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Re-Dispersos de Arquitectura 2017

Re-Dispersos de Arquitectura - ISMAT Instituto … · O lugar do arquitecto é o silêncio e a imaginação ... Música – ordenación de sonidos en el tiempo – y ... exemplarmente

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Re-Dispersos de Arquitectura

2017

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Coordenação Luíz Conceição

Dispersos de Arquitectura

FICHA TÉCNICA

Título Re-Dispersos de Arquitectura

CoordenaçãoLuís Conceição

Autores Vários

Edição Portimão: ISMAT, 2017

Edição gráficaPorquê Design

Depósito legal

Data de saída Junho de 2017

Impressão Serisexpresso

Tiragem 500 exemplares

ISBN 978-989-97781-4-6

“Não é fácil prefaciar uma colectânea de textos dispersos escritos por arquitectos, todos eles for-madores de arquitectos, na antiga e longa tra-dição da formação dos velhos mesteres. O arqui-tecto, por princípio, é preparado e formado para atender ao que ainda não existe, para formalizar o futuro, tendo por base a ausência. Todos nós sa-bemos, bem ou mal, com engenho e arte, imagi-nar (criar imagens) o que não existe, dando res-posta a um desejo materializável, no território, na complexa geografia do contexto, a partir da geometria, do gosto, da vontade, da sabedoria e da possibilidade. É no silêncio do desenho que o arquitecto reflecte, interpreta, questiona e cria. O lugar do arquitecto é o silêncio e a imaginação coerente, por vezes contemplativa, por vezes mordaz e provocativa.

A escrita, em Arquitectura, é o manuseamento da forma, do espaço, da linguagem, da atitude interventiva num contexto territorial, cultural, político, conceptual. Os textos que aqui se editam vão para muito além da inquietação sistemática que o diálogo com o desenho respira. São reflexo dessa partícula fundamental da nossa prática que se fundeia na investigação, no procurar sa-ber, interpretar, compreender, suporte último da nossa capacidade criativa. Ao contrário do poeta, do músico, do escultor ou do artista plástico, o ar-quitecto não inventa a sua obra a partir do nada ou da uma qualquer onírica interpretação. O arquitecto responde a estímulos, vulgo, encom-endas que por vezes o surpreendem, por vezes o

transcendem, mas que sobretudo o inquietam. É essa inquietação que se pretende incutir no espírito do estudante de arquitectura, do postu-lante arquitecto e que transcende a mera criati-vidade, já que repousa no conhecimento real da comunidade/sociedade em que se insere, e que o desafia, num conhecimento profundo e actuan-te dos sistemas e modelos de construção e de edi-ficação, e nessa capacidade de resposta cada vez mais rápida e interventiva na transformação da cenografia da paisagem e da criação de conforto físico, ambiental e visual, do habitat, do oikos.

É com arrojo e prazer que trazemos ao prelo este terceiro número dos Dispersos de Arqui-tectura produzido pelo corpo docente do Me-strado Integrado em Arquitectura do ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes). O sincretismo evidenciado na sua discursiva re-flecte o sincretismo que o exercício da profissão de arquitecto comporta. Da cidade ao detalhe, da memória à ambição, da emoção à razão. Todo o espaço habitado, da rua ao mais íntimo aposen-to, é um espaço arquitectónico, pensado, conce-bido, imaginado. Se pensar é questionar, desen-har, designando, é responder. É também isto que nos motiva.

Enquanto arquitectos formadores dos arquitec-tos que nos sucederão, acreditamos no eductio, essa arte de amamentar, deitar para fora, edu-car, os mestres que nos hão-de suceder na van-guarda do futuro.

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Índice

Preâmbulo

1 - Uma imagem da imagem do mundo: espaço e tempo: arquitectura e música Clara Germana GonçalvesMaria João Soares 2 - Arquitectura, cidade e paisagem: o Algarve no cinema de ficçãoLuís Bruno RibeiroClara Germana Gonçalves

3 -Pensamento Clássico e Mediterranismo na Modernidade da “Arquitectura do Sul”ideologias e movimentos artísticos na génese da cultura europeia do Século XXHugo Nazareth Fernandes

4 - As mãos que desenham o erroSandra Morgado Neto

5 - O Paço Ducal de Vila Viçosa – suas características portuguesasLuís António Durão

6 - Desenho - Pancho GuedesMiguel Santiago

7 - Projecto PedagógicoA Disciplina de Projecto (Architectural Design Studio), numa formação em ArquitecturaLuís Conceição

8 - Do Magma às Estrelas.Uma exposição nas ruínas romanas de MilreuSara Navarro

9 - Abordagem metodológica para a determinação de um bairro morfologicamente representativo do Centro Histórico do PortoSilvia Alves

10 - A arqueologia de uma revolta ou a resiliência do modernoTiago Oliveira

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Clara Germana Gonçalves

Maria João Soares

Uma imagem da imagem do mundo: espaço e tempo: arquitectura e música

Partindo de uma referência a Goethe (1749-1832), Raúl Lino coloca, lado a lado, arquitectura e música:

“Toda a gente conhece a sentença atribuída, entre outros, a Goethe que dá a Arquitectura como se fôra Música em estado de imobi-lidade, estática, petrificada, ou – se preferem – congelada. Vários autores têm estabelecido comparações deste género entre esta e aque-la Arte, e – a meu ver – com bastante razão, porque a certa luz, a Arquitectura é com mais propriedade comparável à Música do que às outras Artes Plásticas com as quais se alia vul-garmente no grupo tríplice da Belas Artes”.1

Esta mesma analogia é considerada por Gar-cía de Paredes que a estabelece em múltiplas direcções:

“Creo que un arquitecto debe sentirse muy a gusto entre temas musicales, ya que estas dos Artes, Música – ordenación de sonidos en el tiempo – y Arquitectura – ordenación de ma-teria en el espacio –, tienen entre sí muy an-chas zonas de afinidad y de contacto. No es la menor el hecho de que ambas sean creaciones por su propia naturaleza abstractas, basadas en conceptos y leyes estrictamente físicas y matemáticas, cuya ejecución o interpretación es realizada por personas diferentes a sus cre-adores. Por ello, tanto el músico como el arqui-tecto se sirven de medios paralelos de expre-sión – la partitura y el plano – cuyo desarrollo, hasta llegar a las ‘particelle’ instrumentales y planos de desglose ‘de oficios’ , alcanza puntos

de similitud verdaderamente extraordinari-os. No casualmente utiliza también el músico la expresión ‘materiales’ al referirse a las par-tes de orquestra.”2

Encontramos a mesma analogia em Igor Stra-vinsky, por exemplo, e recorrendo, também, à referência a Goethe:

“C’est précisément, cette construction [La mu-sique ne serait donc ni une peinture des émo-tions humaines ni une description phéno-ménologique du monde, mais l’organisation de rapports temporels entre des hauteurs de notes, des tonalités, des rythmes, des phrases mélodiques.], cet ordre atteint qui produit en nous une émotion d’un caractère tout à fait spécial, qui n’a rien de commun avec nos sen-sations courantes et nos réactions dues à des impressions de la vie quotidienne. On ne sau-rait mieux préciser cette sensation produite par la musique qu’en l’identifiant avec celle que provoque en nous la contemplation du jeu des formes architecturales. Gœthe le compre-nait bien qui disait que l’architecture est une musique pétrifiée.”3

A afinidade entre as duas disciplinas surge exemplarmente em Eupalinos ou l’architecte (1921) por Paul Valéry que, não certamente por acaso, era fascinado pela matemática4 (tendo-lhe, inclusivamente, dedicado longos anos de estudo):

“PHÈDRE: Et quand tu as parlé (le premier, et involontairement) de musique à propos de

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mon temple, c’est une divine analogie qui t’a visité.”5

A partir do espaço e do tempo

A afinidade entre as duas disciplinas pode par-tir de diferentes cenários e focar-se em aspectos bastantes díspares. Podem ver-se afinidades no campo da conceptualização, da formalização, da materialização, da apresentação, etc. E as re-lações – que podem ser de semelhança (ainda que simétrica) ou, pelo contrário, de uma não esperada perplexidade – podem estabelecer-se relativamente aos conceitos, ao léxico, à repre-sentação, por exemplo. Sobressai dos excertos citados, e de outros exemplos que se pudessem dar6, os aspectos espacio-temporais vistos como simétricos em ambas as disciplinas, o carácter abstracto de ambas, a representação prévia à obra, sempre assente num espaço e num tempo como meio de existência. A propósito do léxico, Alonso del Valle refere, a título de exemplo, que termos como ritmo ou harmonia, claramente im-portados da esfera musical, são plenamente usa-dos no seio da arquitectura (apesar de raramente objecto de estudo profundo).7 Sob este ponto de vista, José Luis González Cobelo sustenta que, re-lativamente à beleza e verdade na arquitectura, usamos, tradicionalmente, termos musicais: rit-mo, proporção, equilíbrio, consonância.8

Espaço e tempo relacionam-se em zonas muito ténues em ambas as disciplinas. Edward E. Lo-winsky refere, por exemplo, que a nossa ex-periência “espacial” da música é um facto psi-cológico ilustrado não só pela própria notação musical, como pelo uso de termos como alto, baixo, ascendente, descendente, horizontal, vertical, movimento, paralelo, movimento con-trário, altura, escala, intervalo, posição, fechado, disperso, inversão.9 Neste caso, a ligação entre espaço e tempo e arquitectura e música (a ar-quitectura está implícita através do sentido geo-

métrico) espelha-se não só nas ideias como no léxico envolvido.

A presença de uma organização espacial está presente em muitos exemplos de obras musi-cais. Veja- se, como, por exemplo, o esquema que Schoenberg (1874-1951) apresenta para ilustrar o método de composição com doze notas, por si proposto, tem uma forte componente visual. Além desse aspecto, também os conceitos de re-trógrado e inverso, incluídos nesse método, têm uma forte componente visual.

Baseando-se na classificação sistematizada dos diferentes tipos de espaços musicais – melódico, polifónico, orquestrado, ressonante, íntimo, real – proposta pelo musicólogo Fernando Palácios, Alonso del Valle propõe, numa “equivalência arquitectónica”, uma classificação do tipo de espaço arquitectónico: elementar ou sonoro, poliédrico ou polifónico, compositivo ou orques-trado, simpático ou ressonante, envolvente ou panorâmico, espaço experiência ou real.10

Invertendo o raciocínio, como refere Pedro Vieira de Almeida11, a própria noção de profundidade é, em si mesma, uma dimensão temporal.

É curioso reflectir sobre o facto de se dizer um “espaço de tempo” e nunca um “tempo de espaço”. O que seria, ou será, este “tempo de espaço”? E “espaço de espaço”? E “tempo de tempo”?

Um outro aspecto fundamental é o espaço de audição como parte integrante da peça musical. Muitas vezes o espaço de audição é tido como um a priori na composição da peça musical. É, tam-bém, muito difícil uma sala ser ideal para todo o tipo de música. Sem os espaços arquitectónicos adequados para os diferentes tipos de música, é muito provável que muitas peças nunca tives-sem sido criadas12. Era frequente os composi-

tores escreverem música acomodando-se instin-tivamente às condições dos lugares onde seria interpretada. Criava-se música para dramati-zar as propriedades acústicas de determinados espaços. Esta tradição emergiu ainda antes do Renascimento. Já durante a Idade Média, ao pen-sar nas frases e duração das notas, os composi-tores terão considerado o tempo de reverberação das igrejas – factor fundamental na limitação do evento musical. Em Veneza, Giovanni Gabri-elli (1557-1612), desenvolveu o exercício de coros antifónicos de acordo com a acústica específica da catedral de São Marcos. A escrita distinta de dois coros dependia em muito da configuração e da reverberação da igreja. A música não pode-ria ser tocada noutro local sem ajustamentos. A Paixão Segundo São Mateus (1727) de Johann Sebastian Bach (1685-1750) foi composta para as duas tribunas opostas da ThomasKirche de Leipzig.13 Mais recentemente, Stravinsky (1882-1971), terá composto Canticum Sacrum (1956) para São Marcos em Veneza. É, ainda na sequên-cia desta tradição, que surgirá, segundo Marc Treib14, o interesse de Edgard Varèse (1883-1965) pela relação da música com o espaço de audição demonstrado no Pavilhão Philips para a Expo de 1958 em Bruxelas.

Espaço e tempo em relação

A relação entre espaço e tempo na arquitectura e na música e os respectivos papéis em cada uma das disciplinas fazem parte dos temas mais abordados pelos autores que têm estudado a relação entre arquitectura e música.15 Ao con-siderar, a tradicional referência à arquitectura como “arte do espaço”16 e a música como “arte do tempo” (“l’art du temps par excéllence”17), torna-se imperativa a discussão quer sobre o modo como em cada uma das disciplinas os concei-tos de espaço e de tempo são interpretados e se relacionem entre si quer sobre as possíveis im-

plicações que essa reflexão pode ter no âmbito específico de cada uma.

Pode dizer-se que a nível compositivo e de pre-senciamento do fenómeno, quer no acto arqui-tectónico quer no musical, espaço e tempo fun-cionam de modo análogo mas inverso. Como refere José Luís González Cobelo, fazendo, tam-bém a tão usual alusão a Goethe18:

“La Arquitectura opera en el orden de las si-multaneidades y la Música en el de las sucesi-ones, y en su desarrollo y apreciación, cada una se remite a la otra. […] Goethe dirá de la Arquitectura que es Música congelada. Y, por su parte, el despliegue temporal de la música se aprecia como construcción, como edifica-ción de arquitecturas sonoras en el tiempo.”19

A arquitectura actua no espaço e através dele: modela-o, altera-o, criando espaços dentro do espaço (indefinido) através da criação de objec-tos espaciais qualificados; A música actua no tempo e através dele: modela-o, altera-o, criando tempos dentro do tempo (indefinido) através da criação de objectos temporais qualificados – ob-jectos sonoros20. Se a arquitectura tem uma exi-stência sincrónica, a música tem uma existência diacrónica. O observador da arquitectura “mar-ca o tempo”, na música é ela própria que “marca o tempo”. O projecto arquitectónico coloca ob-jectos no espaço, a composição musical inscreve objectos no tempo.

Lévi-Strauss declara: “A música é uma máquina de suprimir tempo”21. A arquitectura suprime espaço. Será a arquitectura uma máquina de su-primir o espaço? Este facto deve ser visto como um processo de definição. Fechando-o estamos a dizer “isto é um espaço” e não o espaço22.

Seja no espaço, seja no tempo, quer a peça arqui-

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tectónica, quer a peça musical se vão revelando parcialmente através de um movimento tempo-ral: no primeiro caso do observador, no segundo da própria peça. O objecto arquitectónico vai sendo apreendido através do movimento do observador; o trecho musical vai-se ele próprio fazer escutar pelo ouvinte.23 A arquitectura, estática, tem um papel passivo no sentido em que é do próprio observador, dinâmico (ou não), que depende aquilo que vê ou, mais verdadei-ramente, experiencia. Ao contrário, na música, dinâmica, é o ouvinte que tem um papel pas-sivo, e é a própria música que, através da sua acção, se vai fazendo ouvir. Assim, pode dizer-se que a percepção da arquitectura não parte dela própria, mas sim do observador; na música o modo como esta é percepcionada parte de si própria. Por outro lado, no espaço arquitectónico é possível “voltar”, na música não. A música, pela sua própria natureza, impõe uma orientação ao ouvinte. Mesmo em composições em que a dis-posição espacial dos intérpretes é fundamental ela decorre sempre sobre um trilho temporal. Se na arquitectura a ordem pela qual se vão atingindo os diferentes objectos é aleatória (no sentido da escolha do observador), apesar da im-posição geométrica e perspéctica, na música a ordem é fixa e pré-determinada.24

Contrariamente ao que sucede na pintura, na arquitectura e na música, a apreensão da obra nunca é total: de cada vez só algumas partes são reveladas; nunca o objecto é apreendido na totalidade. As distâncias espaciais e temporais funcionam de maneira análoga: um objecto está para lá de outro; um som ouve-se antes de outro. Na arquitectura existe sempre um percur-so espacial, na música, um percurso temporal.

Devido precisamente a este forte domínio, no primeiro caso, do espaço e, no segundo, do tem-po, pode atribuir-se, um carácter permanente à

arquitectura e um carácter transitório à música. No entanto, deve ser acrescentado que, como consequência das suas vocações fundamentais, quer a arquitectura “entrega” os seus objectos ao tempo (entendido aqui como o tempo de vivên-cia), quer a música, de modo recíproco (e, talvez mais evidentemente), “lança” os seus sons no espaço (de vivência).

Mas espaço e tempo reportam sempre a uma ideia de mundo. E essa ideia de mundo será o espelho com que arquitectura e música se ol-harão em cada momento.

Uma imagem do mundo: desde o Renascimento

É clara a emergência – ou fortalecimento – de uma tradição (herdada da Antiguidade), du-rante o Renascimento, que estabelece relações entre arquitectura e música. Esta tradição é, es-sencialmente, suportada nas doutrinas huma-nistas e na concepção do mundo, em geral, e do espaço, em particular, emergentes da Revolução Científica. Deve ressalvar-se a ideia de que, nesta relação entre arquitectura e música, é a música que exerce o seu ascendente sobre a arquitec-tura já que na música estavam inscritas, na sua própria natureza, as leis (matemáticas) que re-giam o universo.

De acordo com Lowinsky, a grande mudança do conceito medieval de espaço – fechado e suces-sivo – para o conceito renascentista – espaço expandido e simultâneo – coincide com a emer-gência da organização do espaço tonal na músi-ca que usa as tríades e a tónica.25 Neste sentido, a igreja de peregrinação medieval constitui-se, ela própria, como paradigma da organização sequencial do espaço (já que a centralidade da basílica pagã, romana, tinha desaparecido com a basílica paleo-cristã). Roberto Masiero susten-

ta que, com a emergência da teologia cristã, o tempo deixa de ser cíclico. Este novo tempo é o tempo do caminho: o tempo do peregrino.26 Não será coincidência que, por oposição, a planta centralizada será a planta da igreja ideal (antes de Trento). Lowinsky ilustra esta ideia usando a imagem do jardim:

“Just as medieval man made his gardens in small spaces enclosed by walls, so he liked to draw the universe near to the earth, confine it in the smallest possible space, and even have it walled in. […] The gardens of the Renaissan-ce, on the contrary, were wide open spaces.”27

Edward Lowinsky sintetiza este paradigma que se desenvolveu durante o Renascimento com as alterações ocorridas na ciência: “A nova astrono-mia implica uma enorme expansão do universo […]. Mas o espaço não era apenas expandido, era também organizado de novo.” Copérnico (1473-1543) afirma sobre as suas próprias ideias: “Nes-ta ordenação encontramos um mundo mara-vilhosamente simétrico e uma ligação certa da harmonia do movimento e da magnitude dos círculos orbitais que, de outra forma, não podem ser encontrados.” Lowinsky sustenta que, para Copérnico, bem como, mais tarde, para Kepler (1571-1630), “a ideia de uma harmonia simétrica do universo, a sua forma como um corpo gigan-te, coerente e bem proporcionado foi de uma im-portância vital.”28 E de facto, o modelo do mundo proposto por Kepler é um bom exemplo desta ideia. Segundo Padovan, Kepler via o mundo “não apenas como um mecanismo, mas como uma obra de arte divina: como (parafraseando Copérnico) um ‘magnífico templo’, uma cons-trução arquitectónica gigante, governada pelas geometria e proporções matemáticas”29.

A ideia de que a arte era um microscosmos que espelhava o macrocosmos – o artista deveria tra-

duzir para o microcosmos as leis e os princípios que Deus teria usado quando criou o universo – é bem ilustrado pondo, lado a lado, a descrição do universo e a descrição desejável de um edifício.

Para Alberti (1404-1472), e de acordo com Vitrú-vio (séc.I a.C.), em cada edifício, cada uma das partes se relaciona com a outra e com o todo do mesmo modo, sem que nada se possa retirar.

E, ao descrever o mundo30, Copérnico parece descrever um edifício:

“[T]he order and magnitudes of all the planets and of their spheres or orbital circles and it would bind the heavens together so closely that nothing could be transposed in any part of them without disrupting the remaining parts and the universe as a whole.”31

O uso da proporção, em geral, e da proporção harmónica, em particular, era um modo de con-seguir a unidade como organismo arquitectóni-co. Para Alberti, a harmonia musical deveria ser a base para o finito arquitectónico (proporção), estando ambas sujeitas às leis naturais (e, por-tanto) fixas. Deve ser referido que estas ideias se-guem a tradição já presente em Santo Agostinho (354-430) e Boécio (c.480-524).32 Alberti justifica a pertinência do uso da harmonia musical da seguinte forma: “tomaremos, portanto, todas as nossas regras para as relações harmónicas (‘fi-nito’) dos músicos que conhecem perfeitamente todo este tipo de números, e daquelas coisas con-cretas nas quais a Natureza se revela com maior completude e excelência.”33 Daniele Barbaro (1514-1570) considera a proporção tão importante que no seu Comentário a Vitrúvio (1556) refere directamente ao leitor que é convidado a olhar “para lá da superfície de modo a redescobrir a verdade [oculta] nas coisas”34.

Esta ideia de um organismo que pode ser conse-guido através do uso da proporção – evidente e

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cientificamente provado na música – é proposta, segundo Lowinsky, por Zarlino (1517-1590) que in-troduz a definição de um “corpo” para a música polifónica vista, agora, como um “grande orga-nismo coerente”.35

Depois de Newton: arquitectura como móbil

Hoje. O universo em expansão, por exemplo, implica um aqui e um agora precisos. Esta ideia surge- nos como clara quando, olhando o firma-mento, vemos estrelas que já não existem. Qu-ando olhamos o universo, olhamos, na realida-de, para o seu passado.

Não será uma teoria de tudo (como a Teoria das Cordas) uma tentativa de olhar o universo como um “edifício” como o de Alberti: um corpo coe-rente onde as partes se relacionam entre si e com o todo do mesmo modo? Parece não ser uma co-incidência que Brian Green tenha escolhido The Elegant Universe (1999) para título da sua obra sobre a Teoria das Cordas. Será possível pensar uma nova metáfora para a arquitectura baseada numa nova – e, tal como as outras, transitória – imagem do universo (já não mundo)36? Será pos-sível conceber, hoje, um objecto arquitectónico como um microcosmos? Faz sentido? Qual a per-tinência de pergunta? Se “[o] mundo começou a ser compreendido como uma conjugação de processos mais que um catálogo de objectos, dos quais nem o tempo nem o sujeito podem ser excluídos”37, como argumenta González Cobelo, pode, neste, sentido, o objecto arquitectónico ser um microcosmos ainda que como evento?

Em certa medida, pode dizer-se que, quer a ar-quitectura quer a música de tradição clássica ig-noravam, respectivamente, o tempo e o espaço. E talvez seja por isso que a correspondência tempo-espaço – da música para a arquitectura

– se pudesse processar de forma tão clara. Esta questão é evidente no desenho dos alçados na arquitectura, por exemplo. Uma das diferenças entre a música erudita de tradição clássica e a música erudita contemporânea é a sua relação com o espaço. Isto é, no “concerto” tradicional o ouvinte ouve ao longe [como ver estaticamente], como se olhasse uma peça de pintura. A música e o ouvinte estão em espaços diferentes, embora, o espaço da música invada o do ouvinte. Já de outra forma, em algumas peças de música con-temporânea em que os músicos se deslocam pela e através da audiência, o ouvinte coloca-se no interior da música – ou melhor, é a própria mú-sica que o coloca no seu interior – mais próximo daquilo que é o espectador da arquitectura. Por outro lado, também implica que nem todos os ouvintes tenham a mesma percepção; esta de-pende muito da posição de cada ouvinte.

Pode dizer-se que a arquitectura não é tanto “arte do espaço” – conceito fundamental na arqui-tectura moderna – mas mais “arte dos objectos espaciais” ou arte dos objectos que se encontram no espaço. Não será já um espaço visto como um todo: são os elementos que têm primordial im-portância, e são eles que formam esse todo cujo estatuto é de consequência e não de primazia.

O que poderá ser uma arquitectura desenhada para um tempo específico? Pensamos que esta será uma arquitectura-móbil: uma arquitectura que muda constantemente. Um objecto arqui-tectónico móbil que deverá ser desenhado – pen-sado – não só para um espaço mas também para um tempo: por outras palavras, muitos instantes espacio-temporais.

Esta ideia recorda a ideia de unfolding events de Peter Eisenman (n.1932) que, baseada na ideia de-leuziana (a partir de Leibniz) de dobra [pli], enfa-

tiza a ideia de objecto-evento [object-event]: um objecto, que de acordo com Gilles Deleuze (1925-1995), já não é definido por uma forma. O texto “Unfolding events”38 de Eisenman reflecte, pre-cisamente, e aludindo ao filósofo Gilles Deleuze, sobre o modo como esta questão é entendida hoje em dia, como num “acontecimento” estão incluídos e interligadas manifestações de dife-rentes tipos.

Colocam-se muitas perguntas. Poderemos dizer que, decorrendo no tempo, a música não é rever-sível. Este raciocínio leva-nos a um outro: o que será a “reversibilidade” do espaço? O espaço não será também irreversível? A arquitectura a “pas-sar por nós” e “irmos nós à” música.

Alguns autores consideram a música actual “mais arte do espaço do que do tempo”.39 Qual a abordagem da arquitectura perante esta situ-ação; e decorrente desta ideia onde se colocam os limites entre as duas disciplinas hoje? Por exemplo, o facto, de se poder, hoje, trabalhar a música em tempo real, que implicações pode ter na arquitectura? A música do século XX ex-plorou o espaço quer em termos conceptuais quer em termos práticos mas a arquitectura parece ter esquecido o tempo. Durante a década de 1960, Iannis Xenakis (1922-2001) introduz o espaço como parâmetro composicional em peças como Eonta (1964) em que alguns dos mú-sicos se movem enquanto tocam. Em Terretektoh (1965) oitenta e oito músicos tocam dispersos pela audiência. Quando a arquitectura se refere à música, fá-lo, a maior parte das vezes, como tradução visual de aspectos musicais como tem-po, ritmo, etc. Veja-se, por exemplo, a Casa Stret-to (1989-91) de Steven Holl (n.1947), um exemplo típico deste tipo de interpretação.40 Mas o tempo torna-se um factor fundamental na arquitectu-ra de Steven Holl. Nas obras Pool House e Sculp-

ture Studio (Scarsdale, NY, 1979) e Palazzo del Cinema (Concurso, Veneza, 1990), por exemplo, as permanentes modificações que ocorrem no espaço – resultantes da decorrência das horas – não são as que resultam de um projecto que, em-bora delas consciente, as deixe para uma mera consequência. Nestas obras, estas ocorrências são projectadas.

Marcos Novak afirma que “a música se reinven-tou a ela mesma de modo muito mais profundo do que a arquitectura”. Considera que evocar “os fantasmas de Pitágoras e Palladio” é evocar uma tradição morta. E dá exemplos de como a música tem vindo a “quebrar a gaiola” [“breaking the cage”] no século XX: Pierre Boulez (1925-2016) escreveu Pli selon pli (1967) a partir de um poema de Mallarmé; John Cage (1912-1992) escreveu Fontana Mix (1958) com uma partitura que usa camadas de pontos, linhas, curvas e superfícies que se arranjam para cada performance, bem antes de Bernard Tschumi (n.1941) ter pensado o Parque de La Villette (1982-98), usando o mesmo processo.41

Novak propõe uma nova “inspiração” a partir da música que introduza na arquitectura carac-terísticas não espaciais no espaço:

“Liquid architecture is an architecture that breathes, pulses, leaps as one form and lands as another [...] it is an architecture without doors and hallways, where the next room is always where I need it to be and what I need it to be.”42

“Together, architecture and music will stand as the arts closest to the functioning of the human cognitive and affective apparatus. [...] Architecture and music are bonded into a new discipline: archimusic.”43

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Mas, os edifícios de Novak não estão construí-dos. Mantêm-se propostas virtuais.

É sintomático o modo como Cobelo descreve a obra Micromegas (1979) de Daniel Libeskind (n.1946) da seguinte forma: “[E]ste espaço [...] já não é o de Kant ou de Mies van der Rohe, mas sim talvez do tecido leibniziano indecifrável de relações de gestos que interagem sem sequer se tocar […]”44

Para Deleuze e Derrida (1930-2004) o gesto mais importante da arte é a construção da moldura (enquadramento):

“The emergence of the ‘frame’ is the condition of all arts and is the particular contribution of architecture to the taming of the virtual, the territorialization of the uncontrollable forces of the earth. [...] The frame is what establishes territory out of the chaos that is the earth. The frame is thus the first construction, the cor-ners, of the plane of composition.” 45

Poderemos pensar numa meta-frame – reterri-torialização – para a aquitectura?46 Aceitar-se-ia um móbil (sistema vibratório) na sua moldura. Extrair do cosmos uma nova roupagem tecida em sensibilidades, agora, relacionados com a ar-quitectura.

Um organismo em expansão.

1 LINO, Raúl. Quatro palavras sobre arquitectura e música. Lisboa: Valentim de Carvalho, 1947, p.9.

2 GARCIA DE PAREDES, Jose Mª. Paseo por la arquitectura de la música [discurso de ingres-so]. Madrid: Real Academia de Bellas Artes de San Fernando, 1986, pp.16-17.

3 Igor Stravinsky. Apud BROHM, Jean-Marie; UHL, Magali. Arts, langage et herméneutique esthétique: entretien avec Paul Ricœur [em linha]. [11 Jun 2006]. http://www.philagora.net/philo-fac/ricoeur-notes.htm.

4 O interesse na relação entre arquitectura, música e matemática está presente, de resto, em muitos outros autores. V. GONÇALVES, Clara Germana. Arquitectura: diálogos com a música: concepção, tradição, criação. Sevilha: ETSA/US, 2008. Tese de doutoramento.

5 VALÉRY, Paul. “Eupalinos”. In VALÉRY, Paul. Eupalinos, L’Âme et la dance, dialogue de l’arbre. S/l: Gallimard, 1993, p.33.

6 V. GONÇALVES, Clara Germana. Op.cit

7 VALLE, Alonso del. Apuntes sobre la teoría del dibujar: dibujo avanzado: música y arqui-tectura. Madrid: Instituto Juan de Herrera, Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Madrid, 2000, p.5.

8 GONZÁLEZ COBELO, José Luís. “Architecture and its Double: Idea and Reality in the Work of Daniel Libeskind,” El Croquis. Nº80 (1996), p.37.

9 LOWINSKY, Edward E. “The concept of physical and musical space in the Renaissance”. In LOWINSKY, Edward E. Music in the culture of the Renaissance and other essays. Chicago: The University of Chicago Press, 1989, p.57.

10 VALLE, Alonso del. Op. Cit., p.6, 19-25.

11 ALMEIDA, Pedro Vieira. “Ensaio sobre o espaço em arquitectura (1)”. Arquitectura. Nº79 (1963), p.17.

12 GARCIA DE PAREDES, Jose Mª. Op.cit., passim.

13 A própria configuração arquitectónica da igreja com duas tribunas para coros e dois órgãos voltados um para o outro, terá motivado a estrutura musical em dois blocos corais e instrumentais.

14 TREIB, Marc. Space calculated in seconds: the Philips Pavilion, Le Corbusier, Edgard Varèse. Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1996, p.178.

15 V. GONÇALVES, Clara Germana Op.cit.

16 Segundo Montaner (MONTANER, Josep Maria. Arquitectura y crítica. Barcelona: Gustavo Gili, 2002), a partir de Gottfried Semper (1803-79), August Schmarsow (1853-1936) e Alois Riegl (1858-1905).

17 Gisèle Brelet. Apud DAHLHAUS, Carl. Estética musical. Lisboa: Edições 70, 1991, p.109.

Notas

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18 Esta ideia, muito frequentemente referida e atribuída a Goethe parece ser, na verda-de, fruto do pensamento de Schelling (1775-1854). A verdadeira autoria deste conceito não é unânime. Segundo Hugh Honour (Romanticism. New York: Harper & Row, 1979, p.119) esta ideia ter-se-á difundido a partir da Alemanha para o resto da Europa através de Mme de Staël (1766-1871). A expressão original em alemão seria erstarrte Musik – literalmente, música congelada. Schelling usou-a numa conferência em Berlim em 1802, apesar de só publicada em 1859. Por outro lado, num livro de notas, Friedrich Schlegel (1772-1829) terá descrito, (c.1800), a arquitectura como eine musikalische Plastik. A expressão gefrorene Musik foi inicialmente usada por um jornal de Berlim em 1803, mas com sentido satíri-co. É Mme de Staël que, em Londres, usa a expressão de Schelling, sobre a qual expressa dúvidas. A expressão entrou, então, na língua inglesa através de Byron (1788-1824) que a ela se referiu em The bride of Abydos (1813).

19 GONZÁLEZ COBELO, José Luís. Op.cit., p.37.

20 Este termo não tem uma correspondência na arquitectura.

21 Lévi-Strauss. Apud NATTIEZ, Jean-Jacques. “Ritmica/métrica”. In ROMANO, Ruggiero (Dir.). Enciclopedia Einaudi, vol.3 (Artes-Tonal/atonal). Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1984, p.298.

22 TONIUTTI, Giancarlo. “Space as a cultural substractum”. In LABELLE, Brandon; RODEN, Steve (Ed.). Site of sound: of architecture and the ear. Los Angeles: Errant bodies Press, 2002, p.37.

23 Foi este facto que Xenakis (1922-2001) tentou anular quando, com Metastasis, anuncia uma concepção “relativista” do tempo. Nesta peça os seis intervalos algébricos e tempe-rados da gama de doze sons são emitidos com durações proporcionais às frequências. Donde, as gamas de seis durações acompanham a emissão de intervalos. A sequência de intervalos temperados é uma progressão geométrica. As durações sê-lo-ão igualmente. V. XENAKIS, Iannis. Musique de l’architecture. Marseille: Parenthèses, 2006, p.79.

24 Inclusivamente nas peças de música contemporânea, onde estas características ten-dem a ser transgredidas, existe sempre uma ordem qualquer pré-estabelecida; nunca a liberdade da peça, através da preferência do intérprete, é total, como ocorre com o obser-vador da peça de arquitectura.

25 LOWINSKY, Edward E. Op.cit, passim.

26 MASIERO, Roberto. Estética de la Arquitectura. Madrid: Machado, 2003, p.77..

27 LOWINSKY, Edward E. Op. Cit., p.58.

28 Idem, ibidem, p.59-60.

29 PADOVAN, Richard. Proportion: science, philosophy, architecture. New York: Spon Press, 2003, p.247.

30 Deve salientar-se que, para Copérnico, o mundo era um “mundo finito” e não um “uni-verso infinito” como mais tarde foi proposto por Galileu (1564-1642). Em referência ao tão citado e muito elucidativo título Do mundo fechado ao universo infinito [From the Closed World to the Infinite Universe] (1957) de Alexandre Koyré.

31 Copérnico. Apud LOWINSKY, Edward E. Op. Cit., p.71.

32 KRUFT, Hanno-Walter. A history of architectural theory from Vitruvius to the present. New York: Princeton Architectural Press, 1994, p.46.

33 WITTKOWER, Rudolf. Architectural principles in the age of Humanism. London: Academy Editions, 1998, p.109.

34 Idem , ibidem, p.127.

35 LOWINSKY, Edward E. Op. Cit., p.71.

36 V. nota 30.

37 GONZÁLEZ COBELO, Op. cit., p.31.

38 EISENMAN, Peter. “Unfolding Events: Frankfurt Rebstockpuk and the Possibility of a New Urbanism”. In Written in the Void: Selected Writings, 1990-2004. New Haven: Yale Uni-versity Press, 2007.

39 SZENDY, Peter. “Actes d’une dislocation”. Les cahiers de l’Ircam: recherche et musique. Nº5 [Espaces] (1994), p.53.

40 V. GONÇALVES, Clara Germana. Op. cit.

41 NOVAK, Marcos. “Breaking the Cage”. Pamphlet Architecture. Nº16 (1994), pp.69-71.

42Idem.http://www.mat.ucsb.edu/~marcos/Centrifuge_Site/MainFrameSet.html, 19.07.2007

43 Idem. “Computation and composition”. Pamphlet Architecture. Nº16 (1994), p.66.

44 GONZÁLEZ COBELO. Op. cit., p.33.

45 GROSZ, Elizabeth. Chaos, territory, art: Deleuze and the framing of the Earth. New York: Columbia University Press, 2008, p.11.

46 “A emergência [de um] novo paradigma traduz-se numa nova concepção onde o conhe-cimento exige autoconhecimento, onde a transdisciplinaridade impõe ao conhecimento da realidade um carácter local e ao mesmo tempo global.” RODRIGUES, Jacinto. Teoria da arquitectura: o projecto como processo integral na arquitectura de Álvaro Siza. Porto: FA/UP, 1996, p.23.

