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 Verso e Reverso, XXVIII(68):114-124, maio-agosto 2014 © 2014 by Unisinos – doi: 10.4013/ver.2014.28.68.06 ISSN 1806-6925 Curtir, compartilhar, comentar: trabalho de face, conversação e redes sociais no Facebook Like, share, comment: facework, conversation and social networks on Facebook Raquel Recuero Universidade Católica de Pelotas. Rua Félix da Cunha, 425, Caixa Postal: 402, 96010-000, Pelotas, RS, Brasil [email protected] Resumo. O presente trabalho busca explorar os usos conversacionais das ferramentas “curtir”, “com- partilhar” e “comentar” no Facebook, bem como seus efeitos sobre o capital social e as redes sociais, a partir da noção de “face” de Goff man (1967). A partir de um estudo empírico com 20 entrevistas e um questionário com 300 respostas, este artigo tra-  balha a m anutenção da face como consequência dos usos conversacionais dessas ferramentas. Dentre os principais resultados, aponta-se também que a intersecção das redes promovida pelo Facebook e suas apropriações conversacionais têm efeitos no trabalho de face, aumentando a percepção do risco de atos de ameaça à face e levando, inclusive, al- guns atores a não interagir, o que também poderia ter efeitos de redução de capital social no Facebook para as redes sociais. Palavras-chave: conversação mediada pelo compu- tador, trabalho de face, redes sociais, capital social. Abstract. This paper aims to explore the conver- sational uses of the Facebook tools “share”, “like” and “comment”, as well as their e ff ects on the so- cial capital and the social networks, based on Goff - man’s (1967) idea of “face”. The discussion is based on an empirical case study with 20 interviews and a survey with 300 users and focuses on facework as a consequence of the negotiations for conversational usages of these tools. Our results show that the in- tersection of networks promoted by these practices have an eff ect on facework, elevating the perception of risk for face-threatening acts which, sometimes, may be su cient cause for the actors to decide not to interact, which also may reduce the tool’s value for social networks. Keywords: computer mediated conversation, fa- cework, social networks, social capital. Introdução O avanço dos sites de rede social é hoje uma realidade. Apenas o Facebook, por exem- plo, congregava, em maio de 2013, mais de 1,1  bilhões de usuários ativos (Protalinski, 2013) dos quais mais de 70 milhões deles estão no Brasil hoje (Folha de S. Paulo  , 2013). Ele, como muitos sites de rede social, é uma ferramenta apropriada simbolicamente para construir o espaço social no cotidiano dos atores, gerando práticas que ressignicam seus usos 1 . Dentre essas apropriações, está a conversação. Essa prática, geralmente focada nas trocas que acontecem entre falantes, passa a ser um uso dessas ferramentas, que são adaptadas para ferramentas primariamente textuais, mui- tas vezes assíncronas, através da criação de convenções e novos sentidos entre os atores. E esses sentidos são constantemente adap- tados e reconstruídos pelas redes sociais que estão em movimento na ferramenta, pela di- nâmica sistêmica que envolve esses grupos. Compreender essas práticas e seus sentidos, 1  No sentido da apropriação simbólica explicitado por Lemos (2003).

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  • Verso e Reverso, XXVIII(68):114-124, maio-agosto 2014 2014 by Unisinos doi: 10.4013/ver.2014.28.68.06ISSN 1806-6925

    Curtir, compartilhar, comentar: trabalho de face, conversao e redes sociais no Facebook

    Like, share, comment: facework, conversation and social networks on Facebook

    Raquel Recuero Universidade Catlica de Pelotas. Rua Flix da Cunha, 425, Caixa Postal: 402, 96010-000, Pelotas, RS, Brasil

    [email protected]

    Resumo. O presente trabalho busca explorar os usos conversacionais das ferramentas curtir, com-partilhar e comentar no Facebook, bem como seus efeitos sobre o capital social e as redes sociais, a partir da noo de face de Go man (1967). A partir de um estudo emprico com 20 entrevistas e um questionrio com 300 respostas, este artigo tra-balha a manuteno da face como consequncia dos usos conversacionais dessas ferramentas. Dentre os principais resultados, aponta-se tambm que a interseco das redes promovida pelo Facebook e suas apropriaes conversacionais tm efeitos no trabalho de face, aumentando a percepo do risco de atos de ameaa face e levando, inclusive, al-guns atores a no interagir, o que tambm poderia ter efeitos de reduo de capital social no Facebook para as redes sociais.

    Palavras-chave: conversao mediada pelo compu-tador, trabalho de face, redes sociais, capital social.

    Abstract. This paper aims to explore the conver-sational uses of the Facebook tools share, like and comment, as well as their e ects on the so-cial capital and the social networks, based on Go -mans (1967) idea of face. The discussion is based on an empirical case study with 20 interviews and a survey with 300 users and focuses on facework as a consequence of the negotiations for conversational usages of these tools. Our results show that the in-tersection of networks promoted by these practices have an e ect on facework, elevating the perception of risk for face-threatening acts which, sometimes, may be su cient cause for the actors to decide not to interact, which also may reduce the tools value for social networks.

    Keywords: computer mediated conversation, fa-cework, social networks, social capital.

