Receptação Dolocsa Elemento Subjetivo Do Crime

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    ELEMENTO SUBJETIVO DO CRIME

    DE RECEPTAO DOLOSA1

    MIGUEL REALE JNIOR

    Livre Docente (USP) e Professor Titular de Direito Penal da USPAdvogado em So Paulo

    A figura penal da receptao, seja na sua forma simples como na qualificada,

    constitui um desafio ao intrprete, mormente quanto ao aspecto subjetivo dos dois tipos

    penais dolosos. Se o aspecto anmico j se apresenta essencial no exame da

    configurao tpica no modelo constante do caput, mais ainda o na descrio da

    receptao qualificada. No entanto, a clara inteno do legislador veio a se tornarobjeto de precipitadas e desavisadas interpretaes que tornaram controvertida a

    pretendida exigncia de dolo direto, para se imaginar, erroneamente, como se ver, que

    se descrevia um tipo penal com dolo indireto.

    1- A conduta no tipo penal da receptao simples

    Primeiramente, cabe examinar o tipo penal do caput do art. 180 do Cdigo Penal

    que edita:

    1 Trabalho publicado na coletnea, "Direito Penal como crtica da pena - Estudos em homenagem aJuarez Tavares por seu 70 Aniversrio em 2 de setembro de 2012"Organizadores: Lus Greco e AntonioMartins, Madrid-So Paulo, Marcial Pons, 2.012.

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    Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito prprio oualheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-f, aadquira, receba ou oculte:

    Pena - recluso, de um a quatro anos, e multa.

    Vrias condutas so previstas pelo tipo penal, algumas excludentes como

    adquirir ou receber coisa produto de crime.

    Receber significa guardar a coisa, aceitar a deteno material da coisa,

    independente do uso a que se destina: consumo ou uso ou mera deteno. J adquirir

    consiste em comprar mesmo que seja por meio, por exemplo, de uma troca2.

    A receptao passou a ser tratada como figura autnoma com o Cdigo Penal de

    1.940, pois antes constitua uma forma de cumplicidade3 e favorecimento. Atinge a

    receptao, primacialmente, o patrimnio do legtimo possuidor da coisa objeto de

    crime antecedente (furto, roubo), mas no deixa de constituir, como ressalta

    NORONHA, um crime tambm contra a Administrao da Justia por tornar mais rdua

    a tarefa da autoridade, pois dificulta a apreenso da coisa4.

    2SIQUEIRA, Galdino, Tratado de Direito Penal, parte especial, tomo II, 2 ed., 1.951, p. 484; NORONHA,E. Magalhes, Direito Penal, v.2, 21 ed., So Paulo, Saraiva, 1.986, p. 487 e seguinte, atualizada porDirceu de Melo e Eliana Passarelli; REINOTTI, Per Valrio, verbete Ricettazione, in Enciclopdia Del

    Diritto, v.XL, Varese, Giuffr, 1.989, p.461 bem ressalta que objeto da tutela a inviolabilidade dopatrimnio que vem ameaada por comportamentos que podem tornar difcil ou prejudicar a recuperaode bens ilegitimamente subtrados do patrimnio de algum.3MANTOVANI, Ferrando, Diritto Penale, parte speciale, II, delitti contro Il patrimnio, 2 ed., Pdua,Cedam, 2.002, p. 248 ensina que a receptao caracterizada por lento e moroso processo deemancipao da figura da cumplicidade criminosa.4NORONHA, Magalhes, op., cit., p. 485.

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    A autonomia do crime de receptao em face do crime antecedente permite que

    esta figura penal deixe de ser considerada uma forma de cumplicidade ou de

    favorecimento, por atingir, igualmente, o patrimnio da vtima do crime anterior ao

    obstaculizar a recuperao do produto fruto do delito antecedente, afastando-o ainda

    mais do seu legtimo possuidor. Pune-se, portanto, a receptao, pois dessa maneira

    ao se criminalizar a aquisio, recebimento ou ocultao da coisa furtada ou roubada

    pretende-se evitar a sua disperso e assim facilitar a sua recuperao5, para no

    perpetuar a situao de leso ao patrimnio.

    Se algumas das razes de punir da receptao esto no afastamento da coisa

    de seu legtimo possuidor ou proprietrio, bem como na circunstncia de dificultar a

    ao da justia na apreenso da coisa6, preciso que efetivamente se opere este

    distanciamento, ocultao natural do objeto em face do possuidor legtimo ou do

    proprietrio, pois s assim verifica-se a ofensividade da conduta enquanto crime lesivo

    ao patrimnio.

    2elemento subjetivo: dado essencial do tipo

    As consideraes feitas no item anterior quanto falta de lesividade da conduta,

    na verdade, explicam-se melhor em face da no ocorrncia, como se examinar avante,

    do dado caracterizador do crime de receptao, qual seja o elemento subjetivo,

    consistente em saber que produto de crime a coisa que se adquire.

    5PRADO, Luiz Regis, Curso de Direito Penal brasileiro, 7 ed., So Paulo, RT, 2.008, p. 515.6MANTOVANI, Ferrando, op., cit., p. 248 e seguinte bem mostra que a ratioda incriminao plrima,pois se devem somar as razes da incriminao, mas destacando o interesse em se impedir a dispersoda coisa, com o conseqente agravamento do dano patrimonial da vtima do crime pressuposto, bemcomo o interesse em no se criar obstculo atividade policial ou judicial.

