Questão Extremo Sul

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    A QUESTO AGRRIA NO BRASIL: UM RESGATE HISTRICO E OSCONFLITOS SOCIOECONMICOS NO EXTREMO SUL BAIANO

    Tainan Cristina de Araujo Bogo1

    Resumo

    Este trabalho teve como objetivo uma primeira aproximao na compreenso

    da Questo Agrria no Brasil, buscando compreender como se desenvolveu a

    questo no pas e principalmente na Regio do Extremo Sul baiano; buscando

    saber como se deram os seus reflexos na produo econmica e social da

    regio e as implicaes para os movimentos sociais do campo presentes na

    regio.

    Palavras chave: Questo agrria, Histria, Extremo Sul Bahia

    Resmen

    Este trabajo tuve como objetivo una primera aproximacin en la comprensin

    de la Cuestin Agraria en el Brasil; con el propsito de asimilar el desarrolla la

    cuestin en el pas y principalmente en la Regin del Extremo Sur Bahiano. Se

    pretende saber cmo se dieron sus reflexiones sobre la produccin econmica

    y social de la regin y las implicancias para los movimientos sociales del campopresentes en la Regin.

    Palabra clave: Cuestin Agraria, Historia, Extremo Sur Bahia

    Introduo

    Nos sculos passados, a questo da fome no mundo foi tratada como

    tabu. Josu de Castro foi um dos muitos autores que se props a debater este

    tema e apontar as falhas humanas presente nesta sociedade e denunciar a

    necessidade de se fazer a reforma agrria no Brasil.

    A fome foi (e ainda ) tratada como uma questo isolada, remetida

    muitas vezes apenas a insuficincia de produo alimentcia no mundo, e

    tratada de forma moral, na qual toda a sociedade culpabilizada pelo

    desperdcio de comida.

    1Graduanda em Servio Social pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e MucuriUFVJM

    Email: [email protected]

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    Analisando historicamente os fatos sobre a questo agrria no Brasil,

    demonstrando como a mesma se fez presente desde o descobrimento deste

    pas, e como seus reflexos esto presentes na formao da sociedade

    brasileira, possvel ver como a questo da fome est diretamente ligada a

    estrutura agrria presente no pas, as suas relaes de trabalho e a

    necessidade de se fazer reforma agrria.

    Na regio do Extremo Sul baiano, esta questo se mostra ainda mais

    escancarada. Uma regio que nos ltimos anos vem sendo conhecida

    mundialmente pelas extensas reas de monocultivo do eucalipto. Desse modo

    surge necessidade de se compreender historicamente os fatores que

    formaram tal regio e principalmente os reflexos desta formao na presente

    dinmica do territrio atualmente.

    1. A questo agrria no Brasil

    O Brasil um dos pases com maior extenso territorial do mundo, com

    mais de 850 milhes de hectares de terra, onde habitam mais de 200 milhes

    de pessoas; no tocante a propriedade da terra, um pas de extremas

    contradies; segundo dados do Censo Agropecurio de 2006 o Brasil um

    dos pases com maior concentrao de terra no mundo, perdendo apenas para

    o Paraguai2.

    A concentrao de terras pode ser constatada nos dados estatsticos do

    Incra (2003) que demonstram que as pequenas propriedades, com menos

    de 200 hectares, somavam at ento 3.895.968 imveis

    Estes dados no so aleatrios, so frutos de uma longa trajetria

    pautada na excluso, expulso dos pequenos camponeses, ndios e negros,

    depredao dos recursos naturais, desde a chegada dos portugueses at osdias atuais.

    Apesar de vivenciarmos esta questo h 500 anos, segundo Stdile

    (2005) os estudos acerca da questo agrria so recentes, datam do incio do

    sculo XX; o autor acrescenta que esta razo se deu primeiramente pela

    subservincia colonial que o Brasil viveu durante muitos anos, basta recordar

    2 Dado retirado do artigo Dignidade Rural de Fernando Prioste publicado emhttp://www.brasildefato.com.br/node/12219 (acessado em 20/03/2014)

    http://www.brasildefato.com.br/node/12219http://www.brasildefato.com.br/node/12219http://www.brasildefato.com.br/node/12219http://www.brasildefato.com.br/node/12219
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    que foi apenas com a Semana de Arte Moderna, em 1922, que comea a se

    pautar a necessidade de uma pensamento genuinamente brasileiro, no que

    tange a arte, cincia, histria, etc.

