QuimicaAplicadaTexto2001(1)

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    O ESTADO COLOIDAL.....................3 Exerccio ............................................................ 4

    Fontes de informao e literatura ...................... 4 Exerccios .......................................................... 5

    TENSO SUPERFICIAL E A MINIMIZAO DE ENERGIA SUPERFICIAL ...................................7 Tenso Interfacial ................................................ 8 Tensoativos ........................................................... 9 A isoterma de Gibbs ............................................ 9 Temperatura de Tammann e sinterizao....... 10 Tenso superficial esttica e dinmica............. 10

    Exerccios ........................................................ 10

    MICELIZAO ................................12 Compostos de baixa massa molar..................... 12 Compostos de alta massa molar ....................... 12 Partio de compostos anfiflicos...................... 13 Estruturas supramoleculares de compostos anfiflicos............................................................. 14 Diagramas de fases ............................................ 14 Reatividade em sistemas micelares e "catlise micelar" .............................................................. 15 Auto-ordenamento e fabricao de materiais .16

    Exerccios ........................................................ 16

    EMULSES, MICROEMULSES E ESPUMAS .......................................17 Inverso de emulses ......................................... 19 Quebra de emulses e espumas......................... 19 Emulsificao e detergncia .............................. 19 Espumas no tratamento de minrios e de efluentes .............................................................. 20

    Exerccios ........................................................ 20

    COLIDES LIOFLICOS E LIOFBICOS, HIDROFLICOS E HIDROFBICOS .............................21

    Exerccios ........................................................ 22

    OBTENO DE COLIDES...........23 Sistemas monodispersos e polidispersos .......... 23 Pureza de colides.............................................. 24

    Exerccios ........................................................ 25

    PROPRIEDADES CINTICAS ........26 Difuso ................................................................ 26

    As leis de Fick ................................................. 26 Acoplamento de fluxos .................................... 27 Movimento de cadeias e entrelaamento ......... 27 Viscosidade e microviscosidade ...................... 28 No-linearidade................................................ 28 Determinao experimental de coeficientes de difuso. Espalhamento de luz dinmico........... 29

    Difuso Rotacional............................................. 29 Sedimentao...................................................... 29

    O uso de sedimentao e centrifugao na caracterizao de partculas coloidais ..............30

    Conveco ...........................................................32 Exerccios.........................................................33

    PROPRIEDADES ELTRICAS....... 34 Formao de interfaces eletricamente carregadas...........................................................34

    A eletricidade que nos rodeia ...........................34 Outros mecanismos de separao de cargas em interfaces .............................................................35

    Triboplasma......................................................36 A equao de Poisson-Boltzmann .....................36 A dupla camada eltrica ....................................36

    Partes fixa e difusa da dupla camada eltrica...37 A espessura da dupla camada difusa ................37 Superfcie de cisalhamento...............................39 Potencial zeta ...................................................39 Interaes eletrostticas entre partculas ..........39

    Eletro-osmose, potencial de sedimentao e potencial de escoamento ....................................40

    Eletrodecantao ..............................................41 Exerccios.........................................................42

    PROPRIEDADES TICAS ............. 43 O espalhamento da luz.......................................43

    ndice de refrao e polarizao eltrica ..........43 Espalhamento esttico de luz, raios-X e nutrons...............................................................44 A teoria de Mie ...................................................45 Turbidez..............................................................45 Espalhamento dinmico da luz .........................46

    Elipsometria .....................................................46

    DEFORMAO E VISCOSIDADE: REOLOGIA ..................................... 48 Elasticidade.........................................................48

    Elasticidade: energia e entropia........................49 Viscosidade .........................................................49 Plasticidade .........................................................49 Viscoelasticidade ................................................50

    Modelos de Maxwell e de Kelvin ....................50 Tempos de relaxao........................................50 Dissipao e anlise do efeito de solicitaes dinmicas..........................................................51 Tixotropia.........................................................52

    Volume livre, plasticidade e superplasticidade52 Transio vtrea e relaes temperatura-tempo (WLF)..................................................................53

    Mecnica fsico-qumica. O efeito Rebinder....54 Exerccios.........................................................54

    ESTABILIDADE COLOIDAL: COLIDES LIOFBICOS .............. 55 Teoria DLVO: equilbrio entre atrao de van der Waals e repulso eletrosttica ....................55

    Atrao por foras de van der Waals ...............55 Repulso (ou atrao) eletrosttica ..................56

    Outros fatores de estabilidade...........................57

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    Repulso estrica ............................................. 57 Coagulao rpida e lenta, regimes RLA e DLA............................................................................. 57 Desagregao de slidos .................................... 58

    Exerccios ........................................................ 58

    NGULO DE CONTATO.................59 ngulo de contato e trabalho de adeso .......... 59 Tenso superficial de polmeros ....................... 59 Fatores estruturais do ngulo de contato ........ 60

    Histerese de ngulo de contato ........................ 60 Efeito da rugosidade ........................................ 60 Efeito da heterogeneidade da superfcie .......... 61 Medio de ngulo de contato ......................... 61 Exerccios ........................................................ 61

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    O estado coloidal J no fim do sculo 19 muitos qumicos se referiam a uma classe de sistemas lquidos, chamados de colides.1 Estes se distinguem de outros sistemas lquidos, como as solues de sais e de muitas substncias bem conhecidas (sacarose, lcool, cido actico e outras) por um conjunto de propriedades:

    1. so formados por dois ou mais componentes, mas um dos componentes forma domnios contnuos, enquanto o outro forma domnios descontnuos;

    2. existe a possibilidade de bicontinuidade, isto de formao de dois domnios contnuos;

    3. frequentemente os sistemas so visualmente turvos, ou opacos;

    4. ainda que em concentraes altas, no apresentam valores muito pronunciados de suas propriedades coligativas;

    5. podem apresentar viscosidade elevada e tenso superficial baixa.

    Como se v, no se trata de distines rigorosas. Hoje, definimos os sistemas coloidais como sendo sistemas nos quais se distingue domnios de composio qumica significativamente diferente da composio mdia, sendo esses domnios caracterizados por terem ao menos uma dimenso inferior a um micrmetro.

    Portanto, classificamos como coloidais um grande nmero de sistemas de grande interesse prtico: fumaas e

    1 H vrios clssicos, a respeito. Por exemplo,

    o livro de Zsigmondy, a "Cartilha Coloidal" de Ostwald, que foi traduzida para o portugus por Heinrich Hauptmann, os livros de Kruyt e de Adam (do qual existe uma edio Dover). Os grandes sistemas abordados nestes livros continuam presentes nos textos atuais, com a exceo dos corantes, que no parecem interessar a muitos qumicos coloidais, atualmente.

    aerosis, disperses de partculas, solues e misturas de polmeros, espumas slidas e lquidas, monocamadas, os vrios tipos de micelas e outros agregados moleculares ou inicos. Novos sistemas coloidais continuam sendo gerados continuamente, no contexto da fase de grande desenvolvimento por que passa a Qumica dos Materiais, desde os anos 80. Neste momento, h toda uma importante classe de sistemas coloidais recebendo grande ateno: as nanopartculas, que so uma das bases das nanotecnologias emergentes.

    A prpria definio que hoje adotamos, baseada nas dimenses dos domnios ou das partculas, permite concluir que existe uma caracterstica comum a todos os sistemas coloidais: todos les tm uma grande rea interfacial. Por esta razo, o estudo de colides inseparvel do estudo de superfcies e interfaces, e o conceito de tenso superficial adquire uma importncia central, neste estudo.

    Existe hoje uma Cincia de Colides e Interfaces, caracterizada por sociedades cientficas (por exemplo, a IACIS, International Association of Colloid and Interface Scientists), congressos internacionais e nacionais (o da IACIS, realizado a cada trs anos, o da Diviso especializada da American Chemical Society, o da Kolloid Gesellschaft e outros), revistas (principalmente as seguintes: Langmuir, Journal of Colloid and Interface Science, Colloids and Surfaces A e B, Colloid and Polymer Science, ao lado de muitas outras de interesse mais geral, mas que publicam trabalhos de colides e superfcies). Estas organizaes e atividades congregam qumicos, fsicos, bilogos, matemticos, engenheiros de vrias modalidades (qumicos, mecnicos, ambientais, de alimentos), farmacuticos e outros tipos de pesquisadores e profissionais.

    A cincia de colides e interfaces

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    trata de problemas suscitados por vrios tipos de atividades humanas, industriais e agrcolas, bem como de problemas gerados a partir de consideraes sobre o meio ambiente. Tem um grande nmero de interfaces2 com as cincias e tecnologias de solos, cincias da atmosfera, de macromolculas, de materiais, de adeso, com a fsica da matria condensada, a biofsica molecular, a eletroqumica e, em menor escala, outras reas do conhecimento.

    Sendo uma disciplina antiga, a Cincia de Colides e Interfaces passou por altos e baixos, ao longo deste sculo. Hoje mostra grande vigor, e os seus temas freqentam no apenas as pginas das revistas especializadas, mas tambm de revistas cientficas de interesse amplo e grande prestgio. interessante notar, como exemplo de altos e baixos, o que aconteceu com esta rea, no mbito da American Chemical Society: h meio sculo, esta sociedade editava o Journal of Physical and Colloid Chemistry. Este passou a ser apenas Journal of Physical Chemistry nos anos 60, o que reflete o desprestgio pelo qual passou a rea de colides. J nos anos 80, a ACS resolveu criar a Langmuir, agora em resposta crescente importncia dos colides e superfcies.

    Por outro lado, o ensino desta

    2 Ao discutirmos interrelaes e interdependncias entre disciplinas do conhecimento cientfico, muito comum utilizarmos esquemas positivistas e reducionistas, s vezes sem percebermos. Do ponto de vista deste autor, estes esquemas so s vezes empobrecedores, e muitas vezes irrelevantes. mais produtivo que esta anlise seja sempre feita considerando as mltiplas interaes entre as diferentes disciplinas, e em particular as interaes entre os novos conhecimentos e inovaes, que so multidirecionais e mutuamente fertilizantes. Um exemplo deste tipo de abordagem o usado por James Burke em "Connections", que existe na forma de livro, de uma srie de televiso e de uma seo na revista Scientific American.

    disciplina tem sido regularmente negligenciado, e o resultado que um enorme nmero de professores, pesquisadores e profissionais de vrias reas simplesmente ignora rudimentos da disciplina, e por isto incapaz de resolver apropriadamente um grande nmero de problemas, prticos e cientficos, com que se defronta 3.