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Luís Bruno RibeiroClara Germana

Gonçalves

Arquitectura, cidade e paisagem: o Algarve no cinema de ficção1

Arquitectura e cinema são artes que se comple-mentam, se recriam e se interpretam mutua-mente. Se o cineasta se aproxima do arquitecto quando erige as suas cidades, os seus espaços, os seus edifícios imaginários no ecrã, o arqui-tecto aproxima-se do cineasta quando imagina enquadramentos, planos e percursos nas obras que cria no seu estirador. Sergei Eisenstein (1898-1948) e Lev Kulechov (1899-1970) tinham formação em arquitectura, o que, certamente, os terá ajudado como cineastas, tornando-os nos grandes impulsionadores da teoria e da prática do cinema na década de 1920. António de Ma-cedo, realizador português com formação em ar-quitectura, refere, precisamente, a importância que teve o seu Curso de Arquitectura no desen-volvimento da sua arte cinematográfica.2

Este é um tema que tem despertado interesse em diversos autores e sob diferentes pontos de vista. Relativamente à relação entre arquitec-tura e cinema, como tema, pode referir-se Ci-nema e arquitectura3 (coord. António Rodrigues, 1999): uma obra em que ambas as artes são ana-lisadas em conjunto, de uma forma geral. Sob outro ponto de vista, The architecture of image: existencial space in cinema4 (Juhani Pallasmaa, 2007)explora o espaço existencial partilhado pela arquitectura e pelo cinema relativamente às sensações, às emoções e aos estados mentais, numa análise com recurso à poesia, à filosofia e às artes plásticas.

A relação entre arquitectura e cinema tem sido, ultimamente, alvo de interesse em Portugal. Além da obra acima referida, vários trabalhos

de âmbito académico lhe têm sido dedicados: a dissertação de mestrado Arquitectura no cinema: ascensão e queda das cidades cinematográficas da esperança no futuro passado: de 1910 a 2010: uto-pias, distopias e heterotopias da paisagem urbana (Gonçalo Cordes Valente, ISMAT, 2010), a disser-tação de mestrado Novas tendências do habitar: a habitação do futuro vista pelo cinema (Ana Silva Moreira, IST/UL, 2010), a tese de doutoramento A influência do cinema na arquitectura europeia: dos anos 10 aos anos 30 do século XX (Susana Ma-ria Tavares dos Santos Henriques, Univ. Lusíada de Lisboa, 2012) são exemplos.

Existe ampla bibliografia relativa à arquitectura do Algarve e alguma referente ao cinema roda-do no Algarve, mas não existe bibliografia refe-rente a esta relação concreta. Dando exemplos: em “O Algarve e o cinema”5 (José de Matos-Cruz, 1999) é feita uma breve abordagem aos filmes rodados no Algarve e uma referência aos algar-vios que se destacaram no mundo do cinema. A obra Filmando a luz: introdução à história do ci-nema rodado no Algarve6 (Eduardo Pinto e Paulo Correia, 2007) foi o primeiro estudo dedicado exclusivamente ao cinema rodado no Algarve. Aqui é feita uma análise histórica do percurso do cinema nesta região e estão registados cro-nologicamente todos os filmes que aqui foram rodados, incluindo, também, informações re-levantes sobre cada filme como fichas técnicas, sinopses, filmografias dos realizadores, fotogra-mas, etc.

A análise dos filmes ficcionais rodados no Algar-ve e a descrição dos tipos de arquitectura, cidade

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e paisagem aí presentes apresentam-se como um modo de entender o que estas representam: desde a valorização da narrativa mais geral ao entendimento de cada plano, sem esquecer as técnicas cinematográficas que têm sido envolvi-das nessa acção que, pela forma como são utili-zadas, realçam o simbolismo e o imaginário que lhes estão associados. Nesse simbolismo e nesse imaginário, a arquitectura – lato sensu – assume um papel primordial ao proporcionar desde os cenários arquitectónicos mais complexos dos tecidos urbanos até às suas partes mais elemen-tares. Dentro de cada escala de análise, nascem novas formas de olhar a arquitectura consoante os novos significados que cada elemento arqui-tectónico proporciona. A história de cada objecto arquitectónico é também importante: o cinema poderá valer-se de objectos arquitectónicos his-tóricos (com uma história mais ou menos explíci-ta ou implícita) para enriquecer a sua narrativa. Nesse sentido, o cinema aqui abordado é o fic-cional. A exclusão dos documentários prende-se com o facto de o documentário abordar temas específicos que levam à escolha da localização com um a priori.

A produção cinematográfica no Algarve

A primeira referência ao Algarve no cinema aconteceu em 1913 com o documentário A pes- ca do atum no Algarve (autor desconhecido). A primeira rodagem de uma longametragem fic-cional no Algarve apenas ocorreu em 1933 com La païenne (Carlo Queeckers, 1933), tendo sido apenas uma parte da obra aqui filmada. A pre-sença do Algarve no cinema foi-se fazendo no-tar, muito timidamente, com apenas mais duas longas-metragens totalmente rodadas no Al-garve até à década de 1960 – década-marco no sentido em que é neste período que o Algarve se torna numa referência turística quer nacional

quer internacionalmente. Ao facultar uma série de infraestruturas que suportam o turismo, o Algarve passa a ter capacidade de receber gran-des produções sem dificuldades logísticas con-sideráveis. O grande impulso que o número de longasmetragens ficcionais aqui rodadas teve a partir da década de 1960 foi, precisamente, sustentado no facto de haver melhores vias de comunicação e infraestruturas hoteleiras, bem como no facto de haver melhor conhecimento desta região no resto da Europa e do mundo, re-sultante da sua afirmação como um dos princi-pais e mais bem classificados destinos turísticos europeus. Na primeira década do século XXI, a produção cinematográfica no Algarve sofre novo impulso suportado pelas tecnologias mais acessíveis, tornando a produção mais barata. (Actualmente, já se produz cinema com as vul-gares câmaras DSLR e dispositivos móveis como os telemóveis ou os tablets.)

Número de longas-metragens filmadas no Algarve, por década [L.R. / C.G.G.]

O protagonismo crescente do cinema a que se tem assistido no Algarve reflectiu-se, a partir da década de 1970, numa série de festivais que for-am surgindo e desaparecendo ao longo das dé-

cadas subsequentes. Existem, actualmente, dois festivais de cinema activos no Algarve: o FAR-CUME – Festival de Curtas Metragens de Faro, organizado pela FARO 1540 e o FICSAM – Festival Internacional de Cinema e Saúde Mental, orga-nizado pela Associação Cultural Inconsciente Colectivo.

As rodagens, no Algarve, localizam-se, predo-minantemente, no litoral – zona com mais po-pulação, onde se encontram os grandes centros urbanos. Foi precisamente em zonas habitadas onde se verificou a maior parte das filmagens, predominando os cenários em que a arquitec-tura de características singulares impõe a sua presença. Os motivos prendem-se com o ima-ginário que o Algarve suscita, quer nacional quer internacionalmente: um imaginário de praia, mar, pequenas cidades à beira-mar, com-plexos turísticos, etc. Este é o imaginário que se dá a conhecer quando se promove o Algarve e é, como tal, que é mais procurado pelos cineastas que visitam a região.

Localização das rodagens de longas-metragens no Algarve [L.B.R. / C.G.G.]

Analisando o Algarve como local especificado na narrativa fílmica, este surge maioritaria-mente como local de lazer e férias balneares. A forte presença da praia como local de ócio ou re-flexão aparece em filmes como Crímen de amor

(Rafael Moreno Alba, 1972), Tráfico (João Botelho, 1998), Cavaleiros de água doce (Tiago Guedes, 2001) ou Millenium II: the girl who played with fire (Daniel Alfredson, 2009).

Outra forma como o Algarve é visto, particu-larmente nas décadas de 1960 e 1970, é como local remoto, especialmente para as produções estrangeiras, como Doppelganger (Robert Par-rish, 1969) e Die Screaming Marianne (Pete Wal-ker, 1971), em que o Algarve representa um local em que as personagens estão muito longe dos seus países. Em diversos casos, como em Die Screaming Marianne ou As ruinas no interior (José de Sá Caetano, 1976), é destacada a praia como local de ócio.

Existem casos em que o Algarve foi local de filmagem por motivos históricos, sendo um re-flexo da sua riquíssima história cujo valor se reflecte nos cenários arquitectónicos e, conse-quentemente, na narrativa fílmica, como é o caso de Moura encantada (Manuel Costa e Silva, 1985), Zéfiro (José Álvaro Morais, 1993), Kiss me (António da Cunha Telles, 2004), Floripes (Mi-guel Gonçalves Mendes, 2007), e Cristóvão Co-lombo: o enigma (Manoel de Oliveira, 2007).

O Algarve como local da narrativa foi também filmado pela sua cultura popular, em que a ar-quitectura sobressai; aspectos, esses, presentes nos filmes Ave de arribação (Armando de Mi-randa, 1943) ou Um grito na noite (Carlos Porfírio, 1948) quando era ainda uma região pouco visita-da (inclusivamente pela restante população de Portugal). Não será por acaso, estes dois filmes são da autoria de realizadores algarvios, bem conhecedores da região.

Finalmente, existem motivos que se prendem com factores diversos como o facto de determi-

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nados locais assumirem a identidade de outros locais, algo frequente no cinema. No caso do Algarve, tal, verificou-se poucas vezes, tendo esta região assumido a identidade de outras lo-calizações em Thunderbirds are go (David Lane, 1966) em que Albufeira assume a identidade de Craigsville e em Ijung Gancheob (Kim Hyeon-jeong, 2003) em que Olhão e Sagres assumem a identidade da cidade do Rio de Janeiro e arredo-res, respectivamente.

O Algarve tem, actualmente, um grande poten-cial cinematográfico que ainda não foi devida-mente explorado mas cujo actual crescimento acentuado indica boas perspectivas para o fu-turo pois, além da luz – sobejamente apreciada no mundo do cinema nacional e internacional – apresenta um clima moderado, com baixa plu-viosidade e elevado número de horas de incidên-cia solar. Os cenários naturais mediterrânicos – desde as praias à serra algarvia – são ímpares. A par da paisagem natural, os cenários arquitectó-nicos são muito variados e ricos. Do ponto de vis-ta mais pragmático, oferece uma rede de infra-estruturas e vias de comunicação actualizadas.

A arquitectura do Algarve no cinema ficcional

A arquitectura pode apresentar-se no cinema em diversas escalas: desde a imagem total de um povoado, por exemplo, até ao pormenor de um elemento arquitectónico. Os planos gerais diluem a intensidade dramática, mas mostram de forma ampla o cenário onde decorre a acção; já os grandes planos intensificam o dramatis-mo, ao entrar no espaço de influência da per-sonagem. Entre o plano geral e o grande plano, existe uma variedade de escalas de enquadra-mento onde a arquitectura vai criando e trans-mitindo a sua própria narrativa, algumas vezes assumindo o papel principal da acção, muitas vezes fazendo-o em segundo plano, mas, sem-

pre, enriquecendo o filme e a acção das persona-gens com a sua forte presença.

A cidade proporciona uma experiência única quando filmada quer pela sua envolvência, quer pela componente visual quer, ainda, pela com-ponente imaginária. Esta “arquitectura da men-te“ torna-se assim numa continuidade da arqui-tectura fílmica formando com esta um todo que envolve cada espectador (cada espectador, com a sua mente singular criará a sua própria cidade). A cidade pode ser vista como um todo ou como uma soma de partes. Uma forma de introdução de um local muito utilizada em cinema é a uti-lização do plano geral de um determinado local, que situa o espectador, dando-lhe a entender onde decorrerá a acção, como ocorre em Floripes, em que o primeiro plano do filme é um plano ge-ral de Olhão sobre as suas açoteias. Nos planos seguintes, passa-se, normalmente, para o nível do transeunte, entra-se nos arruamentos, na sua orgânica. Nesta fase, o espectador estará já envolvido pela cidade, acabou de entrar no seu tecido e inicia o seu percurso pelas ruas.

Fotograma de Floripes (Miguel Gonçalves Mendes, 2007) [Cortesia: M.G.M.]

Os arruamentos da cidade islâmica, mais se as-semelham a labirintos, pela sua arquitectura fe-chada, voltada para o interior, pela sua quase to-tal ausência de ornamentação, pela orgânica dos seus arruamentos. O filme Floripes foi dos filmes

que melhor tirou partido do urbanismo de raiz islâmica para a tensão da narrativa, ilustran-do-o muito bem ao retratar os vários planos de fachada que vão recortando os estreitos arrua-mentos da zona histórica da cidade de Olhão, associados a um jogo de luzes focais e sombras, criando uma tensão crescente no espectador ao envolvê-lo num labirinto de onde parece ser im-possível sair.

Fotograma de Floripes (Miguel Gonçalves Mendes, 2007) [Cortesia: M.G.M.]

A esta abordagem contrapõe-se a visão de Pete Walker em Die Screaming Marianne, que optou por filmar cenários citadinos mais amplos pro-porcionados pelo largo principal de Albufeira ou pelo urbanismo de Alte enquadrado pela na-tureza circundante. Tal permitiu-lhe a obtenção de planos com enquadramentos mais abertos e a captação da vida citadina de uma forma mais multidirecional, sempre com muita luz e natu-reza presentes. A sensação que se respira neste filme é de amplitude e liberdade.

Os espaços urbanos históricos que possuem fa-chadas de características ocidentais, exibem os planos de fachadas com uma arquitectura rica, expondo a sua beleza ao transeunte, tornando-se num cenário em que cada fachada conta a sua história, como foi mostrado no filme Kiss me: um filme de época que retrata as décadas de 1950 e 1960, em Tavira.

Salvo raras excepções, a cidade algarvia apre-senta um skyline baixo e isso interessa a alguns cineastas, especialmente quando as querem con-trastar com as grandes urbes europeias, como em Die Screaming Marianne em que Pete Walker con-trapõe a cidade de Londres com a, então, vila de Albufeira e a aldeia de Alte e em Le pact du silence (Graham Guit, 2003) em que Graham Guit con-trasta a cidade de Paris com a cidade de Tavira.

Os aldeamentos turísticos proporcionam cenári-os urbanos arquitectonicament uniformes dado que as habitações partilham de um único projec-to urbano. Esta uniformidade foi útil no filme Ca-valeiros de água doce onde foi posta em contraste a arquitectura da década de 1960 de inspiração vernacular que alberga as famílias de classe mé-dia de férias em Pedras d’el Rei (arq.a: Fernando Viana, 1967-73) com a modesta casa de arquitec-tura vernacular de um pescador de parcas posses na vizinha povoação de Santa Luzia.

Quando visto isoladamente, o objecto arquitec-tónico assume uma preponderância que não tem quando envolvido pela cidade. Quando o edifí-cio é envolvido pela natureza, o seu isolamento acentua-se, podendo isto conferir dramatismo à narrativa. Em Floripes, foi acentuado o suspense que envolve uma casa de pescadores (na ilha da Culatra), isolada na noite, frente ao mar, expondo a personagem ao medo.

Fotograma de Floripes (Miguel Gonçalves Mendes, 2007) [Cortesia: M.G.M.]

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1 Artigo realizado com base na Dissertação de Mestrado A arquitectura algarvia no cine-ma ficcional, realizada por Luís Bruno Ribeiro com orientação de Clara Germana Gonçalves. (Portimão: ISMAT, 2014)

2 António de Macedo entrevistado por Luís Ribeiro em 29/04/2014.

3 RODRIGUES, António (Coord.). Cinema e arquitectura. Lisboa: Cinemateca Portuguesa, Museu do Cinema, 1999.

4 PALLASMAA, Juhani. The architecture of image: existencial space in cinema. Helsinki: Rakennustieto, 2007.

5 MATOS-CRUZ, José de. “O Algarve e o cinema”. In MARQUES, Maria da Graça Maia (coord.). O Algarve da Antiguidade aos nossos dias: elementos para a sua história. Lisboa: Colibri, 1999.

6 PINTO, Eduardo; CORREIA, Paulo. Filmando a luz: introdução à história do cinema rodado no Algarve. Faro: Algarve Film Commission, 2007.

7 Anne Balif apud BACHELARD, Gaston. A filosofia do não; O novo espírito científico; A po-ética do espaço. São Paulo: Abril cultural, 1978, p.243. A respeito da análise de desenhos de casas efectuados por crianças.

8 BACHELARD, Gaston. Op. cit., p.243. A respeito da análise de desenhos de casas efectua-dos por crianças.

Notas

Já, em Ruínas no interior o isolamento da habi-tação no meio de um pinhal pretendeu destacar o facto de a família ser refugiada de guerra.

Se o aeroporto de Faro, por exemplo, apareceu em inúmeros filmes dada a sua singularidade funcional – neste caso, como local de chegada e partida de pessoas do Algarve –, como acontece com a maioria dos edifícios com funções muito específicas que são filmados como tal, outros equipamentos permitem uma utilização cine-matográfica mais flexível, através da sua trans-formação. Tal ocorreu, por exemplo no filme Se-cond life (Miguel Gaudêncio, Alexandre Valente, 2009) em que o convento de Nossa Senhora da Assunção em Faro foi transformado em local de festas extravagantes. O poder que o cinema tem na transformação de locais ficou bem vincado no filme S.O.S. Invasión (Silvio F. Balbuena, 1969) onde o castelo de Silves se torna uma base extra-terrestre.

Um edifício em ruínas, dadas a impossibilidade de suportar a sua função e a sua deterioração, pode, naturalmente, ser um elemento desa-gradável no contexto urbano, mas não deixa, no entanto, de ser um bom local para filmagens. Re-corre-se muito a este tipo de cenário nos filmes de suspense e terror – por exemplo, remetendo-nos para o imaginário do mal, da imperfeição e da aversão – ajudando a completar o clima de medo pretendido. Numa análise mais romântica ou sensitiva, a ruína remete-nos para o que teria sido a época dourada desse edifício ou do que po-deria ter sido o seu futuro, lembrando-nos que o tempo nunca pára: vai desgastando lentamente os edifícios (desgaste esse que, inevitavelmente, transpomos para nós próprios). A utilização des-te tipo de cenários acontece na criação de mo-mentos de terror e suspense em Die Screaming Marianne e nos cenários pós-apocalípticos do filme de guerra Lost haven (Patrício Faísca, 2014). Já em Zéfiro, as ruínas de castelos e muralhas,

evocam memórias de tempos de glórias antigas de uma Nação Portuguesa, remetendo-nos para uma visão mais romântica deste tipo de objecto arquitectónico.

Na escala mais reduzida de análise arquitectó-nica, nomeadamente na análise dos elementos arquitectónicos, deparamo-nos com uma gran-de riqueza simbólica que reforça e abre novas perspectivas para a interpretação da acção, en-riquecendo a narrativa.

De entre os vários elementos que compõem um objecto arquitectónico, o mais típico e exclusivo do Algarve é, sem dúvida, a chaminé. A chaminé é um elemento arquitectónico cujo simbolismo pode remeter para um eixo vertical que liga ter-ra e céu. É a chaminé que mantem o fogo aceso e a união familiar em torno do mesmo. A chaminé pode também ser um elemento que simboliza o estado de espírito. Além de ser um sinal de presença humana, o fumo que sai da chaminé simboliza o calor no interior da habitação resul-tante de um fogo vivo7 em analogia com o calor humano do seio familiar estável, seguro e fe-liz. Segundo Bachelard “quando a casa é feliz, o fumo alegre paira docemente sobre o telhado”8. No exterior da habitação em Dudu 2: Ein Kaffer Gibt Vollgas (Rudolf Zehetgruber, 1972) a cha-miné surge em múltiplos enquadramentos das coberturas da Aldeia das Açoteias (arq.a: Victor Palla e Joaquim Bento d’Almeida, 1967-74). A sua dimensão no interior da habitação ficou bem re-presentada no filme Água e sal (Teresa Villaver-de, 2001) onde a parte inferior de uma chaminé popular surge como um elemento arquitectó-nico com grande expressão dentro da cozinha.

O Algarve oferece, concentrada numa só região, uma variedade arquitectónica difícil de encon-trar em outras zonas do mundo: não só arqui-tectura, mas, a sua combinação com natureza, céu, mar, uma natureza mediterrânica muito

característica associada ao mar atlântico e às praias de areia dourada sob falésias de cromática única no mundo.

Arquitectura, cidade e paisagem do Algarve caracterizam-se por grande heterogeneidade, resultando numa multiplicidade de diferentes cenários confinados numa região de dimensões reduzidas. Espaço humano, espaço natural e arquitectura são caracterizados por várias especificidades que, quando representadas no cinema, lhe conferem um carácter próprio: o imaginário algarvio.

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Hugo Nazareth Fernandes

PENSAMENTO CLÁSSICO E MEDITERRANISMO NA MODERNIDADE DA “ARQUITECTURA DO SUL”ideologias e movimentos artísticos na génese da cultura europeia do Século XX

“Decididamente Ferragudo com as suas paisagens, as suas desenvoltas ra-parigas, as suas pitorescas velhotas, o Sr. Apolinário, a história de Luís Ro- driguez, etc., valia a pena de ser olhado e meditado por pessoa tão rica de conceitos filosóficos e poéticos como eu a mim próprio me julgava, à sombra da nova estética realista que então açambarcava a literatura pátria.”

Manuel Teixeira Gomes, Inventário de Junho

Comentava Erwin Panovsky, em 1933, que uma das características essen-ciais do espírito europeu seria a forma como destrói as coisas e depois as reintegra sobre bases novas, rompendo com a tradição apenas para a ela regressar segundo um ponto de vista completamente novo: “(…) e é isto que produz os renascimentos, no verdadeiro sentido do termo… Assim, cabe di-zer que aquilo a que se pode chamar o problema dos fenómenos do rena-scimento é um dos problemas centrais na história da cultura europeia”1.

Fig. 1 – Henrique Pousão, Casas Brancas de Capri, 1882, óleo s/ tela.

Este artigo focaliza-se sobre as origens da arquitectura moderna além do simples binómio academismo/modernismo que por vezes pouco clarifica sobre as opções estéticas, formais ou tipológicas dos países do sul da Europa. Ao alargar-se o espectro das influências culturais, míticas e ideológicas no início de novecentos, outras leituras são possíveis, não só no que respeita o período moderno, mas também na contextualização de alguns caminhos da produção meridional contemporânea.

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Fruto das crises culturais que se prolongaram desde oitocentos, é deste modo que se apresenta o panorama civilizacional da revolução euro-peia do século XX: o período de relativa paz e tranquilidade de fim-de-século viria a revelar-se como efémero, no ambiente de inquietação pautado pelas ambições expansionistas laten-tes das velhas potências europeias, forjadas no imaginário mítico dos nacionalismos de raiz romântica, em constante mutação até à Segunda Guerra Mundial. Apesar do ideário positivo da Era da Máquina ter aberto a porta a algumas rupturas, alguns aspectos fundamentais da cul-tura romântica irão perdurar nos mitos naciona-listas e saudosistas do novo século, como valores culturais de identidade e de singularidade, em paralelo com os valores progressis tas da moder-nidade

Destes fenómenos de mudança resultariam vári-as dicotomias de natureza ideológica, económica, social e artística, entre o individual e o colectivo, o subjectivo e o objectivo, a produção artística e a estandardização industrial, sob o pano de fundo dos debates entre Arte e Técnica2, que ecoaram desde Ruskin e Viollet-le-Duc a Muthesius e Van de Velde, inevitavelmente estendendo-se à pro-cura de uma expressão entre a arte e sociedade, sob o binómio cul tura/civilização.

Mas, se neste contexto feito de rupturas surgi-ram numerosas tendências estéticas em reacção ao contexto artístico “fin-de-siècle”, revelando o cubismo e as vias fauvista e expressionista como manifestações revolucionárias da entrada do século XX, será de não esquecer que as raízes de-stes movimentos provinham do mesmo tronco comum ao impressionismo e ao simbolismo, cuja expressão advém da exploração dos sentidos e do subconsciente3.

A I Guerra Mundial mudou drasticamente a face da Europa obrigando-a a um violento despertar

das consciências adormecidas por séculos de sta-tus quo cultural. Com os ventos de mudança in-staurava-se o paradigma da modernidade, obri-gando a um reequacionamento dos valores, das qualidades e dos conteúdos da sociedade ociden-tal, sendo que a cidade e a arquitectura deixaram de responder às necessidades sociais, funcionais e técnicas do novo estilo de vida.

A ruptura proposta pelo Movimento Moderno exprimia a procura de novos valores para o mun-do, procura essa orientada para a universalidade e a internacionalização, mas que era minoritária, tal como o movimento que a gerou. Mas, para-doxalmente, se por um lado o Movimento Mo-derno refutava os ícones da monumentalidade do passado, inversamente, reinventava-se nos mitos do progresso, através das fábricas, dos arranha-céus e dos silos industriais, verdadei-ros ícones do Zeitgeist moderno e símbolos da confiança na construção de um futuro marcado pela mitificação da Era da Máquina, celebrada por Mies van der Rohe na sua proposta para o concurso da Friedrichstrasse4 e culminando nos «Nine Points on Monumentality»5, de Siegfried Giedion, em 1943.

Contudo, se, em certa medida, imperou esse es-forço quase vital de internacionalização de um discurso civilizacional em torno da ideia de uma «nova era», a verdade é que os velhos valores cul-turais não só se mantinham como se foram rege-nerando no período de entre guerras, sob o termo que Henry-Russell Hitchcock viria a designar, em 1929, de «Nova Tradição»6, e que surgiu em simultâneo com o Movimento Moderno.

Convém recordar que a «Nova Tradição» tem as suas raízes clássicas no Novecentismo, mo-vimento artístico-literário de início do século, divulgado em Itália e na Catalunha como Novo-cento e Noucentisme, e que pretendia, sob esta designação,

“(…) expressar as suas características parti-culares dentro de uma corrente comum. Tal como no caso do «Regresso à Terra», do «Clas-sicismo Nórdico», do «Nacionalismo», ou do «Regresso à Ordem», no caso português. De todos, o Noucentisme teorizado por Eugénio d’Ors parece ter sido um dos projectos filosó-ficos e ideológicos com mais impacto, graças à divulgação que teve pela via de emanação do foco cultural de Paris”7

Opera-se, deste modo, uma reacção à estandar-dização da arquitectura veiculada pelas teses estritamente mecanicistas, assistindo-se, em alguns países da Europa a partir de meados dos anos Vinte, a um reposicionamento dos prin-cípios clássicos, em matéria de composição e de metodologia de projecto,

Nesta convergência de novas formas impera o eclectismo das ideias, no meio do qual, entre-tanto, surgem as propostas mais radicais do pu-rismo de Le Corbusier, menos bem aceites do que as primeiras. Simultaneamente, como repos-itório de princípios decorativos fundamentados na mutabilidade da moda, o estilo «Art Déco», a partir dos Anos 20, parece ter sido um importan-te agente da cultura novecentista, expressão do seu tempo, na constância de uma virtude estili-zadora, e pela sua tentativa da síntese um pouco paradoxal entre o mainstream e os discursos mais à margem.

Outro aspecto menos visível mas não menos importante do pensamento do século XX na sua construção da modernidade repousa nas estruturas profundas e no plano filosófico das ideias – e dos ideais – que, de algum modo, con-tribuíram para a mitificação dos discursos dessa mesma modernidade. A ideia de transcendência e de universalidade da arquitectura dos tempos modernos também assentou, por vezes, nalguns princípios do idealismo platónico, reforçando a

sua «intemporalidade», que os protagonistas da «aventura» moderna vivificaram, muito embo-ra a partir de referências, imaginários e escalas diferentes, mas partilhando todos eles a mesma ideia de «regeneração» da Humanidade na pro-cura de uma «ordem universal». Estas referên-cias constituíram-se como modelos por via da abstracção – ou não. Deste modo, supõe-se que o platonismo, assim como o pitagorismo, tenham sido – à semelhança de outras épocas – referên-cias silenciosas pelas quais a imutabilidade das leis matemático/geométricas universais se manifestaram8.

Fig. 2 – Le Corbusier, Nature morte, 1920, óleo s/ tela.

Os arquétipos platónicos estiveram presentes através do sentimento universalista na Seces-são Vienense, de Otto Wagner a Hoffman, com seguimento na Jugendstil alemã e na Deutscher Werkbund, com Peter Behrens, e também esti-veram na génese do signo «civilizacional» sob o qual nasceu o Movimento Moderno. Do mesmo modo, encontram-se na base da valorização do purismo da forma, como no caso das experiências pictóricas presentes na pintura de Le Corbusier e de Amédée Ozenfant nos Anos 20 [fig. 2], como sob o mito da natureza, revelando a transcenden-talidade e o misticismo dos vários discursos ditos

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«orgânicos», na base da reflexão poética de Frank Lloyd Wrigth, por influência do panteísmo de Walt Whitman, e também na doutrina teosófica de Rudolph Steiner9.

É possível conceber a ideia de que o neoplatonis-mo do início do Século XX sintetiza estéticas apa-rentemente antagónicas do idealismo romântico e medieval com os valores do classicismo através de princípios e invariáveis com características herméticas. É através do mito de antigas tra-dições perdidas que se vão criar vários movi-mentos vanguardistas no campo das artes e a arquitectura, que pretendiam congregar as von-tades de mudança que iam ao encontro da von-tade de regeneração do «Homem Novo» através da recuperação de um legado mítico «por resga-tar». Esta procura ter-se-á feito, por vezes, por via do simbolismo expressionista, através de «leis silenciosas» que regem o universo, de cariz hermé-tica e iniciática, entendidas como propriedades constantes destes processos de requalificação ontológica10.

Desta requalificação surge uma ruptura com a noção de passado historicista e ao encontro da imutabilidade dos arquétipos universais, naquilo que os pitagóricos e as sociedades iniciáticas ape-lidavam por «Tradição». Termo entendido não como «tradicionalismo» de cariz «historicista» ou «conservador», mas como redescoberta de valo-res intemporais da Humanidade, «reintegrada» na sua dimensão cósmica, em suma, iniciática11.

Por esta via de procura de reunificação com os conhecimentos do passado, o orfismo parece, ter constituído uma das importantes correntes regeneradoras da origem clássico-hermética dentro do próprio cubismo12. Neste caso, a ver-tente geométrico-simbólica do mito grego terá servido de base à concepção de uma nova ordem plástica abstracta, que, segundo alguns autores,

viria a entroncar, mais tarde, na revivência neo-pitagórica13 através da adopção da «Divina Geo-metria», referindo-se especificamente à obra de Luca Paccioli di Borgo, A Divina Proporção, e ao Número de Ouro, maioritariamente divulgado a partir de 1927 através de obras de Mathila Ghy-ka14 15.

Neste complexo e conturbado período de ge-stação da modernidade europeia, parece emer-gir, contudo, um aspecto comum a todas as van-guardas referidas: a necessidade de construir formas de pensamento que pudessem unificar a progressão da era industrial com valores in-temporais. Este caminho percorreu-se tanto por via da internacionalização dos discursos civili-zacionais, como por via da regionalização dos discursos culturalistas, mas em todos os casos se abordaram as questões ontológicas do «ser», nos seus vários níveis, individual, colectivo e étnico16.

No caso de Portugal e Espanha, se por um lado existia uma clara influência do novecentismo no panorama estético das vanguardas italianas e ibéricas deste período entre guerras, deve-se, contudo, considerar um aspecto mais profundo que pode explicar os seus ideários clássicos. Pa-rece pertinente, a este respeito, a referência de alguns autores ao mediterranismo, como cor-rente pictórica de raiz oitocentista, cuja estética parece ter persistido ao longo de novecentos, at-ravés de alguns temas versados na arquitectura, tanto pelos «modernos» (sem vanguarda), como pelos «pragmáticos funcionalistas»17.

Este outro aspecto do imaginário moderno pode servir para explicar a sua especificidade enquanto fenómeno nacionalista ou regiona-lista, constituindo-se como mais um elo com o seu passado romântico, sobrevivendo, neste caso, através de um duplo regionalismo: o da

herança clássica como linguagem universal e o da racionalidade da herança rústica, de uma arquitectura espontânea e racional, “tal como os volumes-forma propostos pelo cubismo, como pelo purismo [fig. 2], ou pela via de uma inter-pretação simbólica”18.

Será preciso não esquecer que, em 1923, quando Le Corbusier escreveu que “A arquitectura é o jogo sábio, correcto e magnífico dos volumes dispostos debaixo da luz”19, teve em conta valo-res intemporais que deveriam ser recuperados para o valor poético da modernidade, numa cla-ra alusão ao classicismo e ao purismo mediter-rânico que o marcaram profundamente e sobre os quais deixou testemunho nos seus cadernos de viagem ao Oriente, em 191120.

Fig. 3 – Joaquin Torres Garcia, A Tradição do Homem Abstracto, (Doutrina Construtivista), Montevideo, Uruguai,1938.

Em 1929 surge em Paris o movimento Cercle et Carré21, fundado pelo pintor Joaquin Torres Gar-cia e pelo crítico de arte Michel Seuphor. Face à omnipresença do surrealismo, decidem reunir os artistas abstracto-construtivistas, assim como os ideários do De Stil e da Bauhaus. Inte-grando Le Corbusier, Walter Gropius, Wassily Kandinsky, Piet Mondrian, Fernand Léger, Hans Arp e Georges Vantongerloo, entre outros, ex-põem no ano seguinte na Galeria 23, em Paris, e publicam uma revista homónima, onde divul-gam e encorajam o desenvolvimento da arte ab-stracta, e em particular na sua vertente mística.

Fig. 4 – Joaquin Torres Garcia, A Tradição do Homem Abstracto, (Doutrina Construtivista), Montevideo, Uruguai,1938 – esquema ilustrativo.

Posteriormente absorvida pela publicação Ab-straction-Création, fundada em 1933, foi particu-larmente importante na medida em que reuniu num período pós-cubista artistas e arquitectos na revalorização da causa abstracta, neste caso através da sua valorização simbólica e metafí-

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sica, retomando os princípios pitagóricos-pla-tónicos no contexto da abrangência dos valores abstractos na sociedade moderna. Do mesmo modo, a necessidade do «Homem moderno» em reencontrar-se com as suas antigas tradições, foi o princípio fundador da Doutrina Construtivista, de Torres Garcia22, ao «exportar», posteriormen-te, da Catalunha e de Paris, esta acção reintegra-dora da vanguarda europeia à América do Sul [fig. 3-4].

Por conseguinte, estas conjunturas permitem considerar que entre o «racionalismo formali-sta» e o «novecentismo mediterrânico» é pos-sível entrever alguns aspectos comuns, embora sob perspectivas diversas, como o classicismo na sua vertente neoplatónica e neopitagórica. De igual modo, referem ainda alguns autores a tentativa de síntese moderna entre os aspec-tos mais abstractos dos valores clássicos e o di-scurso metafísico do mediterranismo novecen-tista, como comprovou Margherita Sarfatti23 em 1924, assim como, mais recentemente, William Curtis24, sobre a preocupação moderna com a essencialidade geométrica do classicismo como fenómeno de renovação da vertente eclética oitocentista.

Neste período de «regresso à ordem» que mar-cou as décadas de Vinte e de Trinta, a corrente mediterrânica gerou-se em torno de uma identi-dade cultural, entre ideologia e associação esté-tica, e certamente diz respeito aos casos de Por-tugal e Espanha, como da Itália, sul de França e norte de África:

“Neste contexto o mediterranismo parece ser uma tendência chave do novo século ao unir uma raça a uma cultura (a dos povos mediter-rânicos, dos povos do sul) às raízes do passado e a um desejo de norma, através das formas símbolo onde o cubo coincide com a forma espacial base das «casas de açoteia»”25.

No caso de Espanha, generaliza-se, no final dos Anos Vinte, um gosto renovado pela cultura clássica e mediterrânica, assim como um inte-resse particular pela vertente pitagórica, como no caso da Escola de Valencas e do percurso cata-lão de Torres Garcia, neste caso como um dos ar-tistas mais apoiados por Eugénio d’Ors, que afir-mou, ainda no início do século, “que a orientação conveniente não se podia desligar da tradição e que essa tradição era a mediterrânica”26.

Fig. 5 – Adalberto Libera, Casa Curzio Malaparte, Capri, 1937-41.

É sobre esta tradição que parece ter-se construí-do uma interpretação da modernidade nos paí-ses do sul mediterrânico, e à qual pertence, sem dúvida, o caso português. Fora do âmbito positi-vista ou da «ética protestante do trabalho», que parece perfilhar-se nos modelos técnico-funcio-nalistas dos países mais setentrionais, surgem outras possíveis interpretações nas abordagens «latinas» à modernidade, na medida em que os valores do legado cultural mediterrânico se-riam demasiado importantes para se dissolve-rem na estética internacional moderna, tendo sido recuperados através do purismo das «terras do sul» [fig. 5].

Donde surge a questão da importância da «Tra-dição» como repositório de valores supra-históri-cos, para além do legado popular da memória antiga, não se tratando, neste caso, de mime-tismo de estilos, mas de transmissão de valores e de modos arquetípicos, nomeadamente da concepção artística e arquitectónica, por via de um pensamento oculto que da profundidade emergiu, e tornando-se consciente, foi inevita-velmente simbólico:

“A História conhece sem dúvida alguma o aspecto popular da alma antiga, mas só a Tradição conservou a sua inteira memória. Foi o tabernáculo no qual se refugiaram, cri-stalizados sob forma de símbolos, todos os pensamentos ocultos das inteligências de um determinado tempo”27.

Através do mediterranismo ter-se-á transmitido essa «Tradição» para a modernidade reinter-pretando o seu sentido poético, traduzindo um modo de «ser» e de «sentir» próprio, sobre o qual também é possível ver afinidades com o movi-mento da Filosofia Portuguesa e da condição exi-stencial que Álvaro Ribeiro apelidou de «Razão Animada»28. Na arquitectura, parece correspon-der a um clima, a uma cultura e a uma estética, cujas formas espontâneas parecem justificar, à priori, a sua integração, tanto pela via simbólica, como pela via formalista29.

