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DIREITOS FUNDAMENTAIS E MULTI CULTURALISMO ANALISAR A COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS O caso do HC 82424 traz à tona a colisão entre o direito fundamental à liberdade de expressão e o direito à não ser discriminado. Primeiramente, cabe destacar que ambos direitos são essenciais à vida em harmonia em um Estado Democrático. Se não houvesse proteção à liberdade de expressão, o que nos é constitucionalmente assegurado, a sociedade ficaria estagnada, pois não haveria espaço a questionamentos dos padrões socialmente adotados os quais são os grandes responsáveis por impulsionar a pesquisa e a descoberta de inovações essenciais ao desenvolvimento em todos os seus aspectos. A democracia não se coaduna com a ideia de consentir com imposições da maioria, porquanto a CRFB assegura proteção às minorias exatamente em razão de estas servirem de contraponto e exercerem a fiscalização. Assim, menosprezar a liberdade de expressão implica a gradativa sucumbência do Estado Democrático. Não obstante o que foi dito, é preciso ter em mente que o direito à liberdade de expressão não é absoluto, embora haja opiniões contrárias defendendo ser um absurdo lhe impor qualquer tipo de limitação (vide a posição do ministro Marco Aurélio ao criticar qualquer tipo de censura neste sentido). Contudo, quando se examina a contraposição do direito à não discriminação em relação à liberdade de expressão, é preciso ter em mente que nosso Constituinte foi bastante enfático ao expressamente dispor acerca da proibição de racismo, tutelando firmemente a não discriminação já no Preâmbulo da CRFB e ao tratar a prática de racismo como crime inafiançável e imprescritível, o que demonstra a sua seriedade. Ainda, contamos com lei específica sobre a matéria (Lei 7.716). Ressalte-se que a positivação desta preocupação segue a tendência moderna pós Segunda Guerra que visa a coibir prelúdios de eventos tais como os promovidos pelo racismo nazi-fascista. Importa salientar que todo direito moderno tem em sua base a tentativa de generalização, de igualdade de aplicação, e, portanto, está implícita, no direito contemporâneo, a ideia de não discriminação. Entende- se que, na medida em que eu defendo que todos são iguais perante a lei,

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Sociologia 4 semestre

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DIREITOS FUNDAMENTAIS E MULTI CULTURALISMO

ANALISAR A COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS

O caso do HC 82424 traz à tona a colisão entre o direito fundamental à liberdade de expressão e o direito à não ser discriminado. Primeiramente, cabe destacar que ambos direitos são essenciais à vida em harmonia em um Estado Democrático. Se não houvesse proteção à liberdade de expressão, o que nos é constitucionalmente assegurado, a sociedade ficaria estagnada, pois não haveria espaço a questionamentos dos padrões socialmente adotados os quais são os grandes responsáveis por impulsionar a pesquisa e a descoberta de inovações essenciais ao desenvolvimento em todos os seus aspectos. A democracia não se coaduna com a ideia de consentir com imposições da maioria, porquanto a CRFB assegura proteção às minorias exatamente em razão de estas servirem de contraponto e exercerem a fiscalização. Assim, menosprezar a liberdade de expressão implica a gradativa sucumbência do Estado Democrático.

Não obstante o que foi dito, é preciso ter em mente que o direito à liberdade de expressão não é absoluto, embora haja opiniões contrárias defendendo ser um absurdo lhe impor qualquer tipo de limitação (vide a posição do ministro Marco Aurélio ao criticar qualquer tipo de censura neste sentido). Contudo, quando se examina a contraposição do direito à não discriminação em relação à liberdade de expressão, é preciso ter em mente que nosso Constituinte foi bastante enfático ao expressamente dispor acerca da proibição de racismo, tutelando firmemente a não discriminação já no Preâmbulo da CRFB e ao tratar a prática de racismo como crime inafiançável e imprescritível, o que demonstra a sua seriedade. Ainda, contamos com lei específica sobre a matéria (Lei 7.716). Ressalte-se que a positivação desta preocupação segue a tendência moderna pós Segunda Guerra que visa a coibir prelúdios de eventos tais como os promovidos pelo racismo nazi-fascista.

