Racionalidade e racionalização em Max Weber.pdf

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    RBCS Vol. 27 n 79 junho/2012

    Artigo recebido em 16/02/2010Aprovado em 01/12/2011

    * Este artigo sistematiza alguns dos principais resultadosde pesquisa realizada entre 2008 a 2010 com auxliodo CNPq (Produtividade em Pesquisa), a quem agra-deo o auxlio nanceiro.

    RACIONALIDADE E RACIONALIZAOEM MAX WEBER*

    Carlos Eduardo Sell

    Em passagem j clebre da Observao preli-minar [Vorbemerkung],1 texto que abre e situa osescritos reunidos sob a rubrica dos Ensaios reunidosde sociologia da religio, Max Weber deniu da se-guinte orma o problema de sua obra:

    Racionalizaes tm existido em dierenteseseras da vida, em uma grande diversidadede ormas, em todas as culturas. Caracters-tico para sua dierena histrico-cultural ,

    em primeiro lugar: em quais eseras e em quedirees elas oram racionalizadas. Portanto,trata-se novamente de identicar a peculiari-

    dade especca e explicar a gnese do raciona-lismo ocidental e, no interior deste, do racio-nalismo moderno (gars i, 1988, pp. 11-12;

    Weber, 2001, p. 21).

    Consoante com a prpria armao de Weber,o tema da racionalizao atualmente reconhecidopor um grande segmento da literatura especializadacomo uma questo chave, quando no mesmo otema essencial e primordial do conjunto da sociolo-

    gia sistemtica e histrico-comparativa deste autor.No entanto, se at a podemos assinalar uma not-vel convergncia (ainda que no consenso) da partedos especialistas, o mesmo no ocorre quando sebusca denir o tratamento weberiano dos concei-tos de racionalidade [Rationalitt] e racionalizao[Rationalisierung]. Em relao a este aspecto as di-culdades so apontadas pelo prprio Weber queno se eximiu de advertir que:

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    Pois bem, por esta palavra [racionalismo] podese entender coisas bastante diversas, como asprximas exposies tornaro novamente com-preensvel. H, por exemplo, racionalizaesda contemplao mstica, quer dizer, de um

    comportamento que, visto a partir de outrosmbitos da vida, especicamente irracio-nal, bem como racionalizaes da economia,da tcnica, do trabalho cientco, da educao,da guerra, da justia e da administrao. Cadaum desses mbitos pode racionalizar-se sobpontos de vista e objetivos ltimos da maiordiversidade, e o que racional para um pode,ao ser observado por outro, ser irracional(garsi, 1988, p. 11; Weber, 2001, pp. 20-21).

    Tambm conhecida a armao de Weber,eita j em 1904 (na obraA tica protestante e oesprito do capitalismo), de que o racionalismo um conceito histrico que encerra um mundo decontradies (2004, p. 69); e mesmo esta outra,encontrada seu ensaio de 1915 (aEinleitung [In-troduo], conhecida pela sua traduo em inglscomo Psicologia social das religies mundiais), coma seguinte advertncia: este o lugar para lembrarmais uma vez que racionalismo pode signicarcoisas bastante dierentes (mwgi/19, p. 117; We-ber, 2001, p. 259). No bastassem as advertnciasdo prprio Weber, o simples exerccio do levanta-mento lexical revelaria que os termos em questoesto presentes em inmeras passagens dos textosweberianos, elemento que diculta ainda mais atarea de determinao de um contedo unvocoassociado a estas noes.

    No Brasil, a literatura que trata da teoria we-beriana sob a perspectiva terico-analtica vem setornando cada vez mais sosticada e, no bojo destas

    refexes, o estudo dos conceitos de racionalidadee da racionalizao recebe tratamento detalhado.Waizbort (1995), por exemplo, em texto introdu-trio que escreve para a traduo do escrito Os un-damentos racionais e sociolgicos da msica(Weber,1995), destaca como a temtica weberiana da racio-nalidade emerge no contexto de sua refexo sobrea arte, acentuando ainda o quanto a ideia de pro-cesso de racionalizao se articula no contexto dadierenciao das eseras de valor e ordens de vida.

    No mesmo texto podemos encontrar ainda umprecio de autoria de Cohn (1995)2 que, de ormasimilar, aponta que o processo de racionalizao,em Weber, se desdobra em dois nveis: a dimensohistrico-estrutural que remete dierenciao das

    eseras de valor e a dimenso interna de cada es-era especca que remete sua legalidade prpria[Eingengesetzlichkeit]. E, no menos importante,as pesquisas de Pierucci (1998, 2003) iluminam opapel central que a categoria desencantamento domundo (tanto na sua acepo religiosa como cien-tca) possui no contexto da refexo weberiana doprocesso de racionalizao, na medida em que esta uma varivel undamental e determinante paraexplicar as caractersticas que esse processo adquirena sua verso ocidental e moderna.

    Visando prosseguir nesta mesma direo detrabalho, este artigo aborda alguns aspectos ligados problemtica weberiana da racionalidade e da ra-cionalizao. Tal tarea, mais do que um hermticoexerccio hermenutico, possui a vantagem intrn-seca de nos situar em uma perspectiva privilegiadapara o entendimento do sentido de sua obra, almde contribuir sobremaneira para a busca da com-preenso do esquema analtico e metodolgico queestrutura a ampla e sistemtica sociologia weberia-na dos processos de racionalizao social e cultural.Por outro lado, trata-se de um exerccio assaz com-plexo que, exatamente por pretender abarcar o pen-samento weberiano em seu cerne e, principalmente,tomando-o no seu conjunto, comporta uma sriede questes correlatas. Enrentar um tema de ta-manha centralidade e complexidade nos obrigaria,entre muitas outras tareas, a refetir a respeito 1)da prpria concepo weberiana sobre o racional eo irracional,3 bem como sobre 2) os usos e sentidosdo conceito de racionalidade em Weber, alm de 3)

    determinar as relaes entre os conceitos de racio-nalidade e os tipos de ao e, por m, 4) estabele-cer o teor das conexes entre os tipos ideais de ra-cionalidade e os processos histrico-empricos deracionalizao. Isto sem esquecer que todos essestemas no podem ser concebidos de orma isoladado restante do pensamento weberiano e envolvemainda a relao com outros conceitos importantes,tais como desencantamento do mundo, intelectua-lizao, burocratizao, entre outros.

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    Longe de enrentar simultaneamente desaosto abrangentes e diversos, este texto pretendeabordar a questo a partir de uma tica bastantepontual e especca: privilegiando como o con-dutor da exposio os conceitos weberianos de

    racionalidade. Meu objetivo ser submeter esteltimo aspecto aos seguintes exerccios de anlise.Do ponto de vista hermenutico, procuro mostrarde que orma os comentadores tm procuradosistematizar os conceitos de racionalidade e racio-nalizao em Max Weber (parte 1). Visando sub-meter esta mesma bibliograa a um exame crtico,desloco-me para o plano exegtico, no qual realizoum inventrio do uso e do signicado dos concei-tos weberianos de racionalidade material e ormale racionalidade terica e prtica nos prprios es-

    critos de Max Weber (parte 2). Ao situar os con-ceitos weberianos de racionalidade em lugares emomentos dierentes do corpusde sua obra apon-to para alguns limites da bibliograa secundria edestaco em que medida este elemento contribuipara entender alguns dos aspectos relacionadoscom a teoria weberiana da racionalizao (parte3). A parte nal retoma as concluses do trabalho.

    As interpretaes de Weber: o estado da arteNeste tpico buscarei limitar minha anlise

    da literatura secundria que trata do pensamen-to e da obra de Max Weber a um ngulo bastanteespecco e determinado. Trata-se de descrever omodo como os analistas tm se dedicado a elucidaro signicado da noo de racionalidade (enquan-to conceito) em Max Weber e como a partir destasdenies tambm se desdobram ormas especcasde compreender a teoria weberiana da racionaliza-

    o (enquanto anlise emprica). Ainda que o pro-blema da racionalizao j osse apontado, desde osanos de 1930, como a perspectiva analtica chave daobra weberiana, tentativas de determinao e siste-matizao lgico-analtica deste conceito so maisrecentes e acompanham a vaga intensiva de estudosda obra de Weber que emerge a partir dos anos de1970. Este tpico analisa o essencial da literatura es-pecializada a respeito desse assunto,4 1) destacandoas dierentes tipologias de racionalidade propostas

    pelos comentadores e, aps, 2) descrevendo como acompreenso desta noo est intrinsecamente liga-da orma como estes mesmos intrpretes explicama dinmica que o processo de racionalizao adqui-re no pensamento de Max Weber.

