundamental.

o desafio sempre presente da Agenda Le-gislativa é buscar a harmonização dos obje-tivos de todos os segmentos produtivos para uma ação mais eficaz no âmbito do con-gresso nacional, onde as propostas ganham velocidade proporcional ao entendimento e compreensão de cada um dos participantes.

É preciso levar em conta, porém, que o ano legislativo de 2009 apresenta-se bem diferente do de 2008. deverá ser marcado por maior ativismo e maior sentido de ur-gência, em função da crise econômica mun-dial e da ausência de eleições.

o maior ativismo legislativo traz oportu-nidades e riscos. temas de alta sensibilidade política, marcados por posições preconcei-tuosas, poderão agora ser tratados sem viés ideológico, como é o caso das relações entre capital e trabalho. Por outro lado, há o risco de termos de conviver com a pletora de ini-ciativas paternalistas e demagógicas. inspi-radas pelos severos desdobramentos sociais da crise, essas proposições tendem, parado-xalmente, a agravá-la, resultando na eleva-ção dos custos operacionais das empresas.

devemos ainda estar preparados para o ressurgimento dos grandes debates sobre o

papel do mercado e do estado. a escalada da crise econômica mundial trouxe para o estado, nas mais importantes economias, funções não-tradicionais, em especial na área financeira. esse novo papel, que es-peramos ser temporário, reforça o discurso daqueles que veem no estado a solução para todos os problemas.

o setor privado tem o dever de reafir-mar seus valores e princípios. a economia de mercado é pilar pétreo da nossa agen-da. isso não significa a crença em uma so-ciedade sem regras e leis. sabemos que os mercados são o resultado de construções institucionais.

a qualidade do ambiente regulatório é crítica para a operação das empresas. entre-tanto, uma parte expressiva dos problemas que nos afeta está associada à má qualidade da regulação, envolvendo conf litos de com-petências e controles redundantes.

ao construirmos a 14ª edição da Agenda Legislativa, é ainda mais importante do que no passado que a indústria tenha foco, de-fina prioridades e coordene ações. devemos apoiar proposições legislativas que não só contribuam para a recuperação da economia, mas transcendam as atuais dificuldades.

o País precisa estar preparado para o ambiente pós-crise. isso exige melhorar as nossas instituições, alavancar projetos es-truturantes e impedir retrocessos. enfim, fazer a ponte para o futuro.

Muito aléM da criseNeste ano legislativo, precisamos alavancar projetos estruturantes e impedir retrocessos

16 Capa economistas afirmam que o banco central precisa avançar na redução

da taxa básica de juros e que o governo deve implementar medidas que garantam consumo

26 Negócios especialistas falam dos benefícios da inovação tecnológica para manter a

competitividade em tempos de crise global

32 Responsabilidade Corporativa a paraibana coopnatural obtém certificação com reconhecimento

internacional e exporta algodão orgânico colorido para dez países

38 Comércio Exterior indústria de calçados brasileira tem queda de 1,6% nas vendas em 2008.

Pedidos dos estados Unidos, um dos maiores compradores, caem 23%

42 Saúde estudo do senai revela que maior parte das contaminações provocadas

por alimentos ocorre dentro das casas dos consumidores

ENtREviStaS

10 ClaytoN ChRiStENSEN o professor da Universidade Harvard e principal teórico da inovação de

ruptura explica a força das classes de baixa renda para os negócios

20 DElfim NEtto o ex-ministro da Fazenda defende a redução da taxa básica de juros para

3% ao ano e a elevação de investimentos do estado em infraestrutura

22 JoSé RobERto mENDoNça DE baRRoS o economista afirma que o principal desafio para enfrentar a crise é

ampliar o acesso das empresas a linhas de crédito

SEçõES

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24 tENDêNCiaS ECoNômiCaS retração da atividade industrial se acentua em novembro e atinge

emprego. Índice de confiança do empresário industrial recua para mais baixo patamar desde 1999

46 CultuRa ao contrário do que ocorreu em outros países como México e argentina,

cinema brasileiro não atingiu independência econômica, aponta historiador

50 CENa ECoNômiCa o economista Fabio giambiagi analisa em que momento ocorrerá a

retomada do crescimento econômico e discute o que ocorrerá com os índices de 2009 e 2010

www.cni.org.br

DIRETORIA DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - QUADRIÊNIO 2006/2010

Presidente: Armando de Queiroz Monteiro Neto (PE); Vice-Presidentes: Paulo Antonio Skaf (SP), Robson Braga de Andrade (MG), Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira (RJ), Paulo Gilberto Fernandes Tigre (RS), José de Freitas Mascarenhas (BA), Rodrigo Costa da Rocha Loures (PR), Alcantaro Corrêa (SC), José Nasser (AM), Jorge Parente Frota Júnior (CE), Francisco de Assis Benevides Gadelha (PB), Flavio José Cavalcanti de Azevedo (RN), Antonio José de Moraes Souza (PI); 1º Secretário: Paulo Afonso Ferreira (GO); 2º Secretário: José Carlos Lyra de Andrade (AL); 1º Tesoureiro: Alexandre Herculano Coelho de Souza Furlan (MT); 2º Tesoureiro: Alfredo Fernandes (MS); Diretores: Lucas Izoton Vieira (ES), Fernando de Souza Flexa Ribeiro (PA), Jorge Lins Freire (BA), Jorge Machado Mendes (MA), Jorge Wicks Côrte Real (PE), Eduardo Prado de Oliveira (SE), Eduardo Machado Silva (TO), João Francisco Salomão (AC), Antonio Rocha da Silva (DF), José Conrado Azevedo Santos (PA), Euzebio André Guareschi (RO), Rivaldo Fernandes Neves (RR), Francisco Renan Oronoz Proença (RS), José Fernando Xavier Faraco (SC), Olavo Machado Júnior (MG), Carlos Antonio de Borges Garcia (MT), Manuel Cesario Filho (CE).

CONSELHO FISCAL Titulares: Sergio Rogerio de Castro (ES), Julio Augusto Miranda Filho (RO), João Oliveira de Albuquerque (AC); Suplentes: Carlos Salustiano de Sousa Coelho (RR), Telma Lucia de Azevedo Gurgel (AP), Charles Alberto Elias (TO).

UNICOM - Unidade de Comunicação Social CNI/SESI/SENAI/IEL Gerente executivo - Marcus Barros Pinto Tel.: (61) 3317.9544 - Fax: (61) 3317.9550 e-mail: [email protected]

ISSN 1519-7913 Revista mensal do Sistema Indústria

Coordenação editorial IW Comunicações - Iris Walquiria Campos

ProduçãoFSB ComunicaçõesSHS Quadra 6 - cj. A - Bloco E - sala 713CEP 70322-915 - Brasília - DF Tel.: (61) 3323.1072 - Fax: (61) 3323.2404

Redação Editor: Paulo Silva PintoEditora-assistente: Daniela Schubnel Editora de arte: Ludmila Araujo Revisão: Shirlei Nataline Colaboraram nesta edição: Carlos Haag, Fabio Giambiagi, Flávio Castelo Branco, Gilse Guedes e Mario Sérgio Carraro Telles

Publicidade Moisés Gomes - [email protected] Tel.: (61) 3323-1072

Impressão - Gráfica Coronário

Capa - Images.com/Corbis

As opiniões contidas em artigos assinados são de responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, o pensamento da CNI.

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Turismo hisTóricoUma opção de turismo neste início de ano para quem quer fugir da praia é conhecer as atrações do caminho novo da estrada real, no interior do rio de Janeiro. o serviço brasileiro de apoio às Micro e Pequenas empresas (sebrae) fluminense lançou o primeiro calendário de eventos na rota histórica 040, que abriga prédios antigos da época da exploração do ouro, no século 18. a rota inclui os municípios de areal, sapucaia, comendador levy gasparian, três rios, rio das Flores, Paraíba do sul, Paty do alferes, Miguel Pereira e Paulo de Frontin. o calendário traz mais de 100 eventos em

2009. além da data e local, há também estimativa de público, descrição do evento, preço e contato com os organizadores. está disponível na página eletrônica do sebrae fluminense (www.sebraerj.com.br). Há outras informações no site do projeto (www.caminhonovorj. com.br).

sENAi E iBm juNTosÉ grande a demanda por talentos na área de tecnologia da informação, mas quem quer se capacitar encontra poucos cursos de qualidade no mercado. com a preocupação de atender a essa crescente necessidade, o senai catarinense assinou um convênio com a ibM. empresas do estado poderão agora contratar no senai em Florianópolis cursos para formar arquitetos de informação, analistas de suporte, desenvolvedores de portais corporativos e gerentes de mudanças. as aulas são presenciais e as turmas, fechadas de acordo com a demanda. o curso de arquitetura da informação é orientado para profissionais que atuarão ou já atuam como gerentes de informação nas empresas. os analistas de suporte aprenderão a administrar a infra-estrutura de recursos de tecnologia da informação. o curso para desenvolvedores de portais corporativos é focado na implementação de sistemas e ferramentas de gestão e de informação. Já os gerentes de mudança são capacitados para atuar em empresas especializadas no desenvolvimento de softwares. Mais informações pelo telefone (48) 3239-5800 ou por e-mail ([email protected]).

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sEsi ApoiA EspETáculos Em mAriANAcompanhias de dança, teatro, circo, bonecos, espetáculo multimídia, música ou cinema que queiram se apresentar em Mariana (Mg) poderão contar com o apoio do sesi. a instituição está com inscrições abertas até 20 de fevereiro para o Projeto sesi circulação de espetáculos. “as produções selecionadas receberão apoio do sesi na confecção de filipetas, divulgação e na negociação com fornecedores locais. além disso, não pagarão locação do teatro, mas uma porcentagem de 15% da bilheteria”, diz o gerente da unidade do sesi em Mariana, nilson ros chagas. segundo ele, o objetivo é aumentar a oferta de alternativas de lazer, de cultura e de formação à comunidade local. os espetáculos serão realizados de 1º de março a 31 de outubro de 2009. Mais informações pelo telefone (31) 3557-1041, ou por e-mail ([email protected]).

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muNdos FluTuANTEs do jApÃoaté 1º de março, quem estiver em são Paulo pode visitar a exposição Japão: Mundos Flutuantes, promovida pelo sesi e pelo instituto Moreira salles (iMs). a mostra está instalada na galeria de arte do sesi (av. Paulista, 1313) e reúne três diferentes expressões da cultura e arte japonesas e suas influências em terras brasileiras. Uma delas é a seleção de 155 gravuras ukiyo-e, termo que significa pintura do mundo flutuante. Muito populares no Japão durante o período edo (1603-1868), as gravuras estão intimamente associadas a peças do teatro tradicional kabuki e cenas do cotidiano, e marcam o rompimento com as práticas artísticas anteriores, quando as gravuras contemplavam apenas motivos religiosos. segundo a artista plástica e professora Madalena Hashimoto cordaro, uma das três curadoras da exposição, com a disseminação do processo de reprodução em massa, o ukiyo-e desenvolveu-se como arte popular. “em seu tempo, as gravuras eram consumidas como hoje são nossos livros, revistas, guias de viagens e compras, calendários, cartazes, cartões-postais e convites de festas”, conta. a entrada é gratuita. Mais informações pela página eletrônica da galeria (www.sesisp.org.br/centrocultural).

NEGócios com A ásiAas empresas brasileiras contam agora com mais um aliado para fazer negócios no mercado asiático. o centro internacional de negócios (cin), que no Mato grosso é coordenado pelo iel, está identificando oportunidades para empresas brasileiras com parceiros naquele continente. a ação faz parte do Programa de acesso ao Mercado asiático e conta com a parceria da empresa nacional china trade center, que promove o intercâmbio comercial entre brasil e china. atualmente estão abertas oportunidades para empresas que desejam representar no Mato grosso a empresa chinesa nanqi, fabricante de caminhões, e para fornecedores que estejam aptos a vender 1.000 toneladas/mês de óleo de soja bruto. os contatos são repassados sem nenhum custo para o empresário. os interessados no programa devem entrar em contato com o cin de Mato grosso, pelos telefones (65) 3611-1565 e 3611-1655, ou por e-mail ([email protected]).

mériTo AmBiENTAlestão abertas até 9 de março as inscrições para a 15ª edição do Prêmio Fiesp de Mérito ambiental. Podem participar indústrias extrativas, manufatureiras ou agroindustriais de qualquer porte. empresas que já participaram do prêmio podem se inscrever, desde que com novos projetos. cada inscrito pode apresentar duas iniciativas de sucesso. não serão aceitos trabalhos voltados especificamente para o uso racional de águas e efluentes, tema que tem um certame específico: o Prêmio Fiesp de conservação e reuso de Água. os premiados receberão o Prêmio Fiesp de Mérito ambiental e o selo do Mérito ambiental Fiesp, com o registro do prêmio e o ano de referência. os outros quatro finalistas em cada categoria receberão menções honrosas.

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sEsi NA sÃo silvEsTrEMassagem, hidratação, exercícios de aquecimento e alongamento, esteiras de simulação de corrida, posto médico e espaço lúdico para crianças. esses foram alguns dos benefícios oferecidos no espaço Fiesp aos atletas que participaram da são silvestre no dia 31 de dezembro. o estande foi instalado pelo terceiro ano consecutivo nas imediações da corrida para atender gratuitamente aos atletas da indústria e seus familiares. recebeu mais de mil visitantes, incluindo 112 corredores patrocinados pelo sesi em 23 estados.“É muito bom ter um ambiente tranquilo antes da prova. a são silvestre é muito concorrida e recebe competidores de altíssimo nível”, avaliou clodoaldo gomes, ex-aluno do sesi, que terminou a prova em 22º lugar. o espaço recebeu

também competidores da elite a, como os quenianos richard Kibet, Koech Mutai, charles wachira Maina e nahashon gitau nwaniki.

EsTrATéGiA olímpicAo sesi lançou no final do ano passado o livro Joaquim Cruz - Estratégias de Preparação Psicológica: da Prática à Teoria. escrita pela psicóloga Kátia rubio, a publicação conta a trajetória do atleta e mostra as estratégias utilizadas para manter o desempenho nas provas e superar oscilações da carreira. Joaquim cruz foi o primeiro atleta brasileiro a ganhar medalha de ouro olímpica em prova de pista. ele ficou em primeiro lugar na prova dos 800 metros nas olimpíadas de los angeles, em 1984. no início de sua carreira, ele treinava nas pistas de atletismo do sesi do distrito Federal. enfrentar dificuldades e persistir no sonho de ser um grande atleta também renderam-lhe a quebra dos recordes brasileiro e sul-americano sete vezes em provas de 800 e 1.500 metros. o livro custa r$ 32,00 e pode ser adquirido da editora, a casa do Psicólogo, pelo telefone (11) 3034-3600, ou por e-mail ([email protected]).

r$ 450 milhõEs pArA iNovAçÃoempresas que buscam apoio para inovar têm até 27 de março para apresentar seu projeto para o Programa de subvenção econômica 2009 da Financiadora de estudos e Projetos (Finep). ao todo, serão disponibilizados r$ 450 milhões para o desenvolvimento de produtos, processos e serviços em seis áreas estratégicas, as mesmas do edital passado: tecnologias da informação e comunicação; biotecnologia; saúde; defesa nacional e segurança pública; energia e desenvolvimento social. não se trata de empréstimo: os recursos da subvenção não são devolvidos pelas empresas beneficiadas. o valor mínimo de cada proposta será de r$ 500 mil para micro e pequenas empresas, e de r$ 1 milhão para médias e grandes empresas, até o máximo de r$ 10 milhões, com prazo de execução de 36 meses. o edital e o formulário eletrônico de inscrição já estão disponíveis na página eletrônica da Finep (www.finep.gov.br).

