10
2 Esta postagem foi publicada em A BABILÔNIA NA ARENA DO SÉC... às 10:48:47 de 28/10/2013 “QUERES SER CURADO?” EXTRAÍDO DO LIVRO: “CURA PELA PALAVRA”. Autor: Pr. Marcelo Aguiar. Editora: Betânia (Livros que falam de Deus). Dados sobre o Autor: Pr. Marcelo Rodrigues de Aguiar, formado em teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, e em psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Pastoreia a Igreja Batista em Paul, na cidade de Vila Velha – ES, e leciona Velho Testamento e Psicologia no Seminário Teológico Batista do Espírito Santo. INTRODUÇÃO A cura interior é uma das grandes necessidades dos nossos dias. A medicina moderna experimentou avanços extraordinários no tratamento de doenças que havia muitos séculos afligiam a humanidade – lepra, peste bubônica, tuberculose e varíola, entre outras. Mas quase nenhum progresso foi conquistado no que se diz respeito aos males do coração – solidão, ira, culpa, depressão, mágoa, medo, ansiedade, complexo de inferioridade, decepção, angústia, rejeição. O homem pode ter mudado muito em termos de tecnologia e comportamento, mas seus conflitos emocionais e suas carências interiores continuam os mesmos, desde os templos bíblicos até hoje. A saúde da alma é parte da provisão espiritual de Deus para seus filhos. O Senhor almeja que vivamos bem. Ele deseja que façamos da vida uma jornada de auto descoberta e de enriquecimento interior. Não quer apenas que superemos as lembranças amargas do passado; mas que também conservemos essa vitória no presente e não soframos novas derrotas no futuro. A medicina celestial não é apenas curativa, é preventiva também. Ela é um aprendizado, uma reeducação para a vida. O Senhor espera que todos tenham uma existência equilibrada, abundante e feliz. É a sua Palavra que diz: “Amado, acima de tudo, faço votos por tua prosperidade e saúde, assim como é próspera a tua alma.” (3 João 2). O meu desejo é que você, leitor, encontre, neste livro, uma palavra de cura para o seu coração. Essa palavra terá, necessariamente que proceder do Senhor. A Palavra de Deus opera cura porque penetra, como nenhuma outra, no mais profundo da nossa alma e resolve nossas questões mais íntimas. “Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração.” (Hebreus 4.12). A Palavra de Deus promove a cura interior. Ela nos desnuda, ajuda-nos a conhecer o Senhor e a nós mesmos. Ela toca nossas feridas, para então fechá- las com bálsamo celestial. Maravilha-me o poder terapêutico, libertador, transformador do falar divino. Quanto ele pode fazer na vida de alguém com apenas uma de suas palavras! Essas palavras que curam abençoaram os personagens bíblicos que as escutaram. Nos momentos de grande dificuldade, quando se encontravam abatidos e desorientados, o Senhor “enviou-lhes a sua palavra, e os sarou, e os livrou do que lhes era mortal” (Salmos 107.20). Apenas uma palavra – nada mais que isso – foi suficiente para revolucionar a existência daquelas

QUERES SER CURADO?

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Queres ser Curado?

Citation preview

Page 1: QUERES SER CURADO?

2

Esta postagem foi publicada em A BABILÔNIA NA ARENA DO SÉC... às 10:48:47 de 28/10/2013

“QUERES SER CURADO?”

EXTRAÍDO DO LIVRO: “CURA PELA PALAVRA”. Autor: Pr. Marcelo Aguiar. Editora: Betânia (Livros que falam de Deus).

Dados sobre o Autor: Pr. Marcelo Rodrigues de Aguiar, formado em teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, e em psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Pastoreia a Igreja Batista em Paul, na cidade de Vila Velha – ES, e leciona Velho Testamento e Psicologia no Seminário Teológico Batista do Espírito Santo.

