Química - Cadernos Temáticos - Terapia do Câncer

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  • 8/14/2019 Qumica - Cadernos Temticos - Terapia do Cncer

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    CADERNOS TEMTICOS DE QUMICA NOVA NA ESCOLAN 6 JULHO 2005

    A Qumica Inorgnica na terapia do cncer

    Introduo

    Apalavra cncer vem do latimcancer, que significa caran-guejo. Esse nome se deve

    semelhana entre as pernas do crus-

    tceo e os vasos do tumor, que seinfiltram nos tecidos sadios do corpo.

    O cncer, um conjunto de doen-as causadas pela multiplicao des-controlada de clulas anormais, asegunda maior causa de morte nospases industrializados depois dasdoenas cardiovasculares, onde umaem cada quatro pessoas adquire adoena e uma em cinco morrer. OMinistrio da Sade estima que em2005 sero registrados 467.440 novoscasos de cncer em todo o Brasil.

    Os trs principais tipos de trata-mento do cncer so a radioterapia,a cirurgia e a quimioterapia, sendo es-sa ltima objeto de estudo nas ltimasquatro dcadas.

    Atualmente a quimioterapia do cn-cer utiliza-se tanto de compostos or-gnicos (por exemplo: taxol, 1 e vim-blastina, 2, Figura 1) quanto de com-plexos metlicos (por exemplo: cispla-

    LL

    tina 3 e carboplatina 4, Figura 1).

    A descoberta das propriedades

    antitumorais do cisplatina

    O estudo de complexos metlicospara uso na quimioterapia teve gran-

    de impulso depois da descoberta daspropriedades antitumorais do cis-d i a m i n o d i c l o r o p l a t i n a ( I I ) ] ,cis[Pt(NH

    3)

    2Cl

    2], comumente cha-

    mado cisplatina, e que um doscompostos mais utilizados notratamento do cn-cer hoje em dia.

    Esse complexofoi primeiramentedescrito por Reisetem 1844 e, um anoaps, Peyrone des-creveu um outrocomposto com amesma frmula mo-lecular, sendo queapenas em 1893Werner props serem os dois com-postos ismeros: o complexo deReiset correspondia ao ismero trans(5, Figura 2) e o de Peyrone formacis (3, Figura 1).

    Entretanto, as propriedades antitu-morais de compostos contendo pla-tina s foram descobertas mais de umsculo aps a descrio dos com-postos de Reiset e Peyrone. No finalda dcada de 60 do sculo XX, Barnet

    Rosenberg, um fsico, ento traba-lhando na Universidade do Estado deMichigan, nos Estados Unidos, pro-curava estudar os efeitos do campoeltrico em uma cultura de bactriasEscherichia coli. Rosenberg observou

    que a diviso celularera inibida, e duranteo processo, as clu-las de E. coli, comono podiam se divi-dir, cresciam forman-do filamentos alon-gados. Uma descri-o interessante dadescoberta dessesefeitos pode ser en-contrada no stio

    www.chemcases.com/cisplat, ondese acham tambm fotografias emmicroscpio eletrnico de E. coli e deE. coli em meio contendo cisplatina.

    Iniciou-se ento uma busca pelos

    Ana Paula Soares Fontes, Eloi Teixeira Csar e Heloisa Beraldo

    O cancr uma das doenas mais importantes na atualidade, constituindo a segunda maior causa de mortes nos pasesindustrializados depois das doenas cardiovasculares. A introduo, a partir de 1978, do complexo cis-diaminodicloroplatina(II), denome comercial cisplatina, na quimioterapia do cncer, representou um marco na histria da Qumica Inorgnica Medicinal, econstituiu um importante avano no tratamento de diversos tipos de tumores. Desde ento, desenvolveu-se uma intensa busca pornovos complexos metlicos que tambm apresentassem atividade antitumoral, o que levou descoberta de outros complexos deplatina que atualmente so utilizados em clnica mdica. Neste artigo so discutidos os mecanismos de ao farmacolgica dessescompostos, que esto relacionados ligao da platina com as bases nitrogenadas do DNA. Mostraremos que complexos de outrosons metlicos tambm podem apresentar atividade antitumoral, apesar de ainda no serem utilizados na clnica.

