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CULTURAL NATURE ARGA#2 CulturalNature Arga#2 é uma instalação artística desenvolvida no âmbito do meu doutoramento em Media-Arte Digital, pela Universidade Aberta e Universidade do Algarve, sobre a temática da paisagem, com orientação da Prof. Doutora Mirian Tavares (Universidade do Algarve, UAlg) com co-orientação do Prof. Doutor Fernando Paulino (Insituto Universitário da Maia, ISMAI). A paisagem é aqui vista enquanto recurso semiótico de comunicação no sentido em que está em causa um discurso semiótico que a representa enquanto algo natural. Este discurso tem raízes no passado, nomeadamente associadas à noção de paisagem enquanto vista, e alimenta um processo de naturalização. Assim, a paisagem é aqui trabalhada numa perspectiva que explora a sua formação. To landscape diz respeito a uma actividade social que interfere de forma profunda na experiência da paisagem. Leeuwen (2005) acredita que todos os discursos semióticos são modelados em práticas sociais e que o conhecimento é um produto do fazer. No entanto, os discursos transformam estas práticas sociais de forma a salvaguardar os interesses em causa, num determinado contexto social. Segundo o autor (2005), os discursos nunca são somente sobre aquilo que fazemos, mas também e sempre sobre o porquê de o fazermos. Neste sentido, e dada a pluralidade dos discursos, o autor estabelece que este consiste numa versão de uma prática social, mais as ideias e atitudes relativamente a essa mesma prática. Referindo-se a estas “versões” em si e colocando a questão de como é que um discurso transforma a realidade numa versão dessa mesma realidade, o autor lista, em primeiro lugar, os elementos que fazem parte de uma determinada prática social. São estes as acções (aquilo que as pessoas fazem), o modo (como fazem), os actores (quem faz), a apresentação (com que apresentação), os recursos (com que recursos), o tempo (em que tempo) e o espaço (em que espaço), salvaguardando o facto de que uma determinada representação poder conter apenas alguns destes elementos em detrimento de outros. E em segundo lugar, respondendo à questão de como é que a realidade se transforma em discurso, o autor refere quatro tipos de transformação: através da exclusão (os discursos podem excluir elementos da prática social), do reordenamento (os discursos podem reordenar os elementos), da adição (os discursos podem adicionar elementos à representação) e da substituição (os discursos podem substituir o concreto pelo abstracto, o especifico pelo geral, o fazer pelo ser). Neste contexto, a paisagem surge envolta em discursos semióticos, nomeadamente enquanto media em si, quer na definição do ponto de vista, quer na representação do mesmo. O discurso semiótico poderá efectivamente começar por surgir no próprio espaço quando este foi alvo de uma prática social que o transformou. CulturalNature Arga#2 pretende ser uma reflexão sobre este processo e suas consequências. A instalação é composta por uma projecção em splitscreen e um cubo de madeira que serve enquanto dispositivo de interacção. Este objecto funciona como metáfora do espaço, uma espécie de sinédoque que representa o território da Serra de Arga, e cada face está associada a um vídeo. Assim, o utilizador, consoante a face que está virada para cima, visualiza o vídeo (do lado esquerdo) que está associado a essa mesma face. Temos assim acesso a 6 vídeos que representam aspectos particulares associados à actividade humana e agentes activos na transformação da paisagem: (i) rebanho/pastoreio; (ii) actividade agrícola; (iii) habitações; (iv) água; (v) Garranos; (vi) eólicas. A paisagem da Serra de Arga sofre profundas alterações devido às actividades associadas a cada um destes aspectos. Seja no sentido de explorar recursos naturais, o desenvolvimento rural/urbano, a paisagem molda o sujeito e é, por sua vez, moldada por este em diferentes graus. Além de visualizar os vídeos, que são apresentados em loop do lado esquerdo do splitscreen, o utilizador pode agitar o cubo. Através deste gesto, metafórico, o utilizador causa “ruído” na transmissão do vídeo, sendo este representado por uma distorção da imagem associada a um processo de síntese. Dá-se assim um percurso do figurativo ao abstracto. Do particular ao geral, ao global. Segundo Simmel, “A nossa consciência, para além dos elementos, deve usufruir de uma totalidade nova, de algo uno, não ligado às suas significações particulares nem delas mecanicamente composto - só isso é a paisagem.” (2009) A agitação dá-se com níveis diferentes de intensidade. Quando a agitação chega ao nível máximo, é adicionado um novo elemento à imagem que é criada através de processos generativos do lado direito do splitscreen. Conforme o vídeo que o utilizador “agitou”, estes elementos diferem. Neste sentido, o vídeo do rebanho gera uma linha irregular, a actividade agrícola gera uma espécie de “manta de retalhos”, as habitações geram um conjunto de rectângulos associados a um núcleo habitacional, a água gera um conjunto de três linhas juntas representando o fluxo da água, os garranos geram um conjunto de pontos associados à manada e, por fim, as eólicas geram formas em estrela. O processo decorre ad infinitum. O utilizador deixa de interagir com o cubo e a imagem mantém- -se. Quando outro utilizador retoma a interacção, o processo retoma do ponto em que o utilizador anterior deixou. No entanto, os elementos que são adicionados na imagem da direita não são apenas acrescentados aos anteriores. Cada vez que se retoma a um vídeo já anteriormente visualizado, os elementos gráficos associados a essa visualização anterior são eliminados para dar lugar a novos elementos. Ao nível da paisagem sonora, temos o som directo associado a cada um dos vídeos, glitches associados ao ruído provocado pela agitação do cubo e um som contínuo (white noise) associado ao processo generativo dos elementos gráficos do lado direito. Está em causa a produção de uma paisagem, de um todo, através da interacção com os seus elementos particulares. Uma paisagem que é dinâmica, mutável, um produto de uma série de interacções, práticas sociais, regras, códigos e convenções sociais. A actividade de moldar a paisagem terá consequências irreversíveis na forma como esta é percepcionada e representada. Neste sentido a paisagem é sempre cultural e nunca natural. A paisagem, pela sua definição, é sempre um ponto de vista do sujeito. Falar em paisagem natural acaba por perder o sentido quando esta é formada a partir de fenómenos que não são apenas naturais mas sim, maioritariamente, culturais.