INTRODUÇÃO

A cura interior é uma das grandes necessidades dos nossos dias. A medicina moderna experimentou avanços extraordinários no tratamento de doenças que havia muitos séculos afligiam a humanidade – lepra, peste bubônica, tuberculose e varíola, entre outras. Mas quase nenhum progresso foi conquistado no que se diz respeito aos males do coração – solidão, ira, culpa, depressão, mágoa, medo, ansiedade, complexo de inferioridade, decepção, angústia, rejeição. O homem pode ter mudado muito em termos de tecnologia e comportamento, mas seus conflitos emocionais e suas carências interiores continuam os mesmos, desde os templos bíblicos até hoje.

A saúde da alma é parte da provisão espiritual de Deus para seus filhos. O Senhor almeja que vivamos bem. Ele deseja que façamos da vida uma jornada de auto descoberta e de enriquecimento interior. Não quer apenas que superemos as lembranças amargas do passado; mas que também conservemos essa vitória no presente e não soframos novas derrotas no futuro. A medicina celestial não é apenas curativa, é preventiva também. Ela é um aprendizado, uma reeducação para a vida. O Senhor espera que todos tenham uma existência equilibrada, abundante e feliz. É a sua Palavra que diz: “Amado, acima de tudo, faço votos por tua prosperidade e saúde, assim como é próspera a tua alma.” (3 João 2).

O meu desejo é que você, leitor, encontre, neste livro, uma palavra de cura para o seu coração. Essa palavra terá, necessariamente que proceder do Senhor. A Palavra de Deus opera cura porque penetra, como nenhuma outra, no mais profundo da nossa alma e resolve nossas questões mais íntimas. “Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração.” (Hebreus 4.12). A Palavra de Deus promove a cura interior. Ela nos desnuda, ajuda-nos a conhecer o Senhor e a nós mesmos. Ela toca nossas feridas, para então fechá-las com bálsamo celestial.

Maravilha-me o poder terapêutico, libertador, transformador do falar divino. Quanto ele pode fazer na vida de alguém com apenas uma de suas palavras! Essas palavras que curam abençoaram os personagens bíblicos que as escutaram. Nos momentos de grande dificuldade, quando se encontravam abatidos e desorientados, o Senhor “enviou-lhes a sua palavra, e os sarou, e os livrou do que lhes era mortal” (Salmos 107.20). Apenas uma palavra – nada mais que isso – foi suficiente para revolucionar a existência daquelas

Page 2: QUERES SER CURADO?

3

pessoas. As palavras divinas ainda hoje abençoam homens e mulheres que as ouvem. Elas nos proporcionam saúde. Conduzem-nos na direção do crescimento, do autoconhecimento e da realização pessoal. Elas nos apresentam o caminho da liberdade, pois conhecer a verdade a respeito de Deus e de nós mesmos quebra nossas cadeias, possibilita-nos crescer, faz-nos livres. “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, disse Jesus (João 8.32). E se Pilatos, cético, achava-se no direito de retrucar – “Que é verdade” (João 18.38) – Jesus, por sua vez, já declarara a resposta em sua oração intercessória: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade”. (João 17.17).

O objetivo desta obra não é substituir o auxílio espiritual e psicológico que podemos encontrar nos sermões do pastor, no estudo da Bíblia, na conversa com amigos ou mesmo na psicoterapia. Sua finalidade é acrescentar a todos esses recursos, válidos e preciosos, a contribuição dos princípios de cura interior encontrados na Palavra de Deus. Seus capítulos foram escritos de forma a poder ser lidos independentemente, de acordo com o interesse do leitor por cada um dos assuntos abordados. Minha sugestão é que você comece pelo primeiro, que é uma espécie de “introdução geral”. Depois poderá partir diretamente para os temas que mais lhe interessarem. Indique este livro a pessoas que estejam passando por alguma dessas situações específicas – depressão, solidão, ansiedade, e assim por diante.

