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Quem dará o golpe no Brasil?Wanderley Guilherme

Volume 5 da coleção Cadernos do Povo Brasileiro1962, Editora Civilização Brasileira, Rio

Capa Eugênio Hirsch ©

Fonte digitalh,p://www.fpabramo.org.br

© 2012 Wanderley Guilherme

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ÍNDICEIntroduçãoO que é o golpeO golpe de “esquerda”O caráter específico do golpe atual no BrasilPrimeiro equívoco sobre o golpeSegundo equívoco sobre o golpeDiferença entre ditadura “legal” e ditadura via golpeQual o motor do golpe?É provável a ditadura militar?Razões de ordem externaRazões de ordem internaO que torna possível o golpe militar?Uma condição para o golpe militarOutra condição para o golpe militarQue é a ditadura do governo forte?A preparação ideológica do golpeAs condições para a ditadura do governo forteDe onde virá a autoridade do “governo?”Em que condições pode ser vitorioso o golpe para instalar ogoverno forte?Primeira condiçãoSegunda condiçãoComo se opor ao golpe em marcha no Brasil

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INTRODUÇÃO

Em agosto‐setembro de 1961 houve a mais recentetentaEva organizada para instalar no País uma ditadura dedireita. De então para cá sucederam‐se os atentados, asbombas e as ameaças, numa demonstração evidente de quea trama golpista permanece armada. E permanece por quê?Fundamentalmente, porque permanecem sem solução osproblemas sociais que deram origem a ela. Eis o que énecessário ter presente. A tentaEva de golpe não resulta daparanóia de alguns grupos de indivíduos, civis ou militares,mas da situação social brasileira, no momento presente,que conduz a minoria privilegiada do País a esse Epo decomportamento políEco. Pouco importam as aparênciasexteriores de que tal comportamento se revista. Poucoimportam os pretextos de superFcie (a condecoração dolíder cubano Che Guevara, por exemplo) e os acidentessecundários; o golpe é sempre um fenômeno social e, emconseqüência, são suas causas sociais que devem serbuscadas e combaEdas.

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O QUE É O GOLPE?

Em primeiro lugar, deve‐se observar que a ameaçade golpe não é fenômeno recente na sociedade brasileira;ao contrário, manifesta‐se todas as vezes em que omovimento de ascensão popular recobra impulso: sejaquando esse movimento se desEna à defesa das riquezas dopaís – luta em torno da Petrobrás, agosto de 54 –, sejaquando as forças do povo estão a ponto de ganhar maiorparcela de poder políEco – agosto de 61, luta pelalegalidade –, seja, enfim, quando as massas trabalhadoras seorganizam em torno de reivindicação que afeta a situaçãovigente – a arregimentação das massas rurais em torno dasligas camponesas. Em tudo isto o que há de constante é quea ameaça golpista surge sempre que o povo manifesta ematos o descontentamento e a insaEsfação que traz naconsciência. Convém, por conseguinte, determinar a quemafeta, na ação práEca, esse descontentamento e essainsaEsfação populares.

Quando o povo se organiza, e sai às ruas, ou mesmoquando sai às ruas desorganizadamente, em defesa dasriquezas nacionais, a quem pode incomodar um movimentodessa natureza? – Evidentemente que o povo nas ruas porum objeEvo dessa espécie só pode ser inconvenienteàqueles que têm como meio de vida a malversação dasriquezas nacionais, a esses e a ninguém mais. Ora, essesconsEtuem a absoluta minoria da população brasileira, de

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onde se conclui sem dificuldade que, no exemploconsiderado, a manifestação do povo se faz a favor damaioria da população e contra a pequena minoria que viveda traição à maioria.

E quando os estudantes e os trabalhadores ganhamas ruas para defender o respeito à democracia que é, noessencial, o respeito ao direito que tem todo povo de fazervaler suas reivindicações fundamentais, a quem podeperturbar um movimento dessa espécie? Claro que aexigência de democracia, assim compreendida, semmisEficações, só pode ferir aqueles que temem asreivindicações do povo, esses e ninguém mais. E é maisclaro ainda que é a maioria absoluta da população brasileiraque tem reivindicações fundamentais a fazer: são ostrabalhadores, os camponeses, os estudantes, os pequenosfuncionários, os artesãos, os empregados no comércio;como é do mesmo modo claro que só pequeníssima parteda população brasileira pode temer as reivindicações dopovo. Logo, quando se esboça um movimento em defesa dademocracia, tal como se esboçou em agosto e setembro de61, é esse um movimento em favor da maioria do povocontra a pequena minoria que vive de submeter a maioria.

E quando, finalmente, a massa camponesa despertada secular passividade que a caracterizava e se organiza como objeEvo de alterar a estrutura agrária brasileira, a qual éresponsável não somente pela miséria da populaçãotrabalhadora rural, mas igualmente responsável,juntamente com outros fatores, pelo asfixianteencarecimento da vida nas cidades, a quem pode enfureceresse movimento? – Uma aspiração tal como a doscamponeses só inquieta aqueles que vivem da exploração

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dos camponeses, no campo, ou seja, os laEfundiários, e daexploração da fome do povo, nas cidades, ou seja, oscomerciantes ligados ao laEfúndio agrícola. E não se precisasaber somar para perceber imediatamente que oslaEfundiários, mais os comerciantes‐tubarões das cidades,consEtuem, ainda assim, ínfima parcela da população.Conseqüentemente, quando se organiza uma lutacamponesa com os objeEvos aqui descritos, é essa uma lutatambém em favor da maioria contra a pequeníssimaminoria que vive da espoliação da maioria.

Por esses exemplos se verifica que todos osmovimentos políEcos de massas mais significaEvosocorridos nos úlEmos tempos, por diversos que tenhamsido na sua forma, possuem um conteúdo essencialidênEco, qual seja o de estarem des�nados a defender amaioria do povo, subme�do pela minoria dominante . Poroutro lado, se a cada movimento popular corresponde umaameaça de golpe, torna‐se evidente que, não obstante osvariados pretextos, sob cuja capa aparece, a ameaçagolpista tem também um conteúdo essencial permanente:a defesa dos privilégios da minoria dominante contra asreivindicações e os interesses da maioria do povo.

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O GOLPE DE “ESQUERDA”

Este é o conteúdo do golpe que se está armando noBrasil. É necessário que ninguém se esqueça disto, emnenhum momento, pois sendo tal o seu conteúdopermanente, logo se percebe contra quem é dirigido. Ogolpe que ora se trama no Brasil representa um golpecontra o povo brasileiro, em geral, e contra sua vanguardamais aguerrida, em par�cular, quer dizer, contra ostrabalhadores, os camponeses e estudantes. Éabsolutamente indispensável que ninguém perca de vistaeste princípio, pois já se escutam os cantos de sereia,acenando com a possibilidade de um golpe de esquerda,entendendo‐se como tal um golpe executado em beneFciodo povo. Esta é uma chantagem posta em circulação pelosgrupos reacionários justamente para aquebrantar adisposição de luta do povo, confundi‐lo e dividi‐lo, nestahora em que sua unidade e disposição de luta consEtuem osfatores mais resistentes ao avanço golpista, os maisinsensíveis às seduções dos privilegiados. Que se denunciepor todos os meios e modos a misEficação representadapelo fantasma de um eventual golpe de esquerda, quenenhum de seus promotores define concretamente. E tudodefine muito simplesmente porque as medidas concretasque venham a beneficiar o povo não podem serconquistadas por arEmanhas golpistas já que o golpe, paraser vitorioso, tem como elementos essenciais o inesperado

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e a rapidez com que for executado, rapidez e surpresa quesupõem, como condição necessária, a traição. Em todogolpe há sempre alguém que trai alguém ou alguma coisa,pois não há golpe sem traição, enquanto as conquistasefeEvas e duradouras do povo não são, nem podem ser,conquistas da traição, mas da luta conseqüente e diária emque se empenha. Precisamente por isto o poderconquistado pelo golpe está inevitavelmente condenado aser perdido, mais cedo ou mais tarde, enquanto asconquistas reais do povo são historicamente irreversíveis.

Todavia, não devemos nos iludir sobre o que foi ditoacima, nem romanEzar os fatos da história. Aimpossibilidade histórica de um golpe de esquerda nãosignifica de modo algum que não exista, em absoluto, apossibilidade de um golpe que, a curto prazo, viessebeneficiar determinadas camadas do povo – e até mesmoseus elementos mais progressistas. Não se trata de umaimpossibilidade absoluta. É perfeitamente viável um golpecontendo em seu bojo algumas medidas imediatamentecompensatórias para o povo. Mas o que não éabsolutamente possível é que o poder assim conquistadoseja capaz de atender até o fim a todas as reivindicaçõespopulares, as quais se vão acumulando historicamente.Haverá um momento em que o poder não será capaz deatender às exigências do povo assumindo, então, caráterreacionário e direiEsta. E por que terá de ser assim? –Simplesmente porque um golpe de tal natureza só épossível quando há certa aliança entre setores da minoriaprivilegiada e setores da maioria submeEda. São os setoresda minoria privilegiada que possibilitam o golpe – poisdetêm as condições de poder para isso – e são os setores da

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maioria submeEda que dão ao golpe executado osfundamentos sociais capazes de sustentá‐lotemporariamente.

Esta é a origem dos chamados golpes de esquerda enela vamos encontrar a raiz das medidas que, a curto prazo,historicamente falando, beneficiam camadas da maioriasubmeEda. Essas medidas devem‐se à parEcipação desetores da maioria submeEda na consumação do golpe,parEcipação sem a qual este Epo de golpe não subsisEria. Oque há de progressista, portanto, nos chamados golpes deesquerda deve‐se exclusivamente à colaboração de setorespopulares nessa operação políEca.

Mas existe o outro lado da medalha a serexaminado: o lado consEtuído pelos setores da minoriaprivilegiada parEcipantes da mesma operação. É este lado,este aspecto, sempre con�do na origem dos chamadosgolpes de esquerda, o responsável pela transformaçãofutura e inevitável do golpe de progressista em reacionário.Evidentemente, as reivindicações populares não irão pararno tempo; ao contrário, tendem a se acentuar, pois nãoexiste outra coisa que as faça cessar senão seuatendimento. Esse atendimento, porém, por parte dossetores privilegiados, tem um limite, além do qual aceitar asreivindicações populares significaria deixar de ser setorsocialmente privilegiado. Nesse exato momento, o poderconsEtuído transforma‐se de progressista em reacionário.Importante, sobretudo, é assinalar que esta transformaçãorevela‐se inevitável, pois é determinada pela própria origemhistórica do fenômeno: aliança de setores da maioriasubmeEda com setores da minoria privilegiada. Todo oproblema consiste, na verdade, em prever o maior ou

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menor prazo em que essa transformação se fará, mas se farácertamente. Qual o ensinamento que o povo deve Erardesses fatos, sobretudo sua vanguarda? –Fundamentalmente este: o chamado “golpe de esquerda”,quando não é manobra divisionista da minoria privilegiada,consEtui, seguramente, a abertura histórica para o golpe dedireita. Assim sendo, torna‐se imperioso denunciar sempre,e a toda hora, os cantos de sereia que seduzem o povo coma possibilidade de um golpe de esquerda. O golpe é sempre,cedo ou tarde, contra o povo, e por este moEvo, por esteradical moEvo, é que as forças populares não devemesmorecer um só instante na luta.

Neste instante, o povo brasileiro vê‐se ameaçadopor novo golpe. Um golpe que significa a extrema defesados privilégios da minoria dominante, contra a maioriasubme�da. Para defender‐se, as forças populares devemestar avisadas, suficientemente avisadas, sobre o conteúdode qualquer golpe e o papel que lhes cabe em taleventualidade. Mas isto não é o bastante. Faz‐se necessárioainda que, sabendo em que consiste o golpe, saibamtambém qual a forma que pode eventualmente assumir,para melhor combatê‐lo. É necessário, pois, analisardeEdamente qual a forma parEcular de golpe que se estátramando atualmente no Brasil e quais os caminhos parabem combatê‐lo eficazmente.

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O CARÁTER ESPECÍFICO DO GOLPEATUAL NO BRASIL

Para bem compreender o caráter específico dogolpe, da ditadura que ora se projeta sobre o Brasil, énecessário que as forças do povo não percam de vista emmomento algum os verdadeiros interesses em jogo, quais oslances políEcos, ou até mesmo militares, que essesinteresses podem empresar, a fim de não serem levadas, oupor manobras do reacionarismo direiEsta, ou pormomentânea falha no discernimento políEco dos fatos, acombater fantasmas inconsistentes, perigos arEficialmentecriados, enquanto o verdadeiro fantasma e o verdadeiroperigo conquista posições, arrebatadas ao povo, e avançareto e implacável em direção a seus objeEvos reais. Asforças populares correm sempre o risco de inuElmentedispender esforços e energias quando se deixam levar porpalavras de ordem equivocadas, ou só em parteverdadeiras, do que se aproveita a minoria dominante paraganhar terreno. Este desvio de atenção é possível eexplica‐se, entre outros moEvos, pelo fato de ser a minoriaprivilegiada a detentora dos meios de informação edivulgação a respeito dos acontecimentos. Pode, por isto,escamotear os fatos, inventá‐los, interpretá‐los segundo lheconvém; em uma palavra, a minoria privilegiada dominantetem condições reais para distrair a atenção e os esforços dasforças populares, e seguramente não deixará de usar essas

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condições. Este perigo, portanto, é real, sendo da máximaimportância que os elementos esclarecidos do povo estejamatentos a e1e, pois nesta luta o menor erro de cálculo podeser fatal.

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PRIMEIRO EQUÍVOCO SOBRE O GOLPE

Existem dois equívocos principais, relaEvos àcaracterísEca específica do golpe atual no Brasil, que asforças populares não podem cometer em hipótese alguma.O primeiroconsiste em considerar que a ditadura armadacontra o povo, neste momento, será um sistema de governoabsolutamente diferente do que ora existe, assim como adiferença entre a água e o vinho, o sol e a chuva, otrabalhador e o ocioso. A diferença entre a ditadura queameaça o povo e o governo que possuímos não é a mesmaque se dá entre a água e o vinho, mas apenas a que separaum vinho suave de outro, só que mais azedo. Acompreensão deste fato é decisiva para as forças do povo,pois dela depende a forma de luta e a própria possibilidadede vitória nessa luta.

Por que dizemos que não há diferença radical entrea ditadura que nos ameaça e a democracia, tal como aencontramos no Brasil? – Pela razão fundamental de que ademocracia, tal como existe no Brasil, também é umaditadura: ditadura econômica e ditadura políEca. Esta é aconclusão que as forças do povo hão de Erar quandocompreenderem corretamente os fatos e, para isso, énecessário que os representantes de sua vanguardaanalisem os fatos como eles são na realidade e, não, como aminoria privilegiada diz que eles são.

Já se viu que a ditadura das classes dominantes é, no

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essencial, a defesa dos privilégios da minoria dominantecontra os interesses da maioria submeEda. Privilégioseconômicos e privilégios políEcos. Pois bem: quando sesabe que mais da metade, muito mais da metade dapopulação trabalhadora brasileira é analfabeta, e o sistemaque vigora entre nós, a que chamam de democracia, proíbeque os analfabetos votem, o que está fazendo tal sistemasenão defender, poli�camente, os privilégios da minoriaafortunada contra os interesses da maioria? Não é mais doque evidente que, se os camponeses, por exemplo,pudessem votar, mesmo sendo analfabetos, como são nasua quase totalidade, votariam contra os laEfundiários queos oprimem? Por isso, quando se proíbe que os camponesesvotem não se estará por acaso defendendo os privilégios daminoria consEtuída pelos laEfundiários contra a maioriarepresentada pelos camponeses? E não é isso, no essencial,uma forma de ditadura, manifestando‐se no terrenopolíEco? Conseqüentemente, o sistema sob o qual vive opovo brasileiro – e a que chamam erradamente dedemocracia, é também, no fundo, uma ditadura, no senEdoem que defende os privilégios da minoria contra osinteresses da maioria.