    O sentido da obra

    Para compreender a natureza e a importnciadeste especializado e, como logo veremos, deverasintrincado debate entre os comentadores de Webera respeito da questo aqui proposta, uma rpidacontextualizao histrica do processo de recepode sua obra constitui passo preliminar e necessrio.No tocante diuso das obras e da literatura secun-dria sobre Weber, dois pases exercem, ainda hoje,

    um impacto decisivo: Alemanha e Estados Unidos.Na Alemanha, a primeira voz a armar que a

    temtica da racionalidade constitui o o condutorde seu pensamento oi nada menos que sua prin-cipal bigraa: Marianne Weber. Em tom entico a prpria esposa de Weber que armar que oreconhecimento da especicidade do racionalis-mo ocidental e do seu papel crescente na cultu-ra ocidental [oi] uma de suas mais importantesdescobertas (1926, p. 349). Talvez seja esta arazo para que a primeira gerao dos intrpretesde Weber (Lukcs, [1923] 1974; Walther, 1926;Landshut, 1929; Freyer, 1930; Steding, 1932)enatizasse a mesma ideia, levando um autor doporte de Karl Lwith, por exemplo, a dizer queo enmeno da racionalizao constitui a grandelinha mestra no s de sua sociologia da religio ede sua doutrina cientca, mas, no undo, de todoo seu sistema, e no por ltimo, tambm de seusescritos polticos; ele representa para ele o carterbsico do modo de vida ocidental e em especial do

    nosso destino ([1929] 1997, p. 19).No entanto, com os desatinos da SegundaGuerra Mundial, o centro de gravidade da dis-cusso em torno do signicado da obra de Weberatravessa o Atlntico e, em terras norte-americanas,especialmente por conta da infuncia de TalcottParsons (1937), a temtica da racionalizao d lu-gar ao conjunto de seus escritos terico-metodol-gicos, passando a teoria weberiana da ao a ocuparo posto central como chave interpretativa de seu

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    pensamento. At mesmo a onda ps-parsoniana deleitura de Weber que se inicia nos Estados Unidoscom os escritos de Hans Gerth e Charles WrightMills (1946) e passa pela importante obra de Rei-nhard Bendix (1960), desembocando na maior n-

    ase em sua sociologia histrico-comparada, aindaque rearme, retoricamente, a importncia do temada racionalizao (Bendix e Roth, 1971), acaba, naprtica, legando o tema a lugar secundrio.

    somente com a Weber Renaissance, desen-cadeada na Alemanha, desde meados dos anos de1970, acompanhando a republicao dos escritosdo autor, que o tema da racionalizao volta a ocu-par o espao de estatuto central da sociologia webe-riana. Esta temtica emergir no contexto alemoe, passando pelos escritos de Seyarth e Sprondel

    (1973), Benjamin Nelson (1974), Friedrich Ten-bruck (1975, 1980), Wolgang Schluchter (1981,1989) e Jrgen Habermas (1987), espraiar-se-tambm no contexto da produo em lngua ingle-sa, como atestam ainda os textos Glassman e Mur-var (1984), Lash e Whimster (1987), Bryan Turner(1992) e Stephen Turner (2000), entre outros. Des-de ento boa parte dos intrpretes e especialistas naobra de Weber retomou a tese de que, em se tratan-do deste autor, racionalizao , de ato, o o con-dutor que tece as tramas de seus mltiplos escritose conere unidade diversidade de temas tericos,histricos e empricos enrentados pela sua refexo.

    No entanto, a questo est longe de ser con-sensual, e tanto na Alemanha como nos EstadosUnidos no altam vozes discordantes a sustentarque a leitura de Weber sob o oco da racionaliza-o no constitui mais do que um desvio na com-preenso do escopo de seu pensamento.5 Enquan-to para Hennis (1996) outro intrprete alemocontemporneo o que temos em Weber seria,

    na verdade, uma antropologia losca (a refexosobre a Humanidade/Menchestum), para um nor-te-americano como Kalberg (1994), racionaliza-o constitui to somente um entre tantos outrosrecursos heursticos que permeiam a sociologia de

    Weber, mas no o centro de sua obra. H aindavises bem mais heterodoxas, como a de Swedberg(2005), para quem, ao m e ao cabo, a obra de

    Weber jamais teria deixado o campo da economia(ainda que sob uma tica de tipo sociolgico).

    No surpreende, portanto, que, diante do al-cance da disputa em torno do papel determinanteque o tema da racionalizao assumiu entre os co-mentadores de Weber, a busca pela determinaodo lugar e da uno das noes de racionalidade e

    da prpria racionalizao no esquema analtico des-te autor tenha se tornado um assunto vital. Para en-rentar o que se supe ser o elemento estruturanteda ampla e sistemtica sociologia weberiana, umavasta e complexa literatura especializada vem sedesenvolvendo nas ltimas dcadas, trabalhos queprocuro sumarizar nos dois tpicos que seguem.

    O problema da racionalidade

    No intento da sociologia weberiana a ela-

    borao de uma teoria da racionalidade (perspec-tiva losca) em si mesma, pois esta apenascondio ou meio para uma tarea que a engloba elhe conere sentido: a explicitao do processo his-trico e sociocultural de racionalizao ocidentale moderno (perspectiva sociolgica). Ao mesmotempo, em Weber, o processo de racionalizaono uma noo que pode ser denida de ma-neira prvia, como um tipo ideal que precede aanlise, pois se trata de um tpico que o pensa-dor desenvolve sempre de orma situada, com umsentido que emerge sempre em ato, quer dizer,embutido no prprio processo de anlise. J emrelao noo de racionalidade, uma anlise le-xical e epistemolgica possvel e, como veremos,no altam tentativas de sistematizar o sentido dosconceitos de racionalidade nos escritos de Weber.

    A tarea, por certo, dicil, o que levou atmesmo alguns comentadores a evitar a terminolo-gia empregada pelo prprio Weber na suposio deque a adoo de categorias alternativas avoreceria

    nosso entendimento. Modelo deste tipo de pro-cedimento o texto de Ann Swidler (1973) que,evitando o que supe ser uma insupervel conu-so terminolgica do prprio Weber, prope-se areormular sua viso em torno de trs categoriasdistintas: racionalismo, racionalidade e racionali-zao. Em sua viso reormulada, o racionalismo uma atitude pragmtica, orientada para a con-secuo imediata de objetivos e ns utilitrios; aracionalidade reere-se a objetivos ordenados em

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    relao a um sistema consciente de signicados evalores, qual seja, um processo de sistematizaodas ideias operado pelos especialistas do camporeligioso; por m, aracionalidadetem a ver comsua institucionalizao social: a ao racional ree-

    rente a ns seria produzida apenas pelo controledas aes mediante as ideias. A proposta, comoca evidente, em nada contribui para superar a su-posta equivocidade weberiana e redunda, ao nal,em uma sistematizao no apenas conusa, masacima de tudo duvidosa, posto que muito longedo que os originais de Weber indicam.

    Mais promissora, a via exegtica se imps, masnem por isso dirimiu todas as dvidas. Um exameglobal da produo existente apontar que a litera-tura oi se encaminhando para uma razovel con-

    cordncia quanto se trata da tarea preliminar deidenticar em Weber quatro tipos de racionalidade,mas sensveis dierenas aparecem quando se tra-ta de descrever o signicado ou contedo de cadaum dos termos envolvidos. Para um determinadogrupo de intrpretes, a dicotomia racionalidade ma-terial e ormal recebe um tratamento privilegiado,sendo o segundo elemento a chave interpretativa doconceito weberiano de racionalidade. Viso contes-tada por aqueles que tendem a explicar a perspectivaweberiana de racionalidade a partir das suas varian-tes tericas e prticas, com particular privilgio paraas ltimas. E, terceira soluo possvel, tambm hquem busque dierenciar e descrever cada um dosquatro tipos ideais de racionalidade propostos por

    Weber em sua singularidade e especicidade, renun-ciando a tentativa de reduzi-los a um denominadorcomum. Vejamos cada uma dessas propostas deinterpretao separadamente.

    O artigo de Arnold Eisen (1978) um exem-plo bastante ilustrativo da primeira tendncia. Para

    tal intrprete, o conceito de racionalidade de Weber, de ato, mltiplo, mas de orma nenhuma opacoou fuido; ao contrrio, sua viso da racionalida-de seria pereitamente coerente e consistente. ParaEisen, existem seis dierentes dimenses associadaspermanentemente ao conceito de racionalizao:propsito (busca consciente de realizao de obje-tivos), calculabilidade (capacidade de adequao demeios e ns), controle (quando a ao desenvol-vida de orma autnoma e no heternoma), coe-

    rncia lgica (quando no apresenta contradies),universalidade (quando abstrao, generalidade eimpessoalidade se opem ao particularismo) e siste-maticidade (quando as partes da organizao estointegradas visando consecuo dos ns almeja-

    dos). Cada uma delas possui a mesma base concei-tual e remete-nos, como sustentculo, ao conceitode racionalidade ormal. Por sinal, o prprio Eisensustenta que o tipo ideal racionalidade substanti-va (assim o autor se reere racionalidade material)exerce apenas uno subordinada, apontando paracritrios que limitam a racionalidade ormal: suauno consiste apenas em revelar que por trs daracionalidade ormal da conduta de vida puritanavicejavam elementos de ordem tica e substantiva.

    A mesma tendncia de apreender o conte-

    do do conceito weberiano de racionalidade combase em sua variante ormal pode ser identicadano livro de Roger Brubaker (1984). Tambm elereconhece a existncia de mltiplas conotaes naideia weberiana de racionalidade, o que no signi-ca qualquer impedimento para que se reconheano interior desta diversidade um substrato comum.Em Weber, o sentido de racionalidade pode estarassociado a nada mais do que dezesseis conotaesinter-relacionadas: deliberado, sistemtico, calcu-lvel, impessoal, instrumental, exato, quantitativo,regido por regras, previsvel, metdico, proposital,sbrio, meticuloso, ecaz, inteligvel e consistente.

    A concluso de Brubaker a mesma de Eisen, qualseja, o tipo ormal que responde pelo contedodo conceito weberiano de racionalidade. Em ambosos autores, a busca por um undamento conceitualpara a teoria weberiana da racionalidade contri-bui para o aproundamento do entendimento desua dimenso ormal, mrito que, todavia, relega suadimenso terica/prtica ao esquecimento.