    Qumica Inorgnica Medicinal, antitumorais, complexos de platina

    O cncer, um conjunto dedoenas causado pela

    multiplicaodescontrolada de clulas

    anormais, a segundamaior causa de morte nos

    pases industrializados,

    onde uma em cada quatropessoas adquire a doena

    e uma em cinco morrer

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    A Qumica Inorgnica na terapia do cncer

    possveis agentes responsveis pelofenmeno, e as pesquisas mostraramque a platina do eletrodo se dissolviano meio de cultura, que continha saisde amnio, para formar espciescomplexas do metal. Levou-se emconsiderao a hiptese de formaodo sal (NH

    4)

    2[PtCl

    6], que foi ento

    sintetizado e testado nas mesmas

    condies da experincia inicial. Comas solues recm-preparadas o fe-nmeno no se repetia, mas apsalguns dias em repouso e expostas luz, ao serem novamente testadas,as solues causavam a filamentaodas bactrias. Mais tarde mostrou-seque ocorria uma reao fotoqumica,ocasionando a troca de Cl por NH

    3

    na esfera de coordenao da platina.Foram ento sintetizados os com-plexos cis-[Pt(NH

    3)

    2Cl

    4] e trans-

    [Pt(NH3)

    2Cl

    4], sendo que com o com-

    posto cis repetiram-se os resultadosbiolgicos iniciais e o composto transse mostrou inativo.

    A partir desses resultados, umasrie de complexos de platina foi sin-tetizada e submetida a testes emcamundongos portadores de sarco-ma-180, um modelo de tumor usadopara ensaios farmacolgicos. Oscompostos que se mostraram maiseficazes eram todos neutros e deconfigurao cis e, dentre eles, o que

    apresentou maior atividade foi o cis-diaminodicloroplatina(II) (3, cisplatina,Figura 1), que provocou a regressototal do tumor em 36 dias, enquantoo seu ismero, trans-diaminodiclo-roplatina(II) (5, transplatina, Figura 2),se mostrou inativo.

    J no incio da dcada de 70, ocisplatina comeou aser submetido a testesclnicos, inicialmenteem pacientes terminaise posteriormente em

    tumores localizados,como cncer de test-culo e ovrio, tendosido lanado no mer-cado americano em1979. O carcinoma tes-ticular, que era quasesempre letal, tornou-securvel em cerca de80% dos casos quan-do submetido ao trata-

    mento com esse composto. Atual-mente o cisplatina usado em vriosoutros tipos de neoplasias, como cn-cer de pulmo, cabea, esfago,estmago, linfomas, melanoma,osteossarcoma, de mama e crvix,sobretudo em associao com outrasdrogas, em vrios esquemas terapu-ticos. No Brasil, um dos nomes co-

    merciais do cisplatina Platinil(Figura 3).

    A descoberta das propriedadesantitumorais do cisplatina constituiuum marco na histria da Qumica Me-dicinal, a qual inicialmente dedicava-se principalmente ao estudo de com-postos orgnicos e produtos naturais.Depois dessa descoberta pode-se di-zer que se abriu uma nova perspec-tiva, com a incluso de complexosmetlicos como possveis agentesteraputicos. Desde ento vrios tra-balhos se dedicaram a investigar omecanismo de ao do cisplatina ecompostos correlatos no organismo.

    Esses estudos mostraram que, an-tes de alcanar as clulas, os comple-xos passam por reaes de substi-tuio, sendo a mais importante areao de hidrlise. A Figura 4 mostrao processo de hidrlise do cisplatina.

    Do lado externo da clula, no plas-ma sangneo, a concentrao decloreto alta (cerca de 100 mmol/L),

    o que impede a hidrlise dos ligantescloretos, e mantm o cisplatina no es-tado neutro. Aps entrar na clula, adiminuio na concentrao de clo-reto (cerca de 4 mmol/L) permite ahidrlise do complexo, formando ou-tras espcies que podem reagir maisprontamente.

