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MARIANA BERNARDO NUNES SHINTŌ, RITUAIS E PURIFICAÇÃO: O INDIVÍDUO NO CICLO DE DESORDEM E ORDEM Orientador: Prof.º Doutor José Manuel Brissos Lino Co-Orientador: Prof.º António E.R. Faria Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração Departamento de Ciência Política, Segurança e Relações Internacionais Lisboa 2018

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MARIANA BERNARDO NUNES

SHINTŌ RITUAIS E PURIFICACcedilAtildeO

O INDIVIacuteDUO NO CICLO DE DESORDEM E ORDEM

Orientador Profordm Doutor Joseacute Manuel Brissos Lino

Co-Orientador Profordm Antoacutenio ER Faria

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias

Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo

Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Seguranccedila e Relaccedilotildees Internacionais

Lisboa

2018

Dissertaccedilatildeo defendida em provas puacuteblicas para obtenccedilatildeo do

Grau de Mestre em Ciecircncia das Religiotildees no Curso de

Mestrado em Ciecircncia das Religiotildees conferido pela

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias no dia

4 de Junho de 2018 com o despacho reitoral nordm 1082018 de

27 de Marccedilo de 2018 mediante a seguinte composiccedilatildeo de

juacuteri

Presidente

Profordm Doutor Joatildeo Almeida dos Santos

Arguente

Profordm Doutor Antoacutenio Eduardo Hawthorne Barrento

(Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)

Orientador

Profordm Doutor Manuel Brissos-Lino

MARIANA BERNARDO NUNES

SHINTŌ RITUAIS E PURIFICACcedilAtildeO

O INDIVIacuteDUO NO CICLO DE DESORDEM E ORDEM

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias

Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo

Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Seguranccedila e Relaccedilotildees Internacionais

Lisboa

2018

DEDICATOacuteRIA

A toda a minha famiacutelia para que conheccedilam um pouco da cultura japonesa

Aos professores da minha Licenciatura em Estudos Asiaacuteticos os responsaacuteveis pelo primeiro

contacto com a realidade asiaacutetica

Aos professores de Mestrado em Ciecircncia das Religiotildees a quem lhes devo o aprofundamento

do estudo de lsquocosmovisotildeesrsquo

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais pelo seu apoio no decorrer deste projeto

Ao Professor Antoacutenio Faria pelo tempo simpatia e disponibilidade prestados

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 1

RESUMO

O presente trabalho procura analisar os rituais que no contexto de shintō

inviabilizam e favorecem a restauraccedilatildeo da Ordem Os rituais por norma portadores de uma

conotaccedilatildeo ldquopositivardquo podem alternativamente ser entendidos como uma sucessatildeo de

pensamentos palavras e accedilotildees justificando a classificaccedilatildeo em positivonegativo consoante os

resultados obtidos

No Japatildeo a gradual institucionalizaccedilatildeo da Via dos kami (shintō) por parte da corte

imperial favoreceu a evoluccedilatildeo de praacuteticas ldquorituaisrdquo executadas por indiviacuteduos que celebravam

a sua relaccedilatildeo com os kami formas de existecircncia e consciecircncia associadas agrave Ordem (na sua

grande maioria) e veneradas ateacute aos dias de hoje

Criado para o bem de quem o segue o shintō reconhece a purificaccedilatildeo como a

preocupaccedilatildeo transversal de todas as suas vertentes Com efeito a purificaccedilatildeo eacute um complexo

processo cujos efeitos natildeo satildeo apenas positivos para o indiviacuteduo mas tambeacutem para o coletivo

isto eacute a sociedade com a qual interage diariamente conduzindo-o agrave Ordem

Contudo natildeo haacute Ordem sem o seu oposto a Ordem e a Desordem satildeo as duas partes

de um ciclo no qual o indiviacuteduo se encontra assumindo um papel fundamental dado que tem

a capacidade de executar rituais se a Ordem eacute a meta dos rituais positivos a Desordem eacute a

consequecircncia dos rituais negativos

Palavras-chave Japatildeo shintō (神道) rituais purificaccedilatildeo (jōka浄化) indiviacuteduo

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 2

ABSTRACT

The following work aims for an analysis of the rituals that in the context of shintō

may invalidate and encourage the restauration of the Order The rituals typically defined by

bearing a ldquopositiverdquo connotation may alternatively be understood as a succession of thought

words and actions which justifies the lsquopositivenegativersquo classification according to the

obtained results

In Japan the gradual institutionalization of the Way of the kami by the imperial court

promoted the evolution of several ldquoritualrdquo practices executed by individuals that celebrated

their relationship with the kami forms of existence and conscience associated to the Order

(the most part of them) and worshiped to the present time

A Way created for the wellbeing of the one who follows it the shintō acknowledges

the purification as the transversal concern of all of its aspects Therefore the purification is a

complex process whose results are not just positive for the individual but also for the

collective meaning the society with whom he interacts on a daily basis which leads him to

the Order Nevertheless there is no Order without its opposite the Order and the Disorder

are the two parts of a cycle in which the individual is found assuming a vital role due to the

fact he has the capacity of executing rituals if the Order is the goal of positive rituals the

Disorder is the consequence of negative rituals

Keywords Japan shintō (神道) rituals purification (jōka浄化) individual

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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IacuteNDICE GERAL

GLOSSAacuteRIO 5

INTRODUCcedilAtildeO 9

1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA 16

11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo 19

111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de divisatildeo da

realidade agrave criaccedilatildeo da mesma 24

112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordemhellip 26

12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora 32

121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa 32

122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos

kami 35

123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu 39

13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945 43

131 A visatildeo nacionalista Meiji uma lsquonatildeo-religiatildeorsquo ao serviccedilo do Estado

japonecircs 44

132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular

religiatildeo japonesa 46

2 SOCIEDADE ESPIRITUALIDADE E EacuteTICA A VIA DOS KAMI E O REGRESSO

Agrave Ordem 48

21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e

individuais 48

22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii 50

23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi 53

24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e

externa 79

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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CONCLUSAtildeO 97

BIBLIOGRAFIA 101

ANEXOS I

Anexo I I

Anexo II II

Anexo III III

Anexo IV IV

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GLOSSAacuteRIO

Amatsu-no-kami literalmente lsquokami celestesrsquo satildeo um grupo de kami liderados por

Amaterasu Ōmikami e que habitam em Takamagahara (高天原) Nesta divisatildeo encontram-se

ainda os hermafroditas koto-amatsukami (別天つ神)

Fujō termo geneacuterico para designar o que eacute lsquoimpurorsquo aos olhos da sociedade japonesa Por

vezes sinoacutenimo de fuketsu se bem que esta palavra seja usada no contexto de algo

higienicamente reprovaacutevel Num sentido mais amplo fujō representa um estado de Desordem

associando-se com o termo kegare

HaraiHarae atos de lsquopurificaccedilatildeorsquo no sentido de eliminaccedilatildeo da desordem provocada pela

accedilatildeo humana ou natural Haraiharae eacute uma das praacuteticas mais recorrentes das vaacuterias vertentes

de shintō e pode ser praticada de forma individual ou coletiva

Imi palavra de conotaccedilatildeo prejudicial que convida agrave Desordem Comportamento ou algo cuja

natureza eacute negativa e reprovaacutevel de dizerfazer servindo de base etimoloacutegica ao ceacutelebre termo

imikotoba palavras natildeo pronunciaacuteveis em certas ocasiotildees (festivas)

Imuimi lido alternativamente como sai eacute uma conduta positiva e favoraacutevel ao cumprimento

de rituais shintō Frequentemente interpretado como atos de lsquoabstenccedilatildeorsquo fiacutesica e mental

imuimi seriam descritos e categorizados nas obras Yōrō-ryō e Engishiki

Jingikan um instrumento do poder poliacutetico imperial e o oacutergatildeo de manutenccedilatildeo e vigilacircncia

dos vaacuterios jinja desde os primeiros seacuteculos do periacuteodo dinaacutestico japonecircs A niacutevel legal o culto

jingi sujeitava-se agraves regulaccedilotildees do coacutedigo Jingiryō Nos dias de hoje as funccedilotildees do Jingikan

foram essencialmente substituiacutedas pela Jinja Honchō

Jinja espaccedilos fiacutesicos de veneraccedilatildeo aos kami Literalmente os ldquosantuaacuterios de kamirdquo

Kami com frequecircncia traduzido em obras por lsquodeusesrsquo lsquoentidadesrsquo lsquodivindadesrsquo e lsquoespiacuteritosrsquo

podem ser entendidos como formas de existecircncia anteriores e superiores os humanos Apesar

de a maioria atuar como representantes da Ordem os magatsubi-no-kami defendem o seu

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oposto reforccedilando a ideia de princiacutepios contraacuterios mas complementares muito visiacutevel em

shintō

Kata-shiro um pedaccedilo de papel cuja forma lembra uma figura humana o qual se escreveria o

nome e o geacutenero do seu portador esfregando-se este objeto no corpo transmitindo

simbolicamente os tsumi do corpo para o papel Praacutetica costumaacuteria em Ōharae

Kegare traduzido por lsquoimpurezarsquo e por vezes sinoacutenimo da palavra fujō kegare eacute parte da

terminologia de shintō e um dos termos conotados com a Desordem Eventualmente avanccedilos

na consciencializaccedilatildeo do lsquopuroimpurorsquo permitiram um processo de categorizaccedilatildeo cada uma

associada a uma lsquoimpurezarsquo particular

Kokoro lsquocoraccedilatildeorsquo no sentido natildeo anatoacutemico eacute o elemento interior de qualquer pessoa e

associado ao estado emocional da mesma Em contexto acadeacutemico eacute costume o termo ser

traduzido como lsquomentersquo ou lsquocoraccedilatildeomentersquo

Kunitsu-no-kami os lsquokami terrenosrsquo e hierarquicamente inferiores aos amatsu-no-kami No

fundo satildeo kami que jaacute habitariam o Japatildeo antes da conquista de Ninigi o miacutetico neto de

Amaterasu Na sequecircncia da derrota dos kunitsu-no-kami inaugura-se uma nova Ordem

coacutesmica e poliacutetica

Makoto traduzido por lsquosinceridadersquo e lsquoverdadersquo eacute uma atitude positiva inerente aos humanos

e fundamental aquando das praacuteticas de veneraccedilatildeo aos kami Um dos termos profundamente

ligados agrave natureza mais eacutetica de shintō

Matsuri a variaccedilatildeo do verbo matsuru (祭る祀る) na qual o praticante consagra oferendas a

formas de existecircncia respeitaacuteveis (antepassados kami e budas) Por norma expressotildees

puacuteblicas associadas ao culto jingi que durante o tempo de vigor do Jingikan eram

organizadas consoante as regulaccedilotildees do Jingiryō incorporado na obra Engishiki

Misogi harai o ato de banhar o corpo numa fonte de aacutegua ativando as propriedades

terapecircuticas e purificadoras deste elemento No Kojiki e Nihon shoki Izanagi-no-kami eacute

descrito como o primeiro kami a fazer uso deste ritual apoacutes regressar do Yomi o domiacutenio

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subterracircneo da mitologia japonesa Misogi eacute tambeacutem o expoente de purificaccedilatildeo a niacutevel

externo e interno

Meijō uma das palavras para lsquopurezarsquo Etimologicamente constituiacuteda por mei (明) a leitura

foneacutetica alternativa do japonecircs aki akari akarui termos que expressam as ideias de

lsquoclaroclarezarsquo e jō (浄) lsquopuropurarsquo

Musubi contendo em si a noccedilatildeo de lsquoligaccedilatildeorsquo e lsquouniatildeorsquo e de certo modo o Todo Diz-se que

musubi estaacute presente em qualquer elemento que nos rodeia

Norito frases escritas numa linguagem arcaica e hoje usadas em todo o tipo de locais de

veneraccedilatildeo Sobretudo de caraacutecter puacuteblico norito satildeo etimologicamente constituiacutedas pela

partiacutecula nori (祝) cujo kanji eacute usado no verbo lsquocelebrarrsquo (iwau) e kotoba (詞) lsquopalavrarsquo

Fundamentais para a reposiccedilatildeo temporaacuteria da Ordem

Onmyōdō a Via da escola de funcionaacuterios provenientes do Escritoacuterio Yin-Yang cujas

atividades foram reguladas pelos Abe e Kamo hereditaacuterios liacutederes dos cargos mais relevantes

desta instituiccedilatildeo

Saigū tiacutetulo conferido agrave mais importante sacerdotisa escolhida de entre os membros da

famiacutelia imperial para servir nos jinja de Ise e Kamo Jovem cujo periacuteodo de preparaccedilatildeo

envolvia uma lsquoabstinecircnciarsquo rigorosa de trecircs anos

Shinsen conjunto de alimentos (arroz sal aacutegua sake bolos de arroz peixe algas vegetais

cereais e fruta) oferecidos em altares aos kami

Shintai mitamashiro objetos palpaacuteveis (espelhos por exemplo) identificados com o proacuteprio

kami e como tal devem ser venerados de forma adequada Permanentemente escondidos

dentro do jinja e vigiados pelos responsaacuteveis ateacute ao momento dos matsuri ou outras

celebraccedilotildees

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Shintō a Via dos kami (kami no michi) e uma das religiotildees (shūkyō) reconhecidas no plano

estatiacutestico japonecircs que por sua vez a agrupa em jinja shintō ou shintō de santuaacuterios kyōha

shintō o ceacutelebre shintō setorial e as ldquonovas religiotildeesrdquo (shin shūkyō) baseadas em shintō

Tamashii o elemento inerente ao ser humano e aos kami que supostamente eacute constituiacutedo por

quatro aspetos (shikon) cada um representando uma faceta da personalidade individual Se

pertence aos kami tamashii designa-se mitama Em alguns jinja apenas parte da mitama eacute

venerada pelos praticantes

Temizu a forma abreviada de misogi na qual o indiviacuteduo lava a boca e das matildeos Temizu eacute

obrigatoacuterio antes da veneraccedilatildeo nos jinja

Tsumi palavra que significa lsquocrimersquo Eacute algo contraacuterio agrave ordem social independentemente de

esta ser entre os kami ou entre os humanos Eliminados de forma simboacutelica pelas praacuteticas

haraeharai tsumi satildeo por vezes divididos em amatsu-no-tsumi (lsquocrimes celestesrsquo) e kunitsu-

no-tsumi (lsquocrimes terrenosrsquo)

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INTRODUCcedilAtildeO

O trabalho tem como objectivo uma anaacutelise dos rituais que inviabilizam e permitem a

purificaccedilatildeo em shintō O objeto de estudo comporta natildeo apenas uma abordagem histoacuterica-

antropoloacutegica do shintō adotada por muitos autores contemporacircneos mas tambeacutem um olhar

sobre a sua praacutetica ritual que eacute considerada por muitos como o alicerce da lsquoViarsquo (em japonecircs

dō) per si entendendo-se lsquoritualrsquo como a sucessatildeo de pensamentos palavras e accedilotildees Assim eacute

possiacutevel interpretar o homem como aquele que estaacute no ciclo de Desordem e Ordem capaz de

provocar ou deixar-se influenciar pela Desordem e nesse caso o ritual eacute prejudicial negativo

Em contrapartida se se recorrer agrave purificaccedilatildeo os seus efeitos satildeo positivos e a Ordem eacute

temporariamente restaurada Tal como se constata em tradiccedilotildees ditas orientais shintō defende

a noccedilatildeo de equiliacutebrio uma vez que nada surge sem o seu contraacuterio

A escolha da temaacutetica partiu de um interesse pessoal da autora na cultura japonesa

adquirido ao longo da sua vida acadeacutemica sobretudo durante o periacuteodo de licenciatura em

Estudos Asiaacuteticos que possibilitou uma pequena amostra do que tinha sido produzido ateacute

entatildeo por autores japoneses e natildeo japoneses acerca de shintō o que se pretendia natildeo era um

estudo pormenorizado de filosofias da Aacutesia mas sim transmitir em linhas gerais o que satildeo os

lsquoismosrsquo do continente vizinho uns cuja aacuterea de impacto se reduz a uma aacuterea geograacutefica

especiacutefica e outros que beneficiaram de uma expansatildeo significativa No mestrado em Ciecircncia

das Religiotildees apesar de a vertente filosoacutefica das vaacuterias tradiccedilotildees desenvolvidas na Aacutesia ter

sido incorporada shintō natildeo teve o mesmo protagonismo que a Via do Buda a Via de

Confuacutecio ou ainda o pensamento veacutedico Em Portugal a quase indisponibilidade e ausecircncia

de materiais (atualizados) sobre shintō eacute comparaacutevel ao escasso nuacutemero de trabalhos

acadeacutemicos realizados urgindo-se a necessidade de se executar investigaccedilotildees que

contemplem shintō natildeo como uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido de ser teiacutesta panteiacutesta monoteiacutesta

politeiacutesta mas como algo aleacutem disso Neste sentido o investigador do shintō deve ignorar os

lsquopreacute-conceitosrsquo estabelecidos por outras perspetivas ocidentais que acabaram por moldar o

mundo acadeacutemico tal como o conhecemos natildeo considerando esta religiatildeo somente de um

ponto de vista estatiacutestico

Nesta perspetiva o trabalho pode ser considerado primeiramente como um texto que

procura divulgar shintō em Portugal Um dos motivos que levou a autora a realizar este

trabalho foi como jaacute referido tentar despertar o interesse das pessoas em shintō permitindo a

abertura de portas a futuras investigaccedilotildees e simultaneamente contrariando a tendecircncia de foco

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do Mestrado de Ciecircncia das Religiotildees nas religiotildees ocidentais Tal tendecircncia pode ser

verificada se o leitor pesquisar a paacutegina virtual do repositoacuterio da Universidade Lusoacutefona de

Humanidades e Tecnologias ndash o ReCiL - Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona de entre as doze

dissertaccedilotildees disponiacuteveis e realizadas por alunos do ldquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrdquo

onze satildeo sobre cristianismo ndash em Portugal e no Brasil ndash e uma eacute dedicada a um dos estilos da

arte marcial karatedō (Shotokan Karatedō 松涛館 空手道) 1

tambeacutem este uma Via ndash Via da

ldquomatildeo vaziardquo ou karate - agrave semelhanccedila de shintō Jaacute a Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das

Religiotildees publicou cinco artigos dedicados ao Japatildeo do passado especificamente o periacuteodo de

presenccedila cristatilde em territoacuterio japonecircs (e Macau) 2

Apesar de carecer de um fundador ndash apenas vaacutelido no caso de kyōha shintō ldquonovas

religiotildeesrdquo shintō e de certo modo escolas de gakuha shintō criadas como consequecircncia dos

movimentos acadeacutemicos e de exposiccedilatildeo de conceitos e rituais (que conduzem agrave Ordem) ndash um

sistema proacuteprio de ldquofeacuterdquo e ldquoensinamentosrdquo caracteriacutesticas tiacutepicas de uma lsquoreligiatildeorsquo (no sentido

lsquoocidentalrsquo) o shintō eacute praticado pelo indiviacuteduo e como tal este uacuteltimo faz parte do todo isto

eacute do mundo que o rodeia vivendo consoante as decisotildees que toma quer sejam de natureza

positiva ou negativa

Neste sentido a finalidade desta dissertaccedilatildeo natildeo eacute somente divulgar shintō o trabalho

realizado eacute um texto argumentativo que pretende responder a trecircs questotildees o que eacute o ciclo de

Desordem e Ordem o que eacute que o praticante de shintō fazia e ainda faz para causar Desordem

ou Ordem quais satildeo os motivos por detraacutes das accedilotildees que conduzem agrave Ordem

Para tentar responder agraves perguntas acima nomeadas dividiu-se o trabalho em duas

partes cada um com um nuacutemero variado de subtoacutepicos a primeira parte eacute acima de tudo

contextualizaccedilatildeo do tema explicando-se o que se entende por shintō ldquoreligiatildeordquo kami e qual a

relaccedilatildeo destes uacuteltimos com o domiacutenio sagradodivino japonecircs

Assim a realizaccedilatildeo do primeiro subtoacutepico envolveu a procura de algumas opiniotildees

formadas por autores e investigadores constatando-se a necessidade de uma anaacutelise

etimoloacutegica de termos como shintō religiatildeo (em japonecircs shūkyō) kami e ldquosagradodivinordquo

(dicotomia seishin) Em segundo lugar efetuou-se uma siacutentese do que outros autores

(japoneses ou natildeo) entendem por kami por vezes sujeitos a processos de classificaccedilatildeo ou

1 The DSpace Foundation ldquoPercorrer lsquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrsquo por data de publicaccedilatildeordquo ReCiL -

Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line)

lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104375704browsetype=dateissuedgt (consultado em 24-06-2018) 2 The DSpace Foundation ldquoResultados da pesquisa- Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das Religiotildeesrdquo ReCiL -

Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line) lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104373095simple-

searchquery=japC3A3ogt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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categorizaccedilatildeo Seguidamente kami satildeo analisados enquanto personagens fundamentais da

cosmologia japonesa conforme os relatos do Kojiki e Nihon shoki participando no processo

de divisatildeo da realidade - sendo que esta divisatildeo pode ser tripartida (sobretudo mundo

superior mundo do meio e mundo inferior) ou bipartida (o lsquonosso mundo fiacutesicorsquoo lsquooutro

mundorsquo) ndash e ainda na criaccedilatildeo desta uacuteltima - considerando-se lsquocriaccedilatildeorsquo como o ato consciente

dos kami (neste caso o casal Izanagi e Izanami) de gerar as coisas que compotildeem o nosso

mundo e tambeacutem kami associados a essas mesmas coisas Apoacutes esta criaccedilatildeo certos kami

tornam-se agentes da Ordem (Amaterasu) e da Desordem (Susano-o e Ōkuninushi)

expressando a noccedilatildeo de equiliacutebrio muito presente nos rituais de shintō que explicam a Ordem

como a consequecircncia da condiccedilatildeo de Desordem (o episoacutedio da Ama no Iwato por exemplo)

No uacuteltimo subtoacutepico explicou-se a evoluccedilatildeo de shintō ao longo dos seacuteculos de

interaccedilatildeo com as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda observando a sua integraccedilatildeo na esfera

poliacutetica japonesa desde os primeiros tempos de institucionalizaccedilatildeo das praacuteticas de veneraccedilatildeo

aos kami ateacute agrave atualidade Natildeo obstante deve-se alertar para o facto de que este subtoacutepico natildeo

apresenta shintō numa perspetiva cronoloacutegica a Via do Confuacutecio - a primeira a ser estudada

neste trabalho - influenciou a sociedade claacutessica japonesa mas a adaptaccedilatildeo dos seus

ensinamentos por parte de shintō soacute se veio a realizar num periacuteodo posterior Por outras

palavras se se pretendesse uma evoluccedilatildeo cronoloacutegica de shintō o esquema a seguir seria ldquoVia

de Dao-Via do Buda-Via de Confuacuteciordquo

No que concerne agrave segunda parte esta corresponde ao desenvolvimento do tema e

como tal investiga-se algumas teorias e praacuteticas - uma vez que a teoria daacute coesatildeo agrave praacutetica e a

praacutetica eacute uma forma de dinamizaccedilatildeo da teoria ndash do shintō retratado como uma Via

profundamente social ndash liga os humanos aos kami e vice-versa surgindo kami que atendem agraves

necessidades concretas individuaiscoletivas de quem os procura (Inari Ebisu Shichi Fukujin

e Tenjin) ndashrsquoespiritualrsquo ndash na aceccedilatildeo de se estar perante algo natildeo do domiacutenio palpaacutevel ou fiacutesico

que tambeacutem serve de elo de ligaccedilatildeo humanokami evidenciado pelo desenvolvimento de toda

uma tradiccedilatildeo de lsquoespiritualidade japonesarsquo melhor expressa por musubi rei e tamashii ndash e

lsquoeacuteticarsquo ndash no sentido de existir um bemmal ou seja algo ordenado e algo desordenado que

pode ser sempre reposto evidenciando a natureza ciacuteclica da relaccedilatildeo DesordemOrdem

Aleacutem de se analisar etimologicamente toda uma seacuterie de palavras associadas agrave

lsquoespiritualidadersquo agrave Desordem (tsumi kegare e imi) e agrave Ordem como eacute entendida pelo shintō

(os vaacuterios vocaacutebulos indicativos de lsquopurificaccedilatildeorsquo e algumas norito relevantes) e por algumas

escolas de pensamento desta Via abordam-se duas qualidades internas do ser humano

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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denominadas kokoro e makoto integrais ao campo da eacutetica japonesa bem como a shintō Os

rituais conducentes agrave Ordem revolvem em torno da purificaccedilatildeo processo de natureza externa

e interna embora a segunda seja de natureza mais subtil e portanto mais difiacutecil de atingir No

entanto o objetivo eacute sempre o mesmo contrariar o desequiliacutebrio trazido por tsumi kegare e

imi devolvendo o indiviacuteduo (e o que o rodeia) ao seu estado ordenado confirmando a ideia

de que o shintō eacute importante natildeo apenas para o indiviacuteduo

Enquanto temaacutetica de estudo os rituais de purificaccedilatildeo e de natildeo purificaccedilatildeo em shintō

satildeo uma novidade em contexto nacional mas natildeo propriamente no mundo acadeacutemico

internacional milhares de autores redigiram livros sobre shintō ou pequenos artigos sobre

ldquopurificaccedilatildeordquo ldquorituaisrdquo e ldquoimpurezardquo se bem que tsumi kegare e imi (negativo) nunca satildeo

apelidados de ldquorituaisrdquo per si No entanto este trabalho utiliza a palavra ldquorituaisrdquo num sentido

abrangente ao inveacutes de investigadores que se cingem agrave definiccedilatildeo sugerida pelo dicionaacuterio

quando o indiviacuteduo realiza algo constantemente e da mesma maneira faz um ldquoritualrdquo Em

contexto religioso ldquorituaisrdquo tendem a ser vistos como exclusivamente positivos nunca

negativos

Poreacutem ao redefinir-se ldquoritualrdquo como um padratildeo de pensamentos palavras e accedilotildees natildeo

se inviabiliza a hipoacutetese de existirem ldquorituaisrdquo que provocam o oposto do que se pretende

Interessantemente alguns autores contemporacircneos de shintō cingem-se ao ldquoritualrdquo como o

que permite o regresso agrave Ordem na introduccedilatildeo de Sourcebook in Shinto Selected Documents

Resources in Asian Philosophy and Religion (2004) Stuart Picken diz que a ldquotransmissatildeo de

Shinto (hellip) eacute mais sobre agenda do que credenda coisas a serem feitas do que coisas a serem

acreditadasrdquo colocando ldquoritualrdquo em primeiro plano 3 Aqui estaacute claramente expresso a ideia

de ldquorituais-Ordemrdquo uma vez que ldquocoisas a serem feitasrdquo satildeo logicamente coisas cujos

resultados beneficiam o indiviacuteduo Por outro lado John Breen e Mark Teeuween nomeiam

trecircs categorias de ldquorituaisrdquo cuja praacutetica eacute da responsabilidade de jinja 4 Ora uma vez que

jinja satildeo os mais relevantes espaccedilos de veneraccedilatildeo aos kami subentende-se a Ordem como a

consequecircncia destes ldquorituaisrdquo

Todavia o shintō tem por princiacutepio a noccedilatildeo de equiliacutebrio conhecer shintō significa

conhecer a Ordem e a Desordem se rituais de satildeo o meio por excelecircncia para atingir a Ordem

a natildeo purificaccedilatildeo conduziraacute agrave Desordem Em suma tsumi kegare e imi satildeo rituais porque satildeo

3 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion

Westport Greenwood Publishing Group 2004 pxxi 4 BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 p3

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realizados (de forma directa e indireta) pelo indiviacuteduo embora possuam diferentes origens e

caracteriacutesticas

No que concerne agrave metodologia e fontes utilizadas um dos criteacuterios a ter em conta foi

a contemporaneidade o shintō continua a ser um tema muito popular entre autores e como tal

um estudo mais proacuteximo desta Via requer o recurso a livros publicados recentemente e natildeo haacute

meio seacuteculo atraacutes tais como Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings

(1994) cujo autor Stuart Picken apresenta as vaacuterias categorias de shintō de uma forma sucinta

apresentando uma cronologia de eventos relevantes explicando de que maneira a conjuntura

histoacuterico-poliacutetica japonesa influenciou shintō A sua obra pode servir como um ponto de

partida para interessados ou estudiosos uma vez que aborda shintō do passado e shintō

moderno (incluindo os rituais de purificaccedilatildeo usados em ambos) Um outro ponto muito

positivo eacute a ausecircncia de ldquotermos ocidentaisrdquo como ldquoShintoiacutestardquo e ldquodeusrdquo 5 uma metodologia

igualmente favorecida pela autora

Eacute tambeacutem interessante notar que ao longo deste livro satildeo constantemente citadas e

explicadas fontes japonesas (antigas sobretudo) justificando a sua utilizaccedilatildeo (em simultacircneo

com a leitura na linguagem original) na fundamentaccedilatildeo dos subtoacutepicos da dissertaccedilatildeo Por

exemplo Kojiki Nihon shoki Engishiki e Norito 6 As primeiras duas satildeo fundamentais no

que diz respeito agrave mitologia e cosmologia japonesas ndash o termo lsquocosmologiarsquo eacute mais

apropriado do que lsquoteologiarsquo uma vez que shintō natildeo reconhece deuses ndash observando-se a

inclusatildeo da temaacutetica Desordem e Ordem primeiro como resultados das accedilotildees de alguns kami

e depois como consequecircncias dos rituais (tsumi kegare) dos proacuteprios indiviacuteduos como se

pode constatar nas croacutenicas imperiais do Nihon shoki

Jaacute o Engishiki eacute um texto de caraacutecter lsquolituacutergicorsquo tal como o Saigūki e o Kōtai Jingū

Gishiki-chō Ao longo da investigaccedilatildeo utilizou-se Engi-shiki Procedures of the Engi era

Books I-V Translated with introduction and notes by Felicia Gressitt Bock 1970 e a obra

Norito (1990) de Donald Philippi que reuacutene dezenas de norito entoadas nos diversos matsuri

celebrados ao longo do ano uns de caraacutecter mais lsquoimperialrsquo do que outros ambas obras

refletem o impacto do estudo da praacutetica ldquoritualrdquo (que conduz agrave Ordem) no shintō Contudo as

traduccedilotildees foram sempre lidas em paralelo com o texto original facultado pela paacutegina virtual

da Waseda University Library e ainda Mikoorg (apenas os oito volumes do Jingiryō satildeo

integrais ao objeto de estudo)

5 PICKEN Stuart Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings Westport Greenwood

Publishing Group 1994 pp xvii-xviii 6 PICKEN Stuart op cit p381

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Por outro lado o Saigūki e o Kōtai Jingū Gishiki-chō satildeo obras arcaicas que registam e

explicam determinados rituais prejudiciais ao indiviacuteduo isto eacute kegare e imi (imikotoba no

caso do Kōtai Jingū Gishiki-chō) Ora a informaccedilatildeo disponibilizada deve ser complementada

pelo estudo de outras fontes japonesas explica-se assim o porquecirc do recurso a textos

ldquooficiaisrdquo ndash Nihon shoki Nihon sandai Jitsuroku Nihon Kōki e ShokuZoku Nihongi) e de

caraacutecter mais legislativo Yōrō-ritsuryō e Jingiryō ambos frequentemente referenciados em

artigos contemporacircneos de autores japoneses numa tentativa de explicar alguma da

terminologia de shintō (vocaacutebulos conotados com Desordem e Ordem)

A segunda fonte primaacuteria eacute Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in

Asian Philosophy and Religion (2004) novamente Picken cita passagens traduzidas do Kojiki

e o Nihon shoki que explicam a criaccedilatildeo e divisatildeo da realidade Este meacutetodo de citaccedilatildeo de

passagens de textos relevantes aplica-se a toda a obra auxiliando o interessado no estudo de

shintō segundo a perspetiva das escolas de pensamento (Yoshida e Ise em particular) e a

escola kokugaku ambas vaacutelidas no que concerne ao aprofundamento do que se entende por

caraacutecter ldquoeacuteticordquo em shintō ldquopurezardquo kokoro e makoto satildeo frequentemente objeto de estudo

graccedilas agrave anaacutelise de outros textos antigos e de cariz oficialimperial

No que diz respeito ao livro produzido por John Breen e Mark Teuween A New

History of Shinto possui alguns pontos positivos o uso de termos japoneses a inclusatildeo de

uma cronologia e mitologia de shintō com base em fontes japonesas (traduzidas) analisando-

se ao pormenor o ceacutelebre episoacutedio Ama no Iwato uma curiosa passagem que tambeacutem foi

estudada no acircmbito desta dissertaccedilatildeo uma vez que a temaacutetica Desordem e Ordem estaacute

bastante presente embora notando-se a ausecircncia do indiviacuteduo quem participa nos rituais satildeo

os kami e natildeo os humanos

Por uacuteltimo The Kami Way de Ono Sokyō eacute um livro introdutoacuterio a shintō mas muito

mais simples do que as obras de Picken apesar de tambeacutem sintetizar a mitologia e cronologia

desta Via Espeacutecie de minienciclopeacutedia de shintō sobretudo focada na tradiccedilatildeo de jinja shintō

(rituais cerimoacutenias siacutembolos e elementos pertencentes ao domiacutenio do ldquosagradordquo) The Kami

Way eacute um livro que enfatiza a ideia de que shintō eacute uma religiatildeo e como tal a linguagem

usada eacute muito diferente da que Picken ou Breen e Teuween algo que pode ser justamente

considerado como um ponto negativo termos duacutebios incluem ldquokami-feacuterdquo ldquosagradordquo ldquomenterdquo

ldquoalmardquo certamente reconheciacuteveis para o puacuteblico-alvo natildeo-japonecircs mas que dificilmente

seriam aceites pelos autores anteriormente mencionados cujas obras procuram ser o mais fieacuteis

ao seu objeto de estudo shintō pertence agrave realidade japonesa e como tal traduccedilotildees de termos

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japoneses natildeo satildeo recomendaacuteveis Jaacute um dos seus pontos positivos eacute oferecer ao leitor a

perspetiva japonesa da natureza humana subentendo o reconhecimento de uma eacutetica

(certoerrado) reforccedilando o porquecirc de shintō ser uma Via criada para o bem e a felicidade do

indiviacuteduo

Aleacutem destas quatro obras acrescenta-se o dicionaacuterio etimoloacutegico da autoria de

Nishigaki Yukio (2005) ndash etimologia eacute uma ferramenta indispensaacutevel para a compreensatildeo de

shintō dada as suas origens natildeo ocidentais - alguns episoacutedios do Kojiki (Takeda Tsunegaki) e

Nihon shoki (a traduccedilatildeo desatualizada de Aston utilizada por Picken e a versatildeo presente no

site Nihonsinwa) No caso concreto das obras japonesas claacutessicas e modernas referenciadas

sobretudo por Picken o texto original foi disponibilizado nas bibliotecas virtuais japonesas

National Diet Library (6ordm volume do Koshiden Hirata Atsutane) J-Texts e Kodaishi Dassai

com a exceccedilatildeo do Yōrō-ritsuryō que foi individualmente traduzido para japonecircs moderno no

website Kansei Daikan

Com efeito o recurso a fontes virtuais revelou-se fundamental no decorrer da

investigaccedilatildeo devendo-se destacar paacuteginas de instituiccedilotildees japonesas tais como a Encyclopedia

of Shinto - organizada pela Universidade Kokugakuin o dicionaacuterio virtual japonecircs Kotobank

que compila as sugestotildees de definiccedilatildeo de um termo por vezes pronunciando-se sobre a sua

etimologia Acrescenta-se ainda paacuteginas virtuais dedicadas agraves obras de Motoori Norinaga

(Kumo no Ikada Yamato Gokoro) e paacuteginas oficiais de setores shintō cujos objetivos

revolvem em torno da purificaccedilatildeo adotando-se certas condutas e rituais

Por uacuteltimo todos os termos estrangeiros foram escritos em letras do alfabeto e em

itaacutelico seguidas sempre dos caracteres que a compotildeem (no caso de termos chineses e

japoneses) o mesmo aplicando-se ao nome completo dos kami jinja e matsuri Em caso da

traduccedilatildeo dos vocaacutebulos japoneses utilizou-se a expressatildeo cujo significado eacute o mais proacuteximo

do original Contudo numa tentativa de se ser fiel agrave fonte e ao objeto de estudo optou-se mais

pela natildeo-traduccedilatildeo kami eacute kami tsumi eacute tsumi kegare eacute kegare e assim sucessivamente A

principal razatildeo por detraacutes desta metodologia eacute evitar o processo de incompreensatildeo da temaacutetica

abordada como resultado da transposiccedilatildeo da proacutepria mentalidade do investigador Com efeito

a fraca familiarizaccedilatildeo com a aacuterea de estudo origina a traduccedilatildeo (incorreta) de termos uacutenicos

por palavras que o seu puacuteblico-alvo natildeo japonecircs facilmente consegue perceber mas que satildeo

estranhas a shintō ou a outras lsquoreligiotildeesrsquo asiaacuteticas

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1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA

Escrever sobre religiotildees eacute sempre um desafio ainda mais quando a aacuterea de estudo

tem as suas reservas no que concerne agrave expressatildeo lsquoreligiatildeorsquo de difiacutecil caracterizaccedilatildeo mesmo

no mundo ocidental lsquoReligiatildeorsquo tende a ser identificada com os sistemas de lsquofeacutersquo teiacutestas

particularmente os monoteiacutestas ndash cristianismo judaiacutesmo e islatildeo ndash e politeiacutesmos na Aacutesia o

termo natildeo se pode usar com tanta facilidade religiatildeo eacute antes de mais uma palavra introduzido

relativamente recente e certamente de forma natildeo espontacircnea

No caso do Japatildeo lsquoreligiatildeorsquo natildeo existia ateacute aos meados do seacutec XIX o acolhimento

de ideias exteriores ao territoacuterio japonecircs teraacute gerado uma definiccedilatildeo muito especiacutefica de

lsquoreligiatildeorsquo e da sua favorita traduccedilatildeo japonesa shūkyō especificamente traduzindo-se o termo

inglecircs religion algo que eacute problemaacutetico por dois principais motivos os caracteres que

compotildeem a palavra (shū 宗 e kyō 教 respetivamente lsquosetoresrsquo e lsquoensinamentosrsquo) - e que jaacute

existiam de facto em forma isolada nunca em conjunto - satildeo de origem budista pondo em

causa a ldquovalidaderdquo de shintō cuja ecircnfase natildeo eacute em doutrinas ou shū 7 embora natildeo se deva

excluir a sua existecircncia

Segundo Nakamura Hajime shūkyō teria as suas origens na expressatildeo shū no oshie

(宗の教え ) ou lsquoensinamento dos setoresrsquo ndash shū significa o ldquoderradeiro significado do

princiacutepio e da verdade (hellip)rdquo presente nos ensinamentos (oshie) antes do Periacuteodo Meiji (1868-

1912) shūkyō encontrar-se-ia numa posiccedilatildeo subordinada a bukkyō (仏教) que por sua vez eacute

entendido como a fusatildeo de vaacuterios shūkyō num soacute Jaacute no Periacuteodo Meiji shūkyō torna-se um

suposto ldquoconceito supra ordenadordquo de bukkyō 8 ambas explicaccedilotildees revelam a importacircncia

desta Via como ponto de partida para o que se entende por lsquoreligiatildeorsquo termo hoje vaacutelido e

aceite pela sociedade moderna japonesa em vaacuterias aacutereas

A segunda principal razatildeo tem que ver com imagens quando um cidadatildeo europeu ou

americano pensa sobre lsquoreligiatildeorsquo serve-se do que sabe isto eacute o que a sua educaccedilatildeo e meio

envolvente lhe providenciaram um espaccedilo proacuteprio de crenccedila textos uma noccedilatildeo de lsquosagradorsquo

um fundador e eacute claro os que acreditam firmemente nesses textos e se esforccedilam por propagar

as suas ideias Se lhe perguntarem sobre outras lsquoreligiotildees natildeo-ocidentaisrsquo recorreraacute ao que eacute

7 ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious

Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 8 Ateacute ao seacutec- XVII o ldquobudismordquo natildeo era formalmente designado bukkyō (仏教) mas antes butsudō (仏道) ou

ainda buppō (仏法) IWAI Hiroshi ldquo日本宗教の理解に関する覚書rdquo (ldquoNotes on the Understanding of

Japanese Religionrdquo) Kenkyū kiyō (研究紀要) nordm 5 2004 pp 79-89

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do conhecimento geral publicado em livros e outros meios de informaccedilatildeo Por outras palavras

budismo hinduiacutesmo taoiacutesmo e xintoiacutesmo satildeo convenientemente considerados lsquoreligiotildeesrsquo e

como consequecircncia natildeo eacute de estranhar a quantidade de traduccedilotildees erroacuteneas de conceitos e

ideias dessa mesma religiatildeo em livros escritos por peritos quer japoneses como natildeo-nativos 9

qualquer guia sobre ldquoreligiotildees do mundordquo teraacute uma entrada sobre xintoiacutesmo comeccedilada mais

ou menos nas linhas de ldquoxintoiacutesmo eacute a religiatildeo nativa japonesardquo 10

ecoando o que foi escrito

cerca de um seacuteculo antes por Anesaki Masaharu creditado como ldquoinventorrdquo da expressatildeo

moderna lsquoreligiatildeo japonesarsquo (nihon shūkyō 日本宗教) que eacute acolhida inicialmente por um

puacuteblico ocidental e soacute posteriormente pelos proacuteprios japoneses 11

Forte apoiante da visatildeo lsquoxintoiacutesmo = religiatildeorsquo Anesaki Masaharu acentua o caraacutecter

japonecircs de shintō descrevendo-o como ldquoum complexo de antigas crenccedilas e observacircnciasrdquo que

ao contraacuterio do budismo (e do cristianismo) nunca se deparou com perseguiccedilotildees a niacutevel

poliacutetico sendo preservado ao longo de seacuteculos pelos japoneses Apoiado na veneraccedilatildeo dos

kami sobretudo Amaterasu a antepassada miacutetica da casa imperial associada ao sol shintō eacute

um tipo de culto lsquonacionalrsquo diretamente ligado agrave paz prosperidade e estabilidade do Japatildeo 12

Historicamente shintō natildeo foi lsquopreservadorsquo no sentido de permanecer

inalteraacutevel independentemente de alguns sacerdotes e estudiosos partilharem da visatildeo de

Anesaki perspetivando shintō como algo autoacutenomo e independente de influecircncias externas

desde tempos imemoriais ateacute agrave atualidade 13

este uacuteltimo foi um processo iniciado no Japatildeo e

cujo crescimento jamais resulta do isolamento mas antes do contacto com todo o tipo de

ideias de fora (e de dentro) a adaptaccedilatildeo de ldquoantigo pensamento Chinecircs Budismo Onmyōdō

Confucionismo Shugendō e Cristianismordquo agrave realidade japonesa permite numa eacutepoca

posterior propostas de categorizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de shintō jinja shintō kyōha shintō

shintō filosoacutefico ou escolaacutestico (gakuha shintō 学派神道) shintō imperial (kōshitsu shintō皇

室神道) e shintō folcloacuterico (minzoku shintō 民俗神道) 14

Em suma natildeo existe um uacutenico

9 Como jaacute mencionado na Introduccedilatildeo a traduccedilatildeo eacute um risco a correr que natildeo eacute avaliado pelos autorestradutores

de entre os erros mais tiacutepicos nos livros sobre shintō destacam-se ldquopecadordquo como traduccedilatildeo de tsumi e ldquodeus

divindadedivinordquo para expressar o conceito de kami 10

ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004p 1 11

ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious

Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 12

ANESAKI Masaharu History of Japanese Religions with special reference to the social and moral life of the

nation 3rd ed London The Kegan Paul Japan Library 1995 p 22 13

KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981

pp 1-21 14

INOUE Nobutaka ldquoIntroduction The History of Shintordquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction

Introduction of Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22906gt (consultado em 24-06-2018)

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shintō mas antes muacuteltiplos shintō que contribuiacuteram significativamente em termos sociais e

culturais

Descrito por Stuart Picken como a ldquoexpressatildeo natural dos sentimentos espirituais do

povo japonecircs que cresceu e evoluiu com o desenvolvimento da histoacuteria japonesa e sociedaderdquo

shintō eacute um exemplo atiacutepico de uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido geral do termo ao contraacuterio do

budismo (bukkyō 仏教) Islatildeo (isuramukyō イスラム教) hinduiacutesmo (indokyō インド教)

cristianismo (kirisutokyō キリスト教) judaiacutesmo (yudayakyō ユダヤ教) confucionismo

(jukyō 儒教) e taoiacutesmo (dōkyō 道教) shintō (神道) foi nomeado como um dō (em chinecircs dao

道) e natildeo como um kyō agrave semelhanccedila de outras Vias como kadō (華道) sadō (茶道) kyūdō

(弓道 ) respetivamente a Via das flores a Via do chaacute e a Via do arco A prioridade de shintō

eacute como o termo sugere tornar-se uma Via um modo de orientaccedilatildeo para o indiviacuteduo algo

expresso no curioso termo kannagara 15

Deste modo shintō assemelha-se a um modo de

conduta uma disciplina ou praacutetica que coloca os lsquoensinamentosrsquo em segundo plano em favor

do desenvolvimento de uma eacutetica proacutepria que recebeu influecircncias sobretudo confucianas

Consequentemente a perspetiva de shintō como lsquoreligiatildeorsquo num sentido diferente ao

que eacute transmitido em contexto ocidental tem sido apoiada por alguns autores japoneses e

igualmente praticantes de shintō Sonoda Minoru um professor emeacuterito da Universidade de

Quioto e principal sacerdote do Chichibu Jinja (秩父神社 ) observa a necessidade de

distinccedilatildeo entre religiotildees e shintō se o Cristianismo e outras ldquoreligiotildees mundiaisrdquo possuem

uma base assente numa ldquodoutrina universal e um acredita ou natildeo acredita - eacute tudo acerca de feacute

colocada num sistemardquo cuja evoluccedilatildeo adquire contornos de proselitismo - shintō eacute na sua

essecircncia uma ldquoreligiatildeo de culturardquo que natildeo pretende a consistente ldquoiniciaccedilatildeordquo de pessoas

numa ldquofeacuterdquo esta religiatildeo nada tem que ver com feacute mas antes ldquopraacutetica ritualrdquo enraizada numa

ldquosociedade agriacutecola primaacuteriardquo Por uacuteltimo conclui que estes sistemas optaram por uma

estrateacutegia de conquista modelando a conduta dos seus crentes perseguindo e eliminando

adversaacuterios quando lhes convinha ao contraacuterio de shintō que teria desaprovado de tais accedilotildees

Aliaacutes o acto de preservar a vida e celebraacute-la eacute nada mais do que a derradeira preocupaccedilatildeo

desta Via 16

Com efeito Sonoda foca-se na ldquoquestatildeo doutrinaacuteriardquo como a caracteriacutestica mais

15

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxii-xxiii 16

As citaccedilotildees em questatildeo foram retiradas das entrevistas feitas pelo investigador Leif Sandvik e pela Sasakawa

Peace Foundation sendo posteriormente integradas no estudo deste uacuteltimo sobre a ldquoreinvenccedilatildeordquo de shintō como

uma ldquoreligiatildeo ecoloacutegicardquo SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological

Religion Masterrsquos Degree Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and

Oriental Languages of the University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark

Teuween 2011

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definidora das ldquoreligiotildeesrdquo monoteiacutestas se Cristianismo (e outras ldquoreligiotildeesrdquo) regem-se pelo

princiacutepio da ldquodualidaderdquo (ser crente ou natildeo) o mesmo natildeo se pode dizer de shintō

Na sua forma mais ldquocruardquo shintō talvez pode ter sido uma coletacircnea de aspetos

ldquoanimistas xamanismo veneraccedilatildeo de antepassados e veneraccedilatildeo da naturezardquo bem como

noccedilotildees proacuteprias de normas sociais incluindo o reconhecimento de ldquotabusrdquo ldquoofensasrdquo e a

necessidade de ldquopurificaccedilatildeordquo natildeo apenas a niacutevel fiacutesico 17

Apresentando ainda um fraco grau

de organizaccedilatildeo a Via dos kami era um coletivo de ideias seguidas pela comunidade que se

focava em obter meios de subsistecircncia a relaccedilatildeo entre a comunidade e as ldquoforccedilas

incompreensiacuteveisrdquo (kami) por detraacutes do sucesso ou do prejuiacutezo das colheitas baseava-se na

relaccedilatildeo dar-receber apelar aos kami trazia benefiacutecios para a comunidade e em troca a

comunidade faria o que naturalmente eacute suposto fazer agradecer de forma sincera atraveacutes de

oferendas (comida tecidos armas) Ora tal costume ainda hoje permanece vivo na memoacuteria

dos japoneses quer se trate de uma veneraccedilatildeo aos kami em casa quer dentro da aacuterea dos jinja

oferecer algo aos kami fortalece a ligaccedilatildeo do kami ao indiviacuteduo

11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo

Contudo ateacute hoje natildeo se conhece um fundador ou extensiva doutrina que explicite

um credo ou sistema de crenccedila de shintō ndash apesar de shintō setorial possuir fundadores

individuais cujos textos transmitidos aos seguidores funcionam como lsquoensinamentosrsquo 18

ndash

demarcado pelo seu caraacutecter ritual e veneraccedilatildeo de seres de natureza indefinida denominados

kami em espaccedilos designados jinja nos quais se pode vislumbrar o domiacutenio do ldquosagradordquo

segundo Mircea Eliade ldquoo homem das sociedades arcaicas tende a viver tanto quanto possiacutevel

no sagrado ou em proximidade a objetos consagradosrdquo 19

no caso japonecircs este ldquosagradordquo

tambeacutem pode ser equiparado com a proacutepria natureza antes de existirem jinja propriamente

ditos espaccedilos abertos eram usados para realizaccedilatildeo de cerimoacutenias sazonais nas quais o kami se

manifestaria temporariamente 20

Estamos pois perante um plano de realidade associado a

sentimentos de admiraccedilatildeo pelo fantaacutestico e misterioso florestas rios pedras montanhas tudo

17

KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981

pp 1-21

18 PICKEN Stuart Essentials of Shinto opcit p 212

19 ELIADE Mircea The Sacred and the Profane the nature of religion Traduzido do Francecircs por William

Trask NY Harvest Harcourt Brace amp World Inc 1961 pp 10-12 20

BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 pp 25-26

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podia ser kami ndash entendido no sentido de lsquosagradorsquo se as pessoas o identificassem como tal

conferindo um significado especial

Em japonecircs lsquosagradorsquo eacute escrito de duas maneiras sei (聖 ) - sheng na leitura foneacutetica

chinesa (em chinecircs simplificado圣) - integra os vocaacutebulos seisho (聖書) - a Biacuteblia - seichi

(聖地) terrenoTerra Santa seibō (聖母) eacute a Matildee Santa (Virgem Maria) seija (聖者) eacute o

homem santo (Cristianismo) seisen聖戦 (Guerra Santa) e assim sucessivamente Como se

pode constatar as palavras mencionadas natildeo tecircm nada a ver com shintō e denotam o sagrado

tal como eacute visualizado pela cultura ocidental

Jaacute o segundo termo shinjin (神) lido agrave maneira japonesa como kami mi kan ka ou

hi 21

fortalece a ideia lsquosagrado = kamishintōrsquo qualquer palavra que comece ou que acabe

neste caractere geralmente pertence ao mundo shintō jinja (神社) moradas permanentes dos

kami que desde 1945 dependem financeiramente do puacuteblico natildeo do Estado 22

kagura (神楽)

a danccedila tradicional japonesa (shintō de santuaacuterios) 23

amatsu-no-kami (天つ神) e kunitsu-no-

kami (国つ神) cuja entronizaccedilatildeo nos jinja originou o sistema de classificaccedilatildeo jingi (神祇) ldquoo

conceito central em torno do qual a corte organizava o seu poder sacerdotalrdquo 24

Numa perspetiva etimoloacutegica os caracteres natildeo podiam ser mais diferentes sei (聖)

decompotildee-se em trecircs partes ou seja lsquoorelharsquo (耳) lsquobocarsquo (口) e por um ideograma que

supostamente representaria uma pessoa endireitada indicando um indiviacuteduo que possui a

habilidade de ldquoouvirrdquo uma ldquovontade divinardquo isto eacute algueacutem com grande niacutevel de

conhecimento e cultura e dotado de uma ldquovirtuderdquo ideia muito visiacutevel no pensamento

confuciano Aliaacutes se lido como sei o kanji corresponde a um atributo humano conotado com

boas intenccedilotildees e nunca malignas Jaacute na sua leitura como hijiri [聖] eacute um vocaacutebulo respeitoso

aplicado exclusivamente ao proacuteprio Imperador 25

Por outro lado o kanji usado para escrever kami eacute a forma lsquosimplificadarsquo do

caractere arcaico [神 ] presente em jingi (神祇 ) agrave semelhanccedila do caractere usado para

21

A leitura de [神] como hi verifica-se em himorogi (神籬) o espaccedilo aberto delimitado por uma corda e no qual

se pode preceder agrave veneraccedilatildeo do kami Posteriormente o papel dos himorogi eacute substituiacutedo pelos jinja Cf

PICKEN Stuart op cit p 127 22

BREEN John TEEUWEN Mark op cit p 2 23

NISHIGAKI Yukio Nihongo no Gogen jiten (日本語の語源辞典) Tokyo Bungeisha 2005 p189 24

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 25-26 25

Uma vez que as possiacuteveis interpretaccedilotildees do caratere [聖] prendem-se com a questatildeo da natureza humana e do

comportamento ldquocorretordquo eacute possiacutevel concluir que se surgir isoladamente sei tem algumas implicaccedilotildees eacuteticas

Dejitaru Daijisen ldquo聖 (せい )rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE88196-85468gt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 21

escrever a palavra lsquoritorsquo (li 禮 escrito atualmente em japonecircs como rei 礼) o kanji partilha da

mesma raiz o kanji [示] do qual deriva o verbo shimesu ou lsquoindicarrsquo servindo de raiz a

palavras relevantes dentro do contexto cerimonial ndash oraccedilatildeo (inori祈り) celebraccedilatildeo (iwai 祝

い) antepassado (sosen祖先) ndash e termos da linguagem comum como lsquofalta de educaccedilatildeosem-

maneirasrsquo (shitsureiburei失礼 無礼) jaacute o segundo kanji eacute o mesmo usado para lsquoproferirrsquo ou

mousu (申す)

Aliaacutes de acordo com Fujita Tomio um dos contribuidores para o Nippon

Daihyakkazensho (日本大百科全書) publicado em 1984 shin [神] expressaria o ldquoaltarrdquo [示]

ao qual se juntava a forma pictograacutefica de um relacircmpago (申) possivelmente devido ao facto

de o primeiro kanji usado para a palavra lsquorelacircmpagorsquo (denkō 電光) ter na sua ldquoextremidaderdquo o

caractere [申] No entanto devido agrave escolha do kanji [神] para indicar kami comeccedilou-se a

considerar a hipoacutetese de este ter um significado natildeo muito diferente de shangdi (em japonecircs

jōtei 上帝) indicando a suprema entidade natildeo material reconhecida pelo pensamento chinecircs

arcaico 26

Nos dias de hoje kami continua a ser analisado por parte de estudiosos japoneses e

natildeo-japoneses Aike Rots aponta a fluidez do conceito de kami descrevendo-o como ldquouma

forccedila omnipotente singular bem como muacuteltiplos seres espirituais pode referir-se a criaturas

antropomoacuterficas ou zoomoacuterficas fenoacutemenos naturais poderes abstratos ou antepassados

deificadosrdquo 27

Contudo a interpretaccedilatildeo mais aceite foca-se na ideia lsquokami=qualidadersquo algo

natildeo algo tangiacutevel que se assemelha a um atributo digno de admiraccedilatildeo que se pode manifestar

e encontrar na ldquonatureza claro mas tambeacutem humanos animais criaturas miacuteticas deuses e

ainda objetos feitos pelo homem tais como automoacuteveis ou comboiosrdquo 28

Por sua vez esta definiccedilatildeo parece ecoar a de Motoori Norinaga (本居宣長 1730-

1801) ceacutelebre pensador da escola do Ensino Nacional (kokugaku 國學) e comentador de

textos centrais a shintō bem como autor de exposiccedilotildees acerca das praacuteticas desta Via kami satildeo

26

FUJITA Tomio ldquo 神の語義 rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE7A59E-

46603E5A4A7E8BE9EE69E9720E7ACACE4B889E78988gt (consultado em 24-06-2018) 27

ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation

submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial

fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen

and Prof Dr Terje Stordalen 2013 28

SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion

Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 22

ldquoos seres divinos do ceacuteu e da terra que aparecem nos textos antigos e tambeacutem os espiacuteritos

consagrados que satildeo reverenciados nos jinja da naccedilatildeordquo seres animados e inanimados Em

suma ldquoqualquer forma de ser que possua alguma qualidade uacutenica e eminente e eacute inspiradora

de admiraccedilatildeo pode ser considerada kamirdquo independentemente de a sua natureza ser ldquoboamaacuterdquo

29 o facto de serem kami coloca-os acima das convenccedilotildees definidas pelos homens

No que concerne agrave classificaccedilatildeo dos kami esta nunca eacute consensual na sua

dissertaccedilatildeo sobre a religiatildeo no territoacuterio japonecircs Shannon Symonds divide os kami de acordo

com a sua aacuterea geograacutefica de veneraccedilatildeo distinguindo os kami locais cultuados nos matsuri -

festivais baseados em tradiccedilotildees ancestrais que ldquofrequentemente tecircm as suas raiacutezes em antigos

rituais agriacutecolas de agradecimentordquo pela proteccedilatildeo - dos kami nacionais celebrados em ritos e

cerimoacutenias definidas por todos os que acreditam em shintō 30

Em contrapartida Hara Kazuya considera as origens do kami admitindo a existecircncia

de kami da natureza e kami humanos o primeiro grupo diz respeito a kami ligados a uma

atividade ou ocupaccedilatildeo profissional (agricultura pesca comeacutercio) os kami que influenciam os

elementos da natureza (montanhas aacutegua florestas) 31

e os kami do Kojiki (古事記) e Nihon

shoki (日本書紀) as obras de base para a compreensatildeo da mitologia e cosmologia japonesas

32 o segundo grupo reuacutene certos indiviacuteduos extraordinaacuterios em vida que postumamente

adquiriram o estatuto de kami geralmente liacutederes importantes para a histoacuteria do Japatildeo ndash

Imperador Meiji (明治天皇) Tokugawa Ieyasu primeiro xogum da casa Tokugawa que

governou o Japatildeo durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) ndash os soldados mortos em combate

(Yasukuni jinja 靖国神社 ) ou ainda personalidades do periacuteodo Heian (794-1185)

nomeadamente Sugawara-no-Michizane (菅原道真 ca845-903) postumamente apelidado de

Tenjin (天神) o kami do ensino 31

29

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion

Westport Greenwood Publishing Group 2004 pp 200-201 30

SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis

submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the

requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John

Killigrew 2005

31 HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia

ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de

2003) 32

Picken observa que a compilaccedilatildeo destes textos reflete um maior niacutevel de organizaccedilatildeo dentro da tradiccedilatildeo shintō

tal como ela era vista por uma minoria da populaccedilatildeo eacute inevitaacutevel a mistura de ldquoreligiatildeordquo e poliacutetica Cf PICKEN

Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 4

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Por uacuteltimo Matsumura Kazuo sugere uma divisatildeo natildeo muito diferente da de Kazuya

agrupando kami consoante a relaccedilatildeo deste com o mundo natural (kami da natureza) ou com o

homem (kami culturais) no primeiro caso salientam-se aos kami que ldquorepresentam o

reconhecimento de caracteriacutesticas supranormais ou poderes em objetos naturais ou

fenoacutemenosrdquo o segundo grupo reconhece por sua vez a existecircncia de kami da comunidade

kami do nascimento de pragas de uniatildeo (matrimonial) da morte kami do lar do indiviacuteduo

(fogatildeo poccedilo estaacutebulo armazeacutem) e por uacuteltimo os kami humanos Por outras palavras

indiviacuteduos em vida reverenciados como kami ndash ldquopraticantes religiosos e miko que se

envolvem em curas de feacute e pronuacutencia de oraacuteculos (hellip) rdquo ndash e antepassados ou ldquoespiacuteritos

vingativosrdquo de indiviacuteduos 33

Todas as propostas satildeo vaacutelidas quando se estuda um termo de etimologia indefinida

como kami para alguns kami (神) localizavam-se num patamar superior de existecircncia por

partilharem da mesma foneacutetica de kami (上) isto eacute ldquoalto superiorrdquo 28

o que se pode aplicar

aos amatsu-no-kami e os trecircs koto amatsu-no-kami Ame-no-minaka-nushi-no-kami (天御中

主神) Taka-musubi-no-kami (高皇産霊神) e Kami-musubi-no-kami (神皇産霊神) ndash que se

ldquotornamrdquo no Takamagahara espontaneamente e escondem-se logo a seguir 34

No entanto os

seus congeacuteneres terrenos como Sarutahiko Ōkami (猿田毘古大神) natildeo se encontram num

patamar ldquosuperiorrdquo per si partilhando com os humanos a Terra como local de residecircncia 35

Como se pode constatar o caractere kami (神) tende a surgir no final do nome reforccedilando a

ideia de kami como tiacutetulo honoriacutefico tal como mikoto (命尊) 36

33

MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of

Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt

(consultado em 24-06-2018) 34

Em japonecircs lsquotornar-sersquo corresponde ao verbo naru (成る ) denotando algo que efetivamente natildeo foi

absolutamente criado mas que jaacute existia embora natildeo de forma fiacutesica Jaacute na passagem que refere o lsquoocultamentorsquo

o verbo usado eacute kakusu (隠す) traduzido por lsquoocultar-sersquo o kanji [産] usado para o verbo lsquonascerrsquo estaacute sempre

ausente no Kojiki ateacute agraves passagens de kuni-umi e kami-umi Em suma estes kami natildeo satildeo lsquocriadosrsquo per si mas

tornam-se visiacuteveis para o mundo TAKEDA Tsunegaki Gendaigo no Kojiki (現代語古事記) Tokyo Gakken

Publishing 2011 pp 16-17

35 Picken Stuart Essentials of Shinto op cit pp95-96

36 Kokugakuin University Institute for Japanese Culture and Classics Index of Kami (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMpdfPreviewEOS+Index+of+Kamipdfgt (consultado em 24-06-2018)

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111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de ldquodivisatildeordquo da

realidade agrave criaccedilatildeo da mesma

De entre as fontes que servem de base para o estudo de shintō nomeiam-se o Kojiki

(ca 712) Nihon shoki (ca 720) ShokuZoku Nihongi (続日本紀 ca 797) o Jingiryō (神祇令

ca701) o Kōtai Jingū Gishiki-chō ( 皇太神宮儀式帳) e Toyoke-gu Gishiki-chō (止由気宮儀

式帳) Kogo Shūi (古語拾遺) e o Engishiki (延喜式 ca 927) 37

Satildeo com efeito textos de

caraacutecter oficial respeitados por uma corte que colocava shintō em segundo plano

principalmente apoacutes o budismo ter adquirido um estatuto de ldquofavoritordquo por parte de Shōtoku

Taishi (聖徳太子 ca 604) notoacuterio apoiante da introduccedilatildeo de ideias de fora incluindo eacutetica

confuciana 38

Neste sentido pode-se afirmar o facto de shintō subsistir no territoacuterio japonecircs

como um conjunto de praacuteticas consagradas aos kami propriamente venerados nos jinja

Tanto no Kojiki como no Nihon shoki kami cometem erros satildeo violentos

caprichosos generosos ambiciosos tornando-se quer heroacuteis ou vilotildees nos mitos

efetivamente aproximando-os da natureza do ser humano ambos relatos parecem humanizar e

personificar os kami Participando passivamente ou ativamente no processo da criaccedilatildeo do

mundo estas formas de existecircncia e consciecircncia satildeo anteriores ao homem

Aleacutem de manifestarem uma personalidade proacutepria kami possuem uma identidade ou

seja um nome um geacutenero observando-se uma diferenccedila entre as primeiras duas geraccedilotildees de

kami e as restantes por exemplo no Kojiki a necessidade de especificar o sexo dos kami ndash

um termo de natureza neutra cujo plural eacute designado de kamigami (神々) ndash soacute se justifica a

partir do surgimento de uma ldquosegunda geraccedilatildeordquo de kami per si nunca se usando a dicotomia

moderna ogamimegami (男神 女神 ) viaacutevel no contexto de religiotildees politeiacutestas que

reconhecem a existecircncia de ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo respetivamente Com efeito nas fontes

japonesas kami eacute identificado como ldquomasculinordquo ou ldquofemininordquo atraveacutes da anaacutelise do seu

nome caso o kami possui uma terminaccedilatildeo foneacutetica lida como hiko (por ex 毘子毘古 日子)

eacute masculino em contrapartida hime (por ex 毘売比売姫) denota um kami do sexo oposto

Deste modo apenas os lsquonatildeo-hitorigamirsquo possuem um geacutenero masculino ou feminino

a segunda geraccedilatildeo de kami agrave qual pertence o casal Izanagi-no-kami (伊邪那岐神) e Izanami-

37

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 17 pp 21-26 p 30 38

SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis

submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the

requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John

Killigrew 2005

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no-kami (伊邪那美神) ndash futuros progenitores da terceira geraccedilatildeo de kami criada em meio

terrestre ndash eacute composta por casais de irmatildeos e irmatildes 39

que com a exceccedilatildeo de Izanagi e

Izanami natildeo se envolvem no processo de criaccedilatildeo tornando-se conselheiros do casal Ao

receberem ordens de descer de Takamagahara Izanagi e Izanami datildeo iniacutecio ao processo da

criaccedilatildeo das ilhas do arquipeacutelago (kuni-umi 国生み) posteriormente criando kami (kami-umi

神生み) 40

Apesar de datarem do mesmo periacuteodo as obras possuem algumas diferenccedilas entre si

nomeadamente o seu estilo e linguagem de escrita bem como o seu conteuacutedo as histoacuterias do

Kojiki encontram-se recheadas de motivos mitoloacutegicos e cerimoacutenias que procuram explicar as

origens do povo japonecircs do arquipeacutelago e o ldquoque eacute conhecido como a era dos kamirdquo 41

Jaacute o

Nihon shoki modelado agrave maneira das croacutenicas chinesas apresenta uma dataccedilatildeo diligente das

entradas dos seus relatos e por vezes vaacuterias versotildees dos mesmos 42

Se a realidade do Kojiki tem iniacutecio num tempo de ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu e a terrardquo no

qual se manifestam os koto amatsukami ndash Ame-no-minaka-nushi (a possiacutevel corporizaccedilatildeo do

proacuteprio cosmos) 40

Taka-musubi-no-kami e Kami-musubi-no-kami ndash interpretados como

ldquoprinciacutepiosrdquo da atividade criativa e da criaccedilatildeo todos carecendo de atributos humanos ndash numa

dos relatos do Nihon shoki eacute mencionado um periacuteodo incerto antes da ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu

e a terrardquo e da divisatildeo de in e yō isto eacute o princiacutepio yin e yang (em japonecircs on-myō 陰陽)

forma-se assim uma ldquomassa caoacutetica como que um ovo (hellip) de limites definidosrdquo

posteriormente dividido entre um elemento mais ldquopurordquo (o Ceacuteu) e um elemento mais

ldquoconsistenterdquo (a Terra) Do seu meio nasce uma coisa que lembra um rebento de junco e que

adota uma forma mais fixa surge ldquoespontaneamenterdquo Kuni-toko-tachi-no-mikoto (國常立尊)

Logo a seguir surgem kami masculinos ldquogerados por operaccedilatildeo do princiacutepio do Ceacuteurdquo bem

como os seus congeacuteneres femininos formados pela muacutetua accedilatildeo do princiacutepio da Terra 43

No que concerne agrave criaccedilatildeo do mundo terrestre o Kojiki delega este papel a Izanagi e

Izanami que se estabelecem na ilha Ōyashima (大八島) originando a terceira geraccedilatildeo de

kami que nascem aos pares ou de forma individual associando-se a um elemento do mundo

natural (montanhas aacutervores mares sol e pedras espuma correntes cereais vento) ou

39

TAKEDA Tsunegaki op cit pp 16-17 40

Nesta passagem a palavra ldquocriaccedilatildeordquo corresponde agrave accedilatildeo de gerar algo De acordo com a traduccedilatildeo de Takeda o

verbo que expressa tal eacute ldquoumi ni narimasurdquo (産みになります) TAKEDA Tsunegaki op cit pp 19-23 41

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 54 42

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 43

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 6-8

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humano (embarcaccedilotildees) 44

Eacute no momento do nascimento do kami do fogo (Hi-no-kagutsuchi-

no-kami火迦具土神) que se introduz a natureza natildeo imortal de Izanami que ainda consegue

gerar alguns kami antes de morrer das feridas 45

Apoacutes a sua morte Izanami toma residecircncia permanente no submundo Yomu-no-

kuniYomi-no-kuni (黄泉の国) levando Izanagi a desesperadamente tentar trazecirc-la de volta

ao mundo da superfiacutecie ecoando o mito de Orfeu e Euriacutedice notando-se ainda algumas

semelhanccedilas com a mitologia de Perseacutefone que privada de regressar ao mundo humano por

ter consumido algo daquele lugar torna-se a esposa de Hades e partilha com ele a

responsabilidade de governaccedilatildeo dos Infernos Izanami (que tambeacutem admite ter comido algo

do Yomu-no-kuni formalizando a sua nova identidade como uma habitante do Yomi) torna-se

a uacutenica governante do submundo cortando laccedilos definitivos com o seu esposo se Izanagi

escolhe o caminho da criaccedilatildeo da humanidade Izanami confere a esta espeacutecie a mortalidade

explica-se o porquecirc da vida e da morte 46

112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordem

Ora a introduccedilatildeo do mundo inferior no Kojiki e no Nihon shoki completa uma das

visotildees shintō do mundo descritas por Hara como ldquoverticalrdquo e ldquotridimensionalrdquo

Takamagahara pertencia ao ldquoplano superiorrdquo onde habitavam os kami o Nakatsu-kuni (中つ

の国 ) seria a ldquodimensatildeo do meiordquo a morada dos seres humanos o Yomi-no-kuni 46

corresponderia ao ldquoplano inferiorrdquo conceito presente em outras religiotildees cujas mitologias de

criaccedilatildeo mencionam um elemento liacutequido (oceano) e um elemento soacutelido (terra) que esconde

um outro ldquomundordquo abaixo da superfiacutecie por exemplo em contexto grego o submundo Hades

(natildeo o deus mas o local em si) pode ser equiparado ao Yomi-no-kuni

Por outro lado Hara refere-se a uma segunda visatildeo ldquohorizontalrdquo do cosmos dividido

a meias entre o Toko-yo (常世) o ldquomundo onde os espiacuteritos purificados dos mortos residemrdquo

e o ldquomundo da humanidaderdquo 46

o que nos remete para a barreira entre o ldquoinvisiacutevelrdquo e o

ldquovisiacutevelrdquo Na terminologia do Kojiki se Izanami eacute a senhora do Yomi Izanagi eacute responsaacutevel

44

TAKEDA Tsunegaki op cit pp 25-29 45

TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 46

HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia

ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de

2003)

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 27

pelo ldquomundo da humanidaderdquo (utsushi-yo (現世) 47

palavra composta pelo kanji de lsquorealrsquo - no

sentido de lsquovisiacutevelrsquo - e lsquorealidademundorsquo Tudo que esteja para laacute do visiacutevel pertence a ldquooutra

realidaderdquo

Todavia a existecircncia de ldquobarreirasrdquo entre mundos (aacutervores no caso de se desejar

aceder ao ldquoplano superiorrdquo ldquocelesterdquo ou poccedilos e cavernas se pretender visitar os niacuteveis

inferiores da terra) natildeo exclui a hipoacutetese de interaccedilatildeo de humanos com os kami e ldquoespiacuteritosrdquo

que natildeo pertencem ao nosso mundo do mesmo modo que os ldquoseres humanos podem visitar os

outros mundosrdquo habitantes natildeo humanos podem surgir temporariamente na nossa realidade

permitindo a cultivaccedilatildeo da relaccedilatildeo dos humanos com o ldquopara laacute de humanordquo 48

No Nihon shoki aplica-se um modelo tripartido da realidade Ceacuteu Terra e ldquomundo

subterracircneordquo ou Oceano Amaterasu eacute uma ldquocrianccedila estrondosa que devia de nosso acordo ser

enviada de imediato para o Ceacuteu e confiar-lhe os assuntos do Ceacuteurdquo uma responsabilidade

partilhada com o kami da Lua Tsukiyomi-no-mikoto ldquoo Deus que devia ser o consorte da

Deusa do Solrdquo devendo-se ter em consideraccedilatildeo o uso dos termos duacutebios ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo

como uma tentativa de aproximar a realidade mitoloacutegica japonesa ao entendimento do puacuteblico

ldquoocidentalrdquo por parte de Aston Autor desta traduccedilatildeo do Nihon shoki publicado sob o nome

de Nihongi Chronicles of Japan from the Earliest Times to AD697 (1972) Aston diz que a

Terra eacute o domiacutenio do ldquomeiordquo e refere-se ao arquipeacutelago do Japatildeo formalmente conhecido

como ldquoToyo-ashi-hara-chi-woaki no midzu-hordquo que numa versatildeo da ldquohistoacuteriardquo acerca das

origens dos trecircs irmatildeos kami (Amaterasu Tsukiyomi e Susano-o) pertenceria a Susano-o-no-

mikoto Kami de temperamento feroz e personalidade cruel Susano-o provoca Desordem ao

negligenciar a terra e as suas populaccedilotildees Exilado no Ne-no-kuni por ordem de Izanagi e

Izanami Susano-o torna-se o governante daquele mundo 49

O segundo relato da divisatildeo dos trecircs ldquomundosrdquo pelo trio de irmatildeos - cujo nascimento

eacute possivelmente inspirado na narrativa do Kojiki que descreve a fuga de Izanagi do Yomi-no-

kuni Amaterasu nasce apoacutes este lavar o olho esquerdo sendo-lhe entregue Takamagahara a

ldquoPlaniacutecie Elevada do Ceacuteurdquo Tsukiyomi nasce do olho direito e recebe o vasto domiacutenio do

oceano Por fim Susano-o nasce do nariz de Izanagi e apesar de herdar o domiacutenio do meio

(Terra) acaba por ser banido para o ldquomundo inferiorrdquo como puniccedilatildeo pela sua negligecircncia 50

47

TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 48

MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018) 49

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 9-12 50

TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 28

Com efeito o domiacutenio subterracircneo estaacute sempre presente nas narrativas do Kojiki e

Nihon shoki recebendo um papel de destaque ou secundaacuterio o que por sua vez natildeo implica a

sua ausecircncia em outras fontes numerosas referecircncias a ldquomundosrdquo incompreensiacuteveis e para laacute

da realidade fiacutesica diversificam a visatildeo japonesa de um ldquooutro mundordquo (takaikan 他界観)

geralmente considerado como um ldquooutro mundordquo longiacutenquo ldquooceacircnicordquo feacutertil e uma terra de

imortalidade observando-se um paralelo com o conceito taoiacutesta de uma Terra dos Imortais (a

ilha de Peng-lai ou Hōrai-jima em japonecircs 蓬莱島) a Terra das Raiacutezes (Ne-no-kuni 根国)

pode ser ldquovisitadardquo atraveacutes de uma caverna supostamente localizada em Iga proviacutencia de

Izumo atual prefeitura de Shimane e eacute governada por Susano-o-no-mikoto 51

O reconhecimento de uma divisatildeo tripartida do mundo repercute-se no Kojiki ateacute

um certo momento Izanagi e Izanami detinham domiacutenio conjunto sobre a Terra um ldquomundordquo

modelado pelas suas proacuteprias accedilotildees enquanto ldquocriadoresrdquo de kuni e kami Takamagahara

pertencia aos amatsu-no-kami o Yomi-no-kuni natildeo pertencia a ningueacutem em concreto embora

jaacute fosse um mundo habitaacutevel per si Com a dissoluccedilatildeo do matrimoacutenio de Izanagi e Izanami a

situaccedilatildeo muda por completo eacute necessaacuterio criar novos liacutederes capazes de garantir o equiliacutebrio

entre os mundos da superfiacutecie uma vez que Izanami (esteacuteril) eacute agora a uacutenica governante do

Yomi Em suma pretende-se uma nova geraccedilatildeo para uma nova ordem tornando Izanagi no

ldquoprogenitorrdquo de um conjunto de kami Natildeo existindo qualquer ato sexual propriamente dito os

kami ldquotornam-serdquo como consequecircncia direta dos seus atos de purificaccedilatildeo (misogi)

Neste sentido agrave medida que Izanagi se despe para lavar o seu corpo da ldquosujidaderdquo

(kegare穢) do Yomi-no-kuni surgem vaacuterios kami dos seus acessoacuterios (cana obi isto eacute a peccedila

de tecido usada em torno da cintura que prende a veste tradicional japonesa) a sua espada e

roupa bem como de alguns kami que se ldquotornamrdquo em simultacircneo com a lavagem do corpo

numa nascente Por fim manifesta-se o trio de irmatildeos que herdaria uma das trecircs partes do

mundo tal como ordenado por Izanagi a Amaterasu de aparecircncia resplandecente capaz de

iluminar os ceacuteus recebe Takamagahara uma posiccedilatildeo legitimada por Izanagi que lhe oferece

um acessoacuterio para pendurar ao pescoccedilo o seu irmatildeo Tsukuyomi-no-mikoto (月読の命) e kami

da Lua eacute adequadamente encarregue do yoru no osu kuni (夜之食国) - entendido por Takeda

como yoru no sekai literalmente o ldquomundo da noiterdquo Susano-o-no-mikoto (須佐之男命) e

kami das tempestades (arashi no kami 嵐の神) manifestando uma personalidade tempestuosa

51

MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 29

e conflituosa recebe a tarefa de governar a lsquoplaniacutecie dos maresrsquo (unabara 海原) expressatildeo

que designa um domiacutenio terreno (kuni) e natildeo algo pertencente ao mundo marinho (tal como eacute

sugerido pelo kanji de umi ou ldquomarrdquo) 52

De entre os trecircs mencionados kami Susano-o eacute notoriamente o mais invejoso

procurando humilhar a sua irmatilde ao ponto de esta se refugiar numa caverna a ldquoPedra-caverna

do Ceacuteurdquo (Ama no Iwato (天の岩戸) Consequentemente ldquotoda a Alta Planiacutecie do Ceacuteu tornou-

se escura e toda a Terra Central das Planiacutecies de Junco estava escura tambeacutem Por causa disto

noite eterna reinavardquo 53

Em outras palavras a ausecircncia de Amaterasu estaacute conotada com um

estado de Desordem do proacuteprio cosmos um caos que necessita de regressar ao seu estado de

Ordem o quanto antes sendo que Susano-o eacute o agente da Desordem e a sua irmatilde a agente da

Ordem traccedilada por Izanagi

Amaterasu soacute retoma as suas responsabilidades de guardiatilde de Takamagahara e por

associaccedilatildeo da ldquoTerra Central das Planiacutecies de Juncordquo devido ao esforccedilo conjunto das ldquooito

miriacuteades de kami reunidas na margem do Paciacutefico Rio do Ceacuteu numa reuniatildeo divinardquo o

episoacutedio em si eacute uma histoacuteria de elevado cariz sexual protagonizada por Amaterasu tem como

antagonista Susano-o e inclui alguns kami que apesar de serem personagens secundaacuterias satildeo

essenciais para a devoluccedilatildeo do mundo ao seu estado de Ordem cada kami tenta fazer com que

Amaterasu saia do esconderijo convocando-se outros kami para o efeito Cabe a Ame-no-

uzume-no-mikoto (天宇受売命) a uacuteltima tentativa executando uma danccedila muito provocante

durante um ldquoestado alterado de consciecircnciardquo e como resultado todos os kami riem-se A

curiosa Amaterasu interroga-se sobre o porquecirc desta comoccedilatildeo e eacute atraiacuteda para fora da caverna

ficando temporariamente cega ao ver o seu proacuteprio reflexo num espelho permitindo aos kami

selarem definitivamente a Ama no Iwato trazendo a luz de volta ao mundo e com ela a

Ordem 54

O episoacutedio tambeacutem constitui uma das referecircncias mais antigas e descritivas de rituais

executados em shintō o elemento da danccedila de entretenimento (kagura) eacute uma das partes

integrais da cerimoacutenia de dedicaccedilatildeo aos kami nos santuaacuterios e neste mito em particular possui

claramente uma intenccedilatildeo de reordenaccedilatildeo Ame-no-uzume-mo-mikoto pode ser interpretada

como um protoacutetipo de uma miko (巫女) embora ecoando uma imagem provocante (a danccedila e

52

TAKEDA Tsunegaki op cit pp38-41 53

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 129-130 54

TAKEDA Tsunegaki op cit pp 50-52

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 30

a o vestuaacuterio) diferente da imagem tiacutepica de uma miko Ono Sokyō descreve-as como

ldquofuncionaacuterias puacuteblicasrdquo e filhas de sacerdotes ou locais residentes cujos deveres para com o

jinja findam quando se casam sendo substituiacutedas por outras A sua funccedilatildeo prende-se com o

ldquoritualrdquo auxiliando os responsaacuteveis pelos jinja na preparaccedilatildeo das cerimoacutenias 55

Natildeo obstante a kami atua como representante da classe Sarume (猿女) uma das

primeiras quatro classes sacerdotais geralmente composta por danccedilarinos e cuja linhagem

remontaria a Ame-no-uzume-no-mikoto esposa de Sarutahiko-no-kami o kami associado agrave

fertilidade e ao ato sexual Por sua vez se os Nakatomi (中臣) retraccedilam as suas origens a

Ame-no-koyane-no-mikoto (天児屋命) 56

realizavam ritos e entoavam norito os Inbe (斎部)

encarregavam-se dos rituais de abstenccedilatildeo garantindo uma ldquopureza cerimonial a fim de afastar

poluiccedilatildeo e manter contacto constante com os kamirdquo 57

descendendo do kami responsaacutevel por

selar a Ama no Iwato (Futodama-no-mikoto 布刀玉命 ) 58

Quanto aos Urabe (卜部 )

responsabilizavam-se por ldquoadivinharrdquo da vontade dos kami 57

agrave semelhanccedila dos ldquoadivinhosrdquo

da dinastia chinesa Zhou que recorriam agrave leitura das fissuras das carapaccedilas de tartaruga e

omoplatas de gado depositadas no fogo

Aleacutem do elemento de danccedila o episoacutedio regista a presenccedila de oferendas (shinsen神

饌) praacutetica que corresponde atualmente agrave ldquosegunda faserdquo dos rituais (de Ordem) em shintō

no mito shinsen satildeo substituiacutedas por tamagushi (玉串) - ramos da aacutervore sakaki (榊) em

torno dos quais satildeo atadas as ldquojoacuteias curvasrdquo (magatama 勾玉) - e eacute claro o espelho por sua

vez interpretado por Takeda como o ceacutelebre Yata no kagami (八咫鏡) um dos trecircs siacutembolos

da casa imperial (sanshū no jingi 三種の神器) juntamente com a ldquojoacuteia curvardquo Yasakani no

magatama (八尺瓊曲玉)

O uacutenico siacutembolo ausente eacute a espada Kusanagi no KenTsurugi (草薙剣) que soacute surge

efetivamente no episoacutedio seguinte narrando-se o desterrar de Susano-o para a Terra apoacutes ter

sofrido derrota agraves matildeos da irmatilde que por sua vez se refugiaria temporariamente na Ama no

Iwato como jaacute mencionado anteriormente Susano-o negligenciava constantemente o seu

domiacutenio a sua maior ambiccedilatildeo era ocupar o trono de Amaterasu em Takamagahara

competindo sempre que podia com a irmatilde sendo que um dos seus desafios testava a

capacidade de reproduccedilatildeo enquanto kami-progenitores Uma vez que os filhos de Amaterasu

55

ONO Sokyō op cit pp 41-44 56

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 133-136

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nascem primeiro 57

confirma-se a posiccedilatildeo desta kami como governante uacutenica dos assuntos do

ldquodomiacutenio superiorrdquo

De orgulho ferido Susano-o lsquodescarregarsquo a sua raiva e eacute punido pelos seus atos

(neste contexto o uso da palavra tsumi [罪] especifica a natureza ofensiva das accedilotildees de

Susano-o) passando a servir os outros kami como forma de arrependimento cometendo um

uacuteltimo ato atroz mas invulgarmente necessaacuterio o kami mata a kami da comida Ōgetsuhime-

no-kami 58

(大気都比売神 tambeacutem identificada como Toyo-uke-hime-no-kami) e do seu

cadaacutever nascem os cinco cereais fundamentais para a atividade agriacutecola 59

Por outras

palavras a atitude violenta de Susano-o revela-se beneacutefica e natildeo prejudicial como em outros

episoacutedios tornando esta personagem uma espeacutecie de ldquomal necessaacuteriordquo

Em Izumo Susano-o adquire um estatuto equivalente ao de heroacutei o kami viaja pela

terra ateacute se deparar com um casal de kami cujas filhas tinham sido constantemente devoradas

por um terriacutevel ser de oito cabeccedilas (Yamata no Orochi八岐大蛇) Prometendo ajudar o casal

em troca da matildeo da uacuteltima filha Susano-o embriaga a serpente e decepa-lhe a cauda da qual

misteriosamente emerge a Kusanagi no tsurugi Desposando Kushi-na-ta-hime (櫛名田比売)

Susano-o fixa-se definitivamente em Izumo 60

Ora a derradeira meta de Susano-o eacute nada mais do que adquirir influecircncia

comparaacutevel agrave da sua irmatilde criando vaacuterias linhagens de kami (unindo-se em matrimoacutenio agraves

filhas de outros kami) cujas crianccedilas pudessem assumir a responsabilidade de ldquocriarrdquo novos

domiacutenios no arquipeacutelago japonecircs De entre os descendentes de Susano-o destacar-se-ia

Ōkuninushi-nushi-no-kami (大国主神) - literalmente ldquoo kami que governa os kunirdquo (kuni wo

shihaisuru kami国を支配する神) - Seguindo nas pisadas do casal Izanagi e Izanami e do

seu antepassado Susano-o Ōkuninushi empenhar-se-ia na ldquoconstruccedilatildeo da terrardquo 60

Por sua

vez Amaterasu e o seu consorte Taka-musubi-no-kami ldquodecidem estabelecer domiacutenio celesterdquo

57

TAKEDA Tsunegaki op cit pp45-47 58

AKEDA Tsunegaki op cit pp54-55 59

Curiosamente no episoacutedio de Tsukuyomi e Ukemochi (Nihon shoki) constata-se um grande paralelo com o

mito anterior Tsukuyomi mata Ukemochi-no-mikoto num acesso de raiva pela mesma razatildeo que Susano-o

Ukemochi tinha produzido comida pela boca efetivamente ldquosujando-ardquo (kegare) Como resultado Amaterasu

afasta-se definitivamente de Tsukuyomi dando iniacutecio agrave sucessatildeo dos dias e das noites Entretanto do cadaacutever da

kami brotam alimentos que seriam cultivados para consumo humano (gado arroz trigo etc) Nihonsinwa ldquo第

五段一書(十一)ウツシキアオヒトクサrdquo (Quinta secccedilatildeo 11 Utsushiki-aohitokusa) 日本書紀神代上

(Nihon shoki Kami-yo Parte Superior) (on line) lthttpnihonsinwacompage699htmlgt (consultado em 24-06-

2018) 60

TAKEDA Tsunegaki op cit pp55-60

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 32

sobre o Ashihara Nakatsu kuni (葦原中国) tornando o territoacuterio oficialmente pertenccedila dos

amatsu-no-kami 61

Duas geraccedilotildees mais tarde Ninigi (neto de Amaterasu e Taka-musubi) desceria ao

domiacutenio do meio e receberia de Amaterasu as sanshū jingi (espada espelho e magatama)

oficializando o novo regime de governaccedilatildeo honrado pelo seu bisneto o futuro primeiro

Imperador humano do Japatildeo que adotaria o nome de Jinmu (神武) no seguimento das suas

campanhas bem-sucedidas contra os descendentes dos kunitsu-no-kami na planiacutecie de Yamato

61 No fundo constata-se uma segunda interrupccedilatildeo da ordem do cosmos cuja reposiccedilatildeo por

Ninigi e Jinmu definiria a nova reparticcedilatildeo do mundo Takamagahara continuaria a ser

governado por Amaterasu representante por excelecircncia dos amatsu-no-kami sendo que o

ldquodomiacutenio do meiordquo permaneceria sob o controlo da famiacutelia imperial cuja linhagem

descenderia diretamente de Amaterasu natildeo do seu irmatildeo Susano-o

12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora

Natildeo obstante o episoacutedio da descida de Ninigi e o relato da vitoacuteria de Jinmu sobre os

seus inimigos fazem parte de uma cuidadosa estrateacutegia poliacutetica enraizada na proacutepria corte

reconhecendo-se o papel de Amaterasu (Kojiki) ou de Taka-musubi-no-kami (Nihon shoki) 62

no processo de legitimaccedilatildeo da soberania da famiacutelia imperial sobre o territoacuterio japonecircs Em

ambos casos o resultado eacute o mesmo contraria-se o sistema caracterizado por unidades

familiares que detinham domiacutenio sobre um ou mais territoacuterios emergindo uma nova ordem

poliacutetica sediada na planiacutecie do Yamato e cujo liacuteder adota o tiacutetulo de Imperador (tennō 天皇)

destacando-se de outros liacutederes familiares pelo seu interesse para com sistemas e ideias vindas

de fora tais como as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda

121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa

No primeiro caso a tradiccedilatildeo confuciana introduz-se na esfera da educaccedilatildeo de corte

tornando-se indispensaacutevel para a criaccedilatildeo de poesia (ao estilo chinecircs natildeo japonecircs) e uma

61

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 62

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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influecircncia nos comentaacuterios de capiacutetulos do Nihon shoki 63

De entre as vaacuterias escolas de

pensamento a de Zhu Xi tornar-se-ia extremamente popular dentro do sacerdoacutecio shintō

culminando na criaccedilatildeo de Suika shintō (垂加神道) por parte de Yamazaki Ansai (山崎 闇

斎 1612-1682) que enfatizava uma ldquoGrande Viardquo estabelecida por Amaterasu produzindo

um novo conceito de ldquoreverecircncia para o imperadorrdquo ligado com a noccedilatildeo de Japatildeo como a

ldquoterra dos kamirdquo 64

Durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) a relaccedilatildeo entre confucionismo e shintō seria

levada a um outro patamar nascendo juka shintō (儒家神道) Fundamentando a teoria de que

estes dois sistemas eram um (shinju icchi神儒一致) 65

este tipo de shintō contribuiria para

criaccedilatildeo de outras vertentes natildeo tanto focadas na praacutetica de ritual mas antes na anaacutelise e

exposiccedilatildeo teoacuterica deste uacuteltimo e consequentemente a reinterpretaccedilatildeo de conceitos e ideias

shintō ao estilo confuciano por exemplo a linha de pensamento de Aizawa Seishizai (会沢