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    O elemento material sobre o qual recai a ao, seja adquirir ou receber, deve ser

    produto de crime, isto , ter sido obtida por via da prtica de um delito, coisa esta que o

    sujeito ativo compra ou aceita guardar. O delito anterior um pressuposto do delito de

    receptao. Sem o delito antecedente do qual deriva a coisa que se recebe ou adquire

    no h receptao.

    No basta, contudo, para a configurao tpica, a ao material de comprar ou

    guardar a coisa que decorre da prtica de um crime, crime pressuposto, pois

    essencial que o agente saiba que esta coisa que adquire ou guarda efetivamente

    produto de um crime antecedente7.

    De h muito se reconheceu que integram o tipo penal no apenas elementos

    objetivos, descritivos da conduta no seu aspecto externo, mas tambm elementos

    normativos e elementos subjetivos8

    . JUAREZ TAVARES em trabalho de 1.972esclarecia que h elementos subjetivos do tipo que dizem respeito vontade do autor

    dirigida a um fim determinado previsto pela norma incriminadora, que englobam o

    antigo dolo especfico. Explica que h elementos subjetivos de inteno, nos quais se

    expressa finalidade especial9, como por exemplo, ao constar do tipo que a ao

    praticada com o fim de; em proveito...; para. este um dos elementos subjetivos

    7PIERANGELI, Jos Henrique, Manual de Direito Penal Brasileiro, v. II, 2 ed., So Paulo, RT, 2007, p.

    376, segundo o qual: trata-se de crime exclusivamente doloso, em que o dolo consiste na vontade livre econsciente do agente em adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar coisa de origem criminosa. Otipo subjetivo reclama o dolo direto, pois fala em coisa que sabe ser produto de crime. Portanto, para quese efetue o crime deve o agente ter certeza da procedncia criminosa da coisa.8CEREZO MIR, Jos, Derecho Penal parte general, So Paulo, RT, 2.007, p. 506 indica que asprimeiras sugestes dos elementos subjetivos se devem a FISCHER em 1.911.9TAVARES, JUAREZ, Espcies de dolo e outros elementos subjetivos do tipo, in Revista de DireitoPenal, n 6, ab/jun de 1.972, p. 30 e seguintes.

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    do crime de receptao, pois a aquisio deve se efetuar em proveito prprio ou de

    outrem.

    H elementos que parte da Doutrina10 denomina de elementos subjetivos do

    injusto, ou seja, consideram o dado psquico exigido no tipo como pertencente

    caracterizao do injusto de uma espcie de delito. Efetivamente h diversas formas

    psquicas contempladas pelo tipo, como por exemplo, a designao de uma finalidade

    especfica para a ao ou o conhecimento concreto de determinada circunstncia.

    FONTN BALESTRA exemplifica diversas formas de elementos subjetivos, mas

    destaca dever haver na descrio tpica a exigncia de conhecimento de circunstncia

    que d ao fato carter antijurdico11.

    Esta necessidade de conhecimento de determinada circunstncia, como dado

    que d carter tpico conduta, vem claramente estabelecida no art. 180 caput do

    Cdigo Penal, ao se estatuir ser crime: adquirir ou receber, transportar, conduzir ouocultar, em proveito prprio ou alheio, coisa que sabe ser prod uto de crime, ou influir

    para que terceiro, de boa-f, a adquira, receba ou oculte.

    10MARQUES, Jos Frederico, Tratado de Direito Penal, v.II, ed.atualizada Campinas, Millennium, 1.997,p. 98; FONTN BALESTRA, Carlos, El elemento subjetivo Del delito, Buenos Aires, Depalma, 1.957, p.178, que denomina a exigncia de conhecimento de circunstncia como elemento subjetivo referido aoinjusto. Concordo com JUAREZ TAVARES que desnecessrio estabelecer diferenciaes, pois se podedenominar de elemento subjetivo do tipo a todas as formas de posio psquica exigida pela norma

    penal como dado caracterizador do tipo. A meu ver, como o dolo consiste no conhecer e querer oselementos do tipo, como assinala PAULO QUEIRS, pode-se incluir na categoria nica de elementossubjetivos do tipo, as referncias especiais de ordem psquica que vm estabelecidas na norma penalincriminadora. A respeito, vide: REALE JUNIOR, Miguel, Instituies de Direito Penal, 3 ed., Rio deJaneiro, Forense, 2.009, p. 140 e seguintes; TAVARES, Juarez, op., cit., p. 30; QUEIROZ, Paulo, DireitoPenal-parte geral, 4ed., Lumen Iuris, 2.008, p. 198.11FONTN BALESTRA, op., cit., p. 176 e seguintes.

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    Destarte, o elemento anmico requerido como dado integrante do tipo est em

    saber que a coisa que se adquire produto de crime. O agente deve, logicamente,

    querer adquirir o que adquire, deve buscar proveito prprio ou de outrem, mas muito

    especialmente deve conhecer a circunstncia de que a coisa que compra

    proveniente de um crime antecedente. Sem conhecimento desta circunstncia no se

    tipifica a conduta como receptao12.

    LUIZ REGIS PRADO considera que o tipo previsto no caput do art. 180 exige,

    em face da locuo que sabe ser produto do crime, o pleno conhecimento da sua

    origem criminosa, a ponto de com razo excluir at mesmo a admisso do dolo

    eventual13. Igualmente este o entendimento de GALDINO DE SIQUEIRA, para o qual

    o agente da receptao deve ter certeza da provenincia criminosa da coisa14.

