Química - Cadernos Temáticos - Resenha III

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    Cadernos Temticos de Qumica Nova na Escola N 3 Maio 200A sntese de frmacos

    Introduo

    Asntese de frmacos umimportante captulo da qumicaorgnica, uma vez que permite

    a construo de molculas, em seusdiversos nveis de complexidade. Essedesdobramento da sntese orgnica,apresenta caractersticas particulares,pois alm de racionalizar uma seqn-cia de etapas sintticas visando obteros melhores rendimentos possveis, necessrio tambm dispensar atenoao grau de pureza e escala da rea-o.

    Os frmacos de origem sinttica re-presentam significativa parcela domercado farmacutico, estimado, em2000, em 390 bilhes de dlares. At1991, entre 866 frmacos usados nateraputica, 680 (79%) eram de origem

    sinttica. Os restantes 186 (21%), cor-respondiam queles de origem natu-ral ou semi-sinttica. Quando obser-vamos a estrutura dos frmacos em-pregados na teraputica, constata-seque 62% deles so heterociclcos, ouseja, possuem tomos de elementosdistintos do carbono (heterotomos)envolvidos em ciclos (heterociclcos)dentre os quais ca. 95% apresentam-se nitrogenados, conforme ilustrado na

    Figura 1. Adicionalmente, ca. 28% dosfrmacos de estrutura heterocclicaapresentam tomos de enxofre e ca.18% apresentam tomos de oxignio.Os valores acima expostos assinalama importncia da qumica dos hetero-ciclos, demonstrando que muitas ve-zes pode ocorrer a presena de maisde um heterotomo no mesmo siste-

    ma heterocclico.Quando consideramos que os

    frmacos so produtos de um proces-so sinttico de mltiplas etapas, pode-mos concluir que a pureza do produtofinal est diretamente relacionada metodologia sinttica empregada e pureza dos intermedirios e matrias-primas envolvidas na sntese. Nesseponto, podemos diferenciar o frmaco,produto farmacutico tecnicamente

    elaborado, dos outros produtos, comoinseticidas, pesticidas e corantes, dentre outros, sejam eles de grau depureza comercial ou analtica.

    O cido muritico1 , empregado naconstruo civil e no alvejamento deassoalhos de cermica, no requer omesmo grau de pureza que um pro

    duto farmacutico, pois contempla finalidade que lhe cabe. O ndigo-blue(1), da mesma forma, tem sua cor azuassegurada, independente das impurezas que possam advir do processosinttico. Por outro lado, um produtfarmacutico pode necessitar de umgrau de pureza to elevado quanto o

    Ricardo Menegatti, Carlos Alberto Manssour Fraga e Eliezer J. Barreiro

    Tendo em vista a importncia dos frmacos de origem sinttica dentro do mercado teraputico, discutimosneste trabalho aspectos histricos da sntese de frmacos desde a aspirina, primeiro frmaco sinttico,evoluindo com outros exemplos de frmacos estruturalmente diversos, at um dos exemplos mais recentes, osildenafil (viagra).

    frmacos sintticos, aspectos histricos da sntese de frmacos

    Os frmacos de origem

    sinttica representam

    significativa parcela do

    mercado farmacutico,

    estimado, em 2000, em 390

    bilhes de dlares. At

    1991, entre 866 frmacos

    usados na teraputica, 680(75%) eram de origem

    sinttica

    Figura 1: Percentual de frmacos sintticoe heterocclos entre as substncias disponveis terapeuticamente.

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    dos reagentes empregados em reato-res nucleares.

    Os frmacos de origem sintticapodem ser obtidos em dois tipos deescala. A primeira, de bancada, aquela empregada na definio da rotasinttica, para se ter acesso ao com-posto planejado, em pequenas quan-tidades, mas suficientes para investigaro seu perfil farmacolgico. A segunda,semi-industrial, uma adaptao daprimeira rota sinttica visando a obten-o do frmaco em maior escala. Demaneira geral, a escala de bancadano se estende escala industrial, ha-vendo necessidade de se buscaremrotas alternativas que contemplem aadequao da escala.