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cApTAçÃo pAsso-A-pAssoo iel fluminense e a diretoria de inovação e Meio ambiente da Firjan vão realizar de 9 a 16 de fevereiro o Programa de capacitação empresarial em linhas de Financiamento à inovação. o objetivo é preparar as indústrias para captar recursos previstos nos editais de linhas de financiamento não-reembolsáveis da Financiadora de estudos e Projetos (Finep) e da Fundação de amparo à Pesquisa do estado do rio de Janeiro (Faperj). o treinamento é para empresários, gerentes e profissionais de empresas de qualquer segmento industrial, e abordará aspectos de inovação tecnológica, linhas de financiamento, metodologias e desenvolvimento de projetos. empresas como Palmetal Metalúrgica, bauen indústrias Plásticas, Holos do brasil serviço naval, Kognitus automação e Processamento de imagens, laboratórios duprat e terratempo assessoria e consultoria em Meteorologia, que passaram pelas quatro edições anteriores do curso, tiveram projetos aprovados em editais de inovação. Mais informações sobre o curso e outras capacitações pelo telefone (21) 2563-4187/4337 ou por e-mail ([email protected]).

mBA pArA A iNdúsTriAestão abertas as inscrições para a terceira edição do Mba indústria – especialização em gestão com Ênfase em empresas industriais, oferecido pela Universidade da indústria (Unindus), da Fiep, em curitiba. a especialização tem por objetivo atender às demandas de competências indicadas pela indústria, por meio de um programa com três grandes eixos temáticos: gestão estratégica, gestão e desenvolvimento de pessoas e de operações industriais. cada eixo é composto por disciplinas cujos temas estão diretamente relacionados ao ambiente industrial. de acordo com o consultor que trabalhou no desenvolvimento do Mba, João eber Machado, a especialização mescla conteúdos teóricos de interesse da indústria e atividades práticas. “o curso foca o dia-a-dia dentro da empresa”, diz. os candidatos serão selecionados até 20 de fevereiro e as aulas terão início em 6 de março e serão ministradas no cietep, no bairro Jardim botânico. Mais informações pelo telefone (41) 3271-7687 ou por e-mail ([email protected]).

cAlENdário dE ExposiçÃo E FEirAsas empresas que querem ampliar os negócios no brasil já podem começar a planejar sua participação nas feiras nacionais. Ficou pronto o calendário brasileiro de exposições e Feiras, edição 2009, que pode ser solicitado na versão impressa ou acessado pela página eletrônica do Ministério do desenvolvimento, indústria e comércio exterior (Mdic, www.desenvolvimento.gov.br) ou em www.braziltradenet.gov.br. na versão eletrônica, é possível filtrar o conteúdo por setor, estado e data. a publicação é editada pelo Mdic e pelo Ministério das relações exteriores, e conta com 356 eventos distribuídos nas regiões do país e em diversos setores da economia. a versão impressa pode ser solicitada pelos telefones (61) 2109-7190 e 2109-7198.

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ClAyton Christensen

imagem invertidaSegundo professor da Harvard Business School, as empresas erram ao achar que as melhores oportunidades de negócios estão entre os consumidores de alta renda

por pAulo silvA piNTo

clayton christensen é uM iconoclasta. os ícones que quer destruir são paradigmas considerados essenciais por administradores de empresas. Questiona, por exemplo, a ideia de que os executivos devem se preocupar constantemente com a criação de valor para o acionista, ou de que é preciso sempre atender às expectativas dos clientes. essas premissas não combinam com sua teoria da inovação de ruptura. Para ter sucesso no longo prazo, a empresa deve trazer algo realmente transformador ao mercado, mesmo que desagrade alguns clientes e perca lucro no momen-to inicial. a inovação pode ser tecnológica ou então – melhor ainda, se-gundo christensen – um novo modo de fazer negócios.

Professor da Harvard business school, a escola de administração de empresas de uma das universidades de maior prestígio nos estados Uni-dos, christensen não poupa a academia em suas críticas. segundo ele, professores universitários não estão preocupados com a busca da verdade, mas sim com a publicação de artigos que pouca gente lê.

autor de vários livros em torno da ideia da inovação de ruptura, christensen participou, no final do ano passado, em são Paulo, da HsM expomanagement, evento na área de administração e negócios. depois de sua palestra, concedeu a indústria brasileira a entrevista que está nas páginas seguintes.

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ClAyton Christensen

indústria brasileira – O senhor afirma que as pers-pectivas para grandes empresas não são boas. Por quê?Clayton Christensen – Para ter sucesso, uma empresa deve constantemente prestar atenção no que seus clientes precisam. sem isso, os clien-tes vão abandonar a empresa e ela morrerá. Mas surgem dificuldades para obedecer a essa regra quando há um novo grupo de consumidores que se interessa pelos produtos da empresa, mas não tem dinheiro para comprá-los, ou então não pre-cisa de todos os atributos dos produtos. não é possível servir esse novo gru-po ao mesmo tempo em que se ouvem os consumidores originais da empresa. o que torna a inovação de ruptura tão difícil é que a empresa é sequestrada por seus clientes originais. e o futuro está com um novo grupo de consumidores. É necessário então criar uma nova organização.

ib – Essa pressão de novos consumidores acontece sempre?CC – não, nem sempre. se não há falta de consumo de um produto, ou seja, se todos os potenciais con-sumidores são atendidos, é difícil fazer a inovação de ruptura. Muitas empresas nos estados Unidos e na europa estão tentando usar o celular como meio de pagamento, mas não têm tido sucesso porque quase

todos os consumidores já têm cartão de crédito. na África e na Índia, ao contrário, o uso bancário do ce-lular decolou. essa ideia surgiu há dez anos com um ex-aluno meu que dirigia uma empresa de celular na África, a MtM, que tinha como público-alvo a po-pulação de baixa renda. ele descobriu que não podia ceder aparelhos aos clientes por meio de contratos de dois anos porque não tinham histórico de crédito. era necessário trabalhar com o sistema pré-pago, e assim a empresa cresceu. Um dia esse meu ex-aluno percebeu que guardava o dinheiro de seus clientes e só os deixava comprar o serviço telefônico. os apa-relhos poderiam servir para transferir dinheiro para a conta de restaurantes etc. e assim a empresa virou um banco. isso hoje se espalhou pela África, vietnã, Índia. onde o consumo é baixo, o celular representa ruptura para o sistema bancário.

ib – Isso pode ser um exemplo aos bancos tradicionais?CC – certamente. se eu fosse o citibank e tivesse planos de crescer nos países em desenvolvimento, eu não iria instalar um escritório com ar-condicionado no centro de nairobi. compraria a operadora local de telefonia móvel.

ib – Normalmente as empresas acreditam que as melho-res oportunidades estão entre os consumidores de maior poder aquisitivo. O que o senhor fala é o contrário?

CC – sim. toda empresa tem de aprimorar seus produtos e também fazer a lucratividade crescer. começando de baixo, isso fica mais fácil porque a es-trutura de custos é mais leve. À medida que a empresa lança produtos melhores, carrega seu

modelo de negócios de baixo custo para cima. a ex-pansão se torna muito mais fácil assim. se você abrir uma empresa na área de higiene e beleza com foco nos brasileiros que estão entre os 20% mais pobres, venderá progressivamente também para pessoas mais ricas. Quando a toyota começou no Japão, o foco eram as pessoas que não tinham carro, mas o merca-do se revelou muito maior do que isso. a tata, na Ín-dia, acaba de lançar um carro de Us$ 2.500. como há muitas pessoas pobres no país, há um grande

É mais fácil começar na parte inferior do mercado e crescer do que o contrário

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EntrE vista

mercado inicial. Mas a partir do momento em que a montadora estiver estabelecida e melhorar o produto, poderá exportar para outros países da Ásia ou mes-mo da europa oriental.

ib – Por que tantas empresas não percebem isso?CC – É uma ótima questão. boa parte da culpa é dos professores de administração, que insistiram muito no valor da inovação tecnológica e não ensinaram o valor de criar um novo negócio. a inovação no mo-delo de negócios é, na verdade, mais importante do que a inovação tecnológica. outro grande proble-ma dos cursos de administração é um princípio de análise financeira que está no currículo escolar. ele diz que se deve olhar não o custo total de fazer algo novo, mas sim o custo marginal de elevar o padrão que já existe. Por essa visão, aprimorar o que você já tem sempre parece mais barato do que implantar um novo modelo de negócios.

ib – A inovação de ruptura tende a favorecer empresas novas. As que existem hoje estão condenadas?CC – veja a analogia: se você estivesse estudando a indústria da aviação nos anos 1870 e escrevesse um artigo com o título: “o Homem pode voar?”, diria que é impossível. século após século, as pessoas que tentaram voar se mataram. Mas ao aplicar o prin-cípio de bernoulli, os irmãos wright conseguiram voar muito bem. É isso o que espero que minha pesquisa possa proporcionar aos gerentes e adminis-tradores. enquanto eles não entenderem esses prin-cípios, continuarão se acidentando. Mas quando se explica como o mundo funciona, eles conseguem voar muito bem. Quando as empresas usam esses princípios, conseguem criar valor nos estratos infe-riores do mercado. isso vale mesmo para empresas que já estão aí há muito tempo. a Procter&gamble foi para a Índia com um modelo de negócios muito diferente do tradicional.

ib – Pode citar outros exemplos?CC – outro bom exemplo é uma empresa do setor químico nos estados Unidos, a dow corning, que fabrica silicone para muitos usos, incluindo xampus e condicionadores. Um cliente pediu que a empresa de-senvolvesse um produto com características especiais

de densidade, brilho etc. eles fizeram isso. Mais tarde o cliente voltou e disse: uma empresa na china nos ofereceu o mesmo produto por um preço 20% menor que o seu e teremos de comprar deles. isso estava se tornando recorrente. os clientes aproveitavam a ex-pertise da dow corning e depois acabavam passando a encomenda para um fornecedor mais barato. os executivos da empresa partiram então para a busca de um novo modelo de negócios que permitisse ven-der silicone 20% mais barato, algo muito difícil no setor, que tem margens pequenas. a solução foi criar uma subsidiária que vende os produtos por um preço 20% menor, mas com algumas diferenças no serviço: o cliente não é atendido por um vendedor, deve com-prar on-line; não há pronta entrega, porque manter o estoque custa dinheiro, portanto o produto só fica disponível quando sai da linha de produção; e não é vendida uma quantidade menor do que o equivalente a um vagão de trem. se aceitar essas restrições, o clien-te pode ter um produto de melhor qualidade do que o dos chineses, por um custo 20% menor. em dois anos, as vendas da dow corning cresceram 40%. conquistaram um novo mercado que não atendiam, de encomendas que iam todas para os chineses. e o novo modelo de negócios, ao invés de concorrer com o antigo, ajudou a preservá-lo, pois quando alguém pede desconto, não há o que discutir: se quiser pagar menos, é aconselhado a ir para o outro sistema. os lu-cros da dow corning cresceram 900% em dois anos, e se mantêm nesse patamar há quatro anos.

ib – Em suas palestras e livros, o senhor cita o caso das montadoras japonesas, que começaram a se deslocar para a parte superior do mercado e agora esbarraram no teto. O que devem fazer?CC – Por ora não há uma resposta, e isso me deixa frustrado. Meus livros foram traduzidos para o japo-nês, mas eu não tive sucesso ao ajudá-los a se deslocar

Inovar no modelo de negócios é mais importante do que na tecnologia

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ClAyton Christensen

para a base do mercado. a sony tem sido terrivel-mente atingida pela concorrência com a apple. os estaleiros sofreram primeiro pela competição com os coreanos e agora com os chineses. o setor de aço tem sido esmagado pelas minissiderúrgicas espalhadas pelo mundo. no passado, os japoneses conseguiram fazer inovação de ruptura, com as telas de cristal lí-quido, por exemplo. a tecnologia começou nos re-lógios e depois foi para as calculadoras, notebooks e para as paredes. o problema é que a inovação nos ne-gócios não é uma especialidade deles, é simplesmente algo que acontece. a sony teve muito sucesso com os rádios transistores em 1955. eles passaram a trans-formar tudo em miniaturas: televisores, gravadores, câmeras fotográficas. e causaram ruptura em muitos setores. Mas sem um novo modelo de negócios, ape-nas transferiram a ideia da miniatura.

ib – As grandes empresas parecem seguir as teorias de administração e negócios e mesmo assim enfrentam muitos problemas. Por quê?CC – toda boa teoria depende da situação em que você está. os professores de administração estudam empresas de sucesso, escrevem um livro e dizem: eles fizeram isso e deu certo, então todo mundo tem de fazer o mesmo. Mas não se indagam em quais casos fazer daquele jeito resulta em fracasso. É indispen-sável considerar essa questão. ouvir o que o cliente tem a dizer, por exemplo, é, em geral, uma ótima orientação. Mas quando há inovação de ruptura, ou-vir os clientes pode matar a empresa. eles jamais es-tarão dispostos a se deslocar para faixas de produtos mais simples e baratos. outro paradigma que merece cuidado é o da obrigação de aumentar a margem de lucro constantemente. vale quando a empresa está se movendo para a parte superior do mercado, mas paralisa a empresa que se move para a parte inferior do mercado, em que as margens são menores.

ib – Os cursos de negócios não favorecem a inovação?CC – Muitas vezes não, por causa da crença exage-rada nesses paradigmas. ensinamos que entender o consumidor é a chave do sucesso na inovação. não é verdade. o que precisamos entender é a tarefa que o consumidor quer que seja desempenhada. isso é que permite criar produtos. ensinamos também a determinar a importância da inovação em termos de valor presente, descontando-se o valor futuro do fluxo de caixa [veja esboço de gráfico na foto da pá-gina ao lado]. compara-se o custo de inovar com o custo de não fazer nada, partindo do princípio que haverá um aumento no faturamento com a inova-ção e um congelamento caso não se faça nada. É um erro: ficar parado leva à deterioração dos ga-nhos e não à sua perpetuação nas bases atuais. ou seja: o retorno da inovação é muito maior do que parece por esse cálculo furado. outra teoria equivo-cada é que os administradores de uma empresa são responsáveis por maximizar o valor do acionista.

ib – E não são?CC – não, embora toda escola de negócios no mun-do ensine que sim. esse é um paradigma defendido pelos economistas de uma maneira quase religiosa, mais forte nos estados Unidos e na europa, mas também presente nos outros países. nos anos 1960, uma pessoa que investia no mercado de capitais mantinha ações de uma empresa em média durante seis anos em sua carteira. naquela situação era possí-vel chamá-la de acionista. Mas ao longo do tempo os fundos de pensão cresceram muito, depois os fun-dos mútuos de investimento e agora os hedge funds [fundos de hedging]. a permanência média das ações na carteira dos fundos de pensão e de investimentos, que representam 55% dos negócios no mercado de capitais, é de dez meses. nos hedge funds, que repre-sentam 40%, é de 60 dias. ou seja, 95% dos negó-cios são realizados por investidores que mantêm as ações de sua empresa por muito menos tempo do que você. É possível chamá-los acionistas? não. É hora de dizer: você é um investidor e quer maximi-zar seu retorno. eu sou administrador, responsável por maximizar a saúde desta empresa no longo pra-zo. os dois objetivos são muitas vezes divergentes. o sistema antigo baseava-se na teoria do dono e do

Fundos mantêm ações por dois meses em

média. Não podem ser considerados acionistas

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EntrE vista

agente: para maximizar o retorno do dono, era pre-ciso dar incentivos ao agente, o administrador. Mas hoje o dono entrega seu dinheiro ao fundo de inves-timento. ou seja: o agente está lidando com outro agente. o conceito dono-agente é completamente obsoleto. e toda escola de administração e negócios no mundo se baseia nesse conceito.

ib – Quanto tempo vai levar para a academia desco-brir que está errada?CC – acho que a academia será a última a perceber o erro, porque é cada vez mais isolada e autocentrada. acadêmicos publicam para outros acadêmicos. defi-nem seu sucesso não pela descoberta da verdade, mas pela quantidade de artigos. em uma das publicações de maior prestígio nos estados Unidos, o Strategic Management Journal, cada artigo é lido em média por 12 pessoas. a progressão da carreira acadêmica, a conquista da estabilidade profissional, depende de publicar artigos. É um sistema quebrado.

ib – É possível esperar inovação de ruptura na academia?CC – acho que sim, mas a inovação de ruptura na academia está ocorrendo em universidades corpora-tivas. É para onde o treinamento dos administrado-res e gerentes está migrando e também onde a me-lhor pesquisa em negócios tende a ser feita. o reitor de Yale, uma das mais famosas universidades dos estados Unidos, foi recentemente contratado para dirigir a Universidade da apple.

ib – Como a inovação de ruptura pode ser aplicada a serviços?CC – Um bom exemplo está na área da saúde, que exploro no livro The Innovators Prescription [no brasil, Inovação na Gestão da Saúde, editora bookmark, 422 páginas , r$ 73]. a ideia básica é a mesma dos outros setores, a de que o crescimento no aces-so a um produto não vem de quem serve clientes mais ricos. sempre vem de baixo. não dá para esperar que hospitais reduzam custos e se tornem mais baratos. Mas é possível romper com o padrão atual por meio de tecnologia e reorganiza-

ção. Procedimentos que tradicionalmente são feitos em hospitais podem passar a ser feitos em pequenas clínicas. o que é feito em clínicas pode passar para o consultório médico. e o que se faz no consultó-rio, para a casa dos pacientes. em vez de reduzir o salário dos médicos, é preciso levar a tecnologia a enfermeiros. e também fazer com que os próprios pacientes e suas famílias possam fazer o que fazem os enfermeiros.

iC – O que o senhor espera do novo presidente dos Es-tados Unidos, Barack Obama?CC – eu sempre fui um republicano, no lado con-servador do espectro político. Mas tive uma grande desilusão com o partido, que não tem mais princí-pios e ideias. obama é uma pessoa confortável com ideias, disposta a ouvir e perguntar, a entender as razões de fundo de um problema. isso me torna otimista quanto à possibilidade de mudar o que foi um desastre absoluto no último governo. tudo o

que os estados Unidos sempre defenderam foi destruído. nós somos um grande país, mas eu viajo por todo o mundo e o que vejo é desprezo por nós. Uma tragédia. devo dizer que temo um pouco a confiança excessiva dos democratas na força do go-

verno para resolver os problemas, o que pode resultar em outros desastres. Mas o que posso dizer é que eu me sinto melhor agora do que antes das eleições.