    Desse modo, se formos pensar em publicaes acerca deste tema,

    todos se mostraro muito recentes, com alguns pontos consensuais entre

    diversos autores e outros discrepantes, at mesmo sobre o conceito da

    questo agrria.

    Para explicar este tema, Stdile (2005), recorre a diversas reas do

    conhecimento, trazendo conceitos da Geografia, Sociologia e Histria;

    O conceito questo agrria pode ser trabalhado e interpretado dediversas formas, de acordo com a nfase que se quer dar a diferentesaspectos do estudo da realidade agrria. Na literatura poltica, oconceito questo agrria sempre esteve mais afeto ao estudo dosproblemas que a concentrao da propriedade da terra trazia aodesenvolvimento das foras produtivas de uma determinadasociedade e sua influncia no poder poltico. Na Sociologia, oconceito questo agrria utilizado para explicar as formas como sedesenvolvem as relaes sociais na organizao da produoagrcola. Na Geografia, comum a utilizao da expresso questoagrria para explicar a forma como as sociedades, como as pessoasvo se apropriando da utilizao do principal bem da natureza, que a terra, e como vai ocorrendo a ocupao humana no territrio. Nahistria, o termo questo agrria usado para ajudar a explicar a

    evoluo da luta poltica e a luta de classes para o domnio e ocontrole dos territrios e da posse da terra. (2005, p.15)

    Como se pode ver, no possvel compreender a questo agrria

    atravs de uma nica rea do conhecimento, por se tratar de uma problemtica

    complexa, h a necessidade de articular o conhecimento sobre a temtica

    abrangendo as contribuies de diversas reas, que so correlatas mas que

    possuem suas especificidades para tal explicao.

    Para interpretar a Questo Agrria brasileira, o supracitado autor traz

    neste mesmo livro uma linha evolutiva acerca da problemtica, dividindo a

    mesma em vrios perodos.

    Valendo-se das ideias de Darcy Ribeiro, inicia o debate sobre o que a

    questo agrria, com um breve relato sobre como foi desenvolvida: a

    organizao e diviso da propriedade da terra no Brasil.

    O primeiro perodo demarcado pelo autor, compreende 50.000 a.C. a

    1.500 d.C., tempo em que as populaes habitantes do territrio brasileiro

    viviam em agrupamentos sociais, executavam atividades de subsistncia, ou

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    como o prprio autor coloca comunismo primitivo, sem concepes

    mercadolgicas sobre a terra ou quaisquer outros bens, neste perodo no h a

    propriedade privada da terra, seu uso era coletivo.

    O segundo perodo datado de 1500 a 1850 caracterizado por diversos

    momentos importantes para a histria brasileira. Com o descobrimento da Ilha

    de Vera Cruz, os portugueses, filhos de um nascente capitalismo europeu,

    instalam nestas terras um sistema poltico, econmico e social, apoderam-se

    da terra atravs da represso ou da cooptao, e tambm das pessoas que se

    digam contraria a tais ideais, impondo aos ndios seu modo de produzir, a

    cultura europeia e at mesmo as leis que agora iriam vigorar naquele territrio.

    Para Stdile (2005),

    A organizao da produo e a apropriao dos bens da naturezaaqui existentes estiveram sob a gide das leis do capitalismomercantil que caracterizava o perodo histrico j dominante naEuropa. Tudo era transformado em mercadoria. Todas as atividadesprodutivas e extrativistas visavam lucro. E tudo era enviado metrpole europeia, como forma de realizao e de acumulaocapital. (2005, p.20)

    Sendo assim, neste perodo no h necessariamente a transformao

    da terra em mercadoria. A Coroa Portuguesa dividiu o territrio nas chamadas

    Sesmarias, e destina cada pedao dela, atravs da Concesso de Uso a

    quem tivesse poder aquisitivo para investir na produo e extrao daquela

    terra; alm do que, esta concesso era de direito hereditrio, portanto a posse

    das mesmas foi se perfazendo durante diversas geraes de uma mesma

    famlia, no sendo necessariamente uma mercadoria, pois o capital ainda no

    havia ainda se instalado aqui.