    Introduo

    O avano dos sites de rede social hoje uma realidade. Apenas o Facebook, por exem-plo, congregava, em maio de 2013, mais de 1,1 bilhes de usurios ativos (Protalinski, 2013) dos quais mais de 70 milhes deles esto no Brasil hoje (Folha de S. Paulo, 2013). Ele, como muitos sites de rede social, uma ferramenta apropriada simbolicamente para construir o espao social no cotidiano dos atores, gerando prticas que ressignifi cam seus usos1. Dentre

    essas apropriaes, est a conversao. Essa prtica, geralmente focada nas trocas que acontecem entre falantes, passa a ser um uso dessas ferramentas, que so adaptadas para ferramentas primariamente textuais, mui-tas vezes assncronas, atravs da criao de convenes e novos sentidos entre os atores. E esses sentidos so constantemente adap-tados e reconstrudos pelas redes sociais que esto em movimento na ferramenta, pela di-nmica sistmica que envolve esses grupos. Compreender essas prticas e seus sentidos,

    1 No sentido da apropriao simblica explicitado por Lemos (2003).

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    Curtir, compartilhar, comentar: trabalho de face, conversao e redes sociais no Facebook

    assim, essencial para compreender tambm os efeitos desses sites na sociedade.

    A partir dessas consideraes, o presente trabalho busca explorar os usos conversacio-nais das ferramentas presentes no Facebook, de forma especfi ca, das ferramentas curtir, compartilhar e comentar, e seus efeitos em termos de valor (aqui compreendido como capital social, conforme discutiremos adiante) para os atores. Para interseccionar esses concei-tos e as prticas conversacionais, focamos tam-bm o conceito de face e trabalho de face, a partir de Go man (1967, 2001). Essa discusso ser realizada atravs de um estudo emprico, onde, alm da observao dos usos dessas fer-ramentas, foram realizadas entrevistas e ques-tionrio com usurios brasileiros do Facebook.

    A conversao e a conversao em rede

    Marcuschi defi ne a conversao como uma interao verbal centrada, que se desenvolve durante o tempo em que dois ou mais interlo-cutores voltam sua ateno visual e cognitiva para uma tarefa comum (2006, p. 15). Nesse conceito, observa-se a conversao como um evento temporal, com objetivos, e, portanto, or-ganizada, entre dois ou mais atores. Assim, po-demos dizer que a conversao um fenmeno que foca principalmente as interaes orais, que ocorrem entre atores em um determinado contexto, com alternncia na tomada de turno de fala (Marcuschi, 2006; Kerbrat-Orecchioni, 2006). A conversao tambm um evento or-ganizado que, por isso, necessita de algum n-vel de cooperao entre os envolvidos, seja na negociao das regras, seja no objetivo, seja na legitimao dos discursos. Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 11) explica que na interao face a face, o discurso inteiramente coproduzido.

    Assim, embora a conversao seja compreen-dida primariamente como um fenmeno falado, oral (Pridham, 2001; Marcuschi, 2006), a apro-priao das ferramentas textuais da mediao do computador passou a indicar uma simulao da conversao e uma percepo de uso conver-sacional (Herring, 1996 explica, por exemplo, o uso das palavras falar, dizer e etc. como re-ferncia ao que foi escrito a algum na Internet). O uso de convenes para simular elementos da

    fala e criar semelhanas com a conversao, tais como emoticons, onomatopeias e etc., passou a ser comumente observado por diversos pesqui-sadores e com isso, a conversao mediada pelo computador passou a ser comparada com a oral (vide Boyd e Heer, 2006; Herring, 1996; Primo e Smaniott o, 2006, entre outros).

    Dizemos que a conversao mediada pelo computador , assim, uma apropriao, ou seja, uma adaptao de meios que original-mente so textuais e no propcios s intera-es orais para um fi m, que aquele da con-versao. Embora essas apropriaes sejam mais visveis nos meios que proporcionam a sincronia (ou seja, aqueles onde a interao acontece quando os envolvidos esto conecta-dos ao mesmo tempo, como os chats, vide Ko, 1996; Arajo, 2004), tambm naqueles onde as interaes assncronas acontecem (ou seja, aquelas onde as interaes acontecem espa-lhadas no tempo, quando os envolvidos no esto conectados ao mesmo tempo, como blo-gs, e-mails e etc.) h conversaes (Scoble e Is-rael, 2006; Primo e Smaniott o, 2006). Assim, dizemos que as prticas conversacionais que emergem das apropriaes das ferramentas da mediao so o objeto deste trabalho.