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Escolas de administração ensinam

conceitos obsoletos. A academia se isolou

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Economistas afirmam que o enfrentamento da crise global exige redução radical na taxa básica de juros, além de outras medidas para garantir o consumo

por pAulo silvA piNTo

não há Mais dúvidas no Banco central do brasil quanto à contaminação do País pela crise global. na reunião do mês passado, o comitê de Política Monetária (copom) reduziu a meta para a selic, a taxa básica de juros, em um ponto percen-tual. É o primeiro corte desde o final de 2007, e a maior redução desde 2003. Mais que isso, o copom demonstrou em seu comunicado oficial e na ata da reunião que é o início de uma série de cortes na selic, ao constatar “influência contracionista” da demanda doméstica sobre a atividade econômica.

o problema, segundo economistas ouvidos por indústria brasileira, está na demora que houve até que se tenha chegado a essa conclusão. “o banco central deveria ter começado a reduzir a selic em dezembro, quando os fatores para isso já existiam”, afirma José roberto Mendonça de barros, da Mb associados (veja entrevista na página 22). na avalia-ção da cni, a política monetária brasileira foi equi-vocada ao apostar no binônio câmbio valorizado e juro alto. o câmbio já atingiu patamar mais realista. agora, os juros precisam ser reduzidos.

Mesmo com a queda para 12,75% na selic, o brasil mantém a taxa básica de juros mais alta entre os

países emergentes. turquia e rússia têm taxas nomi-nais mais elevadas, mas descontando-se a inflação de dois dígitos desses países, os juros reais caem para 3% no primeiro caso e pouco acima de zero no segundo.

“ironicamente, a única vantagem de ter mantido taxas de juros como as do brasil nos últimos anos é poder reduzi-las neste momento de dificuldades”, afirma gabriel Palma, professor de economia da Universidade de cambridge, que participou no mês passado de um seminário sobre desenvolvimento promovido pela Fundação getúlio vargas (Fgv) em são Paulo. Palma explica que nos países mais ricos a política monetária “perdeu aderência”, pois os juros já estavam bastante baixos no início da crise, no ano passado. restam a eles apenas ferramentas de política fiscal – por meio do aumento de gastos públicos – para tentar estimular a atividade econômica.

Palma defende que a taxa básica de juros no brasil seja reduzida a 3% descontada a inflação. “Mas com esse banco central que está aí, não sei se isso ocor-rerá”. o ex-ministro da Fazenda antonio delfim netto, presidente do conselho econômico do insti-tuto roberto simonsen, da Fiesp, tem a mesma ava-liação, tanto no que se refere à taxa desejável quanto

como podemos nos defender

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HA-JOON CHANG:

crise não levará ao aumento da

inflação e do protecionismo

à reduzida possibilidade de que seja implementada (veja entrevista na página 20). Palma prevê que mui-tos países emergentes, incluindo os da américa lati-na, chegarão a taxas reais próximas a zero dentro de um ano, o que se tornará um fator a mais de pressão para que o banco central avance nas reduções.

além do debate sobre o patamar que a selic po-derá atingir nos próximos meses, uma questão discu-tida intensamente é o tamanho dos cortes. embora o copom tenha optado por uma redução que não se via há cinco anos, a resposta é insuficiente segundo o professor da Pontifícia Universidade católica de são Paulo (PUc) antônio corrêa de lacerda, membro do conselho temático de Política econômica da cni. ele defende corte de três pontos percentuais da selic na próxima reunião do copom. “o maior desafio é evitar que a economia real continue a der-reter”, afirma. na avaliação de lacerda, a drástica redução na atividade econômica que vem ocorrendo desde o último trimestre de 2008 exige uma resposta no mesmo tom, para que se possa reverter as expec-tativas dos agentes econômicos.

Quem se opõe a cortes maiores na selic argumen-ta que há riscos para a estabilidade de preços no País, algo que a maior parte dos economistas ouvidos vê como erro de foco. “a última coisa com que o brasil deveria se preocupar hoje é com a inflação”, afirma Palma. segundo ele, é mais perigoso ter taxa anual de inflação de 5% em uma situação de aquecimento econômico do que algo em torno de 9% no atual quadro recessivo global. o ex-ministro da Fazenda da colômbia Jose antonio ocampo também afir-ma que o banco central do brasil não pode olhar exclusivamente para a inflação. Professor da Univer-sidade columbia, nos estados Unidos, ele sugere que o brasil se mire no exemplo do Fed, o banco central norte-americano. suas decisões não levam em conta apenas a manutenção da inflação baixa: desempre-go e taxas de juros de longo prazo também devem se manter em patamares razoáveis. não há números explícitos para nenhum desses objetivos, algo que ocampo considera positivo. ele critica o sistema de metas de inflação, adotado pelo brasil e por outros países, como inglaterra e chile.

outro professor de economia de cambridge, o coreano Ha-Joon chang, afirma que os que temem a volta da inflação levam em conta a estrutura econô-mica de décadas atrás. É o que diz também o ex-mi-nistro delfim netto, ao afirmar que a desvalorização do real frente ao dólar não contagiará os preços. “as instituições mudaram. a inflação respondia instan-taneamente porque os salários também se reajusta-vam de 30 em 30 dias”, nota delfim. chang afirma também ter segurança de que não haverá aumento considerável de medidas protecionistas. esse risco é frequentemente lembrado em função do que ocorreu em todo o mundo na depressão econômica dos anos 1930. “Hoje temos a organização Mundial do co-mércio. atingimos um ponto de não-retorno, tanto no que diz respeito à inflação quanto ao protecionis-mo”, afirma chang, que esteve no mesmo seminário a que Palma e ocampo compareceram na Fgv.

a política monetária está longe de esgotar o as-sunto do combate aos efeitos da crise global no brasil. discutem-se medidas para garantir a retomada do consumo, ou, pelo menos, evitar que se reduza ex-cessivamente. ocampo, da Universidade columbia, é defensor de medidas fiscais contracíclicas: em perío-

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PALMA: A única vantagem de ter mantido taxa de juros tão alta é poder reduzi-la agora

dos de crescimento, o governo deve poupar, reduzindo o impacto de gastos públicos sobre a demanda total do país. em momentos recessivos como este, porém, deve aumentar os gastos, sustentando a demanda. o princípio é o mesmo da política monetária, em que se influencia o consumo total de um país por meio das taxas de juros. Mas ocampo ressalva que é muito difícil garantir a primeira parte da equação em países latino-americanos: nos momentos de bonança, nin-guém poupa – a exceção foi o chile. “no caso do brasil, creio que as medidas contracíclicas agora de-vam se restringir à política monetária”, afirma. del-fim netto discorda. argumenta que a redução dos juros abriria espaço para o governo direcionar mais recursos a projetos de infraestruturas sem prejudicar o equilíbrio fiscal, afinal o serviço da dívida consome 8% do Produto interno bruto (Pib), em torno de r$ 170 bilhões. lacerda, da PUc-sP, defende a adoção de medidas contracíclicas em setores que estimulem o emprego, sobretudo a construção civil, não se restrin-gindo a obras de infraestrutura pública.

Para o ex-ministro da Fazenda luiz carlos bres-ser Pereira, um dos organizadores do seminário da Fgv, o governo pode garantir o consumo neste ano por meio da ampliação dos benefícios do seguro de-

semprego, que poderia ser estendido para além do atual limite de cinco meses. Mendonça de barros, que foi secretário de política econômica no governo Fernando Henrique cardoso, alerta, porém, para a necessidade de que qualquer medida contracíclica tenha “data de validade”, evitando que continue a pressionar o gastos públicos quando a crise estiver ul-trapassada. ele defende que o governo priorize medi-das que possam proporcionar ganhos de longo prazo para o País. Por exemplo, a pesquisa de novas fontes renováveis de energia.

chang, da Universidade de cambridge, afirma que o atual momento permite, ao menos, uma come-moração: o fim da hegemonia do pensamento eco-nômico ortodoxo, em que se confia na liberdade de ação das forças de mercado. no Fórum econômico Mundial, que ocorreu no mês passado em davos, na suíça, a valorização do papel do estado na formula-ção de soluções era perceptível. “o pêndulo se moveu e o poder voltou para os governos”, assinalou o fun-dador do fórum, Klaus schwab. a dúvida, porém, é quanto tempo isso irá durar, ressalva chang. “com a crise da Ásia, em 1997, também houve reavaliação do pensamento econômico. Mas isso durou só um ano: depois tudo voltou ao que era antes.”

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delfim netto

prosseguir nessa redução. vai voltar ao rame-rame de 50 pontos. É pouco provável que haja uma mudança. a rápida convergência do iPc-a e o do igP-M para 4,5% mostram que se está caminhando para uma expectativa de inflação muito bem ancorada, em torno de 4,5%, e que no ano que vem teremos preços administrados crescendo ao mesmo ritmo dos preços livres. com uma taxa real de 3% a 3,5%, como deveria ser, a selic deveria estar em 8%.

ib – Não haverá nenhum susto inflacionário que possa ser-vir de desculpa para suspender os cortes?DN – Haverá flutuações, mas não vejo possibilidade de aumento da inflação. de onde virá a demanda para isso? a oferta cairá um pouco, mas a demanda cairá muito mais.

ib – O aumento do dólar em relação ao real traz risco in-flacionário? DN – em 1998, os gênios que estavam aí diziam que se mexesse no câmbio, iria explodir a inflação. Mas não explodiu. essa ligação não é direta, como era no passado. as pessoas se esqueceram de que as instituições muda-ram completamente. a inflação respondia instantanea-mente porque os salários também se reajustavam de 30 em 30 dias.

ib – Não há risco de retorno à indexação?DN – temos de fugir da indexação de todas as formas. Quando mais flexível for a economia, melhor será para o futuro. Hoje nós temos uma situação difícil, mas a solu-ção de cada problema tem de ser feita levando em conta o longo prazo. não podemos fazer nada hoje que enges-se o mercado e torne o crescimento mais difícil daqui a um ano. ao contrário do que parece, a indexação não protege o governo ou o trabalhador. a indexação funcio-na quando não há choque de demanda, mas como nós vivemos permanentemente com choques, é melhor ficar longe disso.

Juro deveria ser 3% ao anoSegundo o ex-ministro da Fazenda, é necessário avançar nos cortes da taxa básica e garantir que o governo consiga investir em infraestrutura

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indústria brasileira – O corte de um ponto percentual na Selic determinado pelo Banco Central foi na medida certa?Delfim Netto – É difícil dizer. Para o meu gosto foi menos do que deveria. É preciso que a gente entenda de uma vez que o brasil não é uma economia teratoló-gica que exige a maior taxa real de juros do mundo. e o que é pior: fizemos o maior aumento da taxa básica depois do início da crise. Perdemos a oportunidade de ter reduzido mais cedo. esse processo não é exclusivo da administração atual do banco central. vem de muitos anos. desde o erro inicial do financiamento, na crise de 1987, da dívida interna brasileira com papéis vinculados à selic. isso foi corrigido aos poucos, e hoje em dia temos metade da dívida vinculada à selic. agora há uma boa razão para avançarmos um pouco e voltarmos para uma taxa de juro real parecida com 6%. na minha opinião a taxa de juro real não pode ser maior do que 3%. Há alguns problemas, porque 6% é a taxa da caderneta de

poupança. Mas isso deve ser enfrentado e resolvido. não tem cabimento um país que tem uma dívida interna líquida da ordem de 35% do Pib [Produto inter-no bruto] gastar 8% do Pib com juros. É a coisa mais escandalosa que já se ou-

viu. suspeito que haja 4% de juros que poderiam ser transformados em

investimentos públicos, em infraestrutura.

ib – Isso é o que deveria acontecer. Mas com toda sua experiência em polí-tica, o que acha que vai acontecer?DN – se as coisas não piorarem demais, o banco central não se assustará sufi-cientemente para

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ib – além de mexer nos juros, é necessária alguma mudança no modelo econômico do País?DN – esse modelo que usamos é um modelo canônico, não é uma invenção do brasil. nasceu no mundo, nos anos 1980. estabelece que se mantenha uma política fis-cal cuidadosa, um controle na relação dívida/Pib, com superávits fiscais adequados. É preciso também ter uma política monetária feita por um banco central autôno-mo, crível, que possa estabilizar expectativas inflacionárias e manter o câmbio flexível. só que a condição para isso funcionar é ter uma taxa de juros interna que seja igual à taxa de juros externa. esse é o problema fundamental, que produz todos os outros desequilíbrios. Quando se corri-gir isso, teremos o melhor sistema, algo que funciona no mundo inteiro.

ib – E a adoção de medidas contracíclicas, do ponto de vista fiscal?DN – acho correto. Mas o que isso significa? cortar o custeio da máquina pública. Quem não tem medo do fu-turo no brasil é o funcionário público, montado em um salário que é maior do que o do setor privado, e com uma aposentadoria que é dez vezes maior do que a do setor privado. eles podem ter seus rendimentos diferidos. se o governo já deu aumento, deve congelar o aumento. e voltar a aumentar quando o brasil realmente estiver cres-cendo. diferir o imposto de renda e o icMs como foi feito, isso ajuda, porque dá capital de giro para a empresa. diferir o ir sobre salário ajudaria o trabalhador. tudo isso é condição necessária. a condição suficiente, para o circuito econômico voltar a funcionar, é restabelecer con-fiança. aqui é que há uma distinção fundamental entre o que está acontecendo no brasil e o que está acontecendo no resto do mundo. a crise atual não é igual às outras, em que o banco central providenciava uma crise para reduzir inflação ou déficit em conta corrente. só com a política monetária e fiscal, você acabava recuperando o nível de atividade e corrigindo os efeitos.

ib – Agora os botões não estão aqui?DN – agora não. nós temos um sistema financeiro hí-gido. a morte súbita se deu lá fora, com a intervenção do lehman [brothers, banco norte-americano]. aqui fal-tou agilidade do banco central para entender do que se tratava. É claro que não podemos substituir todo crédito externo do setor importador e exportador. e o funding

externo que tinha para o setor financeiro brasileiro. Mas poderia ter substituído com muito maior velocidade do que está substituindo.

ib – Com que tipo de medida?DN – com as reservas internacionais é possível dar tran-quilidade para essa gente. você deveria dar um conforto para o sistema bancário muito maior do que deu. e não distinguir banco grande de banco pequeno. e muito me-nos ficar induzindo que banco oficial é melhor do que banco privado. tudo isso só aumenta a desconfiança. nós vamos pagar o preço de estar no mundo do mesmo jeito que tivemos durante muito tempo o bônus de estar no mundo. Mas poderíamos pagar um preço menor.

ib – É correta a avaliação de que a autonomia do Banco Central é a razão pela qual os juros ainda estão altos?DN – não, o problema não está aí. está no fato de que o banco central usou sistematicamente, de modo oportu-nista, a taxa de juros real para manter o câmbio valorizado como instrumento de combate à inflação. o movimento de capitais é uma coisa perfeitamente razoável quando há desequilíbrio em contas correntes e então o juro interno aumenta um pouco. não quando você usa o juro real como instrumento para valorizar o câmbio.

ib – Teria sido possível manter a inflação no patamar dos úl-timos cinco anos, ou algo próximo disso, com juros menores?DN – Provavelmente, sim. Pelo seguinte: está evidente hoje que a inflação que nós tivemos era importada. nun-ca se conseguiu provar que era excesso de demanda. só se prova isso com hipóteses cabeludas. o velho Pareto [economista italiano 1848-1923] dizia que com hipóteses convenientes você prova qualquer coisa.

ib – Medidas contracíclicas são importantes para reativar a economia?DN – sim. estamos em uma situação fiscal bastante con-fortável. Mas não é conveniente elevar a dívida pública. Por isso, é melhor sacrificar o custeio e reduzir o juro real e concentrar-se na infraestrutura. Mas a coisa mais im-portante é não só dizer que vai investir. É investir. o que exige uma melhora considerável da máquina do governo.

ib – Isso é possível no final de um governo?DN – ou acontece, ou o governo se estrepa.