    A sntese do composto SK&F 8600029

    A Figura 2 descreve a rota sintticado composto SK&F 8600029, desco-berto no laboratrio Smith Klyne &French (SK&F), em 1987. O composto(9), um heterociclo da classe das imi-dazolotiazolidinas, que demonstrou uminteressante perfil inibitrio das enzi-

    mas ciclooxigenase e 5-lipoxigenase,sendo til para o tratamento da asma.Essa rota sinttica, partiu da ma-

    tria-prima 4-formilpiridina (2), envol-vendo uma reao de condensaopara se obter a nitrila (3), sob forma decristal. Por ser uma substncia crista-lina, esta nitrila (3) permite o empregode mtodos de cristalizao de baixocusto em sua purificao, condioideal no desenho da rota sinttica defrmacos.

    A etapa subseqente da rota sint-

    tica planejada nos laboratrios daSK&F no se mostrou reprodutvel como aumento da escala, resultando emuma mistura das benzonas (4) e (5),instveis e de difcil separao. Entre-tanto, na busca de mtodos de sepa-rao, esta mistura de benzonasquando tratada em meio bsico, per-mitiu a formao da benzona (6), iso-mrica, como nico produto, represen-tando um mtodo de purificao,

    visto que um nico produto foi obtido.Esta benzona, (6), aps ser tratadacom tiouria, convergiu no interme-dirio (7). Na ltima etapa, o inter-medirio (7) foi tratado com 1,2-dibromoetano, em dimetilformamida(DMF), gerando novamente umamistura de ismeros (8) e (9). A sepa-rao dessa mistura exigiu o empregode tcnicas cromatrogrficas, bastantedispendiosas para serem adaptadas a

    escalas maiores. Por esta rota sinttica(Figura 2), obteve-se (9) em quanti-dades suficientes para a realizao dosensaios farmacolgicos preliminares.Contudo, para se dar seqncia aosensaios toxicolgicos e para viabilizara sntese em escalas maiores, foidesenvolvida a segunda rota sinttica,descrita na Figura 3.

    Essa rota utilizoucomo matria-primao composto flor-benzeno (10) que

    aps uma reaoFriedel Crafts foi con-vertido no produto(11). O intermedirio(11) foi, por sua vez,submetido reaode alquilao, levando obteno docomposto (12). A reao de subs-tituio eletroflica do intermedirio (12)permitiu a obteno do intermedirio(13) que foi oxidado a (9), na ltima

    A sntese de frmacos

    A Aspirina, como

    conhecido o cido acetil

    saliclico (AAS), o

    analgsico mais consumido

    e vendido no mundo. Em1994, somente nos E.U.A.,

    foram vendidos cerca de

    80 bilhes de comprimidos

    Figura 2: Escala de bancada de SK&F860029

    etapa do processo. Esta segunda rotapermitiu a obteno de (9) em escalasde 1 kg, suficientes para os ensaiostoxicolgicos iniciais.

    cido acetil saliclico (AAS)

    A Aspirina (15), como conhecidoo cido acetil saliclico (AAS), oanalgsico mais consumido e vendidono mundo. Em 1994, somente nosE.U.A., foram vendidos cerca de 80bilhes de comprimidos. O AAS (15) po-de ser considerado como um frmacopioneiro sob vrios aspectos. Muitoembora derive do produto natural salici-na (14) (Esquema 1), foi o primeiro fr-maco sinttico empregado na terapu-tica, tendo sua sntese concluda em1897, pelo qumico alemo FelixHoffman, do laboratrio Bayer (estrelatado na histria que o pai de Hof-fman sofria de reumatismo crnico e no

    suportando mais o desconforto causadopelo tratamento com salicina (14),incentivou o filho a preparar derivadosque pudessem ser mais tolerados).