正志斎 1782-1863) atribui a Amaterasu qualidades como lealdade e piedade filial fazendo

de shintō uma ldquoVia Confucianardquo onde ldquoordem social construiacutea-se sobre lealdade e devoccedilatildeo

filial (hellip) para sempre envigorada pela atuaccedilatildeo exemplar do Imperador de atos rituais na

presenccedila da sua antepassada a deusa-solrdquo 66

Contudo a chegada de um periacuteodo moderno faz estender esta tradiccedilatildeo a outros

domiacutenios aleacutem de jinja shintō os setores confucianos de kyōha shintō (教派神道 )

denominados Shintō Shūseiha (神道修成派) e Shintō Taiseikyō (神道大成教) Tanto num

caso como no outro a linha de pensamento dos grupos eacute modelada pela vivecircncia do

ldquoorganizadorrdquo ou ldquofundadorrdquo por exemplo Nitta Kuniteru (新田 邦光 1829-1902) possuiacutea

uma visatildeo poliacutetica profundamente ldquolealistardquo focada na reverecircncia ao Imperador e na exclusatildeo

de ideias ldquoocidentaisrdquo que supostamente acelerassem o desenvolvimento do Japatildeo

Familiarizado com os claacutessicos confucianos e a Via do bushi (武士道) Nitta desenvolveria

com os seus companheiros uma mentalidade proacutepria que elevava shintō ao estatuto de uma

63

YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious

and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 64

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 311-312 65

YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious

and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 66

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 p69

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 34

ldquoGrande Viardquo associada a obrigaccedilotildees morais patriotismo que deviam ser sempre praticados

pelos japoneses o que iria ao encontro das ideias do governo Meiji 67

Em 1876 o poder poliacutetico reconheceria Shūsei Kōsha (修成構社) ndash o grupo fundado

por Nitta ndash como um grupo independente nascendo oficialmente a Shintō Shūseiha uma

organizaccedilatildeo que possuiacutea dois grupos distintos de aderentes por um lado os estudantes de

Nitta do final do periacuteodo Edo por outro membros de outros grupos que se tinham juntado a

Shūseiha apoacutes a restauraccedilatildeo Meiji (1868) 68

No que concerne aos seus ensinamentos combinavam-se conceitos de shintō (kami)

com ldquoelementos da cosmologia de pensamento neo-confuciano e outras crenccedilas sincreacuteticasrdquo

notando-se a importacircncia do Nihon shoki e do Kojiki (de onde derivam os termos shū ndash shūri

修理 reparaccedilatildeo ndash e sei ndash de kōusei 構成 consolidaccedilatildeo) entre outros textos eacute no princiacutepio de

shūsei que ldquojaz a lei fundamental da evoluccedilatildeo do universo (hellip) o processo da humanidade e o

avanccedilar da sociedade se devem agrave operaccedilatildeo deste princiacutepio uacutenicordquo consolidado pela

observaccedilatildeo da ldquolei moral e os meios pelos quais os assuntos da famiacutelia e sociedade satildeo

administradosrdquo Enfatizando uma atitude de veneraccedilatildeo aos kami aos antepassados e eacute claro o

desenvolvimento de caraacutecter do individuo que devia atuar de forma correta mantendo

ldquotemperanccedila e frugalidaderdquo 69

shūseiha propotildee uma mistura de praacutetica e doutrina orientada

para o indiviacuteduo podendo ser interpretada como uma ldquodisciplinardquo que o guiasse ao longo da

sua vida natildeo muito diferente da proposta de shintō

Por outro lado Hirayama Seisai ( 平山省斎 1815-1890) acumulou cargos

governamentais e dedicou-se aos estudos de Chinecircs e Kokugaku em Edo No periacuteodo poacutes-

restauraccedilatildeo Meiji Hirayama teraacute inaugurado uma escola de estudos chineses no periacuteodo

gradualmente envolvendo-se em assuntos de cariz ldquoreligiosordquo ndash tornou-se sacerdote-liacuteder em

santuaacuterios relevantes como o de Hikawa e de Hie ndash ao ponto de formar em 1879 a Taisei

Kyōkai (大成教会) que em 1882 ganharia independecircncia e acomodaria dezenas de grupos

Shintō Taiseikyō 70

Enaltecendo o caraacutecter educativo de shintō o setor considera a veneraccedilatildeo dos jingi e

dos antepassados (o que em termos tradicionais natildeo representa nada de novo) como

responsabilidade do indiviacuteduo que por sua vez deve alcanccedilar a felicidade e viver ldquobemrdquo o que

67

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 68

INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29

(3-4) 2002 pp 405-427 69

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 70

INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29

(3-4) 2002 pp 405-427Studies

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 35

estaacute de acordo com a visatildeo positiva de shintō em relaccedilatildeo ao indiviacuteduo Uma vez que o ser

humano possui ldquobons espiacuteritosrdquo (possivelmente a tradiccedilatildeo original seria uma ldquoboardquo tamashii)

este tem a capacidade inerente de se autodisciplinar e autorreformar atraveacutes do devido esforccedilo

devendo confiar e executar o ritual ldquoagrave maneira de geraccedilotildees sucessivas de Cortes Imperiaisrdquo 70

Com efeito Taiseikyō procura honrar a tradiccedilatildeo de jinja shintō e reforccedila a ideia de que shintō

eacute para todos os efeitos uma Via criada para os humanos

29 (3-4) 2002 pp 405-427

122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos kami

A segunda Via enfatiza a natureza ritual de shintō e eacute acolhida com o maior

entusiasmo pelo poder poliacutetico como se constata na narrativa cosmoloacutegica do Nihon shoki no

uso de espadas e espelhos em contexto ritual nos cultos ao Imperador agrave Estrela Polar e agrave

Ursa Maior 71

A Via do Dao definir-se-ia entatildeo como uma espeacutecie de auxiliar ao culto jingi

que se encontrava ao serviccedilo da corte imperial isto eacute da esfera privada agrave necessidade de

venerar os kami juntar-se-ia a atuaccedilatildeo poliacutetica uma noccedilatildeo expressa no conceito de

matsurigoto (政) Posteriormente recuperado e adaptado agrave mentalidade Meiji designando-se

saisei icchi (祭政一致) o princiacutepio de unidade da execuccedilatildeo dos ritosveneraccedilatildeo dos kami e de

governar o territoacuterio matsurigoto parece harmonizar os aspetos rituais e poliacuteticos dentro do

territoacuterio japonecircs algo reconhecido por Ono Sokyō no seu entender ldquofestivais e ritos para

vaacuterios kami tutelares e a administraccedilatildeo de clatildes e sociedade local eram essencialmente uma

uacutenica funccedilatildeordquo 72

Essecircncia do ritual em jinja shintō e kōshitsu shintō os matsuri satildeo tanto ocasiotildees

festivas e alegres como possuem um aspeto mais soacutebrio e solene sobretudo se realizados por

indiviacuteduos ligados ao poder poliacutetico no caso dos ldquoritos imperiaisrdquo deve-se incluir o lsquomatsuri

das origensrsquo (Genshi-sai元始祭 3 de Janeiro) a celebraccedilatildeo da passagem das estaccedilotildees do ano

- a Primavera (Shunki Shindensai 春季神殿祭 e Shunki Kōreisai 春季皇霊祭) e Outono

(Shūki Shindensai 秋季神殿祭 e Shūki Kōreisai 秋季皇霊祭 ) Acrescenta-se ainda o

Niinamesai (新嘗祭 23 de novembro) e o Kannamesai (神嘗祭 17 de outubro) 73

um dos

treze principais matsuri listados e calendarizados no Jingiryō

71

KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981

pp 1-21 72

ONO Sokyō op cit p76 73

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 79-80 p96

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 36

Supervisionados pelo Jingikan (神祇官) estes treze matsuri eram hierarquizados em

ldquomaiorrdquo ldquomedianordquo e ldquomenorrdquo ndash os ritos de maior importacircncia (taishi) eram celebrados

durante todo o mecircs os chūshi duravam trecircs dias e os shōshi apenas um dia 74

Kinensai

(ldquocerimoacutenia de preces para o Anordquo) era celebrado no segundo mecircs Chinkasai (ldquocerimoacutenia de

pacificaccedilatildeo das floresrdquo) no terceiro mecircs Kanmisosai (de caraacutecter bianual) no quarto e nono

meses Ōimisai (realizado no jinja de Hirose) no quarto e seacutetimo mecircs Saigusasai (realizado

no jinja de Ōmiwa) e Fūjinsai (matsuri em honra do kami do vento) no quarto e seacutetimo mecircs

No sexto e deacutecimo segundo mecircs celebrava-se o Tsukinamisai algo replicado no Chinkasai

(rdquocerimoacutenia da pacificaccedilatildeo do fogordquo) e Michiaesai (ldquocerimoacutenia dos quatro campos da

capitalrdquo) Quanto ao nono mecircs este estava reservado para o Kannamesai (ldquocerimoacutenia da

degustaccedilatildeo divina dos frutosrdquo) seguido do Ainamesai (ldquocerimoacutenia de partilha dos frutosrdquo) o

Chinkonsai (rdquocerimoacutenia para a pacificaccedilatildeo do espiacuteritos augustosrdquo) e o Daijōsai (rdquogrande

cerimoacutenia de degustaccedilatildeo dos frutosrdquo) agendados no deacutecimo primeiro mecircs 75

No fundo o Jingikan regulava o modo de veneraccedilatildeo dos jingi cujas metas revolviam

sempre em torno do bem puacuteblico obtenccedilatildeo de boas colheitas garantia da ldquosauacutede e seguranccedila

do imperador do palaacutecio e da capitalrdquo e eacute claro proteccedilatildeo contra invasotildees rebeliotildees e doenccedilas

que afetassem a populaccedilatildeo 76

o palaacutecio imperial era nada mais do que um centro de ritual e a

elite qualificada da capital a grande autoridade sobre todos os assuntos shintō e taoiacutestas

Como se pode constatar as atividades desta instituiccedilatildeo complementavam-se com a

atuaccedilatildeo do Escritoacuterio Yin-Yang (Onmyōryō 陰陽寮) Operado por dezenas de indiviacuteduos

empenhados na manutenccedilatildeo do equiliacutebrio coacutesmico atraveacutes dos mais diversos meios

(astronomia calendarizaccedilatildeo e adivinhaccedilatildeo yin-yang este oacutergatildeo seria o siacutembolo da adaptaccedilatildeo

da escola de pensamento on-myōdō ( 陰 陽 道 ) ao contexto japonecircs permitindo o

desenvolvimento de certas praacuteticas hoje aceites na cultura japonesa como formas de

lsquosupersticcedilatildeorsquo ou lsquomagiarsquo por exemplo a adivinhaccedilatildeo baseada nos signos do zodiacuteaco chinecircs

ou direccedilotildees da buacutessola 77

74

HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 75

TAKASHIO Hiroshi ldquoJingiryōrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices

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(consultado em 24-06-2018) 76

BREEN John TEEUWEN Mark op cit p32 pp36-37 77

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Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 37

Durante o Periacuteodo Heian (794-1185) as proacuteprias cerimoacutenias onmyōdō adaptam-se

aos rituais estatais (positivos) sendo ldquointroduzidas como ritos de proteccedilatildeo pessoal para o

imperadorrdquo dirigidos a ldquocorpos celestiaisrdquo e aos kami Uns seacuteculos mais tarde a Via do Dao

tornar-se-ia objeto de interesse pelas ldquopessoas comunsrdquo que patrocinavam ldquoritosrdquo e

praticavam ldquomagia pessoal para convidar becircnccedilatildeos e evitar maacute-sorterdquo 77

Neste sentido on-

myōdō reconhecia a existecircncia de forccedilas ldquonegativasrdquo que deviam ser eliminadas e pacificadas

claramente enriquecendo a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo em shintō

Uma Via fundada e divulgada por certas famiacutelias que lhe enalteciam um aspeto

ldquomaacutegicordquo onmyōdō conheceria especial popularidade em algumas escolas de pensamento

refletindo a existecircncia de movimentos internos da proacutepria Via dos kami que conjugavam o

aspeto mais praacutetico com a exposiccedilatildeo teoacuterica desta uacuteltima Assim onmyōdō tornar-se-ia uma

referecircncia para os autores responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de Ise shintō (伊勢神道 ) e Yoshida

shintō (吉田神道) ambas possuindo uma relaccedilatildeo bastante familial os principais autores e

comentadores provinham de famiacutelias associados a um santuaacuterio especiacutefico sendo que os

Watarai de Ise shintō pertenciam ao Palaacutecio Externo (Gekū外宮) de Ise os Urabe de Yoshida

shintō uma das famiacutelias mais influentes no Jingikan ocupavam cargos de lsquosacerdotesrsquo em

Quioto concretamente nos jinja de Hirano Yoshida e Ume no Miya 78

Aleacutem de partilharem dos mesmos sentimentos de rejeiccedilatildeo face agrave doutrina honji-

suijaku (本地垂迹 ) que reduziria os kami a incarnaccedilotildees de bodhisattvas e budas e

consequentemente subordinando shintō agrave Via do Buda ndash revertendo a relaccedilatildeo shinbutsu ou

seja tornando as ldquodivindades budistasrdquo como manifestaccedilotildees de kami 79

as escolas estavam

familiarizadas com princiacutepios da cosmologia chinesa o Ruiju jingi hongen (類聚神祇本源

composto em 1320) de Watarai Ieyuki (度会 家行 1255-1351) expocircs a sua ldquoa teoria de Yin-

Yang e as Cinco Fases da Mateacuteria (inyō gogyō) no contexto de uma descriccedilatildeo da criaccedilatildeo do

ceacuteu e da terrardquo recorrendo agraves obras do filoacutesofo chinecircs Zhou Dunyi (周敦頤 1017-1073)

ceacutelebre pensador ldquoneo-confucianordquo e autor de um comentaacuterio ao Claacutessico das Mutaccedilotildees

(Yijing 易經 em japonecircs Eki-kyō 易経) e do ensaio de exposiccedilatildeo sobre o diagrama do

extremo supremo (taiji tushuo 太極圖說 taikyo kuzu) 80

Argumentando acerca do ldquoiniacutecio

como o iniacutecio e a origem como a origemrdquo Ieyuki considera o organismo humano como o

78

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 79

PICKEN Stuart op cit p173 80

YAO Xinzhong An Introduction to Confucianism New York Cambridge University Press 2000 pp98-99

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 38

coletivo dos cinco elementos que ldquocomungam com a origem da naturezardquo agrave qual se deve

regressar e entrar 81

No caso da escola Yoshida Yoshida Kanetomo (吉田兼俱 1435-1511) autor da

obra Shintō Taii (神道大尉) estabelece paralelos tais como ldquosete aberturas da cabeccedila com as

sete estrelas do ceacuteu e os cinco oacutergatildeos internos com as cinco fases da mateacuteria na terrardquo 82

por

conseguinte kami seriam descritos como uma forma de taiji (taikyo) a ldquoabsoluta existecircncia

anterior agrave formaccedilatildeo do ceacuteu e da terra transcendendo yin e yang embora sendo capaz de agir

com estas mesmas forccedilasrdquo uma vez que natildeo possuem forma concreta os kami possuiacuteam o

atributo da ldquocriatividaderdquo modelando todas as coisas existentes no mundo 83

Supervisionado pelo Ministeacuterio dos Assuntos Internos sob o coacutedigo ritsuryō o

Onmyōryō tornar-se-ia o palco de rivalidades familiares entre clatildes como os Abe (associados agrave

astrologia) e os Kamo (especialistas nas ciecircncias calendares) No periacuteodo Muromachi a

linhagem Abe (Tsuchimikado土御門) assumiria a posiccedilatildeo hereditaacuteria de superintendentes da

instituiccedilatildeo sendo que a casa dos Kamo (Kōtokui 幸徳井) contentar-se-ia com o segundo

lugar ocupando o cargo de vice-liacuteder No Periacuteodo Edo as disputas de autoridade em mateacuterias

de ritual condicionariam a crescente competiccedilatildeo entre os Tsuchimikado e uma terceira casa

os Yoshida se os Tsuchimikado seriam reconhecidos pelo bakufu como os responsaacuteveis pela

nomeaccedilatildeo dos lsquomestres do yin-yangrsquo (onmyōji 陰陽師) os Yoshida encarregar-se-iam dos

sacerdotes shintō 84

Em 1682 Tsuchimikado Yasutomi (土御門泰福 1655-1717) criaria

uma nova doutrina inspirada no pensamento de Yamazaki Ansai e de alguns pensadores de

Ise shintō bem como controlava e garantia ldquolicenccedilas a praticantes Yin-Yang pelas proviacutenciasrdquo

85

Na atualidade elementos de onmyōdō podem ser encontrados nas vaacuterias ramificaccedilotildees

de shintō tomando-se o exemplo de Tensha Tsuchimikado Shintō (天社土御門神道 )

Inspirada pela escola de Yasutomi e criada no poacutes-1945 como consequecircncia da concessatildeo de

liberdade religiosa esta organizaccedilatildeo centra-se na cerimoacutenia tensō chifusai (天曹地府祭) Um

81

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p176 82

HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 83

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 84

NISHIOKA Kazuhiko ldquoTsuchimikado Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and

Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22576gt (consultado em 24-06-2018) 85

INOUE Nobutaka ldquoTsuchimikado Yasutomirdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities

(on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22771gt (consultado em

24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 39

matsuri de caraacutecter imperial tensō chifusai procurava a transmissatildeo dos ldquodesejosrdquo do novo

Imperador agraves ldquodivindadesrdquo on-myō embora gradualmente adquirisse popularidade junto dos

Tsuchimikado Praticada no seu jinja dedicado a Taizan Fukun 85

(泰山夫君) ndash em contexto

chinecircs atuava como magistrado do domiacutenio dos mortos e era um subordinado de Yama (em

japonecircs Enma閻魔) 86

ndash a cerimoacutenia garantiria longevidade e seguranccedila do novo imperador

bem como a manutenccedilatildeo do estado de paz no territoacuterio do Japatildeo e o bem-estar dos suacutebditos 85

as necessidades do coletivo pesavam mais do que as individuais

123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu

Apesar da influecircncia significativa do confucionismo e do taoiacutesmo em shintō ambos

sistemas de pensamento chinecircs natildeo partilham da categoria moderna de shūkyō no campo da

estatiacutestica japonesa apenas a Via do Buda eacute hoje reconhecido como tal juntando-se a shintō e

ao cristianismo trecircs ldquoreligiotildeesrdquo cujo impacto alterou a paisagem cultural japonesa embora a

quantidade de igrejas dificilmente se compara aos milhares de jinja e tera ou jirsquoin (templos

budistas) observando-se igualmente a presenccedila de determinados cultos e tendecircncias que

demonstram o caraacutecter sincreacutetico da relaccedilatildeo shinbutsu

No entanto os atos de veneraccedilatildeo aos kami eram na sua origem considerados como a

antiacutetese da Via do Buda dificultando tentativas de aproximaccedilatildeo entre os ldquocultosrdquo segundo os

decretos imperiais do Nihon shoki shintō ndash interpretado como kannagara (惟神 随神)

designando uma praacutetica delegada por Amaterasu aos seus descendentes e que seria traduzida

como ldquoseguir Shinto (hellip) ou carregar Shinto de forma naturalrdquo - e buppōbutsudō eram

encarados com respeito ou desdeacutem 87

No periacuteodo de governaccedilatildeo do Imperador Yōmei (用明

天皇) ambas eram consideras tradiccedilotildees vaacutelidas a seguir uma vez que este ldquoacredita na lei do

Buda e respeita shendaordquo (天皇信仏法尊神道) 88

um termo mais tarde identificado com

shintō

86

MASUO Shinrsquoichirō ldquoChinese Religion and the Formation of Onmyōdōrdquo Nanzan Institute for Religion and

Culture Japanese Journal of Religious Studies nordm 40 (1) 2013 pp 19ndash43 87

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 253-258 88

Durante o primeiro ano do reinado do imperador Kōtoku (孝徳天皇 supostamente ldquorespeita-se a lei do Buda

e ter shendao em pouca consideraccedilatildeordquo (尊仏法軽神道) SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon

shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 40

Por volta da reforma Taika de 645 os ldquorituais budistasrdquo tinham encontrado o seu

lugar no palaacutecio imperial interagindo com os ritos para os kami 89

condicionando um cenaacuterio

de competiccedilatildeo que forccedilaria a adaptaccedilatildeo de shintō face a estas novas escolas e vice-versa

Destacando-se como uma nova forma de lei e doutrina inovadora cujo impacto se estenderia a

vaacuterias aacutereas nomeadamente arte arquitetura educaccedilatildeo e literatura a Via do Buda eacute elevada

ao estatuto de protetora do domiacutenio do Japatildeo o que natildeo implica uma relaccedilatildeo antagoacutenica com

o culto jingi antes pelo contraacuterio

Durante os periacuteodos Nara-Heian constroem-se os primeiros espaccedilos de veneraccedilatildeo

conjunta de kami e budas (jingū-ji (神宮寺) Todavia a contiacutenua associaccedilatildeo da nova Via agrave

vida aristocraacutetica reforccedilaria a ligaccedilatildeo dos cultos aos kami com as pessoas comuns 90

shintō

permanecia a religiatildeo da comunidade e o budismo a religiatildeo doutrinaacuteria de uma elite

empenhada na traduccedilatildeo e interpretaccedilatildeo dos sutras patrocinando a construccedilatildeo de templos e a

consequente instruccedilatildeo dos monges utilizando rituais budistas para seu benefiacutecio

Tal como os onmyōji se dedicavam a atividades de lsquoexorcismorsquo os monges

recorreriam a foacutermulas e outras teacutecnicas para controlar a ldquoviolecircncia de divindades espiacuteritos e

demoacutenios de todos os tipos incluindo os kamirdquo Por conseguinte a introduccedilatildeo e popularizaccedilatildeo

das linhas de pensamento favoraacuteveis agrave combinaccedilatildeo de elementos shinbutsu obrigaria a novas

interpretaccedilotildees do que se entende por kami outrora seres omnipotentes kami possuiriam um

estatuto equivalente ao de devas ou asuras e como tal sujeitavam-se a samṣara (rokudō rinne

六道輪廻) ao contraacuterio dos budas que tinham alcanccedilado a iluminaccedilatildeo (satori 悟り) 91

No final do periacuteodo Nara promover-se-ia a teoria de que os kami eram nada mais do

que ldquodivindadesrdquo tutelares dos ensinamentos budistas clarificando a relaccedilatildeo de superioridade

do budismo para com shintō e como tal poderiam ser salvas como qualquer outro ser dos seis

domiacutenios 92

neste sentido vida e morte fazem parte do mesmo ciclo do qual apenas alguns se

podem libertar colocando todos os habitantes dos seis caminhos em peacute de igualdade para

shintō a necessidade de ldquosalvaccedilatildeordquo da roda de reencarnaccedilatildeo atraveacutes de satori natildeo se justifica

todos os seres vivos partilham do mesmo caminho - nasciam viviam no seu mundo (em

sociedade com outros kami e humanos) e a sua lsquoformarsquo ou corpo possui os seus limites

89

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 90

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 91

BREEN John TEEUWEN Mark opcit p 38-39 92

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 41

naturais apoacutes a morte fiacutesica os uacutenicos traccedilos de existecircncia de uma forma de vida encontrar-

se-iam na tamashii (魂) um atributo interior de kami e humanos

Paralelamente agrave expansatildeo do budismo no Japatildeo desenvolve-se a primeira fase da

vertente acadeacutemica de shintō caracterizada pela adoccedilatildeo de conceitos e fundamentaccedilatildeo de

teorias de bukkyō como o princiacutepio honji-suijaku aplicado pelos setores mais populares do

periacuteodo Heian Tendai (天台宗) e Shingon (真言宗) reavaliando-se a relaccedilatildeo entre kami e

outros ldquoseresrdquo reconhecidos pela Via do Buda Assim kami tornar-se-iam suijaku (lsquotraccedilosrsquo垂

迹) dos honji (lsquoessecircnciasrsquo本地) que se encontravam em budas (hotoke 仏) e bodhisattvas

(bosatsu菩薩) por exemplo Jizō (地藏) eacute identificado com Hiraoka-amakoyane-no-mikoto

um dos kami consagrados no Kasuga Jinja 93

no complexo de Ise encontrar-se-ia o honji

Mahāvairocana Tathagata (Dainichi Nyorai 大日如来 ) e em Hakusan o bosatsu da

compaixatildeo Kannon (観音) 94

O esforccedilo de cooperaccedilatildeo entre ambas tradiccedilotildees atingiria o seu auge com o

aparecimento das trecircs escolas xintoiacutestas de base budista Tendai shintō (天台神道) Ryōbu

shintō (両部神道) e Hōkke shintō (法華神道) respetivamente associadas agraves doutrinas dos

monges Saichō Kūkai e Nichiren Tendai Shintō tambeacutem conhecido pela designaccedilatildeo Sannō

Ichi-jitsu shintō apoia-se no estudo do Sutra do Loacutetus e coloca em praacutetica a teoria honji-

suijaku identificando Hiyoshi Sannō o lsquokami guardiatildeorsquo (shugojin 守護神 ) do templo

Enryaku-ji como o suijaku de Śākyamuni o ldquorei do Dharma do sutra do Loacutetusrdquo Possuindo

uma importacircncia mais local do que nacional e centrada em Hiei Quioto Tendai shintō

popularizaria o ato de meditaccedilatildeo ambulante em torno dos sub-santuaacuterios do ldquoSantuaacuterio de Hierdquo

e ldquoperegrinaccedilotildees mentaisrdquo nas quais os suplicantes ldquovisualmenterdquo visitavam os santuaacuterios 95

Agrave semelhanccedila da escola Tendai Ryōbu shintō favorece a combinaccedilatildeo de elementos

ldquobudistasrdquo (ldquoesoteacutericosrdquo) e shintō focando-se na relaccedilatildeo do Ise jingū (伊勢神宮) com as

mandalas kongokai e taizokai representaccedilotildees do ldquoDomiacutenio do Diamanterdquo e do ldquoDomiacutenio do

Ventrerdquo por sua vez associados ao Gekū e ao lsquopalaacutecio internorsquo (Naikū 内宮 ) de Ise

93

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 94

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 95

SATŌ Masato ldquoSannō Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and

Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22572gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 42

respetivamente96

Descrita como ldquoshintō combinatoacuterio baseada nas mandalas duais

fundamentais de Budismo esoteacuterico Shingonrdquo por Yoshida Kanetomo 97

- expoente da teoria

Yuiitsu shintō (唯一神道) na qual kami se torna o centro de tudo incluindo do ceacuteu e da terra

ldquodemoacuteniosrdquo animais e o proacuteprio kokoro dos humanos 98

- Ryōbu shintō influenciaria as

escolas de Ise e Yoshida 96

No que concerne agrave uacuteltima escola Hokke shintō recebe influecircncias do ldquobudismordquo

Nichiren (日蓮宗) uma das seitas mais populares do Periacuteodo Kamakura (1185-1333) por sua

vez derivada da lsquoseita da Terra Pura (Jōdo-shū 浄土宗rdquo) propagando a doutrina de mappō

(末法) o momento final do Dharma exaltada pelo monge Nichiren (日蓮 1222-1282)

Essencialmente portador de uma linha de pensamento reacionaacuteria ao budismo Heian

Nichiren considerava Tenshō Daijin (Amaterasu) e Hachiman como shugojin do Verdadeiro

Dharma reconhecendo igualmente a existecircncia de ldquodivindades tutelares do Sutra do Loacutetusrdquo

que tanto protegeriam a realidade na qual se verificasse a concretizaccedilatildeo do Verdadeiro

Dharma como poderiam escolher abandonaacute-la caso a Lei natildeo fosse aplicada 99

Por

conseguinte esta tradiccedilatildeo teria sido formada pelo superintendente do templo Shuryōgonin

associava-se deste modo os trinta dias do mecircs a trinta diferentes jinja e complexos tais

como Atsuta Jingū Suwa Shōshin-ji Hachiō-ji Inari Kibune Hachiman Kasuga Ise Gion

entre outros 100

Partilhando com Tendai o estudo do Sutra do Loacutetus a escola Hokke influenciaria as

ideias de Yoshida shintō e continuaria a desenvolver-se ao longo dos Periacuteodos Muromachi e

Edo surgindo uma seacuterie de obras e fasciacuteculos comentando acerca desta forma de shintō tais

como Hokke Shintō Hiketsu (法華神道秘訣) atribuiacutedo a Nitchō (日澄 1441-1510) 99

No seguimento da instauraccedilatildeo da terceira e uacuteltima casa militar no poder poliacutetico

budismo eacute relegado para um plano mais secundaacuterio aleacutem do aumento do nuacutemero de

96

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp298-299 97

ITŌ Satoshi ldquoRyōbu Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and

Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22800 (consultado em 24-06-2018) 98

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 99

Itō explica que esta doutrina (shintenjō hōmon) seria acolhida pelo ldquoculto Tendai de trinta divindades tal como

era praticado no Monte Hieirdquo ITŌ Satoshi ldquoHokke Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and

Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22565gt (consultado em 24-06-2018) 100

ITŌ Satoshi ldquoSanjūbanshinrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Combinatory Kami (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22464gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 43

ocorrecircncias de funerais shintō realizados por famiacutelias como os Yoshida bem como a reduccedilatildeo

da quantidade de tera e jinja que favorecessem uma abordagem ldquocombinatoacuteriardquo 101

surge a

niacutevel acadeacutemico o movimento fukko shintō (復古神道) que propunha um ldquoreavaliaccedilatildeordquo de

shintō rejeitando-se severamente ideias externas

Nestas circunstacircncias Hirata Atsutane (平田篤胤 1774-1842) representante da

vertente mais ldquoradicalrdquo da escola kokugaku assume uma posiccedilatildeo particularmente criacutetica da

Via do Buda suposta total antiacutetese de shintō que por sua vez era emulado como uma ldquovia

antigardquo (kodō 古道) no seu Kodō Taii (古道大尉) redigido em 1811 Hirata idealiza o Japatildeo

como a ldquoTerra dos kamirdquo cujos habitantes satildeo ldquoracialmente superioresrdquo entendendo budismo

como uma ldquoreligiatildeordquo inventada por um homem ndash Śākyamuni ndash cujas doutrinas eram ldquofalsasrdquo

ao ponto de apagarem por completo a ldquoverdade originalrdquo da existecircncia de uma entidade

omnipresente criadora denominada nos textos antigos de Brahmā que Hirata identifica com

Kami-musubi-no-kami 102

Por conseguinte o sentimento anti-budista expresso por Hirata teria as suas

repercussotildees em alguns territoacuterios no periacuteodo final do xogunato Tokugawa gerando-se o

movimento haibutsu kishaku (廃仏毀釈) cuja linha de pensamento tornar-se-ia devastadora

para a Via do Buda desde a destruiccedilatildeo de templos halls imagens rituais apropriaccedilatildeo de

propriedades dos templos na economia dos domiacutenios agrave laicizaccedilatildeo forccedilada dos monges o

budismo enquanto religiatildeo perderia credibilidade e significado cultural entre a populaccedilatildeo 103

ao contraacuterio de shintō por sua vez equiparado a uma ideologia poliacutetica a partir de 1868

inaugura-se assim um dos momentos mais negros da histoacuteria shinbutsu

13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945

O periacuteodo de vigecircncia da ideologia Meiji (1868-1945) eacute tambeacutem um periacuteodo de

perseguiccedilatildeo interna para a Via do Buda e nas palavras de Picken um exemplo de ldquoabuso e

manipulaccedilatildeordquo de shintō 104

a Ordenaccedilatildeo de Distinccedilatildeo de Shintō e Bukkyō (shinbutsu

hanzenrei 神仏判然令 ) de 1868 oficializa a poliacutetica de separaccedilatildeo de shintō e bukkyō

(shinbutsu bunri 神仏分離) expressa pela interdiccedilatildeo de ldquonomes de estilo Budista para kami

101

BREEN John TEEUWEN Mark opcit pp 38-39 102

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 213-215 103

SAKAMOTO Koremaru ldquoHaibutsukishakurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Doctrines

and Theories (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23552gt

(consultado em 24-06-2018) 104

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 87-88

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 44

a proibiccedilatildeo de se usar imagens Budistas para representar kami e a remoccedilatildeo de implementos

rituais Budistas de espaccedilos rituais Shintōrdquo 105

Seguindo nos passos do movimento haibutsu

kishaku

Tendo como meta uma visatildeo de shintō como lsquonatildeo-religiatildeorsquo estatal o novo regime

restabeleceria o Jingikan - substituiacutedo dois anos depois pelo Jingishō (神祇省) ndash e procederia

agrave instauraccedilatildeo de um sistema hieraacuterquico piramidal de jinja imperiais e nacionais (1870-1871)

delegando-se cargos a funcionaacuterios puacuteblicos Abolindo-se o sistema de hereditariedade

sacerdotal jinja tornam-se instituiccedilotildees nacionais e espaccedilos de visita obrigatoacuteria e natildeo

espontacircnea 106

131 A visatildeo ldquonacionalistardquo Meiji uma ldquonatildeo-religiatildeordquo ao serviccedilo do Estado

japonecircs

Se as restantes ldquoreligiotildeesrdquo eram entendidas como secundaacuterias - permanecendo sob a

tutela do Escritoacuterio de Religiatildeo do qual faziam parte os treze ldquosetoresrdquo de kyōha shintō - o

culto jingi era colocado sob a alccedilada do Jinjakyoku (神社局) perdendo gradualmente a sua

natureza religiosa todos os meios eram vaacutelidos para inculcar nas mentes dos japoneses a ideia

de que shintō natildeo era uma religiatildeo ldquopatrociacutenio apoio perpetuaccedilatildeo controlo e disseminaccedilatildeordquo

de shintō pelos vaacuterios niacuteveis de governo e por funcionaacuterios puacuteblicos ldquosubordinados e

empregadosrdquo o constante ensino de doutrina ldquoxintoiacutestardquo ldquonacionalistardquo ou ldquoultranacionalistardquo

em manuais escolares o ato de visitar santuaacuterios por obrigaccedilatildeo e execuccedilatildeo de ritos

patrocinadas por instituiccedilotildees educacionais a circulaccedilatildeo de textos explicativos da doutrina

kokutai (国体) 107

Em contexto legal tambeacutem os proacuteprios santuaacuterios xintoiacutestas sofreriam o impacto

desta abordagem poliacutetica de shintō que reavivava a ligaccedilatildeo co-dependente entre o poder

poliacutetico e shintō (na sua forma de culto jingi) tornando shintō uma instituiccedilatildeo patrioacutetica que

devia ser salvaguardada por todos o ano de 1900 marcaria o iniacutecio do controverso processo

de aglutinaccedilatildeo de jinja (Jinja-Gappei 神社合併) Apagando a existecircncia de milhares de jinja

ldquonatildeo-qualificadosrdquo o movimento expressava uma transferecircncia forccedilada de kami para outros

105

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 106

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39 107

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 114-116

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 45

jinja minando a relaccedilatildeo destes espaccedilos com as comunidades locais se em 1880 existiam

cerca de 157 mil jinja do povopuacuteblicos (minsha民社) em 1929 o nuacutemero rondaria os 112

mil e em 1947 mais de 87 mil 108

De um modo geral shintō estatal (kokka shintō 国家神道) cimentou a ideia de que

um certo tipo de shintō estava aleacutem de ser ldquoreligiatildeo termo que no Periacuteodo Meiji tinha como

elementos um fundador individual e a uma organizaccedilatildeo privada realizando-se atividades de

caraacutecter voluntaacuterio 108

o que nada tinha a ver com o culto jingi praticar shintō era nada mais

do que um dever e uma demonstraccedilatildeo de sentimentos patrioacuteticos essenciais ao bom

funcionamento da naccedilatildeo japonesa recorrendo-se a conceitos como kannagara akitsu-mikami

(現御神) hakkō-ichiu (八紘一宇) que naturalmente tinham sido readaptados face ao status-

quo kannagara por exemplo descrevia uma lsquofeacutersquo que incide no indiviacuteduo e faz com que este

sirva o coletivo nunca a si mesmo expressando ainda ldquoum sentimento de assimilaccedilatildeo e

harmoniardquo 109

akitsu-mikami significava uma ldquodivindade incarnadardquo identificada com o

proacuteprio imperador que deve ser venerado tal como os seus antepassados por parte dos seus

suacutebditos 110

hakkō-ichiu (ldquoa terra inteira debaixo do mesmo tetordquo) era usado como slogan

simboacutelico do poderio militar japonecircs 111

ecoando a noccedilatildeo de tian xia isto eacute lsquodebaixo do ceacuteursquo

(tenka 天下) que em contexto do pensamento chinecircs arcaico e confuciano definia o escopo

do tianming ou lsquomandato do ceacuteursquo (tenmei天命) entregue a um futuro soberano

No fundo reforccedila-se a suposta superioridade do Japatildeo enquanto naccedilatildeo ldquodivinardquo e por

associaccedilatildeo do proacuteprio imperador cuja ldquoalma divinardquo eacute representada por Amaterasu o liacuteder do

Impeacuterio age senatildeo em nome desta uacuteltima sendo que todos os japoneses reconhecem e

reverenciam a sua linhagem transmitida ldquonuma linha inquebraacutevelrdquo o trono e o Imperador satildeo

uma extensatildeo de Amaterasu conferindo-lhe um estatuto ldquoinviolaacutevelrdquo Como tal a aacuterea de

governaccedilatildeo do Imperador natildeo pode ser reduzida ao Japatildeo mas antes a todo o nosso mundo

um papel partilhado com a kami do Sol e Taka-musubi-no-kami 109

108

SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion

Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149 109

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 127-128 110

PICKEN Stuart op cit pp 105 111

PICKEN Stuart op cit pp 111

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 46

132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular religiatildeo

japonesa

O fim da 2ordf Guerra Mundial eacute justamente descrito como o ponto de viragem para as

religiotildees japonesas desde 1945 que shintō eacute estatisticamente uma religiatildeo viabilizando um

processo de reinvenccedilatildeo e adaptaccedilatildeo agraves necessidades de uma sociedade japonesa moderna

surgem assim novos movimentos religiosos parcialmente baseados em ideias shintō budistas

ou cristatildes algumas mais do que outras testemunho vivo da liberdade religiosa expressa a

niacutevel constitucional

No que concerne aos espaccedilos de veneraccedilatildeo estes satildeo devidamente legalizados como

corporaccedilotildees religiosas (shūkyō hōjin宗教法人) desde 1946 operando quer como extensotildees

de terceiros (grupos inclusivos) ou como unidades (tanrsquoi単位) independentes destes grupos

inclusivos (tanritsu shūkyō dantai単立宗教団体) a cada grupo inclusivo (hōkatsu dantai包

括団体) corresponde uma categoria proacutepria - kyōha (教派) shūha (宗派) comunidade

religiosa (kyōdan教団) ordem (shūdoukai 修道会) - que por sua vez incorpora tanrsquoi jinja

jirsquoin (寺院) igrejas (kyōkai教会) e mosteiros (shūdōin修道院) 112

Por conseguinte todos os dados reportados satildeo compilados pela Divisatildeo de Assuntos

Religiosos da Agecircncia para Assuntos Culturais do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (Bunka-chō

shūmuka kyōiku-shō 文化庁宗務課 教育省) que se apoia na definiccedilatildeo de ldquoorganizaccedilatildeo

religiosardquo (shūkyō dantai 宗教団体) promulgada pela Constituiccedilatildeo qualquer grupo local

focado na ldquodisseminaccedilatildeo de ensinamentos religiosos a conduccedilatildeo de cerimoacutenias e funccedilotildees e a

educaccedilatildeo e nutrimento dos crentesrdquo deve ser considerado uma shūkyō dantai que deteacutem

autoridade sobre o processo de qualificaccedilatildeo e quantificaccedilatildeo dos aderentes e do sacerdoacutecio 112

por exemplo a instruccedilatildeo dos candidatos a posiccedilotildees dentro dos santuaacuterios eacute disponibilizada

pelas Universidade Kokugakuin (國學院大學) de Toacutequio e a Universidade Kōgakkan (皇學

館大学) em Ise esta uacuteltima focada no treino de ldquosacerdotes para recitar as liturgias e perceber

o significado dos rituaisrdquo 113

Operando a niacutevel prefeitural ou nacional a categoria shūkyō hōjin faz parte da visatildeo

moderna japonesa de religiatildeo em 1998 o Anuaacuterio de Religiotildees (shūkyō nenkan 宗教年鑑)

do 10ordm Ano da Era Heisei registava mais de 85 mil grupos religiosos shintō 104553179

112

TAMARU Nobuyoshi REID David Religion in Japanese Culture Where Living Traditions Meet a

Changing World Tokyo Kodansha International 1996 pp 218-219 113

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 188-190

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 47

seguidores shintō (492) mais de 81 mil jinja 15 jirsquoin e 1276 locais de propagaccedilatildeo religiosa

(fukyōjo布教所) bem como cerca de 88 mil ldquoprofessoresrdquo (kyōshi 教師) Em contrapartida

bukkyō tinha apenas 78 mil grupos religiosos mais de 95 milhotildees de aderentes e um nuacutemero

superior de kyōshi mais de 77 mil templos apenas 10 jinja e cerca de 3000 fukyōjo 114

No

ano de 2015 constatava-se uma pequena evoluccedilatildeo negativa 485 dos aderentes seguiam

shintō e apenas 87 milhotildees eram supostamente budistas registando-se igualmente uma

descida do nuacutemero de kyōshi tanrsquoi e corporaccedilotildees shintō e budistas 115

Apesar de os dados publicados pela Agecircncia poderem natildeo corresponder agrave realidade

o campo estatiacutestico esforccedila-se por explicar ao puacuteblico o que se entende por shintō bukkyō e

kirisutokyō recorrendo a uma categorizaccedilatildeo que eacute acima de tudo coerente face agrave sua

evoluccedilatildeo histoacuterica no caso concreto de shintō os Anuaacuterios de Religiotildees reconhecem trecircs

ramificaccedilotildees ou kei (系) jinja shintō (神社神道) kyōha shintō e shin shūkyō shintō (新宗教

神道) 116

destas trecircs somente a primeira inclui uma organizaccedilatildeo que tambeacutem serve de porta-

voz aos interesses da maior parte dos jinja espalhados pelo paiacutes a Jinja Honchō (神社本庁)

Ceacutelebre instituiccedilatildeo criada em 1946 no seguimento da fusatildeo de outros trecircs grupos privados eacute

ateacute hoje o ldquouacutenico corpo coordenativo para Shinto no Japatildeo e o uacutenico oacutergatildeo (para aleacutem dos

santuaacuterios individuais) pelo qual Shinto pode ser formalmente representado a um largo niacutevel

administrativordquo 117

Regulando a atuaccedilatildeo das atividades dos jinja a Jinja Honchō permanece o ldquogrupo

religiosordquo mais numeroso no que concerne a espaccedilos de veneraccedilatildeo aderentes (perto de 80

milhotildees) e kyōshi (aprox217 milhotildees) 116

e apresenta-se como um oacutergatildeo mais moderado que

os seus predecessores do Periacuteodo Meiji ndash Jingikan Jingishō (神祇省) Kyōbushō (教部省) e

Jingirsquoin (神祇院) ndash capaz de conjugar as funccedilotildees de supervisor dos jinja e de autoridade em

assuntos shintō Sinteticamente esta associaccedilatildeo tem como metas perpetuar as tradiccedilotildees

desenvolvidas em contexto de jinja shintō como demonstraccedilatildeo de gratidatildeo aos kami e aos

antepassados - a realizaccedilatildeo de cerimoacutenias e ritos - ldquoservir a sociedade e outrosrdquo e na

qualidade de ldquomensageiros de kamirdquo aspirar a melhorar e consolidar este mundo Por uacuteltimo

deve-se identificar ldquoas proacuteprias mentes com a do Imperadorrdquo e ldquorezar pela prosperidade do

114

Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 10 Han (宗教年鑑平成 10 版) Tokyo Bunka-chō

1998 115

Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō

2016 116

Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō

2016 117

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 41-42

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 48

paiacutes e por coexistecircncia paciacutefica e coprosperidade para as pessoas do mundordquo 118

claramente

realccedilando o caraacutecter natildeo individual patente em shintō

2 SOCIEDADE ldquoESPIRITUALIDADErdquo E ldquoEacuteTICArdquo A ldquoVIA DOS KAMIrdquo E O

REGRESSO Agrave Ordem

Aceitar shintō pressupotildee que o indiviacuteduo realize rituais positivos com uma ldquomente

clara pura e sincerardquo 118

devendo-se ter em atenccedilatildeo o termo ldquomenterdquo o facto de Ono ter

como puacuteblico-alvo natildeo japoneses poderaacute justificar esta escolha de traduccedilatildeo que se afasta do

texto original por exemplo ldquoakikiyoki makoto wo nite saishi ni isoshimukoto (明き清きまこ

とを以て祭祀 [さいし] にいそしむこと) corresponde a ldquodevotar-nos aos atos de veneraccedilatildeo

(aos kami) com uma mente clara pura e sincerardquo ldquoŌmikokoro wo itadakite mutsubirdquo (大御

心 [おおみこころ]をいただきてむつび) 119

eacute ldquoidentificaccedilatildeo das proacuteprias mentes com a

(mente) do Imperadorrdquo Assim o termo torna-se makoto Juntamente com o kokoro ambos

vocaacutebulos fundamentam a perspetiva eacutetica de shintō Por sua vez mutsubi (musubi) auxilia na

compreensatildeo da relaccedilatildeo de shintō com o indiviacuteduo e por associaccedilatildeo com os kami

21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e

individuais

Claramente uma Via focada no bem-estar humano shintō ilustra um forte caraacutecter

social e eacutetico que eacute complementado pelo desenvolvimento de uma lsquoespiritualidadersquo proacutepria

associada agrave perceccedilatildeo japonesa do ldquosagradordquo como jaacute anteriormente mencionado este

domiacutenio estaacute associado a kami e a sua presenccedila pode ser ldquosentidardquo em certas ocasiotildees

nomeadamente durante os matsuri e as cerimoacutenias executadas pelos ldquosacerdotesrdquo (shinkan 神

官) a descriccedilatildeo de Picken de shintō como ldquoefectivamente uma religiatildeo que eacute mais lsquoapanhadarsquo

do que lsquoensinadarsquo os seus discernimentos lsquopercecionadosrsquo antes de serem lsquoacreditadosrsquo os

118

ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004 p82 119

A expressatildeo Ōmikokoro (ou Mikokoro 御心) eacute uma forma respeitosa de se referir ao Imperador (ou aos kami)

que surge nas norito ou em outros textos oficiais Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案 内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line) lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 49

seus baacutesicos conceitos mais do que lsquosentidosrsquo do que lsquopensadosrsquordquo 120

faz da praacutetica e da

experiecircncia do indiviacuteduo o seu alicerce Deste modo confere-se ao homem um papel ativo e

de participante quer se trate de um visitante que reze aos kami esperando por uma resposta

quer seja algueacutem dedicado a servir os kami (ldquosacerdotesrdquo por exemplo) a decisatildeo de executar

os rituais (associados agrave Ordem) cabe ao homem

Soacute o homem possui a capacidade de entrar num domiacutenio diferente deparando-se com

vaacuterios siacutembolos que assinalam a ldquopresenccedilardquo do kami Mircea Eliade nota que o homem

apercebe-se do ldquosagradordquo porque este escolhe mostrar-se isto eacute manifesta-se das mais

variadas formas algo descrito pelo autor como ldquohierofaniardquo identificando a ldquohistoacuteria de

religiotildeesrdquo como portadora de um legado de ldquohierofaniasrdquo ndash elementares e complexas ndash e

argumentando que a manifestaccedilatildeo de ldquoalgo de uma ordem totalmente diferente uma realidade

que natildeo pertence ao nosso mundordquo eacute visualmente expressa por ldquoobjetos que satildeo uma parte

integral do nosso mundo natural lsquoprofanorsquordquo 121

em shintō esta perspetiva lembra o conceito

de kami enquanto atributo o ato de atar uma shimenawa (しめ縄) corda da qual pendem

pequenas tiras em formato ziguezague a um objeto (pilares rochas) ou uma aacutervore (shinboku

神木) e o uso da gohei (御幣) um enfeite colocado diante das portas do ldquosantuaacuterio interiorrdquo

(shinden 神殿) representam a transiccedilatildeo do vulgar para o extraordinaacuterio se fisicamente o

objeto permanece tal e qual como antes de uma perspetiva espiritual e natildeo racional o objeto

torna-se uma extensatildeo do kami

Por conseguinte a noccedilatildeo de ldquohierofaniardquo pensada por Eliade poderia aplicar-se aos

shintai (神体) e mitamashiro (御魂代) objetos diretamente ligados agrave sobrevivecircncia dos jinja

garantindo um estatuto lsquosagradorsquo dos jinja enquanto o kami permanecer nesse local 122

durante a Jinja Gappei milhares de santuaacuterios perderam a sua razatildeo de existir na sequecircncia

da transferecircncia permanente dos supostos representantes do kami 123

No fundo eacute a ausecircncia

destes objetos condiciona o fim do jinja

Essencialmente espaccedilos mantidos graccedilas aos esforccedilos da comunidade jinja

desempenham serviccedilos que incidem na esfera puacuteblica e privada todo o jinja revolve em torno

das pessoas familiarizadas com a aacuterea de atuaccedilatildeo e os atributos do kami ao qual apelam

preocupaccedilotildees econoacutemicas satildeo geralmente da responsabilidade de Inari (稲荷) e Ebisu (恵比

120

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p xxxii 121

ELIADE Mircea op cit pp 10-12 122

ONO Sokyō op cit p21 pp-24-25 pp98-99 123

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 50

須) o primeiro eacute identificado como o kami protetor do cultivo de arroz e dos cinco cereais

enquanto que o segundo eacute associado ao setor comercial desde o seacutec XII 124

Protetor dos mercadores em meio urbano e de campos de arroz nas aacutereas rurais 124

Ebisu faz parte dos Shichi Fukujin (七福神) um grupo de sete kami associados agrave boamaacute

sorte Daikokuten (大黒天) representante da prosperidade comercial apesar de tambeacutem ser

identificado com um deva domeacutestico da cozinha Mahakala Jurōjin (寿老人) ldquokami de uma

estrela no Taoiacutesmordquo bem como um ldquoermitardquo Jaacute Fukurokuju (福禄寿) eacute o kami da riqueza

prosperidade e longa vida e Hotei (布袋) ldquoum monge chinecircs e uma incarnaccedilatildeo de Maitreyardquo

(Miroku 弥勒) 125

Por uacuteltimo Bishamonten (毘沙門天) e Benzaiten (弁財天) tecircm origens

indianas se Bishamonten um kami de temperamento forte e marcial eacute identificado com

Vaiśravaṇa Beizaiten eacute equiparada agrave devī Sarasvatī 126

No que concerne a preocupaccedilotildees mais pessoais como aprovaccedilatildeo nos exames de

admissatildeo da faculdade eacute costume visitar-se o Kitano Tenmangū (北野天満宮) de Quioto

onde se venera Tenjin127

Ao contraacuterio de outros kami Tenjin natildeo se tornou kami de um dia

para o outro a consagraccedilatildeo da ldquoalmardquo de Michizane ldquoresultou de um esforccedilo extraordinaacuterio

do governo de lidar com uma manifestaccedilatildeo perturbadora de crenccedila Alma-Zangada (onryo)

que (hellip) foi grandemente influenciada pelo corrente interesse em ideias Chinesas e crenccedilasrdquo

128 Por sua vez onryō partilha algumas semelhanccedilas com goryō (御霊) ldquoespiacuteritos de pessoas

que tinham perdido as suas posiccedilotildees de poder e vaacuterios kami de epidemiasrdquo posteriormente

ldquodomesticadosrdquo nos ritos chinkon ao inveacutes de entidades destruidoras e malevolentes que

invocavam desgraccedilas goryō transformavam-se em entidades protetoras 129

22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii

Tanto onryō como goryō enquadram-se na perspetiva espiritual de shintō agrave

semelhanccedila de sangaku shinkō (山岳信仰) cultos caracterizados pela adoraccedilatildeo de montanhas

124

PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365 125

HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia

ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de

2003)

126 PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39

127 PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365

128 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 285

129 YONEI Teruyoshi ldquoGoryōrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23422gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 51

como Ontake (御嶽) Kumano (熊野) Fuji (富士) Sannō (山王) Katsuragi (葛城) supostos

locais de morada permanente para espiacuteritos ldquoprincipalmente espiacuteritos dos mortos que

vigiavam e assistiam os vivosrdquo 130

Eacute em virtude de um suposto caraacutecter sagrado e espiritual

que ainda hoje se realizam praacuteticas asceacuteticas nestes locais

Por conseguinte a compreensatildeo da ldquoespiritualidaderdquo japonesa implica o

conhecimento de musubi (産霊) rei (霊) e tamashii (魂) sendo que o primeiro eacute composto

por umi (産み ldquocriaccedilatildeordquo no sentido de gerar algo) e rei significando algo que natildeo pertence

ao plano fiacutesico Homoacutefono da palavra musubi (結び) traduzido por ldquoligaccedilatildeordquo e por sua vez

derivada do verbo musubu ou lsquoligarrsquo musubi eacute em si a lsquovitalidadersquo presente no ambiente e

nos seres que o constituem uma interpretaccedilatildeo apoiada por Motoori Norinaga

Com efeito no seu Tama Kushige o autor identifica musubi como uma espeacutecie de

ldquoprinciacutepio de atividade criativardquo inerente nos kami Taka-musubi e Kami-musubi concluindo

que este ldquoespiacuterito criativo (hellip) divino milagroso e aleacutem da compreensatildeo humanardquo permite os

atos de ldquocriaccedilatildeordquo (kuni-umi e kami-umi) de Izanagi e Izanami 131

tudo deve a sua existecircncia a

musubi incluindo os proacuteprios humanos

Simultaneamente uniatildeo (harmonizaccedilatildeo e balanceamento) e criaccedilatildeo isto eacute o lsquopoderrsquo

que concede vida e a origem de toda a existecircncia transportando consigo as conotaccedilotildees de

ldquocombinaccedilatildeordquo ldquojuntarrdquo e ldquointerligarrdquo132

musubi foi repetidamente usado no contexto

cerimonial imperial por exemplo os cinco kami que possuem a partiacutecula musubi no seu nome

satildeo tambeacutem os kami protetores do espelho Yata no Kagami localizados no santuaacuterio

kashidokoro do palaacutecio 133

No que concerne agrave rei e tamashii ambos vocaacutebulos tendem a ser erroneamente

traduzidos como ldquoespiacuteritordquo ou ldquoalmardquo e a sua grande diferenccedila consiste no facto de rei ser

exclusivamente uma parte do humano em vida e um atributo independente apoacutes a morte do

corpo se bem que no entender de Yoshida Kanetomo rei eacute aquilo que governa ldquocoisas

individuaisrdquo contrastando com as ldquopessoas individuaisrdquo que satildeo ldquogovernadas pelo kokoro

(hellip)rdquo 134

tamashii eacute uma caracteriacutestica partilhada por homens e kami sendo que no uacuteltimo

caso esta noccedilatildeo eacute expressa pela palavra mitama - escrita com os kanji de kami e rei (神霊) ndash

130

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 197-198 131

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 132

BOYD JAMES WILLIAMS Ron ldquoJapanese Shintō An Interpretation of a Priestly Perspectiverdquo

Philosophy East and West nordm 55 (1) pp 33-63 133

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 79 134

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp163-167

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 52

ldquoespiacuteritos de kamirdquo cuja existecircncia defendida por rituais e jinja torna viaacutevel a sua integraccedilatildeo

na ideia shintō de lsquoespiacuteritorsquo ou lsquoespiritualidadersquo 135

Natildeo obstante tambeacutem os humanos satildeo portadores de um outro tipo de mitama (御

霊) este identificado como uma rei apoacutes a morte do corpo 135

tornando-se efetivamente uma

extensatildeo deste uacuteltimo o que lhe permite uma atuaccedilatildeo positiva (como protetor) ou negativa

(como destruidor da ordem) no domiacutenio dos humanos Com efeito o culto aos mortos na

sociedade japonesa faz parte de uma tradiccedilatildeo antiga na qual se atribui a certos mortos um

tratamento especial a veneraccedilatildeo de falecidos imperadores antepassados e guerreiros mortos

em combate em conjunto com o culto aos kami expressam uma forte consciencializaccedilatildeo

espiritual ainda muito presente na cultura japonesa

Sob um ponto de vista mais doutrinaacuterio a espiritualidade japonesa centra-se na teoria

ichirei shikon (一霊四魂) literalmente ldquouma rei e quatro tamashiirdquo na qual os humanos e os

kami servem de recipiente agrave reikon que por sua vez eacute constituiacuteda por um lsquoespiacuteritorsquo 136

(rei) -

designado de naobi curioso conceito inserido no campo da eacutetica japonesa significando

ldquocorrigir algo anormal mau ou distorcido e restaura-lo agrave sua condiccedilatildeo normal ou originalrdquo e o

ldquoespiacuterito maravilhoso que retifica o erradordquo 137

- e pela quadripartida tamashii (魂)

Neste contexto cada parte corresponde a um ldquoatributordquo ou ldquocaracteriacutesticardquo que rege o

seu modo de atuaccedilatildeo no domiacutenio terreno o par nigimitama (和御魂) e aramitama (荒御魂)

possuindo uma natureza dual complementar lembrando os princiacutepios do yin e do yang

respetivamente associados ao ldquoatributordquo calmo e passivo nigimitama e o seu oposto a

incontrolaacutevel aramitama o duo sakimitama (幸御魂) e kushimitama (奇御魂) brevemente

mencionado no Nihon shoki se sakimitama eacute a mitama que ldquoprovidenciardquo a potecircncia por

detraacutes da colheita a kushimitama tem o poder de evocar ldquomisteriosas manifestaccedilotildees em seres

humanos atraveacutes de um poder sobrenaturalrdquo 138

135

ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018) 138

YONEI Teruyoshi ldquoIchirei shikonrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on

line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-

06-2018) 137

FUKUI Yoshihiko ldquoNaobirdquo Encyclopedia of Japan 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23662gt (consultado em 24-06-

2018) 138

YONEI Teruyoshi ldquoKushimitamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on

line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23412gt (consultado em 24-

06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 53

De entre este quarteto o primeiro par merece uma atenccedilatildeo especial constatando-se

dezenas de referecircncias em textos antigos que explicitam o papel de tanto uma como da outra

que rituais a executar para pacificar uma aramitama transformando-a numa nigimitama

praacutetica efetuada pela famiacutelia imperial por exemplo apoacutes a morte no exiacutelio em Dazaifu (903)

do letrado Sugawara-no-Michizane que tinha sido viacutetima de uma conspiraccedilatildeo dois anos antes

a capital Quioto seria afetada por uma seacuterie de ldquodesastresrdquo tais como ldquopraga fogos

inundaccedilotildees e mortes inesperadasrdquo de membros do clatilde Fujiwara lanccedilando-se um debate

interno sobre a sua causa concluindo-se que se tratava da aramitama do falecido Sugawara

Procurando-se ldquoapaziguarrdquo esta aramitama a famiacutelia imperial procederia agrave restituiccedilatildeo do

estatuto de letrado de Michizane apoiando a construccedilatildeo de um jinja no qual seria consagrado

um novo kami Tenjin 139

O descrito episoacutedio de ldquodomesticaccedilatildeordquo continuaria a ser praticado ao longo dos

seacuteculos sendo que o Imperador Shōwa (昭和天皇) organizaria uma procissatildeo pelo paiacutes para

pacificar as aramitama atraveacutes de preces substituindo-as por nigimitama algo modelado nas

tours do Imperador Meiji (明治天皇) motivos poliacuteticos satildeo habilmente misturados com as

necessidades ldquoespirituaisrdquo do Japatildeo 140

Natildeo obstante existe uma terceira forma de

ldquodomesticaccedilatildeordquo que natildeo implica o seu afastamento da praacutetica de veneraccedilatildeo antes pelo

contraacuterio no Ise Jingū pensa-se que um dos ldquosantuaacuteriosrdquo do Naikū preserva a nigimitama de

Amaterasu e no outro consagra-se a aramitama um processo replicado no Sumiyoshi Taisha

(住吉大社) de Ōsaka espaccedilo de veneraccedilatildeo de trecircs nigimitama dos trecircs respetivos kami ao

contraacuterio do seu congeacutenere em Yamaguchi que alberga as suas aramitama 141

23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi

Aleacutem das diferenccedilas estabelecidas pela mencionada doutrina rei e tamashii satildeo

essencialmente termos que natildeo reconhecem a existecircncia de bommau o que explica o habitual

caraacutecter neutro dos kami Todavia eacute possiacutevel constatar a presenccedila de categorias de rei e kami

que funcionam como arautos de desgraccedila humana e natural representando o oposto do que eacute

ldquobomrdquo goryō onryō e akuryō (悪霊) este uacuteltimo traduzido literalmente por ldquorei malignosrdquo

139

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 100 140

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 141

ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 54

satildeo exemplos de entidades espirituais cuja razatildeo de existecircncia eacute a de causar danos agraves pessoas

objetos casas urgindo a realizaccedilatildeo de rituais proacuteprios de ldquopacificaccedilatildeordquo e ldquoexorcismordquo que

supostamente expulsamremovem permanentemente quaisquer influecircncias negativas Por sua

vez os yūrei (幽霊) ldquorei obscurosrdquo enquadram-se mais no mundo folcloacuterico japonecircs e satildeo

geralmente identificados como ldquoespiacuteritos vingativosrdquo ou ldquoapariccedilotildeesrdquo cuja presenccedila eacute teacutenue

mas forte o suficiente para serem ldquosentidosrdquo em locais como florestas e montanhas

No que concerne a kami malignos estes satildeo nada mais do que a antiacutetese de musubi e

pureza se a maioria dos kami desdenham ldquode comportamento disruptivo de ordem social ou

natural juntamente com poluiccedilotildees (kegare) tais como sujidade sangue e morterdquo 142

e a sua

origem eacute responsabilidade do princiacutepio de ldquocriaccedilatildeordquo e Ordem coacutesmica um outro grupo de

kami partilha de uma natureza totalmente oposta favorecendo a destruiccedilatildeo da Ordem os

magatsubi no kami ou magatsui no kami (禍津日神 ) Responsaacuteveis por ldquodesgraccedilas

inevitaacuteveisrdquo e reinando ldquosobre erro e impurezardquo eacutetica os magatsui no kami residem nas

profundezas do Yomi ao contraacuterio dos restantes kami que vivem em Takamagahara e no

mundo terreno possuindo uma ldquoessecircncia liacutempidardquo 143

magatsui no kami satildeo os agentes da

desordem distinguindo-se dos restantes kami que favorecem a Ordem

Neste sentido os magatsui no kami relacionam-se com magagoto (凶悪事) palavra

que subentende ldquodesgraccedilas maacutes accedilotildees e calamidadesrdquo 144

ao contraacuterio dos naobi-no-kami

capazes de ldquorestaurar o estado normal e trazer de volta o mundo puro claro proacuteprio e reto

dos Deusesrdquo 145

constroacutei-se deste modo a ideia do mal percecionado como Desordem e

anormalidade que deve ser combatido pelo indiviacuteduo praticante Via dos kami enfatizando os

aspetos sociais e eacuteticos de shintō

A visatildeo eacutetica proposta por shintō eacute resultado da receccedilatildeo e interpretaccedilatildeo de ideias

confucianas e japonesas Aliaacutes na sociedade arcaica japonesa jaacute existia uma distinccedilatildeo entre

ldquobons atosrdquo e ldquomaus atosrdquo que determinavam a culpabilidade ou inocecircncia de um ofensor

perante a unidade familiar ou o clatilde ldquoeacuteticardquo correspondia numa primeira instacircncia a um

conjunto de praacuteticas e dizeres transmitidos de forma oral e de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que eram

142

MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of

Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt

(consultado em 24-06-2018) 143

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 144

NISHIOKA Kazuhiko ldquoMagakoto (also Magagoto)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines

Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23670gt

(consultado em 24-06-2018) 145

PICKEN Stuart op cit p 273

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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de certo modo complementares agrave execuccedilatildeo do ritual os termos yoshi e ashi respetivamente

significando ter ou carecer de ldquovalorrdquo expressavam as ideias de bemmal 146

Por outras

palavras viver em sociedade natildeo seria possiacutevel se natildeo se adotassem certos comportamentos

que fossem eticamente bons isto eacute natildeo reprovaacuteveis aos olhos da comunidade e eacute claro dos

kami que apesar de natildeo possuiacuterem uma natureza nem boa ou maacute tambeacutem eles satildeo capazes

das piores ofensascrimes isto eacute tsumi (罪) como se pode constatar no caso de Susano-o

No domiacutenio ritual a ldquopurezardquo eacute um atributo interno e externo tanto ao homem como

ao kami kami satildeo considerados essencialmente ldquopurosrdquo ldquoliacutempidosrdquo e uma forma de vida

superior aos homens adotando comportamentos corretos que servem de modelo para os

humanos (com a exceccedilatildeo dos magatsui no kami) e partilhando do ldquoelo espiritualrdquo que os une

nesta realidade isto eacute a mitama Contudo apenas os humanos possuem a capacidade de se

tornar kami apoacutes a morte do corpo seguindo um ldquoprocesso de purificaccedilatildeo que os torna em

espiacuteritos ancestraisrdquo e cuja exceccedilatildeo agrave regra encontra-se por exemplo nos imperadores

considerados akitsu-mikami durante a sua vida 147

O entendimento deste processo de purificaccedilatildeo (jōka) natildeo se pode dissociar de kokoro

e makoto ambos fundamentando a noccedilatildeo de ldquoretidatildeordquo (natildeo necessariamente no sentido

confuciano da palavra) expressa pelo jaacute mencionado termo naobi ou simplesmente nao a

antiacutetese de todos os vocaacutebulos conotados com a ideia de ldquomalrdquo Por outras palavras o

reconhecimento da importacircncia de ldquopurezapurordquo soacute eacute justificado pela existecircncia de ldquoimpurezardquo

que conduz agrave Desordem um natildeo existe sem o outro sendo que na linguagem shintō tudo que

eacute negativo e impuro envolve tsumi (罪) e kegare (穢) duas formas de impureza eacutetica e fiacutesica

respetivamente agraves quais se lhe junta imi (忌) frequentemente interpretado no sentido de

ldquotaburdquo tsumi kegare e imi satildeo com efeito os agentes da Desordem que o ser humano deve

evitar

Incorporados em shintō este trio fortalece a relaccedilatildeo desta Via com a sociedade se a

primeira palavra tsumi tem implicaccedilotildees legais e continua a fazer parte da linguagem do dia-a-

dia sendo usada no campo religioso ou no domiacutenio legislativo kegare tende a associar-se ao

domiacutenio mais ldquolituacutergicordquo de shintō tal como imi que consoante o kanji usado denota o que eacute

considerado puro (positivo) e impuro (negativo)

146

ONO Sokyō op cit pp 105-107 147

UEDA Kenji ldquoConcepts of Humanity (Ningenkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines

Basic Concepts (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23642gt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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No que concerne a tsumi este eacute foneticamente lido agrave maneira chinesa como sai (ou

zai) e apesar de ter sido escolhido para traduzir o conceito de ldquopecadordquo segundo a visatildeo

religiosa cristatilde 148

tsumi possui um forte significado natildeo religioso encontrando-se expressotildees

na linguagem corrente tais como dōzai (同罪 partilha do crimeculpa) e shazai (謝罪)

desculpas como forma de aliviar o sentimento de culpa hanzai (犯罪) ldquocrimerdquo entre outras

Com efeito tsumi eacute antes de mais ofensa crime e maacute accedilatildeo Eacute talvez neste sentido

que Nishigaki Yukio identifica tsumi como togame - uma palavra traduzida por ldquoacusaccedilatildeordquo ou

ldquocensurardquo ndash e a uma abreviatura da forma nominal do verbo tsutsumu (障) designado tsutsumi

sendo que o kanji eacute lido como sawaru - homoacutefono do verbo ldquotocarrdquo (sawaru 触る ) -

indicando ldquotornar-se um obstaacuteculordquo 149

denotando um entrave agrave Ordem Por conseguinte esta

interpretaccedilatildeo ecoa a sugestatildeo de Picken que aponta para a variedade de significados de tsumi

ndash ldquopoluiccedilatildeo doenccedilas e desastre bem como errordquo ndash tendo o cuidado de incluir a sua vertente

praacutetica ldquoaccedilotildees situaccedilotildees ou circunstacircncias indesejadas podem causar impureza e devem ser

lidadas por evitaccedilatildeo ou purificaccedilatildeo ritualrdquo 150

designada de ldquoabstinecircnciardquo (imi 斎) e harai

(祓)

Contudo o conceito de ldquoerradordquo parece surgir em textos confucianos integrando

uma das partes da dicotomia boas accedilotildeesmaacutes accedilotildees apesar da ausecircncia de [罪 ] o seu

significado eacute substituiacutedo por outros que partilham das mesmas conotaccedilotildees negativas o

caractere [犯] usado para formar o verbo japonecircs okasu traduzido por ldquocometerrdquo (maus atos)

e que eacute frequentemente interpretado como um possiacutevel sinoacutenimo de tsumi 151

Aliaacutes na

linguagem japonesa moderna natildeo eacute estranho encontrar-se tsumi junto de okasu como se

constata na frase ldquocometer ofensasrdquo (tsumi wo okasu 罪を犯す) reforccedila-se deste modo a

ideia de que tsumi eacute especificamente algo negativo e condutor agrave Desordem

148

MATSUMOTO Shigeru ldquo 罪 つ み rdquo コ ト バ ン ク (on line) Disponiacutevel em

lthttpskotobankjpwordE7BDAA-99474gt (consultado em 24-06-2018) 149

NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p325 150

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 171 151

Por exemplo nos ldquoAnalectosrdquo de Confuacutecio (Lun Yu em japonecircs Rongo 論語) regista-se no primeiro

ldquoensinamentordquo do disciacutepulo Yu Zi (有子) o caratere [犯] que eacute traduzido por Lau como ldquotransgressatildeordquo uma

consequecircncia do natildeo seguimento do caminho proposto por ren No entanto na citaccedilatildeo do uacuteltimo livro de

ldquoAnalectosrdquo [惡] indica ldquodetestar fazer algordquo CONFUacuteCIO The Analects Lun Yu Translated by DC Lau HK

Chinese University Press 1983 pp 2-3 pp 194-195

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Por conseguinte a noccedilatildeo de Desordem provocada por ldquomaus comportamentosrdquo eacute

ilustrada nos Analectos pelo caractere [惡] 152

traduzido por ldquomalrdquo (no sentido eacutetico e natildeo

religioso) em japonecircs o caractere usado eacute a forma arcaica de [悪] cujo radical eacute nada mais

do que kokoro lido como aku o kanji pode ser usado para caraterizar uma coisa uma

condiccedilatildeo e ainda a proacutepria personalidade do indiviacuteduo ldquomaldaderdquo ldquomaurdquo ldquomalignordquo ou

ldquomaldosordquo derivam da leitura de aku como warui 153

No fundo [犯] e [惡] satildeo nada mais do

que comportamentos puniacuteveis por lei e cuja eliminaccedilatildeo resultaria do constante cultivo interior

do caraacutecter da pessoa

Na realidade japonesa tsumi opotildee-se ao corretolegal Karl Florenz comenta que ldquoa

sociedade japonesa arcaica possuiacutea nem coacutedigos legais nem direitos descritivos por isso os

castigos das ofensas eram delegados inteiramente agrave discriccedilatildeo do indiviacuteduo magoado ou da

comunidaderdquo no seu entender tsumi eram ldquomaus atosrdquo (crimes) cuja gravidade determinaria

o grau do castigo variando entre pena capital escravatura expulsatildeo e confiscaccedilatildeo total ou

parcial das propriedades do acusado 154

Ora esta linha de pensamento eacute seguida por Felicia Bock que afirma o facto de tsumi

existirem de forma pouco consistente no quadro de costumes das pessoas da planiacutecie do

Yamato (periacuteodo preacute-Japatildeo imperial) juntamente com as ldquopalavras do soberanordquo e

julgamentos apoiados em provaccedilotildees (fogo sobretudo) e ainda ldquoxamatildesrdquo ou ldquointeacuterpretes da

vontade dos kami ou divindadesrdquo tsumi corresponderia agraves ldquoofensas pelas quais uma pessoa

pode ser considerada culpadardquo listadas e descritas em episoacutedios do Kojiki e Nihon shoki Caso

se fosse considerado a um niacutevel mais ldquolituacutergicordquo tsumi podia contaminar uma pessoa (tsumi-

bito 罪人) urgindo a sua eliminaccedilatildeo atraveacutes de ldquocertos ritos prescritosrdquo executados pelos

membros do Jingikan que deste modo asseguravam a ordem no territoacuterio japonecircs aleacutem de se

recorrerem a meacutetodos de cariz social tais como a atribuiccedilatildeo de multas ldquoque eram impostas

152

Duas das frases mais emblemaacutetica do uso de [惡] como antiacutetese de ldquobemrdquo e eacute claro ldquobenevolecircnciardquo (ren仁)

pertencem ao terceiro e quarto ldquoensinamentosrdquo de Confuacutecio do ldquoquarto livrordquo no primeiro caso o caractere natildeo

surge de forma isolada identificando a natureza da pessoa como ldquomaacuterdquo (惡人) por oposiccedilatildeo agrave de uma ldquopessoa boardquo

(好人) ldquo唯仁者能好人能惡人rdquo na frase ldquo苟志于仁矣無惡也rdquo [惡] eacute uma ldquoinfluecircncia negativardquo que se

pode ldquoeliminarrdquo CONFUacuteCIO op cit pp 28-29 153

NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p 599 154

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112

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para absolver uma pessoa de algum crime social tal como roubar a esposa de outro homemrdquo

155

Para todos os efeitos tsumi satildeo o coletivo de atos condenaacuteveis dentro de uma

sociedade os mais graves (amatsu-no-tsumi) correspondem os oito tsumi cometidos por

Susano-o durante o seu episoacutedio de rebeldia contra a ordem de Takamagahara 156

o kami

assume o papel do indiviacuteduo que age contrariamente ao que eacute suposto pois as suas accedilotildees

potildeem em causa o estado harmoacutenico da sua comunidade (de kami) que soacute seria reposta apoacutes

Amaterasu sair da Ama no Iwato

No que concerne aos kunitsu no kami estes satildeo essencialmente um ldquooposto

complementar (hellip) enfatizando maacutes accedilotildees mundanasrdquo nomeadamente ldquoincesto bestialidade e

auguacuterios natildeo auspiciosos e magia que antecipam principais eventos catacliacutesmicosrdquo 156

Jaacute

Felicia Bock divide-os em ldquoquebras de tabus tribais e contaminaccedilotildees causadas por eventos

naturaisrdquo constatando-se uma forte consciencializaccedilatildeo destas ldquocomunidades primaacuteriasrdquo no

que concerne a doenccedilas e comportamentos irregulares ou perigosos o corte de carne viva e

morta que demonstra o respeito pelos seres vivos lepra branca imperfeiccedilotildees deacutermicas

violaccedilatildeo da proacutepria matildee violaccedilatildeo de crianccedilas coabitaccedilatildeo com animais afliccedilatildeo de coisas

rastejantes divindades aves ldquomorte de animais e contaminaccedilotildees originadas por feiticcedilariardquo 157

Contudo a classificaccedilatildeo dos tsumi natildeo eacute a prioridade das fontes literaacuterias arcaicas

no episoacutedio protagonizado pela viuacuteva do Imperador Chūai (Jingū-kōgō神功皇后) do Kojiki

a nomeaccedilatildeo de nove ofensas denota a perspetiva dos japoneses em relaccedilatildeo a comportamentos

socialmente desviantes sobretudo de cariz sexual - a copulaccedilatildeo com quatro espeacutecies animais

(cavalos vacas paacutessaros e catildees) e o incesto satildeo considerados tsumi ndash aos quais se lhe juntam

as praacuteticas de esfolamento animal a destruiccedilatildeo dos campos de arroz e ainda a ldquodefecaccedilatildeo em

espaccedilos sagradosrdquo (no original kusohe 屎戸) 158

Aliaacutes eacute tambeacutem nesta passagem que se constata a atribuiccedilatildeo de um caraacutecter mais

ldquoritualrdquo a tsumi evidenciado pela presenccedila das palavras harai (祓い) um processo que tem

como meta a restauraccedilatildeo da pureza reunindo-se para o efeito oferendas oriundas de todos os

155

BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by

Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 156

TSUSHIRO Hirofumi ldquoAmatsu tsumi Kunitsu tsumirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines

Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23381gt

(consultado em 24-06-2018) 157

BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by

Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 158

Com a excepccedilatildeo das formas de bestialidade e incesto os tsumi mencionados satildeo posteriormente categorizados

como amatsu no tsumi TAKEDA Tsunegaki op cit pp217-219

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cantos do territoacuterio e os proacuteprios tsumi kegare (穢) denotando a sujidade inerente deste tipo

de conduta (tsumi) que eacute eliminada por harai sendo defecaccedilatildeo um ato associado agrave ldquosujidade

fiacutesicardquo Com efeito realizar haraiharae devolve a ldquopurezardquo ao espaccedilo que tinha sido

ldquocontaminadordquo Ora neste episoacutedio particular a ldquobuscardquo de tsumi decorre em simultacircneo com

os preparativos para o ldquoritualrdquo fuacutenebre (mogari) do Imperador Chūai (仲哀天皇) 159

Tal como no Kojiki tambeacutem o Nihon shoki define tsumi como condutas ofensivas

no Inverno do 11ordm dia do 10ordm mecircs (quinto do ano de reinado) do Imperador Richū (履中天皇)

conclui-se que a suacutebita morte da Imperatriz tinha sido causada por uma ldquomaldiccedilatildeordquo (tatari 祟

り) enviada pelos ofendidos kami de Tsukushi no seguimento de dois tsumi cometidos por

Kurumamochi-be ndash taxar as terras administradas pelo Imperador sem autorizaccedilatildeo e ter

colocado ao seu serviccedilo (do ofensor) os suacutebditos dessa mesma terra acabando por usurpar a

posiccedilatildeo dos kami aiacute venerados Como puniccedilatildeo o soberano japonecircs obriga o ofensor a

executar misogi e posteriormente demite-o do seu cargo 160

se tsumi eacute a raiz de desarmonia

provocada pela accedilatildeo humana individual e repercutida no coletivo misogi eacute nada mais do que

o seu oposto focando-se na reposiccedilatildeo da Ordem pelo responsaacutevel assumindo contornos de

purificaccedilatildeo interna

Num dos eacuteditos do Imperador Yūryaku (雄略天皇) tsumi adquire uma natureza

ldquoperdoaacutevelrdquo ao escutar a canccedilatildeo entoada por Hata-no-sake-no-kimi o imperador absolve o

carpinteiro Kodakumitsuke-no-mita de ter forccedilado sexualmente 161

uma uneme 162

de Ise (na

verdade a jovem em questatildeo meramente tinha-se distraiacutedo a olhar para Kodakumitsuke-no-

mita estragando uma das oferendas que tinha acabado de preparar) 161

uma vez que o tsumi

de que tinha sido acusado o carpinteiro eacute considerado de tal ordem grave que o Imperador

pensou condenaacute-lo agrave morte eacute possiacutevel concluir que relaccedilotildees sexuais (forccediladas) justificavam a

pena capital

159

Nihonsinwa ldquo大祓いと罪悪rdquo (A Grande Purificaccedilatildeo e Crimes) 仲哀天皇(古事記)(Imperador Chūai

Kojiki) (on line) lthttpnihonsinwacompage577htmlgt (consultado em 24-06-2018) 160

Nihonsinwa ldquo履中天皇(十一)車持部の罪rdquo (Imperador Richū 11 O crime de Kurumamochi-be) 履中天皇 反正天皇(日本書紀)(Imperador Richū Imperador HanzeiHanshō Nihon shoki) (on line) lthttp

httpnihonsinwacompage1396htmlgt (consultado em 24-06-2018) 161

Nihonsinwa ldquo木工鬪鶏御田の冤罪と秦酒公の琴の声rdquo (As falsas acusaccedilotildees de Kodakumitsuke-no-mita e

a voz da biwa de Hata-no-sake-no-kimi) 雄略天皇(日本書紀)四十二 (Imperador Yūryaku Nihon shoki

42) (on-line) lthttpnihonsinwacompage1469htmlgt (consultado em 24-06-2018) 162

Uneme (采女) designa uma rdquofuncionaacuteriardquo da corte geralmente nomeada pelo Imperador ou pela Imperatriz

Segundo Nishigaki a funccedilatildeo destas jovens eacute de cuidar ldquodos afazeres do quotidianordquo dos seus empregadores

incluindo preparar a comida NISHIGAKI Yukio op cit p116

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 60

No registo de Veratildeo do ano seguinte tsumi eacute novamente uma ofensa de natureza

sexual o crime cometido por Hatane-no-mikoto ndash um parente afastado do atual imperador

legitimando eventuais ambiccedilotildees ao trono ndash eacute o de sorrateiramente ter tido relaccedilotildees com

Yama-no-be-no-Koshimako Apoacutes purificar-se de tais atos recorrendo ao pagamento em

cavalos e tachi (nome para uma katana longa) Hatane eacute posteriormente obrigado pelo

imperador a lsquodepositar no chatildeorsquo os seus pertences numa outra localizaccedilatildeo perdendo o seu

estatuto social Se neste caso a puniccedilatildeo de Yūryaku serve para preservar a sua posiccedilatildeo

poliacutetica impedindo um hipoteacutetico golpe de estado 163

no primeiro episoacutedio o castigo eacute

aplicado como forma de justiccedila pelos terriacuteveis atos do carpinteiro

Como se pode constatar nos exemplos referidos tsumi expressa um uacutenico crime algo

repercutido no registo do Imperador Ankan (安閑天王) no 12ordm mecircs do primeiro ano de

reinado o termo eacute usado para indicar o roubo do colar por parte de uma jovem e que o

imperador resolve ldquoarrependerrdquo (aganai 贖い164) um procedimento no qual se reunia uma

seacuterie de pessoas conhecidas do acusado que entregavam riquezas ao imperador esperando-se

desta forma evitar o ldquocontaacutegiordquo de tsumi cometido pelo criminoso Curiosamente a viacutetima do

roubo tambeacutem eacute incluiacuteda neste conjunto de pessoas justificado pelos receios de contaminaccedilatildeo

165 neste sentido tsumi eacute duplamente uma ofensa individual e algo de natureza

ldquocontaminadorardquo conotada com kegare e Desordem

Em outras croacutenicas como a dos Imperadores Bidatsu (敏達天皇) Kōtoku (孝徳天皇

e Tenmu (天武天皇) tsumi corresponde a crimes cometidos pela mesma pessoa ou por um

conjunto de indiviacuteduos no primeiro caso tsumi descreve dois atos de Naniwa - ter ldquoenganadordquo

a corte (de certo modo um caso de insubordinaccedilatildeo) e de ter feito com que um diplomata do

reino de Kōryo fosse morto 166

no segundo ano do terceiro mecircs de Kōtoku identificam-se os

163

Eacute interessante ver que o verbo okasu eacute usado nesta passagem para identificar o crime Dependendo do

contexto o verbo pode significar ldquoviolarrdquo ecoando as suspeitas do Imperador no episoacutedio anterior Outro termo

a ter em conta eacute o de ldquopurificaccedilatildeordquo harai natildeo envolve misogi mas natildeo deixa de ser harai distinguindo-se como

um tipo de harai associado a ldquopagamentosrdquo Nihonsinwa ldquo歯田根命は山辺小嶋子と姦通し罪を問われるrdquo

(Hatane-no-mikoto eacute interrogado pelo crime de adulteacuterio com Yamanobe-no-Koshimako) 雄略天皇 日本書紀( 四 十 三 ) (Imperador Yūryaku Nihon shoki 43) (on line) lthttpnihonsinwacompage1471htmlgt

(consultado em 24-06-2018) 164

Aganai deriva do verbo aganau (贖) ou ldquoarrependerrdquo no sentido de ldquocompensarrdquo por maus atos Outra

definiccedilatildeo possiacutevel eacute enterrar riquezas no chatildeo NISHIGAKI Yukio op cit p 27 165

Nihonsinwa ldquo廬城部連枳莒喩の娘の幡媛の罪物部尾輿も土地を献上rdquo (O crime da rapariga Hatahime

de Iwogibe-no-muraji-kyū Mononobe-no-Ōmuraji-okoshi tambeacutem presenteia no chatildeo) 安閑天皇 宣化天皇(日本書紀)(Imperadores Ankan Senka Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1603htmlgt

(consultado em 24-06-2018) 166

Nihonsinwa ldquo難波の罪を数えるrdquo (Contar os crimes de Naniwa) 敏達天皇 日本書紀 Imperador Bidatsu

Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1731htmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 61

criminosos e o crime de que satildeo acusados nomeadamente roubo de bens (cavalos armas

tecidos) a outros membros da corte e funcionaacuterios 167

Por uacuteltimo o Imperador Tenmu

menciona sete ldquocoisas maacutesrdquo (ashiki koto 悪しきこと ) cometidas por um clatilde o que

normalmente justificaria a presenccedila deste no palaacutecio a fim de se proceder a um

questionamento oficial Contudo a interceccedilatildeo de um outro indiviacuteduo em favor deste clatilde

resulta na concessatildeo de um perdatildeo imperial caso tornassem a cometer crimes natildeo teriam a

mesma sorte 168

Eacute impossiacutevel natildeo se constatar uma espeacutecie de consciencializaccedilatildeo japonesa no que

concerne agrave Desordem e os possiacuteveis meios para a combater todos os ldquoritosrdquo que precedem os

matsuri e outros atos de veneraccedilatildeo aos kami envolvem algum tipo de ldquopurificaccedilatildeordquo (coisas

pessoas e espaccedilos) expressando-se uma clara atitude de abominaccedilatildeo por tsumi kegare e imi

Ora numa abordagem mais teoacuterica o antagonismo eacute colocado de parte e qualquer um destes

conceitos pode ser analisado enquanto objeto de estudo facultando o desenvolvimento de

novas perspetivas da dicotomia ldquobemmalrdquo em contexto shintō

Segundo Ōwaki Yukiko a linha de pensamento de Norinaga atenta na natureza

ldquoinclusivardquo e natildeo ldquoexclusivardquo de tsumi tornando-o um coletivo de um certo nuacutemero de crimes

socialmente reprovaacuteveis de kegare magakoto e maga ou seja todo o tipo de ldquocoisasrdquo

negativas associadas ao ldquomalrdquo uma palavra que natildeo se deve identificar com o ldquomalrdquo segundo

a visatildeo religiosa ocidental 169

Ao reconhecer a dicotomia DesordemOrdem o indiviacuteduo

deixa-se guiar pelos kami da Ordem - Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大

直毘神) - pedindo-lhes emprestado o ldquopoder da sua mitamardquo isto eacute a sua ldquoessecircnciardquo Seguir

kami no michi torna-se deste modo seguir a Via favoraacutevel agrave purificaccedilatildeo das intenccedilotildees

permitindo afastar a influecircncia negativa e prejudicial de maga que por sua vez se foca em

espalhar Desordem pelo mundo 170

167

O kanji [過] ndash toga sinoacutenimo de tsumi ndash associa-se a okasu reforccedilando a sua leitura enquanto algo de

natureza criminosa Nihonsinwardquo孝徳天皇(二十六)穂積臣咋と巨勢徳禰臣の罪rdquo (Imperador Kōtoku 26

O Crime de Hozumi-no-Omi-kui e Kose-no-tokone-no-Omi (on line) 日本書紀 孝徳天皇 (Nihon shoki

Imperador Kōtoku) lthttpnihonsinwacompage2079htmlgt (consultado em 24-06-2018) 168

Nesta passagem ashiki koto substitui tsumi Nihonsinwa ldquo東漢直の7つの罪恩により許されるrdquo (Os

crimes dos Yamato-no-aya-no-atai Devido agrave graccedila [imperial] satildeo perdoados) 天武天皇(六十)日本書紀

(Imperador Tenmu 60 Nihon shoki) (on-line) lthttpnihonsinwacompage2317htmlgt (consultado em 24-06-

2018) 169

ŌWAKI Yukiko ldquoつみ 罪 Tsumirdquo 万葉神事語辞典 (Dicionaacuterio de 10 mil fragmentos dos assuntos de

kami) (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_dsgampdata_id=68730gt

(consultado em 24-06-2018) 170

MOTOORI N ldquo1-9 直毘霊rdquo(なおびのみたま) (1-9 Naobi no mitama) 古事記傳 (Kojikiden) (on

line) lthttpkumoi1webfc2comCCP059htmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 62

Com efeito a visatildeo particular de Norinaga em relaccedilatildeo a nao (直) e maga (禍) revela-

se fundamental para a compreensatildeo de kami no michi como um Caminho de retorno a uma

Ordem criada por algo natildeo humano e expressa pela naobi-no-mitama (直毘霊) Em outras

palavras nao eacute a antiacutetese de maga algo jaacute aludido na proacutepria etimologia dos dois vocaacutebulos

conotados com coisas ldquopositivasrdquo e ldquonegativasrdquo nao eacute entendido como ldquocorretordquo ldquodireitordquo e

ldquoretordquo uma disposiccedilatildeoatitude preferiacutevel e consequentemente uma caracteriacutestica ligada agrave

Ordem 171

ndash significa ldquocurarrdquo ou ldquopacificarrdquo consoante o contexto ndash maga eacute uma ldquocoisa maacute

desastrerdquo associando-se ainda ao kanji [曲] presente no verbo magaru traduzido por ldquovirarrdquo

ou ldquotorcerrdquo172

Todavia este ldquotorcerrdquo eacute permanente evidenciando a capacidade do indiviacuteduo

prevalecer sobre a influecircncia de maga magamal natildeo eacute inato ao homem justificando o

porquecirc de shintō tradicionalmente definir o homem pela sua ldquoboardquo natureza argumentando

que natildeo existem ldquopessoas maacutesrdquo (por natureza) mas ldquomaacutes intenccedilotildeesrdquo ldquodoenccedilasrdquo e ldquocoisas maacutesrdquo

neste mundo que satildeo impulsionadas pela existecircncia inevitaacutevel de maga 172

Com efeito este

manga eacute um entrave temporaacuterio agrave Ordem interpretaccedilatildeo ecoada por Ono Sokyō Referindo-se

agrave perspetiva ldquoxintoiacutestardquo antiga de uma ldquoorigem exteriorrdquo do mal este uacuteltimo identifica tal

origem com o ldquomundo da escuridatildeordquo personificado pelos magatsui no kami ldquoespiacuteritos

malignosrdquo admitindo que o homem vive num ldquomundo bomrdquo (um mundo de kami criado pelo

musubi) e a sua ldquoalmardquo eacute inerentemente boa ldquoo homem comete males porque perdeu foi-lhe

retirada a capacidade para accedilatildeo normalrdquo 173

Neste sentido tanto o Kojiki como o Nihon shoki apresentam uma explicaccedilatildeo para a

existecircncia desta Desordem Desordem eacute uma consequecircncia da libertaccedilatildeo no mundo de kegare

do Yomi-no-kuni contraiacutedo por Izanagi aquando da sua passagem por este domiacutenio inferior

Caracterizado pela sua sujidade 174

Yomi eacute o mundo dos mortos portanto eacute loacutegico que tudo

que faccedila parte desse lugar seja o oposto da Ordem oferecendo um viacutevido contraste com o