Em suma, a clarificação da complexa génese da modernidade europeia do início do século XX pode ser entendida através dos seus aspec-tos menos explícitos e paradoxais, sendo que a aproximação à sua construção deve ser vista à luz desses mesmos paradoxos, característicos da «Era da Máquina». Algumas procuras de re-generação com o passado parecem explicar de-terminadas opções estéticas e ideológicas das vanguardas artísticas e das propostas arqui-tectónicas. Esta ter-se-á dado com a procura de

leis e arquétipos que pudessem conduzir à legiti-mação dos modelos abstractos passíveis de gerar novas respostas à modernidade nas suas várias vertentes culturais, para além do modelo racio-nalista/funcionalista de cariz internacional. A questão da «Tradição» engloba-se com o fenó-meno cultural de raízes europeias, mas também com os fenómenos regionais e étnicos, como no caso da classicismo e da sua vertente popular e mediterrânica, assim como nos aspectos menos explícitos, de raiz hermética, que parecem ter-se regenerado através de algumas vanguardas ar-tísticas e arquitectónicas nascidas da metafísica de novecentos.

A busca de uma nova ordem ter-se-á realizado sob o mito eliadiano do «Eterno Retorno»30, na procura de uma «outra» universalidade baseada na imutabilidade dos arquétipos e na capaci-dade transcendente dos símbolos. Muito embora uma infinidade de valores31 se tenham cruzado neste complexo diálogo que o século XX estabe-leceu com o passado romântico, e para além das questões de integração, ou não, de outras corren-tes dentro do paradigma moderno, aquilo que importará ressalvar será a ruptura das vanguar-das, explicitamente em confronto com os lega-dos académicos oitocentistas, e inversamente, na continuidade implícita que procuraram estabelecer, experimentando a regeneração de valores absolutos e intemporais de um conheci-mento ligado a um passado distante.

Com base nestes contornos literários, artísticos e filosóficos, menos explícitos e aparentemente paradoxais das “várias interpretações da mo-dernidade” torna-se possível a compreensão do caso português, na sua contextualização cul-tural e vernacular. Do mesmo modo parecem abrir caminho a outras leituras históricas, que o simples binómio academismo/modernismo por vezes dificilmente clarifica. Mais tarde, a di-mensão política, urbanística, social e antropoló-

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Fig. 6-7 – Pitum Keil do Amaral, Casa em Alporchinhos, Algarve, 1958.

1 PANOVSKY, Erwin e SAXL, Fritz, Classical Mythology in Medieval Art, in Metropolitan Mu-seum Studies, 1933, nº 2, pp.228-80, in TAFURI, Manfredo, Teorias e História da Arquitectura, Ed. Presença, Lisboa, 1988, pp. 38-39 [Ed. orig. 1979].

2 Veja-se a este respeito FRANCASTEL, Pierre, Arte e Técnica nos séculos XIX e XX, col. Vida e Cultura, Livros do Brasil, Lisboa, 1963.

3 “A abertura do século XX colocou, à partida, uma dialéctica entre racionalidade positivis-ta, o primado da técnica em conflito com a arte e o «sentimento» de raiz simbolista. Este fenómeno será reverberado dentro do próprio Movimento Moderno, através da dialéctica entre expressionimo/funcionalismo e entre outras possíveis situações suas contemporâ-neas”. In FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, Martins Fontes, São Paulo, 1997, pp. 194-195. [ed. original: Modern architecture, Thames and Hudson, Lon-dres, 1980].

4 Idem, ibidem.

5 GIEDION, Siegfried, Space, Time & Architecture: the Growth of a New Tradition, 1941, Har-vard University Press, 5th edition, 2003, e Mechanization Takes Command: a contribution to anonymous history, Oxford University Press, 1948.

6 Fundada no início do século através das propostas modernizadas dos estilos histori-cistas/nacionalistas, vinha-se afirmando no período compreendido entre a I e a II Guerra Mundial e reclamava os valores culturais, étnicos e nacionalistas, através do imaginário romântico e clássico, recuperados para a modernidade. Kenneth Frampton situa as origens da «Nova Tradição» entre 1900 e 1914, definindo-a como um “estilo historicista «conscien-temente» modernizado”, produto do «espírito» de novecentos. Cf. FRAMPTON, 1997, pp. 194-195

7 GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p. 34.

8 Veja-se a este respeito FAGIOLO, Marcello, La Catedral de Cristal: La arquitectura del ex-pressionismo y la «tradicion esotérica», In ARGAN, Giulio Carlo, El pasado en el presente: el revival en las artes plásticas, la arquitectura, el cine y el teatro, [Dir. de Argan], Ed. Gustavo Gilli, Barcelona, 1997.

9 Idem, ibidem.

10 Idem, ibidem.

11 Veja-se a este respeito o comentário de Lima de Freitas sobre a oposição entre o in-dividualismo moderno (no sentido de “l’art pour l’art”), e o processo estético por via da “Tradição”: “Podemos talvez caracterizar essa oposição de princípios dizendo que os pre-conceitos modernos querem que através da arte o artista se exprima a si mesmo, isto é, exprima a sua «personalidade», as suas idiossincrasias, todo esse conjunto de preferências subconscientes, de obsessões, de manias, de «fantasmas», cultivado com desvelo, que faz dele um indivíduo à partida considerado como original e inconfundível, ou devendo sê-lo; tal «artista», cuja personalidade «forte», em regra, decorre de uma grande excitabilidade de sensações e emoções, exprimir-se-à (de acordo sempre com a moderna opinião) pre-ferencialmente na ausência de qualquer prévio pensamento ordenador, sem plano, sem meta, em total «liberdade». A obra surgirá, consequentemente, com a «espontaneidade» gratuita de um grito, de um espasmo, de um «acaso», como a manifestação de um tique ou

Notasgica será integrada no debate, com o Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal32, na segunda metade da década de 1950 e, vinte anos depois, nas experiências do SAAL33 e no Bairro da Malagueira de Siza Vieira, entre ou-tros. As reinterpretações da modernidade “ao sul” irão continuar, noutros contextos, noutras gerações, com outras prioridades.

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uma agressão colérica, como um gesto irreflectido ou um acesso sado-masoquista. Natu-ralmente, o «acte manqué» revela com excessiva evidência o cariz primário das «esponta-neidades», mormente quando carregadas de violência, pelo que o artista, amiúde, recorre a um qualquer rebuscamento quanto ao modo, ao estilo ou à sinalética, a fim de disfarçar o furor primitivo sob a veste de um pretenso «mistério» ou de um ineditismo «à outran-ce». Ora tudo isto constitui, ponto por ponto, o oposto absoluto da concepção tradicional, nomeadamente da tradição pitagórica, a qual, considerando aquilo a que hoje chamamos «arte» como uma actividade de conteúdo sagrado, considerava, consequentemente o «ar-tista» um oficiante, aparentado, quando não identificado, com o xamã, com o sacerdote, com o príncipe. Jamais passaria pela cabeça do «artista», assim considerado, exprimir-se a si mesmo. Na verdade, a Tradição considerava que o eu de cada indivíduo, caracterizado por um certo número de particularismos que não passam de variantes, por vezes mínimas, da morfologia e do comportamento do grupo ou da espécie, era demasiado insignificante para ser tema «artístico». A Arte, portadora de eficácias mágicas e sagradas, ocupava-se so-bretudo dos deuses, das forças cósmicas, dos universais, dos arquétipos, dos ritmos vitais, das ressonâncias analógicas e das constelações simbólicas que palpitavam no mistério das coisas e dos seres; o indivíduo, como tal, só vinha a ser tema artístico na medida em que se metamorfoseava em herói, em guerreiro, sábio ou santo, isto é, na medida em que se transformava num modelo superior, capaz, pelo seu exemplo, ou pela sua condição ani-malesca, condicionada, servil, sujeita às paixões do corpo, do automatismo dos reflexos, à canga ds necessidades implacáveis; tais heróis, porém, são precisamente aqueles indiví-duos que, longe de cultivarem as suas obsessões, terrores ou particulares idiossincrasias, souberam triunfar dos seus próprios egos.” In FREITAS, Lima de, Pintar o Sete: ensaios sobre Almada Negreiros, o Pitagorismo e a Geometria Sagrada, Colecção Arte e Artistas, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1990, pp. 82-83 [1ª Ed. 1977].

12 Cf. GALVÃO, 2003, p. 37.

13 O pitagorismo foi um movimento filosófico, matemático e místico que teve a sua ori-gem nas teorias atribuídas a Pitágoras de Samos e aos seus discípulos mais imediatos durante o século VI a.C., perdurando posteriormente sob a forma de neopitagorismo. Os pitagóricos encaravam o mundo como um mecanismo «em harmonia», resultante da manifestação do «Número», como entidade suprema, da qual dependia a organização de todas as coisas e de todos os seres do Cosmos. Comprovável através da aritmética, da ge-ometria e da harmonia musical, como sistema lógico-dedutivo, tinha como finalidade o entendimento do Universo, na compreensão do mensurável (o finito) e do incomensurável (o infinito). Esta forma de entender as «leis silenciosas que regem o universo» provinha do conhecimento sacerdotal do Antigo Egipto, que, por transmissão a Pitágoras, manteve--se guardado nas confrarias gregas, romanas e medievais, tendo-se divulgado no Renas-cimento por via de Luca Paccioli. Veja- se a este respeito, entre outros, GHYKA, Matila C., EI Numero de Oro – ritos y ritmos pitagóricos en el desarrolo de la civilización occidental, Editorial Poseidon, Barcelona, 1978; CLEYET-MICHAUD, Marius, Le Nombre d’Or, Presses Uni-versitaires de France, 1973 e RZIHA, Franz, Études sur les marques des tailleurs de pierre – La Géométrie secrète – l’histoire, les rites & les symboles des Compagnons tailleurs de pierre du SaintEmpire Romain Germanique & de la Grande Loge de Strasbourg, ed. francesa: Éditions de la Maisnie/La Nef de Salomon, Paris, 1993, [segundo ed. original alemã de 1883].

14 Em 1927 surgiu a obra fundamental de Mathila Ghyka, Estética das Proporções na Natu-reza e nas Artes, que contribuiu para a divulgação das teorias pitagóricas. Baseada na obra de Fra Luca Paccioli A Divina Proporção, que, em meados de quatrocentos, redescobriu os traçados reguladores canónicos da Escola de Pitágoras, através da leitura do Timeu de Platão. Os traçados que Ghyka investigou baseavam-se nos sistemas de relações e proporções que remontavam, pelo menos, a Pitágoras e seria conhecido na Renascença como o «Número de Ouro» ou «Divina Proporcione». Veja-se a este respeito o prefácio da obra de Ghyka:, Estética de las proporciones en la naturaleza y en las artes, Ed. Poseidon, Barcelona, 1983 [1ª Ed. 1927].

15 Convém, a este respeito, mencionar o interesse demonstrado em algumas teses recen-tes, no que respeita a fundamentação desta ruptura proposta pelos focos pitagóricos pós--cubistas, como também de outros mais periféricos, onde se inclui a Escola de Vallecas e o vanguardismo órfico português do início do século XX: “(…) para documentar um importante momento de aproximação entre artistas e até arquitectos portugueses e espanhóis, preci-samente quando estes valores pareciam estar activos, na transição da década de vinte para trinta do século XX. Neste contexto, não podem deixar de ser referidos os contactos entre Ramón Gómez de la Serna, líder da geração «Ultra», com artistas e escritores portugueses, entre os quais Almada Negreiros.” In Galvão, 2003, p. 38.

16 Cf. idem, ibidem, p. 38.

17 Cf. id., ibid., p. 38.

18 Id., ibid., p. 38.

19 «L’architecture est le jeu savant, correct et magnifique des volumes assemblés sous la lumière. Nos yeux sont faits pour voir les formes sous la lumière; les ombres et les clairs révè-lent les formes; les cubes, les cônes, les sphères, les cylindres ou les pyramides sont les gran-des formes primaires que la lumière révèle bien; l’image nous en est nette et tangible, sans ambiguïté. C’est pour cela que ce sont de belles formes, les plus belles formes. Tout le monde est d’accord en cela, l’enfant, le sauvage et le métaphysicien. C’est la condition même des arts plastiques.» in LE CORBUSIER, Vers une architecture, Crès, Paris, 1923, p.16. Esta afirmação situa-se no começo do capítulo intitulado O volume, sendo este o primeiro de Trois rappels à messieurs les architectes, esses que “tinham perdido o sentido da concepção das formas primárias”, representadas, segundo Le Corbusier, pelos silos e algumas fábricas americanas, assim como pelas formas típicas da arquitectura egípcia, grega e romana, nomeadamente os volumes simples da Lição de Roma (1907), e da Viagem ao Oriente (1911).

20 Veja-se a este respeito LE CORBUSIER, Voyage d’Orient – carnets, (1911), Electa Architectu-re/ Fondation Le Corbusier, Paris, 2002.

21 Veja-se a este respeito SEUPHOR, Michel e JUIN, Hubert, Cercle et carré : 1930, Paris : Ed. Jean-Michel Place, 1977 ; PRAT, Marie-Aline, Contribution aux archives de l’art abstrait en Fran-ce : le groupe et la revue “Cercle et Carré”, Paris, 1980; HONEGGER, Gottfried e HÜRLIMANN, Dölf, Hommage à cercle et carré, Zurich,  1964, entre outros.

22 Joaquín Torres García (1874 – 1949), artista plástico e teórico uruguaio, fundador do «cons-trutivismo universal», com bases no neoplatonismo/neopitagorismo. Veja-se a este respeito TORRES-GARCÍA, Joaquin, La tradición del hombre abstracto (Doctrina constructivista), Edita-do pela Comisión de Homenajes a Torres García (Ministerio de Educación y Cultura de la Repú-blica Oriental del Uruguay) Montevideo, 1969 [segundo a edição original do autor datada de 1938], e SCHAEFER, Claude, Joaquín Torres García, Editorial Poseidón, Biblioteca Argentina de Arte, Buenos Aires, 1945.

23 “The eventual absorption of international models of modernity needs to be understood against the background of a struggle to crystallize an industrial culture (…) and against the background of a persistent, sometimes unconscious, classical continuity. Naturally this inheritance was open to different readings and interpretations all the way from ornamen-tal eclecticism in the late nineteenth century, to a concern with geometrical «essentials» in the twentieth. This abstract view of classical values was sometimes mixed with a vaguely metaphysical «Mediterranism». Writing of the Novecento painters in 1924, the critic Mar-gherita Sarfati referred to «a style of clarity and synthesis which is at once classical and hi-ghly modern», then went on to make a more general claim that would also be pertinent to architecture: «to create in every great epoch a new ideal of beauty, beyond inconstant reality

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and eternal true, is the task of Mediterranism: once it lay with Egyptians and Greeks, now with Italians.” In CURTIS, William J.R., Modern Architecture since 1900, Ed. Phaidon, Londres, 1996, [3ª Ed.] p. 360.

24 Idem, ibidem, p. 360

25 GALVÃO, 2003, pp. 38-39.

26 Cf. BOHIGAS, Oriol, História de la Cultura Catalana, Vol. VII, Ed. 62, Barcelona, 1996, p. 202, in GALVÃO, 2003, p. 39.

27 FAGIOLO, Marcello, La Catedral de Cristal: La Architectura del expressionismo y la “tradición esotérica”, in El pasado en el presente: el revival en las artes plásticas, la arquitectura, el cine y el teatro, Dir. de Giulio Carlo Argan, Ed. Gustavo Gilli, Barcelona, 1997, p. 203.

28 Alvaro Ribeiro (1905-1981), foi, juntamente com José Marinho, um dos principais discípu-los do magistério de Leonardo Coimbra na Faculdade de Letras do Porto. Considerado como o fundador do grupo da Filosofia Portuguesa, onde participaram também António Quadros, Afonso Botelho e António Braz Teixeira, a sua iniciação filosófica começara na segunda déca-da do século XX, tanto na sede do movimento da Renascença Portuguesa, como em tertúlias célebres pelos cafés portuenses, em contextos fiéis a uma tradição pitagórico-platónica, em que a iniciação filosófica não se reduzia exclusivamente à relação escolar. ano que respeita a Leonardo Coimbra e à sua actividade académica, será por si interpretada como fiel a uma doutrina que dizia esotérica e identificada com a ideologia da Renascença Portuguesa, tal como esta se viria a constituir depois da saída de António Sérgio e de Raúl Proença. Veja-se a este respeito RIBEIRO, Álvaro, A Razão Animada, 1957. Sobre o autor e a sua obra veja-se GOMES, Pinharanda, F ilologia e F ilosofia, 1966, Fenomenologia da Cultura Portuguesa, 1970, VITORINO, Orlando, Álvaro Ribeiro, Nova Renascença, 9, (1982-83), A filosofia de Álvaro Ribeiro como doutrina do espírito, in Leonardo, ano II, 1989, QUADROS, António, Álvaro Ribeiro, mestre da geração do 57, in Leonardo, nº 2, 1988, SARMENTO, Francisco Morais, A escola de Álvaro Ribeiro, in Democracia e Liberdade, nº 42 e 43, 1987.

29 Veja-se a este respeito GALVÃO, 2003, p. 39.

30 Veja-se a este respeito ELIADE, Mircea, Le mythe de l’éternel retour. Archétypes et répétition, Paris, Gallimard, col. Idées, 1969. [ed. orig. col. Les Essais, 1949].

31 Segundo Maria João Madeira Rodrigues: “O vínculo social, por vezes politicamente ma-nifestado, acoplado aos desígnios artísticos, permite-nos reconhecer, a partir de 1920, a existência de diversas tradições novecentistas, todas igualmente no seu tempo modernas, porém sem se conformarem completamente à matriz modernista.” In RODRIGUES, Maria João Madeira, Arquitectura, Quimera, Lisboa, 2002, p. 88.

32 Das memórias de Fernando Távora, a confirmação da preconizada semelhança (ou influ-ência) da arquitectura popular e da arquitectura moderna: «E eu lembro-me que na véspera da visita do Salazar à SNBA fez-se uma projecção de slides para o Arantes e Oliveira e passou em determinada altura um conjunto de casas – no Sul – todas iguais, com aquelas chaminés alentejanas fortes, uma solução bastante fechada. E o ministro disse “que bonito, isso pare-ce arquitectura moderna”. E eu que estava atrás – lembro-me perfeitamente disto – disse-lhe “mas, ó sr. ministro, o Inquérito vem exactamente confirmar a existência de grandes similitudes entre a arquitectura popular e a arquitectura moderna”. E ele disse-me assim: “o sr. arquitecto pense isso, mas não diga isso amanhã ao Sr. Presidente do Conselho”.» (Fernando Távora, 1996), in João Leal, Arquitectos, engenheiro, antropólogos: estudos sobre arquitectura popular no sé-culo XX português. Conferência José Marques da Silva 2008, Fundação Marques da Silva. p.39.

33 «Serviço de Apoio Ambulatório Local», criado em 1974 pelo arquitecto Nuno Portas, então secretário de Estado da Habitação e Urbanismo do I Governo Provisório. O SAAL foi um pro-grama de promoção habitacional através do apoio às autarquias e às populações interessa-das, na procura de resolução dos problemas de habitação das populações mais carenciadas.

BibliografiaARGAN, Giulio Carlo, El pasado en el presente: el revival en las artes plásti-cas, la arquitectura, el cine y el teatro, [Dir. de Argan], Ed. Gustavo Gilli, Bar-celona, 1997.

CLEYET-MICHAUD, Marius, Le Nombre d’Or, Presses Universitaires de France, 1973.

CURTIS, William J.R., Modern Architecture since 1900, Ed. Phaidon, Londres, 1996, [3ª Ed.].

ELIADE, Mircea, Le mythe de l’éternel retour. Archétypes et répétition, Paris, Gallimard, col. Idées, 1969. [ed. orig. col. Les Essais, 1949].

FRANCASTEL, Pierre, Arte e Técnica nos séculos XIX e XX, col. Vida e Cultura, Livros do Brasil, Lisboa, 1963.

FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, Martins Fontes, São Paulo, 1997, pp. 194-195. [ed. original: Modern architecture, Tha-mes and Hudson, Londres, 1980].

FREITAS, Lima de, Pintar o Sete: ensaios sobre Almada Negreiros, o Pitago-rismo e a Geometria Sagrada, Colecção Arte e Artistas, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1990.

GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contra-dição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003 [dissertação académica].

GHYKA, Matila C., EI Numero de Oro – ritos y ritmos pitagóricos en el desar-rolo de la civilización occidental, Editorial Poseidon, Barcelona, 1978.

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SEUPHOR, Michel e JUIN, Hubert, Cercle et carré  : 1930, Paris  : Ed. Jean-Michel Place, 1977.

TAFURI, Manfredo, Teorias e História da Arquitectura, Ed. Presença, Lisboa, 1988, pp. 38-39 [Ed. orig. 1979].

TORRES-GARCÍA, Joaquin, La tradición del hombre abstracto (Doctrina con-structivista), Ed. Comisión de Homenajes a Torres García (Ministerio de Edu-cación y Cultura de la República Oriental del Uruguay) Montevideo, 1969, [segundo a edição original do autor datada de 1938].

Artigos e publicações diversas

LEAL, João, Arquitectos, engenheiro,  antropólogos: estudos sobre arquitec-tura popular no século XX português. Conferência José  Marques da Silva 2008. Fundação Marques da Silva, cf. https://fims.up.pt/ficheiros/LivroFi-nalConferencias.pdf e https://revisitavora.wordpress.com/category/dos-arquitectos-mestres-amigos-colegas-ou-conhecidos/page/2/

QUADROS, António, Álvaro Ribeiro, mestre da geração do 57, in Leonardo, nº 2, 1988.

SARMENTO, Francisco Morais, A escola de Álvaro Ribeiro, in Democracia e Liberdade, nº 42 e 43, 1987.

VITORINO, Orlando, Álvaro Ribeiro, Nova Renascença, 9, (1982-83), A filoso-fia de Álvaro Ribeiro como doutrina do espírito, in Leonardo, ano II, 1989.

GIEDION, Siegfried, Space, Time & Architecture: the Growth of a New Tra-dition, 1941, Harvard University Press, 5th edition, 2003, e Mechanization Takes Command: a contribution to anonymous history, Oxford University Press, 1948.

GOMES, Pinharanda, Filologia e Filosofia, 1966.

GOMES, Pinharanda, Fenomenologia da Cultura Portuguesa, 1970.

HONEGGER, Gottfried e HÜRLIMANN, Dölf, Hommage à cercle et carré, Zurich, 1964.

LE CORBUSIER, Voyage d’Orient – carnets, (1911), Electa Architecture/ Fonda-tion Le Corbusier, Paris, 2002.

LE CORBUSIER, Vers une architecture, Crès, Paris, 1923.

PRAT, Marie-Aline, Contribution aux archives de l’art abstrait en France : le groupe et la revue ”Cercle et Carré”, Paris, 1980.

RIBEIRO, Álvaro, A Razão Animada, 1957.

RODRIGUES, Maria João Madeira, Arquitectura, Quimera, Lisboa, 2002.

RZIHA, Franz, Études sur les marques des tailleurs de pierre – La Géométrie secrète – l’histoire, les rites & les symboles des Compagnons tailleurs de pierre du SaintEmpire Romain Germanique & de la Grande Loge de Strasbourg, ed. francesa: Éditions de la Maisnie/La Nef de Salomon, Paris, 1993, [seg. ed. original alemã de 1883].

SCHAEFER, Claude, Joaquín Torres García, Editorial Poseidón, Biblioteca Ar-gentina de Arte, Buenos Aires, 1945.

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Sandra Morgado Neto

As Mãos que Desenham o Erro

São quase seres animados. Servas? Talvez. Mas dotadas de um génio enérgico e livre, de uma fi-sionomia – faces sem olhos e sem voz, mas que veem e que falam1.

Que ‘músculos’ desordeiros e sem medula são estes, que ‘adoram’ o erro, subjugam a mente, mas favorecem indiretamente a ordem da obra? Que privilégio é este? Por que nos fala este órgão mudo e cego com tal força persuasiva?2

1. A mão como “organismo”

É a mão que mani-festa o pensamento. Ou a cabeça que manu-fatura o objeto. (José María Cerezo)

Não há como prever, projetar ou conferir método ou tipos à performance manual, sob a ‘orien-tação’ do erro. Não é sequer possível determinar a origem do erro e, por conseguinte, as causas e os efeitos do mesmo.

Mas o que confere matéria e possibilidade de for-ma ao erro é o fenómeno lúcido da sua identifi-cação e a constatação do potencial de influência dos seus efeitos. No domínio dessa consciência, é depois preciso ‘saber jogar’ com o erro na arena das possibilidades, dos falhanços e dos riscos de perda do controle mental sobre um formalismo gestual, mas pode recuperar-se a confiança na génese de uma lógica possível e frutífera do ponto de vista inventivo.

É ao pensamento que cabe ordenar os frutos des-se ’jogo’ no papel, conduzindo depois a mão até à meta objetiva, por via de mecanismos composi-

tivos sistemáticos através da abstração.

Verifica-se uma ambivalência da manualidade quando: i) O gesto é autossuficiente, regido liv-remente pelos impulsos infinitos e indecifráveis do corpo que vão até à matéria alheia a um en-unciado e a uma origem certa; ii) Usamos a mão como instrumento que isola os erros e se baseia nas escolhas eventualmente iniciadas pela emoção, mas validadas no pensamento abstrato que encaminha a forma nascida no errático para uma materialidade mais utilitária.

Por isso, estamos em face da dialética do fazer do desenho e do desenho enquanto feito. Uma leitu-ra clássica corroboraria a noção de que só esse segundo estado é que permite a fixação e a con-strução física de uma ideia com um fim (como acontece, por exemplo, com o desenho projetual que serve a arquitetura e o design), e que o pri-meiro caso daria azo a uma pulverização do ob-jetivo inicial e, consequentemente, o ingresso no campo da poesia pura ou de uma plasticidade gratuita.

Ora no campo de análise desenvolvido neste ensaio, julga-se, porém, que o desenho objetivo também pode ter como origem essa autonomia indizível da mão que não obedece aos códigos ou às premissas originais na raiz da representação (embora os consiga atingir por via da ‘outra’ mão que estará ao serviço da abstração). Porque são as mãos (essas duas mãos teoricamente distin-tas) que vêm a unir o cérebro e a invisibilidade à carne do corpo e à perceção. Mas são também es-sas mãos, os órgãos capazes de, paradoxalmente, separá-los (o corpo e a perceção) e fazer aparecer as estruturas dissociativas desencadeadas por elevados níveis de abstração.

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Pensar com as mãos e fazer com a cabeça. (Denis de Rougemont)

Ora de um lado, e furtando (para inverter) esta interessante expressão de Rougemont3, ficamos com um fazer com as mãos e um pensar com a cabeça, apropriados a uma mão de tendência to-pologicamente diagramática, que prima o orga-nismo que veicula um expediente performativo do corpo reunido no gesto manual (analógico); isto é o que produz o desenho erraticamente ca-sual e ‘desobjetivizado’.

Sobre a noção da mão como órgão no contexto em causa e explorando a teoria de Deleuze & Guattari, explica-se que é no organismo que se concentram as unidades de comando de outras funções menores ou integradas do conjunto, subordinadas ao órgão principal: há, portanto, uma divisão do corpo que compõe os órgãos e aparelha-os, o que evita, segundo os autores, a criação intensa.

Como tal, criticam, estes filósofos, essa organi-zação convencional homogénea e estruturada, propondo abrir o corpo interno e externo a to-das as possibilidades e probabilidades (agencia-mentos dinâmicos da sensação e da imagem), tornando-o num corpo sem órgãos (CsO), desfa-zendo o organismo e abrindo o corpo a conexões que supõem todo um agenciamento, circuitos, conjunções, superposições, limiares, passagens e distribuições de intensidades, territórios e de-sterritorializações4. Com efeito, estamos, nesse cenário, perante uma visão que descobre em si mesma uma função de toque que lhe é própria.

Este desenho desta mão implica uma dança do corpo. Mas trata-se dum ’bailado’ que pode não acontecer no espaço do suporte ou seguir um projeto premeditado no pensamento, mas sim no ’ar’; ou no subterrâneo, respirando possibi-

lidades (variações, não necessariamente alea-tórias, a partir das quais ocorrem as diferenças operadas por seleções5). Nisto, o ‘digital’ (desenho do dedo – movimento curto) torna-se ‘gestual’ (desenho do membro - movimento amplo), e as formas geradas a partir do trabalho da mão como organismo são orientadas por:

(...) uma geometria que já não se encontra ao ser-viço do essencial e do eterno, mas sim ao serviço dos ‘problemas’ ou dos ‘acidentes’, ablação, ad-junção, projeção, interseção.

(É pois uma linha que muda perpetuamente de direção, uma linha quebrada, partida, desviada, voltada para si própria, enrolada ou mesmo pro-longada para lá dos seus limites naturais, mor-rendo numa ‘convulsão desordenada’: há marcas livres que prolongam ou suspendem a linha ag-indo sob a representação ou fora dela.)

Trata-se, pois, de uma geometria, de uma decoração tornada vital e profunda, com a condição de já não ser orgânica: eleva à intuição sensível as forças mecânicas, procede por movimento violento.)6

Convém porém esclarecer que a mão como or-ganismo não pretende centralizar a unidade de comando no gesto no sentido de “desfazer” o intelecto, mas reprogramá-lo como motor de animações que refletem o ‘desejo’ de todas as conexões e de todas as oportunidades.

Adaptando: a mão será, assim, o ‘órgão’ híbrido da mente que não a reconhece no momento em que experimenta e integra o gesto do corpo, mas que, efetivamente, gera resultados compulsados tanto no interno como no externo, ou na pele das vísce-ras, e no ‘entre’, onde parece que se propagam os agentes do erro casual, posteriormente modera-dos ou controlados pelo pensamento abstrato.

Não se trata, concretamente, de escapar aos ob-jetos conhecidos ou aos enunciados previsíveis, mas de mudar a perceção sobre eles; coisa que a mão consegue por, ao agregar as partes do corpo e se tomar de um movimento livre e contin-gente, deixar esquivar propriedades comuns das coisas. Ao desaparecerem essas propriedades (ou imagens), aparecem outras, na improbabilidade, passíveis de ser marcadas no lugar das primei-ras ou no espaço das suas ausências forçadas que oferecem lugar à invenção.

É essa a circulação libertadora que abandona a segurança estática do clichê e atua com sentido de oportunidade e na oportunidade, isto é, pelo treino e exercício do desenho, pela insistência continuada do traço, e pelo oportunismo posi-tivo, mas nos eventos em que a amplitude de movimento é circunscrita, manchando suces-sivamente na mesma localização, para, poste-riormente, ‘saltar’ para outro ponto do sistema ’desenhante’.

Trata-se, pois, de um ‘método’ de produção longe de uma mecânica sistemática ou processual, que não se importa ou acusa a causalidade das coi-sas. Os acidentes que ocorrem no exterior, imp-revistos e imprevisíveis são, por isso, a profícua fonte para o que esta mão (re)produz no suporte, através da experimentação empírica e percetual automática que cabe a este flanco específico da representação.

Os diagramas encetados pela mão como organis-mo são desenhos que se insinuam como obras-outras na antecedência dos acabamentos; como estruturas enérgicas diferenciais, experimen-tadas no espaço que, além de representativo ou expressivo, conformam estruturações de outros eventos gráficos, inaugurais e instauradores dos factos raros que fogem à rotina do trabalho percetivo.

Temos um termo verbal que não é nosso, mas as-senta como ‘luva’ para este tipo de ação ’desen-hante’: háptico, do verbo grego tocar.

(...) não designa uma relação extrínseca entre visão e tacto, mas antes uma possibilidade do ol-har, um tipo de visão distinto do óptico: na zona espacial das coisas próximas, o olhar, procedendo como o tacto, experimenta a presença da forma e do fundo no mesmo lugar7.

E encontramos, por analogia, uma marca gráfica ‘configurante’ que decorre diretamente desse tipo de toque em que, conforme Alberto Carnei-ro defende:

(…) o háptico implica a totalidade do corpo, a maioria das suas partes e toda a sua superfície. As extremidades são os órgãos sensíveis exploratóri-os, mas são também órgãos motores performati-vos – equipamento para sentir e anatomicamente preparado para fazer.8

Que matéria pode, então, ser desenhada?

1.1. Configuração: região – posição – nó

O diagrama pode registar dois tipos fundamen-tais de acontecimentos: o das imagens estáticas e o das imagens dinâmicas. Ambos estão su-jeitos à influência do erro, antes e depois de ad-quirirem uma face material que, mediante uma técnica de uso dos elementos gráficos, se tornam marcas físicas visíveis formadas no enredo per-manentemente transitório da alma do desenho.

Não há, nessa fase, lugar à exploração consciente das fontes dos acasos que esta mão capta, dado que as consequentes marcas desenhadas, de certo modo estabilizam uma primeira aborda-gem de preenchimento arbitrário do suporte, implantando-se ou, melhor, estabilizando in-

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conscientemente os lugares que podem vir a referenciar áreas primitivas de ação, com base numa espécie de ‘automatismo’ gráfico decor-rente de uma prática errónea.

Para o efeito, há a necessidade de que esse ‘zo-namento’ reporte uma certa estaticidade a ju-sante da imagem material, para se consolidar num plano matricial para o que, graficamente, está por vir ou distribuir. Mas essa é uma falsa estática; serve apenas de pretexto para começar a representação no ponto zero do desenho...

A inscrição de uma primeira marca (ou de mar-cas em simultâneo) excita uma rede de marcas mais ou menos espetaculares e, no sentido pic-tórico – erráticas -, que provocam a atenção em determinada zona do papel, mais ou menos equivalente ao lugar que ocupa na ’malha’ da imaginação.

Ora, a estrutura da referida marcação primor-dial pode encontrar paralelo com a noção de mapa que ‘geo-grafitiza’ regiões9 no espaço ex-ploratório, estabelecendo pontos e espaços para a disseminação de elos e topos para as entidades (topo)gráficas.

Nas matérias estudadas por Deleuze & Guattari, corresponderá à noção de espaço para o rizoma10, como um mapa que deve ser produzido, construí-do, sempre desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas, com as suas linhas de fuga11.

Por analogia nesse contexto, o rizoma aparece como a raiz ou rasante matricial ‘infestante’ e multíplice, errática, imprevisível e propagadora das redes de marcas e indícios gráficos que se di-latam, à superfície, no diagrama, fazendo brotar as marcas e servindo os pontos de ‘energia’ para o desenho evoluir graficamente e a posteriori,

num plano mais ‘aéreo’, isto é, volumétrico (indiscutivelmente visível), que de estático pouco tem.

Mas nem só da luz e da propagação se alimen-ta a ‘planta’, tal como nem só a visibilidade e a velocidade mantêm a ’fisicidade’ da marca grá-fica. Com efeito, os citados autores expandem a sua noção de rizoma de modo mais abrangente: dizem que não se limita ao domínio material, mas também à máquina abstrata que o faz pro-pagar. Nesse sentido, as regiões, no diagrama, conformariam uma estrutura ou matriz variá-vel e suscetível de permanente mudança, e são as subsequentes entidades gráficas (dinâmicas) que parecem subjugar-se a esta ‘ordem’ geo-gráfica. Lembra a analogia do crochê, bordado, patchwork e manta de retalhos12 de Deleuze & Guattari, em que o espaço regional formula uma espécie de espaço estriado que entrelaça fixos e variáveis, ordena e faz sucederem-se formas di-stintas, organiza as linhas melódicas horizontais e os planos harmónicos verticais. Todavia, as re-giões estão também na base do espaço liso que convida ao desenvolvimento contínuo da forma, é a fusão da harmonia e da melodia em favor de um desprendimento de valores propriamente rít-micos, o puro traçado de uma diagonal através da vertical e da horizontal.

Se são as regiões que estabelecem grupos ou con-juntos, por atração pictórica e por ‘interesse’ do desejo da mão, são também as áreas que se su-jeitam às oscilações de uma razoabilidade que aparece para moderar a vontade perante um objetivo cada vez mais emergente e consciente, através do desenho.

Em síntese: ao contrário de um sistema arbore-scente a partir de uma raiz fixa, o rizoma não prima por só fixar pontos herméticos ou ordens de controlo espacial das entidades gráficas; há,

igualmente, um caráter dinâmico subjacente à ideia de rizoma e das regiões que ele forma, e há, sobretudo, um forte sentido de descentralização a partir de uma raiz que, no desenho, equivale ao ponto zero da marca gráfica, de onde tudo nasce e se expande através das linhas de fuga nutridas de modo não hierárquico pelas regiões energé-ticas do rizoma que respondem ao inconsciente, à necessidade de novos enunciados e ao desejo do novo (não do decalque que a raiz fixa promo-veria).

Na prática física do desenho, a entidade (topo)gráfica que se mostra, à partida, mais adequada para a marcação destas primeiras ou primitivas regiões, é a mancha (ou a gota – que é uma man-cha introvertida, próxima do ponto matemático-nulo). Porque forma superfícies ou planos, cuja tridimensionalização resultará no volume (ou no sólido por via da abstração geométrica), tam-bém pode ser configurada por sobreposição e concentração de traços, por força da sua atração figural concêntrica que não aguenta o poder de centrifugação e se projeta para fora dos raios de controlo da mão. Nesse ponto, pode dizer-se que a mão é ultrapassada pela ‘vida própria’ dos ele-mentos gráficos que se expandem livremente no suporte, como objetos em si. É a mancha e, even-tualmente, o traço que, nesse estádio, tomam o lugar da mão híbrida e, consequentemente, da razão.