    H vrias disciplinas ou reas interdisciplinares que guardam relao estreita com a Qumica de Colides e Superfcies, por razes metodolgicas, histricas ou conceituais. Algumas delas so a Fsico-Qumica de Macromolculas, a Biofsico-Qumica e a Cincia de Superfcies (Surface Science). Por exemplo, a Cincia de Superfcies trata principalmente de superfcies slidas bem definidas, que no so frequentemente consideradas no estudo de colides. Entretanto, seus resultados so essenciais para compreendermos as propriedades de interfaces slido-lquido, que formam um tema central do estudo de colides.

    Exerccio 1) Examine as sees em que se divide o Chemical Abstracts. Quantas destas sees tratam de sistemas que so de natureza coloidal? Quais so os assuntos dessas sees?

    Fontes de informao e literatura Quanto s fontes de informao, h um nmero importante de casos a considerar:

    i) A informao cientfica primria veiculada principalmente pelas revistas cientficas, seja as editadas por sociedades cientficas, seja as editadas por casas comerciais. A maioria das revistas cientficas importantes tem edies em papel e eletrnicas, e j surgiram revistas 3 Estudos da Society for Chemical Industry, na

    Inglaterra, nos anos 70 e 90.

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    cientficas totalmente eletrnicas. H revistas mais exigentes quanto ao conteudo, do que outras. Portanto, o leitor deve sempre examinar criticamente qualquer artigo, principalmente os publicados em revistas menos exigentes. Como regra, o ndice de impacto de uma revista est associado qualidade do material que ela publica, mas h casos importantes de artigos muito errados, publicados em revistas de enorme prestgio, e tambm de artigos muito bons que tiveram grande dificuldade para serem aceitos por alguma revista4. ii) Uma grande quantidade de informao cientfica primria s chega s revistas depois de a propriedade industrial ou intelectual relevante j ter sido assegurada por patentes. Alm disso, h informao primria que s circula na forma de patentes. Na rea de colides e superfcies, em que quase todos os assuntos tm grande interesse prtico, a consulta a patentes to obrigatria quanto a consulta a "papers", e quem no consulta patentes corre o risco de realizar pesquisa "bsica", mas descobrindo coisas que no apenas j so conhecidas, mas tambm j tm dono. iii) H ainda informao primria veiculada na forma de comunicaes a congressos, mas na rea de colides e superfcies o que se apresenta em congressos pertence a uma das seguintes categorias: ou j foi publicado em revista, ou ser publicado em revista, ou parte de material patenteado. iv) Existe informao tecnolgica primria que circula principalmente na forma de

    4 Dois casos bem conhecidos so: i) a publicao de supostas imagens de DNA com resoluo atmica, obtidas por AFM, no incio dos anos 90, em uma revista prestigiosssima; ii) a demora na publicao da descoberta da existncia das clulas imunocompetentes B, que ocorreu em uma revista muito especializada e de circulao restrita, permanecendo desconhecida de muitos autores importantes durante pelo menos dez anos.

    literatura tcnica de fabricantes de produtos. Muitas empresas procuram tambm publicar esta literatura em revistas sujeitas a processo de reviso por pares ("refereeing"), porque este processo submete a informao a uma anlise crtica, impedindo a confuso entre a informao cientfica e tecnolgica e as afirmaes motivadas apenas pelas necessidades comerciais ou estratgicas da empresa. v) A informao secundria se encontra em um grande nmero de fontes: livros, "handbooks", enciclopdias, sries de "advances" ou anurios, resenhas e em bases de dados eletrnicas5. vi) H um nmero enorme de fontes em "sites" de grupos de pesquisa, departamentos, universidades, editoras e empresas, e tambm em portais. possvel fazer "downloads" de livros inteiros, artigos, figuras e o que mais a conexo Internet suportar. Infelizmente, h tambm um problema importante, que a falta de verificao de erros, ou de validao, da maioria do material que se encontra na Internet. Por exemplo: um livro publicado em papel por uma editora sria foi lido e corrigido, pelo menos, por um editor competente. Um artigo publicado em uma revista eletrnica que tenha um corpo editorial responsvel, e pratique o julgamento pelos pares, tambm foi lido e revisado. J o texto que est no site de uma pessoa ou uma instituio na Internet pode no ter tido nenhuma reviso crtica6.

    Exerccios 1- Fornea as referncias completas de cinco

    textos (livros, monografias) de Qumica Coloidal e de Superfcies, de mbito geral, existentes no sistema de bibliotecas da Unicamp.

    5 As principais bases so: Web of Science,

    Chemical Abstracts e Derwent Index. 6 H um ditado: "O papel aceita tudo".

    Infelizmente, a Internet aceita tudo, e mais um pouco - do bom e do ruim.

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    2- Fornea as referncias completas de cinco obras coletivas de mbito amplo (enciclopdias, anurios, sries, colees de resenhas), que contenham material relativo Qumica Coloidal e de

    Superfcies, existentes no sistema de bibliotecas da Unicamp.

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    Tenso superficial e a minimizao de energia superficial Tenso superficial uma importante propriedade fsico-qumica de qualquer substncia em fase condensada, que determina o seu comportamento coloidal. Em particular, a mais importante propriedade fsico-qumica de uma substncia, do ponto de vista da morfognese. A tenso superficial responde pela forma arredondada de superfcies fluidas7, e mesmo pela tendncia da gua a sair de um copo em que esteja contida, na ausncia de gravidade. A contribuio da tenso superficial para a energia livre, entalpia ou entropia de um quilo de gua em um s bloco muito pequena, mas ela se torna muito importante quando o mesmo quilo de gua est na forma de muitas gotas de dimenses nanomtricas. fcil observar a tenso superficial dos lquidos, mas os slidos tambm tm essa propriedade. Como a mobilidade dos tomos ou molculas de superfcies slidas quase sempre muito baixa, os efeitos da tenso superficial s so percebidos em uma escala de tempo muito maior. Mesmo assim, h vrios exemplos disso. Por exemplo, peas feitas de alguns plsticos sofrem lenta deformao, adquirindo formas mais arredondadas. Camadas

    7 A frase Um lquido adquire a forma do

    seu recipiente s verdadeira quando estamos considerando uma massa de lquido grande. No caso geral, e sob a ao de gravidade, a forma de um lquido o resultado da combinao de dois fatores: o seu peso (que tende a provocar o achatamento do liquido, sobre as paredes que o contm) e as tenses superficiais do prprio lquido e das superfcies com que le est em contacto, que provocam o seu arredondamento. Observe gotas de gua sobre vrias superfcies, anote as suas formas e procure interpretar as suas observaes.

    grossas de tinta, em pinturas ou superfcies, mostram a formao de gotas, e fios muito finos de cobre encolhem lentamente. Metais preciosos moles, como o ouro e a prata, que resistem oxidao, podem curar-se espontaneamente de riscos em suas superfcies, que se torna mais lisa reduzindo a rea superficial e portanto a energia livre. A tenso superficial uma consequncia das interaes intermoleculares. As molculas ou ons que se acham na superfcie de um slido ou lquido esto sempre atraindo e sendo atrados pelos seus vizinhos, por foras de disperso e de Van der Waals. Havendo mais vizinhos de um lado do que de outro da superfcie, a atrao resultante em direo ao interior da fase, do que resulta sempre um resultado, que a minimizao da rea da superfcie. Podemos visualizar a tenso superficial como uma fora paralela superfcie, que provoca o seu encurtamento. Por exemplo, visualize um filme de lquido estendido sobre moldura em "U" , fechada por uma barreira mvel. As molculas do filme so atradas para o interior da moldura, resultando uma fora sobre a barreira, que igual a F = l., onde l o comprimento da superfcie em contacto com a barreira, e a tenso superficial.

    l F

    Figura 1: A tenso superficial provoca a contrao de um filme de lquido estendido. Para manter a barreira esttica, necessrio aplicar a ela uma fora, oposta seta.

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    A medida da tendncia da superfcie a encolher, por unidade de comprimento, a tenso superficial. A tenso superficial tambm pode ser definida como a variao de energia livre de um sistema, por unidade de variao de rea de superfcie desse sistema, sob condies P, T, ou seja: = (G/A)P,T.8

    Substncias de tenso superficial elevada so a gua e outros lquidos muito polares, os lquidos inicos e os sais fundidos, os metais. Tenso superficial baixa caracterstica de substncias apolares.

    Como o aquecimento sempre provoca a dilatao de fases em equilbrio, e a dilatao est associada ao aumento da distncia mdia entre molculas, a tenso superficial sempre diminui quando a temperatura aumenta. No limite, que a temperatura crtica, a tenso superficial torna-se igual a zero, e deixa de existir a distino entre lquido e vapor, que se confundem em um s fluido.

    Uma das mais importantes consequncias da tenso superficial a existncia de gradientes de presso, em qualquer interface curva. Isto descrito pela equao de Young e Laplace, segundo a qual a diferena de presso entre as duas fases separadas por uma superfcie com raios de curvatura R1 e R2 :

    p = (1/R1 + 1/R2) que no caso de uma calota esfrica se reduz a p = (2/R), sendo a presso maior do lado em que se acha o centro de curvatura. Esta equao tem vrias consequncias importantes: a presso de vapor de um lquido

    muda, se a sua superfcie for curva (equao de Kelvin);

    taxas de nucleao de vapor so nulas, no interior de um lquido na sua

    8 Esta definio e a anterior concordam

    exatamente, se considerarmos que o trabalho reversvel de contrao do filme dG = F.dx.

    temperatura de equilbrio L-V, as taxas de nucleao de lquido so nulas, no interior de um vapor na sua temperatura de equilbrio L-V, e assim por diante, em fenmenos em que se forma uma nova fase a partir de outra;

    a asceno capilar e a depresso capilar;

    a adeso capilar e a repulso capilar.