    As decises de nossos Tribunais tambm frisam a exigncia do pleno

    conhecimento da provenincia criminosa da coisa adquirida, como dado essencial daconfigurao tpica da receptao, o que se pode constatar dos seguintes acrdos15:

    12Mesmo perante o Cdigo Penal italiano cuja figura penal da receptao apenas refere que a coisaadquirida deve ser proveniente de crime, doutrinadores entendem que o elemento cognoscitivo devecompreender a materialidade do fato de adquirir e a provenincia delituosa do bem, a ver REINOTTI,Per Valrio, op, cit., p. 471 e PECORELLA, Gaetano, verbete Ricettazione (diritto penale) in Novissimodigesto italiano, v. XV, Turim, Utet, 1.968, p. 944 para o qual o elemento subjetivo da receptao no apenas a voluntariedade do fato, mas vai integrado alm do fim dalla conoscenza della provenienzadella cosa dal delitto: siffata conoscenza deve essere positivamente acertata, onde pu essere rilevante atale effetto lerrore di fatto.13

    PRADO, Luiz Regis, op., cit., p. 517.14SIGUEIRA, Galdino, op., cit., p. 487.15No mesmo sentido decidiu o Tribunal de Justia de So Paulo: "No h receptao sem a cincia, doagente, da provenincia delituosa dos objetos: e por cincia entende-se aqui no uma vaga noo queoscila entre a suspeita e a certeza, mas, sim, a plena certeza de origem impura das coisas receptadas. Asuspeita e a dvida no bastam, e se dvida houver, esta valorada em favor do ru" (JUTACRIM81/541).

    "O tipo do artigo 180 do Cdigo Penal anormal. No basta que o agente realize uma das aes fsicasnele descritas (adquirir, receber, ocultar ou influir) para que o delito se corporifique. E sempre necessrio

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    Para a configurao da receptao dolosa imprescindvel que oagente tenha certeza da origem criminosa da coisa, devendo a

    prova a respeito ser certa e irrefutvel. (STFRT 599/434). (TRF2 Regio, ACR - APELAO CRIMINAL 3680, Quarta Turma,Rel. Benedito Gonalves, DJ 27.01.2004).

    impossvel a condenao pelo crime de receptao quando daprova dos autos no se puder extrair concluso firme e convincente

    a respeito da cincia, por parte do acusado, da origem ilcita dosbens apreendidos em sua posse(TACRIM, Ap. 1.270.267/5 relatorMATHIAS COLTRO, em 5.12.2001).

    Nos termos do artigo 180 do CP, no basta desconfiar o agente daorigem criminosa da coisa, pois, para a caracterizao do delito imprescindvel o dolo direto, ou seja, o reconhecimento positivo deque se est mantendo situao ilcita decorrente de um crimeanterior. Verificada a dvida, de se reconhecer, no mximo, o doloeventual, que no dar margem configurao da receptaodolosa. (TACRIM, Ap. RELATOR MACHADO ALVIM, em 15.7.71)

    Para a configurao da receptao dolosa necessrio que oagente tenha a plena certeza da origem ilcita da res no bastandomeras suspeitas a tal respeito. (TACRIM, ap. EMERIC LEVAI,BMJ75/14 e RDJ 3/161, em 27.6.88).

    Como se verifica, o aspecto anmico do conhecimento efetivo da origem

    delituosa dado elementar, essencial, da configurao tpica do crime de receptao,nos termos de acrdo acima lembrado no sentido de ser imprescindvel o dolo direto,

    que tais aes estejam anterior ou contemporaneamente acompanhadas de determinado coeficientesubjetivo: a cincia de que as coisas recebidas, adquiridas ou ocultadas eram de origem delituosa. No h,

    portanto, cogitar de cincia posterior" (TACRIM-SP - AC - Rei. Silva Franco - RT 580/373).

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    ou seja, o reconhecimento positivo de que se est mantendo situao ilcita decorrente

    de um crime anterior.

    3verificao do elemento subjetivo

    Cabe, tambm, examinar a questo sempre importante da verificao do

    elemento subjetivo, do accertamento del dolo na expresso italiana. MARCELLO

    GALLO diz com inteira propriedade que se verifica o aspecto subjetivo a partir de dados

    objetivos, ou seja, extrai-se do extrnseco conhecido o intrnseco desconhecido.

    Em suma, os dados objetivos externos, as circunstncias que contornam o fato,

    a natureza das pessoas envolvidas, a forma come sono realmente andate le cose, na

    expresso de GALLO16

    , permitem o reconstruir histrico do acontecimento, em todassuas mincias que somadas s regras de experincia levam a inferir ou no a

    ocorrncia do dolo e dos elementos subjetivos. De todos estes dados externos pode-se

    verificar a falta do conhecer e do querer os elementos constitutivos do tipo.

    A jurisprudncia indica tambm o caminho para se deduzir a existncia deste

    dado subjetivo essencial do delito de receptao: verificar se as circunstncias que

    envolvem o fato podem ser condizentes ou no, segundo regras normais de

    comportamento, com o conhecimento de ser a coisa adquirida produto de crime.

    Consultem-se os seguintes acrdos:

    16GALLO, Marcelo, Dolo (diritto penale) in Enciclopedia del diritto, v. XIII, Giuffr, Varese, 1.964, p. 801 eseguintes.

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    Na receptao, sabe-se que o dolo, consistente na prvia cincia da origemilcita do bem, de difcil comprovao, porque estgio meramente subjetivo docomportamento, devendo ser apurado das demais circunstncias que cercam o fato e da

    prpria conduta do agente. (STJ, AgRg no REsp 908.826/RS, Rel. Ministra JANE SILVA(Desembargadora convocada do TJ/MG), Sexta turma, julgado em 30/10/2008, DJe17/11/2008).

