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A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis, UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos. Conforme exposto nos referidos Termos e Condições de Uso, o descarregamento de títulos de acesso restrito requer uma licença válida de autorização devendo o utilizador aceder ao(s) documento(s) a partir de um endereço de IP da instituição detentora da supramencionada licença. Ao utilizador é apenas permitido o descarregamento para uso pessoal, pelo que o emprego do(s) título(s) descarregado(s) para outro fim, designadamente comercial, carece de autorização do respetivo autor ou editor da obra. Na medida em que todas as obras da UC Digitalis se encontram protegidas pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos e demais legislação aplicável, toda a cópia, parcial ou total, deste documento, nos casos em que é legalmente admitida, deverá conter ou fazer-se acompanhar por este aviso. [Recensão a] O grau zero da hermenêutica platônica Autor(es): Costa, Thiago Rodrigo de Oliveira; Cornelli, Gabriele Publicado por: Annablume Clássica URL persistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/24463 DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/1984-249X_6_13 Accessed : 3-Feb-2019 18:28:45 digitalis.uc.pt impactum.uc.pt

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[Recensão a] O grau zero da hermenêutica platônica

Autor(es): Costa, Thiago Rodrigo de Oliveira; Cornelli, Gabriele

Publicado por: Annablume Clássica

URLpersistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/24463

DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/1984-249X_6_13

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EDITORIAL

Dennys Garcia Xavier

ARTIGOS

A Interpretação de Platão Inaugurada pela Escola de Tübingen e por mim Apresentada em Sentido Epistemológico como “Paradigma Hermenêutico” Alternativo Àquele Dominante Giovanni Reale

A Recepção da Escola de Tübingen-Milão no BrasilMarcelo Perine

A Filosofia não se Aprende! Platão Verdadeiro Mestre e o Escrito como “Alusão Protréptica” Maurizio Migliori

Um Exemplo de Escritura Protréptica: O Eutidemo Lucia Palpacelli

Iniciação ao Princípio Rubens Garcia Nunes Sobrinho

Números Escritos e Números Não-Escritos em Platão Elisabetta Cattanei

Uma Nova Interpretação Platônica: A Contribuição de Schleiermacher Mariana Leme Belchior

Como Não Ler Platão!Dennys Garcia Xavier

A Teoria Platônica das Ideias-Número e sua Importância para a Reconstrução Filosófica da Dialética Platônica Fabián Mié

Platão e a Fundação da Matemática como Ciência Konrad Gaiser

Platão e os PitagóricosThomas Alexander Szlezák

NOTÍCIA

Worlds of Powers: The Bedrock of Reality in Ancient ThoughtAnna Marmodoro

RESENHAS

ANTIFONTE. Testemunhos, fragmentos, discursos, Por Alexandre Costa

O grau zero da hermenêutica platônica. VEGETTI, Mario. Um Paradigma no Céu: Platão político, de Aristóteles ao século XX, Por Thiago Rodrigo de Oliveira Costa e Gabriele Cornelli

6 jan.2011

issn 2179-4960

6 jan.2011

issn 2179-4960

6ja

n.20

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R E V I S T A

ARCHAI JOURNAL: ON THE ORIGINS OF WESTERN THOUGHT

ARCHAI JOURNAL: ON THE ORIGINS OF WESTERN THOUGHT

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desígnio 6

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jan.2011

Resenha deThiago Rodrigo de Oliveira Costa*Gabriele Cornelli**

O GRAU ZERO DA HERMENÊUTICAPLATÔNICA. VEGETTI, Mario. Um

Paradigma no Céu: Platãopolítico, de Aristóteles ao

século XX Coleção Archai n. 4.São Paulo: Annablume, 2010, 286

p. ISBN 978-85-391-0153-5

Com esta obra madura de um dos

maiores comentadores de Platão, Mario Vegetti,

o acervo da literatura sobre a interpretação

platônica em língua portuguesa ganha uma pedra

fundamental de comparação e um alento novo.

Mario Vegetti, organizador de um monumental

comentário da República, publicado em sete

volumes pela editora Bibliopolis (1996- 2007) e

autor da já celebre L’etica degli antichi (Bari,

Laterza, 1989), entre outras obras de referência,

dedica-se na presente obra, traduzida e

publicada na Coleção Archai, à história da

interpretação do Platão político “de Aristóteles

até os nossos dias” . Com uma calma

apresentação dos argumentos e um ritmo

delicadamente marcado, o “Platão político”1 de

Mario Vegetti (p. 25-42) emerge em meio a uma

pluralidade de paradigmas2 que de uma maneira

ou de outra estabelecem uma relação com o

discurso de Platão. Esta relação se constitui no

interior de um tópos determinado do texto

platônico e a partir de uma posição particular

do leitor em relação ao tópos daquele texto. A

conjugação do tópos e da posição do leitor em

relação ao mesmo determinará uma perspectiva,

e é a partir desta perspectiva, no interior de um

dado paradigma do leitor, que se produzirá uma

* Mestrando pela Universidade

de Brasília em História da

Filosofia Antiga e Medieval,

membro da Cátedra UNESCO

Archai: as origens do pensamento

ocidental da Universidade de

Brasília, orientando do professor

Gabriele Cornelli, coordenador da

Cátedra UNESCO Archai, e

membro do grupo Episteria da

Universidade de Brasília.