Ora, mas a tendência é para que as estruturas ordenadas pelas regiões sigam sobreposições ou cruzamentos ou interseções ou expansões, de onde se podem extrair pontos de referência, a partir de uma primeira marcação de posição que pode ser aleatória por natureza, mas controlada pelo esforço lógico que abandona o lúdico e tem de seguir um enunciado ou uma finalidade.

Encontramos, por exemplo, na reflexão acerca do

automatismo13 e nos seus desenhos, esse meca-nismo e essa técnica que faz o ponto zero do desenho não carecer de planificação porque se procura, na imprevisibilidade e na imprecisão, a oportunidade do arranque do diagrama, a augura de espontaneidade na base do desenho mental, e o pretexto para a conceção intuitiva da obra-prima que não estabelece limites à partida ou se esforça por explicar e processar a origem dos acidentes gráficos.

Com efeito, não restam grandes dúvidas de que uma das facetas fundamentais do erro que serve o desenho é o seu cariz ‘automático’; caráter que há muito as artes reclamam para a produção do desenho singular. Autores como Breton, Co-zens, Turner, e Dubuffet, entre outros, foram experimentadores nesse tipo de técnica, para a qual reclamaram uma ‘tecnologia’14 do acaso. Por exemplo, se o recurso à mancha aleatória (Mancha de Roarscharch, por exemplo) persegue o contexto caótico ou do movimento do desenho, há, por outro lado, o desejo de atingir o maior grau de inocência da imagem na tentativa de equilibrar a força do caos, naquilo que podemos chamar de caráter ordenador que está subjacen-te à ambiguidade.

É assim que damos conta, no âmbito da perfor-mance manual no campo da representação, de um outro tipo de mão que não servirá já só a ca-sualidade, mas carece de maior regulação para poder conduzir o desenho à meta pensada...

2. A mão como “interface” 15

Com efeito, a mão como interface consistirá em isolar estruturalmente cada fóssil do acidente re-gional para tratamento, isto é, para consulta da mente, através do mediador que gere esse coló-quio entre o dispositivo exploratório do desenho e o cérebro

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Fixando a imagem num plano gráfico passível de um pensamento à velocidade da grafia das formas, em acordo com determinados objetivos que são estabelecidos no arranque ou no decurso da obra desenhada, os processos de deformação casual nas (topo)grafias, a existirem, são de ori-gem informativa e especialmente virtualizados, para poderem compreender formas mais conce-tualizadas que dispensam ou atenuam as impli-cações da máquina sensorial.

São os sinais que se escapam à estrutura material das regiões, nos instantes em que a etapa da figuração se dissipa ou ainda não germinou, que oferecem um tipo de representação mais construtiva, ab-strata, e vinculadora dos intentos - fruto do tra-balho crítico que o interface da mão exerce. Há, intrínseco a este tipo de marcas, um efeito de ‘de-sprogramação’ da mão depois de uma eventual performance no plano do arbitrário: Anuncia-se uma espécie de morte, desaparecimento do corpo, do objecto. Uma morte das sensações16, no sen-tido de forçar a mão a personificar a vontade do intelecto ou de uma virtualidade assistida pelo inteligível: um pensar com as mãos e fazer com a cabeça, lembrando a expressão de Rougemont.

Deste modo, a mão como interface é de natureza visual (não necessariamente visória), mas não tanto manual, ou seja, é uma mão que opera mais com o que o olho (interno) avalia, do que com o que o gesto providencia.

Se a mão como organismo trabalha o gesto do corpo per se, a mão como interface adicional-mente projeta o toque (do dedo) a partir das regiões, permitindo a florescência do desenho particularizado. Nessa medida, se o ‘organismo’ desenha a matéria, a mão como interface tratará do espaço que essa matéria ocupa e dos interstí-cios que essa matéria branqueou.

Os elementos do desenho resultantes da ação desta ‘mão’ revelam funções mais estruturadas, motivando demarcações lineares no espaço de se-parações e departamentos das zonas ou regiões, em que o contorno terá, provavelmente, um papel preponderante de comando na represen-tação, sobre aspetos de contenção das forças ab-stratas que, de outro modo, dissipar-se-iam por força de uma expressão exclusivamente gestual.

Através da activação que propaga ao longo de de-terminadas vias, cada ‘palavra’ não transforma apenas o estado de excitação da rede, mas con-tribui igualmente para construir ou remodelar a própria topologia da rede ou a composição dos seus nós. (…) De cada vez que enveredamos por um caminho da activação, reforçamos determinadas conexões, enquanto outras caem docemente em desuso. 17

Mas esse tipo de abstração ainda não carece de uma figuração concreta, e por isso convoca a ge-ometria, a geografia e a topologia para gerir pon-deradamente as silhuetas do espaço de onde as formas concretas (miméticas?) poderão emanar: a visão tornou-se interior e a mão reduziu-se ao dedo18 (desenho digital - virtualizado).

Este desenho não participa, portanto, da proba-bilidade, mas sim da escolha e da sua nomeação para processamento, através de um “grito mudo” que já não evoca o desejo, senão a vontade de uma primeira possibilidade de ordem.

O diagrama que admite a inscrição do erro in-tencional a expressar pela mão como ‘interface’, serve, com efeito, um mapeamento totalmente abstracionado em direção a uma formalização que visa responder a um problema, omitindo, da ceara da representação, a faceta puramente figural.

É neste ‘espaço’ de certa maneira mais próximo de um cartesianismo revisitado pela topologia, que noções e composições como alinhamentos, regularidades e simetrias, tomam particular relevo nos processos analíticos de composição e decomposição das formas já marcadas. Trata-se de uma utilização diagramática quase mecâni-ca, diferente, sob a alçada de outros padrões con-figuradores, que não os do âmbito da imprecisão.

Contrariamente à tipicidade casual do desenho arrematado por uma mão como ‘organismo’, esta segunda mão governada pelo pensamento já conhece a origem do erro, porque a provo-cou ou, pelo menos, tomou, de si, consciência, e mecanizou-o para usá-lo numa espécie de sistemática que persegue uma lógica concreta.

Trata-se, enfim, de encarar o dado segundo a premissa da descoberta do espaço não habitual de um gesto ou reflexo inteligível vindo do in-visível que estabelece rotas a partir do fenóme-no empírico já marcado, cujo sentido se presta ao emaranhado concetual e a uma clareza que se atinge19.

2.1. Abstração: rota – passagem – strata

Trata-se de acontecimentos estruturados pelas regiões, é certo, mas que são propriamente estru-turantes do espaço intersticial do desenho que faz brotar as formas ‘aéreas’ padronizadas por intenções volumétricas ou tridimensionais, at-ravés da inter-relação dos traçados ‘viários’.

A mão como interface é o que se julga o apaná-gio do desempenho do corpo mentalizado do autor mediante a inscrição de acontecimentos que, deliberadamente, usam o erro de modo in-tencional, ou seja, controlam e gerem o padrão

casual do erro, concetualizando rotas20 especí-ficas e dirigidas no espaço exploratório, através de um gesto ponderado, intuído e direcional que se submete efetivamente ao padrão inicial das regiões, mas que explora essa pré-localização no ‘mapa’ gráfico, estabelecendo caminhos, passa-gens e estradas, onde as entidades (topo)gráficas podem atuar segundo metas racionalizadas ou objetivos preestabelecidos.

Pese embora as entidades (topo)gráficas utili-zadas pela mão como interface adquiram inú-meros formatos, consideramos que o que mel-hor corporiza a rota é o traço, dado que a rota é linearizável, e-stratificável e, por conseguinte, estruturável pelo tempo e pelos segmentos que o seguem.

Ora, num contexto de depuração do traço, a linha é o componente gráfico de rarefação que, no diagrama, melhor designa caminhos (ou porções de caminhos) e rotas estabelecidas des-de um ponto de partida a um ponto de chegada, estabelecendo correspondências entre formas referenciais (regiões), tendências pictóricas, mo-vimentos ao longo de passagens e direções, ca-minhos entre entidades abstratas e concretas na mesma dimensão, conectando sítios e con-sequentes formas a outros (ou derradeiramente separando-os).

As sequências ordenadas pelas rotas seguem di-reções, progressões, movimentos, fluxos e ener-gias que desfazem e decompõem as unidades comuns em ínfimas forças que podem ser utili-zadas em combinações ímpares, através de com-posições abstratas. No fundo, trata-se de uma liberdade que não é indiferente aos contornos do mundo do acaso, mas traça-os de outros modos, a fim de reconfigurá-los segundo orientações concretas.

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E os traços são mutantes para que possam ins-crever passagens com afinidade com as regiões movediças, se estas forem ‘anómalas’, ou em ru-tura com elas, se conformarem lugares comuns não passíveis de estruturação. Mas se a mão como organismo carece das propriedades da ve-locidade, a mão como interface precisa, antes, de afastamentos e de uma certa desaceleração do gesto:

O ‘afastado’ isola-se, abandona-se, inóptico, esca-pa ao gosto, às sensações, ao belo. Para ele não se perder completamente, regulamentam-se os pesares de afastado a afastado. Uma espécie de regulamentação/inscrição do caos. De afastado a afastado, sem ligação ou relação, qualquer coisa passa, se transfere e transforma, inscrevendo-se.21

Pode-se afirmar que, se a mão como organis-mo opera a velocidade, as ultrapassagens e os atropelos que provocam a adição de partículas no desenho, a mão como interface provoca um atraso, uma demora, uma ausência, que pausa e desconecta para produzir uma diferença (sub-tração até ao zero que vai permitir o nascimento do novo):

(…) obtendo assim um corte no tempo, uma ‘de-mora’, para o poder usar num segundo, de um só golpe, num só lance, o que faz a diferença e faz a passagem que desconhecemos.22

As rotas traçadas pela mão como interface evi-tam a repetição, e desterritorializam as regiões no sentido de maleabilizar uma sistemática tipológica resultante dos primeiros desvios alea-tórios.

Lembrar a ‘técnica’ dos pentimenti, por exemplo, permite discorrer sobre um método que tipifica a marcação de passagens e de rotas, através da repetição ou insistência do traço ao longo de de-

terminadas ‘estradas’, pensadas no suporte, entre regiões, mas também sobre o ‘inédito’ gráfico que esse refazer acaba por favorecer.

Efetivamente, além da função eminentemente corretiva (por tentativa e erro) das indecisões marcadas que uma análise ao pentimento su-gere, pode-se constituir, por um lado, como estratégia deliberada para a descoberta, usando o bosquejo persistente como medium de especu-lação; por outro, o pentimento pode ser sinteti-zado como um exercício obsidente e ritualista de uma linha que teima em continuar a sua dança infinitamente expressiva. Eventualmente, cabe ao pentimento, um quê de cada um desses pa-péis de estratégia, em simultâneo...

Sobre o potencial de ‘especulação’ do desenho (pela procura ou pela necessidade de correção ou domínio do erro), esse traço ‘arrependido’, desacelerado ou atrasado que insiste em marcar, pelas e nas mesmas vias, persistente e sensivel-mente nas mesmas localizações, vão-se sobre-pondo outros traços, mais intensos, ar-riscando a substituição ou abstração da espontaneidade dos prévios.

Mas o que a eficácia do pentimento demonstra é que um traço marcado num itinerário já exi-stente ou que se alimenta do ‘eco’ de outro, pa-rece querer afirmar-se como certo ou último, de modo a acompanhar o processo de tentativa e erro do pensamento, tentando que a mão tam-bém acompanhe essa desenvoltura, de certo modo ‘dramática’, porém, altamente expressiva.

No desenho com pentimentos não cabe, afinal, o remorso e a penitência... Os gestos instáveis que suscitam dúvidas adotam um caráter de irre-versibilidade para os quais não existe esconde-rijo ou apagador. Ao contrário do seu significado genético literal (”arrependimento”), parece-nos

que há, afinal, uma boa dose de ‘coragem’, ao se assumir num certo desconcerto errático para o qual já não se quer concerto, porque o que lá fi-cou, vale por si.

Aceitando os desvios ou distorção da exatidão, o desenho dos pentimenti lembram anamorfoses em que o erro professa um mecanismo opera-tivo que pode desencadear, por etapas, a alegada essência visual a partir da adição sucessiva de elementos gráficos e roteiros do espaço, por uma virtualização do resultado da observação (inter-na ou externa).

Mesmo percorrendo uma tradição clássica do desejo estético de beleza e da necessidade do sublime, os desenhos de Vasari, por exemplo, já sugeriam valências operativas nas descobertas expressivas das imagens (...) equívocos, insufi-ciências interpretativas e incertezas quanto ao seu próprio campo de criação e relação23. Ora, o fenómeno que o recurso ao pentimento expõe, é um claro exemplo da utilidade de uma técnica que busca, no erro sistemático, na liberdade do controlo da aleatoriedade, e na (des)configu-ração ‘indefinitiva’, a flexibilidade da criação em aberto que, porém, procura persistentemente o acerto.

Mas o que o pentimento realmente patrocina, julgamos ser a nomeação e sistematização dos erros gráficos que a mão como interface pro-cessa mecânica e conscientemente, tantas vezes incorporado[s] no desenho como parte constitu-tiva do seu modo de figurar24.

Por outro lado e mais recentemente, procedi-mentos matemáticos como o glitching, o bending ou, o processamento diagramático deleuziano perseguidos nas últimas décadas, por exemplo, pelos ateliers de arquitetura de Coop Himmel-blau25 e de Zaha Hadid26 evocam uma espécie de

‘pentimento da máquina’ que permite propagar, pelos interfaces necessários, estruturas de rotas gráficas a partir de uma ou mais regiões previa-mente estabelecidas.

O que a mão como interface mostra, é a capaci-dade de operar em certos domínios paradoxais, determinados lugares na periferia ou no limbo das correntes, capazes de encaminhar a repre-sentação e a expressão da sua imagem para a imanência de forças transfigúricas do desacerto, mas controladas pela necessidade de um novo acerto, sem perder o ‘fio’ agenciador de uma di-sciplina de esforço racional do desenhar, para melhor conceber.

Segundo Fitz-Gibbon27, a criatividade consiste apenas em perceber o que já está lá, pelo que o espaço para a criação deve, assim, ser ‘purifica-do’, e o processo de inscrição da marca funciona melhor, justamente, num papel ‘branqueado’, em que o processo de inscrição é feito inversa-mente no ‘papel’: do cheio para o vazio, do preto para o branco, indicando que na raiz da compo-sição, estariam atuantes alguns mecanismos de síntese, abstratizantes da ideia. Kandinsky diz que o branco é o grande silêncio, não obstante, está repleto de coisas possíveis. O branco pode também ser esse desenho diagramático que, ao invés de comunicar, informa para dentro.

A mão como interface promove, justamente, esse processo purificador a partir de uma ’po-eira’ do erro, em que já não estamos no domínio da ilustração mas da configuração, agindo sobre fatores de composição e combinação percetual e abstrata num domínio ambígeno e de difícil estratificação, contribuindo para a abertura de novos caminhos gráficos sintetizadores e re-dutores de uma exterioridade que poderia (e pa-recia) já estar esgotada.

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1 Foncillon, H., A Vida das Formas, Lisboa: Edições 70, p. 107.

2 Ibidem, p. 108.

3 Rougemont, D. (1977), Pensar com las manos (sobre las Ruínas de la Cultura Burguesa): Madrid: Editorial Magisterio. (tradução livre da expressão citada)

4 Deleuze, G. & Guattari, F., Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia, volume 3, São Paulo: Editora 34.

5 Katz, H. (2007), Corpo, Design e Evolução. “Disegno, Desenho, Desígnio”, São Paulo: Se-nac, pp. 197 - 205: Cada arranjo não passa de uma entre uma enorme quantidade de possi-bilidades. Ou seja, cada arranjo realizado é tão improvável quanto todos os outros, não re-alizados. A autora defende que uma seleção natural não projeta ou planeia, mas também não é do foro da aleatoriedade, explicando que a maior parte das pessoas ainda pensa na evolução como um processo inteiramente aleatório, desconhecendo que a seleção natural não acontece por acaso e que a parte aleatória da evolução é a variação. (...) O processo co-nhecido por pré-adaptação refere-se a quando um órgão é usado originalmente para um propósito e depois passa a servir outro (...). O conceito serve como metáfora para nomear as refuncionalizações que cada técnica de ‘dança’ faz do corpo. (...) Entretanto, nada ‘brota’ magicamente de um corpo. Tudo depende do que os processos embrionários são capazes de criar e manifestar por meio dos seus processos adaptativos.

6 Deleuze, G., Francis Bacon: Lógica da Sensação, Lisboa: Orfeu Negro, pp. 93 – 69.

7 Deleuze, G., Francis Bacon (...), op. cit., p. 266.

8 Carneiro, A., Campo Sujeito e Representação no Ensino e na Prática do Desenho/Projec-to, Porto: FAUP Publicações, p. 42.

9 Tappe, H. & Habel, C. (1998), Verbalization of Dynamic Sketch Maps: Layers of Represen-tation and their Interaction. Graduate Program in Cognitive Science & Computer Science Department, University of Hamburg.

10 Numa interpretação literal, o rizoma é uma raiz ou caule de planta natural que na botânica se reporta a um crescimento biológico expansivo; a maior parte das vezes não é aparente à superfície. Pode, contudo, ter porções aéreas, mas geralmente reproduz-se por nós enterrados e infestantes que permitem à planta germinar noutros pontos do espaço e reservar, nessas zonas, regiões de reserva de energia e humidade para a subsistência e crescimento da planta à superfície terrestre.

11 Deleuze, G. & Guattari, F., (2004), Rizoma, Lisboa: Assírio & Alvim, p. 36.

12 Deleuze, G. & Guattari, F., Mil Platôs (...), op. cit., p. 184

13 Em grosso modo, “automatismo” é um termo que se utiliza para referir vários tipos de estratégias e/ou técnicas do desenho e da pintura que recorrem à imediaticidade da expressão inconsciente sem recurso à razão.

14 Heidegger, M. (1979), Uma Carta. “O fim da Filosofia ou a questão do Pensamento”, São Paulo: Stein.

Notas

15 Lévy, P. (1990), As Tecnologias da Inteligência, O Futuro do Pensamento na Era Informá-tica, Lisboa: Instituto Piaget, p. 223: Segundo Lévy, para além da significação especializada em informática ou em química, a noção de interface relaciona-se com operações de tra-dução, de estabelecimento de contacto entre meios heterogéneos. Evoca simultaneamen-te a comunicação (ou o transporte) e os processos de transformação necessários para o sucesso da transmissão. O interface reúne as duas dimensões do devir: o movimento e a metamorfose. É o operador da passagem.

16 Godinho, A. & Gil, J., O Humor e a Lógica dos Objectos de Duchamp, Lisboa: Relógio d’Água, p. 78.

17 Lévy, P., As Tecnologias da Inteligência (...), op. cit., p. 30.

18 Deleuze, G., Francis Bacon (...), op. cit., pp. 255 – 266.

19 Lévy, P., As Tecnologias da Inteligência (...), op. cit., p. 31: A remanescência desta clareza semântica orientará a extensão do grafo luminoso desencadeado pela ‘palavra’ seguinte, e assim por diante, até uma forma particular, uma imagem global a brilhar por um instan-te na noite do sentido. Esta imagem poderá transformar imperceptivelmente a geografia celeste e depois desaparecerá, para dar lugar a outras constelações.

20 Tappe, H. & Habel, C., Verbalization of Dynamic (...), op. cit., p. 3

21 Godinho, A. & Gil, J., O Humor e a Lógica (...), op. cit., p. 80.

22 Ibidem, p. 98.

23 Ibidem, p. 24.

24 Silva, F. (2005), Desenho, Imagem e Imaginação. Dissertação de Mestrado pela Faculda-de de Belas Artes da Universidade de Lisboa, p. 73.

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Referências Bibliográficas

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Deleuze, G. (2011). Francis Bacon: Lógica da Sensação, Lisboa: Orfeu Negro.

Deleuze, G & Guattari, F. (1995), Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia, vol. 1 – 5, São Paulo: Editora

Deleuze, G. & Guattari, F., (2004), Rizoma, Lisboa: Assírio & Alvim Foncil-lon, H., A Vida das Formas, Lisboa: Edições 70.

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Silva, F. (2005), Desenho, Imagem e Imaginação. Dissertação de Mestrado pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa

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Luís António Durão

Membro integrado do CHAIA – Centro

de História de Arte e Investigação Artística da

Universidade de Évora

Apesar de algumas discrepâncias entre textos publicados, de diferentes auto-res, no que respeita à cronologia das grandes transformações porque passou o paço ducal e ainda sobre as diferentes descrições de visitantes no século XVII sobre o número de vãos e que não se inscrevem na sua configuração actual, podemos, todavia, formular hipóteses das razões prováveis que levaram à in-clinação do revestimento a mármore da fachada do piso nobre, para o que há fortes indícios de ter sido refeito ao tempo do acrescento dum terceiro piso, no 7.º ducado de D. Teodósio II.

Independentemente destes aspectos, o que se encontra executado é o com-promisso cénico duma construção do início do século XVI, que foi objecto de diferentes obras de ampliação e adaptação dos procedimentos construtivos locais dos séculos XVI e XVII às correntes estilísticas eruditas italianas da épo-ca e demais modas europeias dos séculos XVIII e XIX.

De tais compromissos, resultaram características que se enquadram no pano-rama mais vasto e comum da arquitectura portuguesa.

Palavras-chave: Faseamentos, inclinação, compromisso, fachadismo, cénico.

Although some discrepancies among texts published by different authors in what concerns the chronology of the huge transformations of the ducal pa-lace at the sixteenth and seventeenth centuries as well as visitants descrip-tions discrepancies during the seventeenth century concerning the number of windows existing in that time and that do not fit in the actual existen-ce, we can formulate hypotheses of the probable reasons why the marble surface of the façade of the noble floor is inclined, which indicates a strong possibility that it had been remade at the time of the 7th duke, D. Teodósio II.

Regardless of these aspects what is done at present is the scenic compromise of a construction of the beginning of the sixteenth century which was sub-mitted to different stages of expansion and adaptation of local construction procedures from both the sixteenth and seventeenth centuries to the Ita-lian classical stylistic currents of that time, as well as to European fashions occurred between the eighteenth and nineteenth centuries.

Of those compromises, resulted characteristics that fall within the common and wider picture of Portuguese architecture.

Key words: Phasing, inclination, compromise, facadism, scenic.

O Paço Ducal de Vila Viçosa –suas características portuguesas

Abstract

Resumo

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Nota introdutória

Em texto anterior, foram enumerados, a título de proposta, aspectos característicos da arqui-tectura portuguesa, agrupados em onze itens, a saber: “escala e proporções; fachadismo; sob-revalorização de pormenores decorativos; ru-sticidade; carácter inacabado; justaposição de estilos; falta de relação entre o exterior e o interi-or; intimismo e subtileza; hibridez; arcaísmo ou conservadorismo; contradições ou paradoxos, ambiguidade e marginalidade.”1

Nesse mesmo texto foi referido também que um estudo para uma definição da arquitectura por-tuguesa se concentraria, especialmente, na ar-quitectura civil das classes dirigentes do período clássico, por se considerar ser este o período de maturidade da nacionalidade, coincidindo com a expansão colonial portuguesa, avultando-se, assim, a nação, em representativos exemplares arquitectónicos nos quatro cantos do mundo.

Para tal, haveria que se proceder à selecção de diferentes edifícios da arquitectura civil desse período, com o objectivo de verificar se os mes-mos se inscrevem nessas características e, por fim, reformula-las ou não, em conformidade com as observações que forem sendo feitas.

Essa, a razão pela qual se entendeu selecionar, para já, o Paço Ducal de Vila Viçosa, por se tra-tar de um edifício erudito da arquitectura pa-laciana em Portugal, que passou por muitas al-terações e ampliações: do manuelino e mudéjar ao romantismo decorativo de alguns interiores, passando pelo maneirismo da sua fachada de aparato e o barroco da sua capela e torre.

No contexto do que atrás foi referido, o objectivo deste texto é, assim, averiguar se os formalis-mos arquitectónicos do palácio se inscrevem nas características acima mencionadas.

1. Cronologia provável sobre as diferentes fases da construção do palácio

A história do Paço Ducal de Vila Viçosa é tratada em vários textos publicados. No entanto, nem todos são coincidentes nas descrições e datas por que passaram as diferentes obras de ampliação e profundas alterações que implicaram, e tam-bém nem sempre se ajustam às informações complementares disponíveis em algumas ilu-strações que, apesar dos erros que nelas se detec-tam, sempre fornecem informações úteis sobre as transformações porque passou o palácio.

Assim, depois de se proceder a um cruzamento dos dados contidos nos mesmos e deles retirar o que nos pareceu, ou consensual ou mais plausí-vel, cabe então aqui fazer uma resenha cronoló-gica, admissível, das obras porque passou (fig. 2) – e que, por esse facto deve ser entendida com a devida reserva e constituir, desse modo, uma possibilidade antes de uma certeza –, tendo em vista procurar compreender a singular incli-nação do revestimento de mármore da fachada do primeiro andar e ainda enquadrar o que se pretende sublinhar de importância no que respeita às características arquitectónicas do palácio, em particular as que são tão comuns à arquitectura portuguesa em geral.

- Antes de 1669

. Entre 1501 e 1532 – O 4.º duque, D. Jaime I, que nasceu e habitou no castelo de Vila Viçosa, em 1501 entendeu mandar edificar no reguengo de que era senhor, e onde já existiam umas casas, uma residência para nela habitar e que se foi no-tabilizando com as sucessivas ampliações que empreendeu até ao ano da sua morte em 1532. Sa-be-se que em 1505, o primitivo Paço do Reguengo já contava com aposentos para habitação e um “oratório e claustro para procissões”2.É admissí-

vel que nestas obras tivessem participado “Pero de Trilho, Afonso de Pallos, Martim Lourenço ou um dos Arrudas.”3

A zona correspondente a este primeiro Paço do Reguengo situa-se na parte da actual capela e do claustro, que mantém ainda hoje grande parte das suas características originais4, bem como da zona que corresponde à actual Sala Dourada5 e ainda a “sala dos alabardeiros ou da guarda, onde hoje se situa a Porta de Ferro”6. Destas dependências originais em estilo manu-elino e mudéjar, restam, no seu andar térreo, as salas abobadadas da guarda, da adega, e das sa-las denominadas “«quartão ou penitencia de D. Jaime» e que se encontram sob os aposentos que foram de D. Carlos”7. (fig. 1)

Figura 1 - Salas do piso térreo do primitivo Paço do Reguengo que serviram de antiga cozinha, adega e ucha-ria. Fotografia a cores é de 1989 e de LAD, e a outra é uma imagem do livro de José Teixeira.

É também do tempo de D. Jaime, a construção, a norte do primitivo paço, de parte das diferen-tes dependências daquilo que é conhecido por «Ilha» e destinada a cavalariças, cocheiras, ofici-nas e alojamentos da criadagem.

. Entre 1532 e 1563 – Segundo Kubler, é ao 5.º duque, D. Teodósio I, que se deve, no ano de 1537, a construção duma primeira fase do corpo sul do palácio, com frente para o terreiro, desde a

Sala de Hércules até à actual entrada,8 e que o mandou executar com rés-do-chão e um andar aquando das bodas de sua irmã D. Isabel com o infante D. Duarte, irmão de D. João III, tendo re-cebido no Paço do Reguengo, entre vários convi-dados ilustres, o próprio rei.9

Figura 2 - Fachada nascente do corpo sul do Paço Ducal de Vila Viçosa. Esquema explicativo das possíveis fases porque passou a sua construção e ampliação. Fotografia de LAD

Todavia, Rafael Moreira defende que é a este duque que se deve a construção de todo o corpo sul com os 110 m “da fachada de aparato das casa novas” [sic] com a fachada clássica que ostenta hoje nos dois primeiros pisos, rés-do-chão e pri-meiro andar, “com as suas janellas lavradas ao modo antiguo Romano de bases e capiteis corni-geas e outras obras romanas como bem as descre-ve Morais (…) centrada na dupla do vestíbulo da escadaria” e já com os “23 tramos” que existem na actualidade. E adianta: “a fonte directa de in-spiração é óbvia: o extenso corpo das varandas do Paço da Ribeira em Lisboa, aqui unificado e «traduzido» do manuelino de Arruda para o mais puro classicismo do Alto Renascimento”10.

. De 1563 a 1583 – Todavia, segundo Kubler, é no tempo do 6.º duque de Bragança, D. João I, que

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numa segunda fase, em cerca de 157111, se con-tinua a ampliação mais para sul, até à Sala da Medusa. Também a Grande Enciclopédia Por-tuguesa e Brasileira, refere que é a D. João I, que “se ficou devendo o grande desenvolvimento do palácio, pois além de o enriquecer ainda mais, completou o resto do monumental frontispí-cio.”12

É de 1571 uma descrição de João Baptista Ventu-rino que o menciona como um “dos mais belos e sumptuosos de Espanha, exceptuando o Real de Madrid.”13

. De 1583 a 1630 – Ao 7.º duque, D. Teodósio II, “se deveu o revestimento completo da frontaria e a sua simetria arquitectónica das ordens gregas, empreitada vultuosa que pode ter andado na órbita dos arquitectos Baltazar Álvares ou Ni-colau de Frias (este no ano de 1583, recebia tença do mesmo duque)”.14 Acrescente-se ainda que no ano de 1601 aí se hospedou “o 4.° duque de Parma, D. Rainuncio, que residiu no quarteirão interior junto do tanque do Reguengo, em virtude das importantes obras que decorriam nos talhões principais do palácio, desde a Sala de Medusa, ao corpo mais meridional que quase alcançava a cerca monástica das Chagas e se chamou das casas novas.”15

Com efeito, “para o esplendor das festividades” do casamento de D. Teodósio II com D. Ana de Velasco e Giron no ano de 1603, “desencadeia-se um novo surto construtivo na linha do que fora executado por D. Teodósio, em 1537 e um novo corpo é acrescentado para sul, designado num documento da época Cazas Novas.” O desenho da fachada, como se conhece actualmente, “será” de Nicolau de Frias, porque está documentado que em 1583 realiza “traças e demais trabalhos para a Casa de Bragança”.16

Segundo Kubler, em 1601-1602,17 o 7.º duque, D. Teodósio II, ordena que se “revestisse toda a fa-chada de mármores de Montes Claros, que se estendiam, à altura de três andares, segundo as ordens dórica, jónica e coríntia.” Antes de 1618, completa-se o corpo sul, que já comportava, em parte, a altura de três pisos, uma vez que é desta data uma descrição da fachada do palácio por Francisco Morais de Sardinha: “«… construída de baixo até cima toda de mármore em obra dórica, jónica e coríntia da maior excelência que a Arte pode realizar. Além de ser muito dispendiosa, a obra é da maior autoridade e prestígio porque incorpora tanto o novo como o velho Palácio por trás da sua fachada, num só plano, com vinte e cinco aberturas. Todas elas têm janelas verdes, a cor da libré do Príncipe (…) A escadaria principal é tão larga que dez homens podem subi-la lado a lado».”18

Nesta campanha de obras poderão ter inter-vindo, em 1611, o arquitecto Pêro Vaz Pereira que havia completado “a sua formação em Itália nos primeiros anos do século XVII”19 e “Manuel Pe-reira Alvenéo, com responsabilidade em obras importantes no Município local”20.

O terceiro piso, que antes de D. Teodósio II não exi-stia ainda, numa primeira fase, só foi executado desde o seu extremo sul até à entrada do palácio. Com efeito, este “2.° sobrado estava por terminar na data da sua morte, ocorrida em 1630”, e era da ordem coríntia, com 20 palmos de altura, e tinha também “13 janelas, as quais caíam, precisamen-te, ao nível da entrada principal”21.

. Entre 1630 e 1669 – Continuação das obras inicia-das por D. Teodósio II, para uniformização da fa-chada do «Paço velho» com o das «Cazas Novas».

Considerações sobre a situação do paço entre 1669 e 1853

A fotografia representada na figura 3 é tirada do alto da torre sul da entrada sudoeste do castelo, situada no enfiamento da Av. Bento de Jesus Ca-raça, uma vez a arborização da colina e o casa-rio da vila não permitirem uma vista do palácio duma perpectiva idêntica à de Pier Maria Baldi, esta tirada dum ponto da colina, mais baixo, a sul da muralha, próximo da actual Rua dos Capu-chos. No entanto, dá para perceber, que também à época, Baldi não podia representar o rés-do-chão

do palácio, nem uma parcela do seu primeiro an-dar, por se encontrar encoberto pelo casario.

O palácio é representado com um grande torreão que aparenta ter quatro pisos –, um térreo mais três andares –, com quatro janelas na fachada sul e uma na fachada nascente em cada um dos dois últimos pisos. Este torreão é coroado com pináculos que poderiam terminar em pinha ou flor-de-lis.22 À esquerda do torreão desenvolve-se o corpo sul.

Figura 3 - Vistas do palácio de pontos diferentes. Em cima, excerto da panorâmica de Pier Maria Baldi vista da colina

- Após 1669

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a sul do castelo e que representa o palácio em 1669. Em baixo, vista tirada duma das torres da entrada da muralha. Em cima imagem do livro O Paço Ducal de Vila Viçosa, de José Teixeira e em baixo, fotografia de LAD.

Com efeito, e comparando a fotografia com o ex-certo da panorâmica de Baldi, podemos verificar que, em 1669, o corpo sul do palácio tinha um terceiro piso incompleto, com 11 janelas, e que ia desde a actual empena – a que está mais afa-stada do extremo sul e que não se vê do terreiro porque dá sobre um pequeno pátio, antes da par-te mais estreita do palácio (fig. 14) –, até à esca-daria, onde caía sobre a entrada para o primeiro lanço. No extremo norte do corpo sul, junto ao torreão, tinha mais num pequeno trecho dum terceiro piso, com duas janelas, por cima da zona a que corresponde a actual Sala de Hércules.

O paço tinha então um centro, enquadrado por duas pilastras mais expressivas, e encimado por frontão triangular. O terceiro piso inacabado tinha janelas altas que aparentavam ser enci-madas por frontões triangulares. Estas janelas, que no desenho não registam pilastras intermé-dias, parecem assentar numa pequena cornija que separava este do segundo piso, que lhe fica por baixo.

O segundo piso, cujo troço sul está quase enco-berto pelo casario, é mais visível no troço norte, que corresponde às actuais salas dos Duques, Virtudes e Hércules. Acontece que no desenho deste troço a norte do centro abrem-se oito ja-nelas e que correspondem: uma delas ao se-gundo lanço da escadaria; cinco delas à Sala dos Duques; e mais duas à Sala das Virtudes. Não são representadas pilastras entre estas janelas.

Não estão representadas quaisquer janelas na parede que corresponde à actual Sala de Hércu-les. Por cima desta sala, o desenho revela o já re-ferido pequeno trecho do terceiro piso com duas janelas.

No trecho a sul do centro, este segundo piso, ou andar nobre, não mostra janelas, que estão enco-bertas pelo casario, mas parece apontar algumas pilastras que definem os tramos que existem actualmente. De qualquer modo, as suas jane-las – que teriam forçosamente de existir –, não nivelam com as oito existentes no trecho norte do mesmo piso. Aliás, afigura-se-nos que o trecho sul deste segundo piso, ou andar nobre, terá sido rebaixado para receber o terceiro piso, porque é mais baixo que o correspondente a norte, e mais baixo ainda do que parece ser um pano de facha-da, a sul deste.

De referir também que no extremo norte parece indicar um muro no alinhamento da fachada e que corresponde ao posicionamento da actual Sala Dourada e, por cima da zona da actual Sala dos Duques ou dos Tudescos, estão ainda repre-sentadas o que parecem ser duas trapeiras.

Sabemos que, algumas vezes, as representações de artistas não são documentos fiáveis, por ap-resentarem erros. No entanto, pelo rigor da per-spectiva, a mesma parece corresponder a uma re-alidade vista por Baldi em 1669, que representou o palácio com o grau de pormenor possível numa grande panorâmica da vila onde se insere.

Partindo do princípio que a representação de Baldi está correcta, encontramo-nos perante uma existência, ao tempo do rei D. Afonso VI, dum palácio que, na configuração das fachadas dos dois pisos superiores, não corresponde ao que apresenta na actualidade.

Frei Manuel Calado, em 1648, descreve uma fa-chada do palácio «cujas paredes no exterior são feitas de pedra de cãtaria de mármore & jaspes de Estremoz, (…) & estas pedras são todas laura-das à escoda & tão lizas & resplandecentes que parecem espelhos; & postas cõ tanto primor, e

assentadas com tãto artificio que sendo muchis-simas & cõ muitos lavores & molduras & frisos que a arte ensina “parece que he h[u]a só pedra, seg[u]do estão inxeridas h[u]as nas outras”, a fron-taria destes Paços está toda chea de janelas».”23

Ficamos a saber que esta obra das «Cazas Novas», em mármores, apresentava, em 1648, um aca-bamento primoroso e, em face da descrição de Francisco Morais de Sardinha, já em 1618 tinha as três ordens – toscana no primeiro piso, jónica no segundo piso, e coríntia no terceiro –, o que se mantém. Ficamos também a saber pelo desenho de Baldi, que, em 1669, a fachada existente ainda não estava toda uniformizada e a altura das ja-nelas do terceiro piso não corresponde à situação actual.