    Essas prticas tornam-se relevantes tam-bm com o surgimento dos sites de rede social e dos pblicos em rede. Esses sites so compre-endidos como aqueles que permitem (i) que os atores sociais criem perfi s individualizados, que vo funcionar como representaes de si; (ii) que suas redes sociais sejam publicizadas pelas ferramentas (Boyd e Ellison, 2007); e (iii) que esses atores possam ainda utilizar esses si-tes como plataformas de conversao e intera-o uns com os outros. So ferramentas como o Facebook (htt p://www.facebook.com), o Orkut (htt p://www.orkut.com), o MySpace (htt p://www.myspace.com) e mesmo o Twitt er (htt p://www.twitt er.com). Esses sites impactaram pro-fundamente as redes sociais por no apenas as traduzirem para o digital, mas porque as reconstroem nesse espao, gerando novas for-mas de estar conectado, principalmente atravs das chamadas conexes associativas (Recuero, 2009). Essas conexes so representaes dos laos sociais, reconstrudas e mantidas atravs desses sites, relacionadas aos laos fracos (Hu-berman et al., 2009)2. Assim, cada vez que um

    2 A definio de laos fortes e fracos foi inicialmente construda pelo socilogo Mark Granovetter (1973), onde os primeiros te-riam uma relao maior com a intimidade e formas de capital social mais complexas para a rede; enquanto os segundos seriam responsveis pelas pontes (Burt, 2001), ou seja, pelas interconexes entre os grupos de amigos, relacionados ao capital social menos complexo, com menor intimidade e investimento nas relaes e mais relacionado circulao de informaes.

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    Raquel Recuero

    amigo adicionado numa ferramenta dessas, a conexo torna-se permamente no site, onde no ocorre desgaste e nem distanciamento, como nos laos sociais o ine. Alm disso, es-sas conexes tornam-se canais permamente de informao entre os atores, pois cada um que acrescenta outro a sua rede passa a ter acesso a tudo aquilo que o amigo publica na rede.

    Nesses sites, as conversaes, como apro-priaes, precisam nascer das ferramentas para a interao que esto disponveis. Com isso, novos usos e novos sentidos so constru-dos nas ferramentas, de modo a permitir que os elementos da conversao, como a interao entre dois ou mais sujeitos, sua organizao (a criao e o espalhamento das convenes) e mesmo os contextos sejam divididos pelos participantes. Alm disso, as conversaes, no espao dos sites de rede social, tambm adqui-rem os contornos associados aos pblicos em rede. Boyd (2007, p. 126) explica que h qua-tro caractersticas desses pblicos em rede, a saber, a persistncia, a replicabilidade, a bus-cabilidade e as audincias invisveis. Essas ca-ractersticas dariam uma nova dimenso para a audincia das ferramentas mediadas. As in-teraes, nesses sites, assim, so persistentes, ou seja, so registradas pelas ferramentas e ali permanecem, a menos que exista uma ao no sentido de exclu-las (e, mesmo assim, muitas vezes, essas interaes permanecem). Do mes-mo modo, porque permanecem, essas intera-es so replicveis por outros atores e busc-veis dentro das ferramentas digitais.

    Assim, as caractersticas iniciais da media-o digital proporcionam que as conversaes que so criadas nesses espaos permaneam, sejam buscveis e replicveis independen-temente da presena online dos atores. Com isso, as conversaes tomam outra dimenso: elas so reproduzidas facilmente por outros atores, espalham-se nas redes entre os diver-sos grupos, migram e tornam-se conversaes cada vez mais pblicas, moldam e expressam opinies, geram debates e amplifi cam ideias. Tem-se o que chamamos de conversaes em rede (Recuero, 2012). So, assim, conversaes pblicas que tomam espao nesses sites, cole-tivas, que se espalham pelas redes e que su-plantam as limitaes dessas, mantendo-se de forma sncrona e assncrona3 no ciberespao.

    Essas conversaes expressam, geralmente, a participao de centenas de pessoas, por vezes, com milhares de interaes que so acessveis, de forma assncrona, por todos os atores. Essa assincronia que permite que pes-soas temporalmente distantes tomem o turno e recuperem as conversaes, espalhando-as e fazendo com que migrem entre os grupos e entre os sites de rede social.

    Face, capital social e conversao

    Uma vez discutida o que conversao e o que conversao em rede e seu impacto nos sites de rede social, passaremos a um outro ponto importante para a discusso que que-remos fazer neste trabalho, que foca elemen-tos que, do nosso ponto de vista, infl uenciam profundamente essas prticas: a face e o capi-tal social. Dissemos que os sites de rede social proporcionam novas formas de conexo social e de manuteno dessas conexes aos atores. Por conta disso, esses sites tambm so capa-zes de gerar valores diferenciados especfi cos para os atores. Chamamos esses valores de ca-pital social. O capital social constitudo dos valores negociados e embebidos na estrutura dos grupos sociais (Coleman, 1988; Putnam, 2000; Bourdieu, 1983). Refere-se, assim, grosso modo, aos valores associados ao fazer parte de redes sociais. Nesse sentido, Coleman (1988) argumenta que toda a ao social motiva-da pelos interesses individuais no capital so-cial. Ou seja, os atores participam de grupos e redes porque percebem valores constitudos nessas aes, que so acessveis a eles. Fazer parte de uma rede, estar conectado, um valor por si, porque, conforme Burt (2001), os recur-sos que esto disponveis a cada ator so de-pendententes daqueles que esto disponveis a seus contatos ou conexes. Logo, quanto mais contatos, maior a quantidade de recursos a que algum potencialmente tem acesso, o que justifi caria a valorizao das conexes associa-tivas nos sites de rede social.

    A natureza desses valores , entretanto, polmica. Neste artigo, consideraremos que o capital social defi nido por sua funo, a partir da viso de Coleman (1988). Os va-lores embebidos na estrutura, assim, seriam percebidos pela sua funo para os demais.