    Sendo impossvel, no atual estgio da cincia, perscrutar, sondar, esquadrinhara conscincia humana, a evidncia do dolo, na figura tpica do art. 180, caput, projetada

    pela personalidade do agente e pelas circunstncias em que a coisa foi obtida e em que

    a posse ilegtima exercida (TACrim-SP AC Rel. CORRA DE MORAES RJD22/354).

    Para a demonstrao do dolo direto, caracterizador da receptao dolosa,devem ser examinadas as circunstncias que envolvem a infrao e a prpria conduta doagente (TACrim-SPACRel. WILSON BARREIRARJTACrim 31/252).

    Em tema de receptao conforme esclio jurisprudencial dominante nesta Corte,o dolo se infere das circunstncias e indcios que rodeiam a prtica delituosa (TACrim-SPACRel. FERNANDES DE OLIVEIRARJTACrim 31/264).

    Tambm na jurisprudncia italiana conclui-se que la consapevolezza della

    provenienza delittuosa della cosa pu trarsi da qualsiasi elemento17, como, por

    exemplo, da peculiar natureza do fato ou do comportamento sucessivo.

    Assim, se h exigncia da plena certeza da origem ilcita da res, no bastando

    meras suspeitas, esta certeza s possvel ser captada por via do conjunto de

    circunstncias pessoais e fticas, que uma vez somadas importam em concluir o efetivoconhecimento da provenincia da coisa adquirida ou recebida.

    17FIANDACA, Giovanni e MUSCO, Enzo, Diritto penale, parte speciale, v.II tomo secondo, I delitti contro Ilpatrimnio, 3 ed., Bolonha, Zanicchelli, 2.002, p. 236.

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    E para se obter esta constatao de se dar relevo tambm prova indiciria.

    Constituem indcios os elementos conhecidos da realidade a partir dos quais, em

    trabalho indutivo-dedutivo e segundo os dados da lgica, alcana-se fato no conhecido

    diretamente.

    Mas com maior rigor no crime de receptao deve-se submeter os indcios a

    crivo lgico. Sero, portanto, elementos de prova do aspecto subjetivo os dados de

    fato, certos quanto sua existncia, coordenados logicamente, segundo as

    categorias da inteligncia humana, que dada sua qualidade e quantidade, apontam, de

    forma unvoca, uma realidade no desmentida por qualquer outra prova.

    HLIO TORNAGHI conceitua o indcio como o fato provado que por sua ligao

    com o fato probando autoriza a concluir algo sobre este18. o que se d quando

    circunstncias de forma coerente, harmnica e unvoca apontam, logicamente e

    segundo o senso comum, a concluso no contrastada do conhecimento da origemilcita da coisa.

    4 - Receptao qualificada

    4.1 anlise da gnese do tipo

    A receptao qualificada vem prevista nos pargrafos primeiro e segundo do art. 180 do

    Cdigo Penal:

    18TORNAGHI, Hlio, Instituies de Processo Penal,So Paulo, Saraiva, 1978, v. 4 p. 159; Igualmente,veja-se: PIERANGELLI, Jos Henrique, Da prova indiciria, RT 601/301; CAMPOS, Antonio Carlos, Do

    processo de conhecimento, So Paulo, Saraiva, 1983, p. 234. Para o Autor, o indcio um fato conhecidoque aliado a vrios outros da mesma natureza pode induzir ao fato desconhecido.

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    Art. 180..................... 1 Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depsito,desmontar, montar, remontar, vender, expor venda, ou de qualquer formautilizar, em proveito prprio ou alheio, no exerccio de atividade comercial ouindustrial, coisa que deve saber ser produto de crime:Pena - recluso, de trs a oito anos, e multa

    2 Equipara-se atividade comercial, para efeito do pargrafo anterior,

    qualquer forma de comrcio irregular ou clandestino, inclusive o exerccio emresidncia.

    Primeiramente, diante do debate jurisprudencial que se instalou acerca do

    elemento subjetivo do tipo, entendo que para compreenso da inteligncia do texto

    necessrio socorrer-se de sua origem histrica, de seu desenvolvimento e de suas

    interpretaes pela jurisprudncia e pela doutrina.

    Os aspectos histricos no se confundem com os aspectos genticos:

    enquanto os histricos fazem referncia a textos normativos anteriores que possuam

    semelhante mbito de incidncia em face da norma objeto de interpretao, os

    genticos dizem respeito a textos no-normativos (discusses parlamentares, projetos

    de lei, discursos legislativos, exposies de motivos), e dizem respeito formao do

    prprio dispositivo objeto de interpretao.19

    Os aspectos genticos acima referidos podem esclarecer as idias dosproponentes da lei, pois o contexto social e poltico do momento da propositura da

    19MLLER, Friederich. Mtodos de trabalho do Direito Constitucional.So Paulo: Max Limonad, 2aed.Trad. Peter Naumann, 2000, p. 240 e seguintes.

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    projeto transformado em lei so relevantes para mostrar o objetivo pretendido com a

    edio da norma, a ser vista tambm no conjunto normativo de que faz parte.

    Em fins de 1.995, comisso para a modernizao da legislao penal foi

    instituda pela Portaria n 315, assinada pelo Ministro da Justia Nelson Jobim e

    composta pelos seguintes membros: Francisco de Assis Toledo (coordenador), Miguel

    Reale Junior, Ren Ariel Dotti, Vicente Greco Filho, Juarez Tavares, Eduardo AntonioLucho Ferro, Alceu Loureiro Ortiz e Elizabeth Sussekind.