    Em direo oposta, tambm no altam auto-res que concentram sua ateno no par racionali-dade terica/prtica e concebem este segundo tipocomo a chave interpretativa da viso weberianade racionalidade. Esta , enaticamente, a posiode Habermas (1987), para quem a viso weberia-na de racionalidade se reduz, em ltima instncia,apenas racionalidade prtica. Para sustentar suaposio, passo primeiro, Habermas reduz o alcanceda racionalidade terica: tratar-se-ia apenas de uma

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    teoria da cultura que descreve o processo de siste-matizao das imagens do mundo e a lgica internadas eseras de valor. Assim, seria apenas no nvel daracionalidade prtica que Weber estabeleceria umaconexo entre ela e sua teoria da ao, ou seja, ape-

    nas no plano prtico que o conceito weberianopossuiria signicado sociolgico. Da que, passosegundo, o que importa a Habermas esclarecero contedo da racionalidade prtica. Para o autor,como pressuposto da viso weberiana da raciona-lidade encontra-se um conceito amplo de tcnica,enquanto emprego regulado de meios. A partir des-ta premissa geral, Habermas dierencia o conceitode racionalidade prtica em um trplice aspecto:1) a racionalidade instrumental reere-se utiliza-o de meios, e seu critrio de eccia o emprego

    de meios para ns dados; 2) aracionalidade eletivareere-se eleio de nse pode ser medida tantopela correo do clculo destes ns em uno devalores articulados com preciso, como pela escolhade meios e a concomitante avaliao das condiesde contorno; 3) a racionalidade normativareere--se orientao por valores e medida pela orasistematizadora e unicante desses valores, bemcomo pela capacidade de penetrao desses princ-pios como guia das aes sociais. A partir da, passoterceiro, Habermas apresenta uma nova viso doconjunto, assim disposto. A racionalidade prticapossui uma dupla dimenso: por um lado, a racio-nalidade ormal (juno entre o aspecto instrumen-tal e eletivo da racionalidade prtica); por outro,a racionalidade material (ou seja, a racionalidadenormativa). O esquema habermasiano , de ato,complexo, mas em sntese ele consiste em subor-dinar a dimenso material e a dimenso ormal daracionalidade sua dimenso prtica, que passama ser concebidas como elementos dierentes desta

    orma de racionalidade. Habermas no descarta aterminologia weberiana (todos os tipos ideais deWeber so apresentados), mas ignora o valor daracionalidade terica e subordina os demais tipos(ormal e material) a um conceito que a todos inte-gra: a racionalidade prtica.

    Nem todos os intrpretes tendem a privilegiarapenas um dos pares tipolgicos de racionalidadepropostos por Weber, acentuando ora sua dimensoormal, ora sua dimenso prtica como a base

    do conjunto. Porm, as solues para determinar ocontedo e o signicado de cada um dos tipos deracionalidade tambm possuem dierenas entre si.

    Donald Levine (1981), por exemplo, iniciasua exposio distinguindo dois nveis distintos nos

    quais Weber insere o problema da racionalidade:subjetivo e objetivo. O primeiro trata dos tipos deao. Neste caso, a racionalidade como qualidademental da ao estaria presente na distino webe-riana entre compreenso racional e compreensoemptica e na sua dierenciao entre ormas racio-nais e no racionais de ao social. A racionalidadeobjetiva, por sua vez, congura-se no nvel na hist-ria e seria pensada por Weber nas dierentes ordenssociais de vida e em seus desenvolvimentos histri-cos especcos. somente neste segundo nvel que

    Levine distingue quatro dierentes tipos de raciona-lidade, que ele assim denomina: racionalidade ins-trumental(busca metdica de um m dado median-te o clculo preciso dos meios empregados e de suasconsequncias); racionalidade conceitual (domnioda realidade pela via da abstrao e da generaliza-o); racionalidade substantiva (ou tambm mate-rial, que se move no plano tico e se reere a padresnormativos de avaliao da conduta); racionalidadeormal(concebida como maximizao da previsibili-dade da conduta em eseras sociais especcas).

    Uma proposta muito similar anterior tam-bm pode ser encontrada em Stephen Kalberg(1980). Em sua sistematizao, aracionalidade pr-tica entendida como todo caminho de vida que ve julga a atividade mundana em relao a interessespuramente pessoais e pragmticos. Nesta verso,a realidade aceita como tal e o indivduo apenascalcula os meios mais adequados para lidar com asdiculdades presentes. A racionalidade terica re-mete a processos cognitivos e envolve a dominao

    consciente da realidade mediante a construo e oincremento de conceitos cada vez mais precisos eabstratos. Este tipo decorre da necessidade huma-na de conerir um signicado ltimo sua aono mundo. O terceiro tipo aracionalidade subs-tantivaque ordena os padres de ao a partir depostulados de valor. Ela envolve a adoo de cri-trios ticos com o qual a realidade deve ser julga-da e, dessa orma, tende a conormar e orientar aao. Aracionalidade ormalsubordina a conduta

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    autointeressada em reerncia aplicao universalde regras, leis ou regulaes. A ao ormal tende asuperar o particularismo e o personalismo na dire-o da universalidade das condutas. Esta orma deracionalidade tpica da era moderna e se concreti-

    za especialmente nos campos da burocracia, da eco-nomia, do direito, da cincia e mesmo da religio.Ainda no interior do terceiro conjunto aqui des-

    crito, a sistematizao terica proposta por WolgangSchluchter merece ateno particular, no apenasporque se trata de um dos mais notveis especialistasna obra de Max Weber, mas tambm pela oscilaode suas interpretaes, ator que por si mesmo j de-monstra a complexidade da questo aqui envolvida.

    Em seus primeiros trabalhos, Schluchter(1981) apresentou uma tipologia do racionalismo

    e dos estgios de racionalizao segundo trs cri-trios. Em primeiro lugar, o racionalismo reere--se capacidade de controle mediante o clculo:o racionalismo cientfco-tecnolgico seria uma con-sequncia do conhecimento emprico e prtico. Osegundo tipo o racionalismo tico-metasico , quediz respeito sistematizao de modelos de signi-cado e envolve a elaborao intelectual e a subli-mao deliberada dos ns ltimos. Como tal, ele consequncia no apenas da compulso humanapara compreender o mundo no s a partir de umsentido ordenador, mas tambm como um desi-derato humano de tomar uma posio unicadae consistente diante da realidade. O racionalismoprtico, por sua vez, reere-se realizao do modometdico de vida e resultado da institucionaliza-o das conguraes de signicados e interesses.

    Em suas obras posteriores, no entanto, esteestudioso modica seu entendimento da questo.Para ele, a pesquisa de Weber no tem como ocoa construo de uma teoria global da racionalida-

    de, pois isto implicaria na adoo de uma losoada histria. Por esta razo, a extensa pesquisa deSchluchter (1989) limita-se a identicar os die-rentes tipos histrico-culturais de racionalismoque teriam sido elaborados por Weber para en-tender a civilizao chinesa, indiana e ocidental(judasmo e protestantismo) e, principalmente, aexplicitao do esquema de undo no qual operaa pesquisa comparativa de Weber, chamada porSchluchter de perspectiva desenvolvimental.6

    Todavia, observando seus textos mais recentes,vemos que a exegese de Schluchter (1999, 2009)sore nova guinada, retomando a tipologia webe-riana do racionalismo. Pensada novamente em trsplanos distintos, nesta nova verso o conceito de

    racional em Weber organiza-se da seguinte orma:no plano da orientao da ao, ele se rege pelaao racional com relao a valores e pela ao ra-cional com relao a ns; no plano societrio dacoordenao da ao (em que operam as institui-es sociais), o racional desdobra-se nos conceitosde racionalidade ormal e material; no plano cul-tural da coordenao de sentido, ele estaria guiadopelos conceitos de racionalidade terica e prtica.Nesta nova verso, portanto, a base da concepoweberiana da racionalidade seria sua teoria da ao,

    operando os conceitos de racionalidade material eormal no contexto societrio e os conceitos de ra-cionalidade terica e prtica no contexto cultural.

    Como se depreende da exposio aqui realiza-da, as sistematizaes propostas pelos comentadoresa respeito da viso weberiana sobre a racionalidadeso heterogneas e divergem em aspectos cruciais,quanto a sua terminologia, contedo e, principal-mente, signicado. O recurso aos prprios textosde Weber parece ser, pois, um recurso incontor-nvel para tentar dirimir essas dierenas e chegara uma compreenso o mais prxima possvel dasintenes deste pensador. Mas, antes de recorreraos prprios escritos weberianos, destacarei aindacomo a sistematizao dos conceitos de racionali-dade refete e condiciona tambm as propostas desistematizao da noo weberiana de racionaliza-o (enquanto processo).

    O problema da racionalizao

    Em seu nvel emprico, ou seja, compreendidaem seu mbito cultural e social, a teoria weberianada racionalizao no pode ser considerada deriva-o necessria de uma teoria da racionalidade quea precede. Para elidir tal desvio idealista basta ape-nas lembrar que, em sua base, a racionalizao que

    Weber pretende analisar tem como sustentculoindispensvel sua teoria da ao, este sim o un-damento inequvoco de todo seu edicio socio-lgico. Os conceitos weberianos de racionalidade

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    atuam apenas no plano metodolgico e operam,antes, como recurso heurstico e meio de anli-se. Trata-se de um dos vrios recursos conceitu-ais que Weber utilizou para elaborar sua teoria e,ainda que no sejam exclusivos, eles representam

    um o condutor privilegiado e determinante paranos ajudar a entender o modus operandi, ou seja, omodo como Weber eetivamente entendia a din-mica da racionalizao no curso da ao, da hist-ria e da vida social. Dessa orma, boa parte do queos intrpretes de Weber explicam sobre a raciona-lizao est ligada ao modo como estes mesmosintrpretes compreendem o papel dos conceitosweberianos de racionalidade no bojo desse proces-so. Trata-se de um ponto de vista que nos permiteacilmente ordenar a literatura a respeito.