171

NISHIGAKI Yukio op cit p457 172

NISHIGAKI Yukio op cit p529 173

ONO Sokyō op cit pp105-107 174

A utilizaccedilatildeo da palavra ldquosujidaderdquo eacute justificada pela leitura do kanji [穢] como kitanaki presente na fala de

Izanagi O kami tem consciecircncia de ter regressado de uma ldquoterra sujardquo (kitanaki kuni 穢國) e procura de imediato

uma fonte de aacutegua para poder lavar o seu corpo (misogi) No texto original a frase lecirc-se ldquoA wa ina

shikomeshikomeki kitanaki kuni ni itarite arikeri Kare A wa mimi no misogi senrdquo (吾者到於伊那志許米志許

米岐 穢國而在祁理故吾者爲御身之禊而) sendo que [吾] eacute uma forma arcaica do pronome pessoal ldquoeurdquo

KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)

lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-

2018)

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 63

mundo dos vivos gerado pela vontade dos kami e no qual aflui vida se os kami satildeo

consequecircncia de musubi os magatsui no kami possuem uma natureza diferente no Kojiki

correspondem a Yasomagatsubi-no-kami (八十禍津日神) e Ōmagatsubi-no-kami (大禍津日

神) e no Nihon shoki este uacuteltimo eacute substituiacutedo pelo Ōayatsubi-no-kami (大綾津日の神)

notando-se a inclusatildeo do som aya cujo significado eacute proacuteximo de maga 175

Aparecendo depois dos kami que se manifestaram agrave medida que Izanagi-no-kami se

despia os magatsui no kami satildeo corporizaccedilotildees de kegare Mencionados durante o ritual

misogi harai este par daacute iniacutecio ao ciclo de Desordem e Ordem reconhecido pelo indiviacuteduo

Desordem precede a Ordem que eacute interpretada como a ldquoessecircnciardquo dos naobi-no-kami ou seja

Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大直毘神) e ainda Izunome-no-kami (伊

豆能賣神) 176

A niacutevel etimoloacutegico a escolha do nome dos primeiros dois kami natildeo eacute uma escolha

aleatoacuteria na ediccedilatildeo do Kojiki-den (1940) compilado por Kurano Kenji Norinaga comenta que

os magatsui no kami possuem uma parte inicial que reforccedila a noccedilatildeo de ldquomuitordquo isto eacute yaso e

ō respetivamente uma parte do meio especificamente conotada com ldquonegativordquo (maga e aya)

a partiacutecula bi (日 ) que serve de auxiliar de fala tal como se constata no bi (毘 ) em

Kamunaobi-no-kami e Ōnaobi-no-kami Por conseguinte maga koto e jaaku (凶事邪悪)

derivam da tamashii de magatsubi no kami acrescentando-se que o verbo naosu (直す) pode

corresponder ldquoao ato de purificar atraveacutes de enxaguar o corpordquo (naosu to wa tsumari

susugikiyomerukoto wo iu 直すとはつまり滌ぎ清めることを言う) se maga significa

kegare kiyomeru eacute naosu Por outro lado naobi refere-se agrave mitama (御魂) capaz de efetuar

este naosu em maga acalmando a sua influecircncia 177

Se Norinaga eacute assertivo na origem exterior do mal que afeta tudo em nosso redor

imaginando um magatsubi no kami como derradeira personificaccedilatildeo das coisas malignas

outros autores natildeo compartilham dos mesmos sentimentos com um especial destaque para o

seu grande rival e anterior disciacutepulo Hirata Atsutane Apesar de aceitar a dicotomia maganao

175

Aya eacute o mesmo som presente em palavras simbolizando ldquoperigordquo e ldquocriserdquo (adjetivos ou pressentimentos) tais

como ayaui e ayabumu (Nishigaki pp 55-56) Portanto se Ōmagatsubi eacute literalmente ldquograndeenorme desastrerdquo

o Ōayatsubi eacute ldquograndeenorme perigordquo a conotaccedilatildeo ldquonegativardquo permanece MOTOORI N ldquo6-2 神代四之

巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi) 古事記傳 (Kojikiden) (on line)

lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 176

KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)

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2018) 177

MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)

古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018)

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Hirata defende uma perspetiva inclusiva de ldquomalrdquo apoiada na ideia de que o ser humano

possui no seu interior o ldquoespiacuterito de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo

errado foi cometidordquo e o ldquoespiacuterito de Naobi-no-kamirdquo responsaacutevel por moderar a atuaccedilatildeo do

indiviacuteduo de uma forma relaxada e tranquila 178

Neste sentido definiram-se duas caracterizaccedilotildees distintas no que concerne agrave

interpretaccedilatildeo de mal Norinaga eacute um notoacuterio apoiante da teoria lsquomal= antiacutetese do bemrsquo em

todos os seus sentidos comentando o facto de magatsubi no kami ser uma forccedila que o homem

eacute incapaz de resistir e no seu maior extremo adquire uma natureza incontrolaacutevel indomaacutevel

fora do alcance do poder da kami do Sol e de Takagi no Ōkami (um outro termo para Taka-

musubi-no-kami) Contudo independentemente da sua existecircncia neste mundo ldquoos maus

kamirdquo agem simplesmente de acordo com a sua natureza e podem ser aplacados atraveacutes de

ldquoveneraccedilatildeo e execuccedilatildeo de purificaccedilatildeo quando algueacutem estabeleceu contacto com poluiccedilatildeordquo

No fundo a sua influecircncia negativa pode ser apaziguada e retificada graccedilas ao cultivo de uma

atitude de ldquoobservaccedilatildeo correta de veneraccedilatildeordquo 179

Por outro lado Hirata propotildee uma teoria diferente no sexto volume do Koshiden (古

史伝 ca 1812-1825) o autor rejeita a teoria de que magatsubi-no-kami e naobi-no-kami

associam-se somente agrave aramitama e nigimitama de Amaterasu respetivamente Ou seja a

dualidade aramitamanigimitama eacute comum a qualquer kami encontrando-se exemplos de

veneraccedilatildeo muacutetua da aramitama e nigimitama em locais especiacuteficos (cultos de Ise e Izumo)

Aliaacutes a anaacutelise de Hirata permitiu o estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre dois kami e uma

ldquopresenccedila interiorrdquo (mitama) capaz de exercer influecircncia de forma positiva e negativa se

naobi-no-kami pertence agrave nigimitama de Ōmikami (Amaterasu) magatsubi no kami

corresponde agrave aramitama de Susano-o-no-mikoto 180

explica-se deste modo o seu

comportamento tempestuoso e irasciacutevel que levaria ao seu afastamento de Takamahara como

compensaccedilatildeo pelos seus tsumi

Com efeito quer se trate de um kami quer de um homem todos tecircm no seu interior a

capacidade de distinguir o ldquocorretordquo do ldquoerradordquo sendo que uma orientaccedilatildeo correta eacute parte

das responsabilidades do ldquoespiacuteritordquo de Naobi-no-kami moderando-se a atuaccedilatildeo do indiviacuteduo

178

PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 273 179

UEDA Kenji ldquoMagatsubi no Kami and Motoori Norinagarsquos Theologyrdquo Institute for Japanese Culture and

Classics Kokugakuin University (on line) lthttpwww2kokugakuinacjpijccwpcpjrkamiuedahtmltnoteIgt

(consultado em 24-06-2018) 180

HIRATA A ldquo古史伝 6rdquo National Diet Library (on-line) lthttpdlndlgojpinfondljppid772144gt

(consultado em 24-06-2018)

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de uma forma relaxada e tranquila Em contrapartida o ldquoerradordquo eacute representado pelo ldquoespiacuterito

de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo errado foi cometidordquo 181

Ora a existecircncia de um kami da Desordem (interior) natildeo implica a adoccedilatildeo de um

comportamento exclusivamente negativo e incorreto por parte deste magatsubi-no-kami eacute

uma consequecircncia e natildeo a raiz desta conduta tornando-se ldquoviolentordquo no caso da presenccedila de

kegare Estando esta ausente tal comportamento perde a sua razatildeo de ser possibilitando a

transiccedilatildeo do magatsubi no kami para um kami capaz de ldquoconceder felicidaderdquo um kami

beneacutefico e cuja essecircncia nunca pode ser maleacutefica antes pelo contraacuterio 182

No Japatildeo dos dias de hoje os conceitos ldquobemmalrdquo satildeo mais ambiacuteguos do que claros

a classificaccedilatildeo de accedilotildees em boasmaacutes depende das ldquocircunstacircncias motivos propoacutesitos

tempo lugarrdquo embora uma coisa seja certa a ldquosinceridaderdquo do nosso ldquocoraccedilatildeordquo que rege uma

conduta ldquoproacutepriardquo e cortecircs favoraacutevel ao natildeo conflito e agrave manutenccedilatildeo da paz e ordem socialrdquo

Tudo que potildee em causa a harmonia merece o roacutetulo de ldquomalignordquo quer se trate de ldquopecados

poluiccedilatildeo e desastresrdquo cabendo agrave ldquoalmardquo do ser humano distinguir entre o bem e o malrdquo 183

algo que soacute eacute possiacutevel se se cultivar uma relaccedilatildeo suficientemente forte com os kami atraveacutes

desta ligaccedilatildeo muacutetua o homem aprende a afastar-se do que lhe eacute prejudicial uma preocupaccedilatildeo

que se estende a qualquer vertente de shintō dos dias de hoje a reposiccedilatildeo da Ordem eacute sem

duacutevida a grande prioridade dos rituais que se esforccedilam por combater qualquer forma de

Desordem

A segunda grande causa da Desordem eacute kegare uma ldquocondiccedilatildeo poluiacuteda e malignardquo

A ldquoantiacutetese de purezardquo kegare eacute ldquoresultado de fenoacutemenos ocorrentes naturaisrdquo e possui uma

natureza facilmente ldquocontaminaacutevelrdquo uma vez que ldquoquando esta corrupccedilatildeo aderia ao indiviacuteduo

tambeacutem trazia calamidades agrave sociedaderdquo 184

Um termo descritivo de ldquoespeciacuteficos tipos de

impureza causados pelo parto menstruaccedilatildeo doenccedilas e morte (hellip) presenccedila de kegare eacute

ignorada tatari (desgraccedila) pode chegar como avisordquo 185

kegare distingue-se de tsumi por ser

sensorialmente impuro distanciando-se do sentido de eticamente impuro patente em tsumi a

conduta errada que danifica o proacuteprio indiviacuteduo e o coletivo

181

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 273 182

KOYASU Nobukuni Hirata Atsutane no Sekai (平田篤胤の世界) Tokyo Berikansha 2001 p205 183 ONO Sokyō op cit pp105-107 184

NISHIOKA Kazuhiko ldquoKegarerdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23417gt (consultado em 24-06-

2018) 185

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 191

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A niacutevel etimoloacutegico kegare pode ser escrito de duas formas se usado no discurso do

dia-a-dia utiliza-se [汚] um kanji presente em kitanai (汚い) ou ldquosujordquo kegarawashii (汚ら

わしい) ou ldquonojentordquo yogosu (汚す) e yogoreru (汚れる) respetivamente ldquosujarrdquo e ldquosujar-

serdquo oshoku (汚職) ou ldquocorrupccedilatildeordquo e ainda osen ( 汚染) isto eacute e ldquopoluiccedilatildeordquo (ecoloacutegica)

composto pelo kanji [汚] e pelo kanji usado para escrever o verbo someru (染める) traduzido

por ldquopintarrdquo (no sentido de ldquomancharrdquo) Em suma uma condiccedilatildeo na qual o indiviacuteduo ou o

objeto natildeo estaacute limpo assemelhando-se aos vocaacutebulos fujō (不浄 ldquoimpurordquo) e fuketsu (不潔

ldquonatildeo higieacutenicordquo)

Em contrapartida o kegare ritual escreve-se com o kanji [穢] e o seu som kega eacute um

homoacutefono do vocaacutebulo kega (怪我) significando ldquoferidardquo ou ldquomagoarrdquo involuntariamente

como resultado de erros cometidos claramente reforccedilando a sua conotaccedilatildeo negativa

evidenciada pelo verbo kegareru (汚れる穢れる) que supostamente se desenvolveu graccedilas agrave

junccedilatildeo da partiacutecula ke (geralmente lida como ki 気) e do verbo karu escrito com o mesmo

kanji [離] usado em hanareru (れる) isto eacute ldquoafastar-serdquo 186

Neste sentido kegareru pode ser melhor descrito como uma certa accedilatildeo que provoca

o afastamento do ki - espeacutecie de ldquofluxo de energiardquo imanente em tudo que eacute vivo ndash e

consequentemente eacute capaz de atrair todo o tipo de influecircncias negativas Aliaacutes alguns

estudos modernos realizados por japoneses atribuem a origem de kegare (穢) agrave expressatildeo

kegare (気枯) que constituiacuteda pela junccedilatildeo de ki e kare - forma nominal do verbo kareru

geralmente traduzido por ldquomurcharrdquo - kegare (気枯) significaria literalmente ldquoki que murchardquo

ecoando esta ideia de ldquoafastamento do kirdquo que eacute nada mais do que perda de vitalidade 187

Uma Desordem natural que eacute combatida pela purificaccedilatildeo quer recorrendo ao natildeo

contacto com certos alimentos ou objetos (mono imi 物忌) ou agrave realizaccedilatildeo de ldquoabluccedilotildeesrdquo que

afetem a ldquomente e corpordquo (心身) do indiviacuteduo enquanto este venera os kami kegare eacute ldquoum

estado de divergecircncia do que eacute comum uma condiccedilatildeo que se deve abster-se com receiordquo

Caracterizada pelo gradual murchar de ke ndash substitui-se o kanji [気] pelo de [褻] que significa

ldquomundanordquo ndash kegare pode ateacute afetar os alimentos utilizados nos matsuri ao mesmo tempo

que se reconhece a natureza sagrada destas oferendas pensava-se que os alimentos (odango

feijatildeo) eram ldquotambeacutem uma existecircncia sujardquo que justificava a sua eliminaccedilatildeo pela aacutegua fogo

186

NISHIGAKI Yukio op cit pp269-270

187 ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22

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sal e lama elementos portadores de ldquoefeitos purificadoresrdquo (jōka sayō 浄化作用) sendo

destruiacutedos ou queimados apoacutes as festividades 187

Numa interpretaccedilatildeo alternativa eacute possiacutevel explicar kegare como uma das partes da

dicotomia kegarehare para a antropoacuteloga Namihira Emiko kegare expressa ldquoocasiotildees

poluentes tais como funerais ritos memoriais nascimento de crianccedilas menstruaccedilatildeo feridas

(hellip) poluiccedilatildeo pode vir tanto de morte como de sanguerdquo por oposiccedilatildeo a hare ldquoocasiotildees

auspiciosas ou felizes formais tais como Ano Novo festivais matsuri Shinto Miyamairi e

outras cerimoacutenias Shintordquo positivas 188

de celebraccedilatildeo da vida e reposiccedilatildeo da Ordem

conotando-se com o que na linguagem contemporacircnea eacute automaticamente reconhecido como

ldquopurezardquo

Automaticamente associado a coisas impuras kegare eacute essencial no entendimento da

tradiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo do geacutenero feminino sobretudo no que diz respeito a kegare oriundo

de sangue (menstruaccedilatildeo) e do parto posteriormente identificados com ldquoimpureza vermelhardquo

(aka fujō 赤不浄) e ldquoimpureza brancardquo (shira fujō 白不浄) respetivamente um sistema de

classificaccedilatildeo que remonta somente ao Periacuteodo Meiji acrescentando-se uma terceira ldquoforma de

impurezardquo haacute jaacute muito reconhecida na sociedade japonesa e capaz de afetar ambos geacuteneros a

ldquoimpureza negrardquo (kuro fujō 黒不浄) 189

sinoacutenimo de shie ou ldquokegare da morterdquo (死穢)

caucionando o indiviacuteduo contra o prolongado contacto direto e indireto com mortos

Ora jaacute as primeiras fontes histoacutericas japonesas perspetivam kegare como uma forma

de Desordem se no Nihon Kōki (日本後紀) o termo quase nunca surge de forma isolada

fazendo parte das palavras [凶穢] [損穢] [汚穢] e [ 穢悪之事] respetivamente registadas

nos anos 797 806 815 e 811 190

no Zoku Nihongi (続日本紀) regista-se [有穢] ou ldquokegare

arirdquo (ldquoter kegarerdquo) aludindo agrave materializaccedilatildeo de kegare 191

Uma vez que tanto o nascimento e a morte de animais ou humanos satildeo kegare eacute

possiacutevel afirmar que enquanto conceito kegare sofreu uma elevada consciencializaccedilatildeo no

seio da sociedade japonesa ndash kegare eacute algo que pode ldquomancharrdquo e ldquocontaminarrdquo ndash ao ponto de

interferecircncia nos rituais aos kami como se pode constatar no Nihon Sandai Jitsuroku (日本三

188

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 309-310 189

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (Distortion of Japanese Tradition) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22

190 SAEKI A 日本後紀 朝日新聞本 (Nihon Goki Versatildeo do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-

textscomchukokoukiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 191

MIZUMOTO Masahisa ldquo大本敬久 触穢の成立 日本古代における「穢」概念の変遷rdquo (ldquoBook review

lsquoDevelopment of Shokue Changes of the Kegare Concept in the Ancient Japan by Ōmoto Takahisarsquordquo) Buraku

Kaihō Kenkyū (部落解放研究) nordm 199 2013 pp 118-123

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 68

代実録) Por outras palavras a presenccedila de kegare pode justificar o cancelamento de certos

matsuri encontrando-se vaacuterias referecircncias a esta ldquointerrupccedilatildeordquo (teishi停止) no registo do ano

683 (Kinensai e Hirano Umemiya matsuri) e no de 866 e 874 (Tsukinamisai) outro exemplo

a ter em consideraccedilatildeo data do seacutetimo ano da era Jōgan (nono mecircs deacutecimo primeiro dia) e

ilustra kegare como algo nocivo agrave execuccedilatildeo dos ldquoritosrdquo no Ise Jingū que eacute eliminado por

membros da corte 192

Podendo ser visto ouvido degustado cheirado e tocado algo expresso no conceito

de shokue (触穢) literalmente ldquokegare de toquerdquo ndash o primeiro kanji eacute o mesmo usado para o

verbo ldquotocarrdquo (sawaru) ndash kegare eacute classificado por fontes do Periacuteodo Heian como o jaacute

mencionado Nihon Sandai Jitsuroku que lista as seguintes categorias shokue (nas croacutenicas

dos anos 859 862 e 886) shie (episoacutedios dos anos 861-864 865 871 876 878-879 880

882-883 885-887) - especificando se se trata da morte de um animal (catildees cavalos raposa)

ou de um humano (人死穢 e 人死之穢) procedendo-se ao cumprimento de regras de

ldquoabstenccedilatildeordquo como medidas de contingecircncia contra o alastramento de impureza - e san no

kegare exclusivamente associado a catildees ndash no texto original lecirc-se presumivelmente inu sanrsquoe

(犬産穢) ndash descritos no nono mecircs do terceiro dia (ano 865) no deacutecimo mecircs do seacutetimo dia

(ano 867) em dois dias do ano 870 nos anos 877 879 880 884 885 e por uacuteltimo no ano

886 193

Quanto a ketsue (血穢) ou chi no kegare a ldquoimpureza de sanguerdquo eacute discriminada no

episoacutedio do Kojiki (reinado do Imperador Keikō) que descreve o casamento entre Yamato-

takeru-no-mikoto (倭建命) e a menstruada Miya-uke-hime (美夜受比売) um facto entoado

num ldquopoemardquo (uta 歌) pelo proacuteprio esposo e correspondido por esta na noite de nuacutepcias

Assim ketsue eacute o melhor representante da visatildeo lsquosangue = impurezarsquo independentemente de

este pertencer a uma mulher ou a um homem o sangue de um ser vivo era encarado num

misto de receio e fasciacutenio pensando-se que este liacutequido era portador de ldquoum poder forterdquo

192

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 193

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 69

Como resultado o sangue tornar-se-ia um imi (忌) a nunca referir em discurso muito menos

durante a realizaccedilatildeo dos atos de veneraccedilatildeo aos kami 194

Em contrapartida tambeacutem o Saigūki (西宮記 ca seacutec X) regista casos de ketsue

durante o Kamo-matsuri no quarto mecircs do ano 839 e no Sono-matsuri segundo mecircs do ano

851 190

Seguidamente em contexto dos proacuteprios ritos do Naikū a proacutepria palavra ldquosanguerdquo

(血) seria adicionada agrave lista de imikotoba presente no Kōtai Jingū Gishiki-chō 195

Jaacute na 52ordf

aliacutenea do terceiro volume do Engishiki caucionar-se-ia as menstruadas jovens do palaacutecio (ari

tsuki-goto-mono 有月事者) a retirarem-se para suas casas na veacutespera do matsuri e praticar

ldquoabstinecircnciardquo (kessai 潔斎) no terceiro e nono mecircs (Anexo I) 196

Uma vez que o sangue eacute um liacutequido presente no parto de animais e seres humanos natildeo

eacute estranho o facto de o nascimento partilhar do mesmo sentido negativo que a morte ou o

sangue menstrual como jaacute mencionado o Nihon Sandai Jitsuroku cita ocorrecircncias de dano

fetal e nascimento de catildees como motivos para adiar certos ritos 197

e em dois episoacutedios

descritos no ano de 919 (Teishinkōki) e 1119 (Chōshūki) respetivamente se no primeiro caso

esta variedade de kegare eacute mais que suficiente para interromper o Kinensai - agrave semelhanccedila do

ano 683 (Nihon Sandai Jitsuroku) ndash no segundo o parto de uma crianccedila originou kegare que

se espalhou por todos os cantos 198

194

IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 195

O Kōtai Jingū Gishiki-chō foi produzida por volta do seacutec IX pelo Naikū e entregue ao Jingikan para revisatildeo

Interessantemente a maior parte deste conjunto de palavras satildeo de origem ldquobudistardquo refletindo a abominaccedilatildeo de

shintō em relaccedilatildeo a ldquoensinamentos de forardquo Segundo Wada a expressatildeo ldquo 血乎阿世止云 rdquo significa

simplesmente que ldquoaserdquo (阿世) ndash ase pode querer indicar a palavra japonesa para ldquosuorrdquo (汗) - deve ser usada

como ldquosubstituto de ldquochirdquo (sangue) O autor afirma tambeacutem que sangue e urina eram considerados liacutequidos

impuros portanto automaticamente interditos nestes espaccedilos WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ

意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo

Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro

2007 pp 114-136 196

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de

Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 197

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)

198 IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 70

No que concerne a shie esta eacute talvez a forma de kegare mais abominada pela

sociedade japonesa pela sua ligaccedilatildeo direta com a morte morte (intencional ou natural) nunca

eacute motivo de celebraccedilatildeo e os rituais de shintō priorizam a vida ou seja ldquocrescer culturas e

receber vida Receber vida e dar graccedilas agrave vida representa a visatildeo de vida fundamental de

Shintordquo 199

tornando os matsuri natildeo soacute expressotildees de rituais positivos mas tambeacutem

celebraccedilotildees da vida da sociedade aproximando o indiviacuteduo do coletivo

Com efeito se a vida aproxima a morte afasta e traz consigo kegare a sua existecircncia

poderaacute provocar o cancelamento de certos matsuri Ao longo da histoacuteria do Japatildeo morte

nunca foi desassociada de kegare e imi sendo que ateacute mesmo a sociedade contemporacircnea

hesita em referir-se abertamente agrave morte individual de seres humanos respeitando uma seacuterie

de regulaccedilotildees que envolvem a natildeo pronunciaccedilatildeo de palavras que pudessem ser analogias agrave

morte (imikotoba) a praacutetica de ldquokichūrdquo (忌中) entre as pessoas da mesma famiacutelia do falecido

a distribuiccedilatildeo de um tipo de ldquosal purificadorrdquo (kiyome no shio 清めの塩 ) entre os

participantes do funeral Incidentalmente o costume ldquomodernordquo de visitar as campas dos

antepassados e dos membros da famiacutelia recentemente falecidos era totalmente posto de parte

pela corte do Periacuteodo Heian temendo-se o perigo de contaminaccedilatildeo devido agrave forte ldquoligaccedilatildeo de

sanguerdquo entre membros da mesma famiacutelia (sobretudo parentes proacuteximos) 200

Surgindo frequentemente no Kojiki e Nihon shoki kegare natildeo passa de uma palavra

(adjetivo verbo ou nome) sem categorizaccedilotildees integrando um grupo de vocaacutebulos constituiacutedo

por termos de conotaccedilatildeo negativamaligna kitanashi (垢濁悪) ashi (悪邪 凶) arashi

(荒) shiko (醜 凶) e maga (禍 悪 禍害枉 凶) 201

Ora independentemente da ausecircncia do

kanji (死穢) ambas fontes reconhecem a natureza ldquopoluenterdquo da morte no Kojiki o Yomi-no-

kuni eacute descrito como um local desolador repleto de kegare no qual residem mulheres ldquoodiosasrdquo

e um mundo afastado de tudo que eacute vivo Assim na passagem do retorno do Izanagi ao

mundo da superfiacutecie o kanji eacute lido pela primeira vez como adjetivo (kitanaki) 202

199

SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological Religion Masterrsquos Degree

Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of the

University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark Teuween 2011 200

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 201

ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 202

KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)

lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 71

Com efeito a relaccedilatildeo shi ndash kegare ndash fujō repercute-se no Nihon shoki [穢] marca

presenccedila nas falas de Izanagi primeiro como adjetivo qualificativo de um ldquolugar horrendo e

sujordquo (inashikomeki kitanaki tokoro 不須也凶目汚穢之處) que eacute identificado com o Yomi-

no-kuni o mundo dos mortos Seguidamente o kanji precede o de [濁] ou nigoru (ldquoturvordquo)

base dos nigorasu nigoraseru e um sinoacutenimo de yogoreru (ldquosujar-serdquo) descreve-se deste

modo o corpo fisicamente ldquosujordquo de Izanagi-no-mikoto que precisa de ser lavado (mi no

kegawashikimono wo arai saran 身の濁穢 を滌い去らん) 203

A associaccedilatildeo entre a morte e a Desordem estende-se para laacute dos episoacutedios de cariz

mitoloacutegico o registo da regente imperial Kōgyoku nota que no seguimento da morte (em

territoacuterio japonecircs) de um filho do diplomata do reino coreano de Paekche nenhum dos

membros da famiacutelia se dignou a aparecer no seu funeral temendo-se uma possiacutevel

contaminaccedilatildeo Apesar de esta atitude de evitaccedilatildeo natildeo ser japonesa a popularidade de obras

chinesas que descreviam as cerimoacutenias e os ritos funeraacuterios (envergamento de branco cor do

luto) contribuiria para a fundamentaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de evitaccedilatildeo de shie a vaacuterios niacuteveis

comeccedilando com definiccedilotildees do enterro a interdiccedilatildeo da cerimoacutenia mogari e outros costumes

que envolviam a morte (corte de cabelo para o bem dos mortos) 204

Por volta do Periacuteodo Heian jaacute era ldquooficialrdquo a abominaccedilatildeo dos membros da corte em

relaccedilatildeo a kegare o Kōnishiki (弘仁式) do Saigūki o Jingiryō e eacute claro o Engishiki definem

kegare como um conjunto de atos a evitar por parte dos indiviacuteduos no seacutetimo volume do

Saigūki nascimento e morte de pessoas e animais domeacutesticos o consumo de carne destes

uacuteltimos fazer luto e visitar doentes implicava um periacuteodo de ldquoevitaccedilatildeordquo ritual de trinta dias

(morte humana) sete dias (nascimento humano) cinco dias (morte animal) e trecircs dias

(consume de carne luto e visita de doentes) 205

No que concerne ao Jingiryō segundo as aliacuteneas dedicadas agrave ldquoabstinecircnciardquo (散斎条)

enterrar coisas em casa luto visita de doentes consumo de carne natildeo produccedilatildeo de muacutesica

entre outros atos de caraacutecter legal (ldquonatildeo julgar em tribunais natildeo punir culpadosrdquo) justificam

este ritual de reposiccedilatildeo da Ordem cuja duraccedilatildeo depende da dimensatildeo dos ritos em questatildeo

203

SAKAMOTO Trdquo一書第六 原文rdquo (Sexto livro Texto Original) 日本書紀 卷第一 第五段 (Nihon

shoki Primeiro Capiacutetulo Quinta Secccedilatildeo) (on line) lthttpwww004uppso-

netnejpdassai1shokiframe0105_06frhtmgt (consultado em 24-06-2018) 204

ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 205

IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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(inspirado nos coacutedigos da dinastia Tang) ldquograndes ritosrdquo soacute se realizavam apoacutes um periacuteodo de

ldquoabstenccedilatildeordquo mensal (1ヶ月の斎を大祀) trecircs dias no caso dos ldquoritos meacutediosrdquo (3日の斎を

中祀) e um dia para os ldquoritos pequenosrdquo (1日の斎を小祀) 206

Agrave semelhanccedila de Jingiryō e do Saigūki o Engishiki repercute a tendecircncia de

ldquoevitaccedilatildeordquo como o uacutenico modo de se precaver contra os perigos de kegare formalmente

designando esta de shokue Mencionada sobretudo no terceiro volume concretamente nas

aliacuteneas 47 48 53 e 54 shokue deve ser eliminado consoante as especificaccedilotildees presentes no

Saigūki na segunda aliacutenea os atos de luto (弔喪) visitar doentes e ldquoalcanccedilar um lugar onde

um montemontanha estaacute a ser construiacutedo ou encontrar um serviccedilo memorial Budista de 37

diasrdquo inviabiliza a entrada do indiviacuteduo no ldquoPalaacutecio Imperial nesse diardquo independentemente

de o proacuteprio natildeo estar contaminado (Anexo I) Na terceira aliacutenea afirma-se que shokue pode

ser transmitido de um local para uma pessoa ou um grupo apesar de natildeo haver risco de

kegare para as pessoas em contacto com uma segunda pessoa ldquocontaminadardquo Jaacute na uacuteltima

aliacutenea a presenccedila de kegare num ldquooficial do Palaacuteciordquo natildeo pode comprometer os

procedimentos dos matsuri 207

O aprofundamento do estudo do conceito de kegare tambeacutem facultou o

desenvolvimento de toda uma perspetiva japonesa na qual objetos locais accedilotildees e ateacute mesmo

palavras satildeo rapidamente integradas no quadro cerimonial shintō embora como distintos

entraves a este uacuteltimo Ora apesar de imi natildeo lhe ser inato (a shintō) e jaacute ter existido de forma

latente na sociedade arcaica foi graccedilas ao processo de edificaccedilatildeo desta Via por parte da corte

que imi ndash geralmente entendido num sentido muito negativo ndash gradualmente conjugaria

ambos aspeto de causa e efeito da Desordem e da Ordem evidenciada pela dicotomia imi (忌)

e imi (斎) dois kanji homoacutefonos de significado antiteacutetico que constituem uma seacuterie de

vocaacutebulos e expressotildees geralmente conotadas com o negativo e o positivo respetivamente

No caso do primeiro imi este eacute alternadamente lido como imu e ki (foneacutetica chinesa)

marcando presenccedila nas palavras imawashii (忌まわしい) um adjetivo traduzido como ldquomau

pressaacutegiordquo 208

o nome kinki ( 禁忌) accedilatildeo interdita em meios sociais (ldquofrases proibidasrdquo

206

IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)

lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 207

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de

Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 208

NISHIGAKI Yukio op cit p90

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 73

denominam-se kinku 禁句) expressa numa atitude de afastamento e natildeo contacto com certas

coisas - uma vez que ldquoquebrar o tabu convidaria desgraccedilas tais como feridas e doenccedilasrdquo 209

e

as imikotoba (忌詞) cuja pronunciaccedilatildeo atrai ldquomaacute-sorterdquo ldquodesastresrdquo e ldquodesgraccedilasrdquo 210

Englobando dezenas de verbos adjetivos e outros vocaacutebulos do dia-a-dia imikotoba

natildeo devem ser proferidas em casamentos e noivados (acabar ndash owaru cortarcortar-se ndash

kirukireru) admissotildees escolares e empresariais e sucesso no trabalho (desistirparar ndash yameru

interrupccedilatildeo ndash chūshi) abertura de lojas e negoacutecios (fechar ndash tojiru perder ndash makeru) gravidez

e parto (cair ndash ochiru jazer ndash horobiru fraco ndash yowai murchar ndash kareru) construccedilatildeo de casas

(fogo - hika fumo ndash kemuri) e ainda expressotildees de longevidade 211

Por conseguinte imi (忌) eacute integrado na terminologia fuacutenebre japonesa kichū (忌中)

e kiake (忌明け) expressam o periacuteodo preacute-definido e o fim de [忌] cujo objetivo eacute fazer com

que o indiviacuteduo receie a morte e tudo que esteja relacionado com esta justificando uma

conduta mais cuidada moderada e austera Neste sentido o familiar do falecido refreia-se de

praticar os atos de veneraccedilatildeo em jinja sendo-lhe interdita a entrada na aacuterea destes uacuteltimos e a

sua participaccedilatildeo em matsuri ocasiotildees festivas (casamentos e outras cerimoacutenias viagens

luacutedicas) eventos de celebraccedilatildeo (adiados ateacute kiake) renovaccedilatildeo da casa solo e compras de

grande porte Para o efeito o indiviacuteduo pode escolher sujeitar a casa a uma purificaccedilatildeo

domeacutestica denominada kiake harai (忌明け祓い) cinquenta dias apoacutes a morte do falecido

De caraacutecter muito simples esta praacutetica envolve a entoaccedilatildeo de uma inori por parte de um

ldquoprofissionalrdquo 212

209

Iwai Hiroshi acrescenta que este kinki se relaciona com abstinecircncia do indiviacuteduo (monoimi) sendo que no

caso dos que executam os ritos kami procurava-se manter ldquoum estado de pureza fiacutesica e mentalrdquo evitando

contactar coisas poluiacutedas por um periacuteodo especiacutefico No caso da morte de um parente as pessoas de luto nunca

podem sair agrave rua IWAI Hiroshi ldquoKinkirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on

line) httpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23410gt (consultado em 24-06-

2018) 210

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 171-172

211 Muitas destas palavras foram escolhidas pelo seu significado negativo e ldquopessimistardquo por exemplo ldquopartirrdquo

(saruwareru) e ldquocortar (kiru) podem indicar um eufemismo para morte acrescentando-se o nuacutemero quatro (shi)

que eacute homoacutefono da palavra ldquomorterdquo (shi) Fumitei お祝いには避けたい 忌み言葉 (Querer evitar em

celebraccedilotildees as imikotoba) (on line) lthttpwwwfumiteijpstep3imi_kotobahtml04syussangt (consultado em

24-06-2018) 212

Imi varia consoante o membro da famiacutelia em questatildeo e geralmente eacute feito em simultacircneo com fuku (服) se

bem que este uacuteltimo associa-se ao esforccedilo mental do indiviacuteduo que procura ultrapassar a sensaccedilatildeo de perda e

regressar agrave sua vida normal algo que pode estender-se ateacute seis meses Hyōgo-ken Jinja-chō 先祖のおまつり

(Celebraccedilatildeo dos antepassados) (on line) lthttpwwwhyogo-jinjachocomfaqfaq08htmlgt (consultado em 24-

06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 74

Como se pode constatar a maioria das palavras derivadas de [忌] natildeo possuem um

significado positivo (exceccedilatildeo de kiake e kiake harai) o que eacute concordante com a tradiccedilatildeo de

lsquoimi= malrsquo ilustrada na literatura de corte dos Periacuteodos Nara-Heian (manuais e outros textos

rituais) assemelhando-se aos termos kegare e tsumi

No entanto deve-se ter sempre em consideraccedilatildeo a natureza ambiacutegua deste termo

Nishigaki Yukio (2005) define imu (忌斎) como lsquocoisas sagradasrsquo (shinsei na mono 神聖な

もの) morte e coisas sujas que as pessoas do Japatildeo antigo pensavam que natildeo se podiam tocar

devido ao facto de possuir um poder forterdquo 213

capaz de influenciar positiva e negativamente o

indiviacuteduo ecoando a interpretaccedilatildeo sugerida por Okada Shigekyo (1982) na sua pesquisa

acerca do significado dual de imi o autor menciona o facto da palavra imu (斎) ser usada para

qualificar ldquocoisas purasrdquo (seijōshōjō na mono 清浄な物) e indicar assuntos de kami que

envolviam uma ldquoabstinecircncia optimistardquo contrastando com imu (忌) que denotava ldquocoisas

impurasrdquo (fujō na mono 不浄な物) relacionando-se com os afazeres de kami e puacuteblicos

(negativos por natureza) que obrigavam a uma atitude automaacutetica de afastamento 214

como

meio de repor a Ordem

A ideia de um imi positivo e um imi negativo tambeacutem eacute partilhada por Ama

Toshimaro (1991) embora nos dias de hoje ldquoimirdquo (イミ) tenha adquirido o significado de

[忌] [禁忌] e [禁制 concordante com uma atitude de evitaccedilatildeo na liacutengua japonesa imi possui

um outro significado se for escrito com o kanji [斎] passando a ler-se imi (斎み) termo que

indica a palavra seishin kessai (精神潔斎)rdquo ndash literalmente kessai mental entendida no sentido

de ldquoabstinecircncia positiva do corpordquo (sekkyokuteki ni mi wo tsutsushimi積極的に身を慎み) ndash

e consequentemente ldquoaponta o ato de o proacuteprio decidir entrar no mundo sagrado dos kamirdquo

Por outras palavras se [忌み] indicar sobretudo um princiacutepio comportamental negativo pode-

se dizer que [斎み] eacute um princiacutepio comportamental positivo concentrado na ldquodiscriccedilatildeordquo 215

No Nihon shoki a divisatildeo natildeo eacute sempre clara imi (忌) eacute usado na palavra ōmimi (所

忌 ) alimentos proibidos de consumo por parte do imperador evidenciando a noccedilatildeo de

213

NISHIGAKI Yukio op cit p90 214

IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 215

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 75

ldquoabstinecircnciardquo e tambeacutem o estatuto especial do soberano japonecircs uma vez que todos os sais

satildeo-lhe proibidos excepto um sal especiacutefico 216

Contudo caso a situaccedilatildeo descrita seja negativa abandona-se a conotaccedilatildeo positiva de

imi evidenciado por expressotildees cujo significado pode ser de facto considerado como algo de

caraacutecter ldquopessimistardquo a palavra [国忌齋] designando o periacuteodo de ldquoabstinecircnciardquo (忌斎)

vigente em todo o paiacutes (adiamento de qualquer tipo de rituais shintō e enfoque nos rituais

budistas dirigidos aos mortos) ordenado primeiramente por Jitō e que duraria uma semana 217

e eacute claro o ldquodia de imirdquo (imibi忌日) indicando especificamente a data da morte do imperador

(dia 16 do segundo mecircs do segundo ano de Jitō) 218

Jaacute no Nihon Sandai Jitsuroku imibi eacute

formalmente explicado nos anos de 859 (o imibi de uma Imperatriz e natildeo do Imperador) 868

(Imperador Montoku decorrido anualmente no oitavo mecircs) e ano 886 (imibi do Imperador

Ninmyō vigeacutesimo primeiro dia do terceiro mecircs constatando-se a anual leitura de sutras no

tempo Unrin-in (雲林院) 219

Por outro lado a conotaccedilatildeo negativa de [忌] natildeo eacute muito visiacutevel no Kōtai Jingū

Gishiki-chō uma vez que eacute a presenccedila do kanji [忌] nas palavras [忌柱] [忌鍬] e [忌種] que

as reveste de uma natureza sagrada proacutepria de oferendas consagradas nos ritos aos kami uma

forma de culto que se estenderia ao proacuteprio Imperador realizando-se cerimoacutenias que

envolviam a preparaccedilatildeo de alimentos (arroz sobretudo) Submetidos a um processo de

abstinecircncia pelo fogo (imibi忌火) este arroz designar-se-ia oficialmente [忌火御飯] sendo

servido no primeiro dia do sexto mecircs 220

No que diz respeito ao Engishiki segue-se esta tendecircncia na qual o kanji pode

expressar coisas positivas (exceccedilatildeo de imikotoba) de entre as quais imibi presente no Niwabi-

216

Nihonsinwa ldquo大伴金村による真鳥の誅殺と塩の呪いrdquo (A execuccedilatildeo criminal de Matori e a maldiccedilatildeo do

sal devido a Ōtomo-no-kanemura) 武烈天皇(八)日本書紀 (Imperador Buretsu 8 Nihon shoki) (on line)

lthttpnihonsinwacompage1537htmlgt (consultado em 24-06-2018) 217

Sekai Daihyakka Jiten Dai 2 Han (Grande Enciclopeacutedia do Mundo Segunda Ediccedilatildeo) ldquo国忌rdquo (Kokki) コト

バンク (Kotobank ) (on line) lthttpskotobankjpwordE59BBDE5BF8C-498821gt (consultado

em 24-06-2018) 218

SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on

line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 219

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 220

ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 76

matsuri (庭火祭) e Niinamesai (新嘗祭) celebrados no deacutecimo segundo mecircs e deacutecimo

primeiro respetivamente 221

Se na perspetiva anterior ao Periacuteodo Nara defendia-se o significado sagrado da

palavra imi no periacuteodo de expansatildeo das culturas Nara e Heian constata-se o oposto a

interaccedilatildeo entre shintō e outras Vias urge uma necessidade de divisatildeo entre coisas maacutes e coisas

boas rotulando-se deste modo a tradiccedilatildeo de ritos fuacutenebres imperiais como ldquoritos malignosrdquo

(kyōrei 凶礼) o ldquomalignordquo eacute o representante de algo contraacuterio agrave Ordem que se distingue de

outros ritos imperiais e dos matsuri nacionais interpretados como ldquocomportamento benignordquo

(yoshimichi吉義) e portanto de impacto positivo 222

Consequentemente a influecircncia de imi na sociedade japonesa estender-se-ia ao

domiacutenio do discurso tornando as imikotoba palavras ldquonegativasrdquo mas que natildeo deixam de ser

sagradas no sentido de a sua pronunciaccedilatildeo transportar consigo um poder inexplicaacutevel e natildeo

fiacutesico 223

Uma vez que a ideia japonesa de ldquosagradordquo natildeo faz a distinccedilatildeo entre coisas

boasmaacutes inexplicaacuteveis por meios convencionais eacute possiacutevel afirmar que esta

consciencializaccedilatildeo da existecircncia de palavras perigosas no discurso contemporacircneo reflete o

lado mais prejudicial da tradiccedilatildeo japonesa de kotodama (言霊)

Associada a um domiacutenio natildeo tatildeo material mas mais subtil e espiritual kotodama eacute

uma palavra composta pelo kanji de ldquopalavrardquo (言) e o de ldquoespiacuteritordquo (tama eacute a leitura

alternativa do termo rei) e ldquorefere-se ao poder espiritual contido dentro de palavras mas

tambeacutem refere agrave concepccedilatildeo de que poder espiritual pode ser manifestado atraveacutes da entoaccedilatildeo

de palavrasrdquo 224

Neste sentido kotodama pode condicionar uma divisatildeo bipartida favoraacutevel ao

modelo ldquopensamento -palavra-accedilatildeordquo no qual o falante escolhe cuidadosamente o que quer

dizer atraindo coisas boasmaacutes para si e para os seus se norito satildeo boas para quem as entoa (e

para quem as escuta) as imikotoba (忌詞) ndash palavra composta pelo termo imi e o kanji lido

221

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第二 神祇二 四時祭下rdquo (Segundo Livro Jingi Dois Matsuri das

Quatro Estaccedilotildees Parte Inferior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi02htmgt (consultado em 24-06-2018) 222

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 223

WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos

Antigos e a consciencializaccedilatildeo de ldquoimpurezardquo) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro

Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa

Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 224

YONEI Teruyoshi ldquoKotodamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 77

como kotoba (詞) - provocam efetivamente a Desordem ao serem portadoras impliacutecitas de

ldquoimpurezardquo (kegare) a niacutevel discursivo devendo por isso sujeitar-se a uma peculiar

purificaccedilatildeo abstinecircncia vocabularverbal

Devidamente listadas nos coacutedigos e regulaccedilotildees cerimoniais de entatildeo as imikotoba

eram evitadas atraveacutes da sua substituiccedilatildeo por outros termos parecidos no Kōtai Jingū Gishiki-

chō ldquobater numa pessoardquo [人打] eacute substituiacutedo por atsu (奈津) naku (鳴) ndash homoacutefono do

verbo chorar (naku 泣く ) do qual derivam laacutegrimas ndash eacute trocado por shiotare (塩垂 )

significando literalmente rdquoderramar salrdquo [宍] ndash refere-se a carne de animais ndash eacute substituiacuteda

por [多気] nakago (中子) eacute usado em vez de butsu (仏) indicando o local de veneraccedilatildeo de

estaacutetuas budistas a palavra sutra (kei 経) eacute trocada pela expressatildeo arcaica [志目加彌]

traduzida como ldquosomekamisomegamirdquo literalmente ldquopapel pintadordquo ndash os primeiros dois kanji

indicariam uma leitura foneacutetica do verbo ldquopintarrdquo (someru) e os outros a palavra japonesa

para ldquopapelrdquo (kami紙) ndash uma vez que desde o Periacuteodo Nara que os rolos de pergaminho eram

pintados com a cor amarela algo que supostamente servia de estrateacutegia contra os insetos 225

Seguindo o meacutetodo de substituiccedilatildeo os vocaacutebulos ldquopagoderdquo (tō 塔) ldquomongerdquo (hōshi

法師) o ldquolaicordquo upāsaka (ubasoku 優婆塞) ldquotemplordquo (tera 寺) ldquoabstinecircncia de comidardquo

(toki斎食) ldquomorterdquo (shi 死) ldquocampardquo (hakaba 墓) e ldquodoenccedilardquo (yamai病) satildeo abandonados

em favor de kanji foneticamente lidos como verbos ou simples termos japoneses utiliza-se

ldquocabelo compridordquo (kaminaka髪長) para ldquomongerdquo uma expressatildeo que natildeo reflete a realidade

uma vez que uma das caracteriacutesticas visiacuteveis dos monges e monjas eacute o corte regular do

cabelo em vez de ldquomorterdquo recorre-se agrave expressatildeo naoru (奈保利物) significando o verbo

ldquocurarrdquo (naoru) isto eacute trazer de volta a ldquoforccedila vitalrdquo (生命) o nome nagusamenagusa (慰)

no sentido de ldquoacalmarrdquo eacute usado em vez de ldquodoenccedilardquo 226

Natildeo obstante algumas palavras substitutas satildeo escolhidas pela sua aproximaccedilatildeo agrave

respetiva imikotoba ldquopagoderdquo torna-se araraki (阿良々支) designando a planta ichii cuja

folha dividida lembra a beira do telhado de uma torre ubasoku eacute substituiacutedo por tsunohasu

225

WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos

Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro

Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa

Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 226 WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos

Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro

Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa

Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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(角波須) possivelmente uma referecircncia ao ldquochapeacuteurdquo usado pelos ldquoque acreditam em bukkyōrdquo

(bukkyō shinsha 仏教信者) ldquotemplordquo eacute um conhecido siacutembolo budista daiacute ser evitado no

discurso utilizando-se kawarafuki (瓦葺) katashiki (片食) equivale a toki Por uacuteltimo

ldquocampardquo um local conotado com kegare eacute pronunciado tsuchikure (土村) 226

No Engishiki imikotoba surge por duas vezes no quinto e sexto capiacutetulo o primeiro

grupo diz respeito agrave Saigū (斎宮) de Ise das quais as primeiras sete pertencem agrave linguagem

budista (内七言佛稱中子經稱染紙塔稱阿良良岐寺稱瓦葺僧稱髪長尼稱女髪

長齋稱片膳) outras sete estatildeo fora desta (外七言 死稱奈保留 病稱夜須 哭稱鹽垂 血

稱阿世 打稱撫 宍稱菌 墓稱壤) e as uacuteltimas duas correspondem aos termos tō e upāsaka

( 又別忌詞 堂稱香焼 優婆塞稱角筈) 227

Jaacute o segundo grupo (死稱直 病稱息 泣稱鹽垂

血稱汗 宍稱菌 打稱撫 墓稱壤) marca presenccedila no Saiinshi (齋院司) o Escritoacuterio ao qual

pertencia a Saiō (齋王) que serve o Kamo Jinja (outrora Kamo Daijin 賀茂大神) 228

Como se pode constatar estas duas listas foram sobretudo inspiradas pelas imikotoba

do Kōtai Jingū Gishiki-chō com a exceccedilatildeo de ldquohallrdquo (tō 堂) substituiacuteda por koritaki (香焼 )

- interpretado como o local onde se queima incenso - e do termo ldquomonjardquo (substituiacutedo pelo

feminino de kaminaga isto eacute mekaminaga女髮長)226 a grande diferenccedila entre os grupos de

imikotoba eacute nada mais do que o modo de escrita se as imikotoba da Saigū satildeo registadas num

japonecircs arcaico utilizando-se mais do que um kanji para se chegar ao som pretendido

imitando a linguagem do Kōtai Jingū Gishiki-chō as do Saiinshi sofreram uma simplificaccedilatildeo

utilizando-se somente um kanji ou no maacuteximo dois embora nunca alterando o significado

Tambeacutem conhecida pelos tiacutetulos de ldquoIse no saiō sainaishinnō itsuki no miya termos

que denotam uma princesa abstinente ou consagrada (hellip) escolhida entre as filhas e irmatildes de

um tennōrdquo (natildeo necessariamente o atual Imperador) a Saigū dedicava a sua vida a servir os

kami consagrados ao Ise Jingū e como tal submetia-se a trecircs anos de preparaccedilatildeo ou seja um

periacuteodo de preservaccedilatildeo de uma vida frugal e moderada Chegando a Ise no ldquonono mecircs do

terceiro ano das suas preparaccedilotildeesrdquo esta jovem visitaria o Ise jingū onde consagraria um ramo

de tamagushi ao Naikū e ao Gekū Tal ritual soacute se justificava trecircs vezes por ano durante o

bianual Tsukinamisai e Kannamesai sendo que o nono mecircs era ldquodeclarado um tempo de

227

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em

24-06-2018) 228

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式

(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 79

abstinecircncia geral no domiacutenio restriccedilotildees eram impostas em funerais e outras atividades

inauspiciosasrdquo 229

Uma das figuras mais elevadas na hierarquia de Ise a Saigū assume os deveres de

ldquosumo-sacerdotisardquo dos cultos em Ise e representa a perspetiva japonesa de pureza uma vez

que toda a sua vida era regulada em funccedilatildeo da manutenccedilatildeo deste estado interiorexterior de

pureza sendo forccedilada a retirar-se destes deveres para com os kami aquando da entronizaccedilatildeo

de um novo soberano apesar de natildeo se excluir uma reforma antecipada ldquodevido a morte na

sua famiacutelia sauacutede pobre ou acidentesrdquo 229

evidenciando a preocupaccedilatildeo para com

acontecimentos negativos que suscitam Desordem e uma resposta imediata de reposiccedilatildeo da

Ordem

24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e externa

Na cultura japonesa a palavra ldquopurordquo deteacutem um lugar especial que natildeo pode ser

incluiacutedo junto de uma perspetiva preacute-formatada de lsquoreligiatildeorsquo a noccedilatildeo de pureza estaacute

efetivamente consciencializado no cidadatildeo japonecircs comum integrando uma das partes deste

ciclo de Desordem e Ordem se tsumi kegare e imi satildeo causa e efeito (por vezes simultacircneo)

da Desordem a sua antiacutetese apoia-se principalmente na reordenaccedilatildeo e equiliacutebrio conseguido

atraveacutes da purificaccedilatildeo processo que se pode aplicar a um objeto um espaccedilo ou um corpo vivo

algo que shintō vecirc como prioridade a niacutevel teoacuterico e praacutetico afetando de forma positiva o

indiviacuteduo e o coletivo

Neste sentido purificaccedilatildeo interna e externa eacute a essecircncia dos rituais favoraacuteveis agrave

Ordem e relaciona-se com vaacuterias expressotildees itsuku - itsu significa ldquoclaro e purordquo (segundo

Motoori Norinaga) e define o ato de ldquoservir e executar ritos para os kami apoacutes a purificaccedilatildeo

do corpo e da mente da eliminaccedilatildeo de kegarerdquo aludindo a uma ldquocondiccedilatildeo de pureza onde tudo

que eacute negativo e poluente foi eliminadordquo 230

shizume (鎮静) traduzido como ldquopacificaccedilatildeordquo

no qual se apazigua (osameru 治める) o solo (jichin 地鎮) o fogo (chinka 鎮火) e as

tamashii (chinkontama shizume 鎮魂魂鎮) procurando-se conduzir coisas a um estado

229

NAMIKI Kazuo ldquoSaigūrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices Ancient (on

line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23475gt (consultado em 24-

06-2018) 230

NISHIOKA Kazuhiko ldquoItsukurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23387gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 80

ameno normalizado um processo constatado tanto em rituais executados por profissionais e

praticantes de kyōha shintō como nos matsuri de caraacutecter imperial

No contexto de jichinsai (地鎮祭) - matsuri realizado ldquodiariamente para novos

projetos novas casas novas construccedilotildees na estrada ou construccedilatildeo de qualquer tipordquo - a

ldquopacificaccedilatildeordquo eacute a meta a atingir Primeiro o shinkan presta serviccedilos agrave comunidade

deslocando-se do seu jinja para o local em questatildeo Apoacutes o estabelecimento de um himorogi

delimitado pela shimenawa o shinkan procede a oharai o ato simboacutelico de abanar ldquoa harai-

gushi sobre a aacutereaa pessoa a ser purificadardquo (Anexo II) - apaziguando os kami locais e

protegendo o espaccedilo de influecircncias negativas que recairiam sobre os envolvidos no projeto 231

Em contrapartida chinka era caraterizado como um rito imperial da responsabilidade

do ldquoclatilderdquo Urabe durante o bianual Chinkasai procurando a prevenccedilatildeo de fogos ldquodentro do

palaacutecio imperial e em outras instituiccedilotildees estatais mais do que fogos no geralrdquo 232

se bem que

em Ontake-kyō esta pacificaccedilatildeo tinha como objetivo a ldquopurificaccedilatildeo do crente apoacutes um

elemento quente ter sido suprimidordquo 233

tornando o fogo um agente purificador

Por uacuteltimo os ritos chinkon satildeo dedicados aos vivos e aos mortos se nos dias de hoje

o termo designa o momento de reflexatildeo em silecircncio dentro das imediaccedilotildees do jinja apoacutes

misogi e antes da fase de naorai (直会) isto eacute o momento de completa harmonizaccedilatildeo entre o

indiviacuteduo e o kami (consumo de sake em copos de madeira de cipreste) 234

chinkon era um

meio de defesa contra as tatari (desastres naturais epidemias e mortes suacutebitas) lanccediladas por

onryō de cortesatildeos e poliacuteticos eventualmente venerados como kami 235

Por outro lado o

chinkon do Chinkonsai (realizado na veacutespera do Niinamesai ou do Daijōsai) era uma praacutetica

dedicada aos vivos na qual o Imperador procurava a restauraccedilatildeo da sua sauacutede ldquopuxandordquo de

volta a mitama que estava em risco de sair do corpo 236

Natildeo obstante outros termos devem ser considerados haraiharae eacute na linguagem

shintō o meio mais eficaz de eliminaccedilatildeo de tsumi e kegare Agrave semelhanccedila das palavras

231

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 172

232 NAMIKI Kazuo ldquoChinkasai (hiho shizume no matsuri)rdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals

State Rites (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23099gt

(consultado em 24-06-2018) 233

Segundo Picken apoacutes a chinka shiki (鎮火式) cerimoacutenia na qual o praticante caminha sobre brasas este

uacuteltimo executaria a kugatachi shiki um ritual no qual o corpo deste uacuteltimo eacute salpicado com aacutegua a ferver

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 133

234 PICKEN Stuart op cit p179

235 PICKEN Stuart op cit p18

236 NAMIKI Kazuo ldquoChinkon-sairdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals State Rites (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23100gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 81

ldquopurezardquo ldquosinceridaderdquo ou ainda ldquoharmoniardquo (chōwa 調和) que se aproxima da ideia de

ldquocompletude e todo e eacute tambeacutem um ideal social natildeo apenas um estado de assunto dentro das

relaccedilotildees humanasrdquo 237

haraiharae atinge o exterior e o interior do indiviacuteduo

Ora apesar de hoje se escreverem com o mesmo kanji [祓] harai e harae eram atos

diferentes harai seria uma ldquopurificaccedilatildeo ativardquo - eacute o proacuteprio sujeito que escolhe

conscientemente executar a ldquopurificaccedilatildeordquo como se constata no episoacutedio de Izanagi ndash e harae

derivaria de harawase descrevendo uma ldquopurificaccedilatildeo passivardquo na qual o sujeito ldquoreceberdquo

harae de boa vontade por parte dos responsaacuteveis pelo jinja algo jaacute aludido em certos termos

como haraetsumono (祓具) 238

Alternadamente escritos como [祓物] haraetsumono designa

as ldquooferendas de purificaccedilatildeordquo lanccediladas agrave aacutegua como parte da ceacutelebre Ōharae cujos efeitos

atingem toda a populaccedilatildeo japonesa tornando - a ldquopurardquo a niacutevel natildeo apenas fiacutesico Aliaacutes

Ōharae (大祓) partilha desta aceccedilatildeo uma vez que o objetivo inicial era ldquopurificarrdquo todos os

funcionaacuterios da corte justificando a sua categorizaccedilatildeo como uma cerimoacutenia tutelada pelo

palaacutecio imperial 239

Preservada ao longo dos seacuteculos Ōharae eacute praticada com ecircnfase pela maioria dos

jinja e popularmente designada de Nagoshi no harae (夏越の祓) ndash final de Junho - e

Toshikoshi no harae (年越の祓) ndash final de Dezembro Mencionada no Nihon shoki como

recurso para afastar a ldquoinfluecircncia maligna de um cometardquo este matsuri seria elevado agrave

categoria de ldquocerimoacutenia nacionalrdquo obrigatoacuteria para os jinja do Periacuteodo Meiji e para o efeito

exigia-se um preliminar ritual de purificaccedilatildeo no Sumiyoshi jinja de Toacutequio os participantes

receberiam aiacute o kata-shiro (形代) No dia em questatildeo o ldquomestre dos ritosrdquo daria iniacutecio agrave

cerimoacutenia atraveacutes da invocaccedilatildeo dos kami ao himorogi proferindo uma inori no iniacutecio e no fim

Jaacute a ceacutelebre norito denominada Ōbarae kotoba (大祓詞) seria recitada pelo Norito-shi (祝詞

師 ) apoacutes este explicar o propoacutesito de Ōharae aos presentes Consequentemente seriam

eliminadas da populaccedilatildeo todas as coisas conducentes agrave desordem eacutetica garantindo-se ldquopaz

proteccedilatildeo e felicidaderdquo 240

237

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxv-xxvi

238 MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)

古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 239

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112 240

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 82

Segundo o Jingiryō do Yōrō-ryō Ōharae contava com a presenccedila de certos clatildes os

Nakatomi responsabilizavam-se por entoar a norito e consagrar as ldquooferendasrdquo (oonusa 御祓

麻) os Fumitobe das proviacutencias de Este e Oeste (東西の文部) consagravam espadas proacuteprias

para a ocasiatildeo isto eacute as harae no tachi (祓の刀 ) e os Urabe removeriam quaisquer

influecircncias negativas Ora a realizaccedilatildeo de Ōharae eacute na praacutetica um esforccedilo coletivo se todas

as unidades administrativas (郡) contribuiacuteam com ferramentas peles espadas e outras coisas

todas as casas (戸) deviam preparar cacircnhamo (麻) 241

No Engishiki a cerimoacutenia eacute antecedida pela preparaccedilatildeo de ofertas - armas revestidas

de metais preciosos vaacuterios tipos de tecido colorido (seda algodatildeo) cacircnhamo flechas arroz

cavalos madeira de carvalho Seguidamente os Urabe entoariam norito 242

funccedilatildeo

posteriormente delegada ao liacuteder dos Nakatomi (Ōnakatomi) cuja versatildeo da norito Nakatomi

Harae (中臣祓) ainda hoje eacute o modelo de norito e uma referecircncia para os jinja de hoje 243

Por conseguinte no seacutetimo volume exclusivamente dedicado ao matsuri que

comemora a acessatildeo ao trono do novo Imperador (Senso Daijōsai踐祚大嘗祭) Ōharae faz

parte da miriacuteade de praacuteticas efetuadas antes e durante o trigeacutesimo dia do deacutecimo mecircs do

calendaacuterio lunar geralmente entre o seacutetimo mecircs ndash o mecircs da acessatildeo ao trono do Imperador

como consequecircncia da abdicaccedilatildeo do seu antecessor se bem que no caso do oitavo mecircs a

cerimoacutenia seria adiada para o ano ndash e o deacutecimo mecircs 244

Apoacutes o envio dos ldquoMensageiros

Imperiais para Ōharaerdquo escolhidos por ldquoadivinhaccedilatildeordquo (boku卜) no oitavo mecircs era obrigatoacuterio

executar uma purificaccedilatildeo no uacuteltimo dia do mecircs (tal como a descrita no primeiro volume do

Engishiki) seguida do envio de dois Urabe agraves proviacutencias que executariam Ōharae

preparando-se as devidas oferendas (um cavalo uma flecha uma grande katana algodatildeo

peixe sake) 245

Uma complexa cerimoacutenia de caraacutecter imperial na qual canto e danccedila consumo de

comida e sake eram recebidos com entusiasmo o Daijōsai era um esforccedilo coletivo de

241

IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)

lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 242

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das

Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 243

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p80

244 PICKEN Stuart op cit pp 62-72

245 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第七 神祇七 踐祚大嘗祭rdquo (Seacutetimo Livro Jingi Sete Daijōsai)

延喜式 (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi07htmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 83

membros da corte funcionaacuterios do Jingikan e do Jingiryō os Nakatomi entoavam as norito e

guiavam os ldquoadivinhosrdquo ao Ministeacuterio da Casa Imperial bem como os ldquogovernadores da

proviacutencia yuki e os vaacuterios funcionaacuteriosrdquo partilhando este uacuteltimo dever com os Urabe os

membros do Departamento de Carpintaria ldquoconstroem o principal santuaacuteriordquo os Inbe

apresentavam o ldquoespelho sagrado e a espada sagradardquo Findadas as festividades qualquer

vestiacutegio do matsuri seria prontamente destruiacutedo e praticar-se-ia uma uacuteltima ldquocerimoacutenia de

purificaccedilatildeordquo no uacuteltimo dia do mecircs esta uacuteltima conforme a bianual Ōharae 245

Apesar de a sua dimensatildeo ser diferente do harai habitual a meta de Ōharae parece

ser a de qualquer ritual positivo em shintō o estado de ldquoharmoniardquo refletindo a relaccedilatildeo iacutentima

entre a sociedade japonesa e a envolvente natureza fortalece-se deste modo a ldquonecessidade

de retificar desequiliacutebrios entre natureza humanos e divindadesrdquo 246

atraveacutes de uma atitude de

esforccedilo individual natildeo desassociada da preparaccedilatildeo interna e externa

Conotado com ldquoabstinecircnciardquo esta atitude implica disciplina na forma de um conjunto

de regras de conduta a adotar preacute-veneraccedilatildeo aos kami algo retido por qualquer praticante de

shintō nos dias de hoje com efeito qualquer matsuri eacute precedido por um periacuteodo temporaacuterio

de ldquoevitaccedilotildeesrdquo denominadas saikai (斎戒) ndash o termo eacute etimologicamente constituiacutedo pelos

kanji [斎] e [戒] do qual deriva o verbo imashimeru traduzido por ldquobanirrdquo ldquorestringirrdquo ndash nas

quais os responsaacuteveis por conduzir os rituais se banhavam (kessai 潔斎) mudavam de roupas

e consumiam certos alimentos claramente evidenciando a sua preocupaccedilatildeo para com

impurezas a presenccedila de derrame de sangue incecircndios e mortes era mais do que motivo

suficiente de desqualificaccedilatildeo dos que se tinham submetido a este processo ou em casos mais

extremos cancelamento do proacuteprio matsuri 247

Num contexto mais oficial observa-se uma categorizaccedilatildeo da praacutetica em si o

Jingiryō do Periacuteodo Yōrō distingue entre sansai (散斎) e chisai (致斎) sansai indicava a

ldquoabstinecircncia parcialrdquo na qual o indiviacuteduo estava proibido de fazer os jaacute mencionados seis atos

considerados formalmente como shokue chisai correspondia a uma ldquoabstinecircncia severardquo na

qual todos os ritos que natildeo envolvessem os kami eram cancelados No que concerne agrave sua

246

ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation

submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial

fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen

and Prof Dr Terje Stordalen 2013 247

ONO Sokyō op cit pp64-65

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 84

duraccedilatildeo esta variava consoante o mecircs em questatildeo sendo que no nono mecircs sansai era

observado durante todo o mecircs chisai duraria somente trecircs dias 248

Uns seacuteculos mais tarde o Engishiki inspirar-se-ia nesta categorizaccedilatildeo por vezes

conjugando-a com o ritual harae no Kinensai sansai era praticado durante trecircs dias e chisai

apenas um dia 249

durante Kanmisosai kessai eacute um ato realizado por alguns membros de clatildes

na veacutespera do matsuri e cujo objeto de ldquoabstenccedilatildeordquo satildeo as oferendas (fios de seda e cacircnhamo)

antes de serem tecidas e apresentadas durante a celebraccedilatildeo que por sua vez soacute poderia

decorrer mediante um preacutevio harai do espaccedilo (batsujo 祓除) realizado no uacuteltimo dia do

terceiro mecircs e do oitavo mecircs Kannamesai menciona novamente um kessai dos fios de seda

posteriormente transformados em tecidos 250

Apoacutes trecircs anos de [潔齋] como parte dos rituais

da Saigū na capital reservava-se o uacuteltimo dia do oitavo mecircs a uma Ōharae no palaacutecio e no

nono mecircs um Nakatomi encarregava-se da ldquopurificaccedilatildeordquo (祓清) das proviacutencias de Ōmi e Ise

permitindo agrave Saigū cumprir os seus deveres no decorrer do Kannamesai 251

Durante o nono mecircs procede-se a um periacuteodo de 18 dias (a comeccedilar no primeiro dia)

de ldquoabstenccedilatildeordquo e um mecircs de evitaccedilatildeo de luto e enterros bem como agrave execuccedilatildeo de ldquolustraccedilatildeo

augustardquo gokei [御禊] Escrito com o kanji honoriacutefico [御] e o de misogi [禊] gokei era uma

ldquocerimoacutenia para afastar contaminaccedilatildeo de pessoas da Famiacutelia imperialrdquo 252

que decorria agrave

beira-rio e na qual participava a Saigū Contudo esta atitude de ldquoabstenccedilatildeordquo natildeo era apenas

seguida por esta uacuteltima monges monjas pessoas em luto e grupos de bandidos sujeitavam-se

a sansai antes e apoacutes Kinensai Kamo-matsuri Tsukinamisai e Kannamesai sendo-lhes

interdita a entrada no palaacutecio tal e qual as jaacute mencionadas funcionaacuterias do palaacutecio graacutevidas

253

248

IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)

lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 249

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das

Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 250

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第四 神祇四 伊勢太神宮rdquo (Quarto Livro Jingi Quatro Ise Dai-

jingū) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi04htm

(consultado em 24-06-2018)

251 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜

式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-

06-2018)

252 BOCK Felicia op cit p104

253 FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro

Livro Jingi Trecircs Matsuri de Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 85

Por uacuteltimo o seacutetimo volume do Engishiki especifica uma ldquoabstenccedilatildeordquo obrigatoacuteria no

deacutecimo primeiro mecircs sansai era iniciado no primeiro dia e terminava no uacuteltimo chisai

durava trecircs dias comeccedilando no dia do touro e terminando no dia da lebre proibindo-se a

participaccedilatildeo dos indiviacuteduos em ldquofestins Budistas ou festins magrosrdquo 254

Findado imi o indiviacuteduo foca-se na purificaccedilatildeo propriamente dita servindo-se de

elementos do dia-a-dia como o sal sake e aacutegua no primeiro caso o sal eacute ldquoatirado por

lutadores de Sumo cada vez que entram no dohyōrdquo e nos funerais serve o propoacutesito de ldquoauto-

purificaccedilatildeo apoacutes o regresso a casardquo dos frequentadores Jaacute em restaurantes e outros

estabelecimentos eacute costume colocar-se ldquoduas pilhas de sal fora do umbral uma de cada lado

apoacutes lavarem a entrada e antes de quaisquer clientes chegaremrdquo garantindo-se prosperidade

no negoacutecio Ora em misogi harai o sal eacute salpicado na cabeccedila dos participantes - no

seguimento de oharai ndash e tambeacutem misturado com sake sendo posteriormente ldquocuspido como

parte da cerimoacutenia de purificar a boca uma uacuteltima vezrdquo Oferecido nos altares sal faz ainda

parte das shinsen 255

A aacutegua tambeacutem partilha da mesma natureza purificadora que o sal e o sake em

virtude de ser considerada o elemento primaacuterio que devolve o lustro agraves coisas e pessoas

eliminando qualquer tipo de ldquomaacuteculardquo independentemente de se tratar de uma ldquomaacuteculardquo fiacutesica

(kegare) ou natildeo (tsumi) externa (corpo) ou interna (kokoro) Natildeo obstante a tradiccedilatildeo de

ldquolimpezardquo na cultura japonesa estende-se a contextos mais civis toalhas quentes satildeo

ldquoprovidenciadas em restaurantes (hellip) para que os patronos possam lavar as matildeos antes de

comer e uma pessoa Japonesa lavar-se-aacute sempre antes de entrar numa banheirardquo 256

um

reflexo da consciencializaccedilatildeo da lavagem do corpo na sociedade japonesa contemporacircnea

Em shintō a aacutegua assume um papel central em trecircs principais praacuteticas de ldquoauto-

purificaccedilatildeordquo que tambeacutem satildeo abluccedilotildees kessai temizu (手水) e misogi (禊) Se kessai eacute

geralmente feito antes do matsuri 257

temizu precede a ldquooraccedilatildeordquo (inori) aos kami nos jinja e

no qual o indiviacuteduo dirige-se a uma estrutura denominada temizuya (手水屋) lavando com

aacutegua a boca e as suas matildeos locais mais suscetiacuteveis de se contrair kegare (Anexo III)

254

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 62-72 255

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 174-175

256 ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation

submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial

fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen

and Prof Dr Terje Stordalen 2013 257

PICKEN Stuart op cit p 177

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 86

No que concerne a misogi esta eacute considerada a origem de todos os harai na

sociedade japonesa sendo descrita por Carl Florenz como a ldquopurificaccedilatildeo de um uacutenico

indiviacuteduo ou um lugar de poluiccedilotildees atraveacutes de se entrar em contacto com algo

cerimonialmente impuro tal como cadaacuteveresrdquo 258

Uma ldquoauto-purificaccedilatildeordquo em todos os

sentidos do termo a expressatildeo misogi harai (misogi harai 禊祓い ) poderaacute derivar de

ldquomisosogi no harairdquo (身滌の祓い) literalmente ldquoharai da lavagem do corpordquo ndash [身滌] eacute

constituiacutedo pelo kanji de ldquocorpordquo (身) e o de [滌] sinoacutenimo de [洗] raiz do verbo ldquolavarrdquo

(arau) 259

ndash e eacute pela primeira vez mencionado no episoacutedio de Izanagi descrito pelo Kojiki e

Nihon shoki

De um modo geral misogi conheceu grande popularidade na esfera privada imperial

e agrave semelhanccedila de [斎] era sempre acompanhado de todo o tipo de oferendas tais como

tecidos armas sake velas e algas Se praticado pela Saiō (齋王) misogi decorria num rio da

capital na primeira dezena de dias do oitavo mecircs e do nono mecircs ambas datas escolhidas por

ldquoadivinhaccedilatildeordquo ndash responsabilidade do Onmyōryō Por sua vez este ritual fazia parte de uma

grande cerimoacutenia na qual se preparavam tecidos caixas jarros carne seca cabaccedilas e peixes e

cujos participantes eram essencialmente membros da corte (Jingikan e Onmyōryō) cada um

desempenhando uma tarefa especiacutefica ecoando o sucedido nos matsuri do Jingikan um

Nakatomi executava oharai servindo-se da onusa (Nakatomi onusa tatematsuru [神祇官中臣

進麻]) e o miyanushi (宮主) entoava harae kotoba (祓詞) Igualmente realizado durante a

deslocaccedilatildeo da jovem para o No-no-miya e Itsuki-no-miya em Ise e no uacuteltimo dia do mecircs 260

misogi eacute descrito no sexto volume do Engishiki como parte da celebraccedilatildeo do Imibikamado-

matsuri (quarto mecircs e sexto mecircs) ndash um gokei no qual participavam todos os funcionaacuterios do

palaacutecio - e um matsuri anual (毎年禊祭) 261

Atualmente misogi pode ser praticado por qualquer pessoa e eacute aceite como um ritual

vaacutelido para qualquer tipo de shintō Shinshū-kyō (神習教) tem como metas alcanccedilar ldquoum

espiacuterito de um kami por praticar purificaccedilatildeo oharairdquo a aquisiccedilatildeo de um elevado niacutevel de

treino que possibilite ao indiviacuteduo ensinar os outros e eacute claro ldquoalcanccedilar harmonia com os

258

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112 259

NISHIGAKI Yukio op cit p 544

260 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜

式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-

06-2018) 261

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式

(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 87

kami e rezar pelo descanso das almas dos outrosrdquo Neste contexto misogi faz parte da

estrateacutegia de cultivo de ldquopurificaccedilatildeo interiorrdquo que encoraja o processo de aproximaccedilatildeo do

humano ao kami 262

Em suma a purificaccedilatildeo estaacute intimamente associada agrave visatildeo positiva do ser humano

apoiada por shintō Shinshū-kyō natildeo soacute ensina o indiviacuteduo a ldquodemonstrar gentileza aos

outrosrdquo ldquotrabalhar diligentemente (no seu proacuteprio negoacutecio)rdquo e a ldquopreservar firmeza no teu

coraccedilatildeordquo como procura ldquopacificar o espiacuterito porque eacute parte do espiacuterito do kamirdquo 264

(bunshin

mitama wo shizumu beshi分神神魂を鎮むべし) e ldquolimpar as impurezas do corpordquo (mi no

shūshoku wo harau beshi身の鏽蝕を祓うべし) 263

proporcionando o desenvolvimento do

caraacutecter do indiviacuteduo

Na visatildeo de Misogi-kyō (禊教) o trio de tesouros imperiais satildeo ldquoos mais eficazes

agentes de purificaccedilatildeordquo pois ldquotodas as formas de impureza podiam ser removidasrdquo Apoiado

em misogi harae e ldquorespiraccedilatildeo proacutepriardquo o setor utiliza misogi como ldquoum meacutetodo para

melhoria da vidardquo aproximando as pessoas do kamirdquo 262

Interpretando-se esta praacutetica como o

uacutenico modo de ldquoreavivarrdquo a ldquoboa sorterdquo (literalmente ldquosorte proacutesperardquo ou sakae no unsei [栄

絵の運勢]) misogi possui visiacuteveis efeitos de purificaccedilatildeo externos 264

Contudo o busiacutelis da questatildeo eacute a ldquopurificaccedilatildeo internardquo (nai seijōshōjō 内清浄)

denominada iki ichisuji no misogi (息一筋の禊) iki (息) natildeo eacute somente a ldquoorigem do corpordquo

mas tambeacutem a proacutepria ldquoexistecircnciardquo (seimei [生命]) 264

e estaacute diretamente relacionada com a

entoaccedilatildeo da norito ldquo

tōkami emitamae harae tamae kiyome tamairdquo (literalmente ldquokami

distante purificai e limpai enquanto rezamosrdquo) em voz alta

262 um momento caracterizado

pela ldquofusatildeordquo do corpo com a mente graccedilas ao cultivo do autocontrolo do corpo a Desordem

(aqui maga) deixa de existir 264

No contexto de jinja shintō misogi faz ainda parte da cerimoacutenia shūbatsu (修祓) na

qual se abre o edifiacutecio interior do jinja e o shintai eacute visualizado pelos shinkan que se

262

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 234-236 263

O ldquoespiacuterito do kamirdquo eacute mitama (神魂) e ldquocoraccedilatildeordquo kokoro O termo ldquoimpurezasrdquo lecirc-se no texto original [鏽

蝕] o primeiro lecirc-se sabi e natildeo eacute muito usado na linguagem diaacuteria (鏽) significando ldquoferrugemrdquo ou ldquocorrosatildeordquo

o segundo eacute o kanji [蝕] do qual deriva o verbo mushibamu geralmente traduzido como ldquoser devorado por

dentrordquo ldquominarrdquo ldquoarruinarrdquo Shintō Shinshū-kyō Kōushiki Page 教 義 (on line)

lthttpshinshukyojpE69599E7BEA9gt (consultado em 24-06-2018) 264

Misogi-kyō Shintō 神道禊教の教理 (Doutrina de Shintō Misogi-kyō) (on line) lthttpwwwmisogi-

kyouorjpkyourihtmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 88

ldquopurificam de modo a tomarem parte nos rituaisrdquo atirando baldes de aacutegua fria sobre si

mesmos ou escolhendo colocar-se ldquodebaixo de uma cascata num rio ou no marrdquo dependendo

da localizaccedilatildeo do jinja Posteriormente os participantes no matsuri satildeo purificados

cumprindo-se as condiccedilotildees de invocaccedilatildeo dos kami 265

que respondem ao apelo impliacutecito nas

norito entoadas pelos shinkan

Associadas agrave tradiccedilatildeo de kotodama norito satildeo acolhidas entusiasticamente pela

sociedade japonesa quer sejam ldquovelhasrdquo (do Engishiki e outras fontes do Periacuteodo Heian) e

norito ldquonovasrdquo ou seja norito poacutes- Engishiki criadas por estudiosos e praticantes das vaacuterias

formas de shintō (Ise e Yoshida shintō Shugendō kyōha shintō shin shūkyō) e associadas a

jinja especiacuteficos (ldquocultosrdquo em Ise Izumo Dewa Togusa ldquocultosrdquo a Inari e Hachiman) 266

Etimologicamente norito tem as suas origens na frase ldquoNakatomi-no-Kane Muraji

norito wo norurdquo (中臣金連祝詞を宣る) Como se pode constatar o verbo que lhe estaacute

associado eacute noru (宣) cujo kanji significa ldquodizerrdquo ldquoexpressarrdquo e ldquoinformarrdquo num sentido

formal agrave maneira dos ldquoeacuteditos imperiaisrdquo (senmyō [宣命]) 267

Vaacutelidas para uso individual ou coletivo norito contemporacircneas tendem a inspirar-se

em norito muito mais antigas por exemplo a frase ldquoharae tamae kiyome tamairdquo de Misogi-

kyō surge na Ōharae kotoba do Engishiki como uma dupla accedilatildeo decorrida na ldquoōharae do

anoitecer do uacuteltimo dia do sexto mecircsrdquo (kotoshi no minadzuki no tsugumori yūhi no kudachi

no ōharae ni harai tamai kiyome tamau-koto wo 今年の水無月の大晦日 夕日之降の大祓

に祓給ひ清給事を) 268

eliminam-se assim os tsumi (tsumi ha araji wo罪波不在止) de

todos os cantos ldquodebaixo do ceacuteurdquo (Anexo IV)

Seguindo uma ldquofoacutermula usada em cerimoacutenias religiosas em endereccedilando divindades

(hellip) usam uma forma respeitosa subserviente forma de dicccedilatildeordquo norito tecircm a sua forccedila no

som e natildeo na parte gramatical ou na etimologia lexical recorrendo-se frequentemente a

265

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 177

266 O arquivo virtual Ko-kon Shūkyō Kenkyūjo regista um total de 55 norito devidamente ldquocategorizadasrdquo

consoante a temaacutetica e o local de veneraccedilatildeo Ko-kon shūkyō kenkyūjo ldquo祝詞 諸文献rdquo (Norito Vaacuterias

referecircncias) 神道資料集 (Colecccedilatildeo de materiais de shintō) (on line) lthttpwwwko-konnetnoritogt

(consultado em 24-06-2018) 267

NISHIGAKI Yukio op cit p485 268

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 89

ldquorepeticcedilatildeo paralelismo longas enumeraccedilotildees de nomes de divindades e oferendas metaacuteforas

o uso de registos mitoloacutegicos para explicar a origem de certas formas de veneraccedilatildeordquo 269

Natildeo obstante estas frases servem de prevenccedilatildeo contra forccedilas ldquonegativasrdquo incluindo

tatari gami ou ldquoespiacuteritos malignosrdquo devidamente acalmados e purificados respetivamente

Usadas em matsuri oficiais norito descreviam com pormenor quem as proferia o seu

objetivo a quem se dirigiam e o local onde decorria esta entoaccedilatildeo cujo raio de atuaccedilatildeo era

individual ou coletivo (capital habitaccedilotildees funcionaacuterios o palaacutecio todo o Japatildeo a corte) 270

No que concerne agrave sua entoaccedilatildeo estes conjuntos de frases eram responsabilidade dos

Nakatomi ou de outros consoante a ocasiatildeo na ldquomensagem de aberturardquo do oitavo capiacutetulo

do Engishiki regista-se que os Inbe deviam entoar norito dos ldquoritosrdquo Goden (御殿) e Mikado

(御門) e nos restantes matsuri a honra cabia aos Nakatomi (以外諸祭中臣氏祝詞) nos

matsuri das quatro estaccedilotildees (凡四時諸祭) essa funccedilatildeo fazia parte dos deveres dos kanbe (神

部) no Kanmisosai somente o daijingūji de Ise (ldquoSumo-Sacerdote do Grande Santuaacuterio de

Iserdquo) devia entoar a norito (大神宮司宣祝詞) e nas celebraccedilotildees em Ise (Kanmisosai os

matsuri do sexto e deacutecimo segundo meses e Kannamesai) 271

as norito de Ōimisai (大忌祭)

Tatsuta Fūjinsai ( 龍田風神祭 ) e Hiranosai ( 平野祭 ) eram responsabilidade dos

ldquomensageiros imperiaisrdquo Jaacute os Inbe encarregavam-se das ldquofoacutermulasrdquo de proteccedilatildeo do palaacutecio

imperial (Ōtono-no-hogai (大殿祭) e do ldquoFestival dos Portotildeesrdquo (Godensai 御殿祭) ndash cuja

meta era a ldquogarantia a proteccedilatildeo das divindades que guardam os portotildees do Palaacutecio Imperialrdquo ndash

no ldquodeacutecimo segundo dia do sexto e deacutecimo segundo mesesrdquo 270

Por uacuteltimo a norito de

Ōharae era ldquopartilhadardquo pelos Urabe e os Nakatomi enquanto que nos Chinkasai (鎮火祭) e

Michiaesai (道饗祭) soacute os Urabe eram elegiacuteveis para tal tarefa 271

O avanccedilo do estudo da tradiccedilatildeo ritual shintō impulsionou uma anaacutelise aprofundada

das norito estabelecendo-se uma ligaccedilatildeo direta com o processo de purificaccedilatildeo o meio por

excelecircncia para atingir a tatildeo desejada Ordem entre o praticante e o kami venerado norito satildeo

uma espeacutecie de purificaccedilatildeo verbal aludindo a um processo positivo mas interno Tal

abordagem introduz uma perspetiva mais subjetiva do que se entende por norito auxiliando

269

PHILIPPI Donald Norito A Translation of the Ancient Japanese Ritual Prayers With a new Preface by

Joseph M Kitagawa Princeton Princeton University Press 1990 pp1-2 270

PHILIPPI Donald op cit pp5-15 271

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 90

na compreensatildeo da purificaccedilatildeo interna que recaiacutea sobre o kokoro (心) Por sua vez kokoro

associar-se-ia a meijō (明浄)

Escrito em japonecircs com o kanji de ldquocoraccedilatildeordquo (shin de shinzō [心臓]) kokoro denota

algo de natureza natildeo palpaacutevel e interior a qualquer indiviacuteduo servindo de prefixo agraves palavras

kokoroeru (心得 ) ato de ldquocompreender o significado das circunstacircncias e das coisasrdquo

kokoroe ldquocompreensatildeordquo e ldquoter cautelardquo kokoronai (心無 ) designa uma condiccedilatildeo de

ldquoinsensibilidaderdquo pelo proacuteximo (em linguagem corrente ldquonatildeo ter coraccedilatildeordquo) 272

kokoro-

gawari (心変わり ) literalmente a ldquomudanccedila de kokorordquo indica a suacutebita alteraccedilatildeo dos

sentimentos intenccedilotildees e convicccedilotildees do indiviacuteduo em relaccedilatildeo a terceiros

No Nihon shoki o kanji em si eacute precedido por outros caracteres [黒心] e [無黒心]

significam aproximadamente ter um coraccedilatildeo negrordquo ou o seu oposto o sentido obtido eacute

negativo e positivo respetivamente marcando presenccedila no episoacutedio da competiccedilatildeo de

Susano-o-no-mikoto e de Amaterasu (有黒心) e no ano 646 da Era Taika (不正心者)

literalmente ldquopessoas de kokoro injustordquo Se estiver ao lado de [清] a expressatildeo lecirc-se seishin

ou kiyoki kokoro um kokoro puro (清心) 273

evidenciando a sua ligaccedilatildeo com meijō ambos

satildeo palavras positivas por princiacutepio

Por outro lado Engishiki descreve kokoro como uma caracteriacutestica interior de

humanos e kami na norito de Ōtono-no-hogai [心] surge na frase ashiki kokoro kitanaki

kokoro naku (邪意穢心無く) 274

ndash o segundo kanji tambeacutem se lecirc como kokoro mas o seu

significado eacute o de ldquointenccedilatildeordquo denotando a conduta correta seguida por todos os trabalhadores

do palaacutecio e membros da corte ndash traduzida por Philippi como ldquosem quaisquer maacutes intenccedilotildees

ou impuras intenccedilotildeesrdquo 275

na norito de Hi-shizume-no-matsuri (Chinkasai) kokoro eacute um

atributo de natureza maligna do kami do fogo (Homusubi-no-kami 火結神) ndash evidenciado

pela expressatildeo kokoro saganakiko (心惡子) ldquocrianccedila de mau kokorordquo ndash um kami gerado por

272

NISHIGAKI Yukio op cit pp 286-287 273

SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on

line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 274

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018) 275

PHILIPPI Donald op cit p 43

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 91

Izanami cujo temperamento provoca Desordem que naturalmente justifica a ldquopacificaccedilatildeordquo

(shizume matsure 鎮奉れ) por parte de outros kami seus irmatildeos 276

Em contrapartida tambeacutem a norito ldquopara afastar uma divindade vingativardquo (tataru

kami wo utsushi-yaru 遷卻祟神) segue a temaacutetica de reordenaccedilatildeo especificamente a uma

retificaccedilatildeo ativada por Kamunaobi e Ōnaobi kokoro refere-se aqui ao kokoro claro de kami

ldquopacificadosrdquo (sumera-gami ōmikokoro akiraka ni 皇神等の御心も明に) sendo que esta

transiccedilatildeo de kami ldquoviolentosrdquo para kami ldquopaciacuteficosrdquo (ara furu kami-tachi wo kashi harai

tamai kami nagoshi ni nagoshi tamai荒振神等を神攘攘給ひ神和和給) se deve a outros

dois kami 276

pacificaccedilatildeo tambeacutem eacute purificaccedilatildeo

Na perspetiva de Picken purificaccedilatildeo e pureza natildeo soacute partilham de uma conotaccedilatildeo

positiva como mantecircm entre si uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia pureza eacute a meta e a

consequecircncia do resultado da purificaccedilatildeo se o indiviacuteduo eacute o recetor de oharai que por sua vez

beneficia o kokoro meijō indica a ldquorestauraccedilatildeo do estado de pureza conhecido como seimei-

shin (ou akaki kiyoki kokoro)rdquo Por outras palavras o praticante torna-se portador de um

ldquoclaro kokorordquo (akaki kokoro明心) ldquopuro kokorordquo (kiyoki kokoro清き心) ldquocorreto ou justo

kokorordquo (tadashiki kokoro 正しき心) e o ldquokokoro retordquo (naoki kokoro 直き心) 277

um

quarteto de caracteriacutesticas eticamente boas

Assim os contornos eacuteticos da relaccedilatildeo kokoro - pureza revelam-se fundamentais para

a compreensatildeo de novas perspetivas modernas e japonesas de shintō segundo Muraoka

Tsutsunegu (村岡典嗣 1884-1946) meijō eacute uma ldquocaracteriacutestica eacutetica de shintōrdquo e um atributo

transversal em qualquer ldquodivisatildeordquo desta Via equiparado ao niacutevel de uma ldquodoutrinardquo (meijō

shugi明浄主義) no ldquosentido de que existe reverecircncia pelo claro e puro (hellip) em toda a mateacuteria

e pensamentordquo Por conseguinte meijō eacute o puro que carece de impurezas uma condiccedilatildeo

ldquoprimordialrdquo partilhada por todas as pessoas por oposiccedilatildeo a tsumi e kegare cuja presenccedila eacute

inviabilizada (temporariamente) em caso de purificaccedilatildeo regressando agrave sua origem (Yomi ou

Ne no kuni) durante harai 278

Aliaacutes a consciencializaccedilatildeo do kokoro como um dos componentes da eacutetica japonesa

reflete-se desde logo na linguagem dos eacuteditos imperiais do Zoku Nihongi qualificando-se o

276

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018) 277

PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 176 278

PICKEN Stuart op cit pp 254 256-257

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 92

kokoro como algo ldquopurordquo (kiyoki kokoro 清き心) ldquoclarordquo (akaki kokoro 明き心) e ainda

ldquokokoro puro e clarordquo (kiyoki akaki kokoro清明心) Como se pode constatar nos eacuteditos dos

anos 707 (以明浄心而 浄明心以而) 743 (明浄心) 757 (諸以明清心皇朝 自今往前者以

明直心仕奉朝廷 悪心無而清明心) e 770 (衆浄明心正直言以而) 279

ter um kokoro cuja

essecircncia fosse de ldquohonestidaderdquo ldquoclarezardquo e ldquosinceridaderdquo elucida a importacircncia da pessoa

possuir uma boa natureza

Durante o Periacuteodo Edo protagonistas da escola Kokugaku como Kamo-no-Mabuchi

(賀茂 真淵 1697-1769) e Motoori Norinaga apoiam esta perspetiva mais eacutetica do kokoro

apelando ao lsquokokoro sincerorsquo ou lsquomakoto no-kokororsquo (真の心) isto eacute a derradeira virtude de

shintō 280

o que naturalmente reforccedila a importacircncia da caracteriacutestica ldquosinceridaderdquo (makoto)