    Figura 1: Alguns compostos utilizados no tratamento do cncer: 1: taxol; 2: vimblastina;3: cisplatina e 4: carboplatina.

    Figura 2: trans-[(diaminodicloro)plati-na(II)].

    Figura 3: Uma das formas comerciais do cisplatina (produ-zida por Quiral Qumica do Brasil S.A.).

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    A Qumica Inorgnica na terapia do cncer

    Aps sofrer hidrlise no meio in-tra-celular, uma das questes a serrespondida era a de qual seria o alvobiolgico do complexo, j que muitoscomponentes celulares, como o DNA,o RNA e as protenas podem interagircom a platina.

    Como age o cisplatina?

    Atualmente, h um consenso deque o alvo principal do cisplatina oDNA, macromolcula constituda porduas fitas, cada uma delas composta

    por uma seqncia de nucleotdeos,os quais por sua vez so formados portrs diferentes tipos de molculas: umacar, um grupo fosfato e uma basenitrogenada. As bases nitrogenadaspodem ser pricas (guanina e adenina)ou pirimdicas (citosina e timina).

    A ligao da platina com o DNAocorre preferencialmente atravs deum dos tomos de nitrognio de gua-nina ou de adenina. A interao mais

    estvel com o nitrognio da guani-

    na, em razo da possibilidade de for-mao de ligao de hidrognio dogrupo NH

    3do cisplatina com o oxig-

    nio da guanina, conforme a Figura 5.Esta interao no ocorre com a ade-nina.

    Vrios tipos de adutos com o DNApodem ser formados. Os principaisso:

    Adutos monofuncionais cadatomo de platina faz apenas uma li-gao com o DNA.

    Adutos bifuncionais cadatomo de platina se liga a duas po-sies do DNA. Este tipo de ligaopode ocorrer de trs formas:

    Intrafita: quando as duas liga-es ocorrem na mesma fitado DNA.

    Interfitas: quando cada liga-o feita em uma fita dife-rente do DNA.

    Intermolecular: quando uma

    ligao da platina feita como DNA e a outra com uma pro-tena ou aminocido.

    A Figura 6 ilustra as ligaes intra-fita e interfitas da platina com o DNA.

    Para o cisplatina, o aduto encon-trado em maior quantidade o quecorresponde ligao intrafita, envol-vendo bases guaninas adjacentes, o

    que sugere ser a formao desse adu-to o maior responsvel pela sua ativi-dade anticancergena, uma vez queprovoca leses mais difceis de seremreparadas. A habilidade do cisplatinade se ligar ao DNA e de distorcer suaestrutura sugere que o composto inter-fere no funcionamento normal dessecomponente celular.

    Os processos de replicao e detranscrio do DNA so essenciaispara a diviso celular e para a produ-o de protenas. Qualquer agenteque interfira nesses processos podeser citotxico. A inibio da replicaodo DNA sugere que o composto po-deria causar a morte das clulas can-cerosas ao bloquear sua habilidade

    Figura 4: Hidrlise do cisplatina.

    Figura 5: Interaes da platina com as bases adenina (a) e guanina (b).

    Figura 6: Adutos intrafita (em cima) e inter-fitas (em baixo) entre cisplatina e as basesdo DNA.

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    A Qumica Inorgnica na terapia do cncer

    de sintetizar novas molculas deDNA, necessrias para a diviso ce-lular.