** Coordenador da Cátedra

UNESCO Archai: as origens do

pensamento ocidental da

Universidade de Brasília; Docente

e Coordenador do Programa de

Pós-Graduação em Filosofia da

mesma Universidade; Secretário

da Sociedade Brasileira de

Platonistas e Presidente Eleito

da International Plato Society.

1. Expressão com a qual Vegetti

reúne uma série de discursos de

caráter político na obra de

Platão.

2. Vegetti ao se referir aos

discursos dos comentadores de

Platão, em particular daqueles

que comentaram os aspectos

políticos da obra de Platão, usará

a expressão ‘paradigma’ para se

referir ao horizonte a partir do

qual os comentadores assimilam

o discurso platônico de uma

determinada maneira. Por

exemplo, o paradigma de Kant é

seu idealismo que atua na

constituição da sua leitura de

Platão (Ver VEGETTI, 2010,

p. 67-73).

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imagem, leitura ou tradução de Platão, ou no

presente caso, do Platão político.

O problema que opera como “pano de

fundo” no livro de Vegetti é aquele de como

estabelecer uma relação com o texto platônico

que não possa ser reduzida à imagem do texto

que a própria relação produz. Em outras palavras,

é possível ler Platão? No confronto com este

problema Vegetti teve de enfrentar a pluralidade

de leituras, imagens, ou traduções de Platão e,

consequentemente, de paradigmas a estas

subjacentes.

Para Vegetti toda esta pluralidade de

leituras que, na modernidade, vão do “teórico do

‘ideal’ com Kant e, ao invés, um teórico da

‘realidade substancial’ com Hegel” (p. 275) ao

“Platão liberal e socialista com Grote, Pölhmann

e Natorp, bolchevique com Russell, fascista ou

comunista com Crossman, nazi e racista com

Hildebrandt e Günther, totalitário com Popper,

democrático em certas versões americanas”

(ibidem), não constituem um erro hermenêutico

a ser devidamente denunciado. Todas elas de

algum modo se constituíram numa relação com o

próprio texto de Platão, e não poderiam ter

emergido se de alguma maneira o texto de Platão

não as possibilitasse. O primeiro desafio é então

lidar com o horizonte virtual aberto pelo texto

ele mesmo. Permanece “o fato de a fluidez das

situações discursivas nas quais os traços se acham

inseridos autorizar uma pluralidade de

interpretações possíveis” (p. 272).

Para Vegetti é o contrário do erro, em

sentido estrito, que se encontra em jogo. Toda

essa pluralidade de leituras de Aristóteles aos

leitores do século XX nos permite enxergar “algo”

do texto primeiro, “algo” daquele texto sobre o

qual o comentário se exerce. E é esse “algo”,

evidenciado pelas leituras efetuadas pelos

comentadores, que interessa ao hermeneuta e

ao historiador; interessa não tanto pelo que ele

possa vir a dizer propriamente do texto primeiro,

mas sobretudo pelo que ele pode mostrar da

própria relação que o comentário efetua com o

texto comentado. E é esta a relação que vegetti

percorrerá ao longo de seu livro.3

A polissemia estrutural dos textos platônicos, e a

relativa autonomia da tradução dos três diálogos

especificamente políticos, ajudam a explicar a

amplitude da gama de interpretações legitimamente

possíveis, e estes, por sua vez, contribuem para melhor

compreender a forma constitutiva irredutível do “fazer

filosofia” por parte de Platão (p. 274).4

Por outro lado é porque o texto segundo,

ou o comentário, estabelece uma relação com o

texto primeiro, o texto comentado, que ele pode

ser utilizado também como uma chave

hermenêutica. Esta chave não abre efetivamente

o “pensamento” de um autor, ela acessa um

universo incorpóreo de discurso aberto pelo autor

e que está em relação com o sentido do discurso

efetivamente grafado pelo autor.