Avaliada como algo dentro do kokoro ou que lhe eacute independente makoto (真) eacute

homoacutefono da palavra makoto (誠) cuja etimologia eacute makoto ( 真事) literalmente ldquoverdadeiras

palavrasrdquo e significa ldquonatildeo mentirnatildeo enganarrdquo 281

partilhando de um significado positivo

semelhante aos termos ldquohonestordquo (tadashii 正しい) ldquohonestidaderdquo (正直) makoto [真] por

sua vez tende a ser traduzido por ldquosinceridadeverdadeirordquo

No entender de Picken makoto (真) eacute um dos seus muitos vocaacutebulos ldquomoraisrdquo de

shintō juntando-se a kansha (感謝) ou ldquogratidatildeordquo forma de o indiviacuteduo expressar ldquogratidatildeo

humana pela sua dependecircncia sobre o divinordquo e tambeacutem uma atitude de respeito para com a

sociedade que o serve junsui (純粋) ou ldquopessoasrdquo de ldquocoraccedilatildeo puroinocentesrdquo relacionadas

com os traccedilos de caraacutecter ldquobomrdquo (seimei shin) definidos com base nos estudos de poesia e

outros textos antigos 282

Por conseguinte ldquosinceridaderdquo e ldquoagradecimentordquo relacionam-se

com o primeiro grande objetivo da Jinja Honchō conferindo a makoto as qualidades akaki

(ldquoclarordquo e kiyoki (ldquopurordquo) 283

Neste sentido makoto significa tambeacutem ser verdadeiro agraves suas intenccedilotildees e acreditar-

se no que estaacute a fazer uma atitude fundamental para qualquer praticante de shintō quem tiver

279

Ao todo [心] surge 211 vezes nesta obra tanto de forma isolada como acompanhado dos referidos termos

Por vezes as caracteriacutesticas positivas natildeo se aplicam somente ao kokoro mas tambeacutem ao discurso tomando-se o

exemplo de shōjiki kotoba (正直言) ldquopalavras honestasrdquo 続日本紀 朝日新聞本 (ZokuShoku Nihongi Versatildeo

do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokuallhtml (consultado em 24-06-2018) 280

PICKEN Stuart op cit pp 219-220 281

NISHIGAKI Yukio op cit pp 531-532 282

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 283

Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line)

lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 93

uma ldquovontade sincerardquo em fazer parte dos rituais conseguiraacute cultivar uma relaccedilatildeo proacutexima

com o kami No que concerne ao kokoro este pode ser qualificado como algo ldquobomrdquo (kiyoki

kokoro akaki kokoro yoshiki kokoro) ou ldquomaurdquo (ashiki kokoro) dependendo do caso

distinguindo-se de makoto que dispensa tais significados prejudiciais

Os grandes estudiosos do Periacuteodo Edo nunca se pronunciam sobre um kokoro mau

kokoro eacute sempre um atributo humano (ou de kami) positivo frequentemente associado a shintō

surgindo termos como o magokoro (makoto no-kokoro)

Palavra derivada da combinaccedilatildeo de ldquoverdadeirordquo (真) e kokoro magokoro eacute parte da

piracircmide de ldquovalores positivosrdquo individual assemelhando-se agrave qualidade ldquointenccedilatildeo de

sinceridaderdquo (seii 誠意) Contudo segundo o Tama boko hyakushu (玉鉾百首) de Norinaga

o magokoro corresponde a uma consequecircncia da accedilatildeo do princiacutepio musubi presente na mitama

dos kami um kokoro despido de valores opostos (bemmal sapiecircnciaburrice

capacidadeincapacidade) e cuja qualificaccedilatildeo varia consoante o tipo de experiecircncia e accedilatildeo

(boamaacute) Identificado como uma condiccedilatildeo inata aos seres humanos magokoro tem no seu

nuacutecleo a funccedilatildeo de ldquomovimentordquo nas palavras de Motoori Ōhira (本居大平 1756-1833)

irmatildeo mais novo de Norinaga o kokoro eacute designado de magokoro quando se torna ugoku

kokoro ou ldquokokoro que se moverdquo (うごくこころ動く心) quando alguma coisa de natureza

positiva ou negativa consegue fazer comover (tocar) o kokoro das pessoas estaacute-se perante um

ugoku kokoro agindo-se ldquonaturalmenterdquo conforme o estadonatureza das coisas e

acontecimentos 284

Uma caracteriacutestica uacutenica e individual de cada ser humano que justifica a existecircncia

de kami e coisas boasmaacutes 284

o magokoro existiria na realidade atual (Hito no yo 人の代)

embora remonte aos tempos do Kami-yo uma era temporalmente incerta e marcada pelo

permanente ciclo de Desordem e a Ordem colocando-se sempre a hipoacutetese de esta Desordem

ser ldquocuradardquo tornando a realidade calma e paciacutefica 285

entre o ldquobemmalrdquo vidamorte a vida

e o bem seriam sempre vitoriosos ilustrando a atitude otimista e positiva de Norinaga

tambeacutem adotada pelos praticantes de shintō

284

UMIHIKO ldquo本論 第七回「「真心(まごころ)」とは」の巻rdquo (Texto do Seacutetimo Capiacutetulo magokoro

eacute) 本居宣長研究ノート「大和心とは」本論 (Bloco de notas de Pesquisa Motoori Norinaga ldquoYamato

Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-07phpgt (consultado em 24-06-2018) 285

UMIHIKO ldquo第八回「『真心(まごころ)の型」の巻 rdquo (Texto do Oitavo Capiacutetulo O modelo de

magokoro) 本居宣長研究ノート「大和心とは」 本論 (Bloco de Notas de Pesquisa Motoori Norinaga

ldquoYamato Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-08phpgt (consultado em 24-

06-2018)

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 94

Um seacuteculo mais tarde Katō Shigeharu (加藤 重春 1818-) avaliaria o significado

eacutetico do kokoro e makoto a sua obra Shintō fumoto no tateishi (神道麓之立石) categorizaria

kokoro e makoto como duas das quatro Vias de shintō respetivamente a ldquoVia do kokorordquo

(shintō 心道) e a ldquoVia da verdaderdquo (shintō 真道) se na primeira Via shintō eacute qualificado

como uma ldquoVia que retifica a menterdquo a ldquoVia da verdaderdquo reforccedila a importacircncia da

ldquosinceridaderdquo uma vez que ldquoqualquer pessoa que desconsiderasse a importacircncia de

sinceridade eacute uma pessoa viciosardquo Shintō deveria simplesmente ldquofluirrdquo influenciando

automaticamente as accedilotildees do indiviacuteduo cujo coraccedilatildeo eacute ldquoretificado reto e unido com os kamirdquo

soacute assim as suas accedilotildees estariam de acordo com a Via 286

Nos periacuteodos posteriores ao Engishiki o conceito de kokoro adquire alguma

importacircncia a um niacutevel mais ldquofilosoacuteficordquo numerosos textos criados por escolas e autores

independentes expotildeem as suas ideias acerca de kokoro ldquopurezardquo e ldquopurificaccedilatildeordquo bem como os

seus efeitos desta uacuteltima no ser humano Na tradiccedilatildeo de Ise shintō kokoro (ldquomenterdquo) faz parte

do trio ldquopurezardquo- ldquomenterdquo ndash ldquohonestidaderdquo como se constata no Ruiji Jingi Hongen (類聚神

祇本源) de Watarai Ieyuki a ldquopurezardquo eacute uma caracteriacutestica que denota honestidade o ato de

empreender uma tarefa com uma ldquomente que eacute calma (hellip) comportar-se numa maneira que

transcende vida e morte (hellip) tal como obedecer agraves seis proibiccedilotildees relacionadas com o modo

proacuteprio de observar rituaisrdquo (as seis formas de shokue do Engishiki) Em Shintō Kanyō (神道

簡要) do mesmo autor ldquopurezardquo eacute a raiz da ldquohonestidaderdquo e por conseguinte o uacutenico modo

de o indiviacuteduo obter benefiacutecios dos kami uma condiccedilatildeo presente ldquoquando a mente eacute retificada

(uma virtude Confuciana) balanccedilada sem manchar ou sendo manchadardquo e age com

ldquopropriedade em concordacircncia com razatildeordquo isto eacute possui ldquopropriedaderdquo (tsutsushimi 慎み

ldquoter uma atitude proacutepriaadequadardquo) 287

Na escola de Yoshida shintō Kanetomo interpreta esta Via como uma via de

proteccedilatildeo do kokoro (ldquomenterdquo) e como tal a pessoa deveria proceder a uma ldquopureza interna e

externardquo de modo a ldquoseguir a via dos kamirdquo 288

e manter com estes mesmos kami uma relaccedilatildeo

de proximidade graccedilas ao elo de ligaccedilatildeo o kokoro Responsaacutevel pela ldquoreinvenccedilatildeordquo do

conceito de kokoro no seu tempo Kanetomo eacute pioneiro na argumentaccedilatildeo de que o ldquocoraccedilatildeo

286

Aleacutem das Vias do kokoro e de makoto fazem parte de shintō o proacuteprio shintō (Via dos kami) e shintō ou ldquoVia

dos paisrdquo (親道) que enfatiza a virtude confuciana de piedade filial (oya kōkō 親孝行) PICKEN Stuart

Sourcebook in Shinto op cit pp169-170 287

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 177-180 288

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 28

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humanordquo (kokoro) e kami satildeo uno e a ldquomesma coisardquo 289

justificando a sua proposta de um

tipo de shintō cuja praacutetica ritual transporta consigo um potencial de purificaccedilatildeo fiacutesicamental

Natildeo obstante a linha de pensamento deste autor jaacute estava subentendida num dos

mais ceacutelebres textos de exposiccedilatildeo de Nakatomi Ōharae o Nakatomi Harae Kunge (中臣祓訓

解) Por norma datado do final do Periacuteodo Heian ou dos iniacutecios do periacuteodo seguinte a obra eacute

considerada parte de Ryōbu shintō e releva o papel de Nakatomi Harae aquando deste ldquoritualrdquo

argumentando acerca do papel fundamental da ldquomente humanardquo 290

- o kokoro - por sua vez

descrito por Kanetomo como aquilo que ldquoregerdquo e ldquoorientardquo o praticante e um ldquolugar onde os

kami governantes do universo vivem um lugar sagrado no qual a raiz e origem do cosmos eacute

para ser encontradardquo 289

Assim o kokoro (do homem) eacute o uacutenico elemento no indiviacuteduo capaz

de ldquocomungar com Ceacuteu e Terra com a grande natureza com o cosmosrdquo isto eacute o ldquotodordquo 290

estamos entatildeo perante um vislumbrar de realidades que estatildeo normalmente vedadas ou

veladas ao praticante devido agraves limitaccedilotildees fiacutesicas do corpo

Neste sentido entrar em contacto com os kami eacute um processo ldquomentalrdquo pois eacute a

ldquomente individualrdquo (kokoro) que consegue ldquoencontrarrdquo o kami do cosmos (hellip) origina agrave

ldquopurificaccedilatildeo da natildeo-menterdquo (mushin 無心 ) ndash Kanetomo considera mushin como termo

complementar de ldquoexistir-menterdquo (ushin 有心) dois vocaacutebulos originaacuterios da Via do Buda

que fazem parte do que se entende por ldquocaminhordquo (michi) em shintō 291

Deste modo satildeo

reunidos os requisitos necessaacuterios para a etapa final desta purificaccedilatildeo a ldquouniatildeordquo kamihomem

na qual ldquotodos os meus pensamentos e aspiraccedilotildees se tornam um com oos kamirdquo (shinjin

gōitsu) e consequentemente o retorno do indiviacuteduo sujeito a este harai agrave ldquoforma verdadeira e

originalrdquo que eacute nada mais do que o proacuteprio kami (shinjin kiitsu) 290

Alcanccedilar a Ordem atraveacutes da purificaccedilatildeo em shintō (misogi harai segundo Picken)

possibilita aquilo que geralmente eacute aceite como perspetiva da desta Via em relaccedilatildeo

agrave rdquonatureza humanardquo completar o processo de purificaccedilatildeo significa testemunhar dois

fenoacutemenos especiacuteficos a ldquouniatildeordquo do kami e do homem (shinjin gōitsu (神人合一) e a

289

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 166-167 290

PICKEN Stuart op cit pp 84-85 291

Em Yuiitsu shintō se michi eacute a ldquoraiz da miriacuteade de condutasrdquo(万物之起源也 michi towa mangyō no

minamoto nari 道とは万行の源なり) kami equivale ao kokoro da ldquomiriacuteade de coisasrdquo (神者万物心 kami towa

manbutsu no kokoro ni shite 神とは万物の心にして) Por outras palavras michi possui sempre em si duas

coisas complementares e opostas uma que ldquonatildeo-existerdquo e outra que ldquoexisterdquo HIROKAMI Kiyoshi ldquo日本にお

ける神道理論の形成rdquo (Concerning the Formation of Shinto theories in Japan) Tetsugaku shisō ronsō (哲学-思

想論叢) nordm 5 1997 pp 1-18

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consequente ldquorestauraccedilatildeo do divino no homemrdquo (shinjin kiitsu 神人帰一 ) literalmente

ldquokamipessoaregresso ao umrdquo 292

sendo que este ldquodivinordquo eacute o kami e a ldquopessoardquo eacute o seu

ldquodescendenterdquo que eacute temporariamente afetado pela Desordem que existe no mundo

Com efeito viver a vida de forma harmoniosa eacute o mesmo que aceitar a necessidade

de restauraccedilatildeo da Ordem um processo perioacutedico e que decorre apoacutes a purificaccedilatildeo individual

ldquopurificarrdquo natildeo significa apenas harai (祓) ou kiyomeru (清める) mas tambeacutem ldquorestaurarrdquo

(naoru直る) 293

a relaccedilatildeo simbioacutetica kami-homem (e vice-versa) expressa pela palavra shinjin

ou kami (神人) isto eacute o ldquokami com uma natureza humanardquo ou ldquokami e seres humanosrdquo

referindo-se ao ldquoprinciacutepio de unidade entre kami e seres humanosrdquo 294

No fundo shinjin gōitsu e shinjin kiitsu satildeo concordantes com a ideia acerrimamente

defendida por Kanetomo de que kokoro e kami satildeo essencialmente o mesmo permitindo ao

praticante tornar-se algo mais do que fisicamente aparenta ser o kokoro eacute o derradeiro elo de

ligaccedilatildeo kami-homem aquilo que deve ser cultivado atraveacutes de rituais de purificaccedilatildeo interna

292

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 293

PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 359 294

NISHIOKA Kazuhiko ldquoKamirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23401gt (consultado em 24-06-

2018)

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CONCLUSAtildeO

Apesar de a popularidade que o shintō recebe hoje em contexto acadeacutemico ser

evidenciada pelo nuacutemero consideraacutevel de artigos e livros produzidos por autores natildeo

japoneses a Via dos kami em si permanece um campo por explorar natildeo existindo falta de

informaccedilatildeo e sim falta de estudo dessa informaccedilatildeo Foi com estas intenccedilotildees que se pocircde dar

forma a uma inicial miscelacircnea de pensamentos e ideias desconetadas umas das outras um

processo que como natildeo esteve isento de obstaacuteculos nomeadamente a ldquotriagemrdquo de

informaccedilatildeo (consequecircncia da jaacute mencionada ldquotriagemrdquo dos autores que forneceram essa

mesma informaccedilatildeo) atual e adequada ao campo do shintō e agrave temaacutetica ldquorituais de purificaccedilatildeo e

natildeo-purificaccedilatildeo em shintōrdquo

Neste sentido se uma das dificuldades foi encontrar informaccedilatildeo atualizada e numa

linguagem acessiacutevel (inglecircs) uma das vantagens foi a leitura e interpretaccedilatildeo de artigos

passagens de livros e textos escritos em japonecircs auxiliando na investigaccedilatildeo processo que

incluiu uma anaacutelise etimoloacutegica como complemento agrave anaacutelise teoacuterica dos rituais que

provocam a Desordem e a Ordem sem o recurso a tal metodologia dificilmente se

conseguiria responder agraves trecircs perguntas colocadas na Introduccedilatildeo

Outro ponto positivo a ter em conta foi o recurso a outras fontes aleacutem de livros nesta

era de informaccedilatildeo apesar de as obras permanecerem vaacutelidas enquanto fontes primaacuterias de

informaccedilatildeo a sua linguagem presente pode parecer estranha a quem estuda tradiccedilotildees natildeo

ocidentais Interessantemente autores como Picken natildeo caem neste erro ao contraacuterio de Ono

Sokyō De um modo geral fontes virtuais (websites oficiais e artigos de revistas cientiacuteficas)

tambeacutem natildeo seguem esta tendecircncia de ldquotraduccedilotildeesrdquo No caso de fontes japonesas (artigos

websites e livros) a traduccedilatildeo estaacute ausente permitindo reter o sentido das palavras

Sinteticamente o shintō possui uma tradiccedilatildeo de atos de veneraccedilatildeo em jinja e de

indiviacuteduos participantes nos diferentes matsuri Eacute neste sentido que os indiviacuteduos executam

ldquorituaisrdquo (conotaccedilatildeo exclusivamente positiva) favoraacuteveis agrave Ordem Regulados num contexto

de corte estas praacuteticas adaptaram-se consoante a evoluccedilatildeo histoacuterica de shintō tornando-se

vaacutelidos tanto hoje como haacute seacuteculos atraacutes Veja-se o caso de misogi misogi harai retratada

como um exemplo de purificaccedilatildeo interna e externa eacute o ritual-base da atuaccedilatildeo de Misogi-kyō e

tradicionalmente ndash devido agrave sua presenccedila no Kojiki e Nihon shoki par de obras que alude agrave

consciencializaccedilatildeo do que eacute puroimpuro - uma espeacutecie de alicerce de todos os rituais

conducentes agrave Ordem uns mais simples do que outros constatando-se diferenccedilas no que

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concerne agrave preparaccedilatildeo e organizaccedilatildeo Temizu eacute um tipo de purificaccedilatildeo fiacutesica e como tal

reconhece a existecircncia de uma ldquoimpurezardquo fiacutesica e verbal ndash kegare - oriundo das matildeos e da

boca Jaacute as norito satildeo uma purificaccedilatildeo verbal cujos efeitos positivos se repercutem no que as

escuta e naquele que as profere Apesar de hoje poderem ser utilizadas em contextos natildeo

apenas puacuteblicos norito retraccedilam as suas origens a shintō imperial e jinja shintō ambas

categorias que durante seacuteculos beneficiaram de uma posiccedilatildeo privilegiada junto do poder

poliacutetico japonecircs

Natildeo obstante as metas do shintō para a sociedade japonesa do passado satildeo as mesmas

do presente conduzir o indiviacuteduo praticante agrave Ordem atraveacutes dos rituais de purificaccedilatildeo uma

vez que jōka eacute uma temaacutetica transversal a todas as vertentes do shintō independentemente do

seu nome ou forma pacificaccedilatildeo retificaccedilatildeo oharai temizu norito misogi kessai natildeo deixam

de ser purificaccedilotildees Contudo soacute se pode falar de uma ldquopurificaccedilatildeordquo se houver razatildeo para tal

se existem rituais que reconduzem o indiviacuteduo agrave Ordem seguramente existem rituais de

natureza antagoacutenica Natildeo haacute Desordem (muchitsujo 無秩序 conotado pela autora com maga

[禍]) sem Ordem (chitsujo 秩序 se bem que algumas fontes favorecem o uso de nao [直]

para expressar esta Ordem uma vez que um dos seus significados eacute o de ldquorestaurarrdquo)

purificaccedilatildeo sem natildeo-purificaccedilatildeo e muito menos pureza sem impureza Estes trecircs pares de

conceitos satildeo interdependentes opostos e complementares Tendo isto como ponto de partida

eacute possiacutevel deduzir o seguinte shintō tem por princiacutepio um equiliacutebrio e um ciclo no qual se

encontra o indiviacuteduo a Via propotildee ao indiviacuteduo o que deve fazer e o que eacute correto fazer bem

como aquilo que natildeo deve fazer

Neste sentido o shintō reuacutene aspetos teoacutericos e praacuteticos como qualquer outra religiatildeo

apresentando a sua proacutepria ldquocosmovisatildeordquo ndash ldquovisatildeo do cosmosrdquo o cosmos eacute conotado com o

coletivo e como tal um dos seus elementos fundamentais eacute o indiviacuteduo que vive neste cosmos

esperando um dia efetivamente ligar-se a ele o que alude a noccedilatildeo de musubi aproximando o

ser humano do kami

Por conseguinte a jōka eacute um processo abrangente e inclusivo e natildeo restritivo ou

exclusivo no qual o ser humano se deve focar auxiliando-o a viver bem consigo e com os

outros A natildeo purificaccedilatildeo precede os atos de purificaccedilatildeo tal como a Desordem precede a

Ordem existindo desde os tempos incertos do Kami-yo relatados pelas mitologias japonesas

Aliaacutes esta DesordemOrdem eacute provocada pelas accedilotildees dos kami Tome-se por exemplo

Susanoo e Amaterasu com a excepccedilatildeo dos episoacutedios nos quais Susanoo repotildee a Ordem

atraveacutes da eliminaccedilatildeo de uma ameaccedila (Yata no Orochi) este kami estaacute sempre associado agrave

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Desordem como consequecircncia da sua rivalidade para com Amaterasu sua irmatilde mais velha

Tal conflito prolonga-se ateacute ao momento da restauraccedilatildeo da Ordem trazida por Ninigi neto de

Amaterasu e inimigo dos descendentes de Susanoo sobre os quais emerge vitorioso

Interessantemente esta reordenaccedilatildeo tem a dupla funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo do estatuto de

Amaterasu enquanto governante de Takamagahara e entronizaccedilatildeo de um novo poder

centralizado no territoacuterio japonecircs na figura de um suposto descendente de Amaterasu A nova

ordem coacutesmica simboliza uma nova ordem poliacutetica

Em contrapartida o ciclo de Desordem e Ordem no qual o ser humano natildeo eacute apenas

um espetador mas tambeacutem um participante tem as suas origens nos atos conscientes de

Izanagi durante misogi o primeiro ritual de purificaccedilatildeo a ser mencionado em fontes japonesas

Aliaacutes ldquorituaisrdquo satildeo processos de transiccedilatildeo de um ldquoestado potencialrdquo para a condiccedilatildeo de

ldquoatordquo negativo ou positivo em shintō se rituais de natureza positiva satildeo visualmente

manifestaccedilotildees de apreccedilo e respeito pelos kami e aproximam-nos dos proacuteprios kami rituais de

natureza oposta provocam a distacircncia Por outras palavras rituais satildeo nada mais do que

meacutetodos para atingir um fim a Ordem ou o seu inverso sendo que a purificaccedilatildeo assume um

papel basilar orientando o indiviacuteduo ao longo deste processo Executar rituais de purificaccedilatildeo

significa reconhecer os erros cometidos e efetivamente agir a favor de um coletivo

Afastando-se do que lhe eacute prejudicial e para este coletivo o indiviacuteduo segue a Via dos kami

que o auxilia a viver a vida de forma boa de estar bem consigo e com os outros

Contudo por muito atrativo que pareccedila esta ideia de Ordem eacute inevitaacutevel a seguinte

sucessatildeo de perguntas seraacute que o shintō se resume apenas a isto Um ser humano

ciclicamente sujeito a uma Desordem e Ordem que ele proacuteprio causa ou se deixa afetar por

forccedilas ldquoexterioresrdquo (kami) consequentemente atingindo natildeo apenas a sua pessoa mas tambeacutem

o que o rodeia Natildeo haveraacute uma soluccedilatildeo definitiva Uma ldquoharmoniardquo que seja permanente e

natildeo perioacutedica

Ora esta linha de raciociacutenio natildeo eacute de todo iloacutegica se o shintō existe para benefiacutecio de

quem cumpre com os rituais de purificaccedilatildeo a ldquoharmoniardquo eacute nada mais do que um meio para

atingir o derradeiro fim a felicidade Assim a verdadeira ldquoHarmoniardquo significa ir para laacute da

Desordem e Ordem da reordenaccedilatildeo constante Harmonia eacute equiliacutebrio e uma condiccedilatildeo de

plenitude perpetuada o que soacute acontece quando o ser humano estaacute ligado ao todo um todo

representado parcialmente pela sociedade e pelo indiviacuteduo que estaacute em sociedade

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No contexto do shintō o indiviacuteduo poderaacute ser definido enquanto parte do todo e de

certo modo o proacuteprio todo se a parte estaacute ligada em rede ao todo de uma forma

exclusivamente positiva eacute graccedilas agrave Harmonia De entre os autores contemporacircneos

consultados Stuart Picken destaca-se como o mais assertivo na partilha desta opiniatildeo o

entendimento que este uacuteltimo atribui agrave praacutetica misogi harai (shinjin gōitsu e shinjin kiitsu) jaacute

transparece a noccedilatildeo de Harmonia uma ldquoHarmoniardquo definitiva agrave semelhanccedila do que eacute

proposto pelo texto do Nakatomi Harae Kunge De todos os rituais de purificaccedilatildeo

mencionados este eacute o uacutenico que oferece ao indiviacuteduo algo mais do que uma Ordem

temporaacuteria conseguindo de facto inviabilizar a proacutepria Desordem

Em suma eacute possiacutevel percecionar shinjin gōitsu e shinjin kiitsu como consequecircncia de

um tipo de purificaccedilatildeo que natildeo vem do exterior Ao inveacutes de uma purificaccedilatildeo externa focada

no regresso temporaacuterio agrave Ordem urge-se uma purificaccedilatildeo que tem de vir do ldquointeriorrdquo do

kokoro Quando este atributo humano estiver em Harmonia a purificaccedilatildeo torna-se permanente

para o ser humano um ser humano em equiliacutebrio e liberto do ciclo de Desordem e Ordem que

rege a sua conduta diaacuteria

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Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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ANEXOS

Anexo I

Desordem e Ordem de acordo com o terceiro capiacutetulo do Engishiki shokue (orientaccedilatildeo

direita-esquerda da segunda agrave quinta linha) e imi [齋] incluindo sansai e chisai durante os

atos de luto (uacuteltimas quatro linhas da paacutegina) ou no periacuteodo de gravidez das jovens do palaacutecio

(primeiras duas linhas paacutegina seguinte)

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Anexo II

Um shinkan executa oharai durante o ldquorito de shūbatsurdquo (shūbatsu no gi修祓の儀) segundo

passo do jichinsai Este matsuri decorreu em 2016 1ordm de novembro (terccedila-feira) prefeitura de

Aomori (Aomori-ken 森県 ) cidade de Hachinoe (Hachinoe-shi 八戸市 ) por parte do

Kabushima jinja (蕪嶋神社) O seu objetivo eacute ldquoapaziguarrdquo os kami do terreno onde se

construiraacute um novo shaden (社殿) isto eacute o edifiacutecio onde se guarda o shintai

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Anexo III

Uma jovem executa temizu segurando o utensiacutelio de madeira na matildeo direita que utilizou para

lavar a matildeo esquerda e agora a sua boca O texto abaixo agrave esquerda lecirc-se ldquolimpar o kokoro e

o corpordquo (心身を清める) e temizu (手水) respetivamente agrave direita a frase ldquohidarite de mizo

wo uke kuchi wo susugimasurdquo (左手で水を受け口をすすぎます) significa literalmente

ldquorecebe-se a aacutegua e lava-se a boca com a matildeo esquerdardquo

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Anexo IV

Excerto da norito de Minadzuki no tsugumori Ōharae (六月晦日大祓) oitavo volume do

Engishiki Aqui os atos de ldquopurificaccedilatildeordquo (segunda linha a contar da esquerda) provocaram a

eliminaccedilatildeo dos tsumi cometidos pelo coletivo de funcionaacuterios (quarta linha)

Page 2: recil.grupolusofona.ptrecil.grupolusofona.pt/jspui/bitstream/10437/8982/1/tese mariana nu… · Dissertação defendida em provas públicas para obtenção do Grau de Mestre em Ciência

Dissertaccedilatildeo defendida em provas puacuteblicas para obtenccedilatildeo do

Grau de Mestre em Ciecircncia das Religiotildees no Curso de

Mestrado em Ciecircncia das Religiotildees conferido pela

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias no dia

4 de Junho de 2018 com o despacho reitoral nordm 1082018 de

27 de Marccedilo de 2018 mediante a seguinte composiccedilatildeo de

juacuteri

Presidente

Profordm Doutor Joatildeo Almeida dos Santos

Arguente

Profordm Doutor Antoacutenio Eduardo Hawthorne Barrento

(Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)

Orientador

Profordm Doutor Manuel Brissos-Lino

MARIANA BERNARDO NUNES

SHINTŌ RITUAIS E PURIFICACcedilAtildeO

O INDIVIacuteDUO NO CICLO DE DESORDEM E ORDEM

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias

Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo

Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Seguranccedila e Relaccedilotildees Internacionais

Lisboa

2018

DEDICATOacuteRIA

A toda a minha famiacutelia para que conheccedilam um pouco da cultura japonesa

Aos professores da minha Licenciatura em Estudos Asiaacuteticos os responsaacuteveis pelo primeiro

contacto com a realidade asiaacutetica

Aos professores de Mestrado em Ciecircncia das Religiotildees a quem lhes devo o aprofundamento

do estudo de lsquocosmovisotildeesrsquo

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais pelo seu apoio no decorrer deste projeto

Ao Professor Antoacutenio Faria pelo tempo simpatia e disponibilidade prestados

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RESUMO

O presente trabalho procura analisar os rituais que no contexto de shintō

inviabilizam e favorecem a restauraccedilatildeo da Ordem Os rituais por norma portadores de uma

conotaccedilatildeo ldquopositivardquo podem alternativamente ser entendidos como uma sucessatildeo de

pensamentos palavras e accedilotildees justificando a classificaccedilatildeo em positivonegativo consoante os

resultados obtidos

No Japatildeo a gradual institucionalizaccedilatildeo da Via dos kami (shintō) por parte da corte

imperial favoreceu a evoluccedilatildeo de praacuteticas ldquorituaisrdquo executadas por indiviacuteduos que celebravam

a sua relaccedilatildeo com os kami formas de existecircncia e consciecircncia associadas agrave Ordem (na sua

grande maioria) e veneradas ateacute aos dias de hoje

Criado para o bem de quem o segue o shintō reconhece a purificaccedilatildeo como a

preocupaccedilatildeo transversal de todas as suas vertentes Com efeito a purificaccedilatildeo eacute um complexo

processo cujos efeitos natildeo satildeo apenas positivos para o indiviacuteduo mas tambeacutem para o coletivo

isto eacute a sociedade com a qual interage diariamente conduzindo-o agrave Ordem

Contudo natildeo haacute Ordem sem o seu oposto a Ordem e a Desordem satildeo as duas partes

de um ciclo no qual o indiviacuteduo se encontra assumindo um papel fundamental dado que tem

a capacidade de executar rituais se a Ordem eacute a meta dos rituais positivos a Desordem eacute a

consequecircncia dos rituais negativos

Palavras-chave Japatildeo shintō (神道) rituais purificaccedilatildeo (jōka浄化) indiviacuteduo

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ABSTRACT

The following work aims for an analysis of the rituals that in the context of shintō

may invalidate and encourage the restauration of the Order The rituals typically defined by

bearing a ldquopositiverdquo connotation may alternatively be understood as a succession of thought

words and actions which justifies the lsquopositivenegativersquo classification according to the

obtained results

In Japan the gradual institutionalization of the Way of the kami by the imperial court

promoted the evolution of several ldquoritualrdquo practices executed by individuals that celebrated

their relationship with the kami forms of existence and conscience associated to the Order

(the most part of them) and worshiped to the present time

A Way created for the wellbeing of the one who follows it the shintō acknowledges

the purification as the transversal concern of all of its aspects Therefore the purification is a

complex process whose results are not just positive for the individual but also for the

collective meaning the society with whom he interacts on a daily basis which leads him to

the Order Nevertheless there is no Order without its opposite the Order and the Disorder

are the two parts of a cycle in which the individual is found assuming a vital role due to the

fact he has the capacity of executing rituals if the Order is the goal of positive rituals the

Disorder is the consequence of negative rituals

Keywords Japan shintō (神道) rituals purification (jōka浄化) individual

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IacuteNDICE GERAL

GLOSSAacuteRIO 5

INTRODUCcedilAtildeO 9

1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA 16

11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo 19

111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de divisatildeo da

realidade agrave criaccedilatildeo da mesma 24

112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordemhellip 26

12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora 32

121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa 32

122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos

kami 35

123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu 39

13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945 43

131 A visatildeo nacionalista Meiji uma lsquonatildeo-religiatildeorsquo ao serviccedilo do Estado

japonecircs 44

132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular

religiatildeo japonesa 46

2 SOCIEDADE ESPIRITUALIDADE E EacuteTICA A VIA DOS KAMI E O REGRESSO

Agrave Ordem 48

21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e

individuais 48

22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii 50

23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi 53

24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e

externa 79

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CONCLUSAtildeO 97

BIBLIOGRAFIA 101

ANEXOS I

Anexo I I

Anexo II II

Anexo III III

Anexo IV IV

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GLOSSAacuteRIO

Amatsu-no-kami literalmente lsquokami celestesrsquo satildeo um grupo de kami liderados por

Amaterasu Ōmikami e que habitam em Takamagahara (高天原) Nesta divisatildeo encontram-se

ainda os hermafroditas koto-amatsukami (別天つ神)

Fujō termo geneacuterico para designar o que eacute lsquoimpurorsquo aos olhos da sociedade japonesa Por

vezes sinoacutenimo de fuketsu se bem que esta palavra seja usada no contexto de algo

higienicamente reprovaacutevel Num sentido mais amplo fujō representa um estado de Desordem

associando-se com o termo kegare

HaraiHarae atos de lsquopurificaccedilatildeorsquo no sentido de eliminaccedilatildeo da desordem provocada pela

accedilatildeo humana ou natural Haraiharae eacute uma das praacuteticas mais recorrentes das vaacuterias vertentes

de shintō e pode ser praticada de forma individual ou coletiva

Imi palavra de conotaccedilatildeo prejudicial que convida agrave Desordem Comportamento ou algo cuja

natureza eacute negativa e reprovaacutevel de dizerfazer servindo de base etimoloacutegica ao ceacutelebre termo

imikotoba palavras natildeo pronunciaacuteveis em certas ocasiotildees (festivas)

Imuimi lido alternativamente como sai eacute uma conduta positiva e favoraacutevel ao cumprimento

de rituais shintō Frequentemente interpretado como atos de lsquoabstenccedilatildeorsquo fiacutesica e mental

imuimi seriam descritos e categorizados nas obras Yōrō-ryō e Engishiki

Jingikan um instrumento do poder poliacutetico imperial e o oacutergatildeo de manutenccedilatildeo e vigilacircncia

dos vaacuterios jinja desde os primeiros seacuteculos do periacuteodo dinaacutestico japonecircs A niacutevel legal o culto

jingi sujeitava-se agraves regulaccedilotildees do coacutedigo Jingiryō Nos dias de hoje as funccedilotildees do Jingikan

foram essencialmente substituiacutedas pela Jinja Honchō

Jinja espaccedilos fiacutesicos de veneraccedilatildeo aos kami Literalmente os ldquosantuaacuterios de kamirdquo

Kami com frequecircncia traduzido em obras por lsquodeusesrsquo lsquoentidadesrsquo lsquodivindadesrsquo e lsquoespiacuteritosrsquo

podem ser entendidos como formas de existecircncia anteriores e superiores os humanos Apesar

de a maioria atuar como representantes da Ordem os magatsubi-no-kami defendem o seu

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oposto reforccedilando a ideia de princiacutepios contraacuterios mas complementares muito visiacutevel em

shintō

Kata-shiro um pedaccedilo de papel cuja forma lembra uma figura humana o qual se escreveria o

nome e o geacutenero do seu portador esfregando-se este objeto no corpo transmitindo

simbolicamente os tsumi do corpo para o papel Praacutetica costumaacuteria em Ōharae

Kegare traduzido por lsquoimpurezarsquo e por vezes sinoacutenimo da palavra fujō kegare eacute parte da

terminologia de shintō e um dos termos conotados com a Desordem Eventualmente avanccedilos

na consciencializaccedilatildeo do lsquopuroimpurorsquo permitiram um processo de categorizaccedilatildeo cada uma

associada a uma lsquoimpurezarsquo particular

Kokoro lsquocoraccedilatildeorsquo no sentido natildeo anatoacutemico eacute o elemento interior de qualquer pessoa e

associado ao estado emocional da mesma Em contexto acadeacutemico eacute costume o termo ser

traduzido como lsquomentersquo ou lsquocoraccedilatildeomentersquo

Kunitsu-no-kami os lsquokami terrenosrsquo e hierarquicamente inferiores aos amatsu-no-kami No

fundo satildeo kami que jaacute habitariam o Japatildeo antes da conquista de Ninigi o miacutetico neto de

Amaterasu Na sequecircncia da derrota dos kunitsu-no-kami inaugura-se uma nova Ordem

coacutesmica e poliacutetica

Makoto traduzido por lsquosinceridadersquo e lsquoverdadersquo eacute uma atitude positiva inerente aos humanos

e fundamental aquando das praacuteticas de veneraccedilatildeo aos kami Um dos termos profundamente

ligados agrave natureza mais eacutetica de shintō

Matsuri a variaccedilatildeo do verbo matsuru (祭る祀る) na qual o praticante consagra oferendas a

formas de existecircncia respeitaacuteveis (antepassados kami e budas) Por norma expressotildees

puacuteblicas associadas ao culto jingi que durante o tempo de vigor do Jingikan eram

organizadas consoante as regulaccedilotildees do Jingiryō incorporado na obra Engishiki

Misogi harai o ato de banhar o corpo numa fonte de aacutegua ativando as propriedades

terapecircuticas e purificadoras deste elemento No Kojiki e Nihon shoki Izanagi-no-kami eacute

descrito como o primeiro kami a fazer uso deste ritual apoacutes regressar do Yomi o domiacutenio

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subterracircneo da mitologia japonesa Misogi eacute tambeacutem o expoente de purificaccedilatildeo a niacutevel

externo e interno

Meijō uma das palavras para lsquopurezarsquo Etimologicamente constituiacuteda por mei (明) a leitura

foneacutetica alternativa do japonecircs aki akari akarui termos que expressam as ideias de

lsquoclaroclarezarsquo e jō (浄) lsquopuropurarsquo

Musubi contendo em si a noccedilatildeo de lsquoligaccedilatildeorsquo e lsquouniatildeorsquo e de certo modo o Todo Diz-se que

musubi estaacute presente em qualquer elemento que nos rodeia

Norito frases escritas numa linguagem arcaica e hoje usadas em todo o tipo de locais de

veneraccedilatildeo Sobretudo de caraacutecter puacuteblico norito satildeo etimologicamente constituiacutedas pela

partiacutecula nori (祝) cujo kanji eacute usado no verbo lsquocelebrarrsquo (iwau) e kotoba (詞) lsquopalavrarsquo

Fundamentais para a reposiccedilatildeo temporaacuteria da Ordem

Onmyōdō a Via da escola de funcionaacuterios provenientes do Escritoacuterio Yin-Yang cujas

atividades foram reguladas pelos Abe e Kamo hereditaacuterios liacutederes dos cargos mais relevantes

desta instituiccedilatildeo

Saigū tiacutetulo conferido agrave mais importante sacerdotisa escolhida de entre os membros da

famiacutelia imperial para servir nos jinja de Ise e Kamo Jovem cujo periacuteodo de preparaccedilatildeo

envolvia uma lsquoabstinecircnciarsquo rigorosa de trecircs anos

Shinsen conjunto de alimentos (arroz sal aacutegua sake bolos de arroz peixe algas vegetais

cereais e fruta) oferecidos em altares aos kami

Shintai mitamashiro objetos palpaacuteveis (espelhos por exemplo) identificados com o proacuteprio

kami e como tal devem ser venerados de forma adequada Permanentemente escondidos

dentro do jinja e vigiados pelos responsaacuteveis ateacute ao momento dos matsuri ou outras

celebraccedilotildees

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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Shintō a Via dos kami (kami no michi) e uma das religiotildees (shūkyō) reconhecidas no plano

estatiacutestico japonecircs que por sua vez a agrupa em jinja shintō ou shintō de santuaacuterios kyōha

shintō o ceacutelebre shintō setorial e as ldquonovas religiotildeesrdquo (shin shūkyō) baseadas em shintō

Tamashii o elemento inerente ao ser humano e aos kami que supostamente eacute constituiacutedo por

quatro aspetos (shikon) cada um representando uma faceta da personalidade individual Se

pertence aos kami tamashii designa-se mitama Em alguns jinja apenas parte da mitama eacute

venerada pelos praticantes

Temizu a forma abreviada de misogi na qual o indiviacuteduo lava a boca e das matildeos Temizu eacute

obrigatoacuterio antes da veneraccedilatildeo nos jinja

Tsumi palavra que significa lsquocrimersquo Eacute algo contraacuterio agrave ordem social independentemente de

esta ser entre os kami ou entre os humanos Eliminados de forma simboacutelica pelas praacuteticas

haraeharai tsumi satildeo por vezes divididos em amatsu-no-tsumi (lsquocrimes celestesrsquo) e kunitsu-

no-tsumi (lsquocrimes terrenosrsquo)

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INTRODUCcedilAtildeO

O trabalho tem como objectivo uma anaacutelise dos rituais que inviabilizam e permitem a

purificaccedilatildeo em shintō O objeto de estudo comporta natildeo apenas uma abordagem histoacuterica-

antropoloacutegica do shintō adotada por muitos autores contemporacircneos mas tambeacutem um olhar

sobre a sua praacutetica ritual que eacute considerada por muitos como o alicerce da lsquoViarsquo (em japonecircs

dō) per si entendendo-se lsquoritualrsquo como a sucessatildeo de pensamentos palavras e accedilotildees Assim eacute

possiacutevel interpretar o homem como aquele que estaacute no ciclo de Desordem e Ordem capaz de

provocar ou deixar-se influenciar pela Desordem e nesse caso o ritual eacute prejudicial negativo

Em contrapartida se se recorrer agrave purificaccedilatildeo os seus efeitos satildeo positivos e a Ordem eacute

temporariamente restaurada Tal como se constata em tradiccedilotildees ditas orientais shintō defende

a noccedilatildeo de equiliacutebrio uma vez que nada surge sem o seu contraacuterio

A escolha da temaacutetica partiu de um interesse pessoal da autora na cultura japonesa

adquirido ao longo da sua vida acadeacutemica sobretudo durante o periacuteodo de licenciatura em

Estudos Asiaacuteticos que possibilitou uma pequena amostra do que tinha sido produzido ateacute

entatildeo por autores japoneses e natildeo japoneses acerca de shintō o que se pretendia natildeo era um

estudo pormenorizado de filosofias da Aacutesia mas sim transmitir em linhas gerais o que satildeo os

lsquoismosrsquo do continente vizinho uns cuja aacuterea de impacto se reduz a uma aacuterea geograacutefica

especiacutefica e outros que beneficiaram de uma expansatildeo significativa No mestrado em Ciecircncia

das Religiotildees apesar de a vertente filosoacutefica das vaacuterias tradiccedilotildees desenvolvidas na Aacutesia ter

sido incorporada shintō natildeo teve o mesmo protagonismo que a Via do Buda a Via de

Confuacutecio ou ainda o pensamento veacutedico Em Portugal a quase indisponibilidade e ausecircncia

de materiais (atualizados) sobre shintō eacute comparaacutevel ao escasso nuacutemero de trabalhos

acadeacutemicos realizados urgindo-se a necessidade de se executar investigaccedilotildees que

contemplem shintō natildeo como uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido de ser teiacutesta panteiacutesta monoteiacutesta

politeiacutesta mas como algo aleacutem disso Neste sentido o investigador do shintō deve ignorar os

lsquopreacute-conceitosrsquo estabelecidos por outras perspetivas ocidentais que acabaram por moldar o

mundo acadeacutemico tal como o conhecemos natildeo considerando esta religiatildeo somente de um

ponto de vista estatiacutestico

Nesta perspetiva o trabalho pode ser considerado primeiramente como um texto que

procura divulgar shintō em Portugal Um dos motivos que levou a autora a realizar este

trabalho foi como jaacute referido tentar despertar o interesse das pessoas em shintō permitindo a

abertura de portas a futuras investigaccedilotildees e simultaneamente contrariando a tendecircncia de foco

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do Mestrado de Ciecircncia das Religiotildees nas religiotildees ocidentais Tal tendecircncia pode ser

verificada se o leitor pesquisar a paacutegina virtual do repositoacuterio da Universidade Lusoacutefona de

Humanidades e Tecnologias ndash o ReCiL - Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona de entre as doze

dissertaccedilotildees disponiacuteveis e realizadas por alunos do ldquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrdquo

onze satildeo sobre cristianismo ndash em Portugal e no Brasil ndash e uma eacute dedicada a um dos estilos da

arte marcial karatedō (Shotokan Karatedō 松涛館 空手道) 1

tambeacutem este uma Via ndash Via da

ldquomatildeo vaziardquo ou karate - agrave semelhanccedila de shintō Jaacute a Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das

Religiotildees publicou cinco artigos dedicados ao Japatildeo do passado especificamente o periacuteodo de

presenccedila cristatilde em territoacuterio japonecircs (e Macau) 2

Apesar de carecer de um fundador ndash apenas vaacutelido no caso de kyōha shintō ldquonovas

religiotildeesrdquo shintō e de certo modo escolas de gakuha shintō criadas como consequecircncia dos

movimentos acadeacutemicos e de exposiccedilatildeo de conceitos e rituais (que conduzem agrave Ordem) ndash um

sistema proacuteprio de ldquofeacuterdquo e ldquoensinamentosrdquo caracteriacutesticas tiacutepicas de uma lsquoreligiatildeorsquo (no sentido

lsquoocidentalrsquo) o shintō eacute praticado pelo indiviacuteduo e como tal este uacuteltimo faz parte do todo isto

eacute do mundo que o rodeia vivendo consoante as decisotildees que toma quer sejam de natureza

positiva ou negativa

Neste sentido a finalidade desta dissertaccedilatildeo natildeo eacute somente divulgar shintō o trabalho

realizado eacute um texto argumentativo que pretende responder a trecircs questotildees o que eacute o ciclo de

Desordem e Ordem o que eacute que o praticante de shintō fazia e ainda faz para causar Desordem

ou Ordem quais satildeo os motivos por detraacutes das accedilotildees que conduzem agrave Ordem

Para tentar responder agraves perguntas acima nomeadas dividiu-se o trabalho em duas

partes cada um com um nuacutemero variado de subtoacutepicos a primeira parte eacute acima de tudo

contextualizaccedilatildeo do tema explicando-se o que se entende por shintō ldquoreligiatildeordquo kami e qual a

relaccedilatildeo destes uacuteltimos com o domiacutenio sagradodivino japonecircs

Assim a realizaccedilatildeo do primeiro subtoacutepico envolveu a procura de algumas opiniotildees

formadas por autores e investigadores constatando-se a necessidade de uma anaacutelise

etimoloacutegica de termos como shintō religiatildeo (em japonecircs shūkyō) kami e ldquosagradodivinordquo

(dicotomia seishin) Em segundo lugar efetuou-se uma siacutentese do que outros autores

(japoneses ou natildeo) entendem por kami por vezes sujeitos a processos de classificaccedilatildeo ou

1 The DSpace Foundation ldquoPercorrer lsquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrsquo por data de publicaccedilatildeordquo ReCiL -

Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line)

lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104375704browsetype=dateissuedgt (consultado em 24-06-2018) 2 The DSpace Foundation ldquoResultados da pesquisa- Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das Religiotildeesrdquo ReCiL -

Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line) lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104373095simple-

searchquery=japC3A3ogt (consultado em 24-06-2018)

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categorizaccedilatildeo Seguidamente kami satildeo analisados enquanto personagens fundamentais da

cosmologia japonesa conforme os relatos do Kojiki e Nihon shoki participando no processo

de divisatildeo da realidade - sendo que esta divisatildeo pode ser tripartida (sobretudo mundo

superior mundo do meio e mundo inferior) ou bipartida (o lsquonosso mundo fiacutesicorsquoo lsquooutro

mundorsquo) ndash e ainda na criaccedilatildeo desta uacuteltima - considerando-se lsquocriaccedilatildeorsquo como o ato consciente

dos kami (neste caso o casal Izanagi e Izanami) de gerar as coisas que compotildeem o nosso

mundo e tambeacutem kami associados a essas mesmas coisas Apoacutes esta criaccedilatildeo certos kami

tornam-se agentes da Ordem (Amaterasu) e da Desordem (Susano-o e Ōkuninushi)

expressando a noccedilatildeo de equiliacutebrio muito presente nos rituais de shintō que explicam a Ordem

como a consequecircncia da condiccedilatildeo de Desordem (o episoacutedio da Ama no Iwato por exemplo)

No uacuteltimo subtoacutepico explicou-se a evoluccedilatildeo de shintō ao longo dos seacuteculos de

interaccedilatildeo com as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda observando a sua integraccedilatildeo na esfera

poliacutetica japonesa desde os primeiros tempos de institucionalizaccedilatildeo das praacuteticas de veneraccedilatildeo

aos kami ateacute agrave atualidade Natildeo obstante deve-se alertar para o facto de que este subtoacutepico natildeo

apresenta shintō numa perspetiva cronoloacutegica a Via do Confuacutecio - a primeira a ser estudada

neste trabalho - influenciou a sociedade claacutessica japonesa mas a adaptaccedilatildeo dos seus

ensinamentos por parte de shintō soacute se veio a realizar num periacuteodo posterior Por outras

palavras se se pretendesse uma evoluccedilatildeo cronoloacutegica de shintō o esquema a seguir seria ldquoVia

de Dao-Via do Buda-Via de Confuacuteciordquo

No que concerne agrave segunda parte esta corresponde ao desenvolvimento do tema e

como tal investiga-se algumas teorias e praacuteticas - uma vez que a teoria daacute coesatildeo agrave praacutetica e a

praacutetica eacute uma forma de dinamizaccedilatildeo da teoria ndash do shintō retratado como uma Via

profundamente social ndash liga os humanos aos kami e vice-versa surgindo kami que atendem agraves

necessidades concretas individuaiscoletivas de quem os procura (Inari Ebisu Shichi Fukujin

e Tenjin) ndashrsquoespiritualrsquo ndash na aceccedilatildeo de se estar perante algo natildeo do domiacutenio palpaacutevel ou fiacutesico

que tambeacutem serve de elo de ligaccedilatildeo humanokami evidenciado pelo desenvolvimento de toda

uma tradiccedilatildeo de lsquoespiritualidade japonesarsquo melhor expressa por musubi rei e tamashii ndash e

lsquoeacuteticarsquo ndash no sentido de existir um bemmal ou seja algo ordenado e algo desordenado que

pode ser sempre reposto evidenciando a natureza ciacuteclica da relaccedilatildeo DesordemOrdem

Aleacutem de se analisar etimologicamente toda uma seacuterie de palavras associadas agrave

lsquoespiritualidadersquo agrave Desordem (tsumi kegare e imi) e agrave Ordem como eacute entendida pelo shintō

(os vaacuterios vocaacutebulos indicativos de lsquopurificaccedilatildeorsquo e algumas norito relevantes) e por algumas

escolas de pensamento desta Via abordam-se duas qualidades internas do ser humano

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denominadas kokoro e makoto integrais ao campo da eacutetica japonesa bem como a shintō Os

rituais conducentes agrave Ordem revolvem em torno da purificaccedilatildeo processo de natureza externa

e interna embora a segunda seja de natureza mais subtil e portanto mais difiacutecil de atingir No

entanto o objetivo eacute sempre o mesmo contrariar o desequiliacutebrio trazido por tsumi kegare e

imi devolvendo o indiviacuteduo (e o que o rodeia) ao seu estado ordenado confirmando a ideia

de que o shintō eacute importante natildeo apenas para o indiviacuteduo

Enquanto temaacutetica de estudo os rituais de purificaccedilatildeo e de natildeo purificaccedilatildeo em shintō

satildeo uma novidade em contexto nacional mas natildeo propriamente no mundo acadeacutemico

internacional milhares de autores redigiram livros sobre shintō ou pequenos artigos sobre

ldquopurificaccedilatildeordquo ldquorituaisrdquo e ldquoimpurezardquo se bem que tsumi kegare e imi (negativo) nunca satildeo

apelidados de ldquorituaisrdquo per si No entanto este trabalho utiliza a palavra ldquorituaisrdquo num sentido

abrangente ao inveacutes de investigadores que se cingem agrave definiccedilatildeo sugerida pelo dicionaacuterio

quando o indiviacuteduo realiza algo constantemente e da mesma maneira faz um ldquoritualrdquo Em

contexto religioso ldquorituaisrdquo tendem a ser vistos como exclusivamente positivos nunca

negativos

Poreacutem ao redefinir-se ldquoritualrdquo como um padratildeo de pensamentos palavras e accedilotildees natildeo

se inviabiliza a hipoacutetese de existirem ldquorituaisrdquo que provocam o oposto do que se pretende

Interessantemente alguns autores contemporacircneos de shintō cingem-se ao ldquoritualrdquo como o

que permite o regresso agrave Ordem na introduccedilatildeo de Sourcebook in Shinto Selected Documents

Resources in Asian Philosophy and Religion (2004) Stuart Picken diz que a ldquotransmissatildeo de

Shinto (hellip) eacute mais sobre agenda do que credenda coisas a serem feitas do que coisas a serem

acreditadasrdquo colocando ldquoritualrdquo em primeiro plano 3 Aqui estaacute claramente expresso a ideia

de ldquorituais-Ordemrdquo uma vez que ldquocoisas a serem feitasrdquo satildeo logicamente coisas cujos

resultados beneficiam o indiviacuteduo Por outro lado John Breen e Mark Teeuween nomeiam

trecircs categorias de ldquorituaisrdquo cuja praacutetica eacute da responsabilidade de jinja 4 Ora uma vez que

jinja satildeo os mais relevantes espaccedilos de veneraccedilatildeo aos kami subentende-se a Ordem como a

consequecircncia destes ldquorituaisrdquo

Todavia o shintō tem por princiacutepio a noccedilatildeo de equiliacutebrio conhecer shintō significa

conhecer a Ordem e a Desordem se rituais de satildeo o meio por excelecircncia para atingir a Ordem

a natildeo purificaccedilatildeo conduziraacute agrave Desordem Em suma tsumi kegare e imi satildeo rituais porque satildeo

3 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion

Westport Greenwood Publishing Group 2004 pxxi 4 BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 p3

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realizados (de forma directa e indireta) pelo indiviacuteduo embora possuam diferentes origens e

caracteriacutesticas

No que concerne agrave metodologia e fontes utilizadas um dos criteacuterios a ter em conta foi

a contemporaneidade o shintō continua a ser um tema muito popular entre autores e como tal

um estudo mais proacuteximo desta Via requer o recurso a livros publicados recentemente e natildeo haacute

meio seacuteculo atraacutes tais como Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings

(1994) cujo autor Stuart Picken apresenta as vaacuterias categorias de shintō de uma forma sucinta

apresentando uma cronologia de eventos relevantes explicando de que maneira a conjuntura

histoacuterico-poliacutetica japonesa influenciou shintō A sua obra pode servir como um ponto de

partida para interessados ou estudiosos uma vez que aborda shintō do passado e shintō

moderno (incluindo os rituais de purificaccedilatildeo usados em ambos) Um outro ponto muito

positivo eacute a ausecircncia de ldquotermos ocidentaisrdquo como ldquoShintoiacutestardquo e ldquodeusrdquo 5 uma metodologia

igualmente favorecida pela autora

Eacute tambeacutem interessante notar que ao longo deste livro satildeo constantemente citadas e

explicadas fontes japonesas (antigas sobretudo) justificando a sua utilizaccedilatildeo (em simultacircneo

com a leitura na linguagem original) na fundamentaccedilatildeo dos subtoacutepicos da dissertaccedilatildeo Por

exemplo Kojiki Nihon shoki Engishiki e Norito 6 As primeiras duas satildeo fundamentais no

que diz respeito agrave mitologia e cosmologia japonesas ndash o termo lsquocosmologiarsquo eacute mais

apropriado do que lsquoteologiarsquo uma vez que shintō natildeo reconhece deuses ndash observando-se a

inclusatildeo da temaacutetica Desordem e Ordem primeiro como resultados das accedilotildees de alguns kami

e depois como consequecircncias dos rituais (tsumi kegare) dos proacuteprios indiviacuteduos como se

pode constatar nas croacutenicas imperiais do Nihon shoki

Jaacute o Engishiki eacute um texto de caraacutecter lsquolituacutergicorsquo tal como o Saigūki e o Kōtai Jingū

Gishiki-chō Ao longo da investigaccedilatildeo utilizou-se Engi-shiki Procedures of the Engi era

Books I-V Translated with introduction and notes by Felicia Gressitt Bock 1970 e a obra

Norito (1990) de Donald Philippi que reuacutene dezenas de norito entoadas nos diversos matsuri

celebrados ao longo do ano uns de caraacutecter mais lsquoimperialrsquo do que outros ambas obras

refletem o impacto do estudo da praacutetica ldquoritualrdquo (que conduz agrave Ordem) no shintō Contudo as

traduccedilotildees foram sempre lidas em paralelo com o texto original facultado pela paacutegina virtual

da Waseda University Library e ainda Mikoorg (apenas os oito volumes do Jingiryō satildeo

integrais ao objeto de estudo)

5 PICKEN Stuart Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings Westport Greenwood

Publishing Group 1994 pp xvii-xviii 6 PICKEN Stuart op cit p381

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Por outro lado o Saigūki e o Kōtai Jingū Gishiki-chō satildeo obras arcaicas que registam e

explicam determinados rituais prejudiciais ao indiviacuteduo isto eacute kegare e imi (imikotoba no

caso do Kōtai Jingū Gishiki-chō) Ora a informaccedilatildeo disponibilizada deve ser complementada

pelo estudo de outras fontes japonesas explica-se assim o porquecirc do recurso a textos

ldquooficiaisrdquo ndash Nihon shoki Nihon sandai Jitsuroku Nihon Kōki e ShokuZoku Nihongi) e de

caraacutecter mais legislativo Yōrō-ritsuryō e Jingiryō ambos frequentemente referenciados em

artigos contemporacircneos de autores japoneses numa tentativa de explicar alguma da

terminologia de shintō (vocaacutebulos conotados com Desordem e Ordem)

A segunda fonte primaacuteria eacute Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in

Asian Philosophy and Religion (2004) novamente Picken cita passagens traduzidas do Kojiki

e o Nihon shoki que explicam a criaccedilatildeo e divisatildeo da realidade Este meacutetodo de citaccedilatildeo de

passagens de textos relevantes aplica-se a toda a obra auxiliando o interessado no estudo de

shintō segundo a perspetiva das escolas de pensamento (Yoshida e Ise em particular) e a

escola kokugaku ambas vaacutelidas no que concerne ao aprofundamento do que se entende por

caraacutecter ldquoeacuteticordquo em shintō ldquopurezardquo kokoro e makoto satildeo frequentemente objeto de estudo

graccedilas agrave anaacutelise de outros textos antigos e de cariz oficialimperial

No que diz respeito ao livro produzido por John Breen e Mark Teuween A New

History of Shinto possui alguns pontos positivos o uso de termos japoneses a inclusatildeo de

uma cronologia e mitologia de shintō com base em fontes japonesas (traduzidas) analisando-

se ao pormenor o ceacutelebre episoacutedio Ama no Iwato uma curiosa passagem que tambeacutem foi

estudada no acircmbito desta dissertaccedilatildeo uma vez que a temaacutetica Desordem e Ordem estaacute

bastante presente embora notando-se a ausecircncia do indiviacuteduo quem participa nos rituais satildeo

os kami e natildeo os humanos

Por uacuteltimo The Kami Way de Ono Sokyō eacute um livro introdutoacuterio a shintō mas muito

mais simples do que as obras de Picken apesar de tambeacutem sintetizar a mitologia e cronologia

desta Via Espeacutecie de minienciclopeacutedia de shintō sobretudo focada na tradiccedilatildeo de jinja shintō

(rituais cerimoacutenias siacutembolos e elementos pertencentes ao domiacutenio do ldquosagradordquo) The Kami

Way eacute um livro que enfatiza a ideia de que shintō eacute uma religiatildeo e como tal a linguagem

usada eacute muito diferente da que Picken ou Breen e Teuween algo que pode ser justamente

considerado como um ponto negativo termos duacutebios incluem ldquokami-feacuterdquo ldquosagradordquo ldquomenterdquo

ldquoalmardquo certamente reconheciacuteveis para o puacuteblico-alvo natildeo-japonecircs mas que dificilmente

seriam aceites pelos autores anteriormente mencionados cujas obras procuram ser o mais fieacuteis

ao seu objeto de estudo shintō pertence agrave realidade japonesa e como tal traduccedilotildees de termos

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japoneses natildeo satildeo recomendaacuteveis Jaacute um dos seus pontos positivos eacute oferecer ao leitor a

perspetiva japonesa da natureza humana subentendo o reconhecimento de uma eacutetica

(certoerrado) reforccedilando o porquecirc de shintō ser uma Via criada para o bem e a felicidade do

indiviacuteduo

Aleacutem destas quatro obras acrescenta-se o dicionaacuterio etimoloacutegico da autoria de

Nishigaki Yukio (2005) ndash etimologia eacute uma ferramenta indispensaacutevel para a compreensatildeo de

shintō dada as suas origens natildeo ocidentais - alguns episoacutedios do Kojiki (Takeda Tsunegaki) e

Nihon shoki (a traduccedilatildeo desatualizada de Aston utilizada por Picken e a versatildeo presente no

site Nihonsinwa) No caso concreto das obras japonesas claacutessicas e modernas referenciadas

sobretudo por Picken o texto original foi disponibilizado nas bibliotecas virtuais japonesas

National Diet Library (6ordm volume do Koshiden Hirata Atsutane) J-Texts e Kodaishi Dassai

com a exceccedilatildeo do Yōrō-ritsuryō que foi individualmente traduzido para japonecircs moderno no

website Kansei Daikan

Com efeito o recurso a fontes virtuais revelou-se fundamental no decorrer da

investigaccedilatildeo devendo-se destacar paacuteginas de instituiccedilotildees japonesas tais como a Encyclopedia

of Shinto - organizada pela Universidade Kokugakuin o dicionaacuterio virtual japonecircs Kotobank

que compila as sugestotildees de definiccedilatildeo de um termo por vezes pronunciando-se sobre a sua

etimologia Acrescenta-se ainda paacuteginas virtuais dedicadas agraves obras de Motoori Norinaga

(Kumo no Ikada Yamato Gokoro) e paacuteginas oficiais de setores shintō cujos objetivos

revolvem em torno da purificaccedilatildeo adotando-se certas condutas e rituais

Por uacuteltimo todos os termos estrangeiros foram escritos em letras do alfabeto e em

itaacutelico seguidas sempre dos caracteres que a compotildeem (no caso de termos chineses e

japoneses) o mesmo aplicando-se ao nome completo dos kami jinja e matsuri Em caso da

traduccedilatildeo dos vocaacutebulos japoneses utilizou-se a expressatildeo cujo significado eacute o mais proacuteximo

do original Contudo numa tentativa de se ser fiel agrave fonte e ao objeto de estudo optou-se mais

pela natildeo-traduccedilatildeo kami eacute kami tsumi eacute tsumi kegare eacute kegare e assim sucessivamente A

principal razatildeo por detraacutes desta metodologia eacute evitar o processo de incompreensatildeo da temaacutetica

abordada como resultado da transposiccedilatildeo da proacutepria mentalidade do investigador Com efeito

a fraca familiarizaccedilatildeo com a aacuterea de estudo origina a traduccedilatildeo (incorreta) de termos uacutenicos

por palavras que o seu puacuteblico-alvo natildeo japonecircs facilmente consegue perceber mas que satildeo

estranhas a shintō ou a outras lsquoreligiotildeesrsquo asiaacuteticas

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1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA

Escrever sobre religiotildees eacute sempre um desafio ainda mais quando a aacuterea de estudo

tem as suas reservas no que concerne agrave expressatildeo lsquoreligiatildeorsquo de difiacutecil caracterizaccedilatildeo mesmo

no mundo ocidental lsquoReligiatildeorsquo tende a ser identificada com os sistemas de lsquofeacutersquo teiacutestas

particularmente os monoteiacutestas ndash cristianismo judaiacutesmo e islatildeo ndash e politeiacutesmos na Aacutesia o

termo natildeo se pode usar com tanta facilidade religiatildeo eacute antes de mais uma palavra introduzido

relativamente recente e certamente de forma natildeo espontacircnea

No caso do Japatildeo lsquoreligiatildeorsquo natildeo existia ateacute aos meados do seacutec XIX o acolhimento

de ideias exteriores ao territoacuterio japonecircs teraacute gerado uma definiccedilatildeo muito especiacutefica de

lsquoreligiatildeorsquo e da sua favorita traduccedilatildeo japonesa shūkyō especificamente traduzindo-se o termo

inglecircs religion algo que eacute problemaacutetico por dois principais motivos os caracteres que

compotildeem a palavra (shū 宗 e kyō 教 respetivamente lsquosetoresrsquo e lsquoensinamentosrsquo) - e que jaacute

existiam de facto em forma isolada nunca em conjunto - satildeo de origem budista pondo em

causa a ldquovalidaderdquo de shintō cuja ecircnfase natildeo eacute em doutrinas ou shū 7 embora natildeo se deva

excluir a sua existecircncia

Segundo Nakamura Hajime shūkyō teria as suas origens na expressatildeo shū no oshie

(宗の教え ) ou lsquoensinamento dos setoresrsquo ndash shū significa o ldquoderradeiro significado do

princiacutepio e da verdade (hellip)rdquo presente nos ensinamentos (oshie) antes do Periacuteodo Meiji (1868-

1912) shūkyō encontrar-se-ia numa posiccedilatildeo subordinada a bukkyō (仏教) que por sua vez eacute

entendido como a fusatildeo de vaacuterios shūkyō num soacute Jaacute no Periacuteodo Meiji shūkyō torna-se um

suposto ldquoconceito supra ordenadordquo de bukkyō 8 ambas explicaccedilotildees revelam a importacircncia

desta Via como ponto de partida para o que se entende por lsquoreligiatildeorsquo termo hoje vaacutelido e

aceite pela sociedade moderna japonesa em vaacuterias aacutereas

A segunda principal razatildeo tem que ver com imagens quando um cidadatildeo europeu ou

americano pensa sobre lsquoreligiatildeorsquo serve-se do que sabe isto eacute o que a sua educaccedilatildeo e meio

envolvente lhe providenciaram um espaccedilo proacuteprio de crenccedila textos uma noccedilatildeo de lsquosagradorsquo

um fundador e eacute claro os que acreditam firmemente nesses textos e se esforccedilam por propagar

as suas ideias Se lhe perguntarem sobre outras lsquoreligiotildees natildeo-ocidentaisrsquo recorreraacute ao que eacute

7 ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious

Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 8 Ateacute ao seacutec- XVII o ldquobudismordquo natildeo era formalmente designado bukkyō (仏教) mas antes butsudō (仏道) ou

ainda buppō (仏法) IWAI Hiroshi ldquo日本宗教の理解に関する覚書rdquo (ldquoNotes on the Understanding of

Japanese Religionrdquo) Kenkyū kiyō (研究紀要) nordm 5 2004 pp 79-89

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 17

do conhecimento geral publicado em livros e outros meios de informaccedilatildeo Por outras palavras

budismo hinduiacutesmo taoiacutesmo e xintoiacutesmo satildeo convenientemente considerados lsquoreligiotildeesrsquo e

como consequecircncia natildeo eacute de estranhar a quantidade de traduccedilotildees erroacuteneas de conceitos e

ideias dessa mesma religiatildeo em livros escritos por peritos quer japoneses como natildeo-nativos 9

qualquer guia sobre ldquoreligiotildees do mundordquo teraacute uma entrada sobre xintoiacutesmo comeccedilada mais

ou menos nas linhas de ldquoxintoiacutesmo eacute a religiatildeo nativa japonesardquo 10

ecoando o que foi escrito

cerca de um seacuteculo antes por Anesaki Masaharu creditado como ldquoinventorrdquo da expressatildeo

moderna lsquoreligiatildeo japonesarsquo (nihon shūkyō 日本宗教) que eacute acolhida inicialmente por um

puacuteblico ocidental e soacute posteriormente pelos proacuteprios japoneses 11

Forte apoiante da visatildeo lsquoxintoiacutesmo = religiatildeorsquo Anesaki Masaharu acentua o caraacutecter

japonecircs de shintō descrevendo-o como ldquoum complexo de antigas crenccedilas e observacircnciasrdquo que

ao contraacuterio do budismo (e do cristianismo) nunca se deparou com perseguiccedilotildees a niacutevel

poliacutetico sendo preservado ao longo de seacuteculos pelos japoneses Apoiado na veneraccedilatildeo dos

kami sobretudo Amaterasu a antepassada miacutetica da casa imperial associada ao sol shintō eacute

um tipo de culto lsquonacionalrsquo diretamente ligado agrave paz prosperidade e estabilidade do Japatildeo 12

Historicamente shintō natildeo foi lsquopreservadorsquo no sentido de permanecer

inalteraacutevel independentemente de alguns sacerdotes e estudiosos partilharem da visatildeo de

Anesaki perspetivando shintō como algo autoacutenomo e independente de influecircncias externas

desde tempos imemoriais ateacute agrave atualidade 13

este uacuteltimo foi um processo iniciado no Japatildeo e

cujo crescimento jamais resulta do isolamento mas antes do contacto com todo o tipo de

ideias de fora (e de dentro) a adaptaccedilatildeo de ldquoantigo pensamento Chinecircs Budismo Onmyōdō

Confucionismo Shugendō e Cristianismordquo agrave realidade japonesa permite numa eacutepoca

posterior propostas de categorizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de shintō jinja shintō kyōha shintō

shintō filosoacutefico ou escolaacutestico (gakuha shintō 学派神道) shintō imperial (kōshitsu shintō皇

室神道) e shintō folcloacuterico (minzoku shintō 民俗神道) 14

Em suma natildeo existe um uacutenico

9 Como jaacute mencionado na Introduccedilatildeo a traduccedilatildeo eacute um risco a correr que natildeo eacute avaliado pelos autorestradutores

de entre os erros mais tiacutepicos nos livros sobre shintō destacam-se ldquopecadordquo como traduccedilatildeo de tsumi e ldquodeus

divindadedivinordquo para expressar o conceito de kami 10

ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004p 1 11

ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious

Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 12

ANESAKI Masaharu History of Japanese Religions with special reference to the social and moral life of the

nation 3rd ed London The Kegan Paul Japan Library 1995 p 22 13

KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981

pp 1-21 14

INOUE Nobutaka ldquoIntroduction The History of Shintordquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction

Introduction of Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22906gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 18

shintō mas antes muacuteltiplos shintō que contribuiacuteram significativamente em termos sociais e

culturais

Descrito por Stuart Picken como a ldquoexpressatildeo natural dos sentimentos espirituais do

povo japonecircs que cresceu e evoluiu com o desenvolvimento da histoacuteria japonesa e sociedaderdquo

shintō eacute um exemplo atiacutepico de uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido geral do termo ao contraacuterio do

budismo (bukkyō 仏教) Islatildeo (isuramukyō イスラム教) hinduiacutesmo (indokyō インド教)

cristianismo (kirisutokyō キリスト教) judaiacutesmo (yudayakyō ユダヤ教) confucionismo

(jukyō 儒教) e taoiacutesmo (dōkyō 道教) shintō (神道) foi nomeado como um dō (em chinecircs dao

道) e natildeo como um kyō agrave semelhanccedila de outras Vias como kadō (華道) sadō (茶道) kyūdō

(弓道 ) respetivamente a Via das flores a Via do chaacute e a Via do arco A prioridade de shintō

eacute como o termo sugere tornar-se uma Via um modo de orientaccedilatildeo para o indiviacuteduo algo

expresso no curioso termo kannagara 15

Deste modo shintō assemelha-se a um modo de

conduta uma disciplina ou praacutetica que coloca os lsquoensinamentosrsquo em segundo plano em favor

do desenvolvimento de uma eacutetica proacutepria que recebeu influecircncias sobretudo confucianas

Consequentemente a perspetiva de shintō como lsquoreligiatildeorsquo num sentido diferente ao

que eacute transmitido em contexto ocidental tem sido apoiada por alguns autores japoneses e

igualmente praticantes de shintō Sonoda Minoru um professor emeacuterito da Universidade de

Quioto e principal sacerdote do Chichibu Jinja (秩父神社 ) observa a necessidade de

distinccedilatildeo entre religiotildees e shintō se o Cristianismo e outras ldquoreligiotildees mundiaisrdquo possuem

uma base assente numa ldquodoutrina universal e um acredita ou natildeo acredita - eacute tudo acerca de feacute

colocada num sistemardquo cuja evoluccedilatildeo adquire contornos de proselitismo - shintō eacute na sua

essecircncia uma ldquoreligiatildeo de culturardquo que natildeo pretende a consistente ldquoiniciaccedilatildeordquo de pessoas

numa ldquofeacuterdquo esta religiatildeo nada tem que ver com feacute mas antes ldquopraacutetica ritualrdquo enraizada numa

ldquosociedade agriacutecola primaacuteriardquo Por uacuteltimo conclui que estes sistemas optaram por uma

estrateacutegia de conquista modelando a conduta dos seus crentes perseguindo e eliminando

adversaacuterios quando lhes convinha ao contraacuterio de shintō que teria desaprovado de tais accedilotildees

Aliaacutes o acto de preservar a vida e celebraacute-la eacute nada mais do que a derradeira preocupaccedilatildeo

desta Via 16

Com efeito Sonoda foca-se na ldquoquestatildeo doutrinaacuteriardquo como a caracteriacutestica mais

15

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxii-xxiii 16

As citaccedilotildees em questatildeo foram retiradas das entrevistas feitas pelo investigador Leif Sandvik e pela Sasakawa

Peace Foundation sendo posteriormente integradas no estudo deste uacuteltimo sobre a ldquoreinvenccedilatildeordquo de shintō como

uma ldquoreligiatildeo ecoloacutegicardquo SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological

Religion Masterrsquos Degree Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and

Oriental Languages of the University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark

Teuween 2011

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 19

definidora das ldquoreligiotildeesrdquo monoteiacutestas se Cristianismo (e outras ldquoreligiotildeesrdquo) regem-se pelo

princiacutepio da ldquodualidaderdquo (ser crente ou natildeo) o mesmo natildeo se pode dizer de shintō

Na sua forma mais ldquocruardquo shintō talvez pode ter sido uma coletacircnea de aspetos

ldquoanimistas xamanismo veneraccedilatildeo de antepassados e veneraccedilatildeo da naturezardquo bem como

noccedilotildees proacuteprias de normas sociais incluindo o reconhecimento de ldquotabusrdquo ldquoofensasrdquo e a

necessidade de ldquopurificaccedilatildeordquo natildeo apenas a niacutevel fiacutesico 17

Apresentando ainda um fraco grau

de organizaccedilatildeo a Via dos kami era um coletivo de ideias seguidas pela comunidade que se

focava em obter meios de subsistecircncia a relaccedilatildeo entre a comunidade e as ldquoforccedilas

incompreensiacuteveisrdquo (kami) por detraacutes do sucesso ou do prejuiacutezo das colheitas baseava-se na

relaccedilatildeo dar-receber apelar aos kami trazia benefiacutecios para a comunidade e em troca a

comunidade faria o que naturalmente eacute suposto fazer agradecer de forma sincera atraveacutes de

oferendas (comida tecidos armas) Ora tal costume ainda hoje permanece vivo na memoacuteria

dos japoneses quer se trate de uma veneraccedilatildeo aos kami em casa quer dentro da aacuterea dos jinja

oferecer algo aos kami fortalece a ligaccedilatildeo do kami ao indiviacuteduo

11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo

Contudo ateacute hoje natildeo se conhece um fundador ou extensiva doutrina que explicite

um credo ou sistema de crenccedila de shintō ndash apesar de shintō setorial possuir fundadores

individuais cujos textos transmitidos aos seguidores funcionam como lsquoensinamentosrsquo 18

ndash

demarcado pelo seu caraacutecter ritual e veneraccedilatildeo de seres de natureza indefinida denominados

kami em espaccedilos designados jinja nos quais se pode vislumbrar o domiacutenio do ldquosagradordquo

segundo Mircea Eliade ldquoo homem das sociedades arcaicas tende a viver tanto quanto possiacutevel

no sagrado ou em proximidade a objetos consagradosrdquo 19

no caso japonecircs este ldquosagradordquo

tambeacutem pode ser equiparado com a proacutepria natureza antes de existirem jinja propriamente

ditos espaccedilos abertos eram usados para realizaccedilatildeo de cerimoacutenias sazonais nas quais o kami se

manifestaria temporariamente 20

Estamos pois perante um plano de realidade associado a

sentimentos de admiraccedilatildeo pelo fantaacutestico e misterioso florestas rios pedras montanhas tudo

17

KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981

pp 1-21

18 PICKEN Stuart Essentials of Shinto opcit p 212

19 ELIADE Mircea The Sacred and the Profane the nature of religion Traduzido do Francecircs por William

Trask NY Harvest Harcourt Brace amp World Inc 1961 pp 10-12 20

BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 pp 25-26

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 20

podia ser kami ndash entendido no sentido de lsquosagradorsquo se as pessoas o identificassem como tal

conferindo um significado especial

Em japonecircs lsquosagradorsquo eacute escrito de duas maneiras sei (聖 ) - sheng na leitura foneacutetica

chinesa (em chinecircs simplificado圣) - integra os vocaacutebulos seisho (聖書) - a Biacuteblia - seichi

(聖地) terrenoTerra Santa seibō (聖母) eacute a Matildee Santa (Virgem Maria) seija (聖者) eacute o

homem santo (Cristianismo) seisen聖戦 (Guerra Santa) e assim sucessivamente Como se

pode constatar as palavras mencionadas natildeo tecircm nada a ver com shintō e denotam o sagrado

tal como eacute visualizado pela cultura ocidental

Jaacute o segundo termo shinjin (神) lido agrave maneira japonesa como kami mi kan ka ou

hi 21

fortalece a ideia lsquosagrado = kamishintōrsquo qualquer palavra que comece ou que acabe

neste caractere geralmente pertence ao mundo shintō jinja (神社) moradas permanentes dos

kami que desde 1945 dependem financeiramente do puacuteblico natildeo do Estado 22

kagura (神楽)

a danccedila tradicional japonesa (shintō de santuaacuterios) 23

amatsu-no-kami (天つ神) e kunitsu-no-

kami (国つ神) cuja entronizaccedilatildeo nos jinja originou o sistema de classificaccedilatildeo jingi (神祇) ldquoo

conceito central em torno do qual a corte organizava o seu poder sacerdotalrdquo 24

Numa perspetiva etimoloacutegica os caracteres natildeo podiam ser mais diferentes sei (聖)

decompotildee-se em trecircs partes ou seja lsquoorelharsquo (耳) lsquobocarsquo (口) e por um ideograma que

supostamente representaria uma pessoa endireitada indicando um indiviacuteduo que possui a

habilidade de ldquoouvirrdquo uma ldquovontade divinardquo isto eacute algueacutem com grande niacutevel de

conhecimento e cultura e dotado de uma ldquovirtuderdquo ideia muito visiacutevel no pensamento

confuciano Aliaacutes se lido como sei o kanji corresponde a um atributo humano conotado com

boas intenccedilotildees e nunca malignas Jaacute na sua leitura como hijiri [聖] eacute um vocaacutebulo respeitoso

aplicado exclusivamente ao proacuteprio Imperador 25

Por outro lado o kanji usado para escrever kami eacute a forma lsquosimplificadarsquo do

caractere arcaico [神 ] presente em jingi (神祇 ) agrave semelhanccedila do caractere usado para

21

A leitura de [神] como hi verifica-se em himorogi (神籬) o espaccedilo aberto delimitado por uma corda e no qual

se pode preceder agrave veneraccedilatildeo do kami Posteriormente o papel dos himorogi eacute substituiacutedo pelos jinja Cf

PICKEN Stuart op cit p 127 22

BREEN John TEEUWEN Mark op cit p 2 23

NISHIGAKI Yukio Nihongo no Gogen jiten (日本語の語源辞典) Tokyo Bungeisha 2005 p189 24

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 25-26 25

Uma vez que as possiacuteveis interpretaccedilotildees do caratere [聖] prendem-se com a questatildeo da natureza humana e do

comportamento ldquocorretordquo eacute possiacutevel concluir que se surgir isoladamente sei tem algumas implicaccedilotildees eacuteticas

Dejitaru Daijisen ldquo聖 (せい )rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE88196-85468gt

(consultado em 24-06-2018)

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escrever a palavra lsquoritorsquo (li 禮 escrito atualmente em japonecircs como rei 礼) o kanji partilha da

mesma raiz o kanji [示] do qual deriva o verbo shimesu ou lsquoindicarrsquo servindo de raiz a

palavras relevantes dentro do contexto cerimonial ndash oraccedilatildeo (inori祈り) celebraccedilatildeo (iwai 祝

い) antepassado (sosen祖先) ndash e termos da linguagem comum como lsquofalta de educaccedilatildeosem-

maneirasrsquo (shitsureiburei失礼 無礼) jaacute o segundo kanji eacute o mesmo usado para lsquoproferirrsquo ou

mousu (申す)

Aliaacutes de acordo com Fujita Tomio um dos contribuidores para o Nippon

Daihyakkazensho (日本大百科全書) publicado em 1984 shin [神] expressaria o ldquoaltarrdquo [示]

ao qual se juntava a forma pictograacutefica de um relacircmpago (申) possivelmente devido ao facto

de o primeiro kanji usado para a palavra lsquorelacircmpagorsquo (denkō 電光) ter na sua ldquoextremidaderdquo o

caractere [申] No entanto devido agrave escolha do kanji [神] para indicar kami comeccedilou-se a

considerar a hipoacutetese de este ter um significado natildeo muito diferente de shangdi (em japonecircs

jōtei 上帝) indicando a suprema entidade natildeo material reconhecida pelo pensamento chinecircs

arcaico 26

Nos dias de hoje kami continua a ser analisado por parte de estudiosos japoneses e

natildeo-japoneses Aike Rots aponta a fluidez do conceito de kami descrevendo-o como ldquouma

forccedila omnipotente singular bem como muacuteltiplos seres espirituais pode referir-se a criaturas

antropomoacuterficas ou zoomoacuterficas fenoacutemenos naturais poderes abstratos ou antepassados

deificadosrdquo 27

Contudo a interpretaccedilatildeo mais aceite foca-se na ideia lsquokami=qualidadersquo algo

natildeo algo tangiacutevel que se assemelha a um atributo digno de admiraccedilatildeo que se pode manifestar

e encontrar na ldquonatureza claro mas tambeacutem humanos animais criaturas miacuteticas deuses e

ainda objetos feitos pelo homem tais como automoacuteveis ou comboiosrdquo 28

Por sua vez esta definiccedilatildeo parece ecoar a de Motoori Norinaga (本居宣長 1730-

1801) ceacutelebre pensador da escola do Ensino Nacional (kokugaku 國學) e comentador de

textos centrais a shintō bem como autor de exposiccedilotildees acerca das praacuteticas desta Via kami satildeo

26

FUJITA Tomio ldquo 神の語義 rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE7A59E-

46603E5A4A7E8BE9EE69E9720E7ACACE4B889E78988gt (consultado em 24-06-2018) 27

ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation

submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial

fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen

and Prof Dr Terje Stordalen 2013 28

SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion

Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149

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ldquoos seres divinos do ceacuteu e da terra que aparecem nos textos antigos e tambeacutem os espiacuteritos

consagrados que satildeo reverenciados nos jinja da naccedilatildeordquo seres animados e inanimados Em

suma ldquoqualquer forma de ser que possua alguma qualidade uacutenica e eminente e eacute inspiradora

de admiraccedilatildeo pode ser considerada kamirdquo independentemente de a sua natureza ser ldquoboamaacuterdquo

29 o facto de serem kami coloca-os acima das convenccedilotildees definidas pelos homens

No que concerne agrave classificaccedilatildeo dos kami esta nunca eacute consensual na sua

dissertaccedilatildeo sobre a religiatildeo no territoacuterio japonecircs Shannon Symonds divide os kami de acordo

com a sua aacuterea geograacutefica de veneraccedilatildeo distinguindo os kami locais cultuados nos matsuri -

festivais baseados em tradiccedilotildees ancestrais que ldquofrequentemente tecircm as suas raiacutezes em antigos

rituais agriacutecolas de agradecimentordquo pela proteccedilatildeo - dos kami nacionais celebrados em ritos e

cerimoacutenias definidas por todos os que acreditam em shintō 30

Em contrapartida Hara Kazuya considera as origens do kami admitindo a existecircncia

de kami da natureza e kami humanos o primeiro grupo diz respeito a kami ligados a uma

atividade ou ocupaccedilatildeo profissional (agricultura pesca comeacutercio) os kami que influenciam os

elementos da natureza (montanhas aacutegua florestas) 31

e os kami do Kojiki (古事記) e Nihon

shoki (日本書紀) as obras de base para a compreensatildeo da mitologia e cosmologia japonesas

32 o segundo grupo reuacutene certos indiviacuteduos extraordinaacuterios em vida que postumamente

adquiriram o estatuto de kami geralmente liacutederes importantes para a histoacuteria do Japatildeo ndash

Imperador Meiji (明治天皇) Tokugawa Ieyasu primeiro xogum da casa Tokugawa que

governou o Japatildeo durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) ndash os soldados mortos em combate

(Yasukuni jinja 靖国神社 ) ou ainda personalidades do periacuteodo Heian (794-1185)

nomeadamente Sugawara-no-Michizane (菅原道真 ca845-903) postumamente apelidado de

Tenjin (天神) o kami do ensino 31

29

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion

Westport Greenwood Publishing Group 2004 pp 200-201 30

SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis

submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the

requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John

Killigrew 2005

31 HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia

ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de

2003) 32

Picken observa que a compilaccedilatildeo destes textos reflete um maior niacutevel de organizaccedilatildeo dentro da tradiccedilatildeo shintō

tal como ela era vista por uma minoria da populaccedilatildeo eacute inevitaacutevel a mistura de ldquoreligiatildeordquo e poliacutetica Cf PICKEN

Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 4

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Por uacuteltimo Matsumura Kazuo sugere uma divisatildeo natildeo muito diferente da de Kazuya

agrupando kami consoante a relaccedilatildeo deste com o mundo natural (kami da natureza) ou com o

homem (kami culturais) no primeiro caso salientam-se aos kami que ldquorepresentam o

reconhecimento de caracteriacutesticas supranormais ou poderes em objetos naturais ou

fenoacutemenosrdquo o segundo grupo reconhece por sua vez a existecircncia de kami da comunidade

kami do nascimento de pragas de uniatildeo (matrimonial) da morte kami do lar do indiviacuteduo

(fogatildeo poccedilo estaacutebulo armazeacutem) e por uacuteltimo os kami humanos Por outras palavras

indiviacuteduos em vida reverenciados como kami ndash ldquopraticantes religiosos e miko que se

envolvem em curas de feacute e pronuacutencia de oraacuteculos (hellip) rdquo ndash e antepassados ou ldquoespiacuteritos

vingativosrdquo de indiviacuteduos 33

Todas as propostas satildeo vaacutelidas quando se estuda um termo de etimologia indefinida

como kami para alguns kami (神) localizavam-se num patamar superior de existecircncia por

partilharem da mesma foneacutetica de kami (上) isto eacute ldquoalto superiorrdquo 28

o que se pode aplicar

aos amatsu-no-kami e os trecircs koto amatsu-no-kami Ame-no-minaka-nushi-no-kami (天御中

主神) Taka-musubi-no-kami (高皇産霊神) e Kami-musubi-no-kami (神皇産霊神) ndash que se

ldquotornamrdquo no Takamagahara espontaneamente e escondem-se logo a seguir 34

No entanto os

seus congeacuteneres terrenos como Sarutahiko Ōkami (猿田毘古大神) natildeo se encontram num

patamar ldquosuperiorrdquo per si partilhando com os humanos a Terra como local de residecircncia 35

Como se pode constatar o caractere kami (神) tende a surgir no final do nome reforccedilando a

ideia de kami como tiacutetulo honoriacutefico tal como mikoto (命尊) 36

33

MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of

Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt

(consultado em 24-06-2018) 34

Em japonecircs lsquotornar-sersquo corresponde ao verbo naru (成る ) denotando algo que efetivamente natildeo foi

absolutamente criado mas que jaacute existia embora natildeo de forma fiacutesica Jaacute na passagem que refere o lsquoocultamentorsquo

o verbo usado eacute kakusu (隠す) traduzido por lsquoocultar-sersquo o kanji [産] usado para o verbo lsquonascerrsquo estaacute sempre

ausente no Kojiki ateacute agraves passagens de kuni-umi e kami-umi Em suma estes kami natildeo satildeo lsquocriadosrsquo per si mas

tornam-se visiacuteveis para o mundo TAKEDA Tsunegaki Gendaigo no Kojiki (現代語古事記) Tokyo Gakken

Publishing 2011 pp 16-17

35 Picken Stuart Essentials of Shinto op cit pp95-96

36 Kokugakuin University Institute for Japanese Culture and Classics Index of Kami (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMpdfPreviewEOS+Index+of+Kamipdfgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 24

111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de ldquodivisatildeordquo da

realidade agrave criaccedilatildeo da mesma

De entre as fontes que servem de base para o estudo de shintō nomeiam-se o Kojiki

(ca 712) Nihon shoki (ca 720) ShokuZoku Nihongi (続日本紀 ca 797) o Jingiryō (神祇令

ca701) o Kōtai Jingū Gishiki-chō ( 皇太神宮儀式帳) e Toyoke-gu Gishiki-chō (止由気宮儀

式帳) Kogo Shūi (古語拾遺) e o Engishiki (延喜式 ca 927) 37

Satildeo com efeito textos de

caraacutecter oficial respeitados por uma corte que colocava shintō em segundo plano

principalmente apoacutes o budismo ter adquirido um estatuto de ldquofavoritordquo por parte de Shōtoku

Taishi (聖徳太子 ca 604) notoacuterio apoiante da introduccedilatildeo de ideias de fora incluindo eacutetica

confuciana 38

Neste sentido pode-se afirmar o facto de shintō subsistir no territoacuterio japonecircs

como um conjunto de praacuteticas consagradas aos kami propriamente venerados nos jinja

Tanto no Kojiki como no Nihon shoki kami cometem erros satildeo violentos

caprichosos generosos ambiciosos tornando-se quer heroacuteis ou vilotildees nos mitos

efetivamente aproximando-os da natureza do ser humano ambos relatos parecem humanizar e

personificar os kami Participando passivamente ou ativamente no processo da criaccedilatildeo do

mundo estas formas de existecircncia e consciecircncia satildeo anteriores ao homem

Aleacutem de manifestarem uma personalidade proacutepria kami possuem uma identidade ou

seja um nome um geacutenero observando-se uma diferenccedila entre as primeiras duas geraccedilotildees de

kami e as restantes por exemplo no Kojiki a necessidade de especificar o sexo dos kami ndash

um termo de natureza neutra cujo plural eacute designado de kamigami (神々) ndash soacute se justifica a

partir do surgimento de uma ldquosegunda geraccedilatildeordquo de kami per si nunca se usando a dicotomia

moderna ogamimegami (男神 女神 ) viaacutevel no contexto de religiotildees politeiacutestas que

reconhecem a existecircncia de ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo respetivamente Com efeito nas fontes

japonesas kami eacute identificado como ldquomasculinordquo ou ldquofemininordquo atraveacutes da anaacutelise do seu

nome caso o kami possui uma terminaccedilatildeo foneacutetica lida como hiko (por ex 毘子毘古 日子)

eacute masculino em contrapartida hime (por ex 毘売比売姫) denota um kami do sexo oposto