    Para um primeiro grupo, o processo de ra-cionalizao lido como a gnese e a institucio-nalizao de ormas de conduta orientadas pelaracionalidade ormal. exatamente esta versoque vamos encontrar no texto de Roger Brubaker(1984). O intrprete realiza um minucioso traba-lho de descrio dos processos internos analisa-dos por Weber em eseras distintas da vida social,como a economia, o direito, a poltica (burocra-cia) e a religio. Todavia, mais do que a especici-dade que Weber conere a cada um desses campos,o que Brubaker procura captar so as similitudesestruturais, ou seja, os elementos comuns que, se-gundo Weber, subjazem a todo processo. Na leitu-ra aqui proposta, a legalidade prpria das diversasordens de vida e esera de valor no negada, masseu acento recai sobre os traos que, operando emcada uma delas, lhes conerem sentido e direohomogneos. Dentre esses elementos comuns,Brubaker identica traos como a despersonaliza-o das relaes sociais, o renamento das tcni-

    cas de clculo, a importncia contnua do conhe-cimento especializado e a crescente extenso dastcnicas de controle racional sobre os processosnaturais e sociais. exatamente esta srie de ca-ractersticas que nos permite armar que a mul-tiplicidade e a especicidade das eseras sociaismodernas se vm arrastadas por uma dinmica si-milar, diagnstico que Weber ormula em termosda transio de uma racionalidade material parauma racionalidade ormal.

    Se no trabalho de Brubaker toda a dinmicado processo de racionalizao na perspectiva we-beriana se resolve luz do conceito de racionali-dade ormal, Kalberg (1980) possui o mrito dereservar um papel importante no apenas para ela,

    mas tambm para sua contraparte, a racionalidadematerial (substantiva). Na viso deste intrprete aracionalidade substantiva que possui a prioridadeanaltica no esquema de Weber, embora seja a ra-cionalidade ormal que detenha este posto quandoa questo posta em termos empricos. Vejamos deque modo Kalberg ormula sua proposta de leiturada dinmica da racionalizao em Weber.

    No plano analtico, j vimos anteriormenteque Kalberg um dos intrpretes que se insere nogrupo dos que apontam quatro dierentes tipos

    ideais nos escritos de Weber. Mas, quanto se tratade apontar de que modo esses quatro conceitosoperam como recursos analticos no esquema we-beriano, ele atribui bem menos valor ao primeirodos pares em questo. Isso decorre do ato de queem sua leitura cada um dos quatro tipos de racio-nalidade possui potencial dierenciado de padro-nizao da ao e de conormao de um modometdico de vida. Com base nesses dois critriosestaramos em posse de instrumentos que nos per-mitem avaliar qual a relao entre os quatro con-ceitos de racionalidade e as ormas concretas pelasquais Weber articula teoricamente sua anlise doprocesso de racionalizao social. A partir dessasbalizas, o exame dos primeiros pares desembocano seguinte veredicto: aracionalidade tericanopossui maior relevncia analtica, pois seus eeitosno incidem no plano sociolgico da ao (ela signicativa apenas quando se trata de sua infun-cia entre os segmentos sociais ormados por inte-lectuais). Este no o caso daracionalidade prti-

    ca, que, a despeito de seu papel histrico, carecede um carter metdico e sistemtico, deixando aao rem de interesses momentneos (emeros)e mutveis (variveis). Para Kalberg, bem mais re-levante o papel da segunda tipologia, pois a ra-cionalidade material e a racionalidade ormal soas nicas ormas que possuem algum potencialpara padronizar as aes sociais. Porm, h umasensvel dierena entre elas, dado que somente aracionalidade material (Kalberg preere o termo

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    substantiva) pode engendrar um modo metdicode vida. Concretamente, a racionalidade ormalat capaz de subordinar a racionalidade prticaem eseras especcas da vida social (burocracia,por exemplo), mas alha em transerir a mesma

    lgica para o conjunto da vida do indivduo e asdemais eseras da vida social. Este no o casodaracionalidade substantiva, que oerece prmiospsicolgicos para a ao tica no mundo. Ela noenvolve apenas normas ormais, na medida emque consegue superar o hiato entre o prescrito e aconduta de ato. Trata-se, conorme a viso webe-riana, de uma tica prtica. Em outros termos, aracionalidade substantiva torna-se eetiva (ampla econtnua) quando, atravs de um processo de ra-cionalizao substantiva dos valores, deriva para

    uma tica racional de ao no mundo, quer dizer,quando traduzida em racionalidade tica.

    Apesar de acentuar a prioridade analtica doconceito de racionalidade substantiva no esquemaconceitual weberiano, no plano emprico, Kalberg(1990) julga que a prioridade incide mesmo so-bre o conceito de racionalidade ormal. Ele acre-dita que a teoria weberiana da modernidade temcomo escopo mostrar que a racionalidade tico--substantiva do mundo religioso substitudapela racionalidade ormal das eseras da cincia,da economia, do direito, da burocracia etc. Emoutros termos, a modernizao pode ser entendidacomo uma suplantao da racionalidade substan-tiva pela racionalidade ormal.

    Apesar das sensveis dierenas entre as pro-postas de interpretao de Weber que localizamosem Brubaker e Kalberg, ambos adotam como pre-missa a tese de que so os conceitos de racionali-dade material e ormal que articulam e estruturamanaliticamente a teoria weberiana do processo de

    racionalizao social. Esses autores secundarizama sociologia histrico-comparada das religiesuniversais de Weber, e a dualidade racionalidadeterica/racionalidade prtica, quando no est au-sente, ocupa um lugar marginal. Porm, tudo sepassa de orma completamente dierente quandose trata de autores cuja compreenso da viso we-beriana do processo de racionalizao orientadaprioritariamente em uno da dualidade racio-nalidade terica e prtica.

    Na ampla sistematizao de Habermas (1987),a teoria weberiana da racionalizao desdobra-seem duas dimenses. De um lado temos a racio-nalizao cultural como desencantamento dasimagens do mundo e, de outro, a racionalizao

    socialcomo materializao da racionalidade pr-tica no agir social. Tal entendimento possvelporque, como j demonstramos, Habermas cindea racionalidade terica e a racionalidade prtica,situando a primeira na teoria weberiana da cultu-ra e a segunda na teoria weberiana da ao social.Habermas entende que a sociologia weberianadas religies universais tem como meta analisar amaneira pela qual as imagens religiosas de mun-do possuem potenciais distintos de racionalizao.Tais imagens podem ser dierenciadas segundo

    suas representaes do divino (cosmocntrica/teo-cntrica), do mundo (positiva/negativa), vias desalvao (mstica/asctica) e valorao do mundo(terica/prtica). Segundo Habermas, Weber teriamostrado que as religies da China (conucionis-mo e taoismo) e da ndia (hindusmo e budismo)distinguem-se da experincia ocidental porque, aocontrrio do protestantismo asctico, no apresen-tam potenciais positivos de racionalizao cultural.Esta, eetivamente, ocorreu apenas no Ocidente.

    Em seguida, Habermas passa a descrevercomo este processo pode ser entendido do pon-to de vista sociolgico, ou seja, como processo deracionalizao social. Neste caso o protestantismoocupa papel-chave, pois o portador histrico daracionalidade prtica predominante na moder-nidade. O racionalismo prtico, potencialmenteestimulado pela imagem religiosa vigente no Oci-dente, institucionalizou-se na vida social modernamediante a conduta tico-metdica do protestan-tismo asctico, abrindo caminho para o surgimen-

    to de complexos institucionais, como a economiacapitalista e o Estado burocrtico (eseras sociaiscom ormas de vida objetivadas e desprovidas decontedo tico). Contudo, ao analisar o confitoentre a dinmica valorativa das religies e a legali-dade prpria das ordens sociais modernas, Haber-mas no a apresenta em termos do confito entreracionalidade material e ormal. Mesmo a anlisehabermasiana da sociologia do direito de Weber,que indica (na terminologia de Habermas) a alta

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    de ancoragem dos sistemas uncionais no mundoda vida, no az nenhuma reerncia dicotomiamaterial/ormal. Em sua ormulao, todo o con-

    junto da teoria weberiana da racionalizao ex-plicado em termos da dicotomia terico/prtico,

    com especial nase para o papel preponderantedo segundo elemento.A reconstruo analtica do esquema concei-

    tual weberiano, eetuada por Schluchter (1981,1989, 2009), tambm tem como sua marca un-damental o ato de ser desdobrada a partir doconjunto de sua sociologia da religio. Este autordistingue em Weber dois conjuntos no mbito dasreligies universais: as religies culturais e as religi-es de salvao. Esses dierentes sistemas religiosospodem ser dierenciados ainda segundo dois ato-

    res: suas camadas sociais portadoras (que tendempara o racionalismo terico ou o racionalismoprtico) e suas dierentes imagens religiosas (quedeterminam a relao do homem com o mundo).Da complexa combinao desses atores, Schlu-chter desenha um amplo quadro sinttico dos es-tudos histrico-comparativos de Weber. Em cadauma das principais civilizaes mundiais, ele teriaidenticado ormas culturais especcas de racio-nalismo. As religies da China representam umaorma de racionalismo de acomodao ao mundo;as da ndia como religies de salvao de cartermstico e extramundano, conduzem ao racionalis-mo da uga do mundo. J o protestantismo, comoreligio de salvao de carter asctico e intramun-dano, engendra o racionalismo da dominao domundo. A verso asctico-protestante representaum momento dierenciado da evoluo do cristia-nismo, dierindo-o tanto do monasticismo cat-lico (religio de salvao asctica e extramundanaque leva superao do mundo), como de sua raiz

    judaica que, por sinal, possui um carter muitoespecco, qual seja, trata-se de uma religio desalvao (que no universal) com um sentido in-tramundano, cuja orma de racionalismo carac-terizada como aceitao do mundo.