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José roberto mendonçA de bArros

calma e determinação. É preciso verificar se o quadro atual se mantém ao longo do ano, com a demanda fraca e com os preços caindo em dólar e até mesmo em real. grandes degraus para a redução dos juros não são recomendá-veis. se a selic chegar a 10% com inflação de 4,6% teremos juros reais de menos de 6%, o patamar mais baixo a que o País chegou em muito tempo.

ib – Mas se a Selic caísse mais rapidamente, o crescimento econômico não seria maior?JRmb – o crescimento da demanda depende mais de outras coisas do que da selic. a taxa de juros futuros já está em 11% anuais. do ponto de vista da indústria, o mais relevante neste momento é aumentar a capacidade de crédito na praça. É possível fazer isso com novas linhas do bndes [banco nacional de desenvolvimento econômico e social]. outra medida possível, que se tem discutido, é o au-mento no limite do uso do Fgts [Fundo de garantia do tempo de serviço] para a compra de imóveis, algo que poderia favorecer a cons-trução civil.

ib – Políticas contracíclicas, com aumento dos gastos públicos, são recomendáveis neste momento?JRmb – em tese sim. Mas é preciso levar em conta que o governo federal já tomou decisões no passado que comprometeram de modo permanente a folga fiscal. e neste ano não haverá aumento na arrecadação. Há ain-da espaço para medidas keynesianas [como

o mais importante é a ampliação do créditoPara o ex-secretário de política econômica, garantir que empresas tenham acesso a financiamento tem maior relevância do que reduzir a taxa básica de juros

thaïs Falcão

indústria brasileira – O corte de um ponto percentual na Selic determinado pelo Banco Central foi na medida certa?José Roberto mendonça de barros – Para uma única reunião, está ótimo. nós, da Mb associados, esperamos redução de mais dois pontos percentuais até dezembro, de modo que a selic encerre o ano em 10,75%. não faz o menor sentido que a taxa não caia de forma apreciável, afinal a atividade econômica está se contraindo. a inflação [medida pelo Índice de Preços ao consumidor amplo, iPca-a]

deverá ficar em 4,6% neste ano, ou seja, converge para a meta de 4,5%. a re-

dução de um ponto percentual na selic é um bom começo. na verda-de, porém, isso deveria ter ocorri-do em dezembro passado, quando já havia os fatores para fazer o que acaba de ser feito. Mas não vale a

pena se debruçar sobre o passado.

ib – O corte na Selic poderia ter sido

maior na última reunião do

Copom?JRmb – eu gostaria de ver a taxa básica che-gar a 10%.

Mas isso deve ser feito com

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as previstas pelo economista britânico John Maynard Keynes, 1883-1946], mas é necessá-rio que sejam medidas com data de validade e que, de preferência, aumentem a capacidade competitiva do País.

ib – Que tipo de medidas podem ser imple-mentadas?JRmb – Há três tipos de medidas nessa li-nha. Um deles é reduzir impostos. o governo fez isso com o iPi [imposto sobre Produtos industrializados] dos automóveis. o corte foi integralmente repassado pela indústria ao consumidor e resultou no aumento das ven-das de carros em janeiro; mas eu não acho que exista muito espaço para novos cortes por conta da tendência de queda da arre-cadação tributária. outro tipo de medida é investir em conhecimento, em pes-quisa; investir na energia eólica, por exemplo, que não é competitiva atualmente, mas poderá vir a ser, ajudando o País a se desenvolver. eu não vejo o governo destinar recursos para esse tipo de atividade. em terceiro lugar, há os in-vestimentos em infraestrutura, que deveriam ser maiores. Mas nessa área o que se vê não é escassez de recursos e sim falta de capacidade de execução. o pior é que isso tende a piorar ainda mais. o leilão das ferrovias deixou de ocorrer porque as empresas não conseguiram crédito [no dia 16 de janeiro, o leilão de tre-chos da ferrovia norte-sul e bahia oeste foi suspenso por temor do governo de que faltas-sem compradores]. situações assim podem ser evitadas no futuro por meio de linhas espe-ciais do bndes, por exemplo.

ib – Serão necessárias, portanto, outras medi-das do governo para evitar que o ambiente se deteriore ainda mais?JRmb – sim, sem dúvida. as grandes empre-sas não conseguem crédito no exterior e estão vindo para dentro do brasil, ocupando o espa-

ço das médias e pequenas. isso aconteceu com a Petrobras no final do ano passado. Mas o fe-nômeno não se limita à estatal: até mesmo em-presas multinacionais estão procurando crédito aqui por não conseguirem fora. É um processo de crowding out no qual a competição se dá não entre setor público e setor privado, como ocorre tradicionalmente, mas entre grandes e pequenas empresas. eu nunca vi algo assim em 31 anos de atuação da Mb associados.

ib – A crise global tende a se agravar?JRmb – infelizmente sim. as notícias ruins parecem não acabar, como se vê neste início de ano. Quando começou a crise, em outubro

do ano passado, falava-se que em 2009 o crescimen-to do Pib [Produto inter-no bruto] dos países mais desenvolvidos ficaria em 0,5%. depois falou-se em queda de 2%. agora já se espera algo pior ainda. em

alguns países como a inglaterra, a queda po-derá chegar a 3,5%.

ib – Qual sua previsão de crescimento para o Brasil?JRmb – Fizemos uma estimativa na Mb as-sociados de um teto de 2% para o crescimento do Pib neste ano, mas estamos em proces-so de rever esse número para baixo. o que deve garantir desempenho positivo é o carry over [carregamento] do crescimento do ano passado. o salário mínimo terá aumento de 12,5%, já definido em lei, o que resultará em aumento real, ainda que modesto. ao leitor da indústria brasileira, eu recomendo que não se apavore e que mantenha a cautela, particu-larmente quanto à gestão financeira. as em-presas em geral e as industriais em particular devem manter orçamento realista e ter muito cuidado com o caixa. em alguns casos, será necessário à empresa encolher, mas isso pre-cisa ser feito sem prejudicar a capacidade de crescimento de longo prazo.

Há espaço para medidas keynesianas

desde que tenham prazo de validade

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tEndência s Econômica s perspeCtiVAs

crise se agrava e atinge mercado de trabalhoQueda nas vendas, na produção e no índice de confiança do empresário industrial, o qual atingiu o menor nível desde de 1999, indicam que os ajustes vão continuar

por Flávio cAsTElo BrANco E mArio sérGio cArrAro TEllEs

a cr ise gloBa l a lcançou a econoMi a brasileira com intensidade nos últimos meses do ano e atingiu rapidamente o mercado de trabalho, apesar de a taxa de desemprego ter chegado ao me-nor nível dos últimos tempos. a nova série histó-rica atingiu o mais baixo valor, tanto para a média do ano como para o mês de dezembro. Mas esse comportamento não deverá se repetir em 2009.

os efeitos da crise global na economia brasilei-ra têm se manifestado de forma intensa. a retra-ção da atividade industrial registrada nos indica-dores de novembro foi bastante expressiva. tanto os dados de produção física do instituto brasilei-ro de geografia e estatística (ibge) como os de faturamento e horas trabalhadas na produção da cni registraram forte recuo. a produção física na indústria de transformação caiu 4,9%; as horas trabalhadas, 1,5%; e o faturamento real, 9,9% na comparação com outubro, considerando os dados ajustados para a sazonalidade.

a retração inédita na disponibilidade de cré-dito no mercado financeiro internacional e a per-cepção de que a recessão mundial será severa e duradoura reduziram de forma drástica e rápida a demanda mundial por um conjunto de produ-tos. adicionalmente, a deterioração no mercado de crédito doméstico provocou um ajuste expressivo em setores importantes da indústria. os segmentos mais afetados – produtos siderúrgicos, máquinas e equipamentos, veículos e produtos da alimenta-ção – são aqueles que vinham sendo os principais responsáveis pelo forte ritmo de produção ao longo de 2008. as novas condições de demanda nos mer-cados nacional e internacional, que levaram à que-da de preços e semiparalisia em alguns mercados, explicam por que o ajuste ocorreu de forma brusca, antecipando impactos que normalmente ocorre-riam apenas com defasagem de alguns meses.

diante desse novo cenário para as economias brasileira e mundial, a confiança empresarial foi

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Vendas Reais

Produção Física

FONTE: CNI E IBGE

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fortemente afetada. o Índice de confiança do empresário industrial (icei) relativo a janeiro, levantado pela cni, recuou para 47,4 pontos, o valor mais baixo desse indicador desde janeiro de 1999.

a perda de confiança reflete principalmente a situação da economia brasileira e não a avaliação do industrial em relação a seu próprio negócio. o indicador da situação corrente da economia brasileira recuou para 36 pontos, nível não al-cançado mesmo em outras situações de crise como em 1999 ou 2003, outros momentos de forte recuo na confiança.

esse quadro de forte retração nas vendas e na produção, e as expectativas negativas com relação a uma possível reversão provocaram o início mais cé-lere dos ajustes no mercado de trabalho. ainda no mês de novembro, quando o número de empregos geralmente cresce, o cadastro geral de emprego e desemprego (caged) do Ministério do trabalho registrou a perda de cerca de 41 mil empregos for-mais. em dezembro o número de empregos for-mais fechados chegou a 655 mil, mais que o dobro do observado no ano anterior.

as informações mais recentes seguem apon-tando para a continuidade do quadro de ajuste. a deterioração de expectativas, continuidade na

índice de confiança do Empresário industrialResultado trimestral

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FONTE: CNI

redução da demanda e revisão de planos de inves-timento devem determinar retração da produção nos primeiros meses de 2009. dessa forma, a de-terioração das condições do mercado de trabalho deve se acentuar. segundo a Sondagem Industrial da cni, a expectativa dos empresários do setor industrial é de redução no número de emprega-dos nos próximos meses. Mais do que isso, o ín-dice que mede a expectativa dos empresários com relação ao emprego nos próximos meses atingiu seu menor patamar desde o início da série histó-rica, em 1999.

Há expectativas, contudo, de que o processo de ajuste se limite ao primeiro semestre e a economia inicie um processo de recuperação em meados do ano. esse cenário pressupõe que as ações de política econômica já implementadas e a continuidade do relaxamento da política monetária nos próximos meses venham a ter impacto significativo sobre a demanda doméstica.

ainda assim, a dinâmica da recuperação da economia depende da evolução da economia mundial. em um cenário de recessão mais longa e duradoura, a retomada da atividade econômica e, consequentemente, do mercado de trabalho no brasil tenderão a ser mais lentas, com extensão do período de baixo crescimento.

26 indústr i a br asileir a Fev er eiro 200926 indústr i a br asileir a Fev er eiro 2009

FábriCA de equiPAMeNtOs de iLuMiNAçãO com cristal líquido na China: país investe para se diferenciar com produtos inovadores e não apenas com custos baixos de produção

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Por onde anda a inovaçãoGrandes empresas globais enfrentam dificuldades para promover e financiar a pesquisa tecnológica, e tendem a perder espaço para as concorrentes, principalmente nos países emergentes

coM a gloBalização veio o declínio do domínio dos estados Unidos na manufatura, ener-gia e até mesmo no setor financeiro. agora até mes-mo a capacidade de inovação das empresas norte-americanas parece estar em perigo. a china tem sido motivo de inveja no ocidente mais por sua tenacidade do que por sua engenhosidade. Mas o país está criando uma estrutura que, ao longo de alguns anos, deverá torná-la mais inovadora e, por-tanto, mais competitiva. cingapura fez o mesmo. a Finlândia juntará sua principal escola de negó-cios à escola de design e de tecnologia para formar uma “universidade da inovação” multidisciplinar no ano que vem.

na academia nacional de ciências e na acade-mia nacional de engenharia a preocupação é gran-

de, e não é de hoje. relatório de 600 páginas das duas academias nacionais publicado em 2007 com o título Para vencer a tempestade que se aproxima afir-ma que “o enfraquecimento da ciência e da tecnolo-gia nos estados Unidos pode degradar as condições sociais e econômicas do país e, de modo particular, comprometer a capacidade dos seus cidadãos de competir por empregos de maior qualidade”.

com a crise econômica iniciada no ano passa-do, os temores cresceram. avalia-se que empresas, o governo e o mundo acadêmico vão estar menos dis-postos a correr riscos e a trabalhar com os custos de curto prazo que acompanham o território da ino-vação. Mas há também quem veja oportunidades no novo cenário. É a opinião do diretor de pesqui-sas do Mack center for technological innovation,

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Paul schoemaker. “a crise tem impactos variados. os prejuízos vão instalar, num primeiro momento, uma mentalidade de corte de custos, o que não é bom para a inovação. Mas é assim mesmo: quando o paciente está sangrando, primeiro é preciso estan-car a hemorragia. em seguida, começa uma fase em que os líderes procuram saber que partes do seu modelo de negócios não vão bem, talvez até mesmo por serem insustentáveis. daí poderá decorrer a re-estruturação e a reinvenção.” o Mack center, que schoemaker dirige, faz parte da wharton, escola de negócios da Universidade da Pensilvânia.

schoemaker adverte, porém, contra o excesso de precaução, que pode resultar em dependência exagerada da inovação incremental em detrimento de uma inovação transformadora, ou de ruptura. esses dois tipos de inovação são conhecidos como “i pequeno” e “i grande”. “os maiores ganhos de uma empresa provêm das inovações mais ousadas, que desafiam os paradigmas da empresa e do mer-cado”, aponta schoemaker.

embora a inovação de ruptura tenha se torna-do um termo conhecido nas empresas há apenas uma década, aproximadamente, a ideia é antiga. o economista austríaco Joseph schumpeter (1883-

1950) a tinha em mente quando criou a expressão “destruição criativa” para expor suas teorias sobre o modo pelo qual o empreendedorismo serve de es-teio para o sistema capitalista.

a dúvida que resta hoje é como convencer os investidores ou os altos escalões de uma empresa do valor de uma idéia radical. se há alguém que sabe como levar ao mercado as inovações de rup-tura é Jeong Kim, presidente do bell labs, insti-tuição de pesquisa que faz parte da empresa global alcatel-lucent, e um bem-sucedido empreende-dor do segmento de tecnologia. Kim apresentou algumas sugestões no programa de Mestrado exe-cutivo em gestão de tecnologia da wharton. o tema do ciclo de palestras é “alinhando tecnologia e empresas emergentes”.

Kim alerta para o fato de que não basta simples-mente a empresa contar com engenheiros brilhan-tes. se não houver gestão competente, a tecnologia mais refinada pode acabar na lata de lixo da história corporativa. ou pior, pode acabar nas mãos da con-corrência: “a inovação de ruptura não é suficiente”, diz Kim. “Podemos citar numerosos exemplos de empresas que introduziram novas tecnologias, mas ficaram para trás, suplantadas por outras.”

