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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE TEORIA LITERRIA E LITERATURA COMPARADA
LITERATURA E EDUCAO
Prof. Dr. Sandra Margarida Nitrini
Em que perigo est a literatura? - Uma resenha de A literatura em perigo
de Todorov
Henrique Niccio Cavalcante - N USP 7664550
So Paulo / 2014
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Em que perigo est a literatura? - Uma resenha de A literatura em perigo de Todorov
A literatura hoje est vivenciando um movimento de mudana em suas bases. Os lei-
tores j no mais so os mesmos de antigamente e suas bagagens culturais esto mais diversas
e mais dispersas pela insero de novas mdias no nosso cotidiano, sabemos pouco de muitas
coisas, e a velocidade com que temos acesso as notcias nos afugenta do contemplar da obra
enquanto objeto de deleite e anlise, que demanda um desprendimento de tempo maior do que
aquele que temos neste momento turbulento de mudana de nossa cultura social, nossos hbitos
e nossa disponibilidade de tempo esto se tornando escassos. No exatamente a esta questo
que Todorov se detm em A literatura em perigo, ao menos no diretamente. Ele vem nos expor
e questionar qual o lugar da literatura na sociedade atual, apontado os possveis motivos da
nossa impacincia para contempl-la, a desconstruo do reflexo que existia entre o leitor e a
obra, como essa literatura est sendo apresentada na contemporaneidade e, ainda, como est
sendo ensinada e aprendida e quais as causas e consequncias disto para a construo deste
senrio atual de consumidores de literatura.
Todorov um dos nossos atual grandes nomes da teoria literria e da filosofia contem-
pornea que se concentra em debater os problemas da literatura atual pela linguagem, em prin-
cipalmente pela semitica saussuriana, e tambm pela linha estruturalista o que o influncia
diretamente em diversas concluses que so apresentadas no livro, pois como a linha de pes-
quisa estruturalista se prende ao significado do texto, ficando de fora os fatores semnticos - a
percepo de mundo e a absoro individual do sentido do texto pelo leitor, mas que ir coloca-
la em xeque durante suas anlises e reflexes presentes na obra. Este um dado fundamental
que se compreenda a viso que o autor desenvolve para realizao de sua crtica.
A questo principal que levantada logo no incio da discusso o quanto o leitor de
hoje de fato se interessa por literatura e o quanto esta influencia em seu modo de pensar sobre
si, seu ambiente e sua vida individual e coletiva, o que por essncia a funo desta. Todorov
nos implica alguns raciocnios que, a princpio, parecem invlidos ou abstratos demais sobre a
situao da literatura, mas que, ao final, so amarrados com a ideia de que os fatores citados
anteriormente no tm sido contemplados plenamente por seus consumidores, o que significa
um esvaziamento literrio por parte do leitor, uma certa incompreenso e uma inapreenso dos
elementos do texto que o tornam importantes para si. Podemos dizer, ento, que o leitor est
lendo, mas no est se identificando e/ou verificando e compreendendo o real valor do texto,
est apenas executando o ato mecanicamente.
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Este esvaziamento algo preocupante, pois, segundo ele, A literatura no nasce no
vazio, mas no centro de um conjunto de discursos vivos, compartilhando com eles numerosas
caractersticas (TODOROV, 2010, p.22). Afirmando isso, ele nos apresenta um leque de in-
terpretaes possveis para o entendimento do movimento de construo da obra literria, onde
o autor normalmente escreve pressupondo que o leitor imergir no universo literrio criado na
obra. Ento, o problema proposto at aqui por Todorov nos aponta para que os leitores/consu-
midores destas obras no esto correspondendo com esta comunicao criativa. Para isso, ele
nos apresenta indiretamente que, esta uma questo que se encontra acima do nvel estrutura-
lista que at ento vinha utilizado para a realizao das anlises literrias.
Ento, aps toda a apresentao do sentido do problema da sociedade atual na forma
de consumir literatura, o autor investiga como ela tem sido ensinada nas escolas e, com isso,
desvendar as origens dos problemas atuais desta forma de consumo e diz que ensinamos nossas
prprias acerca de uma obra ao invs de abordar a prpria obra em si mesma (TODOROV,
2010, p.31), ento, podemos dizer que no estamos ensinando os consumidores a interpretar as
obras que esto lendo, mas sim, induzimos a consumir obras que os contedos j estejam inter-
pretados. Seria como comparar a literatura de Machado de Assis ou Guimares Rosa com a de
Paulo Coelho, deixando de lado a qualidade, estilo e as crticas literrias a cada autor, o leitor
demanda muito mais esforo interpretativo para compreender as obras dos dois primeiros auto-
res que a do ltimo, porque Machado e Guimares formulam seu texto com base no pressuposto
de que quem l deve construir a realidade narrada pela sua interpretao e Paulo Coelho cita
uma narrativa linear e sem a necessidade de um aprofundamento literrio to grande quanto as
dos outros requerem.
Outro problema para o ensino de literatura apresentado por Todorov a leitura das
grandes obras atravs de resumos e anlises sem que o leitor tenha o contato direto com a obra,
perdendo assim a apreciao e a contemplao dos elementos estticos e estilsticos emprega-
dos pelos autores em suas obras.