    A salicina (14) foi isolada pela pri-meira vez em 1829 pelo farmacuticofrancs H. Leurox. Contudo, seu poten-cial teraputico era conhecido desde

    a Antiguidade. Subs-tncia ativa presenteem espcies do gneroSalix e Populus, a sali-cina (14) j havia sido

    mencionada no sculoV a.C., de forma emp-rica, pelo pensadorgrego Hipcrates, con-siderado como pai da

    medicina. sua poca, Hipcratesindicava extratos preparados a partirdas folhas e casca de salgueiro branco(Salix alba), ilustrada na fotografia abai-xo, para o combate da febre e da dor.Vale mencionar que o nome do cido

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    acetil saliclico (15), deriva do nome daespcie de salgueiro mencionada

    acima.Em 1838, o qumico italiano RaffaelePiria obteve o cido saliclico (16),sinttico, atravs de hidrlise oxidativada salicina (14). Posteriormente, Kolbee Dresden, em 1859, passaram asintetizar os salicilatos, que antece-deram a Aspirina (15). O emprego dasalicina (14), bem como de seus deri-vados salicilatos, no logrou xito nateraputica, devido ao seu perfil gastroirritante e sabor desagradvel, carac-terstica comum s substncias que

    apresentam hidroxilas fenlicas.O conhecimento emprico geradoat ento no era suficiente para ex-plicar o mecanismo de ao farmaco-lgica da salicina (14), salicilatos e AAS(15). A elucidao do mecanismo deao do AAS veio a ser descoberto so-mente mais tarde pelo farmacologistabritnico John Vane, premiado com o

    Nobel de medicina, em meados de1970. Vane observou que o AAS inibia

    a liberao de substncias como asprostaglandinas e, dessa maneira,interferia no processo inflamatrio e nador. Atualmente, sabe-se que a aspirinainibe a produo de prostaglandinasatravs da inibio da enzima cicloxi-genase (COX), responsvel pela bios-sntese de icosanides derivados dacascata do cido araquidnico, fosfoli-pdeo de membrana celular, precursordas prostaglandinas. Tambm obser-vou-se que o espectro de ao dasalicina (14) e da aspirina (15) seme-

    lhante, poisin vivo a salicina (14) podeatuar como um pr-frmaco, levando bioformao dos salicilatos pela aode enzimas do fgado.

    A Aspirina (15) um frmaco defcil acesso sinttico, obtida pela rea-o de acetilao do cido saliclico (14),com anidrido actico, catalisado porcido, conforme ilustrada na Figura 4.

    Como fazer a sntese da aspirina (15) apartir do cido saliclico

    Antes de se iniciar a sntese da aspirina (15) propriamente dita, o anidridoactico (P.E. = 138-140 C) deve sedestilado, para minimizar a quantidadede gua presente no meio reacional. AFigura 4 mostra que a reao rever

    svel e que na presena de gua e emmeio cido pode ocorrer a hidrlise daaspirina (15), deslocando o equilbrioda reao no sentido dos reagentes.

    Aps o anidrido actico ter siddestilado 5,74 g (35 mmol) do cidosaliclico (16), ambos so pesados transferidos para um balo de duabocas, de 25 mL. Na seqncia, adcionam-se 6,6 mL (70 mmol) do destlado ao balo, duas gotas de cidosulfrico e um agitador magntico. Em

    uma das bocas do balo deve seacoplado um condensador para refluxo e na outra um septo, por onde a reao deve ser acompanhada atravs dcromatografia de camada fina. A mistura reacional levada temperaturade 50-60 C por aproximadamentemeia hora, ou at a reao ter completado seu curso. Durante o curso dareao observa-se a formao de umprecipitado branco. Aps no sobservar mais a presena de reagentes, a reao interrompida, resfria-s

    o balo e adiciona-se 50 mL de guagelada. O precipitado obtido deve sefiltrado vcuo e lavado com pequenas pores de gua gelada. Aps secar o slido branco ao ar, pesa-se amassa obtida e calcula-se o rendimentoNa seqncia, pode-se verificar o pontode fuso do slido obtido e compar-locom o da aspirina (15) P.F. = 135 C, parafins de caracterizao.