Que o Senhor o ilumine ao longo desta leitura. Que ele nos ajude a transformar as lutas, desafios e perplexidades, que constituem a aventura da vida humana, em verdadeiras lições. E que estas promovam nosso crescimento como pessoa e possibilitem-nos uma maior proximidade, não apenas com Deus que cura, mas também com a humanidade que adoece. “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de misericórdias e Deus de toda consolação! É ele que nos conforta em toda a nossa tribulação, para podermos consolar os que estiverem em qualquer angústia, com a consolação com que nós mesmos somos contemplados por Deus”. (2 Coríntios 1.3,4). Que a Palavra de Deus, em meio a tantas outras que ouvimos neste mundo agitado, ocupe em nossa vida um lugar de honra e primazia. Que ela seja fonte de saúde, orientação e paz, porque o seu poder de abençoar permanece inalterado. “Seca-se a erva, e cai a sua flor, mas a palavra de nosso Deus permanece eternamente”. (Isaías 40.8).

“Nenhuma língua toca as profundezas de minha natureza

Como a Palavra de Deus,

E nenhuma outra produz calma tão profunda

Dentro do meu espírito.

Prefiro-a a todas as forças da natureza,

Pois a Palavra de Deus é a fonte de todo o poder do universo.

Suaviza minha memória,

Ilumina minha esperança,

Estimula minha imaginação,

Dirige meu juízo,

Page 3: QUERES SER CURADO?

4

Comanda minha vontade

E anima meu coração.”1

(Charles Spurgeon)

CAPÍTULO 1 – “QUERES SER CURADO?”: Cura Interior Pela Palavra de Deus

Texto Bíblico – Básico: “Passadas estas cousas, havia uma festa dos judeus, e Jesus subiu para Jerusalém. Ora, existe ali, junto à Porta das Ovelhas, um tanque, chamado em hebraico Betesda, o qual tem cinco pavilhões. Nestes, jazia uma multidão de enfermos, cegos, coxos, paralíticos [esperando que se movesse a água. Porquanto um anjo descia em certo tempo, agitando-a; e o primeiro que entrava no tanque, uma vez agitada a água, sarava de qualquer doença que tivesse]. Estava ali um homem enfermo havia trinta e oito anos. Jesus, vendo-o deitado e sabendo que estava assim há muito tempo, perguntou-lhe: Queres ser curado? Respondeu-lhe o enfermo: Senhor, não tenho ninguém que me ponha no tanque, quando a água é agitada; pois, enquanto eu vou, desce outro antes de mim. Então, lhe disse Jesus: Levanta-te, toma o teu leito e anda. Imediatamente, o homem se viu curado e, tomando o leito, pôs-se a andar. E aquele era sábado.” (João 5.1-9).

Na busca de conhecer a vontade de Deus para nossa vida, certamente nos surpreendemos com sua bondade, seu cuidado e com aquilo que ele tem preparado para nós. “Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o Senhor; pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o fim que desejais.” (Jeremias 29.11). Podemos nos espantar também ao descobrir que esses planos divinos, esses projetos celestiais, correm o risco de nunca sair do papel, de jamais tornar-se realidade. Isso acontecerá se a nossa vontade estiver em oposição à de Deus.

É comum o homem experimentar dor e sofrimento por ignorar a vontade do Senhor ou simplesmente rebelar-se contra ela. Assim, é comum também que exista um grande contraste entre a vida que levamos e aquela que Deus gostaria que levássemos. Nossa vontade conta, e conta muito, para que alcancemos uma existência realizada, útil, equilibrada e feliz.

Diante da presente situação do ser humano e dos propósitos de Deus para ele, a pergunta feita por Jesus ao paralítico de Betesda – “Queres ser curado?” – permanece atual, relevante e desafiadora. Através dela o Senhor chama a atenção não somente para a necessidade da cura interior, mas também para o papel fundamental que a vontade humana desempenha na obtenção da mesma.