E quando se verifica que o direito de greve do povotrabalhador – que é a sua mais pura forma de manifestaçãopolíEca – não foi até hoje regulado, e quando o for serácertamente de acordo com os interesses dos empresários ecapitalistas e, não, segundo a vontade desses trabalhadores,os quais não serão chamados para decidir sobre a maneirade atuação políEca que lhes é própria e de ninguém mais,quando isto acontece, conforme se observa no regime sob oqual vivemos, que está de fato acontecendo senão que se

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está negando ao povo o direito de manifestar‐sepoliEcamente? E a quem aproveita esta condição a não seràqueles contra os quais as greves se fazem, isto é, a minoriaprivilegiada dominante? Quando o regime sob o qualvivemos – e a que chamam incorretamente de democracia –recusa ao povo o direito de externar livremente sua opiniãopolíEca, esse regime está, de fato, defendendo os privilégiosda minoria contra os interesses da maioria. E quando umregime age dessa maneira, é esse um regime democráEcoou uma ditadura? – É claro que o regime sob o qual vive opovo brasileiro consEtui, no fundo, uma ditadura, poisadmite medidas discriminatórias e opressivas contra amaioria do povo, em favor da minoria privilegiada.

Por outro lado, não é diFcil compreender que, nocampo, o bem econômico fundamental, além do homem, éa terra, pois é ela que o homem trabalha para produzir osgêneros de que necessita. E se essa terra, sem a qual nadase produz no setor agrícola, está nas mãos de pequenonúmero de laEfundiários, enquanto a maioria absoluta dapopulação rural nada possui senão seu trabalho, trabalhoesse que precisa da terra para poder converter‐se em bensuElizáveis, não é claro que aquele pequeno número delaEfundiários, porque são donos da terra, dominamtambém o trabalhador? Que poderá fazer o miserávelcamponês que necessita trabalhar para subsisEr, diante dopoderoso senhor da terra, sem cuja permissão nãoconseguirá trabalhar? E um regime – dito democráEco –que admite uma situação como esta, e não só admite comoa considera legal e a defende em suas leis, não estarádefendendo o privilégio da minoria contra os interessesvitais da maioria? E não consiste nisto, no essencial, a

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ditadura, manifestando‐se agora no terreno econômico?Sendo assim, o regime sob o qual vive atualmente o povobrasileiro é também, no fundo, uma ditadura, pois defendeos interesses da minoria contra os interesses da maioria.

Nas cidades, por sua vez, acham‐se situadas asgrandes indústrias, nas quais o bem econômico básico, alémdo homem, é a máquina, sem a qual a maioria dos objetosde uso que nos cercam não exisEria. Os trabalhadores dasindústrias sabem perfeitamente disto, mas também o restodo povo precisa saber que, sem o trabalho do operário nasmáquinas das indústrias, não exisEriam sapatos, camisas,lâmpadas, cigarros, mesas, pratos, talheres, copos etc., ouseja, quase a totalidade das coisas que uElizamos para vivercomo civilizados. A civilização é produto do trabalho, pois aprópria máquina é um resultado de trabalho humanoanterior. Eis o que se faz mister que todo o povo saiba, a fimde compreender que, sem o trabalho do operário nasmáquinas, viveríamos nus, dormiríamos sob as árvores ecomeríamos com as mãos, tal como os homenspréhistóricos.

Sendo assim, dispensam‐se novos argumentos parademonstrar que, do mesmo modo como o laEfundiáriodomina o camponês, porque possui a terra, nas cidades, porseu turno, quem possui a máquina domina o operário. É odono da máquina quem diz ao operário o que deve fazer,onde fazer, como fazer, quando fazer etc. E se o operárioconsidera injusto, errôneo o que lhe mandam fazer, poderáele por acaso resisEr ao dono da máquina, sem a qual nãotrabalha, e por conseguinte morre? – Quando um regimeadmite esta situação, considera‐a legal e a defende em suasleis, que nome deve ter: democráEco ou ditatorial? – Sem

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ser preciso muito meditar se há de compreender quetambém as cidades provam que o regime sob o qual vive opovo brasileiro é um regime ditatorial, manifestando‐se,neste exemplo, no terreno econômico.

Se tudo isto representa a verdade – e os fatos sãopor demais evidentes para serem negados –, então éimperioso que as forças do povo compreendam que nãoexiste diferença radical entre a ditadura que nos ameaça e oregime sob o qual vivemos, pois este é também, no fundo,uma ditadura econômica e políEca. Quer isto dizer que nãohá nenhuma diferença entre o regime atual e a ditadura quese está armando no Brasil? – De modo algum. Existemdiferenças entre o regime atual e a ditadura que certossetores da minoria privilegiada desejam implantar. Trata‐se,porém, de compreender que essas diferenças não sãoradicais, não são tão profundas como as que existem, porexemplo, entre a minoria privilegiada e a maioriasubmeEda. A diferença que existe entre a ditadura atual e aque se quer implantar é uma diferença de grau, como a queexiste entre um irmão e um primo, e não como a que existeentre um homem e uma mulher, sejam primos ou sejamirmãos. É absolutamente indispensável que o povocompreenda isto: em sua luta contra a ditadura que asforças reacionárias desejam implantar, não pode confiardemasiadamente na ditadura em vigor, pois essa ditaduraque aí está, essa ditadura sob a qual vive o povo, demonstraser incapaz de levar até o fim a luta contra a outra, contra aque se está armando. Só o povo, guiado por seus setoresmais avançados – os trabalhadores, os camponeses e osestudantes – é capaz de combater até as úlEmasconseqüências a ameaça de golpe, porque o golpe, como se

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indicou, acaba sendo sempre contra as forças populares, ejamais inteiramente contra a minoria dominante.

Isto não quer dizer, evidentemente, que as forças dopovo não devam contar de maneira nenhuma com o regimeatual em sua luta contra a ditadura ameaçadora, nem muitomenos quer dizer que, se ambas são ditaduras, não se devalutar contra a que está por vir. Seria esta uma posiçãoequivocada e simplista que as forças do povo devem evitar,pois há disEnções entre as formas de ditadura que, emboranão sendo radicais, nem por isso deixam de ser importantespara a luta que o povo trava contra seus inimigos. Avanguarda do povo jamais deve se afastar daparEcularidade dos fatos, seduzida pelas soluçõessimplistas. Se existe diversidade entre as formas deditadura, essas diferenças devem ser analisadas em favor daluta, na medida em que isto for possível, sabendo‐se que apossibilidade dos fatos está nos fatos e não na cabeça doshomens. De outro lado, também deve ser evitado o errooposto que seria lutar imediatamente contra a ditaduraatual, pois esta decisão só pode ocorrer a quem analise osfatos a parEr de fórmulas previamente esboçadas. A luta dopovo não se trava apenas contra a ditadura, em geral, mascontra a forma de ditadura parEcular que mais o espolie esubmeta, e no caso presente a ditadura mais espoliadora emais despóEca é a que está em marcha, a que se acha emformação e, não, a que está formada. A posição justa davanguarda do povo deve ser a de preparar‐se para liquidarcom todas as ditaduras da minoria dominante, lutandocontra a ditadura em marcha, uElizando‐se das diferençasque a disEnguem da ditadura existente, sem, no entanto, sedeixar enganar sobre a capacidade de luta do sistema atual,

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pois este seria um dos dois equívocos fundamentais a queestão expostas as forças populares. Analisemos, agora, ooutro equívoco capital em que podem incorrer as forçaspopulares.

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SEGUNDO EQUÍVOCO SOBRE O GOLPE

O segundo equívoco consiste em idenEficarsistemaEcamente a ameaça de golpe, de ditadura, com ogolpe militar, com a ditadura militar. O golpe, como recursoextremo da minoria dominante para assegurar seusprivilégios diante da maioria submeEda, não é sempre enecessariamente um golpe militar, uma ditadura militar,mas pode assumir as mais diversas formas, dependendo dascircunstâncias concretas em que for consumado. Eis aí umponto que necessita ficar perfeitamente esclarecido naconsciência das massas, pois nota‐se a tendência, entre asforças populares, a idenEficar perante o povo,sistemaEcamente, ditadura e ditadura militar, a ponto de sóse preocuparem com os sintomas de eventual golpe militar,descuidando, e levando o povo a descuidar‐se, de outrossintomas que indicam a possibilidade de golpes de Epodiferente.

Precisamos reconhecer que há uma tradiçãohistórica, não só no Brasil, mas em toda a América LaEna,para jusEficar essa idenEficação. Na verdade, a história dospovos laEno‐americanos mostra‐se farta em golpes sob aforma de junta militar – o que colabora para engendrar naconsciência do povo a imagem indisEnta que associa golpe ejunta militar. Mas é forçoso reconhecer também que ahistória não pára, que as condições do mundo evoluem eque mesmo a situação interna dos países laEnoamericanos,

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em parEcular do Brasil, não é idênEca à de 30, 20 ou mesmo10 anos atrás. Não aproveita à luta do povo essaidenEficação simplista de ditadura e ditadura militar, e nãoaproveita por várias razões. Em primeiro lugar, porqueaprofunda na consciência do povo um conceito que só emparte se revela jusEficado e objeEvo; em segundo lugar,porque essa idenEficação não corresponde à análise corretado recurso extremo da minoria dirigente, que é o golpe; e,em terceiro lugar, porque dessa idenEficação pode derivaruma táEca de luta equivocada, organizando‐se as massascontra um inimigo insubsistente – quando o golpe iminentenão for de Epo militar –, permiEndo que o golpe real emmarcha apunhale o povo pelas costas. Em conseqüência,torna‐se imperioso lutar contra as simplificações levianas eapressadas e, sobretudo, erradicar da consciência popular ofalso conceito que idenEfica ditadura com ditadura militar.Para tanto, faz‐se mister saber não apenas o que há deidên�co entre a ditadura instalada por intermédio deeleições corrompidas, como a que existe atualmente noBrasil, e a ditadura instalada por intermédio de um golpe,mas, principalmente, qual a diferença que há entre uma eoutra, porque justamente no esclarecimento dessadiferença está toda a chave para compreender por que ogolpe não é, sempre e necessariamente, golpe militar,entendendo‐se por golpe militar a dominação direta doaparelho de Estado pelos militares.

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DIFERENÇA ENTRE DITADURA “LEGAL”E DITADURA VIA GOLPE

A diferença principal que existe entre a ditadurainstalada pelo mecanismo das eleições corrompidas e outra,instalada por intermédio de um golpe, é que, na segunda, aminoria privilegiada dirigente se vê obrigada a rasgar suaspróprias leis. Esta é a diferença essencial que as forças dopovo, principalmente sua vanguarda aguerrida, devemcompreender de tal modo que não a esqueçam em nenhummomento da luta. O golpe, seja de que Epo for, significasempre alterar as regras do jogo políEco estabelecido pelaminoria dirigente, regras e leis que apresentava ao povo, noafã de submetê‐lo permanentemente, como imutáveis eintocáveis. Não é sempre com fundamento no império da leique se reprimem as greves dos trabalhadores? Não ésempre apelando para os estatutos legais do país e dasinsEtuições que se impedem os pequenos funcionáriospúblicos, por exemplo, de manifestarem sua revolta ante amiséria crescente a que estão sendo aErados? Não seafirma sempre, afinal, que a ordem existente é justa porquederiva da lei, como se esta lei correspondesse, por sua vez, àordem ideal, não obstante o fato de ter sido feita porhomens? E que, por isso mesmo, todos a ela devem sesubmeter, ricos e pobres, dominados e dominantes? – Poisbem: são essas mesmas leis e regras, estabelecidas pelaminoria dominante, e que não podiam ser violadas pelo

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povo sem risco de penas severas, que começam a servioladas pela própria minoria dirigente, quando se instalauma ditadura por intermédio de um golpe. Começa‐se porrasgar as leis que regulam a conquista do poder políEco, nocaso os estatutos eleitorais, e daí por diante, dependendodas necessidades, rasgar‐se‐ão quaisquer leis. O povo não sedeve iludir jamais a respeito disto, acreditando em regimesde emergência e de exceção, os quais se apresentamsempre como passageiros.

Esta é a diferença principal entre a ditadura sob aqual vivemos e aquela sob a qual nos querem fazer viver. Naditadura em vigência, a pequena minoria dirigente pautasua conduta pelas leis imperantes, enquanto nas ditadurasvia golpe a minoria privilegiada começa por violar as leis queela própria havia promulgado. Mas isto ainda não é tudoquanto o povo precisa compreender sobre as diferençasentre a ditadura que aí está e a ditadura que ameaçainstalar‐se. Indispensável é que se procure estudar ecompreender porque, em determinado momento, aminoria dominante, ou setores dela, vê‐se compelida aviolar as leis que ela mesma havia criado. Eis a questãomagna do problema da ditadura, instalada por intermédiode um golpe, questão que as forças populares devemresolver de modo absolutamente claro.

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QUAL O MOTOR DO GOLPE?

Qual o motor do golpe? o que determina a minoriadominante, ou setores dela, a violar suas próprias leis,instaurando assim uma ditadura de novo grau? – Ora, sesabemos, se o povo está absolutamente seguro, de que ogolpe é o recurso extremo de que lança mão a minoriadominante, visando assegurar os privilégios que possui,então se torna claro que o golpe surge inevitavelmentecomo única alternaEva para a minoria privilegiada, quandoos quadros “legais” da ditadura an�ga se tornam duvidososou ineficazes para a manutenção desses privilégios. Eis omotor fundamental do golpe. Na verdade, é porque aminoria dominante, ou setores dela, não vê mais o que fazerpara conEnuar como minoria dominante, nos quadrosexistentes e com as leis por ela própria estabelecidas, quese criam as condições objeEvas para o projeto e para atentaEva de violar e rasgar essas leis, instaurando‐se, então,uma ditadura de novo Epo, que assegure a permanência dadominação da minoria.

Sendo assim, interessa profundamente às forçaspopulares, principalmente à sua vanguarda, determinarquais as razões que tornam qualquer ditadura “legal”obsoleta nas suas leis e nas suas insEtuições, obrigando àsua violação pronta e acelerada. Desde logo, é evidente quese trata de um conjunto de razões que, no caso específicodo Brasil, serão a seu tempo analisadas. Do ponto de vista

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das forças populares a razão predominante é o acúmulo depoder que vêm essas mesmas forças popularesconquistando, nos quadros “legais” vigentes, a ponto daminoria dominante sen�r‐se ameaçada nos seus privilégios,caso não se estabeleçam novos quadros “legais”, que lhepermitam retomar o poder perdido para as forçaspopulares. Esta a razão principal, do ponto de vista do povo,que leva a minoria privilegiada a começar a rasgar suaspróprias leis. Acentuo ser extremamente importante que asforças populares guardem este aspecto da questão, pois, aparEr do ponto de vista de seus interesses mais profundos epermanentes é isto o que fundamentalmente está em jogo,não obstante todas as demais condições que propiciam aalternaEva do golpe: trata‐se de recuperar, no mais breveprazo de tempo possível, o poder acumulado pelo povo parasi e, simultaneamente, assegurar em novos moldes “legais”,a permanência da dominação da minoria sobre a maioria. Aenvergadura do golpe, portanto, a forma sob a qual seexecuta, seu alcance e profundidade, não estãodeterminados a priori, mas são definidos pelas necessidadesobjeEvas senEdas pela minoria dominante, com o objeEvode manter essa dominação. Em tais condições, a forma, oEpo do golpe, dependem do conjunto das condiçõesconcretas da sociedade e do modo pelo qual a minoriadominante se vê ameaçada. Não é possível, na vida dassociedades, dar‐se um golpe quando se quer, ou o golpeque se quer mas, do ponto de vista da minoria privilegiada,o golpe possível, o qual é delimitado pela correlação deforças sociais, naquele momento.