NA áreA de biOteCNOLOGiA,

a pesquisa de ponta é realizada

por pequenas empresas,

que acabam compradas

por grandes indústrias

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na linguagem da inovação, essas “outras” são conhecidas como “seguidoras velozes” – empresas com maior saúde financeira ou administração mais ágil, que conseguiram explorar uma tecnologia de maneira mais rápida e eficaz no mercado do que seu criador original. com isso, chega-se à seguinte questão: qual o melhor modelo de negócio para pro-mover a inovação? existem numerosas ferramentas de tomada de decisão para auxiliar as empresas a administrarem sistematicamente os programas de inovação, observa schoemaker, coautor do livro Wharton e a gestão de tecnologias emergentes.

de acordo com schoemaker, considerando-se a alta incidência de projetos de inovação, seria bom que as empresas trabalhassem com uma série de si-tuações e contingências possíveis, em vez de colocar todas as suas esperanças em um plano apenas. Fazer as coisas sempre do mesmo jeito parece ser um bom clichê corporativo, afinal funcionou bem para mui-tas empresas que sobreviveram à era pontocom.

schoemaker, porém, e outros gurus da inova-ção advogam a importância de avaliar as áreas pró-ximas ao principal negócio da empresa. estratégias antigas e lineares que confiam apenas em esque-mas de mensuração convencionais são em geral ultrapassadas, portanto não devem ser a única fon-te de recursos da empresa. “ao examinar a lacuna de crescimento da empresa, desenvolver cenários, explorar áreas adjacentes e se aventurar mais em ‘oceanos azuis’, as empresas tendem a colher mui-to mais benefícios”, diz schoemaker. a expressão “oceano azul”, no jargão da inovação, corresponde a mercados desconhecidos e, portanto, ainda não disputados – quem consegue conquistá-los passa a ter demanda livre de concorrência.

a professora de administração da wharton Mary benner diz que a acomodação dificulta a resposta das empresas de grande porte às ameaças da concorrência. “investidores e analistas muitas vezes preferem que as empresas maximizem o va-lor gerado para o acionista fazendo as coisas do jeito que sempre fizeram. o resultado é que em-presas de grande porte, principalmente as que to-dos esperam que tenham lucros e distribuição de dividendos estáveis e previsíveis, dificilmente serão bem vistas pelo mercado acionário por introduzir

novas tecnologias ou inovações radicais. Pelo con-trário, serão punidas com a redução dos preços de suas ações e em seu valor de mercado caso persi-gam esse objetivo.”

benner cita como exemplo típico disso em sua pesquisa o caso da verizon communications, uma companhia peso-pesado do setor de telecomunica-ções. analistas do mercado de ações questionaram o desembolso para a compra da Fios, uma rede de fibra ótica para os segmentos de tv a cabo, inter-net de alta velocidade e serviço telefônico voiP.

“Pesquisas recentes indicam que o mercado acionário não reage bem a inovações intangíveis e de uso incerto e às mudanças tecnológicas”, diz benner. “Para empresas de grande porte de capital aberto, isso significa que talvez fiquem em desvan-tagem se decidirem incorporar alguma inovação radical. essa inovação é bem-vinda em empresas novas financiadas pelo capital de risco.”

outro obstáculo à inovação é interno: o suces-so, que cria paradigmas e não deixa espaço para que o pensamento novo floresça. Kim, da whar-ton, refere-se a essa situação como “maldição do conhecimento”. a formação de equipes com indiví-duos de campos distintos “é uma forma de quebrar

JOsePH sCHuMPeter: criador da ideia de destruição criativa, que resultou na da inovação de ruptura

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essa maldição”, diz ele. também se podem formar “duplas mistas”, em que um profissional experiente se associa a um indivíduo com muito pouca expe-riência, porém dotado de uma perspectiva original quanto à forma de resolver os problemas.

Para vencer os obstáculos à pesquisa, a terceiri-zação da inovação poderá se tornar moda num fu-turo não muito distante. “É notória, principalmen-te no segmento farmacêutico, a disposição com que as grandes empresas incorporam inovações já introduzidas por empresas pequenas de capital fe-chado, por exemplo no setor de biotecnologia”, diz benner. “É provável que boa parte das inovações realmente radicais migre das grandes empresas para as pequenas.”

a busca de fontes externas remete à chamada “inovação aberta”, conforme explica o professor de marketing da wharton georges day, codire-tor do Mack center. ele é também um dos auto-res de Wharton e as tecnologias de gestão emergen-tes. a inovação aberta, também conhecida como crowdsourcing (literalmente “fonte na multidão”),

pressupõe o trabalho em conjunto entre parcei-ros para a resolução dos problemas da empresa.

Um grande exemplo do modelo de inovação aberta é a innocentive, de waltham, Massachu-setts. a empresa estabelece o contato entre indiví-duos dentro da empresa com problemas nas áreas de ciências, engenharia e negócios com pessoas espalhadas pelo mundo todo e em condições de resolvê-los. essas pessoas oferecem ajuda em tro-ca do direito de notoriedade e prêmios simbólicos. “a maior parte das empresas não está em busca de uma inovação espetacular que lhes permita um avanço surpreendente. Querem é a solução rápi-da de uma parte específica de um quebra-cabeças maior”, diz day.

o termo “tecnologia de ruptura” difundiu-se em fins dos anos 90 depois do lançamento do li-vro O dilema do inovador, do professor da Harvard business school clayton christensen (veja entre-vista na página 10). na prática, porém, bell labs, que fica no estado norte-americano de new Jersey, serviu de incubadora para as inovações que mu-

O beLL LAbs, dirigido por Jeong

Kim, continuará a investir em

tecnologia de ponta, mas cortou

verbas para pesquisa básica

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Republicado com autorização de UniversiaKnowledge@Wharton (http://wharton.universia), o jornal on-line sobre pesquisa e análise de negócios de The Wharton School of University of Pennsylvania. A Wharton mantém parceria com o IEL para a formação de executivos.

daram vários paradigmas desde sua fundação em 1925, fruto de uma joint venture entre a at&t e a western electric.

Pesquisadores do bell labs ganharam seis prê-mios nobel e foram responsáveis por descobertas que nos levaram a novos patamares tecnológicos. eles inventaram a célula fotovoltaica, o transistor de silício, o controle do processo estatístico, o sis-tema operacional Unix, a linguagem de programa-ção c, a tecnologia digital para celular e redes de área local sem fio.

Hoje, segundo Kim, os pesquisadores do bell labs trabalham com tecnologias igualmente revo-lucionárias. eles estão desenvolvendo, por exem-plo, um sensor líquido que pode tomar qualquer forma mediante a aplicação de voltagem – Kim prevê que o sensor possa ser utilizado como uma lente com zoom. o laboratório também recorre à nanotecnologia para criar animações holográficas em três dimensões, como as que se veem em filmes de ficção científica.

coNTrA A EsTAGNAçÃo

Kim foi responsável, há algum tempo, por condu-zir uma experiência na alcatel-lucent sobre como injetar o espírito de inovação de ruptura em uma cultura estagnada. o laboratório de redes óticas da lucent havia tido um desempenho terrível e a em-presa demitira os principais gerentes da unidade. “eu sabia perfeitamente a razão pela qual eu havia sido posto ali: ninguém queria fazer o que eu teria de fazer, e eles precisavam de alguém em quem pôr a culpa”, disse Kim.

a divisão estava prestes a ser fechada, com re-sultados financeiros decepcionantes. Kim fez uma faxina na equipe de gestão e levou os sobreviventes para um local distante utilizado para a prática de rafting em corredeiras. “a primeira coisa que todo mundo diz numa situação dessas é ‘Para que tudo isso?’ Pouco depois vem o tédio.” o exercício, cuja finalidade é promover o trabalho em equipe e a co-

operação, foi idealizado por um psicólogo. em vez de se ajudarem mutuamente, os gerentes usavam os remos para jogar água uns nos outros, “como se fossem crianças”.

a experiência psicológica não terminou com o fim do rafting. “depois de seis ou sete horas de exercício, estavam todos cansados.” naquela noi-te, durante o jantar, aqueles executivos deixaram de lado a postura “profissional” com que haviam chegado ao local e passaram horas aprendendo uns sobre os outros.

no dia seguinte, houve novamente várias ses-sões em que se discutiram estratégias. depois, mais rafting. no entanto, segundo Kim, a interação foi mais genuína e produtiva do que no dia anterior, em que os participantes não passavam de quase es-tranhos. no primeiro trimestre posterior ao evento, diz Kim, as receitas do grupo saltaram para Us$ 510 milhões; no trimestre seguinte, para Us$ 560 mi-lhões; depois, Us$ 730 milhões e Us$ 970 milhões. Moral da história: “o trabalho em equipe é funda-mental para o sucesso de qualquer empresa.”

nem mesmo o célebre bell labs, porém, pa-rece estar imune hoje à pressão de produzir uma tecnologia que seja rapidamente utilizável. em uma atitude que chocou o mundo da ciência, a alcatel-lucent cancelou há seis meses o financiamento para pesquisas em física básica do bell labs. Funcioná-rios da empresa disseram que tomaram a decisão com o objetivo de aproximar mais o laboratório dos interesses comerciais da matriz nos segmentos sem fio, ótico, de redes e da ciência da computação. ou, como disse Peter benedict, porta-voz da alcatel- lucent, à revista Wired, em agosto: “no novo mo-delo de inovação, a pesquisa deverá sempre acom-panhar as necessidades dos controladores.”

a pesquisa básica lida com a questão mais fun-damental da ciência e não tem nenhuma aplicação direta. ao mesmo tempo, lançou os fundamentos da maior parte das tecnologias de que desfrutamos hoje, como a aviação comercial, o gPs e os vários tipos de laser.

32 indústr i a br asileir a Fev er eiro 2009

a ecologia das exportaçõesAlgodão da Paraíba que já brota colorido é exportado para dez países. Mas produção brasileira de orgânicos ainda está aquém da demanda internacional

por dANiElA schuBNEl E GilsE GuEdEs

eM Meio à recessão que atinge grande parte dos países desenvolvidos, há um tipo de produto cujas vendas não param de cres-cer: orgânicos que trazem a garantia de res-peito a todos os atores da cadeia produtiva, em geral situados em comunidades de baixa renda. esses produtos, conhecidos também como ecossociais, têm tido aumento anual de 15% a 20% nas vendas – estima-se que com o agravamento da crise no ano passado os números tendam a ser menos exuberan-tes, mas o crescimento continua. Produtores brasileiros têm aproveitado pouco as opor-tunidades desse mercado, mas isso começa a mudar, graças ao apoio de programas do sistema cni.

a coopnatural, uma cooperativa de pro-dutos têxteis cuja base é o algodão, já apren-deu a lição. criada no ano 2000, em campina grande (Pb), na Paraíba, como consórcio na-tural Fashion, ainda hoje uma marca vincu-

lada à entidade, a cooperativa se qualificou, cresceu e obteve excelência na produção de um algodão naturalmente colorido, graças às características da região em que é cultivado, entre a Paraíba e o rio grande do norte. É ali que brota o algodão do tipo seridó, considera-do único no mundo, pela alta resistência, que resulta em tecidos mais finos e sofisticados, e pela diversidade de tons, que permitem a pro-dução de roupas sem nenhum tingimento.

com ajuda da embrapa e de ongs liga-das à agricultura, a coopnatural tem uma produção hoje totalmente orgânica e ecosso-cial. a parceria de entidades como iel, cni, Fiep, da Paraíba, serviço brasileiro de apoio às Micro e Pequenas empresas (sebrae) e agência brasileira de Promoção de expor-tações e investimentos (apex), entre outras, ajudou a cooperativa a obter três certificações reconhecidas internacionalmente, e a traba-lhar para conseguir mais duas. também au-

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responsAbilidAde CorporAtiVA

xiliou no desenvolvimento de um projeto de franquias, dentro do âmbito do Procompi, da cni, cuja consolidação terá início neste ano, com a abertura de três lojas: em João Pessoa, são Paulo e no interior paulista, em são José do rio Preto. a parceria ainda ajudou a levá-la a participar das principais feiras internacionais de orgânicos, com des-taque para a biofach, que nasceu na alema-nha e hoje está no Japão, estados Unidos e brasil.

a participação em feiras internacionais, que aumenta a cada ano, somada à obtenção das certificações que garantem a excelência do produto e a conformidade com os padrões internacionais de agricultura orgânica e co-mércio justo, levaram a coopnatural a um boom de exportações: em um ano a coopera-tiva passou de uma inserção que se limitava a três países europeus para passar a exportar com força para dez países de três continentes: Portugal, espanha, França, itália, inglaterra, alemanha, dinamarca, estados Unidos, Ja-pão e coreia do sul.

“antes das certificações as exportações eram 5% das nossas vendas, hoje chegaram a 40%”, conta a designer Maysa gadelha, que fundou a natural Fashion e preside a coop-natural e o sindicato das indústrias de con-fecção (sindivest) da Paraíba. só na itália, as vendas têm 100% de aumento anuais, nos úl-timos quatro anos. em 2009, as exportações deverão chegar a taiwan e ao canadá. além disso, a coopnatural aumentou sua inserção nos estados Unidos, onde seus produtos po-dem ser comprados na califórnia, nos esta-dos do centro do país e na Flórida. com isso, o crescimento das vendas da cooperativa tem sido próximo a 40% anuais, nos últimos dois anos: a coopnatural fechou 2008 com um fa-turamento de r$ 3 milhões.

cErTiFicAçõEs iNTErNAcioNAis

a primeira certificação foi concedida pela embrapa, que garante a qualidade da se-mente e do produto (fios de algodão) uti-lizados pela coopnatural. as outras duas

O ALGOdãO seridÓ é cultivado em áreas próximas à divisa entre a Paraíba e o rio Grande do Norted

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34 indústr i a br asileir a Fev er eiro 2009

O conhecimento do universo de orgânicos no Brasil ainda é incipiente, mas deverá estar consolidado até o final deste ano. O processo de regulamentação do setor teve início com a aprovação, no ano passado, da Lei 10.831. Além da lei, já foram baixados um decreto e duas instruções normativas sobre o tema, e mais três entrarão em vigor neste mês. “Todas as empresas produtoras de orgânicos têm até o final do ano para se adequar às normas. Quem não estiver regular não vai mais poder vender seu produto como orgânico”, avisa o coordenador de Agroecologia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Rogério Dias. “Teremos, então, estatísticas verdadeiras sobre o setor. Temos certeza de que a realidade é muito superior aos números conhecidos.”

O Ministério da Agricultura estima que existam 15 mil produtores de orgânicos no Brasil. O único estado que fez um

levantamento oficial é o Paraná, que soma mais de 4.000 produtores, o que para Dias é uma indicação de que a estimativa nacional é baixa. “Os dados do Paraná sugerem que um único estado possui mais de um terço da produção de orgânicos brasileira, mas, provavelmente, quando for feito um levantamento nacional com a qualidade do que os paranaenses fizeram, o resultado será outro”, compara. Já a partir de fevereiro, serão distribuídos em todos os estados brasileiros quatro tipos diferentes de cartilhas para divulgar a necessidade de regulamentação. O trabalho será feito com a ajuda das Comissões de Produção Orgânica, quase 400 em todo o País. Elas explicam os mecanismos de controle existentes, como organizar o controle social e, para o consumidor, o que é um produto orgânico e como identificá-lo.

Para Ming Liu, do programa Organics Brasil, a regulamentação será um

estímulo para as empresas aumentarem sua produção, pois a demanda interna crescerá. “Nos países onde houve a regulamentação, o consumo de orgânicos cresceu muito”, afirma ele, acreditando que a regulamentação trará mais fiscalização e, com isso, mais confiança do consumidor na qualidade dos produtos orgânicos.