NOS PAVILHÕES DE BETESDA

O texto bíblico fala sobre um homem que jazia doente havia trinta e oito anos. Ele era levado diariamente aos pavilhões de Betesda, onde aguardava uma oportunidade de ser curado. Betesda (em hebraico, Beth-Hesed, “Casa de Misericórdia”) era um dos lugares mais importantes e frequentados de Jerusalém. Seus tanques, muito antigos, eram

1 David Otis Fuller. Spurgeon Ainda Fala. São Paulo: Edições Vida Nova, 1981, p. 86.

Page 4: QUERES SER CURADO?

5

tradicionalmente usados pelos peregrinos em rituais de purificação. Ao seu redor, Herodes, o Grande, construíra cinco varandas com capacidade para acomodar um grande número de pessoas. A respeito daquele conjunto arquitetônico formado por tanques e pórticos, os judeus contavam muitas histórias. Uma lenda divulgada pelos essênios dizia que havia valiosos tesouros escondidos sob a piscina de Betesda. Acreditava-se também que a descida ocasional de um anjo àquelas águas conferia-lhes um poder miraculoso, livrando de qualquer doença aquele que imediatamente se jogasse nelas.2

Tanta fama e tradição, porém, não faziam de Betesda um lugar bom de se visitar. Atraídos pela possibilidade de cura, centenas de mendigos e doentes iam até lá e ficavam estendidos no chão. Esmolavam e aguardavam o mover das águas, à espera de um milagre que lhes devolvesse a saúde e a alegria. Entretanto, como apenas uma pessoa podia ser curada de cada vez, ir até lá se revelava, para grande maioria, uma enorme decepção. No fim do dia, os cegos voltavam para casa tateando, e os coxos acomodavam-se sobre o chão duro, para dormir. Todos os sonhos e esperanças tinham de ser adiados para outra ocasião. Curas milagrosas eram presenciadas de vez em quando, mas doença e sofrimento, todos os dias.

Assim como o paralítico de Jerusalém, milhares de pessoas têm feito da vida uma verdadeira peregrinação em busca da cura de seus sofrimentos. Já foram a diversos lugares, experimentaram muitos recursos e fizeram de tudo na esperança de ser felizes. Passaram por consultórios de psiquiatria e terreiros de umbanda. Recorreram às drogas e aos remédios controlados. Buscaram conselhos, leram livros, escutaram palestras, realizaram sacrifícios e fizeram promessas – mas continuam a sentir-se vazias e infelizes. A igreja, como verdadeira “Casa de Misericórdia Espiritual”, também tem, como Betesda, atraído “uma multidão de enfermos, cegos, coxos, para líticos” (v.3). Entretanto, da mesma maneira que o paralítico havia muito tempo ia a Betesda e continuava doente, muitos vão aos cultos domingo após domingo e ainda estão interiormente enfermos. Eles até presenciam algumas curas. Veem irmãos serem sarados e transformados pelo poder de Deus, mas eles próprios permanecem sem gozar de saúde psicológica, emocional e espiritual.

É a pessoas como essas que Jesus se dirige hoje, como fez com o paralítico de Jerusalém. O Senhor possui uma capacidade extraordinária de perceber aqueles que estão com problemas, que necessitam do seu auxílio e do seu amor. Ao ver aquele homem deitado no chão, logo soube “que estava assim há muito tempo” (v.6). Ninguém precisou dizer-lhe nada. Ele não teve de fazer nenhuma sindicância – simplesmente soube. Ele sempre sabe. E diante da constatação da necessidade e do sofrimento humanos, Jesus faz uma pergunta surpreendente e, ao mesmo tempo, desconcertante: “Queres ser curado?”

CULPANDO OS OUTROS

“É claro que quero! Que pergunta idiota!”