    O antimalrico cloroquina

    A malria uma doena parasitriacausada pelo protozorio do gneroPlasmodium, que incide principalmentem reas de clima tropical. Muito embora seja uma doena bastante antigarelatada desde a poca de Alexandreo Grande, 335-323 a.C., ainda hojeconstitui um grave problema de sadepblica. Estima-se que a incidnciasobre a populao mundial seja de 500milhes de infectados e 1,5-2 milhe

    A sntese de frmacos

    Esquema 1: Aspirina (15), frmaco sinttico derivado do Salgueiro Branco (Salix alba).

    Figura 3: Escala industrial do SK&F 860029.

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    de mortes por ano. Esse quadro reflexo das condies scio-econmi-cas das reas de incidncia e, tam-bm, devido ao desenvolvimento deresistncia dos parasitas frente aosagentes quimioterpicos empregadosterapeuticamente.

    O primeiro frmaco empregado notratamento da malria foi a quinina (17)

    (Esquema 2), que um alcalidequinolnico presente em rvores nati-vas da Amrica Central e do Sul, dognero Cinchona, responsvel pelaatividade anti-malarial. A origem do no-me Cinchona deve-se a um episdioque teria ocorrido em 1638, no Per,quando a esposa do vice-rei, condessa

    Ana del Cinchon, contraiu malria. ACondessa teve a melhora do seuquadro de sade, aps sua febre tersido tratada por um Xam, que lheindicou uma infuso base de cascada rvore que Lineu, anos mais tarde,batizaria de Cinchona officinalis emhomenagem condessa.

    A introduo da quinina (17) no con-tinente europeu s veio a ocorrer maistarde, em 1658, por interferncia dosjesutas. Aps sua introduo, suce-deu-se um perodo de intenso uso daquinina (17) no tratamento de vriasenfermidades (panacia). Para suprira demanda do mercado, passou-se acultivar a Cinchona em vrias colnias

    europias, com espcies trazidas docontinente americano. Aps um pero-do de aproximadamente 200 anos doemprego da Cinchona, Pelletier e Ca-ventou isolaram a quinina (17) na colede Pharmacie de Paris, em 1820.

    A obteno de quinina (17) de fontevegetal perdurou at a Segunda Guer-ra Mundial, quando as reas de cultivoencontravam-se em meio disputa b-lica. O risco de contgio das tropas emcombate, acarretando em baixas paraos exrcitos, provocou investimentos

    que estimularam os cientistas a obter

    a quinina (17) de forma sinttica. Issoaconteceu pelas mos de Woodwarde Doering, em 1945. Graas ao desen-volvido estgio que a indstria alemde corantes observava no incio do s-

    culo 20, obtendo, eficientemente, com-postos heterociclcos coloridos degrande importncia industrial poca,diversos compostos desta classequmica, inclusive heterociclcos quino-lnicos, foram ensaiados contra a mal-ria. Isso resultou na descoberta da clo-roquina (22), que possui, em seme-lhana quinina, o ncleo quinolnico.

    A sntese da cloroquina (22), descri-ta na Figura 5, d-se inicialmente pelareao clssica de condensao da 3-cloroanilina (18) e dietil-2-cetobutirato,

    para a obteno da imina (19). A imina

    (19), quando aquecida em solvente dealto ponto de ebulio, leva ao deslo-camento do grupamento etoxila, comconseqente ciclizao. Ainda na mes-ma etapa, com o emprego de condi-

    es de saponificao, obtido ointermedirio cido (20). A descar-boxilao e converso do grupamentoenol de (20) feita pelo seu aqueci-mento na presena de oxicloreto defsforo. Na ltima etapa, o halognio(21) deslocado, via reao de subs-tituio nucleoflica aromtica (SNAr),por uma amina primria, para a obten-o da cloroquina (22).