Na imagem de baixo da figura 4 vemos uma fa-chada ainda sem a parte do terceiro piso sobre as salas dos Duques, Virtudes e Hércules, ainda com janelas altas no terceiro piso e pilastras entre to-das elas e em todos os pisos. Representa a Casa dos Alfaiates e as três janelas centrais de pa-dieira em arco, com os seus quatro nichos, como se apresentam hoje.24 Mostra também a torre joanina da capela e uma primeira fase do corpo dos Quartos Novos. Nela, vemos ainda que toda a fachada construída se apresenta uniformizada, pelo que podemos constactar que, para além de 1669, se continuaram as obras de uniformização já para os lados dos «Paços velhos»25 de D. Teodó-sio I – para usar a expressão de Francisco Morais Sardinha em 1618 –, obedecendo ao desenho atri-buído a Nicolau de Frias.

Nesta imagem detecta-se um erro na represen-tação do muro do Jardim do Bosque alinhado ao limite do revestimento a mármores da fachada, o que não corresponde à realidade actual nem tão pouco à realidade revelada no levantamento de Nicolau de Langres de cerca de 1661 (imagem

de cima à esquerda na figura 4), onde o Jardim do Bosque é representado com o recorte junto á Porta de Ferro como existe actualmente.

Na imagem de cima, à direita, é representado um desenho publicado na revista O Panorama, vol. 8, de 1846.26 Trata-se dum desenho que apresenta vários erros detectáveis na fachada revestida a mármores, nomeadamente: no número de vãos; no desaprumo dos vãos com as quatro portas em arco do rés-do-chão; no pé direito da parte que corresponde às salas dos Duques, Virtudes e Hércules, mais baixo que no de Baldi – este mais fiável pelo que já se expôs –; e ainda em erros ex-pressivos na zona do Jardim do Bosque e Quartos Novos, o que indicia que o desenho não terá sido executado in situ.

Na parte com três pisos este desenho revela uma fachada com um tratamento dos dois andares com pilastras entre vãos, mas tanto a totalidade do rés-do-chão como o segundo piso do corpo a norte do centro apresentam-se sem pilastras.

Todavia, comparando-o com a ilustração de baixo da figura 4, é de se considerar ser este de-senho consistente no facto da Casa dos Alfaiates já estar representada antes da construção do ter-ceiro piso sobre as salas dos Duques, Virtudes e Hércules e, comparando-o com a informação de Baldi, também nos parece consistente no facto de se não representarem pilastras entre vãos, nessa zona. Por este motivo, afigura-se-nos ser uma representação do palácio num ponto da evolução das obras, anterior à da do desenho de baixo da mesma figura 4

Note-se que é bem provável que haja erro na não representação de pilastras no rés-do-chão das «casas novas», a sul do centro, porque seriam da ordem dórica como testemunhado por Francisco Morais de Sardinha em 1618, e o revestimento in-

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tegral a mármores iniciado no tempo de D. Teo-dósio II, que aparentava ser de “h[u]a só pedra, seg[u]do estão inxeridas h[u]as nas outras”, não seria tecnicamente exequível sem se começar de baixo para cima. Não é também de se consi-derar a hipótese de se ter demolido esse primo-roso revestimento somente no rés-do-chão. Este desenho terá sido feito com base em informações orais, ou escritas e ou desenhadas, e sujeitas a má compreensão da descrição, ou cópia de erros que

Quando em 1846 se referem “modernas repa-rações” não nos parece que sejam obras executa-das no tempo de D. João V, nos anos de 1712 a 1728, cerca de cento e vinte anos antes da publicação da revista.

José Teixeira diz que “é de presumir” que “o acaba-mento [do] terceiro piso de ordem coríntia, até ao remate norte” seja da época de D. João V, que inicia obras no paço a partir de 1712, embora “a parte da rectaguarda» ainda ficasse «por acabar, só o vindo a ser no tempo de D. Maria I”. De notar que o autor, na presunção deste terceiro piso ser da época de D. João V, baseia-se em Pe. Joaquim da Rocha Espan-ca, que cita, por sua vez, “Memória d algumas obras e Palácios que fizeram os … Duques de Bra-gança, especialmente dos Paços de Vila Viçosa”, obra que «hoje se desconhece onde se encontra».27. Refere ainda que “é fortemente provável que as novas «Agoas furtadas» tivessem sido a pequena adição da mansarda com três janelas” do tempo de D. Maria I.28

Assim, entre a presunção do terceiro piso por cima das salas dos Duques, Virtudes e Hércules ser do tempo de D. João V e a forte probabilidade da Casa dos Alfaiates ser do tempo de D. Maria I, permite-nos conjecturar que o terceiro piso foi completado depois das intervenções no tempo de D. Maria I, quiçá ainda durante o seu reinado, ou mesmo du-rante as obras efectuadas no reinado de D. João VI depois do regresso do Brasil, a partir de 1820,

Em alternativa, pode-se considerar a possibilida-de de terem sido efectuadas ao tempo de D. Maria II, nas “modernas reparações” a que a revista O Pa-norama refere em 1846, já que no período contur-bado das Lutas Liberais fosse pouco provável que elas tivessem sido executadas.

Dadas as diferenças que se detectam entre as ilu-strações e a situação actual, em particular no que respeita ao terceiro piso, podemos considerar ad-missível que, aquando da construção do terceiro piso no trecho norte, sobre as salas dos Duques, Virtudes e Hércules, dentro do espírito neoclás-sico, também se tenha procedido a uma unifor-mização do trecho sul do terceiro piso, tudo com janelas de peito assentes sobre entablamento mais alto.

Assim, para além das intervenções no século XX, nomeadamente da autoria de Raúl Lino, “ainda muito mal conhecidas”29, verifica-se que várias alterações foram efectuadas durante os séculos XVIII e XIX, nem sempre de acordo com a cro-nologia indicada nas afirmações dos diferentes autores que temos vindo a referenciar.

Nestes termos, propõe-se a seguinte cronologia para as obras efectuadas após 1669:

. Entre 1669 e 1706 – Continuação das obras ini-ciadas por D. Teodósio II, tendentes à uniformi-zação da fachada do «Paço velho» com o das «Ca-zas Novas».

. Entre 1706 e 1750 – No reinado de D. João V, iniciaram-se “ali novos trabalhos”30 de grande esplendor, sendo os de maior monta entre 1716 e 1728. É do tempo de D. João V a ampliação da ca-pela e a construção da respectiva torre.31

. Em cerca de 1770 – D. José I manda executar os Quartos Novos ou Reais,32 que vieram, bem mais tarde, a servir de aposentos a D. Carlos e D. Amé-lia, ainda quando príncipes e depois reis, e ainda de seu filho o príncipe D. Luís Filipe. Nessas obras, foram mantidos “os pisos térreos do Paço Velho de D. Jaime”, tendo-lhe sido acrescentado, “no corpo alto, mais duas janelas de sacada, ficando toda a ala revestida de alvenaria de caio.”33

Figura 4 - Em cima, a imagem da esquerda mostra o levantamento de cerca de 1661 de Nicolau de Langres. Na imagem da direita, desenho do Paço Ducal publicado na revista O Panorama de 1846. Em baixo, uma ilustração do Terreiro do Paço que mostra a fachada do palácio antes da construção do 3º piso por cima das salas dos Duques, Virtudes e Hércules e já com a Casa dos Alfaiates, a primeira fase dos Quartos Novos e a torre joanina da capela.

vêm de trás. Todavia, parece-nos claro que o de-senhista interpretou bem o facto do terceiro piso não estar executado na zona dos «Paços velhos» e de aí não estar ainda executado o revestimento a mármores da fachada, porque não contraria infor-mações dadas noutros documentos e ilustrações. Podemos conjecturar que, em face da não repre-sentação de pilastras entre vãos nesta zona, ao contrário da sua representação nos dois andares das «casas novas», se deve ao facto delas não exi-stirem ainda e a informação oral ou escrita foi mal interpretada ao ser estendida a todo o rés-do-chão.

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. Entre 1777 e 1807 – Foi durante o reinado de D. Maria I que se construiu a nova Sala de Jantar, que dá sobre o actual Jardim das Damas, e foi replantado, abaixo deste, e no seu seguimento, um novo Jardim do Buxo, no local do antigo pi-cadeiro.34

Também “é fortemente provável” ser do tempo de D. Maria I a construção da mansarda conhe-cida por Casa dos Alfaiates.35

. Entre 1807 e 1853 – Depois da Guerra Peninsu-lar, em que o palácio ficou ao abandono e sofreu graves estragos por acções de vandalismo das tropas, foi elaborado um mapa das obras a reali-zar. Em 1817, D. João VI foi informado que as obras de restauro estavam em curso e que o palácio “já se achava limpo, capaz de receber Suas Majesta-des.”36

D. Maria II, depois de uma visita a Vila Viçosa em cerca 1843, mandou executar várias obras de reformulação e reparações, entre as quais os telhados e novos pavimentos de madeira na Sala de Jantar.37

É de admitir a possibilidade de ser deste período a construção do terceiro piso sobre as salas dos Duques, Virtudes e Hércules e a uniformização de toda a fachada conforme a conhecemos hoje.

. Entre 1861 e 1908 – No tempo dos reis D. Luís I e D. Carlos I, várias obras de decoração e remo-delação interior do palácio foram executadas para melhor acomodar a família real e convi-dados. Foram construídos alguns corredores e subdivididas em compartimentos as salas no-bres das traseiras da ala sul do palácio, desde a Sala da Medusa até a uma varanda sobre o arco de acesso ao reguengo.38 Depois que o palácio se transformou em museu, estas salas foram recu-peradas na sua configuração original.

No tempo do rei D. Carlos, junto à Sala dos Duques, foi construída a escada de comunicação com o segundo andar, em madeira, que ainda hoje se mantém.39

. Entre 1908 e 1932 – depois do regicídio, o palá-cio ficou pertença do herdeiro D. Manuel II. Por vontade do último rei de Portugal, e após a sua morte no exílio em 1932, foi criada a Fundação da Casa de Bragança, a quem D. Manuel legou todos os seus bens, e que procedeu à reforma radical do palácio para aí se instalar um museu, hoje visitável.40

. Após 1932 – Em especial na década de 50 o ar-quitecto Raúl Lino interveio activamente no projecto de recuperação do palácio e sua trans-formação em museu.

2. O palácio e a sua fachada de mármore

O conjunto palaciano

O palácio implanta-se no extremo norte de Vila Viçosa, delimitando, do lado norte e poente, o Terreiro do Paço, por sua vez delimitado a na-scente pelo Convento de Santo Agostinho, cuja igreja é panteão dos Bragança, e a sul pelo solar dos Caminhas e Convento das Chagas de Cristo, fundado por D. Jaime.41 (fig. 5)

Marca o centro da praça a estátua equestre de D. João IV da autoria de Francisco Franco.42

No seu todo, o palácio é o resultado das suces-sivas ampliações e remodelações porque passou ao longo dos tempos e tratadas em pormenor no ponto anterior.

Neste conjunto heterogéneo destaca-se a homo-geneidade da sua fachada revestida a mármores.

Figura 5 - Vista aéreas do conjunto palatino. Visita Guiada RTP 2

Do núcleo original do primitivo Paço do Reguen-go, ou de D. Jaime, de que restam o claustro e capela e algumas salas do rés-do-chão, irradiam três corpos, de três pisos cada. (fig. 5)

O mais imponente é o da ala sul, revestido, quase na totalidade, a mármores, e que corresponde à entrada e escadaria e ao enfiamento das salas mais nobres do palácio, desde a Sala de Hércules à Sala da Medusa e a parte designada por «casas novas», cujo primeiro andar teria, eventualmen-te, servido de aposentos da rainha D. Maria Pia

de Saboia. Esta ala sul liga-se ao núcleo pela zona que corresponde à Sala Dourada, de fachada re-bocada e pintada de branco e cujas janelas dão sobre o Jardim do Bosque, e que se articula com a ala nascente constituída pelos Quartos Novos, de fachada também rebocada. (fig. 6)

A capela, a que os Quartos Novos foram ados-sados, foi, por sua vez, ampliada no tempo de D. João V, e remata a nascente com a torre sineira em barroco joanino. (fig. 6)

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Para poente, e partindo do mesmo núcleo desen-volve-se a ala da nova Sala de Jantar e cozinha, e que dobra em ângulo recto para sul, através do Pavilhão de Musica, do tempo do rei D. João IV.

Nas imediações, e do lado norte, desenvolve-se o conjunto de antigas cavalariças, “estrebarias, cocheiras, abegoaria e outras oficinas”, a Cole-giada de N.ª S.ª da Conceição e o Seminário dos Reis Magos, designados por «Ilha».43

Figura 6 - Na fila de cima, da esquerda para a direita, duas vistas da ligação pela zona correspondente à Sala Dourada com os Quartos Novos, e vista da ala dos Quartos Novos e Jardim do Bosque obtida duma janela da Sala Dourada. Na fila do meio, panorâmica (distorcida) do claustro e pormenor da porta da capela. Em baixo, panorâmica (distorcida) do corpo da capela, adossado, do lado norte, aos Quartos Novos. Fotografias de LAD.

Estes corpos definem, por sua vez, dois jardins principais: entre os Quartos Novos e o muro que dá sobre o terreiro, estende-se o já mencionado Jardim do Bosque – que antigamente se cha-mava de Jardim das Damas, e que ocupa “o outro quadro deste Terreiro, (…) o qual está por a parte de dentro terraplanado” pois era das janelas en-gradadas desse jardim que dão sobre o terreiro, que se iam “«assentar as Damas no dia em que se [faziam] festas no terreiro, aonde os cavaleiros

[iam] fazer suas continências às Damas e abater suas lanças àquelas a que [eram] afeiçoados»”44.

Nas traseiras da ala sul do palácio, no antigo picadeiro, desenvolve-se o Jardim do Buxo, cujo extremo norte, junto à Sala de Jantar, se chama, actualmente, Jardim das Damas.

A fachada de mármore

Quando se entra no Terreiro do Paço pelo seu canto sudeste, vindo do Largo Mariano Presado, depara-se-nos a imponente fachada em mármo-res de duas cores que ressalta do conjunto pala-ciano. (fig. 7)

A primeira impressão é de espanto. Segue-se a de insólito, em face do inesperado de ver, numa povoação alentejana, uma fachada em mármore fora do contexto habitual da arquitectura civil da região, onde os elementos arquitectónicos, em cantaria de pedra e/ou em reboco pintado, se recortam nos panos de parede rebocados e, nor-malmente, pintados de branco.

Sobre um fundo de mármore de cor cinza azu-

lado, recorta-se o desenho erudito em mármore esbranquiçado, que define três pisos e vinte três tramos, mais um, estreito, no extremo sul. É a transposição erudita dos modelos italianos do renascimento e do alto renascimento. O pri-meiro piso assenta no chão através de um soco e separa-se do segundo piso por um entablamento simples. O segundo piso separa-se do terceiro por entablamento duplo e este piso é rematado por cornija e beirado ao nível da cobertura. Os vinte e três tramos mais um, são marcados por pilastras que seguem a normativa clássica do alto renascimento, com um primeiro piso da or-dem toscana e janelas misuladas de padieira de nível que assentam no soco; um segundo piso, ou andar nobre, da ordem jónica e janelas de avental que assentam no entablamento e enci-madas por frontões triangulares; e um terceiro piso da ordem coríntia com janelas de frontão curvo – à excepção das três centrais que, à ma-neira serliana, são em arco de volta inteira entre nichos de padieira recta –, todas sem avental e que assentam, como as do rés-do-chão, mas sem mísulas, no soco do segundo entablamento. Em cada andar de cada um dos vinte e três tramos abre-se um vão. Tem quatro portas de arco de volta inteira em posicionamento simétrico em relação aos vinte e três tramos. Das duas portas centrais, a da esquerda – para quem olha a fa-chada – dá para o actual vestíbulo de entrada e a da direita para o primeiro lanço da escadaria. A porta mais a norte é a passagem para o antigo reguengo e é designada por Porta de Ferro.

Marcando um centro existe ainda a mansarda designada por Casa dos Alfaiates, com três jane-las com desenho barroco mas padieiras.

Esta primeira impressão de espanto, pela im-ponência, vai-se desvanecendo, à medida que desviamos o olhar do conjunto da ala sul em

Figura 7 - Vista da fachada nascente da ala sul. À direita da fachada de mármore pode ver-se a ligação aos Quar-tos Novos, que corresponde à Sala Dourada. Fotografia de LAD.

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mármore para o corpo dos Quartos Novos, que se estende ortogonalmente para nascente, onde se vê a torre joanina da capela, e o muro do Jardim do Bosque com as suas janelas engradadas que dão para o terreiro, e onde já reconhecemos os for-malismos da arquitectura vernacular alentejana.

À medida que nos aproximamos deste notá-vel edifício vamo-nos apercebendo também de algumas particularidades que aumentam a sensação de insólito, resultante do facto da face da fachada em mármore não ser um único pla-no, mas antes uma superfície dobrada, com um primeiro piso vertical, um segundo inclinado e novamente um terceiro piso vertical.

Depois vamo-nos apercebendo de outras parti-cularidades, que já não se afiguram tão insólitas na medida em que se inscrevem em aspectos comuns a tantos exemplares de arquitectura ci-vil portuguesa.

A inclinação do revestimento a mármore do se-gundo piso

Em edifícios de arquitectura, dita tradicional, quando há diferenças na espessura das paredes desde o rés-do-chão aos andares superiores, isso é feito à custa do plano interior da fachada, para que não seja visível do exterior. Tal facto acon-tece, por exemplo, na ala dos Quartos Novos do palácio, onde, num corte disponível no Sistema de Informação para o Património Arquitectónico - SIPA, se verifica que as paredes do terceiro piso são menos espessas que a dos pisos inferiores, e esse desfasamento só se passa nas respectivas faces interiores. (fig. 12)

Nestes edifícios que recorrem aos métodos con-strutivos, ditos tradicionais, quando se constrói um andar recuado, normalmente, o mesmo não é planeado atempadamente, constituindo, as-

sim, uma solução de recurso que, também nor-malmente, assenta numa cornija pré-existente. Mas em casas nobres, quando há aumentos de andares que não estavam antecipadamente pla-neados, são inúmeros os casos em que tal facto não é feito com o recurso a andares recuados, procurando-se, tanto quanto possível, integrar esse aumento de cércea no conjunto, em nome da sua dignidade. (fig. 8)

Na representação de Pier Maria Baldi não se detecta algum recuo no terceiro piso (fig. 3). Tal é compreensível pelo facto de, aquando da sua construção, haver a intenção de o uniformizar com a fachada das «Cazas Novas», e englobando a do «Paço velho», tudo num conjunto homogé-neo, com desenho da autoria de Nicolau de Frias que Rafael Moreira refere ter sido “no classicis-mo à espanhola do final do século”45, mas que não era “num só plano”, como descreve Francisco Morais de Sardinha em 1618, mas antes numa só superfície, entenda-se sem ressaltos.

Assim, em face da inclinação que se verifica na face exterior da fachada do segundo piso, uma conjectura pode ser formulada para explicar esta irregularidade, aliás, caso raro na arquitec-tura deste período, senão mesmo caso único.

É admissível que a parede da fachada do piso térreo do corpo sul do palácio pudesse ter sido, desde a sua construção no tempo de D. Teodósio I

a partir de 1532, parcial ou totalmente inclinada na sua face exterior, como se regista em alguns edifícios da época, e mesmo durante os séculos XVII e XVIII, por razões que se prendem com a maior estabilidade da mesma e tirando partido desse formalismo que, em muitos casos, destaca o andar nobre dos pisos térreos. Tal facto acon-tece, tanto em paredes de alvenaria, ou revesti-das a alvenaria, como em paredes de terra crua, que é o caso das do Paço Ducal, que são em taipa.

Tal facto é visível no castelo de Évora Monte e Castelo Artilheiro, ou Fortaleza Nova, em Vila Viçosa, que segundo Rafael Moreira é da autoria de Benedetto da Ravenna (1535-37), e que poderia ter intervindo no projecto de ampliação do corpo sul clássico, do tempo do 5.º duque, D. Teodósio I.46

Inclinações das faces exteriores de paredes, bem mais acentuadas, são frequentes em forti-ficações, tanto as fundadas em terreno alagado como em terrenos secos, como são o caso da Tor-re de Belém e de inúmeras fortificações abalu-artadas. (fig. 9)

Mas também as há, mais ou menos acentuadas, em edifícios de arquitectura palaciana, como parece ser o caso do embasamento da primi-tiva torre do antigo Paço da Ribeira do tempo de D. Manuel I e que se repete, mais tarde, com a intervenção atribuída a Felipe Terzi, esta com a evidência duma inclinação mais acentuada. (fig. 10)

Figura 8- Casa da Corujeira em Vinhais. Exemplo de casa nobre onde se verificou um aumento de cércea sem recurso a andar recuado. Fotografia de LAD.

Figura 9- Em cima: à esquerda, o castelo de Évora Monte e à direita o Forte Artilheiro em Vila Viçosa. Em baixo: na fotografia da esquerda o Forte de S. Clemente em Vila Nova de Mil Fontes e à direita o Forte de N.ª S.ª da Neves em Leça da Palmeira. Fotografias de LAD.

Figura 10- Na fila de cima, o Paço da Ribeira ainda do tempo de D. Manuel I numa pintura datada de 1530. Na fila do meio, o Paço da Ribeira após as remodelações de 1581-1583 e na fila de baixo o Paço da Ribeira logo após o terramoto de 1755.

Noutros edifícios de arquitectura civil, são inú-meros os casos de construções dos séculos XVII e XVIII, senão mesmo com origem no século XVI, com as faces exteriores das paredes dos primei-ros pisos inclinadas, independentemente de serem paredes de suporte de terras ou não. Os

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exemplos são vários. Em Angra do Heroísmo, no Caminho de Baixo e no Caminho do Meio de S. Carlos, em casas enriquecidas no chamado período da laranja, durante os séculos XVII e XVIII, verifica-se a existência de embasamentos e muitas paredes de lojas no rés-do-chão, incli-nadas à maneira das fortalezas.47 Por exemplo, em Algés, na Rua Direita do Dafundo, há o exem-

plar, já dos finais do século XVIII, da casa da Quinta de S. Mateus, com um grande pano de parede de embasamento e primeiro piso incli-nada na sua face exterior e donde se destaca o andar nobre no seu tratamento arquitectónico e em S. Bartolomeu de Messines há uma casa cuja face exterior do primeiro piso, ou piso térreo, é inclinada. (fig. 11)

Assim, é de considerar a hipótese provável duma inclinação deste tipo na parede do rés-do-chão do palácio, nas ampliações de D. Teodósio I, na medida em que, como vimos, procedimentos desta natureza abundam tanto em arquitectura militar como em arquitectura civil.

Independentemente do facto da construção da to-talidade do corpo sul, “ao modo antiguo Romano”, ser integralmente do tempo de D. Teodósio I e en-cetada no ano de 1532, como Rafael Moreira de-fende que tenha sido, ou completada no tempo de seu filho, o certo é que a ala sul ampliada ao Paço do Reguengo, pode bem ter sido construída desta maneira, tivesse ou não, o primeiro piso ou rês-do-chão, a linguagem clássica que hoje vemos.

Este corpo sul, “com as suas janellas lavradas ao modo antiguo Romano de bases e capiteis corni-geas e outras obras romanas”, como é descrito em 1535 supostamente por Francisco de Morais, podia bem ser dum edifício onde o andar nobre fosse mais ricamente tratado em janelas, pilastras, ca-pitéis e cornijas do que o rés-do-chão, como foi o caso, posterior, da remodelação do Paço da Ribeira atribuído a Felipe Terzi, onde o corpo das antigas varandas era mais ricamente trabalhado à ma-neira clássica, do que o piso, ou pisos inferiores. Vimos aliás, pela cronologia das sucessivas amp-liações e remodelações no paço ducal, que a mais poderosa família nobre da época, se antecipou, na construção à “romana”, à própria família real, de quem eram parentes próximos e, por isso, terão influenciado a remodelação que foi iniciada no corpo das varandas do próprio Paço da Ribeira, en-tre 1581-1583. (fig. 10)

Estaríamos assim perante uma espécie de com-petição na afirmação de prestígio entre as duas mais poderosas famílias de Portugal à época. Da mesma forma que o corpo das varandas do Paço

da Ribeira manuelino terá sido interpretado, na sua forma longilínea, no classicismo do Paço Du-cal no tempo de D. Teodósio I e, eventualmente, de seu filho, este, por sua vez, terá servido de modelo às remodelações do Paço da Ribeira no tempo de Filipe I de Portugal, fazendo jus à frase que terá sido inscrita na célebre Porta dos Nós: «Depois de vós - Depois de Nós» e que significava “depois da pessoa Real nós somos os primeiros na grandeza e na pretensão do Reino”48, o que veio a acontecer.

Aliás, antecipações vanguardistas na arquitec-tura levadas a cabo por súbditos em relação ao próprio rei, não são inéditas no panorama da história da arquitectura europeia. Em cerca de meados do século XVII, Nicolas Fouquet, super-intendente das finanças de Louis XIV, ousou con-struir Vaux-le-Vicomte, com projecto de Louis Le Vau e jardins desenhados por André Le Nôtre, que vieram a ser convidados, logo de seguida, pelo rei, para lhe desenhar o palácio e jardins de Versailles, respectivamente.

Podemos ainda conjecturar, que a linguagem clássica original do Paço Ducal se recortava ainda sobre panos de parede rebocada e caiada e que, no tempo de D. Teodósio II, foi remodelada, com a remoção das cantarias aproveitáveis para permitir o enchimento parcial da face exterior da parede do primeiro piso e coloca-la na ver-tical, bem como o enchimento correspondente de parte da parede do 2º piso para estabelecer a ligação “num só plano” – que afinal é numa su-perfície dobrada e sem ressaltos –, com o terceiro piso vertical, então construído, tudo para poder receber a placagem de mármores a duas cores com o tal vocabulário maneirista que Nicolau de Frias terá desenhado. Tal hipótese conjuga-se, aliás, com a opinião de Kubler de que a primitiva fachada teria sido “tapada por uma nova fronta-ria”49. (fig. 12)

Figura 11- Casas com a face exterior das paredes dos embasamentos, ou dos primeiros pisos, inclinadas. Nas duas filas de cima, casas em Angra do Heroísmo e na fila de baixo duas fotografias da casa da Quinta de S. Mateus na R. Direita do Dafundo em Algés e por fim uma fotografia de uma casa em S. Bartolomeu de Messines. Nas duas filas de cima, imagens do street view do Google Earth. Na fila de baixo fotografias de LAD.

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Uma parede de rés-do-chão inclinada não seria recebimento compatível com a impressão cénica de impacto que se pretendia com o revestimento integral a mármores, onde a linguagem clás-sica, à “romana”, se desenhasse em contraste de claro-escuro. Com o seu aprumo podia-se melhor impressionar os visitantes, ao enquadrar-se de forma adequada nos preceitos maneiristas lav-rados em material tão nobre.

Irregularidades na fachada nascente

Conforme já referido, depois de um olhar mais atento para a fachada revestida a mármores, constactamos que aquela primeira impressão de espanto e insólito perante a solidez da sua im-ponência, se vai desfazendo com a percepção de que afinal se trata dum cenário feito como uma pele que reveste uma parede resistente.

Para além desse facto, também começamos a notar irregularidades na sua aparente uniformi-

Figura 12- Na imagem de esquerda, um corte pelos Quartos Novos que mostra que as paredes do 3º piso são mais delgadas que as inferiores. Nas duas imagens da direita, esquema hipotético de en-chimento da face exterior das paredes do primeiro e segundo pisos, para aprumo da primeira. A amarelo o perfil original presumível e a vermelho a situação actual. Cortes do SIPA e fotografia de LAD.

dade de que sublinhamos as seguintes (fig. 13):

a. a empena sul apresenta-se como inacabada, porque ali terá havido um passadiço de comu-nicação com o convento das Chagas, entretanto demolido, não se procurando, depois, proceder a um remate condigno;

b. o espaçamento entre pilastras do vigésimo quarto tramo no extremo sul é menor, o que su-gere, ou pré-existências ou que estaria planeado outro remate, e que este foi o possível em face de compromissos da Casa de Bragança com o Con-vento das Chagas de Cristo, cuja construção ha-via sido, aliás, patrocinada pelo duque D. Jaime;

c. nesse tramo, ao nível do andar nobre, abre-se uma janela miniatura, com frontão triangular, como as demais desse piso, o que reforça o que atrás foi dito;

d. abrem-se três discretas frestas horizontais debaixo da cornija do entablamento que separa

o segundo do terceiro piso dos três penúltimos tramos sul, procurando disfarçar a existência, nessa zona, dum piso intermédio entre o 2º e 3º pisos e que vulgarmente se chama de «Prisão das Damas»;

e. a pilastra que separa o penúltimo do último tramo sul, mais estreito, ao nível do primeiro piso, ou rés-do-chão, em vez de ser em mármore esbranquiçado como as demais, é do mesmo tipo de mármore cinzento azulado de revestimento do pano de parede;

f. para além da janela central do segundo piso e que tem uma balaustrada de peito, há uma outra

idêntica no mesmo piso, no sétimo vão a sul de-sta, na Sala da Medusa, não lhe correspondendo, simetricamente, nenhuma, a norte desta janela central.

g. já fora da parte revestida a mármores, este corpo encosta ao corpo mais íntimo dos Quartos Novos do palácio através duma ligação que cor-responde, no andar nobre, à Sala Dourada, que, apesar de se encontrar no enfiamento das outras salas nobres, não lhe corresponde o mesmo trata-mento de fachada em mármore como as demais.

Figura 13- Irregularidades na fachada revestida a mármore. De notar, nas duas fotografias da esquerda na fila de cima, a inclinação da face exterior da parede do segundo piso e ainda, neste piso, o remate do cunhal sul. Nas duas fotografias da direita da fila de cima vêm-se bem as três frestas por baixo da cornija do segundo entablamento. Na fotografia da esquerda da fila de baixo pode ver-se que a pilastra do primeiro piso que separa o vigésimo terceiro tramo sul do vigésimo quarto, mais estreito, é de mármore da mesma cor que a parede do fundo. Nas duas fotografias que se seguem podem ver-se as janelas com balaustrada de peito. Na fotografia da direita pode ver-se a ligação da Sala Dourada, não revestida a mármore, e que estabelece a ligação com os Quartos Novos. Fotografias de LAD.

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3. Características portuguesas da arquitectura do Palácio

Conforme referido na nota introdutória, cabe agora analisar as características arquitectónicas do palácio como o vemos na presente data, na perspectiva dos onze itens propostos como carac-terização da arquitectura portuguesa.

1- Escala e proporções – horizontalidade

A horizontalidade não só é bem patente na fa-chada de aparato, mas também em todo o con-junto da ala sul e dos Quartos Novos, visíveis do Terreiro do Paço, e ainda nos demais pavilhões e dependências que se desenvolvem para norte e poente.

Na realidade, o conjunto edificado estende-se por vários corpos, ou pavilhões, em grande desafogo de área, e é somente pontuado pela «Casa dos Alfaiates» e pela torre da capela, que nem assim contrariam a manifesta horizontalidade do con-junto.

2- Fachadismo

O fachadismo encontra-se bem patenteado neste edifício com a sua fachada de aparato que se con-figura como um cenário, que nada tem a ver com o formulário arquitectónico das traseiras que dão sobre o Jardim de Buxo, nem tão pouco com o da fachada dos Quartos Novos que dá para o Jardim do Bosque e bem visível do Terreiro do Paço, e muito menos tem a ver com as traseiras orienta-das a norte e que dão para a «Ilha». (figs. 6, 7 e 14)

3- Sobrevalorização de pormenores decorativo-funcionais

Não se regista qualquer pontuação decorativa, nem tão pouco uma porta central que se destaque do conjunto. Só mais tarde é que se constrói a

«Casa dos Alfaiates», que marca uma espécie de centro, mas que não se configura como uma pon-tuação decorativa. Nem sequer existem estátuas nos quatro nichos que se encontram por baixo desta mansarda, e esta intervenção, de qualidade discutível, só veio a comprometer a uniformidade intencional do revestimento a mármore.

4- Rusticidade

As traseiras que dão sobre o Jardim do Buxo, por contraste com o aparato da fachada de mármore, revestem-se de especial rusticidade. Essa mesma rusticidade é encontrada nas empenas sul do palácio.

5- Inacabada

Foi sendo um edifício inacabado ao longo das várias campanhas de obras a que foi sujeito. Mes-mo actualmente apresenta-se inacabado por se configurar como que interrompido a sul. De facto não tem aí um remate condigno, não só em con-sequência da demolição do passadiço que o ligava ao Convento das Chagas de Cristo, mas também pela falta de tratamento dessa empena sul. Tam-bém se encontra inacabado pelo facto da fachada de aparato não englobar a Sala Dourada, que faz parte integrante deste corpo sul e que, apesar de dar sobre o Jardim do Bosque, é bem visível do Terreiro do Paço.

O sentido de inacabado é ainda dado pelo último tramo sul, mais estreito e com uma só janela miniatura no pano de parede do 2º piso, confi-gurando-se, ou como um compromisso com pré-existências, ou como uma solução de recurso para um outro remate que não se concretizou. Aliás, acresce dizer que este pequeno tramo não é con-struído em nome duma simetria em relação a um suposto centro, pois este pequeno tramo sai fora dum eixo de simetria entre os dois arcos centrais do rés-do-chão.

6- Justaposição de estilos

A justaposição de estilos é resultado das dife-rentes épocas porque passou o edifício. Ainda se verifica a existência de vestígios manuelinos e mudéjares nas salas do rés-do-chão que perten-ciam ao primitivo Paço do Reguengo do tempo de D. Jaime, e que se podem ver nas salas da Ar-maria do actual museu, bem como no claustro, em contraste com a porta da capela. São visíveis do exterior nas intervenções maneiristas da fachada de aparato e barrocas da capela e sua torre.

7- Falta de relação entre o exterior e o interior

À cenografia da fachada de aparato em mármo-res e sua aparente uniformidade, não correspon-de, um interior compatível.

Ao suposto centro dessa fachada do século XVII revestida a mármores, formado, timidamente, pelas duas portas em arco, não corresponde, no interior, uma escadaria central, uma vez que esta se desenvolve, lateralmente, imediatamen-te a norte.

Por sua vez, ao aparato exterior do trecho norte do terceiro piso, provavelmente construído en-tre cerca de 1800 e 1846, não corresponde um interior compatível com o do trecho sul deste mesmo terceiro piso, uma vez que não tem com-partimentos habitáveis por causa da altura dos tectos das salas dos Duques, das Virtudes e de Hércules, e ter somente uma galeria que corre junto às janelas.

Nos três penúltimos tramos a sul, insere-se um piso intermédio, a chamada «Prisão das Da-mas», que só é perceptível pelas discretas frestas de ventilação, abertas no entablamento duplo entre os segundo e terceiro pisos.

À Sala Dourada, ou da Duquesa, que em digni-dade e importância se inscreve no enfiamento nobre das salas dos Duques, Virtudes, e Hércu-les, do corpo sul, não corresponde um exterior compatível em mármore.

Aos dois penúltimos tramos sul, idênticos aos demais, não corresponde um interior com o mesmo volume construtivo do resto deste corpo sul, já que, nesta zona, o palácio é muito mais estreito, em planta. (fig. 14)

Figura 14- Corpo sul do palácio. Como se pode verificar não há correspondência entre a fachada revestida a mármores e o volume construído. A fachada principal, empenas e traseiras têm um aspecto inacabado. A fotografia da esquerda é de Março de 1983. Fotografias de LAD

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8- Intimista e subtil

Nem a intimidade nem a subtileza se revelam nos corpos sul e nascente, se considerados em separado. Todavia o corpo nascente dos Quartos Novos, em comparação com a fachada de apara-to do corpo sul, configura-se, visualmente, como a parte recolhida, íntima, do conjunto, mas em contradição com o trecho da Sala Dourada, que tendo o mesmo tratamento exterior, faz parte, pelo contrário, duma zona de recepção e de apa-rato.

9- Híbrida

Pelas razões apontadas no item 6, acentuado pelo insólito da teatralidade dum cenário parcial em mármore do corpo sul, deixando bem à vista do terreiro a vernacularidade da arquitectura alentejana do seu extremo norte onde os vãos do terceiro piso não alinham com os restantes desse mesmo corpo sul, mas antes com os cor-respondentes do corpo nascente dos Quartos Novos, com seus rebocos brancos e emoldura-mentos de vãos em cantaria.

10- Arcaizante ou conservadora

Todos os corpos não revestidos a mármores ins-crevem-se no conservadorismo duma arquitec-tura vernacular da região.

Para além de manter vários vestígios mudéjares do período manuelino, também esse conserva-dorismo se revelou na preservação do manei-rismo clássico nas diversas campanhas de obras porque passou a fachada de aparato desde o século XVI.

11- Contraditória ou paradoxal, ambígua e marginal

Em suma, pelo que já foi exposto em relação

ao palácio no seu conjunto e em particular ao desempenho do carácter cénico da fachada na-scente revestida a mármores, podemos verificar que as contradições e a ambiguidade são aspec-tos relevantes no todo edificado.

Como referido no ponto 7, o posicionamento do conjunto do átrio e escada principal não cor-responde ao centro indicado pelas duas portas centrais.