Esse pode ter sido o pensamento que, como um raio, passou pela cabeça daquele mendigo. Que espécie de pergunta era aquela? Com que intenção aquele rabino da

2 John Wilkinson. Jerusalém Anno Domini. São Paulo: Editora Melhoramentos, 1993, p. 104.

Page 5: QUERES SER CURADO?

6

Galiléia a fizera? Estava querendo ser engraçado, cruel, ou apenas tolo? Por que outro motivo uma pessoa ficaria nomeio da multidão de Betesda, senão pelo desejo de ser curada? Perguntar a um doente se quer ser curado é como perguntar a uma criança se ela quer sorvete!

A vontade de ser curado, no entanto, não era tão evidente quando poderíamos, a princípio, imaginar. Tanto isso é verdade, que o paralítico não respondeu à pergunta de Cristo com um rápido e veemente “sim!”, mas passou a desenrolar uma fileira de lamentações: “Senhor, não tenho ninguém que me ponha no tanque, quando a água é agitada; pois, enquanto eu vou, desce outro antes de mim.” (v.7). Quando Jesus perguntou a outro enfermo, o cego de Jericó, o que ele queria (aparentemente óbvio também), este lhe respondeu prontamente: “Senhor, que eu torne a ver” (Lucas 18.41). Mas a reação do paralítico foi diferente. Diante da possibilidade da cura, ele falou dos obstáculos intransponíveis com que se deparava.

Da resposta daquele homem ao Senhor podemos concluir que ele era muito infeliz e culpava os outros por isso. Na verdade, ele era o único responsável por sua doença e sofrimento. Numa conversa posterior com ele, Jesus revelou isso: “Mas tarde, Jesus o encontrou no templo e lhe disse: Olha que já estás curado; não peques mais, para que não te suceda cousa pior”. (v.14).

A enfermidade que o paralisara durante trinta e oito anos fora resultado de faltas que ele cometera (isso não quer dizer que toda doença seja consequência do pecado, mas naquele caso específico, era). No entanto, longe de enxergar em si mesmo a causa dos seus problemas, o paralítico lançava a responsabilidade sobre as pessoas ao seu redor. Os culpados eram amigos que o abandonaram (“Senhor, não tenho ninguém que me ponha no tanque, quando a água é agitada”) e os doentes que o antecediam na piscina (“enquanto eu vou, desce outro antes de mim”).

Aquele paralítico não enxergava os demais enfermos como companheiros do mesmo infortúnio, mas como concorrentes da mesma bênção. Não tinha nenhuma simpatia para com eles. Quando pôde andar, não voltou para ajudar nenhum deles a descer às águas, como antes gostaria que alguém lhe fizesse. Você já reparou que, frequentemente, as pessoas mais problemáticas são as menos tolerantes para com os problemas dos outros? Os que mais erram e os que mais criticam o erro alheio, e os que mais precisam de misericórdia e perdão são os que parecem menos dispostos a concedê-los. Isso acontece porque pensam, erradamente, que os outros são os responsáveis pelo seu sofrimento.

Conheci um senhor que aderiu ao plano de incentivo a demissões da empresa em que trabalhava. Ele julgava estar fazendo ótimo negócio. Entretanto usou mal o dinheiro da rescisão, e logo se viu numa situação difícil: sem emprego, sem salário e sem dinheiro. Ficou, então, muito amargurado. Passou a queixar-se do país, do governo, da firma de onde saíra e até dos irmãos da igreja. Esses, segundo ele, deviam tê-lo aconselhado a não se demitir. Na verdade, ele era o único responsável pela situação em que se encontrava. Contudo não podia ou não queria enxergar isso.

É interessante observar como as pessoas que buscam aconselhamento normalmente chegam falando e reclamando de outros. A família não as compreende, a igreja não as

Page 6: QUERES SER CURADO?

7

amas, o mundo não se importa com elas. Só depois de muita conversa expõem suas próprias falhas e necessidades. É como dizia o filósofo Sartre: “O inferno são os outros”.