    P (atm) > P(l)

    Figura: Adeso capilar causada pela presena de um filme de gua entre duas superfcies hidroflicas. Segundo a equao de Young-Laplace, a presso no interior do lquido menor que a presso atmosfrica.

    Figura: Asceno capilar e depresso capilar. A asceno ocorre em um capilar hidroflico.

    Tenso Interfacial A tenso superficial se refere- rigorosamente, a uma fase slida ou lquida na presena de uma fase gasosa completamente inerte. Na prtica, quase sempre temos interfaces isto , regies que separam duas fases e que tm composio, estrutura e propriedades diferentes de cada uma das fases que separam. Por isso nos referimos sempre a tenses interfaciais, mais do que tenso superficial. Tenses interfaciais podem ser de vrios tipos: slido-slido, slido-gas, lquido-lquido,

    P(l)

    h>0h

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    slido-lquido, lquido-gas (com ou sem vapor), sendo representadas pelos smbolos sl, ll, etc. Tensoativos A grande importncia da tenso superficial obriga ao seu controle, em sistemas biolgicos e tecnolgicos. Isto possvel graas a substncias que tm a propriedade de, em pequenas quantidades, alterarem muito o valor da tenso superficial da gua (que o lquido de maior interesse). So tensoativas as substncias anfiflicas, que tm parte da molcula polar, parte apolar: sabes, muitas protenas, outras substncias naturais como as saponinas, lecitinas e os cidos clicos, um grande nmero de substncias sintticas (alquil(aril)sulfatos, alquil(aril)sulfonatos, alquil(aril)polixidos, sais de alquilamnio, alquilpentoses, hexoses e derivados de outros poliis, vrios copolmeros-bloco. Essas substncias adsorvem na interface gua-ar, onde se orientam de maneira que a sua parte polar fique imersa na fase lquida, e a parte apolar fique compartilhada entre a fase lquida e a fase gasosa. Portanto, elas cobrem a superfcie da gua com um filme apolar, portanto com interaes intermoleculares mais fracas, que

    Figura 1. Orientao de molculas de etanol na interface agua-ar. Molculas de tensoativo se orientam da mesma maneira, ainda mais pronunciadamente.

    respondem pela reduo na tenso superficial do lquido. De fato, isto observado mesmo em solues de gua-lcool, em que as molculas de lcool se acham orientadas como mostra a Figura 1, numa relao de 105: 1 com a orientao oposta.

    Uma consequncia importante da adsoro de tensoativos na superfcie da gua a formao de gradientes de tenso superficial. Como superfcies de baixa tenso tendem sempre a expandir-se sobre superfcies de alta tenso, o resultado de um gradiente um deslocamento mecnico, chamado de efeito Marangoni, como est esquematizado na Figura 2.

    Figura 2. Um pedao de um filme de polietileno repousa na superfcie da gua. Quando se goteja tensoativo de um lado do filme, o tensoativo migra na superfcie e o filme empurrado para a direita.

    A isoterma de Gibbs A distribuio ou partio de molculas de tensoativo entre a superfcie e a soluo descrita pela isoterma de Gibbs, que se aplica a todos os problemas de partio de soluto entre soluo e superfcie. Segundo esta isoterma, a concentrao de solutos na superfcie difere da sua concentrao no interior da fase, e o excesso de concentrao vale: =-(1/RT) (d (lna) /d). Admitindo que a soluo seja ideal e que a espessura da capa de adsoro seja d:

    d/ dc = - RT d (cs-c)/c Portanto, se um soluto aumenta a tenso superficial, ele excludo da superfcie. Se o soluto reduz a tenso superficial, le se acumula na superfcie.

    H2O

    ar C2H5

    guaagua

    gota de tensoativo

    OH

    ar gua

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    Figura 3. A isoterma de Gibbs: tensoativos diminuem a tenso superficial da gua, e se acumulam na superfcie.Compostos inicos se comportam da maneira oposta.

    Temperatura de Tammann e sinterizao

    A tenso superficial dos slidos sempre tende a mudar a sua forma, mas em um slido refratrio isto ocorre com cintica muito lenta, ou nula. A maior ou menor susceptibilidade ao motriz da tenso superficial, no caso de slidos cristalinos, depende essencialmente da temperatura de Tammann. Esta uma temperatura, de ordem de grandeza de 2/3 da temperatura de fuso do slido, acima da qual os tomos ou molculas superficiais so mveis, isto , difundem-se rapidamente em duas dimenses. Um slido policristalino puro s sinteriza acima da temperatura de Tammann. Por exemplo, gelo recm-formado em temperaturas abaixo de 40oC se apresenta na forma de cristais de formas muito complexas, s vezes belssimas e com uma densidade aparente muito baixa; isto a neve. Lentamente, a neve se transforma em blocos macios, por ao da tenso superficial. Entretanto, isto s ocorre acima da temperatura de Tammann do glo. Se a temperatura estiver abaixo deste limite, a neve permanecer na forma de um p fino, solto e abrasivo.

    Tenso superficial esttica e dinmica Quando mencionamos simplesmente a tenso superficial, estamos nos referindo a uma propriedade termodinmica, portanto referente a uma situao (hipottica ou real) de equilbrio. Entretanto, podemos ter mudanas importantes na composio da superfcie de uma fase, o que muda a sua tenso superficial. Estas mudanas tm sempre uma cintica, portanto a tenso superficial tambm pode mudar com o tempo. Usamos a expresso "tenso superficial dinmica" para nos referirmos a medidas obtidas em condies transientes, isto , quando a composio interfacial est sofrendo alteraes de composio. As alteraes so rpidas quando a mobilidade das molculas de tensoativo elevada, e isso decisivo para uma boa detergncia.

    Figura 4: Tenso superficial esttica e dinmica: uma gota formada inicialmente, com formato quase esfrico, deforma-se com o tempo, devido migrao de tensoativo para a superfcie e consequente diminuio da tenso superficial.

    Exerccios 1. Obtenha da literatura as tenses

    superficiais de dez lquidos comuns e de cinco slidos comuns. Justifique os valores encontrados, considerando os tipos de interaes intermoleculares existentes em cada caso.

    2. Slidos no tm apenas uma tenso superficial, mas sim uma tenso

    t1 ~ 0 t2 > t1

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    superficial para cada face possvel. Explique esta observao e procure identificar pelo menos uma sua consequncia.

    3. O sal e o aucar "empedram" em ambiente mido, mas no o fazem sob atmosfera seca. Por que?

    4. Muitas vezes, se necessita medir tenso superficial em condio extrema (presso muito alta ou muito baixa, temperatura muito alta, substncias muito agressivas, superfcie formada h muito pouco tempo, superfcie formada h muito tempo). Liste algumas tcnicas usadas na medida de tenso superficial, e indique em que condies extremas

    elas so teis.

    5. Descreva detalhadamente uma tcnica de medio de tenso superficial, descrevendo o procedimento e os clculos.

    6. Observe gotas de gua sobre vrias superfcies, anote as suas formas e procure interpretar as suas observaes.

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    Micelizao Tensoativos so sempre compostos anfiflicos, formados por molculas que renem dois grupos, com caractersticas de polaridade ou de solubilidade opostas. muito importante o tamanho dos dois grupos, e por esta razo conveniente reconhecer e distinguir a existncia de compostos de baixa e de alta massa molar. Compostos de baixa massa molar Este grupo abrange um grande nmero de substncias, das quais os compostos usados h mais tempo so os sabes. Inclui a maioria dos detergentes, emulsificantes, agentes de molhamento, dispersantes e espumantes em uso prtico. As principais caractersticas estruturais so: natureza do grupo polar (natureza qumica, presena e tipo de carga), natureza do grupo apolar, nmero e dimenso de cada um deles, conformao e flexibilidade das partes polar e apolar. Dispondo de todas estas variveis, possvel construir um grande nmero de estruturas moleculares, que podem apresentar diferentes propriedades de partio, adsoro, micelizao e auto-organizao, em geral, formando um sem-nmero de estruturas supramoleculares cujas propriedades so, por sua vez, muito diversas e interessantes. A maior ou menor tendncia formao de micelas evidenciada pela concentrao crtica micelar, ou cmc, ou seja, a concentrao acima da qual a presena de micelas detectvel, em um sistema. H algumas regras simples que permitem predizer tendncias de variao da cmc de um tensoativo, em gua: ela diminui com o aumento da parte apolar da molcula de tensoativo, aumenta com o aumento da parte polar. No caso de tensoativos inicos, diminui com o aumento da fora inica do meio.

    Valores tpicos de cmc: 10-3M (inicos) 10-5M (inicos)

    , S,

    concentrao

    Figura 1: Evidncias da formao de micelas: variao de tenso superficial, condutncia, presso osmtica, solubilidade de corantes apolares e turbidez, de um tensoativo em funo da concentrao em gua. A seta indica a cmc.

    Compostos de alta massa molar Este grupo abrange muitos biopolmeros, como as protenas globulares e alguns polissacardeos, em que coexistem grupos polares e hidrossolveis, com grupos apolares e lipossolveis. Alm destes, qualquer copolmero, em particular os copolmeros-bloco, apresenta carter anfiflico, na maioria das vezes devido a uma diferena de solubilidade dos blocos.

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    Um caso de copolmeros-bloco importante por causa da diferena de solubilidade dos blocos em gua o do PEO-PPO, copolmeros de xidos de etileno e de propileno. Alm desses, os prprios copolmeros aleatrios deste par de monmeros so tensoativos importantes. A importncia dos compostos anfiflicos macromoleculares est associada a uma fundamental diferena de comportamento entre molculas pequenas e grandes, entre si e em solventes:

    1. Entre as molculas pequenas, solubilidade a regra. Praticamente, qualquer substncia qumica de baixa massa molar miscvel com gua, ou com leos. O nmero de fases lquidas em coexistncia, entre substncias de pequena massa molar, restrito9.