    Na Exposio de Motivos apresentada ao primeiro projeto de lei20 de lavra da

    Comisso enviado Cmara dos Deputados, ponderava o Ministro da Justia:

    Tentativas da elaborao de uma inteiramente nova Parte Especial foramempreendidas em gestes anteriores, no mbito do Ministrio da Justia, sem

    que se chegasse a bom termo, seja, pela extenso desse trabalho, seja pelasdificuldades de se chegar a consenso sobre questes extremamente polmicas.

    .................................................

    Os fatos sociais, entretanto, no esperam. Precipitamse. Novas formas decriminalidade manifestamse trazendo intranqilidade aos habitantes dascidades, especialmente das grandes concentraes urbanas j de si mesmassobrecarregadas de problemas

    20O primeiro projeto visava a criar a figura do crime de especial gravidade, correspondente a incorretadenominao crimes hediondos e por via do qual se estabelecia que em tais delitos fosse obrigatrio oregime fechado em, pelo menos, metade da pena, cabendo o livramento condicional somente aps o

    cumprimento de metade ou de dois teros da pena. O Projeto estabelecia, acentuava a Exposio deMotivos, tratamento penal mais severo para os crimes de especial gravidade, mas permitindo, por outrolado, que esse tratamento se ajustasse ao sistema progressivo de cumprimento de pena, institudo pelareforma de 1884, sem o qual tornase impossvel pensarse em um razovel sistema penitencirio.

    Estabelecia o projeto que o juiz determinar o cumprimento de metade da pena aplicada emregime fechado, desde o incio, quando o crime for de especial gravidade e que o livramento condicionalseria cabvel se cumprida mais da metade da pena ou cumpridos mais de dois teros da pena, se ocondenado for reincidente especfico em crime de especial gravidade.

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    Crimes de Especial Gravidade foi o termo adotado com o objetivo de retirar da

    legislao ordinria a designao crimes hediondos, adotada pela Constituio de

    1988, art. 5, XLIII e pela Lei n 8.072/199021.

    Deve-se destacar da Exposio de Motivos, na qual se fez referncia finalidade

    buscada com a Comisso de Modernizao da Legislao Penal, a ponderao de que

    se pretendia atender s novas formas de criminalidade que trazem intranqilidade aoshabitantes das cidades.

    Com efeito, a Comisso buscou especificar condutas praticadas por via de

    organizao informal na prtica de crimes, merecedoras de maior resposta penal, pois

    efetivamente traziam insegurana sociedade.

    Na Mensagem n 784 que acompanhou o projeto de lei, transformado na Lei n

    9.426/96, esclarecia-se a razo da necessidade de alterao legislativa, ao se afirmar:

    Espera-se, com essas propostas de inovao, dar aos rgos de persecuopenal os instrumentos legais adequados represso de uma grave e crescenteforma da criminalidade, no momento em que avultam os prejuzos patrimoniais,acompanhados, em grande nmero de casos, de violncia contra a pessoa,corrupo e de criminalidade organizada.

    21O projeto de lei aps aprovao na Cmara dos Deputados foi retirado pelo governo diante da gritapromovida pela imprensa que denunciava a fragilizao do rigor da Lei n 8.072/90. O Supremo TribunalFederal ao reconhecer a inconstitucionalidade desta lei ao proibir a aplicao do sistema progressivo,levou a que o Legislativo elaborasse s pressas a Lei n 11.464/97 que institua similarmente ao projeto,tratamento rigoroso aos crimes intitulados de hediondos, mas com possibilidade de aplicao do sistemaprogressivo.

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    Assim, do conjunto normativo22 em que se inseriu a criao da figura da

    receptao qualificada, transformado na Lei n 9.426/96, modificativa do Cdigo Penal,

    221 Os dispositivos a seguir enumerados, do Decreto-lei n 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - CdigoPenal, passam a vigorar com as seguintes alteraes:

    "Art.155. .....................................................................

    5A pena de recluso de trs a oito anos, se a subtrao for de veculo automotor que venha a sertransportado para outro Estado ou para o exterior.

    Art.157. .......................................................................

    2 ......................................................................IV -se a subtrao for de veculo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para oexterior;

    V - se o agente mantm a vtima em seu poder, restringindo sua liberdade.

    3 Se da violncia resulta leso corporal grave, a pena de recluso, de sete a quinze anos, alm damulta; se resulta morte, a recluso de vinte a trinta anos, sem prejuzo da multa.

    Art. 180.Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar em proveito prprio ou alheio, coisa que sabeser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-f, a adquira, receba ou oculte:

    Pena - recluso, de um a quatro anos, e multa.

    Receptao Qualificada

    1 Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depsito, desmontar, montar, remontar,

    vender, expor venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito prprio ou alheio, no exerccio deatividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime.

    Pena - recluso, de trs a oito anos, e multa.

    2 Equipara-se atividade comercial, para efeito do pargrafo anterior, qualquer forma de comrcioirregular ou clandestino, inclusive o exerccio em residncia.

    3 Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporo entre o valor e o preo, oupela condio de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:

    Pena - deteno, de um ms a um ano, ou multa, ou ambas as penas.