    A partir de 1850 a 1930, o Brasil passa por um processo muito

    importante para a instalao e desenvolvimento do capitalismo, denominadoento por Stdile como Terceiro Perodo.

    Neste perodo a Europa j havia passado por diversas transformaes, e

    o sistema capitalista estava em alta, sendo assim, a Coroa portuguesa se viu

    pressionada por parte da Inglaterra para abolir a escravido, uma vez que os

    ingleses visavam expandir seu mercado consumidor.

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    Nesse contexto, em 1850, decreta-se no Brasil a primeira Lei de Terras

    (Lei n 601), onde transforma-se ento a terra em mercadoria, e dali em

    diante, sua posse s pode ser adquirida atravs da compra e venda3.

    Stdile (2005) caracteriza tal lei como o batistrio do latifndio no

    Brasil, uma vez que ela regulamentou e solidificou o modelo da grande

    propriedade rural, alm de caracteriza-la tambm como me das favelas

    brasileiras.

    Na sequncia, com a abolio da escravatura em 1888, tm-se a

    libertao do negro no Brasil, porm, no se obteve as condies propcias

    para que efetivamente estes se tornassem cidados e se integrassem a

    sociedade moderna ou que pudessem vender sua fora de trabalho e consumir

    mercadorias, sendo assim expulsos das terras em que trabalhavam e

    obrigados a migrarem para as periferias dos grandes centros urbanos,

    alojando-se em morros, manguezais, regies perifricas.

    Stdile (2005) ento pontua que:

    A sada encontrada pelas elites para substituir a mo-de-obra escravafoi realizar uma intensa propaganda na Europa, em especial na Itlia,na Alemanha e na Espanha, para atrair os camponeses pobresexcludos pelo avano do capitalismo industrial no final do sculo 19na Europa. E, assim, com a promessa do "eldorado", com terra frtil e

    barata, a Coroa atraiu para o Brasil, no perodo de 1875-1914, maisde 1,6 milho de camponeses pobres da Europa. (2005, p. 25)

    Desse modo, percebemos que h uma tentativa de branqueamento da

    populao brasileira, uma vez que boa parte da populao era negra, mestia e

    indgena. Os dados abaixo mostram bem esta tentativa:

    Tabela IEvoluo da Populao Brasileira15001800

    Crescimento da Populao Integrada no empreendimento colonial e diminuio dos

    contingentes aborgines autnomos.

    1500 1600 1700 1800

    3Nesse sentido, Marx (1988) quando trata da acumulao primitiva do capital pontua que aTerra se caracteriza como propriedade privada a partir do momento que passa a ser exploradacom a finalidade de atender ao mercado, sendo assim, tal decreto, no caso brasileiro, visabeneficiar os capitalistas e excluir aqueles que desprovidos de capital no pudessem ter

    acesso terra, e fossem obrigados a se transformar em trabalhadores assalariados quepassaram a vender sua fora de trabalho em prol da produo de mercadorias para o mercado

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    Brancos do Brasil --- 50.000 150.000 2.000.000

    Escravos --- 30.000 150.000 500.000

    ndios Integrados --- 120.000 200.000 1.000.000

    ndios Isolados 5.000.000 4.000.000 2.000.000 1.000.000

    Totais 5.000.000 4.200.000 2.500.000 5.000.000

    Ribeiro, Darcy. O Povo Brasileiro, Companhia das Letras, So Paulo, 1997, p.151

    Atravs dessa descrio, o autor busca mostrar que neste especfico

    perodo de tempo que surge o campesinato brasileiro. O mesmo pontua tal

    processo atravs de duas vertentes; a primeira baseada na vinda dos

    imigrantes europeus para as regies sul e sudeste; e a segunda baseada nas

    origens das populaes mestias, atravs do encontro entre brancos, negros,

    ndios, etc. que foram se formando durante toda a colonizao.