    Alguns obstculos ao uso do cisplatina

    e a busca de novos compostos

    Alguns obstculos, entretanto, tmsido enfrentados no uso do cisplatina:o surgimento de resistncia celular, a

    baixa solubilidade em gua e o estrei-to espectro de atividade, alm de gra-ves efeitos colaterais, como neuro-to-xidez, nefro-toxidez e toxidez ao tratointestinal, que se manifestam atravsde nuseas e vmitos intensos. Osefeitos adversos surgem principal-mente pela complexao do cisplati-na com protenas e peptdeos, comopor exemplo a glutationa, o que levaao seu acmulo no organismo e con-seqente toxidez. A toxidez renalpode ser reduzida por meio de pr eps-hidratao intensa do paciente edo uso de manitol para aumentar adiurese, alm da diluio do medica-mento em soluo salina hipertnica.

    Com o objetivo de se obter com-postos mais eficazes e menos txicos,cerca de 3000 complexos de platina jforam sintetizados e submetidos a en-saios de atividade antitumoral, massomente alguns mostraram atividadecomparvel do cis-platina.

    Estudos relacio-nando estrutura qu-mica com atividadebiolgica mostraramque a atividade anti-neoplsica de com-postos de platinaestava relacionadaaos ismeros cis, jque os correspondentes ismerostrans se mostravam inativos. Contudo,na literatura j se encontram descritoscomplexos com geometria trans que

    apresentam alguma atividade.Os complexos devem ser, prefe-

    rencialmente, eletricamente neutros,pois se presume que esses atraves-sem a membrana celular mais facil-mente do que aqueles que possuemcarga.

    Como um complexo de platina so-fre reaes de substituio de ligan-tes no organismo, ele deve ter em suaestrutura um grupo denominado

    abandonador, que deve apresentarlabilidade moderada, sendo o cloreto(Cl) o mais amplamente utilizado.Complexos com ligantes fortementecoordenados, como NO

    2 ou SCN,

    so inativos. Uma exceo a essa lti-ma generalizao so os complexoscontendo ligantes bidentados dicar-boxilatos, que mostram atividade, e

    que devido suamenor reatividade,causam menos efei-tos colaterais. Jcomplexos com li-gantes muito lbeis,como o nitrato (NO

    3),

    so muito txicos eno mostram ativida-de antitumoral.

    Os ligantes que permanecem naesfera de coordenao da platina, ouseja, aqueles que no so substitu-dos no organismo, devem ser gruposrelativamente inertes, como as ami-nas. Podem ser mono ou bidentados,estes ltimos formando preferencial-mente com a platina anis que sejamenergeticamente favorveis, como osde cinco ou seis membros. Esses li-gantes acompanham o tomo de pla-tina at o seu alvo no interior da clula,e assim modulam a citotoxidez e o

    efeito antitumoraldos complexos.

    Em 1987, o com-posto diamino(1,1-ciclobutanodicarbo-xilato) platina(II), (car-boplatina, 4, Figu-ra 1), foi aprovadopara comercializa-o. O carboplatinaapresenta basica-

    mente o mesmo espectro de ativida-de do cisplatina, porm com efeitoscolaterais reduzidos. Infelizmente,apesar de ser melhor tolerado, o car-

    boplatina no atua em clulas resis-tentes ao cisplatina.

    A Figura 7 mostra outros compos-tos de platina que apresentam algumtipo de atividade citotxica: trans-1,2-diaminocicloexanooxalatoplatina(II)(6, oxaloplatina), que vem sendo usa-do para o tratamento de cncer color-retal, alm de ter se mostrado ativoem clulas resistentes; cis-diaminogli-colatoplatina(II) (7, nedaplatina), que

    recebeu aprovaopara uso clnico noJapo e 1,2-diami-nometilciclobutano-lactatoplatina(II) (8,lobaplatina) que foiaprovado em testesclnicos de fase II naChina (testes clni-cos so aqueles rea-

    lizados em pacientes, para verificarvrios aspectos do medicamento,como eficcia e toxidez).

    Comparados aos complexos deplatina(II), os complexos de platina(IV)so geralmente menos ativos quandosubmetidos a testes de atividade invitro. Alguns desses compostos foramsubmetidos a testes clnicos, comopor exemplo o complexo denominadoJM-216 (9, Figura 8) que gerou gran-de expectativa por ter potencial paraser administrado oralmente, j quedrogas contendo platina(IV) so maisestveis em meio cido, podendo

    assim resistir s condies apre-

    Figura 8: Composto JM-216, de platina(IV).