    4 A receptao punvel, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveioa coisa.

    5 Na hiptese do 3, se o criminoso primrio, pode o juiz, tendo em considerao as

    circunstncias, deixar de aplicar a pena. Na receptao dolosa aplica-se o disposto no 2 do art. 155. 6 Tratando-se de bens e instalaes do patrimnio da Unio, Estado, Municpio, empresaconcessionria de servios pblicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caputdesteartigo aplica-se em dobro.

    Art.309. .....................................................................

    Pargrafo nico.Atribuir a estrangeiro falsa qualidade para promover-lhe a entrada em territrio nacional:

    Pena - recluso, de um a quatro anos, e multa.

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art155%C2%A75http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art155%C2%A75http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art155%C2%A72ivhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art155%C2%A72ivhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art180http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art180http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art309phttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art309phttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art309phttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art180http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art155%C2%A72ivhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art155%C2%A75
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    constam figuras que especificam: o furto ou roubo de automvel transportado para

    outro Estado; o roubo com coero da liberdade da vtima (denominado seqestro

    relmpago); a Adulterao de sinal identificador de veculo automotor.

    So contempladas, portanto, novas formas de criminalidade, em especial

    voltadas para o furto ou roubo de veculos, cuja ao subseqente est na ocultao

    por meio de entidade formal ou informal, denominadas ferros velhos ou desmanches,

    que garantem a lucratividade da subtrao de automveis com desaparecimento doveculo, cujas partes so vendidas, constituindo delito com vertiginosa incidncia.

    Assim, s formas de conduta previstas no caput do art. 180 acrescentam-se

    outras como conduzir, transportar, montar, remontar a serem realizadas no exerccio

    de atividade comercial. Alm do mais, determina-se no 2 que se equipara atividade

    comercial qualquer forma de comrcio irregular ou clandestino, inclusive o exerccio em

    residncia.

    Na Exposio de Motivos do Ministro da Justia23, na Mensagem 784 de 24 de

    agosto de 1.995, destaca-se que a criao da figura da receptao qualificadavisava

    Art. 310. Prestar-se a figurar como proprietrio ou possuidor de ao, ttulo ou valor pertencente aestrangeiro, nos casos em que a este vedada por lei a propriedade ou a posse de tais bens:

    Pena - deteno, de seis meses a trs anos, e multa.

    Adulterao de sinal identificador de veculo automotor

    Art. 311.Adulterar ou remarcar nmero de chassi ou qualquer sinal identificador de veculo automotor, deseu componente ou equipamento:

    Pena - recluso, de trs a seis anos, e multa.

    1 Se o agente comete o crime no exerccio da funo pblica ou em razo dela, a pena aumentadade um tero.

    2 Incorre nas mesmas penas o funcionrio pblico que contribui para o licenciamento ou registro doveculo remarcado ou adulterado, fornecendo indevidamente material ou informao oficial."

    23Dirio do Congresso Nacional, 24 de agosto de 1.995, seo I, p. 99.

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art310http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art310http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art311http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art311http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art311http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art310
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    a reprimir comportamento de grande incidncia e fator de preponderante de ampliao

    de casos de furto e roubo que a receptao profissional acompanhada do desmonte

    da coisa para venda de seus componentes, dificultando sua identificao e

    recuperao, tendo por alvo especialmente os desmanches de veculos, jias e

    computadores. Da o agravamento da apenao.

    4.2 o tempo do verbo

    A Comisso, integrada entre outros, por JUAREZ TAVAREZ e por mim, teve o

    maior cuidado quanto ao tempo do verbo, pois sendo figura qualificada da receptao

    pretendeu-se ser mais exigente ainda na descrio do elemento subjetivo do tipo, razo

    pela qual se preferiu locuo que sabe a expresso quedeve saber, ou seja,

    requerendo-se efetivo conhecimento da origem delituosa. Usou-se o presente do

    indicativo Que Deve, e no uma forma subjuntiva, Que Deva ou condicional QueDeveria saber.

    Foi Damsio de Jesus que, em crtica apressada lei, levantou primeiramente a

    hiptese de se estar prevendo uma figura de dolo eventual. Absurda a observao,

    fruto de total desateno para com o tempo do verbo. Maior absurdo ainda entender-se

    que por ser a figura relativa ao dolo eventual estar-se-ia a punir mais gravemente o

    crime na forma de dolo eventual do que na forma do dolo direto, do caput.

    Nesta linha de raciocnio, chegou-se a considerar inconstitucional o pargrafo

    primeiro do art. 180 do Cdigo Penal, pois vem a punir mais gravemente o crime na

    forma do dolo indireto do que no direto, previsto no caput. Dois enganos: primeiramente

    a figura do pargrafo difere fundamentalmente da figura do caput, pois voltada

    receptao profissional.

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    Assim, mesmo que hipoteticamente, o que se admite apenas para argumentar,

    fosse o tipo do pargrafo primeiro um crime no modelo do dolo eventual, assim mesmo,

    a maior gravidade decorreria da forma da prtica da receptao, ou seja, no exerccio

    de atividade comercial, cuja ofensividade extremamente superior. E, por outro lado,

    estranhvel que se pretenda que o crime praticado com dolo indireto tenha pena mais

    branda frente ao crime com dolo for direto. Em crtica ao art. 42 da antiga parte geral,

    que previa a intensidade do dolo como circunstncia judicial acentuou, com razo,

    PAULO QUEIROZ: sendo o dolo requisito dos tipos dolosos, e, pois, pressuposto da

    prpria condenao, consider-lo para efeito de majorar ou atenuar a pena constitui bis

    in idem24.