    O autor ressalta ainda que esta populao no era submetida ao

    trabalho escravo, mas paralelamente no eram capitalistas, se classificavam

    como trabalhadores pobres genuinamente brasileiros. Como a Lei de Terra

    impedia que os mesmos se tornassem proprietrios de terras, estes acabaram

    por povoar o interior do Brasil, desenvolvendo atividades agrcolas de

    subsistncia.

    Por fim, o perodo que compreende de 1930 a 1964 denominado pelo

    autor como Quarto Perodo, marcado por uma nova fase da histria econmica

    brasileira.

    Primeiramente no ano de 1930 que tm-se o fim da Poltica Caf-

    com-Leite e a entrada de Getlio Vargas no poder, iniciando-se tambm como

    pontua Florestan Fernandes (2008) o modelo de industrializao dependente,caracterizada pelo no rompimento com os pases centrais, desenvolvidos,

    alm de manter a hegemonia da oligarquia rural. Nas palavras do autor:

    O que muitos autores chamam, com uma extrema impropriedade, decrise do poder oligrquico no propriamente um colapso, mas oincio de uma transio que inaugurava, ainda sob a hegemonia daoligarquia, uma recomposio das estruturas do poder, pela qual seconfigurariam, historicamente, o poder burgus e a dominaoburguesa. Essa recomposio marca o incio da modernidade, noBrasil, e praticamente separa (com um quarto de sculo de atraso,

    quanto as datas de referncia que os historiadores gostam deempregar A abolio, a Proclamao da Repblica e as

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    inquietaes da dcada de 20), a era senhorial (ou o antigo regime)da era burguesa (ou a sociedade de classes). (2008,p. 266)

    Em suma, as oligarquias rurais seguem como proprietrias das terras

    brasileiras, porm no detm o poder poltico, este fica a cargo da burguesia

    industrial; surgindo assim um setor de indstria vinculado a agricultura, uma

    vez que a burguesia industrial brasileira emerge da oligarquia rural, o modelo

    industrial brasileiro era/ totalmente dependente, pois necessitava importar

    diversos artigos industriais alm da fora de trabalho, uma vez que enquanto o

    capitalismo comeava a ganhar forma no Brasil, na Europa o mesmo j estava

    consolidado, e a importao de tais artigos s era possvel atravs das

    exportaes agrcolas que por sua vez geravam lucro.

    Em termos de classe camponesa, Stdile (2005) pontua que este

    perodo refletiu um crescimento da classe camponesa, ao passo que os

    mesmos se reproduziam e se multiplicavam enquanto classe, mas tambm

    significou um perodo de xodo rural, na medida em que muitos dos

    camponeses migravam para a cidade, transformando-se assim em operrios.

    A partir da dcada de 60 do sculo XX ento, que eclodiu tambm a

    primeira crise cclica do modelo de industrializao dependente e diversas

    organizaes e mobilizaes sociais, pressionaram e debateram sobre a

    questo agrria brasileira.

    neste perodo que Caio Prado JR., publica na Revista Brasiliense,

    1962, um pequeno texto onde denuncia a situao de miserabilidade vivida

    pelos trabalhadores rurais, naqueles tempos. Assim destaca o autor:

    O que se entende e deve entender por reforma agrria nas atuaiscircunstancias do pas, a elevao dos padres de vida dapopulao rural, sua integrao em condies humanas de vida, oque no e est longe ainda de ser o caso em boa parte do Brasil. A

    grande massa dos 30 e tantos milhes de brasileiros que vivem nocampo e tiram seu sustento do trabalho da terra, se encontra em nvelde miserabilidade que tem poucos paralelos em qualquer outra partedo mundo.(1981, p.88)

    Este perodo marcado pela efervescncia dos movimentos dos

    trabalhadores urbanos e rurais, alm da organizao militar, caracterizado pela

    implantao de ditaduras militares em diversos pases da Amrica Latina.