    2. Entre as macromolculas, miscilibilidade a exceo. O nmero de fases lquidas em coexistncia, entre substncias de grande massa molar, ilimitado. Esta pronunciada diferena de miscibilidade entre compostos de massas molares pequenas ou grandes bem compreendida usando-se teorias j clssicas: a teoria de solues regulares de Hildebrand, e a teoria de solues de polmeros, de Flory-Huggins. A causa da pronunciada diferena de comportamento resumidamente a seguinte: As contribuies entlpicas miscibilidade so, em uma maioria dos casos, negativas, isto , contribuem para a imiscibilidade. As grandes excees a esta regra so os efeitos de pontes de hidrognio e de solvatao de cargas inicas. As contribuies entrpicas miscibilidade so sempre positivas. As entropias de mistura so elevadas no caso dos compostos de baixa massa molar, porque se trata de grandes nmeros de partculas, que podem assumir nmeros de configuraes muito grandes. As entropias de mistura so muito menores no caso dos compostos de alta massa molar, porque nestes casos as ligaes covalentes entre os elementos de cadeia reduzem o nmero de configuraes possvel.

    Partio de compostos anfiflicos Em qualquer sistema monofsico ou polifsico, os compostos anfiflicos so distribudos entre as diferentes fases e interfaces, segundo suas caractersticas e possibilidades de interao com as diferentes fases. Estas possibilidades se somam s mltiplas possibilidades de auto-organizao, que so por sua vez afetadas pela temperatura do sistema e pela concentrao do anfiflico, alm de caractersticas do meio como a presena de outras substncias (sais, substncias hidrotrpicas, polmeros, leos), o pH. Um parmetro que depende da estrutura do composto anfiflico e permite uma rpida avaliao da sua tendncia de partio o HLB, o balano hidroflico-lipoflico. Este parmetro calculado assim: HLB = 20 - Mparte apolar/Mpolar. Isto , molculas com uma parte apolar muito pequena tm HLB = 20, e quando a parte apolar muito grande o HLB tende a zero. Detergentes, que adsorvem bem em superfcies de gordura e tm solubilidade elevada em gua tm HLB superior ao HLB de agentes molhantes, que adsorvem em superfcies hidrofbicas, mas no "solubilizam" bem leos.

    Figura 2: Representao esquemtica de detergentes com HLB muito baixo, muito alto e intermedirio. A barra representa a parte apolar e a circunferncia representa a parte polar.

    polar apolar

    9 Aparentemente, no passa de sete.

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    Estruturas supramoleculares de compostos anfiflicos Os muitos elementos supramoleculares e estruturais resultantes da agregao e auto-ordenamento de molculas anfiflicas geram um grande nmero de tipos de sistemas coloidais: 1. monocamadas em interface gua-ar 2. micelas esfricas, cilndricas, lamelares 3. emulses leo/gua, emulses gua/leo 4. micelas invertidas 5. microemulses A/O e O/A 6. monocamadas adsorvidas, hemi-micelas 7. bicamadas lipdicas: lipossomas simples e mltiplos 8. bicamadas de tensoativos (filmes) e esferas ocas 9. espumas 10. gis e plsticos de tensoativos Na presena de partculas slidas de dimenses micromtricas ou submicromtricas, preciso ainda reconhecer que as prprias partculas podem ter tendncia a molhar-se mais por um ou outro de dois lquidos com os quais estejam em contacto, portanto apresentando uma certa partio e ao mesmo tempo apresentando uma importante capacidade de afetar a partio e portanto as estruturas formadas pelos compostos anfiflicos. Vrias estruturas supramoleculares formadas por tensoativos apresentam uma importante anisotropia, que resulta da tendncia das molculas de tensoativo a se orientarem nas interfaces.

    Figura 3 : Algumas emicelares: micelas cilndricas, esfricas, e lamelares. No caso de micelas em soluo aquosa, solutos apolares podem alojar-se no domnio apolar das micelas.

    struturas

    Diagramas de fases Diferentes estruturas micelares podem existir em um mesmo sistema, mas em diferentes condies de concentrao, temperatura e presso. O conhecimento dos diagramas de fase muito importante, para se prever e compreender as propriedades que um sistema apresentar, sob certas condies. Alguns pontos de diagramas de fases so muito caractersticos: Por exemplo, solues aquosas dos tensoativos derivados do poli(xido de etileno), ou etoxilados, contm micelas esfricas em temperatura ambiente, mas formam grandes agregados acima de uma temperatura chamada de ponto de nvoa (cloud point). Um exemplo de diagrama est

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    apresentado na Figura 5: ele mostra quais tipos de agregados micelares existem, nas vrias regies de concentrao e temperatura. Estes diagramas so frequentemente multidimensionais, devido ao grande nmero de variveis apresentadas mesmo em sistemas simples.

    Figura 4 : Micela invertida. Solutos polares se alojam na fase aquosa, solutos apolares ficam na fase hidrofbica.

    leo

    Examinando um diagrama, percebemos em quais regies possvel fazer variaes de concentrao sem mudar o tipo de agregado micelar existente. Entretanto, ao se passar de um domnio do diagrama para outro, quando mudam os tipos de agregados, podem surgir diferenas muito grandes de comportamento. Por exemplo, ao passar de um domnio formado por micelas esfricas para outro formado por micelas cilndricas, a viscosidade aumenta abruptamente. Esta transio pode ser causada, por exemplo, pela adio de sal devido ao efeito da fora inica sobre a estabilidade dos diferentes tipos de micelas. As consequncias prticas deste tipo de fenmeno so muito grandes. As transies de fase de um domnio para outro no so instantneas, portanto temos de considerar sempre a sua cintica. Isto , mesmo adicionando todos os componentes e colocando o sistema na temperatura desejada, ele no vai atingir imediatamente o estado de equilbrio, imediatamente. Isto tambm tem consequncias prticas muito importantes10.

    Reatividade em sistemas micelares e "catlise micelar" Sistemas micelares apresentam possibilidades de compartimentalizao de solutos, que no tm paralelo em quaisquer outros sistemas fluidos. Por outro lado, apresentam regies com potenciais eltricos bastante positivos ou negativos, alm da anisotropia caracterstica das interfaces. Em conseqncia, permitem a aproximao de molculas que, de outra forma, no se aproximariam e portanto no poderiam reagir, de forma que a simples adio de tensoativos a solues de espcies reativas pode desencadear reaes, ou melhor, acelerar intensamente algumas reaes qumicas. Estes fenmenos so hoje adequadamente interpretados usando-se modelos de cintica qumica em sistemas contendo mltiplos stios e, particularmente, considerando os efeitos dos potenciais eltricos gerados pelas micelas sobre as concentraes de reagentes e velocidades de reao.

    10 Existe um vasto folclore sobre este assunto, especialmente na indstria de produtos de limpeza domstica. Um caso tpico

    o seguinte: o responsvel pela produo de um detergente lquido observa que a viscosidade est abaixo da especificao, durante a fabricao de uma batelada embora todos os ingredientes tenham sido colocados nas quantidades corretas e da forma correta. Para corrigir o problema ele adiciona sal, at obter a viscosidade desejada, e rapidamente embala o produto, que encaminhado para a distribuio. Duas semanas depois comeam a chegar reclamaes, porque compradores no conseguem que o lquido saia dos frascos facilmente. Alguns casos como este tiveram conseqncias econmicas graves, para empresas (e seus funcionrios).

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    Auto-ordenamento e fabricao de materiais Existe um nmero muito grande de consequncias interessantssimas da natureza anfiflica de substncias qumicas. A riqueza de comportamentos gerados pelo carter anfiflico est ilustrada em um recente artigo relativo ao comportamento do copolmero poli(fenilquinolina)-bloco-poliestireno11, PPQ-PS. PPQ um polmero que forma cadeias rgidas, e PS flexvel. Sendo as cadeias polimricas, elas so pouco miscveis, e a sua miscibilidade em solventes muito seletiva (ao contrrio do que ocorre com compostos de baixa massa molar). Alm disso, o tamanho dos blocos pode ser controlado, tendo sido obtidos neste trabalho o PPQ10PS300, o PPQ10PS1000 e o PPQ50PS200012. Quando o polmero dissolvido em um bom solvente para o PS, como o dissulfeto de carbono, ele se organiza em soluo fomando micelas em que o PS fica do lado de fora, e o PPQ fica do lado de dentro. Quando a soluo seca, formam-se filmes estruturados com furos de dimenses regulares (ca. 2 microns de dimetro) e regularmente espaados. Este resultado reflete: i) a auto-organizao do polmero anfiflico em presena de solvente e tambm na sua ausncia; ii) a formao de estruturas potencialmente teis, decorrente da auto-organizao do polmero13.

    Exerccios 1. Usando a equao de Boltzmann, da Termodinmica Estatstica, calcule qual a probabilidade de uma molcula de lcool etlico, na interface do lcool puro com o ar, estar orientada com o grupo metila ou com o grupo hidroxila voltados para o ar. 2. Quais so as dimenses tpicas dos diferentes tipos de micelas existentes? Como estas dimenses so obtidas, experimentalmente? 3. Uma importante propriedade de micelas a solubilizao de substncias apolares. Como se pode evidenciar se uma substncia apolar est solubilizada no interior de uma micela, ou na sua superfcie? 4. A formao de micelas dirigida entropica ou entalpicamente? Na sua resposta, considere um caso especfico da literatura (Portanto, voc dever encontrar algum artigo ou texto, na literatura, que trate deste assunto, para poder responder a esta questo). 5. H substncias que estabilizam a conformao e funcionalidade de protenas globulares, como o glicerol e a glicose. Outras so desnaturantes, como o etanol e a uria. Uma substncia que estabiliza protenas globulares , na maioria das vezes, capaz de reduzir a cmc de tensoativos, enquanto as desnaturantes aumentam a cmc, ou inibem a formao de micelas. Porque existe este paralelismo entre formao de micelas e desnaturao (ou no) de protenas? (Substncias que facilitam a solubilizao de compostos anfiflicos em gua so tambm chamadas de hidrotrpicas) 6. Solues de micelas esfricas tm reologia muito mais simples e viscosidade mais baixa do que solues de micelas lamelares ou cilndricas. Use seus conhecimentos de reologia, para explicar estes comportamentos. Alternativamente, use algum modelo experimental macroscpico, como por exemplo uma suspenso de pequenas esferas, comparada com uma suspenso de agulhas ou palitinhos.

