Que significou o apoio de Salazar a Franco?

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    QUE SIGNIFICOU O APOIO DE SALAZAR A

    FRANCO?

    Salazar ficou paralisado com o desenrolar acelerado e

    inesperado dos acontecimentos em Espanha, temendo

    que o fracasso do levantamento piorasse a sua posio poltica no contexto ibrico, como defende Fernando

    Martins, ou, como afirma Alberto Pena, ele e Franco no

    foram mais que duas caras da mesma moeda?

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    Equilbrio ameaado

    Fernando Martins1

    Dizem o senso comum e a generalidade dos historiadores queOliveira Salazar e o Estado Novo no s viram com bons olhos olevantamento militar que, em Julho de 1936, comeou por pr fim IIRepblica espanhola, como se prestaram a apoi-loincondicionalmente desde o primeiro instante. As razes para osucedido eram relativamente simples e indiscutveis. Veja-se apenaso sentido atribudo a dois acontecimentos muito citados. Por um lado,

    o general Sanjurjo, que deveria ter chefiado a revolta, no fosse a suamorte inesperada num acidente de avio que descolou de umaerdromo de Cascais no dia do levantamento, conspiraraimpunemente em Portugal contra a Repblica e o Governo de FrentePopular sado das eleies realizadas em Espanha, em Fevereiro de1936. Por outro, existiam grandes afinidades polticas e ideolgicasentre os militares espanhis que se pronunciaram e depois fizerama guerra ao lado de Franco contra a Repblica e o Estado Novo deSalazar.

    Estas duas posies, no sendo absolutamente falsas, tm doisproblemas. Em primeiro lugar, as conspiraes que se faziam emPortugal contra a II Repblica e o Governo da Frente Popular nadatinham de extraordinrio. Eram apenas a resposta natural do Governode Lisboa s inmeras conspiraes que decorriam em Espanhadesde 1931, protagonizadas por oposicionistas ao Estado Novo. Estes,com o apoio do Governo de Madrid, pretendiam derrubar a situaopoltica portuguesa sada da Constituio que entrara em vigor emMaro de 1933. Alm de uma resposta quilo que se passava em

    Espanha protagonizado por oposicionistas portugueses, o Governo deSalazar nunca fez nada de extraordinrio no apoio aos potenciaisrevoltosos. H at sinais de que, conhecendo-se o naturalconservadorismo de Salazar na aco poltica, o Governo portugusvisse com alguma apreenso as conspiraes espanholas ocorridasem territrio portugus. Isto porque caso fossem demasiado longe eredundassem em fracasso, iriam certamente acabar por dar aoGoverno republicano espanhol e aos conspiradores portuguesesinstalados no pas vizinho razes acrescidas para intervirem em

    1 Investigador em Histria Contempornea e Professor da Universidade de vora

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    Portugal. Por outro lado, e se centrarmos a nossa anlise apenas naconspirao contra a repblica revolucionria espanhola e nosmomentos, digamos semanas, iniciais do levantamento, aquilo quesabemos, e que os contemporneos tambm sabiam, era que no

    existia uma nica identidade poltica e ideolgica no campo militar ecivil que se revoltou. Por isso no faz sentido valorizar assemelhanas polticas e ideolgicas entre o Estado Novo e aquilo quea vinha em Espanha. No Vero de 1936 apenas se sabia que olevantamento fracassara e degenerara numa guerra civil que seinternacionalizava. Tambm se sabia que os revoltosos poderiam serderrotados e que a sua derrota, possvel nas primeiras semanas, teriaconsequncias dramticas para o Estado Novo que, entretanto, secolocara ao lado dos insurrectos.

    Os acontecimentos de Espanha e os (des)equilbrios do Estado

    Novo

    Se as explicaes tradicionais acerca da inevitabilidade enaturalidade do apoio do Portugal de Salazar aos revoltososespanhis a partir de Julho de 1936 no so satisfatrias, que tipo derespostas podem ento ser dadas para que se percebam as razes ea natureza do apoio dado pelo Governo portugus no Vero de 1936

    aos civis e militares que apostaram em derrubar a II Repblica? Aresposta relativamente simples e pressupe uma anlise dosacontecimentos e uma interpretao dos mesmos que recusa umaviso maniquesta e anacrnica. Em Julho-Agosto de 1936 estava-se,e no mais do que isso, perante um cenrio de pronunciamentomilitar inesperadamente transformado em guerra civil com desfechoimprevisvel e com consequncias bvias na situao polticaportuguesa.