    2. A questo agrria no Extremo sul Baiano

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    Para entendermos a questo agrria e seus reflexos na vida politica,

    econmica e social da regio importante resgatarmos como foi o processo de

    ocupao e desenvolvimento da mesma, atravs de uma perspectiva histrico-

    crtica.

    O territrio do Extremo Sul Baiano composto hoje por 21 municpios 4,

    e subdividido em duas costas, a Costa do Descobrimento e a Costa das

    Baleias, onde se encontram reservas naturais como o Parque Nacional

    Marinho dos Abrolhos e o Parque Nacional e Histrico do Monte Pascoal.

    Pode-se dizer que a histria do Brasil iniciou-se neste territrio, tanto a

    riqueza das diferenas culturais que um dia se misturaram caracterizando a

    nacionalidade brasileira como as contradies que iriam permear todo o

    desenrolar desta mesma historia.

    De acordo com Koopmans (1997) so vagos os relatos sobre o inicio do

    povoamento da Regio, a maioria deles referem-se apenas as vilas de Porto

    Seguro e Santo Andr, que at meados do sculo XVIII concentravam todos os

    tramites polticos e econmicos. Para o autor:

    A Regio ficou relativamente intocada at o final do sculoXVIII, posto que a Coroa Portuguesa norteava-se por esseinteresse, tendo em vista o controle de entrada e de sada daszonas de minerao. A partir da, ela ganhou novamente ointeresse do governo, preocupado com questes geopolticas,passando a instalar, varias fortificaes com o intuito decombater e fazer frente aos ndios. (1997, p.18)

    Pela proximidade com a regio do Vale do Jequitinhonha e Mucuri, e

    pelas ainda matas fechadas, a regio Extremo Sul foi por muitos anos uma via

    de desvio de pedras, que eram retiradas do Alto Jequitinhonha, desviadas da

    fiscalizao da Coroa pelo Mdio Jequitinhonha, chegando aos portos baianose de l percorrendo o mundo.

    Koopmans (1997) tambm nos conta que um dos principais relatores

    sobre a histria da regio foi o prncipe Maximiliano Von Neuwied, que viajou

    4 Alcobaa, Belmonte, Caravelas, Eunpolis, Guaratinga, Ibirapu, Itabela, Itagimirim,

    Itamaraj, Itanhm, Itapebi, Jucuruu, Lajedo, Medeiros Neto, Mucuri, Nova Viosa, PortoSeguro, Prado, Santa Cruz Cabrlia, Teixeira de Freitas, Vereda. (Dados retirados do site:

    http://www.cultura.ba.gov.br/wp-content/uploads/2011/06/Anexo-II-Rela%C3%A7%C3%A3oTerrit%C3%B3rios-de-Identidade.pdf)

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    por estas terras entre os anos de 1814 a 1817, descrevendo em seu livro

    Viagem ao Brasil (1820)tudo aquilo que vivenciou por estas terras.

    De acordo com os relatos do prncipe contados por Koopmans (1997)

    um dos principais produtos produzidos era a farinha de mandioca, responsvel

    pelo comrcio e agitao no porto de Caravelas, alm claro da extrao

    madeireira, presente deste o sculo XVI at os dias de hoje.

    Percebemos ento que a participao desta regio na economia do pas

    se mostrava nfima e perifrica, servindo muitas vezes apenas como rota de

    passagem.

    At ento, a ocupao do territrio era predominantemente na costa

    baiana, e apenas com o final da escravido que as ocupaes as margens

    dos rios Jequitinhonha, Prado e Mucuri iro ocorrer, tal como a construo da

    Estrada de Ferro Bahia-Minas, com ponto final em Ponta de Areia, em

    Caravelas, que proporcionar a vinda de diversos mineiros para a regio.