    11S.A.Jenekhe e X.L.Chen, Science 283(1999)372. 12 A Profa. Maria do Carmo Gonalves e seu grupo tm resultados muito interessantes a

    respeito de sistemas de copolmeros-bloco auto-organizados, em que so formadas diferentes estruturas, dependendo das concentraes relativas dos constituintes do sistema e dos tamanhos de cadeias dos blocos.

    13 Este mesmo resultado tambm aponta, com toda a clareza, para as possibilidade de se alterar densidades locais e volumes livres de diferentes tipos de meios, atravs da micelizao. Esta questo tem sido pouco abordada na literatura.

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    Emulses, microemulses e espumas Emulses e espumas formam dois tipos de sistemas de enorme importncia prtica, nas reas de alimentos, produtos de limpeza, sntese qumica e de materiais. Nos dois casos temos estruturas com elevada rea interfacial que do aos sistemas em que se encontram uma grande instabilidade termodinmica. Apesar disso, sua estabilidade cintica ou coloidal aprecivel, o que se atribui hoje com muita clareza viscoelasticidade das camadas interfaciais existentes respectivamente nas interfaces gua-leo e gua-ar.

    A estabilidade de algumas emulses pode ser muito grande, superando as previses da teoria mais usada para interpretar a estabilidade coloidal, a teoria DLVO. Esta grande estabilidade atribuda s propriedades reolgicas, isto , viscosidade e elasticidade do filme superficial. Portanto, podemos ver duas gotas de leo em contacto dentro da gua sem que as gotas se unam ou coalesam. Isto demonstra que h um filme ou membrana superficial que retarda a coalescncia das gotas.

    Por outro lado, a natureza da emulso formada em um sistema (ou seja, se uma emulso de gua em leo ou de leo em gua) pode freqentemente ser bem compreendida considerando a teoria da cunha. Segundo esta teoria, as molculas do tensoativo que estabiliza uma emulso vista como uma cunha, com uma extremidade mais larga que a outra. Adsorvida em uma interface, se o seu lado mais volumoso for hidroflico, a cunha ir estabilizar emulses leo em gua, e vice-versa. Este argumento ilustra a importncia dos argumentos geomtricos no entendimento das estruturas supramoleculares formadas por compostos anfiflicos.

    Figura 1 :Em uma emulso, gotculas de um lquido so dispersas em outro. O dispersante um tensoativo, um polmero ou um p.

    Figura 2. Um tensoativo com a parte hidrofbica volumosa e a parte hidroflica pequena tende a estabilizar emulses invertidas, de gua em leo. A curvatura adquirida pela superfcie maximiza o nmero de molculas adsorvidas.

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    Quando a tenso interfacial obtida muito pequena, as partculas dispersas tambm se tornam muito pequenas e temos as microemulses, Sua formao e estabilidade so compreendidas considerando a formao de interfaces com tenso muito baixa14, a ponto de se conseguir a estabilidade termodinmica do sistema bifsico. A formao de muitas partculas pequenas (ao invs de menos partculas, grandes) causa um grande aumento na entropia e portanto uma reduo na energia livre. Este aumento de entropia mais do que suficiente para compensar o aumento (menor) da energia livre causado pelo aumento de rea, desde que a tenso interfacial seja muito pequena.

    Quando a tenso interfacial bastante pequena pode ainda ocorrer a formao de uma estrutura bicontnua, em que leo e gua percolam atravs de todo o volume do sistema. Neste caso, o sistema apresenta um grande aumento da sua viscosidade, e tambm pode passar a apresentar uma grande elasticidade devido formao de uma rede tridimensional, formando um dos tipos conhecidos de gis.

    As espumas so formadas pela disperso de bolhas de ar em um lquido. Na presena de

    tensoativo, a interface ar-lquido viscosa e elstica, resistindo ruptura. Alm disso, a tenso interfacial menor que a do lquido puro, portanto o incremento de energia livre do

    Figura 2 : Em microemulses, gotculas muito pequenas de uma fase so dispersas na outra, por uma mistura de tensoativos. Frequentemente, um tensoativo aninico e o outro (co-surfactante) neutro, de maneira que a concentrao de tensoativos na superfcie elevada, e a tenso interfacial muito pequena, sem que a densidade de carga o seja. Uma microemulso pode ser transparente, como uma soluo

    Figura 3. Formao de espumas pela asceno de bolhas de ar com interfaces ar-gua elsticas, seguida de drenagem da gua e formao de bolhas polidricas.

    14 A tenso interfacial muito pequena obtida usando-se misturas de tensoativos. Como regra,

    um tensoativo aninico e outro, no-inico. As microemulses foram descobertas acidentalmente, ao se preparar emulses de cera de carnauba. Como outras ceras, esta rica em lcoois graxos de cadeia longa, que atuam como co-surfactante.

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    sistema com a formao de bolhas em uma soluo de tensoativo menor do que na gua pura. Quando o filme que separa as bolhas espesso, temos uma espuma que escoa e pouco elstica. Com o envelhecimento da espuma, o lquido escoa, a espuma se torna mais seca, menos fluida e mais elstica. Uma espuma seca pode ter grande durabilidade, devido baixa taxa de evaporao da gua residual e taxa de drenagem muito pequena. Esta propriedade benfica em alguns casos, como a espuma da cerveja e alguns alimentos, mas prejudicial em outros, como no caso das espumas formadas em rios e lagos poludos com esgotos urbanos.

    Inverso de emulses Emulses e espumas podem ser fortemente perturbadas ou mesmo destrudas pela adio de algumas substncias, ou por ao mecnica. O creme de leite (emulso O/A) se transforma em manteiga (emulso A/O) ao ser "batido". O leite adquire uma maior estabilidade coloidal ao ser passado por bicos sob alta presso, quando fortemente cisalhado e as gotas de gordura so fragmentadas, sendo a sua estrutura (e tambm a da casena) modificada. Isto usado na fabricao dos leites de longa vida. A presena de ctions de carga superior a 1 extremamente importante na inverso de emulses: as emulses estabilizadas por sabes alcalinos tendem a ser O/A, enquanto as estabilizadas por sabes de zinco ou clcio tendem a ser A/O: em um sabo de zinco, a volume da parte hidrofbica o dobro do existente em um sabo de sdio do mesmo cido graxo.

    Quebra de emulses e espumas H muitas situaes em que necessitamos formar espumas ou emulses mas, depois de usadas, elas devem ser destrudas. Em outras situaes, h formao indesejvel, de emulso ou espuma. Por estas razes, h necessidade de substncias que possam quebr-las. lcoois graxos de cadeia curta e leos de silicona so frequentemente usados como anti-espumantes, e o seu mecanismo de atuao o seguinte: les tendem a adsorver na interface guaar e portanto competem com os tensoativos, mas sem dar s superfcies as caractersticas de elasticidade que contribuem para a estabilidade da espuma. Por outro lado, ps contribuem para a estabilidade de emulses e espumas, pois suas partculas alojam-se nas interfaces, reduzindo sua fluidez.

    Emulsificao e detergncia Figura 3: Um mecanismo de detergncia a emulsificao da gordura por tensoativos. S funciona bem se a gordura estiver em estado lquido.

    Detergncia a aplicao mais importante de tensoativos, e ser tratada em separado. Entretanto, desde j importante notar que um dos principais mecanismos de detergncia a emulsificao de gorduras, que constituem uma parte importante das sujeiras de roupas, utenslios de cozinha e de mesa, pisos, equipamentos sanitrios e outras superfcies. A emulsificao fcil e eficiente se as gorduras estiverem em estado lquido, por esta razo as operaes de lavagem de roupa e pratos so mais eficientes se forem feitas a quente. Infelizmente, isto consome energia, o que cria uma presso a favor do desenvolvimento de

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    sistemas de detergncia eficientes, a frio.

    Espumas no tratamento de minrios e de efluentes Espumas contm uma rea superficial muito grande, na qual se acumulam substncias pouco polares. Como as espumas so facilmente separadas de lquidos, elas so usadas no tratamento de alguns tipos de efluentes, removendo contaminantes como, por exemplo, corantes de indstria txtil.

    Outra aplicao importante na flotao de espuma, largamente usada na separao de minerais. Por exemplo, apatita pode ser separada de calcrio, com o qual se encontra em uma jazida mineral, atravs da flotao. O minrio modo e, ao se insuflar bolas em uma disperso de partculas em gua, as partculas que aderem bem s bolhas flotam, enquanto as que se mantm rodeadas pelo lquido ficam decantadas.

    Exerccios 1- A estabilidade de espumas e emulses depende de fatores reolgicos e de fatores estruturais. Identifique fatores de ambos tipos, discutindo quais contribuem para a maior estabilidade de espumas ou emulses. 2- Discuta: qual a diferena, de pontos de vista estrutural e termodinmico, entre: a) uma soluo de micelas esfricas intumescidas com hexano, em relao de volumes 1:1; b) uma microemulso? 3- Os procedimentos de "limpeza a seco" eram tradicionalmente feitos com solventes, mas hoje podem ser realizados com microemulses de gua em solvente. Qual a vantagem de usar uma microemulso, ao invs de usar apenas o solvente? 4- Uma bolha de sabo termodinamicamente instvel, mas ela pode sobreviver por um tempo longo. Sua elasticidade muito grande. Procure identificar um fator desta elasticidade, atravs de um modelo microscpico da superfcie do lquido, aproveitando o conceito do efeito Marangoni.

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    Colides lioflicos e liofbicos, hidroflicos e hidrofbicos Uma distino clssica separa as partculas encontradas dispersas em um meio lquido, nos sistemas coloidais. Elas so classificadas em lioflicas e liofbicas ou, no caso de o solvente ser a gua, em hidroflicas e hidrofbicas.

    Colides lioflicos so aqueles em que as partculas tm afinidade pelo solvente. De fato, os colides lioflicos so solues de macromolculas ou solues de substncias que se autoagregam ou micelizam no solvente em questo. Os colides liofbicos so disperses de partculas insolveis, em um meio no qual essas partculas permaneam dispersas por algum tempo significativo, dentro da nossa escala de observao15. Uma comparao entre as propriedades de colides lioflicos e liofbicos est na tabela 1.