Deste modo apenas os lsquonatildeo-hitorigamirsquo possuem um geacutenero masculino ou feminino

a segunda geraccedilatildeo de kami agrave qual pertence o casal Izanagi-no-kami (伊邪那岐神) e Izanami-

37

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 17 pp 21-26 p 30 38

SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis

submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the

requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John

Killigrew 2005

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 25

no-kami (伊邪那美神) ndash futuros progenitores da terceira geraccedilatildeo de kami criada em meio

terrestre ndash eacute composta por casais de irmatildeos e irmatildes 39

que com a exceccedilatildeo de Izanagi e

Izanami natildeo se envolvem no processo de criaccedilatildeo tornando-se conselheiros do casal Ao

receberem ordens de descer de Takamagahara Izanagi e Izanami datildeo iniacutecio ao processo da

criaccedilatildeo das ilhas do arquipeacutelago (kuni-umi 国生み) posteriormente criando kami (kami-umi

神生み) 40

Apesar de datarem do mesmo periacuteodo as obras possuem algumas diferenccedilas entre si

nomeadamente o seu estilo e linguagem de escrita bem como o seu conteuacutedo as histoacuterias do

Kojiki encontram-se recheadas de motivos mitoloacutegicos e cerimoacutenias que procuram explicar as

origens do povo japonecircs do arquipeacutelago e o ldquoque eacute conhecido como a era dos kamirdquo 41

Jaacute o

Nihon shoki modelado agrave maneira das croacutenicas chinesas apresenta uma dataccedilatildeo diligente das

entradas dos seus relatos e por vezes vaacuterias versotildees dos mesmos 42

Se a realidade do Kojiki tem iniacutecio num tempo de ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu e a terrardquo no

qual se manifestam os koto amatsukami ndash Ame-no-minaka-nushi (a possiacutevel corporizaccedilatildeo do

proacuteprio cosmos) 40

Taka-musubi-no-kami e Kami-musubi-no-kami ndash interpretados como

ldquoprinciacutepiosrdquo da atividade criativa e da criaccedilatildeo todos carecendo de atributos humanos ndash numa

dos relatos do Nihon shoki eacute mencionado um periacuteodo incerto antes da ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu

e a terrardquo e da divisatildeo de in e yō isto eacute o princiacutepio yin e yang (em japonecircs on-myō 陰陽)

forma-se assim uma ldquomassa caoacutetica como que um ovo (hellip) de limites definidosrdquo

posteriormente dividido entre um elemento mais ldquopurordquo (o Ceacuteu) e um elemento mais

ldquoconsistenterdquo (a Terra) Do seu meio nasce uma coisa que lembra um rebento de junco e que

adota uma forma mais fixa surge ldquoespontaneamenterdquo Kuni-toko-tachi-no-mikoto (國常立尊)

Logo a seguir surgem kami masculinos ldquogerados por operaccedilatildeo do princiacutepio do Ceacuteurdquo bem

como os seus congeacuteneres femininos formados pela muacutetua accedilatildeo do princiacutepio da Terra 43

No que concerne agrave criaccedilatildeo do mundo terrestre o Kojiki delega este papel a Izanagi e

Izanami que se estabelecem na ilha Ōyashima (大八島) originando a terceira geraccedilatildeo de

kami que nascem aos pares ou de forma individual associando-se a um elemento do mundo

natural (montanhas aacutervores mares sol e pedras espuma correntes cereais vento) ou

39

TAKEDA Tsunegaki op cit pp 16-17 40

Nesta passagem a palavra ldquocriaccedilatildeordquo corresponde agrave accedilatildeo de gerar algo De acordo com a traduccedilatildeo de Takeda o

verbo que expressa tal eacute ldquoumi ni narimasurdquo (産みになります) TAKEDA Tsunegaki op cit pp 19-23 41

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 54 42

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 43

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 6-8

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 26

humano (embarcaccedilotildees) 44

Eacute no momento do nascimento do kami do fogo (Hi-no-kagutsuchi-

no-kami火迦具土神) que se introduz a natureza natildeo imortal de Izanami que ainda consegue

gerar alguns kami antes de morrer das feridas 45

Apoacutes a sua morte Izanami toma residecircncia permanente no submundo Yomu-no-

kuniYomi-no-kuni (黄泉の国) levando Izanagi a desesperadamente tentar trazecirc-la de volta

ao mundo da superfiacutecie ecoando o mito de Orfeu e Euriacutedice notando-se ainda algumas

semelhanccedilas com a mitologia de Perseacutefone que privada de regressar ao mundo humano por

ter consumido algo daquele lugar torna-se a esposa de Hades e partilha com ele a

responsabilidade de governaccedilatildeo dos Infernos Izanami (que tambeacutem admite ter comido algo

do Yomu-no-kuni formalizando a sua nova identidade como uma habitante do Yomi) torna-se

a uacutenica governante do submundo cortando laccedilos definitivos com o seu esposo se Izanagi

escolhe o caminho da criaccedilatildeo da humanidade Izanami confere a esta espeacutecie a mortalidade

explica-se o porquecirc da vida e da morte 46

112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordem

Ora a introduccedilatildeo do mundo inferior no Kojiki e no Nihon shoki completa uma das

visotildees shintō do mundo descritas por Hara como ldquoverticalrdquo e ldquotridimensionalrdquo

Takamagahara pertencia ao ldquoplano superiorrdquo onde habitavam os kami o Nakatsu-kuni (中つ

の国 ) seria a ldquodimensatildeo do meiordquo a morada dos seres humanos o Yomi-no-kuni 46

corresponderia ao ldquoplano inferiorrdquo conceito presente em outras religiotildees cujas mitologias de

criaccedilatildeo mencionam um elemento liacutequido (oceano) e um elemento soacutelido (terra) que esconde

um outro ldquomundordquo abaixo da superfiacutecie por exemplo em contexto grego o submundo Hades

(natildeo o deus mas o local em si) pode ser equiparado ao Yomi-no-kuni

Por outro lado Hara refere-se a uma segunda visatildeo ldquohorizontalrdquo do cosmos dividido

a meias entre o Toko-yo (常世) o ldquomundo onde os espiacuteritos purificados dos mortos residemrdquo

e o ldquomundo da humanidaderdquo 46

o que nos remete para a barreira entre o ldquoinvisiacutevelrdquo e o

ldquovisiacutevelrdquo Na terminologia do Kojiki se Izanami eacute a senhora do Yomi Izanagi eacute responsaacutevel

44

TAKEDA Tsunegaki op cit pp 25-29 45

TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 46

HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia

ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de

2003)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 27

pelo ldquomundo da humanidaderdquo (utsushi-yo (現世) 47

palavra composta pelo kanji de lsquorealrsquo - no

sentido de lsquovisiacutevelrsquo - e lsquorealidademundorsquo Tudo que esteja para laacute do visiacutevel pertence a ldquooutra

realidaderdquo

Todavia a existecircncia de ldquobarreirasrdquo entre mundos (aacutervores no caso de se desejar

aceder ao ldquoplano superiorrdquo ldquocelesterdquo ou poccedilos e cavernas se pretender visitar os niacuteveis

inferiores da terra) natildeo exclui a hipoacutetese de interaccedilatildeo de humanos com os kami e ldquoespiacuteritosrdquo

que natildeo pertencem ao nosso mundo do mesmo modo que os ldquoseres humanos podem visitar os

outros mundosrdquo habitantes natildeo humanos podem surgir temporariamente na nossa realidade

permitindo a cultivaccedilatildeo da relaccedilatildeo dos humanos com o ldquopara laacute de humanordquo 48

No Nihon shoki aplica-se um modelo tripartido da realidade Ceacuteu Terra e ldquomundo

subterracircneordquo ou Oceano Amaterasu eacute uma ldquocrianccedila estrondosa que devia de nosso acordo ser

enviada de imediato para o Ceacuteu e confiar-lhe os assuntos do Ceacuteurdquo uma responsabilidade

partilhada com o kami da Lua Tsukiyomi-no-mikoto ldquoo Deus que devia ser o consorte da

Deusa do Solrdquo devendo-se ter em consideraccedilatildeo o uso dos termos duacutebios ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo

como uma tentativa de aproximar a realidade mitoloacutegica japonesa ao entendimento do puacuteblico

ldquoocidentalrdquo por parte de Aston Autor desta traduccedilatildeo do Nihon shoki publicado sob o nome

de Nihongi Chronicles of Japan from the Earliest Times to AD697 (1972) Aston diz que a

Terra eacute o domiacutenio do ldquomeiordquo e refere-se ao arquipeacutelago do Japatildeo formalmente conhecido

como ldquoToyo-ashi-hara-chi-woaki no midzu-hordquo que numa versatildeo da ldquohistoacuteriardquo acerca das

origens dos trecircs irmatildeos kami (Amaterasu Tsukiyomi e Susano-o) pertenceria a Susano-o-no-

mikoto Kami de temperamento feroz e personalidade cruel Susano-o provoca Desordem ao

negligenciar a terra e as suas populaccedilotildees Exilado no Ne-no-kuni por ordem de Izanagi e

Izanami Susano-o torna-se o governante daquele mundo 49

O segundo relato da divisatildeo dos trecircs ldquomundosrdquo pelo trio de irmatildeos - cujo nascimento

eacute possivelmente inspirado na narrativa do Kojiki que descreve a fuga de Izanagi do Yomi-no-

kuni Amaterasu nasce apoacutes este lavar o olho esquerdo sendo-lhe entregue Takamagahara a

ldquoPlaniacutecie Elevada do Ceacuteurdquo Tsukiyomi nasce do olho direito e recebe o vasto domiacutenio do

oceano Por fim Susano-o nasce do nariz de Izanagi e apesar de herdar o domiacutenio do meio

(Terra) acaba por ser banido para o ldquomundo inferiorrdquo como puniccedilatildeo pela sua negligecircncia 50

47

TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 48

MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018) 49

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 9-12 50

TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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Com efeito o domiacutenio subterracircneo estaacute sempre presente nas narrativas do Kojiki e

Nihon shoki recebendo um papel de destaque ou secundaacuterio o que por sua vez natildeo implica a

sua ausecircncia em outras fontes numerosas referecircncias a ldquomundosrdquo incompreensiacuteveis e para laacute

da realidade fiacutesica diversificam a visatildeo japonesa de um ldquooutro mundordquo (takaikan 他界観)

geralmente considerado como um ldquooutro mundordquo longiacutenquo ldquooceacircnicordquo feacutertil e uma terra de

imortalidade observando-se um paralelo com o conceito taoiacutesta de uma Terra dos Imortais (a

ilha de Peng-lai ou Hōrai-jima em japonecircs 蓬莱島) a Terra das Raiacutezes (Ne-no-kuni 根国)

pode ser ldquovisitadardquo atraveacutes de uma caverna supostamente localizada em Iga proviacutencia de

Izumo atual prefeitura de Shimane e eacute governada por Susano-o-no-mikoto 51

O reconhecimento de uma divisatildeo tripartida do mundo repercute-se no Kojiki ateacute

um certo momento Izanagi e Izanami detinham domiacutenio conjunto sobre a Terra um ldquomundordquo

modelado pelas suas proacuteprias accedilotildees enquanto ldquocriadoresrdquo de kuni e kami Takamagahara

pertencia aos amatsu-no-kami o Yomi-no-kuni natildeo pertencia a ningueacutem em concreto embora

jaacute fosse um mundo habitaacutevel per si Com a dissoluccedilatildeo do matrimoacutenio de Izanagi e Izanami a

situaccedilatildeo muda por completo eacute necessaacuterio criar novos liacutederes capazes de garantir o equiliacutebrio

entre os mundos da superfiacutecie uma vez que Izanami (esteacuteril) eacute agora a uacutenica governante do

Yomi Em suma pretende-se uma nova geraccedilatildeo para uma nova ordem tornando Izanagi no

ldquoprogenitorrdquo de um conjunto de kami Natildeo existindo qualquer ato sexual propriamente dito os

kami ldquotornam-serdquo como consequecircncia direta dos seus atos de purificaccedilatildeo (misogi)

Neste sentido agrave medida que Izanagi se despe para lavar o seu corpo da ldquosujidaderdquo

(kegare穢) do Yomi-no-kuni surgem vaacuterios kami dos seus acessoacuterios (cana obi isto eacute a peccedila

de tecido usada em torno da cintura que prende a veste tradicional japonesa) a sua espada e

roupa bem como de alguns kami que se ldquotornamrdquo em simultacircneo com a lavagem do corpo

numa nascente Por fim manifesta-se o trio de irmatildeos que herdaria uma das trecircs partes do

mundo tal como ordenado por Izanagi a Amaterasu de aparecircncia resplandecente capaz de

iluminar os ceacuteus recebe Takamagahara uma posiccedilatildeo legitimada por Izanagi que lhe oferece

um acessoacuterio para pendurar ao pescoccedilo o seu irmatildeo Tsukuyomi-no-mikoto (月読の命) e kami

da Lua eacute adequadamente encarregue do yoru no osu kuni (夜之食国) - entendido por Takeda

como yoru no sekai literalmente o ldquomundo da noiterdquo Susano-o-no-mikoto (須佐之男命) e

kami das tempestades (arashi no kami 嵐の神) manifestando uma personalidade tempestuosa

51

MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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e conflituosa recebe a tarefa de governar a lsquoplaniacutecie dos maresrsquo (unabara 海原) expressatildeo

que designa um domiacutenio terreno (kuni) e natildeo algo pertencente ao mundo marinho (tal como eacute

sugerido pelo kanji de umi ou ldquomarrdquo) 52

De entre os trecircs mencionados kami Susano-o eacute notoriamente o mais invejoso

procurando humilhar a sua irmatilde ao ponto de esta se refugiar numa caverna a ldquoPedra-caverna

do Ceacuteurdquo (Ama no Iwato (天の岩戸) Consequentemente ldquotoda a Alta Planiacutecie do Ceacuteu tornou-

se escura e toda a Terra Central das Planiacutecies de Junco estava escura tambeacutem Por causa disto

noite eterna reinavardquo 53

Em outras palavras a ausecircncia de Amaterasu estaacute conotada com um

estado de Desordem do proacuteprio cosmos um caos que necessita de regressar ao seu estado de

Ordem o quanto antes sendo que Susano-o eacute o agente da Desordem e a sua irmatilde a agente da

Ordem traccedilada por Izanagi

Amaterasu soacute retoma as suas responsabilidades de guardiatilde de Takamagahara e por

associaccedilatildeo da ldquoTerra Central das Planiacutecies de Juncordquo devido ao esforccedilo conjunto das ldquooito

miriacuteades de kami reunidas na margem do Paciacutefico Rio do Ceacuteu numa reuniatildeo divinardquo o

episoacutedio em si eacute uma histoacuteria de elevado cariz sexual protagonizada por Amaterasu tem como

antagonista Susano-o e inclui alguns kami que apesar de serem personagens secundaacuterias satildeo

essenciais para a devoluccedilatildeo do mundo ao seu estado de Ordem cada kami tenta fazer com que

Amaterasu saia do esconderijo convocando-se outros kami para o efeito Cabe a Ame-no-

uzume-no-mikoto (天宇受売命) a uacuteltima tentativa executando uma danccedila muito provocante

durante um ldquoestado alterado de consciecircnciardquo e como resultado todos os kami riem-se A

curiosa Amaterasu interroga-se sobre o porquecirc desta comoccedilatildeo e eacute atraiacuteda para fora da caverna

ficando temporariamente cega ao ver o seu proacuteprio reflexo num espelho permitindo aos kami

selarem definitivamente a Ama no Iwato trazendo a luz de volta ao mundo e com ela a

Ordem 54

O episoacutedio tambeacutem constitui uma das referecircncias mais antigas e descritivas de rituais

executados em shintō o elemento da danccedila de entretenimento (kagura) eacute uma das partes

integrais da cerimoacutenia de dedicaccedilatildeo aos kami nos santuaacuterios e neste mito em particular possui

claramente uma intenccedilatildeo de reordenaccedilatildeo Ame-no-uzume-mo-mikoto pode ser interpretada

como um protoacutetipo de uma miko (巫女) embora ecoando uma imagem provocante (a danccedila e

52

TAKEDA Tsunegaki op cit pp38-41 53

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 129-130 54

TAKEDA Tsunegaki op cit pp 50-52

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a o vestuaacuterio) diferente da imagem tiacutepica de uma miko Ono Sokyō descreve-as como

ldquofuncionaacuterias puacuteblicasrdquo e filhas de sacerdotes ou locais residentes cujos deveres para com o

jinja findam quando se casam sendo substituiacutedas por outras A sua funccedilatildeo prende-se com o

ldquoritualrdquo auxiliando os responsaacuteveis pelos jinja na preparaccedilatildeo das cerimoacutenias 55

Natildeo obstante a kami atua como representante da classe Sarume (猿女) uma das

primeiras quatro classes sacerdotais geralmente composta por danccedilarinos e cuja linhagem

remontaria a Ame-no-uzume-no-mikoto esposa de Sarutahiko-no-kami o kami associado agrave

fertilidade e ao ato sexual Por sua vez se os Nakatomi (中臣) retraccedilam as suas origens a

Ame-no-koyane-no-mikoto (天児屋命) 56

realizavam ritos e entoavam norito os Inbe (斎部)

encarregavam-se dos rituais de abstenccedilatildeo garantindo uma ldquopureza cerimonial a fim de afastar

poluiccedilatildeo e manter contacto constante com os kamirdquo 57

descendendo do kami responsaacutevel por

selar a Ama no Iwato (Futodama-no-mikoto 布刀玉命 ) 58

Quanto aos Urabe (卜部 )

responsabilizavam-se por ldquoadivinharrdquo da vontade dos kami 57

agrave semelhanccedila dos ldquoadivinhosrdquo

da dinastia chinesa Zhou que recorriam agrave leitura das fissuras das carapaccedilas de tartaruga e

omoplatas de gado depositadas no fogo

Aleacutem do elemento de danccedila o episoacutedio regista a presenccedila de oferendas (shinsen神

饌) praacutetica que corresponde atualmente agrave ldquosegunda faserdquo dos rituais (de Ordem) em shintō

no mito shinsen satildeo substituiacutedas por tamagushi (玉串) - ramos da aacutervore sakaki (榊) em

torno dos quais satildeo atadas as ldquojoacuteias curvasrdquo (magatama 勾玉) - e eacute claro o espelho por sua

vez interpretado por Takeda como o ceacutelebre Yata no kagami (八咫鏡) um dos trecircs siacutembolos

da casa imperial (sanshū no jingi 三種の神器) juntamente com a ldquojoacuteia curvardquo Yasakani no

magatama (八尺瓊曲玉)

O uacutenico siacutembolo ausente eacute a espada Kusanagi no KenTsurugi (草薙剣) que soacute surge

efetivamente no episoacutedio seguinte narrando-se o desterrar de Susano-o para a Terra apoacutes ter

sofrido derrota agraves matildeos da irmatilde que por sua vez se refugiaria temporariamente na Ama no

Iwato como jaacute mencionado anteriormente Susano-o negligenciava constantemente o seu

domiacutenio a sua maior ambiccedilatildeo era ocupar o trono de Amaterasu em Takamagahara

competindo sempre que podia com a irmatilde sendo que um dos seus desafios testava a

capacidade de reproduccedilatildeo enquanto kami-progenitores Uma vez que os filhos de Amaterasu

55

ONO Sokyō op cit pp 41-44 56

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 133-136

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nascem primeiro 57

confirma-se a posiccedilatildeo desta kami como governante uacutenica dos assuntos do

ldquodomiacutenio superiorrdquo

De orgulho ferido Susano-o lsquodescarregarsquo a sua raiva e eacute punido pelos seus atos

(neste contexto o uso da palavra tsumi [罪] especifica a natureza ofensiva das accedilotildees de

Susano-o) passando a servir os outros kami como forma de arrependimento cometendo um

uacuteltimo ato atroz mas invulgarmente necessaacuterio o kami mata a kami da comida Ōgetsuhime-

no-kami 58

(大気都比売神 tambeacutem identificada como Toyo-uke-hime-no-kami) e do seu

cadaacutever nascem os cinco cereais fundamentais para a atividade agriacutecola 59

Por outras

palavras a atitude violenta de Susano-o revela-se beneacutefica e natildeo prejudicial como em outros

episoacutedios tornando esta personagem uma espeacutecie de ldquomal necessaacuteriordquo

Em Izumo Susano-o adquire um estatuto equivalente ao de heroacutei o kami viaja pela

terra ateacute se deparar com um casal de kami cujas filhas tinham sido constantemente devoradas

por um terriacutevel ser de oito cabeccedilas (Yamata no Orochi八岐大蛇) Prometendo ajudar o casal

em troca da matildeo da uacuteltima filha Susano-o embriaga a serpente e decepa-lhe a cauda da qual

misteriosamente emerge a Kusanagi no tsurugi Desposando Kushi-na-ta-hime (櫛名田比売)

Susano-o fixa-se definitivamente em Izumo 60

Ora a derradeira meta de Susano-o eacute nada mais do que adquirir influecircncia

comparaacutevel agrave da sua irmatilde criando vaacuterias linhagens de kami (unindo-se em matrimoacutenio agraves

filhas de outros kami) cujas crianccedilas pudessem assumir a responsabilidade de ldquocriarrdquo novos

domiacutenios no arquipeacutelago japonecircs De entre os descendentes de Susano-o destacar-se-ia

Ōkuninushi-nushi-no-kami (大国主神) - literalmente ldquoo kami que governa os kunirdquo (kuni wo

shihaisuru kami国を支配する神) - Seguindo nas pisadas do casal Izanagi e Izanami e do

seu antepassado Susano-o Ōkuninushi empenhar-se-ia na ldquoconstruccedilatildeo da terrardquo 60

Por sua

vez Amaterasu e o seu consorte Taka-musubi-no-kami ldquodecidem estabelecer domiacutenio celesterdquo

57

TAKEDA Tsunegaki op cit pp45-47 58

AKEDA Tsunegaki op cit pp54-55 59

Curiosamente no episoacutedio de Tsukuyomi e Ukemochi (Nihon shoki) constata-se um grande paralelo com o

mito anterior Tsukuyomi mata Ukemochi-no-mikoto num acesso de raiva pela mesma razatildeo que Susano-o

Ukemochi tinha produzido comida pela boca efetivamente ldquosujando-ardquo (kegare) Como resultado Amaterasu

afasta-se definitivamente de Tsukuyomi dando iniacutecio agrave sucessatildeo dos dias e das noites Entretanto do cadaacutever da

kami brotam alimentos que seriam cultivados para consumo humano (gado arroz trigo etc) Nihonsinwa ldquo第

五段一書(十一)ウツシキアオヒトクサrdquo (Quinta secccedilatildeo 11 Utsushiki-aohitokusa) 日本書紀神代上

(Nihon shoki Kami-yo Parte Superior) (on line) lthttpnihonsinwacompage699htmlgt (consultado em 24-06-

2018) 60

TAKEDA Tsunegaki op cit pp55-60

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sobre o Ashihara Nakatsu kuni (葦原中国) tornando o territoacuterio oficialmente pertenccedila dos

amatsu-no-kami 61

Duas geraccedilotildees mais tarde Ninigi (neto de Amaterasu e Taka-musubi) desceria ao

domiacutenio do meio e receberia de Amaterasu as sanshū jingi (espada espelho e magatama)

oficializando o novo regime de governaccedilatildeo honrado pelo seu bisneto o futuro primeiro

Imperador humano do Japatildeo que adotaria o nome de Jinmu (神武) no seguimento das suas

campanhas bem-sucedidas contra os descendentes dos kunitsu-no-kami na planiacutecie de Yamato

61 No fundo constata-se uma segunda interrupccedilatildeo da ordem do cosmos cuja reposiccedilatildeo por

Ninigi e Jinmu definiria a nova reparticcedilatildeo do mundo Takamagahara continuaria a ser

governado por Amaterasu representante por excelecircncia dos amatsu-no-kami sendo que o

ldquodomiacutenio do meiordquo permaneceria sob o controlo da famiacutelia imperial cuja linhagem

descenderia diretamente de Amaterasu natildeo do seu irmatildeo Susano-o

12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora

Natildeo obstante o episoacutedio da descida de Ninigi e o relato da vitoacuteria de Jinmu sobre os

seus inimigos fazem parte de uma cuidadosa estrateacutegia poliacutetica enraizada na proacutepria corte

reconhecendo-se o papel de Amaterasu (Kojiki) ou de Taka-musubi-no-kami (Nihon shoki) 62

no processo de legitimaccedilatildeo da soberania da famiacutelia imperial sobre o territoacuterio japonecircs Em

ambos casos o resultado eacute o mesmo contraria-se o sistema caracterizado por unidades

familiares que detinham domiacutenio sobre um ou mais territoacuterios emergindo uma nova ordem

poliacutetica sediada na planiacutecie do Yamato e cujo liacuteder adota o tiacutetulo de Imperador (tennō 天皇)

destacando-se de outros liacutederes familiares pelo seu interesse para com sistemas e ideias vindas

de fora tais como as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda

121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa

No primeiro caso a tradiccedilatildeo confuciana introduz-se na esfera da educaccedilatildeo de corte

tornando-se indispensaacutevel para a criaccedilatildeo de poesia (ao estilo chinecircs natildeo japonecircs) e uma

61

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 62

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 33

influecircncia nos comentaacuterios de capiacutetulos do Nihon shoki 63

De entre as vaacuterias escolas de

pensamento a de Zhu Xi tornar-se-ia extremamente popular dentro do sacerdoacutecio shintō

culminando na criaccedilatildeo de Suika shintō (垂加神道) por parte de Yamazaki Ansai (山崎 闇

斎 1612-1682) que enfatizava uma ldquoGrande Viardquo estabelecida por Amaterasu produzindo

um novo conceito de ldquoreverecircncia para o imperadorrdquo ligado com a noccedilatildeo de Japatildeo como a

ldquoterra dos kamirdquo 64

Durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) a relaccedilatildeo entre confucionismo e shintō seria

levada a um outro patamar nascendo juka shintō (儒家神道) Fundamentando a teoria de que

estes dois sistemas eram um (shinju icchi神儒一致) 65

este tipo de shintō contribuiria para

criaccedilatildeo de outras vertentes natildeo tanto focadas na praacutetica de ritual mas antes na anaacutelise e

exposiccedilatildeo teoacuterica deste uacuteltimo e consequentemente a reinterpretaccedilatildeo de conceitos e ideias

shintō ao estilo confuciano por exemplo a linha de pensamento de Aizawa Seishizai (会沢

正志斎 1782-1863) atribui a Amaterasu qualidades como lealdade e piedade filial fazendo

de shintō uma ldquoVia Confucianardquo onde ldquoordem social construiacutea-se sobre lealdade e devoccedilatildeo

filial (hellip) para sempre envigorada pela atuaccedilatildeo exemplar do Imperador de atos rituais na

presenccedila da sua antepassada a deusa-solrdquo 66

Contudo a chegada de um periacuteodo moderno faz estender esta tradiccedilatildeo a outros

domiacutenios aleacutem de jinja shintō os setores confucianos de kyōha shintō (教派神道 )

denominados Shintō Shūseiha (神道修成派) e Shintō Taiseikyō (神道大成教) Tanto num

caso como no outro a linha de pensamento dos grupos eacute modelada pela vivecircncia do

ldquoorganizadorrdquo ou ldquofundadorrdquo por exemplo Nitta Kuniteru (新田 邦光 1829-1902) possuiacutea

uma visatildeo poliacutetica profundamente ldquolealistardquo focada na reverecircncia ao Imperador e na exclusatildeo

de ideias ldquoocidentaisrdquo que supostamente acelerassem o desenvolvimento do Japatildeo

Familiarizado com os claacutessicos confucianos e a Via do bushi (武士道) Nitta desenvolveria

com os seus companheiros uma mentalidade proacutepria que elevava shintō ao estatuto de uma

63

YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious

and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 64

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 311-312 65

YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious

and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 66

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 p69

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 34

ldquoGrande Viardquo associada a obrigaccedilotildees morais patriotismo que deviam ser sempre praticados

pelos japoneses o que iria ao encontro das ideias do governo Meiji 67

Em 1876 o poder poliacutetico reconheceria Shūsei Kōsha (修成構社) ndash o grupo fundado

por Nitta ndash como um grupo independente nascendo oficialmente a Shintō Shūseiha uma

organizaccedilatildeo que possuiacutea dois grupos distintos de aderentes por um lado os estudantes de

Nitta do final do periacuteodo Edo por outro membros de outros grupos que se tinham juntado a

Shūseiha apoacutes a restauraccedilatildeo Meiji (1868) 68

No que concerne aos seus ensinamentos combinavam-se conceitos de shintō (kami)

com ldquoelementos da cosmologia de pensamento neo-confuciano e outras crenccedilas sincreacuteticasrdquo

notando-se a importacircncia do Nihon shoki e do Kojiki (de onde derivam os termos shū ndash shūri

修理 reparaccedilatildeo ndash e sei ndash de kōusei 構成 consolidaccedilatildeo) entre outros textos eacute no princiacutepio de

shūsei que ldquojaz a lei fundamental da evoluccedilatildeo do universo (hellip) o processo da humanidade e o

avanccedilar da sociedade se devem agrave operaccedilatildeo deste princiacutepio uacutenicordquo consolidado pela

observaccedilatildeo da ldquolei moral e os meios pelos quais os assuntos da famiacutelia e sociedade satildeo

administradosrdquo Enfatizando uma atitude de veneraccedilatildeo aos kami aos antepassados e eacute claro o

desenvolvimento de caraacutecter do individuo que devia atuar de forma correta mantendo

ldquotemperanccedila e frugalidaderdquo 69

shūseiha propotildee uma mistura de praacutetica e doutrina orientada

para o indiviacuteduo podendo ser interpretada como uma ldquodisciplinardquo que o guiasse ao longo da

sua vida natildeo muito diferente da proposta de shintō

Por outro lado Hirayama Seisai ( 平山省斎 1815-1890) acumulou cargos

governamentais e dedicou-se aos estudos de Chinecircs e Kokugaku em Edo No periacuteodo poacutes-

restauraccedilatildeo Meiji Hirayama teraacute inaugurado uma escola de estudos chineses no periacuteodo

gradualmente envolvendo-se em assuntos de cariz ldquoreligiosordquo ndash tornou-se sacerdote-liacuteder em

santuaacuterios relevantes como o de Hikawa e de Hie ndash ao ponto de formar em 1879 a Taisei

Kyōkai (大成教会) que em 1882 ganharia independecircncia e acomodaria dezenas de grupos

Shintō Taiseikyō 70

Enaltecendo o caraacutecter educativo de shintō o setor considera a veneraccedilatildeo dos jingi e

dos antepassados (o que em termos tradicionais natildeo representa nada de novo) como

responsabilidade do indiviacuteduo que por sua vez deve alcanccedilar a felicidade e viver ldquobemrdquo o que

67

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 68

INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29

(3-4) 2002 pp 405-427 69

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 70

INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29

(3-4) 2002 pp 405-427Studies

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 35

estaacute de acordo com a visatildeo positiva de shintō em relaccedilatildeo ao indiviacuteduo Uma vez que o ser

humano possui ldquobons espiacuteritosrdquo (possivelmente a tradiccedilatildeo original seria uma ldquoboardquo tamashii)

este tem a capacidade inerente de se autodisciplinar e autorreformar atraveacutes do devido esforccedilo

devendo confiar e executar o ritual ldquoagrave maneira de geraccedilotildees sucessivas de Cortes Imperiaisrdquo 70

Com efeito Taiseikyō procura honrar a tradiccedilatildeo de jinja shintō e reforccedila a ideia de que shintō

eacute para todos os efeitos uma Via criada para os humanos

29 (3-4) 2002 pp 405-427

122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos kami

A segunda Via enfatiza a natureza ritual de shintō e eacute acolhida com o maior

entusiasmo pelo poder poliacutetico como se constata na narrativa cosmoloacutegica do Nihon shoki no

uso de espadas e espelhos em contexto ritual nos cultos ao Imperador agrave Estrela Polar e agrave

Ursa Maior 71

A Via do Dao definir-se-ia entatildeo como uma espeacutecie de auxiliar ao culto jingi

que se encontrava ao serviccedilo da corte imperial isto eacute da esfera privada agrave necessidade de

venerar os kami juntar-se-ia a atuaccedilatildeo poliacutetica uma noccedilatildeo expressa no conceito de

matsurigoto (政) Posteriormente recuperado e adaptado agrave mentalidade Meiji designando-se

saisei icchi (祭政一致) o princiacutepio de unidade da execuccedilatildeo dos ritosveneraccedilatildeo dos kami e de

governar o territoacuterio matsurigoto parece harmonizar os aspetos rituais e poliacuteticos dentro do

territoacuterio japonecircs algo reconhecido por Ono Sokyō no seu entender ldquofestivais e ritos para

vaacuterios kami tutelares e a administraccedilatildeo de clatildes e sociedade local eram essencialmente uma

uacutenica funccedilatildeordquo 72

Essecircncia do ritual em jinja shintō e kōshitsu shintō os matsuri satildeo tanto ocasiotildees

festivas e alegres como possuem um aspeto mais soacutebrio e solene sobretudo se realizados por

indiviacuteduos ligados ao poder poliacutetico no caso dos ldquoritos imperiaisrdquo deve-se incluir o lsquomatsuri

das origensrsquo (Genshi-sai元始祭 3 de Janeiro) a celebraccedilatildeo da passagem das estaccedilotildees do ano

- a Primavera (Shunki Shindensai 春季神殿祭 e Shunki Kōreisai 春季皇霊祭) e Outono

(Shūki Shindensai 秋季神殿祭 e Shūki Kōreisai 秋季皇霊祭 ) Acrescenta-se ainda o

Niinamesai (新嘗祭 23 de novembro) e o Kannamesai (神嘗祭 17 de outubro) 73

um dos

treze principais matsuri listados e calendarizados no Jingiryō

71

KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981

pp 1-21 72

ONO Sokyō op cit p76 73

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 79-80 p96

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 36

Supervisionados pelo Jingikan (神祇官) estes treze matsuri eram hierarquizados em

ldquomaiorrdquo ldquomedianordquo e ldquomenorrdquo ndash os ritos de maior importacircncia (taishi) eram celebrados

durante todo o mecircs os chūshi duravam trecircs dias e os shōshi apenas um dia 74

Kinensai

(ldquocerimoacutenia de preces para o Anordquo) era celebrado no segundo mecircs Chinkasai (ldquocerimoacutenia de

pacificaccedilatildeo das floresrdquo) no terceiro mecircs Kanmisosai (de caraacutecter bianual) no quarto e nono

meses Ōimisai (realizado no jinja de Hirose) no quarto e seacutetimo mecircs Saigusasai (realizado

no jinja de Ōmiwa) e Fūjinsai (matsuri em honra do kami do vento) no quarto e seacutetimo mecircs

No sexto e deacutecimo segundo mecircs celebrava-se o Tsukinamisai algo replicado no Chinkasai

(rdquocerimoacutenia da pacificaccedilatildeo do fogordquo) e Michiaesai (ldquocerimoacutenia dos quatro campos da

capitalrdquo) Quanto ao nono mecircs este estava reservado para o Kannamesai (ldquocerimoacutenia da

degustaccedilatildeo divina dos frutosrdquo) seguido do Ainamesai (ldquocerimoacutenia de partilha dos frutosrdquo) o

Chinkonsai (rdquocerimoacutenia para a pacificaccedilatildeo do espiacuteritos augustosrdquo) e o Daijōsai (rdquogrande

cerimoacutenia de degustaccedilatildeo dos frutosrdquo) agendados no deacutecimo primeiro mecircs 75

No fundo o Jingikan regulava o modo de veneraccedilatildeo dos jingi cujas metas revolviam

sempre em torno do bem puacuteblico obtenccedilatildeo de boas colheitas garantia da ldquosauacutede e seguranccedila

do imperador do palaacutecio e da capitalrdquo e eacute claro proteccedilatildeo contra invasotildees rebeliotildees e doenccedilas

que afetassem a populaccedilatildeo 76

o palaacutecio imperial era nada mais do que um centro de ritual e a

elite qualificada da capital a grande autoridade sobre todos os assuntos shintō e taoiacutestas

Como se pode constatar as atividades desta instituiccedilatildeo complementavam-se com a

atuaccedilatildeo do Escritoacuterio Yin-Yang (Onmyōryō 陰陽寮) Operado por dezenas de indiviacuteduos

empenhados na manutenccedilatildeo do equiliacutebrio coacutesmico atraveacutes dos mais diversos meios

(astronomia calendarizaccedilatildeo e adivinhaccedilatildeo yin-yang este oacutergatildeo seria o siacutembolo da adaptaccedilatildeo

da escola de pensamento on-myōdō ( 陰 陽 道 ) ao contexto japonecircs permitindo o

desenvolvimento de certas praacuteticas hoje aceites na cultura japonesa como formas de

lsquosupersticcedilatildeorsquo ou lsquomagiarsquo por exemplo a adivinhaccedilatildeo baseada nos signos do zodiacuteaco chinecircs

ou direccedilotildees da buacutessola 77

74

HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 75

TAKASHIO Hiroshi ldquoJingiryōrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices

Ancient (on-line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23330gt

(consultado em 24-06-2018) 76

BREEN John TEEUWEN Mark op cit p32 pp36-37 77

HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 37

Durante o Periacuteodo Heian (794-1185) as proacuteprias cerimoacutenias onmyōdō adaptam-se

aos rituais estatais (positivos) sendo ldquointroduzidas como ritos de proteccedilatildeo pessoal para o

imperadorrdquo dirigidos a ldquocorpos celestiaisrdquo e aos kami Uns seacuteculos mais tarde a Via do Dao

tornar-se-ia objeto de interesse pelas ldquopessoas comunsrdquo que patrocinavam ldquoritosrdquo e

praticavam ldquomagia pessoal para convidar becircnccedilatildeos e evitar maacute-sorterdquo 77

Neste sentido on-

myōdō reconhecia a existecircncia de forccedilas ldquonegativasrdquo que deviam ser eliminadas e pacificadas

claramente enriquecendo a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo em shintō

Uma Via fundada e divulgada por certas famiacutelias que lhe enalteciam um aspeto

ldquomaacutegicordquo onmyōdō conheceria especial popularidade em algumas escolas de pensamento

refletindo a existecircncia de movimentos internos da proacutepria Via dos kami que conjugavam o

aspeto mais praacutetico com a exposiccedilatildeo teoacuterica desta uacuteltima Assim onmyōdō tornar-se-ia uma

referecircncia para os autores responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de Ise shintō (伊勢神道 ) e Yoshida

shintō (吉田神道) ambas possuindo uma relaccedilatildeo bastante familial os principais autores e

comentadores provinham de famiacutelias associados a um santuaacuterio especiacutefico sendo que os

Watarai de Ise shintō pertenciam ao Palaacutecio Externo (Gekū外宮) de Ise os Urabe de Yoshida

shintō uma das famiacutelias mais influentes no Jingikan ocupavam cargos de lsquosacerdotesrsquo em

Quioto concretamente nos jinja de Hirano Yoshida e Ume no Miya 78

Aleacutem de partilharem dos mesmos sentimentos de rejeiccedilatildeo face agrave doutrina honji-

suijaku (本地垂迹 ) que reduziria os kami a incarnaccedilotildees de bodhisattvas e budas e

consequentemente subordinando shintō agrave Via do Buda ndash revertendo a relaccedilatildeo shinbutsu ou

seja tornando as ldquodivindades budistasrdquo como manifestaccedilotildees de kami 79

as escolas estavam

familiarizadas com princiacutepios da cosmologia chinesa o Ruiju jingi hongen (類聚神祇本源

composto em 1320) de Watarai Ieyuki (度会 家行 1255-1351) expocircs a sua ldquoa teoria de Yin-

Yang e as Cinco Fases da Mateacuteria (inyō gogyō) no contexto de uma descriccedilatildeo da criaccedilatildeo do

ceacuteu e da terrardquo recorrendo agraves obras do filoacutesofo chinecircs Zhou Dunyi (周敦頤 1017-1073)

ceacutelebre pensador ldquoneo-confucianordquo e autor de um comentaacuterio ao Claacutessico das Mutaccedilotildees

(Yijing 易經 em japonecircs Eki-kyō 易経) e do ensaio de exposiccedilatildeo sobre o diagrama do

extremo supremo (taiji tushuo 太極圖說 taikyo kuzu) 80

Argumentando acerca do ldquoiniacutecio

como o iniacutecio e a origem como a origemrdquo Ieyuki considera o organismo humano como o

78

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 79

PICKEN Stuart op cit p173 80

YAO Xinzhong An Introduction to Confucianism New York Cambridge University Press 2000 pp98-99

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 38

coletivo dos cinco elementos que ldquocomungam com a origem da naturezardquo agrave qual se deve

regressar e entrar 81

No caso da escola Yoshida Yoshida Kanetomo (吉田兼俱 1435-1511) autor da

obra Shintō Taii (神道大尉) estabelece paralelos tais como ldquosete aberturas da cabeccedila com as

sete estrelas do ceacuteu e os cinco oacutergatildeos internos com as cinco fases da mateacuteria na terrardquo 82

por

conseguinte kami seriam descritos como uma forma de taiji (taikyo) a ldquoabsoluta existecircncia

anterior agrave formaccedilatildeo do ceacuteu e da terra transcendendo yin e yang embora sendo capaz de agir

com estas mesmas forccedilasrdquo uma vez que natildeo possuem forma concreta os kami possuiacuteam o

atributo da ldquocriatividaderdquo modelando todas as coisas existentes no mundo 83

Supervisionado pelo Ministeacuterio dos Assuntos Internos sob o coacutedigo ritsuryō o

Onmyōryō tornar-se-ia o palco de rivalidades familiares entre clatildes como os Abe (associados agrave

astrologia) e os Kamo (especialistas nas ciecircncias calendares) No periacuteodo Muromachi a

linhagem Abe (Tsuchimikado土御門) assumiria a posiccedilatildeo hereditaacuteria de superintendentes da

instituiccedilatildeo sendo que a casa dos Kamo (Kōtokui 幸徳井) contentar-se-ia com o segundo

lugar ocupando o cargo de vice-liacuteder No Periacuteodo Edo as disputas de autoridade em mateacuterias

de ritual condicionariam a crescente competiccedilatildeo entre os Tsuchimikado e uma terceira casa

os Yoshida se os Tsuchimikado seriam reconhecidos pelo bakufu como os responsaacuteveis pela

nomeaccedilatildeo dos lsquomestres do yin-yangrsquo (onmyōji 陰陽師) os Yoshida encarregar-se-iam dos

sacerdotes shintō 84

Em 1682 Tsuchimikado Yasutomi (土御門泰福 1655-1717) criaria

uma nova doutrina inspirada no pensamento de Yamazaki Ansai e de alguns pensadores de

Ise shintō bem como controlava e garantia ldquolicenccedilas a praticantes Yin-Yang pelas proviacutenciasrdquo

85

Na atualidade elementos de onmyōdō podem ser encontrados nas vaacuterias ramificaccedilotildees

de shintō tomando-se o exemplo de Tensha Tsuchimikado Shintō (天社土御門神道 )

Inspirada pela escola de Yasutomi e criada no poacutes-1945 como consequecircncia da concessatildeo de

liberdade religiosa esta organizaccedilatildeo centra-se na cerimoacutenia tensō chifusai (天曹地府祭) Um

81

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p176 82

HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 83

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 84

NISHIOKA Kazuhiko ldquoTsuchimikado Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and

Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22576gt (consultado em 24-06-2018) 85

INOUE Nobutaka ldquoTsuchimikado Yasutomirdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities

(on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22771gt (consultado em

24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 39

matsuri de caraacutecter imperial tensō chifusai procurava a transmissatildeo dos ldquodesejosrdquo do novo

Imperador agraves ldquodivindadesrdquo on-myō embora gradualmente adquirisse popularidade junto dos

Tsuchimikado Praticada no seu jinja dedicado a Taizan Fukun 85

(泰山夫君) ndash em contexto

chinecircs atuava como magistrado do domiacutenio dos mortos e era um subordinado de Yama (em

japonecircs Enma閻魔) 86

ndash a cerimoacutenia garantiria longevidade e seguranccedila do novo imperador

bem como a manutenccedilatildeo do estado de paz no territoacuterio do Japatildeo e o bem-estar dos suacutebditos 85

as necessidades do coletivo pesavam mais do que as individuais

123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu

Apesar da influecircncia significativa do confucionismo e do taoiacutesmo em shintō ambos

sistemas de pensamento chinecircs natildeo partilham da categoria moderna de shūkyō no campo da

estatiacutestica japonesa apenas a Via do Buda eacute hoje reconhecido como tal juntando-se a shintō e

ao cristianismo trecircs ldquoreligiotildeesrdquo cujo impacto alterou a paisagem cultural japonesa embora a

quantidade de igrejas dificilmente se compara aos milhares de jinja e tera ou jirsquoin (templos

budistas) observando-se igualmente a presenccedila de determinados cultos e tendecircncias que

demonstram o caraacutecter sincreacutetico da relaccedilatildeo shinbutsu

No entanto os atos de veneraccedilatildeo aos kami eram na sua origem considerados como a

antiacutetese da Via do Buda dificultando tentativas de aproximaccedilatildeo entre os ldquocultosrdquo segundo os

decretos imperiais do Nihon shoki shintō ndash interpretado como kannagara (惟神 随神)

designando uma praacutetica delegada por Amaterasu aos seus descendentes e que seria traduzida

como ldquoseguir Shinto (hellip) ou carregar Shinto de forma naturalrdquo - e buppōbutsudō eram

encarados com respeito ou desdeacutem 87

No periacuteodo de governaccedilatildeo do Imperador Yōmei (用明

天皇) ambas eram consideras tradiccedilotildees vaacutelidas a seguir uma vez que este ldquoacredita na lei do

Buda e respeita shendaordquo (天皇信仏法尊神道) 88

um termo mais tarde identificado com

shintō

86

MASUO Shinrsquoichirō ldquoChinese Religion and the Formation of Onmyōdōrdquo Nanzan Institute for Religion and

Culture Japanese Journal of Religious Studies nordm 40 (1) 2013 pp 19ndash43 87

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 253-258 88

Durante o primeiro ano do reinado do imperador Kōtoku (孝徳天皇 supostamente ldquorespeita-se a lei do Buda

e ter shendao em pouca consideraccedilatildeordquo (尊仏法軽神道) SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon

shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 40

Por volta da reforma Taika de 645 os ldquorituais budistasrdquo tinham encontrado o seu

lugar no palaacutecio imperial interagindo com os ritos para os kami 89

condicionando um cenaacuterio

de competiccedilatildeo que forccedilaria a adaptaccedilatildeo de shintō face a estas novas escolas e vice-versa

Destacando-se como uma nova forma de lei e doutrina inovadora cujo impacto se estenderia a

vaacuterias aacutereas nomeadamente arte arquitetura educaccedilatildeo e literatura a Via do Buda eacute elevada

ao estatuto de protetora do domiacutenio do Japatildeo o que natildeo implica uma relaccedilatildeo antagoacutenica com

o culto jingi antes pelo contraacuterio

Durante os periacuteodos Nara-Heian constroem-se os primeiros espaccedilos de veneraccedilatildeo

conjunta de kami e budas (jingū-ji (神宮寺) Todavia a contiacutenua associaccedilatildeo da nova Via agrave

vida aristocraacutetica reforccedilaria a ligaccedilatildeo dos cultos aos kami com as pessoas comuns 90

shintō

permanecia a religiatildeo da comunidade e o budismo a religiatildeo doutrinaacuteria de uma elite

empenhada na traduccedilatildeo e interpretaccedilatildeo dos sutras patrocinando a construccedilatildeo de templos e a

consequente instruccedilatildeo dos monges utilizando rituais budistas para seu benefiacutecio

Tal como os onmyōji se dedicavam a atividades de lsquoexorcismorsquo os monges

recorreriam a foacutermulas e outras teacutecnicas para controlar a ldquoviolecircncia de divindades espiacuteritos e

demoacutenios de todos os tipos incluindo os kamirdquo Por conseguinte a introduccedilatildeo e popularizaccedilatildeo

das linhas de pensamento favoraacuteveis agrave combinaccedilatildeo de elementos shinbutsu obrigaria a novas

interpretaccedilotildees do que se entende por kami outrora seres omnipotentes kami possuiriam um

estatuto equivalente ao de devas ou asuras e como tal sujeitavam-se a samṣara (rokudō rinne

六道輪廻) ao contraacuterio dos budas que tinham alcanccedilado a iluminaccedilatildeo (satori 悟り) 91

No final do periacuteodo Nara promover-se-ia a teoria de que os kami eram nada mais do

que ldquodivindadesrdquo tutelares dos ensinamentos budistas clarificando a relaccedilatildeo de superioridade

do budismo para com shintō e como tal poderiam ser salvas como qualquer outro ser dos seis

domiacutenios 92

neste sentido vida e morte fazem parte do mesmo ciclo do qual apenas alguns se

podem libertar colocando todos os habitantes dos seis caminhos em peacute de igualdade para

shintō a necessidade de ldquosalvaccedilatildeordquo da roda de reencarnaccedilatildeo atraveacutes de satori natildeo se justifica

todos os seres vivos partilham do mesmo caminho - nasciam viviam no seu mundo (em

sociedade com outros kami e humanos) e a sua lsquoformarsquo ou corpo possui os seus limites

89

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 90

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 91

BREEN John TEEUWEN Mark opcit p 38-39 92

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 41

naturais apoacutes a morte fiacutesica os uacutenicos traccedilos de existecircncia de uma forma de vida encontrar-

se-iam na tamashii (魂) um atributo interior de kami e humanos

Paralelamente agrave expansatildeo do budismo no Japatildeo desenvolve-se a primeira fase da

vertente acadeacutemica de shintō caracterizada pela adoccedilatildeo de conceitos e fundamentaccedilatildeo de

teorias de bukkyō como o princiacutepio honji-suijaku aplicado pelos setores mais populares do

periacuteodo Heian Tendai (天台宗) e Shingon (真言宗) reavaliando-se a relaccedilatildeo entre kami e

outros ldquoseresrdquo reconhecidos pela Via do Buda Assim kami tornar-se-iam suijaku (lsquotraccedilosrsquo垂

迹) dos honji (lsquoessecircnciasrsquo本地) que se encontravam em budas (hotoke 仏) e bodhisattvas

(bosatsu菩薩) por exemplo Jizō (地藏) eacute identificado com Hiraoka-amakoyane-no-mikoto

um dos kami consagrados no Kasuga Jinja 93

no complexo de Ise encontrar-se-ia o honji

Mahāvairocana Tathagata (Dainichi Nyorai 大日如来 ) e em Hakusan o bosatsu da

compaixatildeo Kannon (観音) 94

O esforccedilo de cooperaccedilatildeo entre ambas tradiccedilotildees atingiria o seu auge com o

aparecimento das trecircs escolas xintoiacutestas de base budista Tendai shintō (天台神道) Ryōbu

shintō (両部神道) e Hōkke shintō (法華神道) respetivamente associadas agraves doutrinas dos

monges Saichō Kūkai e Nichiren Tendai Shintō tambeacutem conhecido pela designaccedilatildeo Sannō

Ichi-jitsu shintō apoia-se no estudo do Sutra do Loacutetus e coloca em praacutetica a teoria honji-

suijaku identificando Hiyoshi Sannō o lsquokami guardiatildeorsquo (shugojin 守護神 ) do templo

Enryaku-ji como o suijaku de Śākyamuni o ldquorei do Dharma do sutra do Loacutetusrdquo Possuindo

uma importacircncia mais local do que nacional e centrada em Hiei Quioto Tendai shintō

popularizaria o ato de meditaccedilatildeo ambulante em torno dos sub-santuaacuterios do ldquoSantuaacuterio de Hierdquo

e ldquoperegrinaccedilotildees mentaisrdquo nas quais os suplicantes ldquovisualmenterdquo visitavam os santuaacuterios 95

Agrave semelhanccedila da escola Tendai Ryōbu shintō favorece a combinaccedilatildeo de elementos

ldquobudistasrdquo (ldquoesoteacutericosrdquo) e shintō focando-se na relaccedilatildeo do Ise jingū (伊勢神宮) com as

mandalas kongokai e taizokai representaccedilotildees do ldquoDomiacutenio do Diamanterdquo e do ldquoDomiacutenio do

Ventrerdquo por sua vez associados ao Gekū e ao lsquopalaacutecio internorsquo (Naikū 内宮 ) de Ise

93

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 94

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 95

SATŌ Masato ldquoSannō Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and

Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22572gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 42

respetivamente96

Descrita como ldquoshintō combinatoacuterio baseada nas mandalas duais

fundamentais de Budismo esoteacuterico Shingonrdquo por Yoshida Kanetomo 97

- expoente da teoria

Yuiitsu shintō (唯一神道) na qual kami se torna o centro de tudo incluindo do ceacuteu e da terra

ldquodemoacuteniosrdquo animais e o proacuteprio kokoro dos humanos 98

- Ryōbu shintō influenciaria as

escolas de Ise e Yoshida 96

No que concerne agrave uacuteltima escola Hokke shintō recebe influecircncias do ldquobudismordquo

Nichiren (日蓮宗) uma das seitas mais populares do Periacuteodo Kamakura (1185-1333) por sua

vez derivada da lsquoseita da Terra Pura (Jōdo-shū 浄土宗rdquo) propagando a doutrina de mappō

(末法) o momento final do Dharma exaltada pelo monge Nichiren (日蓮 1222-1282)

Essencialmente portador de uma linha de pensamento reacionaacuteria ao budismo Heian

Nichiren considerava Tenshō Daijin (Amaterasu) e Hachiman como shugojin do Verdadeiro

Dharma reconhecendo igualmente a existecircncia de ldquodivindades tutelares do Sutra do Loacutetusrdquo

que tanto protegeriam a realidade na qual se verificasse a concretizaccedilatildeo do Verdadeiro

Dharma como poderiam escolher abandonaacute-la caso a Lei natildeo fosse aplicada 99

Por

conseguinte esta tradiccedilatildeo teria sido formada pelo superintendente do templo Shuryōgonin

associava-se deste modo os trinta dias do mecircs a trinta diferentes jinja e complexos tais

como Atsuta Jingū Suwa Shōshin-ji Hachiō-ji Inari Kibune Hachiman Kasuga Ise Gion

entre outros 100

Partilhando com Tendai o estudo do Sutra do Loacutetus a escola Hokke influenciaria as

ideias de Yoshida shintō e continuaria a desenvolver-se ao longo dos Periacuteodos Muromachi e

Edo surgindo uma seacuterie de obras e fasciacuteculos comentando acerca desta forma de shintō tais

como Hokke Shintō Hiketsu (法華神道秘訣) atribuiacutedo a Nitchō (日澄 1441-1510) 99

No seguimento da instauraccedilatildeo da terceira e uacuteltima casa militar no poder poliacutetico

budismo eacute relegado para um plano mais secundaacuterio aleacutem do aumento do nuacutemero de

96

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp298-299 97

ITŌ Satoshi ldquoRyōbu Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and

Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22800 (consultado em 24-06-2018) 98

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 99

Itō explica que esta doutrina (shintenjō hōmon) seria acolhida pelo ldquoculto Tendai de trinta divindades tal como

era praticado no Monte Hieirdquo ITŌ Satoshi ldquoHokke Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and

Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22565gt (consultado em 24-06-2018) 100

ITŌ Satoshi ldquoSanjūbanshinrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Combinatory Kami (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22464gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 43

ocorrecircncias de funerais shintō realizados por famiacutelias como os Yoshida bem como a reduccedilatildeo

da quantidade de tera e jinja que favorecessem uma abordagem ldquocombinatoacuteriardquo 101

surge a

niacutevel acadeacutemico o movimento fukko shintō (復古神道) que propunha um ldquoreavaliaccedilatildeordquo de

shintō rejeitando-se severamente ideias externas

Nestas circunstacircncias Hirata Atsutane (平田篤胤 1774-1842) representante da

vertente mais ldquoradicalrdquo da escola kokugaku assume uma posiccedilatildeo particularmente criacutetica da

Via do Buda suposta total antiacutetese de shintō que por sua vez era emulado como uma ldquovia

antigardquo (kodō 古道) no seu Kodō Taii (古道大尉) redigido em 1811 Hirata idealiza o Japatildeo

como a ldquoTerra dos kamirdquo cujos habitantes satildeo ldquoracialmente superioresrdquo entendendo budismo

como uma ldquoreligiatildeordquo inventada por um homem ndash Śākyamuni ndash cujas doutrinas eram ldquofalsasrdquo

ao ponto de apagarem por completo a ldquoverdade originalrdquo da existecircncia de uma entidade

omnipresente criadora denominada nos textos antigos de Brahmā que Hirata identifica com

Kami-musubi-no-kami 102

Por conseguinte o sentimento anti-budista expresso por Hirata teria as suas

repercussotildees em alguns territoacuterios no periacuteodo final do xogunato Tokugawa gerando-se o

movimento haibutsu kishaku (廃仏毀釈) cuja linha de pensamento tornar-se-ia devastadora

para a Via do Buda desde a destruiccedilatildeo de templos halls imagens rituais apropriaccedilatildeo de

propriedades dos templos na economia dos domiacutenios agrave laicizaccedilatildeo forccedilada dos monges o

budismo enquanto religiatildeo perderia credibilidade e significado cultural entre a populaccedilatildeo 103

ao contraacuterio de shintō por sua vez equiparado a uma ideologia poliacutetica a partir de 1868

inaugura-se assim um dos momentos mais negros da histoacuteria shinbutsu

13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945

O periacuteodo de vigecircncia da ideologia Meiji (1868-1945) eacute tambeacutem um periacuteodo de

perseguiccedilatildeo interna para a Via do Buda e nas palavras de Picken um exemplo de ldquoabuso e

manipulaccedilatildeordquo de shintō 104

a Ordenaccedilatildeo de Distinccedilatildeo de Shintō e Bukkyō (shinbutsu

hanzenrei 神仏判然令 ) de 1868 oficializa a poliacutetica de separaccedilatildeo de shintō e bukkyō

(shinbutsu bunri 神仏分離) expressa pela interdiccedilatildeo de ldquonomes de estilo Budista para kami

101

BREEN John TEEUWEN Mark opcit pp 38-39 102

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 213-215 103

SAKAMOTO Koremaru ldquoHaibutsukishakurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Doctrines

and Theories (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23552gt

(consultado em 24-06-2018) 104

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 87-88

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 44

a proibiccedilatildeo de se usar imagens Budistas para representar kami e a remoccedilatildeo de implementos

rituais Budistas de espaccedilos rituais Shintōrdquo 105

Seguindo nos passos do movimento haibutsu

kishaku

Tendo como meta uma visatildeo de shintō como lsquonatildeo-religiatildeorsquo estatal o novo regime

restabeleceria o Jingikan - substituiacutedo dois anos depois pelo Jingishō (神祇省) ndash e procederia

agrave instauraccedilatildeo de um sistema hieraacuterquico piramidal de jinja imperiais e nacionais (1870-1871)

delegando-se cargos a funcionaacuterios puacuteblicos Abolindo-se o sistema de hereditariedade

sacerdotal jinja tornam-se instituiccedilotildees nacionais e espaccedilos de visita obrigatoacuteria e natildeo

espontacircnea 106

131 A visatildeo ldquonacionalistardquo Meiji uma ldquonatildeo-religiatildeordquo ao serviccedilo do Estado

japonecircs

Se as restantes ldquoreligiotildeesrdquo eram entendidas como secundaacuterias - permanecendo sob a

tutela do Escritoacuterio de Religiatildeo do qual faziam parte os treze ldquosetoresrdquo de kyōha shintō - o

culto jingi era colocado sob a alccedilada do Jinjakyoku (神社局) perdendo gradualmente a sua

natureza religiosa todos os meios eram vaacutelidos para inculcar nas mentes dos japoneses a ideia

de que shintō natildeo era uma religiatildeo ldquopatrociacutenio apoio perpetuaccedilatildeo controlo e disseminaccedilatildeordquo

de shintō pelos vaacuterios niacuteveis de governo e por funcionaacuterios puacuteblicos ldquosubordinados e

empregadosrdquo o constante ensino de doutrina ldquoxintoiacutestardquo ldquonacionalistardquo ou ldquoultranacionalistardquo

em manuais escolares o ato de visitar santuaacuterios por obrigaccedilatildeo e execuccedilatildeo de ritos

patrocinadas por instituiccedilotildees educacionais a circulaccedilatildeo de textos explicativos da doutrina

kokutai (国体) 107

Em contexto legal tambeacutem os proacuteprios santuaacuterios xintoiacutestas sofreriam o impacto

desta abordagem poliacutetica de shintō que reavivava a ligaccedilatildeo co-dependente entre o poder

poliacutetico e shintō (na sua forma de culto jingi) tornando shintō uma instituiccedilatildeo patrioacutetica que

devia ser salvaguardada por todos o ano de 1900 marcaria o iniacutecio do controverso processo

de aglutinaccedilatildeo de jinja (Jinja-Gappei 神社合併) Apagando a existecircncia de milhares de jinja

ldquonatildeo-qualificadosrdquo o movimento expressava uma transferecircncia forccedilada de kami para outros

105

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 106

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39 107

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 114-116

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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jinja minando a relaccedilatildeo destes espaccedilos com as comunidades locais se em 1880 existiam

cerca de 157 mil jinja do povopuacuteblicos (minsha民社) em 1929 o nuacutemero rondaria os 112

mil e em 1947 mais de 87 mil 108

De um modo geral shintō estatal (kokka shintō 国家神道) cimentou a ideia de que

um certo tipo de shintō estava aleacutem de ser ldquoreligiatildeo termo que no Periacuteodo Meiji tinha como

elementos um fundador individual e a uma organizaccedilatildeo privada realizando-se atividades de

caraacutecter voluntaacuterio 108

o que nada tinha a ver com o culto jingi praticar shintō era nada mais

do que um dever e uma demonstraccedilatildeo de sentimentos patrioacuteticos essenciais ao bom

funcionamento da naccedilatildeo japonesa recorrendo-se a conceitos como kannagara akitsu-mikami

(現御神) hakkō-ichiu (八紘一宇) que naturalmente tinham sido readaptados face ao status-

quo kannagara por exemplo descrevia uma lsquofeacutersquo que incide no indiviacuteduo e faz com que este

sirva o coletivo nunca a si mesmo expressando ainda ldquoum sentimento de assimilaccedilatildeo e

harmoniardquo 109

akitsu-mikami significava uma ldquodivindade incarnadardquo identificada com o

proacuteprio imperador que deve ser venerado tal como os seus antepassados por parte dos seus

suacutebditos 110

hakkō-ichiu (ldquoa terra inteira debaixo do mesmo tetordquo) era usado como slogan

simboacutelico do poderio militar japonecircs 111

ecoando a noccedilatildeo de tian xia isto eacute lsquodebaixo do ceacuteursquo

(tenka 天下) que em contexto do pensamento chinecircs arcaico e confuciano definia o escopo

do tianming ou lsquomandato do ceacuteursquo (tenmei天命) entregue a um futuro soberano

No fundo reforccedila-se a suposta superioridade do Japatildeo enquanto naccedilatildeo ldquodivinardquo e por

associaccedilatildeo do proacuteprio imperador cuja ldquoalma divinardquo eacute representada por Amaterasu o liacuteder do

Impeacuterio age senatildeo em nome desta uacuteltima sendo que todos os japoneses reconhecem e

reverenciam a sua linhagem transmitida ldquonuma linha inquebraacutevelrdquo o trono e o Imperador satildeo

uma extensatildeo de Amaterasu conferindo-lhe um estatuto ldquoinviolaacutevelrdquo Como tal a aacuterea de

governaccedilatildeo do Imperador natildeo pode ser reduzida ao Japatildeo mas antes a todo o nosso mundo

um papel partilhado com a kami do Sol e Taka-musubi-no-kami 109

108

SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion

Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149 109

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 127-128 110

PICKEN Stuart op cit pp 105 111

PICKEN Stuart op cit pp 111

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 46

132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular religiatildeo

japonesa

O fim da 2ordf Guerra Mundial eacute justamente descrito como o ponto de viragem para as

religiotildees japonesas desde 1945 que shintō eacute estatisticamente uma religiatildeo viabilizando um

processo de reinvenccedilatildeo e adaptaccedilatildeo agraves necessidades de uma sociedade japonesa moderna

surgem assim novos movimentos religiosos parcialmente baseados em ideias shintō budistas

ou cristatildes algumas mais do que outras testemunho vivo da liberdade religiosa expressa a

niacutevel constitucional

No que concerne aos espaccedilos de veneraccedilatildeo estes satildeo devidamente legalizados como

corporaccedilotildees religiosas (shūkyō hōjin宗教法人) desde 1946 operando quer como extensotildees

de terceiros (grupos inclusivos) ou como unidades (tanrsquoi単位) independentes destes grupos

inclusivos (tanritsu shūkyō dantai単立宗教団体) a cada grupo inclusivo (hōkatsu dantai包

括団体) corresponde uma categoria proacutepria - kyōha (教派) shūha (宗派) comunidade

religiosa (kyōdan教団) ordem (shūdoukai 修道会) - que por sua vez incorpora tanrsquoi jinja

jirsquoin (寺院) igrejas (kyōkai教会) e mosteiros (shūdōin修道院) 112

Por conseguinte todos os dados reportados satildeo compilados pela Divisatildeo de Assuntos

Religiosos da Agecircncia para Assuntos Culturais do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (Bunka-chō

shūmuka kyōiku-shō 文化庁宗務課 教育省) que se apoia na definiccedilatildeo de ldquoorganizaccedilatildeo

religiosardquo (shūkyō dantai 宗教団体) promulgada pela Constituiccedilatildeo qualquer grupo local

focado na ldquodisseminaccedilatildeo de ensinamentos religiosos a conduccedilatildeo de cerimoacutenias e funccedilotildees e a

educaccedilatildeo e nutrimento dos crentesrdquo deve ser considerado uma shūkyō dantai que deteacutem

autoridade sobre o processo de qualificaccedilatildeo e quantificaccedilatildeo dos aderentes e do sacerdoacutecio 112

por exemplo a instruccedilatildeo dos candidatos a posiccedilotildees dentro dos santuaacuterios eacute disponibilizada

pelas Universidade Kokugakuin (國學院大學) de Toacutequio e a Universidade Kōgakkan (皇學

館大学) em Ise esta uacuteltima focada no treino de ldquosacerdotes para recitar as liturgias e perceber

o significado dos rituaisrdquo 113

Operando a niacutevel prefeitural ou nacional a categoria shūkyō hōjin faz parte da visatildeo

moderna japonesa de religiatildeo em 1998 o Anuaacuterio de Religiotildees (shūkyō nenkan 宗教年鑑)

do 10ordm Ano da Era Heisei registava mais de 85 mil grupos religiosos shintō 104553179

112

TAMARU Nobuyoshi REID David Religion in Japanese Culture Where Living Traditions Meet a

Changing World Tokyo Kodansha International 1996 pp 218-219 113

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 188-190

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 47

seguidores shintō (492) mais de 81 mil jinja 15 jirsquoin e 1276 locais de propagaccedilatildeo religiosa

(fukyōjo布教所) bem como cerca de 88 mil ldquoprofessoresrdquo (kyōshi 教師) Em contrapartida

bukkyō tinha apenas 78 mil grupos religiosos mais de 95 milhotildees de aderentes e um nuacutemero

superior de kyōshi mais de 77 mil templos apenas 10 jinja e cerca de 3000 fukyōjo 114

No

ano de 2015 constatava-se uma pequena evoluccedilatildeo negativa 485 dos aderentes seguiam

shintō e apenas 87 milhotildees eram supostamente budistas registando-se igualmente uma

descida do nuacutemero de kyōshi tanrsquoi e corporaccedilotildees shintō e budistas 115

Apesar de os dados publicados pela Agecircncia poderem natildeo corresponder agrave realidade

o campo estatiacutestico esforccedila-se por explicar ao puacuteblico o que se entende por shintō bukkyō e

kirisutokyō recorrendo a uma categorizaccedilatildeo que eacute acima de tudo coerente face agrave sua

evoluccedilatildeo histoacuterica no caso concreto de shintō os Anuaacuterios de Religiotildees reconhecem trecircs

ramificaccedilotildees ou kei (系) jinja shintō (神社神道) kyōha shintō e shin shūkyō shintō (新宗教

神道) 116

destas trecircs somente a primeira inclui uma organizaccedilatildeo que tambeacutem serve de porta-

voz aos interesses da maior parte dos jinja espalhados pelo paiacutes a Jinja Honchō (神社本庁)

Ceacutelebre instituiccedilatildeo criada em 1946 no seguimento da fusatildeo de outros trecircs grupos privados eacute

ateacute hoje o ldquouacutenico corpo coordenativo para Shinto no Japatildeo e o uacutenico oacutergatildeo (para aleacutem dos

santuaacuterios individuais) pelo qual Shinto pode ser formalmente representado a um largo niacutevel

administrativordquo 117

Regulando a atuaccedilatildeo das atividades dos jinja a Jinja Honchō permanece o ldquogrupo

religiosordquo mais numeroso no que concerne a espaccedilos de veneraccedilatildeo aderentes (perto de 80

milhotildees) e kyōshi (aprox217 milhotildees) 116

e apresenta-se como um oacutergatildeo mais moderado que

os seus predecessores do Periacuteodo Meiji ndash Jingikan Jingishō (神祇省) Kyōbushō (教部省) e

Jingirsquoin (神祇院) ndash capaz de conjugar as funccedilotildees de supervisor dos jinja e de autoridade em

assuntos shintō Sinteticamente esta associaccedilatildeo tem como metas perpetuar as tradiccedilotildees

desenvolvidas em contexto de jinja shintō como demonstraccedilatildeo de gratidatildeo aos kami e aos

antepassados - a realizaccedilatildeo de cerimoacutenias e ritos - ldquoservir a sociedade e outrosrdquo e na

qualidade de ldquomensageiros de kamirdquo aspirar a melhorar e consolidar este mundo Por uacuteltimo

deve-se identificar ldquoas proacuteprias mentes com a do Imperadorrdquo e ldquorezar pela prosperidade do

114

Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 10 Han (宗教年鑑平成 10 版) Tokyo Bunka-chō

1998 115

Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō

2016 116

Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō

2016 117

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 41-42

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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paiacutes e por coexistecircncia paciacutefica e coprosperidade para as pessoas do mundordquo 118

claramente

realccedilando o caraacutecter natildeo individual patente em shintō

2 SOCIEDADE ldquoESPIRITUALIDADErdquo E ldquoEacuteTICArdquo A ldquoVIA DOS KAMIrdquo E O

REGRESSO Agrave Ordem

Aceitar shintō pressupotildee que o indiviacuteduo realize rituais positivos com uma ldquomente

clara pura e sincerardquo 118

devendo-se ter em atenccedilatildeo o termo ldquomenterdquo o facto de Ono ter

como puacuteblico-alvo natildeo japoneses poderaacute justificar esta escolha de traduccedilatildeo que se afasta do

texto original por exemplo ldquoakikiyoki makoto wo nite saishi ni isoshimukoto (明き清きまこ

とを以て祭祀 [さいし] にいそしむこと) corresponde a ldquodevotar-nos aos atos de veneraccedilatildeo

(aos kami) com uma mente clara pura e sincerardquo ldquoŌmikokoro wo itadakite mutsubirdquo (大御

心 [おおみこころ]をいただきてむつび) 119

eacute ldquoidentificaccedilatildeo das proacuteprias mentes com a

(mente) do Imperadorrdquo Assim o termo torna-se makoto Juntamente com o kokoro ambos

vocaacutebulos fundamentam a perspetiva eacutetica de shintō Por sua vez mutsubi (musubi) auxilia na

compreensatildeo da relaccedilatildeo de shintō com o indiviacuteduo e por associaccedilatildeo com os kami

21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e

individuais

Claramente uma Via focada no bem-estar humano shintō ilustra um forte caraacutecter

social e eacutetico que eacute complementado pelo desenvolvimento de uma lsquoespiritualidadersquo proacutepria

associada agrave perceccedilatildeo japonesa do ldquosagradordquo como jaacute anteriormente mencionado este

domiacutenio estaacute associado a kami e a sua presenccedila pode ser ldquosentidardquo em certas ocasiotildees

nomeadamente durante os matsuri e as cerimoacutenias executadas pelos ldquosacerdotesrdquo (shinkan 神

官) a descriccedilatildeo de Picken de shintō como ldquoefectivamente uma religiatildeo que eacute mais lsquoapanhadarsquo

do que lsquoensinadarsquo os seus discernimentos lsquopercecionadosrsquo antes de serem lsquoacreditadosrsquo os

118

ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004 p82 119

A expressatildeo Ōmikokoro (ou Mikokoro 御心) eacute uma forma respeitosa de se referir ao Imperador (ou aos kami)

que surge nas norito ou em outros textos oficiais Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案 内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line) lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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seus baacutesicos conceitos mais do que lsquosentidosrsquo do que lsquopensadosrsquordquo 120

faz da praacutetica e da

experiecircncia do indiviacuteduo o seu alicerce Deste modo confere-se ao homem um papel ativo e

de participante quer se trate de um visitante que reze aos kami esperando por uma resposta

quer seja algueacutem dedicado a servir os kami (ldquosacerdotesrdquo por exemplo) a decisatildeo de executar

os rituais (associados agrave Ordem) cabe ao homem

Soacute o homem possui a capacidade de entrar num domiacutenio diferente deparando-se com

vaacuterios siacutembolos que assinalam a ldquopresenccedilardquo do kami Mircea Eliade nota que o homem

apercebe-se do ldquosagradordquo porque este escolhe mostrar-se isto eacute manifesta-se das mais

variadas formas algo descrito pelo autor como ldquohierofaniardquo identificando a ldquohistoacuteria de

religiotildeesrdquo como portadora de um legado de ldquohierofaniasrdquo ndash elementares e complexas ndash e

argumentando que a manifestaccedilatildeo de ldquoalgo de uma ordem totalmente diferente uma realidade

que natildeo pertence ao nosso mundordquo eacute visualmente expressa por ldquoobjetos que satildeo uma parte

integral do nosso mundo natural lsquoprofanorsquordquo 121

em shintō esta perspetiva lembra o conceito

de kami enquanto atributo o ato de atar uma shimenawa (しめ縄) corda da qual pendem

pequenas tiras em formato ziguezague a um objeto (pilares rochas) ou uma aacutervore (shinboku

神木) e o uso da gohei (御幣) um enfeite colocado diante das portas do ldquosantuaacuterio interiorrdquo

(shinden 神殿) representam a transiccedilatildeo do vulgar para o extraordinaacuterio se fisicamente o

objeto permanece tal e qual como antes de uma perspetiva espiritual e natildeo racional o objeto

torna-se uma extensatildeo do kami

Por conseguinte a noccedilatildeo de ldquohierofaniardquo pensada por Eliade poderia aplicar-se aos

shintai (神体) e mitamashiro (御魂代) objetos diretamente ligados agrave sobrevivecircncia dos jinja

garantindo um estatuto lsquosagradorsquo dos jinja enquanto o kami permanecer nesse local 122

durante a Jinja Gappei milhares de santuaacuterios perderam a sua razatildeo de existir na sequecircncia

da transferecircncia permanente dos supostos representantes do kami 123

No fundo eacute a ausecircncia

destes objetos condiciona o fim do jinja

Essencialmente espaccedilos mantidos graccedilas aos esforccedilos da comunidade jinja

desempenham serviccedilos que incidem na esfera puacuteblica e privada todo o jinja revolve em torno

das pessoas familiarizadas com a aacuterea de atuaccedilatildeo e os atributos do kami ao qual apelam

preocupaccedilotildees econoacutemicas satildeo geralmente da responsabilidade de Inari (稲荷) e Ebisu (恵比

120

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p xxxii 121

ELIADE Mircea op cit pp 10-12 122

ONO Sokyō op cit p21 pp-24-25 pp98-99 123

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39

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須) o primeiro eacute identificado como o kami protetor do cultivo de arroz e dos cinco cereais

enquanto que o segundo eacute associado ao setor comercial desde o seacutec XII 124

Protetor dos mercadores em meio urbano e de campos de arroz nas aacutereas rurais 124

Ebisu faz parte dos Shichi Fukujin (七福神) um grupo de sete kami associados agrave boamaacute

sorte Daikokuten (大黒天) representante da prosperidade comercial apesar de tambeacutem ser

identificado com um deva domeacutestico da cozinha Mahakala Jurōjin (寿老人) ldquokami de uma

estrela no Taoiacutesmordquo bem como um ldquoermitardquo Jaacute Fukurokuju (福禄寿) eacute o kami da riqueza

prosperidade e longa vida e Hotei (布袋) ldquoum monge chinecircs e uma incarnaccedilatildeo de Maitreyardquo

(Miroku 弥勒) 125

Por uacuteltimo Bishamonten (毘沙門天) e Benzaiten (弁財天) tecircm origens

indianas se Bishamonten um kami de temperamento forte e marcial eacute identificado com

Vaiśravaṇa Beizaiten eacute equiparada agrave devī Sarasvatī 126

No que concerne a preocupaccedilotildees mais pessoais como aprovaccedilatildeo nos exames de

admissatildeo da faculdade eacute costume visitar-se o Kitano Tenmangū (北野天満宮) de Quioto

onde se venera Tenjin127

Ao contraacuterio de outros kami Tenjin natildeo se tornou kami de um dia

para o outro a consagraccedilatildeo da ldquoalmardquo de Michizane ldquoresultou de um esforccedilo extraordinaacuterio

do governo de lidar com uma manifestaccedilatildeo perturbadora de crenccedila Alma-Zangada (onryo)

que (hellip) foi grandemente influenciada pelo corrente interesse em ideias Chinesas e crenccedilasrdquo

128 Por sua vez onryō partilha algumas semelhanccedilas com goryō (御霊) ldquoespiacuteritos de pessoas

que tinham perdido as suas posiccedilotildees de poder e vaacuterios kami de epidemiasrdquo posteriormente

ldquodomesticadosrdquo nos ritos chinkon ao inveacutes de entidades destruidoras e malevolentes que

invocavam desgraccedilas goryō transformavam-se em entidades protetoras 129

22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii

Tanto onryō como goryō enquadram-se na perspetiva espiritual de shintō agrave

semelhanccedila de sangaku shinkō (山岳信仰) cultos caracterizados pela adoraccedilatildeo de montanhas

124

PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365 125

HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia

ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de

2003)

126 PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39

127 PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365

128 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 285

129 YONEI Teruyoshi ldquoGoryōrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23422gt (consultado em 24-06-

2018)

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como Ontake (御嶽) Kumano (熊野) Fuji (富士) Sannō (山王) Katsuragi (葛城) supostos

locais de morada permanente para espiacuteritos ldquoprincipalmente espiacuteritos dos mortos que

vigiavam e assistiam os vivosrdquo 130

Eacute em virtude de um suposto caraacutecter sagrado e espiritual

que ainda hoje se realizam praacuteticas asceacuteticas nestes locais

Por conseguinte a compreensatildeo da ldquoespiritualidaderdquo japonesa implica o

conhecimento de musubi (産霊) rei (霊) e tamashii (魂) sendo que o primeiro eacute composto

por umi (産み ldquocriaccedilatildeordquo no sentido de gerar algo) e rei significando algo que natildeo pertence

ao plano fiacutesico Homoacutefono da palavra musubi (結び) traduzido por ldquoligaccedilatildeordquo e por sua vez

derivada do verbo musubu ou lsquoligarrsquo musubi eacute em si a lsquovitalidadersquo presente no ambiente e

nos seres que o constituem uma interpretaccedilatildeo apoiada por Motoori Norinaga

Com efeito no seu Tama Kushige o autor identifica musubi como uma espeacutecie de

ldquoprinciacutepio de atividade criativardquo inerente nos kami Taka-musubi e Kami-musubi concluindo

que este ldquoespiacuterito criativo (hellip) divino milagroso e aleacutem da compreensatildeo humanardquo permite os

atos de ldquocriaccedilatildeordquo (kuni-umi e kami-umi) de Izanagi e Izanami 131

tudo deve a sua existecircncia a

musubi incluindo os proacuteprios humanos

Simultaneamente uniatildeo (harmonizaccedilatildeo e balanceamento) e criaccedilatildeo isto eacute o lsquopoderrsquo

que concede vida e a origem de toda a existecircncia transportando consigo as conotaccedilotildees de

ldquocombinaccedilatildeordquo ldquojuntarrdquo e ldquointerligarrdquo132

musubi foi repetidamente usado no contexto

cerimonial imperial por exemplo os cinco kami que possuem a partiacutecula musubi no seu nome

satildeo tambeacutem os kami protetores do espelho Yata no Kagami localizados no santuaacuterio

kashidokoro do palaacutecio 133

No que concerne agrave rei e tamashii ambos vocaacutebulos tendem a ser erroneamente

traduzidos como ldquoespiacuteritordquo ou ldquoalmardquo e a sua grande diferenccedila consiste no facto de rei ser

exclusivamente uma parte do humano em vida e um atributo independente apoacutes a morte do

corpo se bem que no entender de Yoshida Kanetomo rei eacute aquilo que governa ldquocoisas

individuaisrdquo contrastando com as ldquopessoas individuaisrdquo que satildeo ldquogovernadas pelo kokoro

(hellip)rdquo 134

tamashii eacute uma caracteriacutestica partilhada por homens e kami sendo que no uacuteltimo

caso esta noccedilatildeo eacute expressa pela palavra mitama - escrita com os kanji de kami e rei (神霊) ndash

130

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 197-198 131

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 132

BOYD JAMES WILLIAMS Ron ldquoJapanese Shintō An Interpretation of a Priestly Perspectiverdquo

Philosophy East and West nordm 55 (1) pp 33-63 133

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 79 134

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp163-167

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ldquoespiacuteritos de kamirdquo cuja existecircncia defendida por rituais e jinja torna viaacutevel a sua integraccedilatildeo

na ideia shintō de lsquoespiacuteritorsquo ou lsquoespiritualidadersquo 135

Natildeo obstante tambeacutem os humanos satildeo portadores de um outro tipo de mitama (御

霊) este identificado como uma rei apoacutes a morte do corpo 135

tornando-se efetivamente uma

extensatildeo deste uacuteltimo o que lhe permite uma atuaccedilatildeo positiva (como protetor) ou negativa

(como destruidor da ordem) no domiacutenio dos humanos Com efeito o culto aos mortos na

sociedade japonesa faz parte de uma tradiccedilatildeo antiga na qual se atribui a certos mortos um

tratamento especial a veneraccedilatildeo de falecidos imperadores antepassados e guerreiros mortos

em combate em conjunto com o culto aos kami expressam uma forte consciencializaccedilatildeo

espiritual ainda muito presente na cultura japonesa

Sob um ponto de vista mais doutrinaacuterio a espiritualidade japonesa centra-se na teoria

ichirei shikon (一霊四魂) literalmente ldquouma rei e quatro tamashiirdquo na qual os humanos e os

kami servem de recipiente agrave reikon que por sua vez eacute constituiacuteda por um lsquoespiacuteritorsquo 136

(rei) -

designado de naobi curioso conceito inserido no campo da eacutetica japonesa significando

ldquocorrigir algo anormal mau ou distorcido e restaura-lo agrave sua condiccedilatildeo normal ou originalrdquo e o

ldquoespiacuterito maravilhoso que retifica o erradordquo 137

- e pela quadripartida tamashii (魂)

Neste contexto cada parte corresponde a um ldquoatributordquo ou ldquocaracteriacutesticardquo que rege o

seu modo de atuaccedilatildeo no domiacutenio terreno o par nigimitama (和御魂) e aramitama (荒御魂)

possuindo uma natureza dual complementar lembrando os princiacutepios do yin e do yang

respetivamente associados ao ldquoatributordquo calmo e passivo nigimitama e o seu oposto a

incontrolaacutevel aramitama o duo sakimitama (幸御魂) e kushimitama (奇御魂) brevemente

mencionado no Nihon shoki se sakimitama eacute a mitama que ldquoprovidenciardquo a potecircncia por

detraacutes da colheita a kushimitama tem o poder de evocar ldquomisteriosas manifestaccedilotildees em seres

humanos atraveacutes de um poder sobrenaturalrdquo 138

135

ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018) 138

YONEI Teruyoshi ldquoIchirei shikonrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on

line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-

06-2018) 137

FUKUI Yoshihiko ldquoNaobirdquo Encyclopedia of Japan 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23662gt (consultado em 24-06-

2018) 138

YONEI Teruyoshi ldquoKushimitamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on

line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23412gt (consultado em 24-

06-2018)

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De entre este quarteto o primeiro par merece uma atenccedilatildeo especial constatando-se

dezenas de referecircncias em textos antigos que explicitam o papel de tanto uma como da outra

que rituais a executar para pacificar uma aramitama transformando-a numa nigimitama

praacutetica efetuada pela famiacutelia imperial por exemplo apoacutes a morte no exiacutelio em Dazaifu (903)

do letrado Sugawara-no-Michizane que tinha sido viacutetima de uma conspiraccedilatildeo dois anos antes

a capital Quioto seria afetada por uma seacuterie de ldquodesastresrdquo tais como ldquopraga fogos

inundaccedilotildees e mortes inesperadasrdquo de membros do clatilde Fujiwara lanccedilando-se um debate

interno sobre a sua causa concluindo-se que se tratava da aramitama do falecido Sugawara

Procurando-se ldquoapaziguarrdquo esta aramitama a famiacutelia imperial procederia agrave restituiccedilatildeo do

estatuto de letrado de Michizane apoiando a construccedilatildeo de um jinja no qual seria consagrado

um novo kami Tenjin 139

O descrito episoacutedio de ldquodomesticaccedilatildeordquo continuaria a ser praticado ao longo dos

seacuteculos sendo que o Imperador Shōwa (昭和天皇) organizaria uma procissatildeo pelo paiacutes para

pacificar as aramitama atraveacutes de preces substituindo-as por nigimitama algo modelado nas

tours do Imperador Meiji (明治天皇) motivos poliacuteticos satildeo habilmente misturados com as

necessidades ldquoespirituaisrdquo do Japatildeo 140

Natildeo obstante existe uma terceira forma de

ldquodomesticaccedilatildeordquo que natildeo implica o seu afastamento da praacutetica de veneraccedilatildeo antes pelo

contraacuterio no Ise Jingū pensa-se que um dos ldquosantuaacuteriosrdquo do Naikū preserva a nigimitama de

Amaterasu e no outro consagra-se a aramitama um processo replicado no Sumiyoshi Taisha

(住吉大社) de Ōsaka espaccedilo de veneraccedilatildeo de trecircs nigimitama dos trecircs respetivos kami ao

contraacuterio do seu congeacutenere em Yamaguchi que alberga as suas aramitama 141

23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi

Aleacutem das diferenccedilas estabelecidas pela mencionada doutrina rei e tamashii satildeo

essencialmente termos que natildeo reconhecem a existecircncia de bommau o que explica o habitual

caraacutecter neutro dos kami Todavia eacute possiacutevel constatar a presenccedila de categorias de rei e kami

que funcionam como arautos de desgraccedila humana e natural representando o oposto do que eacute

ldquobomrdquo goryō onryō e akuryō (悪霊) este uacuteltimo traduzido literalmente por ldquorei malignosrdquo

139

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 100 140

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 141

ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018)

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satildeo exemplos de entidades espirituais cuja razatildeo de existecircncia eacute a de causar danos agraves pessoas

objetos casas urgindo a realizaccedilatildeo de rituais proacuteprios de ldquopacificaccedilatildeordquo e ldquoexorcismordquo que

supostamente expulsamremovem permanentemente quaisquer influecircncias negativas Por sua

vez os yūrei (幽霊) ldquorei obscurosrdquo enquadram-se mais no mundo folcloacuterico japonecircs e satildeo

geralmente identificados como ldquoespiacuteritos vingativosrdquo ou ldquoapariccedilotildeesrdquo cuja presenccedila eacute teacutenue

mas forte o suficiente para serem ldquosentidosrdquo em locais como florestas e montanhas

No que concerne a kami malignos estes satildeo nada mais do que a antiacutetese de musubi e

pureza se a maioria dos kami desdenham ldquode comportamento disruptivo de ordem social ou

natural juntamente com poluiccedilotildees (kegare) tais como sujidade sangue e morterdquo 142

e a sua

origem eacute responsabilidade do princiacutepio de ldquocriaccedilatildeordquo e Ordem coacutesmica um outro grupo de

kami partilha de uma natureza totalmente oposta favorecendo a destruiccedilatildeo da Ordem os

magatsubi no kami ou magatsui no kami (禍津日神 ) Responsaacuteveis por ldquodesgraccedilas

inevitaacuteveisrdquo e reinando ldquosobre erro e impurezardquo eacutetica os magatsui no kami residem nas

profundezas do Yomi ao contraacuterio dos restantes kami que vivem em Takamagahara e no

mundo terreno possuindo uma ldquoessecircncia liacutempidardquo 143

magatsui no kami satildeo os agentes da

desordem distinguindo-se dos restantes kami que favorecem a Ordem

Neste sentido os magatsui no kami relacionam-se com magagoto (凶悪事) palavra

que subentende ldquodesgraccedilas maacutes accedilotildees e calamidadesrdquo 144

ao contraacuterio dos naobi-no-kami

capazes de ldquorestaurar o estado normal e trazer de volta o mundo puro claro proacuteprio e reto

dos Deusesrdquo 145

constroacutei-se deste modo a ideia do mal percecionado como Desordem e

anormalidade que deve ser combatido pelo indiviacuteduo praticante Via dos kami enfatizando os

aspetos sociais e eacuteticos de shintō

A visatildeo eacutetica proposta por shintō eacute resultado da receccedilatildeo e interpretaccedilatildeo de ideias

confucianas e japonesas Aliaacutes na sociedade arcaica japonesa jaacute existia uma distinccedilatildeo entre

ldquobons atosrdquo e ldquomaus atosrdquo que determinavam a culpabilidade ou inocecircncia de um ofensor

perante a unidade familiar ou o clatilde ldquoeacuteticardquo correspondia numa primeira instacircncia a um

conjunto de praacuteticas e dizeres transmitidos de forma oral e de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que eram

142

MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of

Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt

(consultado em 24-06-2018) 143

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 144

NISHIOKA Kazuhiko ldquoMagakoto (also Magagoto)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines

Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23670gt

(consultado em 24-06-2018) 145

PICKEN Stuart op cit p 273

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de certo modo complementares agrave execuccedilatildeo do ritual os termos yoshi e ashi respetivamente

significando ter ou carecer de ldquovalorrdquo expressavam as ideias de bemmal 146

Por outras

palavras viver em sociedade natildeo seria possiacutevel se natildeo se adotassem certos comportamentos

que fossem eticamente bons isto eacute natildeo reprovaacuteveis aos olhos da comunidade e eacute claro dos

kami que apesar de natildeo possuiacuterem uma natureza nem boa ou maacute tambeacutem eles satildeo capazes

das piores ofensascrimes isto eacute tsumi (罪) como se pode constatar no caso de Susano-o