Tendo em vista todos esses aspectos do problemafaz‐se necessário denunciar toda pregação que vise a

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inculcar nas massas brasileiras a imagem de que o golpe é,sempre e necessariamente, um golpe militar. Trata‐se deuma noção contraproducente, pois não forja na consciênciadas forças populares a correta disposição para a luta. Énecessário levar ao povo o esclarecimento sobre as ameaçasreais que pesam sobre ele, a fim de criar a consciência capazde repeli‐las. Nesse senEdo, deve‐se estudar as condiçõesatuais da luta social, as quais indicam que o golpe que estáem marcha, no Brasil, tende mais para uma ditadura sob aforma de governo forte, do que para uma ditadura sob aforma de junta militar.

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É PROVÁVEL A DITADURA MILITAR?

Há, como se disse, uma corrente entre as forçaspopulares que tende à simplificação de idenEficar golpecom golpe militar, reErando da complexidade com que seapresenta a vida e a luta social brasileiras, apenas algunsfatos, isolando‐os do conjunto da situação objeEva. Claroque há possibilidade de encontrar exemplos em apoio datese de que o golpe que se está armando é um golpe militar,mas já disse um grande líder popular que, com a extremacomplexidade dos fenômenos da vida social, pode‐sesempre encontrar exemplos ou dados isolados em apoio dequalquer tese. O que importa, porém, não são os fatosisolados, mas o conjunto, entrelaçados, implicados uns nosoutros, explicando‐se uns aos outros, pois só quando secompreende o conjunto, quer dizer, só quando as camadasesclarecidas do povo compreendem a razão por que oconjunto dos fatos se entrelaça do modo como se observa,e não de outro, é que terá condições de perceber comjusteza qual o caminho que a reação da minoria dominantevem seguindo, com o objeEvo de assegurar essa dominação.

Ora, o estudo do conjunto da situação brasileiraatual mostra que o golpe em marcha no Brasil não tende aassumir a forma de um golpe militar. À admissão desse Epode golpe, na verdade, opõem‐se duas ordens deponderáveis razões: razões de ordem externa,internacionais, e razões de ordem interna, nacionais.

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Compete aos setores progressistas do povo analisar combastante cuidado essas razões, de que modo evoluem, ecomo se condicionam mutuamente.

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RAZÕES DE ORDEM EXTERNA

A análise, cuidadosa dessas razões há de mostrarque o brasil como nação capitalista que é, acha‐se integradono sistema mundial do capitalismo. Não importam asdivergências entre o Brasil e outras nações capitalistas; nãoobscurecem o fato de que o Brasil está integrado no sistemamundial do capitalismo. Existem divergências entre a Françae a Alemanha, entre os Estados Unidos e a Inglaterra, e nempor isso todos esses países deixam de compor o sistemacapitalista mundial. Quer isto dizer que as diferenças nãoimportam? – De maneira alguma, pois é justamente umadessas diferenças que vai fundamentar uma das razõesinternacionais que dificultam o golpe, sob sua forma militar,no Brasil. Qual é essa diferença? – eis o que o povonecessita compreender definiEvamente.

O sistema capitalista mundial é cortado de alto abaixo por uma oposição profunda: de um lado estão asnações capitalistas tornadas imperialistas, isto é,dominadoras de outras nações; de outro lado, as nações deestrutura interna dominante, capitalista, sofrendo porém adominação imperialista, isto é, as nações dominadas. OBrasil, como nação capitalista, forma no bloco parEcular dasnações capitalistas dominadas pelo imperialismo, isto é, poroutras nações capitalistas mais poderosas, econômica epoliEcamente. Esta é uma verdade que precisa penetrarpelos olhos e pelos ouvidos do povo até aEngir sua

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consciência. Tem valor decisivo mesmo para o povocompreender que o Brasil é uma nação dominadaeconômica e poliEcamente por outras nações. Sem alcançaristo o povo brasileiro não conseguirá compreenderprofunda e realmente nada do que se passa na sua vidainterna e nas suas relações internacionais. E é necessáriotambém que as forças populares saibam que o imperialismodominante em nosso País é o imperialismo norte‐americano, que são os desejos e os interesses desseimperialismo que estão por trás dos mais importantesacontecimentos em nossa Pátria, quer econômicos, querpolíEcos. Convém explicar ao povo, sem dúvida, que issonão significa de maneira alguma que tudo, absolutamentetudo, que acontece em nosso País, se produza por ordem doimperialismo. Não. Nem tudo acontece por ordem doimperialismo, mas certamente nada, absolutamente nada,pode acontecer que não seja, no fundo, contra ou a favor doimperialismo. Tem‐se de explicar também que ocorrem maiscoisas a favor do que contra. Há sobretudo uma coisa quejamais pode acontecer contra o imperialismo em nossaPátria, enquanto esEvermos integrados no sistemacapitalista mundial: é aquilo que, sendo contra oimperialismo, em nossa Pátria, seja, simultaneamente, noplano internacional, contra o capitalismo. Enquanto o Brasilfizer parte do sistema capitalista mundial, nada podeocorrer internamente que enfraqueça, internacionalmente,esse sistema – eis aí algo que o povo precisa compreender enão olvidar jamais. E para que compreenda isto comfacilidade basta mostrar‐lhe não ser possível, que écontraditório, tornar propriedade do povo, por exemplo, asminas da Belgo‐Mineira, ou tornar as terras que atualmente

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pertencem à Anderson Clayton propriedade comum detodos os que nela trabalham, e conEnuar a pertencer aosistema mundial do capitalismo.

Mas não são apenas certas medidas contra oimperialismo que podem, no campo internacional,enfraquecer o sistema capitalista. Especialmenteimportante é compreender que também existem medidasque, sendo a favor do imperialismo em nossa Pátria, podemser inconvenientes para o sistema capitalista enquantobloco internacional, em determinadas circunstâncias. Esta éuma ocorrência perfeitamente viável e as forças do povodevem estar bem esclarecidas sobre ela. Um exemploconcreto e recente ajudará o povo a entender este aspectosingular dos problemas que existem no interior das naçõescapitalistas, quando os analisamos como problemas de umanação dominada, mas integrante do sistema mundial docapitalismo. Trata‐se do exemplo oferecido pela RepúblicaDominicana por ocasião dos preparaEvos da Conferência dePunta del Este. Como todos sabem, naquele País vigoravadurante vários anos uma ditadura, ameaçandotransformar‐se em dinasEa, quando o ditador foiassassinado, precipitando uma série de acontecimentospolíEcos, nos quais o povo vinha exercendo papel cada vezmais saliente, destacando‐se, entre suas reivindicações,várias medidas contra o imperialismo norte‐americano que,também ali, é o imperialismo predominante. O governoestabelecido, guiando‐se pelas leis em vigência, mostrava‐seincapaz de conter o avanço popular contra o imperialismo.Paralelamente, preparava‐se, no campo internacional, novainvesEda contra Cuba, sob a alegação de que ali exis�a umaditadura cruel, sanguinária, alvo de todas as demais calúnias

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que os Estados Unidos costumam veicular contra os povosque se libertam de sua dominação. Pois bem, às vésperas daconferência que deveria condenar Cuba, por viver sob umregime ditatorial‐militarista, os chefes militaresdominicanos, temerosos de que o governo “legalmente”consEtuído não pudesse conter a onda anEimperialista,anEnorte‐ americana, tomaram o poder e instalaram umaditadura, sob forma militar. Esse golpe, como se percebefacilmente, foi uma medida a favor do imperialismo,ameaçado pelo avanço popular. Ora, ocorre que os EstadosUnidos necessitavam do voto da República Dominicana, quefaz parte da OEA [Organização dos Estados Americanos],para condenar Cuba, justamente sob o pretexto de que emCuba se instalara uma ditadura sangrenta. Foi sob a capa dedefensores das liberdades democráEcas que os EstadosUnidos se apresentaram diante dos povos laEno‐americanos, não obstante os pequenos arranhões doParaguai, da Guatemala e outros menos evidentes. Masaquele golpe na República Dominicana era recente demais,justamente dois ou três dias antes da Conferência. Fazia‐seevidente demais que o voto da República Dominicana, emtal situação, equivaleria a desmoralizar definiEvamente todaa Conferência e a enfraquecer ainda mais a posição norte‐americana. No caso, esta fraqueza equivaleria a enfraquecernão apenas os Estados Unidos, mas o sistema capitalista, nasua seção laEno‐americana que é a OEA, pois a luta que setravava não era apenas contra o anEimperialismo de Cuba,mas principalmente contra o socialismo que Cubarepresenta nas Américas. Desmoralizar a acusação lançada aCuba, como certamente aconteceria com o voto daRepública Dominicana naquelas condições, significava, no

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fundo, enfraquecer o sistema mundial do capitalismo. E oque se viu, então? A rápida e tranqüila mudança daditadura‐militar instalada no poder por um governo “legal”,podendo então a República Dominicana, dignamente, votarem Punta Del Este pela condenação da ditadura sangrenta emilitarista que, segundo afirmam os Estados Unidos e aGuatemala, existe em Cuba. Eis aí niEdamente configuradauma situação na qual uma medida interna a favor doimperialismo transforma‐se, no plano internacional, numamedida que enfraquece, poli�camente, perante os povos detodo o mundo, o sistema capitalista mundial.

É claro que tais situações são especiais e não devemiludir ninguém sobre os pruridos democráEcos doimperialismo, quando estão em jogo seus interessesmateriais. Estas situações podem ocorrer, e se dão de fato,em virtude da contradição básica a que está sujeito oimperialismo, úlEma etapa do capitalismo, em sua lutainternacional contra o socialismo. Toda a propaganda, todaa políEca exterior do imperialismo, enquanto expressão deum dos lados do sistema capitalista mundial, tem porbandeira o argumento de que o capitalismo representa aliberdade e o socialismo a escravidão. Ao mesmo tempo,porém, que o socialismo avança no mundo, o sistemacapitalista mundial vê‐se cada vez mais na conEngência deimpedir que os povos oprimidos subsEtuam‐no por outro,superior, verdadeiramente democráEco. E para impedir queo povo instale o socialismo, o sistema capitalista vê‐seobrigado a acentuar e evidenciar o aparato de repressãoque mantém o povo subjugado, tornar‐se ditadura expressae sem disfarce – o que nega, na práEca e aos olhos de todoo mundo, a bandeira de liberdade que diz representar. É

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esta contradição, tornada mais aguda à medida que osistema socialista avança no mundo, que dá alicercesobjeEvos àquela situação, cujo exemplo citamos. A ditaduramilitar expressa, representada pelo domínio direto doaparelho do Estado pelos militares, consEtui forma deditadura que, dadas as condições atuais do mundo, cada vezmenos favorece, no plano internacional, o sistemacapitalista mundial. Nem por isso, é claro, ela será evitada,especialmente se for o único recurso para manter o regimecapitalista, mas é necessário reconhecer que, nas presentescircunstâncias mundiais, a ditadura militar expressa, numpaís capitalista, só interessa ao imperialismo quando forrealmente o úlEmo recurso para a manutenção do sistema.Nem por outro moEvo se observam, de algum tempo paracá, as pressões do imperialismo norteamericano junto àsditaduras laEno‐americanas, junto às ditaduras militares, nosenEdo de subsEtuí‐las por outra, de Epo diferente. São aspróprias contradições do sistema capitalista mundial, emsua luta contra o socialismo, que criam situações como aque o caso da República Dominicana exemplifica. As forçaspopulares, portanto, devem estar atentas a todos estesaspectos da questão, a fim de compreender que ascondições atuais do sistema capitalista mundial não são demolde a favorecer, em princípio e imediatamente, aimplantação de uma ditadura militar nos países membrosdo sistema.

Em tais circunstâncias, a vanguarda do povo deveperguntar se interessa ao imperialismo dominante emnossa Pátria implantar uma ditadura militar. E deveperguntar também, de modo ainda mais geral, se interessaao regime capitalista vigente em nosso País apelar para a

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ditadura militar a fim de manter‐se como regime vigorante.A ambas as questões se há de responder negaEvamente.Em princípio, as condições atuais do sistema capitalistamundial, no qual está integrado o nosso País, nãoaconselham a implantação da ditadura sob forma militar.Quer isto dizer que devemos afastar em definiEvo ahipótese de um golpe militar no Brasil? – Absolutamentenão. O que se pretendeu demonstrar foi apenas que acaracterização do golpe em marcha não é problema simplesque se resolva pela aplicação de esquemas apriorísEcos aalguns fatos tomados isoladamente. As camadas maisesclarecidas do povo devem analisar com objeEvidade todasessas questões, de modo a estabelecer uma táEca de lutacorreta para a batalha que irá travar, ou melhor, que já estátravando contra o golpe. Quando se sabe que as condiçõesatuais do sistema mundial do capitalismo não propiciam aimplantação de uma ditadura militar direta nos estados‐membros do sistema, o que as forças do povo devem fazerem primeiro lugar é examinar se, dadas as nossas condiçõesinternas atuais, não há outra alternaEva para a minoriaprivilegiada dirigente senão a ditadura militar – o que nosremete ao exame da segunda ordem de razões a que nosreferimos acima.

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RAZÕES DE ORDEM INTERNA

O que decide presentemente o caráter do golpe aser dado são as condições objeEvas nas quais essa operaçãopolíEca se desenrola. E aqui torna‐se necessário chamar aatenção das forças populares para outro aspecto daquestão, qual seja o de que, independentemente da formasob que se venha a consumar o golpe, a implantação daditadura é sempre um ato políEco. Mesmo quando aditadura instaurada for uma ditadura militar direta, trata‐se,essencialmente, de uma operação políEca, quer dizer,consEtui fenômeno social, decorrente de problemas sociais,os quais se originam do choque entre forças sociais; e sósecundariamente representa uma operação militar, nosenEdo técnico da palavra. É indispensável que secompreenda este aspecto com muita clareza, a fim dediscernir o que há de social nos pronunciamentos“militares”. Na verdade, o pronunciamento dos militares sóimporta, primeiramente, pelo conteúdo social que possua eé esse conteúdo que as forças do povo necessitam disEnguircom clareza. Quando o conteúdo social de taispronunciamentos for verdadeiramente significaEvo, aí é quese torna importante o fato de terem sido feitos pormilitares. Os pronunciamentos militares não têmimportância porque sejam militares, mas porque contêmdeterminados compromissos sociais – vale dizer, políEcos –assumidos por militares. Quando o conteúdo social de um

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pronunciamento militar não tem ressonância nacoleEvidade e cai no vazio, a circunstância de ter sidoenunciado por um militar de nada importa, historicamentefalando. Basta que as forças do povo não esqueçamrecentes acontecimentos e compreenderão este ponto.Basta recordar a chamada “Operação Mosquito”, caso [picode pronunciamento “militar”, cujo conteúdo social já nãomais correspondia à correlação das forças políEcas, e secompreenderá que os pronunciamentos militares devemser analisados poliEcamente, pois só assim adquiremsenEdo. Além disso, se compreenderá também que o fatode exisEr no Brasil, atualmente, militares fazendo pregaçõesgolpistas não indica necessariamente que o golpe empreparação seja um golpe militar. Este é um ponto quecertas correntes das forças populares não têm sabidointerpretar corretamente e, num juízo apressado, supõem efazem supor que o golpe em marcha no Brasil terá carátermilitar porque tal ou qual militar é golpista ou faz pregaçõesgolpistas. Não é este o modo correto de entender aquestão. As pregações golpistas por parte de militares sóindicariam a iminência de golpe militar se o conteúdo dessaspregações, se as reivindicações sociais que implicam,exigissem o comando militar direto do aparelho do Estado,como condição para o atendimento dessas reivindicações.Isto, em primeiro lugar e, ainda, em segundo lugar, serianecessário que, não só essas reivindicações, e a condiçãoque implicam, a de que só o comando militar direto doaparelho do Estado por parte dos militares permiEria o seuatendimento, correspondessem à posição polí�ca das forçassociais dominantes. Também este assunto se revelaimportante, pois pode ocorrer que alguns militares desejem

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efeEvamente um golpe de caráter militar, e certamenteexistem oficiais com essa intenção, mas se esta posição nãoconsultar os interesses e os objeEvos das forças sociaisdominantes – a minoria privilegiada –, esta deficiênciatornará o golpe militar praEcamente inviável, pelo menosnaquele momento.