    No caso de solues, em que h uma s fase,

    Gm

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    Muitos sistemas coloidais devem mostrar, em diferentes momentos da sua vida, tendncias opostas: em alguns momentos, devem ser muito estveis; em outros, desejvel que as partculas se agreguem muito rapidamente. O controle da agregao das partculas ocupa muitos profissionais, em diferentes locais de atividade.

    As tenses interfaciais relevantes nos vrios sistemas coloidais tm as seguintes caractersticas:

    Sis: S/L, SL >0; Emulses: L/L, LL >0; Microemulses: L/L, LL ~0 Microemulses podem ser termodinmicamente estveis, porque a disperso de uma fase na outra aumenta a entropia do sistema, de maneira a compensar o efeito da pequena tenso superficial sobre a energia livre. O mesmo argumento explica a formao de sis de nanopartculas ou de gis bifsicos.

    Uma importante interface entre a Fsico-Qumica de Colides e Superfcies e a Fsico-Qumica de Macromolculas formada pelas solues macromoleculares. Este assunto teve um surto de desenvolvimento com o surgimento da teoria de Flory-Huggins, seguida por teorias de Prigogine e DeGennes17. Hoje, o estudo de solues de macromolculas uma disciplina independente, no sendo uma parte usual de cursos de colides e polmeros, mas impossvel entender o estado da arte de temas como a estabilidade coloidal, adsoro, coalescncia de partculas e dinmica de superfcies, sem se ter alguma familiaridade com as teorias, modelos e tcnicas experimentais de solues macromoleculares.

    Exerccios 1. Usando argumentos termodinmicos ou estatsticos, procure estabelecer uma relao

    entre dimetro de partculas em uma disperso estvel e a respectiva tenso interfacial slido-lquido, no meio em que se acham as partculas. (Sugesto: pense em microemulses, ou nanopartculas)

    2. mais fcil ou mais difcil manter uma disperso coloidal cineticamente estvel (isto , sem que as partculas se agreguem): em microgravidade (ou quase-ausncia de gravidade), ou sob a gravidade da Terra?

    3. Considere um colide lioflico (por exemplo, uma soluo de uma protena como a albumina de soro de boi), mantido a 25oC (excelente termostato!) na superfcie de Jpiter. O colide ir permanecer estvel?

    4. Os livros de Fsico-Qumica frequentemente demonstram que a presena ou no de gravidade irrelevante, para a Termodinmica das reaes qumicas. Entretanto, a gravidade tem um papel fundamental em sistemas coloidais. Por que a gravidade no importa, em um caso, e tem grande importncia em outro?

    17 Desses quatro autores, trs so ganhadores de Prmios Nobel de Qumica ou Fsica.

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    Obteno de colides A obteno de colides feita no laboratrio e na indstria, usando vrias tcnicas especficas ao lado de muitas tcnicas usuais em qumica sinttica. As principais tcnicas usadas para se produzir uma substncia na forma coloidal esto descritas a seguir:

    1- Fragmentao ou cominuio, que pode ser feita por algum dos vrios tipos de moagem, ou ainda por cavitao, causada por ultra-som ou cisalhamento.

    2- Os vrios mtodos sintticos, que utilizam reaes capazes de produzir estruturas macromoleculares, supramoleculares ou cristalinas. Por exemplo, i) as reaes de hidrlise na formao de hidrxidos e xidos coloidais, ii) a polimerizao por adio na formao de ltexes, iii) a precipitao de iodeto de prata, iv) a acidlise de tiossulfato formando o enxofre coloidal.

    3- Agregao ou formao de estruturas supramoleculares no-coordenativas, utilizando tensoativos, polmeros, corantes e formando micelas, cristais lquidos, agregados moleculares no-covalentes18 e outros lquidos complexos.

    4- Sntese em ambientes restritos ou em meios complexos, formados por mesofases ou microemulses, utilizada na fabricao de slidos mesoporosos e de nanopartculas. Dois exemplos de aplicao da formao de colides em meios restritos so relativos prata coloidal: os filmes fotogrficos e os vidros fotocrmicos. Outro exemplo importante a fabricao de zelitos em sistemas lquido-cristalinos lamelares.

    5- Aerosis so produzidos por compresso rpida de um vapor, ou por evaporao seguida de rpida condensao, ou por efeito de radiao19.

    Sistemas monodispersos e polidispersos Os produtos obtidos podem ter uma distribuio de tamanhos e formas mais ou menos uniforme. De fato, algumas aplicaes (por exemplo, fabricao de ps cermicos) exigem distribuies de tamanhos complexas e bem determinadas. Outras (sistemas modelos de laboratrio, partculas sequestradoras de solutos) requerem partculas de tamanhos uniformes, portanto populaes monodispersas.

    Como os mecanismos de formao de partculas so muito diferentes, nas diferentes tcnicas, no h solues simples e gerais para todos os casos. Entretanto, h alguns padres bastante gerais. Por exemplo, a sntese de partculas na presena de "sementes" foi introduzida na fabricao de enxofre monodisperso a partir de tiossulfato de sdio, em um trabalho clssico20, e hoje utilizada na sntese de vrios produtos coloidais, principalmente

    18 A formao de estruturas supramoleculares no-covalentes, estabilizadas por interaes dos tipos

    pontes de hidrognio, eletrosttico, "hidrofbico" e de van der Waals um fenmeno extremamente comum e importante, responsvel pela existncia de arranjos notveis como os responsveis pelas estruturas terciria e quaternria de protenas, polissacardeos e cidos nuclicos, pelos complexos enzima-inibidor, agonista-receptor, e antgeno-anticorpo, bem como as interessantes estruturas de molculas empilhadas ("stacking") que so formadas por substncias como a cafena e bases purnicas e pirimidnicas, pelos corantes tiaznicos e muitas outras molculas que contenham grandes sistemas cclicos conjugados.

    19 Como nas chamadas "cmaras de Wilson", usadas para detectar radiao. 20 Trabalho de Victor La Mer, fundador do Journal of Colloid and Interface Science e um dos

    principais qumicos coloidais da metade do sculo 20. Hoje, o prmio La Mer talvez o mais importante prmio da ACS, na rea de Colides e Superfcies.

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    ltexes. A idia bsica do uso de sementes a seguinte: quando partculas so formadas em um lquido supersaturado no soluto que queremos precipitar, formam-se ncleos, e estes crescem. Os ncleos s se formam se o grau de supersaturao superar o mnimo necessrio para que haja nucleao. Portanto, a sntese feita em duas etapas: na primeira so formadas as sementes; na segunda, forma-se mais produto, mas em concentrao inferior de nucleao, portanto o novo produto s se deposita sobre partculas pr-existentes. No ocorrendo a contnua formao de novas partculas e sim o crescimento das pr-existentes, no mesmo meio, resultam partculas de tamanho uniforme21.

    Pureza de colides A questo da pureza de um colide, tal como a de um polmero, uma questo mais complexa do que a da pureza de uma substncia micromolecular, como a glicose ou o tolueno. Alm da prpria composio qumica, preciso atentar estrutura e hbito cristalinos, bem como s seguintes caractersticas:

    1- Grande rea interfacial, em que pode haver adsoro, criando uma grande facilidade de contaminao.

    2- Possibilidade de variao na composio qumica, entre a superfcie e o interior das partculas.

    3- Grande reatividade da superfcie, devido sua exposio aos reagentes de um meio lquido.

    4- Variabilidade qumica entre as partculas de uma mesma preparao, e entre partculas de diferentes preparaes.

    5- Variabilidade no estado de agregao das partculas.

    Para enfrentar este problema, extremamente necessrio atentar a vrias questes que so frequentemente negligenciadas, como por exemplo a adequao dos materiais usados na sntese e na armazenagem dos produtos. Por exemplo: quase impossvel obter produtos isentos de ons sdio, se usamos frascos de vidros de borossilicato. Por outro lado, o uso universal de siliconas em laboratrio leva contaminao de praticamente qualquer colide com silicona, se no forem tomadas precaues especiais.

    Tcnicas de purificao No h tcnicas de purificao de colides de aplicao to ampla quanto a destilao, para substncias volteis, ou a cristalizao fracionada, para slidos cristalinos. Existe um nmero importante de tcnicas de aplicao mais especfica, que s pode ser feita adequadamente se conhecermos propriedades do sistema em questo: dilise, eletrodilise, ultra-filtrao, adsoro seletiva, lavagem por centrifugao.

    Estas tcnicas no podem ser aplicadas de forma automtica ou mecnica: os seus resultados devem ser observados atentamente e interpretados, porque podem evidenciar caractersticas importantes da amostra em estudo.

    Principalmente, preciso ter bem claro que, em sistemas coloidais, pequenas alteraes podem ter efeitos drsticos sobre as suas propriedades e comportamento. Para exemplificar os vrios pontos que merecem a nossa ateno, podemos considerar a

    21 Esta a base da "precipitao homognea", usada tambm em qumica analitica.

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    dilise e a ultrafiltrao, que tm caractersticas semelhantes. Nos dois casos, a purificao o resultado da remoo seletiva de espcies micromoleculares solveis, ao mesmo tempo em que ocorre a reteno de material particulado ou macromolecular. O tamanho das molculas ou partculas retidas dado pelo "corte" da membrana utilizada, que por sua vez depende do tamanho dos seus poros, que por sua vez podem ser deformados pelo meio ou pelo escoamento de lquidos, macromolculas e partculas.

    Na dilise, a remoo de soluto que permeia a membrana ocorre apenas por difuso, enquanto na ultrafiltrao ela ocorre por fluxo convectivo, forado. Portanto, a ultrafiltrao mais rpida que a dilise, mas tambm exige maior ateno do operador. Uma questo que sempre cabe a seguinte: a dilise ou a ultrafiltrao permitem uma completa remoo dos solutos micromoleculares? Em alguns casos a resposta negativa:

    1) quando um soluto adsorve muito fortemente nas partculas, ou quando a sua cintica de dessoro muito lenta (note que uma condio frequentemente implica na outra);

    2) quando o soluto inico e as partculas so carregadas, o que deixa o sistema sujeito s consequncias do efeito Donnan22. Na prtica, isso significa que no ocorre a completa remoo do soluto;

    Alm disso, h situaes nas quais a dilise causa a remoo de estabilizadores das partculas, sejam estes tensoativos ou simplesmente ons. O resultado a obteno de um colide purificado, mas tambm coagulado - ou seja, em muitos casos, inutilizado.