    Com efeito, em sua redao original o Cdigo Penal de 1.940, ao disciplinar no

    art. 42 a individualizao da pena, estatua que a mesma fosse calculada de acordo

    com a intensidade do dolo ou o grau da culpa, ao lado de outras circunstncias judiciais

    como motivos, antecedentes, conseqncias do crime.

    Destarte, a intensidade do dolo como critrio poderia levar a se aplicar, no

    sistema anterior Reforma da Parte Geral, a pena alm do mnimo se o agente tivesse

    atuado com premeditao, por exemplo, como assinalou BASILEU GARCIA:

    Se no incluiu o legislador entre as agravantes a premeditao, no est,porm, o juiz inibido de reconhecer mais culpado o criminoso que premeditou,se se evidencia, no caso, o frio pensamento voltado deliberadamente execuo do crime. Ser uma forma de maior intensidade de dolo25.

    Nem a doutrina ou a jurisprudncia indicaram considerar, contudo, que o dolo

    eventual constitua uma forma de menor intensidade do dolo. E se tal fosse entendido a

    pena jamais seria aplicada abaixo do mnimo legal estabelecido na norma secundria.

    24QUEIROZ, Paulo, Direito Penalparte geral, 4a. ed., Rio de Janeiro, Lmen Iuris, 2.008, p. 335.25GARCIA, Basileu, Instituies de Direito Penal, v.II, 7.ed., So Paulo, Saraiva, 2.008, p. 103.

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    Assim, o crime com dolo direto ou indireto, em geral, merecem a mesma pena, ou at

    mesmo, em vista de outras circunstncias, como a conseqncia do crime, receber

    pena maior o realizado com dolo eventual com relao a outro efetuado com dolo

    direto, mas sem ter produzido graves conseqncias.

    A intensidade do dolo, contudo, com a Reforma de 1.984 deixou de ser

    circunstncia judicial, estabelecendo-se a equivalncia entre o crime com dolo direto e

    o crime com dolo indireto. Na Exposio de Motivos da Nova Parte Geral explica-se queo Projeto preferiu a expresso "culpabilidade" em lugar de "intensidade do dolo ou grau

    de culpa", visto que graduvel a censura, cujo ndice, maior ou menor, incide na

    quantidade da pena, uma vez ser difcil constatar que se tenha tido mais ou menos

    vontade de praticar o crime. Graduvel a culpabilidade, ou seja, a censurabilidade do

    fato e do autor26.

    Neste sentido, cabe lembrar acrdo do Superior Tribunal de Justia da lavra do

    saudoso professor Luiz Vicente Cernicchiaro:

    Dolo elemento anmico, projeo de livre escolha do agente entre agir, ouomitir-se no cumprimento do dever jurdico. No tem intensidade. Intensidaderefere-se a graus, do maior ao menor. Nada tem com o dolo. relativa, issosim, culpabilidade entendida, no sentido moderno da teoria geral do delito,como reprovabilidade, censurabilidade ao agente no ao fato. Porque, podendoagir de modo diverso, no o fez. Insista-se: no existe dolo intenso. Aculpabilidade, sim, intensa, mdia, reduzida, ou mensuradaintermediariamente a essas referncias. No caso sub judice, a pena-base foimajorada pela intensidade do dolo. Essa qualificao normativamenteinadequada. Alm do mais, ainda que tais consideraes no se faam

    procedentes dada a exigncia da fundamentao explcita, o juiz precisariamotivar a referida intensidade. Termo que, ontologicamente, contm graus.

    Alis, a lei vigente no menciona mais intensidade de dolo, como se referira aParte Geral revogada do Cdigo Penal. Abandonou-se a teoria da causalidade(STJ - 6 T. - Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro HC 9.584 - j. 15.06.1999 0 DJU23.08.1999, p. 153).

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    Dessa maneira, a culpabilidade como juzo de censura pode no levar ou no

    reprovao de menor grau se o crime foi realizado com dolo eventual e no direto, pois

    a indiferena frente incolumidade do bem jurdico, prpria do dolo eventual, pode ser,

    conforme as circunstncias do fato concreto, merecedora de maior censura do que a

    atuao com dolo direto.

    Mas, na verdade, a questo outra, pois, nesta matria, se fez uma

    construo imaginativa de inconstitucionalidade, com desprezo descrio tpica deambas as figuras, a do caput e do pargrafo primeiro do art. 180 do Cdigo Penal,

    entendendo-se que seriam idnticas, uma com dolo direto, outra com dolo indireto.

    Nada mais equivocado. Basta ler os dois tipos penais para se concluir pela erronia dos

    crticos.

    4.3 o confronto na jurisprudncia

    O dissdio jurisprudencial nesta matria vem com maestria analisado porHELENA REGINA LOBO DA COSTA27, que selecionou acrdos das diversas

    orientaes da jurisprudncia, em inusitados caminhos28. A Autora lembra, ao final,

    ensinamento de DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO, segundo o qual a expresso usada

    26REALE Jnior, Miguel, Instituies de Direito Penal, 3.ed., Forense, Rio de Janeiro, 2.009, p. 406.27COSTA, Helena Regina Lobo da, Direito PenalJurisprudncia em debate, coordenador Miguel RealeJnior, Rio de Janeiro, GZ editora, 2.011, p. 77 e seguintes.2828COSTA, Helena Regina Lobo da, Direito Penal Jurisprudncia em debate, coordenador Miguel