Todas estas questões, portanto, demonstram que ocaráter do golpe em marcha no Brasil não deve ser buscadona aparência dos fatos, nem muito menos na aplicação deesquemas a alguns dados isolados, mas nas razõesprofundas dos acontecimentos, as quais só se desvendampela análise objeEva e prudente do conjunto da situação naqual a operação se desenrola. Cabe às forças populares, porconseguinte, indagar qual o senEdo geral da situaçãobrasileira, para ver se o golpe que se prepara nestemomento contra o povo tende a assumir realmente carátermilitar. Nesse senEdo, um bom caminho será começarperguntando pelas condições militares que tornam possívelo golpe militar, isto é, qual a posição social rela�va dasforças armadas que mais favorece, ou mesmo possibilita,desferir um golpe de natureza militar.

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O QUE TORNA POSSÍVEL O GOLPEMILITAR?

O golpe militar, como já foi várias vezes referido, sedefine pelo domínio direto e pessoal do aparelho do Estadopelos dirigentes das Forças Armadas. Esta é a caracterísEcaessencial do golpe militar, sendo indispensável tê‐lapermanentemente presente, a fim de que se saibadisEnguir o golpe militar – que é uma coisa – do papel dosmilitares em qualquer golpe – que é coisa muito diferente.Quando se afirma que as condições imperantes no mundo,por exemplo, não favorecem a implantação de uma ditaduramilitar nos estados ‐membros do sistema capitalistamundial, está‐se afirmando apenas que não convém a essesistema, em princípio, e nas condições atuais do mundo,que os militares assumam o controle direto e pessoal doaparelho do Estado. Mas nessa declaração não está dito queos militares não devam ter par�cipação alguma nasditaduras ou nos golpes em preparação. Uma coisa é opapel desempenhado pela corporação militar, e outra coisaé o caráter militar do golpe. Essa disEnção é essencial e avanguarda aguerrida do povo deve estar atenta ecompreendê ‐la bem, pois não há golpe sem par�cipação demilitares, mas para que esse golpe assuma a natureza degolpe militar é imprescindível que os militares par�cipem demaneira muito especial em sua preparação e em suaexecução. A implantação de uma ditadura militar, depende,

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por conseguinte, do papel desempenhado pelas ForçasArmadas no desencadear do golpe. Em que condições aparEcipação do corpo militar no golpe contra o povo podedeterminar o caráter desse golpe? – eis a questão que asforças populares não podem deixar de analisar.

A implantação de uma ditadura militar – no que dizrespeito ao papel que os militares nela desempenham –supõe, em princípio, considerável unidade e coesão depontos de vista no seio da própria corporação. – Eis aí aprimeira condição básica para que o papel desempenhadopelos militares possa vir a determinar o caráter militar dogolpe. Está claro que sem unidade de comando, a qualsupõe unidade de orientação, o corpo armado não temcondições para assumir direta e pessoalmente o controle doaparelho do Estado, pois imediatamente surgiriam asdefecções, as divergências, que dificultariam a manutençãodo comando direto do Estado pelos eventuais chefes dogolpe. Sem unidade de orientação, da qual decorre apossibilidade de comando, a parEcipação dos oficiais naexecução de um golpe não tem condições para determinaro caráter desse golpe como militar. Eis aí, pois, a condiçãobásica para definir o papel dos militares na aventura golpistaa ponto de determinar a essência desse movimento: acoesão interna, manifestada em seu duplo aspecto deunidade de orientação e unidade de comando.

Quer isto dizer que as forças populares devamencarar essa coesão de modo absoluto, ou melhor, suporque o papel dos militares só determina a espécie do golpequando não houver nenhuma voz discordante no seio dacorporação? – De modo algum. A coesão desta, da qualdepende o seu comportamento, não deve ser entendida de

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modo absoluto e abstrato pelas forças populares. A coesãointerna de que, no caso, se trata, é uma coesão relaEva,viva, não se define por não haver nenhuma voz discordanteno seio do grupo militar, mas porque a unidade rela�vaalcançada no seu interior é suficientemente ponderável parafazê‐lo atuar, no exterior, nas suas relações com as outrasforças sociais, como se a sua coesão interna fosse absoluta,como se houvesse no interior a mais completa unidade deorientação e de comando. O que importa, pois, é o modopelo qual atua nas suas relações com as outras forçassociais. Se atua coeso e unido, então é porque há condições– do ponto de vista militar – para que o seu papel venha adeterminar o caráter do golpe, caso seja indispensável queo movimento tenha por obje�vo implantar uma ditaduramilitar. E aqui é conveniente chamar a atenção das forçaspopulares para mais um ponto importante.

Como já se viu, o caráter militar de uma ditadura édeterminado pelas condições sociais do momento, querdizer, só quando representa o único recurso para assegurara manutenção dos privilégios da minoria dominante é quese cria a necessidade social, por parte daquela minoria, deimplantá‐la. Mas isto não quer dizer que, só por haver essascondições, seja possível implantar uma ditadura militar. Elatorna‐se exigida, é certo, mas resta saber se é possível. Estapossibilidade é definida, como se viu, pelo papel que asforças militares podem desempenhar, o qual depende,também, das condições sociais em que atuam. São essascondições que estamos analisando. Interessa‐nos saber,portanto, quais as condições sociais que tornam possível ogolpe militar, caso seja exigido.

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UMA CONDIÇÃO PARA O GOLPEMILITAR

Tais condições cifram‐se, como vimos, na coesão, docorpo militar referidas as suas relações externas com asdemais forças sociais, independentemente da amplitude desua coesão real, interna. Quer isto dizer que o órgão militarsempre atua coeso, não obstante as discrepâncias existentesno seu interior? – Absolutamente, não. Para que possaatuar coeso é necessário que as divergências no seu interiornão ultrapassem determinados limites. O que as forçaspopulares devem fazer é examinar em que condições podeocorrer essa coesão.

A condição mais favorável, e a que maisfreqüentemente se verifica para que as Forças Armadas secomportem coesas, dá‐se quando se acham consEtuídascomo casta no conjunto da sociedade, quando recebembeneFcios e favores especiais da coleEvidade, melhordizendo, quando tomam beneFcios e favores especiais dacoleEvidade somente pela razão de ser grupo armado. Ocorpo militar, assim consEtuído, goza de posição singular noconjunto da sociedade, pois passa a girar em torno deprivilégios e interesses que são, especificamente, privilégiose interesses dos militares. Este é o caso de grande parte dasnações laEno‐americanas, nas quais os militares formam umgrupo social suficientemente diferenciado, a ponto de

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criarem uma órbita de interesses próprios, destacada dosdemais planos do conjunto social. Neste caso, as vozesdiscordantes no seio da EnEdade, na eventualidade de umgolpe militar, são vozes isoladas, representando apenas aposição pessoal de quem fala, quase sempre discordantespor moEvos pessoais e, não, sociais. Discordâncias destegênero, está claro, não conseguirão jamais perturbar acoesão com que se apresenta exteriormente o bloco militar,pois não são capazes de enfraquecer os laços profundos, decasta, consEtuídos pelos privilégios específicos de que goza,que unificam a maioria dos seus membros. Em taiscondições, tem existência real a coesão externa necessáriaque toma possível a implantação de uma ditadura desseEpo, caso seja necessária. E o exemplo mais flagrante erecente de uma situação como esta, fácil à compreensão detodo o povo, nos é dado pela situação atual da ArgenEna,(1)onde existem as condições que tornam possível aimplantação da ditadura militar. Isto se dá porque o grupomilitar argenEno consEtui uma casta no conjunto dasociedade, embora a sua ditadura ostensiva ainda não setenha tornado necessária. Pois bem: será esta a situaçãobrasileira? – eis aí uma questão a que as forças popularesnão podem deixar de responder.

Evidentemente, o Exército brasileiro não ésemelhante ao argenEno, ou a qualquer outro que seconsEtua em casta no conjunto da sociedade. Existe umgrande número de pessoas que sabem que o Exércitobrasileiro não é uma casta no conjunto da sociedade, poissua formação histórica decorreu de fatores que impedirama sua consEtuição como casta. Mas é necessário que todo opovo saiba que uma das condições para que a corporação

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militar se consEtua em casta é que sua camada dirigentepertença originariamente à minoria privilegiada dominante;que só possam aEngir os mais altos postos hierárquicosaqueles oficiais que tenham um nome de família ou seja,que pertençam à pequena minoria dominante. Tem‐se demostrar ao povo que este é o fenômeno que ocorre namaioria das nações laEno‐americanas, na RepúblicaDominicana, por exemplo, onde chegou‐se ao extremo deserem os mais importantes chefes militares não sóelementos pertencentes à minoria dominante, masmembros da família do próprio ditador. É necessáriomostrar ao povo como, na própria ArgenEna, a camadadirigente do Exército é recrutada entre as famosas cento epoucas famílias que vivem da exploração dos milhões deargenEnos restantes, sem que a essa camada dirigente dasforças armadas possam ascender pessoas de origem socialdiferente. E é absolutamente necessário mostrar ao povocomo não foi isso o que ocorreu no Brasil, como as ForçasArmadas brasileiras, parEcularmente seu Exército,originaram‐se de condições sociais diversas, no seio dasquais o corpo militar veio a ser recrutado. O povo precisasaber que os primeiros soldados brasileiros foram osescravos, e que a camada dirigente, nas suas origenshistóricas, era consEtuída predominantemente por oficiaisde carreira, a qual começava no seio do povo, e não erareservada a alguns filhos de privilegiados, transformados,por decreto, em chefes militares. Foi em virtude de taispeculiaridades de formação histórica que nosso Exércitoficou impedido de consEtuir‐se em casta especial, noconjunto das forças sociais. Por isso as Forças Armadasbrasileiras, nas suas manifestações políEcas, não têm

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reivindicações próprias a fazer, mas o conteúdo social de taismanifestações inscreve‐se num contexto mais geral, nocontexto das classes em que se divide a sociedade brasileira.O corpo militar brasileiro, parEcularmente seu Exército, temcaracterísEcas de classe e, não, de casta.

Qual conclusão devem Erar as forças do povo dessaslições da história? Para o que nos interessa no momento, –que é o exame das condições nas quais as Forças Armadaspodem apresentar‐se coesas exteriormente, a fim de tornarpossível a implantação de uma ditadura militar, – aconclusão a Erar é a seguinte: essas Forças não consEtuemuma casta, não possuindo assim, nesse parEcular, acondição que favoreça um modo de agir coeso, comunidade de orientação e de comando, em relação às demaisforças sociais; e, sendo essa coesão, requisito indispensávela que se torne possível o golpe de caráter militar, devem asforças do povo concluir que o golpe em marcha não tende,por esse aspecto, a assumir a forma de golpe militar.

Quer isto dizer que está definiEvamente afastada ahipótese de que o golpe em marcha contra o povo tende aassumir a modalidade de golpe militar? – Não, certamentenão. A consEtuição da corporação militar como casta é acondição mais favorável à coesão indispensável aopronunciamento, mas não é a única. Há outra possibilidadede ser alcançada tal coesão, aquela unidade de orientação ede comando, do ponto de vista exterior, ainda quando essacorporação não consEtua uma casta no conjunto dasociedade. Que outra possibilidade é essa? – eis o que sedeve agora esclarecer.

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OUTRA CONDIÇÃO PARA O GOLPEMILITAR

Já se sabe que a coesão de que se trata não é acoesão absoluta, abstrata, mas uma coesão relaEva,resultante das contradições internas ao campo militar.Quando este se consEtui em casta no conjunto dasociedade, essas contradições internas são mínimas, nãochegam a ameaçar a união necessária, do ponto de vistaexterior, sendo facilmente abafadas, superadas oureprimidas. Algo diferente, porém, ocorre quando ascontradições não derivam de discordâncias pessoais,privadas, mas decorrem de divergências cujas origens sãosociais, isto é, representam, no interior da corporaçãomilitar, as divergências que existem fora dela, quando ascontradições que existem, no interior do corpo militar, sãomanifestações das contradições e das divergências queexistem também no exterior, isto é, são contradições dasociedade como um todo, e não do Exército, como partedesse todo. Esta circunstância ocorre quando o grupomilitar não se consEtui em casta, mas está integrado,ramificado, dissolvido, sob certos aspectos, na sociedade aque pertence. E este é, precisamente, o caso brasileiro,par�cular e principalmente o caso do Exército brasileiro – eisaí uma circunstancia que as forças populares não devem, enão podem, esquecer, sob pena de não lutar corretamentecontra seu inimigo real. O corpo militar brasileiro,

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principalmente seu Exército, atua em função dasdivergências que existem no seio da sociedade e, em taiscircunstâncias, compete às forças populares indagar quais ascondições em que um organismo militar como o brasileiropode aEngir coesão tal que torne possível o desencadear deum golpe de caráter militar.

Um corpo militar, tal como o brasileiro, é umainsEtuição de classe e não de casta. Quer isto dizer que,possuindo essa natureza, representa um setor parEcular dealgo mais geral, socialmente falando: a classe na qual estáincluído esse setor. As divergências internas nele existentes,por conseguinte, têm de ser entendidas como repercussõesdas divergências mais gerais que afetam a classe à qualpertence o setor, e se originam nas diferenciações deinteresses inerentes a cada classe. Tomemos o exemplo daburguesia para esclarecer esta questão. A burguesia é,socialmente falando, uma classe, unida, coesa, mas admite,no seu interior, uma variada escala de diferenciações:burguesia industrial, comercial, agrária, financeira etc. Poisbem: são justamente essas variações, a diferenciação deinteresses, que explicam as divergências surgidas no interiorda burguesia, enquanto classe, apesar disso, unida, coesa.Existe, pois, no interior de cada classe, relaEva idenEdadede interesses e, simultaneamente, relaEva divergência deinteresses. Tomemos, agora, um setor da classe burguesa: osetor industrial, por exemplo – e veremos que, tambémaqui se observam divergência e idenEdade relaEvas deinteresses. Existe idenEdade entre os membros desse setorquando estão todos interessados na produção industrial – oque faz com que esse setor, na sua totalidade, se oponha aoutro setor da burguesia, a burguesia importadora de bens

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industriais. Mas também existem divergências entre osmembros desse mesmo setor industrial, ao lado daidenEdade, as quais se manifestam quando se trata desaber se o governo vai amparar a indústria produtora debens de produção ou a indústria produtora de bens deconsumo. Existem, pois, no setor industrial da classeburguesa, idenEdade e divergências relaEvas, as quaisdecorrem das diferenciações notadas no interior de todaclasse.

Voltando, então, às Forças Armadas brasileiras, queformam um setor parEcular de uma classe, se há decompreender que, no seu interior, encontram‐sesimultaneamente idenEdade e divergência relaEvas deinteresses, condicionadas pela idenEdade e divergênciasrelaEvas aos interesses da classe a que pertence esse setor.Sendo assim, o que se deve procurar compreender é como,em tais condições, poderiam as Forças Armadasapresentar‐se coesas – do ponto de vista exterior a elas –,tornando, assim, possível, a execução de um golpe de feiçãomilitar. E, nesse exame, se descobrirá que a condição básicaé que a idenEdade relaEva de interesses dos membrosdesse setor seja de tal modo predominante que permitaabafar e reprimir suas divergências relaEvas. Nesse caso, oconjunto militar agiria, nas suas relações com as demaisforças sociais, a parEr da idenEdade relaEva de interessesentre seus membros, como se não exis�ssem, entre eles,divergências rela�vas. Para que o golpe em marcha no Brasilassumisse a modalidade militar, por conseguinte, serianecessário que, neste momento, a idenEdade relaEva deinteresses dos militares já predominasse de tal modo quefosse capaz de abafar as divergências relaEvas existentes

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entre eles.