    Por que razo ento Salazar, o seu Governo e o Estado portugusapoiaram os revoltosos na guerra civil que se seguiu a umpronunciamento militar fracassado? Basicamente porque ascircunstncias polticas internas o impuseram. Como fcil admitir,qualquer tomada de posio ao lado dos revoltosos supunha a apostanum partido que poderia sair derrotado que iniciara. E isto era tantomais verdade quando tudo comeara da pior maneira para osrebeldes. Recordem-se a j citada morte do lder dos revoltosos, ofracasso militar e poltico do levantamento, as hesitaes de Franconas Canrias quanto a uma participao na revolta, as dvidas de

    Hitler em torno da concesso de um apoio alemo aos rebeldes, aausncia de liderana poltica e militar entre os insurrectos, ou ainda

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    o facto de estes se terem visto forados a aceitar travar uma guerracivil com importantes apoios externos e cujo preo poltico, a pagarmais tarde, no era certamente uma boa notcia.

    Ora o que sucedeu s autoridades portuguesas, e em particular

    sua liderana poltica, foi que se viu paralisada com o desenrolaracelerado e inesperado dos acontecimentos, temendo seriamenteque o fracasso do levantamento piorasse, do ponto de vista dosinteresses do regime autoritrio portugus, a sua posio poltica nocontexto ibrico. Mas se a liderana poltica ficou paralisada, sectoreshouve da sociedade portuguesa e do prprio regime que rapidamentetomaram partido e acabaram por impor a Salazar e ao Governo oapoio aos revoltosos em Espanha (da mesma forma que outrossectores tomaram posio a favor da Repblica). Entre os que se

    colocaram ao lado dos insurrectos, uns disponibilizaram-se paracombater nas fileiras das tropas nacionais, outros reuniram ajudamaterial que enviaram para Espanha, onde foi entregue s forasrebeldes. Alm disso era possvel ouvir no Rdio Clube Portugus e lerem muita imprensa opinies favorveis no apenas aos revoltosos,mas ainda defesa de um apoio militar portugus a esses mesmosrevoltosos atravs do envio para a Estremadura espanhola de umadiviso do Exrcito portugus que interviesse no terreno facilitando aaco das tropas revoltosas. Finalmente, o levantamento e a

    guerra civil no pas vizinho foram vistos em Portugal por uma parte dabase social e poltica de apoio ao Estado Novo como a oportunidadeideal para forar o regime a adoptar polticas que impedissem arepetio em Portugal da situao vivida no pas vizinho,nomeadamente atravs do reforo do combate poltico ideolgico ameaa comunista. Foi esta opinio pblica mobilizada e radicalizada direita que imps aos lderes do Estado Novo (Carmona e Salazar) es Foras Armadas tanto o apoio aos nacionais como, por exemplo,a criao de uma milcia de clara inspirao fascista que ficariaconhecida por Legio Portuguesa. Nesse sentido, a agitao emobilizao provocada pelos acontecimentos em Espanha, e que seiniciara com a vitria da Frente Popular nas eleies de Fevereiro,acelerou no Vero e imps um comportamento e decises quecontrariavam as linhas tradicionais da poltica externa portuguesa e oequilbrio poltico e social em que, desde o incio, assentara o EstadoNovo.

    Isto significa que o apoio dado pelo Governo portugus aosinsurgentes espanhis, e que muito contribuiu para evitar a

    derrota poltica e militar inicial destes, no foi a consequncia deuma estratgia previamente delineada pelo ento Presidente

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    do Conselho, mas uma imposio das circunstncias, sobretudointernas. Tal como a restaurao da II Repblica, a vitria da FrentePopular nas eleies ou a revoluo social em Espanha que lhesucedeu, tambm o fracasso do levantamento e a sua transformao

    numa guerra civil foram um importante acontecimento na histriapoltica portuguesa, ao forarem o Estado portugus a envolver-senum conflito poltico-militar em termos indesejveis e perigosos porcolocar objectivamente em risco tanto a sobrevivncia do EstadoNovo como a integridade do Pas. Aqueles eventos puseram ainda anu, num momento excepcional, a teia de interesses e facespolticas e ideolgicas existentes no seio do Estado Novo. No entanto,foi a partir de Julho de 1936 que os sectores mais direita e maisradicais do Estado Novo conquistaram uma influncia e uma foraque ameaou destruir um equilbrio que Salazar construra desde ostempos da Ditadura Militar. Apenas com esforo e lentamentepuderam Salazar e Carmona, os sectores moderados maioritrios noregime e grande parte das chefias militares, repor o equilbrio que serompeu no Vero de 1936 e que at essa data no apenas osfavorecera mas tornara o autoritarismo uma soluo aceitvel paraboa parte dos Portugueses.