que este consiste numa versão de uma prática social, mais ... · o autor (2005), os discursos nunca são somente sobre aquilo que fazemos, ... e cada face está associada a um vídeo

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CULTURALNATUREARGA#2

CulturalNature Arga#2 é uma instalação artística desenvolvida no âmbito do meu doutoramento em

Media-Arte Digital, pela Universidade Aberta e Universidade do Algarve, sobre a temática da paisagem,

com orientação da Prof. Doutora Mirian Tavares (Universidade do Algarve, UAlg) com co-orientação do

Prof. Doutor Fernando Paulino (Insituto Universitário da Maia, ISMAI).

A paisagem é aqui vista enquanto recurso semiótico de comunicação no sentido em que está em

causa um discurso semiótico que a representa enquanto algo natural. Este discurso tem raízes no

passado, nomeadamente associadas à noção de paisagem enquanto vista, e alimenta um processo de

naturalização. Assim, a paisagem é aqui trabalhada numa perspectiva que explora a sua formação.

To landscape diz respeito a uma actividade social que interfere de forma profunda na experiência

da paisagem.

Leeuwen (2005) acredita que todos os discursos semióticos são modelados em práticas sociais e

que o conhecimento é um produto do fazer. No entanto, os discursos transformam estas práticas

sociais de forma a salvaguardar os interesses em causa, num determinado contexto social. Segundo

o autor (2005), os discursos nunca são somente sobre aquilo que fazemos, mas também e sempre

sobre o porquê de o fazermos. Neste sentido, e dada a pluralidade dos discursos, o autor estabelece

que este consiste numa versão de uma prática social, mais as ideias e atitudes relativamente a essa

mesma prática. Referindo-se a estas “versões” em si e colocando a questão de como é que um

discurso transforma a realidade numa versão dessa mesma realidade, o autor lista, em primeiro

lugar, os elementos que fazem parte de uma determinada prática social. São estes as acções (aquilo

que as pessoas fazem), o modo (como fazem), os actores (quem faz), a apresentação (com que

apresentação), os recursos (com que recursos), o tempo (em que tempo) e o espaço (em que espaço),

salvaguardando o facto de que uma determinada representação poder conter apenas alguns destes

elementos em detrimento de outros. E em segundo lugar, respondendo à questão de como é que a

realidade se transforma em discurso, o autor refere quatro tipos de transformação: através da exclusão

(os discursos podem excluir elementos da prática social), do reordenamento (os discursos podem

reordenar os elementos), da adição (os discursos podem adicionar elementos à representação) e da

substituição (os discursos podem substituir o concreto pelo abstracto, o especifico pelo geral, o fazer

pelo ser).