    Reale Jnior, Rio de Janeiro, GZ editora, 2.011, p 78 e seguintes, relaciona, por exemplo, duas decisesconfrontantes do Supremo Tribunal Federal. Na primeira, relatada por Celso de Mello entendeu-se que olegislador brasileiro - ao cominar pena mais leve a um delito mais grave (CP, art. 180, caput) eaopunir, com maiorseveridade, um crime revestido demenorgravidade (CP, art. 180, 1) - atuou, demodo absolutamente incongruente, com evidentetransgresso ao postulado da proporcionalidade. Emoutra deciso, agora relatada pela Min. Ellen Gracie, ponderou-se, ao contrrio, tratar-se de aparentecontradio, pois no h dvida acerca do objetivo da criao da figura tpica da receptao qualificadaque, inclusive, crime prprio relacionado pessoa do comerciante ou do industrial. A idia exatamente a de apenar mais severamente aquele que, em razo do exerccio de sua atividadecomercial ou industrial, pratica alguma das condutas descritas no referido 1, do art. 180,

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    deve saber e no deveria saber refere-se a dolo diretssimo, entendido como cincia

    presente, atual, certa e pontual da provenincia ilcita da coisa29, ou seja, que

    obrigatoriamente sabe.

    HELENA LOBO DA COSTA conclui ser essa a interpretao a nica que

    fornece uma adequada justificao para a pena cominada, quando comparada com

    aquela do caput, j que se referiria conduta praticada com dolo direto por comerciante

    ou industrial. Nessa linha, a receptao praticada com dolo direto por aqueles quelidam, cotidianamente, com determinados bens, conhecendo, pois, suas caractersticas

    e preos e tendo, ainda, maior facilidade para a prtica do delito, seria, de fato, mais

    reprovvel, fundamentando-se uma reprimenda mais alta.

    Por outro lado no se incorre em presuno do dolo, pois no se est a presumir

    que o agente saiba, mas sim a exigir que deva efetivamente saber. E se houvesse

    presuno do dolo, o que no sucede, nem por isso estar-se-ia diante do dolo eventual.

    Destarte, o engano imenso, a ponto um acrdo chegar a mencionar que a

    expresso legal deveria saber induz ao reconhecimento apenas do dolo eventual 30.

    Tal indica a pressa na interpretao da norma, sem sequer se atentar para o tempo do

    verbo, pois ao se exigir, no tipo penal, que o agente deve saber da origem d elituosa

    da coisa se est a requerer maior grau de conhecimento desta procedncia e no

    apenas um conhecimento que poderia ter tido e no teve, sem confiar que no tenha a

    29AZEVEDO, David Teixeira de, O crime de receptao e formas de execuo dolosa: direta e eventual,na Revista dos Tribunais, So Paulo, v. 762, p. 457-479, abril de 1999.30COSTA, Helena Regina Lobo da, Op. cit., p. transcreve acrdo do TJRNCmara CriminalApelaoCriminal n. 2010.009343-9Rel. MARIA ZENEIDE BEZERRAj. 10.05.2011 segundo o qual realmente,ao se observar, de forma apressada, os citados dispositivos legais, pode-se, perfeitamente, chegar a umaconcluso de que a receptao simples (art. 180, caput, CP) deveria ter uma pena maior do que areceptao qualificada (art. 180, 1, CP), ou no mnimo igual, eis que na primeira, o agente tem acerteza de que a coisa receptada ilcita, enquanto na segunda figura, inexiste esta certeza, apenas oagente deveria saber a origem ilcita.

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    coisa origem ilcita. A expresso deve saber tem carter imperativo e no condicional

    como alguns acrdos e doutrinadores passaram a inventar, pois exige um

    conhecimento presente e no uma mera possibilidade de conhecer.

    5 - concluso

    Resta demonstrado que cabe ao legislador se acautelar ao mximo diante da

    fora criativa da jurisprudncia e da doutrina, para ser o mais simples, de forma areduzir ao mximo a possibilidade de distoro do texto proposto, o que misso

    dificlima, pois estou convicto de que sendo o direito o que a interpretao for, sempre

    haver uma vida livre e autnoma da norma depois de editada, longe da sua filiao a

    uma determinada inteno. Mas, mesmo assim, a interpretao gentica pode ter

    alguma fora para esclarecer matria como a em estudo, to repleta de controvrsias

    em grande parte resolvidas pelas lies de DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO e de

    HELENA LOBO DA COSTA.

    Por falta de uma interpretao gramatical, influenciados pelo verbo dever antes

    de saber, descuidou-se do exame do tempo do verbo, para concluir que se pretendia

    estabelecer a descrio de um tipo de crime com dolo indireto. Por ausncia do exame

    das razes de legislar construiu-se uma incongruncia inexistente, quando o relato dos

    motivos da criao da Comisso constituda para preparar os anteprojetos, bem como

    as explicaes especificamente dos motivos de criao da figura da receptao

    qualificada indicam que se estava no a prever um crime com dolo indireto, mas

    diretssimo, na expresso de DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO.

    Tambm falharam a jurisprudncia e alguns doutrinadores ao no se atentar

    para o conjunto normativo da Lei n 9.426/96 claramente demonstrativo da Poltica

    Legislativa adotada de represso s formas de uma criminalidade semi-organizada,

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    cuja potencialidade para instalar insegurana social justificava a criao da figura da

    receptao qualificada, razo pela qual no se previa um crime com a forma do

    dolo eventual, at para segurana dos destinatrios da norma diante de apenao to

    grave, em razo da qual se pretendeu ser ainda mais exigente quanto caracterizao

    do elemento subjetivo.