    Exerccios 1. Podendo escolher, o que voc preferiria fazer: preparar um colide por moagem, ou por sntese? Quais so as possveis vantagens e desvantagens de cada mtodo? 2. Voc espera que os sis de enxofre obtidos por moagem coloidal ou por acidlise de tiosulfato de sdio sejam idnticos? Em quais aspectos eles devem ser diferentes? 3. Descreva os principais mtodos de preparao de slica coloidal.

    4. A atual preocupao com os efeitos da radiao ultravioleta sobre a saude humana leva a um esforo de produo de novos "filtro solares" muitos dos quais so baseados em xido de titnio. Quais so as principais caractersticas de um bom xido de titnio para ser usado como filtro solar?

    5. Consulte a pgina http://www.synthashield.net/products.html. Ela contm informao geral sobre colides, e tambm exemplos de uma aplicao pouco usual, em lubrificao.

    22 O efeito Donnan ocorre sempre que solues de eletrlitos esto separadas por uma membrana

    semi-permevel. Por exemplo, se uma membrana separa duas solues, uma de uma protena dissolvida em KCl, de uma soluo s de KCl, no equilbrio vale a relao: aKCl (1) = aKCl (2), ou [K]1[Cl]1 = [K]2[Cl]2. O resultado disto o aparecimento de grandes diferenas de presso osmtica, entre as solues que esto em contacto atravs da membrana. Por exemplo, colocando 200 mM de KCl e 300 mM de Kprotena em 2 x 1 litro de gua em contacto atravs de uma membrana, no equilbrio a soluo que contm a protena conter tambm 357 mM de K e 57 mM de Cl, enquanto que a outra soluo conter 143 mM de KCl. A diferena de presso osmtica entre as duas solues atinge 11 bar. Esse assunto tratado, por exemplo, no livro de D.J.Shaw. Veja a pgina de D.Mikulecky: http://views.vcu.edu/~mikuleck/courses/gdeq/tsld014.htm

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    Propriedades cinticas Os diferentes tipos de sistemas coloidais apresentam uma grande variedade de comportamentos cinticos e fenmenos de transporte ou transferncia de massas: difuso, sedimentao, conveco, eletroforese, e outros. A transferncia de massas est associada a movimentos executados pelas partculas individuais, de translao, de rotao e de oscilao, ou vibrao.

    preciso considerar, antes de tudo, a existncia de pelo menos trs diferentes locais onde ocorrem movimentos, em qualquer sistema coloidal: a fase dispersa (as partculas ou bolhas), a fase contnua e a interface.

    Os movimentos das partculas da fase dispersa dentro da fase contnua so os mais importantes, e so o objeto deste captulo.

    Difuso De acordo com a teoria cintica da matria, as partculas coloidais movimentam-se aleatoriamente ou brownianamente. Graas a este movimento browniano, elas mostram autodifuso, em um fluido em que sua concentrao seja uniforme. Por outro lado, elas tambm sofrem difuso, em um sistema em que haja gradientes de concentrao. A difuso uma conseqncia das colises de molculas entre si, de molculas com partculas e tambm entre as prprias partculas. As principais leis e idias que devemos considerar so:

    1. as leis de Fick, de aplicabilidade muito geral;

    2. as caractersticas do movimento de cadeias polimricas, e as consequncias do seu entrelaamento, que foram estudadas por Rouse, Edwards e Doi, e DeGennes;

    3. a importncia da viscosidade, e a noo de microviscosidade;

    4. a noo de acoplamento de fluxos, e a sua formulao atravs da termodinmica de no-equilbrio, na aproximao linear.

    As leis de Fick As leis de Fick so duas e seu enunciado representado pelas duas equaes seguintes:

    xcDJ

    = e 22

    xcD

    tc

    =

    onde J o fluxo, ou densidade de corrente de massa, tendo dimenses de kg/m2s, sendo x a coordenada espacial normal superfcie atravessada pelas molculas ou partculas que difundem. Nestas equaes o coeficiente de difuso D adquire uma importncia central: um coeficiente de difuso elevado significa que as partculas se movem rapidamente.

    A primeira lei de Fick afirma que a densidade de corrente de soluto i segundo o eixo x aumenta com o valor do gradiente de concentrao de i, e tem sentido oposto ao do gradiente. A segunda lei mostra que a concentrao de i mantm-se inalterada com o tempo, em uma

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    regio em que o gradiente de concentrao de i seja linear ou nulo, e aumenta em uma regio em que o gradiente do gradiente seja positivo.especial. Duas outras relaes so extremamente teis, na interpretao da difuso em sistemas coloidais: trata-se de uma equao devida a Stokes, e outra devida a Einstein:

    A lei de Stokes relaciona o coeficiente de difuso com o raio da partcula, ou molcula (compacta, como uma protena globular), ou on que difunde em um meio lquido:

    D = kT/f , onde f o coeficiente de atrito;

    no caso de partculas esfricas, f = 6a , sendo a viscosidade do meio, e a o raio das partculas. Portanto, partculas pequenas tm coeficiente de difuso maior que partculas grandes.

    Nos casos de solues de polmeros, o coeficiente de difuso depende do grau de polimerizao segundo equaes do tipo D ~ N- n, onde o valor de n depende da natureza da soluo (soluo teta, n = 0,5; bom solvente, n = 0,6, etc.).

    A relao de Einstein, que uma expresso associada ao estudo da marcha ao acaso (random-walk) em uma dimenso, descreve a distncia mdia percorrida pelas partculas cujo coeficiente de difuso D, a partir de um ponto inicial, depois de transcorrido o tempo t:

    = (2Dt)1/2

    Coeficientes de difuso variam de 10-5 cm2seg-1 (no caso de molculas pequenas a temperatura ambiente em lquidos pouco viscosos) a 10-10, no caso de molculas e partculas grandes. Portanto, a difuso um fenmeno que permite a miscibilizao de substncias, mas s em uma escala de tempo muito lenta. Em grandes ( = 1 litro) volumes, a difuso, por si s, no garante a formao de misturas homogneas. Nestes casos a conveco e a agitao so muito mais efetivas.

    Acoplamento de fluxos A Termodinmica de no-equilibrio, na sua aproximao linear23, estuda os fenmenos de acoplamento de fluxos, ou de correntes. Os fenmenos desse tipo melhor conhecidos so os efeitos termoeltricos (Peltier, Seebeck), em que uma fora eltrica ou trmica provoca corrente trmica ou eltrica. H tambm efeitos de acoplamento de foras e fluxos de massa, por exemplo:

    fluxo de massa associado a um fluxo de calor, ou difuso trmica; fluxo de uma espcie i associado ao fluxo de uma espcie j; corrente eltrica associada a correntes (de massa) de ons. Movimento de cadeias e entrelaamento Cadeias polimricas movem-se, seja no estado slido e acima de Tg, seja em soluo. O movimento no estado slido bastante complexo, sendo frequentemente descrito como um movimento de reptao, isto , o movimento de um rptil atravs de elementos de volume livre existentes no slido.

    Em fase lquida, podemos identificar dois regimes, caracterizados por regies de concentrao diferentes: o regime diludo e o semi-diludo. No regime diludo, as

    23 Lars Onsager recebeu um Prmio Nobel, pela sua contribuio a este assunto.

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    concentraes de soluto so inferiores a uma concentrao crtica, acima da qual as cadeias se entrelaam. Acima desta concentrao, os efeitos de entrelaamento provocam uma grande reduo na mobilidade das cadeias, resultando uma reduo importante na sua velocidade de difuso, bem como um aumento substancial na viscosidade do meio.

    Quando a concentrao se torna to elevada que todas as cadeias esto entrelaadas em qualquer momento, de tal forma que elas formam uma rede tridimensional atravs do lquido e esta impede o escoamento do lquido, temos um gel.

    Viscosidade e microviscosidade A difuso se torna mais lenta, em um meio mais viscoso. Entretanto, a difuso de um on ou molcula pequenos pode ser to rpida em gua, quanto em uma soluo de um polmero (muito viscosa) ou mesmo em um gel.

    Aqui necessrio distinguir duas situaes, que so exemplificadas por: i) soluo de sacarose em gua; ii) soluo de agarose em gua. Podemos ter uma soluo de cada tipo, com viscosidade de (por exemplo), 10 cP; neste caso, a concentrao de sacarose em gua ser muito maior (em gramas por litro, ou em frao de massa) que a concentrao de agarose. A difuso de uma outra molcula pequena ser mais lenta em gua-sacarose, do que em gua-agarose, porque:

    1. No primeiro caso, as molculas pequenas devem mover-se entre molculas de gua e de sacarose (que formam barreiras), sendo que as molculas de gua e sacarose esto fortemente associadas por pontes de hidrognio;

    2. No segundo caso, as molculas pequenas movem-se, quase todo o tempo, como se estivessem em gua - s em alguns momentos estaro encontrando as barreiras formadas pelas molculas de agarose.

    No-linearidade O gradiente de concentrao ou o gradiente de potencial qumico a fora motriz da difuso. Na aproximao linear, segundo a lei de Fick, a corrente proporcional fora. Quando o gradiente de concentrao muito grande, surgem efeitos de no-linearidade. Isto , sob gradientes de concentrao elevados a transferncia de massa no segue a lei de Fick, e surgem outros fenmenos.

    Um caso interessante o da formao de "dedos" (fingering): quando se forma uma interface entre dois lquidos, alm da difuso existe a interdigitao dos dois lquidos, formando uma interface curva, sinuosa e s vezes bastante complexa. Este fenmeno convenientemente observado nas clulas de Hele-Shaw e em outros dispositivos experimentais.

    Note-se que a formao de uma interface sinuosa est em aparente contradio com a idia da minimizao da energia livre atravs da minimizao da rea interfacial. Entretanto, um exemplo simples e claro da possibilidade de formao de estruturas 24 em um sistema fora do equilbrio, no processo de sua aproximao ao estado de equilbrio.