    3 A sincronia, ou a assincronia menos uma caracterstica do meio do que da apropriao. Ferramentas geralmente tidas como sncronas, como os chats, podem assim tomar dimenses assncronas e vice-versa. No caso da conversao em rede, a assincronia que a caracteriza, na medida em que ela vai migrando entre os diversos grupos e abrindo-se a participao de atores que no esto conectados diretamente aos participantes originais do evento.

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    Curtir, compartilhar, comentar: trabalho de face, conversao e redes sociais no Facebook

    Alm disso, esse capital social, como recurso, construdo coletivamente, mas pode ser apro-priado individualmente na mesma linha (Lin, 2001). Ainda sobre o capital social, Bertolini e Bravo (2004) explicitam seus tipos baseados no trabalho de Coleman (1988), como capital social de primeiro nvel (relacionados aos cha-mados laos fracos), composto de suporte social, conhecimento das normas de interao e acesso informao; e capital social de se-gundo nvel (relacionado aos chamados laos fortes), composto de uma maior confi ana no ambiente social e o reconhecimento do grupo enquanto grupo.

    Estar conectado em um site de rede social, deste modo, proporcionaria acesso a valores de capital social, conforme demonstra o traba-lho de Ellison et al. (2007) a respeito dos tipos de capital social que seriam disponveis no Facebook. Para os autores, o site proporciona a seus membros acesso a um tipo de valor es-pecfi co, denominado por eles de capital so-cial de manuteno, ou seja, o Facebook torna mais fcil a manuteno das conexes sociais j existentes. Por outro lado, este no o ni-co valor discutido nos sites de rede social. Ao permitir a manuteno, ela tambm facilita a associao com outros atores que no conhe-cemos ou que conhecemos muito pouco e com os quais difi cilmente teramos oportunidade de aprofundar os laos sociais. Essa associao tambm produz tipos de valores diferenciados e relevantes para os atores. Primo (2009, 2010), por exemplo, demonstrou como possvel construir, atravs dessas conexes associati-vas, valores conectados fama e populari-dade do ator na rede. Hogg e Adamic (2004), em uma via semelhante, demonstraram como as redes sociais so capazes de engrandecer a reputao dos atores, outro valor associado s conexes associativas dos sites de rede social. Portanto, estar mais conectado atravs desses sites representa, tambm, ter acesso a tipos di-ferentes de valores sociais. Por conta disso, o comportamento de adicionar outras pessoas rede social relativamente comum nos sites de rede social.

    Backstrom et al. (2012), recentemente, pu-blicaram um trabalho onde explicitam que o distncia social entre quaisquer dois perfi s no Facebook bem menor do que se esperava, em

    torno de 3,74 (o que signifi ca que duas pessoas esto conectadas, em mdia, por outras duas pessoas no Facebook). Isso signifi ca que h maior associao entre os perfi s do Facebook, tornando as redes mais densas (e os atores mais prximos uns dos outros), o que uma possvel consequncia da busca individual pe-los valores associados s conexes no sistema. Este trabalho mostra claramente que estamos diante de outro fenmeno, gerado e mantido pelos sites de rede social: o fenmeno da hiperco-nexo das redes sociais online.

    Enquanto os sites de rede social mantm as conexes que so estabelecidas ali, permitem que essas conexes no se desgastem com a fal-ta de investimento, mantendo-as ativas e capa-zes de transitar informaes e outros tipos de valores. Entretanto, isso no acontece sem um custo. A hiperconexo uma forma de agregar tipos de capital social que no estariam nor-malmente acessveis aos atores, mas tambm tem custos importantes. Com a reduo da distncia social, por exemplo, as interaes es-to mais pblicas. As informaes disponibili-zadas nos sites de rede social tornam-se mais acessveis, menos privadas, mais circulantes. Alm disso, por conta das caractersticas dos pblicos em rede (Boyd, 2007), as interaes tornam-se mais rastreveis, mais capazes de espalhamento e acessveis a atores que, apro-ximados pela ferramenta, pertencem a grupos mais heterogneos. Ou seja, esses sites tambm aproximam redes heterfi las4, diferentes, e tor-nam suas interaes mais visveis.

    Mas como a conversao infl uencia esses va-lores nas redes sociais presentes no Facebook?

    Dissemos, no primeiro captulo, que um dos elementos que caracteriza a conversa-o so os rituais, que so construdos cultu-ralmente pelas sociedades e pelos grupos de atores. Go man (1967) explicita essas normas como rituais, convenes que guiam o proces-so da conversao, cujo sentido construdo culturalmente. H rituais para a troca de falan-tes, para o contexto, para aquilo que dito e etc. Nos sites de rede social, esses rituais so confusos, justamente pela ausncia de um contexto claro para cada enunciado publicado. Alm disso, outros fatores caractersticos da prpria estrutura das redes sociais na ferra-menta criam novos contextos para a interpre-

    4 Essas redes so compreendidas como aquelas constitudas por grupos sociais diferentes, heterogneos. Grupos sociais constitudos de laos mais fortes tendem a conectar atores a outros atores com crenas, backgrounds, classe social e etc. mais semelhantes a si mesmos. Grupos sociais tendem a formar-se, assim, entre atores mais parecidos entre si, mais ho-mogneos.