No domiacutenio ritual a ldquopurezardquo eacute um atributo interno e externo tanto ao homem como

ao kami kami satildeo considerados essencialmente ldquopurosrdquo ldquoliacutempidosrdquo e uma forma de vida

superior aos homens adotando comportamentos corretos que servem de modelo para os

humanos (com a exceccedilatildeo dos magatsui no kami) e partilhando do ldquoelo espiritualrdquo que os une

nesta realidade isto eacute a mitama Contudo apenas os humanos possuem a capacidade de se

tornar kami apoacutes a morte do corpo seguindo um ldquoprocesso de purificaccedilatildeo que os torna em

espiacuteritos ancestraisrdquo e cuja exceccedilatildeo agrave regra encontra-se por exemplo nos imperadores

considerados akitsu-mikami durante a sua vida 147

O entendimento deste processo de purificaccedilatildeo (jōka) natildeo se pode dissociar de kokoro

e makoto ambos fundamentando a noccedilatildeo de ldquoretidatildeordquo (natildeo necessariamente no sentido

confuciano da palavra) expressa pelo jaacute mencionado termo naobi ou simplesmente nao a

antiacutetese de todos os vocaacutebulos conotados com a ideia de ldquomalrdquo Por outras palavras o

reconhecimento da importacircncia de ldquopurezapurordquo soacute eacute justificado pela existecircncia de ldquoimpurezardquo

que conduz agrave Desordem um natildeo existe sem o outro sendo que na linguagem shintō tudo que

eacute negativo e impuro envolve tsumi (罪) e kegare (穢) duas formas de impureza eacutetica e fiacutesica

respetivamente agraves quais se lhe junta imi (忌) frequentemente interpretado no sentido de

ldquotaburdquo tsumi kegare e imi satildeo com efeito os agentes da Desordem que o ser humano deve

evitar

Incorporados em shintō este trio fortalece a relaccedilatildeo desta Via com a sociedade se a

primeira palavra tsumi tem implicaccedilotildees legais e continua a fazer parte da linguagem do dia-a-

dia sendo usada no campo religioso ou no domiacutenio legislativo kegare tende a associar-se ao

domiacutenio mais ldquolituacutergicordquo de shintō tal como imi que consoante o kanji usado denota o que eacute

considerado puro (positivo) e impuro (negativo)

146

ONO Sokyō op cit pp 105-107 147

UEDA Kenji ldquoConcepts of Humanity (Ningenkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines

Basic Concepts (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23642gt

(consultado em 24-06-2018)

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No que concerne a tsumi este eacute foneticamente lido agrave maneira chinesa como sai (ou

zai) e apesar de ter sido escolhido para traduzir o conceito de ldquopecadordquo segundo a visatildeo

religiosa cristatilde 148

tsumi possui um forte significado natildeo religioso encontrando-se expressotildees

na linguagem corrente tais como dōzai (同罪 partilha do crimeculpa) e shazai (謝罪)

desculpas como forma de aliviar o sentimento de culpa hanzai (犯罪) ldquocrimerdquo entre outras

Com efeito tsumi eacute antes de mais ofensa crime e maacute accedilatildeo Eacute talvez neste sentido

que Nishigaki Yukio identifica tsumi como togame - uma palavra traduzida por ldquoacusaccedilatildeordquo ou

ldquocensurardquo ndash e a uma abreviatura da forma nominal do verbo tsutsumu (障) designado tsutsumi

sendo que o kanji eacute lido como sawaru - homoacutefono do verbo ldquotocarrdquo (sawaru 触る ) -

indicando ldquotornar-se um obstaacuteculordquo 149

denotando um entrave agrave Ordem Por conseguinte esta

interpretaccedilatildeo ecoa a sugestatildeo de Picken que aponta para a variedade de significados de tsumi

ndash ldquopoluiccedilatildeo doenccedilas e desastre bem como errordquo ndash tendo o cuidado de incluir a sua vertente

praacutetica ldquoaccedilotildees situaccedilotildees ou circunstacircncias indesejadas podem causar impureza e devem ser

lidadas por evitaccedilatildeo ou purificaccedilatildeo ritualrdquo 150

designada de ldquoabstinecircnciardquo (imi 斎) e harai

(祓)

Contudo o conceito de ldquoerradordquo parece surgir em textos confucianos integrando

uma das partes da dicotomia boas accedilotildeesmaacutes accedilotildees apesar da ausecircncia de [罪 ] o seu

significado eacute substituiacutedo por outros que partilham das mesmas conotaccedilotildees negativas o

caractere [犯] usado para formar o verbo japonecircs okasu traduzido por ldquocometerrdquo (maus atos)

e que eacute frequentemente interpretado como um possiacutevel sinoacutenimo de tsumi 151

Aliaacutes na

linguagem japonesa moderna natildeo eacute estranho encontrar-se tsumi junto de okasu como se

constata na frase ldquocometer ofensasrdquo (tsumi wo okasu 罪を犯す) reforccedila-se deste modo a

ideia de que tsumi eacute especificamente algo negativo e condutor agrave Desordem

148

MATSUMOTO Shigeru ldquo 罪 つ み rdquo コ ト バ ン ク (on line) Disponiacutevel em

lthttpskotobankjpwordE7BDAA-99474gt (consultado em 24-06-2018) 149

NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p325 150

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 171 151

Por exemplo nos ldquoAnalectosrdquo de Confuacutecio (Lun Yu em japonecircs Rongo 論語) regista-se no primeiro

ldquoensinamentordquo do disciacutepulo Yu Zi (有子) o caratere [犯] que eacute traduzido por Lau como ldquotransgressatildeordquo uma

consequecircncia do natildeo seguimento do caminho proposto por ren No entanto na citaccedilatildeo do uacuteltimo livro de

ldquoAnalectosrdquo [惡] indica ldquodetestar fazer algordquo CONFUacuteCIO The Analects Lun Yu Translated by DC Lau HK

Chinese University Press 1983 pp 2-3 pp 194-195

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Por conseguinte a noccedilatildeo de Desordem provocada por ldquomaus comportamentosrdquo eacute

ilustrada nos Analectos pelo caractere [惡] 152

traduzido por ldquomalrdquo (no sentido eacutetico e natildeo

religioso) em japonecircs o caractere usado eacute a forma arcaica de [悪] cujo radical eacute nada mais

do que kokoro lido como aku o kanji pode ser usado para caraterizar uma coisa uma

condiccedilatildeo e ainda a proacutepria personalidade do indiviacuteduo ldquomaldaderdquo ldquomaurdquo ldquomalignordquo ou

ldquomaldosordquo derivam da leitura de aku como warui 153

No fundo [犯] e [惡] satildeo nada mais do

que comportamentos puniacuteveis por lei e cuja eliminaccedilatildeo resultaria do constante cultivo interior

do caraacutecter da pessoa

Na realidade japonesa tsumi opotildee-se ao corretolegal Karl Florenz comenta que ldquoa

sociedade japonesa arcaica possuiacutea nem coacutedigos legais nem direitos descritivos por isso os

castigos das ofensas eram delegados inteiramente agrave discriccedilatildeo do indiviacuteduo magoado ou da

comunidaderdquo no seu entender tsumi eram ldquomaus atosrdquo (crimes) cuja gravidade determinaria

o grau do castigo variando entre pena capital escravatura expulsatildeo e confiscaccedilatildeo total ou

parcial das propriedades do acusado 154

Ora esta linha de pensamento eacute seguida por Felicia Bock que afirma o facto de tsumi

existirem de forma pouco consistente no quadro de costumes das pessoas da planiacutecie do

Yamato (periacuteodo preacute-Japatildeo imperial) juntamente com as ldquopalavras do soberanordquo e

julgamentos apoiados em provaccedilotildees (fogo sobretudo) e ainda ldquoxamatildesrdquo ou ldquointeacuterpretes da

vontade dos kami ou divindadesrdquo tsumi corresponderia agraves ldquoofensas pelas quais uma pessoa

pode ser considerada culpadardquo listadas e descritas em episoacutedios do Kojiki e Nihon shoki Caso

se fosse considerado a um niacutevel mais ldquolituacutergicordquo tsumi podia contaminar uma pessoa (tsumi-

bito 罪人) urgindo a sua eliminaccedilatildeo atraveacutes de ldquocertos ritos prescritosrdquo executados pelos

membros do Jingikan que deste modo asseguravam a ordem no territoacuterio japonecircs aleacutem de se

recorrerem a meacutetodos de cariz social tais como a atribuiccedilatildeo de multas ldquoque eram impostas

152

Duas das frases mais emblemaacutetica do uso de [惡] como antiacutetese de ldquobemrdquo e eacute claro ldquobenevolecircnciardquo (ren仁)

pertencem ao terceiro e quarto ldquoensinamentosrdquo de Confuacutecio do ldquoquarto livrordquo no primeiro caso o caractere natildeo

surge de forma isolada identificando a natureza da pessoa como ldquomaacuterdquo (惡人) por oposiccedilatildeo agrave de uma ldquopessoa boardquo

(好人) ldquo唯仁者能好人能惡人rdquo na frase ldquo苟志于仁矣無惡也rdquo [惡] eacute uma ldquoinfluecircncia negativardquo que se

pode ldquoeliminarrdquo CONFUacuteCIO op cit pp 28-29 153

NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p 599 154

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 58

para absolver uma pessoa de algum crime social tal como roubar a esposa de outro homemrdquo

155

Para todos os efeitos tsumi satildeo o coletivo de atos condenaacuteveis dentro de uma

sociedade os mais graves (amatsu-no-tsumi) correspondem os oito tsumi cometidos por

Susano-o durante o seu episoacutedio de rebeldia contra a ordem de Takamagahara 156

o kami

assume o papel do indiviacuteduo que age contrariamente ao que eacute suposto pois as suas accedilotildees

potildeem em causa o estado harmoacutenico da sua comunidade (de kami) que soacute seria reposta apoacutes

Amaterasu sair da Ama no Iwato

No que concerne aos kunitsu no kami estes satildeo essencialmente um ldquooposto

complementar (hellip) enfatizando maacutes accedilotildees mundanasrdquo nomeadamente ldquoincesto bestialidade e

auguacuterios natildeo auspiciosos e magia que antecipam principais eventos catacliacutesmicosrdquo 156

Jaacute

Felicia Bock divide-os em ldquoquebras de tabus tribais e contaminaccedilotildees causadas por eventos

naturaisrdquo constatando-se uma forte consciencializaccedilatildeo destas ldquocomunidades primaacuteriasrdquo no

que concerne a doenccedilas e comportamentos irregulares ou perigosos o corte de carne viva e

morta que demonstra o respeito pelos seres vivos lepra branca imperfeiccedilotildees deacutermicas

violaccedilatildeo da proacutepria matildee violaccedilatildeo de crianccedilas coabitaccedilatildeo com animais afliccedilatildeo de coisas

rastejantes divindades aves ldquomorte de animais e contaminaccedilotildees originadas por feiticcedilariardquo 157

Contudo a classificaccedilatildeo dos tsumi natildeo eacute a prioridade das fontes literaacuterias arcaicas

no episoacutedio protagonizado pela viuacuteva do Imperador Chūai (Jingū-kōgō神功皇后) do Kojiki

a nomeaccedilatildeo de nove ofensas denota a perspetiva dos japoneses em relaccedilatildeo a comportamentos

socialmente desviantes sobretudo de cariz sexual - a copulaccedilatildeo com quatro espeacutecies animais

(cavalos vacas paacutessaros e catildees) e o incesto satildeo considerados tsumi ndash aos quais se lhe juntam

as praacuteticas de esfolamento animal a destruiccedilatildeo dos campos de arroz e ainda a ldquodefecaccedilatildeo em

espaccedilos sagradosrdquo (no original kusohe 屎戸) 158

Aliaacutes eacute tambeacutem nesta passagem que se constata a atribuiccedilatildeo de um caraacutecter mais

ldquoritualrdquo a tsumi evidenciado pela presenccedila das palavras harai (祓い) um processo que tem

como meta a restauraccedilatildeo da pureza reunindo-se para o efeito oferendas oriundas de todos os

155

BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by

Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 156

TSUSHIRO Hirofumi ldquoAmatsu tsumi Kunitsu tsumirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines

Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23381gt

(consultado em 24-06-2018) 157

BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by

Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 158

Com a excepccedilatildeo das formas de bestialidade e incesto os tsumi mencionados satildeo posteriormente categorizados

como amatsu no tsumi TAKEDA Tsunegaki op cit pp217-219

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 59

cantos do territoacuterio e os proacuteprios tsumi kegare (穢) denotando a sujidade inerente deste tipo

de conduta (tsumi) que eacute eliminada por harai sendo defecaccedilatildeo um ato associado agrave ldquosujidade

fiacutesicardquo Com efeito realizar haraiharae devolve a ldquopurezardquo ao espaccedilo que tinha sido

ldquocontaminadordquo Ora neste episoacutedio particular a ldquobuscardquo de tsumi decorre em simultacircneo com

os preparativos para o ldquoritualrdquo fuacutenebre (mogari) do Imperador Chūai (仲哀天皇) 159

Tal como no Kojiki tambeacutem o Nihon shoki define tsumi como condutas ofensivas

no Inverno do 11ordm dia do 10ordm mecircs (quinto do ano de reinado) do Imperador Richū (履中天皇)

conclui-se que a suacutebita morte da Imperatriz tinha sido causada por uma ldquomaldiccedilatildeordquo (tatari 祟

り) enviada pelos ofendidos kami de Tsukushi no seguimento de dois tsumi cometidos por

Kurumamochi-be ndash taxar as terras administradas pelo Imperador sem autorizaccedilatildeo e ter

colocado ao seu serviccedilo (do ofensor) os suacutebditos dessa mesma terra acabando por usurpar a

posiccedilatildeo dos kami aiacute venerados Como puniccedilatildeo o soberano japonecircs obriga o ofensor a

executar misogi e posteriormente demite-o do seu cargo 160

se tsumi eacute a raiz de desarmonia

provocada pela accedilatildeo humana individual e repercutida no coletivo misogi eacute nada mais do que

o seu oposto focando-se na reposiccedilatildeo da Ordem pelo responsaacutevel assumindo contornos de

purificaccedilatildeo interna

Num dos eacuteditos do Imperador Yūryaku (雄略天皇) tsumi adquire uma natureza

ldquoperdoaacutevelrdquo ao escutar a canccedilatildeo entoada por Hata-no-sake-no-kimi o imperador absolve o

carpinteiro Kodakumitsuke-no-mita de ter forccedilado sexualmente 161

uma uneme 162

de Ise (na

verdade a jovem em questatildeo meramente tinha-se distraiacutedo a olhar para Kodakumitsuke-no-

mita estragando uma das oferendas que tinha acabado de preparar) 161

uma vez que o tsumi

de que tinha sido acusado o carpinteiro eacute considerado de tal ordem grave que o Imperador

pensou condenaacute-lo agrave morte eacute possiacutevel concluir que relaccedilotildees sexuais (forccediladas) justificavam a

pena capital

159

Nihonsinwa ldquo大祓いと罪悪rdquo (A Grande Purificaccedilatildeo e Crimes) 仲哀天皇(古事記)(Imperador Chūai

Kojiki) (on line) lthttpnihonsinwacompage577htmlgt (consultado em 24-06-2018) 160

Nihonsinwa ldquo履中天皇(十一)車持部の罪rdquo (Imperador Richū 11 O crime de Kurumamochi-be) 履中天皇 反正天皇(日本書紀)(Imperador Richū Imperador HanzeiHanshō Nihon shoki) (on line) lthttp

httpnihonsinwacompage1396htmlgt (consultado em 24-06-2018) 161

Nihonsinwa ldquo木工鬪鶏御田の冤罪と秦酒公の琴の声rdquo (As falsas acusaccedilotildees de Kodakumitsuke-no-mita e

a voz da biwa de Hata-no-sake-no-kimi) 雄略天皇(日本書紀)四十二 (Imperador Yūryaku Nihon shoki

42) (on-line) lthttpnihonsinwacompage1469htmlgt (consultado em 24-06-2018) 162

Uneme (采女) designa uma rdquofuncionaacuteriardquo da corte geralmente nomeada pelo Imperador ou pela Imperatriz

Segundo Nishigaki a funccedilatildeo destas jovens eacute de cuidar ldquodos afazeres do quotidianordquo dos seus empregadores

incluindo preparar a comida NISHIGAKI Yukio op cit p116

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No registo de Veratildeo do ano seguinte tsumi eacute novamente uma ofensa de natureza

sexual o crime cometido por Hatane-no-mikoto ndash um parente afastado do atual imperador

legitimando eventuais ambiccedilotildees ao trono ndash eacute o de sorrateiramente ter tido relaccedilotildees com

Yama-no-be-no-Koshimako Apoacutes purificar-se de tais atos recorrendo ao pagamento em

cavalos e tachi (nome para uma katana longa) Hatane eacute posteriormente obrigado pelo

imperador a lsquodepositar no chatildeorsquo os seus pertences numa outra localizaccedilatildeo perdendo o seu

estatuto social Se neste caso a puniccedilatildeo de Yūryaku serve para preservar a sua posiccedilatildeo

poliacutetica impedindo um hipoteacutetico golpe de estado 163

no primeiro episoacutedio o castigo eacute

aplicado como forma de justiccedila pelos terriacuteveis atos do carpinteiro

Como se pode constatar nos exemplos referidos tsumi expressa um uacutenico crime algo

repercutido no registo do Imperador Ankan (安閑天王) no 12ordm mecircs do primeiro ano de

reinado o termo eacute usado para indicar o roubo do colar por parte de uma jovem e que o

imperador resolve ldquoarrependerrdquo (aganai 贖い164) um procedimento no qual se reunia uma

seacuterie de pessoas conhecidas do acusado que entregavam riquezas ao imperador esperando-se

desta forma evitar o ldquocontaacutegiordquo de tsumi cometido pelo criminoso Curiosamente a viacutetima do

roubo tambeacutem eacute incluiacuteda neste conjunto de pessoas justificado pelos receios de contaminaccedilatildeo

165 neste sentido tsumi eacute duplamente uma ofensa individual e algo de natureza

ldquocontaminadorardquo conotada com kegare e Desordem

Em outras croacutenicas como a dos Imperadores Bidatsu (敏達天皇) Kōtoku (孝徳天皇

e Tenmu (天武天皇) tsumi corresponde a crimes cometidos pela mesma pessoa ou por um

conjunto de indiviacuteduos no primeiro caso tsumi descreve dois atos de Naniwa - ter ldquoenganadordquo

a corte (de certo modo um caso de insubordinaccedilatildeo) e de ter feito com que um diplomata do

reino de Kōryo fosse morto 166

no segundo ano do terceiro mecircs de Kōtoku identificam-se os

163

Eacute interessante ver que o verbo okasu eacute usado nesta passagem para identificar o crime Dependendo do

contexto o verbo pode significar ldquoviolarrdquo ecoando as suspeitas do Imperador no episoacutedio anterior Outro termo

a ter em conta eacute o de ldquopurificaccedilatildeordquo harai natildeo envolve misogi mas natildeo deixa de ser harai distinguindo-se como

um tipo de harai associado a ldquopagamentosrdquo Nihonsinwa ldquo歯田根命は山辺小嶋子と姦通し罪を問われるrdquo

(Hatane-no-mikoto eacute interrogado pelo crime de adulteacuterio com Yamanobe-no-Koshimako) 雄略天皇 日本書紀( 四 十 三 ) (Imperador Yūryaku Nihon shoki 43) (on line) lthttpnihonsinwacompage1471htmlgt

(consultado em 24-06-2018) 164

Aganai deriva do verbo aganau (贖) ou ldquoarrependerrdquo no sentido de ldquocompensarrdquo por maus atos Outra

definiccedilatildeo possiacutevel eacute enterrar riquezas no chatildeo NISHIGAKI Yukio op cit p 27 165

Nihonsinwa ldquo廬城部連枳莒喩の娘の幡媛の罪物部尾輿も土地を献上rdquo (O crime da rapariga Hatahime

de Iwogibe-no-muraji-kyū Mononobe-no-Ōmuraji-okoshi tambeacutem presenteia no chatildeo) 安閑天皇 宣化天皇(日本書紀)(Imperadores Ankan Senka Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1603htmlgt

(consultado em 24-06-2018) 166

Nihonsinwa ldquo難波の罪を数えるrdquo (Contar os crimes de Naniwa) 敏達天皇 日本書紀 Imperador Bidatsu

Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1731htmlgt (consultado em 24-06-2018)

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criminosos e o crime de que satildeo acusados nomeadamente roubo de bens (cavalos armas

tecidos) a outros membros da corte e funcionaacuterios 167

Por uacuteltimo o Imperador Tenmu

menciona sete ldquocoisas maacutesrdquo (ashiki koto 悪しきこと ) cometidas por um clatilde o que

normalmente justificaria a presenccedila deste no palaacutecio a fim de se proceder a um

questionamento oficial Contudo a interceccedilatildeo de um outro indiviacuteduo em favor deste clatilde

resulta na concessatildeo de um perdatildeo imperial caso tornassem a cometer crimes natildeo teriam a

mesma sorte 168

Eacute impossiacutevel natildeo se constatar uma espeacutecie de consciencializaccedilatildeo japonesa no que

concerne agrave Desordem e os possiacuteveis meios para a combater todos os ldquoritosrdquo que precedem os

matsuri e outros atos de veneraccedilatildeo aos kami envolvem algum tipo de ldquopurificaccedilatildeordquo (coisas

pessoas e espaccedilos) expressando-se uma clara atitude de abominaccedilatildeo por tsumi kegare e imi

Ora numa abordagem mais teoacuterica o antagonismo eacute colocado de parte e qualquer um destes

conceitos pode ser analisado enquanto objeto de estudo facultando o desenvolvimento de

novas perspetivas da dicotomia ldquobemmalrdquo em contexto shintō

Segundo Ōwaki Yukiko a linha de pensamento de Norinaga atenta na natureza

ldquoinclusivardquo e natildeo ldquoexclusivardquo de tsumi tornando-o um coletivo de um certo nuacutemero de crimes

socialmente reprovaacuteveis de kegare magakoto e maga ou seja todo o tipo de ldquocoisasrdquo

negativas associadas ao ldquomalrdquo uma palavra que natildeo se deve identificar com o ldquomalrdquo segundo

a visatildeo religiosa ocidental 169

Ao reconhecer a dicotomia DesordemOrdem o indiviacuteduo

deixa-se guiar pelos kami da Ordem - Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大

直毘神) - pedindo-lhes emprestado o ldquopoder da sua mitamardquo isto eacute a sua ldquoessecircnciardquo Seguir

kami no michi torna-se deste modo seguir a Via favoraacutevel agrave purificaccedilatildeo das intenccedilotildees

permitindo afastar a influecircncia negativa e prejudicial de maga que por sua vez se foca em

espalhar Desordem pelo mundo 170

167

O kanji [過] ndash toga sinoacutenimo de tsumi ndash associa-se a okasu reforccedilando a sua leitura enquanto algo de

natureza criminosa Nihonsinwardquo孝徳天皇(二十六)穂積臣咋と巨勢徳禰臣の罪rdquo (Imperador Kōtoku 26

O Crime de Hozumi-no-Omi-kui e Kose-no-tokone-no-Omi (on line) 日本書紀 孝徳天皇 (Nihon shoki

Imperador Kōtoku) lthttpnihonsinwacompage2079htmlgt (consultado em 24-06-2018) 168

Nesta passagem ashiki koto substitui tsumi Nihonsinwa ldquo東漢直の7つの罪恩により許されるrdquo (Os

crimes dos Yamato-no-aya-no-atai Devido agrave graccedila [imperial] satildeo perdoados) 天武天皇(六十)日本書紀

(Imperador Tenmu 60 Nihon shoki) (on-line) lthttpnihonsinwacompage2317htmlgt (consultado em 24-06-

2018) 169

ŌWAKI Yukiko ldquoつみ 罪 Tsumirdquo 万葉神事語辞典 (Dicionaacuterio de 10 mil fragmentos dos assuntos de

kami) (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_dsgampdata_id=68730gt

(consultado em 24-06-2018) 170

MOTOORI N ldquo1-9 直毘霊rdquo(なおびのみたま) (1-9 Naobi no mitama) 古事記傳 (Kojikiden) (on

line) lthttpkumoi1webfc2comCCP059htmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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Com efeito a visatildeo particular de Norinaga em relaccedilatildeo a nao (直) e maga (禍) revela-

se fundamental para a compreensatildeo de kami no michi como um Caminho de retorno a uma

Ordem criada por algo natildeo humano e expressa pela naobi-no-mitama (直毘霊) Em outras

palavras nao eacute a antiacutetese de maga algo jaacute aludido na proacutepria etimologia dos dois vocaacutebulos

conotados com coisas ldquopositivasrdquo e ldquonegativasrdquo nao eacute entendido como ldquocorretordquo ldquodireitordquo e

ldquoretordquo uma disposiccedilatildeoatitude preferiacutevel e consequentemente uma caracteriacutestica ligada agrave

Ordem 171

ndash significa ldquocurarrdquo ou ldquopacificarrdquo consoante o contexto ndash maga eacute uma ldquocoisa maacute

desastrerdquo associando-se ainda ao kanji [曲] presente no verbo magaru traduzido por ldquovirarrdquo

ou ldquotorcerrdquo172

Todavia este ldquotorcerrdquo eacute permanente evidenciando a capacidade do indiviacuteduo

prevalecer sobre a influecircncia de maga magamal natildeo eacute inato ao homem justificando o

porquecirc de shintō tradicionalmente definir o homem pela sua ldquoboardquo natureza argumentando

que natildeo existem ldquopessoas maacutesrdquo (por natureza) mas ldquomaacutes intenccedilotildeesrdquo ldquodoenccedilasrdquo e ldquocoisas maacutesrdquo

neste mundo que satildeo impulsionadas pela existecircncia inevitaacutevel de maga 172

Com efeito este

manga eacute um entrave temporaacuterio agrave Ordem interpretaccedilatildeo ecoada por Ono Sokyō Referindo-se

agrave perspetiva ldquoxintoiacutestardquo antiga de uma ldquoorigem exteriorrdquo do mal este uacuteltimo identifica tal

origem com o ldquomundo da escuridatildeordquo personificado pelos magatsui no kami ldquoespiacuteritos

malignosrdquo admitindo que o homem vive num ldquomundo bomrdquo (um mundo de kami criado pelo

musubi) e a sua ldquoalmardquo eacute inerentemente boa ldquoo homem comete males porque perdeu foi-lhe

retirada a capacidade para accedilatildeo normalrdquo 173

Neste sentido tanto o Kojiki como o Nihon shoki apresentam uma explicaccedilatildeo para a

existecircncia desta Desordem Desordem eacute uma consequecircncia da libertaccedilatildeo no mundo de kegare

do Yomi-no-kuni contraiacutedo por Izanagi aquando da sua passagem por este domiacutenio inferior

Caracterizado pela sua sujidade 174

Yomi eacute o mundo dos mortos portanto eacute loacutegico que tudo

que faccedila parte desse lugar seja o oposto da Ordem oferecendo um viacutevido contraste com o

171

NISHIGAKI Yukio op cit p457 172

NISHIGAKI Yukio op cit p529 173

ONO Sokyō op cit pp105-107 174

A utilizaccedilatildeo da palavra ldquosujidaderdquo eacute justificada pela leitura do kanji [穢] como kitanaki presente na fala de

Izanagi O kami tem consciecircncia de ter regressado de uma ldquoterra sujardquo (kitanaki kuni 穢國) e procura de imediato

uma fonte de aacutegua para poder lavar o seu corpo (misogi) No texto original a frase lecirc-se ldquoA wa ina

shikomeshikomeki kitanaki kuni ni itarite arikeri Kare A wa mimi no misogi senrdquo (吾者到於伊那志許米志許

米岐 穢國而在祁理故吾者爲御身之禊而) sendo que [吾] eacute uma forma arcaica do pronome pessoal ldquoeurdquo

KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)

lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-

2018)

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mundo dos vivos gerado pela vontade dos kami e no qual aflui vida se os kami satildeo

consequecircncia de musubi os magatsui no kami possuem uma natureza diferente no Kojiki

correspondem a Yasomagatsubi-no-kami (八十禍津日神) e Ōmagatsubi-no-kami (大禍津日

神) e no Nihon shoki este uacuteltimo eacute substituiacutedo pelo Ōayatsubi-no-kami (大綾津日の神)

notando-se a inclusatildeo do som aya cujo significado eacute proacuteximo de maga 175

Aparecendo depois dos kami que se manifestaram agrave medida que Izanagi-no-kami se

despia os magatsui no kami satildeo corporizaccedilotildees de kegare Mencionados durante o ritual

misogi harai este par daacute iniacutecio ao ciclo de Desordem e Ordem reconhecido pelo indiviacuteduo

Desordem precede a Ordem que eacute interpretada como a ldquoessecircnciardquo dos naobi-no-kami ou seja

Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大直毘神) e ainda Izunome-no-kami (伊

豆能賣神) 176

A niacutevel etimoloacutegico a escolha do nome dos primeiros dois kami natildeo eacute uma escolha

aleatoacuteria na ediccedilatildeo do Kojiki-den (1940) compilado por Kurano Kenji Norinaga comenta que

os magatsui no kami possuem uma parte inicial que reforccedila a noccedilatildeo de ldquomuitordquo isto eacute yaso e

ō respetivamente uma parte do meio especificamente conotada com ldquonegativordquo (maga e aya)

a partiacutecula bi (日 ) que serve de auxiliar de fala tal como se constata no bi (毘 ) em

Kamunaobi-no-kami e Ōnaobi-no-kami Por conseguinte maga koto e jaaku (凶事邪悪)

derivam da tamashii de magatsubi no kami acrescentando-se que o verbo naosu (直す) pode

corresponder ldquoao ato de purificar atraveacutes de enxaguar o corpordquo (naosu to wa tsumari

susugikiyomerukoto wo iu 直すとはつまり滌ぎ清めることを言う) se maga significa

kegare kiyomeru eacute naosu Por outro lado naobi refere-se agrave mitama (御魂) capaz de efetuar

este naosu em maga acalmando a sua influecircncia 177

Se Norinaga eacute assertivo na origem exterior do mal que afeta tudo em nosso redor

imaginando um magatsubi no kami como derradeira personificaccedilatildeo das coisas malignas

outros autores natildeo compartilham dos mesmos sentimentos com um especial destaque para o

seu grande rival e anterior disciacutepulo Hirata Atsutane Apesar de aceitar a dicotomia maganao

175

Aya eacute o mesmo som presente em palavras simbolizando ldquoperigordquo e ldquocriserdquo (adjetivos ou pressentimentos) tais

como ayaui e ayabumu (Nishigaki pp 55-56) Portanto se Ōmagatsubi eacute literalmente ldquograndeenorme desastrerdquo

o Ōayatsubi eacute ldquograndeenorme perigordquo a conotaccedilatildeo ldquonegativardquo permanece MOTOORI N ldquo6-2 神代四之

巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi) 古事記傳 (Kojikiden) (on line)

lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 176

KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)

lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-

2018) 177

MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)

古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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Hirata defende uma perspetiva inclusiva de ldquomalrdquo apoiada na ideia de que o ser humano

possui no seu interior o ldquoespiacuterito de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo

errado foi cometidordquo e o ldquoespiacuterito de Naobi-no-kamirdquo responsaacutevel por moderar a atuaccedilatildeo do

indiviacuteduo de uma forma relaxada e tranquila 178

Neste sentido definiram-se duas caracterizaccedilotildees distintas no que concerne agrave

interpretaccedilatildeo de mal Norinaga eacute um notoacuterio apoiante da teoria lsquomal= antiacutetese do bemrsquo em

todos os seus sentidos comentando o facto de magatsubi no kami ser uma forccedila que o homem

eacute incapaz de resistir e no seu maior extremo adquire uma natureza incontrolaacutevel indomaacutevel

fora do alcance do poder da kami do Sol e de Takagi no Ōkami (um outro termo para Taka-

musubi-no-kami) Contudo independentemente da sua existecircncia neste mundo ldquoos maus

kamirdquo agem simplesmente de acordo com a sua natureza e podem ser aplacados atraveacutes de

ldquoveneraccedilatildeo e execuccedilatildeo de purificaccedilatildeo quando algueacutem estabeleceu contacto com poluiccedilatildeordquo

No fundo a sua influecircncia negativa pode ser apaziguada e retificada graccedilas ao cultivo de uma

atitude de ldquoobservaccedilatildeo correta de veneraccedilatildeordquo 179

Por outro lado Hirata propotildee uma teoria diferente no sexto volume do Koshiden (古

史伝 ca 1812-1825) o autor rejeita a teoria de que magatsubi-no-kami e naobi-no-kami

associam-se somente agrave aramitama e nigimitama de Amaterasu respetivamente Ou seja a

dualidade aramitamanigimitama eacute comum a qualquer kami encontrando-se exemplos de

veneraccedilatildeo muacutetua da aramitama e nigimitama em locais especiacuteficos (cultos de Ise e Izumo)

Aliaacutes a anaacutelise de Hirata permitiu o estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre dois kami e uma

ldquopresenccedila interiorrdquo (mitama) capaz de exercer influecircncia de forma positiva e negativa se

naobi-no-kami pertence agrave nigimitama de Ōmikami (Amaterasu) magatsubi no kami

corresponde agrave aramitama de Susano-o-no-mikoto 180

explica-se deste modo o seu

comportamento tempestuoso e irasciacutevel que levaria ao seu afastamento de Takamahara como

compensaccedilatildeo pelos seus tsumi

Com efeito quer se trate de um kami quer de um homem todos tecircm no seu interior a

capacidade de distinguir o ldquocorretordquo do ldquoerradordquo sendo que uma orientaccedilatildeo correta eacute parte

das responsabilidades do ldquoespiacuteritordquo de Naobi-no-kami moderando-se a atuaccedilatildeo do indiviacuteduo

178

PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 273 179

UEDA Kenji ldquoMagatsubi no Kami and Motoori Norinagarsquos Theologyrdquo Institute for Japanese Culture and

Classics Kokugakuin University (on line) lthttpwww2kokugakuinacjpijccwpcpjrkamiuedahtmltnoteIgt

(consultado em 24-06-2018) 180

HIRATA A ldquo古史伝 6rdquo National Diet Library (on-line) lthttpdlndlgojpinfondljppid772144gt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 65

de uma forma relaxada e tranquila Em contrapartida o ldquoerradordquo eacute representado pelo ldquoespiacuterito

de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo errado foi cometidordquo 181

Ora a existecircncia de um kami da Desordem (interior) natildeo implica a adoccedilatildeo de um

comportamento exclusivamente negativo e incorreto por parte deste magatsubi-no-kami eacute

uma consequecircncia e natildeo a raiz desta conduta tornando-se ldquoviolentordquo no caso da presenccedila de

kegare Estando esta ausente tal comportamento perde a sua razatildeo de ser possibilitando a

transiccedilatildeo do magatsubi no kami para um kami capaz de ldquoconceder felicidaderdquo um kami

beneacutefico e cuja essecircncia nunca pode ser maleacutefica antes pelo contraacuterio 182

No Japatildeo dos dias de hoje os conceitos ldquobemmalrdquo satildeo mais ambiacuteguos do que claros

a classificaccedilatildeo de accedilotildees em boasmaacutes depende das ldquocircunstacircncias motivos propoacutesitos

tempo lugarrdquo embora uma coisa seja certa a ldquosinceridaderdquo do nosso ldquocoraccedilatildeordquo que rege uma

conduta ldquoproacutepriardquo e cortecircs favoraacutevel ao natildeo conflito e agrave manutenccedilatildeo da paz e ordem socialrdquo

Tudo que potildee em causa a harmonia merece o roacutetulo de ldquomalignordquo quer se trate de ldquopecados

poluiccedilatildeo e desastresrdquo cabendo agrave ldquoalmardquo do ser humano distinguir entre o bem e o malrdquo 183

algo que soacute eacute possiacutevel se se cultivar uma relaccedilatildeo suficientemente forte com os kami atraveacutes

desta ligaccedilatildeo muacutetua o homem aprende a afastar-se do que lhe eacute prejudicial uma preocupaccedilatildeo

que se estende a qualquer vertente de shintō dos dias de hoje a reposiccedilatildeo da Ordem eacute sem

duacutevida a grande prioridade dos rituais que se esforccedilam por combater qualquer forma de

Desordem

A segunda grande causa da Desordem eacute kegare uma ldquocondiccedilatildeo poluiacuteda e malignardquo

A ldquoantiacutetese de purezardquo kegare eacute ldquoresultado de fenoacutemenos ocorrentes naturaisrdquo e possui uma

natureza facilmente ldquocontaminaacutevelrdquo uma vez que ldquoquando esta corrupccedilatildeo aderia ao indiviacuteduo

tambeacutem trazia calamidades agrave sociedaderdquo 184

Um termo descritivo de ldquoespeciacuteficos tipos de

impureza causados pelo parto menstruaccedilatildeo doenccedilas e morte (hellip) presenccedila de kegare eacute

ignorada tatari (desgraccedila) pode chegar como avisordquo 185

kegare distingue-se de tsumi por ser

sensorialmente impuro distanciando-se do sentido de eticamente impuro patente em tsumi a

conduta errada que danifica o proacuteprio indiviacuteduo e o coletivo

181

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 273 182

KOYASU Nobukuni Hirata Atsutane no Sekai (平田篤胤の世界) Tokyo Berikansha 2001 p205 183 ONO Sokyō op cit pp105-107 184

NISHIOKA Kazuhiko ldquoKegarerdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23417gt (consultado em 24-06-

2018) 185

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 191

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 66

A niacutevel etimoloacutegico kegare pode ser escrito de duas formas se usado no discurso do

dia-a-dia utiliza-se [汚] um kanji presente em kitanai (汚い) ou ldquosujordquo kegarawashii (汚ら

わしい) ou ldquonojentordquo yogosu (汚す) e yogoreru (汚れる) respetivamente ldquosujarrdquo e ldquosujar-

serdquo oshoku (汚職) ou ldquocorrupccedilatildeordquo e ainda osen ( 汚染) isto eacute e ldquopoluiccedilatildeordquo (ecoloacutegica)

composto pelo kanji [汚] e pelo kanji usado para escrever o verbo someru (染める) traduzido

por ldquopintarrdquo (no sentido de ldquomancharrdquo) Em suma uma condiccedilatildeo na qual o indiviacuteduo ou o

objeto natildeo estaacute limpo assemelhando-se aos vocaacutebulos fujō (不浄 ldquoimpurordquo) e fuketsu (不潔

ldquonatildeo higieacutenicordquo)

Em contrapartida o kegare ritual escreve-se com o kanji [穢] e o seu som kega eacute um

homoacutefono do vocaacutebulo kega (怪我) significando ldquoferidardquo ou ldquomagoarrdquo involuntariamente

como resultado de erros cometidos claramente reforccedilando a sua conotaccedilatildeo negativa

evidenciada pelo verbo kegareru (汚れる穢れる) que supostamente se desenvolveu graccedilas agrave

junccedilatildeo da partiacutecula ke (geralmente lida como ki 気) e do verbo karu escrito com o mesmo

kanji [離] usado em hanareru (れる) isto eacute ldquoafastar-serdquo 186

Neste sentido kegareru pode ser melhor descrito como uma certa accedilatildeo que provoca

o afastamento do ki - espeacutecie de ldquofluxo de energiardquo imanente em tudo que eacute vivo ndash e

consequentemente eacute capaz de atrair todo o tipo de influecircncias negativas Aliaacutes alguns

estudos modernos realizados por japoneses atribuem a origem de kegare (穢) agrave expressatildeo

kegare (気枯) que constituiacuteda pela junccedilatildeo de ki e kare - forma nominal do verbo kareru

geralmente traduzido por ldquomurcharrdquo - kegare (気枯) significaria literalmente ldquoki que murchardquo

ecoando esta ideia de ldquoafastamento do kirdquo que eacute nada mais do que perda de vitalidade 187

Uma Desordem natural que eacute combatida pela purificaccedilatildeo quer recorrendo ao natildeo

contacto com certos alimentos ou objetos (mono imi 物忌) ou agrave realizaccedilatildeo de ldquoabluccedilotildeesrdquo que

afetem a ldquomente e corpordquo (心身) do indiviacuteduo enquanto este venera os kami kegare eacute ldquoum

estado de divergecircncia do que eacute comum uma condiccedilatildeo que se deve abster-se com receiordquo

Caracterizada pelo gradual murchar de ke ndash substitui-se o kanji [気] pelo de [褻] que significa

ldquomundanordquo ndash kegare pode ateacute afetar os alimentos utilizados nos matsuri ao mesmo tempo

que se reconhece a natureza sagrada destas oferendas pensava-se que os alimentos (odango

feijatildeo) eram ldquotambeacutem uma existecircncia sujardquo que justificava a sua eliminaccedilatildeo pela aacutegua fogo

186

NISHIGAKI Yukio op cit pp269-270

187 ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 67

sal e lama elementos portadores de ldquoefeitos purificadoresrdquo (jōka sayō 浄化作用) sendo

destruiacutedos ou queimados apoacutes as festividades 187

Numa interpretaccedilatildeo alternativa eacute possiacutevel explicar kegare como uma das partes da

dicotomia kegarehare para a antropoacuteloga Namihira Emiko kegare expressa ldquoocasiotildees

poluentes tais como funerais ritos memoriais nascimento de crianccedilas menstruaccedilatildeo feridas

(hellip) poluiccedilatildeo pode vir tanto de morte como de sanguerdquo por oposiccedilatildeo a hare ldquoocasiotildees

auspiciosas ou felizes formais tais como Ano Novo festivais matsuri Shinto Miyamairi e

outras cerimoacutenias Shintordquo positivas 188

de celebraccedilatildeo da vida e reposiccedilatildeo da Ordem

conotando-se com o que na linguagem contemporacircnea eacute automaticamente reconhecido como

ldquopurezardquo

Automaticamente associado a coisas impuras kegare eacute essencial no entendimento da

tradiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo do geacutenero feminino sobretudo no que diz respeito a kegare oriundo

de sangue (menstruaccedilatildeo) e do parto posteriormente identificados com ldquoimpureza vermelhardquo

(aka fujō 赤不浄) e ldquoimpureza brancardquo (shira fujō 白不浄) respetivamente um sistema de

classificaccedilatildeo que remonta somente ao Periacuteodo Meiji acrescentando-se uma terceira ldquoforma de

impurezardquo haacute jaacute muito reconhecida na sociedade japonesa e capaz de afetar ambos geacuteneros a

ldquoimpureza negrardquo (kuro fujō 黒不浄) 189

sinoacutenimo de shie ou ldquokegare da morterdquo (死穢)

caucionando o indiviacuteduo contra o prolongado contacto direto e indireto com mortos

Ora jaacute as primeiras fontes histoacutericas japonesas perspetivam kegare como uma forma

de Desordem se no Nihon Kōki (日本後紀) o termo quase nunca surge de forma isolada

fazendo parte das palavras [凶穢] [損穢] [汚穢] e [ 穢悪之事] respetivamente registadas

nos anos 797 806 815 e 811 190

no Zoku Nihongi (続日本紀) regista-se [有穢] ou ldquokegare

arirdquo (ldquoter kegarerdquo) aludindo agrave materializaccedilatildeo de kegare 191

Uma vez que tanto o nascimento e a morte de animais ou humanos satildeo kegare eacute

possiacutevel afirmar que enquanto conceito kegare sofreu uma elevada consciencializaccedilatildeo no

seio da sociedade japonesa ndash kegare eacute algo que pode ldquomancharrdquo e ldquocontaminarrdquo ndash ao ponto de

interferecircncia nos rituais aos kami como se pode constatar no Nihon Sandai Jitsuroku (日本三

188

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 309-310 189

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (Distortion of Japanese Tradition) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22

190 SAEKI A 日本後紀 朝日新聞本 (Nihon Goki Versatildeo do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-

textscomchukokoukiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 191

MIZUMOTO Masahisa ldquo大本敬久 触穢の成立 日本古代における「穢」概念の変遷rdquo (ldquoBook review

lsquoDevelopment of Shokue Changes of the Kegare Concept in the Ancient Japan by Ōmoto Takahisarsquordquo) Buraku

Kaihō Kenkyū (部落解放研究) nordm 199 2013 pp 118-123

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 68

代実録) Por outras palavras a presenccedila de kegare pode justificar o cancelamento de certos

matsuri encontrando-se vaacuterias referecircncias a esta ldquointerrupccedilatildeordquo (teishi停止) no registo do ano

683 (Kinensai e Hirano Umemiya matsuri) e no de 866 e 874 (Tsukinamisai) outro exemplo

a ter em consideraccedilatildeo data do seacutetimo ano da era Jōgan (nono mecircs deacutecimo primeiro dia) e

ilustra kegare como algo nocivo agrave execuccedilatildeo dos ldquoritosrdquo no Ise Jingū que eacute eliminado por

membros da corte 192

Podendo ser visto ouvido degustado cheirado e tocado algo expresso no conceito

de shokue (触穢) literalmente ldquokegare de toquerdquo ndash o primeiro kanji eacute o mesmo usado para o

verbo ldquotocarrdquo (sawaru) ndash kegare eacute classificado por fontes do Periacuteodo Heian como o jaacute

mencionado Nihon Sandai Jitsuroku que lista as seguintes categorias shokue (nas croacutenicas

dos anos 859 862 e 886) shie (episoacutedios dos anos 861-864 865 871 876 878-879 880

882-883 885-887) - especificando se se trata da morte de um animal (catildees cavalos raposa)

ou de um humano (人死穢 e 人死之穢) procedendo-se ao cumprimento de regras de

ldquoabstenccedilatildeordquo como medidas de contingecircncia contra o alastramento de impureza - e san no

kegare exclusivamente associado a catildees ndash no texto original lecirc-se presumivelmente inu sanrsquoe

(犬産穢) ndash descritos no nono mecircs do terceiro dia (ano 865) no deacutecimo mecircs do seacutetimo dia

(ano 867) em dois dias do ano 870 nos anos 877 879 880 884 885 e por uacuteltimo no ano

886 193

Quanto a ketsue (血穢) ou chi no kegare a ldquoimpureza de sanguerdquo eacute discriminada no

episoacutedio do Kojiki (reinado do Imperador Keikō) que descreve o casamento entre Yamato-

takeru-no-mikoto (倭建命) e a menstruada Miya-uke-hime (美夜受比売) um facto entoado

num ldquopoemardquo (uta 歌) pelo proacuteprio esposo e correspondido por esta na noite de nuacutepcias

Assim ketsue eacute o melhor representante da visatildeo lsquosangue = impurezarsquo independentemente de

este pertencer a uma mulher ou a um homem o sangue de um ser vivo era encarado num

misto de receio e fasciacutenio pensando-se que este liacutequido era portador de ldquoum poder forterdquo

192

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 193

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 69

Como resultado o sangue tornar-se-ia um imi (忌) a nunca referir em discurso muito menos

durante a realizaccedilatildeo dos atos de veneraccedilatildeo aos kami 194

Em contrapartida tambeacutem o Saigūki (西宮記 ca seacutec X) regista casos de ketsue

durante o Kamo-matsuri no quarto mecircs do ano 839 e no Sono-matsuri segundo mecircs do ano

851 190

Seguidamente em contexto dos proacuteprios ritos do Naikū a proacutepria palavra ldquosanguerdquo

(血) seria adicionada agrave lista de imikotoba presente no Kōtai Jingū Gishiki-chō 195

Jaacute na 52ordf

aliacutenea do terceiro volume do Engishiki caucionar-se-ia as menstruadas jovens do palaacutecio (ari

tsuki-goto-mono 有月事者) a retirarem-se para suas casas na veacutespera do matsuri e praticar

ldquoabstinecircnciardquo (kessai 潔斎) no terceiro e nono mecircs (Anexo I) 196

Uma vez que o sangue eacute um liacutequido presente no parto de animais e seres humanos natildeo

eacute estranho o facto de o nascimento partilhar do mesmo sentido negativo que a morte ou o

sangue menstrual como jaacute mencionado o Nihon Sandai Jitsuroku cita ocorrecircncias de dano

fetal e nascimento de catildees como motivos para adiar certos ritos 197

e em dois episoacutedios

descritos no ano de 919 (Teishinkōki) e 1119 (Chōshūki) respetivamente se no primeiro caso

esta variedade de kegare eacute mais que suficiente para interromper o Kinensai - agrave semelhanccedila do

ano 683 (Nihon Sandai Jitsuroku) ndash no segundo o parto de uma crianccedila originou kegare que

se espalhou por todos os cantos 198

194

IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 195

O Kōtai Jingū Gishiki-chō foi produzida por volta do seacutec IX pelo Naikū e entregue ao Jingikan para revisatildeo

Interessantemente a maior parte deste conjunto de palavras satildeo de origem ldquobudistardquo refletindo a abominaccedilatildeo de

shintō em relaccedilatildeo a ldquoensinamentos de forardquo Segundo Wada a expressatildeo ldquo 血乎阿世止云 rdquo significa

simplesmente que ldquoaserdquo (阿世) ndash ase pode querer indicar a palavra japonesa para ldquosuorrdquo (汗) - deve ser usada

como ldquosubstituto de ldquochirdquo (sangue) O autor afirma tambeacutem que sangue e urina eram considerados liacutequidos

impuros portanto automaticamente interditos nestes espaccedilos WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ

意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo

Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro

2007 pp 114-136 196

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de

Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 197

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)

198 IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 70

No que concerne a shie esta eacute talvez a forma de kegare mais abominada pela

sociedade japonesa pela sua ligaccedilatildeo direta com a morte morte (intencional ou natural) nunca

eacute motivo de celebraccedilatildeo e os rituais de shintō priorizam a vida ou seja ldquocrescer culturas e

receber vida Receber vida e dar graccedilas agrave vida representa a visatildeo de vida fundamental de

Shintordquo 199

tornando os matsuri natildeo soacute expressotildees de rituais positivos mas tambeacutem

celebraccedilotildees da vida da sociedade aproximando o indiviacuteduo do coletivo

Com efeito se a vida aproxima a morte afasta e traz consigo kegare a sua existecircncia

poderaacute provocar o cancelamento de certos matsuri Ao longo da histoacuteria do Japatildeo morte

nunca foi desassociada de kegare e imi sendo que ateacute mesmo a sociedade contemporacircnea

hesita em referir-se abertamente agrave morte individual de seres humanos respeitando uma seacuterie

de regulaccedilotildees que envolvem a natildeo pronunciaccedilatildeo de palavras que pudessem ser analogias agrave

morte (imikotoba) a praacutetica de ldquokichūrdquo (忌中) entre as pessoas da mesma famiacutelia do falecido

a distribuiccedilatildeo de um tipo de ldquosal purificadorrdquo (kiyome no shio 清めの塩 ) entre os

participantes do funeral Incidentalmente o costume ldquomodernordquo de visitar as campas dos

antepassados e dos membros da famiacutelia recentemente falecidos era totalmente posto de parte

pela corte do Periacuteodo Heian temendo-se o perigo de contaminaccedilatildeo devido agrave forte ldquoligaccedilatildeo de

sanguerdquo entre membros da mesma famiacutelia (sobretudo parentes proacuteximos) 200

Surgindo frequentemente no Kojiki e Nihon shoki kegare natildeo passa de uma palavra

(adjetivo verbo ou nome) sem categorizaccedilotildees integrando um grupo de vocaacutebulos constituiacutedo

por termos de conotaccedilatildeo negativamaligna kitanashi (垢濁悪) ashi (悪邪 凶) arashi

(荒) shiko (醜 凶) e maga (禍 悪 禍害枉 凶) 201

Ora independentemente da ausecircncia do

kanji (死穢) ambas fontes reconhecem a natureza ldquopoluenterdquo da morte no Kojiki o Yomi-no-

kuni eacute descrito como um local desolador repleto de kegare no qual residem mulheres ldquoodiosasrdquo

e um mundo afastado de tudo que eacute vivo Assim na passagem do retorno do Izanagi ao

mundo da superfiacutecie o kanji eacute lido pela primeira vez como adjetivo (kitanaki) 202

199

SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological Religion Masterrsquos Degree

Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of the

University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark Teuween 2011 200

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 201

ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 202

KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)

lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 71

Com efeito a relaccedilatildeo shi ndash kegare ndash fujō repercute-se no Nihon shoki [穢] marca

presenccedila nas falas de Izanagi primeiro como adjetivo qualificativo de um ldquolugar horrendo e

sujordquo (inashikomeki kitanaki tokoro 不須也凶目汚穢之處) que eacute identificado com o Yomi-

no-kuni o mundo dos mortos Seguidamente o kanji precede o de [濁] ou nigoru (ldquoturvordquo)

base dos nigorasu nigoraseru e um sinoacutenimo de yogoreru (ldquosujar-serdquo) descreve-se deste

modo o corpo fisicamente ldquosujordquo de Izanagi-no-mikoto que precisa de ser lavado (mi no

kegawashikimono wo arai saran 身の濁穢 を滌い去らん) 203

A associaccedilatildeo entre a morte e a Desordem estende-se para laacute dos episoacutedios de cariz

mitoloacutegico o registo da regente imperial Kōgyoku nota que no seguimento da morte (em

territoacuterio japonecircs) de um filho do diplomata do reino coreano de Paekche nenhum dos

membros da famiacutelia se dignou a aparecer no seu funeral temendo-se uma possiacutevel

contaminaccedilatildeo Apesar de esta atitude de evitaccedilatildeo natildeo ser japonesa a popularidade de obras

chinesas que descreviam as cerimoacutenias e os ritos funeraacuterios (envergamento de branco cor do

luto) contribuiria para a fundamentaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de evitaccedilatildeo de shie a vaacuterios niacuteveis

comeccedilando com definiccedilotildees do enterro a interdiccedilatildeo da cerimoacutenia mogari e outros costumes

que envolviam a morte (corte de cabelo para o bem dos mortos) 204

Por volta do Periacuteodo Heian jaacute era ldquooficialrdquo a abominaccedilatildeo dos membros da corte em

relaccedilatildeo a kegare o Kōnishiki (弘仁式) do Saigūki o Jingiryō e eacute claro o Engishiki definem

kegare como um conjunto de atos a evitar por parte dos indiviacuteduos no seacutetimo volume do

Saigūki nascimento e morte de pessoas e animais domeacutesticos o consumo de carne destes

uacuteltimos fazer luto e visitar doentes implicava um periacuteodo de ldquoevitaccedilatildeordquo ritual de trinta dias

(morte humana) sete dias (nascimento humano) cinco dias (morte animal) e trecircs dias

(consume de carne luto e visita de doentes) 205

No que concerne ao Jingiryō segundo as aliacuteneas dedicadas agrave ldquoabstinecircnciardquo (散斎条)

enterrar coisas em casa luto visita de doentes consumo de carne natildeo produccedilatildeo de muacutesica

entre outros atos de caraacutecter legal (ldquonatildeo julgar em tribunais natildeo punir culpadosrdquo) justificam

este ritual de reposiccedilatildeo da Ordem cuja duraccedilatildeo depende da dimensatildeo dos ritos em questatildeo

203

SAKAMOTO Trdquo一書第六 原文rdquo (Sexto livro Texto Original) 日本書紀 卷第一 第五段 (Nihon

shoki Primeiro Capiacutetulo Quinta Secccedilatildeo) (on line) lthttpwww004uppso-

netnejpdassai1shokiframe0105_06frhtmgt (consultado em 24-06-2018) 204

ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 205

IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 72

(inspirado nos coacutedigos da dinastia Tang) ldquograndes ritosrdquo soacute se realizavam apoacutes um periacuteodo de

ldquoabstenccedilatildeordquo mensal (1ヶ月の斎を大祀) trecircs dias no caso dos ldquoritos meacutediosrdquo (3日の斎を

中祀) e um dia para os ldquoritos pequenosrdquo (1日の斎を小祀) 206

Agrave semelhanccedila de Jingiryō e do Saigūki o Engishiki repercute a tendecircncia de

ldquoevitaccedilatildeordquo como o uacutenico modo de se precaver contra os perigos de kegare formalmente

designando esta de shokue Mencionada sobretudo no terceiro volume concretamente nas

aliacuteneas 47 48 53 e 54 shokue deve ser eliminado consoante as especificaccedilotildees presentes no

Saigūki na segunda aliacutenea os atos de luto (弔喪) visitar doentes e ldquoalcanccedilar um lugar onde

um montemontanha estaacute a ser construiacutedo ou encontrar um serviccedilo memorial Budista de 37

diasrdquo inviabiliza a entrada do indiviacuteduo no ldquoPalaacutecio Imperial nesse diardquo independentemente

de o proacuteprio natildeo estar contaminado (Anexo I) Na terceira aliacutenea afirma-se que shokue pode

ser transmitido de um local para uma pessoa ou um grupo apesar de natildeo haver risco de

kegare para as pessoas em contacto com uma segunda pessoa ldquocontaminadardquo Jaacute na uacuteltima

aliacutenea a presenccedila de kegare num ldquooficial do Palaacuteciordquo natildeo pode comprometer os

procedimentos dos matsuri 207

O aprofundamento do estudo do conceito de kegare tambeacutem facultou o

desenvolvimento de toda uma perspetiva japonesa na qual objetos locais accedilotildees e ateacute mesmo

palavras satildeo rapidamente integradas no quadro cerimonial shintō embora como distintos

entraves a este uacuteltimo Ora apesar de imi natildeo lhe ser inato (a shintō) e jaacute ter existido de forma

latente na sociedade arcaica foi graccedilas ao processo de edificaccedilatildeo desta Via por parte da corte

que imi ndash geralmente entendido num sentido muito negativo ndash gradualmente conjugaria

ambos aspeto de causa e efeito da Desordem e da Ordem evidenciada pela dicotomia imi (忌)

e imi (斎) dois kanji homoacutefonos de significado antiteacutetico que constituem uma seacuterie de

vocaacutebulos e expressotildees geralmente conotadas com o negativo e o positivo respetivamente

No caso do primeiro imi este eacute alternadamente lido como imu e ki (foneacutetica chinesa)

marcando presenccedila nas palavras imawashii (忌まわしい) um adjetivo traduzido como ldquomau

pressaacutegiordquo 208

o nome kinki ( 禁忌) accedilatildeo interdita em meios sociais (ldquofrases proibidasrdquo

206

IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)

lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 207

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de

Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 208

NISHIGAKI Yukio op cit p90

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 73

denominam-se kinku 禁句) expressa numa atitude de afastamento e natildeo contacto com certas

coisas - uma vez que ldquoquebrar o tabu convidaria desgraccedilas tais como feridas e doenccedilasrdquo 209

e

as imikotoba (忌詞) cuja pronunciaccedilatildeo atrai ldquomaacute-sorterdquo ldquodesastresrdquo e ldquodesgraccedilasrdquo 210

Englobando dezenas de verbos adjetivos e outros vocaacutebulos do dia-a-dia imikotoba

natildeo devem ser proferidas em casamentos e noivados (acabar ndash owaru cortarcortar-se ndash

kirukireru) admissotildees escolares e empresariais e sucesso no trabalho (desistirparar ndash yameru

interrupccedilatildeo ndash chūshi) abertura de lojas e negoacutecios (fechar ndash tojiru perder ndash makeru) gravidez

e parto (cair ndash ochiru jazer ndash horobiru fraco ndash yowai murchar ndash kareru) construccedilatildeo de casas

(fogo - hika fumo ndash kemuri) e ainda expressotildees de longevidade 211

Por conseguinte imi (忌) eacute integrado na terminologia fuacutenebre japonesa kichū (忌中)

e kiake (忌明け) expressam o periacuteodo preacute-definido e o fim de [忌] cujo objetivo eacute fazer com

que o indiviacuteduo receie a morte e tudo que esteja relacionado com esta justificando uma

conduta mais cuidada moderada e austera Neste sentido o familiar do falecido refreia-se de

praticar os atos de veneraccedilatildeo em jinja sendo-lhe interdita a entrada na aacuterea destes uacuteltimos e a

sua participaccedilatildeo em matsuri ocasiotildees festivas (casamentos e outras cerimoacutenias viagens

luacutedicas) eventos de celebraccedilatildeo (adiados ateacute kiake) renovaccedilatildeo da casa solo e compras de

grande porte Para o efeito o indiviacuteduo pode escolher sujeitar a casa a uma purificaccedilatildeo

domeacutestica denominada kiake harai (忌明け祓い) cinquenta dias apoacutes a morte do falecido

De caraacutecter muito simples esta praacutetica envolve a entoaccedilatildeo de uma inori por parte de um

ldquoprofissionalrdquo 212

209

Iwai Hiroshi acrescenta que este kinki se relaciona com abstinecircncia do indiviacuteduo (monoimi) sendo que no

caso dos que executam os ritos kami procurava-se manter ldquoum estado de pureza fiacutesica e mentalrdquo evitando

contactar coisas poluiacutedas por um periacuteodo especiacutefico No caso da morte de um parente as pessoas de luto nunca

podem sair agrave rua IWAI Hiroshi ldquoKinkirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on

line) httpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23410gt (consultado em 24-06-

2018) 210

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 171-172

211 Muitas destas palavras foram escolhidas pelo seu significado negativo e ldquopessimistardquo por exemplo ldquopartirrdquo

(saruwareru) e ldquocortar (kiru) podem indicar um eufemismo para morte acrescentando-se o nuacutemero quatro (shi)

que eacute homoacutefono da palavra ldquomorterdquo (shi) Fumitei お祝いには避けたい 忌み言葉 (Querer evitar em

celebraccedilotildees as imikotoba) (on line) lthttpwwwfumiteijpstep3imi_kotobahtml04syussangt (consultado em

24-06-2018) 212

Imi varia consoante o membro da famiacutelia em questatildeo e geralmente eacute feito em simultacircneo com fuku (服) se

bem que este uacuteltimo associa-se ao esforccedilo mental do indiviacuteduo que procura ultrapassar a sensaccedilatildeo de perda e

regressar agrave sua vida normal algo que pode estender-se ateacute seis meses Hyōgo-ken Jinja-chō 先祖のおまつり

(Celebraccedilatildeo dos antepassados) (on line) lthttpwwwhyogo-jinjachocomfaqfaq08htmlgt (consultado em 24-

06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 74

Como se pode constatar a maioria das palavras derivadas de [忌] natildeo possuem um

significado positivo (exceccedilatildeo de kiake e kiake harai) o que eacute concordante com a tradiccedilatildeo de

lsquoimi= malrsquo ilustrada na literatura de corte dos Periacuteodos Nara-Heian (manuais e outros textos

rituais) assemelhando-se aos termos kegare e tsumi

No entanto deve-se ter sempre em consideraccedilatildeo a natureza ambiacutegua deste termo

Nishigaki Yukio (2005) define imu (忌斎) como lsquocoisas sagradasrsquo (shinsei na mono 神聖な

もの) morte e coisas sujas que as pessoas do Japatildeo antigo pensavam que natildeo se podiam tocar

devido ao facto de possuir um poder forterdquo 213

capaz de influenciar positiva e negativamente o

indiviacuteduo ecoando a interpretaccedilatildeo sugerida por Okada Shigekyo (1982) na sua pesquisa

acerca do significado dual de imi o autor menciona o facto da palavra imu (斎) ser usada para

qualificar ldquocoisas purasrdquo (seijōshōjō na mono 清浄な物) e indicar assuntos de kami que

envolviam uma ldquoabstinecircncia optimistardquo contrastando com imu (忌) que denotava ldquocoisas

impurasrdquo (fujō na mono 不浄な物) relacionando-se com os afazeres de kami e puacuteblicos

(negativos por natureza) que obrigavam a uma atitude automaacutetica de afastamento 214

como

meio de repor a Ordem

A ideia de um imi positivo e um imi negativo tambeacutem eacute partilhada por Ama

Toshimaro (1991) embora nos dias de hoje ldquoimirdquo (イミ) tenha adquirido o significado de

[忌] [禁忌] e [禁制 concordante com uma atitude de evitaccedilatildeo na liacutengua japonesa imi possui

um outro significado se for escrito com o kanji [斎] passando a ler-se imi (斎み) termo que

indica a palavra seishin kessai (精神潔斎)rdquo ndash literalmente kessai mental entendida no sentido

de ldquoabstinecircncia positiva do corpordquo (sekkyokuteki ni mi wo tsutsushimi積極的に身を慎み) ndash

e consequentemente ldquoaponta o ato de o proacuteprio decidir entrar no mundo sagrado dos kamirdquo

Por outras palavras se [忌み] indicar sobretudo um princiacutepio comportamental negativo pode-

se dizer que [斎み] eacute um princiacutepio comportamental positivo concentrado na ldquodiscriccedilatildeordquo 215

No Nihon shoki a divisatildeo natildeo eacute sempre clara imi (忌) eacute usado na palavra ōmimi (所

忌 ) alimentos proibidos de consumo por parte do imperador evidenciando a noccedilatildeo de

213

NISHIGAKI Yukio op cit p90 214

IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 215

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 75

ldquoabstinecircnciardquo e tambeacutem o estatuto especial do soberano japonecircs uma vez que todos os sais

satildeo-lhe proibidos excepto um sal especiacutefico 216

Contudo caso a situaccedilatildeo descrita seja negativa abandona-se a conotaccedilatildeo positiva de

imi evidenciado por expressotildees cujo significado pode ser de facto considerado como algo de

caraacutecter ldquopessimistardquo a palavra [国忌齋] designando o periacuteodo de ldquoabstinecircnciardquo (忌斎)

vigente em todo o paiacutes (adiamento de qualquer tipo de rituais shintō e enfoque nos rituais

budistas dirigidos aos mortos) ordenado primeiramente por Jitō e que duraria uma semana 217

e eacute claro o ldquodia de imirdquo (imibi忌日) indicando especificamente a data da morte do imperador

(dia 16 do segundo mecircs do segundo ano de Jitō) 218

Jaacute no Nihon Sandai Jitsuroku imibi eacute

formalmente explicado nos anos de 859 (o imibi de uma Imperatriz e natildeo do Imperador) 868

(Imperador Montoku decorrido anualmente no oitavo mecircs) e ano 886 (imibi do Imperador

Ninmyō vigeacutesimo primeiro dia do terceiro mecircs constatando-se a anual leitura de sutras no

tempo Unrin-in (雲林院) 219

Por outro lado a conotaccedilatildeo negativa de [忌] natildeo eacute muito visiacutevel no Kōtai Jingū

Gishiki-chō uma vez que eacute a presenccedila do kanji [忌] nas palavras [忌柱] [忌鍬] e [忌種] que

as reveste de uma natureza sagrada proacutepria de oferendas consagradas nos ritos aos kami uma

forma de culto que se estenderia ao proacuteprio Imperador realizando-se cerimoacutenias que

envolviam a preparaccedilatildeo de alimentos (arroz sobretudo) Submetidos a um processo de

abstinecircncia pelo fogo (imibi忌火) este arroz designar-se-ia oficialmente [忌火御飯] sendo

servido no primeiro dia do sexto mecircs 220

No que diz respeito ao Engishiki segue-se esta tendecircncia na qual o kanji pode

expressar coisas positivas (exceccedilatildeo de imikotoba) de entre as quais imibi presente no Niwabi-

216

Nihonsinwa ldquo大伴金村による真鳥の誅殺と塩の呪いrdquo (A execuccedilatildeo criminal de Matori e a maldiccedilatildeo do

sal devido a Ōtomo-no-kanemura) 武烈天皇(八)日本書紀 (Imperador Buretsu 8 Nihon shoki) (on line)

lthttpnihonsinwacompage1537htmlgt (consultado em 24-06-2018) 217

Sekai Daihyakka Jiten Dai 2 Han (Grande Enciclopeacutedia do Mundo Segunda Ediccedilatildeo) ldquo国忌rdquo (Kokki) コト

バンク (Kotobank ) (on line) lthttpskotobankjpwordE59BBDE5BF8C-498821gt (consultado

em 24-06-2018) 218

SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on

line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 219

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 220

ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 76

matsuri (庭火祭) e Niinamesai (新嘗祭) celebrados no deacutecimo segundo mecircs e deacutecimo

primeiro respetivamente 221

Se na perspetiva anterior ao Periacuteodo Nara defendia-se o significado sagrado da

palavra imi no periacuteodo de expansatildeo das culturas Nara e Heian constata-se o oposto a

interaccedilatildeo entre shintō e outras Vias urge uma necessidade de divisatildeo entre coisas maacutes e coisas

boas rotulando-se deste modo a tradiccedilatildeo de ritos fuacutenebres imperiais como ldquoritos malignosrdquo

(kyōrei 凶礼) o ldquomalignordquo eacute o representante de algo contraacuterio agrave Ordem que se distingue de

outros ritos imperiais e dos matsuri nacionais interpretados como ldquocomportamento benignordquo

(yoshimichi吉義) e portanto de impacto positivo 222

Consequentemente a influecircncia de imi na sociedade japonesa estender-se-ia ao

domiacutenio do discurso tornando as imikotoba palavras ldquonegativasrdquo mas que natildeo deixam de ser

sagradas no sentido de a sua pronunciaccedilatildeo transportar consigo um poder inexplicaacutevel e natildeo

fiacutesico 223

Uma vez que a ideia japonesa de ldquosagradordquo natildeo faz a distinccedilatildeo entre coisas

boasmaacutes inexplicaacuteveis por meios convencionais eacute possiacutevel afirmar que esta

consciencializaccedilatildeo da existecircncia de palavras perigosas no discurso contemporacircneo reflete o

lado mais prejudicial da tradiccedilatildeo japonesa de kotodama (言霊)

Associada a um domiacutenio natildeo tatildeo material mas mais subtil e espiritual kotodama eacute

uma palavra composta pelo kanji de ldquopalavrardquo (言) e o de ldquoespiacuteritordquo (tama eacute a leitura

alternativa do termo rei) e ldquorefere-se ao poder espiritual contido dentro de palavras mas

tambeacutem refere agrave concepccedilatildeo de que poder espiritual pode ser manifestado atraveacutes da entoaccedilatildeo

de palavrasrdquo 224

Neste sentido kotodama pode condicionar uma divisatildeo bipartida favoraacutevel ao

modelo ldquopensamento -palavra-accedilatildeordquo no qual o falante escolhe cuidadosamente o que quer

dizer atraindo coisas boasmaacutes para si e para os seus se norito satildeo boas para quem as entoa (e

para quem as escuta) as imikotoba (忌詞) ndash palavra composta pelo termo imi e o kanji lido

221

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第二 神祇二 四時祭下rdquo (Segundo Livro Jingi Dois Matsuri das

Quatro Estaccedilotildees Parte Inferior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi02htmgt (consultado em 24-06-2018) 222

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 223

WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos

Antigos e a consciencializaccedilatildeo de ldquoimpurezardquo) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro

Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa

Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 224

YONEI Teruyoshi ldquoKotodamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 77

como kotoba (詞) - provocam efetivamente a Desordem ao serem portadoras impliacutecitas de

ldquoimpurezardquo (kegare) a niacutevel discursivo devendo por isso sujeitar-se a uma peculiar

purificaccedilatildeo abstinecircncia vocabularverbal

Devidamente listadas nos coacutedigos e regulaccedilotildees cerimoniais de entatildeo as imikotoba

eram evitadas atraveacutes da sua substituiccedilatildeo por outros termos parecidos no Kōtai Jingū Gishiki-

chō ldquobater numa pessoardquo [人打] eacute substituiacutedo por atsu (奈津) naku (鳴) ndash homoacutefono do

verbo chorar (naku 泣く ) do qual derivam laacutegrimas ndash eacute trocado por shiotare (塩垂 )

significando literalmente rdquoderramar salrdquo [宍] ndash refere-se a carne de animais ndash eacute substituiacuteda

por [多気] nakago (中子) eacute usado em vez de butsu (仏) indicando o local de veneraccedilatildeo de

estaacutetuas budistas a palavra sutra (kei 経) eacute trocada pela expressatildeo arcaica [志目加彌]

traduzida como ldquosomekamisomegamirdquo literalmente ldquopapel pintadordquo ndash os primeiros dois kanji

indicariam uma leitura foneacutetica do verbo ldquopintarrdquo (someru) e os outros a palavra japonesa

para ldquopapelrdquo (kami紙) ndash uma vez que desde o Periacuteodo Nara que os rolos de pergaminho eram

pintados com a cor amarela algo que supostamente servia de estrateacutegia contra os insetos 225

Seguindo o meacutetodo de substituiccedilatildeo os vocaacutebulos ldquopagoderdquo (tō 塔) ldquomongerdquo (hōshi

法師) o ldquolaicordquo upāsaka (ubasoku 優婆塞) ldquotemplordquo (tera 寺) ldquoabstinecircncia de comidardquo

(toki斎食) ldquomorterdquo (shi 死) ldquocampardquo (hakaba 墓) e ldquodoenccedilardquo (yamai病) satildeo abandonados

em favor de kanji foneticamente lidos como verbos ou simples termos japoneses utiliza-se

ldquocabelo compridordquo (kaminaka髪長) para ldquomongerdquo uma expressatildeo que natildeo reflete a realidade

uma vez que uma das caracteriacutesticas visiacuteveis dos monges e monjas eacute o corte regular do

cabelo em vez de ldquomorterdquo recorre-se agrave expressatildeo naoru (奈保利物) significando o verbo

ldquocurarrdquo (naoru) isto eacute trazer de volta a ldquoforccedila vitalrdquo (生命) o nome nagusamenagusa (慰)

no sentido de ldquoacalmarrdquo eacute usado em vez de ldquodoenccedilardquo 226

Natildeo obstante algumas palavras substitutas satildeo escolhidas pela sua aproximaccedilatildeo agrave

respetiva imikotoba ldquopagoderdquo torna-se araraki (阿良々支) designando a planta ichii cuja

folha dividida lembra a beira do telhado de uma torre ubasoku eacute substituiacutedo por tsunohasu

225

WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos

Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro

Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa

Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 226 WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos

Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro

Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa

Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 78

(角波須) possivelmente uma referecircncia ao ldquochapeacuteurdquo usado pelos ldquoque acreditam em bukkyōrdquo

(bukkyō shinsha 仏教信者) ldquotemplordquo eacute um conhecido siacutembolo budista daiacute ser evitado no

discurso utilizando-se kawarafuki (瓦葺) katashiki (片食) equivale a toki Por uacuteltimo

ldquocampardquo um local conotado com kegare eacute pronunciado tsuchikure (土村) 226

No Engishiki imikotoba surge por duas vezes no quinto e sexto capiacutetulo o primeiro

grupo diz respeito agrave Saigū (斎宮) de Ise das quais as primeiras sete pertencem agrave linguagem

budista (内七言佛稱中子經稱染紙塔稱阿良良岐寺稱瓦葺僧稱髪長尼稱女髪

長齋稱片膳) outras sete estatildeo fora desta (外七言 死稱奈保留 病稱夜須 哭稱鹽垂 血

稱阿世 打稱撫 宍稱菌 墓稱壤) e as uacuteltimas duas correspondem aos termos tō e upāsaka

( 又別忌詞 堂稱香焼 優婆塞稱角筈) 227

Jaacute o segundo grupo (死稱直 病稱息 泣稱鹽垂

血稱汗 宍稱菌 打稱撫 墓稱壤) marca presenccedila no Saiinshi (齋院司) o Escritoacuterio ao qual

pertencia a Saiō (齋王) que serve o Kamo Jinja (outrora Kamo Daijin 賀茂大神) 228

Como se pode constatar estas duas listas foram sobretudo inspiradas pelas imikotoba

do Kōtai Jingū Gishiki-chō com a exceccedilatildeo de ldquohallrdquo (tō 堂) substituiacuteda por koritaki (香焼 )

- interpretado como o local onde se queima incenso - e do termo ldquomonjardquo (substituiacutedo pelo

feminino de kaminaga isto eacute mekaminaga女髮長)226 a grande diferenccedila entre os grupos de

imikotoba eacute nada mais do que o modo de escrita se as imikotoba da Saigū satildeo registadas num

japonecircs arcaico utilizando-se mais do que um kanji para se chegar ao som pretendido

imitando a linguagem do Kōtai Jingū Gishiki-chō as do Saiinshi sofreram uma simplificaccedilatildeo

utilizando-se somente um kanji ou no maacuteximo dois embora nunca alterando o significado

Tambeacutem conhecida pelos tiacutetulos de ldquoIse no saiō sainaishinnō itsuki no miya termos

que denotam uma princesa abstinente ou consagrada (hellip) escolhida entre as filhas e irmatildes de

um tennōrdquo (natildeo necessariamente o atual Imperador) a Saigū dedicava a sua vida a servir os

kami consagrados ao Ise Jingū e como tal submetia-se a trecircs anos de preparaccedilatildeo ou seja um

periacuteodo de preservaccedilatildeo de uma vida frugal e moderada Chegando a Ise no ldquonono mecircs do

terceiro ano das suas preparaccedilotildeesrdquo esta jovem visitaria o Ise jingū onde consagraria um ramo

de tamagushi ao Naikū e ao Gekū Tal ritual soacute se justificava trecircs vezes por ano durante o

bianual Tsukinamisai e Kannamesai sendo que o nono mecircs era ldquodeclarado um tempo de

227

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em

24-06-2018) 228

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式

(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 79

abstinecircncia geral no domiacutenio restriccedilotildees eram impostas em funerais e outras atividades

inauspiciosasrdquo 229

Uma das figuras mais elevadas na hierarquia de Ise a Saigū assume os deveres de

ldquosumo-sacerdotisardquo dos cultos em Ise e representa a perspetiva japonesa de pureza uma vez

que toda a sua vida era regulada em funccedilatildeo da manutenccedilatildeo deste estado interiorexterior de

pureza sendo forccedilada a retirar-se destes deveres para com os kami aquando da entronizaccedilatildeo

de um novo soberano apesar de natildeo se excluir uma reforma antecipada ldquodevido a morte na

sua famiacutelia sauacutede pobre ou acidentesrdquo 229

evidenciando a preocupaccedilatildeo para com

acontecimentos negativos que suscitam Desordem e uma resposta imediata de reposiccedilatildeo da

Ordem

24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e externa

Na cultura japonesa a palavra ldquopurordquo deteacutem um lugar especial que natildeo pode ser

incluiacutedo junto de uma perspetiva preacute-formatada de lsquoreligiatildeorsquo a noccedilatildeo de pureza estaacute

efetivamente consciencializado no cidadatildeo japonecircs comum integrando uma das partes deste

ciclo de Desordem e Ordem se tsumi kegare e imi satildeo causa e efeito (por vezes simultacircneo)

da Desordem a sua antiacutetese apoia-se principalmente na reordenaccedilatildeo e equiliacutebrio conseguido

atraveacutes da purificaccedilatildeo processo que se pode aplicar a um objeto um espaccedilo ou um corpo vivo

algo que shintō vecirc como prioridade a niacutevel teoacuterico e praacutetico afetando de forma positiva o

indiviacuteduo e o coletivo

Neste sentido purificaccedilatildeo interna e externa eacute a essecircncia dos rituais favoraacuteveis agrave

Ordem e relaciona-se com vaacuterias expressotildees itsuku - itsu significa ldquoclaro e purordquo (segundo

Motoori Norinaga) e define o ato de ldquoservir e executar ritos para os kami apoacutes a purificaccedilatildeo

do corpo e da mente da eliminaccedilatildeo de kegarerdquo aludindo a uma ldquocondiccedilatildeo de pureza onde tudo

que eacute negativo e poluente foi eliminadordquo 230

shizume (鎮静) traduzido como ldquopacificaccedilatildeordquo

no qual se apazigua (osameru 治める) o solo (jichin 地鎮) o fogo (chinka 鎮火) e as

tamashii (chinkontama shizume 鎮魂魂鎮) procurando-se conduzir coisas a um estado

229

NAMIKI Kazuo ldquoSaigūrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices Ancient (on

line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23475gt (consultado em 24-

06-2018) 230

NISHIOKA Kazuhiko ldquoItsukurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23387gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 80

ameno normalizado um processo constatado tanto em rituais executados por profissionais e

praticantes de kyōha shintō como nos matsuri de caraacutecter imperial

No contexto de jichinsai (地鎮祭) - matsuri realizado ldquodiariamente para novos

projetos novas casas novas construccedilotildees na estrada ou construccedilatildeo de qualquer tipordquo - a

ldquopacificaccedilatildeordquo eacute a meta a atingir Primeiro o shinkan presta serviccedilos agrave comunidade

deslocando-se do seu jinja para o local em questatildeo Apoacutes o estabelecimento de um himorogi

delimitado pela shimenawa o shinkan procede a oharai o ato simboacutelico de abanar ldquoa harai-

gushi sobre a aacutereaa pessoa a ser purificadardquo (Anexo II) - apaziguando os kami locais e

protegendo o espaccedilo de influecircncias negativas que recairiam sobre os envolvidos no projeto 231

Em contrapartida chinka era caraterizado como um rito imperial da responsabilidade

do ldquoclatilderdquo Urabe durante o bianual Chinkasai procurando a prevenccedilatildeo de fogos ldquodentro do

palaacutecio imperial e em outras instituiccedilotildees estatais mais do que fogos no geralrdquo 232

se bem que

em Ontake-kyō esta pacificaccedilatildeo tinha como objetivo a ldquopurificaccedilatildeo do crente apoacutes um

elemento quente ter sido suprimidordquo 233

tornando o fogo um agente purificador

Por uacuteltimo os ritos chinkon satildeo dedicados aos vivos e aos mortos se nos dias de hoje

o termo designa o momento de reflexatildeo em silecircncio dentro das imediaccedilotildees do jinja apoacutes

misogi e antes da fase de naorai (直会) isto eacute o momento de completa harmonizaccedilatildeo entre o

indiviacuteduo e o kami (consumo de sake em copos de madeira de cipreste) 234

chinkon era um

meio de defesa contra as tatari (desastres naturais epidemias e mortes suacutebitas) lanccediladas por

onryō de cortesatildeos e poliacuteticos eventualmente venerados como kami 235

Por outro lado o

chinkon do Chinkonsai (realizado na veacutespera do Niinamesai ou do Daijōsai) era uma praacutetica

dedicada aos vivos na qual o Imperador procurava a restauraccedilatildeo da sua sauacutede ldquopuxandordquo de

volta a mitama que estava em risco de sair do corpo 236

Natildeo obstante outros termos devem ser considerados haraiharae eacute na linguagem

shintō o meio mais eficaz de eliminaccedilatildeo de tsumi e kegare Agrave semelhanccedila das palavras

231

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 172

232 NAMIKI Kazuo ldquoChinkasai (hiho shizume no matsuri)rdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals

State Rites (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23099gt

(consultado em 24-06-2018) 233

Segundo Picken apoacutes a chinka shiki (鎮火式) cerimoacutenia na qual o praticante caminha sobre brasas este

uacuteltimo executaria a kugatachi shiki um ritual no qual o corpo deste uacuteltimo eacute salpicado com aacutegua a ferver

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 133

234 PICKEN Stuart op cit p179

235 PICKEN Stuart op cit p18

236 NAMIKI Kazuo ldquoChinkon-sairdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals State Rites (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23100gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 81

ldquopurezardquo ldquosinceridaderdquo ou ainda ldquoharmoniardquo (chōwa 調和) que se aproxima da ideia de

ldquocompletude e todo e eacute tambeacutem um ideal social natildeo apenas um estado de assunto dentro das

relaccedilotildees humanasrdquo 237

haraiharae atinge o exterior e o interior do indiviacuteduo

Ora apesar de hoje se escreverem com o mesmo kanji [祓] harai e harae eram atos

diferentes harai seria uma ldquopurificaccedilatildeo ativardquo - eacute o proacuteprio sujeito que escolhe

conscientemente executar a ldquopurificaccedilatildeordquo como se constata no episoacutedio de Izanagi ndash e harae

derivaria de harawase descrevendo uma ldquopurificaccedilatildeo passivardquo na qual o sujeito ldquoreceberdquo

harae de boa vontade por parte dos responsaacuteveis pelo jinja algo jaacute aludido em certos termos

como haraetsumono (祓具) 238

Alternadamente escritos como [祓物] haraetsumono designa

as ldquooferendas de purificaccedilatildeordquo lanccediladas agrave aacutegua como parte da ceacutelebre Ōharae cujos efeitos

atingem toda a populaccedilatildeo japonesa tornando - a ldquopurardquo a niacutevel natildeo apenas fiacutesico Aliaacutes

Ōharae (大祓) partilha desta aceccedilatildeo uma vez que o objetivo inicial era ldquopurificarrdquo todos os

funcionaacuterios da corte justificando a sua categorizaccedilatildeo como uma cerimoacutenia tutelada pelo

palaacutecio imperial 239

Preservada ao longo dos seacuteculos Ōharae eacute praticada com ecircnfase pela maioria dos

jinja e popularmente designada de Nagoshi no harae (夏越の祓) ndash final de Junho - e

Toshikoshi no harae (年越の祓) ndash final de Dezembro Mencionada no Nihon shoki como

recurso para afastar a ldquoinfluecircncia maligna de um cometardquo este matsuri seria elevado agrave

categoria de ldquocerimoacutenia nacionalrdquo obrigatoacuteria para os jinja do Periacuteodo Meiji e para o efeito

exigia-se um preliminar ritual de purificaccedilatildeo no Sumiyoshi jinja de Toacutequio os participantes

receberiam aiacute o kata-shiro (形代) No dia em questatildeo o ldquomestre dos ritosrdquo daria iniacutecio agrave

cerimoacutenia atraveacutes da invocaccedilatildeo dos kami ao himorogi proferindo uma inori no iniacutecio e no fim

Jaacute a ceacutelebre norito denominada Ōbarae kotoba (大祓詞) seria recitada pelo Norito-shi (祝詞

師 ) apoacutes este explicar o propoacutesito de Ōharae aos presentes Consequentemente seriam

eliminadas da populaccedilatildeo todas as coisas conducentes agrave desordem eacutetica garantindo-se ldquopaz

proteccedilatildeo e felicidaderdquo 240

237

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxv-xxvi

238 MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)

古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 239

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112 240

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 82

Segundo o Jingiryō do Yōrō-ryō Ōharae contava com a presenccedila de certos clatildes os

Nakatomi responsabilizavam-se por entoar a norito e consagrar as ldquooferendasrdquo (oonusa 御祓

麻) os Fumitobe das proviacutencias de Este e Oeste (東西の文部) consagravam espadas proacuteprias

para a ocasiatildeo isto eacute as harae no tachi (祓の刀 ) e os Urabe removeriam quaisquer

influecircncias negativas Ora a realizaccedilatildeo de Ōharae eacute na praacutetica um esforccedilo coletivo se todas

as unidades administrativas (郡) contribuiacuteam com ferramentas peles espadas e outras coisas

todas as casas (戸) deviam preparar cacircnhamo (麻) 241

No Engishiki a cerimoacutenia eacute antecedida pela preparaccedilatildeo de ofertas - armas revestidas

de metais preciosos vaacuterios tipos de tecido colorido (seda algodatildeo) cacircnhamo flechas arroz

cavalos madeira de carvalho Seguidamente os Urabe entoariam norito 242

funccedilatildeo

posteriormente delegada ao liacuteder dos Nakatomi (Ōnakatomi) cuja versatildeo da norito Nakatomi

Harae (中臣祓) ainda hoje eacute o modelo de norito e uma referecircncia para os jinja de hoje 243

Por conseguinte no seacutetimo volume exclusivamente dedicado ao matsuri que

comemora a acessatildeo ao trono do novo Imperador (Senso Daijōsai踐祚大嘗祭) Ōharae faz

parte da miriacuteade de praacuteticas efetuadas antes e durante o trigeacutesimo dia do deacutecimo mecircs do

calendaacuterio lunar geralmente entre o seacutetimo mecircs ndash o mecircs da acessatildeo ao trono do Imperador

como consequecircncia da abdicaccedilatildeo do seu antecessor se bem que no caso do oitavo mecircs a

cerimoacutenia seria adiada para o ano ndash e o deacutecimo mecircs 244

Apoacutes o envio dos ldquoMensageiros

Imperiais para Ōharaerdquo escolhidos por ldquoadivinhaccedilatildeordquo (boku卜) no oitavo mecircs era obrigatoacuterio

executar uma purificaccedilatildeo no uacuteltimo dia do mecircs (tal como a descrita no primeiro volume do

Engishiki) seguida do envio de dois Urabe agraves proviacutencias que executariam Ōharae

preparando-se as devidas oferendas (um cavalo uma flecha uma grande katana algodatildeo

peixe sake) 245

Uma complexa cerimoacutenia de caraacutecter imperial na qual canto e danccedila consumo de

comida e sake eram recebidos com entusiasmo o Daijōsai era um esforccedilo coletivo de

241

IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)

lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 242

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das

Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 243

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p80

244 PICKEN Stuart op cit pp 62-72

245 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第七 神祇七 踐祚大嘗祭rdquo (Seacutetimo Livro Jingi Sete Daijōsai)

延喜式 (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi07htmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 83

membros da corte funcionaacuterios do Jingikan e do Jingiryō os Nakatomi entoavam as norito e

guiavam os ldquoadivinhosrdquo ao Ministeacuterio da Casa Imperial bem como os ldquogovernadores da

proviacutencia yuki e os vaacuterios funcionaacuteriosrdquo partilhando este uacuteltimo dever com os Urabe os

membros do Departamento de Carpintaria ldquoconstroem o principal santuaacuteriordquo os Inbe

apresentavam o ldquoespelho sagrado e a espada sagradardquo Findadas as festividades qualquer

vestiacutegio do matsuri seria prontamente destruiacutedo e praticar-se-ia uma uacuteltima ldquocerimoacutenia de

purificaccedilatildeordquo no uacuteltimo dia do mecircs esta uacuteltima conforme a bianual Ōharae 245

Apesar de a sua dimensatildeo ser diferente do harai habitual a meta de Ōharae parece

ser a de qualquer ritual positivo em shintō o estado de ldquoharmoniardquo refletindo a relaccedilatildeo iacutentima

entre a sociedade japonesa e a envolvente natureza fortalece-se deste modo a ldquonecessidade

de retificar desequiliacutebrios entre natureza humanos e divindadesrdquo 246

atraveacutes de uma atitude de

esforccedilo individual natildeo desassociada da preparaccedilatildeo interna e externa

Conotado com ldquoabstinecircnciardquo esta atitude implica disciplina na forma de um conjunto

de regras de conduta a adotar preacute-veneraccedilatildeo aos kami algo retido por qualquer praticante de

shintō nos dias de hoje com efeito qualquer matsuri eacute precedido por um periacuteodo temporaacuterio

de ldquoevitaccedilotildeesrdquo denominadas saikai (斎戒) ndash o termo eacute etimologicamente constituiacutedo pelos

kanji [斎] e [戒] do qual deriva o verbo imashimeru traduzido por ldquobanirrdquo ldquorestringirrdquo ndash nas

quais os responsaacuteveis por conduzir os rituais se banhavam (kessai 潔斎) mudavam de roupas

e consumiam certos alimentos claramente evidenciando a sua preocupaccedilatildeo para com

impurezas a presenccedila de derrame de sangue incecircndios e mortes era mais do que motivo

suficiente de desqualificaccedilatildeo dos que se tinham submetido a este processo ou em casos mais

extremos cancelamento do proacuteprio matsuri 247

Num contexto mais oficial observa-se uma categorizaccedilatildeo da praacutetica em si o

Jingiryō do Periacuteodo Yōrō distingue entre sansai (散斎) e chisai (致斎) sansai indicava a

ldquoabstinecircncia parcialrdquo na qual o indiviacuteduo estava proibido de fazer os jaacute mencionados seis atos

considerados formalmente como shokue chisai correspondia a uma ldquoabstinecircncia severardquo na

qual todos os ritos que natildeo envolvessem os kami eram cancelados No que concerne agrave sua