A Lei 10.831 estabelece três mecanismos de controle para que os produtores de orgânicos entrem no mercado. Cada um poderá escolher a qual sistema se filiar. Dois mecanismos formam o Sistema Brasileiro de Avaliação e Conformidade Orgânica, que estabelece certificações por auditorias. Um terceiro mecanismo é o controle social, que só pode ser aplicado em ocasiões de venda direta do produtor ao consumidor final. Nesse sistema os produtores têm que estar organizados entre si, por meio de entidade cadastrada no Ministério da Agricultura. Segundo Dias,

regulamentação dos orgânicos começa a vigorar neste ano

foram emitidas pelo instituto biodinâmico (ibd), do Paraná, única certificadora brasi-leira nesse âmbito reconhecida pelo mercado internacional. isso traz a garantia de que os produtos são orgânicos e ecossociais. “Para ser considerado ecossocial é necessário ser orgânico, mas não só isso. o produtor pre-cisa provar que atende a critérios como ma-nejo correto do campo, justa remuneração e respeito às normas trabalhistas e aos direitos humanos”, conta Maysa.

além das certificações que já conseguiu, a coopnatural busca obter mais duas: a pri-meira é a de indicação geográfica por deno-minação de origem, emitida pelo instituto nacional de Propriedade industrial (inPi), que elevará o algodão colorido brasileiro à mesma categoria dos vinhos Champagne e Bordeaux franceses, por exemplo. a segun-da é a certificação emitida pela Flo-cert, braço certificador da Fairtrade labelling organizations international (Flo), entida-

O CuLtiVO orgânico não

basta para o selo ecossocial: é

preciso também respeito a leis trabalhistas e

remuneração justa aos agricultores

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responsAbilidAde CorporAtiVA

o mecanismo de controle social é válido para localidades mais isoladas, onde a certificação é o próprio cadastramento da organização ou cooperativa junto ao Ministério da Agricultura. O comprovante deverá ficar exposto para o consumidor. “Qualquer outro mercado deverá entrar no Sistema de Avaliação e Conformidade Orgânica, e passará a utilizar um selo específico”, avisa.

Na certificação por auditoria, o organismo certificador deverá verificar se o produtor está adequado às normas brasileiras. Já no Sistema Participativo, a certificação é realizada pelos Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade (Opacs), constituídos por agricultores, produtores e técnicos, que também têm que ser credenciados. “A legislação brasileira é flexível, permitindo ao produtor se adequar à realidade que está vivendo”, avalia Dias.

Atento à demanda, o SENAI do Paraná lançou ano passado uma ação específica de promoção de segurança de alimentos orgânicos. Por enquanto ainda um projeto-piloto, iniciado em novembro de 2008, a ação está sendo desenvolvida pelo SENAI, a paranaense Fiep e Parque de Tecnologia Social (PTS), instituição do sistema voltada à promoção de ações de responsabilidade social. O objetivo do projeto é capacitar aproximadamente 200 pequenos empreendimentos da região do município de Doutor Ulysses, dentro do Sistema de Boas Práticas em Segurança Alimentar na Produção de Orgânicos.

“A ideia é capacitar a produção, empacotamento, transporte, revenda e até mesmo o consumidor, que aprenderá a identificar e manipular os alimentos”, explica Sérgio Motta, gerente do Programa Alimentos Seguros do SENAI Nacional. Segundo ele, trata-se do primeiro programa

brasileiro voltado para essa finalidade, com a implementação de consultorias, treinamentos, desenvolvimento de conteúdos e tecnologias. Até agora foram investidos aproximadamente R$ 96 mil no projeto-piloto, cuja experiência servirá para sua ampliação para o resto do País.

Para enfatizar a importância da iniciativa, Motta lembra o recente problema enfrentado pelo Brasil com a exportação de mel para a Europa, que em meados de 2007 foi interrompida, sem aviso prévio, por falta de certificação. O prejuízo foi enorme, pois 85% do mel exportado pelo Brasil vão para o continente europeu. Com o excedente na produção, o preço no mercado interno caiu a um quarto do que era antes. “Incluímos essa ação de capacitação dos produtores no Plano de Ação de 2008 e até junho conseguimos certificar aproximadamente 70 empresas. O mercado europeu voltou a se abrir para nós”, afirma.

de formada por organizações de 20 países desenvolvidos, que se dedica a apoiar tecni-camente a implementação do comércio justo nos países pobres e em desenvolvimento da américa latina, África e Ásia.

a coopnatural, hoje, é uma organização com 23 empresas, sete consultores e 22 asso-ciações e grupos autônomos, que represen-tam um universo de mais de 800 pessoas empregadas. em 17 municípios, 150 peque-nos agricultores, em sua vasta maioria assen-tados do instituto nacional de colonização e reforma agrária (incra), têm sua produ-ção voltada para a cooperativa, sempre com a preocupação de levar sustentabilidade às famílias. “se o agricultor planta um hectare de algodão, planta o mesmo de feijão, por exemplo, para seu próprio consumo”, expli-ca Maysa.

a adesão da coopnatural ao projeto ges-tão estratégica orientada para resultados (geor), do sebrae, também impulsionou o

processo de aquisição de excelência e obten-ção das certificações. o projeto se baseia no desenvolvimento e aplicação de uma me-todologia de gestão que é periodicamente monitorada, além do apoio à obtenção das certificações, trabalho que é realizado com apoio do iel e Fiep. de acordo com a eco-nomista Jeanne d’arc nóbrega Quinho, gestora do geor, o primeiro monitoramento mostrou ótimos resultados: aumento de coo-perativas de tecelões, grupos de artesãos e de produtores rurais.

“buscamos o resgate dessa cultura de al-godão na Paraíba. o estado já foi um dos maiores produtores do País, mas, com o tempo, isso acabou”, afirma Jeanne d’arc. “Queremos que esse resgate ocorra de uma forma ecológica e socialmente correta. Por isso trabalhamos a inovação, no campo, na indústria e no artesanato, procurando fazer com que a qualidade de vida das pes-soas melhore.”

36 indústr i a br asileir a Fev er eiro 2009

com o Procompi, a coopnatural se tornará a primeira rede de franquias eco-logicamente sustentável do brasil, afirma luciana rabay, consultora de relações in-ternacionais da cooperativa e responsável pela implantação do projeto de franquias. as 120 lojas em todo o brasil que oferecem os produtos coopnatural/natural Fashion terão prioridade para adquirir a franquia, que já é solicitada por revendedores em to-cantins, Maceió, belém, londres e Miami. “nosso diferencial é a sustentabilidade. todo o mobiliário das lojas terá madeira certificada, e a campanha de lançamento vai enfatizar o conceito de franquia inova-dora, as vantagens da agricultura orgânica, do comércio justo e do consumo conscien-te”, explica.

Apoio do sisTEmA cNi

ao todo, foram investidos r$ 200 mil no Procompi, com recursos da cni, sebrae e Fiep, em ações gerenciadas pelo iel com a parceria do senai da Paraíba. “realiza-mos ações de capacitação para operadores de vestuário, workshops de gerenciamen-to, consultorias em programação, plane-jamento e controle de produção, e ainda com a estilista liana bloisi, que criou co-leção inédita baseada nas peculiaridades da coopnatural”, explica Kênia sâmara Qui-

rino, superintendente do iel e assessora de desenvolvimento industrial da Fiep.

o sucesso da coopnatural pode tam-bém ser o de muitas outras cooperativas e empresas dedicadas aos produtos orgânicos no brasil, afinal a demanda por produ-tos ecossociais está longe de ser atendida. É o que sustenta Ming liu, coordenador executivo do projeto organics brasil, de-senvolvido pelo instituto de Promoção do desenvolvimento (iPd), do Paraná, com apoio da apex, vinculada ao Ministério do desenvolvimento, indústria e comércio exterior (Mdic). o objetivo do projeto é criar condições para a inserção de empre-sas brasileiras produtoras de orgânicos no mercado internacional. “sem a certificação é muito difícil achar comprador estrangei-ro”, observa liu.

a demanda por certificação de produtos orgânicos e ecossociais no brasil ainda é maior em função da exigência externa do que da interna, alerta alexandre Harkaly, diretor do ibd. segundo ele, 80% dos pe-didos encaminhados ao instituto são para exportação. “Quase não há demanda inter-na por produtos ecossociais”, diz Harkaly. de 1990 a 2009, o ibd concedeu 1.200 certificações, a maior parte para produ- tos orgânicos.

a certificação de produtos ecossociais começou somente há dois anos, por cau-

Os teCidOs produzidos com

algodão seridó dispensam

tingimento e são mais leves

e resistentes

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responsAbilidAde CorporAtiVA

sa da pressão das empresas importadoras, principalmente da europa e estados Uni-dos. “as empresas desses países querem que os produtores brasileiros de orgânicos comprovem que desenvolvem ações sociais e ambientais e de comércio justo.”

Participam do organics brasil 70 em-presas, que, juntas, desenvolvem 500 proje-tos de produtos orgânicos e ecossociais com certificados válidos no mercado interna-cional, emitidos pelo ibd, iMo, ecocert, bcs e control Union – os quatro últimos são instituições estrangeiras com escritórios no brasil. Uma mesma empresa pode par-ticipar de vários projetos, e nem todos são voltados à exportação. o organics brasil começou há três anos e meio com apenas dez empresas e já investiu quase r$ 10 mi-lhões na promoção da exportação dos pro-dutos orgânicos brasileiros.

eduardo caldas, gestor da apex para o organics brasil, alerta para o fato de os da-dos brasileiros ainda serem incompletos. a declaração do exportador é um ato volun-tário, que começou a ser estimulado pelo Mdic a partir de 2006. “É um setor que ainda está se organizando no mundo todo. as empresas informam apenas voluntaria-mente que suas exportações são de produ-tos orgânicos.” segundo o último balanço disponível do Mdic, em setembro de 2008 31 empresas declararam exportar produtos orgânicos. desde agosto de 2006, esse tipo de exportação somava 37,7 kg e Us$ 26,7 milhões, a maior parte de soja e derivados.

a Flo-cert, que em todo o mundo já certificou pouco mais de 600 organizações em países da américa latina, África e Ásia, no brasil só emitiu certificados de comér-cio justo para 22 empresas, fabricantes de quatro tipos de produtos: café, castanha do brasil, sucos de frutas e frutas frescas. Para o algodão existem duas empresas pleiteando a certificação – a coopnatural é uma delas. “acredito que o brasil tem muito mais po-tencial para essa certificação, não somente

para aumento do número de empresas como também do leque de produtos certificados”, avalia darana souza, coordenadora regio-nal da organização para brasil, bolívia e argentina. segundo ela, os principais mer-cados brasileiros com potencial para obten-ção da certificação de comércio justo são a produção de mel, castanha de caju, algodão e soja. os custos concentram-se na etapa de solicitação (€ 500), nas visitas de inspeção, que começam por € 1.200 e podem sofrer acréscimos, e nas taxas anuais, que variam de € 400 a € 3.100, de acordo com o tipo de produção e a região.

As 120 LOJAs que vendem produtos da Coopnatural em todo o País poderão agora se transformar em franquias

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as exportações Brasileiras no ano passado cresceram 23,2% em relação a 2007, atingindo o valor recorde de Us$ 197,9 bilhões. as importações, porém, aumentaram muito mais, 43,6%, resultando em uma preocupante queda de 38,2% no saldo da balança co-mercial. o mais perigoso, porém, é que até mesmo o número positivo das exportações esconde o quadro destoante de alguns setores, em que a crise econômica global já se fez sentir. É o caso da indústria calçadista brasileira, a terceira maior produtora mundial e a quin-ta maior exportadora, que teve queda de 1,6% nas ven-das externas. Quando se observa o número de pares

de sapatos exportados, o tombo foi bem maior: 6,4%. Houve redução especialmente drástica nos pedidos dos maiores compradores, como os estados Unidos, que ficaram no ano passado com 37,7 milhões de pa-res, uma retração de 23,2% em relação a 2007.

a indústria calçadista brasileira reúne aproxima-damente 7.800 fábricas em 15 polos industriais es-palhados por 12 estados da Federação, empregando diretamente 303 mil pessoas. em dezembro, segun-do o cadastro geral de empregados e desempre-gados (caged), do governo federal, foram demitidos 28 mil trabalhadores. na cadeia produtiva, há re-

Passo em falsoO setor de calçados, um dos que mais emprega no País, sente os efeitos da queda na demanda global. Só para os Estados Unidos, as encomendas caíram 23,2% no ano passado

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ComérCio eXterior

flexos tanto pela queda na venda de insumos para indústria quanto nas exportações para produtores de outros países. a indústria de couros teve diminuição de 11% no faturamento com as exportações no ano passado até novembro.

os fabricantes de calçados estão acostumados a enfrentar adversidades externas, em um setor alta-mente competitivo. desde 2004, quando foram ex-portados 212 milhões de pares de calçados, o volume de exportações vinha caindo, mas o faturamento não: em 2007, foi maior do que nos quatro anos anteriores. o fechamento dos números do ano passado, porém, trouxe uma surpresa: inverteu o sinal, e a variação do volume exportado continuou a cair em comparação com o ano anterior. “a situação atual expõe a uma prova de fogo a competência do setor, que alcançou competitividade ao longo de décadas”, afirma o pre-sidente da associação brasileira das indústrias de calçados (abicalçados), Milton cardoso. o diretor-executivo do centro das indústrias de curtumes do brasil (cicb), Hélio Mendes, compartilha das preocupações de cardoso. “É importante que nes-te momento de crise o governo olhe de forma mais cuidadosa para o setor, que exigiu muito trabalho e investimento para ocupar um espaço significativo no mercado mundial.”

apesar dos números tão ruins, há razão para otimismo, na avaliação de empresários. “a retração dos mercados mundiais e instabilidade do câmbio afetaram os negócios ainda mais do que o câmbio desfavorável havia afetado. Mas passado esse primei-ro momento de turbulência, os preços mais compe-titivos, em função do câmbio mais realista, deixarão os negócios crescer. Já ampliamos muito os destinos de nossas exportações para voltar atrás: se em 2002 exportávamos para 115 países, hoje são 150”, analisa cardoso. a possibilidade de incremento nas vendas está referendada no fato de que o exigente mercado europeu se transformou no maior comprador de cal-çados nacionais no que se refere ao faturamento. o preço médio de cada produto exportado aumentou 5,1%, absorvendo 34,3% do total das exportações, e, entre janeiro e outubro, entraram no país Us$ 551,2 milhões provenientes das vendas de calçados para a europa. além disso, mesmo com a crise, os estados Unidos continuam o nosso principal comprador em

volume, tendo adquirido mais de 37,7 milhões de pa-res vendidos no ano passado.

entre as várias ações preventivas recentes feitas pela indústria está o recém-assinado convênio com a agência brasileira de Promoção de exportações e investimentos (apex), com Us$ 53,2 milhões para intensificar atividades de inteligência comercial den-tro do Programa setorial integrado de Promoção às exportações de calçados. dentre as ações previstas no projeto, a mais ousada é o aumento da participação em mercados escolhidos a partir de estudos feitos pelo setor: alemanha, china, colômbia, emirados Ára-bes, espanha, estados Unidos, França, Hong Kong, itália e reino Unido. “Para os próximos dois anos, esses países terão sido responsáveis pela obtenção de Us$ 1,4 bilhão, um acréscimo de 12,45% em compa-ração ao ano passado, quando foi exportado Us$ 1,3 bilhão”, anuncia cardoso. Um detalhe fundamental nesse plano é o contra-ataque brasileiro ao cresci-mento da importação de calçados da china, hoje o principal concorrente direto da indústria nacional. as importações, no ano passado, fecharam em cerca de 40 milhões de pares, oito vezes mais do que em 2003. “essa ameaça aos empregos e ao desenvolvimento da indústria está mais presente do que nunca”, alerta cardoso. Hoje, de cada dez calçados exportados em todo o mundo, oito são chineses.

