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Quaresma: Fazer, refazer e perfazer, cristãos e comunidades Na humildade podemos contar com o Senhor . Na vaidade só podemos co ntar connosco, o que, numa expe riência de mais d e trinta séculos, sabemos bem a onde nos leva. A gente não sabe qual das tentações é a mais peri go sa e insinuante, pois todas nos atingem no nosso lu ga r mais fraco, no ponto mais frac o, onde a egolatria se instala. Os elogios e os insultos são da mesma forma perigosos, pois nos atingem ambos no mesmo ponto... Mas a última das tentações foi a mais fulmi nante, a mais insidiosa, a que é mais difícil de agu en tar. Tentação total, em que ao mesmo tempo é tentado o Homem e Deus. É a tentação religiosa propriamente dita, a tentação de Israel e a tentação da Igreja, que histo ricamente se situa pa ra os Judeus no deserto e para a Igreja nos reinos messiânicos , de que nós os católicos Portugueses temos bem a experiência com o Sebastia nismo.. . Meu Deus, desde aqueles dias quinhentistas até aos dias de h oje nunca mais nos levantamos! F icamos como um patriarca de opereta e um patriarcado de trazer por casa, nós que sonhamos ser a Constantinopla do Ocidente , ou até a última Roma…Po r causa do Pão fomos à procu ra do ouro, e com o ouro quisemos comprar a Deus um impér io do tamanho do Mundo, para oferecer a N.S. Jesus Cristo, o Reino de Deus sob re a Terra com as c ores de Portugal. Não deixemos as culpas aos reis de Portugal. Sabemos quanto a Igreja animou esse projeto megalómano , ten tação diabólica estendida aos ca tóli cos Portugue ses. Como aconteceu com Israel, também num deserto do norte de África ficaram os destroços e os despojos do que se chamava então a fina flor de Portugal. "Não ten tarás ao Senhor, teu Deus!" Todas as megalomanias são más, mas as pio res de todas, as mais perversas, são sempre as megaloma nias "espirituais" que Jesus nos faz descobrir como a u tênticas tentações; gestos espectaculares, grandes mei os, transfor mações repentinas e fulgurantes… A decisão fundamental, a que constitui a conversão, é integralmente feita de humildade . É uma grande decisão a CONVERSÃO. Não é pequena decisão, mas é toda feita de HUMILDA DE. Não se trata de subir aos a l tos lugares. Trata - se de pôr os pés no chão e , de baixo , donde se vêem as coisas ve rdadeiramente grandes, como diz o Padre Brown que é uma personagem de Chesterton, lançar os olhos para Aquele que nos olha com o lhos de gran de desígnio, de verdadeira grandeza. De baixo se levanta a Humildade. De cima, vistas de cima com os olh os dos homens, é tudo pequeno… De cima, vistos de cima, só os olhos de Deus nos

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Quaresma: Fazer, refazer e perfazer, cristãos e comunidades

Na humildade podemos contar com o Senhor. Na vaidade só podemos

contar connosco, o que, numa experiência de mais de trinta séculos, sabemos bem aonde nos leva. A gente não sabe qual das tentações é a mais perigosa e insinuante, pois todas nos atingem no

nosso lugar mais fraco, no ponto mais fraco, onde a egolatria se instala. Os elogios e os

insultos são da mesma forma perigosos, pois nos atingem ambos no mesmo ponto...

Mas a última das tentações foi a mais fulminante, a mais insidiosa, a que

é mais difícil de aguentar. Tentação total, em que ao mesmo tempo é tentado o Homem e Deus. É a tentação religiosa propriamente dita, a tentação de Israel e a tentação da Igreja, que historicamente se situa para os Judeus no deserto e para a Igreja nos reinos messiânicos, de que nós os católicos

Portugueses temos bem a experiência com o Sebastianismo... Meu Deus, desde aqueles dias quinhentistas até aos dias de hoje nunca mais nos levantamos! Ficamos como um patriarca de opereta e um patriarcado de trazer por casa, nós que sonhamos ser a Constantinopla do

Ocidente, ou até a última Roma… Por causa do Pão fomos à procura do ouro, e com o ouro quisemos

comprar a Deus um império do tamanho do Mundo, para oferecer a N.S. Jesus Cristo, o Reino de

Deus sobre a Terra com as cores de Portugal. Não deixemos as culpas aos reis de

Portugal. Sabemos quanto a Igreja animou esse projeto megalómano, tentação diabólica

estendida aos católicos Portugueses. Como aconteceu com Israel, também num deserto do

norte de África ficaram os destroços e os despojos do que se chamava então a fina flor de

Portugal. "Não tentarás ao Senhor, teu Deus!"

Todas as megalomanias são más, mas as piores de todas, as mais perversas, são sempre as megalomanias "espirituais" que Jesus nos faz descobrir como autênticas tentações; gestos espectaculares, grandes meios, transformações repentinas e fulgurantes…

A decisão fundamental, a que constitui a conversão, é integralmente

feita de humildade. É uma grande decisão a CONVERSÃO. Não é pequena decisão, mas é toda feita de HUMILDADE. Não se trata de subir aos altos lugares. Trata-se de pôr os pés no chão e, de baixo, donde se vêem as coisas verdadeiramente grandes, como diz o Padre Brown que é

uma personagem de Chesterton, lançar os olhos para Aquele que nos olha com olhos de grande desígnio, de verdadeira grandeza. De baixo se levanta a Humildade. De cima, vistas de cima com os olhos dos homens, é tudo pequeno… De cima, vistos de cima, só os olhos de Deus nos

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vêem como somos e como projecta que sejamos.

Depois da decisão fundamentai, que é toda feita de humildade, as outras decisões que se seguem e que se tomam, não são decisões megalómanas, mas decisões

humildes, pequenas decisões, pequenos passos que fazem os longos caminhos, as longas

caminhadas… Pequenas decisões, não são decisões mesquinhas… Mesquinho é guardar-se, poupar-se, esquivar-se, deter-se na mediocridade…

Eu resumiria todas as quaresmas que fazem a Quaresma da Igreja em três situações: FAZER, REFAZER, e PERFAZER o Cristão e a Comunidade. Há os

conversos, os que estão em fase de conversão, que em breve serão os Catecúmenos que vão entrar no

processo que os levará ao Baptismo ou à consciência baptismal a assumir: em suma, os cristãos

que se fazem. Há os penitentes; os cristãos que se refazem, que voltam à Graça, para o estado-de-Graça que perderam, como dizem os doutores da Igreja, que "voltaram a engolir o que haviam vomitado". E há, o que haveria de ser a maioria, os santos, os que vivem em estado—de-Graça, mas precisam perfazer a Obra começada neles, levar ao fim o que neles foi começado em Cristo e

na Igreja. Estas fases não se delimitam pois a Graça não se mede ao metro nem se pesa ao

grama. Em cada fase já há muito das outras fases. Ninguém pode distinguir os Santos dos

Pecadores; em cada pecador há um santo que se ignora; em cada santo há um pecador que

muitas vezes não se conhece…

Mas as comunidades, meu Deus, quando é que perceberão que a

revisão de vida quaresmal também é comunitária? Desde Roma à comunidade meia perdida no

campo, na cidade ou entre montes, pequena comunidade, não há o mesmo trabalho a fazer de

revisão da vida comunitária? Quantas vezes aquilo que envenena as pessoas não é o ar que se

respira, o ar comunitário poluído de tédio, sobre Instituições mortas que já não funcionam?!… Há sítios e ambientes que matam!…

(homilia do Pe Leonel na Serra do Pilar, em 1989.02.12)