Importa salientar que todo direito moderno tem em sua base a tentativa de generalização, de igualdade de aplicação, e, portanto, está implícita, no direito contemporâneo, a ideia de não discriminação. Entende-se que, na medida em que eu defendo que todos são iguais perante a lei, estou defendendo o principio da não discriminação, que, no fundo, trata da questão de respeito a outro.

Destarte, no caso do conflito de princípios em tela, vê-se que a solução mais adequada é justamente a ponderação do peso relativo de cada uma das normas referidas.

Fazendo um histórico do HC em comento, este foi impetrado em 2002 no STF após outro HC, com a mesma argumentação e pedido, haver sido denegado pelo STJ. Assim, deparou-se o STF com dois grandes temas: a) a abrangência do crime da prática de racismo e b) possível conflito entre princípios constitucionais. No tocante ao primeiro tema, os ministros se bipartiram em duas posições: uma minimalista que entendia que o conceito de raça não incluía os judeus, restringindo-se à raça negra, e outra, majoritária, menos restritiva que considerava o antissemitismo como uma forma de racismo. A respeito do segundo tema, mostra-se como solução adequada ao conflito de princípios constitucionais distintos a ponderação, com consequente aplicação do princípio da proporcionalidade. Nesse contexto, ganham relevo os ensinamentos do jurista alemão Robert Alexy que preleciona que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos contrapostos por meio da aplicação de três

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subprincípios integrantes do da Proporcionalidade, quais sejam: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

Quanto ao argumento do Ministro Carlos Ayres de Brito que, defendendo a absolvição do escritor, afirmou que a obra literária em questão era dotada de um caráter de pesquisa científica com objetivo de revisionismo histórico, percebe-se que é insustentável. O revisionismo histórico que encontra fundamento na releitura de fatos históricos; e, não, na criação de fatos novos por elucubrações do autor, pode ser analisado sob duas perspectivas, consoante entendimento de Bobbio: uma positiva, quando a história que poderia estar sendo contada apenas por poderosos, como muitas vezes acontece, passa a ser retratada pelos vencidos (e aqui se identifica um caráter pedagógico), e outra negativa que é quando uma pessoa que se identifica com determinado movimento, tenta defendê-lo de acordo com a posição mais favorável ao seu interesse (conveniência).

Diante disso, merece ser afastada a tese de ser a obra revisionista, porquanto se trata, em verdade, de divulgação de ideias atentatórias à dignidade dos judeus e, por conseguinte, ofensivas ao princípio da defesa da dignidade humana. A liberdade de expressão, destarte, não tem o condão de alcançar a intolerância racial e o estímulo à violência.

Por fim, cabe referir que foi acertada a condenação do paciente, cuja decisão atendeu ao princípio da proporcionalidade, uma vez que restou adequada para alcançar o fim almejado (a salvaguarda de uma sociedade pluralista e tolerante que respeita a dignidade da pessoa humana), necessária, pois ausente outro meio menos gravoso e igualmente eficaz e proporcional em sentido estrito, tendo em vista que a proteção ao racismo é importante ao ponto de justificar o cerceamento imposto à liberdade de expressão na presente hipótese.

Aula sobre o assunto (nas palavras do professor)

Nossa CRFB é plena no sentido de manifestar sua preocupação com o racismo e é uma tendência do constitucionalismo moderno pós segunda guerra. Da interpretação dos direitos humanos a partir de Bobbio, vemos que uma das etapas fundamentais de defesa dos direitos humanos foi o processo de positivação da preocupação com o racismo. O Brasil é pródigo no sentido dessa preocupação, temos inclusive lei específica Lei 7716. Há categorias teóricas, como a ideia de generalização dos direitos é muito importante, todo direito moderno tem em sua base a tentativa de generalização, de igualdade de aplicação, e portanto, está implícito, no direito moderno, a partir desta ideia, a ideia também de não discriminação. Na medida em que eu defendo que todos são iguais perante a lei, estou defendendo o princípio da não discriminação, então, isto é uma questão de respeito a outro. Outro ponto fundamental que ainda a realidade brasileira não tem como claro e o STF brasileiro não tem como claro que as questões do direito positivado, a generalização, a elas se acrescem o processo de internacionalização dos direitos, isso significa dizer que não só o Estado está

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autorizado de modo autônomo a tratar e decidir de modo definitivo questões de racismo, como os recursos são internacionais, há medidas internacionais que, com certeza, não no sentido direto obrigatório, poderão ser estabelecidas de modo a prejudicar o cenário brasileiro como um todo. Medidas punitivas, de sanção, censura à atividade brasileira, poderão prejudicar a imagem do país e nós sabemos que todas as relações dependem da economia, e uma boa imagem da justiça funcionando é essencial à imagem do estado.