Daí porque o erro, propriamente dito, deva

ser procurado em outro lugar. E este é mais um

lugar fenomenológico que hermenêutico. É uma certa

disposição que o comentário estabelece em relação

ao texto comentado que constitui o erro

propriamente. Consistindo esta disposição em um

intuito de esgotar toda a superfície do tópos do

texto primeiro. Tal pretensão é aparentemente

satisfeita na medida em que o comentário percorra

a série de enunciados (termo a termo) que

constituem o tópos analisado. Contudo Vegetti nos

mostra, em seu livro, que esta série pode ser

percorrida por diversos paradigmas e de múltiplas

formas, dentre as quais a leitura operada por este

ou aquele comentário é apenas uma de muitas,

uma de uma pluralidade possível.5 Este é, por

exemplo, o cerne de sua crítica a Hegel (p. 82) que

ao comentar a República a desloca do seu domínio

próprio (que é um lugar de alteridade, ou o lugar

do Outro) para aquele concernente ao seu (próprio,

de Hegel) entendimento da filosofia (pp. 73-82). O

erro das leituras se encontra na pretensão que

instituem de abarcar por completo uma série aberta

ao infinito. Quando Hegel, dentre outros, identificam

no texto primeiro um certo sentido, eles excluem

simultaneamente todos os outros sentidos abertos

pelo texto primeiro, e o texto segundo passa a

edificar e solidificar a imagem do primeiro, o que

poderia não ocorrer, mas que em geral ocorre,

3. Vegetti propõe, penso, um

certo projeto hermenêutico no

qual o pensamento filosófico, no

nosso caso o de Platão, “não pode

ser reduzido [grifo meu] a um

sistema unívoco de significados”

(p. 273).

4. Grifo nosso.

5. “É certo, todavia, que cada

decisão demasiado drástica que

reduza [grifo meu] a filosofia de

Platão ao quadro de uma opção

exegética exclusiva corre o risco

de ser viciada por um preconceito

do intérprete” (p. 272).

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quando Hegel escreve que o objetivo da República

é das griechische Staatsleben, ou o

Staatsorganismus, que Platão é intérprete do “Geist

vivo nele como no Volk da Grécia”, da “substância

ética do povo” como “todo vivo orgânico [eine lebendig

organische Ganz]”, ele inscreve o pensamento político

de Platão, mesmo independentemente das suas

intenções, numa rede conceitual que condicionará

por muito tempo quer a sua interpretação, quer a

gama de avaliações contrapostas (p. 82).

Se cada comentário, ao recortar um certo

tópos a partir de uma posição particular no interior

de um paradigma, estabelece uma relação com o

texto primeiro evidenciando nele um certo número

de elementos e de relações, então é tudo isso

que se perde quando um texto de segunda ordem

específico recusa os demais em favor próprio.

Mas Vegetti nos mostrará ainda um outro aspecto

deste problema que o faz cunhar o conceito de

“grau zero da hermenêutica” (p. 32) e que também

participará decisivamente da articulação

subterrânea de seu livro.

O comentário, ou texto de segunda ordem,

não apenas evidencia, ou faz emergir, como

afirmamos anteriormente, um certo número de

elementos e relações do texto primeiro. O

comentário também é responsável por promover

a visibilidade de uma articulação específica entre

os elementos que destaca do texto primeiro. Esta

articulação longe de ser apenas a reatualização

da articulação própria do texto comentado, ainda

que jogue com aquela, é responsável pela

construção de uma transversal entre os

paradigmas primeiro e segundo.6 E esta

transversal é uma das condições de possibilidade

do comentário, e o que poderia vir a ser esta

transversal senão, em certo sentido, uma

tradução?

Mas o que pode ser esta tradução transversal

senão um modo de interação dos dois textos que

não se identifica com eles mas que efetua entre

eles uma articulação? Mario Vegetti nos mostrou

que esta transversal tem sido constituída, pela

crítica do Platão político desde a antiguidade,

pelos modos da:

1. alegoria (p. 62);

2. metáfora (pp. 62, 209, 211 e 237);

3. utopia (pp. 64, 194, 201, 205-7 e 257ss);

4. ironia (pp. 64, 194, 207, 209-11, 216 e

218);

5. comédia (p. 211-2) e

6. ficção (p. 263).

Todos estes modos de interação realizam

uma operação sutil: deslocar a verdade do discurso

platônico para o discurso que o comenta. Platão,

nos dirá Vegetti, “parece demasiado importante

para a autoconsciência da tradição intelectual e

política Ocidental” (p. 275). A verdade de Platão,

dado o conjunto das estratégias de assimilação,

está “fora dele” (p. 276), se encontra, muito

antes, “nas posições da modernidade” (ibidem).

São elas que a colocam em jogo, a validam, a

legitimam ou não. Em todo caso o Outro é

silenciado pela tradução operada pela transversal;

e se lhe ocorre permitir o pronunciamento é apenas

para que esse discurso seja recolhido, e

devidamente neutralizado pelo comentário. Trata-

se, dirá Vegetti, de uma “estratégia de

neutralização” (p. 275) do discurso platônico em

sua “diferença radical” (p. 277), na “distância”

(ibidem) relativa que mantem de nós. O projeto

hermenêutico de Vegetti supõe, pelo contrário,

que “distanciar Platão é, talvez, o melhor modo

para o tornar mais uma vez interessante” (p. 283),

“‘bom para pensar’ também as questões do nosso

presente” (p. 277).