Muitas vezes nos colocamos na posição de vítimas indefesas dos homens e das circunstâncias. E o mais triste é que acreditamos mesmo nisso! Sentimo-nos prejudicados, ofendidos, injustiçados. A verdade é que, pensando assim, tornamo-nos cada vez mais amargos, mais impotentes e menos capazes de experimentar uma mudança significativa em nossa vida.

O paralítico de Betesda considerava-se uma vítima inocente da maldade e do descaso da humanidade. Isso o poupava de lutar com sua consciência, mas também o privava de qualquer possibilidade de vitória.

APEGANDO-SE À DOENÇA

Há uma segunda conclusão à qual podemos chegar a partir da resposta dada por aquele homem a Jesus: ele não estava inteiramente disposto a abrir mão da sua enfermidade. Acostumara-se com ela e, embora fosse dolorosa, aprendera a explorá-la, como tantos já haviam feito antes dele e continuam a fazer hoje.

No antigo oriente, mendigar podia ser um bom negócio, principalmente em Jerusalém. Pelos costumes da época, todos os judeus deveriam ir à cidade santa ao menos uma vez por ano. Entregavam o dízimo dos seus rendimentos no templo e gastavam o “segundo dízimo” em compras e em esmolas para os pobres. Assim, os pedintes eram razoavelmente bem-sucedidos. Podiam até mesmo ter mais dinheiro no banco do que muitos trabalhadores locais.3 E mendigar era a única coisa que aquele homem, enfermo por tantos anos, sabia fazer. É fato que a sua vida não era lá grande coisa, mas essa prática garantia-lhe o sustento da casa e uma rotina mais ou menos previsível.

Mas agora, curado, ele não poderia mais depender da caridade alheia para sobreviver. Teria de trabalhar, ele que não sabia fazer nada! Por isso, o paralítico, no fundo, não ficou muito grato pelo bem que Jesus lhe fizera. Chegou, inclusive, a denunciar o Mestre aos fariseus: “O homem retirou-se e disse aos judeus que fora Jesus quem o havia curado. E os judeus perseguiam Jesus, porque fazia estas cousas no sábado.” (vv. 15,16). Isso pode parecer estranho, mas por mais doloroso que seja uma enfermidade, muitas vezes conseguimos extrair algum proveito dela. Quando isso acontece, não nos sentimos plenamente dispostos a abrir mão dela; não de todo coração. Queremos ser curados, mas, ao mesmo tempo, não queremos.

Uma amiga minha adorava ficar doente. Ela era muito carente. Quando adoecia, podia ter alguma das coisas de que mais gostava na vida: a mãe ao seu lado, o pai fazendo-lhe carinho, a comida trazida à cama... Ela tornava-se o centro das atenções e ficava livre de qualquer responsabilidade ou obrigação.

“O de que eu mais gosto na vida é ficar doente”, disse-me. Era muito natural, pois, que essa moça estivesse enferma frequentemente e demorasse a melhorar, apesar de

3 Hanna Wolff. Jesus Psicoterapeuta. São Paulo: Edições Paulinas, 1990, p. 38.

Page 7: QUERES SER CURADO?

8

todos os cuidados e tratamentos. Ela se apegava à doença, relutava em deixa-la ir. Precisava dela. Ou, pelo menos, achava que sim.

“Queres ser curado?” é uma pergunta desconcertante e, ao mesmo tempo, fundamental. Ela aponta para o papel decisivo da vontade humana no processo de cura. Sua enfermidade lhe dá oportunidade de culpar Deus e o mundo por seus infortúnios? Sua doença lhe traz alguns benefícios dos quais você tem dificuldade de abrir mão? A pergunta de Jesus merece um exame de consciência. Mesmo que à primeira vista ela pareça tola e até ofensiva, dirige-se ao mais profundo da nossa alma, ao mais íntimo do nosso ser. Portanto resista à tentação de respondê-la rápida e superficialmente, dizendo:

“Claro que quero! Que espécie de pergunta é essa?”