Característica do direito contemporâneo. Cada vez mais verificamos a delimitação de vários tipos de direitos, se trata concretamente do ser humano, há cada vez mais especificação. Nós temos a tendência a achar que somos donos da verdade e que sabemos o que é certo, então, o e tudo o que diverge não aceitamos. A questão da especificação esta ligada, por exemplo, ao sujeito de direito como criança, idoso, deficiente e aqui se inclui evidentemente a proteção das diferentes raças, sendo que este conceito é muito discutido. Conceito de raça, atenção. Respeito aos diferentes grupos e maneiras de ser.

Histórico do alvará de soltura, do HC, de tentativa de recurso ao STJ primeiramente. A nossa orientação deve ser tolhida e controlada pela sociedade como um todo. Será que o autor era racista será que não devemos conviver com todos os pontos de vista dos ser humano? É muito fácil dizer que isto é racismo. Esse sujeito editor de livros escreveu dois livros que sumiram do mapa tal foi a perseguição. O titulo é assustador. Nós estamos diante da temática do revolucionismo histórico. Há uma questão cientifica que inclusive tratou o STF. Estamos analisando o HC que acabou indo para o STF. Um dos temas que foi discutido era o de que o livro não seria racista, um ministro defendeu a tese de que o autor almejaria o revisionismo histórico. Não detectou evidencias de racismo, o autor fez uma releitura dos fatos que ocorreram na Alemanha nazista. Contudo, devemos levar em consideração os fatos, a barbaridade que foi cometida à época e que deixaram provas, deixaram marcas. Mas ainda assim, quais são as certezas que nos fazem acreditar que podemos cercear a liberdade de expressão? Bobbio trabalhou a ideia do revisionismo e disse que escrever livros fazendo a releitura da história tem dois ângulos. Um pode ser positivo, sim, porque a historia pode estar sendo contada pelos poderosos, como muitas vezes acontece, e não é contada pelos vencidos. Esse ângulo nos traz dados novos. Caráter pedagógico. O outro, porém, é negativo que é quando um integrante do grupo, uma pessoa que se identifica com o movimento, tenta defendê-lo, com uma posição favorável ao seu interesse. A discussão começou em 1996 quando o sujeito foi condenado por crime de racismo. Em 2000, ele impetrou no STJ um HC, pedido de soltura e isto foi denegado. Aí, a discussão se encaminhou ao STF no ano de 2002. Resumidamente: como o STF tratou o caso e como a discussão evoluiu? A partir de duas grandes teses pontuais que têm efeitos sobre a realidade hoje: a) Alcance ou Abrangência do crime de racismo e b) Possível conflito entre princípios constitucionais, o que se chama Conflito de Princípios. Quais os dois grandes princípios aqui que devemos considerar? O da liberdade de expressão e pensamento x a questão do crime de racismo ou o principio de defesa da dignidade humana. Este último princípio é tão sério que ninguém pode, nem por brincadeira, fazer piada em determinados contextos. Veja bem que se trata de possibilidade de Adoção da Ponderação de Conflitos (modelo advindo da Alemanha) - porque não significa que deve ser adotada a metodologia da ponderação de conflito.

Esse conflito de princípios põe em questão o princípio da proporcionalidade, a ponderação. Habermas critica o principio da proporcionalidade e a ideia de ponderação de Alexy. No exemplo do