246

ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation

submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial

fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen

and Prof Dr Terje Stordalen 2013 247

ONO Sokyō op cit pp64-65

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 84

duraccedilatildeo esta variava consoante o mecircs em questatildeo sendo que no nono mecircs sansai era

observado durante todo o mecircs chisai duraria somente trecircs dias 248

Uns seacuteculos mais tarde o Engishiki inspirar-se-ia nesta categorizaccedilatildeo por vezes

conjugando-a com o ritual harae no Kinensai sansai era praticado durante trecircs dias e chisai

apenas um dia 249

durante Kanmisosai kessai eacute um ato realizado por alguns membros de clatildes

na veacutespera do matsuri e cujo objeto de ldquoabstenccedilatildeordquo satildeo as oferendas (fios de seda e cacircnhamo)

antes de serem tecidas e apresentadas durante a celebraccedilatildeo que por sua vez soacute poderia

decorrer mediante um preacutevio harai do espaccedilo (batsujo 祓除) realizado no uacuteltimo dia do

terceiro mecircs e do oitavo mecircs Kannamesai menciona novamente um kessai dos fios de seda

posteriormente transformados em tecidos 250

Apoacutes trecircs anos de [潔齋] como parte dos rituais

da Saigū na capital reservava-se o uacuteltimo dia do oitavo mecircs a uma Ōharae no palaacutecio e no

nono mecircs um Nakatomi encarregava-se da ldquopurificaccedilatildeordquo (祓清) das proviacutencias de Ōmi e Ise

permitindo agrave Saigū cumprir os seus deveres no decorrer do Kannamesai 251

Durante o nono mecircs procede-se a um periacuteodo de 18 dias (a comeccedilar no primeiro dia)

de ldquoabstenccedilatildeordquo e um mecircs de evitaccedilatildeo de luto e enterros bem como agrave execuccedilatildeo de ldquolustraccedilatildeo

augustardquo gokei [御禊] Escrito com o kanji honoriacutefico [御] e o de misogi [禊] gokei era uma

ldquocerimoacutenia para afastar contaminaccedilatildeo de pessoas da Famiacutelia imperialrdquo 252

que decorria agrave

beira-rio e na qual participava a Saigū Contudo esta atitude de ldquoabstenccedilatildeordquo natildeo era apenas

seguida por esta uacuteltima monges monjas pessoas em luto e grupos de bandidos sujeitavam-se

a sansai antes e apoacutes Kinensai Kamo-matsuri Tsukinamisai e Kannamesai sendo-lhes

interdita a entrada no palaacutecio tal e qual as jaacute mencionadas funcionaacuterias do palaacutecio graacutevidas

253

248

IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)

lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 249

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das

Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 250

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第四 神祇四 伊勢太神宮rdquo (Quarto Livro Jingi Quatro Ise Dai-

jingū) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi04htm

(consultado em 24-06-2018)

251 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜

式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-

06-2018)

252 BOCK Felicia op cit p104

253 FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro

Livro Jingi Trecircs Matsuri de Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 85

Por uacuteltimo o seacutetimo volume do Engishiki especifica uma ldquoabstenccedilatildeordquo obrigatoacuteria no

deacutecimo primeiro mecircs sansai era iniciado no primeiro dia e terminava no uacuteltimo chisai

durava trecircs dias comeccedilando no dia do touro e terminando no dia da lebre proibindo-se a

participaccedilatildeo dos indiviacuteduos em ldquofestins Budistas ou festins magrosrdquo 254

Findado imi o indiviacuteduo foca-se na purificaccedilatildeo propriamente dita servindo-se de

elementos do dia-a-dia como o sal sake e aacutegua no primeiro caso o sal eacute ldquoatirado por

lutadores de Sumo cada vez que entram no dohyōrdquo e nos funerais serve o propoacutesito de ldquoauto-

purificaccedilatildeo apoacutes o regresso a casardquo dos frequentadores Jaacute em restaurantes e outros

estabelecimentos eacute costume colocar-se ldquoduas pilhas de sal fora do umbral uma de cada lado

apoacutes lavarem a entrada e antes de quaisquer clientes chegaremrdquo garantindo-se prosperidade

no negoacutecio Ora em misogi harai o sal eacute salpicado na cabeccedila dos participantes - no

seguimento de oharai ndash e tambeacutem misturado com sake sendo posteriormente ldquocuspido como

parte da cerimoacutenia de purificar a boca uma uacuteltima vezrdquo Oferecido nos altares sal faz ainda

parte das shinsen 255

A aacutegua tambeacutem partilha da mesma natureza purificadora que o sal e o sake em

virtude de ser considerada o elemento primaacuterio que devolve o lustro agraves coisas e pessoas

eliminando qualquer tipo de ldquomaacuteculardquo independentemente de se tratar de uma ldquomaacuteculardquo fiacutesica

(kegare) ou natildeo (tsumi) externa (corpo) ou interna (kokoro) Natildeo obstante a tradiccedilatildeo de

ldquolimpezardquo na cultura japonesa estende-se a contextos mais civis toalhas quentes satildeo

ldquoprovidenciadas em restaurantes (hellip) para que os patronos possam lavar as matildeos antes de

comer e uma pessoa Japonesa lavar-se-aacute sempre antes de entrar numa banheirardquo 256

um

reflexo da consciencializaccedilatildeo da lavagem do corpo na sociedade japonesa contemporacircnea

Em shintō a aacutegua assume um papel central em trecircs principais praacuteticas de ldquoauto-

purificaccedilatildeordquo que tambeacutem satildeo abluccedilotildees kessai temizu (手水) e misogi (禊) Se kessai eacute

geralmente feito antes do matsuri 257

temizu precede a ldquooraccedilatildeordquo (inori) aos kami nos jinja e

no qual o indiviacuteduo dirige-se a uma estrutura denominada temizuya (手水屋) lavando com

aacutegua a boca e as suas matildeos locais mais suscetiacuteveis de se contrair kegare (Anexo III)

254

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 62-72 255

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 174-175

256 ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation

submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial

fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen

and Prof Dr Terje Stordalen 2013 257

PICKEN Stuart op cit p 177

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 86

No que concerne a misogi esta eacute considerada a origem de todos os harai na

sociedade japonesa sendo descrita por Carl Florenz como a ldquopurificaccedilatildeo de um uacutenico

indiviacuteduo ou um lugar de poluiccedilotildees atraveacutes de se entrar em contacto com algo

cerimonialmente impuro tal como cadaacuteveresrdquo 258

Uma ldquoauto-purificaccedilatildeordquo em todos os

sentidos do termo a expressatildeo misogi harai (misogi harai 禊祓い ) poderaacute derivar de

ldquomisosogi no harairdquo (身滌の祓い) literalmente ldquoharai da lavagem do corpordquo ndash [身滌] eacute

constituiacutedo pelo kanji de ldquocorpordquo (身) e o de [滌] sinoacutenimo de [洗] raiz do verbo ldquolavarrdquo

(arau) 259

ndash e eacute pela primeira vez mencionado no episoacutedio de Izanagi descrito pelo Kojiki e

Nihon shoki

De um modo geral misogi conheceu grande popularidade na esfera privada imperial

e agrave semelhanccedila de [斎] era sempre acompanhado de todo o tipo de oferendas tais como

tecidos armas sake velas e algas Se praticado pela Saiō (齋王) misogi decorria num rio da

capital na primeira dezena de dias do oitavo mecircs e do nono mecircs ambas datas escolhidas por

ldquoadivinhaccedilatildeordquo ndash responsabilidade do Onmyōryō Por sua vez este ritual fazia parte de uma

grande cerimoacutenia na qual se preparavam tecidos caixas jarros carne seca cabaccedilas e peixes e

cujos participantes eram essencialmente membros da corte (Jingikan e Onmyōryō) cada um

desempenhando uma tarefa especiacutefica ecoando o sucedido nos matsuri do Jingikan um

Nakatomi executava oharai servindo-se da onusa (Nakatomi onusa tatematsuru [神祇官中臣

進麻]) e o miyanushi (宮主) entoava harae kotoba (祓詞) Igualmente realizado durante a

deslocaccedilatildeo da jovem para o No-no-miya e Itsuki-no-miya em Ise e no uacuteltimo dia do mecircs 260

misogi eacute descrito no sexto volume do Engishiki como parte da celebraccedilatildeo do Imibikamado-

matsuri (quarto mecircs e sexto mecircs) ndash um gokei no qual participavam todos os funcionaacuterios do

palaacutecio - e um matsuri anual (毎年禊祭) 261

Atualmente misogi pode ser praticado por qualquer pessoa e eacute aceite como um ritual

vaacutelido para qualquer tipo de shintō Shinshū-kyō (神習教) tem como metas alcanccedilar ldquoum

espiacuterito de um kami por praticar purificaccedilatildeo oharairdquo a aquisiccedilatildeo de um elevado niacutevel de

treino que possibilite ao indiviacuteduo ensinar os outros e eacute claro ldquoalcanccedilar harmonia com os

258

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112 259

NISHIGAKI Yukio op cit p 544

260 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜

式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-

06-2018) 261

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式

(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 87

kami e rezar pelo descanso das almas dos outrosrdquo Neste contexto misogi faz parte da

estrateacutegia de cultivo de ldquopurificaccedilatildeo interiorrdquo que encoraja o processo de aproximaccedilatildeo do

humano ao kami 262

Em suma a purificaccedilatildeo estaacute intimamente associada agrave visatildeo positiva do ser humano

apoiada por shintō Shinshū-kyō natildeo soacute ensina o indiviacuteduo a ldquodemonstrar gentileza aos

outrosrdquo ldquotrabalhar diligentemente (no seu proacuteprio negoacutecio)rdquo e a ldquopreservar firmeza no teu

coraccedilatildeordquo como procura ldquopacificar o espiacuterito porque eacute parte do espiacuterito do kamirdquo 264

(bunshin

mitama wo shizumu beshi分神神魂を鎮むべし) e ldquolimpar as impurezas do corpordquo (mi no

shūshoku wo harau beshi身の鏽蝕を祓うべし) 263

proporcionando o desenvolvimento do

caraacutecter do indiviacuteduo

Na visatildeo de Misogi-kyō (禊教) o trio de tesouros imperiais satildeo ldquoos mais eficazes

agentes de purificaccedilatildeordquo pois ldquotodas as formas de impureza podiam ser removidasrdquo Apoiado

em misogi harae e ldquorespiraccedilatildeo proacutepriardquo o setor utiliza misogi como ldquoum meacutetodo para

melhoria da vidardquo aproximando as pessoas do kamirdquo 262

Interpretando-se esta praacutetica como o

uacutenico modo de ldquoreavivarrdquo a ldquoboa sorterdquo (literalmente ldquosorte proacutesperardquo ou sakae no unsei [栄

絵の運勢]) misogi possui visiacuteveis efeitos de purificaccedilatildeo externos 264

Contudo o busiacutelis da questatildeo eacute a ldquopurificaccedilatildeo internardquo (nai seijōshōjō 内清浄)

denominada iki ichisuji no misogi (息一筋の禊) iki (息) natildeo eacute somente a ldquoorigem do corpordquo

mas tambeacutem a proacutepria ldquoexistecircnciardquo (seimei [生命]) 264

e estaacute diretamente relacionada com a

entoaccedilatildeo da norito ldquo

tōkami emitamae harae tamae kiyome tamairdquo (literalmente ldquokami

distante purificai e limpai enquanto rezamosrdquo) em voz alta

262 um momento caracterizado

pela ldquofusatildeordquo do corpo com a mente graccedilas ao cultivo do autocontrolo do corpo a Desordem

(aqui maga) deixa de existir 264

No contexto de jinja shintō misogi faz ainda parte da cerimoacutenia shūbatsu (修祓) na

qual se abre o edifiacutecio interior do jinja e o shintai eacute visualizado pelos shinkan que se

262

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 234-236 263

O ldquoespiacuterito do kamirdquo eacute mitama (神魂) e ldquocoraccedilatildeordquo kokoro O termo ldquoimpurezasrdquo lecirc-se no texto original [鏽

蝕] o primeiro lecirc-se sabi e natildeo eacute muito usado na linguagem diaacuteria (鏽) significando ldquoferrugemrdquo ou ldquocorrosatildeordquo

o segundo eacute o kanji [蝕] do qual deriva o verbo mushibamu geralmente traduzido como ldquoser devorado por

dentrordquo ldquominarrdquo ldquoarruinarrdquo Shintō Shinshū-kyō Kōushiki Page 教 義 (on line)

lthttpshinshukyojpE69599E7BEA9gt (consultado em 24-06-2018) 264

Misogi-kyō Shintō 神道禊教の教理 (Doutrina de Shintō Misogi-kyō) (on line) lthttpwwwmisogi-

kyouorjpkyourihtmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 88

ldquopurificam de modo a tomarem parte nos rituaisrdquo atirando baldes de aacutegua fria sobre si

mesmos ou escolhendo colocar-se ldquodebaixo de uma cascata num rio ou no marrdquo dependendo

da localizaccedilatildeo do jinja Posteriormente os participantes no matsuri satildeo purificados

cumprindo-se as condiccedilotildees de invocaccedilatildeo dos kami 265

que respondem ao apelo impliacutecito nas

norito entoadas pelos shinkan

Associadas agrave tradiccedilatildeo de kotodama norito satildeo acolhidas entusiasticamente pela

sociedade japonesa quer sejam ldquovelhasrdquo (do Engishiki e outras fontes do Periacuteodo Heian) e

norito ldquonovasrdquo ou seja norito poacutes- Engishiki criadas por estudiosos e praticantes das vaacuterias

formas de shintō (Ise e Yoshida shintō Shugendō kyōha shintō shin shūkyō) e associadas a

jinja especiacuteficos (ldquocultosrdquo em Ise Izumo Dewa Togusa ldquocultosrdquo a Inari e Hachiman) 266

Etimologicamente norito tem as suas origens na frase ldquoNakatomi-no-Kane Muraji

norito wo norurdquo (中臣金連祝詞を宣る) Como se pode constatar o verbo que lhe estaacute

associado eacute noru (宣) cujo kanji significa ldquodizerrdquo ldquoexpressarrdquo e ldquoinformarrdquo num sentido

formal agrave maneira dos ldquoeacuteditos imperiaisrdquo (senmyō [宣命]) 267

Vaacutelidas para uso individual ou coletivo norito contemporacircneas tendem a inspirar-se

em norito muito mais antigas por exemplo a frase ldquoharae tamae kiyome tamairdquo de Misogi-

kyō surge na Ōharae kotoba do Engishiki como uma dupla accedilatildeo decorrida na ldquoōharae do

anoitecer do uacuteltimo dia do sexto mecircsrdquo (kotoshi no minadzuki no tsugumori yūhi no kudachi

no ōharae ni harai tamai kiyome tamau-koto wo 今年の水無月の大晦日 夕日之降の大祓

に祓給ひ清給事を) 268

eliminam-se assim os tsumi (tsumi ha araji wo罪波不在止) de

todos os cantos ldquodebaixo do ceacuteurdquo (Anexo IV)

Seguindo uma ldquofoacutermula usada em cerimoacutenias religiosas em endereccedilando divindades

(hellip) usam uma forma respeitosa subserviente forma de dicccedilatildeordquo norito tecircm a sua forccedila no

som e natildeo na parte gramatical ou na etimologia lexical recorrendo-se frequentemente a

265

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 177

266 O arquivo virtual Ko-kon Shūkyō Kenkyūjo regista um total de 55 norito devidamente ldquocategorizadasrdquo

consoante a temaacutetica e o local de veneraccedilatildeo Ko-kon shūkyō kenkyūjo ldquo祝詞 諸文献rdquo (Norito Vaacuterias

referecircncias) 神道資料集 (Colecccedilatildeo de materiais de shintō) (on line) lthttpwwwko-konnetnoritogt

(consultado em 24-06-2018) 267

NISHIGAKI Yukio op cit p485 268

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 89

ldquorepeticcedilatildeo paralelismo longas enumeraccedilotildees de nomes de divindades e oferendas metaacuteforas

o uso de registos mitoloacutegicos para explicar a origem de certas formas de veneraccedilatildeordquo 269

Natildeo obstante estas frases servem de prevenccedilatildeo contra forccedilas ldquonegativasrdquo incluindo

tatari gami ou ldquoespiacuteritos malignosrdquo devidamente acalmados e purificados respetivamente

Usadas em matsuri oficiais norito descreviam com pormenor quem as proferia o seu

objetivo a quem se dirigiam e o local onde decorria esta entoaccedilatildeo cujo raio de atuaccedilatildeo era

individual ou coletivo (capital habitaccedilotildees funcionaacuterios o palaacutecio todo o Japatildeo a corte) 270

No que concerne agrave sua entoaccedilatildeo estes conjuntos de frases eram responsabilidade dos

Nakatomi ou de outros consoante a ocasiatildeo na ldquomensagem de aberturardquo do oitavo capiacutetulo

do Engishiki regista-se que os Inbe deviam entoar norito dos ldquoritosrdquo Goden (御殿) e Mikado

(御門) e nos restantes matsuri a honra cabia aos Nakatomi (以外諸祭中臣氏祝詞) nos

matsuri das quatro estaccedilotildees (凡四時諸祭) essa funccedilatildeo fazia parte dos deveres dos kanbe (神

部) no Kanmisosai somente o daijingūji de Ise (ldquoSumo-Sacerdote do Grande Santuaacuterio de

Iserdquo) devia entoar a norito (大神宮司宣祝詞) e nas celebraccedilotildees em Ise (Kanmisosai os

matsuri do sexto e deacutecimo segundo meses e Kannamesai) 271

as norito de Ōimisai (大忌祭)

Tatsuta Fūjinsai ( 龍田風神祭 ) e Hiranosai ( 平野祭 ) eram responsabilidade dos

ldquomensageiros imperiaisrdquo Jaacute os Inbe encarregavam-se das ldquofoacutermulasrdquo de proteccedilatildeo do palaacutecio

imperial (Ōtono-no-hogai (大殿祭) e do ldquoFestival dos Portotildeesrdquo (Godensai 御殿祭) ndash cuja

meta era a ldquogarantia a proteccedilatildeo das divindades que guardam os portotildees do Palaacutecio Imperialrdquo ndash

no ldquodeacutecimo segundo dia do sexto e deacutecimo segundo mesesrdquo 270

Por uacuteltimo a norito de

Ōharae era ldquopartilhadardquo pelos Urabe e os Nakatomi enquanto que nos Chinkasai (鎮火祭) e

Michiaesai (道饗祭) soacute os Urabe eram elegiacuteveis para tal tarefa 271

O avanccedilo do estudo da tradiccedilatildeo ritual shintō impulsionou uma anaacutelise aprofundada

das norito estabelecendo-se uma ligaccedilatildeo direta com o processo de purificaccedilatildeo o meio por

excelecircncia para atingir a tatildeo desejada Ordem entre o praticante e o kami venerado norito satildeo

uma espeacutecie de purificaccedilatildeo verbal aludindo a um processo positivo mas interno Tal

abordagem introduz uma perspetiva mais subjetiva do que se entende por norito auxiliando

269

PHILIPPI Donald Norito A Translation of the Ancient Japanese Ritual Prayers With a new Preface by

Joseph M Kitagawa Princeton Princeton University Press 1990 pp1-2 270

PHILIPPI Donald op cit pp5-15 271

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 90

na compreensatildeo da purificaccedilatildeo interna que recaiacutea sobre o kokoro (心) Por sua vez kokoro

associar-se-ia a meijō (明浄)

Escrito em japonecircs com o kanji de ldquocoraccedilatildeordquo (shin de shinzō [心臓]) kokoro denota

algo de natureza natildeo palpaacutevel e interior a qualquer indiviacuteduo servindo de prefixo agraves palavras

kokoroeru (心得 ) ato de ldquocompreender o significado das circunstacircncias e das coisasrdquo

kokoroe ldquocompreensatildeordquo e ldquoter cautelardquo kokoronai (心無 ) designa uma condiccedilatildeo de

ldquoinsensibilidaderdquo pelo proacuteximo (em linguagem corrente ldquonatildeo ter coraccedilatildeordquo) 272

kokoro-

gawari (心変わり ) literalmente a ldquomudanccedila de kokorordquo indica a suacutebita alteraccedilatildeo dos

sentimentos intenccedilotildees e convicccedilotildees do indiviacuteduo em relaccedilatildeo a terceiros

No Nihon shoki o kanji em si eacute precedido por outros caracteres [黒心] e [無黒心]

significam aproximadamente ter um coraccedilatildeo negrordquo ou o seu oposto o sentido obtido eacute

negativo e positivo respetivamente marcando presenccedila no episoacutedio da competiccedilatildeo de

Susano-o-no-mikoto e de Amaterasu (有黒心) e no ano 646 da Era Taika (不正心者)

literalmente ldquopessoas de kokoro injustordquo Se estiver ao lado de [清] a expressatildeo lecirc-se seishin

ou kiyoki kokoro um kokoro puro (清心) 273

evidenciando a sua ligaccedilatildeo com meijō ambos

satildeo palavras positivas por princiacutepio

Por outro lado Engishiki descreve kokoro como uma caracteriacutestica interior de

humanos e kami na norito de Ōtono-no-hogai [心] surge na frase ashiki kokoro kitanaki

kokoro naku (邪意穢心無く) 274

ndash o segundo kanji tambeacutem se lecirc como kokoro mas o seu

significado eacute o de ldquointenccedilatildeordquo denotando a conduta correta seguida por todos os trabalhadores

do palaacutecio e membros da corte ndash traduzida por Philippi como ldquosem quaisquer maacutes intenccedilotildees

ou impuras intenccedilotildeesrdquo 275

na norito de Hi-shizume-no-matsuri (Chinkasai) kokoro eacute um

atributo de natureza maligna do kami do fogo (Homusubi-no-kami 火結神) ndash evidenciado

pela expressatildeo kokoro saganakiko (心惡子) ldquocrianccedila de mau kokorordquo ndash um kami gerado por

272

NISHIGAKI Yukio op cit pp 286-287 273

SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on

line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 274

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018) 275

PHILIPPI Donald op cit p 43

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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Izanami cujo temperamento provoca Desordem que naturalmente justifica a ldquopacificaccedilatildeordquo

(shizume matsure 鎮奉れ) por parte de outros kami seus irmatildeos 276

Em contrapartida tambeacutem a norito ldquopara afastar uma divindade vingativardquo (tataru

kami wo utsushi-yaru 遷卻祟神) segue a temaacutetica de reordenaccedilatildeo especificamente a uma

retificaccedilatildeo ativada por Kamunaobi e Ōnaobi kokoro refere-se aqui ao kokoro claro de kami

ldquopacificadosrdquo (sumera-gami ōmikokoro akiraka ni 皇神等の御心も明に) sendo que esta

transiccedilatildeo de kami ldquoviolentosrdquo para kami ldquopaciacuteficosrdquo (ara furu kami-tachi wo kashi harai

tamai kami nagoshi ni nagoshi tamai荒振神等を神攘攘給ひ神和和給) se deve a outros

dois kami 276

pacificaccedilatildeo tambeacutem eacute purificaccedilatildeo

Na perspetiva de Picken purificaccedilatildeo e pureza natildeo soacute partilham de uma conotaccedilatildeo

positiva como mantecircm entre si uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia pureza eacute a meta e a

consequecircncia do resultado da purificaccedilatildeo se o indiviacuteduo eacute o recetor de oharai que por sua vez

beneficia o kokoro meijō indica a ldquorestauraccedilatildeo do estado de pureza conhecido como seimei-

shin (ou akaki kiyoki kokoro)rdquo Por outras palavras o praticante torna-se portador de um

ldquoclaro kokorordquo (akaki kokoro明心) ldquopuro kokorordquo (kiyoki kokoro清き心) ldquocorreto ou justo

kokorordquo (tadashiki kokoro 正しき心) e o ldquokokoro retordquo (naoki kokoro 直き心) 277

um

quarteto de caracteriacutesticas eticamente boas

Assim os contornos eacuteticos da relaccedilatildeo kokoro - pureza revelam-se fundamentais para

a compreensatildeo de novas perspetivas modernas e japonesas de shintō segundo Muraoka

Tsutsunegu (村岡典嗣 1884-1946) meijō eacute uma ldquocaracteriacutestica eacutetica de shintōrdquo e um atributo

transversal em qualquer ldquodivisatildeordquo desta Via equiparado ao niacutevel de uma ldquodoutrinardquo (meijō

shugi明浄主義) no ldquosentido de que existe reverecircncia pelo claro e puro (hellip) em toda a mateacuteria

e pensamentordquo Por conseguinte meijō eacute o puro que carece de impurezas uma condiccedilatildeo

ldquoprimordialrdquo partilhada por todas as pessoas por oposiccedilatildeo a tsumi e kegare cuja presenccedila eacute

inviabilizada (temporariamente) em caso de purificaccedilatildeo regressando agrave sua origem (Yomi ou

Ne no kuni) durante harai 278

Aliaacutes a consciencializaccedilatildeo do kokoro como um dos componentes da eacutetica japonesa

reflete-se desde logo na linguagem dos eacuteditos imperiais do Zoku Nihongi qualificando-se o

276

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018) 277

PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 176 278

PICKEN Stuart op cit pp 254 256-257

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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kokoro como algo ldquopurordquo (kiyoki kokoro 清き心) ldquoclarordquo (akaki kokoro 明き心) e ainda

ldquokokoro puro e clarordquo (kiyoki akaki kokoro清明心) Como se pode constatar nos eacuteditos dos

anos 707 (以明浄心而 浄明心以而) 743 (明浄心) 757 (諸以明清心皇朝 自今往前者以

明直心仕奉朝廷 悪心無而清明心) e 770 (衆浄明心正直言以而) 279

ter um kokoro cuja

essecircncia fosse de ldquohonestidaderdquo ldquoclarezardquo e ldquosinceridaderdquo elucida a importacircncia da pessoa

possuir uma boa natureza

Durante o Periacuteodo Edo protagonistas da escola Kokugaku como Kamo-no-Mabuchi

(賀茂 真淵 1697-1769) e Motoori Norinaga apoiam esta perspetiva mais eacutetica do kokoro

apelando ao lsquokokoro sincerorsquo ou lsquomakoto no-kokororsquo (真の心) isto eacute a derradeira virtude de

shintō 280

o que naturalmente reforccedila a importacircncia da caracteriacutestica ldquosinceridaderdquo (makoto)

Avaliada como algo dentro do kokoro ou que lhe eacute independente makoto (真) eacute

homoacutefono da palavra makoto (誠) cuja etimologia eacute makoto ( 真事) literalmente ldquoverdadeiras

palavrasrdquo e significa ldquonatildeo mentirnatildeo enganarrdquo 281

partilhando de um significado positivo

semelhante aos termos ldquohonestordquo (tadashii 正しい) ldquohonestidaderdquo (正直) makoto [真] por

sua vez tende a ser traduzido por ldquosinceridadeverdadeirordquo

No entender de Picken makoto (真) eacute um dos seus muitos vocaacutebulos ldquomoraisrdquo de

shintō juntando-se a kansha (感謝) ou ldquogratidatildeordquo forma de o indiviacuteduo expressar ldquogratidatildeo

humana pela sua dependecircncia sobre o divinordquo e tambeacutem uma atitude de respeito para com a

sociedade que o serve junsui (純粋) ou ldquopessoasrdquo de ldquocoraccedilatildeo puroinocentesrdquo relacionadas

com os traccedilos de caraacutecter ldquobomrdquo (seimei shin) definidos com base nos estudos de poesia e

outros textos antigos 282

Por conseguinte ldquosinceridaderdquo e ldquoagradecimentordquo relacionam-se

com o primeiro grande objetivo da Jinja Honchō conferindo a makoto as qualidades akaki

(ldquoclarordquo e kiyoki (ldquopurordquo) 283

Neste sentido makoto significa tambeacutem ser verdadeiro agraves suas intenccedilotildees e acreditar-

se no que estaacute a fazer uma atitude fundamental para qualquer praticante de shintō quem tiver

279

Ao todo [心] surge 211 vezes nesta obra tanto de forma isolada como acompanhado dos referidos termos

Por vezes as caracteriacutesticas positivas natildeo se aplicam somente ao kokoro mas tambeacutem ao discurso tomando-se o

exemplo de shōjiki kotoba (正直言) ldquopalavras honestasrdquo 続日本紀 朝日新聞本 (ZokuShoku Nihongi Versatildeo

do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokuallhtml (consultado em 24-06-2018) 280

PICKEN Stuart op cit pp 219-220 281

NISHIGAKI Yukio op cit pp 531-532 282

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 283

Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line)

lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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uma ldquovontade sincerardquo em fazer parte dos rituais conseguiraacute cultivar uma relaccedilatildeo proacutexima

com o kami No que concerne ao kokoro este pode ser qualificado como algo ldquobomrdquo (kiyoki

kokoro akaki kokoro yoshiki kokoro) ou ldquomaurdquo (ashiki kokoro) dependendo do caso

distinguindo-se de makoto que dispensa tais significados prejudiciais

Os grandes estudiosos do Periacuteodo Edo nunca se pronunciam sobre um kokoro mau

kokoro eacute sempre um atributo humano (ou de kami) positivo frequentemente associado a shintō

surgindo termos como o magokoro (makoto no-kokoro)

Palavra derivada da combinaccedilatildeo de ldquoverdadeirordquo (真) e kokoro magokoro eacute parte da

piracircmide de ldquovalores positivosrdquo individual assemelhando-se agrave qualidade ldquointenccedilatildeo de

sinceridaderdquo (seii 誠意) Contudo segundo o Tama boko hyakushu (玉鉾百首) de Norinaga

o magokoro corresponde a uma consequecircncia da accedilatildeo do princiacutepio musubi presente na mitama

dos kami um kokoro despido de valores opostos (bemmal sapiecircnciaburrice

capacidadeincapacidade) e cuja qualificaccedilatildeo varia consoante o tipo de experiecircncia e accedilatildeo

(boamaacute) Identificado como uma condiccedilatildeo inata aos seres humanos magokoro tem no seu

nuacutecleo a funccedilatildeo de ldquomovimentordquo nas palavras de Motoori Ōhira (本居大平 1756-1833)

irmatildeo mais novo de Norinaga o kokoro eacute designado de magokoro quando se torna ugoku

kokoro ou ldquokokoro que se moverdquo (うごくこころ動く心) quando alguma coisa de natureza

positiva ou negativa consegue fazer comover (tocar) o kokoro das pessoas estaacute-se perante um

ugoku kokoro agindo-se ldquonaturalmenterdquo conforme o estadonatureza das coisas e

acontecimentos 284

Uma caracteriacutestica uacutenica e individual de cada ser humano que justifica a existecircncia

de kami e coisas boasmaacutes 284

o magokoro existiria na realidade atual (Hito no yo 人の代)

embora remonte aos tempos do Kami-yo uma era temporalmente incerta e marcada pelo

permanente ciclo de Desordem e a Ordem colocando-se sempre a hipoacutetese de esta Desordem

ser ldquocuradardquo tornando a realidade calma e paciacutefica 285

entre o ldquobemmalrdquo vidamorte a vida

e o bem seriam sempre vitoriosos ilustrando a atitude otimista e positiva de Norinaga

tambeacutem adotada pelos praticantes de shintō

284

UMIHIKO ldquo本論 第七回「「真心(まごころ)」とは」の巻rdquo (Texto do Seacutetimo Capiacutetulo magokoro

eacute) 本居宣長研究ノート「大和心とは」本論 (Bloco de notas de Pesquisa Motoori Norinaga ldquoYamato

Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-07phpgt (consultado em 24-06-2018) 285

UMIHIKO ldquo第八回「『真心(まごころ)の型」の巻 rdquo (Texto do Oitavo Capiacutetulo O modelo de

magokoro) 本居宣長研究ノート「大和心とは」 本論 (Bloco de Notas de Pesquisa Motoori Norinaga

ldquoYamato Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-08phpgt (consultado em 24-

06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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Um seacuteculo mais tarde Katō Shigeharu (加藤 重春 1818-) avaliaria o significado

eacutetico do kokoro e makoto a sua obra Shintō fumoto no tateishi (神道麓之立石) categorizaria

kokoro e makoto como duas das quatro Vias de shintō respetivamente a ldquoVia do kokorordquo

(shintō 心道) e a ldquoVia da verdaderdquo (shintō 真道) se na primeira Via shintō eacute qualificado

como uma ldquoVia que retifica a menterdquo a ldquoVia da verdaderdquo reforccedila a importacircncia da

ldquosinceridaderdquo uma vez que ldquoqualquer pessoa que desconsiderasse a importacircncia de

sinceridade eacute uma pessoa viciosardquo Shintō deveria simplesmente ldquofluirrdquo influenciando

automaticamente as accedilotildees do indiviacuteduo cujo coraccedilatildeo eacute ldquoretificado reto e unido com os kamirdquo

soacute assim as suas accedilotildees estariam de acordo com a Via 286

Nos periacuteodos posteriores ao Engishiki o conceito de kokoro adquire alguma

importacircncia a um niacutevel mais ldquofilosoacuteficordquo numerosos textos criados por escolas e autores

independentes expotildeem as suas ideias acerca de kokoro ldquopurezardquo e ldquopurificaccedilatildeordquo bem como os

seus efeitos desta uacuteltima no ser humano Na tradiccedilatildeo de Ise shintō kokoro (ldquomenterdquo) faz parte

do trio ldquopurezardquo- ldquomenterdquo ndash ldquohonestidaderdquo como se constata no Ruiji Jingi Hongen (類聚神

祇本源) de Watarai Ieyuki a ldquopurezardquo eacute uma caracteriacutestica que denota honestidade o ato de

empreender uma tarefa com uma ldquomente que eacute calma (hellip) comportar-se numa maneira que

transcende vida e morte (hellip) tal como obedecer agraves seis proibiccedilotildees relacionadas com o modo

proacuteprio de observar rituaisrdquo (as seis formas de shokue do Engishiki) Em Shintō Kanyō (神道

簡要) do mesmo autor ldquopurezardquo eacute a raiz da ldquohonestidaderdquo e por conseguinte o uacutenico modo

de o indiviacuteduo obter benefiacutecios dos kami uma condiccedilatildeo presente ldquoquando a mente eacute retificada

(uma virtude Confuciana) balanccedilada sem manchar ou sendo manchadardquo e age com

ldquopropriedade em concordacircncia com razatildeordquo isto eacute possui ldquopropriedaderdquo (tsutsushimi 慎み

ldquoter uma atitude proacutepriaadequadardquo) 287

Na escola de Yoshida shintō Kanetomo interpreta esta Via como uma via de

proteccedilatildeo do kokoro (ldquomenterdquo) e como tal a pessoa deveria proceder a uma ldquopureza interna e

externardquo de modo a ldquoseguir a via dos kamirdquo 288

e manter com estes mesmos kami uma relaccedilatildeo

de proximidade graccedilas ao elo de ligaccedilatildeo o kokoro Responsaacutevel pela ldquoreinvenccedilatildeordquo do

conceito de kokoro no seu tempo Kanetomo eacute pioneiro na argumentaccedilatildeo de que o ldquocoraccedilatildeo

286

Aleacutem das Vias do kokoro e de makoto fazem parte de shintō o proacuteprio shintō (Via dos kami) e shintō ou ldquoVia

dos paisrdquo (親道) que enfatiza a virtude confuciana de piedade filial (oya kōkō 親孝行) PICKEN Stuart

Sourcebook in Shinto op cit pp169-170 287

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 177-180 288

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 28

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humanordquo (kokoro) e kami satildeo uno e a ldquomesma coisardquo 289

justificando a sua proposta de um

tipo de shintō cuja praacutetica ritual transporta consigo um potencial de purificaccedilatildeo fiacutesicamental

Natildeo obstante a linha de pensamento deste autor jaacute estava subentendida num dos

mais ceacutelebres textos de exposiccedilatildeo de Nakatomi Ōharae o Nakatomi Harae Kunge (中臣祓訓

解) Por norma datado do final do Periacuteodo Heian ou dos iniacutecios do periacuteodo seguinte a obra eacute

considerada parte de Ryōbu shintō e releva o papel de Nakatomi Harae aquando deste ldquoritualrdquo

argumentando acerca do papel fundamental da ldquomente humanardquo 290

- o kokoro - por sua vez

descrito por Kanetomo como aquilo que ldquoregerdquo e ldquoorientardquo o praticante e um ldquolugar onde os

kami governantes do universo vivem um lugar sagrado no qual a raiz e origem do cosmos eacute

para ser encontradardquo 289

Assim o kokoro (do homem) eacute o uacutenico elemento no indiviacuteduo capaz

de ldquocomungar com Ceacuteu e Terra com a grande natureza com o cosmosrdquo isto eacute o ldquotodordquo 290

estamos entatildeo perante um vislumbrar de realidades que estatildeo normalmente vedadas ou

veladas ao praticante devido agraves limitaccedilotildees fiacutesicas do corpo

Neste sentido entrar em contacto com os kami eacute um processo ldquomentalrdquo pois eacute a

ldquomente individualrdquo (kokoro) que consegue ldquoencontrarrdquo o kami do cosmos (hellip) origina agrave

ldquopurificaccedilatildeo da natildeo-menterdquo (mushin 無心 ) ndash Kanetomo considera mushin como termo

complementar de ldquoexistir-menterdquo (ushin 有心) dois vocaacutebulos originaacuterios da Via do Buda

que fazem parte do que se entende por ldquocaminhordquo (michi) em shintō 291

Deste modo satildeo

reunidos os requisitos necessaacuterios para a etapa final desta purificaccedilatildeo a ldquouniatildeordquo kamihomem

na qual ldquotodos os meus pensamentos e aspiraccedilotildees se tornam um com oos kamirdquo (shinjin

gōitsu) e consequentemente o retorno do indiviacuteduo sujeito a este harai agrave ldquoforma verdadeira e

originalrdquo que eacute nada mais do que o proacuteprio kami (shinjin kiitsu) 290

Alcanccedilar a Ordem atraveacutes da purificaccedilatildeo em shintō (misogi harai segundo Picken)

possibilita aquilo que geralmente eacute aceite como perspetiva da desta Via em relaccedilatildeo

agrave rdquonatureza humanardquo completar o processo de purificaccedilatildeo significa testemunhar dois

fenoacutemenos especiacuteficos a ldquouniatildeordquo do kami e do homem (shinjin gōitsu (神人合一) e a

289

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 166-167 290

PICKEN Stuart op cit pp 84-85 291

Em Yuiitsu shintō se michi eacute a ldquoraiz da miriacuteade de condutasrdquo(万物之起源也 michi towa mangyō no

minamoto nari 道とは万行の源なり) kami equivale ao kokoro da ldquomiriacuteade de coisasrdquo (神者万物心 kami towa

manbutsu no kokoro ni shite 神とは万物の心にして) Por outras palavras michi possui sempre em si duas

coisas complementares e opostas uma que ldquonatildeo-existerdquo e outra que ldquoexisterdquo HIROKAMI Kiyoshi ldquo日本にお

ける神道理論の形成rdquo (Concerning the Formation of Shinto theories in Japan) Tetsugaku shisō ronsō (哲学-思

想論叢) nordm 5 1997 pp 1-18

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consequente ldquorestauraccedilatildeo do divino no homemrdquo (shinjin kiitsu 神人帰一 ) literalmente

ldquokamipessoaregresso ao umrdquo 292

sendo que este ldquodivinordquo eacute o kami e a ldquopessoardquo eacute o seu

ldquodescendenterdquo que eacute temporariamente afetado pela Desordem que existe no mundo

Com efeito viver a vida de forma harmoniosa eacute o mesmo que aceitar a necessidade

de restauraccedilatildeo da Ordem um processo perioacutedico e que decorre apoacutes a purificaccedilatildeo individual

ldquopurificarrdquo natildeo significa apenas harai (祓) ou kiyomeru (清める) mas tambeacutem ldquorestaurarrdquo

(naoru直る) 293

a relaccedilatildeo simbioacutetica kami-homem (e vice-versa) expressa pela palavra shinjin

ou kami (神人) isto eacute o ldquokami com uma natureza humanardquo ou ldquokami e seres humanosrdquo

referindo-se ao ldquoprinciacutepio de unidade entre kami e seres humanosrdquo 294

No fundo shinjin gōitsu e shinjin kiitsu satildeo concordantes com a ideia acerrimamente

defendida por Kanetomo de que kokoro e kami satildeo essencialmente o mesmo permitindo ao

praticante tornar-se algo mais do que fisicamente aparenta ser o kokoro eacute o derradeiro elo de

ligaccedilatildeo kami-homem aquilo que deve ser cultivado atraveacutes de rituais de purificaccedilatildeo interna

292

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 293

PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 359 294

NISHIOKA Kazuhiko ldquoKamirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

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CONCLUSAtildeO

Apesar de a popularidade que o shintō recebe hoje em contexto acadeacutemico ser

evidenciada pelo nuacutemero consideraacutevel de artigos e livros produzidos por autores natildeo

japoneses a Via dos kami em si permanece um campo por explorar natildeo existindo falta de

informaccedilatildeo e sim falta de estudo dessa informaccedilatildeo Foi com estas intenccedilotildees que se pocircde dar

forma a uma inicial miscelacircnea de pensamentos e ideias desconetadas umas das outras um

processo que como natildeo esteve isento de obstaacuteculos nomeadamente a ldquotriagemrdquo de

informaccedilatildeo (consequecircncia da jaacute mencionada ldquotriagemrdquo dos autores que forneceram essa

mesma informaccedilatildeo) atual e adequada ao campo do shintō e agrave temaacutetica ldquorituais de purificaccedilatildeo e

natildeo-purificaccedilatildeo em shintōrdquo

Neste sentido se uma das dificuldades foi encontrar informaccedilatildeo atualizada e numa

linguagem acessiacutevel (inglecircs) uma das vantagens foi a leitura e interpretaccedilatildeo de artigos

passagens de livros e textos escritos em japonecircs auxiliando na investigaccedilatildeo processo que

incluiu uma anaacutelise etimoloacutegica como complemento agrave anaacutelise teoacuterica dos rituais que

provocam a Desordem e a Ordem sem o recurso a tal metodologia dificilmente se

conseguiria responder agraves trecircs perguntas colocadas na Introduccedilatildeo

Outro ponto positivo a ter em conta foi o recurso a outras fontes aleacutem de livros nesta

era de informaccedilatildeo apesar de as obras permanecerem vaacutelidas enquanto fontes primaacuterias de

informaccedilatildeo a sua linguagem presente pode parecer estranha a quem estuda tradiccedilotildees natildeo

ocidentais Interessantemente autores como Picken natildeo caem neste erro ao contraacuterio de Ono

Sokyō De um modo geral fontes virtuais (websites oficiais e artigos de revistas cientiacuteficas)

tambeacutem natildeo seguem esta tendecircncia de ldquotraduccedilotildeesrdquo No caso de fontes japonesas (artigos

websites e livros) a traduccedilatildeo estaacute ausente permitindo reter o sentido das palavras

Sinteticamente o shintō possui uma tradiccedilatildeo de atos de veneraccedilatildeo em jinja e de

indiviacuteduos participantes nos diferentes matsuri Eacute neste sentido que os indiviacuteduos executam

ldquorituaisrdquo (conotaccedilatildeo exclusivamente positiva) favoraacuteveis agrave Ordem Regulados num contexto

de corte estas praacuteticas adaptaram-se consoante a evoluccedilatildeo histoacuterica de shintō tornando-se

vaacutelidos tanto hoje como haacute seacuteculos atraacutes Veja-se o caso de misogi misogi harai retratada

como um exemplo de purificaccedilatildeo interna e externa eacute o ritual-base da atuaccedilatildeo de Misogi-kyō e

tradicionalmente ndash devido agrave sua presenccedila no Kojiki e Nihon shoki par de obras que alude agrave

consciencializaccedilatildeo do que eacute puroimpuro - uma espeacutecie de alicerce de todos os rituais

conducentes agrave Ordem uns mais simples do que outros constatando-se diferenccedilas no que

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concerne agrave preparaccedilatildeo e organizaccedilatildeo Temizu eacute um tipo de purificaccedilatildeo fiacutesica e como tal

reconhece a existecircncia de uma ldquoimpurezardquo fiacutesica e verbal ndash kegare - oriundo das matildeos e da

boca Jaacute as norito satildeo uma purificaccedilatildeo verbal cujos efeitos positivos se repercutem no que as

escuta e naquele que as profere Apesar de hoje poderem ser utilizadas em contextos natildeo

apenas puacuteblicos norito retraccedilam as suas origens a shintō imperial e jinja shintō ambas

categorias que durante seacuteculos beneficiaram de uma posiccedilatildeo privilegiada junto do poder

poliacutetico japonecircs

Natildeo obstante as metas do shintō para a sociedade japonesa do passado satildeo as mesmas

do presente conduzir o indiviacuteduo praticante agrave Ordem atraveacutes dos rituais de purificaccedilatildeo uma

vez que jōka eacute uma temaacutetica transversal a todas as vertentes do shintō independentemente do

seu nome ou forma pacificaccedilatildeo retificaccedilatildeo oharai temizu norito misogi kessai natildeo deixam

de ser purificaccedilotildees Contudo soacute se pode falar de uma ldquopurificaccedilatildeordquo se houver razatildeo para tal

se existem rituais que reconduzem o indiviacuteduo agrave Ordem seguramente existem rituais de

natureza antagoacutenica Natildeo haacute Desordem (muchitsujo 無秩序 conotado pela autora com maga

[禍]) sem Ordem (chitsujo 秩序 se bem que algumas fontes favorecem o uso de nao [直]

para expressar esta Ordem uma vez que um dos seus significados eacute o de ldquorestaurarrdquo)

purificaccedilatildeo sem natildeo-purificaccedilatildeo e muito menos pureza sem impureza Estes trecircs pares de

conceitos satildeo interdependentes opostos e complementares Tendo isto como ponto de partida

eacute possiacutevel deduzir o seguinte shintō tem por princiacutepio um equiliacutebrio e um ciclo no qual se

encontra o indiviacuteduo a Via propotildee ao indiviacuteduo o que deve fazer e o que eacute correto fazer bem

como aquilo que natildeo deve fazer

Neste sentido o shintō reuacutene aspetos teoacutericos e praacuteticos como qualquer outra religiatildeo

apresentando a sua proacutepria ldquocosmovisatildeordquo ndash ldquovisatildeo do cosmosrdquo o cosmos eacute conotado com o

coletivo e como tal um dos seus elementos fundamentais eacute o indiviacuteduo que vive neste cosmos

esperando um dia efetivamente ligar-se a ele o que alude a noccedilatildeo de musubi aproximando o

ser humano do kami

Por conseguinte a jōka eacute um processo abrangente e inclusivo e natildeo restritivo ou

exclusivo no qual o ser humano se deve focar auxiliando-o a viver bem consigo e com os

outros A natildeo purificaccedilatildeo precede os atos de purificaccedilatildeo tal como a Desordem precede a

Ordem existindo desde os tempos incertos do Kami-yo relatados pelas mitologias japonesas

Aliaacutes esta DesordemOrdem eacute provocada pelas accedilotildees dos kami Tome-se por exemplo

Susanoo e Amaterasu com a excepccedilatildeo dos episoacutedios nos quais Susanoo repotildee a Ordem

atraveacutes da eliminaccedilatildeo de uma ameaccedila (Yata no Orochi) este kami estaacute sempre associado agrave

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Desordem como consequecircncia da sua rivalidade para com Amaterasu sua irmatilde mais velha

Tal conflito prolonga-se ateacute ao momento da restauraccedilatildeo da Ordem trazida por Ninigi neto de

Amaterasu e inimigo dos descendentes de Susanoo sobre os quais emerge vitorioso

Interessantemente esta reordenaccedilatildeo tem a dupla funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo do estatuto de

Amaterasu enquanto governante de Takamagahara e entronizaccedilatildeo de um novo poder

centralizado no territoacuterio japonecircs na figura de um suposto descendente de Amaterasu A nova

ordem coacutesmica simboliza uma nova ordem poliacutetica

Em contrapartida o ciclo de Desordem e Ordem no qual o ser humano natildeo eacute apenas

um espetador mas tambeacutem um participante tem as suas origens nos atos conscientes de

Izanagi durante misogi o primeiro ritual de purificaccedilatildeo a ser mencionado em fontes japonesas

Aliaacutes ldquorituaisrdquo satildeo processos de transiccedilatildeo de um ldquoestado potencialrdquo para a condiccedilatildeo de

ldquoatordquo negativo ou positivo em shintō se rituais de natureza positiva satildeo visualmente

manifestaccedilotildees de apreccedilo e respeito pelos kami e aproximam-nos dos proacuteprios kami rituais de

natureza oposta provocam a distacircncia Por outras palavras rituais satildeo nada mais do que

meacutetodos para atingir um fim a Ordem ou o seu inverso sendo que a purificaccedilatildeo assume um

papel basilar orientando o indiviacuteduo ao longo deste processo Executar rituais de purificaccedilatildeo

significa reconhecer os erros cometidos e efetivamente agir a favor de um coletivo

Afastando-se do que lhe eacute prejudicial e para este coletivo o indiviacuteduo segue a Via dos kami

que o auxilia a viver a vida de forma boa de estar bem consigo e com os outros

Contudo por muito atrativo que pareccedila esta ideia de Ordem eacute inevitaacutevel a seguinte

sucessatildeo de perguntas seraacute que o shintō se resume apenas a isto Um ser humano

ciclicamente sujeito a uma Desordem e Ordem que ele proacuteprio causa ou se deixa afetar por

forccedilas ldquoexterioresrdquo (kami) consequentemente atingindo natildeo apenas a sua pessoa mas tambeacutem

o que o rodeia Natildeo haveraacute uma soluccedilatildeo definitiva Uma ldquoharmoniardquo que seja permanente e

natildeo perioacutedica

Ora esta linha de raciociacutenio natildeo eacute de todo iloacutegica se o shintō existe para benefiacutecio de

quem cumpre com os rituais de purificaccedilatildeo a ldquoharmoniardquo eacute nada mais do que um meio para

atingir o derradeiro fim a felicidade Assim a verdadeira ldquoHarmoniardquo significa ir para laacute da

Desordem e Ordem da reordenaccedilatildeo constante Harmonia eacute equiliacutebrio e uma condiccedilatildeo de

plenitude perpetuada o que soacute acontece quando o ser humano estaacute ligado ao todo um todo

representado parcialmente pela sociedade e pelo indiviacuteduo que estaacute em sociedade

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No contexto do shintō o indiviacuteduo poderaacute ser definido enquanto parte do todo e de

certo modo o proacuteprio todo se a parte estaacute ligada em rede ao todo de uma forma

exclusivamente positiva eacute graccedilas agrave Harmonia De entre os autores contemporacircneos

consultados Stuart Picken destaca-se como o mais assertivo na partilha desta opiniatildeo o

entendimento que este uacuteltimo atribui agrave praacutetica misogi harai (shinjin gōitsu e shinjin kiitsu) jaacute

transparece a noccedilatildeo de Harmonia uma ldquoHarmoniardquo definitiva agrave semelhanccedila do que eacute

proposto pelo texto do Nakatomi Harae Kunge De todos os rituais de purificaccedilatildeo

mencionados este eacute o uacutenico que oferece ao indiviacuteduo algo mais do que uma Ordem

temporaacuteria conseguindo de facto inviabilizar a proacutepria Desordem

Em suma eacute possiacutevel percecionar shinjin gōitsu e shinjin kiitsu como consequecircncia de

um tipo de purificaccedilatildeo que natildeo vem do exterior Ao inveacutes de uma purificaccedilatildeo externa focada

no regresso temporaacuterio agrave Ordem urge-se uma purificaccedilatildeo que tem de vir do ldquointeriorrdquo do

kokoro Quando este atributo humano estiver em Harmonia a purificaccedilatildeo torna-se permanente

para o ser humano um ser humano em equiliacutebrio e liberto do ciclo de Desordem e Ordem que

rege a sua conduta diaacuteria

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Kurumamochi-be) 履中天皇 反正天皇(日本書紀)(Imperador Richū Imperador

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Nihonsinwa ldquo廬城部連枳莒喩の娘の幡媛の罪物部尾輿も土地を献上rdquo (O crime da

rapariga Hatahime de Iwogibe-no-muraji-kyū Mononobe-no-Ōmuraji-okoshi tambeacutem

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Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo I

ANEXOS

Anexo I

Desordem e Ordem de acordo com o terceiro capiacutetulo do Engishiki shokue (orientaccedilatildeo

direita-esquerda da segunda agrave quinta linha) e imi [齋] incluindo sansai e chisai durante os

atos de luto (uacuteltimas quatro linhas da paacutegina) ou no periacuteodo de gravidez das jovens do palaacutecio

(primeiras duas linhas paacutegina seguinte)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo II

Anexo II

Um shinkan executa oharai durante o ldquorito de shūbatsurdquo (shūbatsu no gi修祓の儀) segundo

passo do jichinsai Este matsuri decorreu em 2016 1ordm de novembro (terccedila-feira) prefeitura de

Aomori (Aomori-ken 森県 ) cidade de Hachinoe (Hachinoe-shi 八戸市 ) por parte do

Kabushima jinja (蕪嶋神社) O seu objetivo eacute ldquoapaziguarrdquo os kami do terreno onde se

construiraacute um novo shaden (社殿) isto eacute o edifiacutecio onde se guarda o shintai

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo III

Anexo III

Uma jovem executa temizu segurando o utensiacutelio de madeira na matildeo direita que utilizou para

lavar a matildeo esquerda e agora a sua boca O texto abaixo agrave esquerda lecirc-se ldquolimpar o kokoro e

o corpordquo (心身を清める) e temizu (手水) respetivamente agrave direita a frase ldquohidarite de mizo

wo uke kuchi wo susugimasurdquo (左手で水を受け口をすすぎます) significa literalmente

ldquorecebe-se a aacutegua e lava-se a boca com a matildeo esquerdardquo

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Anexo IV

Excerto da norito de Minadzuki no tsugumori Ōharae (六月晦日大祓) oitavo volume do

Engishiki Aqui os atos de ldquopurificaccedilatildeordquo (segunda linha a contar da esquerda) provocaram a

eliminaccedilatildeo dos tsumi cometidos pelo coletivo de funcionaacuterios (quarta linha)

Page 3: recil.grupolusofona.ptrecil.grupolusofona.pt/jspui/bitstream/10437/8982/1/tese mariana nu… · Dissertação defendida em provas públicas para obtenção do Grau de Mestre em Ciência

DEDICATOacuteRIA

A toda a minha famiacutelia para que conheccedilam um pouco da cultura japonesa

Aos professores da minha Licenciatura em Estudos Asiaacuteticos os responsaacuteveis pelo primeiro

contacto com a realidade asiaacutetica

Aos professores de Mestrado em Ciecircncia das Religiotildees a quem lhes devo o aprofundamento

do estudo de lsquocosmovisotildeesrsquo

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais pelo seu apoio no decorrer deste projeto

Ao Professor Antoacutenio Faria pelo tempo simpatia e disponibilidade prestados

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RESUMO

O presente trabalho procura analisar os rituais que no contexto de shintō

inviabilizam e favorecem a restauraccedilatildeo da Ordem Os rituais por norma portadores de uma

conotaccedilatildeo ldquopositivardquo podem alternativamente ser entendidos como uma sucessatildeo de

pensamentos palavras e accedilotildees justificando a classificaccedilatildeo em positivonegativo consoante os

resultados obtidos

No Japatildeo a gradual institucionalizaccedilatildeo da Via dos kami (shintō) por parte da corte

imperial favoreceu a evoluccedilatildeo de praacuteticas ldquorituaisrdquo executadas por indiviacuteduos que celebravam

a sua relaccedilatildeo com os kami formas de existecircncia e consciecircncia associadas agrave Ordem (na sua

grande maioria) e veneradas ateacute aos dias de hoje

Criado para o bem de quem o segue o shintō reconhece a purificaccedilatildeo como a

preocupaccedilatildeo transversal de todas as suas vertentes Com efeito a purificaccedilatildeo eacute um complexo

processo cujos efeitos natildeo satildeo apenas positivos para o indiviacuteduo mas tambeacutem para o coletivo

isto eacute a sociedade com a qual interage diariamente conduzindo-o agrave Ordem

Contudo natildeo haacute Ordem sem o seu oposto a Ordem e a Desordem satildeo as duas partes

de um ciclo no qual o indiviacuteduo se encontra assumindo um papel fundamental dado que tem

a capacidade de executar rituais se a Ordem eacute a meta dos rituais positivos a Desordem eacute a

consequecircncia dos rituais negativos

Palavras-chave Japatildeo shintō (神道) rituais purificaccedilatildeo (jōka浄化) indiviacuteduo

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ABSTRACT

The following work aims for an analysis of the rituals that in the context of shintō

may invalidate and encourage the restauration of the Order The rituals typically defined by

bearing a ldquopositiverdquo connotation may alternatively be understood as a succession of thought

words and actions which justifies the lsquopositivenegativersquo classification according to the

obtained results

In Japan the gradual institutionalization of the Way of the kami by the imperial court

promoted the evolution of several ldquoritualrdquo practices executed by individuals that celebrated

their relationship with the kami forms of existence and conscience associated to the Order

(the most part of them) and worshiped to the present time

A Way created for the wellbeing of the one who follows it the shintō acknowledges

the purification as the transversal concern of all of its aspects Therefore the purification is a

complex process whose results are not just positive for the individual but also for the

collective meaning the society with whom he interacts on a daily basis which leads him to

the Order Nevertheless there is no Order without its opposite the Order and the Disorder

are the two parts of a cycle in which the individual is found assuming a vital role due to the

fact he has the capacity of executing rituals if the Order is the goal of positive rituals the

Disorder is the consequence of negative rituals

Keywords Japan shintō (神道) rituals purification (jōka浄化) individual

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IacuteNDICE GERAL

GLOSSAacuteRIO 5

INTRODUCcedilAtildeO 9

1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA 16

11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo 19

111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de divisatildeo da

realidade agrave criaccedilatildeo da mesma 24

112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordemhellip 26

12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora 32

121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa 32

122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos

kami 35

123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu 39

13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945 43

131 A visatildeo nacionalista Meiji uma lsquonatildeo-religiatildeorsquo ao serviccedilo do Estado

japonecircs 44

132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular

religiatildeo japonesa 46

2 SOCIEDADE ESPIRITUALIDADE E EacuteTICA A VIA DOS KAMI E O REGRESSO

Agrave Ordem 48

21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e

individuais 48

22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii 50

23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi 53

24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e

externa 79

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CONCLUSAtildeO 97

BIBLIOGRAFIA 101

ANEXOS I

Anexo I I

Anexo II II

Anexo III III

Anexo IV IV

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GLOSSAacuteRIO

Amatsu-no-kami literalmente lsquokami celestesrsquo satildeo um grupo de kami liderados por

Amaterasu Ōmikami e que habitam em Takamagahara (高天原) Nesta divisatildeo encontram-se

ainda os hermafroditas koto-amatsukami (別天つ神)

Fujō termo geneacuterico para designar o que eacute lsquoimpurorsquo aos olhos da sociedade japonesa Por

vezes sinoacutenimo de fuketsu se bem que esta palavra seja usada no contexto de algo

higienicamente reprovaacutevel Num sentido mais amplo fujō representa um estado de Desordem

associando-se com o termo kegare

HaraiHarae atos de lsquopurificaccedilatildeorsquo no sentido de eliminaccedilatildeo da desordem provocada pela

accedilatildeo humana ou natural Haraiharae eacute uma das praacuteticas mais recorrentes das vaacuterias vertentes

de shintō e pode ser praticada de forma individual ou coletiva

Imi palavra de conotaccedilatildeo prejudicial que convida agrave Desordem Comportamento ou algo cuja

natureza eacute negativa e reprovaacutevel de dizerfazer servindo de base etimoloacutegica ao ceacutelebre termo

imikotoba palavras natildeo pronunciaacuteveis em certas ocasiotildees (festivas)

Imuimi lido alternativamente como sai eacute uma conduta positiva e favoraacutevel ao cumprimento

de rituais shintō Frequentemente interpretado como atos de lsquoabstenccedilatildeorsquo fiacutesica e mental

imuimi seriam descritos e categorizados nas obras Yōrō-ryō e Engishiki

Jingikan um instrumento do poder poliacutetico imperial e o oacutergatildeo de manutenccedilatildeo e vigilacircncia

dos vaacuterios jinja desde os primeiros seacuteculos do periacuteodo dinaacutestico japonecircs A niacutevel legal o culto

jingi sujeitava-se agraves regulaccedilotildees do coacutedigo Jingiryō Nos dias de hoje as funccedilotildees do Jingikan

foram essencialmente substituiacutedas pela Jinja Honchō

Jinja espaccedilos fiacutesicos de veneraccedilatildeo aos kami Literalmente os ldquosantuaacuterios de kamirdquo

Kami com frequecircncia traduzido em obras por lsquodeusesrsquo lsquoentidadesrsquo lsquodivindadesrsquo e lsquoespiacuteritosrsquo

podem ser entendidos como formas de existecircncia anteriores e superiores os humanos Apesar

de a maioria atuar como representantes da Ordem os magatsubi-no-kami defendem o seu

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oposto reforccedilando a ideia de princiacutepios contraacuterios mas complementares muito visiacutevel em

shintō

Kata-shiro um pedaccedilo de papel cuja forma lembra uma figura humana o qual se escreveria o

nome e o geacutenero do seu portador esfregando-se este objeto no corpo transmitindo

simbolicamente os tsumi do corpo para o papel Praacutetica costumaacuteria em Ōharae

Kegare traduzido por lsquoimpurezarsquo e por vezes sinoacutenimo da palavra fujō kegare eacute parte da

terminologia de shintō e um dos termos conotados com a Desordem Eventualmente avanccedilos

na consciencializaccedilatildeo do lsquopuroimpurorsquo permitiram um processo de categorizaccedilatildeo cada uma

associada a uma lsquoimpurezarsquo particular

Kokoro lsquocoraccedilatildeorsquo no sentido natildeo anatoacutemico eacute o elemento interior de qualquer pessoa e

associado ao estado emocional da mesma Em contexto acadeacutemico eacute costume o termo ser

traduzido como lsquomentersquo ou lsquocoraccedilatildeomentersquo

Kunitsu-no-kami os lsquokami terrenosrsquo e hierarquicamente inferiores aos amatsu-no-kami No

fundo satildeo kami que jaacute habitariam o Japatildeo antes da conquista de Ninigi o miacutetico neto de

Amaterasu Na sequecircncia da derrota dos kunitsu-no-kami inaugura-se uma nova Ordem

coacutesmica e poliacutetica

Makoto traduzido por lsquosinceridadersquo e lsquoverdadersquo eacute uma atitude positiva inerente aos humanos

e fundamental aquando das praacuteticas de veneraccedilatildeo aos kami Um dos termos profundamente

ligados agrave natureza mais eacutetica de shintō

Matsuri a variaccedilatildeo do verbo matsuru (祭る祀る) na qual o praticante consagra oferendas a

formas de existecircncia respeitaacuteveis (antepassados kami e budas) Por norma expressotildees

puacuteblicas associadas ao culto jingi que durante o tempo de vigor do Jingikan eram

organizadas consoante as regulaccedilotildees do Jingiryō incorporado na obra Engishiki

Misogi harai o ato de banhar o corpo numa fonte de aacutegua ativando as propriedades

terapecircuticas e purificadoras deste elemento No Kojiki e Nihon shoki Izanagi-no-kami eacute

descrito como o primeiro kami a fazer uso deste ritual apoacutes regressar do Yomi o domiacutenio

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subterracircneo da mitologia japonesa Misogi eacute tambeacutem o expoente de purificaccedilatildeo a niacutevel

externo e interno

Meijō uma das palavras para lsquopurezarsquo Etimologicamente constituiacuteda por mei (明) a leitura

foneacutetica alternativa do japonecircs aki akari akarui termos que expressam as ideias de

lsquoclaroclarezarsquo e jō (浄) lsquopuropurarsquo

Musubi contendo em si a noccedilatildeo de lsquoligaccedilatildeorsquo e lsquouniatildeorsquo e de certo modo o Todo Diz-se que

musubi estaacute presente em qualquer elemento que nos rodeia

Norito frases escritas numa linguagem arcaica e hoje usadas em todo o tipo de locais de

veneraccedilatildeo Sobretudo de caraacutecter puacuteblico norito satildeo etimologicamente constituiacutedas pela

partiacutecula nori (祝) cujo kanji eacute usado no verbo lsquocelebrarrsquo (iwau) e kotoba (詞) lsquopalavrarsquo

Fundamentais para a reposiccedilatildeo temporaacuteria da Ordem

Onmyōdō a Via da escola de funcionaacuterios provenientes do Escritoacuterio Yin-Yang cujas

atividades foram reguladas pelos Abe e Kamo hereditaacuterios liacutederes dos cargos mais relevantes

desta instituiccedilatildeo

Saigū tiacutetulo conferido agrave mais importante sacerdotisa escolhida de entre os membros da

famiacutelia imperial para servir nos jinja de Ise e Kamo Jovem cujo periacuteodo de preparaccedilatildeo

envolvia uma lsquoabstinecircnciarsquo rigorosa de trecircs anos

Shinsen conjunto de alimentos (arroz sal aacutegua sake bolos de arroz peixe algas vegetais

cereais e fruta) oferecidos em altares aos kami

Shintai mitamashiro objetos palpaacuteveis (espelhos por exemplo) identificados com o proacuteprio

kami e como tal devem ser venerados de forma adequada Permanentemente escondidos

dentro do jinja e vigiados pelos responsaacuteveis ateacute ao momento dos matsuri ou outras

celebraccedilotildees

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Shintō a Via dos kami (kami no michi) e uma das religiotildees (shūkyō) reconhecidas no plano

estatiacutestico japonecircs que por sua vez a agrupa em jinja shintō ou shintō de santuaacuterios kyōha

shintō o ceacutelebre shintō setorial e as ldquonovas religiotildeesrdquo (shin shūkyō) baseadas em shintō

Tamashii o elemento inerente ao ser humano e aos kami que supostamente eacute constituiacutedo por

quatro aspetos (shikon) cada um representando uma faceta da personalidade individual Se

pertence aos kami tamashii designa-se mitama Em alguns jinja apenas parte da mitama eacute

venerada pelos praticantes

Temizu a forma abreviada de misogi na qual o indiviacuteduo lava a boca e das matildeos Temizu eacute

obrigatoacuterio antes da veneraccedilatildeo nos jinja

Tsumi palavra que significa lsquocrimersquo Eacute algo contraacuterio agrave ordem social independentemente de

esta ser entre os kami ou entre os humanos Eliminados de forma simboacutelica pelas praacuteticas

haraeharai tsumi satildeo por vezes divididos em amatsu-no-tsumi (lsquocrimes celestesrsquo) e kunitsu-

no-tsumi (lsquocrimes terrenosrsquo)

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INTRODUCcedilAtildeO

O trabalho tem como objectivo uma anaacutelise dos rituais que inviabilizam e permitem a

purificaccedilatildeo em shintō O objeto de estudo comporta natildeo apenas uma abordagem histoacuterica-

antropoloacutegica do shintō adotada por muitos autores contemporacircneos mas tambeacutem um olhar

sobre a sua praacutetica ritual que eacute considerada por muitos como o alicerce da lsquoViarsquo (em japonecircs

dō) per si entendendo-se lsquoritualrsquo como a sucessatildeo de pensamentos palavras e accedilotildees Assim eacute

possiacutevel interpretar o homem como aquele que estaacute no ciclo de Desordem e Ordem capaz de

provocar ou deixar-se influenciar pela Desordem e nesse caso o ritual eacute prejudicial negativo

Em contrapartida se se recorrer agrave purificaccedilatildeo os seus efeitos satildeo positivos e a Ordem eacute

temporariamente restaurada Tal como se constata em tradiccedilotildees ditas orientais shintō defende

a noccedilatildeo de equiliacutebrio uma vez que nada surge sem o seu contraacuterio

A escolha da temaacutetica partiu de um interesse pessoal da autora na cultura japonesa

adquirido ao longo da sua vida acadeacutemica sobretudo durante o periacuteodo de licenciatura em

Estudos Asiaacuteticos que possibilitou uma pequena amostra do que tinha sido produzido ateacute

entatildeo por autores japoneses e natildeo japoneses acerca de shintō o que se pretendia natildeo era um

estudo pormenorizado de filosofias da Aacutesia mas sim transmitir em linhas gerais o que satildeo os

lsquoismosrsquo do continente vizinho uns cuja aacuterea de impacto se reduz a uma aacuterea geograacutefica

especiacutefica e outros que beneficiaram de uma expansatildeo significativa No mestrado em Ciecircncia

das Religiotildees apesar de a vertente filosoacutefica das vaacuterias tradiccedilotildees desenvolvidas na Aacutesia ter

sido incorporada shintō natildeo teve o mesmo protagonismo que a Via do Buda a Via de

Confuacutecio ou ainda o pensamento veacutedico Em Portugal a quase indisponibilidade e ausecircncia

de materiais (atualizados) sobre shintō eacute comparaacutevel ao escasso nuacutemero de trabalhos

acadeacutemicos realizados urgindo-se a necessidade de se executar investigaccedilotildees que

contemplem shintō natildeo como uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido de ser teiacutesta panteiacutesta monoteiacutesta

politeiacutesta mas como algo aleacutem disso Neste sentido o investigador do shintō deve ignorar os

lsquopreacute-conceitosrsquo estabelecidos por outras perspetivas ocidentais que acabaram por moldar o

mundo acadeacutemico tal como o conhecemos natildeo considerando esta religiatildeo somente de um

ponto de vista estatiacutestico

Nesta perspetiva o trabalho pode ser considerado primeiramente como um texto que

procura divulgar shintō em Portugal Um dos motivos que levou a autora a realizar este

trabalho foi como jaacute referido tentar despertar o interesse das pessoas em shintō permitindo a

abertura de portas a futuras investigaccedilotildees e simultaneamente contrariando a tendecircncia de foco

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do Mestrado de Ciecircncia das Religiotildees nas religiotildees ocidentais Tal tendecircncia pode ser

verificada se o leitor pesquisar a paacutegina virtual do repositoacuterio da Universidade Lusoacutefona de

Humanidades e Tecnologias ndash o ReCiL - Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona de entre as doze

dissertaccedilotildees disponiacuteveis e realizadas por alunos do ldquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrdquo

onze satildeo sobre cristianismo ndash em Portugal e no Brasil ndash e uma eacute dedicada a um dos estilos da

arte marcial karatedō (Shotokan Karatedō 松涛館 空手道) 1

tambeacutem este uma Via ndash Via da

ldquomatildeo vaziardquo ou karate - agrave semelhanccedila de shintō Jaacute a Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das

Religiotildees publicou cinco artigos dedicados ao Japatildeo do passado especificamente o periacuteodo de

presenccedila cristatilde em territoacuterio japonecircs (e Macau) 2

Apesar de carecer de um fundador ndash apenas vaacutelido no caso de kyōha shintō ldquonovas

religiotildeesrdquo shintō e de certo modo escolas de gakuha shintō criadas como consequecircncia dos

movimentos acadeacutemicos e de exposiccedilatildeo de conceitos e rituais (que conduzem agrave Ordem) ndash um

sistema proacuteprio de ldquofeacuterdquo e ldquoensinamentosrdquo caracteriacutesticas tiacutepicas de uma lsquoreligiatildeorsquo (no sentido

lsquoocidentalrsquo) o shintō eacute praticado pelo indiviacuteduo e como tal este uacuteltimo faz parte do todo isto

eacute do mundo que o rodeia vivendo consoante as decisotildees que toma quer sejam de natureza

positiva ou negativa

Neste sentido a finalidade desta dissertaccedilatildeo natildeo eacute somente divulgar shintō o trabalho

realizado eacute um texto argumentativo que pretende responder a trecircs questotildees o que eacute o ciclo de

Desordem e Ordem o que eacute que o praticante de shintō fazia e ainda faz para causar Desordem

ou Ordem quais satildeo os motivos por detraacutes das accedilotildees que conduzem agrave Ordem

Para tentar responder agraves perguntas acima nomeadas dividiu-se o trabalho em duas

partes cada um com um nuacutemero variado de subtoacutepicos a primeira parte eacute acima de tudo

contextualizaccedilatildeo do tema explicando-se o que se entende por shintō ldquoreligiatildeordquo kami e qual a

relaccedilatildeo destes uacuteltimos com o domiacutenio sagradodivino japonecircs

Assim a realizaccedilatildeo do primeiro subtoacutepico envolveu a procura de algumas opiniotildees

formadas por autores e investigadores constatando-se a necessidade de uma anaacutelise

etimoloacutegica de termos como shintō religiatildeo (em japonecircs shūkyō) kami e ldquosagradodivinordquo

(dicotomia seishin) Em segundo lugar efetuou-se uma siacutentese do que outros autores

(japoneses ou natildeo) entendem por kami por vezes sujeitos a processos de classificaccedilatildeo ou

1 The DSpace Foundation ldquoPercorrer lsquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrsquo por data de publicaccedilatildeordquo ReCiL -

Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line)

lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104375704browsetype=dateissuedgt (consultado em 24-06-2018) 2 The DSpace Foundation ldquoResultados da pesquisa- Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das Religiotildeesrdquo ReCiL -

Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line) lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104373095simple-

searchquery=japC3A3ogt (consultado em 24-06-2018)

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categorizaccedilatildeo Seguidamente kami satildeo analisados enquanto personagens fundamentais da

cosmologia japonesa conforme os relatos do Kojiki e Nihon shoki participando no processo

de divisatildeo da realidade - sendo que esta divisatildeo pode ser tripartida (sobretudo mundo

superior mundo do meio e mundo inferior) ou bipartida (o lsquonosso mundo fiacutesicorsquoo lsquooutro

mundorsquo) ndash e ainda na criaccedilatildeo desta uacuteltima - considerando-se lsquocriaccedilatildeorsquo como o ato consciente

dos kami (neste caso o casal Izanagi e Izanami) de gerar as coisas que compotildeem o nosso

mundo e tambeacutem kami associados a essas mesmas coisas Apoacutes esta criaccedilatildeo certos kami

tornam-se agentes da Ordem (Amaterasu) e da Desordem (Susano-o e Ōkuninushi)

expressando a noccedilatildeo de equiliacutebrio muito presente nos rituais de shintō que explicam a Ordem

como a consequecircncia da condiccedilatildeo de Desordem (o episoacutedio da Ama no Iwato por exemplo)

No uacuteltimo subtoacutepico explicou-se a evoluccedilatildeo de shintō ao longo dos seacuteculos de

interaccedilatildeo com as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda observando a sua integraccedilatildeo na esfera

poliacutetica japonesa desde os primeiros tempos de institucionalizaccedilatildeo das praacuteticas de veneraccedilatildeo

aos kami ateacute agrave atualidade Natildeo obstante deve-se alertar para o facto de que este subtoacutepico natildeo

apresenta shintō numa perspetiva cronoloacutegica a Via do Confuacutecio - a primeira a ser estudada

neste trabalho - influenciou a sociedade claacutessica japonesa mas a adaptaccedilatildeo dos seus

ensinamentos por parte de shintō soacute se veio a realizar num periacuteodo posterior Por outras

palavras se se pretendesse uma evoluccedilatildeo cronoloacutegica de shintō o esquema a seguir seria ldquoVia

de Dao-Via do Buda-Via de Confuacuteciordquo

No que concerne agrave segunda parte esta corresponde ao desenvolvimento do tema e

como tal investiga-se algumas teorias e praacuteticas - uma vez que a teoria daacute coesatildeo agrave praacutetica e a

praacutetica eacute uma forma de dinamizaccedilatildeo da teoria ndash do shintō retratado como uma Via

profundamente social ndash liga os humanos aos kami e vice-versa surgindo kami que atendem agraves

necessidades concretas individuaiscoletivas de quem os procura (Inari Ebisu Shichi Fukujin

e Tenjin) ndashrsquoespiritualrsquo ndash na aceccedilatildeo de se estar perante algo natildeo do domiacutenio palpaacutevel ou fiacutesico

que tambeacutem serve de elo de ligaccedilatildeo humanokami evidenciado pelo desenvolvimento de toda

uma tradiccedilatildeo de lsquoespiritualidade japonesarsquo melhor expressa por musubi rei e tamashii ndash e

lsquoeacuteticarsquo ndash no sentido de existir um bemmal ou seja algo ordenado e algo desordenado que

pode ser sempre reposto evidenciando a natureza ciacuteclica da relaccedilatildeo DesordemOrdem

Aleacutem de se analisar etimologicamente toda uma seacuterie de palavras associadas agrave

lsquoespiritualidadersquo agrave Desordem (tsumi kegare e imi) e agrave Ordem como eacute entendida pelo shintō

(os vaacuterios vocaacutebulos indicativos de lsquopurificaccedilatildeorsquo e algumas norito relevantes) e por algumas

escolas de pensamento desta Via abordam-se duas qualidades internas do ser humano

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denominadas kokoro e makoto integrais ao campo da eacutetica japonesa bem como a shintō Os

rituais conducentes agrave Ordem revolvem em torno da purificaccedilatildeo processo de natureza externa

e interna embora a segunda seja de natureza mais subtil e portanto mais difiacutecil de atingir No

entanto o objetivo eacute sempre o mesmo contrariar o desequiliacutebrio trazido por tsumi kegare e

imi devolvendo o indiviacuteduo (e o que o rodeia) ao seu estado ordenado confirmando a ideia

de que o shintō eacute importante natildeo apenas para o indiviacuteduo

Enquanto temaacutetica de estudo os rituais de purificaccedilatildeo e de natildeo purificaccedilatildeo em shintō

satildeo uma novidade em contexto nacional mas natildeo propriamente no mundo acadeacutemico

internacional milhares de autores redigiram livros sobre shintō ou pequenos artigos sobre

ldquopurificaccedilatildeordquo ldquorituaisrdquo e ldquoimpurezardquo se bem que tsumi kegare e imi (negativo) nunca satildeo

apelidados de ldquorituaisrdquo per si No entanto este trabalho utiliza a palavra ldquorituaisrdquo num sentido

abrangente ao inveacutes de investigadores que se cingem agrave definiccedilatildeo sugerida pelo dicionaacuterio

quando o indiviacuteduo realiza algo constantemente e da mesma maneira faz um ldquoritualrdquo Em

contexto religioso ldquorituaisrdquo tendem a ser vistos como exclusivamente positivos nunca

negativos

Poreacutem ao redefinir-se ldquoritualrdquo como um padratildeo de pensamentos palavras e accedilotildees natildeo

se inviabiliza a hipoacutetese de existirem ldquorituaisrdquo que provocam o oposto do que se pretende

Interessantemente alguns autores contemporacircneos de shintō cingem-se ao ldquoritualrdquo como o

que permite o regresso agrave Ordem na introduccedilatildeo de Sourcebook in Shinto Selected Documents

Resources in Asian Philosophy and Religion (2004) Stuart Picken diz que a ldquotransmissatildeo de

Shinto (hellip) eacute mais sobre agenda do que credenda coisas a serem feitas do que coisas a serem

acreditadasrdquo colocando ldquoritualrdquo em primeiro plano 3 Aqui estaacute claramente expresso a ideia

de ldquorituais-Ordemrdquo uma vez que ldquocoisas a serem feitasrdquo satildeo logicamente coisas cujos

resultados beneficiam o indiviacuteduo Por outro lado John Breen e Mark Teeuween nomeiam

trecircs categorias de ldquorituaisrdquo cuja praacutetica eacute da responsabilidade de jinja 4 Ora uma vez que

jinja satildeo os mais relevantes espaccedilos de veneraccedilatildeo aos kami subentende-se a Ordem como a

consequecircncia destes ldquorituaisrdquo

Todavia o shintō tem por princiacutepio a noccedilatildeo de equiliacutebrio conhecer shintō significa

conhecer a Ordem e a Desordem se rituais de satildeo o meio por excelecircncia para atingir a Ordem

a natildeo purificaccedilatildeo conduziraacute agrave Desordem Em suma tsumi kegare e imi satildeo rituais porque satildeo

3 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion

Westport Greenwood Publishing Group 2004 pxxi 4 BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 p3

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realizados (de forma directa e indireta) pelo indiviacuteduo embora possuam diferentes origens e

caracteriacutesticas

No que concerne agrave metodologia e fontes utilizadas um dos criteacuterios a ter em conta foi

a contemporaneidade o shintō continua a ser um tema muito popular entre autores e como tal

um estudo mais proacuteximo desta Via requer o recurso a livros publicados recentemente e natildeo haacute

meio seacuteculo atraacutes tais como Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings

(1994) cujo autor Stuart Picken apresenta as vaacuterias categorias de shintō de uma forma sucinta

apresentando uma cronologia de eventos relevantes explicando de que maneira a conjuntura

histoacuterico-poliacutetica japonesa influenciou shintō A sua obra pode servir como um ponto de

partida para interessados ou estudiosos uma vez que aborda shintō do passado e shintō

moderno (incluindo os rituais de purificaccedilatildeo usados em ambos) Um outro ponto muito

positivo eacute a ausecircncia de ldquotermos ocidentaisrdquo como ldquoShintoiacutestardquo e ldquodeusrdquo 5 uma metodologia

igualmente favorecida pela autora

Eacute tambeacutem interessante notar que ao longo deste livro satildeo constantemente citadas e

explicadas fontes japonesas (antigas sobretudo) justificando a sua utilizaccedilatildeo (em simultacircneo

com a leitura na linguagem original) na fundamentaccedilatildeo dos subtoacutepicos da dissertaccedilatildeo Por

exemplo Kojiki Nihon shoki Engishiki e Norito 6 As primeiras duas satildeo fundamentais no

que diz respeito agrave mitologia e cosmologia japonesas ndash o termo lsquocosmologiarsquo eacute mais

apropriado do que lsquoteologiarsquo uma vez que shintō natildeo reconhece deuses ndash observando-se a

inclusatildeo da temaacutetica Desordem e Ordem primeiro como resultados das accedilotildees de alguns kami

e depois como consequecircncias dos rituais (tsumi kegare) dos proacuteprios indiviacuteduos como se

pode constatar nas croacutenicas imperiais do Nihon shoki

Jaacute o Engishiki eacute um texto de caraacutecter lsquolituacutergicorsquo tal como o Saigūki e o Kōtai Jingū

Gishiki-chō Ao longo da investigaccedilatildeo utilizou-se Engi-shiki Procedures of the Engi era

Books I-V Translated with introduction and notes by Felicia Gressitt Bock 1970 e a obra

Norito (1990) de Donald Philippi que reuacutene dezenas de norito entoadas nos diversos matsuri

celebrados ao longo do ano uns de caraacutecter mais lsquoimperialrsquo do que outros ambas obras

refletem o impacto do estudo da praacutetica ldquoritualrdquo (que conduz agrave Ordem) no shintō Contudo as

traduccedilotildees foram sempre lidas em paralelo com o texto original facultado pela paacutegina virtual

da Waseda University Library e ainda Mikoorg (apenas os oito volumes do Jingiryō satildeo

integrais ao objeto de estudo)

5 PICKEN Stuart Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings Westport Greenwood

Publishing Group 1994 pp xvii-xviii 6 PICKEN Stuart op cit p381

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Por outro lado o Saigūki e o Kōtai Jingū Gishiki-chō satildeo obras arcaicas que registam e

explicam determinados rituais prejudiciais ao indiviacuteduo isto eacute kegare e imi (imikotoba no

caso do Kōtai Jingū Gishiki-chō) Ora a informaccedilatildeo disponibilizada deve ser complementada

pelo estudo de outras fontes japonesas explica-se assim o porquecirc do recurso a textos

ldquooficiaisrdquo ndash Nihon shoki Nihon sandai Jitsuroku Nihon Kōki e ShokuZoku Nihongi) e de

caraacutecter mais legislativo Yōrō-ritsuryō e Jingiryō ambos frequentemente referenciados em

artigos contemporacircneos de autores japoneses numa tentativa de explicar alguma da

terminologia de shintō (vocaacutebulos conotados com Desordem e Ordem)

A segunda fonte primaacuteria eacute Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in

Asian Philosophy and Religion (2004) novamente Picken cita passagens traduzidas do Kojiki

e o Nihon shoki que explicam a criaccedilatildeo e divisatildeo da realidade Este meacutetodo de citaccedilatildeo de

passagens de textos relevantes aplica-se a toda a obra auxiliando o interessado no estudo de

shintō segundo a perspetiva das escolas de pensamento (Yoshida e Ise em particular) e a

escola kokugaku ambas vaacutelidas no que concerne ao aprofundamento do que se entende por

caraacutecter ldquoeacuteticordquo em shintō ldquopurezardquo kokoro e makoto satildeo frequentemente objeto de estudo

graccedilas agrave anaacutelise de outros textos antigos e de cariz oficialimperial

No que diz respeito ao livro produzido por John Breen e Mark Teuween A New

History of Shinto possui alguns pontos positivos o uso de termos japoneses a inclusatildeo de

uma cronologia e mitologia de shintō com base em fontes japonesas (traduzidas) analisando-

se ao pormenor o ceacutelebre episoacutedio Ama no Iwato uma curiosa passagem que tambeacutem foi

estudada no acircmbito desta dissertaccedilatildeo uma vez que a temaacutetica Desordem e Ordem estaacute

bastante presente embora notando-se a ausecircncia do indiviacuteduo quem participa nos rituais satildeo

os kami e natildeo os humanos

Por uacuteltimo The Kami Way de Ono Sokyō eacute um livro introdutoacuterio a shintō mas muito

mais simples do que as obras de Picken apesar de tambeacutem sintetizar a mitologia e cronologia

desta Via Espeacutecie de minienciclopeacutedia de shintō sobretudo focada na tradiccedilatildeo de jinja shintō

(rituais cerimoacutenias siacutembolos e elementos pertencentes ao domiacutenio do ldquosagradordquo) The Kami

Way eacute um livro que enfatiza a ideia de que shintō eacute uma religiatildeo e como tal a linguagem

usada eacute muito diferente da que Picken ou Breen e Teuween algo que pode ser justamente

considerado como um ponto negativo termos duacutebios incluem ldquokami-feacuterdquo ldquosagradordquo ldquomenterdquo

ldquoalmardquo certamente reconheciacuteveis para o puacuteblico-alvo natildeo-japonecircs mas que dificilmente

seriam aceites pelos autores anteriormente mencionados cujas obras procuram ser o mais fieacuteis

ao seu objeto de estudo shintō pertence agrave realidade japonesa e como tal traduccedilotildees de termos

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japoneses natildeo satildeo recomendaacuteveis Jaacute um dos seus pontos positivos eacute oferecer ao leitor a

perspetiva japonesa da natureza humana subentendo o reconhecimento de uma eacutetica

(certoerrado) reforccedilando o porquecirc de shintō ser uma Via criada para o bem e a felicidade do

indiviacuteduo

Aleacutem destas quatro obras acrescenta-se o dicionaacuterio etimoloacutegico da autoria de

Nishigaki Yukio (2005) ndash etimologia eacute uma ferramenta indispensaacutevel para a compreensatildeo de

shintō dada as suas origens natildeo ocidentais - alguns episoacutedios do Kojiki (Takeda Tsunegaki) e

Nihon shoki (a traduccedilatildeo desatualizada de Aston utilizada por Picken e a versatildeo presente no

site Nihonsinwa) No caso concreto das obras japonesas claacutessicas e modernas referenciadas

sobretudo por Picken o texto original foi disponibilizado nas bibliotecas virtuais japonesas

National Diet Library (6ordm volume do Koshiden Hirata Atsutane) J-Texts e Kodaishi Dassai

com a exceccedilatildeo do Yōrō-ritsuryō que foi individualmente traduzido para japonecircs moderno no

website Kansei Daikan

Com efeito o recurso a fontes virtuais revelou-se fundamental no decorrer da

investigaccedilatildeo devendo-se destacar paacuteginas de instituiccedilotildees japonesas tais como a Encyclopedia

of Shinto - organizada pela Universidade Kokugakuin o dicionaacuterio virtual japonecircs Kotobank

que compila as sugestotildees de definiccedilatildeo de um termo por vezes pronunciando-se sobre a sua

etimologia Acrescenta-se ainda paacuteginas virtuais dedicadas agraves obras de Motoori Norinaga

(Kumo no Ikada Yamato Gokoro) e paacuteginas oficiais de setores shintō cujos objetivos

revolvem em torno da purificaccedilatildeo adotando-se certas condutas e rituais

Por uacuteltimo todos os termos estrangeiros foram escritos em letras do alfabeto e em

itaacutelico seguidas sempre dos caracteres que a compotildeem (no caso de termos chineses e

japoneses) o mesmo aplicando-se ao nome completo dos kami jinja e matsuri Em caso da

traduccedilatildeo dos vocaacutebulos japoneses utilizou-se a expressatildeo cujo significado eacute o mais proacuteximo

do original Contudo numa tentativa de se ser fiel agrave fonte e ao objeto de estudo optou-se mais

pela natildeo-traduccedilatildeo kami eacute kami tsumi eacute tsumi kegare eacute kegare e assim sucessivamente A

principal razatildeo por detraacutes desta metodologia eacute evitar o processo de incompreensatildeo da temaacutetica

abordada como resultado da transposiccedilatildeo da proacutepria mentalidade do investigador Com efeito

a fraca familiarizaccedilatildeo com a aacuterea de estudo origina a traduccedilatildeo (incorreta) de termos uacutenicos

por palavras que o seu puacuteblico-alvo natildeo japonecircs facilmente consegue perceber mas que satildeo

estranhas a shintō ou a outras lsquoreligiotildeesrsquo asiaacuteticas

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1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA

Escrever sobre religiotildees eacute sempre um desafio ainda mais quando a aacuterea de estudo

tem as suas reservas no que concerne agrave expressatildeo lsquoreligiatildeorsquo de difiacutecil caracterizaccedilatildeo mesmo

no mundo ocidental lsquoReligiatildeorsquo tende a ser identificada com os sistemas de lsquofeacutersquo teiacutestas

particularmente os monoteiacutestas ndash cristianismo judaiacutesmo e islatildeo ndash e politeiacutesmos na Aacutesia o

termo natildeo se pode usar com tanta facilidade religiatildeo eacute antes de mais uma palavra introduzido

relativamente recente e certamente de forma natildeo espontacircnea

No caso do Japatildeo lsquoreligiatildeorsquo natildeo existia ateacute aos meados do seacutec XIX o acolhimento

de ideias exteriores ao territoacuterio japonecircs teraacute gerado uma definiccedilatildeo muito especiacutefica de

lsquoreligiatildeorsquo e da sua favorita traduccedilatildeo japonesa shūkyō especificamente traduzindo-se o termo

inglecircs religion algo que eacute problemaacutetico por dois principais motivos os caracteres que

compotildeem a palavra (shū 宗 e kyō 教 respetivamente lsquosetoresrsquo e lsquoensinamentosrsquo) - e que jaacute

existiam de facto em forma isolada nunca em conjunto - satildeo de origem budista pondo em

causa a ldquovalidaderdquo de shintō cuja ecircnfase natildeo eacute em doutrinas ou shū 7 embora natildeo se deva

excluir a sua existecircncia

Segundo Nakamura Hajime shūkyō teria as suas origens na expressatildeo shū no oshie

(宗の教え ) ou lsquoensinamento dos setoresrsquo ndash shū significa o ldquoderradeiro significado do

princiacutepio e da verdade (hellip)rdquo presente nos ensinamentos (oshie) antes do Periacuteodo Meiji (1868-