    Duas caras da mesma moeda

    Alberto Pena2

    A guerra civil espanhola foi um pilar fundamental da consolidaodo regime salazarista. No h dvida de que o 18 de Julho de 1936abria para o Portugal de Salazar um caminho para o entendimento

    com a nova Espanha de Franco, dentro do complicado panoramadas relaes ibricas. Salazar identificou-se rapidamente com afaco rebelde do Caudillo porque ele era o complemento ideolgicoperfeito para levar a cabo, sem contgios democrticos perigosos, oseu projecto poltico autoritrio em Portugal.

    As relaes entre os dois Estados deterioraram-se pouco a pouco,a partir da proclamao da II Repblica espanhola e da fundao do

    2 Professor na Faculdade de Cincias Sociais e da Comunicao da Universidade de

    Vigor e autor de Salazar, a Imprensa e a Guerra Civil de Espanha (MinervaCoimbra,2007)

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    Estado Novo, entrando num beco sem sada nos meses anteriores aoincio da guerra civil, com o governo de Azaa a apoiar os exiladosportugueses em Espanha para derrotar a ditadura lusa. A guerrafria existente entre os dois pases foi entendida por Salazar como

    um perigo para a consolidao do seu projecto poltico para Portugal.A imprensa das duas naes ibricas empreendeu ento uma guerraencarniada de propaganda para denegrir o regime contrrio.

    A interveno de Portugal na guerra de Espanha foi,fundamentalmente, de natureza poltico-ideolgica, contrariamente participao italiana, alem ou sovitica, essencialmente militar. Dospases que apoiaram os dois lados em luta, nenhum fez um esforoto grande como o Governo portugus, que viveu a guerra civilespanhola como um assunto interno.

    Aps a ecloso da guerra em Espanha, a diplomacia salazaristaps em marcha uma campanha orquestrada contra a II Repblicaespanhola, acusada de promover a revoluo internacional e de serum satlite de Moscovo com pretenses territoriais sobre Portugal,ressuscitando o velho mito do perigo espanhol. Em Portugal, aimprensa, a rdio e o cinema colocaram-se do lado insurrectopraticamente desde o primeiro dia de guerra. O embaixador espanholem Portugal, Claudio Snchez-Albornoz, denunciou as infmias dessascampanhas para provocar o corte de relaes oficiais entre os doispases, o que ocorreu em 23 de Outubro de 1936. O Governoportugus levou as pretenses do Governo de Burgos at sinstncias internacionais que estavam a favor da no interveno emEspanha, como o Comit de Londres, onde travou uma dura batalhadiplomtica para fazer valer os seus pontos de vista nos comunicadosoficiais que se enviavam aos meios de comunicao e na Sociedadedas Naes, onde atacou os argumentos dos representantesespanhis, concedendo legitimidade ao golpe de Estado do Exrcitodo general Franco.

    O Secretariado de Propaganda Nacional (SPN) colocou toda a suainfra-estrutura ao servio dos rebeldes e a Censura cortou todas asinformaes que eram prejudiciais imagem do lado insurrecto oufavoreciam o lado lealista. Os principais dilogos chegaram a publicarat trs edies do mesmo nmero, cujos exemplares eramdistribudos tambm em Espanha, no s nas zonas fronteirias, mastambm em lugares afastados da fronteira, e principalmente naGaliza, onde tiveram uma surpreendente aceitao. A chamadagrande imprensa portuguesa foi fiel ao regime, que financiava,alm do mais, revistas de doutrinao nacionalista com contedos

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    sobre a guerra. Houve alguns casos excepcionais de jornais que nose vergaram s directrizes propagandsticas da ditadura portuguesa,entre os quais se destaca o Repblica.

    A imprensa portuguesa construiu mitos prprios sobre a guerra,

    fortalecendo a imagem de Salazar enquanto guia espiritual danao, restaurador de Portugal e construtor de um novo modelo deEstado vanguardista e venerado por todo o Mundo. Segundo osdirios portugueses, o Estado Novo era o modelo que pretendiainstaurar o general Franco em Espanha, mitificado como o Salazarespanhol. O Alczar de Toledo, onde o Rdio Clube Portugus foifundamental para fortalecer os nimos dos sitiados, foi um dos mitosmais importantes de que se valeram os meios portugueses paratentar demonstrar o selvagismo dos lealistas e a fria e nobreza

    dos rebeldes. Da mesma maneira, os dirigentes portugueses semprenegaram que os avies dos facciosos tivessem bombardeado a vilabasca de Guernica. As virtudes dos nacionales eram certificadas peloscorrespondentes da imprensa portuguesa, que faziam de notrios deuma realidade que interpretavam convenincia dos franquistas.Nenhum jornalista portugus viajou ao territrio republicano parainformar desde l e, de todos eles, apenas Norberto Lopes e MrioNeves tiveram a honestidade de ser objectivos e de actuar comdignidade profissional.