Na sequência do referido no ponto 5, o último tramo sul, mais estreito, encontra-se em contra-dição com os outros dois que se lhe seguem ime-diatamente a norte, pois não lhe corresponde um interior diferente deles. (figs. 13 e 14)

Conforme dito no ponto 8, pelo facto do extremo norte do corpo sul, correspondente à Sala Dou-rada, com a mesma importância que as demais salas do mesmo enfiamento nobre, não ser re-vestido a mármore como as congéneres, resulta uma contradição e ambiguidade arquitectónica evidentes. Por sua vez, o facto de ter o mesmo tratamento exterior que o corpo dos Quartos Novos, com uma função completamente dife-rente, vem confirmar essa mesma contradição.

Esta Sala Dourada liga-se ao corpo dos Quartos Novos através de uma reentrância antes da Sala da Cabra-cega, esta já no enfiamento entre os Quartos Novos e a Sala de Jantar. Na tentativa, não conseguida, de disfarçar essa reentrância e dar uma certa unidade ao conjunto, procura-se uniformizar a linha de beirado com uma cornija diferente da de mármore, suportada por um arco ao nível do segundo andar, a que não correspon-de nenhum telhado, pois é a céu aberto, tudo para não comprometer a iluminação da Sala da Cabra-cega, o que constitui um remedeio que não se compadece com o aparato dum conjunto, embora heterogéneo, que é visto do terreiro.50

(fig. 15)

Aquando da decisão em revestir a parte da fa-chada que dá sobre o terreiro em mármores de duas cores, ter-se-ia pretendido conferir ao con-junto um efeito de solidez e massa que na rea-lidade não tem, por se tratar dum cenário de que nos apercebemos após o impacto da primeira impressão e que, ao longo das várias gerações de duques e reis, não foi sequer disfarçado.

Na decisão de concentrar o revestimento com este nobre material somente na parte do palácio que dá imediatamente sobre o espaço público do Terreiro do Paço, não importou aos responsáveis pelo seu risco a uniformidade de toda a fachada do nobre e representativo corpo sul, bem visível do terreiro. Se fosse totalmente revestida a már-mores, destacar-se-ia assim, na sua totalidade, do corpo perpendicular dos Quartos Novos, ou seja, da parte residencial íntima do palácio, o

que não acontece. Mas como o palácio já apre-sentava um centro constituído pelas duas portas em arco, posteriormente reforçado pela Casa dos Alfaiates, o revestimento integral da mesma, vi-ria comprometer esse centro.

Acresce dizer que à fachada em mármores tam-bém não corresponde um terreiro completa-mente desafogado, e recorreu-se a um recorte no jardim junto ao limite norte da fachada de már-mores – já registado em cerca de 1661 por Nicolau de Langres –, para esta poder continuar a dar so-bre o espaço público, numa tentativa de coerên-cia que não passa dum compromisso. (fig. 15)

Paradoxalmente, optou-se pelo efeito cénico, inacabado, ficando-se pela coerência duma si-metria de pele em detrimento da coerência do conjunto.

Figura 15- Ligação do corpo sul com o corpo dos Quartos Novos e recorte do Jardim do Bosque junto à Porta de Ferro. Fotografias de LAD.

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1 DURÃO, Luís, «Para uma Definição da Arquitectura Portuguesa», in CONCEIÇÃO, Luís (coord.), Dispersos de Arquitectura, Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes, Portimão, 2012, pp. 27 a 46.

2 ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico de Portugal, Distrito de Évora, vol I, Lisboa, Academia Nacional de Belas Artes,1978, p. 613.

3 Idem.

4 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.

5 Idem.

6 TEIXEIRA, José de Monterroso, “O Paço, passo a passo – A estratégia arquitectónica Ducal (séculos XVII-XVIII)”, in revista Monumentos nº. 6, Lisboa, DGEMN, 1997, p. 10.

7 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.

8 KUBLER, George, A Arquitectura Portuguesa Chã Entre as Especiarias e os Diamantes (1521 – 1706), Nova Vega, 2005, pp. 177 e 178.

9 ESPANCA, Túlio, Op. Cit., p. 613.

10 MOREIRA, Rafael, “Uma «Cidade Ideal» em Mármore”, in revista Monumentos nº. 6, Lisboa, DGEMN, 1997, p. 51. O autor presume que a descrição se deva a Francisco de Morais, «um criado brigantino filho do guarda-joias de D. João III».

11 KUBLER, George, Op. Cit., pp. 177 e 178.

12 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.

13 ESPANCA, Túlio, Op. Cit., p. 613.

14 Idem, pp. 613 e 614.

15 Idem.

16 TEIXEIRA, José de Monterroso, Op. Cit., p. 11.

17 KUBLER, George, Op. Cit., pp. 177 e 178.

18 Idem, pp 206 e 207. A descrição com 25 aberturas não se ajusta ao que existe actual-mente nessa zona.

19 SOROMENHO, Miguel, “Paço Ducal de Vila Viçosa”, in PEREIRA, Paulo (Dir.) História da Arte Portuguesa vol. II, Círculo dos Leitores e Autores, 1995, p. 393.

20 TEIXEIRA, José de Monterroso, Op. Cit., p. 12.

21 ESPANCA, Túlio, Op. Cit., pp. 614 e 615. Pelo desenho de Pier Maria Baldi verifica-se que eram onze janelas e não treze.

Notas

22 Poderiam ser ou cónicos como os da Torre de Belém e Igreja do Mosteiro dos Jerónimos, ou em pirâmide como os da Sé da Guarda, por exemplo.

23 CALADO, frei Manuel, “Valeroso Lucideno”, in TEIXEIRA, José, O Paço Ducal de Vila Viçosa – sua Arquitectura e suas Colecções, Lisboa, Oficina Gráfica Manuel A. Pacheco, Lda, Fundação da Casa de Bragança, 1983, p. 70.

24 José Teixeira na obra acima referenciada insere a legenda de «Terreiro do Paço», mas não faz referência à data da ilustração.

25 TEIXEIRA, José, Op. Cit., p. 68.

26 José Teixeira na obra acima referenciada diz que se trata do volume 9, no ano de 1852, mas no site hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/OPanorama/OPanorama.htm, vem como Vol. 8, ano de 1846, p. 57.

27 TEIXEIRA, José, Op. Cit., p. 95.

28 Idem, p. 108.

29 SENOS, Nuno, “Os lugares dos azulejos”, in MATOS, Maria Antónia Pinto de (Coord), Da Flandres. Os azulejos encomendados por D. Teodósio I, 5º Duque de Bragança (c. 1510-1563), Fundação da Casa de Bragança, p. 40.

30 KUBLER, George, Op. Cit., pp. 177 e 178.

31 TEIXEIRA, José, Op. Cit., pp. 96 e 97

32 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.

33 ESPANCA, Túlio, Op. Cit., pp. 616.

34 Idem, p. 617.

35 TEIXEIRA, José, Op. Cit., p.108.

36 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.

37 ESPANCA, Túlio, Op. Cit., pp. 618.

38 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.

39 Idem.

40 Idem.

41 ESPANCA, Túlio, Op. Cit., p. 619.

42 Idem.

43 Idem, p. 631

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44 CALADO, Fr. Manuel, “Valeroso Lucideno”, in ESPANCA, Túlio, Op. Cit., p. 615.

45 MOREIRA, Rafael, Op. Cit., p. 51.

46 Idem.

47 As paredes-mestras das casas nos Açores são em pedra vulcânica e com alguma terra, quase nunca argilosa, nos interstícios. A ilha de Santa Maria é a única do arquipélago que tem solos argilosos.

48 ESPANCA, Túlio, Op. Cit., p. 631.

49 MOREIRA, Rafael, Op. Cit., p. 51.

50 Admite-se como possível esta intervenção ter sido projectada por Raúl Lino, no contex-to das suas propostas “ainda muito mal conhecidas.”

Bibliografia

CONCEIÇÃO, Luís (coord.), Dispersos de Arquitectura, Instituto Superior Ma-nuel Teixeira Gomes, Portimão, 2012.

ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico de Portugal, Distrito de Évora, vol I, Lis-boa, Academia Nacional de Belas Artes,1978.

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.

KUBLER, George, A Arquitectura Portuguesa Chã Entre as Especiarias e os Diamantes (1521 – 1706), Nova Vega, 2005.

MATOS, Maria Antónia Pinto de (Coord), Da Flandres. Os azulejos encom-endados por D. Teodósio I, 5º Duque de Bragança (c. 1510-1563), Fundação da Casa de Bragança.

MONGE, Maria de Jesus, Roteiro do Paço Ducal de Vila Viçosa, Caxias, 2010.

PEREIRA, Paulo (Dir.) História da Arte Portuguesa vol. II, Círculo dos Leitores e Autores, 1995.

Revista Monumentos nº. 6, Lisboa, DGEMN, 1997.

TEIXEIRA, José, O Paço Ducal de Vila Viçosa – sua Arquitectura e suas Colecções, Lisboa, Oficina Gráfica Manuel A. Pacheco, Lda, Fundação da Casa de Bra-gança, 1983.

Fontes electrónicas

hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/OPanorama/OPanorama.htm

www.monumentos.pt/Site/APP.../SIPA.aspx?id=275...

www.patrimoniocultural.pt/pt/patrimonio/pesquisa/geral/.../70205/

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Miguel SantiagoFernandes

Desenho - Pancho Guedes

1 – Representação e expressão – o acto individual.

A arquitectura de Pancho Guedes não segue sempre modelos e tipos, experimenta novas rea-lidades, não se furtando a ensaiar novas formas de projectar. O acto de projectar como um acto intelectual decisivo, mesmo que por vezes, esteja dependente de processos mentais directamente ligados ao desenho; provoca e evoca um conhe-cimento e uma experiência. Neste caso, conheci-mento e experiência são actividades meramente individuais, quer sejam de índole mais técnica e material, quer sejam mais teóricas e/ou oníricas.

No termo “individual”, reconhecemos imediata-mente que o desenho, pela sua condição única, em que através do corpo humano, da mão, se explicitam atributos do conhecimento, da per-sonalidade, é um trabalho e uma actividade individual. O desenho transmite uma determi-nada imagem que ocorre, sendo o resultado de imagens, qualquer que seja a sua origem.

Miguel Ângelo, há cerca de cinco séculos afir-mava que é necessário ter compassos nos olhos e não nas mãos, porque as mãos trabalham e os olhos julgam. O pintor, escultor e arquitecto renascentista demarcava-se deste modo, de um entendimento mais mecanicista e matemático que a invenção da perspectiva havia atribuído ao desenho. No caso de Pancho Guedes o seu mé-todo projectual evidencia um equilíbrio entre arte e ciência; complementaridade só possível pela incorporação, do que, comummente, se de-signa por método artístico e por método cientí-fico, proporcionando esta relação um carácter unitário e uma proximidade perante a expe-riência e a condição do mundo humano. Pode-se

designar esta empatia entre estes dois conheci-mentos como uma verdadeira consciência disci-plinar, que se complementa com um processo crítico proveniente do método analítico e inter-pretativo desenvolvido.

Apesar da condensação do processo criativo, que assenta num conjunto de premissas baseadas na procura de uma estrutura formal forte, nada impede, que, no início de alguns dos projectos, a imagem seja o motor de arranque de todo o pro-cesso. O início pode ser um qualquer, é apenas pretexto para iniciar um processo; o processo e a obra cristalizaram-se num tempo próprio, em que o desenho é o motor principal e assume pre-missas de existência formal.

Pancho opera numa permanente dialógica de dois mundos distantes e aparentemente opostos: real e irreal, horror e maravilha, desen-canto e encanto, mas sempre com uma vontade onírica e uma postura pela constante experiên-cia, ironia e metamorfose da vida.

O seu discurso projectual encontra toda a ener-gia no desenho. O desenho é fundador e forma-dor de ideias espaciais, representa um percurso de persuasão, elaborado segundo uma estraté-gia. É enfim, o meio mais adequado à represen-tação da ideia de um edifício. A representação pretende atingir um objectivo concreto – mo-strar uma essência: a essência da arquitectura que se manifesta em elementos primordiais como ritmo, proporção, hierarquia, harmonia e equilíbrio. A essência remete-nos para a criação, para o acto de projectar.

A escolha das técnicas e dos suportes atribui ao desenho uma função dentro do processo do pro-

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jecto. Assim, a escolha dos meios e dos sistemas de representação está fortemente ligada ao acto de projectar.

A criatividade comporta, no seu caso, um grau de técnica, um conhecimento sobre processos construtivos, uma definição de função, uma ela-boração de fenómenos quantitativos e um saber sobre as qualidades dos materiais que permite uma diluição total destas duas vertentes, num projecto que se quer uno.

O desenho recupera a sua condição de ofício, de-vido ao virtuosismo artístico do próprio arqui-tecto. A atitude em relação à representação ar-quitectónica caracteriza-se por uma expressão muito pessoal, que lhe é atribuída pelo prazer, pelo trabalho e pela destreza. A arquitectura e a sua representação são vistas como uma arte per-sonificada, um acto de uma identidade própria.

O desenho para Pancho Guedes é o prazer do acto de desenhar, é a expressão gráfica de uma ideia, é a possibilidade de uma existência que permite uma outra existência – a arquitectura. Uma relação entre sujeito e pensamento que é única:

“Os desenhos para um edifício devem vir todos da mesma mão (...) para que um edifício fale a uma só voz. Os edifícios não são os mesmos se passarem por uma equipa (...) temos que ser nós a desenhá-los para que eles fiquem um pouco mais perto da verdade. (...) Os edifícios resultam, em grande medida, da forma como são desenha-dos. Em muitos dos edifícios a forma do desenho é o que mais se evidencia – em muitos, é o que os mantém juntos.”i

Existe uma grande identificação entre o autor e a sua expressão pessoal, tornando o acto de de-

senhar íntimo. No caso de Pancho Guedes este acto é levado ao limite, o que o torna numa expe-riência mais rica, mais expressiva, mas também, mais experimental. É um processo composto por um conjunto de alternativas que anima e exer-cita esta sucessiva experimentação.

Através da consulta do seu arquivo, é notório um constante devir no processo criativo do desenho, sendo o pretexto significativamente alterado com o decorrer do processo. Pode ser uma ideia, uma imagem, uma representação, um sonho, sempre com a intenção de ser um espaço habitá-vel com uma forma, com uma estrutura, com uma pele; com todos os componentes inerentes à construção arquitectónica.

Convém realçar que, dada a vastidão do arquivo, o desenho assume uma dimensão histórica e es-tética que rivaliza com a obra construída. O de-senho possui, assim, um carácter histórico que permite a descoberta do próprio edifício, pois alguns pormenores são mais visíveis na repre-sentação gráfica do que no objecto arquitectó-nico.

2 – O desenho – intuição e rigor

Dado que estamos a analisar o desenho como “caligrafia pessoal” de Pancho Guedes e não enquanto disciplina, relegamos para segundo plano os processos de aprendizagem e, conse-quentemente, a ideia de imitação. Interessa-nos distinguir e analisar os diferentes tipos de repre-sentação que estão presentes ao longo das cinco décadas do seu percurso.

Desde muito cedo, Pancho Guedes desenhou e pintou intensamente, explorando os limites en-tre as diversas artes visuais. Os seus projectos

são representados simultaneamente por desen-hos, pinturas, esculturas, maquetas, fotografias, “brinquedos” e histórias; reflectindo uma con-stante reciprocidade e dialéctica entre as várias artes. Desta constante multiplicidade, surge uma forte carga iconográfica e, um domínio da linguagem arquitectónica, pictórica e escul-tórica. Esta contínua liberdade e fusão permitiu o longo dos anos desenvolver, criar e recriar um raro talento pelo desenho, o que lhe valeu uma postura, decididamente, do arquitecto artista.

O desenho como instrumento do método da ar-quitectura surge numa primeira fase, como liv-re e espontâneo procurando iniciar um critério metodológico sem estabelecer regras pré-defini-das. Assim a primeira das formas de expressar uma ideia, que está presente em alguns projec-tos, é o desenho elementar, esquemático, simp-les e rápido. Na maior parte das vezes procura um “compromisso” entre real e irreal, pensando no objecto, torna-se numa procura incessante. É de uma forma muito simples: o sonho do de-senho. Oferece várias oportunidades e hipóte-ses de escolha; ambíguo, mas privilegiando um determinado rumo, ao tentar estabelecer um conjunto de conexões, por mais principiantes e básicas que pareçam. Desta fase inicial, livre e espontânea, decorre um conjunto de analogias, conexões e relações que são fundamentais na evolução do processo.

Numa segunda fase, o desenho torna-se “cali-grafia pessoal”, um pretexto para experiências arquitectónicas, que são realçadas pelo grafismo e pela exploração de valores expressivos. Estas experiências plásticas são alternativas ao pró-prio projecto – são manipulações de simulações. O desenho como elemento sensível a factores imateriais como a luz e a cor; o seu formalismo evoca a morfologia do projecto. Existe um domí-

nio dos diversos meios gráficos, dos sistemas de representação e dos meios de construção da imagem. Na representação há uma total em-patia com as formas imaginadas, revelando o enorme prazer do executante e criando uma pro-ximidade e uma ligação íntima com o cliente. O desenho clarifica o processo e as possíveis estra-tégias desencadeadas pelo sujeito – arquitecto; através do rigor potencializa a sistematização visível das intenções do percurso conceptual.

O elo de ligação de toda a sua obra e percurso é uma energia que resulta (como já referimos) do processo de desenho. Este processo permite-lhe obter, no final, um conjunto de edifícios exube-rantes e que emanam uma profunda vitalidade, que lhe advém do carácter do desenho como fac-tor de satisfação e de identidade.

Cada edifício é uma variação de um modelo, numa ligação directa, a que Pancho Guedes cha-ma – numa metáfora claramente antropomór-fica –, as suas “famílias”. Esta constante meta-morfose implica uma mudança orgânica, mas sempre com uma dupla abordagem: conceptual e formal. A arquitectura de Pancho Guedes as-sume duas facetas simultâneas: por um lado, as suas formas mostram-se “caprichosas”, ingénu-as e originais; por outro, nelas são reconhecidos os elementos básicos da arquitectura, tais como: estrutura, paredes, coberturas e pilares.

O edifício construído não é a última fase do pro-cesso, mas sim uma mera etapa sujeita a um conjunto de contingências. No final, pode-se sempre “retocar” ou mesmo aperfeiçoar a con-strução através do desenho e de maquetas. As-sim, este processo surge como algo infindável, que retoma com o tempo uma sucessão de trans-formações com o intuito de encontrar a sua es-sência; o desenho é visto como o prolongamento,

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a mais adequada extensão da própria construção.

A individualidade e personalidade de Pancho Guedes são visíveis no modo de abordar e resolver os problemas. As soluções surgem das mais diversas formas. Podem ser poéticas e formais, podem ser programáticas ou constru-tivas, ou ainda clandestinas e subversivas, mas qualquer que seja a sua ca-racterística, definem uma estratégia e um processo pessoal. Processo que assenta sempre na intuição e no rigor do desenho.

i Amâncio Guedes, “The Practice of Architecture”, in South African Ar-chitectural Record, Joanesburgo, vol. 49, n.º 6, Junho 1964, p. 59 (tradução do autor). Excerto da Comunicação apresentada no Institute of South African Architects. Cidade do Cabo, 27 de Abril – 1 de Maio 1964.

Nota Biográfica

Amâncio d’Alpoim Miranda Guedes, conhecido também por Pancho Gue-des, nasceu em Lisboa, a 13 de Maio de 1925. Licenciou-se em arquitectura na University of the Witwatersrand, Johannesburg.

Durante vinte anos produziu no seu ateliê em Lourenço Marques um con-junto de obras significativas.

Em 1962, foi convidado para fazer parte do grupo Team 10, tendo partici-pado em diversos encontros.

Participou na Bienal de Veneza em 1975, e recentemente, em 2006, fez par-te da Representação Oficial Portuguesa na 10ª Exposição Internacional de Arquitectura da mesma Bienal.

Entre 1975 e 1990 leccionou na University of the de Witwatersrand, sendo director entre 1975 e 1988.

Em 1980, o seu filho Pedro Guedes, arquitecto, organizou uma exposição (retrospectiva) em Londres, na Architectural Association.

Foi Professor convidado em inúmeras universidades estrangeiras e, desde 1990, altura em que regressou a Portugal, leccionou em diversas universi-dades portuguesas.

Foi agraciado ao longo da sua vida com inúmeras condecorações, das quais se destacam: Comendador da Ordem Militar Sant’iago da Espada (1979), a Medalha de Ouro do Institute of South African Architects (1979), o prémio A.I.C.A (Associação Internacional de Críticos de Arte) e Ministério da Cul-tura (1996), Doctor Scientiae (Honoris Causa), University of Pretoria (11-09-1999); recebeu o Doctor of Architecture (Honoris Causa), University of the Witwatersrand, Johannesburg (2003), a medalha de Mérito da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (2004) e é Membro Honorário da Ordem dos Arquitectos Portugueses (2005).

Em 2007 foi publicada uma monografia na colecção pensar arquitectura da editora Caleidoscópio, com o título Pancho Guedes – Metamorfoses Espaciais.

Morreu a 7 de Novembro de 2015.

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Luís Conceição

PROJECTO PEDAGÓGICOA Disciplina de Projecto (Architectural Design Studio), numa formação em Arquitectura

Apresenta-se como “Projecto Pedagógico”, uma hipótese de “Perfil do Arquitecto” formado por um curso de Mestrado Integrado em Arquitectu-ra (MIA) em Portugal, com base nas competên-cias obrigatórias a atingir pelos estudantes nos diversos anos lectivos do seu percurso de 1.º e 2.º ciclos de estudos no âmbito das disciplinas de Projecto (independentemente das designações em cada semestre lectivo), tomando como re-ferência os 11 pontos da directiva europeia de 2005 (2005/36/CE), reconduzidos na directiva em vigor (2013).

O curso está organizado segundo uma formação bietápica (dois ciclos de estudos), embora “inte-grada”1 para a obtenção das qualificações neces-sárias à prática profissional de Arquitecto, em toda a sua dimensão e “actos próprios”, mas tam-bém para a possível prossecução de outras acti-vidades inerentes, em que se incluem a crítica e a investigação, eventualmente conducentes a um 3.º ciclo de estudos (Doutoramento).

Organiza-se aqui o trajecto numa “massa” única, do 1.º ao 5.º ano de estudos (em vigor nas nossas escolas de Arquitectura), sem discriminação se-mestral, considerando que compete ao 1º Ciclo de Estudos a dotação das ferramentas (skills) ne-cessárias para a acção projectual e ao 2.º Ciclo de Estudos a dotação das ferramentas necessárias ao início de um processo de investigação mais dirigido a uma hipotética “especialização”, que obviamente assenta, e muito bem, nas diversas unidades curriculares de opção que as Escolas de Arquitectura vão oferecendo no 4.º Ano de estu-dos, que deverão ser veiculadas pelas diversas áreas de investigação em curso nos respectivos

Centros de Investigação, quer nas frentes mais especulativas, quer nas mais operativas.

O texto que se apresenta não se pretende afir-mar como um “Plano de Estudos” para o curso de Arquitectura, mas tão-somente encontrar uma lógica coerente de estabelecimento de con-teúdos para cada etapa (ano de estudos), tendo o autor consciência e experiência de que um mesmo exercício efectuado poderá obter re-sultados pedagógicos positivos no primeiro ou noutro qualquer ano da disciplina de Projecto, em função das capacidades e ferramentas de que os alunos sejam portadores e do respectivo enquadramento da docência/tutoria. Assim, o que interessa são os objectivos e competências a adquirir pelos alunos, em função dos diversos vectores formativos que lhes vão sendo forneci-dos, quer pelas restantes disciplinas, quer pelo exercício específico da docência na disciplina de Projecto em questão.

Área Científica de Arquitectura - Projecto

A formação dos futuros Arquitectos, deverá obe-decer às competências formuladas na norma-tiva nacional e europeia (11 pontos da directiva europeia):

“a) Capacidade para conceber projectos de ar-quitectura que satisfaçam exigências estéticas e técnicas;

b) Conhecimento adequado da história e das teorias da arquitectura, bem como das artes, tecnologias e ciências humanas conexas;

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c) Conhecimento das belas-artes e da sua in-fluência sobre a qualidade da concepção arqui-tectónica;

d) Conhecimentos adequados de urbanismo, or-denamento e competências relacionadas com o processo de ordenamento;

e) Capacidade de apreender as relações entre, por um lado, o homem e os edifícios e, por outro, entre os edifícios e o seu ambiente, bem como a necessidade de relacionar os edifícios e os espaços entre eles em função das necessidades e da escala humanas;

f) Compreensão da profissão de arquitecto e do seu papel na sociedade, nomeadamente, elabo-rando projectos que tomem em consideração os factores sociais;

g) Conhecimento dos métodos de investigação e de preparação do caderno de encargos do pro-jecto;

h) Conhecimento dos problemas de concepção estrutural, de construção e de engenharia civil relacionados com a concepção dos edifícios;

i) Conhecimento adequado dos problemas físi-cos e das tecnologias, bem como da função dos edifícios, no sentido de os dotar de todos os ele-mentos de conforto interior e de protecção cli-matérica;

j) Capacidade técnica que permita conceber construções que satisfaçam as exigências dos utentes, dentro dos limites impostos pelo custo e pelas regulamentações da construção;

l) Conhecimento adequado das indústrias, or-ganizações, regulamentações e procedimentos implicados na concretização dos projectos em

construção e na integração dos planos na pla-nificação geral.”

Área Científica da Arquitectura – Projecto

Linhas Gerais de Rumo e Estratégia (conhecimento, aptidões, competências)

Deverão ser parte integrante da Disciplina de Projecto (com as diversas denominações atribuí-veis, mas sempre no âmbito que internacional-mente se dá ao Architectural Design Studio), do 1.º ao 5.º Ano (e respectivos semestres) dos dois ciclos integrados de estudos, os seguintes con-teúdos, estruturadores da estratégia e objectivos gerais do Ano:

1. Componente teórica:

. Construção e enquadramento de uma teoria de Projecto, com a sua subjacente metodologia, as-sente nas reflexões pessoais do docente, e enten-dida como uma obra de autor. O docente deve ter e dimanar conceitos seguros e objectivos, resul-tantes da sua prática e das suas reflexões críti-cas sobre os meios e métodos de abordagem do Projecto. Tais conceitos não deverão ser manda-tórios, mas deverão funcionar como referenciais firmes, que permitam ao estudante aderir ou re-cusar, de modo consciente e racional, desenvol-vendo o seu sentido crítico.

. Noções objectivas sobre a intervenção no ter-ritório, entendendo-o nas suas vertentes natu-ral, urbana, física e humana (sociocultural). O docente deverá transmitir aos estudantes estra-tégias seguras de actuação na transformação do território através da prática da arquitectura, seja qual for a escala e a dimensão da intervenção, de

modo a dotá-lo da consciência da responsabi-lidade e da irreversibilidade, a todos os níveis, da sua intervenção. As questões de natureza ge-ográfica, económica, ecológica, cultural e social deverão aqui ser exacerbadas, dando particular enfoque ao território nacional e aos territórios do espaço lusófono e da Europa meridional.

. Integração dos saberes resultantes das discipli-nas “complementares”. O programa da disciplina de Projecto deverá estar particularmente atento aos conteúdos das restantes unidades curricu-lares, por forma integrá-los gradualmente num crescendo de complexidade e de exigência. Deste modo torna-se profícua e operativa a interdisci-plinaridade. Em cada Semestre lectivo, as com-petências adquiridas no semestre anterior nas restantes unidades curriculares (uc) deverão ser integradas nos objectivos da uc de Projecto.

2. Componente Prática:

. Deverá ser valorizado o ensino tutorial. A rea-lização de discussões intermédias entre o lança-mento e a recepção de cada trabalho é aconsel-hada, devendo para tal cada trabalho obedecer a uma calendarização de entregas/apresentações intermédias, que permitam ao docente partici-par activamente na construção e na realização dos projectos de cada estudante. Todos os trabal-hos deverão ser apresentados, discutidos e criti-cados, antes de serem avaliados e classificados. O regime em vigor é o de “avaliação contínua”.

. O estudante deverá ser chamado a justificar, enquadrar e a interpretar todas as suas acções e propostas no domínio conceptual, quer oral-mente, quer por escrito. O futuro Arquitecto de-verá estar preparado para expor em público as suas opções e razões conceptuais, em qualquer

fase do projecto, de forma clara e explícita, com segurança e humildade, mesmo para um púb-lico menos informado.

. Deverá ser valorizado o processo de construção do Projecto, independentemente da sua “arte fi-nal”, sobretudo nos primeiros anos, de modo a valorizar os raciocínios crítico e conceptual, em detrimento da vertigem do “acabar”. O Projecto é um processo contínuo de maturação, selecção e exclusão, que deverá ser incentivado de modo veemente. Tal não deverá ser impeditivo, antes pelo contrário, de uma apresentação festiva e graficamente comunicativa, apelativa e conta-giante do acto de consumação da solução final.

. Nos primeiros anos, em particular, o estudante deverá ser incentivado a suportar as suas so-luções em casos assentes nos seus conhecimen-tos da História e das Teorias da Arquitectura. Deverá incentivar-se um processo conceptual assente num suporte de crescente erudição.

. Nos anos terminais do curso (2.º ciclo de estu-dos), em particular, e em paralelo com uma cre-scente consciência dos processos e métodos de investigação, deverá confrontar-se os estudan-tes com uma progressiva aproximação ao real (legislação, custos, etc.), sem contudo tolher as perspectivas do onírico e do utópico. Não se tra-tando de um curso de carácter “técnico-profissi-onal”, deverá permitir-se sempre e incentivar o carácter especulativo e experimental da acção projectual: o presente é o passado do futuro e é naquele que este se erige.

. Apesar dos meios cada vez mais sofisticados de auxílio à representação e simulação do projecto através dos sistemas informáticos, não devere-mos nunca, num só momento, descurar a prática do desenho e da geometria como meio explora-tório do projecto. A prática do desenho deverá

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ser incentivada em qualquer nível (ano) do en-sino da disciplina de Projecto.

. As visitas de estudo a obras e exposições, bem como as exposições de imagens (diapositivos e outras), são essenciais para a “alimentação” do imaginário2 dos estudantes. Deveremos, contudo, ter o cuidado de não as restringir à contemporaneidade, mostrando e ilustrando também acções de reabilitação de edifícios e sítios antigos, peças patrimoniais de Arquitec-tura e acções urbanísticas e de desenho urbano historicamente referenciáveis. A dimensão urbana da Arquitectura não deverá nunca ser descurada, até porque sintetiza, num dado mo-mento, a convivialidade dos diversos momentos da História e da Cultura arquitectónica como es-sência da urbanidade.

3. Esboço de pré-definição do “formado” pelo Curso de Arquitectura.

. Espera-se que o formado por um MIA esteja suficientemente apetrechado para, com ajuda sénior, ser capaz de conceber e desenvolver um projecto de Arquitectura, tendo em conside-ração os diversos ingredientes e constrangimen-tos que o informam. Desde a escolha e leitura do sítio, descoberta e manuseamento do modelo conceptual, após interpretação do programa, do sistema legal de enquadramento, até à organi-zação e realização do processo – relação com as especialidades, mapas de vãos e de acabamen-tos, caderno de encargos, medições e orçamento, assistência técnica à obra, etc. -, Espera-se que tenha pelo menos o domínio das diversas fases, da complexidade da sua execução, das respon-sabilidades e custos inerentes e da capacidade negocial inerente.

. Espera-se que o formado tenha alguma habi-lidade para manusear diversos sistemas con-strutivos, em função das suas opções de projecto, saiba como e onde obter informação técnica e integrá-la, de modo coerente, no seu projecto.

. Espera-se que o formado tenha conhecimentos sólidos e seguros sobre História e Teorias da Ar-quitectura, noções expressivas sob re os condici-onamentos que a cultura, a economia, a história e a geografia dos territórios e das comunidades inferem sobre a atitude projectual, em particu-lar no respeitante ao território nacional e ao do espaço lusófono e meridional europeu.

. Espera-se que o formado conheça e saiba agir sobre o território urbano nas suas diversas di-mensões e extensões: o edifício, o conjunto edifi-cado, o plano de pormenor, o projecto de loteam-ento, o plano de urbanização.

. Espera-se que o formado entenda os diversos domínios da acção profissional do Arquitecto, para além da concepção de edifícios: reabilitação de edifícios e sítios, gestão urbana e meios legais para o licenciamento de projectos, crítica da Ar-quitectura, gestão, fiscalização e preparação de obras, ensino da Arquitectura, participação em equipas pluridisciplinares em Planos de Ordena-mento do Território, em Estudos de Impacte Am-biental, em processos de avaliação de Edifícios, em júris de concursos de Arquitectura, em pro-cessos de integração das restantes Artes na Ar-quitectura e na Cidade, na gestão física do fun-cionamento das cidades e demais aglomerados humanos.

. Espera-se que o jovem Arquitecto tenha alguns conhecimentos sobre a utilização e as patologias de alguns materiais, bem como dos sistemas construtivos e estruturais antigos, vernaculares

e contemporâneos, bem como dos sistemas de segurança, enquadramento térmico e acústico das edificações.

4. 1.º Ciclo de Estudos

5. 1.º Ano – Conteúdos

. Introdução aos conceitos básicos da confor-mação do espaço: forma, espaço, dimensão, escala, composição.

. Meios e métodos de análise, leitura e represen-tação dos espaços arquitectónicos.

. Conceitos teóricos e práticos sobre as diversas fases e momentos da composição arquitectónica.

. Noções básicas de composição, proporção e harmonia.

.Meios e processos de dimensionamento e construção de espaços.

. Iniciação ao léxico dos termos arquitectónicos, imagens e sinais. Conceitos de tipo e tipologia. Conceito de modelo e seu manuseamento.

. A Luz e o Sistema Distributivo como ordena-dores da estrutura do espaço. A plasticidade do espaço.

. Introdução ao projecto: o sítio, o programa, o utente, o modelo e a materialidade.

6. 2.º Ano – Conteúdos

. O exercício da Arquitectura, ensaiado no con-texto do território natural e do território con-struído, nos seus estágios não urbano e urbano, e no contexto das periferias e afectado ao valor

referencial da cidade.

. A introdução às metodologias do Projecto. A in-vestigação do processo conceptual. A formação do(s) conceito(s) de Arquitectura.

. Introdução ao estudo da cidade – a cidade como lugar, a cidade como memória, a cidade como cultura e comunicação. A retórica da cidade na construção de uma retórica da arquitectura e vice-versa.

. Análise dos elementos e sistemas em equilíbrio, construtivos e compositivos, como determinan-tes da formação e caracterização do espaço.

. Manuseamento do programa e do modelo con-ceptual em contextos confinados: o subterrâneo, o lote em meio urbano consistente e referenci-ado. Programas de pequenos equipamentos e/ou pequenas unidades residenciais, facilmente identificáveis e manuseáveis pelos alunos.

. Resolução de uma pequena descontinuidade urbana, com suporte num programa simples dado. Manuseamento de modelos tipológicos e morfológicos.

. Experimentação da linguagem e expressão arquitectónica. Introdução aos modelos for-mais, nas vertentes plástica e cenográfica. A linguagem da Arquitectura e as linguagens da Cidade. Aplicação dos conceitos semiológicos.

. Dimensionamento do objecto arquitectónico em face do dimensionamento urbano: escala do edifício – escala urbana. Aplicação dos concei-tos ergonómicos e antropométricos. Introdução de objectos de escala superior à humana para a resolução da contenda entre pé-direito simples e pé-direito múltiplo. Confronto escala-dimensão.

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7. 3.º Ano – Conteúdos

. A Arquitectura enquanto disciplina interveni-ente e formadora do espaço urbano e social, do público e do privado. Experimentação de diver-sas escalas de intervenção, de modo a permitir ao aluno o controle do objecto em estudo.

. Particular enfoque em programas de habitação, em particular na sua vertente urbana – a habi-tação colectiva, o quarteirão simples ou como unidade morfológica. As tipologias do habitar em meio urbano em face das mutações cultu-rais. A legislação inerente e sua aplicação (con-sciência das questões ambientais, económicas, financeiras e sociais).

. Transformação do espaço urbano através da intervenção da dupla condição do programa / objecto arquitectónico. O público e o privado. Integração dos saberes das disciplinas comple-mentares.

. Capacidade de análise crítica de um programa, abstractizando-o e transformando-o nos seus pontos mais importantes após a leitura e enten-dimento do edificado.

. Compreensão e entendimento do papel das várias escalas na actividade de projecto. Aproxi-mação à inter-relação entre estrutura, material e desenho da arquitectura. Integração dos sabe-res da disciplina de Estruturas e da disciplina de Tecnologias.

. Capacidade de leitura e análise crítica de um espaço urbano e do território, permitindo testar a capacidade de dar resposta rápida aos estímu-los do projecto.

Os edifícios em extensão, os edifícios em altura, em meio urbano.

. Materialização dos modelos conceptuais: a escala 1:20 e a escala natural. Compreensão da relação íntima entre a concepção do modelo e o desenho do detalhe.

Noções práticas de “Projecto de Execução”.

8. 3.º Ano - Projecto Urbano – Desenho Urbano - Conteúdos

. O Desenho Urbano deverá ter uma componente teórica forte, incidindo no estudo sistemático da cidade, investigando a produção da sua forma edificada como suporte de uma memória cultu-ral e de uma memória civil em permanente con-fronto com o fenómeno da complexidade e da inovação. A temática do discurso teórico assim caracterizado enquadra-se no conceito da cidade como arquitectura, em toda a amplitude do seu entendimento.