    Figura 7: Estrutura de alguns complexos de platina com relevante citotoxidez: 6,oxaloplatina; 7, nedaplatina; 8, lobaplatina.

    Alguns obstculos tm sido

    enfrentados no uso docisplatina: o surgimento deresistncia celular, a baixa

    solubilidade em gua, oestreito espectro de

    atividade e graves efeitoscolaterais associados a

    toxidez, entretanto...

    ...cerca de 3000

    complexos de platina jforam sintetizados e

    submetidos a ensaios deatividade antitumoral, mas

    somente alguns mostraramatividade comparvel do

    cisplatina

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    A Qumica Inorgnica na terapia do cncer

    sentadas pelo estmago. Contudo,em razo de sua baixa absoro celu-lar, o composto foi descartado na faseII de testes clnicos.

    Uma vez que os complexos deplatina(IV) passam por reaes desubstituio dos ligantes mais lenta-mente que seus anlogos de plati-na(II), acredita-se que sua atividade

    antitumoral se manifeste aps sua re-duo, in vivo, ao derivado de pla-tina(II).

    Alm dos complexos monomet-licos, uma outra classe de compostosde platina bastante estudada e pro-missora aquela em que os comple-xos apresentam duas unidades deplatina ligadas por uma diamina decomprimento de cadeia carbnicavarivel. Os primeiros complexos des-critos desse tipo (10 com n = 4 a 6,Figura 9) apresentaram o mesmoefeito citotxico do cisplatina em clu-las sensveis e um efeito significati-vamente maior em clulas resistentes.

    Mais recentemente, Nicholas Far-rell, um dos pesquisadores atualmen-te mais renomados por seus traba-lhos sobre antitumorais de platina,descreveu a sntese de um novo com-plexo contendo trs unidades de pla-tina (BBR 3464, Figura 10), o qualtambm tem mostrado resultadospromissores.

    Alguns complexos de platina e pa-ldio com ligantes orgnicos, comotiossemicarbazonas (12, Figura 11),tm se mostrado ativos em clulastumorais resistentes ao cisplatina.Investigaes a respeito do mecanis-mo de ao sugerem que esses com-

    postos se ligam ao DNA atravs decoordenao interfitas, ao contrriodo cisplatina, que se liga predominan-temente a duas guaninas na mesmafita, ou seja, atravs de coordenaointrafita (ver Figura 6). Acredita-se queseria esta a razo pela qual os com-plexos de tiossemicarbazonas semostram ativos nas clulas resisten-tes. Exemplos interessantes de com-plexos ativos em clulas tumoraisresistentes ao cisplatina seriam aque-les de paldio(II) e platina(II) de fenila-cetaldedo tiossemicarbazona (13,Figura 11).

    Outros compostos metlicos que

    apresentam atividade antitumoral

    (in vivo) ou citotxica (in vitro)

    Dentre os complexos metlicos,apenas os de platina tm sido utiliza-dos na clnica mdica at o momento.Entretanto, compostos contendo v-rios outros ons metlicos apresentamatividade antitumoralin vitro ein vivoe seus mecanismos de ao podemno envolver ligao direta ao DNA.

    Compostos de rdio contendoligantes carboxilatos (14, Figura 12)so muito estudados, tendo apresen-

    tado atividade antitumoral relevante.Esse on metlico tem grandeafinidade pelo grupo sulfidrila (SH)

    presente em v-rias protenas e en-zimas que partici-pam da sntese doDNA, podendoinibi-la.

    Complexos derutnio contendo

    imidazol, como por exemplo o trans-[(Im)

    2Cl

    4Ru] (15, Figura 13), tm se

    mostrado efetivos contra cncer declon, e seu mecanismo de aopoderia estar relacionado a reaes

    redox envolvendo espcies derutnio(III) e rutnio(II), que podemprovocar a quebra das fitas de DNA.