Avalie-se primeiro. Quer mesmo? De todo o coração? Com tudo que isso representa?

A CURA INTERIOR E A LUTA INTERIOR

Muitos de nós, para sermos sarados, temos de enfrentar uma verdadeira batalha interior. É que ser curado implica abrir mão de todas as “vantagens” que a doença nos traz. E tem gente que simplesmente não sabe viver sem a sua enfermidade.

Há indivíduos que fazem da doença a única maneira de se relacionar com o corpo. São chamados “hipocondríacos”. Não conhecem bem o próprio organismo. Têm muito medo dele, não se permitem encontrar nele uma fonte de prazer e satisfação. Então não aceitam nem buscam um toque, um carinho, um beijo, um abraço. O único cuidado que se permitem é o dos remédios e das ataduras. A única sensação que aceitam experimentar é a de dor e mal-estar.

E há aqueles que fazem da doença a única maneira de se relacionar com os outros. Conquistam a atenção e a compaixão dos que os cercam fazendo uma repetida e minuciosa descrição dos seus padecimentos. A doença torna-se, então, um veículo de comunicação, uma porta aberta para fazer contatos. Graças à enfermidade podem conversar com o médico, receber a visita dos filhos ou obter o favor dos pais. O problema é que, via de regra, isso não funciona por muito tempo. Mais cedo ou mais tarde as pessoas se cansam de tanta lamentação e se afastam, deixando o doente murmurando:

“Ninguém se importa comigo!”

Há também os que fazem da doença a única maneira de se relacionar com Deus. Seus tremores e palpitações são todo o conteúdo de suas orações. Suas mágoas e ressentimentos precisam ser diariamente citados diante do Senhor. Têm a impressão que só conseguirão a atenção do Criador se fizerem com que ele sinta pena de alguém que, afinal de contas, está sofrendo tanto!

Ser curado implica assumir toda a responsabilidade pela própria vida e, naturalmente, isso não é fácil. Se você quer culpar seus pais, seus vizinhos, Deus e o mundo pelos seus sofrimentos, então nunca será curado, pois precisa de sua mágoa para viver.

Se você quer conquistar a piedade das pessoas com a sua inferioridade e o seu sofrimento, então jamais receberá a cura, pois precisa da sua autoestima em baixa para viver.

Page 8: QUERES SER CURADO?

9

Se você não quer assumir compromissos, nem correr o risco de lançar-se em um empreendimento e fracassar, tampouco será curado, pois necessita do seu medo para viver.

Entre você e a enfermidade estabeleceu-se uma relação de dependência que sabota todas as suas tentativas de mudança. E, embora você experimente momentâneos estados de libertação, logo o medo, o complexo de inferioridade, a mágoa e males semelhantes voltam a agarrar-se, como visto, ao seu estado de espírito.

Por isso, quando o homem é confrontado com a pergunta de Jesus – “Queres ser curado?” – vê travar-se em seu interior uma verdadeira batalha. Mergulha num conflito entre o desejo de ser saudável e livre e o apegar-se à doença e às vantagens que aprendeu a extrair dela. Essa luta do homem consigo mesmo pode ser muito intensa. Ele divide e atormenta o coração.

“Quando pensava em me consagrar

Por inteiro ao teu serviço, Deus meu,

Era eu quem queria fazê-lo,

E eu quem não queria fazê-lo.

Era eu mesmo.

E como não o queria de todo,

Nem de todo não queria,

Lutava comigo mesmo,

E me rasgava em pedaços.”4

(Agostinho de Hipona)

Jesus pede-nos algo difícil, radical. Apela para a nossa vontade de crescer, ter saúde e libertação5. Quando essa vontade existe, o coração torna-se um terreno fértil no qual pode ser lançada a palavra de cura. Quando ela existe, segue-se uma ação decisiva e confiante, uma disposição fundamental de colocar em prática os princípios revelados pela Palavra de Deus. Sem ela, sem essa disposição, sem essa ação, porém, ninguém pode experimentar cura interior. Existirá, quando muito, uma “massagem espiritual” proporcionada por uma mensagem bonita, algumas expressões de fé e a libertação momentânea de algumas emoções. Contudo, passado o “transe”, tudo continuará como antes.