Para especialistas em comércio exterior, além de ficar atento à prática de comércio desleal, é preciso ca-pacitar-se cada vez mais para enfrentar a competição. “o brasil foi no passado uma china para o mercado

Exportações de calçados brasileiros

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milhões de pares US$ bilhões

FONTE: ABICALçADOS

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produtor europeu, em especial itália e espanha, quan-do tínhamos os mesmos diferenciais dos chineses na capacidade de produção, competitividade, baixo cus-to de mão-de-obra, entre outros fatores”, nota o eco-nomista gilberto elói Milani, da Fundação getúlio vargas (Fgv). “Passamos, neste momento, por algo parecido, pois enfrentamos os mesmos problemas que os europeus enfrentaram conosco no passado. a solu-ção é apresentar investimentos em materiais que não possam ser produzidos pelos chineses e empregar a criatividade em matérias-primas alternativas, soluções para uso no sentido do conforto, beleza e qualidade do produto nacional.”

dados recém-divulgados pela abicalçados de-monstram que os calçados com parte superior em material sintético lideraram, em 2008, o volume de embarques, com 99,9 milhões de pares vendidos, um aumento de 16,2% em relação a 2007, deixando em segundo lugar os calçados de couro, com 54,5 milhões de pares exportados, uma queda de 23,7% no seu vo-lume, o que explica a queda do faturamento nos polos do rio grande do sul, historicamente campeões, hoje superados pelos polos do ceará, responsável pelo en-vio de 57,3 milhões de pares, 34% do total. o setor de couros conseguiu se adaptar à queda na demanda da indústria calçadista, e passou a se focar em novos mercados. Hoje, 60% do couro bovino produzido no

brasil são destinados ao estofamento de móveis e de veículos, segmentos que veem no couro um diferen-cial para a valorização dos produtos.

a parceria com a apex no setor calçadista tem por objetivo neutralizar a ameaça das importações da china. o país também vem aumentando as suas im-portações mundiais, um crescimento de 118,5% entre 2001 e 2005. Mas o brasil tem pouca participação nisso: em 2007 vendeu apenas 71 mil pares. Hong Kong é um grande mercado potencial, por ser porta de entrada de produtos na Ásia. em 2007, aumen-tou em 7,06% a sua importação de calçados. “nós, no entanto, só exportamos 413 mil pares para eles”, nota cardoso. a intenção da parceria com a apex é justamente atacar de forma direta esses dois mercados, e outros dois igualmente importantes: os emirados Árabes, onde houve crescimento de consumo (e para onde o brasil exportou um milhão de pares), e es-tados Unidos, onde a indústria brasileira pretende se concentrar na exportação de calçados de maior valor agregado, pois a exportação de produtos mais baratos diminuiu sensivelmente, em função da concorrência chinesa. também está na lista de prioridades a inten-sificação da produção de calçados para uso militar. “Houve grande êxito na venda desses produtos nas guerras no iraque e afeganistão, com grande poten-cial futuro”, observa Milani, da Fgv.

CONsuMidOrA em Pequim:

China é a maior competidora

do brasil, mas também mercado

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raízes na imigração alemã

A indústria calçadista começou a crescer a partir de 1824 no Rio Grande do Sul com a chegada de imigrantes alemães, em especial na região do Vale do Rio dos Sinos, ganhando força com a Guerra do Paraguai. Após o fim do conflito, foi preciso conquistar com competência os mercados internos e se considerou investir em industrialização, o que levou, em 1888, à criação da primeira fábrica de calçados do país no Vale dos Sinos. Há 40 anos, os compradores norte-americanos foram apresentados às empresas desse cluster embrionário durante a Feira Nacional de Calçados e começaram as primeiras vendas externas de calçados nacionais. “O ano de 1969 pode ser considerado o início da conquista e ascensão dos calçados made in Brazil”, afirma Mario Cordeiro Carvalho, da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

Os empresários “sapateiros” focaram suas ações no fortalecimento dos encadeamentos econômicos com a fábrica. “Primeiro, aumentaram o tamanho das fábricas e a capacidade das linhas de montagem, para assegurar escala e custos decrescentes. Depois,

acabaram criando indústrias específicas de produção de insumos necessários à sua produção no entorno da região. Chegaram mesmo a trazer couro curtido da Argentina para pressionar os fornecedores brasileiros a melhorar preços e a qualidade dos produtos nacionais”, conta Carvalho.

Apesar de a concentração de empresas de grande porte estar localizada no Rio Grande do Sul, a produção nacional de calçados vem gradativamente sendo distribuída ao longo do Brasil em outros polos, localizados nas regiões Sudeste e Nordeste, com destaque para o interior do estado de São Paulo (Jaú, Franca e Birigui) e em estados como Ceará, atual campeão de vendas, e Bahia. Há também um aumento notável na produção de estados como Santa Catarina (São João Batista) e em Minas Gerais (região da Nova Serrana). Um caminho encontrado pelo setor para disputar os mercados é o investimento em tecnologia que permitiu aos empresários calçadistas, em 2007, aumentar o faturamento em exportações, a despeito da queda do dólar.

Entre as iniciativas da indústria calçadista para aprimorar a produção nacional está a abertura, no início deste ano, do primeiro laboratório de controle de substâncias nocivas ao consumidor, em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. Foi investido R$ 1,3 milhão para que o novo centro possa detectar a concentração de elementos como níquel, chumbo, cromo e outros materias dos calçados. “Conforto e segurança são essenciais no setor, já que não se admite a venda de calçados que possam machucar o pé das pessoas”, nota Aluísio Ávila, do Instituto Brasileiro de Tecnologia do Calçado. Outro bom exemplo é a manta de titânio nos calçados, fruto de três anos de pesquisa, que transforma o calor do corpo em energia infravermelha para melhorar a circulação do sangue. “A diversificação da produção é um fator competitivo importante que permite ao Brasil produzir todos os tipos de calçados necessários”, observa Cardoso.

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a reação se dará não apenas no setor dos produ-tos finalizados. a indústria do couro é uma das mais antigas do brasil, com origens no século 18, mas foi nas duas últimas duas décadas que o setor firmou-se como um dos grandes players na economia globaliza-da. o plano estratégico do setor inclui a articulação para que seja criado um “g4 do couro”, reunindo os quatro países responsáveis por 60% da produção mundial: china, brasil, Índia e estados Unidos. “Queremos, com isso, dar outro formato à indústria criando um padrão que leve o couro a ser negociado em bolsas, a exemplo de outros produtos como café ou soja. o número de empregos e divisas que o couro

gera mostra que ele não é mais um subproduto da carne e necessita ser pensado de forma mais estratégi-ca”, analisa Mendes, da cicb.

a ameaça chinesa, porém, continua mais forte do que nunca. “Há um mito de que a crise chinesa vai beneficiar o brasil. eles enfrentam dificulda-des, sim, mas isso aumenta os riscos para nós. a retração das encomendas de calçados chineses por parte da União européia gera uma quantidade de excedentes que tende a ser despejado em mercados que ainda não são abastecidos pela produção local, como o brasil. os ‘estocados’ podem acabar aqui”, alerta cardoso.

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o perigo está em casaEstudo do SENAI demonstra que as cozinhas residenciais são as mais vulneráveis à contaminação e indica os caminhos para a alimentação segura

por dANiElA schuBNEl

o Mundo chegou ao século 21 coM produção de alimentos de sobra para alimentar seus mais de seis bilhões de habitantes, desafiando o britânico thomas Malthus (1766-1834), que previu incompatibilidade entre o ritmo de crescimento populacional e da produ-ção agrícola. estamos longe, porém, de poder dizer que todo mundo tem acesso a nutrição adequada. segundo a organização das nações Unidas (onU), fatores so-cioeconômicos, guerras e catástrofes ambientais foram os responsáveis pela existência de 963 milhões de sub-nutridos em todo o mundo no final do ano passado. Morreram no ano por falta de alimentos 2,2 milhões de pessoas. outro problema menos perceptível, mas igualmente grave, é a contaminação dos alimentos. os números são muito parecidos com os da fome: estima-se que um bilhão de pessoas tenham sofrido com a con-taminação no ano passado. Foram hospitalizadas 641 milhões de pessoas e 1,8 milhão morreu.

no brasil, estima-se em 82 milhões os casos de con-taminação dos alimentos por ano, que resultam em 568 mil hospitalizações e 6.500 mortes. só na rede pública de saúde, o governo federal gasta r$ 46 mi-lhões anuais com essa mazela, de acordo com dados

insegurança alimentarVítimas em 2008 em todo o mundo, em milhões

SUbNUTRIÇÃO CONTAMINAÇÃO

Pessoas atingidas* 963 1.000

Mortes 2,2 1,8

FONTE: ORGANIzAçãO DAS NAçõES UNIDAS (ONU)

OBS: SãO CONSIDERADAS AS PESSOAS ATINGIDAS POR SUBNUTRIçãO NO

FINAL DE 2008. NO CASO DA CONTAMINAçãO, TRATA-SE DE UMA ESTIMATIVA

DO NúMERO DE PESSOAS QUE TIVERAM PELO MENOS UM CASO NO ANO.

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Três mil profissionais capacitadosO Programa Alimentos Seguros (PAS) é desenvolvido desde 1998 por meio de parceria de SENAI, SESI, Serviço Social do Comércio (Sesc), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). São entidades que possuem estrutura básica conjunta para criação de tecnologia, metodologia, capacitação de profissionais e implementação de ações em micro e pequenas empresas. Até agora, mais de três mil profissionais e 25 mil estabelecimentos já foram capacitados, e mais de 130 conteúdos relacionados ao tema foram desenvolvidos de forma pioneira.

Desde sua criação, o PAS possui um plano de ação trianual, mas a partir de 2005 passou a ter o SENAI como gestor-executivo. As crescentes necessidades de inovação trazidas pelo PAS, e o novo cenário desenhado para o Sistema SENAI, que prevê o fortalecimento de iniciativas com foco na sustentabilidade e o aumento da competitividade, fizeram com que sua Unidade de Tecnologia Industrial (Unitec), responsável pela gestão do programa, ganhasse uma nova denominação a partir deste ano: Unidade de Inovação e Tecnologia.

Além da atuação junto às micro e pequenas empresas, o PAS também desenvolve parcerias com órgãos públicos. Um dos mais conhecidos é o PAS Turismo, desenvolvido com o Ministério do Turismo. Entre 2002 e 2005 foram capacitados oito mil estabelecimentos dos principais destinos turísticos brasileiros, em especial os do Nordeste e na Estrada Real (formada pelos caminhos antigos pelos quais a Família Real viajava de Rio de Janeiro e São Paulo a Minas Gerais). Entre 2003 e 2004, aproximadamente 300 fiscais das Vigilâncias Sanitárias (Visas) estaduais também receberam capacitação para melhorar o entendimento da legislação e a fiscalização dos alimentos.

A partir de 2005, com o SENAI na gestão-executiva do programa, o foco estratégico passou a ser a aproximação e o estabelecimento de parcerias com associações de representações da indústria de alimentos, notadamente as de sorvetes, massas e refrigerantes, que receberam capacitação de boas práticas. Também se destacam as parcerias com a rede Walmart (para capacitação de fornecedores) e com a DPA/Nestlé, que fabrica o leite sólido, a matéria-prima básica utilizada em todos os processos de produção da Nestlé, atendendo aos requisitos do seu programa de qualidade mundial. Está em estudos pelo Ministério da Agricultura uma parceria, conjuntamente com o Sindirações Nacional, para capacitação de fiscais da inspeção vegetal e animal, focado especificamente na promoção da qualidade e segurança na produção de ração.

do Ministério da saúde e da agência nacional de vigilância sanitária (anvisa) compilados pelo de-partamento nacional do senai. computados os gastos com médicos particulares, a conta chega a r$ 345 milhões por ano. nos estados Unidos, com po-pulação maior, os números são inferiores: 76 milhões de casos de contaminação, 325 mil hospitalizações e cinco mil mortes. a conta do prejuízo lá considera gastos com dias de trabalho perdidos e atinge Us$ 7 bilhões. “É um problema grave, que pouca gente per-cebe”, avalia sérgio Motta, gerente do Programa ali-mentos seguros (Pas), implementado pelo senai desde 1998.

o levantamento do senai sobre o tema trouxe à tona, no entanto, um dado que surpreende. ao con-trário da percepção geral, a contaminação não se con-centra nos processos de produção dos alimentos ou nos serviços de alimentação fora de casa: o problema é pior nas casas dos consumidores, cada vez menos pre-ocupados com questões de higiene e segurança em ra-zão da prática moderna de comer fora a maior parte do tempo. Finalizado no segundo semestre do ano passa-do, o estudo mostrou que 48,5% das contaminações de pessoas por alimentos acontecem dentro de casa, 21,1% na cadeia de produção dos alimentos, 18,8% nos serviços de alimentação (incluindo restaurantes e lanchonetes) e 11,6% nas escolas. Foi demonstrado que o comportamento do brasileiro em relação à ques-tão é, em sua maior parte, de altíssimo risco: 70% dos contaminados recorrem à automedicação e 10% não tomam nenhuma providência. somente 20% buscam ajuda médica. a partir de informações do Ministério da saúde (Boletim Epidemiológico, produzido pela se-cretaria de vigilância em saúde), Ministério da agri-cultura, Procon e associações de consumidores, foi possível mapear o problema.

“verificamos que a maior parte dos esforços mantidos por autoridades e empresas vinha sendo direcionada para resolver problemas que estão con-centrados na menor parte (40%) da origem dos ris-cos (agricultura e serviços de alimentação)”, observa Motta. o estudo resultou em redirecionamento do programa. “decidimos ampliar a linha de ação do Pas, passando a incluir a educação do consumidor”. o programa já tem parcerias institucionais com an-visa, associação brasileira das indústrias da alimen-

tação (abia) e associação brasileira de supermerca-dos (abras), e prevê investimentos de r$ 1,9 milhão nos próximos três anos.

com foco na educação da população para a mani-pulação adequada dos alimentos, a iniciativa foi batiza-da de Pas consumidor, e terá como prioridade ações de divulgação, com campanhas em todas as mídias; eventos e palestras, com distribuição de material in-formativo (como cartilhas, manuais e guias) e de mar-

44 indústr i a br asileir a Fev er eiro 2009

keting (como raspadinhas, ímãs de geladeira e jogos americanos). Um dos destaques de todo esse material são as “dez dicas para um consumo seguro” (veja quadro na página ao lado). dois projetos-piloto foram lançados ainda em dezembro de 2007, um em natal e outro no rio de Janeiro. “naquela época já tínha-mos noção da mudança de foco para o consumidor, embora a totalidade dos dados ainda não tivesse sido compilada”, explica o gerente do Pas. com chancela da anvisa, as dicas demonstram como escolher, trans-portar, armazenar, preparar e comer alimentos sem qualquer contaminação. a partir de março todas as informações serão disponibilizadas na internet.

além da continuidade das ações voltadas à capa-citação profissional e à implantação das ferramentas de segurança dos alimentos nas empresas, o Pas tem duas outras ações estratégicas definidas para 2009: intensificar o programa nas escolas do sesi e sesc, e lançar o 1º concurso de inovação para a indústria de alimentos no brasil. o projeto será realizado com a parceria da Massey University, da nova Zelândia, referência mundial em tecnologia de alimentos e inovação para essa indústria. com foco na garantia de segurança dos alimentos e no valor agregado, o programa pretende desenvolver 48 novos produtos e processos de produção industrial, ao longo de cinco

anos. a cada ano serão escolhidos 12 projetos para receberem financiamento, que terão 18 meses para ficar prontos. os primeiros serão conhecidos em ju-nho deste ano. cada projeto (produto e/ou processo inovador para a indústria da alimentação) receberá aproximadamente Us$ 83 mil para ser desenvolvido. ao longo de cinco anos, serão investidos Us$ 4 mi-lhões, divididos entre senai (55%), Massey (13%) e empresas participantes (32%).

a estratégia do senai, porém, é bem mais am-pla que as ações iniciais. segundo Motta, o objetivo maior é sensibilizar o governo federal para o desen-volvimento e implantação de uma Política nacional de segurança de alimentos. a complexa regulação atual tem contribuído para o aumento do custo de produção e redução da competitividade das empresas. o gerente do Pas nota ainda que segurança dos ali-mentos é apenas um dos três pilares da chamada segu-rança alimentar, que inclui também as possibilidades de acesso e a qualidade nutricional dos alimentos. o brasil já possui uma Política nacional de segurança alimentar, implementada pelo Ministério do de-senvolvimento social, mas ainda não uniformizou a questão da segurança dos alimentos.

em seus dez anos de existência, o Pas detectou uma série de fatores que impedem a aplicação das me-didas já existentes em escala nacional. o principal de-les é o excesso de regulação e a falta de financiamento competitivo para as micro e pequenas empresas. “Há muitos organismos legislando ou baixando normas sobre o assunto, muitas vezes conflitantes entre si, o que dificulta as empresas a se adequarem às regras já existentes”, diz o gerente do Pas. a indústria da ali-mentação inclui 424 mil empresas formalmente esta-belecidas e emprega mais de três milhões de pessoas, diretamente. segundo Motta, também falta integração entre esses órgãos reguladores, dos quais os principais são os ministérios da saúde; agricultura; Justiça; de-senvolvimento, indústria e comércio; Meio ambiente; trabalho e turismo; a anvisa; a secretaria nacional de agricultura e Pesca e as visas, os órgãos estaduais e municipais de vigilância sanitária que atuam na fisca-lização do cumprimento dessas normas.