    Antibiticos -lactmicos:As penicilinas

    Os antibiticos so uma classeteraputica empregada no combate ainfeces bacterianas que mais logra-ram xito teraputico at hoje.

    A penicilina (23), produzida pelofungo Penicillium notatum, constitui-seno marco da antibioticoterapia. Estasubstncia, mgica pelos efeitosteraputicos que possui, identifica aclasse dos antibiticos -lactmicos efoi descoberta acidentalmente por

    A sntese de frmacos

    Figura 4: Rota de acetilao do cido acetil saliclico (15).

    Esquema 2: Quinina (17), frmaco antimalrico natural presente no gnero Cinchona.

    Figura 5: Rota sinttica da cloroquina 22.

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    Alexander Fleming, em 1928.Os antibiticos -lactmicos pos-

    suem em seu esqueleto os amino-cidos cistena e valina, e tm seunome pela presena do anel -lact-mico (correspondendo a uma amidaciclca de quatro membros), que na pri-meira penicilina descoberta por Fle-ming, a benzilpenicilina, est fundida

    a um anel tiazolidina, destacado emvermelho no esquema abaixo.

    Por muito tempo a penicilina foi obti-

    da atravs de fermentao de fungos,sendo sintetizada pela primeira vez em1957 por Sheehan e colaboradores. Oproduto obtido por sntese total no semostrou economicamente vivel comercializao. Em 1976, Beechamdescobriu um intermedirio biossint-tico, til para a produo de penicilina(23) e anlogos, o que determinou quesua obteno passou a ser semi-sint-tica. A Figura 6 ilustra a ao da enzima

    penicillium-acilasesobre a penicilina G(23), convergindo no cido 6-amino

    penicilmico (24), intermedirio-chavepara a sntese dos derivados semi-sin-tticos. Na etapa seguinte, a simplessubstituio do cloreto de acila fornecederivados como a penicilina V (25), ameticinina (26) e a oxacilina (27).

    O antibitico cloranfenicol

    Ainda dentro da classe dos antibi-ticos, o cloranfenicol (34) outro fr-maco que merece destaque, por ter si-do o primeiro antibitico ativo de viaoral e o primeiro frmaco com centros(i.e. carbonos) assimtricos a ser pro-duzido por rota sinttica, em 1947. Damesma maneira que a penicilina (34),o cloranfenicol inicialmente era produ-zido atravs de fermentao por Strep-tomyces venezuela. interessante res-saltar que o cloranfenicol possui doiscentros quirais, conseqentemente 4ismeros, onde apenas o ismero treo(R,R) apresenta atividade antibitica.

    Atualmente seu uso restrito ao tra-

    tamento do tifo e em infecescrnicas em que outros antibi-ticos se mostram insensveis de-vido sua toxicidez sobre a me-dula ssea e por causar discrasiassangneas. Em alguns pases,como no Brasil, utiliza-se o cloran-fenicol sob a forma de colrio parao tratamento de infeces ocu-lares leves.

    A sntese do cloranfenicol (34)

    (Figura 7) comea com uma rea-o de condensao aldlica dobenzaldedo (28) e 2-nitroetanol,para obter uma mistura dos 4diastereoismeros do nitroprope-nodiol (29). A mistura diastereo-isomrica submetida reduo,levando aos respectivos deriva-dos aminodiis (30). O ismerotreo separado por cristalizaopara fornecer o intermedirio (30).O intermedirio (30) submetidoa reao de acilao com cloreto

    de dicloroacetila, para fornecer ocomposto triacetilado que, sub-metido reao de saponificao,produz o intermedirio (31). Ointermedirio (31) novamenteacetilado na presena de anidridoactico, para gerar o composto(32). O composto (32) nitradosob condies de cido ntrico ecido sulfrico resultando no com-posto (33). O composto nitrado

    A sntese de frmacos

    Figura 6: Rota sinttica das penicilinas semi-sintticas.