    Compostos de ouro, como a aura-nofina (16, Figura 14), tm sido utili-zados h muito tempo para o trata-mento de artrite reumatide, mas tmsido tambm investigados quanto ssuas propriedades antitumorais.Podem-se destacar ainda outrosderivados de ouro(I) com fosfinas. AFigura 14 mostra tambm a estruturade um destes compostos, o bis[1,2-

    bis(difenilfosfino)etano]ouro(I), 17,que tem apresentado um grandeespectro de atividade antitumoral invivo.

    Vrios compostos organoestni-cos, como por exemplo os de polio-xalquilcarboxilatos ([SnR

    3OC=OR]n

    R = fenil ou n-butil, R = CH3O

    (CH2CH

    2OCH

    2)x, x = 1 ou 2) tm se

    mostrado mais ativos do que cispla-tina in vitro. Alguns compostos

    Figura 9: Complexos dinucleares deplatina.

    Figura 10: Complexo trinuclear de platina (BBR 3464).

    Figura 11: Estrutura genrica das tiosse-micarbazonas12, e estrutura dos comple-xos de paldio, M = Pd (II) e platina, M =Pt(II) com fenilacetaldedo tiossemicar-bazona 13.

    Figura 12: Estrutura genrica dos carbo-xilatos de rdio.

    Figura 13: Complexo de rutnio comimidazol, trans-[(Im)

    2Cl

    4Ru].

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    A Qumica Inorgnica na terapia do cncer

    Para saber mais

    Dados e estatsticas sobre o cncerno Brasil

    http://www.inca.gov.br (stio do Insti-tuto Nacional do Cncer).

    Sobre a descoberta das proprie-dades antitumorais do cisplatina

    www.chemcases.com/cisplat.

    Sobre aplicaes da QumicaInorgnica em Medicina

    FARRELL, N. Biomedical uses and ap-plications of Inorganic Chemistry. Anoverview. Coordination Chemistry Re-views, v. 232, p. 1-4, 2002.

    SCHWIETERT, C.W. e McCUE, J.P. Co-ordination compounds in MedicinalChemistry. Coordination Chemistry Re-views, v. 184, p. 67-89, 1999.

    Sobre interaes entre cisplatina e

    o DNA

    JAMIESON, E.R. e LIPPARD, S.J.Structure, recognition, and processing ofcisplatin-DNA Adducts. Chemical Re-

    Figura 14: Estruturas de complexos antitumorais de ouro(I) com fosfinas: 16: aurano-fina; 17: bis[1,2-bis(difenilfosfino)etano]ouro(I).

    Abstract:Cancer is the second major cause of death in industrialized countries, following behind cardiovascular diseases. Approval of cis-diamminedichloroplatinum(II), cisplatin, for clinical usein 1978, represented an important step in the history of Inorganic Medicinal Chemistry and a significant advance in the treatment of a variety of tumors. Since the introduction of cisplatin, thousandsof platinum compounds have been synthesized and evaluated and some have achieved clinical use. In the present article, we discuss the pharmacological mechanisms of action of thesecomplexes, which are related to the ability of platinum to bind to DNA. Moreover, other metal complexes can also exhibit antitumoral activity, but there are none in clinical use so far.

    Keywords: Inorganic Medicinal Chemistry, antitumorals, platinum complexes

    views, v. 99, p. 2467-2498, 1999.

    Sobre antitumorais de platina

    FONTES, A .P.S.; ALMEIDA, S.G. eNADER, L.A. Compostos de platina emquimioterapia do cncer. Qumica Nova,v. 20, n. 4, p. 398-406, 1997.

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    num(IV) antitumor compounds. Their Bioi-norganic Chemistry. Coordination Chem-

    istry Reviews, v. 232, n. 1, p. 49-67, 2002.HAMBLEY, T.W. The influence of struc-

    ture on the activity of platinum anti-can-cer drugs. Coordination Chemistry Re-views, v. 166, p. 181-223, 1997.