    Observadas em conjunto, a leitura herme-nutica que segue das pesquisas de Habermas e deSchluchter aponta para outra orma de compreen-so do processo de racionalizao. Tomando comoponto de partida a tese de que a chave de leitura da

    teoria weberiana da racionalizao se encontra emsua sociologia da religio, ambos os autores con-fuem para a anlise do papel essencial do protes-tantismo asctico como ator que est na origem doracionalismo prtico (Habermas) ou mesmo do ra-

    cionalismo da dominao do mundo (Schluchter)que permeiam a modernidade.Da mesma maneira que em relao ao con-

    ceito de racionalidade, tambm a literatura quebusca explicitar o cerne da teoria weberiana da ra-cionalizao se encontra em ranco desacordo, e aspropostas, alm de se utilizarem dos conceitos deracionalidade das ormas mais variadas, tambmdivergem sobre o modo como Weber articulou,analiticamente, sua exposio dos processos de ra-cionalizao histrica e socioculturais. Neste pon-

    to, a literatura secundria tende para um acentuadodualismo, e enquanto uma determinada vertentederiva sua teoria da racionalizao a partir do ocoexclusivo em sua sociologia da religio, outra vaibuscar o ncleo da teoria na tese da progressiva pre-ponderncia do tipo ormal de racionalidade nasdiversas eseras sociais modernas.

    A racionalidade nos escritos de Weber

    A reviso sistemtica do debate sobre o concei-to weberiano de racionalidade e sobre sua teoria daracionalizao no seio da bibliograa especializadamostra o renamento e a complexidade que pos-sui, atualmente, a hermenutica da obra de Weber.Por outro lado, o estado da questo de ranco de-sacordo, quando no de uma polionia conusa ehermtica de tipologias e propostas de elucidao.Diante de tamanha divergncia, procuro mostrarque o exerccio de situar o uso que Weber az de

    seus conceitos de racionalidade em locais e mo-mentos dierentes de seus textos e escritos nos oe-rece algumas pistas importantes para prosseguir natarea de compreenso do modo como se estruturae articula o esquema construdo por Weber em tor-no dos processos de racionalizao. Meu propsitoser demonstrar que, pela via exegtica, podemosconrmar que duas dades estruturam a compreen-so weberiana da racionalidade: os tipos ideais deracionalidade material/ormal e terica/prtica.

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    Racionalidade material e ormal

    No encontramos propriamente deiniesprvias do que seja a racionalidade material e or-mal nos escritos weberianos. Embora sua ocorrn-

    cia possa ser rastreada tambm nos textos de so-ciologia da religio de Weber, em outro mbitotextual que sua utilizao adquire uno vital: oconjunto inacabado de textos que, postumamente,Marianne Weber intitulou Economia e sociedade.7O que podemos vericar analisando este escrito que os conceitos aqui em questo j aparecemcomo instrumentos de anlise em contextos de-terminados (especialmente no tocante s eseraseconmica e jurdica). Deles no encontramos ti-picaes preliminares e somente a partir de sua

    utilizao nestes dois mbitos que podemos deter-minar seu contedo. Tambm bastante notrioque a noo de racionalidade ocupa um lugar cen-tral na discusso weberiana dos tipos de ao sociale desempenha papel-chave no exame dos tipos dedominao. Como pretendo ater-me apenas ao usoexplcito que Weber az dos conceitos de racionali-dade ormal e material, dispensarei sua anlise doEstado moderno burocrtico. Porm, como a teoriada ao possui um vnculo direto com a anlise we-

    beriana dos processos de racionalizao, reernciasao tema, mesmo que breves, so imprescindveis.A dierenciao entre ao racional com re-

    lao a ns, ao racional com relao a valores,ao aetiva e ao tradicional envolve a conside-rao dos dierentes graus de racionalidade pre-sentes na prpria ao. O primeiro tipo uncionacomo ideal, e os restantes representam um desvioem relao ao primeiro. Seguindo-se a explicaode Schluchter (1996), Weber constri essa escalatendo em mente a articulao entre quatro ele-

    mentos: os meios, os ns, os valores e as conse-quncias da ao. A ao ser to mais racionalquanto mais o ator levar em considerao todostais aspectos. Esta discusso undamental, poisa problemtica da racionalidade, em Weber, elaborada tendo-se em vista compreender, a par-tir dela, a especicidade das aes sociais. Resta,contudo, um problema: qual a relao que Weberestabelece entre os tipos de ao, por um lado, eos tipos de racionalidade, por outro? No decorrer

    deste texto pretendo retomar este ponto, mas, porora, chamo a ateno para o assunto central destetpico: a compreenso da tipologia weberiana daracionalidade ormal e material.

    apenas no segundo captulo, aquele que tra-

    ta da esera econmica, que o texto de Economia esociedadeapresenta, pela primeira vez, a distinoentre duas ormas de racionalidade:

    [...] chamamos racionalidade ormal [ormaleRationalitt] de uma gesto econmica o graude clculo tecnicamente possvel e que ela re-almente aplica. Ao contrrio, chamamos ra-cionalidade material[materiale Rationalitt] ograu em que o abastecimento de bens de de-terminados grupos de pessoas (como quer se

    denam), mediante uma ao social economi-camente orientada, ocorra conorme determi-nadospostulados valorativos (qualquer que sejasua natureza) que constituem o ponto de re-erncia pelo qual este estabelecimento , oiou poderia ser julgado. Esses postulados tmsignicados extremamente variados (Weber,1994, p. 52, grios no original).

    Conorme Weber, enquanto o conceito deracionalidade ormal possui um contedo ine-quvoco, a racionalidade material inteiramentevaga. Para ele uma gesto econmica ormal-menteracional na medida em que a previdnciaessencial em toda economia racional pode expri-mir-se e de ato se exprime em consideraes decarter numrico e calculvel (Idem, p. 52). J oque caracteriza a racionalidade material que elaestabelece exigncias ticas, polticas, utilitaris-tas, hedonistas, estamentais, igualitrias ou outrasquaisquer, e as toma como padro dos resulta-

    dos da gesto econmica (Idem, p. 52). Entre osexemplos arrolados por Weber esto o comunis-mo e o socialismo, bem como os grupos ticos eigualitrios. Weber considerava o dinheiro comoo meio de clculo econmico mais pereito, isto, o meio ormalmente mais racional de orienta-o da ao econmica (Idem, p. 53). Em relaoao dinheiro, ele esclarece quais so as condiesmateriais especcas que sustentam este processo:o clculo em dinheiro alcana o grau mximo de

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    racionalidade como meio de orientao de cartercalculvel [...] com a condio materialdo mxi-mo de liberdade de mercado (Idem, p. 68).

    A distino entre as ormas material e ormalde racionalidade tambm ser retomada por Weber

    no captulo dedicado esera do direito. Na buscapela determinao das suas qualidades importamao pensador o grau e a natureza daracionalidadedo direito, sobretudo, como claro, do direito eco-nomicamente relevante (o atual direito privado)(Weber, 1999, p. 11, grio no original).

    Do ponto de vista terico-analtico, um di-reito pode ser racional em sentido muito diverso,dependendo do rumo que toma a racionalizao nodesenvolvimento do pensamento jurdico (Idem, p.11). Visando determinar, pois, seu contedo, Weber

    apresenta dois critrios para analisar a racionalidadedo direito. O primeiro, a generalizao, signica areduo das razes que determinam a deciso, nocaso concreto, a um ou vrios princpios, que soas disposies jurdicas (Idem, p. 11). O segundoelemento a sistematizao do direito: ela signicao inter-relacionamento de todas as disposies jur-dicas obtidas mediante a anlise, de tal modo queormem entre si um sistema de regras logicamenteclaro, internamente consistente e, sobretudo, emprincpio, sem lacunas (

    Idem, p. 12).

    A partir destes critrios de ormalidade e mate-rialidade (combinados com a racionalidade e a irra-cionalidade), Weber desenha sua conhecida tipolo-gia das ormas do direito: o direito ormal irracionalou racional e o direito material racional ou irracio-nal. Para ao autor so (1)ormalmente irracionaisasormas jurdicas nas quais so empregados meiosque no podem ser racionalmente controlados por exemplo, a consulta a orculos ou a sucedneosdestes (Idem, p. 12). Em um segundo tipo (2) as

    ormas jurdicas podem ser materialmente irracio-nais, na medida em que a deciso determinadapor avaliaes totalmente concretas de cada caso,sejam estas de natureza tico-emocional ou polti-cas, em vez de depender de normais gerais (Idem,p. 13). O terceiro tipo denido da seguinte or-ma: (3) um direito ormal na medida em quese limita a considerar, no direito material e no pro-cesso, as caractersticas gerais unvocas dos atos(Idem, ibidem). Ou seja, no modelo racionalmente

    ormalvigora uma estrita racionalidade lgica e aunivocidade das caractersticas externas do direitodesaparece. J no modelo de (4) direito material-mente racionaltemos que as decises de problemas

    jurdicos sorem a infuncia de normas qualitati-

    vas, como imperativos ticos, regras de convivncia(utilitrias ou de outra natureza) ou mximas pol-ticas que rompem com o ormalismo jurdico.