Ora, as forças populares têm perfeita consciência deque as divergências rela�vas que existem no interior da áreamilitar, tal como ficou demonstrado pelos acontecimentosde agosto‐setembro de 61, ainda são suficientementeprofundas para desaparecerem com facilidade diante deeventual iden�dade rela�va que unifique os membros dessesetor. E esse fenômeno não há de espantar, por isso mesmoque é apenas a manifestação, no caso parEcular das ForçasArmadas, do que está ocorrendo, neste momento, com todaa classe média, à qual pertencem os militares brasileiros. Naverdade, a classe média brasileira vive um período no qualsuas diferenciações internas – classe média alta, classemédia‐média e classe média baixa – originaram divergênciasrelaEvas, de tal magnitude, no interior da classe, que seconverteram no maior entrave à predominância indiscu[velda idenEdade relaEva, unificadora dos membros da classe.Basta que se compare, para tomar um exemplo salarial, oque recebe um publicitário, por exemplo, – cerca de150.000,00 por mês –, com o que recebe uma daElógrafa doserviço público – não ultrapassa 30.000,00 – e se verá comoa diferenciação da classe média brasileira é de tal naturezaque permite perfeitamente a existência do fenômenoassinalado. E se quisermos um exemplo no setor militar,basta comparar o que recebe um oficial‐general, quando emcargo de comissão, com os vinte e poucos mil cruzeirosrecebidos por um tenente.

A diferenciação da classe média, tal como está seprocessando no Brasil, é o que vem dando origem aofenômeno de se oporem de modo tão profundo àidenEdade relaEva entre os seus membros. Este é um fato

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objeEvo da realidade brasileira que a ação popular nãopode ignorar se quer entender corretamente o golpe emmarcha. Afirmar que o golpe tende a assumir a forma deditadura militar é analisar superficialmente osacontecimentos. Toda a questão consiste no seguinte: jáestá em marcha um golpe no Brasil, mas ainda não existemas condições para que assuma tranqüilamente o carátermilitar. Quer isto dizer que o assalto contra o povo nãopode, definiEvamente, assumir feição militar, ou que ofenômeno observado em relação à classe média, da qual osetor armado é parte, há de perdurar no tempo a ponto dejamais permiEr que a idenEdade relaEva de seus interessespredomine sobre suas divergências relaEvas? – De maneiraalguma. As observações feitas sobre as condições, nas quaiso golpe se desenrola, levam a compreender que essascondições podem se alterar, e até mesmo se alterarrapidamente. Para isso, aliás, já se delineiam váriasmanobras da reação direiEsta, como se verá mais adiante. Oque se deve concluir dessas observações é que: apersis�rem as condições atuais, como estão persis�ndodesde agosto‐setembro de 61 (e os fatores de suapersistência, ou não, serão analisados mais adiante), ogolpe que já está em marcha no Brasil não tende a assumiro caráter militar, mas se encaminha para um �po deditadura a que as forças do povo poderiam chamar de“ditadura do governo forte”. Quais as caracterísEcas dessaditadura, em que condições pode vingar e como lutar contraela? – eis aí as questões que o povo deve compreender comniEdez.

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QUE É A DITADURA DO GOVERNOFORTE?

A ditadura do “governo forte” se caracteriza pelofato de que todas as medidas que toma são jusEficadas,oficialmente, por impera�vos de segurança ou de salvaçãonacionais. Na verdade, a parte poliEzada do povo sabeperfeitamente que, numa sociedade dividida em classes, eem tempo de paz, os imperaEvos de segurança e desalvação nacionais referem‐se, efeEvamente, aosimperaEvos de segurança e de salvação da classedominante. Mas não é bastante que os grupos maisconscientes do povo saibam disto. É imprescindível quetodo o povo seja alertado para esta questão, pois esse Epode ditadura possui métodos de ação diferentes dos daditadura “legal”, aquela sob a qual ainda estamos vivendo, eque podem iludir grande parte da maioria submeEda. Aprópria situação social que lhe dá origem – necessidade desegurança e de salvação da minoria privilegiada – éparEcularmente favorável à veiculação de no[cias e deponto de vista que dispõem o povo a receber como verdadeaquilo que lhe diz a minoria privilegiada, ou seja, que osimperaEvos de segurança e de salvação da classe dominantesão os imperaEvos de segurança e de salvação “nacionais”.

Um dos componentes da situação que permite àminoria privilegiada instalar a ditadura do governo forte é o

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reconhecimento geral de que os parEdos políEcosexistentes sofreram colapso, perderam o rumo, já não maisrepresentam a vontade popular e que, em conseqüência, sócontribuem para dificultar ainda mais a vida do povo e levaro País à perdição e ao caos. Esta é uma situação que o povofacilmente reconhece como verdadeira, pois é o que sepassa na realidade aparente. A parEr daí não é diFcil aosporta‐vozes da ditadura do governo forte, do golpe que jáestá em marcha no Brasil, apresentarem a atraente soluçãode que só é possível remediar o descalabro e o impasse emque se encontra o País se for cons�tuído um governo acimados par�dos, com autoridade suficiente para impor, contra avontade dos par�dos, se necessário, aquelas medidas queconsultem aos verdadeiros interesses de segurança e desalvação nacionais. E é necessário que as forças devanguarda compreendam que, embora seja falha a 1ógicada argumentação golpista, a maior parte das massas nãotem meios para escapar, por si só, ao dilema que lhe éproposto. Compete justamente às forças de vanguardamostrar ao povo que é possível um governo acima dospar�dos existentes mas que é absolutamente impossível umgoverno acima das classes em luta.

A tarefa de esclarecer o povo sobre a falsidade dodilema que lhe é proposto pelos porta‐vozes da ditadura dogoverno forte, compete exclusivamente às forçasprogressistas, pois são as únicas que têm condições de seaperceber de tudo quanto há de misEficador e de totalitáriona argumentação golpista. Mas é necessário que essasforças não subesEmem o adversário e compreendam que asolução apresentada ao povo aparece a este comodecorrência natural da situação vigente. Não se pode

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esquecer que a maioria do povo está desarmada diante dosfatos, e que compete justamente à vanguarda dar‐lhe essasarmas e, não, incriminá‐lo porque não as possui. Oargumento golpista é falho porque se fundamenta naaparência dos fatos – incapacidade dos parEdos, agravaçãodas condições de vida do povo etc. – mas é poderosoporque se fundamenta em fatos, fatos que a maioria dopovo também vê, mas não sabe explicar e não tem comoperceber o engodo da solução golpista. Em conseqüência, anecessidade de um governo forte, com autoridadesuficiente para impor as medidas justas e necessárias, acabapor aparecer‐lhe como a única solução para os problemasque enfrenta e que o regime em vigor é incapaz desolucionar. Quando parcelas ponderáveis do povo brasileiro,especialmente aquelas que mais sofrem as conseqüênciasda situação atual, aceitarem o argumento golpista, estarãocriadas as condições sociais para a instalação da ditadurado governo forte.

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A PREPARAÇÃO IDEOLÓGICA DOGOLPE

Pois bem: “não é outra coisa o que vêm tentandofazer os porta vozes do golpe em marcha no Brasil”. Énecessário que as forças progressistas examinem comatenção o desenvolvimento das aEvidades dos setoresreconhecidamente totalitários em nosso País, pois hão dever que os seus objeEvos não são outros, neste momento,sendo os de criar no povo brasileiro a consciência de que sóum governo forte, com suficiente autoridade, pode resolvero impasse em que se encontra a Nação. Isto, pelo ladoideológico, enquanto na ação práEca, vêm desenvolvendotoda uma táEca no senEdo de paralisar as forças sociais quese poderiam opor ao golpe em marcha, quando não deganhá‐las para a sua causa. Que se examine, por exemplo, oarEgo de Carlos Lacerda – categorizado representante dasforças do golpe –, inEtulado “DITADURA MILITAR OUREVOLUÇÃO POPULAR”. Esse arEgo, ao lado de ser maisuma contribuição para obscurecer a consciência do povo –dos setores da classe média que consEtuem o seu público –,é, sem dúvida alguma, o documento que dá a coberturaideológica ao golpe em marcha no Brasil. As forçasprogressistas não devem perder‐se em críEcas menoressobre a decadência esElísEca de Carlos Lacerda, ou iludir‐sesobre o “desespero” de que a direita está tomada. E nãodeve fazer isso por moEvos simples: em primeiro lugar,

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porque não há de ser o bom ou mau esElo de um golpistaque impedirá o golpe; e, em segundo lugar, porque a direitasó terá razões de “desesperar‐se”, a ponto de que issoimplique boa coisa para o povo, no dia em que ela esEverdesesperada porque perdeu, definiEvamente, o poder parao povo. Até lá, é o povo, submeEdo e vexado, quem tem asmaiores razões para desesperar‐se. Do mesmo modo nãodevem as forças do povo ludibriar‐se com a fraqueza ou obaixo nível teórico dos ideólogos golpistas. Só se podeexplicar correta e cienEficamente os problemas sociaisquando se parte do ponto de vista do povo e, por definição,os propagandistas da ditadura não podem analisar osproblemas valendo‐se desse ponto de vista. De espantar,isso sim, é que, parEndo de um ângulo equivocado, econscientemente empenhados em desvirtuar e misEficar osproblemas, consigam, apesar de seu “baixo nível teórico”,enganar a tantos, por tanto tempo. A posição demenosprezo pelo adversário não é posição correta para asforças do povo. O que os inimigos do povo fazem, o quedizem, não o fazem nem o dizem gratuitamente, mas embusca de resultados muito bem calculados, os quaisprecisam ser descobertos, denunciados e combaEdos, masrealmente comba�dos, pelas forças populares. E no casoespecífico do citado arEgo de Carlos Lacerda, faz‐seimperioso um exame atento, pois lá estão todos oselementos que inspiram, neste momento, a marcha dogolpe no Brasil.

EfeEvamente, que diz o arEgo “DITADURA MILITAROU REPÚBLICA POPULAR”? Esse arEgo diz, em primeirolugar, que o País está diante de um dilema apresentadocomo sendo o seguinte: se não se resolvem os problemas

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que estão à vista de todo o mundo, de duas coisas uma teránecessariamente que acontecer: ou os “comunistas” (leia‐se– “povo”. W. G.) tomam o poder, ou os militares, com ointuito de impedir que os “comunistas” tomem o poder,instalam uma ditadura militar. Este seria, na versão doideólogo do golpe, o dilema diante do qual está posta aNação. Pois bem: todo o mundo sabe que Carlos Lacerdajamais negou suas preferências pelos regimes de exceção,nem nunca se preocupou com esconder sua posiçãofavorável aos golpes que se tramavam, pela simples razão deque sempre foi Carlos Lacerda um dos propagandistas dosvários golpes que se tentaram no Brasil e, como tal, tem quedefender publicamente o golpe real que se está tramando, afim de predispor favoravelmente a consciência do povo.Assim foi em 54, quando propunha abertamente oimpeachment de Vargas, que terminou por vir, de fato, poissó os incautos se deixariam enganar pela “licença” pedidapelo Presidente. Assim foi, posteriormente, quandodefendeu o direito, até mesmo a necessidade moral, de seimpedir de “qualquer modo” a invesEdura de JuscelinoKubitschek no cargo para o qual havia sido eleito, e todomundo se recorda do que ocorreu em 55. Assim foi, quandodefendeu o direito de revolução para a derrubada degovernos “corruptos”, e lá vieram Aragarças e Jacareacanga.Tudo isto mostra que Carlos Lacerda só defende e propõe osgolpes que estão efeEvamente por vir. E por que isto? – Porsinceridade? Por combater com honesEdade? –Evidentemente que não. Carlos Lacerda só propõe edefende os golpes que estão realmente a caminho porque aele incumbe principalmente, entre as forças golpistas, amissão de preparar a consciência do povo para aceitar o

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golpe em marcha e está, por isto, necessariamente obrigadoa dar sua verdadeira posição diante dos problemas, nãoimportando, para tal fim, a forma confusa e misEficatóriapela qual estes são apresentados. Sendo assim, o queimpediria Carlos Lacerda de pronunciar‐se, naquela opção,pela ditadura militar, caso fosse realmente uma ditaduradeste �po que se es�vesse tramando, neste momento, parao Brasil? – Nada, nada o impediria, como nada o impediu demanifestar‐se a favor, defender e propagar, em agosto‐setembro de 61, a ditadura militar que então se esboçara.Ao contrário, tudo o levaria a optar por esse lado do dilema,caso fosse essa realmente a ditadura em marcha contra opovo. E o que fez Carlos Lacerda diante do dilema que elepróprio colocara? – Manifestou‐se contra a “repúblicapopular” – o que é óbvio –, mas também contra a ditaduramilitar, propondo uma terceira solução. Ora, este fatomerece ser cuida dosamente analisado pelas forçaspopulares. E não há como escapar de uma das alternaEvasseguintes: ou o dilema proposto por Carlos Lacerda éverdadeiro, ainda que só parcialmente, quer dizer, o golpeque está em marcha no Brasil é, de fato, um golpe decaráter militar – e nesse caso a recusa pública de aderir aele, por parte do autor do arEgo, significaria que otradicional arquiteto de golpes abandonou as hostestotalitárias, tornando‐se um políEco de “centro”; ou odilema proposto por ele é inteiramente falso, quer dizer, ogolpe que está em marcha no Brasil não é um golpe decaráter militar. Esta é a alternaEva que o manifesto deCarlos Lacerda, a propósito da situação nacional, propõe, ediante da qual as forças populares devem tomar posiçãoclara, examinando deEdamente cada uma das alternaEvas.

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A primeira delas – a de que o golpe em marcha sejaefeEvamente militar – conduz a aceitar Carlos Lacerda comoa mais recente conquista do chamado, “centro” políEco. Asforças do povo sabem perfeitamente que esta é umaconclusão totalmente ingênua, pois compreendem commuita clareza que as posições políEcas do Governador daGuanabara não dependem de seu arbítrio, mas sãodeterminadas pelos interesses a que serve. Mas todo opovo precisa saber disso; que as forças de vanguarda vão àsmassas e discutam os problemas tal como estes seapresentam a elas; lhes demonstre concretamente por queCarlos Lacerda não é homem de Centro. Não basta afirmarque está ligado a tais ou mais interesses, mas éimprescindível apontar ao povo como esse agente doimperialismo vem tratando todos os políEcos, todas asforças sociais em suma, que consEtuem o “centro” políEcoem nosso País. Carlos Lacerda não é um políEco de “centro”porque ele mesmo, que se apresenta como homem decentro, no esquema do seu manifesto, está desenvolvendouma campanha sem tréguas contra tudo aquilo querepresenta o “centro” em matéria de políEca, no momentoatual. É preciso mostrar que, para Carlos Lacerda, segundosuas próprias expressões, o “centro” é consEtuído porimbecis, inocentes úteis, burgueses ignorantes e idiotas etc.Esta é a sua opinião atual a respeito do centro atual. Logo, éele próprio quem confessa que, atualmente, não forma no“centro” políEco do País. E como também não forma na“esquerda”, como confessa no próprio arEgo citado,segue‐se que con�nua pertencendo às hostes golpistas quedesejam atraiçoar nossa Pátria e nosso povo. É isto queprecisa ser explicado ao povo com muita clareza e, também,

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com muita paciência. Quando esta idéia for compreendida,devem as forças populares perguntar por que, conEnuandoCarlos Lacerda nas hostes golpistas, recusou‐se,publicamente, a aderir à ditadura militar que, segundo ele,é a ditadura que está em marcha no Brasil. Por que,conEnuando a ser o ideólogo do golpe, recusou‐se ao golpemilitar? – Simplesmente, porque o dilema proposto é falso,porque a golpe que está, efe�vamente, em marcha contra opovo, neste momento, não é de caráter militar.