    At o inicio do sculo XX a agricultura presente no Extremo Sul era

    baseada na subsistncia e na pequena propriedade. Ocorre que as mudanas

    econmicas e politicas que ocorreram nos anos 1950 e 1960 impactaram

    fortemente toda a dinmica da regio. Para Arajo (2007):

    As mudanas no estilo de vida, nas formas de sociabilidade eestruturao das relaes sociais, culturais e politicas, decorrentesda introduo do modo capitalista de produo e de vida emmbito nacional apresentaram reflexos em nveis local e regional,criando a possibilidade de sobrevivncia de modelos de vida e derepresentaes sociais tidas como opostas e contraditrias. (2007,p. 141)

    O projeto de governo do presidente Kubistchek, 50 anos em 5, refletiu de

    maneira violenta nesta regio. A necessidade de expanso do capital, extrao

    de matria prima e novas relaes comerciais incentivaram a burguesianacional a explorar e demarcar novas terras, de maneira que a extrao

    madeireira se intensificou neste perodo, tal como a expulso de camponeses

    nativos, que tiveram interrompido no s sua produo, mas sua ideologia, sua

    intelectualidade, e as mais diversas expresses de vida.

    Arajo (2007) nos conta que a falta de meios de comunicao e

    inexistncia de servios bancrios fizeram com que os nicos investimentos

    financeiros fossem particulares e colonialistas (2007, p.142). apenas na

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    dcada de 1970 com a criao da BR 101 que um novo ciclo madeireiro ir

    iniciar trazendo o to sonhado progresso para a regio.

    A BR 101 proporcionou o escoamento das madeiras extradas, uma

    maior qualidade para a rodagem, valorizao das terras, trouxe com ela

    tambm o nascimento de novas cidades, como Eunpolis, Teixeira de Freitas e

    Itabela, e paralelamente intensificou a contradio que demarcou esta regio

    desde a chegada dos Portugueses neste solo, a contradio entre o modo de

    vida dos primeiros ocupantes e a promessa de progresso dos forasteiros.

    Dessa maneira, a regio se consolidou como uma das maiores

    extenses monocultora de eucalipto. Segundo Pedreira (2004):

    A conjuno de fatores, como a existncia de reas aptas ao

    reflorestamento, excelentes condies edafoclimticas, osincentivos fiscais, alm do padro concorrencial do segmento depapel e celulose, condicionaram-se mutuamente para que oExtremo Sul da Bahia se tornasse uma rea privilegiada para aexpanso e o desenvolvimento de atividade florestal e daagroindstria de celulose. Assim, no contexto das estratgias deexpanso empresarial, instalam-se na regio vriosempreendimentos do segmento florestal e de papel e celulose, aexemplo da Bahia Sul Celulose, da Aracruz, da Veracel e da CAFFlorestal. Esses empreendimentos totalizam, uma rea de,aproximadamente, 300.000 ha de eucalipto, cultivados em terrasprprias (em sua maioria) e em projetos de fomentos comprodutores rurais. (2004, p. 1010)

    De acordo com estudos realizados pela ADITAL, existem cerca de 700

    mil hectares de terra com eucalipto plantado. Pedreira (2004) em seus estudos

    j apontava indcios para a desertificao da regio no ano de 2004, segundo a

    autora nos anos 1970 a rea ocupada com matas e florestas era de 30,12%

    sendo que nos anos de 1995/96 este valor j havia decado para 15,25%.

    Segundo Santos e Silva (2004):

    A expanso da monocultura do eucalipto para produo de

    celulose e carvo vegetal construiu um complexo agroindustrialexportador, que ao longo das ltimas quatro dcadas no Sudestevem impactando os rios dessa regio que foram degradados pelacontaminao por uso intensivo de agrotxicose por um processode secamento relacionado ao plantio em larga escala, comprometendo a pesca e a qualidade e quantidade da gua potvel.(2004, p.4)

    Esta monocultura acaba por sua vez impactando diretamente no s o

    meio ambiente, mas tambm a vida humana diretamente, pois se alteraram os

    nveis do xodo rural, do desemprego e das relaes produtivas. Arajo (2007)

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    traz alguns relatos de um estudo feito pelo Polo Nordeste (rgo estadual que

    atuava na regio):

    (...) no acelerado processo de ocupao econmica a regio vinhasofrendo enorme perda de sua produo agrcola para abastecimentodos alimentos bsicos, por causa da expulso dos pequenosprodutores que tiveram suas terras adquiridas por grandes gruposeconmicos. (CPT, s/d, p.6 apud 2007, p. 143).