    A dicotomia entre o aspecto material e ormaldo direito retomada por Weber para visualizartambm a evoluo histrica do direito, momentoem que ele destaca a infuncia dos atores externosna racionalizao jurdica. Entre estes, trs em espe-cial, so considerados: os atores polticos, religio-sos e econmicos. Analisando a racionalizao dodireito sob uma perspectiva histrica ampla, Weber

    resumiu assim todo este processo:

    As qualidades ormais do direito desenvolvem--se nesse processo a partir da combinao deum ormalismo magicamente condicionado auma irracionalidade determinada pela origemem revelaes, no procedimento jurdico pri-mitivo, passando, eventualmente, por umaracionalidade material ou no ormal, ligadaa um m e patrimonial ou teocraticamentecondicionada, rumo a uma racionalidade e sis-temtica jurdica crescentemente especializadae, portanto, lgica e, por essa via, sob aspectospuramente externos , ao progresso da subli-mao lgica e do rigor dedutivo do direito eda tcnica racional do procedimento jurdico(Idem, p. 143).

    Racionalidade terica e prtica

    Se no caso da determinao do signicado dostipos ideais racionalidade ormal/racionalidade ma-terial tivemos que determinar seu contedo a partirdo levantamento do seu uso por parte de Weber, omesmo no ocorre com a outra dade em questo: aracionalidade terica e prtica. Tambm ela utiliza-da por Weber como instrumental heurstico em umcontexto bastante determinado e especco de seucorpustextual: seus amplos estudos histrico-com-parativos em torno da tica econmica das religies

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    mundiais (Gesammelte Austze zur Religionssoziolo-gie [Ensaios reunidos de sociologia da religio]). Mas,de orma diversa da tipologia anterior, Weber dese-nha claramente seu signicado e escopo analticos.

    Que os conceitos tpico-ideais de racionali-

    dade terica e prtica so instrumentos essenciaispara sua investigao neste contexto o prprioMax Weber que no-lo indica quando se reereexplicitamente ao seu signicado justamente notexto que serve de prembulo metodolgico aosseus estudos no mbito da sociologia da religio: aEinleintug.8Tal documento, alm de indicar cla-ramente para o mbito especco (a esera religiosa)em que tais conceitos operam como recurso analti-co, tambm indica qual o objetivo da investigaoweberiana, ao enatizar que tambm as caracters-

    ticas das religies que tm importncia para a ticaeconmica devem nos interessar aqui essencialmen-te somente de um ponto de vista determinado: otipo de sua relao com o racionalismo econmi-co (mwgi/19, p. 117; Weber, 2001, p. 259). Emoutros termos, a dualidade racionalidade prtica eterica um dos meios essenciais pelos quais We-ber procurou entender o racionalismo econmicodo tipo que comeou a dominar o Ocidente nossculos XVI e XVII como parteda racionalizaoburguesa que aqui se instala (

    Idem,

    ibidem, grio

    meu). Vejamos, pois, o que este texto indica sobreo contedo e o signicado da tipologia weberianaterica e prtica de racionalidade. No decorrer des-te texto, Weber brinda-nos com uma bela smula arespeito deles, ao armar que:

    [...] o termo [racionalismo] pode azer pensarnessa espcie de racionalizao que empreen-de, por exemplo, o pensador sistemtico coma imagem do mundo [Weltbild] e que aumen-

    ta seu domnio terico da realidade [theoretischeBeherrschung der Realitt] mediante a utilizaode conceitos abstratos cada vez mais precisos;ou ainda na racionalizao no sentido de reali-zao metdica de um m determinado, dadonaprtica, mediante um clculo cada vez maispreciso dos meios adequados. Trata-se de coisasbem distintas, apesar do ato de que em ltimainstncia estejam inseparavelmente relacionadas(Idem, ibidem, grios meus).

    O signicado daracionalidade terica[theoretis-che Rationalitt] est correlacionado com os termosviso, imagem [Weltbild] e observao do mundo[Weltbetrachtung]. em cada um desses dierentesmbitos que se realiza o domnio conceitual e te-

    rico sobre a realidade, atravs de conceitos cada vezmais precisos e abstratos, aspectos que denem estetipo de racionalidade, como expressam as prpriaspalavras de Weber. Nesta medida, ele conere espe-cial importncia ao papel da teodiceia (e a ideia deexplicao do sorimento) no processo de raciona-lizao terica: Essa religiosidade pressupunha omito de um salvador, ou seja, uma (ao menos deorma relativa) viso racionaldo mundo (Idem, p.92; Idem, p. 239, grio no original). A teodiceia dosorimento representa, portanto, um vetor unda-

    mental no processo de racionalizao da imagemde mundo, pois:

    Em determinadas circunstncias, o poder des-tes atores singulares experimentou um grandeincremento devido necessidade, de urgnciaparalela crescente racionalidade da viso demundo, de um sentido tico para distribui-o da ortuna [Glcksgter] entre os homens.

    Ao aumentar a racionalidade do ponto devista tico-religioso e irem se eliminando asprimitivas ideias mgicas, a teodiceia do so-rimento encontrou diculdades crescentes(Idem, p. 94; Idem, p. 241).

    Fundamental para a compreenso dos dieren-tes tipos racionalidade tambm a sua relao comatores sociais, em especial o modo como elas estorelacionadas com a infuncia de dierentes cama-das portadoras [Trger]. Segundo Weber, os inte-lectuais e os negociantes (comerciantes, artesos)

    oram (os primeiros sempre e os outros, s vezes)sujeitos de um racionalismo, mais terico no pri-meiro caso, mais prtico no segundo, conguradodos modos mais diversos, mas que teve um gran-de infuxo sobre a atitude religiosa (Idem, p. 101;Idem, p. 246). Na tipologia weberiana, os dois tiposde racionalidade so construes tpico-ideais anco-radas na infuncia de dierentes grupos e camadassociais na constituio de suas caractersticas. Combase nesta premissa, podemos entender por que

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    existe anidade entre racionalidade terica e cama-das intelectuais: e precisamente esta exigncia, abusca do sentido global do cosmos, que o produ-to bsico do racionalismo propriamente religioso, oiinteiramente conduzida pelas camadas intelectuais

    (Idem, p. 102; Idem, p. 247).Do ponto de vista de sua denio geral, oque caracteriza o conceito de racionalismo prtico[praktische Rationalitt], para retomar a ormulaode Weber, a realizao metdica de um m de-terminado, dado naprtica, mediante um clculocada vez mais preciso dos meios adequados (Idem,p. 117; Idem, p. 259, grio meu). Temos, portanto,dois elementos que o caracterizam: um de carterdado e prtico e outro realizado mediante o clculopreciso dos meios mais adequados para sua conse-

    cuo. O que Weber persegue ao recorrer ideia deracionalismo prtico , segundo suas palavras, umadisposio sistemtica para certas condutas. Ou,como ele enatiza ainda nesta passagem:

    Em geral, todos os tipos de tica prticaque seorientaram sistematicamente e univocamentepara metas xas de salvao oram racionais,em parte no mesmo sentido do mtodo or-mal, e em parte tambm no sentido do nor-mativamente vlido e do empiricamentedado. Este tipo de processos de racionalizaoque acabamos de mencionar o que nos in-teressar a seguir (Idem, p. 118; Idem, p. 260,grios meus).

    Isto signica que para compreender o processode racionalizao na esera religiosa Weber deu es-pecial nase ao papel dos valores ticos enquantomeio privilegiado pelo qual ocorreu, historicamen-te, a sistematizao do modo de vida. Em outras

    palavras, Weber opta por mostrar que o conte-do moral das religies que responde pela realizaometdica dos ns e pela adoo de clculos pelosquais os indivduos moldaram, ao longo da hist-ria (e, em particular, no Ocidente), sua condutade acordo com valores. Note-se que, em sentidogeral e abstrato, o conceito de racionalidade pr-tica determinado pela adequao entre meios ens; mas, do ponto de vista concreto e histrico--emprico, o que interessa a Weber descrever o

    processo de regulao moral da ao social. Ou,nas palavras do prprio autor: sobre os motivosque determinaram, enquanto tais, os dierentestipos de racionalizao ticada conduta de vida[etischer Rationalisierung der Lebenshrung], a-

    laremos requentemente adiante (Idem, p. 89;Idem, p. 237, grio meu).

    Como a racionalidade terica, tambm a or-ma prtica de racionalidade est ligada ao modode vida de camadas especcas. Segundo a explica-o de Weber, completamente distinto oi o queocorreu quando as camadas sociais determinantesdo desenvolvimento de uma religio oram os es-tratos de vida ativa (Idem, p. 104; Idem, p. 249).Concretamente, comum a todos estes tipos temsido a tendncia racionalidade prticado estilo

    de vida, condicionada pelo maior alheamento dadependncia econmica da natureza. Sua existnciainteira repousa sobre a dominao e o clculo tc-nico ou econmico da natureza e dos homens, porprimitivos que sejam seus meios (Idem, p. 106;Idem, p. 251).