É a segunda alternaEva, pois, que correspondemelhor à verdade dos fatos. O arEgo referido, bemanalisado, contém todos os elementos úteis a verificação deque o golpe em marcha não tende a ser, imediatamente, denatureza militar. Mas não contém apenas isto. Revela ,ademais, sua posição real a propósito da situação políEca doPaís, consubstanciada no que considerou a terceira solução,e a única saída para os problemas atuais. Que solução éessa? – eis aí algo que as forças populares devem examinarcom atenção.

A solução que Carlos Lacerda apresenta para osproblemas atuais do Brasil é a cons�tuição de um governode austeridade, um governo forte, em suma, que nãodependesse do aval dos par�dos para tomar as medidasque considerasse imperiosas, ou seja, a solução proposta é overdadeiro golpe em marcha contra o povo, apresentadocomo o único caminho para a salvação nacional. Esse é obote efeEvo que se está armando no Brasil, que objeEvainstalar a ditadura do governo forte, de autoridadesuficiente para impor as soluções que julgasse corretas, semser obrigado a transacionar com os parEdos, os quais,segundo o autor golpista, se equivalem na disputa de cargos

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e nos hábitos da barganha. E tanto é verdade que é este ogolpe que está sendo arquitetado pela reação direiEsta, daqual Carlos Lacerda é ideólogo e altofalante, que, naeventualidade de ser instalada semelhante ditadura, osproblemas relaEvos ao “estatuto legal”, sob o qualfuncionará, deixam de ter importância. É o próprio Lacerdaquem o diz: um governo dessa espécie, quer dizer, forte, é oque se necessita, neste momento, e não importa que sejaparlamentarista ou presidencialista, com Jânio, Juscelino, ouJango. Foi o próprio Lacerda quem disse isto, e isto éverdade mesmo. Instalada a ditadura do governo forte, nãoimporta quem seja governo e, sim, que seja forte, deautoridade. Por que será que o golpista inveterado abremão com tanta facilidade dos nomes que comporão ogoverno e da forma “legal” como se estabelecerá? – Éabsolutamente indispensável que as forças popularescompreendam o porquê desse fato, pois nele reside aessência da ditadura do governo forte e todo o caráteranEpopular de tal governo. As forças golpistas podem abrirmão dos nomes e da “forma legal” de que se reves�rá ogoverno forte porque o que importa, fundamentalmente, éque, em tal governo, as medidas a serem tomadas nãopodem ser objeto de discussão popular, pois, porautodefinição, tais medidas são tomadas de acordo com osimpera�vos de segurança e de salvação nacionais, e o povonão tem competência para discu�r tais assuntos. Narealidade, a ditadura de governo forte significa reErar dopovo o direito de discuEr os assuntos públicos, isto é, osassuntos que lhe dizem respeito. Colocar o povo nailegalidade, eis o que significa, na essência, a ditadura dogoverno forte. E. para conseguir esse objeEvo, as forças

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golpistas podem abrir mão de todas as demaiscircunstâncias, pois compreendem que seu maior inimigo,seu maior, mais radical e conseqüente inimigo, é o povo, eninguém mais. Todos os problemas, sob tal ditadura, sãotransportados da praça pública para a área privada dosbasEdores políEcos.(2) Quer isso dizer que o povo, que asforças do povo, em tais condições, não possam discuEr,repudiar e reivindicar medidas? – Não, não é disso que setrata, pois as reivindicações populares não são fruto dedisposiEvos jurídicos mas dos problemas reais, concretos,que afetam o povo e que a simples mudança jurídica nomodo de comportar‐se o governo não tem a virtude deresolver. O grave, em tal regime, é que se escamoteia ?(ao)povo, o direito de discuEr seus próprios problemasveladamente, sob o arEFcio de que o governo age acimados interesses privados dos parEdos e, em conseqüência,segundo diz, o governo,(está)? acima de quaisquerinteresses privados, atendendo apenas aos “reais”nacionais, aos quais ninguém tem o direito de se opor. Emsemelhante conjuntura a decretação do “estado de síEo”torna‐se roEna governamental, as greves e as reivindicaçõespopulares são facilmente declaradas atentatórias àsegurança pública e reprimidas com desusada violência,todos os movimentos populares, enfim, são classificadoscomo espúrios, subversivos e, deste modo, desbaratados àforça. E tudo isto é possível por que? – Porque se instalouuma ditadura que tem por princípio polí�co mais geral aafirmação de que as soluções para os problemas que afetamo povo e a Nação não devem e não podem ser resolvidasmediante lutas sociais, tornando‐se deste modoabertamente ilegais quaisquer reivindicações do povo, por

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quaisquer meios. É absolutamente indispensável que asforças mais conscientes do povo denunciem tais manobras,e saibam demonstrar às massas que um governo acima dospar�dos não quer dizer absolutamente acima dos interessesprivados de qualquer grupo, que justamente o que se estápretendendo é privar o povo do direito de manifestar seuspróprios interesses a fim de só terem vigência os interessesda minoria privilegiada. É absolutamente indispensável quea vanguarda poliEzada das massas saiba mostrar a todoscomo é possível consumar‐se tal traição, e como só o povosai perdendo quando se declaram ilegais as lutas sociais; e?saiba argumentar justamente com os problemas que aíestão à vista de todos e afetando a todos. Argumente porexemplo com as reformas de base que todos sentem, masque só poderão vir a beneficiar o povo, se este Evercondições para parEcipar de sua discussão e de seusméritos. Mostre ao povo, por exemplo, que existe umareforma agrária que só beneficia o laEfundiário,aumentando a exploração do camponês e, que há outrareforma agrária, que, esta sim, beneficia realmente ocamponês e, conseqüentemente, todo o povo. Que existeuma regulamentação das remessas dos lucros dascompanhias estrangeiras que beneficia o povo, mas quetambém há outra que só beneficia essas mesmascompanhias estrangeiras, em prejuízo do trabalho dasmassas. E é acima de tudo indispensável mostrar ao povoque só quando o povo pode parEcipar das discussões dessesassuntos, por intermédio de greves, de comícios, depasseatas, de quaisquer manifestações, enfim, é que aindahá um mínimo de possibilidade de que tais assuntos seresolvam em seu beneFcio. Ora, é justamente esse mínimo

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de possibilidades que a ditadura do governo forte pretendereErar do povo, impedindo‐o de manifestar‐se sobre asquestões que lhe dizem respeito, não obstante a minoriaprivilegiada saber perfeitamente que só através das lutassociais as massas podem defender‐se. Mas é necessário quetambém o povo saiba disso – que só por intermédio daslutas sociais pode defender‐se, como defendeu‐se em 54 naluta pela Petrobrás, recentemente pela greve dos bancários,pelaspasseatas dos servidores públicos, pelos comícios emfavor da reforma agrária, pelos movimentos paredistas dosnáuEcos, maríEmos, ferroviários etc. É esta possibilidade dedefender‐se que a ditadura do governo forte pretendereErar do povo, quando considera que governar acima dospar�dos significa governar acima dos interessespar�culares: Um governo dessa espécie certamentegovernará acima de alguns interesses – os interesses dopovo –, mas em favor dos outros interesses – os interessesda minoria privilegiada. Mas, para fazer isto, a ditadura dogoverno forte necessita de duas condições que o povo deve,por todos os meios e modos, negar‐lhe, ou impedi‐la de ter.Quais são essas condições?

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AS CONDIÇÕES PARA A DITADURA DOGOVERNO FORTE

A primeira delas é a de que, o povo se deixe iludirpela menEra que os propagandistas do golpe procuramdisseminar, dizendo que os nossos problemas só serãoresolvidos por meio de soluções técnicas. A ditadura dogoverno forte sempre se apresenta como sistema degoverno que, tendo em vista os “altos” interesses nacionais,só dá soluções técnicas aos problemas. Que quer isto dizer?– Quer dizer que o governo afiança que as soluções dosproblemas não serão dadas levando em consideração osinteresses sociais em jogo – de um lado, os interesses daminoria privilegiada, e, de outro, os interesses da maioriasubmeEda – mas levando em consideração exclusivamenteo aspecto técnico dos problemas. Pois bem: éabsolutamente necessário que o povo jamais se deixe iludirpor esta balela; que não acredite jamais em soluçõesexclusivamente técnicas, pois todas as soluções são técnicase, nem por isso, deixam de beneficiar uns ou outros dosinteresses em jogo. As forças do povo também desejamsoluções técnicas, mas o problema consiste em definir –técnicas a favor de quem? – Que o povo não se deixe iludirpela crença de que existam soluções técnicas de ninguém,que sejam só técnicas, pois no dia em que se enganar a esserespeito ficará inerme para resisEr à ditadura do governoforte que, certamente, se instalará então. Essa é a primeira

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condição para que se instale a ditadura do governo forte:que o povo, iludido, traído e enganado, aceite o embustedas soluções exclusivamente técnicas para os problemas,curvando‐se, em conseqüência, ao argumento golpista deque isto só é realizável por um governo que esteja, com oconsenEmento do povo, acima dos parEdos.

A segunda condição, que está difusa e confusamenteimplicada na primeira, é que o povo se convença de que umtal governo só é viável se for um governo de autoridade, umgoverno forte. É de suma importância que as forçasavançadas considerem ser perfeitamente possível que opovo venha a aceitar essa argumentação, pois seusproblemas se agravam dia a dia sem que, para eles, seapresente saída nos quadros vigentes. Na verdade,argumentam os propagandistas da ditadura do governoforte, como se conseguirá apresentar soluções técnicas paraos problemas, se aí estão os parEdos políEcos, corrompidos,desmoralizados, comandados por apeEtes pessoais e pelopoder de barganha que possuem? Numa situação como aque aí se vê não há condições para nenhum governoapresentar soluções verdadeiramente “técnicas” pois osparEdos impedem sua execução, exigindo somente soluçõesdas quais possa Erar proveito, – conEnuam a afirmar ospropagandistas da ditadura do governo forte. Para que ogoverno possa efeEvamente atuar sem outro interessesenão o de defender “os imperaEvos de segurança e desalvação nacionais” é necessário que tenha autoridade, quetenha força suficiente para impor suas soluções aosparEdos. Torna‐se, então, indispensável, que o povocompreenda que a força de que o governo necessita,segundo os golpistas, não é de maneira alguma para impor

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suas soluções aos parEdos, mas ao próprio povo. Isto é oque convém não esquecer jamais, a fim de não se iludir comos cantos de sereia dos totalitários. Uma ditadura dessanatureza jamais empregará sua força para impor suassoluções aos parEdos, pois não são os par�dos quenecessitam de soluções, mas os problemas que agoniam opovo. Este é que é o verdadeiro significado da imposiçãopela força, pela autoridade, das soluções do governo. Asforças de vanguarda sabem disto, mas é preciso que todo opovo também saiba e que jamais se deixe enganar pelapropaganda golpista, pois no dia em que se deixar iludir, sedeixar trair, e passar a julgar necessária a consEtuição de umgoverno forte, de autoridade, para dar aos problemas assoluções técnicas que exigem, nesse dia o povo se tomaráinerme para se opor à ditadura do governo forte que, então,certamente virá. As massas devem compreender que asforças do golpe já estão trabalhando para levar o povo aessa situação – e o arEgo citado de Carlos Lacerda não ésenão um dos elementos da ação golpista que já está sendodesenvolvida para embair o povo e levá‐lo a aceitar asolução do governo forte.

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DE ONDE VIRÁ A “AUTORIDADE” DOGOVERNO?

E de onde há de provir essa “força”, essa “autoridadedo governo, capaz de fazê ‐lo impor suas soluções ao povo?É evidente que essa força não há de provir senão das ForçasArmadas, do corpo militar – e aqui tocamos no papel que aeste cabe representar na eventualidade de uma ditadura dogoverno forte.

Em primeiro lugar é fácil compreender que essaforça não pode derivar dos parEdos, pois estes já não têmpoder algum e, por suposto, é contra eles que essa manobrase há de exercer, segundo afirmam os porta‐vozes daditadura. Não poderá vir do apoio do povo também, porquemuito rapidamente este compreenderá que a força que ogoverno possui está sendo usada verdadeiramente contraele, povo. Criadas as condições para a instalação daditadura do governo forte, uma dessas condições será oapoio do povo, caso venha a se iludir com as pregaçõestotalitárias. Mas uma coisa é a instalação da ditadura, eoutra, muito diferente, é a sua manutenção, é o poderio deque necessita para impor as medidas que de tal governo seesperava. Nessa oportunidade o povo rapidamentecompreenderá a favor de quem e contra quem estão sendotomadas as famosas medidas exclusivamente técnicas etratará de reagir. Então, o povo compreenderá que é para

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impedir a sua reação que a nova ditadura requer força eautoridade. E está mais do que evidente que, excetuando‐sea diminuta parcela da população – alguns setores da classemédia – que se beneficiarão com o novo esElo de governo eque, por isso, conEnuarão a apoiá‐lo, essa força eautoridade uElizadas para reprimir a revolta das massas nãohaverão de provir delas. De que lugar social, pois, poderáprovir essa força senão do setor militar? – E não é por outrarazão, atentem bem as forças populares para este ponto,que a solução apresentada pelo ideólogo do golpe emmarcha no Brasil, Carlos Lacerda, prevê a instalação de umgoverno forte, sob fiança militar. Quer dizer, os fiadores deque as medidas adotadas por semelhante governo,pretensamente técnicas, iriam realmente ser levadas àpráEca seriam as Forças Armadas. E por que isto seriapossível? – Pelas razões seguintes: criadas as condiçõesobjeEvas para a aceitação de que é indispensável aconsEtuição de um governo forte para levar a cabo asmedidas de segurança e de salvação nacionais – as quaissão, por definição, objeto dos cuidados das Forças Armadas– e tendo também estas, como parte do povo, eespecialmente como parte de sua classe média, chegado àconclusão de que é efeEvamente vantajosa a consEtuiçãode tal governo, não haveria mais empecilho algum a que osdirigentes militares aceitassem a incumbência de serem osfiadores de um governo “técnico”, consEtuído com oobjeEvo de tomar medidas no interesse da segurança e dasalvação nacionais, que lhes compete resguardar. E nemhaveria pruridos de intromissão militar na vida políEca, pois,por definição, o governo consEtuído agiria acima dospar�dos, solucionando os problemas de maneira “técnica”,

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e os militares, servindo a tal governo, dando‐lhe força eautoridade, estariam simplesmente cumprindo as medidas,ou afiançando seu cumprimento, que visariam, nalinguagem golpista, à defesa da segurança e da salvaçãonacionais. Sendo esta defesa a missão precípua das ForçasArmadas, estas servindo a tal governo, reprimindo greves,prendendo os líderes populares, intervindo em sindicatos,desbaratando pela violência os movimentos populares,estariam na verdade, cumprindo seu dever, tal como oentendem os golpistas, o que devia, aliás, ser até aplaudidopelo povo. Eis aí configurado o golpe em marcha no Brasil ea forma que tende a adotar: a forma de uma ditadura degoverno forte, sob fiança militar, com tudo o que tem dereacionário e anEpopular. Como se percebe, não há em talhipótese a menor necessidade de que o golpe assumacaráter militar, isto é, que os militares controlemdiretamente o aparelho do Estado. Para que venha aconsumar o golpe contra o povo – e que já está em marcha– basta que as cúpulas militares decidam‐se a cumprirrigorosamente seu dever, no molde ideológico em que essedever lhes é apresentado pelas forças do golpe.