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    Raquel Recuero

    tao desses enunciados. Assim, por exemplo, referncias feitas a um determinado arcabouo cultural podem ser esvaziadas quando atores pertencentes a grupos sociais diferentes tm acesso ao que foi dito. Com isso, novas con-venes precisam surgir. o caso, por exem-plo, do uso de hashtags como ncoras contex-tuais no Twitt er (Honeycutt e Herring, 2009); ou mesmo, dos mecanismos de retweet (RT) na mesma ferramenta (Boyd et al., 2010).

    Go man (1967) explica que para compre-ender esses rituais preciso tambm compre-ender a noo de face. A face, para o autor, constituda pelos valores sociais positivos que um determinado ator reivindica atravs de sua expresso, de sua participao em situ-aes de interao com outros. A face uma imagem do self delinada em termos de atribu-tos sociais aprovados5 (Go man, 1967, p. 5), ou seja, uma imagem positiva constituda por um ator diante dos demais. A face mantida atravs de um trabalho de face, ou seja, ne-gociaes entre os atores de modo a manter os valores sociais positivos atribudos face proposta e que precisam ser legitimados pelos demais. O trabalho de face, assim, est direta-mente relacionado ao capital social. Propor e receber legitimao de uma determinada face em uma determinada conversao essencial-mente uma negociao de valor que envolve o suporte ao ator que reivindica a face, o conhe-cimento das normas de interao, a informa-o e outras formas de capital social (Bertolini e Bravo, 2004). Estar ou manter uma face com sucesso implica, explica Go man (1967), senti-mentos positivos e valores para um ator e para um determinado grupo, na medida em que gera algum tipo de segurana social. A repre-sentao do papel social (Go man, 2001) s pode ser bem sucedida na medida em que h legitimao do contexto e da face apresentada. A face buscada e a legitimao dessa face pelos demais atores, assim, infl uenciam as escolhas discursivas dos envolvidos na interao.

    Entretanto, interagir tambm apresenta ris-co para a face. Esse risco baseado na possibi-lidade de que atos de ameaa face venham a surgir de situaes de interao. Go man (1967) argumenta que esse risco pode levar desde a tentativas de salvaguarda da face at mesmo o recolhimento do ator que no partici-pa da interao para no sofrer essas ameaas. Em geral, as normas de interao pregam o

    respeito face a alheia. Assim, atos de ameaa face so aqueles que colocam em risco a face proposta, quebrando as normas de interao (por exemplo, falas ofensivas, descrdito e etc.). Assim, interagir sempre um risco.

    Uma face positiva, desse modo, constitui-se quando a interao legitima a face apresen-tada, ou seja, quando as normas da interao so respeitadas, gera-se capital social para a relao entre os atores (fortalecendo, por exemplo, o lao social e criando maior confi an-a na relao e no ambiente da conversao, conforme Bertolini e Bravo, 2004). Quando h atos de ameaa face, h tambm tentativas de salvaguarda da face na interao. Esses atos, entretanto, podem prejudicar a relao entre os envolvidos na conversao, quebrando as normas (Coleman, 1988) que governam a in-terao nos grupos sociais, gerando tenso e confl ito.

    Os sites de rede social, assim, permitiriam aos atores que maximizassem o capital social a que tem acesso na medida em que susten-tam mais conexes do que seria possvel obter no espao o ine. Ribeiro (2009) salienta ainda a importncia da identidade pessoal nessas tecnologias, como um guia unifi cador dentre os diversos papis (e faces) propostos pelos atores na Comunicao Mediada pelo Com-putador. Assim, um dos valores fundamentais das redes sociais est relacionado face. Est na reputao, ou seja, a legitimao obtida pe-los atores da face que apresentam nessas fer-ramentas, que acrescenta valores positivos ao ator e identidade.

    Abordagem metodolgica

    Dissemos, no incio deste trabalho, que nosso objetivo buscar compreender como a apropriao das ferramentas do Facebook, de forma especfi ca, das ferramentas curtir, compartilhar e comentar construda diante das conversaes em rede, e quais im-plicaes essas apropriaes tm para o capital social e para as redes sociais que esto expres-sas na ferramenta. Para explorar esse objetivo, utilizamos uma proposta metodolgica com trs focos, todos qualitativos no sentido de construir um estudo emprico. Inicialmente, realizamos uma observao deste uso in loco. Para tanto, observamos diariamente, durante o perodo de trs meses (maio, junho e julho de

    5 Face is an image of self delineated in terms of approved social attributes.

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    Curtir, compartilhar, comentar: trabalho de face, conversao e redes sociais no Facebook