Um desafio para a área de segurança de alimentos é o crescimento da produção e do consumo de prote-ína animal e lácteos – carnes, leite e seus derivados –,

diANA ALMeidA, da Anvisa:

O PAs é um programa

consolidado e acertou ao mudar

o foco para o consumidor

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produtos mais complexos para serem gerenciados, pois requerem acompanhamento preciso, do campo à mesa do consumidor. a onU estima que, em 2050, o consumo médio mundial de proteína por ano será de 42 kg per capita. brasil e china têm potencial para atender essa demanda, aumentando em 300% no pe-ríodo a produção de carne.

“existem pressões do mercado internacional em relação à transparência nos métodos de produção e rastreabilidade desses alimentos. Precisamos melhorar nossa reputação e esse é o foco principal da estraté-gia que norteia a cooperação estabelecida com a nova Zelândia [por meio da Massey University], em 2008”, avisa Motta. o concurso a ser criado neste ano a par-tir da parceria deverá promover o desenvolvimento de produtos inovadores, que poderão reduzir custos de produção e facilitar a implantação dos requisitos técnicos nas empresas. e, além disso, ampliaria a se-gurança e confiabilidade dos produtos brasileiros e a presença nos mercados doméstico e internacional. os resultados da parceria deverão ajudar a criação de ins-trumentos regulatórios integrados.

a proposta do senai já conta com a aquiescên-cia do governo federal em relação à sua importância. “essa mudança de abordagem, tirando o foco da in-dústria e do comércio para a casa do consumidor, é muito interessante e tem o nosso apoio”, diz a gerente

de segurança de alimentos da anvisa, diana car-mem almeida. “admiro o Pas pela sua tradição. tra-ta-se de um projeto consolidado, que já tem história.” diana diz que o governo está aberto para a propos-ta, embora não haja convênios firmados. “Já estamos abrindo espaço para a apresentação do Pas consumi-dor em eventos próprios, como ocorreu ano passado no dia Mundial da alimentação”, relata. nesse dia, comemorado em 16 de outubro, o senai realizou uma apresentação na reunião da câmara setorial de alimentos, da qual participam órgãos do governo e da sociedade. “ser parceiro da causa alimento seguro é obrigação do governo, da cadeia produtiva e do pró-prio consumidor”, afirma diana.

os esforços para consolidar a segurança de alimen-tos ainda estão no início, explica diana. segundo ela, a anvisa e o Ministério da saúde passaram a atuar de forma mais próxima nessa área só há dois anos. ela nota uma mudança de paradigma. “a vigilância epi-demiológica faz a captação dos casos e descreve os pro-blemas. Mas é preciso enxergá-los com cuidado e fazer a interpretação correta. o ambiente doméstico nunca esteve no olhar da anvisa, é uma necessidade que esta-mos começando a enxergar agora”, admite diana. “É uma tarefa árdua, pois além da anvisa e das 27 visas estaduais, existem também órgãos de vigilância nos mais de cinco mil municípios existentes no País.”

dez regras para evitar contaminação Quando for comprar ou consumir alimentos, observe as condições de higiene do estabelecimento

Verifique sempre se o prazo de validade e se a embalagem do produto estão íntegros – lembre-se de que ao abrir embalagens tipo longa vida/enlatados/envasados, a validade cai para no máximo três dias a partir da data de abertura

Verifique se os produtos refrigerados e congelados estão mantidos em temperatura adequada

Nunca deixe suas compras expostas ao calor ou sol

Nunca armazene os produtos de limpeza junto com alimentos

Sempre higienize bem suas mãos, os utensílios e o local de preparo dos alimentos

Cozinhe, asse ou frite bem os alimentos: reaqueça bem as sobras antes de consumi-las

Para resfriar rapidamente os alimentos, use recipientes rasos e pequenos

Aguarde o vapor sair dos alimentos antes de cobri-los e, em seguida, coloque-os na geladeira

Nunca deixe a comida pronta por mais de duas horas em temperatura ambiente. Se não for consumir imediatamente, guarde-a na geladeira, observando a temperatura interna adequada

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Apesar do sucesso de bilheteria de alguns filmes, pesquisa aponta para as dificuldades de independência econômica da produção cinematográfica do País

por cArlos hAAG

até o poetinh a, coM sua par nasi ana sensibilidade artística, já em 1944 percebia a realidade que até agora muitos cineastas se recusam a aceitar: “eu sei perfeitamente bem que o cinema é uma indústria, e uma indús-tria de grandes somas. Mas, se bem orienta-do, é um emprego certo de capital”, escreveu vinicius de Moraes. as dificuldades de trans-formar o axioma em prática no País intrigam o historiador arthur Franco de sá neto, pro-fessor da Universidade Federal de são car-los (UFscar): “É difícil entender por que o brasil, cuja industrialização teve sucesso em campos mais complexos do que o cinema, tais como o petrolífero, o automobilístico ou o aeronáutico, não conseguiu desenvolver adequadamente do ponto de vista econômico uma atividade que o México, um país com problemas estruturais semelhantes aos nossos, teve maior êxito mesmo com percalços.”

sá neto pesquisa a produção cinemato-gráfica e a política para o setor desde 2004, quando defendeu seu doutorado sobre o tema. depois de analisar o setor de 1924 até os anos 1990, ele tenta compreender os obstáculos que ainda permanecem, do fim da embrafilme, no

a falta de um cinema empreendedor

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início do governo collor, até o engavetamen-to, em 2005, do projeto da agência nacional do cinema e do audiovisual (ancinav). “sem negar as obrigações sociais e econômicas que o estado tem, de manter políticas para ajudar o desenvolvimento do cinema, a perversão dis-so é a total dependência que vemos hoje. se a política de fomento do período 1990-2005, a tal ‘retomada do cinema nacional’, aumentou a produção de longas, continua pequena a pos-sibilidade de o produto ter retorno financeiro em salas de exibição, na tv ou no dvd”, ob-serva o pesquisador. “ainda que a corporação cinematográfica reprise o discurso de que o objetivo do apoio estatal é a atividade alcançar autonomia pela industrialização, nunca como hoje a produção dependeu tanto do estado para existir”, completa.

em 1993, o escritor e ex-cineasta arnaldo Jabor elogiou a criação da lei do audiovisu-al, considerando-a “a carta Magna do cine-ma, moderna, sem dependências do estado”. o professor da UFscar discorda: “Falar em independência quando se tem que esperar por

todas as assinaturas de pessoas ligadas ao go-verno para que o nosso cinema pudesse ‘sair do labirinto’ é no mínimo incoerente, sem falar que se trata de renúncia fiscal, ou seja, dinhei-ro público.”

sá neto observou, em suas pesquisas, a per-manência de um discurso “culturalista” nas justificativas dos cineastas para o suporte es-tatal. eles enxergam o cinema brasileiro como repositório da nacionalidade, deixando de lado argumentos econômicos que tiveram valor no passado. “a industrialização já foi o laço ideo-lógico da corporação cinematográfica para aca-bar figurando de maneira decorativa entre as razões eternamente arroladas pelas quais o es-tado deve apoiar o cinema brasileiro”, lamen-ta o historiador. ele afirma que refletir seria-mente sobre como o cinema pode se inserir de forma minimamente viável do ponto de vista econômico na constelação audiovisual signifi-ca ir muito além das leis de incentivo. abdicar dessa reflexão traduziu-se também em recusar a busca de uma relação artística mais complexa entre cinema e sociedade. “o governo lula não

O CrÍtiCO Jean Claude bernadet: houve várias tentativas, sem sucesso, de estruturação do cinema no brasile

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avançou muito nisso, pois havia a previsão de a agência ancine ficar ligada ao Ministério do desenvolvimento, indústria e comércio. Mas no final a agência acabou subordinada ao Mi-nistério da cultura.” com o tempo, os maio-res defensores do cinema brasileiro acabaram por colocar sobre ele as piores pechas possíveis: atrelamento às benesses governamentais, ten-dência ao encarecimento exagerado da produ-ção e despreocupação em relação ao público. “É preciso mesmo verificar se existe pertinên-cia, diante desse quadro, em ainda pensar uma indústria cinematográfica brasileira, já que há uma quase total incapacidade da área para or-ganizar sua atividade de forma minimamente autossustentável”, avisa o pesquisador.

os problemas da produção cinematográfica brasileira não são de hoje, porém, nota o críti-co de cinema Jean claude bernadet, professor da escola de comunicação e artes da Univer-sidade de são Paulo (UsP). “a cinematografia nacional nunca se industrializou efetivamente, apesar de tentativas de vulto quando se tentou copiar o modelo norte-americano de produção com grandes investimentos de capitais, caso da vera cruz, na primeira metade dos anos 1950, ou quando o estado assumiu a tarefa de co-ordenar e financiar o processo de industriali-zação, o caso da embrafilme, nas décadas de 1970 e 1980.”

segundo bernadet, o cinema passou por quatro fases, de idas e vindas, em relação à industrialização. no primeiro período, entre 1924 e 1940, tomam consistência as primeiras ideias de estruturação empresarial em torno de auxílios governamentais, da imitação do mo-delo de Hollywood. no segundo, entre 1941 e 1954, o modelo norte-americano foi contra-posto a outras ideias que levam em conta a re-alidade do mercado brasileiro, como aquelas que desembocam na criação da atlântida, e nas propostas do cinema independente. entre 1955 e 1968, houve o fim das “ilusões”, com o fracasso do modelo da vera cruz, que pensava em montar uma indústria como a hollywoo-diana. surgiram várias contradições: cinema de autor, cinema independente, mas com in-tervenção do estado, e, ao mesmo tempo, asso-ciação com o capital externo. com a embrafil-me, entre 1969 e 1990, o estado assumiu para si a profissionalização, com o apoio de setores da corporação cinematográfica. “surgiu daí uma desconfiança em relação a esse modelo, que não era bem aceito pela sociedade. Havia o desejo de criar um projeto de cinema que fosse socialmente reconhecido como legítimo”, ob-serva bernadet. ao mesmo tempo, prevalecia a ideia de que a industrialização do meio depen-dia do estado para vencer a concorrência do produto norte-americano no mercado.

“a confusão ideológica entre cultura e mer-cado chegou a tal ponto que marcou a própria

eduArdO esCOreL: fixados no

patrocínio estatal, cineastas não conseguiram

construir novo projeto

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estrutura da embrafilme. ao final da década de 1980, o cinema brasileiro havia perdido a sua ‘legitimidade social’”, observa sá neto. É uma ideia aceita por alguns dos protagonistas do cinema brasileiro. “Muitos cineastas não ha-viam conseguido construir o ‘novo projeto de cinema’, fixados que estavam no favorecimento estatal que sofria do mais completo descrédito junto à sociedade. isso explica como foi fácil a desmontagem, no governo collor, da embra-filme”, analisa o cineasta eduardo escorel. Foi mantida, porém, a caracterização do cinema nacional como uma “indústria nascente”, que deveria ser equiparada a outras indústrias, bem como uma perspectiva que isolava a televisão do cinema, sem buscar algum tipo de relação mais efetiva entre os dois meios. “o cinema perma-neceu ligado à noção, já superada na época, da substituição de importações. o então presidente Fernando Henrique cardoso argumentava que esse modelo havia sido substituído por outro, voltado para a colaboração com o capital exter-no. Já o rádio e a televisão superaram facilmente

tudo isso ao assumir, desde o início, que teriam uma mentalidade empresarial, em que os funda-mentos da lógica econômica tinham um papel mais importante do que as justificativas cultu-rais”, analisa sá neto.

em vez de valorizar a produção nacional, no entanto, a transformação do cinema em ne-gócio trouxe queda na qualidade. “o novo dis-curso permitiu ao meio profissional a aceitação da mediocridade do presente em nome de um futuro brilhante com a afirmação industrial.” a corporação unificou-se pela crença no papel fundamental da indústria, que não se efetivou. “resta hoje ao cinema a fraca participação de mercado, inviabilidade econômica que implica amparo do estado. isso pode se traduzir em tu-tela ideológica, de certa forma. Mesmo aqueles que invocavam o poder do cinema em refletir a realidade brasileira não pararam para pensar em como fazer isso, preocupados que estavam com o apoio culturalista estatal, o que faz de muitos discursos meras justificativas ideológi-cas”, afirma sá neto.

FiLMAGeM de O Caiçara, da Vera Cruz: companhia, que se mirava no modelo de Hollywood, não conseguiu emplacarFo

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Fabio Giambiagi, economista

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os econoMistas utilizaM a expressão carry over para se referir ao efeito dos índices de nível de atividade de um ano sobre a taxa de cresci-mento anual do ano seguinte. simplificadamente, imagine o leitor que o nível de produção no come-ço de um ano é de 100 e no fim do ano é de 106, correspondendo a um índice médio de aproxima-damente 103. isso significa que, se a partir de ja-neiro do ano seguinte a economia deixar de crescer e ficar parada no nível de 106, haverá uma “sensa-ção térmica” de estagnação, mas mesmo assim, por conta do citado carry over, o ano ainda revelará um crescimento da ordem de 3%.

na atual conjuntura brasileira, o ponto é im-portante pelo fato de que o que acontecer em 2009 terá efeitos sobre o crescimento anual de 2010. a expansão da economia no próximo ano será tanto maior quanto mais rápida for a retomada do cresci-mento trimestral ao longo de 2009. analogamen-te, o crescimento no ano que vem será tanto menor quanto mais prolongada for a crise atual e mais se demorar o início da recuperação em 2009.

Um exemplo ajuda a entender a ideia. deixan-do de lado a questão de como “engatar a quarta marcha” de novo, vamos supor por hipótese que, em algum momento de 2009, partindo de um ín-dice de produção de 100 no primeiro trimestre, a economia brasileira volte a crescer, por exemplo, a um ritmo anualizado de 4%. imaginemos então dois cenários. no primeiro, a economia fica estag-nada até o terceiro trimestre do ano e, a partir do quarto, retoma o crescimento no ritmo menciona-do, enquanto no segundo a velocidade é a mesma,

mas a recuperação se inicia antes, já no segundo trimestre do ano. o que acontece com o cresci-mento de 2010?

o que ocorre, fazendo as contas trimestre a tri-mestre, é que o índice no quarto período de 2010 seria de 105 no primeiro cenário e de 107,1 no se-gundo. em ambos os casos, a taxa de crescimento do quarto trimestre de 2010 em relação ao quarto de 2009 seria de 4%. a diferença é que, em um caso, a comparação dos índices médios implicaria, no ano de 2010, um crescimento de 3,2% – se a re-cuperação se iniciar no quarto trimestre de 2009 – e, no outro, de 4%. além disso, cabe lembrar que, dadas as hipóteses explicitadas e a trajetória do Produto interno bruto (Pib) registrada em 2008, a dinâmica suposta afetaria obviamente também o Pib de 2009, pois, ao cenário de recuperação mais demorada, estaria associada a uma taxa de cresci-mento do Pib em 2009 menor do que a que se verificaria na presença de uma recuperação mais precoce – e que de qualquer forma será, sabe-se, bastante baixa.

diante de um processo eleitoral como o que temos em perspectiva, taxas de crescimento já bai-xas em 2009 e de 3,2% em 2010 são politicamente mais delicadas para qualquer governo do que um cenário em que, após um “tropeço” em 2009, a economia volte a crescer 4% no próximo ano. daí por que será importante para o País saber não ape-nas a que velocidade o brasil pode voltar a crescer, como também a partir de quando tal fato poderia ocorrer. na campanha de 2010, isso certamente terá impacto no debate eleitoral.

o MoMento da retoMadaA economia voltará a crescer no segundo trimestre deste ano ou no terceiro? Para os índices de 2009 e de 2010, a diferença é grande. Para o quadro político também