Quer isto, entretanto, dizer que está afastadaabsolutamente a hipótese de que o golpe em marcha seconverta em golpe militar? – De modo algum. Como já sedisse, o que determina o caráter de um golpe perpetradocontra o povo é a necessidade que a minoria dominantesente de assegurar sua dominação sobre a maioriasubmeEda. Pode se dar o caso, então, de que as condiçõesobjeEvas da realidade brasileira evoluam de tal modo queobriguem a minoria privilegiada a apelar para o golpe militardeclarado, como úlEmo recurso de que pode lançar mão

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para assegurar sua dominação em face do avanço popular.Nesse caso, deve mudar também a forma de luta dasmassas para enfrentar a nova situação. De qualquer modo,o que é fundamental para as forças do povo é nãoperderem de vista, em momento algum, o conjunto dascondições reais em que os fatos acontecem, pois só nesseconjunto têm senEdo. Essas condições estão empermanente1 alteração, evoluem constantemente, e oproblema consiste em saber até que ponto essas alteraçõese essas mudanças são suficientemente significaEvas paramodificar o sen�do geral do curso dos acontecimentos. Oque importa ao povo, neste momento, é saber qual ocaráter que o golpe em marcha tende a assumir, dadas ascondições sociais, atuais, em que se desenrola a manobragolpista, sem esquecer que tais condições podem semodificar de tal maneira que implique ? alterar a tendênciasegundo a qual evolui a ação golpista. É com todas estasprecauções e prudência, portanto, que as forças do povodevem admiEr que o golpe em marcha no Brasil tende, nascondições atuais do País, para a ditadura do governo forte.Sendo assim, devem essas forças examinar quais ascondições objeEvas que acaso favoreceriam a vitória dosgolpistas, no senEdo de instalar a ditadura do governo forte,e, bem examinado este ponto, determinar qual deve ser atáEca de luta das camadas populares a fim de não permiErque se realizem tais condições.

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EM QUE, CONDIÇÕES PODE SERVITORIOSO O GOLPE PARA INSTALAR O

GOVERNO FORTE?

Não obstante as forças golpistas viremdesenvolvendo tenaz ação no senEdo de predispor o povo àaceitação da ditadura, seja sob que forma for, sabem osrepresentantes de vanguarda que o movimento reacionáriobrasileiro tem sofrido significaEvas derrotas. Isto se deve,antes de tudo, ao fato de que a ação totalitária estácondenada, historicamente ao fracasso total. Este é umponto no qual as forças do povo levam absoluta vantagemsobre os seus inimigos, mas que a vanguarda deve saberaproveitar em seu trabalho de educação políEca de todo opovo. A ação golpista da minoria privilegiada, que visa amanter a maioria submeEda em eterna sujeição, estádefiniEvamente desEnada ao fracasso total, mais dia menosdia, pois já não é mais possível, no mundo de hoje, que amaioria seja submeEda pela minoria por muito tempo. Énecessário que a vanguarda saiba mostrar ao povo suainsuperável vantagem moral sobre seus inimigos. Osinimigos do povo trabalham contra o curso da história, aqual nos diz que, quando o povo luta, é fatal que terminevencedor, pois luta pela jusEça, pelo progresso, e tem amaioria da humanidade a seu lado; enquanto os inimigos dopovo lutam a favor da injusEça, do privilégio, da escravidão,

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do atraso e, por isso, têm de seu lado a minoria dahumanidade. Quem, em tais condições, terminará por servencedor, desde que se disponha a lutar? – Todo o povo háde compreender que é ele quem vencerá a luta, porquenecessariamente será levado a lutar. E aqui tocamos noutroponto que a vanguarda não deve nunca deixar de explicarao povo: que a sua vitória é certa não apenas porque a suacausa é a causa da jusEça, mas fundamentalmente porquese decidiu a lutar pela jus�ça, e que o fracasso final dosinimigos do povo é inevitável não apenas porque se batempela injusEça, mas porque encontram pela frente umadversário que está lutando pela jus�ça, não enquantoideal abstrato, mas enquanto interesse das massas. Énecessário que as forças progressistas saibam Erar parEdoda vantagem moral que o povo leva sobre seus inimigos afim de temperar o ânimo popular, educá‐lo na ação contraseus inimigos, sem, todavia, dar‐lhe, uma visão inexata dabatalha que se trava. Tem‐se de dizer ao povo que suavitória é certa, desde que saiba lutar e não abandonarjamais a luta, pois a vitória é fruto, não da jusEçasimplesmente, mas objeEvamente da luta social pelajus�ça.

Se o fracasso final e completo dos inimigos do povoé historicamente inevitável, isso não impede que obtenhamvitórias parciais ao longo da luta. Essa é uma daseventualidades da própria luta e depende da disposição dopovo, de sua organização, de sua educação políEca e datáEca empregada em cada combate, quer o número devitórias parciais de seus inimigos seja maior ou menor. Emoutras palavras, depende do modo pelo qual o povoconverte sua insuperável vantagem moral em vantagem

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material, concreta; depende desse fato, tão somente, que avitória final seja alcançada com maiores ou menores perdaspara o povo. A cada fase da luta, a cada momento dabatalha, as forças do povo devem fazer o máximo nascondições em que a luta se desenrola – o que depende,evidentemente, de maior ou menor compreensão quetenham das circunstâncias em que a batalha se trava, e damaior ou menor capacidade de organizar suas forças domodo mais eficaz possível.

Qual a forma de fazer, pois, com que mais uma vezas forças da reação e do golpe sejam derrotadas? – Emprimeiro lugar, determinando em que condições poderiamser essas forças vitoriosas, e, em segundo, desenvolvendo aação justa a fim de que tais condições não se verifiquem.

A implantação da ditadura do governo forte – quetende a ser, neste momento, a forma que será assumidapela ditadura em marcha –, depende, como já se viu, deparcelas ponderáveis da população brasileira aceitaremcorno necessária a consEtuição de tal governo. Quais ascondições que poderiam levá‐las – setores do proletariadomenos poliEzado, predominância da idenEdade relaEva deinteresses da classe média sobre suas divergências relaEvas,setores da burguesia nacional (os quais se mantémresistentes a essa solução) – a aceitar a necessidade daconsEtuição de um governo forte?

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PRIMEIRA CONDICÃO

Em primeiro lugar, o avanço do movimento popularbrasileiro, quer dizer, a transformação de sua vantagemmoral em progressiva vantagem material, tanto sob o pontode vista de organização (ligas camponesas, sindicatos etc.),quanto sob o ponto de vista de reivindicações cada vez maisníEdas quanto a seus objeEvos (reforma agrária radical,reforma urbana, co‐governo universitário, parEcipação noslucros, salário móvel, regulamentação do direito de greve,barreiras à exportação das riquezas do país – manganês,ferro, minérios estratégicos etc. –, disciplina do capitalestrangeiro, etc.). Este avanço real do movimento popularbrasileiro – que desempenha duplo papel, aliás, noproblema do golpe, pois se, por um lado, contribui paracriar as condições propícias ao golpe, por outro, converte‐seem poderosa barreira a que se efeEve – como se verá maisadiante –, este avanço real do movimento popularbrasileiro, pois, pelos problemas que impõe à ordemvigente, incapaz de responder com presteza e jusEça àsreivindicações que suscita, contribui para o agravamento dasituação geral do País, suscitando novos problemas,repisando e tornando insuportáveis os anEgos e criando osimpasses objeEvos que o regime vigente é incapaz desolucionar. Quer isto dizer que a causa das dificuldades doPaís sejam as reivindicações populares e que, por isto, elasdevam cessar? – De modo algum. As causas das dificuldades

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do País, e sobretudo a causa das dificuldades do povo dasquais se originam aquelas reivindicações, residem naestrutura do País que, como vimos, se define como naçãocapitalista dominada pelo imperialismo. Mas o problemaconsiste justamente em que essa estrutura origina asreivindicações que determinam o avanço do movimentopopular, o qual, como é evidente, reage sobre essaestrutura, tornando‐a cada vez mais arcaica e incapaz deresponder aos problemas que ela mesma suscitou. A essaaltura gera‐se o seguinte dilema: ou se modifica a estruturabásica fundamental do País, responsável pelos problemascriados, ou se abafam as reivindicações populares,reprime‐se o avanço do movimento popular, a fim de quetal estrutura possa se manter por mais algum tempo. Estáclaro que a minoria dominante não morre de desejos dealterar a estrutura do País, principalmente a parte dessaminoria mais ligada ao domínio estrangeiro em nossa Pátria,mas ainda não tem condições para reprimir com a violênciacom que desejaria – principalmente o setor ligado aoimperialismo –, o avanço do povo. Enquanto isto, osproblemas se acumulam, as reivindicações populares vãosendo parcialmente atendidas, na medida em que talestrutura ainda permite esse atendimento, do que resulta aagravação dos problemas que pesam sobre essa mesmaestrutura. Os setores da burguesia nacional que resistem àimplantação da ditadura, por sua vez, também não sedecidem a alterar o regime vigente. O impasse permanece.É isto que se faz obrigatório demonstrar a todo o povo: nãosão as suas reivindicações a fonte dos problemas nacionais,mas a estrutura fundamental do País – capitalista,dominado pelo imperialismo – é a fonte de todos os

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problemas que afetam a Nação brasileira, entre os quais seincluem os problemas populares, de onde surgem asreivindicações das massas. A solução, portanto, não consisteem esmorecer ou cessar o movimento popular, masjustamente em fazê‐lo avançar, a fim de que se altere aquelaestrutura fundamental. Jamais conseguirão as forçaspopulares convencer a minoria privilegiada. Para esta oproblema consiste em que o avanço popular mulEplica osproblemas, de tal modo que a estrutura básica fundamentaldo País vai se tornando incapaz de suportá‐los e podeocorrer que aquele setor da burguesia nacional, que porenquanto ainda resiste à solução de direita, termine poraceitá‐la, temerosa do avanço do movimento popular e dasconseqüências que a tentaEva de alterar a ordenação socialpoderia acarretar. Enquanto isto, os arautos do golpeencarregam‐se de veicular que são as reivindicaçõespopulares, por um lado, e a inépcia do regime atual, poroutro, que consEtuem a fonte dos problemas que afligem aNação, apresentando a “atraente” solução de que sesubsEtua o regime vigente por outro, forte, que seja capaz,não só de conseguir as soluções que o atual é incapaz deoferecer, mas, sobretudo, conter o avanço do movimentopopular nos seus devidos “limites”. É indispensável que avanguarda alerte todo o povo para a misEficação de queestá sendo víEma por parte dos alto‐falantes golpistas,quando atribuem aos nossos problemas uma origem quenão a verdadeira. Não é o avanço popular que cria osproblemas, mas a estrutura fundamental do País sobre aqual os porta‐vozes golpistas não dizem uma palavra. Comonão é também a inépcia do governo atual em resolver“todos os problemas” a causa do impasse a que está

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chegando o povo brasileiro, mas a sua inépcia em resolverum único problema, que é o da transformação básica doPaís. Os aventureiros golpistas estão se aproveitando combastante habilidade das contradições do governo atual, paraforçar o povo a aceitar sua tese de que só um governo fortepode solucionar o impasse real a que está chegando asociedade brasileira. As forças progressistas devem alertar opovo mostrando que há efeEvamente um impasse real nasociedade brasileira e que também é certo que o governoatual não está conseguindo resolvê‐lo. Mas nem tal impasseé aquele que apresentam os defensores do golpe. Oimpasse real tem lugar entre a estrutura fundamental doPaís e as necessidades sociais que ela origina sem ser capazde saEsfazer –, nem a solução é aquela que apresentam osgolpistas, quer dizer, a solução não é mudar apenas a formaexterior de governo, mas mudar de estrutura. O golpismoestá jogando, do seu ponto de vista, evidentemente, comdados reais. Cabe ao povo não cair no erro de acusar osgolpistas de menErosos integrais. Não é menEra que existaum avanço popular no Brasil – menEra é que este seja umadas causas dos problemas brasileiros –, nem é menEra queo governo atual não esteja resolvendo os problemas dopovo – menEra é que esses problemas se resolvam pelasubsEtuição do governo atual por uma ditadura do governoforte –, como também não é menEra que exista um impassereal na sociedade brasileira atual – e sim que esse impasseseja entre as “forças da democracia e as forças dototalitarismo”, quando, na verdade, tal impasse se dá entreuma estrutura fundamental arcaica que não tem meios pararesponder às necessidades sociais que ela própria criou. Avanguarda do povo deve reconhecer que seu próprio

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avanço dá margem a que os golpistas uElizem as situaçõescriadas por esse avanço – o qual não pode absolutamentedeixar de ser es�mulado por ela – em proveito do golpe. Oavanço do movimento popular pode propiciar as condiçõesda ditadura do governo forte, dependendo de como saibamaproveitar esse avanço as próprias forças populares, pois,como se disse acima, é esse avanço, por outro lado, querdizer, bem aproveitado, um dos maiores entraves a que apregação golpista seja vitoriosa.

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SEGUNDA CONDIÇÃO

A segunda condição para que a pregação golpistaseja vitoriosa decorre em larga medida da primeira.Refere‐se à possibilidade de que todos aqueles setores quese tem manEdo impermeáveis à pregação de golpe e que,parEcularmente durante os acontecimentos de agosto‐setembro de 61, formaram decididamente ao lado do povo,venham a ser conquistados para a aventura golpista eaceitem a tese da necessidade do governo forte. Essessetores são a parte da burguesia que resiste a essa solução,a parte da classe média que também não está aceitando oque se está chamando de “interrupção das normasdemocráEcas”, e, finalmente, todo aquele grupo socialcaracterizado como “centro”, poliEcamente considerado,quer se trate de setores de imprensa, quer de militares.Para conquistar o “centro” políEco vem a reação direiEstadesenvolvendo uma ação intensíssima que vai desde acorrupção até a paralisação desses setores pelo medo.

Por este úlEmo aspecto deve ser caracterizada,entendida e analisada a ação do MAC [MovimentoAnEcomunista] no contexto atual brasileiro. É evidente queo MAC não pretende tomar o poder, por intermédio doterror. Não são esses, pois, seus objeEvos. Mas também nãoconsEtui a ação do MAC nenhuma manifestação dedesespero da “direita”, como alguns membros das camadaspopulares querem fazer crer ao povo. O MAC é, na verdade,

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uma peça de esquema geral golpista para levar os setoresdo “centro” ou à aceitação completa das teses totalitárias,ou à sua paralisação pelo medo. O MAC é uma táEca queestá sendo uElizada pelos arquitetos do golpe com vistassobretudo aos setores da classe média, que não aceitam asolução ditatorial, objeEvando paralisá‐los pelo temor. Estáclaro que o MAC não é uma campanha especificamenteanEcomunista. Basta que se analisem alguns dos nomesvisados por essa organização terrorista – entre os quais seincluem, por exemplo, os nomes de San Tiago Dantas; deAfonso Arinos de Melo Franco, de Saldanha Coelho etc. –basta que se analisem os nomes visados pelo MAC e se veráque sua ação não é especificamente anEcomunista. OanEcomunismo, no caso, é usado como moeda que temgrande valia e curso na classe média, a qual na verdade oMAC visa a paralisarse não conseguir ganhá‐la para a tesegolpista. E também as insEtuições ameaçadas pelo MACnada têm de comunistas: O jornal Correio da Manhã, porexemplo, o Jornal do Brasil, a Úl�ma Hora, de São Paulo, aUNE [União Nacional dos Estudantes] etc. É claro que, nomeio de toda essa agitação, o MAC envolveu elementos ouorganizações de esquerda, como no atentado à UNE, e opichamento da residência de L. C. Prestes, líder comunista.Mas isto é para dar o resíduo de verdade necessário a quesua ação Evesse efeito. O MAC, na verdade, é uma daspeças do esquema golpista, e sua missão consiste em criaras condições, especialmente no seio da classe média, quepropiciem a aceitação da tese golpista da necessidade deum governo forte, ou, então, o que, socialmente falando,vem a dar no mesmo, paralisar os setores recalcitrantes,pelo medo.