    2012), como as pessoas utilizavam essas ferra-mentas. Durante essa observao, foram reco-lhidos exemplos e realizadas anotaes para que, em um segundo momento, pudssemos explorar aquilo que vimos em entrevistas. Em um segundo momento, entrevistamos 20 ato-res escolhidos de forma arbitrria a respeito de seu uso e sua compreenso da convenes estabelecidas sobre as ferramentas (entrevis-tas realizadas em junho de 2012). Essas entre-vistas seguiram apenas um roteiro informal, buscando explorar de forma mais aprofunda-da aquilo que tinha sido selecionado na fase de observao. Nessas duas primeiras fases, observou-se como as pessoas utilizavam o curtir, o compartilhar e o comentar na ferramenta. Foram recolhidos exemplos con-siderados relevantes para o trabalho em cima dessa observao. As entrevistas com os ato-res foram realizadas atravs da mediao do computador, principalmente atravs das fer-ramentas de Mensageiro Instantneo (GTalk e MSN), Facebook Chat, e do Twitt er. Na maior parte, essas entrevistas constituiram-se em conversas informais em torno dos tpicos e das questes elencadas no instrumento de pesquisa (roteiro). Tambm foram explora-dos os valores que os atores percebiam nesses usos. Dentre os entrevistados, conversamos com 13 mulheres e 7 homens, com idade va-riada entre 20 e 36 anos6.

    Em um terceiro momento, construmos um questionrio com 13 questes, todas baseadas nos dados obtidos nas fases anteriores da pes-quisa. Esse questionrio foi disponibilizado publicamente durante um perodo de 15 dias, e as pessoas foram convidadas a respond-lo atravs de mensagens e da propagao do convite dentro do prprio Facebook. Foram obtidas 300 respostas no perodo, com a par-ticipao de 140 homens (47%) e 160 mulheres (53%), das quais 152 (50,6%) entre 16 e 25 anos; 98 (32,6%) entre 26 e 35 anos; 34 (11,4%) entre 36 e 45 anos; e 16 (5,4%) acima de 46 anos.

    Curtir, compartilhar e comentar: funes conversacionais

    Como os usurios apropriam simbolica-mente os botes curtir, compartilhar e comentar como forma de tomar parte na conversao no Facebook?

    O boto curtir parece ser percebido como uma forma de tomar parte na conversao sem precisar elaborar uma resposta. Toma-se parte, torna-se visvel a participao, portan-to, com um investimento mnimo, pois o ator no necessariamente precisa ler tudo o que foi dito. uma forma de participar da conversa-o sinalizando que a mensagem foi recebida. Alm disso, ao curtir algum enunciado, os atores passam a ter seu nome vinculado a ele e tornam pblico a toda a sua rede social que a mensagem foi curtida (essa mensagem apa-rece como uma notifi cao para as conexes de quem curtiu) (Figura 1).

    Nesse sentido, curtir algo adquiriria uma srie de contornos de sentido. Primeiro, seria uma forma menos comprometida de expor a face na situao, pois no h a elaborao de um enunciado para explicitar a participao do ator. Segundo, seria visto como uma forma de apoio e visibilidade, no sentido de mostrar para a rede que se est ali. So duas formas de capital social, focadas na difuso da informa-o para a rede social e na difuso do apoio/contato entre os dois participantes da conver-sao (formas de capital social de primeiro n-vel, de acordo com Bertolini e Bravo, 2004).

    Vejo como uma participao mesmo, sem pre-cisar se expor muito... (usurio, 20 anos)

    Quando questionados a respeito de seu uso da ferramenta curtir no questionrio, 277 respondentes (92,3%) argumentaram que ser-ve para mostrar que viram a informao e que a consideram interessante, ou digna de aten-o. Alm disso, 228 (76%) associam a ao de curtir como uma forma explcita de concor-dncia, de apoio ao enunciado. Curtir, por-

    6 As declaraes selecionadas dos entrevistados aparecero anonimizadas neste trabalho e apenas como ilustraes dos dados do questionrio.

    Figura 1. Exemplo de curtidas (likes) no Facebook. Figure 1. Like example on Facebook.

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    Raquel Recuero

    tanto, parece ser percebido no apenas uma forma de divulgar a informao, tambm uma forma de legitimar a face do outro atravs de concordncia e apoio. No se trataria, assim, de apenas tomar parte na conversao, mas, igualmente, de legitimar aquilo que dito pelo outro. Curiosamente, curtir tambm pode denotar agradecimento pela informao (32%), 97 das respostas. Nesse sentido, as pes-soas agradecem a publicao de uma informa-o considerada relevante. Alm disso, outro elemento importante observado a prtica de curtir comentrios. Essa prtica tem um gran-de valor por apoiar o comentarista, manifes-tando concordncia (80%, N=241), mas igual-mente serve para mostrar que o comentrio foi lido (38%, N= 113). Neste ltimo caso, vemos que existe a intencionalidade de tomar parte na conversao, assentindo e demonstrando que a mensagem foi vista e compreendida.

    s vezes curto minhas postagens para dar visi-bilidade mesmo (usurio, 25 anos)

    Curtir uma informao, assim, parece ter uma srie de funes conversacionais. vista como uma ao positiva, no sentido de ge-rar valores de capital social e agregar esses valores relao entre os atores envolvidos. Curtir tambm legitimar a face e apoiar a mensagem (e aquele que a divulgou), no sen-tido que Go man (1967) prope. No apenas recebe-se um reforo da aceitao da face, como tambm manifestaes que so com-preendidas como reforos de capital social reconhecendo a relevncia, a importncia e o apoio quilo que foi publicado.

    O boto compartilhar, por outro lado, tem outras funes e valores associados. Sua

    principal funo parece ser a de dar visibilida-de para a conversao ou da mensagem, am-pliando o alcance dela (Figura 2).