    24 Ilya Prigogine recebeu um Prmio Nobel pelas suas contribuies a este tema. Alm da sua

    contribuio em um grande nmero de artigos cientficos e livros, autor de vrios textos de divulgao, e de reflexo cientfico-filosfica.

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    Determinao experimental de coeficientes de difuso. Espalhamento de luz dinmico. Muitos mtodos foram usados para a determinao de coeficientes de difuso, desde o incio deste sculo. Com a introduo das tcnicas baseadas no espalhamento de luz dinmico, as outras tcnicas perderam importncia, principalmente no caso de sistemas coloidais. Todo o conhecimento experimental sobre as propriedades cinticas de colides (no apenas sis, mas tambm gis, espumas, emulses) sofreu um enorme impacto das tcnicas de espalhamento de luz dinmico, tais como a "espectrometria de correlao de ftons" e a "espectroscopia de ondas dinmica". Nestas tcnicas, mede-se a srie temporal de intensidade espalhada por uma disperso, com a qual se calcula uma funo de auto-correlao. No primeiro caso, a funo obtida a de correlao de posio das partculas. Podemos visualizar o fenmeno, lembrando das flutuaes do brilho de poeira sob um facho de luz. As flutuaes so devidas movimentao das partculas, portanto as flutuaes da intensidade luminosa contm informao relativa velocidade de movimentao das partculas. A funo de auto-correlao por sua vez usada para calcular o coeficiente de difuso e, finalmente, o dimetro mdio das partculas (ou mesmo um histograma de distribuio de dimetros de partculas). Sem dvida, esta tcnica hoje a mais adequada determinao de coeficientes de difuso e consequentemente do tamanho de partculas dispersas ou dissolvidas em um lquido, sendo portanto utilizada na determinao de dimenses de partculas na faixa de dezenas de nanometros a mcrons.

    Figura 1 :Intensidade de luz espalhada em funo do tempo. Partculas pequenas se movem rpido, e a intensidade de luz flutua mais rapidamente que no caso de partculas grandes. A funo de auto-correlao serve no apenas para fornecer tamanhos de partculas, mas tambm para mostrar a ocorrncia de associao e entrelaamento entre elas. As equaes relevantes so as seguintes:

    Movimento rpido

    Movimento lento It

    tempo

    1) definio da funo de autocorrelao de posio:

    ( ) ( ) ( ) += tiqrtiqr eeG 2) relao entre a funo de autocorrelao e o coeficiente de difuso:

    G () = exp (-Dq2t) Difuso Rotacional Alm de transladar, partculas tambm giram, portanto h uma difuso rotacional. Esta pode ser medida usando vrias tcnicas: viscosidade no-Newtoniana, birrefringncia de fluxo, NMR, relaxao dieltrica, despolarizao de fluorescncia, birrefringncia eltrica.

    Sedimentao Uma grande parte da ateno recebida por sistemas coloidais deriva exatamente do seu peculiar comportamento, quanto sedimentao, e das conseqncias deste comportamento.

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    Estando sujeitos gravidade da Terra25, observamos a sedimentao (comumente chamada de decantao) de materiais mais densos do que o meio em que les se encontram. Alm disso, podemos obter em centrfugas de laboratrio campos inerciais muito elevados, de at um milho de vezes a gravidade. Finalmente, hoje possvel investigar os efeitos de no-gravidade ou microgravidade, sobre quaisquer sistemas, atravs de experimentos realizados em laboratrios espaciais ou em foguetes e avies em rbitas parablicas.

    O estado de equilbrio de solues e disperses lquidas dado pela equao baromtrica, segundo a qual a concentrao de soluto mais denso que o solvente aumenta exponencialmente com a profundidade. Apesar desta predio termodinmica, estamos acostumados a observar solues de macromolculas ou disperses de partculas de concentrao perfeitamente uniforme, e que assim se mantm por tempos muito longos.

    Muitos sistemas coloidais so interessantes exatamente pela lenta sedimentao das suas partculas. Por exemplo, seria muito difceis usar tintas, o leite, o sangue e alguns adesivos se suas partculas sedimentassem muito rapidamente. Por outro lado, so muitos os casos de problemas devidos exatamente lenta sedimentao de partculas coloidais: nevoeiros causam dificuldades de operao de aeroportos e acidentes em estradas; a gua de um rio, que se deseja tratar para uso humano ou industrial, tem de ser purificada dos seus contaminantes, muitos dos quais se encontram na forma de partculas coloidais.

    t = 0

    sob ao do campo ou fluxo

    relaxao

    Figura 2: Difuso rotacional causa o aparecimento de birrefringncia em uma soluo ou disperso de partculas aciculares: quando as partculas se alinham, o sistema se torna anisotrpico.

    t =

    O uso de sedimentao e centrifugao na caracterizao de partculas coloidais Tcnicas de sedimentao e centrifugao tm tido um papel fundamental no estabelecimento de tamanhos de partculas macromoleculares ou coloidais26. H vrios tipos

    25 Voc pode refletir sobre a enormidade da importncia do papel da gravidade, na formao do nosso

    ambiente, considerando a importncia da massa dos planetas e satlites do sistema solar para a formao da sua atmosfera. Quais planetas e satlites tm uma atmosfera? E qual a composio qumica dos planetas muito grandes, como Jpiter e Saturno?

    26 O clssico trabalho de The Svedberg, que inventou a ultracentrfuga e ganhou um Prmio Nobel, um exemplo disto: Svedberg mostrou que todas as "partculas" de hemoglobina tm exatamente (dentro do erro experimental) a mesma massa, e portanto o mesmo tamanho. Esse resultado foi fundamental para a verificao da "hiptese macromolecular" de Staudinger, segundo a qual substncias como as protenas, gomas naturais, resinas e outros compostos at ento mal-definidos

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    de tcnicas mas as principais so as determinaes de velocidade de sedimentao e de equilbrio de sedimentao. Podemos observar a sedimentao das partculas em um meio (solvente) de composio uniforme, ou em um gradiente de concentrao27. Podemos ainda observar a sedimentao em colunas de lquido de composio uniforme28, ou podemos observar a migrao de zonas de partculas, atravs de uma coluna lquida. A velocidade de sedimentao de partculas em um meio uniforme constante, sob campo gravitacional ou inercial constante, devido igualdade entre o seu peso (de flutuao, isto , o peso menos o empuxo) e a fora de atrito, que tem sentido oposto ao peso:

    Quando se mede velocidade de sedimentao, os resultados experimentais usualmente obtidos so: raio hidrodinmico das partculas, e a sua densidade. Partculas coloidais so raramente uniformes, de maneira que tambm necessrio obter informao sobre o grau de uniformidade das partculas.

    A uniformidade pode ser em termos de tamanho (ou raio); quando o desvio padro dos raios das partculas inferior ao prprio desvio padro da tcnica utilizada, a amostra chamada de monodispersa. A uniformidade de densidades verificada pelas tcnicas de centrifugao zonal em gradiente de densidade, e permite que se obtenha informao a respeito de diferenas de composio entre as partculas.

    Alm da sua importncia na obteno de tamanhos de partculas, o conhecimento dos fenmenos de sedimentao tem uma enorme importncia em separao de partculas, em laboratrio, e deve ser utilizado para planejar experimentos de centrifugao.

    (por no terem, por exemplo, um ponto de fuso ou de ebulio bem definidos) so formados por macromolculas. A partir desse ponto a pesquisa do que hoje chamamos de materiais polimricos tornou-se mais cientfica, e menos emprica. Staudinger tambm ganhou um Prmio Nobel.

    27 Tcnicas de centrifugao em gradientes so hoje predominantes. Um texto muito bom : C.A.Price, Centrifugation in Density Gradients, Academic, NY, 1982.

    28 A teoria de sedimentao foi estabelecida por vrios autores. Um trabalho fundamental o realizado por M.Mason e W.Weaver, Phys.Rev. 23(1924) 412 e W.Weaver et al., 27(1926) 499), infelizmente ignorado por muitos autores posteriores; este trabalho estabelece as bases do clculo do comportamento de partculas quaisquer, sob gravidade, e demonstra numericamente que partculas pequenas ou de baixa densidade podem permanecer dispersas em gua, por tempos extremamente longos. Uma concluso especialmente importante a seguinte: o atingimento do estado de equilbrio de sedimentao aproximadamente proporcional ao quadrado da altura da coluna de lquido em que esto dispersas as partculas.

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    Figura 3: Sedimentao zonal em gradiente de densidade: a velocidade de sedimentao das partculas aumenta com a sua massa, portanto aumenta com o raio e a densidade. As partculas migram at atingirem o equilbrio de densidade com o lquido, isto , o equilbrio isopcnico.

    Conveco tempo

    Pequenas, densas

    GGrraannddeess,, mmeennooss ddeennssaass

    No sentido estrito, conveco o transporte de matria devido a gradientes de densidade em um meio fluido. Gradientes de densidade podem ser formados em consequncia da existncia de componentes horizontais importantes, de gradientes de temperatura ou de concentrao. Em um sentido mais amplo, esta palavra usada para descrever movimentos coletivos, dentro do fluido; isto , para descrever movimentos de uma parte do fluido, de dimenses macro ou microscpicas, com relao a outras partes.

    H uma diferena fundamental entre a conveco, de um lado, e a sedimentao ou a difuso, de outro: estas so governadas por equaes lineares, enquanto a conveco fortemente no-linear. Usando a anlise que a termodinmica de no equilbrio faz da difuso e da sedimentao, dizemos que os fluxos (de partculas, por exemplo) so funo linear das foras, isto , dos gradientes de concentrao (no caso da difuso) e do campo inercial (no caso da sedimentao).

    J no caso da conveco, a situao muito mais complexa. Podemos ter gradientes de temperatura relativamente pequenos, que no causam conveco, como nos fenmenos de inverso trmica. Por outro lado, atingidos certos limiares das foras, podemos ter a formao de estruturas. O caso mais conhecido de formao de estruturas convectivas o das clulas de Bnard29, que no s se constituem em um problema cientfico extremament