    Figura 7: Rota sinttica do cloranfenicol 34

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    Cadernos Temticos de Qumica Nova na Escola N 3 Maio 2001A sntese de frmacos

    potenciar a vasodilatao dos vasosresponsveis pela irrigao do pnis.Os inibidores de fosfodiesterase-5 fo-ram racionalizados inicialmente paraotimizarem a circulao coronariana.De fato, os pesquisadores do labora-trio Pfizer estavam estudando novoscandidatos a prottipos de agentesanti-hipertensivos, anti-angina e faln-

    cia cardaca congestiva, quando sedeu a descoberta das potencialidadesteraputicas do Viagra (51).

    Sua preparao envolveu o empre-go de metodologia sinttica compostapor nove etapas, conforme ilustrado naFigura 10. A primeira etapa envolveu ametilao do ster etlico do cido 3-propilpirazola-5-carboxilco (41) comdimetil sulfato sob calor, para gerar ocomposto (42). Na seqncia o inter-medirio foi hidrolisado, em hidrxidode sdio aquoso, ao cido correspon-dente (43). O intermedirio (43) foinitrado com cido ntrico fumegante,para se obter o produto nitrado (44). Ogrupamento cido do composto (44)foi convertido na carboxamida corres-pondente (45), pelo tratamento comcloreto de tionila seguido de hidrxidode amnio. Na seqncia, o grupa-mento nitro de (45) foi reduzido amina(46) correspondente com cloreto de tio-nila em etanol. O grupamento aminode (46) foi benzoilado com cloreto de

    2-etoxibenzoil, na presena de trieti-lamina, formando (47). Posteriormente,ocorreu a ciclizao (48) do interme-dirio (47), atravs do emprego deperxido de hidrognio em meiobsico. O intermedirio (48) foi sulfo-nado para gerar o cloreto de sulfonila(50). A ltima etapa consistiu na con-densao da metil-piperazina com ogrupamento reativo de (50), gerandoo Viagra (51).

    (33) submetido a condies desaponificao, convertendo-se no clo-ranfenicol (34).

    O anti-viral aciclovir

    O aciclovir, ou (9-[(2-hidroxie-toxi)metil]-9H-guanina), um anti-viralanlogo do nucleosdeo guanina ac-

    clico, utilizado no tratamento de infec-es por herpes. Foi desenvolvidoracionalmente pelos pesquisadoresGeorge Hitchings e Gertrude Elion,contemplados com Prmio Nobel poressa descoberta.

    Seu uso como coadjuvante no trata-mento de pacientes soro-positivos HIVcausou muita expectativa, pois au-mentava o tempo de sobrevida destespacientes. O aciclovir foi desenvolvidocom base no nucleosdeo guaninacclico, uma base nitrogenada utilizadapelos vrus na construo do seu DNA.Os vrus no reconhecem as nuancesestruturais entre o aciclovir, anlogo denucleosdeo acclido da guanina, e asverdadeiras bases, e utiliza-o naconstruo de um falso DNA. EsteDNA, construdo com esse erro, induza morte do vrus por no conseguirdesempenhar sua funo adequada-mente. A Figura 8 ilustra a sntese doaciclovir.

    O aciclovir foi sintetizado a partir da

    acetilao da guanina (35) com anidri-do actico, gerando o composto (36).O intermedirio acetilado (36) reagecom a cadeia lateral (38) na presenade cidopara-toluenosulfnico, produ-to da acilao do dioxolana (37), paraformar o derivado glicosdico (39). Oderivado glicosdico reage com amniaem metanol, temperatura ambiente,para fornecer o produto desacetilado,aciclovir (40).

    Figura 8: Rota sinttica do aciclovir 40.