    No questionrio, a principal funo elenca-da para a ferramenta foi justamente a divulga-o de algo relevante (81%, N=243). A percep-o deste algo como relevante para a rede social igualmente um valor para aquele que com-partilha e para aquele que foi compartilhado.

    Compartilho aquilo que acho importante ou que acho que interessa aos meus amigos (usuria, 30 anos)

    Um percentual igualmente alto de respon-dentes explicou que sua deciso de comparti-lhar era baseada na percepo de algo como interessante para sua rede social (73%, N=219). Nesse sentido, parece-nos que com-partilhar algo que seja valorizado pela rede um valor positivo. Compartilhar uma in-formao tambm tomar parte na difuso da conversao, na medida em que permite que os usurios construam algo que pode ser passvel de discusso, uma vez que de seu interesse, para sua rede social. O comparti-lhamento tambm pode legitimar e reforar a face, na medida em que contribui para a repu-tao do compartilhado e valoriza a informa-o que foi originalmente publicada. Embora tenhamos observado em alguns casos, o com-partilhamento para crtica, de um modo geral, o compartilhamento parece ser positivo, no sentido de apoiar uma determinada ideia, um manifesto ou uma mensagem. Assim, portan-to, tambm uma forma de legitimar a face e construir capital social atravs da cesso da in-formao para a rede (Bertolini e Bravo, 2004).

    Os comentrios, por sua vez, so as prti-cas mais evidentemente conversacionais. Tra-ta-se de uma mensagem que agregada atra-vs do boto da postagem original, visvel tanto para o autor da postagem quanto para os demais comentaristas, atores que curtam e compartilhem a mensagem e suas redes so-ciais. uma ao que no apenas sinaliza a participao, mas traz uma efetiva contribui-o para a conversao (Figura 3).

    O comentrio compreenderia assim uma participao mais efetiva, demandando um maior esforo e acontecendo quando os usu-rios tm algo a dizer sobre o assunto (84%, N= 252).

    Ah, pra comentar tem que ser algo que real-mente chame a ateno e que eu possa contribuir (usurio, 26 anos)

    Figura 2. Exemplo de compartilhamentos (n-mero abaixo, direita).Figure 2. Share example on Facebook.

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    Curtir, compartilhar, comentar: trabalho de face, conversao e redes sociais no Facebook

    O comentrio, portanto, parece envolver um maior engajamento do ator com a con-versao e um maior risco para a face, pois uma participao mais visvel. Isso porque aquilo que dito pode ser facilmente descon-textualizado quando migrar para outras redes atravs das ferramentas de compartilhamento, de curtida e mesmo de comentrio. Essa com-preenso do comentrio como um risco para a face tambm leva muitos usurios a desistir de comentar e optar por apenas curtir a posta-gem, uma vez que o risco para a face melhor.

    J deixei de comentar sim. Achei que ia rolar xingamento e discusso e no quis me expor (usuria, 25 anos)

    quando a pessoa tem um monte de amigo que eu nunca vi mais provvel de algum se ofender [com o comentrio] (usuria, 29 anos)

    Com a hiperconexo proporcionada pelo Facebook, onde os grupos vo fi cando cada vez mais prximos na rede, conforme Backs-trom et al. (2012) mostraram, o risco ainda maior. Essa aproximao, gerada pelas prti-cas de ampliao das conexes associativas na ferramenta, coloca grupos diferentes em con-tato direto, fazendo com que contextos dife-rentes colidem na conversao e gerem maior risco para a face.

    O exemplo (Figura 4) demonstra uma das discusses onde h ameaas face observadas nesse contexto dos comentrios. Observa-se que o tom daquilo que dito evidentemen-

    te discordante, por vezes, sarcstico, portanto, gerador de tenso e insegurana com relao conversao e manuteno da face. Com efeito, tais discusses em comentrios foram observadas com relativa frequncia no perodo pelo qual se estendeu este estudo. Observa-mos, assim, que os usurios participantes da pesquisa parecem mais reticentes em comentar do que em curtir mensagems, justamente por-que parecem perceber que h maior risco para a face e para a reputao nessas interaes.

    A manuteno da face e o capital social no Facebook

    Como vimos no captulo anterior, partici-par de uma conversao, no Facebook, parece ter uma relao direta com a manuteno da face positiva. H quase um acordo de troca na interao entre os usurios (capital social nor-mativo, de acordo com a classifi cao de Ber-tolini e Bravo, 2004), onde o objetivo do uso de ferramentas como o curtir e o compartilhar aquele, justamente, de legitimar o que est sendo dito, concordando ou assertindo, atuan-do na manuteno da face (no sentido do tra-balho de face construdo por Go man, 1967). Ou seja, o que discutimos at agora que as ferramentas que o Facebook disponibiliza para

    Figura 3. Exemplo de comentrios no Facebook.Figure 3. Comment example on Facebook.

    Figura 4. Exemplo de ato de ameaa a face em conversao no Facebook.Figure 4. Face threatening act example on Fa-cebook.