Neste contexto, a paisagem surge envolta em discursos semióticos, nomeadamente enquanto media

em si, quer na definição do ponto de vista, quer na representação do mesmo. O discurso semiótico

poderá efectivamente começar por surgir no próprio espaço quando este foi alvo de uma prática

social que o transformou. CulturalNature Arga#2 pretende ser uma reflexão sobre este processo e

suas consequências.

A instalação é composta por uma projecção em splitscreen e um cubo de madeira que serve enquanto

dispositivo de interacção. Este objecto funciona como metáfora do espaço, uma espécie de sinédoque

que representa o território da Serra de Arga, e cada face está associada a um vídeo. Assim, o utilizador,

consoante a face que está virada para cima, visualiza o vídeo (do lado esquerdo) que está associado a

essa mesma face. Temos assim acesso a 6 vídeos que representam aspectos particulares associados

à actividade humana e agentes activos na transformação da paisagem: (i) rebanho/pastoreio; (ii)

actividade agrícola; (iii) habitações; (iv) água; (v) Garranos; (vi) eólicas.

A paisagem da Serra de Arga sofre profundas alterações devido às actividades associadas a cada um

destes aspectos. Seja no sentido de explorar recursos naturais, o desenvolvimento rural/urbano, a

paisagem molda o sujeito e é, por sua vez, moldada por este em diferentes graus.

Além de visualizar os vídeos, que são apresentados em loop do lado esquerdo do splitscreen,

o utilizador pode agitar o cubo. Através deste gesto, metafórico, o utilizador causa “ruído” na

transmissão do vídeo, sendo este representado por uma distorção da imagem associada a um

processo de síntese. Dá-se assim um percurso do figurativo ao abstracto. Do particular ao geral,

ao global. Segundo Simmel, “A nossa consciência, para além dos elementos, deve usufruir de uma

totalidade nova, de algo uno, não ligado às suas significações particulares nem delas mecanicamente

composto - só isso é a paisagem.” (2009)

A agitação dá-se com níveis diferentes de intensidade. Quando a agitação chega ao nível máximo, é

adicionado um novo elemento à imagem que é criada através de processos generativos do lado direito

do splitscreen. Conforme o vídeo que o utilizador “agitou”, estes elementos diferem. Neste sentido,

o vídeo do rebanho gera uma linha irregular, a actividade agrícola gera uma espécie de “manta de

retalhos”, as habitações geram um conjunto de rectângulos associados a um núcleo habitacional, a

água gera um conjunto de três linhas juntas representando o fluxo da água, os garranos geram um

conjunto de pontos associados à manada e, por fim, as eólicas geram formas em estrela.

O processo decorre ad infinitum. O utilizador deixa de interagir com o cubo e a imagem mantém-

-se. Quando outro utilizador retoma a interacção, o processo retoma do ponto em que o utilizador

anterior deixou. No entanto, os elementos que são adicionados na imagem da direita não são apenas

acrescentados aos anteriores. Cada vez que se retoma a um vídeo já anteriormente visualizado, os

elementos gráficos associados a essa visualização anterior são eliminados para dar lugar a

novos elementos.

Ao nível da paisagem sonora, temos o som directo associado a cada um dos vídeos, glitches

associados ao ruído provocado pela agitação do cubo e um som contínuo (white noise) associado ao

processo generativo dos elementos gráficos do lado direito.

Está em causa a produção de uma paisagem, de um todo, através da interacção com os seus

elementos particulares. Uma paisagem que é dinâmica, mutável, um produto de uma série de

interacções, práticas sociais, regras, códigos e convenções sociais. A actividade de moldar a paisagem

terá consequências irreversíveis na forma como esta é percepcionada e representada. Neste sentido

a paisagem é sempre cultural e nunca natural. A paisagem, pela sua definição, é sempre um ponto de

vista do sujeito. Falar em paisagem natural acaba por perder o sentido quando esta é formada a partir

de fenómenos que não são apenas naturais mas sim, maioritariamente, culturais.