    A dicotomia racionalidade terica/raciona-lidade prtica tambm permeia este outro im-portante escrito terico-refexivo da sociologiahistrico-comparada de Weber: a Zwischenbetra-chtung [Considerao intermediria].9 Alis, neste texto que, de orma entica, uma vez mais,o autor nos lembra do objetivo global de seus es-tudos: nalmente e, sobretudo, uma busca destetipo em sociologia da religio deve e quer ser aomesmo tempo uma contribuio para a tipologiae a sociologia do prprio racionalismo (Idem, p.481; Idem, p. 528). Neste contexto, a dicotomiaracionalidade terica e racionalidade prtica pos-sui uma uno vital: o racional, no sentido dacoerncia lgica ou teleolgica de uma tomada

    de posio [Stellungnahme] terico-intelectual outico-prtica, exerce e tem exercido sempre po-der sobre os homens, por muito limitado e ins-tvel que este seja e tenha sido sempre em acedos outros poderes da vida histrica (Idem, p.480; Idem, p. 528, grios meus). Weber dierenciaclaramente a racionalidade terica (associada aoaspecto intelectual) e a racionalidade prtica (as-sociada ao aspecto tico), temtica da qual tratar,extensa e conjuntamente, no trecho seguinte:

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    Porm, precisamente as interpretaes religio-sas do mundo [racionalidade terica] e as ti-cas religiosas com pretenso de racionalidade[racionalidade prtica] criadas por intelectuaisesto intensamente submetidas ao imperativo

    da coerncia. Por muito pouco que, em certoscasos, tenham satiseito a exigncia de altade contradio e ainda que tenham deseja-do incluir em seus postulados ticos atitudesno dedutveis racionalmente, pode-se obser-var claramente em todas elas o eeito daratio,especialmente da deduo teleolgica de pos-tulados prticos (Idem, p. 480; Idem, p. 528,acrscimos meus).

    Na sequncia do texto, sabemos que Weber

    retomar as interpretaes religiosas do mundo(racionalidade terica) e, de modo undamental, atica das religies (racionalidade prtica), mostran-do de que modo a legalidade prpria [Eigengesetzli-chkeit] das ordens sociais modernas colide e se tor-na autnoma diante das exigncias de imperativosmorais e religiosos. Contudo, esta anlise no ooco deste trabalho: importa sublinhar aqui a pre-sena e importncia que a tipologia racionalidadeterica e racionalidade prtica adquire no mbitoda sociologia weberiana da religio.

    No tpico nal do ensaio Conucionismo e tao-ismo (denominado Resultados: conucionismo epuritanismo) tambm encontramos outro esclareci-mento da maior importncia. Nas palavras de Weber:

    Para apreciar o nvel de racionalizao que umareligio representa podemos usar dois critriosbsicos, que se inter-relacionam de vrias ma-neiras. O primeiro o grau em que uma reli-gio se despojou da magia; o outro o grau

    de coerncia sistemtica que imprime a relaoentre Deus e o mundo e, em consonncia comisso, sua prpria relao tica com o mundo(1991, p. 151, grio meu).

    Esta passagem particularmente vital porquese trata de um dos poucos momentos em que We-ber explicita de que orma entende a relao entreestes dois conceitos centrais de sua sociologia: 1)racionalizao e 2) desencantamento do mundo [Ent-

    zauberung der Welt]. Com base nesta orientaosabemos que o conceito tpico-ideal de desencan-tamento do mundo est subordinado ao conceitomaior e estruturante de sua sociologia: a racionali-zao. a partir deste contexto que o conceito de

    desencantamento recebe sua determinao comocritrio que aponta para o nvel de racionaliza-o de determinado contexto religioso.10

    Algumas consequncias tericas

    Feito o exame exegtico-hermenutico, retornoao nvel terico e me pergunto sobre as implicaesque as anlises precedentes nos permitem levantar.Embora entenda que a teoria weberiana da raciona-

    lizao no possa ser reduzida mera derivao deconceitos de racionalidade que a inormam (entreoutros recursos analticos empregados por Weber),nesta terceira parte conduzirei a discusso em tornoda seguinte questo: o que o exerccio de situar osconceitos de racionalidade nos escritos de Max We-ber pode nos ensinar a respeito do entendimentodestas mesmas categorias e, principalmente, sobrea prpria ideia de racionalizao na sociologia we-beriana?

    No tocante ao primeiro aspecto a racionali-dade , da anlise anteriormente eetuada resultaassentado que Weber se utilizou dos pares tpico--ideais de racionalidade material/ormal e te-rica/prtica momentos distintos de sua obra: oprimeiro em Economia e sociedadee o segundo emseus Ensaios reunidos de sociologia da religio. O le-vantamento exegtico aqui realizado conrma que,longe de reduzir-se a apenas um ator, Weber recor-reu a quatro conceitos de racionalidade que estodistribudos na orma de dois pares tpico-ideais.

    Este dado j nos permite uma importante crticada bibliograa especializada. Resultam equivoca-das as interpretaes que ignoram um dos paresem questo e derivam todo o contedo do concei-to weberiano de racionalidade de apenas uma dasdades apresentadas, reduzindo-o apenas ou suadimenso material/ormal ou sua dimenso te-rico/prtica. Acresce ainda que mesmo as interpre-taes que levam em conta a ocorrncia dos quatroconceitos de racionalidade tendem a um tratamen-

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    to global e simultneo dos mesmos, sem levar emconta sua insero em dierentes locitextuais e, emconsequncia, sem balizar adequadamente a un-cionalidade terica distinta qual estes dois parestpico-ideais respondem. O conceito weberiano de

    racionalidade um recurso heurstico ormuladode modo mltiplo, e sua sistematizao tpico-idealobedece a imperativos que resultam de nalidadestericas que Weber se colocou em uno de con-textos de anlise dierenciados.

    Mais amplos e complexos se tornam os pro-blemas quando exploramos os nexos que ligam ombito categorial da racionalidade e a explanaoweberiana dos processos de racionalizao. Se-guindo esta trilha, gostaria de chamar a atenopara trs aspectos que dizem respeito ao mbito,

    dinmica e, por m, ao prprio sentido do temada racionalizao em Weber.

    Em primeiro lugar, caberia comear lembran-do que os conceitos de racionalidade terica/prticae material/ormal operam em planos distintos dasanlises weberianas que concernem racionaliza-o. O primeiro dos pares em questo um recursoanaltico utilizado por Weber em seus estudos hist-rico-comparativos (Ensaios reunidos de sociologia dareligio) e, como tal, ele se circunscreve a um pla-no social mais limitado, qual seja, o plano da eserareligiosa. O mesmo no acontece com os conceitosde racionalidade material e ormal, os quais podemser explicitamente identicados em suas anlisesdo campo econmico e jurdico, mas tambm es-to implicitamente presentes em suas pesquisas,por exemplo, no campo poltico e cientco (temasdesenvolvidos, especialmente, em Economia e socie-dade). Em suma, enquanto a dade racionalidadeterica e racionalidade prtica possui um mbitode atuao bem mais especco e determinado, a

    tipologia racionalidade material e racionalidade or-mal opera em planos mais vastos, atravessando es-truturalmente o conjunto das ordens sociais de vidaque aparecem na pesquisa de Weber.

    A insero dos conceitos de racionalidade emplanos dierenciados indica no apenas que We-ber os utilizou para analisar o processo de racio-nalizao em eseras (histrico-sociais) dierentes,mas tambm que a prpria dinmica pela qual oprocesso de racionalizao descrito por Weber

    nestas respectivas eseras adquire conotaes di-erentes. Nas suas anlises da esera religiosa (sobo ngulo comparativo), so os conceitos de racio-nalidade terica/prtica (associados ao no menosimportante conceito de desencantamento religioso

    do mundo) que estruturam a anlise; enquantonas demais eseras (economia, direito e, sob outratica, a prpria religio) so os conceitos de racio-nalidade material/ormal que articulam a pesqui-sa. Deste ator resulta que o que vem descrito naesera religiosa como processo contingente de ins-titucionalizao de um racionalismo prtico comeies culturais distintas de outros tipos de racio-nalismo (no Ocidente predomina o racionalismoda dominao do mundo) pensado, sob outrongulo, como a transio da racionalidade material

    para a racionalidade ormal, processo que recobreamplas eseras da vida social em tempos modernos.Em suma, a anlise weberiana da racionalizaono apenas contempla sua ocorrncia em planossociais distintos (que poderiam ser pensados in-ternamente de orma homognea), mas tambmapanha lgicas distintas de operao e processos dedesenvolvimento prprios e especcos. As descri-es que Weber nos ornece sobre o modo como seprocessa a racionalizao so dierentes conormesuas balizas se orientam pelos conceitos de raciona-lidade terica/prtica ou material/ormal.

    Em sntese, o que podemos dizer at aqui quea anlise weberiana dos processos de racionalizao pluridimensional e explora a variedade de din-micas que recortam estas dierentes dimenses. Talconstatao tambm nos permite dizer que, semnegar sua base comum, o prprio sentido da ideiaweberiana de racionalizao tambm mltiplo,podendo ser desenvolvido e lido em dierentes pla-nos e dimenses. Em Weber, a anlise do proces-

    so de racionalizao sempre tpico-ideal e, nesteprisma, pode-se reconhecer que ele adquire tons eperspectivas dierentes (mas no contraditrios enem excludentes) conorme ele est posto anali-ticamente por Weber em Economia e sociedadeounos Ensaios de sociologia da religio.