Dentro disto, Todorov no diz diretamente ou com estes termos, mas podemos concluir
que a escola tem uma funo muito grande na descaracterizao da literatura desta forma, em
principalmente no ensino desta aos alunos de forma fragmentria atravs de trechos e/ou resu-
mos dentro da sala de aula cria um leitor pasteurizado, que no aprecia o livro como um objeto
de arte literria, mas como um conjunto de palavras hermticas1 que constituem uma histria,
1 O termo hermtico foi utilizado por ns para sintetizar as ideias de Todorov. Ele no se vale deste conceito, mas suas concluses sobre a literatura e arte abarcam toda a sinonmia que envolve este termo, por isso esta opo de
utiliz-lo neste texto.
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desprezando, assim, toda a articulao dos vocbulos proposto pelo autor. O aluno se habitua
aos textos pasteurizados em que no h quase nenhuma necessidade de reflexo ao que est
escrito. Pode estar a a causa do atual desinteresse pela literatura, o consumidor que est sendo
formado na escola espera um texto pasteurizado2, sem complexidades, sem necessidade de uma
reflexo mais abrangente e/ou profunda do que se est lendo.
Ele nos apresenta, no fim de sua anlise da situao da literatura e do leitor, este her-
metismo atual no nos deixa contempl-la enquanto arte, para ele ela pode nos estender a mo
quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais prximos dos outros seres
humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver (TO-
DOROV, 2010, p.76), ou seja, a funo da literatura dentro da sociedade a de compartilhar a
vida, os sentimentos e a empatia, as mesmas funes que qualquer obra de arte tem: a de levar
o espectador a uma reflexo sobre o seu meio, sobre o outro e sobre si.
Logo ao fim, retomado os conceitos acerca do hermetismo do texto literrio ensinado
na escola, porm agora ele enfatiza qual o problema que este tipo de texto gera no ensino. Ns
j tratamos superficialmente em pargrafos anteriores este tema, mas como apontamos no
eram claramente uma afirmao do autor, e sim apenas uma concluso sobre a viso da teoria
exposta at aquele ponto. Ele nos apresenta que a escola enquanto formadora deveria se preo-
cupar em formar seres humanos para o mundo e suas mquinas funcionais, que deveria ser
ensinado o aluno a busca do contexto da obra literria. Aponta que estamos ignorando o fator
humanizador da literatura. Nos dito que que o papel do leitor decifrar o sentido da obra e as
ideias expressas e ocultadas pelo autor durante a concepo de seu texto. Manifesta que a es-
trutura de ensino por texto fragmentados e hermticos geram especialistas em anlise literrias,
mas no conhecedores e decifradores da arte, ou seja o pensamento do autor entre no debate
infinito de que objeto a condio humana (TODOROV, 2010, p.91).
O que encontramos em A literatura em perigo um dilogo de leitor para leitor ou de
consumidor para consumidor de artes. Todorov nos apresenta uma cena da literatura pelos bas-
tidores, pelos problemas do atual modelo de leitura que a prpria sociedade contempornea
acabou por nos obrigar a desenvolver e que replicado para o mundo escolar e que para este
que devemos conceder uma ateno maior, pois nele que se formam os novos leitores. Este
ambiente, o escolar, deve formar um leitor capaz de enxergar na obra um reflexo de si, no
apenas um texto com sentido no texto, mas um texto que apresente uma ligao entre leitor,
sociedade e mundo e isso s conseguido atravs do ensino da literatura enquanto forma de
2 Este termo foi utilizado pelo mesmo motivo da utilizao do termo hermtico. Ambos sero utilizados durante o
nosso texto quando as teorias de Todorov abarcarem a sinonmia destes.
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expresso das ideias de um povo e no como apenas um texto ensinado. Mora a o principal
problema da atual concepo de ensino atual, pois aprendemos nas escolas, ao menos nas bra-
sileiras, com trechos de livros desde nossa educao bsica, mas est na educao mdia que
temos um encontro maior com este problema, j que onde se, de fato ensina a arte literria ou
se deveria, uma vez que ensinar por excertos, resumos e adaptaes no o suficiente para que
este leitor tome contato com todos os elementos necessrios para se interpretar e internalizar a
obra como obra ou como Todorov diz arte pela arte.
Vendo desta forma, h uma longa jornada que a escola e seus adjacentes devem per-
correr para que o ensino da literatura, talvez at das artes em geral. Deveramos pensar no ensino
literrio junto com a sociedade, talvez more a a chave para a to falada interdisciplinaridade,
corrente frequente em nossa educao atual, pois poderamos unir as cincias humanas e seu
ensino envolta da literatura, contextualizando a sociedade em que a obra foi concebida, como
ela pensava (filosofia), agia (sociologia), se constituiu (histria) e como escrevia (portugus).
Enquanto o ensino no for pensado assim, uma obra e como um fator de humanizao pessoal,
continuaremos com esse conceito contemporneo e os consumidores procuraro cada vez mais
textos hermticos e pasteurizados.
Bilbiografia
TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Trad. Caio Meira. 3. Ed. Rio de Janeiro: DIFEL,
2010.
Referncias Bibliogrficas
COIMBRA, Rosicley Andrade. Por que a literatura [est] em perigo?. In: Revista Darandina
Juiz de Fora: UFJF. Vol.1, n1, 2010. Disponvel em http://www.ufjf.br/darandina/fi-
les/2010/12/ Por-que-a-literatura-est%C3%A1-em-perigo.pdf (consultado em
03/06/2014)
FREITAS, Marcus Vinicius de. O escritor e seu ofcio: em busca da Teoria da Literatura. In:
Revista Aletria. Belo Horizonte: UFMG. Vol.10, n20, 2010. Pp 183-198