    Figura 9: Sildenafil, primeiro frmaco til para o tratamento da disfuno erctil por via oral.

    Sildenafil,viagra

    V i a g r a (51), como conhecido ocitrato de sil-denafil, 5-[2-etoxi-5-(4-metilpiperazina-1-ilsulfonil)fenil]-1-metil-3-propil-6,7-dihidro-1H-pirazola[4,3-d]pirimidin-7-ona (Figura 9), um dos mais recentesfrmacos a ser incorporado ao arse-nal teraputico, til para o tratamentoda disfuno erctil. Sua introduocausou muita repercusso, tanto nomeio cientfico quanto na sociedade,talvez comparvel ao lanamento, em1995, dos inibidores de proteases anti-HIV.

    A disfuno erctil definida comoa incapacidade de manter a ereo

    com tumescncia adequada, necess-ria correta relao sexual. Dados doInstituto Nacional de Sade dos EUAdemonstram que a disfuno erctilafeta, em graus variveis, ca. 20 a 30milhes dos homens. Essa disfunoafeta 5% dos homens acima de 40anos e 25% acima de 65 anos.

    O Viagra (51) age atravs dainibio da enzima fosfodiesterase-5,aumentando o fluxo sangneo por

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    Cadernos Temticos de Qumica Nova na Escola N 3 Maio 200

    Para saber mais

    BARREIRO, E.J. Qumica Nova, v. 14,

    n. 3, p. 179-88, 1991.LENDNICER, D. Strategies for organic

    drug synthesis and design. New York:John Wiley & Sons, Inc., 1998.

    PATRICK, G.An Introduction to medici-nal chemistry. 1a ed., Oxford UniversityPress, 1995.

    Na internet

    http://views.vcu.edu/~pgalatin/viagra.html/

    Consideraes finais

    A sntese de frmacos pode serconsiderada uma aplicao nobre daqumica orgnica sinttica, por permitiro acesso a substncias terapeuti-camente teis, com nveis de comple-xidade variveis.

    Sua aplicao na busca de novosprottipos de frmacos representauma grande parcela dos medicamen-

    tos disponveis para uso clnico e movi-menta cifras elevadas dentro domercado mundial. Contudo, a decisode qual classe teraputica dever serobjeto de estudo vai depender dasquestes que aguardam por resposta.Os pases de primeiro mundo, proval-velmente, estaro envolvidos na buscade novos frmacos anti-cncer, en-quanto os pases de terceiro mundoainda esto carentes por frmacos

    Figura 10: Rota sinttica do viagra 51.

    para o tratamento de doenas tropi-cais, tais como a malria.

    Atualmente, a busca de novos can-didatos a prottipos de frmacos aten-de a um novo paradigma, onde hnecessidade de se buscarem frma-cos para o tratamento de enfermidadesespecficas. O novo paradigma podeser exemplificado pelo aciclovir, ondeatravs de um planejamento prvio, amolcula deste frmaco, anlogo ac-

    clico da guanina, possibilitou sabotaro DNA viral, provocando o efeito anti-viral desejado.

    Nota1. Nome vulgar atribudo ao cido

    clordrico comercial.

    R. Menegatti, farmacutico, formado pela Faculdadede Farmcia da Universidade Federal de Santa Cata-rina (Florianpolis) e mestre pelo Programa de Ps-Graduao em Qumica Orgnica do Instituto de Qu-

    mica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, aluno de doutorado na mesma instituio. Carlos A.MFraga, doutor na rea de qumica medicinal, professor adjunto da Faculdade de Farmcia da Universdade Federal do Rio de Janeiro. E.J. Barreiro, doutopela Universit Scientifique et Mdicale de GrenobleFrana, coordenador do Laboratrio de Avaliao Sntese de Substncias Bioativas, professor titulada Faculdade de Farmcia da Universidade Federado Rio de Janeiro.

    A sntese de frmacos