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A segunda condição para que a tese golpista sejavencedora é, pois, que grande parte dos setores queformam atualmente ao lado do povo, contra o golpe, e queconsEtuem, no seu conjunto, o “centro” políEco, tendampara a aceitação da necessidade de um governo forte. Como objeEvo de conseguir esta condição vem sedesenvolvendo toda a ação golpista, da qual o MAC – etodos os seus variantes – consEtui uma peça, cujo campo deoperação é a classe média. Mas não obstante ser a classemédia o setor do centro políEco atual visado pelo MAC,curioso é observar como algum tempo depois de suaaparição no cenário políEco nacional, jornais como o Jornaldo Brasil, por exemplo, que vinha assumindo uma posiçãode centro no setor da imprensa – que não é um setor declasse média, é necessário que fique claro, sendo estaaproximação apenas para facilitar a compreensão dos fatos– passaram a defender, veladamente, a necessidade de queo governo Evesse mais autoridade etc. Em seu editorial de 3de fevereiro de 62, abordando as conclusões do Ministro daJusEça, justamente sobre as aEvidades do MAC (o qual,aliás, no mesmo editorial, o Jornal do Brasil considera comoconsEtuído por “agitadores sem importância”, “terroristassubdesenvolvidos que até agora não conseguiram derrubaruma parede sequer”. Assim é que o Jornal do Brasilconsidera o MAC, como agitadores sem importância, pois,acrescentamos nós, no atentado à UNE não conseguirammatar ninguém), nesse editorial, lá está a opinião atual(3)do Jornal do Brasil sobre a situação nacional: “A Nação viveum momento delicado. Não suporta a irresponsabilidade ea debilidade arvoradas à função pública. Quer um governode autoridade e de eficiência. Não um governo que, às

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escuras, confessa, com toda calma, sua impotência”.(sublinhado por mim, W. G.) Eis, na opinião atual do Jornaldo Brasil, que vinha desenvolvendo uma linha políEca decentro, o governo que a Nação quer. Ao lado disto,considerou o Jornal do Brasil que o MAC é uma tolice, nãosó no editorial citado, como também, no do dia seguinte – 4de fevereiro. Lá está, na verdade, a opinião do Jornal doBrasil sobre o MAC: “Os nossos projetos de terroristas,[midos e encabulados, (tão [midos que só metralhamjovens – acrescentamos nós. O Jornal do Brasil espera,talvez, que o MAC seja menos [mido e comece a atacargente grande? 0 próprio Jornal do Brasil, talvez? – Não. Seusproprietários sabem que, com a opinião que emiEram,ficaram definiEvamente a salvo das ameaças do MAC),picham umas paredes e tentam, sem êxito, derrubar outras,recorrendo a bombinhas comoventemente mal fabricadas emanejadas.”

Pois então o Jornal do Brasil, que vinha sendo umadas forças do centro, considera o MAC uma tolice! Ora, epara que, então, exigiria o Jornal do Brasil um governo deautoridade, tal como exigiu? – A resposta nos é dada poruma nota, de responsabilidade da direção do jornal,publicada ao lado do editorial do dia 8 de fevereiro. A notatem por [tulo “O MINISTRO ESTÁ CERTO”, e o Ministro doqual se trata é o Ministro da JusEça que, no editorial do dia3, era convidado pelo jornal a deixar o cargo, o que foirepeEdo no editorial do dia 4, onde se dizia o seguinte arespeito desse mesmo ministro: “Segunda‐feira teremosuma nova lista de nomes – os mandantes dos mandados.Esperamos que, na terça, tenhamos também um novoMinistro, capaz de mais atos e menos palavras’; ou seja,

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enquanto o Ministro ocupava‐se com o MAC – que é umatolice, na opinião do Jornal do Brasil, embora considere sernecessário um governo de autoridade – devia esse Ministroser mudado, era um inepto, não sabia agir com autoridade,embora o caso do MAC fosse uma bobagem. Mas, então,voltemos a perguntar, para quê queria o Jornal do Brasilautoridade do Ministro? – É o que nos responde a referidanota cujo [tulo é “O MINISTRO ESTÁ CERTO” e que diz oseguinte: “O Ministro da JusEça, senhor Alfredo Nasser, (omesmo dos editoriais précitados) evidencia umcomportamento políEco e administraEvo correto aoinformar aos oficiais de náuEca que a sua grave será �dacomo ilegal. (...) As providências que o governo estátomando – por iniciaEva e por determinação pessoal dosenhor Alfredo Nasser – revelam tratamento de paciênciaem relação aos que ameaçam a navegação brasileira, masrevelam também decisão e firme propósito de não colocarmovimentos ilegais em pé de igualdade com reivindicaçõesque, afinal, tem outra envergadura e outra dimensão. “Aiestá para o que serve um governo de autoridade do Jornaldo Brasil, o povo há de facilmente compreender contraquem se exerce a autoridade de um governo autoritário. Eque medidas terão sido essas, tomadas pelo senhor AlfredoNasser, que tanto agradaram ao Jornal do Brasil? – Lá estãoelas, na nota oficial do Ministério da JusEça sobre o assunto,da qual reEramos este trecho: “Se a greve se materializar, oGoverno, na defesa do interesse pública e da suaautoridade, aplicará, intransigentemente, a lei, estandodesde já previstas e planejadas as medidas indispensáveispara assegurar o abastecimento e o bem‐estar dapopulação, que cumpre preservar a qualquer custo.” (W. G.

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sublinhou. ) Aí está para que quer autoridade o Jornal doBrasil, e o povo necessita compreender que os golpistas dadireita também não querem um governo de autoridadepara coisa diferente: para aplicar, intransigentemente, asleis – as quais podem ser feitas de encomenda, como foifeita de encomenda a ConsEtuição de 1937 –, na defesa dointeresse público e da autoridade do governo. Só que essasmedidas, intransigentes, são aplicadas contra o povo – osoficiais de náuEca, no caso –, enquanto os terroristas sãoconsiderados sem importância; ou melhor, o Ministrorecomendou a criação de uma Comissão Parlamentar deInquérito para apurar as aEvidades terroristas dasorganizações de direita e das de esquerda. Este é o golpeem marcha no Brasil e que já está dando seus frutos – eis oque precisa ser denunciado ao povo por sua vanguardaaguerrida. O “centro” políEco já está aderindo à tese dogoverno de autoridade, que é o golpe em marcha noBrasil.(4) As aEvidades da direita passaram a ser encaradascomo insignificantes, mas já começaram as ameaças deinvesEgação sobre as aEvidades das Ligas Camponesas.Tudo isto as forças progressistas precisam denunciar aopovo, mostrar‐lhe como está em marcha um piano parafazer com que o “centro” políEco adira à tese de que énecessária a instalação de um governo forte. Um golpedessa natureza pode ser executado sem haver necessidadede alterar muita coisa na aparência do sistema vigente. Épossível até que o golpe seja dado sem ser necessáriomudar o atual chefe do governo. Tem‐se de alertar todo opovo para este perigo, pois o próprio Presidente JoãoGoulart já fala na necessidade de formar um gabineteexclusivamente técnico. E o povo necessita estar prevenido

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para essas famosas soluções técnicas, partam de quemparEr, pois, neste parEcular, Carlos Lacerda sabe o que dizquando afirma que não importa quem chefie o governoforte, desde que seja forte. As forças do povo não se podemdeixar enganar pelas aparências dos fatos. Existe uma opçãoreal, objeEva, no momento atual, e é em função dela que oshomens e os movimentos devem ser caracterizados. Essaopção é a que coloca de um lado aqueles que consideramdesejável alterar a estrutura fundamental do País para queas exigências sociais sejam saEsfeitas e, de outro, os queconsideram que não se deve alterar aquela estrutura, querdizer, mantê‐lo como nação capitalista, dominada peloimperialismo. É claro que optar pela segunda alternaEvaimplica resolver os problemas do povo em prejuízo do povo,e não há suEleza capaz de esconder este fato. Logo, todaproposta que tenha por objeEvo desviar a atenção doverdadeiro impasse que se está agravando cada dia mais,seja sob que pretexto for, está optando pela segundaalternaEva e, conseqüentemente, é dirigida contra o povo,ainda que parta do Presidente do ParEdo TrabalhistaBrasileiro. Devemos estar atentos às condições reais em quese está tramando e executando o golpe contra o povo noBrasil. Como já se disse, em todo o golpe há sempre alguémque trai alguém ou alguma coisa, e o povo só tem um meiode reconhecer quem o traiu: analisando as aEtudes, seja dequem for, de acordo com os critérios válidos para estemomento e, não, de acordo com a vida passada, mais oumenos gloriosa, de quem quer que seja.

A segunda condição para ser possível o golpe dogoverno forte contra o povo é, por conseguinte, a de quetenda para a tese golpista aquela parcela do “centro” que

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vem formando, na sua maior parte, até agora, ao lado dosinteresses do povo. Para conseguir este objeEvo as forças dareação estão desenvolvendo um plano cuidadosamentetraçado e que já está, inclusive, surEndo seus primeirosefeitos. Cabe às camadas esclarecidas do povo, porconseguinte, opor a essa ação, outra, de senEdo contrário, afim de tentar manter as condições que estão impedindo odesencadeamento do golpe no Brasil.

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COMO SE OPOR AO GOLPE EMMARCHA NO BRASIL?

É claro que as forças do povo não podem determinarconcreta e pormenorizadamente todos os recursos com quecontam para impedir o avanço golpista. E não podem muitosimplesmente porque esses recursos variam e dependem,originariamente, da situação concreta em que se desenvolvaa luta. É a situação parEcular concreta, configurando umproblema vivo, específico, que determina os recursos deque se devem valer os dirigentes populares na luta contraseus inimigos. E essas situações variam, não só em virtudedos acontecimentos políEcos que se vão desenrolando, masem virtude também da própria ação das forças golpistas, eainda em virtude da ação das forças do povo. Nessascondições, não há como catalogar receitas contra o golpe, anão ser que se quisesse levar as forças populares a umaação cega e inflexível. A inflexibilidade da ação popular deveser colocada, a cada fase da luta, nos príncípios que, em talfase, devem orientar toda ação concreta. E que princípiossão esses?

Em primeiro e principal lugar, fazer com que evolua omovimento popular em todos os seus aspectos:reivindicatórios, de poliEzação, mas, sobretudo, em seuaspecto organizatório. É preciso, de modo absoluto, que opovo se organize para enfrentar seus inimigos, pois esta é a

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condição básica, sem a qual toda vitória, caso exista, é fugaz.É imperioso que o movimento popular avance,transformando em vantagem material sua vantagem moral,levando em conta especialmente o fato de que é o povo,principalmente sua vanguarda, os trabalhadores, oscamponeses e os estudantes, o único inimigo conseqüentedas forças golpistas. Já se viu que o avanço popular podecriar as condições propícias à pregação golpista, e já se viutambém por que isso se dá. Mas o outro lado da medalha éque o avanço do povo, organizado, é a principal condiçãopara fazer com que as demais forças sociais se decidam pelolado justo da opção fundamental da sociedade brasileira. Àmedida que o movimento popular avança, transformandoem vantagem material sua vantagem moral, vai reErandocada vez mais capacidade e decisão autônoma às demaisforças sociais, quer sejam laEfundiárias, quer sejamcomerciantes, quer seja a burguesia nacional, quer seja aclasse média, inclusive o Exército, como parte dessa classemédia. Torna‐se cada vez mais impossível, quando omovimento popular avança e conquista posições, queaquelas forças tomem decisões à revelia dele. E, assim, se éverdade que o avanço popular contribui para tornar cadavez mais explícita a opção essencial da sociedade brasileira,também é verdade que, em virtude desse avanço, as forçaspopulares ganham progressivamente condições para obrigaras demais forças sociais a se decidirem por um dos lados daopção – aquele que favorece o povo –, ou para impeli‐las dese decidirem pelo outro – aquele prejudicial ao povo. Fazeravançar o movimento popular, sob todos os aspectos,principalmente o organizatório, é o primeiro princípio daluta contra o golpe da minoria dominante Como realizá‐lo

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concretamente é o que compete aos militantesprogressistas descobrir pacientemente, inexoravelmente.

Em segundo lugar, já que as condições para o golpedependem, sobremaneira, de fazer pender para o seu ladoos setores da classe média e da burguesia que resistem àsua sedução, o segundo princípio a ser observado pelopovo, nesta fase da luta, é manter a todo custo a divisão daburguesia e da classe média, não medir esforços paraimpedir que aquela idenEdade relaEva, de que se falouatrás, venha a predominar sobre as divergências relaEvas. Énecessário que as forças sociais, no que se refere à lutacontra o golpe, permaneçam, no mínimo, como estão, –divididas de alto a baixo, – a fim de que as forças do golpenão consigam tornar necessidade comum, a várias eponderáveis parcelas sociais, a instalação de um governoforte. Como realizar isto na ação práEca, como manterdividida a classe média e a burguesia, é algo que dependedas condições concretas e que variam sempre, nas quaisvivem os setores que se pretende conquistar. Compete aosdirigentes descobrir como realizar, concretamente, em cadacaso, este princípio diretor desta fase da luta.

Finalmente, quer isto dizer que, com tais princípios,disposição e compreensão, esteja definiEvamente afastadaa hipótese da implantação da ditadura do governo forte, oude qualquer outra ditadura? – De modo algum. Como jádizia um grande líder do povo, a vanguarda é apenas umadas forças sociais atuantes, e o curso dos acontecimentosnão depende exclusivamente de uma só força. Pode‐se darperfeitamente o caso de que, apesar de todos os esforçosdas forças populares, a minoria dominante consiga levaravante seus desígnios de manter a maioria do povo

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dominada. Quando isso ocorrer, se ocorrer, outras deverãoser as formas de luta do povo, porque outras deverão ser ascondições nas quais essa luta se desenrolará. Por ora,porém, o inimigo que as forças do povo têm pela frente estaperfeitamente caracterizado, sua forma de luta claramentedefinida, seus objeEvos niEdamente discerníveis. – Que asforças do povo disponham sua linha de frente da melhorforma possível e que lutem de modo mais encarniçado. Jáestá em marcha o golpe contra o povo; que se ponha emmarcha, então, o povo contra o golpe, no Brasil.

WANDERLEY GUILHERMEfevereiro de 62

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Notas

1 – Escrito em fevereiro de 1962, quando Frondizi aindagovernava. Os fatos posteriores só fizeram comprovar oexemplo.

2 – Veja‐se, por exemplo, como têm sido reprimidas asmanifestações estudanEs sobre o problema da ReformaUniversitária enquanto os Reitores para tratar do mesmoassunto, reúnem‐se fesEvamente aqui e ali, a tramartresloucados manifestos.

3 – Atual aí quer dizer fevereiro de 62. Posteriormente oJornal do Brasil voltou a adotar posição legalista, ainda quede modo [bio. Em todo caso, se se quer estudar as tesesgolpistas pela imprensa, basta acompanhar os editoriais deO Globo e do Estado de S. Paulo, especialmente os editoriaisdeste úlEmo nos meses de maio e junho.

4 – Consulte‐se o documento resultante da Reunião deGovernadores em Araxá, onde se afirma desde o início queo grave problema nacional é a crise de autoridade.

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CADERNOS DO POVO BRASILEIRO

Os grandes problemas de nosso País sãoestudados nesta série com clareza e semqualquer sectarismo; seu objeEvoprincipal é o de informar. Somentequando bem informado é que o povoconsegue emancipar‐se.

Primeiros lançamentos

1 — Que São as Ligas Camponesas? Francisco Julião2 — Quem é o Povo no Brasil? Nelson Werneck Sodré3 — Quem Faz as Leis no Brasil? Osny Duarte Pereira4 — Por Que os Ricos Não Fazem Greve? Álvaro Vieira Pinto5 — Quem Dará o Golpe no Brasil? Wanderley Guilherme

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