. Evolução do conceito de cidade. A configuração da forma edificada da cidade. Os momentos sig-nificativos. A morfologia urbana.

. Questões de tipologia. A topologia e a tipologia. O território e o suporte físico da forma edifi-cada da cidade. Tipologia edificatória, tipologia edilícia e tipologia urbana. A tipologia e a mor-fologia urbana.

. O sistema da residência urbana. O corpo civil e a produção da residência. Modos de configu-ração e dispositivos de agregação. Os momentos significativos.

. Questões de análise morfológica. A análise morfológica, do território à cidade. Os campos de análise. O método regressivo e a pré-existência. A persistência do traçado.

. A cidade imprevista. A geração da complexi-dade. Palco promotor de acontecimentos so-brepostos. Laboratório da surpresa. Factores de assimilação e factores de exclusão. A cidade analógica e a cidade virtual.

. A teoria da complexidade. A ordem e o caos. As singularidades. As estruturas instáveis. A Arquitectura e o(s) Poder(es). O ciberespaço. Os “não lugares” e as “heterotopias”.

. A cidade mediática. A globalização. As diversi-dades e a normalização. O milagre, o maravil-hoso e o quotidiano. Os mass-media. A omnipre-sença da cidade mediática.

. Na sua vertente prática, a disciplina deverá orientar-se essencialmente no campo da análise urbana e na identificação dos diversos modelos tipo-morfológicos.

9. O Projecto no Segundo Ciclo de Estudos.

O segundo Ciclo de Estudos (Mestrado) deverá conduzir o aluno aos processos de aprofunda-mento das questões da Arquitectura em toda a sua extensão e abrangência, nomeadamente através de um progressivo incentivo às práticas de investigação, em particular nas áreas em que o aluno se sinta mais seguro e empático, o que deverá ser exacerbado pela oferta de unidades curriculares de opção fornecidas pelas vertentes de investigação existentes. Pretende-se que seja um ciclo de amadurecimento e de redescoberta do seu papel de agente no seio da Arquitectura. Não obstante, compete às disciplinas de Projecto criarem programas que o ajudem a exercitar-se no domínio específico do campo conceptual em âmbitos de progressiva complexidade e in-tegração de saberes. Poderemos recriar o papel do Arquitecto na comunidade, em função dos processos de mutação, mas a sua condição estru-

turante deverá estar sempre relacionada com o processo conceptual do Projecto de Arquitec-tura. Sabemos que é discutível mas constitui, na nossa opinião, um incontornável landmark.

10. 4.º Ano – Conteúdos

. O Habitar, nas suas diversas vertentes: a habi-tação individual, a habitação múltipla, o loteam-ento, o bairro. Interrogação sobre o conceito, com especial incidência sobre a contemporaneidade portuguesa e do espaço lusófono, na perspectiva antropológica.

. Projecto de habitação unifamiliar em meio re-ferenciado, preferencialmente com pré-existên-cias expressivas e recurso a sistemas construti-vos específicos, v.g. reapropriação de uma ruína ou de um resto de lote, urbano ou rural. A água e o fogo. Definição do âmbito e complexidade do habitar.

. Resolução de descontinuidade ou de vazio ur-bano, através de pequeno loteamento ou plano de pormenor, com vista à realização de unidade habitacional colectiva. Escolha de Projecto de edifício de funções múltiplas em que seja possí-vel explorar diversas soluções de carácter tipoló-gico, em meio urbano. No domínio da habitação em conjunto e no da criação de parcelas de cida-de, estabelecer uma correcta articulação entre a arte da composição urbana e a do edifício, com suporte no estudo das características do espaço urbano, nas suas vertentes tipo-morfológica e topológica. A Cidade, a Composição Urbana, o Espaço Urbano. Condicionantes culturais. Con-dicionantes legais. Condicionantes Económicas. Portugal. O Espaço Lusófono.

. Desenvolvimento do projecto do edifício até às escalas de detalhe.

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. Discussão do tema “habitação”, nas suas diver-sas vertentes e dimensões – evolução do concei-to de habitar, no tempo e no espaço. O objecto, os objectivos e as objecções.

11. 5.º Ano – Conteúdos

. Após a superação de quatro anos de formação universitária, o aluno de Arquitectura eviden-cia, normalmente, sinais de dificuldade na gestão e assimilação da informação recebida até então. Este excesso de informação é, na ac-tualidade, exponenciado pela evolução e aces-sibilidade às novas tecnologias, no contexto da sociedade da comunicação onde o estudante se insere.

. O quinto ano surge, neste contexto, como um espaço onde o aluno é convidado (e apoiado) a formalizar pelo acto de projectar uma síntese dos conhecimentos adquiridos.

. Propõe-se como objectivo primordial que o aluno alcance um nível de maturidade que lhe possibilite estabelecer interligações entre os diversos conhecimentos adquiridos nas várias áreas curriculares. O entendimento da cidade como laboratório natural do arquitecto, parale-lamente à noção de Território enquanto campo da acção humana, constituirá o eixo transversal ao qual se deverão referenciar as actividades dentro da cadeira de Projecto.

. O objectivo nuclear da disciplina polariza-se na qualidade do projecto enquanto proposta de resolução de um programa temático singular e complexo, escolhido pelo aluno, dentro do con-texto de um aglomerado urbano de característi-cas específicas. Deverá procurar-se a integração dos conhecimentos sectoriais adquiridos nos anos anteriores, quer no plano cultural e arqui-tectónico, quer no plano tecnológico.

. O enquadramento e compreensão da cidade, a pesquisa funcional inerente ao programa, a ela-sticidade na mudança de escalas, a organização da forma como expressão de conceitos plásticos, estruturais e construtivos, constituem aspectos fulcrais do percurso da disciplina.

. A progressiva adaptação à escala do trabalho, a elasticidade na manipulação de escalas e corre-spondente nível de representação, a procura de uma razão global que permita explicar o projec-to desde o pormenor ou desde a sua globalidade, serão elementos que deverão surgir no aluno de acordo com a sua maturidade, grau de conheci-mentos e capacidade para atingir os objectivos primários, devidamente ajustados ao ritmo de trabalho proposto pelo docente.

. Em síntese, propõe-se como conceito nuclear, que a escolha da cidade enquanto laboratório experimental, na qual serão testadas as ideias do projecto, tendo em vista a requalificação de descontinuidades morfológicas próprias da evo-lução urbana, constitua o eixo fundamental do percurso pedagógico do ano, e que este seja o construtor do respectivo programa de inter-venção.

. De igual modo, o âmbito da intervenção de fundo do ano, deverá centrar-se em programas de equipamentos urbanos de alguma complexi-dade e dimensão, com recurso à experimentação de novas tecnologias construtivas, v.g., a mega estrutura urbana, a reabilitação de edifícios e sítios, ou a alteração de usos.

. Na integração dos diversos saberes acumula-dos ao longo do curso, o Programa e os objectivos a atingir deverão reflectir: o Desenho Urbano como leitura da arquitectura da cidade, desde a sua gestão e desenvolvimento; as Estruturas, enquanto parte constituinte de uma leitura

global, inseparável da arquitectura; as Tecnolo-gias como pedagogia de aproximação à materia-lidade do edifício; a Teoria e a História da Arqui-tectura, como memória e suporte conceptual; o conhecimento das regras, regulamentos e de-mais disposições legais que enquadram o exercí-cio da Arquitectura em Portugal; a organização do processo de Projecto; as noções elementares da composição arquitectónica e seu enquadra-mento teórico.

. Pretende-se, deste modo, atingir: a globalidade, como expressão de uma realidade; a acção do arquitecto, como criador de uma ideia sonhada, realizável; a acção do arquitecto como artista consciente da pluridisciplinaridade e da trans-disciplinaridade, dinamizador do processo con-strutivo e coordenador de todas as fases do tra-balho.

. A disciplina deverá conduzir os alunos a um ní-vel de maturidade que lhes permita o desenvol-vimento de uma resposta coerente, a partir das mais diversas perspectivas: atingir uma certa disciplina no percurso do projecto, respondendo ao programa previamente estabelecido. O modo de apropriação do Programa, por parte do aluno, permitir-lhe-á encetar o corolário da sua for-mação académica: a construção da sua Tese de Fim de Curso, a Dissertação de Mestrado.

12. A Dissertação

A Dissertação de Mestrado em Arquitectura deve ter por base um “acto próprio” da Arqui-tectura, consignado na efectuação de um Pro-jecto de Arquitectura, que pode ir da escala do objecto à escala da Cidade ou de Reabilitação e Restauro. Se a disciplina de Projecto constituiu a “coluna vertebral” do curso, é aí que o aluno deverá centrar toda a sua capacidade absorvida e desenvolvida no seu decurso. O docente orien-tador da Dissertação deverá, preferencialmente, ser um investigador envolvido na mesma área de estudo.

O trabalho de investigação conducente ao Pro-jecto em questão, que constitui a “parte escrita” da Dissertação, deverá reflectir-se neste enqu-anto “processo”. O Projecto será, deste modo, o corolário dessa investigação, revelando in-teligência, sensibilidade e criatividade, mas também reflexão e pensamento crítico. O texto escrito será, assim, uma “memória justificativa” do Projecto, que se deverá auto-descrever e auto-explicar-se per se.

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ANEXO:

“ALGUNS CONSELHOS AOS FUTUROS ARQUITECTOS

1. Prestem atenção ao passado tanto como ao presente, para que possam imaginar o futuro.

2. Não cedam à tentação de tornar a casa do vosso primeiro cliente num monumento “nacional” ou pessoal. A cidade já está suficientemente so-brecarregada de imagens corruptoras da nossa percepção.

3. Considerem o vosso edifício como uma contribuição para a construção da cidade e da sua paisagem, do mesmo modo que o tijolo ajuda a construir a parede.

4. Interiorizem bem que 99% da arquitectura é “matéria comum” a ser rea-lizada com grande inquietação e criatividade. A criatividade nada tem a ver com excentricidade!

5. Considerem o vosso edifício como sendo parte de um “trabalho colec-tivo”, mais do que uma invenção a partir de um risco. Copiem e adaptem precedentes com inteligência (precedentes bem comprovados e não o úl-timo número da revista de arquitectura da última moda).

6. Para cada projecto há três úteis amigos que deverão conhecer muito bem: o sítio, o programa e os materiais e técnicas de construção.

7. Último, mas não menos importante, desfrutem das vossas vidas como arquitectos. É cansativa, mas se a praticarem com ética, receberão muito mais como retorno... nem que seja o auto-respeito!”

(Pierre von Meiss, comunicação em Setúbal, 2003. Tradução livre, com autorização do autor).

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Sara Navarro

A escultura contemporânea tem vindo a transformar-se naquilo que pode-mos descrever como um vasto programa de investigação que olha de forma crítica aquilo que somos.

Caracterizada por uma natureza múltipla ou expandida, ela torna-se cada vez mais cultural e socialmente relevante. A exploração das formas de pensar, co-municar e expor características da arte contemporânea expande a noção de arte para lá da representação visual, tornando-a numa interessante forma de pesquisa e de comunicação para as outras áreas do saber.

Palavras-chave: Estudos Patrimoniais; Arte e Arqueologia; Tecnologia Cerâmica.

Do Magma às Estrelas.Uma exposição nas ruínas romanas de Milreu

Resumo

No âmbito do meu trabalho, exploro o potencial papel da escultura contemporânea na comuni-cação de arqueologia em contexto museológico. Conjugando a minha formação em escultura com a minha experiência profissional na área da museologia, exploro a forma como a arte contemporânea – e em particular a escultura – se pode encaixar na investigação arqueológica, com vista a desenvolver novas formas de pensar e representar, de comunicar e expor. Centrada na produção cerâmica, proponho-me desenvol-ver estratégias museológicas inovadoras que, por incluírem a exposição de escultura contem-porânea em contextos arqueológicos, ativem a capacidade de ‘agência’ do visitante, tornando a sua fruição mais ativa, mais livre e mais subje-tiva (Acheson Roberts, 2013).

Ao longo das últimas duas décadas, as dinâmi-cas entre escultura e arqueologia têm-se vindo

a transformar, passando das mais tradicionais relações baseadas na analogia formal e na inspi-ração recíproca, para outras – na minha opinião muito mais interessantes – que maximizam e exploram o potencial de projetos de investi-gação conjuntos, levados a cabo por equipas interdisciplinares, compostas por artistas e por arqueólogos (Bailey, 2014: 231-250). Às relações de simples reciprocidade entre as duas disciplinas, sucedem-se, cada vez mais, interações muito mais complexas, em que ambas as disciplinas tratam os mesmos temas e adotam métodos de trabalho uma da outra (Rea, 2011: 19-30). Penso que o crescimento desta tendência espelha de-senvolvimentos semelhantes verificados em disciplinas cognatas, como a antropologia, e corresponde a uma ampla expansão da relação entre arte e ciência no campo da investigação académica.

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A investigação transdisciplinar que proponho cria espaço para a produção artística e para a reflexão científica. No seu processo, reúne ini-ciativas de várias áreas de pesquisa (escultura, arqueologia, museologia) e coloca em pé de igualdade diferentes posturas, práticas e meto-dologias das artes e das ciências (Palmer, 2004: 145-156).

Apesar de estar ciente das diferenças entre a dis-ciplinas, acredito que as propostas culturais da arte contemporânea podem ser um instrumento valioso para a comunicação de arqueologia. Há muito que a arte compreendeu que a transgres-são de fronteiras e a resistência a categorizações pode levar a um desenvolvimento disciplinar,

visando o crescimento e possibilitando uma ontologia transversal (Fernandes Dias, 2011: 103-129). Penso que tal como a arte os estudos patri-moniais podem beneficiar ao localizar-se num campo expandido, num contexto mais alargado que seja simultaneamente arqueológico, museo-lógico e artístico.

A fim de tentar sublinhar o valor da investigação pela prática artística, no meu trabalho, interes-so-me particularmente pela forma como a arte pode questionar e, de certa forma, representar o pensamento de outras disciplinas, assim como pela contribuição que pode dar no campo da sua divulgação. Uma das minhas preocupações fun-damentais é entender a escultura como forma de investigação, procurando, no entanto, não cair nem na sedutora e simplista reivindicação de que toda a arte é investigação nem na abrasão ameaçadora das artes resultante da sua subor-dinação a padrões científicos. Acredito que o ca-minho assim delimitado estimula a exploração do potencial específico das artes no contexto da investigação, assim como a procura consciente de novas formas de conhecimento.

Entendo esta prática artística como uma com-plexa e desafiante forma de investigação que re-corre a objetos do passado com vista à sua trans-figuração contemporânea. Investigar através da escultura é estudar os pressupostos e os siste-mas que constroem os alicerces da nossa forma de ver o mundo. Tendo, invariavelmente, como ponto de partida a prática, a escultura é aqui en-tendida, ao mesmo tempo, como objeto material e como investigação intelectual.

O olhar do artista, debruçado sobre a cultura material arqueológica, é naturalmente diferen-te do olhar do arqueólogo. Ligado à prática, o olhar do artista procura entrar nos gestos dos pro-dutores, recriá-los e senti-los como seus. No meu trabalho prático exploro a relação entre a mão e a matéria no sentido do saber-fazer artesanal. Anunciando um possível retorno da escultura a uma produção ancestral, invoco as práticas pré-históricas da produção de artefactos cerâmicos e conoto a prática da escultura com um valor arcaico, quase arquetípico. Concentro-me na for-ma como o corpo age sobre a argila, massa em movimento, que vai ganhando forma ao receber a orgânica pressão das mãos. Caracterizadas pela morfologia, simbologia e pelo processo de produção, as peças podem ser entendidas como testemunhos de uma origem, de um espaço an-cestral, para o qual parecem querer transportar o observador que com elas se relaciona.

Na exposição Do Magma às Estrelas (ruínas romanas de Milreu, Portugal, 2012), as peças, que exprimem claramente a sua própria massa ine-rente às propriedades físicas do material cerâ-mico, aparentam, pela técnica de instalação, estar em suspensão, livres do próprio peso. Esta extrema leveza aparente, ou visual, permite que as esculturam saiam da condição de objeto, ul-trapassam a sua materialidade e ganhem novos significados simbólicos.

Fig 1. - Do Magma às Estrelas, ruínas romanas de Milreu (2012). Fotografia: Ricardo Sores.

Fig 2. - Fotografia: Ricardo Sores.

Fig 3 - Fotografia: Ricardo Sores.

Fig 4. - Do Magma às Estrelas, ruínas romanas de Milreu (2012). Fotografia: Ricardo Sores.

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As peças utilizam o carácter arqueológico do espaço expositivo para se relacionarem ou dia-logarem com o observador. Colocadas de forma mais ou menos dissimulada nos estratos arque-ológicos das ruínas, a sua exposição pressupõe o transporte ou a deslocação do observador entre diferentes tempos, espaços ou mundos. Articulando um inovador diálogo entre arte e arqueologia, esta exposição propiciou uma nova experiência visual em que se sublinham as se-melhanças tácteis e cromáticas entre a terracota das peças e a estratigrafia do sítio. Se, por um lado, a partir a exposição permite questionar a forma como a cultura material permanece, ao longo do tempo, como herança patrimonial, por outro, permite, numa equação oposta, pensar sobre a natureza do impacto do sítio arqueoló-gico sobre as peças.

Fig 5. - Do Magma às Estrelas, ruínas romanas de Milreu (2012). Fotografia: Ricardo Sores.

A exposição de obras de arte contemporânea em sítios arqueológicos pode ser, para além de boa-de-olhar, boa-para-pensar (Wallis, 2011: 133-160), na medida em que transforma o lugar e desafia o observador, redirecionando-o para uma inovado-ra posição de compromisso entre o contemporâ-neo e a envolvência arqueológica do espaço. É no espaço da exposição que, através da emoção esté-tica, o observador pode metamorfosear as peças em ideias. Expor é suspender, é separar os objetos do seu contexto de origem e colocá-los à dispo-sição para a contemplação e para o pensamento.

Fig 6. - Do Magma às Estrelas, ruínas romanas de Milreu (2012). Fotografia: Ricardo Sores.

Com uma poderosa significância de interpre-tação do passado no contemporâneo, a ligação entre arte contemporânea e arqueologia per-mite ao observador comprometer-se mais ativa-mente com o passado. Aqui, a exposição surge como um ‘laboratório experimental’ onde, numa escavação imaginária, o observador é levado a usar a imaginação visual para dar vida ao pas-sado que ecoa nas peças. A exposição configura uma passagem do mundo da matéria, do mundo da terra, para o universo das ideias, dos signifi-cados simbólicos da memória. Mais do que um objeto estático, encerrado nas suas limitações materiais, as peças representam um caminho, um destino, um movimento entre a matéria e a memória que as habita.

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Referências Bibliográficas

Acheson Roberts, L. (2013) The Role of Sculpture in Communicating Archaeology in Museums. Papers from the Institute of Archaeology, http://dx.doi.org/10.5334/pia.425

Bailey, D. W. (2014) Art / archaeology / art: letting-go beyond. In Russell, Alden I. & Cochrane, A. (Eds.) Art and Archaeology: Collaborations, Conver-sations, Criticisms. New York: Springer, pp. 231-250.

Bonavenura, P.; Jones, A. (2011) Sculpture and archaeology. Burlington: Ashgate.

Fernandes Dias, J. (2001). Arte e Antropologia no século XX: modos de relação. In Etnográfica, 5(1), pp. 103-129.

Hannula, M.; Kaila, J.; Palmer, R.; Sarje, K. (2013) Artists as Researchers: A New Paradigm for Art Education in Europe. Helsinki: Academy of Fine Arts, University of the Arts Helsinki.

Palmer, R. (2004) Recherché: Artists’ Research and Pactrice-Led PhD. In Hannula, M.; Kaila, J.; Palmer, R.; Sarje, K. (2013) Artists as Researchers: A New Paradigm for Art Education in Europe. Helsinki: Academy of Fine Arts, University of the Arts Helsinki, pp. 145-156.

Rea, W. (2011) Shared sites and misleading affinities: sculpture as archaeo-logy, archaeology as sculpture. In Bonaventura, P.; Jones, A. (2011) Sculpture andArchaeology. London: The Henry Moore Foudation, pp. 19-30.

Russell, Alden I. & Cochrane, A. (2014) Art and Archaeology: Collaborati-ons, Conversations, Criticisms. New York: Springer.

Wallis, J (2011) Stainless steel/standing stones: reflections on Anish Kapoor at the Rollright Stones. In Bonaventura, P.; Jones, A. (2011) Sculpture and Archaeology. London: The Henry Moore Foudation, pp. 133-160.

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Sílvia Alves

Este estudo é parte integrante de uma investigação mais abrangente, que pre-tende avaliar e equacionar estratégias de reabilitação dos edifícios do Centro Histórico do Porto, num equilíbrio entre conforto térmico, eficiência energéti-ca e valores arquitetónicos. Dado o carácter patrimonial desta área protegida, reconhecida pela Unesco em 1996, estas intervenções deverão ser prioritaria-mente não- intrusivas, considerando o edifício como um todo, não só as fa-chadas que definem a imagem da cidade mas também os materiais e méto-dos construtivos tradicionais. Para esse efeito, é crucial uma caracterização e classificação das tipologias dominantes. Tratando-se uma zona da cidade com cerca de 1796 edifícios e não sendo o objetivo principal a tipificação exaustiva de todos eles, mas antes a eleição de um modelo que possa ser representati-vo, este artigo aborda uma metodologia de interpretação e análise dos bairros que a constituem no sentido de eleger um bairro representativo. Esta amostra-gem será a base de trabalho para a posterior determinação dos edifícios repre-sentativos, adiantando-se ainda os parâmetros de análise para esta definição. Palavras-chave: Metodologia, Bairro representativo, Centro Histórico do Porto, Parcelas, Fachadas.

This study is an integral part of a more comprehensive research that is focused on evaluating rehabilitation strategies of the buildings of the Historic Centre of Porto, in a balance between thermal comfort, energy efficiency and architectu-ral values. Given the patrimonial character of this protected area, recognized by Unesco in 1996, these interventions should be primarily non-intrusive, con-sidering the building as a whole, not merely the façades that define the image of the city but also traditional building materials and methods. For this pur-pose, a characterization and classification of dominant typologies is crucial. Taking on account that this is an area of the city with about 1796 buildings and it is not the main objective to elaborate an exhaustive classification of all of them, but to define the election of a model that can be representative, this ar-ticle approaches a methodology of interpretation and analysis of the districts that constitute it in order to elect a representative one. This sampling is a work basis for a future determination of the representative buildings. In addition, the parameters for this future analysis are denoted.

Keywords: Methodology, Representative district, Historic Centre of Oporto, Lots, Facades.

Abordagem metodológica para a determinação de um bairro morfologicamente representativo do Centro Histórico do Porto

Resumo

Abstract

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1. Introdução

Figura 1. Fachadas da rua Mouzinho da Silveira.

Esta zona, apesar da variedade de formas, materiais e cores que osten-ta numa escala mais próxima, é notável no seu conjunto pela homo-geneidade e unidade estética. É um conjunto complexo, rico em diversi-dade, mas coerente.1

Esta caracterização formal foi um dos factores mais influentes no reconhecimento pela Unesco do Centro Histórico do Porto (CHP) como Pa-trimónio Mundial, em 1996:

The Committee decided to inscribe the nominated property on the ba-sis of cultural criterion (iv) conside-ring that the site is of outstanding universal value as the urban fabric and its many historic buildings bear remarkable testimony to the de-velopment over the past thousand years of a European city that looks outward to the west for its cultural and commercial links.2

A imagem da cidade é fortemente caracterizada pelas fachadas regulares e contínuas das suas casas burguesas, que determinam um padrão urbano, gerado pelo dimensionamento dos lotes (Figura 1).

Em vários estudos anteriores, abordados no capítulo seguinte, estas tipologias de casas foram estruturadas em categorias, substan-cialmente operativas para uma identificação histórica. No entanto, esta classificação não nos permite inferir com rigor, da frequência relativa de cada uma das variáveis formais que definem a área edificada do Centro histórico do Porto. Como afirmado por um dos autores, “não vem de uma análise quantitativa, mas de uma interpre-tação arquitetónica”.

Neste artigo faz-se uma investigação explora-tória que pretende consolidar quantitativamen-te o objeto de estudo, estabelecendo uma meto-dologia de interpretação e análise dos bairros que o constituem, no sentido de eleger um bairro representativo. Esta amostragem será a base de

trabalho para a posterior determinação do(s) edifício(s) representativo(s).

Esta identificação torna-se essencial para um estudo geral e abrangente, que pretende avaliar e equacionar estratégias de reabilitação dos edifí-cios do Centro Histórico do Porto, num equilíbrio entre conforto térmico, eficiência energética e valores arquitetónicos. Dado o carácter patri-monial desta área protegida, reconhecida pela Unesco em 1996, estas intervenções deverão ser prioritariamente não-intrusivas, considerando o edifício como um todo, não só as fachadas que definem a imagem da cidade mas também os materiais e métodos construtivos tradicionais.

2. A casa burguesa do Porto

(…) a casa apresenta-se com uma varie-dade inumerável de formas e categorias, através da qual é difícil descortinar a unidade que permita a sua definição singular, a definição do protótipo a que todas obedecem, e que resulta das con-dições comuns, históricas e culturais (…), procurando fixar certas linhas me-stras fundamentais que estabeleçam as classificações elementares de tipos, isolando, em relação a cada um deles, o seu conceito-base essencial, dos multi-formes acessórios(…).3

As principais investigações dedicadas a estes edifícios do Porto4, 5, 6, 7 comprovaram a existên-cia desta homogeneidade e sistematização, mor-fológica e tipológica, destacando a organização espacial e o sistema construtivo. Barata Fernan-des considera que as tipologias das casas bur-guesas do Porto se podem estratificar em três ca-tegorias distintas: a) a casa mercantilista (século

XVII); b) a casa iluminista (século XVIII) e, c) a casa liberal (século XIX).

Esta afirmação não decorre de uma análise quantitativa, mas de uma interpretação arquitetónica do con-junto edificado com programas de habitação burguesa, ao longo de um prolongado período da história da cidade.8

Para cada uma destas épocas, podem-se deduzir da sua interpretação algumas características mor-fológicas, como seja o número de pisos e o nº de vãos por piso.9 A casa mercantilista caracteriza-se por ter 2 pisos e 2 ou 3 vãos na fachada da rua, em proporção à largura do lote. Costuma ter uma frente ou duas, em proporção ao comprimento do lote. A casa iluminista do século XVIII e a casa liberal do século XIX seguem esta tendência de variação entre 2 ou 3 vãos por planta. A partir do século XVIII, surge o pátio interior, repetindo-se o número de vãos da fachada principal. O nú-mero de pisos aumenta para 3 no século XVIII, podendo ser de 2, 3 o 4 no século XIX. No entanto, este estudo de Fernandes não se restringe à zona do Centro histórico do Porto, fazendo uma aná-lise dos modelos que, ainda que emergentes de esta zona, se tornaram determinantes e caracte-rizadores da imagem da cidade até ao século XX.

As características construtivas destes edifícios são um dos componentes que mais contribuem para a homogeneidade, unidade e coerência destas casas. O sistema construtivo, associado à proporção do lote, estabelecem as características morfológi-cas da fachada e do edifício. Por isso, a primeira categorização do sistema construtivo da casa burguesa do Porto7 permitiu a definição de um modelo construtivo, sintetizado num edifício

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Figura 2. Modelo tipológico da casa vernacular do Porto

do século XIX. É um modelo tipológico que faz a síntese do modelo construtivo (Figura 2).

3. Metodologia

Os dados relativos à quantificação dos bair-ros, quarteirões e edifícios do Centro Histórico do Porto foram extraídos de fonte documental (SRU, 2010). Para a recolha e análise de dados foram utilizados os programas informáticos Ex-cel, v,2010 e – Spss, V.17.

Assumindo a estatística como o ramo da investi-gação científica que proporciona métodos para organizar e resumir informação e usar esta para obter conclusões, foi definida uma metodologia de recolha de dados e análise do objeto de estu-do, segundo uma estruturação sequencial entre população e amostra. Em termos estatísticos, uma população é o conjunto de todos os indiví-duos, objetos, processos ou dados homogéneos que constituem o objeto de interesse. A amostra é um subconjunto ou parte dessa população, que se obtém com a intenção de inferir propriedades

da totalidade da população, seguindo distintas técnicas de amostragem. O número de elementos que definem o tamanho da população designa-se comummente por N, sendo o tamanho da amostra referenciado por n.

Estabelecendo critérios de amostragem funda-mentados em caracterizações quantitativas e qualitativas da população em estudo – o centro histórico do Porto – determinam-se sucessivas aproximações de escala, que definem uma evo-lução sequencial entre população e amostra:

População: Centro Histórico - Amostra: Bairro representativo

População: Bairro representativo - Amostra: Edifício representativo

Este artigo descreve a metodologia adotada para a eleição do bairro representativo.

Figura 3. Limites e enquadramento do Centro Histórico do Porto-Património Mundial.Verde: CHP- Centro Histórico do Porto; Amarelo: ACCRU- Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística; Vermelho: ZIP- Zona de Intervenção Prioritária 10

3.1. Caracterização quantitativa e qualitativa do edificado (CHP)

Como representado na Figura 3, a área do Cen-tro Histórico do Porto representa cerca de 1/40 do total da cidade, com uma superfície construída de 820.000m2, correspondente ao antigo limite da cerca medieval e o Rio Douro10. No entanto, algumas ruas destacam-se pela sua rutura com a matriz medieval dominante e são expressão de distintos momentos de evolução urbana da cida-de: Flores (século XVI); S. João (século XVIII); Fer-reira Borges e Mouzinho da Silveira (século XVIII). A atual rua Infante D. Henrique corresponde à antiga Rua Nova, de finais do século XIV que se demarca das “típicas” medievais, pela sua lar-gura e desenho linear.

Conforme definido pela Sociedade de Reabili-tação Urbana do Porto (SRU) e representado na Figura 4, a área classificada encontra-se estru-turada em 10 bairros, num total de 83 quartei-rões (Q) y 1796 edifícios (E)11. Porém, o número de edifícios apresenta-se distribuído de forma irre-gular pelos respetivos quarteirões, como se pode verificar nos gráficos das Figuras 3 e 4.

Analisando o número de quarteirões por bairro (Figura 5), constata-se que o bairro que tem mais quarteirões é o de Ribeira/Barredo com 19, se-guido dos de Mouzinho/Flores e Sé, ambos com 11. Em relação à quantidade de edifícios por bairro (Figura 6), o bairro de Vitória é o mais edificado, reunindo um total de 277 edifícios, ainda que bastante próximo dos de Mouzinho/Flores (255) Ribeira/Barredo (258) e Sé (246). Assim, a relação proporcional entre número de edifícios por quarteirão foi analisada nos 10 bairros, de modo a comprovar se esta pode ser considerada uma variável determinante da representatividade de um bairro.

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Figura 6. Número de edifícios por bairro.

Figura 4. Identificação dos bairros do Centro Histórico do Porto e ruas principais. R.1-Infante D. Henrique; R.2-Flores; R.3-S.João; R.4-Ferreira Borges; R.5-Mouzinho da Silveira.

Figura 5. Número de quarteirões por bairro.

Com base nos dados recolhidos, foram calcula-das as percentagens de quarteirões (Q) e de edifí-cios (E) por bairro, assim como cada ratio percen-tual (RatioQE) entre quarteirões e edifícios. A Tabela 1 apresenta os valores obtidos para cada bairro, assim como os dados estatísticos de sín-tese. Analisando os valores do RatioQE obtidos, verifica-se que esta é a variável com o coeficien-te de variação (CV) mais baixo (0,4), embora não muito díspar do valor obtido para a quantidade de quarteirões (0,6) e de edifícios (0,5).

O valor médio de RatioQE calculado de 4,81% encontra-se muito próximo do valor da mediana (4,39%), o que indica da normalidade da amo-stra para esta variável. No entanto, o bairro das Taipas apresenta um valor muito abaixo (2,75%), enquanto dois bairros registam valores consi-deravelmente superiores (Ribeira/Barredo -7,36% y S.Clara – 8,33%).

Na última coluna da Tabela 1, apresenta-se a va-loração relativa (z-score) do RatioQE de cada um dos bairros. O valor z determina a quantidade de desvio padrão (DP) de um dado específico, em relação à média calculada. Os extremos z-scores (z) são utilizados para medir a normalidade de uma variável e ajudam a identificar possíveis outliers em referência à distribuição normal, ou seja, aquelas observações que podem ser incon-sistentes com o resto do conjunto de dados. Con-siderando os z-scores dos RatioQE de cada bairro, é legítimo interpretar que os bairros de Taipas (z=-1,18), Ribeira/Barredo (z=-1,47) e S. Clara (z=-2,03) podem ser considerados outliers.

Considerando que a eleição do bairro de estudo se enfoca na relação mais equilibrada entre uma quantidade de edifícios e um RatioQE represen-tativos, o gráfico de la Figura 7 sintetiza a relação proporcional entre a percentagem de edifícios e quarteirões por bairro, o respetivo RatioQE e

o seu valor médio. Pode-se constatar observar que, dos bairros com uma percentagem de edifí-cios superior a 12% (B.03 a B.07), aqueles que apresentam um RatioQE mais próximo do valor médio calculado, pela intersecção das suas lin-has (pontos a negro), são os de Mouzinho-Flores (B.05) e Sé (B.07). Confirma-se graficamente que os bairros de Taipas, Ribeira/Barredo e S. Clara se encontram afastados do RatioQE médio (pontos a vermelho).

Assim, para uma segunda validação, conside-

Tabela 1. Quarteirões e edifícios por bairro (n=10).Quantificação e estatística descritiva.

Figura 7. Relação proporcional entre a percentagem de edifícios e quarteirões por bairro (n=10) e o respetivo RatioQE.

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ra-se a possibilidade dos bairros de Taipas, Ri-beira/Barredo y S. Clara sejam outliers e estejam desvirtuando os dados estatísticos obtidos. A Ta-bela 2 apresenta os dados recalculados, com base numa amostragem em que se eliminam estes três bairros (n=7). Verifica-se que o coeficiente de variação (CV) do RatioQE é agora muito baixo, distanciando-se mais dos valores de CV obtidos para os quarteirões e edifícios (0,4). O valor me-dio do RatioQE é de 4,23%, equiparável ao da me-diana (4,31%).

Tabela 2. Quarteirões e edifícios por bairro (n=7). Quantificação e estatística descritiva.

Calculando o coeficiente de correlação entre edifícios e quarteirões da amostra inicial (n=10), obtém-se o valor de 0,80 (Figura 8). Este co-eficiente mede a intensidade e direção de uma relação linear entre duas variáveis, sendo que um valor superior a 0,80 é comummente recon-hecido como uma forte correlação positiva. Em relação à segunda amostra (n=7) o coeficiente de correlação obtido é 0,95, correspondendo a uma muito forte correlação positiva (Figura 9).

Dada a dimensão das amostras, estes valores têm meramente um carácter exploratório, ainda que reforçando a noção de que o RatioQE é uma variável determinante na representatividade destes bairros.

Figura 8. Correlação Edifícios-Quarteirões (n=10); R=0,80.

Figura 9. Correlação Edifícios-Quarteirões (n=7); R=0,95.

O gráfico da Figura 10, apresenta a reformulação da relação proporcional entre a percentagem de edifícios e quarteirões por bairro, o respectivo RatioQE e o seu valor médio, para a segunda amostra de 7 bairros.

Comprova-se que, dos bairros com uma percen-tagem de edifícios superior a 12%, aquele que apresenta um RatioQE mais próximo da média é o de Mouzinho-Flores (B.05), com um z-score (z) de 0,16. Este bairro apresenta ainda um grande potencial de análise qualitativo, dado incluir as significativas ruas das Flores, S.João e Mouzinho da Silveira, além de outras de cariz medieval.

Figura 10. Relação proporcional entre a percentagem de edifícios e quarteirões por bairro (n=7) e o respetivo RatioQE.

4. Caracterização do bairro Mouzinho-Flores

(…) para lá da aparente diversidade, descobrem-se semelhanças essen-ciais, que permitem agrupamentos por categorias; assim, por um lado, vêem-se casas que, embora com um número variável de andares – na sua maioria com três ou quatro, fora os acréscimos, e não raro com cinco ou mais, e com duas ou três janelas ou portas de frente, raramente com mais e às vezes só com uma – são todas elas uniformemente esguias, estreitas e altas, desenvolvendo-se, numa pa-lavra, em solução vertical (…).12

Figura 11. Bairro Mouzinho-Flores. Identificação dos quarteirões e ruas principais.

O bairro Mouzinho-Flores é constituído por 11 quarteirões, de dimensão e configuração urbana distinta (Figura 11). Para além das já referidas ruas das Flores (século XVI), S. João (século XVIII) e Mouzinho da Silveira (século XVIII), destaca-se também a medieval rua dos Mercadores (século XIV), pela sua representatividade de número de edifícios e desenho linear.

A caracterização das parcelas estrutura-se em dois parâmetros de análise:

. Morfologia de parcelas . Tipologia de fachadas Para cada um dos parâmetros, definiram-se as variáveis a quantificar, que se revelassem ope-rativas para a posterior aferição do(s) edifício(s) representativo(s) (Tabela 3).