    Todo este movimento influenciou diretamente tambm na organizao

    popular de resistncia a chegada e instalao desta dinmica da silvicultura.

    Prova disto foi o nascimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais

    Sem Terra na regio, que teve como primeira ocupao o territrio do hoje

    Assentamento 4045 em 1987, no municpio de Alcobaa.

    importante lembrar que neste perodo, todo o pas vivenciava um forte

    sentimento de indignao politica e social, juntamente com a esperana da

    transformao de uma nova sociedade. Sendo assim, diversos outros

    movimentos tambm se desenvolveram nesta regio, como a Comisso

    Pastoral da Terra, os Sindicatos Rurais e a Pastoral da Juventude.

    Ao passo que crescia os investimentos do grande capital na silvicultura

    paralelamente tambm crescia as desigualdades sociais e a fora popular para

    o enfrentamento desta realidade.Hoje existem movimentos organizados indgenas, quilombolas, de

    trabalhadores rurais sem terra, reservas extrativistas dentre muitos outros.

    Movimentos que procuram perpetuar uma ideologia para alm da lgica

    exploratria do capital, retrocedendo ao sentido inicial da relao entre o ser

    humano e a natureza, que para alm de um meio para sua subsistncia

    significa um meio de respeito a vida.

    4. Consideraes Finais

    A partir do resgate histrico acerca da questo de terras no Brasil

    percebe-se que a questo agrria no se limita apenas a apropriao de terra

    por parte do Estado colonizador ou mesmo do Estado conivente ao grande

    Capital, esta concentrao deixou historicamente dvidas com o povo brasileiro,

    camponeses, quilombolas, indgenas e outros.

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    Sendo assim, percebe-se tambm que a questo agrria no territrio do

    Extremo Sul Baiano ao longo dos anos foi sendo constantemente agravada

    pelos reflexos gerados a partir de todo seu contexto histrico de formao,

    como por exemplo, a permanncia da concentrao fundiria at os dias de

    hoje, os conflitos indgenas e quilombolas contra grileiros, das reservas

    extrativistas para se manterem ativas mesmo com a ofensiva das grandes

    empresas, a reduo da biodiversidade, a acelerada expanso das cidades

    acarretando no aumento desenfreado da violncia, desemprego e fome.

    No tocante s implicaes econmicas e sociais para a formao dos

    movimentos sociais na Regio do Extremo Sul, constatamos que tais

    movimentos serviram como formas de resistncia coletiva ao avano da

    propriedade privada da terra, do latifndio e de demais formas de explorao.

    Percebemos tambm como a resistncia e a luta dos trabalhadores rurais em

    defesa de seu espao e de seu territrio importante para o entendimento da

    nossa prpria histria.

    O estudo aponta para a continuidade do problema da terra no Brasil,

    haja vista que na atualidade o Estado brasileiro atravs dos seus governantes

    no disponibilizam de programas que primam pela democracia econmica e

    portanto da distribuio da terra para os trabalhadores.

    REFERNCIAS

    ARAUJO, M. N. R. de. As contradies e as possibilidades de construode uma educao emancipatria no contexto do MST. Universidade Federalda Bahia, Faculdade de Educao: 2007 (Tese de Doutorado).

    FERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. SoPaulo: 2008.

    KOOPMANS, J. Alm do eucalipto: o papel do Extremo Sul. Teixeira deFreitas: 2 ed., 2005. Publicao Independente.

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  • 7/25/2019 Questo Extremo Sul

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    STEDILE, Joo Pedro. A Questo Agrria no Brasil: O debate tradicional1500-1960. Editora Expresso Popular. So Paulo: 2011

    Stedile, Joo Pedro, Frei Srgio. A luta pela terra no Brasil. So Paulo:Scritta, 1993.

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