    Nos primeiros e decisivos meses de guerra, as emissorasportuguesas, fundamentalmente o Rdio Clube Portugus e aEmissora Nacional, aumentaram a potncia das suas antenas,passaram a transmitir em espanhol e puseram em contacto osrebeldes do Norte e do Sul de Espanha. A influncia da rdioportuguesa nas povoaes espanholas incrementou a popularidadedo Movimento e promoveu a ajuda civil aos sediciosos entre asociedade espanhola. O RCP bombardeou Espanha com oscomentrios ofensivos do capito Botelho Moniz e da locutora

    espanhola Marisabel de la Torre de Colomina. A actividadepropagandstica atravs das ondas do RCP complementou-se comvrias campanhas realizadas em Portugal para pedir donativos, emdinheiro ou em gneros, para os rebeldes, que eram em seguidaenviados a povoaes espanholas em grandes caravanas de centenasde camies, assim como ajuda tcnica para reparar emissorasavariadas em territrio conquistado pelo lado sublevado. O SPNorganizou servios informativos internacionais em vrias lnguasemitidos pela Emissora Nacional, para difundir notcias que

    favoreciam os interesses do Governo de Burgos.

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    No que respeita ao cinema, o Governo portugus, no incioreticente projeco de documentrios sobre a guerra, rapidamenteutilizou produes prprias e o Cinema Popular Ambulante do SPNpara fazer propaganda anticomunista, de povoao em povoao,

    pelas zonas fronteirias de Portugal, com o fim de impedir o contgiorevolucionrio do lado lealista. Por outro lado, para alm da longa-metragem de Anbal Contreiras A Caminho de Madrid, que foi umexcelente presente propagandstico para os facciosos, a indstriacinematogrfica portuguesa colaborou em tudo o que pde para queas autoridades franquistas produzissem os seus prpriosdocumentrios. A colaborao entre a Cifesa e a Lisboa Filme a partirde 1937 foi fundamental para que o lado insurrecto pudesse contarcom ttulos prprios margem da cinematografia alem e italiana.Por sua vez, o cinema franquista no ocultou a aliana com a ditadurade Portugal, com a realizao, por exemplo, de Homenaje aPortugal (1936). O Estado Novo, pelo seu lado, difundiu em Espanhaa longa-metragem A Revoluo de Maio (1937).

    Assim, as diferentes campanhas de propaganda que sedesenvolveram durante a guerra civil espanhola tiveram umaespecial transcendncia para consolidar o Estado Novo e o regimefranquista. A opinio pblica indispensvel vida de qualquerregime. Os governos, por mais apoios de que disponham, no se

    mantm usando a fora, mas tendo-a, afirmava Salazar nos anos 30.Podemos concluir que a interveno ideolgica e propagandstica

    do Estado Novo entre 1936 e 1939 foi crucial para melhorar aimagem exterior do movimento rebelde. A propaganda de Salazarteve influncia no desenrolar do conflito, mobilizando a

    opinio pblica portuguesa a favor dos rebeldes (cerca de dezmil voluntrios portugueses, conhecidos como viriatos, alistaram-seno exrcito de Franco) e dando um grande impulsopropagandstico ao Governo de Burgos na esfera

    internacional.

    A colaborao propagandstica a todos os nveis entre ofranquismo e o salazarismo revela uma excepcional compenetraoentre os dois regimes. No final da guerra, em 22 de Maio de 1939, oprprio Salazar deixava isso muito claro em frias declaraes frente Assembleia Nacional. Dizia ento que no importava o sacrifcio quetinha feito o seu pas nem o nmero de soldados portugueses mortosna guerra. O importante era que, em geral, o objectivo tinha sidoalcanado. Orgulha-me que tenham morrido bem, e todos vivos emortos tenham escrito pela sua valentia mais uma pgina herica

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    da nossa Histria. No temos nada a pedir, nem contas a apresentar.Vencemos, eis tudo!

    IMPORTANTE:

    O artigo apresentado foi publicado em livro da coleco Os Anos emque Salazar governou. Assim, no dispensvel a leitura e anlisedo artigo no livro citado.