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Realizaram-se medições geométricas dos edifícios, utilizando para o efeito desenhos em formato dwg (AutoCAD) fornecidos pela SRU. Só existem levantamentos dos alçados de rua, não estando disponíveis alçados dos pátios interiores. Todos os quarteirões foram numerados (Q.01 a Q.11), seguindo a ordem crescente das referências ado-tadas pela SRU (13006, 13007, 13009, 13010, 14012, 14023, 14026, 14030 e 14032).

Para o estudo da morfologia das parcelas, foi quantificado o total de edifícios de cada quar-teirão, estratificando-os em 3 categorias, os que definem esquina de ruas (gaveto) e os que apre-sentam, por disponibilidade de levantamento, uma ou duas fachadas de rua (Tabela 4).

A discrepância entre a amostra de 255 edifícios referida anteriormente para este bairro e os 251 edifícios expressos na Tabela IV.6.3, é devida à numeração adotada nos desenhos originais (SRU), registando que alguns edifícios, ainda que apresentando características morfológicas inde-pendentes são administrativamente uma única parcela. Igualmente foi excluída a parcela nº1 do quarteirão Q.01, de carácter não-residencial, correspondente ao edifício do Mercado Ferreira Borges.

Numa segunda fase, e para efeito análise das tipologias de fachadas, foi registado o número de fachadas por rua principal, não considerando al-gumas ruas de menor escala, nomeadamente as perpendiculares às ruas de Mouzinho da Silveira e

Tabela 3. Parâmetros de análise e respetivas variáveis.

Flores: Ponte Nova, Afonso Martins Alho e Trindade Coelho.

Analisando o número de fachadas por rua, é pos-sível comprovar da representatividade quanti-tativa das ruas de Mouzinho da Silveira (35,2%); Flores (15,6%) e S. João (11,1%). As duas primeiras estão totalmente representadas neste bairro. Comparando a escala das ruas de Bainharia e Mercadores, as duas seguintes mais edificadas (7,2% y 6,5%), pode-se constatar que a rua dos Mercadores apresenta mais de 2/3 da sua ex-tensão neste bairro, enquanto a da Bainharia tem praticamente metade da sua extensão no bairro da Sé. É também notório que um só quar-teirão (Q.03) representa 2/3 das ruas de Mercado-res (alçado NE) e S. João (alçado SO).

Estas 4 ruas (Mouzinho da Silveira, Flores, S. João e Mercadores) representam 68,4% das fachadas do bairro. Os quarteirões quantitativamente mais representativos são Q.03 (14,7%) Q.06 (13,0%), se-guidos de ambos Q.04 e Q.08 (12,4%).

Tabela 4. Bairro Mouzinho-Flores. Identificação dos quarteirões e ruas em estudo.

4.1 Critérios de seleção da amostra A.1 - Morfologia de parcelas

Para a definição da amostra de análise, conside-rou-se o princípio dos lotes estreitos e profundos:

Assim, aqueles edifícios de habitação das áreas mais antigas da cidade (…), erguidos em lotes de frente estreita e grande profundidade, concordantes e aderentes à modelação do relevo, são um facto urbano e arquitetónico que ime-diatamente se interioriza e memoriza (…), como caracterizador da cidade do Porto.13

O elemento urbano de referência é o quarteirão. Tratando-se de polígonos irregulares tenden-ciais ao retângulo, foi calculado o valor médio da largura das duas fachadas. Foram excluídos, como atípicos, os edifícios de gaveto e os que apresentavam uma largura superior à profun-didade. A Tabela 5 sintetiza a representativida-de de cada uma das amostras selecionadas por quarteirão. Constata-se que 84% dos edifícios da amostra A.1 têm 2 fachadas opostas, sendo que 30,4% destes apresentam 2 fachadas de rua (RR), enquanto 53,6% tem uma das fachadas orienta-da a um pátio interior (RP). Os edifícios com uma só frente representam 16% da amostra.

A Figura 12 identifica as 181 parcelas seleciona-das para este estudo, de modo a poder posteri-ormente caracteriza-las nas suas variáveis mor-fológicas: largura, profundidade, respetivo ratio percentual (RLP) e superfície. A representativi-dade quantitativa da amostra é de 72,1% (181 em 251 parcelas).

Tabela 5. Amostra A.1 - Morfologia de parcelas. Representatividade das amostras por quarteirão.

Figura 11. Bairro Mouzinho-Flores. Amostra A.1 - Morfologia de parcelas. Identificação das parcelas selecionadas.

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4.2 Critérios de seleção da amostra A.2 – Tipologia de fachadas

Para a definição da amostra de análise, foram excluídas as fachadas que, tipológica ou fun-cionalmente, podem ser consideradas incarac-terísticas. A Tabela 6 sintetiza a representativi-dade de cada uma das amostras por quarteirão e rua.

A percentagem das amostras parciais por quar-teirão ou rua define o grau de exclusão, deter-minando os quarteirões ou ruas mais regulares deste bairro (1). A percentagem das amostras parciais em relação ao total (n=307) avaliam a representatividade desse quarteirão ou rua (2).

As Figuras 13 e 14 clarificam o cruzamento destes dois critérios de interpretação. Analisando a Figu-ra 13, pode-se concluir que os quarteirões formal-mente mais característicos são o Q.03, Q.06 e Q.10 com um grau de inclusão de fachadas de 89%, 85% y 97%, respectivamente.

Os quarteirões Q.02, Q.05, Q.07, Q.09 e Q.11, todos com mais de 90% de fachadas incluídas na amo-stra, são no entanto pouco representativos quanti-tativamente, com valores de proporção em relação ao total do bairro abaixo de 10%.

Em relação às ruas (Figura 14), é natural uma va-riação da representatividade quantitativa mais expressiva, dados os distintos comprimentos li-neares. Destacam-se como mais características as ruas das Flores, Mercadores, Mouzinho da Silveira e S. João, todas com mais de 90% de fachadas re-presentadas e com valores superiores a 5% de re-presentatividade quantitativa.

Tabela 6. Amostra A.2 - Tipologia de fachadas. Representatividade das amostras por quarteirão e rua.

Figura 13. Representatividade das amostras por quarteirão e bairro.

Figura 14. Representatividade das amostras por rua e por bairro.

A Figura 15 identifica as 262 parcelas selecionadas para este estudo, de modo a poder posteriormente caracteriza-las nas suas variáveis morfológicas, con-forme estabelecido na Tabela 3. A representatividade quantitativa da amostra é de 85,3% (262 em 307 fachadas).

A relação percentual das amostras seleccionadas informa-nos desde logo da regularidade das fachadas (85,3%) em relação à geometria dos lotes (72,1%).

Figura 15. Bairro Mouzinho-Flores. Amostra A.2 – Tipologia de fachadas. Identificação das parcelas selecionadas.

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1 SACADURA, J., CUNHA, R. (2000) Património da Humanidade em Portugal. Vol. II - Sítios, Ed. Verbo, p.154

2 Unesco (1996) 0COM VIII.C - of Oporto (Portugal), accessed in http://whc.unesco.org/en/decisions/3004.

3 OLIVEIRA, E. Veiga de, GALHANO, Fernando (1992) Arquitectura Tradicional Portuguesa. 1.ª ed. Lisboa: Publicações D. Quixote (1992). ISBN: 972-20-0959-1, p.310.

4 OLIVEIRA, E. Veiga de, GALHANO, Fernando (1992) Arquitectura Tradicional Portuguesa. 1.ª ed. Lisboa: Publicações D. Quixote (1992). ISBN: 972-20-0959-1.

5 BERRANCE, Luís (1992) Evolução do Desenho das Fachadas das Habitações Correntes Almadinas 1774 – 1842. Porto: Arquivo Histórico Municipal do Porto.

6 FERNANDES, F. Barata (1999) Transformação e Permanência na Habitação Portuense. As Formas da Casa na Forma da Cidade. 2.ª ed. Porto: Publicações FAUP ISBN: 972-9483-37-X

7 TEIXEIRA, Joaquim (2004) Descrição do sistema construtivo das Casas Burguesas do Porto entre os séculos XVII e XIX. Contributo para uma história da construção arquitectónica em Portugal. Porto: FAUP.

8 FERNANDES, F. Barata (1999). Transformação e Permanência na Habitação Portuense. As Formas da Casa na Forma da Cidade. 2.ª ed. Porto: Publicações FAUP ISBN: 972-9483-37-X, p. 67.

9 FERNANDES, F. Barata (1999). Transformação e Permanência na Habitação Portuense. As Formas da Casa na Forma da Cidade. 2.ª ed. Porto: Publicações FAUP ISBN: 972-9483-37-X, p. 234.

10 SRU (2010a) Reabilitação de Edificios do Centro Histórico do Porto: Guia de Termos de Referência para o Desempenho Energético-Ambiental. Porto: SRU, p.5.

11 SRU (2010b) Plano de Gestão: Centro Histórico do Porto Património Mundial. Porto: CMP, SRU, p.58.

12 TEIXEIRA, Joaquim, PÓVOAS, Rui (2012) Caracterização da Construção Tradicion al do Norte de Portugal. In Manual de Apoio ao Projecto de Reabilitação de Edifícios Antigos. Porto: OERN, FEUP/LFC, p. 33 – 60.

13 FERNANDES, F. Barata (1999) Transformação e Permanência na Habitação Portuense. As Formas da Casa na Forma da Cidade. 2.ª ed. Porto: Publicações FAUP ISBN: 972-9483-37-X, p.79

Notas

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Tiago Oliveira

A arqueologia de uma revolta ou a resiliência do moderno.

Introdução

Em 1971, num parágrafo da sua história da arqui-tectura moderna, Bruno Zevi (1973: 603) descre-ve o panorama da produção arquitectónica nas duas décadas que se seguiram ao desfecho da segunda guerra mundial com uma preocupação que parece encontrar eco nas reflexões de outros teóricos, expressas na mesma época.

Assim, os anos 50-70 manifestam-se ex-traordinariamente ricos de obras, plenos de hipóteses e temas provocatórios, mas terrivelmente dispersivos. A arquitectu-ra parece estar à míngua de importância e de credibilidade: até aqui, até nos mais pequenos objectos do design prefigurara um habitat, uma cidade, um território, uma ordem social discorde; agora, ao in-vés, mergulha num experimentalismo tão fascinante nos episódios singulares quão delapidante e corrosivo no conjun-to. (Zevi, 1973,: 603).

A par do experimentalismo na produção arqui-tectónica referido por Zevi considera-se fasci-nante a discussão teórica que se gerou nesta altura sobre o presente, o passado e o futuro do Movimento Moderno. Um exemplo muito repre-

sentativo é a polémica que se desenrola no final dos anos cinquenta entre italianos e britânicos, que teve como palco as revistas de arquitectura Architectural Review e Casabella-Continuitá e, logo depois, o último CIAM. Igualmente interes-sante é observar a reacção dos críticos de arqui-tectura, ainda sem distanciamento histórico, ao evoluir dos acontecimentos.

A polémica entre italianos e britânicos

Em 1959, nas páginas da Architectural Review1,

Reyner Banham reage aos projectos de jovens arquitectos de Milão, como Gregotti e Gae Au-lenti, entre outros, e a um artigo de Aldo Rossi2

defendendo o retorno à tradição burguesa da arquitectura doméstica milanesa, publicados nos nº 217 e 219 da revista Casabella. O artigo de Banham define o revivalismo da arquitectura denominada por Neoliberty produzida por gru-pos de Milão e Turim como uma regressão in-fantil e convoca as opiniões críticas de italianos como a de Bruno Zevi, que em editorial na revi-sta l’Architettura terá qualificado esta atitude de provinciana3, ou a de Gillo Dorfles, que conside-ra os seus resultados excessivamente estilísticos e decadentes.

Fig. 1 – Imagens da casa em San Siro (1958), de Gae Aulenti, referida e ilustrada nos artigos de Rossi e de Banham.

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Banham reage à afirmação de Dorfles de que o futuro da arquitectura está no entanto mais próximo da continuação do “estilo Arte Nova” que do “estilo Bauhaus”, argumentando que mesmo que as coisas se tenham passado depressa de mais desde os anos vinte, e que algo se possa ter per-dido no percurso, não há razão para retornar ao início e recomeçar de novo. Sem deixar de censurar os formalismos no âmbito da linguagem moderna, Banham estabelece uma «divisória» no desenvolvimento da arquitectura -“a revolução doméstica iniciada com as cozinhas eléctricas, os aspirado-res, o telefone, o gramofone, e todos os outros objectos mecanizados”- para trás da qual nenhuma regressão faz sentido.Embora o autor distinga obras italianas, como a igreja de La Martella de Quaroni ou a Casa Girassol de Moretti, por terem “aspirações progressis-tas”, e uma estética com os olhos no futuro “ainda que as técnicas estrutu-rais e a ordem social pareçam estar mil anos-luz atrás daquelas para que foi criado o Movimento Moderno”, acaba por condenar juntamente com o decorativismo retrógrado do Neoliberty as intervenções da INA-Casa que

Fig. 2 – Vista e planta da igreja de La Martella, (1951-55) de Ludovico Quaroni.

acusa de evoluírem “tristemente pouco”, excepto nos detalhes e nas nor-mas de espaço, em relação aos blocos habitacionais fascistas.

O artigo de Banham teve resposta por parte de Ernesto Natham Rogers nas páginas da Casabella4, um par de meses depois. O editor da revista demarca-se pessoalmente da linguagem utilizada pelos projectos publica-dos, mas reitera a sua qualidade para exemplificar a reacção contra o for-malismo modernista e censura Banham pela falta de rigor do seu artigo e por «meter no mesmo saco» propostas muito distintas. O autor refuta a concepção determinista e abstracta da evolução histórica das formas pre-conizada pelo crítico britânico e considera absurdo que o revisitar do pas-

sado não possa recuar para trás da génese do Movimento Moderno. Para o italiano, formalismo é o uso de formas não assimiladas, tout court, e, ao contrário, a revisitação crítica e ponderada à tradição histórica “é útil para um artista quando se nega a aceitar de maneira mecânica certos temas”.

Nathan Rogers reafirma a continuação da produção italiana de filiaçao moderna e argumenta que a sua vitalidade no pós-guerra se deve precisa-mente a encarar o movimento moderno “como uma «revolução contínua», isto é, como desenvolvimento contínuo do princípio de adesão aos conteú-dos cambiantes da vida”. Para o autor, o facto da arquitectura italiana ser às vezes mais carregada de sentimento que de razão não se deve a uma retirada dos arquitectos. “Muito pelo contrario! Trata-se de una luta contra a corrente”. Nathan Rogers adverte ainda que esta preocupação não acon-tece exclusivamente em Itália e dá o exemplo das obras recentes dos mes-tres como as de Le Corbusier em Chandigarh, “com ecos de toda a Índia”, de Gropius em Atenas, “emersa na história grega”, ou de Mies em Nova Iorque, “um «monumento»”.

Fig. 3 – Embaixada americana em Atenas (1956-61) de Walter Gropius e The Architects Co-laborative e Seagram Building em Nova Iorque de Mies van der Rohe (1954-58).

A referência que o autor faz ao valor monumental do edifício de Mies que, apesar da sua estrutura simétrica e tripartida remeter para uma compo-sição clássica, não recorre ao uso da figura – entendida no modo conven-cional referido por Colquhoun (2009)5- como o de Gropius, ecoa as preo-cupações expressas em 1951 em Hoddesdon, no 8º CIAM, e antes disso nos textos de Gideon6 sobre a monumentalidade moderna, e ilustra simulta-neamente o ecumenismo e o alinhamento moderno de Nathan Rogers.

As objecções que Banham pudesse ter sobre o Seagram Building, nunca seriam obviamente comparáveis às que exprimiu acerca do Neoliberty. A argumentação do crítico britânico assume uma tónica ontológica que con-

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trasta com a dimensão estética e artística da arquitectura que impregna o discurso do arquitecto italiano. Independentemente desta distinção, se não se pode falar aqui de um confronto entre um discurso progressista e um discurso conservador, pode-se, recorrendo aos termos de Francoise Choay (1965), falar de um confronto entre um discurso progressista e um discurso culturalista, que de resto se repete poucos meses depois em Oter-loo, no último dos CIAM, com Peter Smithson a assumir o papel aqui desen-rolado por Banham.

Neste congresso, em 1959, Rogers apresentou a sua (e de Belgiojoso e Peres-sutti) torre Velasca, construída em 1958 em Milão, cujo carácter historicista é considerado por Smithson, como ética e esteticamente errado. Rogers, por seu lado, colocava a essência da moralidade em arquitectura na clareza e sinceridade da estrutura assim como na consciência do uso das várias coi-sas necessárias na concepção de um edifício, e assumia sem problemas o figurativismo deste projecto, embora sublinhando não ter sido esse o seu ponto de partida.

Na mesma ocasião, os Smithsons apresentaram o seu London Roads Study, que ilustra os seus conceitos de associação, agregação e mobilidade. Esta proposta procurava uma relação arquitectónica com as vias rápidas urba-nas então em construção em Londres e contemplava uma profunda inter-venção no bairro de Soho, causando por sua vez a reacção de Rogers que os acusa de destruírem completamente a história, ao que estes respondem que se tratava de uma área já em grande decadência e por isso criaram “um tipo maior de Soho mas com o mesmo tipo de função” (van den Heuvel, 2013: 223) e não consideraram necessário respeitar o seu carácter arquitec-tónico.

Fig. 4 - A torre Velasca em Milão (1956-58) de BBPR e Route Building em Soho (1959) no London Roads Study dos Smithson

Se os Smithson, como Banham, não aceitavam a utilização de velhas formas de arquitectura e defendiam a necessidade de se inventar um vo-cabulário formal genuíno, Rogers, por seu lado, rejeitava a atitude anti-histórica da primeira ge-ração dos modernistas e defendia como primei-ro fundamento de uma cultura contemporânea uma nova atitude em relação à história. Apesar de todos estes autores repudiarem a banalização do Estilo Internacional e o grau alienante de ab-stracção de alguma linguagem moderna, enqu-anto o italiano aceita o recurso à figura como parte da solução, os britânicos rejeitam-na ou, pelo menos, restringem o seu universo ao século XX. O facto de Rogers e Banham representarem duas das revistas da especialidade mais consi-deradas à época e advogarem a continuidade do movimento moderno é sintomático da crise que este enfrenta e que não tarda a ser sinalizada por outros críticos da especialidade.

A perplexidade da crítica contemporânea

Em 1961, Nikolaus Pevsner, professor de Reyner Banham e também redactor na Architectural Review, alarma-se publicamente com o «re-gresso do historicismo»7, atitude que a seu ver implica uma fé no poder da história que chega a sufocar a originalidade da acção e substituí-la por uma acção inspirada no período precedente. Pevsner (1990: 421-435) identifica, dois anos de-pois, uma urgência na procura da novidade na forma no período do pós-guerra que configura em muitos casos uma «revolta contra a razão»: “A urgência era grande e apenas raramente to-mou o árduo caminho do cálculo matemático e do esforço para conseguir uma síntese da forma com a estrutura”. Embora o autor reconheça a mecanização e desumanidade que a internacio-nalização redutora da linguagem moderna terá favorecido -o que considera empobrecedor uma vez que, a seu ver, todos os estilos saudáveis do

passado começaram internacionalmente, em essência, e assumiram no final características decididamente nacionais- nega a necessidade de que o estilo de 1950 tenha de ser definido em termos completamente diferentes, ou mesmo opostos, aos do estilo criado entre 1900 e 1914.

Para Pevsner as condicionantes básicas da arqui-tectura não mudaram entre 1925 e 1955, já que o arquitecto tem ainda de construir para clientes anónimos e numerosos e tem ainda de fazê-lo com materiais produzidos industrialmente. Estas condicionantes tornam para ele absurdo o uso de decoração, por esta não ter sentido se não for feita pelo indivíduo e para o indivíduo. O autor refuta ainda a tese que sustenta ser indi-ferente numa obra arquitectónica se uma forma inesperada é utilizada por razões estruturais ou decorativas, argumentando que o homem não pode excluir a razão da apreciação sem um es-forço consciente que empobrece a experiência da arquitectura e do design.

Se uma parede normal suportar de-coração Art Nouveau, podemos apreciar isso esteticamente como um padrão. Mas se uma parede tem as suas jane-las dispostas arbitrariamente sem uma relação com a planta visualmente con-vincente ou se uma parede inteira se debruça para a frente sem uma razão estrutural visualmente convincente, ficamos inclinados a rejeita-la como dis-paratada. E a arquitectura raramente se pode dar ao luxo de ser disparatada. É uma regra demasiado permanente e demasiado grande para apenas diver-tir. (...). Seriedade não exclui o desafio à razão, mas tem de ser um desafio sério, como muitos visitantes sentem que Ronchamp é. O que não pode ser é ir-responsável, e a maior parte da actual

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acrobacia estrutural, para não falar da acrobacia puramente formal que imita a acrobacia estrutural, é irresponsável. (Pevsner 1990: 430)

Pevsner defende a possibilidade de respostas para as acusações de mecanização e desuma-nidade sem rejeitar as conquistas de 1930 e as-sinala algumas obras que para ele represen-tarão na história da arquitectura do século XX a evolução contra o que chama de revolução de Ronchamp. Para caracterizar este caminho da evolução propõe três teses: a primeira é que a al-ternativa não precisa de se apoiar na decoração e pode ser conseguida pela variedade de agrupa-mentos e superfícies; a segunda é que o princípio da variedade de agrupamentos pode ser esten-dido a todo um conjunto urbano; a terceira é que a variedade pode ser conseguida pela relação de edifícios com a natureza de uma forma ainda mais eficaz do que pela relação entre edifícios. Por estes três meios alega que a uniformidade é evitada e a fantasia permitida. Para ilustrar a terceira tese dá o exemplo de Roehampton Estate, nos arredores de Londres, que considera,

do ponto de vista estético, o melhor bairro resi-dencial até à data.

O Roehampton Estate é uma prova com-pleta da asserção que a arquitectura se desenvolveu entre 1925 e 1956 como são as estruturas de Nervi. Ambas são tam-bém prova completa da outra asserção que a evolução domina de 1925 a 1955 e que a revolução não pode ser nem neces-sária nem bem-vinda. Fiquemos gratos com certeza por haver oportunidades para o génio individual, como houve para Le Corbusier em Ronchamp, ou se ele encontra uma possibilidade excep-cional, como L. Calini, E. Montuori, e os seus sócios conseguiram na estação de Roma, quando inclinaram o tecto numa curva dupla para ecoar o contorno do topo do fragmento pitoresco da Muralha Serviana por trás de uma folha de vidro, mas fiquemos atentos aos pequenos gé-nios que tentam responder às nossas ne-cessidades quotidianas. (Pevsner, 1990: 435)

Fig. 5 – Imagens do bairro de Alton West (1952-55) em Roehampton.

A descrição que o autor faz do bairro de Alton Estate em Roehampton contempla apenas a par-te Oeste, que segue uma linha de evolução mais canónica do Movimento Moderno. Implantado no verde de Richmond Park este bairro divide-se em Alton West (1955-1959), que consiste na dispo-sição pelo parque de torres, moradias em banda e blocos altos inspirados na Unité d`Habitation, e Alton East (1952-1955), que também mistura edifícios altos e baixos na paisagem mas explora a expressão de tratamentos de superfície e tipo-logias de geometria mais complexa com influên-cia do New Empiricism escandinavo. O bairro de Alton Estate constitui-se assim num território de cotejo entre as tendências para o racionalis-mo abstracto e para o romantismo pitoresco que caldeiam o modernismo do pós-guerra, em par-ticular no campo da habitação colectiva.

A argumentação que Pevsner utiliza na apologia da sua versão de Alton Estate procura sobretudo provar que a arquitectura racionalista não tem necessariamente de ser uniforme e previsível e pouco acrescenta à retórica corbusiana da Ville Verte. Os mecanismos que propõe para evitar a monotonia incidem mais na mistura entre ob-jectos arquitectónicos ou na relação entre eles e a natureza do que propriamente na produção de cada um deles. Já na descrição que faz do edifício frontal da Stazioni Termini em Roma, com estru-tura de Nervi, parece dar menos importância à solução encontrada pelos projectistas que ao estatuto de excepção que justifica esse «golpe de asa» na cobertura.

Constatamos assim que a defesa de Pevsner da linha progressista do Movimento Moderna se re-vela paradoxalmente conservadora. Em última análise, é possível alegar que tanto Banham e o Novo Brutalismo, como Nathan Rogers e as tendências italianas, reagem a seu modo contra este tipo de conservadorismo.

Fig. 6 – Stazioni Termini em Roma. Edifício frontal (1950) de Calini, Montuori, Vitelozzi e outros.

Aparentemente menos engajado com a tradição moderna do que Nikolaus Pevsner, o historia-dor americano Henry-Russell Hitchcock (1998: 614-617) faz notar em 1968 que sobre a produção arquitectónica desta época é mais fácil falar da-quilo que os arquitectos recusam que do sentido para onde se dirigem:

Qualquer tentativa para descrever posi-tivamente em poucas palavras o clima da arquitectura em torno a 1960 choca com a dificuldade de que só em certas obras extremas dominaram completa-mente ideias arquitectónicas originais, mas não se pode classificar como mera-mente vulgar, provinciana ou retrógra-da toda a construção geral desta década que não seguiu dentro das direcções mais novas de arquitectos maduros como o próprio Mies, ou de aqueles que permaneceram fiéis aos seus cânones, seja intencionalmente ou por falta de outra fidelidade. (Hitchcock, 1998: 614)

Hitchcock reconhece nesta arquitectura dois aspectos, um exageradamente masculino e outro quase delicadamente feminino, obser-vando que os dois têm sido ilustrados numa cu-

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riosa alternância rítmica por sucessivas obras de determinados arquitectos, e que ambos con-trastam com a severidade neutral da arquitec-tura do período anterior, sublinhando que estas terão sido características da arquitectura mais séria dos anos 60. Faz ainda notar que, graças ao despertar de um ascetismo quase puritano em alguns sectores, o aspecto mais masculino foi apresentado como moralmente superior e in-clusivamente como mais progressista, e que se chegou a alegar, como nos anos 20 e 30, neces-sidades «quase hegelianas» para uma e outra di-recção em que a arquitectura tinha de mover-se: “necessidades que frequentemente estavam em clara oposição com as pressões do campo estrita-mente neutral da tecnologia”.

Neste texto Hitchcock arrisca mesmo nomear a possibilidade – que segundo ele talvez seja mais clara para os historiadores do que para os arqui-tectos – de que neste período aquilo que durante muito tempo conhecemos como «arquitectura moderna» tenha entrado, algo prematuramen-te, numa fase «tardia».

Uma constante das fases tardias tem sido normalmente dois aspectos de aca-demismo estreitamente relacionados: por um lado uma volta aos princípios que imperavam nas artes antes da revo-lução estilística com que começava o tal ciclo, por outro, a redução a um sistema aplicado facilmente de elementos for-mais dos caracteres desenvolvidos a du-ras penas que foram peculiares da fase «alta» precedente. (Hitchcock, 1998: 617)

Se não procura avançar com soluções como Pevsner, este autor tenta em contrapartida ca-racterizar formalmente a arquitectura daquele período. Hitchcock assinala a notável mudança de preferências no que respeita à textura da pele dos edifícios, e o crescente interesse análogo pe-

las silhuetas interrompidas, perfis quebrados, volumes articulados em lugar de unificados e uma exposição expressiva de elementos estru-turais individuais de um estilo frequentemente escultural em vez de mecânico. Na sua opinião isto terá afectado em diferentes graus a obra de quase todos os arquitectos, do mais «corbusia-no» ao mais «miesiano».

Para além disso o autor observa que as janelas, mais pequenas e em menor número, tendem mais a ser verticais do que horizontais, substitu-indo-se as bandas de janelas por vãos correntes, que as plantas acentuam mais os pormenores das diversas funções internas e que a organi-zação global tende para uma compilação adi-tiva de unidades espaciais contíguas, em alguns casos iguais ou modulares, em outros díspares, tanto de tamanho como de forma: “Isto teria sido rotulado pela maioria dos críticos de pouco estudado ou de amador, antes que a obra madu-ra de Aalto de convertesse numa influência in-ternacional importante”.

Hitchcock chama também a atenção para algu-mas tentativas de sugerir a livre improvisação e a contingência - numa arte em que as obras são, no entanto, produto de períodos largos de estudo e de complexa execução corporativa- onde re-conhece certo reflexo da pintura e da arquitec-tura da década anterior, e talvez da música mais progressista, e lembra também o predomínio de outro tipo de interesse por efeitos mais elabora-dos nos detalhes – frequentemente censurados como meramente decorativos- que terão sido ex-plorados não só por arquitectos de renome como também por outros arquitectos latino-america-nos, asiáticos e africanos.

Fig. 7 – Edifício de Alvar Aalto no Hansa Viertel (1955-57) em Berlim

Também Gillo Dorfles (1986: 89-90) diz, em 1972, a propósito da arquitectura dos anos 50 aos 70, que prefere citar apenas arquitectos e obras que lhe ofereçam segurança para estabelecer uma compreensão das tendências em campo e que tornem claro o facto de raramente se poder fa-lar de verdadeira evolução da linguagem arqui-tectónica neste período. O autor considera estar na maior parte das vezes perante um processo involutivo, no que diz respeito à produção arqui-tectónica destes anos, para o qual encontra duas ordens de razões: em 1º lugar o «desconcertante» aumento do número de construções humanas por todo o mundo o que levaria a menor preo-cupação e interesse pela construção isolada; e em 2º lugar a generalização dos novos materiais de construção aperfeiçoados pela tecnologia, o que terá vindo extinguir a procura de uma nova concepção formal da actividade arquitectónica que teria sido suscitada num primeiro tempo pela própria novidade dos materiais e que se te-ria vindo a transformar em mera rotina de con-strução.

As declarações destes tês últimos autores sobre o panorama da produção arquitectónica dos anos 50 e 60, são proferidas praticamente sem distan-ciamento histórico, e por isso ilustram bem a per-plexidade com que a crítica disciplinar, indepen-dentemente da opinião pessoal de cada elemento,

observava a evolução dos acontecimentos. E o que suscita esta perplexidade não é apenas a plura-lidade de soluções apresentadas pelos arquitectos como também a monotonia e previsibilidade da construção corrente a que se assiste. Convém ain-da lembrar que Dorfles, Hitchcock e Pevsner, não são arquitectos, mas sim historiadores ou críticos de arte que privilegiam nas suas críticas uma abordagem globalizadora, eminentemente formal e semântica.

A sistematização da crítica posterior

Várias décadas depois, Spiro Kostof (2006: 1263) faz notar que a incerteza que rodeia a arquitectura do pós-guerra é parcialmente auto-induzida. Se-gundo o autor, no 1º quartel do século XX os arqui-tectos modernistas insistiram que o seu método era inexorável, nascido dos imperativos sociais e tecnológicos da época: “A aparência de um edifício nunca mais seria uma questão de eleição, procla-mavam. A nova linguagem arquitectónica era ex-clusiva e universalmente válida”. A este propósito Kostof cita Pevsner em 19368-“Este estilo novo do século XX (...) porque é um estilo genuíno, é tota-litário na medida em que é o oposto de uma moda passageira”- e lembra que o termo Estilo Interna-cional (título da exposição comissariada por Hich-cock e Johnson inaugurada em 1932 no MoMa) transmite a mesma mensagem.

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É, porém, curioso como a própria utilização do termo estilo nos remete para um contexto de transitoriedade no tempo ou de existência de al-ternativas (outros estilos) e não de consumação de uma linguagem fundadora. Se resulta claro do que se leu até agora que este último significa-do corresponde realmente ao entendimento de Pevsner, não parece já evidente que ele seja par-tilhado por Hitchcock ou Dorfles, embora não reste dúvida que na década de 1960 também eles se encontram desconcertados com a evolução dos acontecimentos.

William J. R. Curtis (2007: 471-472) assinala em 1996 que, na Europa danificada pela guerra, não é surpreendente que a ênfase tenha caído na prosa mais do que na poesia, e na norma mais do que em ideias singulares, das quais destaca “as notáveis invenções individuais de figuras como Le Corbusier, Aalto, Utzon ou Jacobsen”. Para Curtis a nova ordem económica parecia destinada a criar objectos dispersos e isolados que não se adequavam aos padrões da cidade tradicional europeia e que frequentemente não possuíam qualquer sentido de identidade. O pro-blema estaria na inexistência de um conjunto de regras aceitável e operativo para o desenho de cidade, que pudesse equivaler à cultura tradicio-nal no tratamento de edifícios e espaços urba-nos de «média e baixa intensidade». Segundo o autor, o arquitecto, onde quer que esteja, precisa de uma linguagem arquitectónica, e nesses anos teria mais hipóteses de encontra-la através de um processo individual de reapreciação crítica da arquitectura moderna anterior e de desti-lação das tendências contemporâneas, de forma a encontrar uma resposta adequada, pratica e simbolicamente, para o problema que tivesse em mãos.

Josep Maria Montaner (2001: 7-8) descreve o período entre 1945 e 1965 como representativo das continuidades e revisões de um Movimento

Moderno que já estava consolidado, dentro de uma dicotomia de continuidade e ruptura. O autor define cinco motivos cruciais para a evo-lução e crise da arquitectura do Movimento Moderno nesta época: em 1º lugar, a partir de 1945 assiste-se à simbiose dos pressupostos mo-dernos com as contribuições de cada um dos contextos, culturas e identidades; em 2º lugar manifesta-se a necessidade de uma renovação e enriquecimento formal que supere os esquemas definidos pelo estilo internacional; em 3º lugar o papel da memória ganha progressivamente importância, procurando-se superar o esquema-tismo moderno da ruptura com a tradição; em 4º lugar aceita-se o fracasso do urbanismo raciona-lista com a sua radical separação de funções; por último, assiste-se a ”uma paulatina mudança de concepção que ocorre em relação ao utilizador para o qual se pensa e projecta arquitectura”.

O autor conclui (2001: 259) que ao longo dos anos 40 e 50 predominou a ideia de continuidade de uma nova tradição do Movimento Moderno que se dirigia em duas direcções: por um lado, o ma-neirismo e o formalismo crítico do Estilo Inter-nacional; por outro, uma paulatina, respeitosa e inteligente revisão que foi pondo em causa a ortodoxia. Já em finais dos anos 50 e princípios dos 60, vai-se evidenciado a definitiva crise e ruptura da herança do Movimento Moderno, e, entre as dúvidas e a decomposição da unidade da arquitectura moderna, vão surgir diversas al-ternativas metodológicas.

Montaner (2001: 19) sustenta que o Movimen-to Moderno não é identificável apenas com o «Estilo Internacional» mas que é também a expressão de um método com novas e claras relações entre conteúdos e formas, com um processo histórico pragmático e sempre aberto que exclui todo o apriorismo na determinação9. Lembra ainda que desde 1930 até finais dos anos 50, convivem já na arquitectura internacional

a continuidade das propostas do Movimento Moderno (no que respeita á linguagem, uso de tecnologias avançadas, princípios urbanísticos) e a paulatina aparição de novas revisões locais ou propostas de arquitectos que se afastam da ortodoxia, ou que desenvolvem com rigor as vias mais marginais dos anos 20 (o organicismo, o expressionismo, a persistência do classicismo).

Considerações finais

O facto de, apesar da eclosão de novas propostas formais, nos anos 50 e 60, prevalecer ainda o estilo e o método internacional -que continua a manifestar-se na produção dos mestres- não obsta que este seja um período particularmente interessante na prática da arquitectura, em que se verificam realizações que exploram os limites da axiologia moderna em diversas frentes e a submetem a uma revisão crítica.

Aquilo que Pevsner chamou de «revolta con-tra razão» é afinal uma rebelião contra a regra que, a partir de diversas e variadas frentes, desencadeia uma discussão profunda sobre a arquitectura moderna. Apesar de parecer clara a oposição entre os Smithson e Rogers, une-os uma visão crítica da abordagem universalista veiculada pelo mainstream dos CIAM.

Se ainda hoje os princípios do Movimento Mo-derno influem na prática arquitectónica con-temporânea, apesar da sua morte já ter sido re-petidamente decretada, isso deve-se em grande medida à capacidade que demostraram de se aplicar a diferentes circunstâncias, de serem reformulados por discussões como esta, e de, so-bretudo, permitirem diferentes interpretações.

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1 “Neoliberty. The Italian Retreat from Modern Architecture”. Architectural review, nº 747, 1959.

2 “Il Passato e il Presente della Nuova Architettura”. Casabella-Continuità, nº 119, 1959.

3 “Un antidoto spuntato dell’astrattismo: Il provincianismo architettonico”. L’Architettura cronache e storia , nº 33, 1958.

4 “L`evoluzione dell`architettura. Risposta al custode dei frigidaires”. Casabella e continuità, nº 220, 1959.

5 Sobre a relação entre figura e forma ver artigo de Oliveira, Tiago, “A Forma e a Figura no Espaço Urbano Moderno”, em Conceição, Luís (2014), Novos Dispersos de Arquitectura, Portimão: Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes.

6 Sert, J. L. Leger, F. Gideon, S. (1943) Nine Points on Monumentality, e Gideon, S. (1944) The Need for a New Monumentality.

7 Pevsner, N. (1961).“Modern Architecture and the Historian, or the Return of Historicism”, RIBA Journal, vol. 68.

8 Embora Kostof não o refira a passagem é do livro Pionneers of Modern Design. Ver Pevsner (1936: 206).

Notas

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