Deus tem uma palavra de cura para o seu coração, para o meu, para o de todos nós. Ela tem o poder de nos consolar, de minorar nossas dores nos momentos difíceis da vida. “O que me consola na minha angústia é isto: que a tua palavra vivifica”, diz o salmista (Salmos 119.50). Ela tem também a capacidade de cicatrizar feridas há muito abertas e de mudar a forma de encararmos a vida, o mundo e nós mesmos, tornando-nos mais

4 Justo Gonzáles. A Era dos Gigantes. São Paulo: Edições Vida Nova, 1982, p.163. 5 Hanna Wolff. Op.. cit., p. 39.

Page 9: QUERES SER CURADO?

10

saudáveis. Mas como a boa semente depende de um solo adequado para germinar e dar o seu fruto, a Palavra de Deus precisa encontrar um coração com vontade e fé para liberar todo o seu potencial de cura e renovação. Caso contrário, é possível alguém ouvi-la e não tirar proveito algum, seja para a cura, ou para a salvação, como observa o autor de Hebreu. “Porque também a nós foram anunciadas as boas-novas, como se deu com eles; mas a palavra que ouviram não lhes aproveitou, visto não ter sido acompanhada pela fé, como estava naqueles que a ouviram.” (Hebreus 4.2).

Certo missionário pregava o evangelho aos detentos de um presídio. Ele viu, no fundo de uma das celas, um homem sentado, isolado, sozinho, com as vestes rasgadas e cara de poucos amigos. Aquele pregador já havia sido informado de que aquele preso era considerado dos mais perigosos. Mesmo assim aproximou-se dele, sentou-se ao seu lado e perguntou-lhe:

– Você sabe que Jesus o ama?

Lágrimas começaram a rolar por aquele rosto marcado pelo ódio, pela violência e pelo pecado. Ele inclinou a cabeça e as lágrimas caíram sobre o chão sujo da cela. Passado algum tempo, com a voz ainda embargada, ele respondeu:

– Não, senhor. Para dizer a verdade, até este momento eu nunca soube que alguém me amasse.

Aquelas simples palavras produziram uma mudança profunda e maravilhosa no coração do criminoso. Ele se converteu, mudou de atitude e de comportamento, regenerou-se. Hoje é um crente fiel, um chefe de família responsável, perfeitamente integrado à sociedade. Mas quantas pessoas já não ouviram as mesmas palavras – Jesus te ama – sem que isso tivesse balançado, ainda que de leve, o seu coração?

“Queres ser curado?” perguntou Jesus ao paralítico de Betesda. Essa é uma indagação que produz esperança e que apela para a vontade humana no seu grau mais elevado. É também uma pergunta que aponta para a soberania e a autoridade de Cristo. Só quem tem o poder de curar pode ousar fazer essa pergunta.

“Queres ser curado?” indaga-nos hoje o Mestre, despertando nossas mais profundas esperanças e apelando, coerentemente, para a nossa mais resoluta vontade e para inteireza do nosso coração. Existe harmonia entre a vontade do Senhor e a nossa?

A saúde da alma é um ideal de Deus para todos os seus filhos. A cura interior é uma herança que ele conquistou para nós na cruz. Todavia, para que ela se torne uma realidade em nossa vida, para que tenhamos um encontro com Cristo e saiamos dele transformados, curados, libertos, abençoados, a nossa vontade conta muito. “Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração”, diz o Senhor (Jeremias 29.13).

Graça e Paz!

***

Page 10: QUERES SER CURADO?

11