    WONG, E. e GIANDOMENICO, C.M.Current status on platinum-based antitu-mor drugs. Chemical Reviews, v. 99, p.2451-2466, 1999.

    Sobre compostos metlicosantitumorais que no contm platina

    BERALDO, H. Semicarbazonas etiossemicarbazonas: perfil farmacolgicoe usos clnicos. Qumica Nova, v. 27, n. 3,p. 461-471, 2004.

    BERALDO, H. e GAMBINO, D. The widepharmacological versatility of semicar-

    bazones, thiosemicarbazones and theirmetal complexes. Mini Reviews in Medici-

    nal Chemistry, v. 4, p. 31-39, 2004.GIELEN, M. An overview of 40 years of

    organotin chemistry developed at the FreeUniversities of Brussels ULB and VUB.

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    KOEPF-MA IER, P. e KOE PF, H.Nonplatinum metal antitumor agents.History, current status and perspec-tives. Chem. Rev., v. 87, p. 1137-1152,1987.

    MCKEAGE, M.J.; MAHARAJ, L. eBERNERS-PRICE, S.J. Mechanism ofcytotoxicity and antitumor activity ofgold(I) phosphine complexes: the pos-sible role of mitocondria. CoordinationChemistry Reviews, v. 232, n. 1, p. 127-135, 2002.

    PEREZ-REBOLLEDO, A.; AYALA, J.D.;DE LIMA, G.M.; MARCHINI, N.; BOM-

    BIERI, G.; ZANI, C.; SOUZAFAGUNDES,E. e BERALDO, H. Structural studies andcytotoxic activity of N(4)-phenyl-2-benzoylpyridine thiosemicarbazoneSn(IV). European Journal of MedicinalChemistry., v. 40, p. 467-472, 2005.

    organoestnicos com tiossemicar-bazonas mostram-se ativos comoagentes citotxicos em clulas de tu-mores mamrio, renal e melanomas,em doses at cem vezes inferioresquelas de algumas drogas orgni-cas usadas na clnica. O mecanismode ao desses compostos encontra-se em fase de investigao. No casodas tiossemicarbazonas, a idia seriaa de reunir propriedades citotxicasdos sais de estanho s do liganteorgnico, procurando-se obter efeitossinergsticos. Outros compostos inor-gnicos tm sido investigados quanto

    s suas propriedades antitumorais.Dentre eles podemos citar os dearsnio, antimnio, bismuto, ferro, tit-nio, vandio, glio, nibio e molibd-nio.

    Concluses

    Conforme apresentamos no de-correr deste trabalho, a descobertadas propriedades antitumorais docisplatina e o uso clnico de com-plexos de platina no tratamento docncer constituram um dos maio-res sucessos da Qumica Inorgni-ca Medicinal. O interesse gerado

    por esses complexos levou ao de-senvolvimento de vrias linhas depesquisa, que possibilitaram o en-tendimento do seu mecanismo deao e de seu comportamento den-tro do organismo. Muitos com-plexos de platina e de outros metaisencontram-se em fase de investi-gao clnica e vrios continuam

    sendo sintetizados nos laboratriosde pesquisas. Espera-se que futu-ramente outros compostos met-licos possam vir a ser utilizadospara o tratamento do cncer.

    Ana Paula Soares Fontes ([email protected]),

    doutora em Qumica pela Universidade Federal de

    Minas Gerais, professora adjunta do Departamento

    de Qumica da Universidade Federal de Juiz de Fora.

    Eloi Teixeira Csar ([email protected]), doutor em

    Qumica pela Universidade Federal de Minas Gerais,

    professor de Qumica do Colgio de Aplicao

    Joo XXIII da Universidade Federal de Juiz de Fora.

    Helosa Beraldo ([email protected]), doutora pelaUniversit Paris VI, Frana, professora titular do

    Departamento de Qumica da Universidade Federal

    de Minas Gerais. Todos os autores trabalham na rea

    de Qumica Inorgnica Medicinal.