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    a participao na conversao seriam usadas atravs de um acordo tcito entre os grupos envolvidos: aquele de us-las de forma a man-ter a face alheia e a prpria e, atravs dessas prticas, construir laos sociais mais fortes e confi ana no ambiente social da conversao. Essa confi ana, um dos tipos de capital social de segundo nvel na discusso que Bertolini e Bravo (1994) fazem a partir das noes de ca-pital social de Coleman (1988), seria associa-da a uma maior segurana do ambiente. Essa segurana tem uma implicao direta com a manuteno da face (Go man, 1967), uma vez que uma negociao anterior ao momento da interao, onde cada ator que ir colocar-se na conversao confi ando que sua colocao no sofrer tenses que possam resultar em amea-a a sua face.

    Entretanto, vimos que o Facebook, por con-ta de sua dimenso globalizada, tem reduzido as distncias sociais entre os atores que dele fazem parte (Backstrom et al., 2012). Com isso, grupos mais heterogneos tornam-se mais prximos dentro da ferramenta, e as aes de compartilhamento, curtidas e comentrios tornam mais visveis as conversaes para os atores que fazem parte de grupos diferentes, justamente por conta das caractersticas dos pblicos em rede (Boyd, 2007) e da prpria conversao em rede (Recuero, 2012). Deste modo, h tambm o surgimento de contextos de interpretao diferentes, por conta da he-terofi lia da rede participante da conversao. Esses elementos parecem colocar em risco, muitas vezes, a interao e a participao ativa na conversao por parte dos atores, especial-mente naquelas onde a apresentao da face possa deixar um nmero maior de interpreta-es, como os comentrios.

    Dentre os usurios entrevistados, clara-mente h uma reticncia em comentar. A maioria deles explicitou um certo receio com as interpretaes de suas falas em contextos diferentes, receios com relao tenso com outros usurios, receios com a ocorrncia de atos de ameaa a face e efeitos negativos sobre sua reputao.

    Essa observao parece relevante na medi-da em que expe um evidente confl ito e um dilema para a conversao (e, por conseguinte, para as prticas sociais no Facebook): Se por um lado, um dos grandes valores de capital social encontrados no Facebook aquele de proporcionar uma maior facilidade de ma-nuteno e acesso as conexes sociais (Ellison et al., 2007); por outro, parece ser justamente

    a busca por esse valor que, ao fazer com que prticas associativas emerjam cada vez mais, cria contextos confl itantes e tensos de intera-o que parecem impactar a deciso de parti-cipar ou no de forma mais ativa da conversa-o. Com isso, menos valores de manuteno da face, tais como as formas de capital social de primeiro e segundo nvel (Bertolini e Bravo, 2004) so gerados, tambm tornando a parti-cipao na conversao mais arriscada. Com mais risco, h menos investimento em manter as conexes no sistema. Com menos engaja-mento dos usurios nas prticas conversacio-nais, menos capital social gerado, menos gru-pos sociais emergem e possivelmente, haja um esvaziamento do valor social da ferramenta. um risco, portanto, presente para a interao.

    Enquanto trabalhos como o de Backstrom et al. (2012) tm demonstrado que a rede social no Facebook est mais clusterizada, portando, com atores mais prximos entre si, o esvazia-mento do capital social pode gerar um mo-vimento inverso na rede social, aumentando a distncias e criando grupos mais privados, onde possvel construir mais capital social para a manuteno da face.

    Concluso

    Neste trabalho, procuramos explorar os usos conversacionais convencionados sobre as ferramentas curtir, compartilhar e co-mentar do Facebook, buscando discutir os efeitos desse uso no capital social e nas redes sociais, a partir da noo de face (Go man, 1967). A partir de um estudo qualitativo, bus-camos explorar as funes adotadas para as ferramentas, notadamente a de legitimar a face, dando visibilidade e apoio ao ator au-tor da postagem; construindo, assim, capital social para os atores envolvidos. Entretanto, observou-se tambm que h um certo receio com relao a atos de ameaa face em par-ticipaes mais extensas e engajadas na con-versao, como o comentrio. Por conta da percepo da conversao em rede, onde h registro e migrao daquilo que foi dito, pa-rece haver, entretanto, uma reduo do capital social de segundo nvel, pela igual reduo da confi ana no ambiente para a manuteno da face. Com essa percepo, parece que h atores evitando investir em participaes mais com-plexas na conversao para evitar expor a face a atos de ameaa.

    Esses resultados tambm so relevantes na medida em que pensamos na hiperconexo

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    Curtir, compartilhar, comentar: trabalho de face, conversao e redes sociais no Facebook

    proporcionada pelas redes, onde as conver-saes, que antes aconteciam em espaos pri-vados, tornam-se rapidamente mais pblicas e escalveis, acrescentando novos problemas para a mediao, a construo e a proposio da face.

    Tais indcios, que ainda carecem de maior aprofundamento, so relevante na medida em que geram um tensionamento nas prti-cas de manuteno dos laos sociais no Face-book (Ellison et al., 2007), reduzindo o valor da ferramenta para os usurios. Outros estudos, entretanto, so necessrios para que se possa verifi car, com maior aprofundamento, como os processos de manuteno da face so in-fl uenciados pelas prticas conversacionais e os demais efeitos que podem gerar nas redes sociais.

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    Submetido: 12/03/2014Aceito: 07/06/2014