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alcance, o que ocorreu foi que a defesa do réu sustentou a desqualificação do crime de racismo, dizendo que ele, no máximo, poderia ser considerado incitador ao argumento de que judeu não é raça. Notem, houve ministros que defenderam essa posição, mas a questão principal que resultou daí, como é que foi conduzida esta discussão do ponto de vista jurídico, porque a discussão de raça ser conceito ideológico, definitivamente, a questão racial, a discriminação racial é um problema politico cultural, não pode ser tratada entendendo que existem diversas raças, pois a raça é uma só, a do ser humano, o problema é que existem grupos que são discriminados do ponto de vista político e social. Sobre esta questão do racismo, entendeu-se, da ementa do acórdão, que a divisão dos ser humano em raças resulta de um processo de conteúdo meramente politico social. Agora, o problema da raça é biológico ou cultural? Nessa discussão sobre alcance do conceito de racismo podemos dizer que duas teses foram defendidas aqui também. Uma tese minimalista (concepção restritiva do conceito de raça que excluiu o judeu do conceito de raça), e outra contrária ao minimalismo. A tese dos minimalistas era a de que, com base da constituição, se entende por raça, a proteção do crime de racismo com relação à raça é a raça negra, a CRFB não fala em judeus, essa é a grande tese dos minimalistas. A ideia do racismo seria contra a raça negra. Ora, esta foi a tese defendida por aqueles de acordo em liberar o sujeito. A tese majoritária, no entanto, é a daqueles que defenderam a posição mais alargada do racismo, buscando a essência que quis a CRFB dar ao crime de racismo. A tese majoritária foi a de que a CRFB incluiu judeus quando tratou do racismo, pois incluiu um grupo de pessoas que, no âmbito da sociedade, são discriminados. A discussão do conflito de princípios foi resolvida pelo principio da ponderação, foi Gilmar Mendes que trouxe essa ideia. Através da proporcionalidade, foi dado o entendimento final de que teria havido, teria mais peso, embora a dúvidas oponíveis se o réu estava exercendo sua liberdade de expressão, atribuir ao réu a condição de ter praticado racismo do que a de ter praticado sua liberdade de expressão. Agora, isso é complexo. Por detrás do principio da proporcionalidade pode existir, isso é complicado, uma politica para o direito. Instrumento politico de organização e integração social, isso significa que, tudo bem, a liberdade de expressão é importante, agora, não podemos dizer o que queremos em qualquer circunstancia. Se o STF disse que o rechaço ao racismo é mais importante do que a liberdade de expressão, está estabelecendo uma politica, uma linha de atuação à justiça. A busca da proporcionalidade é a proibição de excesso. Aqui está o cerne da metodologia do Alexy, ou seja: buscar pesar, se eu vou deixar de aplicar o principio x vou perder, a sociedade vai perder, a justiça vai perder. Agora, este prejuízo da liberdade de expressão só será aceitável na medida em que a aceitação, a prioridade, do outro principio seja tão mais importante do que a perda da liberdade de expressão. É tão mais importante combater o racismo do que preservar a liberdade de expressão. A técnica de Alexy indica três subprincípios: Adequação, Necessidade e Proporcionalidade em sentido estrito. Questão fática. A discussão sobre a proporcionalidade em sentido estrito é propriamente discussão jurídica. Há uma nuance sofisticada entre os dois grupos de subprincípios da proporcionalidade, um que tem a ver mais com as questões fáticas e outro com as questões jurídicas. As questões jurídicas, segundo Alexy, não podem ter simplesmente uma preocupação com a realização do direito, mas têm que produzir faticamente, duas coisas. O intérprete tem que pensar se da aplicação de um dos dois princípios em conflito, a escolha vai atender: a) ao resultado desejado (tem muita regra jurídica vazia que formalizam sem resultado almejado); b) à insubstituibilidade, a decisão é insubstituível. Será que para combater o racismo é preciso tolher a liberdade de expressão? O STF entendeu que sim. O professor acha que a insubstituibilidade deve ser analisada no caso concreto. A questão da proporcionalidade estrita é a questão jurídica onde entra justamente o sopesamento. A partir de Habermas posso discutir duas coisas que aqui não é o

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momento ver: a justiça deve praticar justiça ou praticar o bem? A justiça deve ser justa, cumprir o dever, acatar todos os princípios independentemente se caiba conflito entre eles? Será que não se poderia resolver o problema que se aplica à liberdade de expressão se perguntando assim: afinal de contos, vamos chegar à conclusão: houve crime de racismo? Sim, ponto final. Não precisa sopesar principio nenhum. Nós estamos aqui ante uma decisão do supremo com 2 argumentos: a) argumento de principio b) argumento de política. Será que o STF não está fazendo uma política? Habermas apresenta uma crítica grande nesse ponto.

Por fim, segundo a Suprema Corte, a medida tomada foi adequada e necessária e há mais consequências positivas do que negativas.