    Tal hiptese de leitura repousa sobre um pres-suposto anterior: a considerao de que os Ensaiosreunidos de sociologia da religio e seu escrito ps-tumo, Economia e sociedade, constituem escritos

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    com nalidades distintas, mas tambm comple-mentares. Ambos os conjuntos de textos oramconcebidos por Weber na ase nal de sua vida e,embora no contraditrios, possuam um escopodierenciado. Enquanto Economia e sociedade ,

    essencialmente, um tratado terico-sistemtico desociologia (que discute a relao entre as ordense poderes sociais e a vida econmica), os Ensaiosde sociologia da religio representam um programaterico-emprico de pesquisa. No entanto, os tex-tos tambm se complementam, pois as categoriassociolgicas de Economia e sociedadeorientam aspesquisas empricas de Weber e, estas, por sua vez,servem de substrato material para a construo desuas categorias analticas. Trata-se, a meu ver,de uma chave de leitura possvel, em cujo apoio,

    por ora, posso invocar apenas a pena de um deseus principais comentadores:

    Assim, por meios destes dois projetos, Weberperseguiu duas dierentes tareas no mbito deuma abordagem unicada das cincias cultu-rais. Isto explica por que eles, em grande parte,se reerem aos mesmos objetos de anlise e, aomenos no incio, utilizam-se da mesma ontematerial. No apenas os objetos de anlise soos mesmos, mas tambm as questes: qual a base do carter nico do Ocidente, especial-mente do moderno Ocidente? Como ele se de-senvolve? E, ainda, qual a sua tendncia dedesenvolvimento? (Schluchter, 1989, p. 46).

    Estando correto o pressuposto, tambm seriapossvel inerir que o sentido da racionalizaoadquire tonalidades distintas conorme o locustextual em que se insere. como se Weber nosproporcionasse ngulos dierentes do mesmo e-

    nmeno, mas com preocupaes e nases diver-sas. Dessa orma, em Economia e sociedadea an-lise da racionalizao est presente nas mltiplaseseras que recobrem desde o direito e a economia(onde o tema nomeado de orma explcita), ata cincia, a religio ou mesmo a esera da pol-tica. Nesses campos, a dinmica de racionaliza-o percorre um caminho que vai do materialao ormal, mas isto no deve ser entendido deorma homogeneizante, pois delimitar qual con-

    tedo, concretamente, adquirido em cada umadas eseras pela racionalidade material e pela ra-cionalidade ormal questo que ca em aberto,permitindo-nos apenas captar sua legalidade pr-pria. O resultado nal que Weber apresenta um

    amplo quadro em que descreve a racionalizaopensada em sua dimenso histrico-estrutural. Ouseja, o que temos aqui uma anlise cujo ocoreside na caracterizao sistemtico-sociolgicadas ordens sociais racionalizadas do mundo mo-derno. J nos Ensaios reunidos de sociologia da re-ligio, ato que Weber parte de uma esera loca-lizada e determinada (a religio), mas sua anliseno se limita nem se echa apenas neste campo.

    Ao percorrer a via religiosa, Weber busca contras-tar a experincia ocidental de racionalizao com

    outras experincias culturais e obtm como resul-tado nal um amplo quadro comparativo que lhepermite determinar os traos peculiares e contin-gentes do racionalismo ocidental. Neste caso, adimenso histrico-culturalque ganha relevo. Pararetomar a terminologia de Habermas, trata-se deuma perspectiva que apanha a racionalizao noseu duplo aspecto de processo social (Economia esociedade) e cultural (Ensaios reunidos de sociologiada religio).

    Consideraes fnais

    Tomar como o condutor para a compreen-so da teoria da racionalizao de Max Weber seusconceitos de racionalidade (terica/prtica e mate-rial/ormal) nem de longe nos permite reconstruiresta teoria em todo seu contedo e amplitude.Nem este o caminho que por si s teria o po-der de dissolver todas as dvidas e os problemas

    que a interpretao da obra de Weber apresenta.Trata-se, a meu ver, de um ngulo privilegiado,mas este apenas um aspecto de uma questo queenvolve muitas outras determinantes.

    Por outro lado, dada a centralidade que otema possui no pensamento de Max Weber, acompreenso da viso weberiana da racionalizaocom base nesses conceitos pode nos ensinar muitosobre a estrutura interna desta teoria, quer dizer,a maneira pela qual Weber se serve de dierentes

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    aspectos da racionalidade como um (entre outros)dos recursos analticos que lhe permitem retrataros atores e as vias que modelam histrica e socio-logicamente os processos de racionalizao. Pres-tar ateno no papel que os conceitos de racionali-

    dade exercem como subsdio para modelar a visoweberiana sobre os processos de racionalizaonos coloca em contato direto com os esquemasmetodolgicos desta vertente sociolgica. Combase neste pressuposto, procurei demonstrar que oatento exerccio exegtico de localizao dos tiposideais de racionalidade na obra de Weber orneceindicaes importantes para a crtica da bibliogra-a especializada e, sobretudo, para a compreensode seu signicado. Ademais, tambm aponta as-pectos importantes para a compreenso da tem-

    tica weberiana da racionalizao. Trata-se de umexerccio que desvela as dierentes eseras e dire-es em que Weber descreve o processo de racio-nalizao da ao social, ao mesmo tempo em queaponta para os mltiplos sentidos ou leituras quea tese da racionalizao desenvolve.

    Conclusivamente, o que se pode dizer, comcerteza, que o tema da racionalidade e da racio-nalizao, em Max Weber, um exemplo a maisda multiplicidade e, acima de tudo, da riqueza deperspectivas que este pensador utilizava para inter-pretar, na orma de tipos ideais, a complexidadede um real que est sempre para alm de qualquertentativa de reproduo in totum no plano episte-molgico. Uma lio que, ao preservar o rescor e aeterna juventude das cincias sociais, nos deixa coma liberdade e tambm a tarea de buscar sempre no-vos caminhos para a compreenso da multiplicida-de da vida que nos cerca.

    Notas

    1 No Brasil, existe apenas uma verso traduzida destetexto (com onte de lngua inglesa) que, seguindo oprocedimento de Parsons, oi inserida como intro-duo ao escritoA tica protestante e o esprito do ca-pitalismo (Weber, 1996, pp. 1-15). No texto utilizo ooriginal alemo disponvel em (Weber, gars i, 1988,pp. 1-16).

    2 O mesmo texto oi republicado em Cohn (2003).

    3 Sobre o irracional em Weber, ver Segady (1988) eSica (1992).

    4 Um levantamento bibliogrco sistemtico sobre otema da racionalidade em Weber est disponvel emSica (2000).

    5 Exemplo signicativo nesse sentido o da intelectualrancesa Colliot-Thlne (1995).

    6 Dessa orma, a interpretao de Schluchter buscaevitar a reduo da sociologia comparativa de We-ber a um esquema evolucionista, por um lado, oumeramente histrico-descritivo, por outro. Maioresdetalhes sobre este ponto podem ser encontrados emSouza (2000).

    7 A complexa histria da elaborao e composio desteescrito reconstruda por Pierucci (2009).

    8 Em portugus, este texto encontra-se disponvel ten-

    do como onte a traduo em ingls realizada por Wri-ght e Mills em sua antologia de textos sobre Weber(Ensaios de sociologia) sob o ttulo de A psicologiasocial das religies mundiais (Weber, 1982). Nestetrabalho utilizo as verses alem (mwg i/19) e espa-nhola (Weber, 2001).

    9 O texto tambm est na traduo de Wright e Mills(Weber, 1982), sob o ttulo de Rejeies religiosas domundo e suas direes. Para as tradues utilizei ooriginal alemo (mwgi/19; Weber, 1991) e a traduoespanhola da editora Taurus (Weber, 2001).

    10 Neste ponto, sigo a interpretao exposta em Schlu-chter (1999 e 2009). Sobre o desencantamento domundo, ver, ainda, Lehmann (2009).

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    RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMS 233

    RATIONALIT ETRATIONALISATION SELON MAX

    WEBER

    Carlos Eduardo Sell

    Mots-cls:Weber; Rationalit; Rationali-sation; Intellectualisme.

    Linterprtation de la thorie de la ratio-nalisation sociale de Max Weber est lundes thmes les plus controverss de lalittrature chez cet auteur. En vue da-ronter ce thme complexe, cet articlersume les principales conclusions descommentateurs qui abordent cette ques-tion et dcrit les concepts wbriensde rationalit matrielle et ormelle et derationalit thorique et pratique en lesplaant dans les crits de Max Weber.

    Bas sur cette enqute exgtique,larticle souligne certaines limites de lalittrature secondaire et met en lumirecertaines de ses implications pour lacomprhension du sens que le thmede la rationalit et de la rationalisationprend dans le corpus wbrien.

    RACIONALIDADE ERACIONALIZAO EM MAX

    WEBER

    Carlos Eduardo Sell

    Palavras-chave:Max Weber; Racionali-dade; Racionalizao; Intelectualismo.

    A interpretao da teoria da racionaliza-o social de Max Weber constitui umdos tpicos mais controversos da litera-tura especializada no pensamento desteautor. Visando enrentar este complexotema, este artigo sumariza as conclusesdos principais comentadores que tratamda questo, bem como descreve os con-ceitos weberianos de racionalidade mate-rial e ormal e de racionalidade terica eprtica situando-os nos escritos de Max

    Weber. Com base neste levantamentoexegtico, apontamos alguns limites dabibliografa secundria, destacando al-gumas de suas implicaes para a com-preenso do sentido que a temtica daracionalidade e da racionalizao adquireno corpustextual weberiano.

    RATIONALITY ANDRATIONALIZATION IN MAX

    WEBER

    Carlos Eduardo Sell

    Keywords: Weber; Rationality; Rational-ization; Intellectualism.

    The interpretation o Max Webers the-ory o social rationalization is one o themost controversial topics in the special-ized literature concerning the thought othe author. Aiming to address this com-plex issue, this article summarizes theconclusions o the main commentatorswho deal with the issue and describesthe Weberian concepts o ormal andmaterial rationality, and theoretical andpractical rationality, placing them in the

    writings o Max Weber. Based on this ex-egetical survey, the article points out tosome limits o the secondary literatureand highlights some o their implicationsor understanding the sense that thetheme o rationality and rationalizationtakes in the corpus o Webers works.