1912) shūkyō encontrar-se-ia numa posiccedilatildeo subordinada a bukkyō (仏教) que por sua vez eacute

entendido como a fusatildeo de vaacuterios shūkyō num soacute Jaacute no Periacuteodo Meiji shūkyō torna-se um

suposto ldquoconceito supra ordenadordquo de bukkyō 8 ambas explicaccedilotildees revelam a importacircncia

desta Via como ponto de partida para o que se entende por lsquoreligiatildeorsquo termo hoje vaacutelido e

aceite pela sociedade moderna japonesa em vaacuterias aacutereas

A segunda principal razatildeo tem que ver com imagens quando um cidadatildeo europeu ou

americano pensa sobre lsquoreligiatildeorsquo serve-se do que sabe isto eacute o que a sua educaccedilatildeo e meio

envolvente lhe providenciaram um espaccedilo proacuteprio de crenccedila textos uma noccedilatildeo de lsquosagradorsquo

um fundador e eacute claro os que acreditam firmemente nesses textos e se esforccedilam por propagar

as suas ideias Se lhe perguntarem sobre outras lsquoreligiotildees natildeo-ocidentaisrsquo recorreraacute ao que eacute

7 ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious

Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 8 Ateacute ao seacutec- XVII o ldquobudismordquo natildeo era formalmente designado bukkyō (仏教) mas antes butsudō (仏道) ou

ainda buppō (仏法) IWAI Hiroshi ldquo日本宗教の理解に関する覚書rdquo (ldquoNotes on the Understanding of

Japanese Religionrdquo) Kenkyū kiyō (研究紀要) nordm 5 2004 pp 79-89

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do conhecimento geral publicado em livros e outros meios de informaccedilatildeo Por outras palavras

budismo hinduiacutesmo taoiacutesmo e xintoiacutesmo satildeo convenientemente considerados lsquoreligiotildeesrsquo e

como consequecircncia natildeo eacute de estranhar a quantidade de traduccedilotildees erroacuteneas de conceitos e

ideias dessa mesma religiatildeo em livros escritos por peritos quer japoneses como natildeo-nativos 9

qualquer guia sobre ldquoreligiotildees do mundordquo teraacute uma entrada sobre xintoiacutesmo comeccedilada mais

ou menos nas linhas de ldquoxintoiacutesmo eacute a religiatildeo nativa japonesardquo 10

ecoando o que foi escrito

cerca de um seacuteculo antes por Anesaki Masaharu creditado como ldquoinventorrdquo da expressatildeo

moderna lsquoreligiatildeo japonesarsquo (nihon shūkyō 日本宗教) que eacute acolhida inicialmente por um

puacuteblico ocidental e soacute posteriormente pelos proacuteprios japoneses 11

Forte apoiante da visatildeo lsquoxintoiacutesmo = religiatildeorsquo Anesaki Masaharu acentua o caraacutecter

japonecircs de shintō descrevendo-o como ldquoum complexo de antigas crenccedilas e observacircnciasrdquo que

ao contraacuterio do budismo (e do cristianismo) nunca se deparou com perseguiccedilotildees a niacutevel

poliacutetico sendo preservado ao longo de seacuteculos pelos japoneses Apoiado na veneraccedilatildeo dos

kami sobretudo Amaterasu a antepassada miacutetica da casa imperial associada ao sol shintō eacute

um tipo de culto lsquonacionalrsquo diretamente ligado agrave paz prosperidade e estabilidade do Japatildeo 12

Historicamente shintō natildeo foi lsquopreservadorsquo no sentido de permanecer

inalteraacutevel independentemente de alguns sacerdotes e estudiosos partilharem da visatildeo de

Anesaki perspetivando shintō como algo autoacutenomo e independente de influecircncias externas

desde tempos imemoriais ateacute agrave atualidade 13

este uacuteltimo foi um processo iniciado no Japatildeo e

cujo crescimento jamais resulta do isolamento mas antes do contacto com todo o tipo de

ideias de fora (e de dentro) a adaptaccedilatildeo de ldquoantigo pensamento Chinecircs Budismo Onmyōdō

Confucionismo Shugendō e Cristianismordquo agrave realidade japonesa permite numa eacutepoca

posterior propostas de categorizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de shintō jinja shintō kyōha shintō

shintō filosoacutefico ou escolaacutestico (gakuha shintō 学派神道) shintō imperial (kōshitsu shintō皇

室神道) e shintō folcloacuterico (minzoku shintō 民俗神道) 14

Em suma natildeo existe um uacutenico

9 Como jaacute mencionado na Introduccedilatildeo a traduccedilatildeo eacute um risco a correr que natildeo eacute avaliado pelos autorestradutores

de entre os erros mais tiacutepicos nos livros sobre shintō destacam-se ldquopecadordquo como traduccedilatildeo de tsumi e ldquodeus

divindadedivinordquo para expressar o conceito de kami 10

ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004p 1 11

ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious

Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 12

ANESAKI Masaharu History of Japanese Religions with special reference to the social and moral life of the

nation 3rd ed London The Kegan Paul Japan Library 1995 p 22 13

KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981

pp 1-21 14

INOUE Nobutaka ldquoIntroduction The History of Shintordquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction

Introduction of Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22906gt (consultado em 24-06-2018)

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shintō mas antes muacuteltiplos shintō que contribuiacuteram significativamente em termos sociais e

culturais

Descrito por Stuart Picken como a ldquoexpressatildeo natural dos sentimentos espirituais do

povo japonecircs que cresceu e evoluiu com o desenvolvimento da histoacuteria japonesa e sociedaderdquo

shintō eacute um exemplo atiacutepico de uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido geral do termo ao contraacuterio do

budismo (bukkyō 仏教) Islatildeo (isuramukyō イスラム教) hinduiacutesmo (indokyō インド教)

cristianismo (kirisutokyō キリスト教) judaiacutesmo (yudayakyō ユダヤ教) confucionismo

(jukyō 儒教) e taoiacutesmo (dōkyō 道教) shintō (神道) foi nomeado como um dō (em chinecircs dao

道) e natildeo como um kyō agrave semelhanccedila de outras Vias como kadō (華道) sadō (茶道) kyūdō

(弓道 ) respetivamente a Via das flores a Via do chaacute e a Via do arco A prioridade de shintō

eacute como o termo sugere tornar-se uma Via um modo de orientaccedilatildeo para o indiviacuteduo algo

expresso no curioso termo kannagara 15

Deste modo shintō assemelha-se a um modo de

conduta uma disciplina ou praacutetica que coloca os lsquoensinamentosrsquo em segundo plano em favor

do desenvolvimento de uma eacutetica proacutepria que recebeu influecircncias sobretudo confucianas

Consequentemente a perspetiva de shintō como lsquoreligiatildeorsquo num sentido diferente ao

que eacute transmitido em contexto ocidental tem sido apoiada por alguns autores japoneses e

igualmente praticantes de shintō Sonoda Minoru um professor emeacuterito da Universidade de

Quioto e principal sacerdote do Chichibu Jinja (秩父神社 ) observa a necessidade de

distinccedilatildeo entre religiotildees e shintō se o Cristianismo e outras ldquoreligiotildees mundiaisrdquo possuem

uma base assente numa ldquodoutrina universal e um acredita ou natildeo acredita - eacute tudo acerca de feacute

colocada num sistemardquo cuja evoluccedilatildeo adquire contornos de proselitismo - shintō eacute na sua

essecircncia uma ldquoreligiatildeo de culturardquo que natildeo pretende a consistente ldquoiniciaccedilatildeordquo de pessoas

numa ldquofeacuterdquo esta religiatildeo nada tem que ver com feacute mas antes ldquopraacutetica ritualrdquo enraizada numa

ldquosociedade agriacutecola primaacuteriardquo Por uacuteltimo conclui que estes sistemas optaram por uma

estrateacutegia de conquista modelando a conduta dos seus crentes perseguindo e eliminando

adversaacuterios quando lhes convinha ao contraacuterio de shintō que teria desaprovado de tais accedilotildees

Aliaacutes o acto de preservar a vida e celebraacute-la eacute nada mais do que a derradeira preocupaccedilatildeo

desta Via 16

Com efeito Sonoda foca-se na ldquoquestatildeo doutrinaacuteriardquo como a caracteriacutestica mais

15

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxii-xxiii 16

As citaccedilotildees em questatildeo foram retiradas das entrevistas feitas pelo investigador Leif Sandvik e pela Sasakawa

Peace Foundation sendo posteriormente integradas no estudo deste uacuteltimo sobre a ldquoreinvenccedilatildeordquo de shintō como

uma ldquoreligiatildeo ecoloacutegicardquo SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological

Religion Masterrsquos Degree Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and

Oriental Languages of the University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark

Teuween 2011

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definidora das ldquoreligiotildeesrdquo monoteiacutestas se Cristianismo (e outras ldquoreligiotildeesrdquo) regem-se pelo

princiacutepio da ldquodualidaderdquo (ser crente ou natildeo) o mesmo natildeo se pode dizer de shintō

Na sua forma mais ldquocruardquo shintō talvez pode ter sido uma coletacircnea de aspetos

ldquoanimistas xamanismo veneraccedilatildeo de antepassados e veneraccedilatildeo da naturezardquo bem como

noccedilotildees proacuteprias de normas sociais incluindo o reconhecimento de ldquotabusrdquo ldquoofensasrdquo e a

necessidade de ldquopurificaccedilatildeordquo natildeo apenas a niacutevel fiacutesico 17

Apresentando ainda um fraco grau

de organizaccedilatildeo a Via dos kami era um coletivo de ideias seguidas pela comunidade que se

focava em obter meios de subsistecircncia a relaccedilatildeo entre a comunidade e as ldquoforccedilas

incompreensiacuteveisrdquo (kami) por detraacutes do sucesso ou do prejuiacutezo das colheitas baseava-se na

relaccedilatildeo dar-receber apelar aos kami trazia benefiacutecios para a comunidade e em troca a

comunidade faria o que naturalmente eacute suposto fazer agradecer de forma sincera atraveacutes de

oferendas (comida tecidos armas) Ora tal costume ainda hoje permanece vivo na memoacuteria

dos japoneses quer se trate de uma veneraccedilatildeo aos kami em casa quer dentro da aacuterea dos jinja

oferecer algo aos kami fortalece a ligaccedilatildeo do kami ao indiviacuteduo

11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo

Contudo ateacute hoje natildeo se conhece um fundador ou extensiva doutrina que explicite

um credo ou sistema de crenccedila de shintō ndash apesar de shintō setorial possuir fundadores

individuais cujos textos transmitidos aos seguidores funcionam como lsquoensinamentosrsquo 18

ndash

demarcado pelo seu caraacutecter ritual e veneraccedilatildeo de seres de natureza indefinida denominados

kami em espaccedilos designados jinja nos quais se pode vislumbrar o domiacutenio do ldquosagradordquo

segundo Mircea Eliade ldquoo homem das sociedades arcaicas tende a viver tanto quanto possiacutevel

no sagrado ou em proximidade a objetos consagradosrdquo 19

no caso japonecircs este ldquosagradordquo

tambeacutem pode ser equiparado com a proacutepria natureza antes de existirem jinja propriamente

ditos espaccedilos abertos eram usados para realizaccedilatildeo de cerimoacutenias sazonais nas quais o kami se

manifestaria temporariamente 20

Estamos pois perante um plano de realidade associado a

sentimentos de admiraccedilatildeo pelo fantaacutestico e misterioso florestas rios pedras montanhas tudo

17

KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981

pp 1-21

18 PICKEN Stuart Essentials of Shinto opcit p 212

19 ELIADE Mircea The Sacred and the Profane the nature of religion Traduzido do Francecircs por William

Trask NY Harvest Harcourt Brace amp World Inc 1961 pp 10-12 20

BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 pp 25-26

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podia ser kami ndash entendido no sentido de lsquosagradorsquo se as pessoas o identificassem como tal

conferindo um significado especial

Em japonecircs lsquosagradorsquo eacute escrito de duas maneiras sei (聖 ) - sheng na leitura foneacutetica

chinesa (em chinecircs simplificado圣) - integra os vocaacutebulos seisho (聖書) - a Biacuteblia - seichi

(聖地) terrenoTerra Santa seibō (聖母) eacute a Matildee Santa (Virgem Maria) seija (聖者) eacute o

homem santo (Cristianismo) seisen聖戦 (Guerra Santa) e assim sucessivamente Como se

pode constatar as palavras mencionadas natildeo tecircm nada a ver com shintō e denotam o sagrado

tal como eacute visualizado pela cultura ocidental

Jaacute o segundo termo shinjin (神) lido agrave maneira japonesa como kami mi kan ka ou

hi 21

fortalece a ideia lsquosagrado = kamishintōrsquo qualquer palavra que comece ou que acabe

neste caractere geralmente pertence ao mundo shintō jinja (神社) moradas permanentes dos

kami que desde 1945 dependem financeiramente do puacuteblico natildeo do Estado 22

kagura (神楽)

a danccedila tradicional japonesa (shintō de santuaacuterios) 23

amatsu-no-kami (天つ神) e kunitsu-no-

kami (国つ神) cuja entronizaccedilatildeo nos jinja originou o sistema de classificaccedilatildeo jingi (神祇) ldquoo

conceito central em torno do qual a corte organizava o seu poder sacerdotalrdquo 24

Numa perspetiva etimoloacutegica os caracteres natildeo podiam ser mais diferentes sei (聖)

decompotildee-se em trecircs partes ou seja lsquoorelharsquo (耳) lsquobocarsquo (口) e por um ideograma que

supostamente representaria uma pessoa endireitada indicando um indiviacuteduo que possui a

habilidade de ldquoouvirrdquo uma ldquovontade divinardquo isto eacute algueacutem com grande niacutevel de

conhecimento e cultura e dotado de uma ldquovirtuderdquo ideia muito visiacutevel no pensamento

confuciano Aliaacutes se lido como sei o kanji corresponde a um atributo humano conotado com

boas intenccedilotildees e nunca malignas Jaacute na sua leitura como hijiri [聖] eacute um vocaacutebulo respeitoso

aplicado exclusivamente ao proacuteprio Imperador 25

Por outro lado o kanji usado para escrever kami eacute a forma lsquosimplificadarsquo do

caractere arcaico [神 ] presente em jingi (神祇 ) agrave semelhanccedila do caractere usado para

21

A leitura de [神] como hi verifica-se em himorogi (神籬) o espaccedilo aberto delimitado por uma corda e no qual

se pode preceder agrave veneraccedilatildeo do kami Posteriormente o papel dos himorogi eacute substituiacutedo pelos jinja Cf

PICKEN Stuart op cit p 127 22

BREEN John TEEUWEN Mark op cit p 2 23

NISHIGAKI Yukio Nihongo no Gogen jiten (日本語の語源辞典) Tokyo Bungeisha 2005 p189 24

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 25-26 25

Uma vez que as possiacuteveis interpretaccedilotildees do caratere [聖] prendem-se com a questatildeo da natureza humana e do

comportamento ldquocorretordquo eacute possiacutevel concluir que se surgir isoladamente sei tem algumas implicaccedilotildees eacuteticas

Dejitaru Daijisen ldquo聖 (せい )rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE88196-85468gt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 21

escrever a palavra lsquoritorsquo (li 禮 escrito atualmente em japonecircs como rei 礼) o kanji partilha da

mesma raiz o kanji [示] do qual deriva o verbo shimesu ou lsquoindicarrsquo servindo de raiz a

palavras relevantes dentro do contexto cerimonial ndash oraccedilatildeo (inori祈り) celebraccedilatildeo (iwai 祝

い) antepassado (sosen祖先) ndash e termos da linguagem comum como lsquofalta de educaccedilatildeosem-

maneirasrsquo (shitsureiburei失礼 無礼) jaacute o segundo kanji eacute o mesmo usado para lsquoproferirrsquo ou

mousu (申す)

Aliaacutes de acordo com Fujita Tomio um dos contribuidores para o Nippon

Daihyakkazensho (日本大百科全書) publicado em 1984 shin [神] expressaria o ldquoaltarrdquo [示]

ao qual se juntava a forma pictograacutefica de um relacircmpago (申) possivelmente devido ao facto

de o primeiro kanji usado para a palavra lsquorelacircmpagorsquo (denkō 電光) ter na sua ldquoextremidaderdquo o

caractere [申] No entanto devido agrave escolha do kanji [神] para indicar kami comeccedilou-se a

considerar a hipoacutetese de este ter um significado natildeo muito diferente de shangdi (em japonecircs

jōtei 上帝) indicando a suprema entidade natildeo material reconhecida pelo pensamento chinecircs

arcaico 26

Nos dias de hoje kami continua a ser analisado por parte de estudiosos japoneses e

natildeo-japoneses Aike Rots aponta a fluidez do conceito de kami descrevendo-o como ldquouma

forccedila omnipotente singular bem como muacuteltiplos seres espirituais pode referir-se a criaturas

antropomoacuterficas ou zoomoacuterficas fenoacutemenos naturais poderes abstratos ou antepassados

deificadosrdquo 27

Contudo a interpretaccedilatildeo mais aceite foca-se na ideia lsquokami=qualidadersquo algo

natildeo algo tangiacutevel que se assemelha a um atributo digno de admiraccedilatildeo que se pode manifestar

e encontrar na ldquonatureza claro mas tambeacutem humanos animais criaturas miacuteticas deuses e

ainda objetos feitos pelo homem tais como automoacuteveis ou comboiosrdquo 28

Por sua vez esta definiccedilatildeo parece ecoar a de Motoori Norinaga (本居宣長 1730-

1801) ceacutelebre pensador da escola do Ensino Nacional (kokugaku 國學) e comentador de

textos centrais a shintō bem como autor de exposiccedilotildees acerca das praacuteticas desta Via kami satildeo

26

FUJITA Tomio ldquo 神の語義 rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE7A59E-

46603E5A4A7E8BE9EE69E9720E7ACACE4B889E78988gt (consultado em 24-06-2018) 27

ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation

submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial

fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen

and Prof Dr Terje Stordalen 2013 28

SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion

Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149

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ldquoos seres divinos do ceacuteu e da terra que aparecem nos textos antigos e tambeacutem os espiacuteritos

consagrados que satildeo reverenciados nos jinja da naccedilatildeordquo seres animados e inanimados Em

suma ldquoqualquer forma de ser que possua alguma qualidade uacutenica e eminente e eacute inspiradora

de admiraccedilatildeo pode ser considerada kamirdquo independentemente de a sua natureza ser ldquoboamaacuterdquo

29 o facto de serem kami coloca-os acima das convenccedilotildees definidas pelos homens

No que concerne agrave classificaccedilatildeo dos kami esta nunca eacute consensual na sua

dissertaccedilatildeo sobre a religiatildeo no territoacuterio japonecircs Shannon Symonds divide os kami de acordo

com a sua aacuterea geograacutefica de veneraccedilatildeo distinguindo os kami locais cultuados nos matsuri -

festivais baseados em tradiccedilotildees ancestrais que ldquofrequentemente tecircm as suas raiacutezes em antigos

rituais agriacutecolas de agradecimentordquo pela proteccedilatildeo - dos kami nacionais celebrados em ritos e

cerimoacutenias definidas por todos os que acreditam em shintō 30

Em contrapartida Hara Kazuya considera as origens do kami admitindo a existecircncia

de kami da natureza e kami humanos o primeiro grupo diz respeito a kami ligados a uma

atividade ou ocupaccedilatildeo profissional (agricultura pesca comeacutercio) os kami que influenciam os

elementos da natureza (montanhas aacutegua florestas) 31

e os kami do Kojiki (古事記) e Nihon

shoki (日本書紀) as obras de base para a compreensatildeo da mitologia e cosmologia japonesas

32 o segundo grupo reuacutene certos indiviacuteduos extraordinaacuterios em vida que postumamente

adquiriram o estatuto de kami geralmente liacutederes importantes para a histoacuteria do Japatildeo ndash

Imperador Meiji (明治天皇) Tokugawa Ieyasu primeiro xogum da casa Tokugawa que

governou o Japatildeo durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) ndash os soldados mortos em combate

(Yasukuni jinja 靖国神社 ) ou ainda personalidades do periacuteodo Heian (794-1185)

nomeadamente Sugawara-no-Michizane (菅原道真 ca845-903) postumamente apelidado de

Tenjin (天神) o kami do ensino 31

29

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion

Westport Greenwood Publishing Group 2004 pp 200-201 30

SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis

submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the

requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John

Killigrew 2005

31 HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia

ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de

2003) 32

Picken observa que a compilaccedilatildeo destes textos reflete um maior niacutevel de organizaccedilatildeo dentro da tradiccedilatildeo shintō

tal como ela era vista por uma minoria da populaccedilatildeo eacute inevitaacutevel a mistura de ldquoreligiatildeordquo e poliacutetica Cf PICKEN

Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 4

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Por uacuteltimo Matsumura Kazuo sugere uma divisatildeo natildeo muito diferente da de Kazuya

agrupando kami consoante a relaccedilatildeo deste com o mundo natural (kami da natureza) ou com o

homem (kami culturais) no primeiro caso salientam-se aos kami que ldquorepresentam o

reconhecimento de caracteriacutesticas supranormais ou poderes em objetos naturais ou

fenoacutemenosrdquo o segundo grupo reconhece por sua vez a existecircncia de kami da comunidade

kami do nascimento de pragas de uniatildeo (matrimonial) da morte kami do lar do indiviacuteduo

(fogatildeo poccedilo estaacutebulo armazeacutem) e por uacuteltimo os kami humanos Por outras palavras

indiviacuteduos em vida reverenciados como kami ndash ldquopraticantes religiosos e miko que se

envolvem em curas de feacute e pronuacutencia de oraacuteculos (hellip) rdquo ndash e antepassados ou ldquoespiacuteritos

vingativosrdquo de indiviacuteduos 33

Todas as propostas satildeo vaacutelidas quando se estuda um termo de etimologia indefinida

como kami para alguns kami (神) localizavam-se num patamar superior de existecircncia por

partilharem da mesma foneacutetica de kami (上) isto eacute ldquoalto superiorrdquo 28

o que se pode aplicar

aos amatsu-no-kami e os trecircs koto amatsu-no-kami Ame-no-minaka-nushi-no-kami (天御中

主神) Taka-musubi-no-kami (高皇産霊神) e Kami-musubi-no-kami (神皇産霊神) ndash que se

ldquotornamrdquo no Takamagahara espontaneamente e escondem-se logo a seguir 34

No entanto os

seus congeacuteneres terrenos como Sarutahiko Ōkami (猿田毘古大神) natildeo se encontram num

patamar ldquosuperiorrdquo per si partilhando com os humanos a Terra como local de residecircncia 35

Como se pode constatar o caractere kami (神) tende a surgir no final do nome reforccedilando a

ideia de kami como tiacutetulo honoriacutefico tal como mikoto (命尊) 36

33

MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of

Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt

(consultado em 24-06-2018) 34

Em japonecircs lsquotornar-sersquo corresponde ao verbo naru (成る ) denotando algo que efetivamente natildeo foi

absolutamente criado mas que jaacute existia embora natildeo de forma fiacutesica Jaacute na passagem que refere o lsquoocultamentorsquo

o verbo usado eacute kakusu (隠す) traduzido por lsquoocultar-sersquo o kanji [産] usado para o verbo lsquonascerrsquo estaacute sempre

ausente no Kojiki ateacute agraves passagens de kuni-umi e kami-umi Em suma estes kami natildeo satildeo lsquocriadosrsquo per si mas

tornam-se visiacuteveis para o mundo TAKEDA Tsunegaki Gendaigo no Kojiki (現代語古事記) Tokyo Gakken

Publishing 2011 pp 16-17

35 Picken Stuart Essentials of Shinto op cit pp95-96

36 Kokugakuin University Institute for Japanese Culture and Classics Index of Kami (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMpdfPreviewEOS+Index+of+Kamipdfgt (consultado em 24-06-2018)

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111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de ldquodivisatildeordquo da

realidade agrave criaccedilatildeo da mesma

De entre as fontes que servem de base para o estudo de shintō nomeiam-se o Kojiki

(ca 712) Nihon shoki (ca 720) ShokuZoku Nihongi (続日本紀 ca 797) o Jingiryō (神祇令

ca701) o Kōtai Jingū Gishiki-chō ( 皇太神宮儀式帳) e Toyoke-gu Gishiki-chō (止由気宮儀

式帳) Kogo Shūi (古語拾遺) e o Engishiki (延喜式 ca 927) 37

Satildeo com efeito textos de

caraacutecter oficial respeitados por uma corte que colocava shintō em segundo plano

principalmente apoacutes o budismo ter adquirido um estatuto de ldquofavoritordquo por parte de Shōtoku

Taishi (聖徳太子 ca 604) notoacuterio apoiante da introduccedilatildeo de ideias de fora incluindo eacutetica

confuciana 38

Neste sentido pode-se afirmar o facto de shintō subsistir no territoacuterio japonecircs

como um conjunto de praacuteticas consagradas aos kami propriamente venerados nos jinja

Tanto no Kojiki como no Nihon shoki kami cometem erros satildeo violentos

caprichosos generosos ambiciosos tornando-se quer heroacuteis ou vilotildees nos mitos

efetivamente aproximando-os da natureza do ser humano ambos relatos parecem humanizar e

personificar os kami Participando passivamente ou ativamente no processo da criaccedilatildeo do

mundo estas formas de existecircncia e consciecircncia satildeo anteriores ao homem

Aleacutem de manifestarem uma personalidade proacutepria kami possuem uma identidade ou

seja um nome um geacutenero observando-se uma diferenccedila entre as primeiras duas geraccedilotildees de

kami e as restantes por exemplo no Kojiki a necessidade de especificar o sexo dos kami ndash

um termo de natureza neutra cujo plural eacute designado de kamigami (神々) ndash soacute se justifica a

partir do surgimento de uma ldquosegunda geraccedilatildeordquo de kami per si nunca se usando a dicotomia

moderna ogamimegami (男神 女神 ) viaacutevel no contexto de religiotildees politeiacutestas que

reconhecem a existecircncia de ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo respetivamente Com efeito nas fontes

japonesas kami eacute identificado como ldquomasculinordquo ou ldquofemininordquo atraveacutes da anaacutelise do seu

nome caso o kami possui uma terminaccedilatildeo foneacutetica lida como hiko (por ex 毘子毘古 日子)

eacute masculino em contrapartida hime (por ex 毘売比売姫) denota um kami do sexo oposto

Deste modo apenas os lsquonatildeo-hitorigamirsquo possuem um geacutenero masculino ou feminino

a segunda geraccedilatildeo de kami agrave qual pertence o casal Izanagi-no-kami (伊邪那岐神) e Izanami-

37

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 17 pp 21-26 p 30 38

SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis

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requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John

Killigrew 2005

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no-kami (伊邪那美神) ndash futuros progenitores da terceira geraccedilatildeo de kami criada em meio

terrestre ndash eacute composta por casais de irmatildeos e irmatildes 39

que com a exceccedilatildeo de Izanagi e

Izanami natildeo se envolvem no processo de criaccedilatildeo tornando-se conselheiros do casal Ao

receberem ordens de descer de Takamagahara Izanagi e Izanami datildeo iniacutecio ao processo da

criaccedilatildeo das ilhas do arquipeacutelago (kuni-umi 国生み) posteriormente criando kami (kami-umi

神生み) 40

Apesar de datarem do mesmo periacuteodo as obras possuem algumas diferenccedilas entre si

nomeadamente o seu estilo e linguagem de escrita bem como o seu conteuacutedo as histoacuterias do

Kojiki encontram-se recheadas de motivos mitoloacutegicos e cerimoacutenias que procuram explicar as

origens do povo japonecircs do arquipeacutelago e o ldquoque eacute conhecido como a era dos kamirdquo 41

Jaacute o

Nihon shoki modelado agrave maneira das croacutenicas chinesas apresenta uma dataccedilatildeo diligente das

entradas dos seus relatos e por vezes vaacuterias versotildees dos mesmos 42

Se a realidade do Kojiki tem iniacutecio num tempo de ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu e a terrardquo no

qual se manifestam os koto amatsukami ndash Ame-no-minaka-nushi (a possiacutevel corporizaccedilatildeo do

proacuteprio cosmos) 40

Taka-musubi-no-kami e Kami-musubi-no-kami ndash interpretados como

ldquoprinciacutepiosrdquo da atividade criativa e da criaccedilatildeo todos carecendo de atributos humanos ndash numa

dos relatos do Nihon shoki eacute mencionado um periacuteodo incerto antes da ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu

e a terrardquo e da divisatildeo de in e yō isto eacute o princiacutepio yin e yang (em japonecircs on-myō 陰陽)

forma-se assim uma ldquomassa caoacutetica como que um ovo (hellip) de limites definidosrdquo

posteriormente dividido entre um elemento mais ldquopurordquo (o Ceacuteu) e um elemento mais

ldquoconsistenterdquo (a Terra) Do seu meio nasce uma coisa que lembra um rebento de junco e que

adota uma forma mais fixa surge ldquoespontaneamenterdquo Kuni-toko-tachi-no-mikoto (國常立尊)

Logo a seguir surgem kami masculinos ldquogerados por operaccedilatildeo do princiacutepio do Ceacuteurdquo bem

como os seus congeacuteneres femininos formados pela muacutetua accedilatildeo do princiacutepio da Terra 43

No que concerne agrave criaccedilatildeo do mundo terrestre o Kojiki delega este papel a Izanagi e

Izanami que se estabelecem na ilha Ōyashima (大八島) originando a terceira geraccedilatildeo de

kami que nascem aos pares ou de forma individual associando-se a um elemento do mundo

natural (montanhas aacutervores mares sol e pedras espuma correntes cereais vento) ou

39

TAKEDA Tsunegaki op cit pp 16-17 40

Nesta passagem a palavra ldquocriaccedilatildeordquo corresponde agrave accedilatildeo de gerar algo De acordo com a traduccedilatildeo de Takeda o

verbo que expressa tal eacute ldquoumi ni narimasurdquo (産みになります) TAKEDA Tsunegaki op cit pp 19-23 41

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 54 42

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 43

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 6-8

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humano (embarcaccedilotildees) 44

Eacute no momento do nascimento do kami do fogo (Hi-no-kagutsuchi-

no-kami火迦具土神) que se introduz a natureza natildeo imortal de Izanami que ainda consegue

gerar alguns kami antes de morrer das feridas 45

Apoacutes a sua morte Izanami toma residecircncia permanente no submundo Yomu-no-

kuniYomi-no-kuni (黄泉の国) levando Izanagi a desesperadamente tentar trazecirc-la de volta

ao mundo da superfiacutecie ecoando o mito de Orfeu e Euriacutedice notando-se ainda algumas

semelhanccedilas com a mitologia de Perseacutefone que privada de regressar ao mundo humano por

ter consumido algo daquele lugar torna-se a esposa de Hades e partilha com ele a

responsabilidade de governaccedilatildeo dos Infernos Izanami (que tambeacutem admite ter comido algo

do Yomu-no-kuni formalizando a sua nova identidade como uma habitante do Yomi) torna-se

a uacutenica governante do submundo cortando laccedilos definitivos com o seu esposo se Izanagi

escolhe o caminho da criaccedilatildeo da humanidade Izanami confere a esta espeacutecie a mortalidade

explica-se o porquecirc da vida e da morte 46

112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordem

Ora a introduccedilatildeo do mundo inferior no Kojiki e no Nihon shoki completa uma das

visotildees shintō do mundo descritas por Hara como ldquoverticalrdquo e ldquotridimensionalrdquo

Takamagahara pertencia ao ldquoplano superiorrdquo onde habitavam os kami o Nakatsu-kuni (中つ

の国 ) seria a ldquodimensatildeo do meiordquo a morada dos seres humanos o Yomi-no-kuni 46

corresponderia ao ldquoplano inferiorrdquo conceito presente em outras religiotildees cujas mitologias de

criaccedilatildeo mencionam um elemento liacutequido (oceano) e um elemento soacutelido (terra) que esconde

um outro ldquomundordquo abaixo da superfiacutecie por exemplo em contexto grego o submundo Hades

(natildeo o deus mas o local em si) pode ser equiparado ao Yomi-no-kuni

Por outro lado Hara refere-se a uma segunda visatildeo ldquohorizontalrdquo do cosmos dividido

a meias entre o Toko-yo (常世) o ldquomundo onde os espiacuteritos purificados dos mortos residemrdquo

e o ldquomundo da humanidaderdquo 46

o que nos remete para a barreira entre o ldquoinvisiacutevelrdquo e o

ldquovisiacutevelrdquo Na terminologia do Kojiki se Izanami eacute a senhora do Yomi Izanagi eacute responsaacutevel

44

TAKEDA Tsunegaki op cit pp 25-29 45

TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 46

HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia

ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de

2003)

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pelo ldquomundo da humanidaderdquo (utsushi-yo (現世) 47

palavra composta pelo kanji de lsquorealrsquo - no

sentido de lsquovisiacutevelrsquo - e lsquorealidademundorsquo Tudo que esteja para laacute do visiacutevel pertence a ldquooutra

realidaderdquo

Todavia a existecircncia de ldquobarreirasrdquo entre mundos (aacutervores no caso de se desejar

aceder ao ldquoplano superiorrdquo ldquocelesterdquo ou poccedilos e cavernas se pretender visitar os niacuteveis

inferiores da terra) natildeo exclui a hipoacutetese de interaccedilatildeo de humanos com os kami e ldquoespiacuteritosrdquo

que natildeo pertencem ao nosso mundo do mesmo modo que os ldquoseres humanos podem visitar os

outros mundosrdquo habitantes natildeo humanos podem surgir temporariamente na nossa realidade

permitindo a cultivaccedilatildeo da relaccedilatildeo dos humanos com o ldquopara laacute de humanordquo 48

No Nihon shoki aplica-se um modelo tripartido da realidade Ceacuteu Terra e ldquomundo

subterracircneordquo ou Oceano Amaterasu eacute uma ldquocrianccedila estrondosa que devia de nosso acordo ser

enviada de imediato para o Ceacuteu e confiar-lhe os assuntos do Ceacuteurdquo uma responsabilidade

partilhada com o kami da Lua Tsukiyomi-no-mikoto ldquoo Deus que devia ser o consorte da

Deusa do Solrdquo devendo-se ter em consideraccedilatildeo o uso dos termos duacutebios ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo

como uma tentativa de aproximar a realidade mitoloacutegica japonesa ao entendimento do puacuteblico

ldquoocidentalrdquo por parte de Aston Autor desta traduccedilatildeo do Nihon shoki publicado sob o nome

de Nihongi Chronicles of Japan from the Earliest Times to AD697 (1972) Aston diz que a

Terra eacute o domiacutenio do ldquomeiordquo e refere-se ao arquipeacutelago do Japatildeo formalmente conhecido

como ldquoToyo-ashi-hara-chi-woaki no midzu-hordquo que numa versatildeo da ldquohistoacuteriardquo acerca das

origens dos trecircs irmatildeos kami (Amaterasu Tsukiyomi e Susano-o) pertenceria a Susano-o-no-

mikoto Kami de temperamento feroz e personalidade cruel Susano-o provoca Desordem ao

negligenciar a terra e as suas populaccedilotildees Exilado no Ne-no-kuni por ordem de Izanagi e

Izanami Susano-o torna-se o governante daquele mundo 49

O segundo relato da divisatildeo dos trecircs ldquomundosrdquo pelo trio de irmatildeos - cujo nascimento

eacute possivelmente inspirado na narrativa do Kojiki que descreve a fuga de Izanagi do Yomi-no-

kuni Amaterasu nasce apoacutes este lavar o olho esquerdo sendo-lhe entregue Takamagahara a

ldquoPlaniacutecie Elevada do Ceacuteurdquo Tsukiyomi nasce do olho direito e recebe o vasto domiacutenio do

oceano Por fim Susano-o nasce do nariz de Izanagi e apesar de herdar o domiacutenio do meio

(Terra) acaba por ser banido para o ldquomundo inferiorrdquo como puniccedilatildeo pela sua negligecircncia 50

47

TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 48

MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018) 49

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 9-12 50

TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 28

Com efeito o domiacutenio subterracircneo estaacute sempre presente nas narrativas do Kojiki e

Nihon shoki recebendo um papel de destaque ou secundaacuterio o que por sua vez natildeo implica a

sua ausecircncia em outras fontes numerosas referecircncias a ldquomundosrdquo incompreensiacuteveis e para laacute

da realidade fiacutesica diversificam a visatildeo japonesa de um ldquooutro mundordquo (takaikan 他界観)

geralmente considerado como um ldquooutro mundordquo longiacutenquo ldquooceacircnicordquo feacutertil e uma terra de

imortalidade observando-se um paralelo com o conceito taoiacutesta de uma Terra dos Imortais (a

ilha de Peng-lai ou Hōrai-jima em japonecircs 蓬莱島) a Terra das Raiacutezes (Ne-no-kuni 根国)

pode ser ldquovisitadardquo atraveacutes de uma caverna supostamente localizada em Iga proviacutencia de

Izumo atual prefeitura de Shimane e eacute governada por Susano-o-no-mikoto 51

O reconhecimento de uma divisatildeo tripartida do mundo repercute-se no Kojiki ateacute

um certo momento Izanagi e Izanami detinham domiacutenio conjunto sobre a Terra um ldquomundordquo

modelado pelas suas proacuteprias accedilotildees enquanto ldquocriadoresrdquo de kuni e kami Takamagahara

pertencia aos amatsu-no-kami o Yomi-no-kuni natildeo pertencia a ningueacutem em concreto embora

jaacute fosse um mundo habitaacutevel per si Com a dissoluccedilatildeo do matrimoacutenio de Izanagi e Izanami a

situaccedilatildeo muda por completo eacute necessaacuterio criar novos liacutederes capazes de garantir o equiliacutebrio

entre os mundos da superfiacutecie uma vez que Izanami (esteacuteril) eacute agora a uacutenica governante do

Yomi Em suma pretende-se uma nova geraccedilatildeo para uma nova ordem tornando Izanagi no

ldquoprogenitorrdquo de um conjunto de kami Natildeo existindo qualquer ato sexual propriamente dito os

kami ldquotornam-serdquo como consequecircncia direta dos seus atos de purificaccedilatildeo (misogi)

Neste sentido agrave medida que Izanagi se despe para lavar o seu corpo da ldquosujidaderdquo

(kegare穢) do Yomi-no-kuni surgem vaacuterios kami dos seus acessoacuterios (cana obi isto eacute a peccedila

de tecido usada em torno da cintura que prende a veste tradicional japonesa) a sua espada e

roupa bem como de alguns kami que se ldquotornamrdquo em simultacircneo com a lavagem do corpo

numa nascente Por fim manifesta-se o trio de irmatildeos que herdaria uma das trecircs partes do

mundo tal como ordenado por Izanagi a Amaterasu de aparecircncia resplandecente capaz de

iluminar os ceacuteus recebe Takamagahara uma posiccedilatildeo legitimada por Izanagi que lhe oferece

um acessoacuterio para pendurar ao pescoccedilo o seu irmatildeo Tsukuyomi-no-mikoto (月読の命) e kami

da Lua eacute adequadamente encarregue do yoru no osu kuni (夜之食国) - entendido por Takeda

como yoru no sekai literalmente o ldquomundo da noiterdquo Susano-o-no-mikoto (須佐之男命) e

kami das tempestades (arashi no kami 嵐の神) manifestando uma personalidade tempestuosa

51

MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018)

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e conflituosa recebe a tarefa de governar a lsquoplaniacutecie dos maresrsquo (unabara 海原) expressatildeo

que designa um domiacutenio terreno (kuni) e natildeo algo pertencente ao mundo marinho (tal como eacute

sugerido pelo kanji de umi ou ldquomarrdquo) 52

De entre os trecircs mencionados kami Susano-o eacute notoriamente o mais invejoso

procurando humilhar a sua irmatilde ao ponto de esta se refugiar numa caverna a ldquoPedra-caverna

do Ceacuteurdquo (Ama no Iwato (天の岩戸) Consequentemente ldquotoda a Alta Planiacutecie do Ceacuteu tornou-

se escura e toda a Terra Central das Planiacutecies de Junco estava escura tambeacutem Por causa disto

noite eterna reinavardquo 53

Em outras palavras a ausecircncia de Amaterasu estaacute conotada com um

estado de Desordem do proacuteprio cosmos um caos que necessita de regressar ao seu estado de

Ordem o quanto antes sendo que Susano-o eacute o agente da Desordem e a sua irmatilde a agente da

Ordem traccedilada por Izanagi

Amaterasu soacute retoma as suas responsabilidades de guardiatilde de Takamagahara e por

associaccedilatildeo da ldquoTerra Central das Planiacutecies de Juncordquo devido ao esforccedilo conjunto das ldquooito

miriacuteades de kami reunidas na margem do Paciacutefico Rio do Ceacuteu numa reuniatildeo divinardquo o

episoacutedio em si eacute uma histoacuteria de elevado cariz sexual protagonizada por Amaterasu tem como

antagonista Susano-o e inclui alguns kami que apesar de serem personagens secundaacuterias satildeo

essenciais para a devoluccedilatildeo do mundo ao seu estado de Ordem cada kami tenta fazer com que

Amaterasu saia do esconderijo convocando-se outros kami para o efeito Cabe a Ame-no-

uzume-no-mikoto (天宇受売命) a uacuteltima tentativa executando uma danccedila muito provocante

durante um ldquoestado alterado de consciecircnciardquo e como resultado todos os kami riem-se A

curiosa Amaterasu interroga-se sobre o porquecirc desta comoccedilatildeo e eacute atraiacuteda para fora da caverna

ficando temporariamente cega ao ver o seu proacuteprio reflexo num espelho permitindo aos kami

selarem definitivamente a Ama no Iwato trazendo a luz de volta ao mundo e com ela a

Ordem 54

O episoacutedio tambeacutem constitui uma das referecircncias mais antigas e descritivas de rituais

executados em shintō o elemento da danccedila de entretenimento (kagura) eacute uma das partes

integrais da cerimoacutenia de dedicaccedilatildeo aos kami nos santuaacuterios e neste mito em particular possui

claramente uma intenccedilatildeo de reordenaccedilatildeo Ame-no-uzume-mo-mikoto pode ser interpretada

como um protoacutetipo de uma miko (巫女) embora ecoando uma imagem provocante (a danccedila e

52

TAKEDA Tsunegaki op cit pp38-41 53

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 129-130 54

TAKEDA Tsunegaki op cit pp 50-52

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 30

a o vestuaacuterio) diferente da imagem tiacutepica de uma miko Ono Sokyō descreve-as como

ldquofuncionaacuterias puacuteblicasrdquo e filhas de sacerdotes ou locais residentes cujos deveres para com o

jinja findam quando se casam sendo substituiacutedas por outras A sua funccedilatildeo prende-se com o

ldquoritualrdquo auxiliando os responsaacuteveis pelos jinja na preparaccedilatildeo das cerimoacutenias 55

Natildeo obstante a kami atua como representante da classe Sarume (猿女) uma das

primeiras quatro classes sacerdotais geralmente composta por danccedilarinos e cuja linhagem

remontaria a Ame-no-uzume-no-mikoto esposa de Sarutahiko-no-kami o kami associado agrave

fertilidade e ao ato sexual Por sua vez se os Nakatomi (中臣) retraccedilam as suas origens a

Ame-no-koyane-no-mikoto (天児屋命) 56

realizavam ritos e entoavam norito os Inbe (斎部)

encarregavam-se dos rituais de abstenccedilatildeo garantindo uma ldquopureza cerimonial a fim de afastar

poluiccedilatildeo e manter contacto constante com os kamirdquo 57

descendendo do kami responsaacutevel por

selar a Ama no Iwato (Futodama-no-mikoto 布刀玉命 ) 58

Quanto aos Urabe (卜部 )

responsabilizavam-se por ldquoadivinharrdquo da vontade dos kami 57

agrave semelhanccedila dos ldquoadivinhosrdquo

da dinastia chinesa Zhou que recorriam agrave leitura das fissuras das carapaccedilas de tartaruga e

omoplatas de gado depositadas no fogo

Aleacutem do elemento de danccedila o episoacutedio regista a presenccedila de oferendas (shinsen神

饌) praacutetica que corresponde atualmente agrave ldquosegunda faserdquo dos rituais (de Ordem) em shintō

no mito shinsen satildeo substituiacutedas por tamagushi (玉串) - ramos da aacutervore sakaki (榊) em

torno dos quais satildeo atadas as ldquojoacuteias curvasrdquo (magatama 勾玉) - e eacute claro o espelho por sua

vez interpretado por Takeda como o ceacutelebre Yata no kagami (八咫鏡) um dos trecircs siacutembolos

da casa imperial (sanshū no jingi 三種の神器) juntamente com a ldquojoacuteia curvardquo Yasakani no

magatama (八尺瓊曲玉)

O uacutenico siacutembolo ausente eacute a espada Kusanagi no KenTsurugi (草薙剣) que soacute surge

efetivamente no episoacutedio seguinte narrando-se o desterrar de Susano-o para a Terra apoacutes ter

sofrido derrota agraves matildeos da irmatilde que por sua vez se refugiaria temporariamente na Ama no

Iwato como jaacute mencionado anteriormente Susano-o negligenciava constantemente o seu

domiacutenio a sua maior ambiccedilatildeo era ocupar o trono de Amaterasu em Takamagahara

competindo sempre que podia com a irmatilde sendo que um dos seus desafios testava a

capacidade de reproduccedilatildeo enquanto kami-progenitores Uma vez que os filhos de Amaterasu

55

ONO Sokyō op cit pp 41-44 56

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 133-136

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 31

nascem primeiro 57

confirma-se a posiccedilatildeo desta kami como governante uacutenica dos assuntos do

ldquodomiacutenio superiorrdquo

De orgulho ferido Susano-o lsquodescarregarsquo a sua raiva e eacute punido pelos seus atos

(neste contexto o uso da palavra tsumi [罪] especifica a natureza ofensiva das accedilotildees de

Susano-o) passando a servir os outros kami como forma de arrependimento cometendo um

uacuteltimo ato atroz mas invulgarmente necessaacuterio o kami mata a kami da comida Ōgetsuhime-

no-kami 58

(大気都比売神 tambeacutem identificada como Toyo-uke-hime-no-kami) e do seu

cadaacutever nascem os cinco cereais fundamentais para a atividade agriacutecola 59

Por outras

palavras a atitude violenta de Susano-o revela-se beneacutefica e natildeo prejudicial como em outros

episoacutedios tornando esta personagem uma espeacutecie de ldquomal necessaacuteriordquo

Em Izumo Susano-o adquire um estatuto equivalente ao de heroacutei o kami viaja pela

terra ateacute se deparar com um casal de kami cujas filhas tinham sido constantemente devoradas

por um terriacutevel ser de oito cabeccedilas (Yamata no Orochi八岐大蛇) Prometendo ajudar o casal

em troca da matildeo da uacuteltima filha Susano-o embriaga a serpente e decepa-lhe a cauda da qual

misteriosamente emerge a Kusanagi no tsurugi Desposando Kushi-na-ta-hime (櫛名田比売)

Susano-o fixa-se definitivamente em Izumo 60

Ora a derradeira meta de Susano-o eacute nada mais do que adquirir influecircncia

comparaacutevel agrave da sua irmatilde criando vaacuterias linhagens de kami (unindo-se em matrimoacutenio agraves

filhas de outros kami) cujas crianccedilas pudessem assumir a responsabilidade de ldquocriarrdquo novos

domiacutenios no arquipeacutelago japonecircs De entre os descendentes de Susano-o destacar-se-ia

Ōkuninushi-nushi-no-kami (大国主神) - literalmente ldquoo kami que governa os kunirdquo (kuni wo

shihaisuru kami国を支配する神) - Seguindo nas pisadas do casal Izanagi e Izanami e do

seu antepassado Susano-o Ōkuninushi empenhar-se-ia na ldquoconstruccedilatildeo da terrardquo 60

Por sua

vez Amaterasu e o seu consorte Taka-musubi-no-kami ldquodecidem estabelecer domiacutenio celesterdquo

57

TAKEDA Tsunegaki op cit pp45-47 58

AKEDA Tsunegaki op cit pp54-55 59

Curiosamente no episoacutedio de Tsukuyomi e Ukemochi (Nihon shoki) constata-se um grande paralelo com o

mito anterior Tsukuyomi mata Ukemochi-no-mikoto num acesso de raiva pela mesma razatildeo que Susano-o

Ukemochi tinha produzido comida pela boca efetivamente ldquosujando-ardquo (kegare) Como resultado Amaterasu

afasta-se definitivamente de Tsukuyomi dando iniacutecio agrave sucessatildeo dos dias e das noites Entretanto do cadaacutever da

kami brotam alimentos que seriam cultivados para consumo humano (gado arroz trigo etc) Nihonsinwa ldquo第

五段一書(十一)ウツシキアオヒトクサrdquo (Quinta secccedilatildeo 11 Utsushiki-aohitokusa) 日本書紀神代上

(Nihon shoki Kami-yo Parte Superior) (on line) lthttpnihonsinwacompage699htmlgt (consultado em 24-06-

2018) 60

TAKEDA Tsunegaki op cit pp55-60

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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sobre o Ashihara Nakatsu kuni (葦原中国) tornando o territoacuterio oficialmente pertenccedila dos

amatsu-no-kami 61

Duas geraccedilotildees mais tarde Ninigi (neto de Amaterasu e Taka-musubi) desceria ao

domiacutenio do meio e receberia de Amaterasu as sanshū jingi (espada espelho e magatama)

oficializando o novo regime de governaccedilatildeo honrado pelo seu bisneto o futuro primeiro

Imperador humano do Japatildeo que adotaria o nome de Jinmu (神武) no seguimento das suas

campanhas bem-sucedidas contra os descendentes dos kunitsu-no-kami na planiacutecie de Yamato

61 No fundo constata-se uma segunda interrupccedilatildeo da ordem do cosmos cuja reposiccedilatildeo por

Ninigi e Jinmu definiria a nova reparticcedilatildeo do mundo Takamagahara continuaria a ser

governado por Amaterasu representante por excelecircncia dos amatsu-no-kami sendo que o

ldquodomiacutenio do meiordquo permaneceria sob o controlo da famiacutelia imperial cuja linhagem

descenderia diretamente de Amaterasu natildeo do seu irmatildeo Susano-o

12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora

Natildeo obstante o episoacutedio da descida de Ninigi e o relato da vitoacuteria de Jinmu sobre os

seus inimigos fazem parte de uma cuidadosa estrateacutegia poliacutetica enraizada na proacutepria corte

reconhecendo-se o papel de Amaterasu (Kojiki) ou de Taka-musubi-no-kami (Nihon shoki) 62

no processo de legitimaccedilatildeo da soberania da famiacutelia imperial sobre o territoacuterio japonecircs Em

ambos casos o resultado eacute o mesmo contraria-se o sistema caracterizado por unidades

familiares que detinham domiacutenio sobre um ou mais territoacuterios emergindo uma nova ordem

poliacutetica sediada na planiacutecie do Yamato e cujo liacuteder adota o tiacutetulo de Imperador (tennō 天皇)

destacando-se de outros liacutederes familiares pelo seu interesse para com sistemas e ideias vindas

de fora tais como as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda

121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa

No primeiro caso a tradiccedilatildeo confuciana introduz-se na esfera da educaccedilatildeo de corte

tornando-se indispensaacutevel para a criaccedilatildeo de poesia (ao estilo chinecircs natildeo japonecircs) e uma

61

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 62

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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influecircncia nos comentaacuterios de capiacutetulos do Nihon shoki 63

De entre as vaacuterias escolas de

pensamento a de Zhu Xi tornar-se-ia extremamente popular dentro do sacerdoacutecio shintō

culminando na criaccedilatildeo de Suika shintō (垂加神道) por parte de Yamazaki Ansai (山崎 闇

斎 1612-1682) que enfatizava uma ldquoGrande Viardquo estabelecida por Amaterasu produzindo

um novo conceito de ldquoreverecircncia para o imperadorrdquo ligado com a noccedilatildeo de Japatildeo como a

ldquoterra dos kamirdquo 64

Durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) a relaccedilatildeo entre confucionismo e shintō seria

levada a um outro patamar nascendo juka shintō (儒家神道) Fundamentando a teoria de que

estes dois sistemas eram um (shinju icchi神儒一致) 65

este tipo de shintō contribuiria para

criaccedilatildeo de outras vertentes natildeo tanto focadas na praacutetica de ritual mas antes na anaacutelise e

exposiccedilatildeo teoacuterica deste uacuteltimo e consequentemente a reinterpretaccedilatildeo de conceitos e ideias

shintō ao estilo confuciano por exemplo a linha de pensamento de Aizawa Seishizai (会沢

正志斎 1782-1863) atribui a Amaterasu qualidades como lealdade e piedade filial fazendo

de shintō uma ldquoVia Confucianardquo onde ldquoordem social construiacutea-se sobre lealdade e devoccedilatildeo

filial (hellip) para sempre envigorada pela atuaccedilatildeo exemplar do Imperador de atos rituais na

presenccedila da sua antepassada a deusa-solrdquo 66

Contudo a chegada de um periacuteodo moderno faz estender esta tradiccedilatildeo a outros

domiacutenios aleacutem de jinja shintō os setores confucianos de kyōha shintō (教派神道 )

denominados Shintō Shūseiha (神道修成派) e Shintō Taiseikyō (神道大成教) Tanto num

caso como no outro a linha de pensamento dos grupos eacute modelada pela vivecircncia do

ldquoorganizadorrdquo ou ldquofundadorrdquo por exemplo Nitta Kuniteru (新田 邦光 1829-1902) possuiacutea

uma visatildeo poliacutetica profundamente ldquolealistardquo focada na reverecircncia ao Imperador e na exclusatildeo

de ideias ldquoocidentaisrdquo que supostamente acelerassem o desenvolvimento do Japatildeo

Familiarizado com os claacutessicos confucianos e a Via do bushi (武士道) Nitta desenvolveria

com os seus companheiros uma mentalidade proacutepria que elevava shintō ao estatuto de uma

63

YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious

and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 64

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 311-312 65

YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious

and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 66

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 p69

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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ldquoGrande Viardquo associada a obrigaccedilotildees morais patriotismo que deviam ser sempre praticados

pelos japoneses o que iria ao encontro das ideias do governo Meiji 67

Em 1876 o poder poliacutetico reconheceria Shūsei Kōsha (修成構社) ndash o grupo fundado

por Nitta ndash como um grupo independente nascendo oficialmente a Shintō Shūseiha uma

organizaccedilatildeo que possuiacutea dois grupos distintos de aderentes por um lado os estudantes de

Nitta do final do periacuteodo Edo por outro membros de outros grupos que se tinham juntado a

Shūseiha apoacutes a restauraccedilatildeo Meiji (1868) 68

No que concerne aos seus ensinamentos combinavam-se conceitos de shintō (kami)

com ldquoelementos da cosmologia de pensamento neo-confuciano e outras crenccedilas sincreacuteticasrdquo

notando-se a importacircncia do Nihon shoki e do Kojiki (de onde derivam os termos shū ndash shūri

修理 reparaccedilatildeo ndash e sei ndash de kōusei 構成 consolidaccedilatildeo) entre outros textos eacute no princiacutepio de

shūsei que ldquojaz a lei fundamental da evoluccedilatildeo do universo (hellip) o processo da humanidade e o

avanccedilar da sociedade se devem agrave operaccedilatildeo deste princiacutepio uacutenicordquo consolidado pela

observaccedilatildeo da ldquolei moral e os meios pelos quais os assuntos da famiacutelia e sociedade satildeo

administradosrdquo Enfatizando uma atitude de veneraccedilatildeo aos kami aos antepassados e eacute claro o

desenvolvimento de caraacutecter do individuo que devia atuar de forma correta mantendo

ldquotemperanccedila e frugalidaderdquo 69

shūseiha propotildee uma mistura de praacutetica e doutrina orientada

para o indiviacuteduo podendo ser interpretada como uma ldquodisciplinardquo que o guiasse ao longo da

sua vida natildeo muito diferente da proposta de shintō

Por outro lado Hirayama Seisai ( 平山省斎 1815-1890) acumulou cargos

governamentais e dedicou-se aos estudos de Chinecircs e Kokugaku em Edo No periacuteodo poacutes-

restauraccedilatildeo Meiji Hirayama teraacute inaugurado uma escola de estudos chineses no periacuteodo

gradualmente envolvendo-se em assuntos de cariz ldquoreligiosordquo ndash tornou-se sacerdote-liacuteder em

santuaacuterios relevantes como o de Hikawa e de Hie ndash ao ponto de formar em 1879 a Taisei

Kyōkai (大成教会) que em 1882 ganharia independecircncia e acomodaria dezenas de grupos

Shintō Taiseikyō 70

Enaltecendo o caraacutecter educativo de shintō o setor considera a veneraccedilatildeo dos jingi e

dos antepassados (o que em termos tradicionais natildeo representa nada de novo) como

responsabilidade do indiviacuteduo que por sua vez deve alcanccedilar a felicidade e viver ldquobemrdquo o que

67

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 68

INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29

(3-4) 2002 pp 405-427 69

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 70

INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29

(3-4) 2002 pp 405-427Studies

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 35

estaacute de acordo com a visatildeo positiva de shintō em relaccedilatildeo ao indiviacuteduo Uma vez que o ser

humano possui ldquobons espiacuteritosrdquo (possivelmente a tradiccedilatildeo original seria uma ldquoboardquo tamashii)

este tem a capacidade inerente de se autodisciplinar e autorreformar atraveacutes do devido esforccedilo

devendo confiar e executar o ritual ldquoagrave maneira de geraccedilotildees sucessivas de Cortes Imperiaisrdquo 70

Com efeito Taiseikyō procura honrar a tradiccedilatildeo de jinja shintō e reforccedila a ideia de que shintō

eacute para todos os efeitos uma Via criada para os humanos

29 (3-4) 2002 pp 405-427

122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos kami

A segunda Via enfatiza a natureza ritual de shintō e eacute acolhida com o maior

entusiasmo pelo poder poliacutetico como se constata na narrativa cosmoloacutegica do Nihon shoki no

uso de espadas e espelhos em contexto ritual nos cultos ao Imperador agrave Estrela Polar e agrave

Ursa Maior 71

A Via do Dao definir-se-ia entatildeo como uma espeacutecie de auxiliar ao culto jingi

que se encontrava ao serviccedilo da corte imperial isto eacute da esfera privada agrave necessidade de

venerar os kami juntar-se-ia a atuaccedilatildeo poliacutetica uma noccedilatildeo expressa no conceito de

matsurigoto (政) Posteriormente recuperado e adaptado agrave mentalidade Meiji designando-se

saisei icchi (祭政一致) o princiacutepio de unidade da execuccedilatildeo dos ritosveneraccedilatildeo dos kami e de

governar o territoacuterio matsurigoto parece harmonizar os aspetos rituais e poliacuteticos dentro do

territoacuterio japonecircs algo reconhecido por Ono Sokyō no seu entender ldquofestivais e ritos para

vaacuterios kami tutelares e a administraccedilatildeo de clatildes e sociedade local eram essencialmente uma

uacutenica funccedilatildeordquo 72

Essecircncia do ritual em jinja shintō e kōshitsu shintō os matsuri satildeo tanto ocasiotildees

festivas e alegres como possuem um aspeto mais soacutebrio e solene sobretudo se realizados por

indiviacuteduos ligados ao poder poliacutetico no caso dos ldquoritos imperiaisrdquo deve-se incluir o lsquomatsuri

das origensrsquo (Genshi-sai元始祭 3 de Janeiro) a celebraccedilatildeo da passagem das estaccedilotildees do ano

- a Primavera (Shunki Shindensai 春季神殿祭 e Shunki Kōreisai 春季皇霊祭) e Outono

(Shūki Shindensai 秋季神殿祭 e Shūki Kōreisai 秋季皇霊祭 ) Acrescenta-se ainda o

Niinamesai (新嘗祭 23 de novembro) e o Kannamesai (神嘗祭 17 de outubro) 73

um dos

treze principais matsuri listados e calendarizados no Jingiryō

71

KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981

pp 1-21 72

ONO Sokyō op cit p76 73

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 79-80 p96

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 36

Supervisionados pelo Jingikan (神祇官) estes treze matsuri eram hierarquizados em

ldquomaiorrdquo ldquomedianordquo e ldquomenorrdquo ndash os ritos de maior importacircncia (taishi) eram celebrados

durante todo o mecircs os chūshi duravam trecircs dias e os shōshi apenas um dia 74

Kinensai

(ldquocerimoacutenia de preces para o Anordquo) era celebrado no segundo mecircs Chinkasai (ldquocerimoacutenia de

pacificaccedilatildeo das floresrdquo) no terceiro mecircs Kanmisosai (de caraacutecter bianual) no quarto e nono

meses Ōimisai (realizado no jinja de Hirose) no quarto e seacutetimo mecircs Saigusasai (realizado

no jinja de Ōmiwa) e Fūjinsai (matsuri em honra do kami do vento) no quarto e seacutetimo mecircs

No sexto e deacutecimo segundo mecircs celebrava-se o Tsukinamisai algo replicado no Chinkasai

(rdquocerimoacutenia da pacificaccedilatildeo do fogordquo) e Michiaesai (ldquocerimoacutenia dos quatro campos da

capitalrdquo) Quanto ao nono mecircs este estava reservado para o Kannamesai (ldquocerimoacutenia da

degustaccedilatildeo divina dos frutosrdquo) seguido do Ainamesai (ldquocerimoacutenia de partilha dos frutosrdquo) o

Chinkonsai (rdquocerimoacutenia para a pacificaccedilatildeo do espiacuteritos augustosrdquo) e o Daijōsai (rdquogrande

cerimoacutenia de degustaccedilatildeo dos frutosrdquo) agendados no deacutecimo primeiro mecircs 75

No fundo o Jingikan regulava o modo de veneraccedilatildeo dos jingi cujas metas revolviam

sempre em torno do bem puacuteblico obtenccedilatildeo de boas colheitas garantia da ldquosauacutede e seguranccedila

do imperador do palaacutecio e da capitalrdquo e eacute claro proteccedilatildeo contra invasotildees rebeliotildees e doenccedilas

que afetassem a populaccedilatildeo 76

o palaacutecio imperial era nada mais do que um centro de ritual e a

elite qualificada da capital a grande autoridade sobre todos os assuntos shintō e taoiacutestas

Como se pode constatar as atividades desta instituiccedilatildeo complementavam-se com a

atuaccedilatildeo do Escritoacuterio Yin-Yang (Onmyōryō 陰陽寮) Operado por dezenas de indiviacuteduos

empenhados na manutenccedilatildeo do equiliacutebrio coacutesmico atraveacutes dos mais diversos meios

(astronomia calendarizaccedilatildeo e adivinhaccedilatildeo yin-yang este oacutergatildeo seria o siacutembolo da adaptaccedilatildeo

da escola de pensamento on-myōdō ( 陰 陽 道 ) ao contexto japonecircs permitindo o

desenvolvimento de certas praacuteticas hoje aceites na cultura japonesa como formas de

lsquosupersticcedilatildeorsquo ou lsquomagiarsquo por exemplo a adivinhaccedilatildeo baseada nos signos do zodiacuteaco chinecircs

ou direccedilotildees da buacutessola 77

74

HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 75

TAKASHIO Hiroshi ldquoJingiryōrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices

Ancient (on-line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23330gt

(consultado em 24-06-2018) 76

BREEN John TEEUWEN Mark op cit p32 pp36-37 77

HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 37

Durante o Periacuteodo Heian (794-1185) as proacuteprias cerimoacutenias onmyōdō adaptam-se

aos rituais estatais (positivos) sendo ldquointroduzidas como ritos de proteccedilatildeo pessoal para o

imperadorrdquo dirigidos a ldquocorpos celestiaisrdquo e aos kami Uns seacuteculos mais tarde a Via do Dao

tornar-se-ia objeto de interesse pelas ldquopessoas comunsrdquo que patrocinavam ldquoritosrdquo e

praticavam ldquomagia pessoal para convidar becircnccedilatildeos e evitar maacute-sorterdquo 77

Neste sentido on-

myōdō reconhecia a existecircncia de forccedilas ldquonegativasrdquo que deviam ser eliminadas e pacificadas

claramente enriquecendo a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo em shintō

Uma Via fundada e divulgada por certas famiacutelias que lhe enalteciam um aspeto

ldquomaacutegicordquo onmyōdō conheceria especial popularidade em algumas escolas de pensamento

refletindo a existecircncia de movimentos internos da proacutepria Via dos kami que conjugavam o

aspeto mais praacutetico com a exposiccedilatildeo teoacuterica desta uacuteltima Assim onmyōdō tornar-se-ia uma

referecircncia para os autores responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de Ise shintō (伊勢神道 ) e Yoshida

shintō (吉田神道) ambas possuindo uma relaccedilatildeo bastante familial os principais autores e

comentadores provinham de famiacutelias associados a um santuaacuterio especiacutefico sendo que os

Watarai de Ise shintō pertenciam ao Palaacutecio Externo (Gekū外宮) de Ise os Urabe de Yoshida

shintō uma das famiacutelias mais influentes no Jingikan ocupavam cargos de lsquosacerdotesrsquo em

Quioto concretamente nos jinja de Hirano Yoshida e Ume no Miya 78

Aleacutem de partilharem dos mesmos sentimentos de rejeiccedilatildeo face agrave doutrina honji-

suijaku (本地垂迹 ) que reduziria os kami a incarnaccedilotildees de bodhisattvas e budas e

consequentemente subordinando shintō agrave Via do Buda ndash revertendo a relaccedilatildeo shinbutsu ou

seja tornando as ldquodivindades budistasrdquo como manifestaccedilotildees de kami 79

as escolas estavam

familiarizadas com princiacutepios da cosmologia chinesa o Ruiju jingi hongen (類聚神祇本源

composto em 1320) de Watarai Ieyuki (度会 家行 1255-1351) expocircs a sua ldquoa teoria de Yin-

Yang e as Cinco Fases da Mateacuteria (inyō gogyō) no contexto de uma descriccedilatildeo da criaccedilatildeo do

ceacuteu e da terrardquo recorrendo agraves obras do filoacutesofo chinecircs Zhou Dunyi (周敦頤 1017-1073)

ceacutelebre pensador ldquoneo-confucianordquo e autor de um comentaacuterio ao Claacutessico das Mutaccedilotildees

(Yijing 易經 em japonecircs Eki-kyō 易経) e do ensaio de exposiccedilatildeo sobre o diagrama do

extremo supremo (taiji tushuo 太極圖說 taikyo kuzu) 80

Argumentando acerca do ldquoiniacutecio

como o iniacutecio e a origem como a origemrdquo Ieyuki considera o organismo humano como o

78

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 79

PICKEN Stuart op cit p173 80

YAO Xinzhong An Introduction to Confucianism New York Cambridge University Press 2000 pp98-99

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 38

coletivo dos cinco elementos que ldquocomungam com a origem da naturezardquo agrave qual se deve

regressar e entrar 81

No caso da escola Yoshida Yoshida Kanetomo (吉田兼俱 1435-1511) autor da

obra Shintō Taii (神道大尉) estabelece paralelos tais como ldquosete aberturas da cabeccedila com as

sete estrelas do ceacuteu e os cinco oacutergatildeos internos com as cinco fases da mateacuteria na terrardquo 82

por

conseguinte kami seriam descritos como uma forma de taiji (taikyo) a ldquoabsoluta existecircncia

anterior agrave formaccedilatildeo do ceacuteu e da terra transcendendo yin e yang embora sendo capaz de agir

com estas mesmas forccedilasrdquo uma vez que natildeo possuem forma concreta os kami possuiacuteam o

atributo da ldquocriatividaderdquo modelando todas as coisas existentes no mundo 83

Supervisionado pelo Ministeacuterio dos Assuntos Internos sob o coacutedigo ritsuryō o

Onmyōryō tornar-se-ia o palco de rivalidades familiares entre clatildes como os Abe (associados agrave

astrologia) e os Kamo (especialistas nas ciecircncias calendares) No periacuteodo Muromachi a

linhagem Abe (Tsuchimikado土御門) assumiria a posiccedilatildeo hereditaacuteria de superintendentes da

instituiccedilatildeo sendo que a casa dos Kamo (Kōtokui 幸徳井) contentar-se-ia com o segundo

lugar ocupando o cargo de vice-liacuteder No Periacuteodo Edo as disputas de autoridade em mateacuterias

de ritual condicionariam a crescente competiccedilatildeo entre os Tsuchimikado e uma terceira casa

os Yoshida se os Tsuchimikado seriam reconhecidos pelo bakufu como os responsaacuteveis pela

nomeaccedilatildeo dos lsquomestres do yin-yangrsquo (onmyōji 陰陽師) os Yoshida encarregar-se-iam dos

sacerdotes shintō 84

Em 1682 Tsuchimikado Yasutomi (土御門泰福 1655-1717) criaria

uma nova doutrina inspirada no pensamento de Yamazaki Ansai e de alguns pensadores de

Ise shintō bem como controlava e garantia ldquolicenccedilas a praticantes Yin-Yang pelas proviacutenciasrdquo

85

Na atualidade elementos de onmyōdō podem ser encontrados nas vaacuterias ramificaccedilotildees

de shintō tomando-se o exemplo de Tensha Tsuchimikado Shintō (天社土御門神道 )

Inspirada pela escola de Yasutomi e criada no poacutes-1945 como consequecircncia da concessatildeo de

liberdade religiosa esta organizaccedilatildeo centra-se na cerimoacutenia tensō chifusai (天曹地府祭) Um

81

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p176 82

HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 83

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 84

NISHIOKA Kazuhiko ldquoTsuchimikado Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and

Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22576gt (consultado em 24-06-2018) 85

INOUE Nobutaka ldquoTsuchimikado Yasutomirdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities

(on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22771gt (consultado em

24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 39

matsuri de caraacutecter imperial tensō chifusai procurava a transmissatildeo dos ldquodesejosrdquo do novo

Imperador agraves ldquodivindadesrdquo on-myō embora gradualmente adquirisse popularidade junto dos

Tsuchimikado Praticada no seu jinja dedicado a Taizan Fukun 85

(泰山夫君) ndash em contexto

chinecircs atuava como magistrado do domiacutenio dos mortos e era um subordinado de Yama (em

japonecircs Enma閻魔) 86

ndash a cerimoacutenia garantiria longevidade e seguranccedila do novo imperador

bem como a manutenccedilatildeo do estado de paz no territoacuterio do Japatildeo e o bem-estar dos suacutebditos 85

as necessidades do coletivo pesavam mais do que as individuais

123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu

Apesar da influecircncia significativa do confucionismo e do taoiacutesmo em shintō ambos

sistemas de pensamento chinecircs natildeo partilham da categoria moderna de shūkyō no campo da

estatiacutestica japonesa apenas a Via do Buda eacute hoje reconhecido como tal juntando-se a shintō e

ao cristianismo trecircs ldquoreligiotildeesrdquo cujo impacto alterou a paisagem cultural japonesa embora a

quantidade de igrejas dificilmente se compara aos milhares de jinja e tera ou jirsquoin (templos

budistas) observando-se igualmente a presenccedila de determinados cultos e tendecircncias que

demonstram o caraacutecter sincreacutetico da relaccedilatildeo shinbutsu

No entanto os atos de veneraccedilatildeo aos kami eram na sua origem considerados como a

antiacutetese da Via do Buda dificultando tentativas de aproximaccedilatildeo entre os ldquocultosrdquo segundo os

decretos imperiais do Nihon shoki shintō ndash interpretado como kannagara (惟神 随神)

designando uma praacutetica delegada por Amaterasu aos seus descendentes e que seria traduzida

como ldquoseguir Shinto (hellip) ou carregar Shinto de forma naturalrdquo - e buppōbutsudō eram

encarados com respeito ou desdeacutem 87

No periacuteodo de governaccedilatildeo do Imperador Yōmei (用明

天皇) ambas eram consideras tradiccedilotildees vaacutelidas a seguir uma vez que este ldquoacredita na lei do

Buda e respeita shendaordquo (天皇信仏法尊神道) 88

um termo mais tarde identificado com

shintō

86

MASUO Shinrsquoichirō ldquoChinese Religion and the Formation of Onmyōdōrdquo Nanzan Institute for Religion and

Culture Japanese Journal of Religious Studies nordm 40 (1) 2013 pp 19ndash43 87

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 253-258 88

Durante o primeiro ano do reinado do imperador Kōtoku (孝徳天皇 supostamente ldquorespeita-se a lei do Buda

e ter shendao em pouca consideraccedilatildeordquo (尊仏法軽神道) SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon

shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 40

Por volta da reforma Taika de 645 os ldquorituais budistasrdquo tinham encontrado o seu

lugar no palaacutecio imperial interagindo com os ritos para os kami 89

condicionando um cenaacuterio

de competiccedilatildeo que forccedilaria a adaptaccedilatildeo de shintō face a estas novas escolas e vice-versa

Destacando-se como uma nova forma de lei e doutrina inovadora cujo impacto se estenderia a

vaacuterias aacutereas nomeadamente arte arquitetura educaccedilatildeo e literatura a Via do Buda eacute elevada

ao estatuto de protetora do domiacutenio do Japatildeo o que natildeo implica uma relaccedilatildeo antagoacutenica com

o culto jingi antes pelo contraacuterio

Durante os periacuteodos Nara-Heian constroem-se os primeiros espaccedilos de veneraccedilatildeo

conjunta de kami e budas (jingū-ji (神宮寺) Todavia a contiacutenua associaccedilatildeo da nova Via agrave

vida aristocraacutetica reforccedilaria a ligaccedilatildeo dos cultos aos kami com as pessoas comuns 90

shintō

permanecia a religiatildeo da comunidade e o budismo a religiatildeo doutrinaacuteria de uma elite

empenhada na traduccedilatildeo e interpretaccedilatildeo dos sutras patrocinando a construccedilatildeo de templos e a

consequente instruccedilatildeo dos monges utilizando rituais budistas para seu benefiacutecio

Tal como os onmyōji se dedicavam a atividades de lsquoexorcismorsquo os monges

recorreriam a foacutermulas e outras teacutecnicas para controlar a ldquoviolecircncia de divindades espiacuteritos e

demoacutenios de todos os tipos incluindo os kamirdquo Por conseguinte a introduccedilatildeo e popularizaccedilatildeo

das linhas de pensamento favoraacuteveis agrave combinaccedilatildeo de elementos shinbutsu obrigaria a novas

interpretaccedilotildees do que se entende por kami outrora seres omnipotentes kami possuiriam um

estatuto equivalente ao de devas ou asuras e como tal sujeitavam-se a samṣara (rokudō rinne

六道輪廻) ao contraacuterio dos budas que tinham alcanccedilado a iluminaccedilatildeo (satori 悟り) 91

No final do periacuteodo Nara promover-se-ia a teoria de que os kami eram nada mais do

que ldquodivindadesrdquo tutelares dos ensinamentos budistas clarificando a relaccedilatildeo de superioridade

do budismo para com shintō e como tal poderiam ser salvas como qualquer outro ser dos seis

domiacutenios 92

neste sentido vida e morte fazem parte do mesmo ciclo do qual apenas alguns se

podem libertar colocando todos os habitantes dos seis caminhos em peacute de igualdade para

shintō a necessidade de ldquosalvaccedilatildeordquo da roda de reencarnaccedilatildeo atraveacutes de satori natildeo se justifica

todos os seres vivos partilham do mesmo caminho - nasciam viviam no seu mundo (em

sociedade com outros kami e humanos) e a sua lsquoformarsquo ou corpo possui os seus limites

89

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 90

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 91

BREEN John TEEUWEN Mark opcit p 38-39 92

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 41

naturais apoacutes a morte fiacutesica os uacutenicos traccedilos de existecircncia de uma forma de vida encontrar-

se-iam na tamashii (魂) um atributo interior de kami e humanos

Paralelamente agrave expansatildeo do budismo no Japatildeo desenvolve-se a primeira fase da

vertente acadeacutemica de shintō caracterizada pela adoccedilatildeo de conceitos e fundamentaccedilatildeo de

teorias de bukkyō como o princiacutepio honji-suijaku aplicado pelos setores mais populares do

periacuteodo Heian Tendai (天台宗) e Shingon (真言宗) reavaliando-se a relaccedilatildeo entre kami e

outros ldquoseresrdquo reconhecidos pela Via do Buda Assim kami tornar-se-iam suijaku (lsquotraccedilosrsquo垂

迹) dos honji (lsquoessecircnciasrsquo本地) que se encontravam em budas (hotoke 仏) e bodhisattvas

(bosatsu菩薩) por exemplo Jizō (地藏) eacute identificado com Hiraoka-amakoyane-no-mikoto

um dos kami consagrados no Kasuga Jinja 93

no complexo de Ise encontrar-se-ia o honji

Mahāvairocana Tathagata (Dainichi Nyorai 大日如来 ) e em Hakusan o bosatsu da

compaixatildeo Kannon (観音) 94

O esforccedilo de cooperaccedilatildeo entre ambas tradiccedilotildees atingiria o seu auge com o

aparecimento das trecircs escolas xintoiacutestas de base budista Tendai shintō (天台神道) Ryōbu

shintō (両部神道) e Hōkke shintō (法華神道) respetivamente associadas agraves doutrinas dos

monges Saichō Kūkai e Nichiren Tendai Shintō tambeacutem conhecido pela designaccedilatildeo Sannō

Ichi-jitsu shintō apoia-se no estudo do Sutra do Loacutetus e coloca em praacutetica a teoria honji-

suijaku identificando Hiyoshi Sannō o lsquokami guardiatildeorsquo (shugojin 守護神 ) do templo

Enryaku-ji como o suijaku de Śākyamuni o ldquorei do Dharma do sutra do Loacutetusrdquo Possuindo

uma importacircncia mais local do que nacional e centrada em Hiei Quioto Tendai shintō

popularizaria o ato de meditaccedilatildeo ambulante em torno dos sub-santuaacuterios do ldquoSantuaacuterio de Hierdquo

e ldquoperegrinaccedilotildees mentaisrdquo nas quais os suplicantes ldquovisualmenterdquo visitavam os santuaacuterios 95

Agrave semelhanccedila da escola Tendai Ryōbu shintō favorece a combinaccedilatildeo de elementos

ldquobudistasrdquo (ldquoesoteacutericosrdquo) e shintō focando-se na relaccedilatildeo do Ise jingū (伊勢神宮) com as

mandalas kongokai e taizokai representaccedilotildees do ldquoDomiacutenio do Diamanterdquo e do ldquoDomiacutenio do

Ventrerdquo por sua vez associados ao Gekū e ao lsquopalaacutecio internorsquo (Naikū 内宮 ) de Ise

93

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 94

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 95

SATŌ Masato ldquoSannō Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and

Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22572gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 42

respetivamente96

Descrita como ldquoshintō combinatoacuterio baseada nas mandalas duais

fundamentais de Budismo esoteacuterico Shingonrdquo por Yoshida Kanetomo 97

- expoente da teoria

Yuiitsu shintō (唯一神道) na qual kami se torna o centro de tudo incluindo do ceacuteu e da terra

ldquodemoacuteniosrdquo animais e o proacuteprio kokoro dos humanos 98

- Ryōbu shintō influenciaria as

escolas de Ise e Yoshida 96

No que concerne agrave uacuteltima escola Hokke shintō recebe influecircncias do ldquobudismordquo

Nichiren (日蓮宗) uma das seitas mais populares do Periacuteodo Kamakura (1185-1333) por sua

vez derivada da lsquoseita da Terra Pura (Jōdo-shū 浄土宗rdquo) propagando a doutrina de mappō

(末法) o momento final do Dharma exaltada pelo monge Nichiren (日蓮 1222-1282)

Essencialmente portador de uma linha de pensamento reacionaacuteria ao budismo Heian

Nichiren considerava Tenshō Daijin (Amaterasu) e Hachiman como shugojin do Verdadeiro

Dharma reconhecendo igualmente a existecircncia de ldquodivindades tutelares do Sutra do Loacutetusrdquo

que tanto protegeriam a realidade na qual se verificasse a concretizaccedilatildeo do Verdadeiro

Dharma como poderiam escolher abandonaacute-la caso a Lei natildeo fosse aplicada 99

Por

conseguinte esta tradiccedilatildeo teria sido formada pelo superintendente do templo Shuryōgonin

associava-se deste modo os trinta dias do mecircs a trinta diferentes jinja e complexos tais

como Atsuta Jingū Suwa Shōshin-ji Hachiō-ji Inari Kibune Hachiman Kasuga Ise Gion

entre outros 100

Partilhando com Tendai o estudo do Sutra do Loacutetus a escola Hokke influenciaria as

ideias de Yoshida shintō e continuaria a desenvolver-se ao longo dos Periacuteodos Muromachi e

Edo surgindo uma seacuterie de obras e fasciacuteculos comentando acerca desta forma de shintō tais

como Hokke Shintō Hiketsu (法華神道秘訣) atribuiacutedo a Nitchō (日澄 1441-1510) 99

No seguimento da instauraccedilatildeo da terceira e uacuteltima casa militar no poder poliacutetico

budismo eacute relegado para um plano mais secundaacuterio aleacutem do aumento do nuacutemero de

96

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp298-299 97

ITŌ Satoshi ldquoRyōbu Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and

Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22800 (consultado em 24-06-2018) 98

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 99

Itō explica que esta doutrina (shintenjō hōmon) seria acolhida pelo ldquoculto Tendai de trinta divindades tal como

era praticado no Monte Hieirdquo ITŌ Satoshi ldquoHokke Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and

Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22565gt (consultado em 24-06-2018) 100

ITŌ Satoshi ldquoSanjūbanshinrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Combinatory Kami (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22464gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 43

ocorrecircncias de funerais shintō realizados por famiacutelias como os Yoshida bem como a reduccedilatildeo

da quantidade de tera e jinja que favorecessem uma abordagem ldquocombinatoacuteriardquo 101

surge a

niacutevel acadeacutemico o movimento fukko shintō (復古神道) que propunha um ldquoreavaliaccedilatildeordquo de

shintō rejeitando-se severamente ideias externas

Nestas circunstacircncias Hirata Atsutane (平田篤胤 1774-1842) representante da

vertente mais ldquoradicalrdquo da escola kokugaku assume uma posiccedilatildeo particularmente criacutetica da

Via do Buda suposta total antiacutetese de shintō que por sua vez era emulado como uma ldquovia

antigardquo (kodō 古道) no seu Kodō Taii (古道大尉) redigido em 1811 Hirata idealiza o Japatildeo

como a ldquoTerra dos kamirdquo cujos habitantes satildeo ldquoracialmente superioresrdquo entendendo budismo

como uma ldquoreligiatildeordquo inventada por um homem ndash Śākyamuni ndash cujas doutrinas eram ldquofalsasrdquo

ao ponto de apagarem por completo a ldquoverdade originalrdquo da existecircncia de uma entidade

omnipresente criadora denominada nos textos antigos de Brahmā que Hirata identifica com

Kami-musubi-no-kami 102

Por conseguinte o sentimento anti-budista expresso por Hirata teria as suas

repercussotildees em alguns territoacuterios no periacuteodo final do xogunato Tokugawa gerando-se o

movimento haibutsu kishaku (廃仏毀釈) cuja linha de pensamento tornar-se-ia devastadora

para a Via do Buda desde a destruiccedilatildeo de templos halls imagens rituais apropriaccedilatildeo de

propriedades dos templos na economia dos domiacutenios agrave laicizaccedilatildeo forccedilada dos monges o

budismo enquanto religiatildeo perderia credibilidade e significado cultural entre a populaccedilatildeo 103

ao contraacuterio de shintō por sua vez equiparado a uma ideologia poliacutetica a partir de 1868

inaugura-se assim um dos momentos mais negros da histoacuteria shinbutsu

13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945

O periacuteodo de vigecircncia da ideologia Meiji (1868-1945) eacute tambeacutem um periacuteodo de

perseguiccedilatildeo interna para a Via do Buda e nas palavras de Picken um exemplo de ldquoabuso e

manipulaccedilatildeordquo de shintō 104

a Ordenaccedilatildeo de Distinccedilatildeo de Shintō e Bukkyō (shinbutsu

hanzenrei 神仏判然令 ) de 1868 oficializa a poliacutetica de separaccedilatildeo de shintō e bukkyō

(shinbutsu bunri 神仏分離) expressa pela interdiccedilatildeo de ldquonomes de estilo Budista para kami

101

BREEN John TEEUWEN Mark opcit pp 38-39 102

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 213-215 103

SAKAMOTO Koremaru ldquoHaibutsukishakurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Doctrines

and Theories (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23552gt

(consultado em 24-06-2018) 104

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 87-88

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 44

a proibiccedilatildeo de se usar imagens Budistas para representar kami e a remoccedilatildeo de implementos

rituais Budistas de espaccedilos rituais Shintōrdquo 105

Seguindo nos passos do movimento haibutsu

kishaku

Tendo como meta uma visatildeo de shintō como lsquonatildeo-religiatildeorsquo estatal o novo regime

restabeleceria o Jingikan - substituiacutedo dois anos depois pelo Jingishō (神祇省) ndash e procederia

agrave instauraccedilatildeo de um sistema hieraacuterquico piramidal de jinja imperiais e nacionais (1870-1871)

delegando-se cargos a funcionaacuterios puacuteblicos Abolindo-se o sistema de hereditariedade

sacerdotal jinja tornam-se instituiccedilotildees nacionais e espaccedilos de visita obrigatoacuteria e natildeo

espontacircnea 106

131 A visatildeo ldquonacionalistardquo Meiji uma ldquonatildeo-religiatildeordquo ao serviccedilo do Estado

japonecircs

Se as restantes ldquoreligiotildeesrdquo eram entendidas como secundaacuterias - permanecendo sob a

tutela do Escritoacuterio de Religiatildeo do qual faziam parte os treze ldquosetoresrdquo de kyōha shintō - o

culto jingi era colocado sob a alccedilada do Jinjakyoku (神社局) perdendo gradualmente a sua

natureza religiosa todos os meios eram vaacutelidos para inculcar nas mentes dos japoneses a ideia

de que shintō natildeo era uma religiatildeo ldquopatrociacutenio apoio perpetuaccedilatildeo controlo e disseminaccedilatildeordquo

de shintō pelos vaacuterios niacuteveis de governo e por funcionaacuterios puacuteblicos ldquosubordinados e

empregadosrdquo o constante ensino de doutrina ldquoxintoiacutestardquo ldquonacionalistardquo ou ldquoultranacionalistardquo

em manuais escolares o ato de visitar santuaacuterios por obrigaccedilatildeo e execuccedilatildeo de ritos

patrocinadas por instituiccedilotildees educacionais a circulaccedilatildeo de textos explicativos da doutrina

kokutai (国体) 107

Em contexto legal tambeacutem os proacuteprios santuaacuterios xintoiacutestas sofreriam o impacto

desta abordagem poliacutetica de shintō que reavivava a ligaccedilatildeo co-dependente entre o poder

poliacutetico e shintō (na sua forma de culto jingi) tornando shintō uma instituiccedilatildeo patrioacutetica que

devia ser salvaguardada por todos o ano de 1900 marcaria o iniacutecio do controverso processo

de aglutinaccedilatildeo de jinja (Jinja-Gappei 神社合併) Apagando a existecircncia de milhares de jinja

ldquonatildeo-qualificadosrdquo o movimento expressava uma transferecircncia forccedilada de kami para outros

105

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 106

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39 107

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 114-116

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 45

jinja minando a relaccedilatildeo destes espaccedilos com as comunidades locais se em 1880 existiam

cerca de 157 mil jinja do povopuacuteblicos (minsha民社) em 1929 o nuacutemero rondaria os 112

mil e em 1947 mais de 87 mil 108

De um modo geral shintō estatal (kokka shintō 国家神道) cimentou a ideia de que

um certo tipo de shintō estava aleacutem de ser ldquoreligiatildeo termo que no Periacuteodo Meiji tinha como

elementos um fundador individual e a uma organizaccedilatildeo privada realizando-se atividades de

caraacutecter voluntaacuterio 108

o que nada tinha a ver com o culto jingi praticar shintō era nada mais

do que um dever e uma demonstraccedilatildeo de sentimentos patrioacuteticos essenciais ao bom

funcionamento da naccedilatildeo japonesa recorrendo-se a conceitos como kannagara akitsu-mikami

(現御神) hakkō-ichiu (八紘一宇) que naturalmente tinham sido readaptados face ao status-

quo kannagara por exemplo descrevia uma lsquofeacutersquo que incide no indiviacuteduo e faz com que este

sirva o coletivo nunca a si mesmo expressando ainda ldquoum sentimento de assimilaccedilatildeo e

harmoniardquo 109

akitsu-mikami significava uma ldquodivindade incarnadardquo identificada com o

proacuteprio imperador que deve ser venerado tal como os seus antepassados por parte dos seus

suacutebditos 110

hakkō-ichiu (ldquoa terra inteira debaixo do mesmo tetordquo) era usado como slogan

simboacutelico do poderio militar japonecircs 111

ecoando a noccedilatildeo de tian xia isto eacute lsquodebaixo do ceacuteursquo

(tenka 天下) que em contexto do pensamento chinecircs arcaico e confuciano definia o escopo

do tianming ou lsquomandato do ceacuteursquo (tenmei天命) entregue a um futuro soberano

No fundo reforccedila-se a suposta superioridade do Japatildeo enquanto naccedilatildeo ldquodivinardquo e por

associaccedilatildeo do proacuteprio imperador cuja ldquoalma divinardquo eacute representada por Amaterasu o liacuteder do

Impeacuterio age senatildeo em nome desta uacuteltima sendo que todos os japoneses reconhecem e

reverenciam a sua linhagem transmitida ldquonuma linha inquebraacutevelrdquo o trono e o Imperador satildeo

uma extensatildeo de Amaterasu conferindo-lhe um estatuto ldquoinviolaacutevelrdquo Como tal a aacuterea de

governaccedilatildeo do Imperador natildeo pode ser reduzida ao Japatildeo mas antes a todo o nosso mundo

um papel partilhado com a kami do Sol e Taka-musubi-no-kami 109

108

SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion

Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149 109

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 127-128 110

PICKEN Stuart op cit pp 105 111

PICKEN Stuart op cit pp 111

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 46

132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular religiatildeo

japonesa

O fim da 2ordf Guerra Mundial eacute justamente descrito como o ponto de viragem para as

religiotildees japonesas desde 1945 que shintō eacute estatisticamente uma religiatildeo viabilizando um

processo de reinvenccedilatildeo e adaptaccedilatildeo agraves necessidades de uma sociedade japonesa moderna

surgem assim novos movimentos religiosos parcialmente baseados em ideias shintō budistas

ou cristatildes algumas mais do que outras testemunho vivo da liberdade religiosa expressa a

niacutevel constitucional

No que concerne aos espaccedilos de veneraccedilatildeo estes satildeo devidamente legalizados como

corporaccedilotildees religiosas (shūkyō hōjin宗教法人) desde 1946 operando quer como extensotildees

de terceiros (grupos inclusivos) ou como unidades (tanrsquoi単位) independentes destes grupos

inclusivos (tanritsu shūkyō dantai単立宗教団体) a cada grupo inclusivo (hōkatsu dantai包

括団体) corresponde uma categoria proacutepria - kyōha (教派) shūha (宗派) comunidade

religiosa (kyōdan教団) ordem (shūdoukai 修道会) - que por sua vez incorpora tanrsquoi jinja

jirsquoin (寺院) igrejas (kyōkai教会) e mosteiros (shūdōin修道院) 112

Por conseguinte todos os dados reportados satildeo compilados pela Divisatildeo de Assuntos

Religiosos da Agecircncia para Assuntos Culturais do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (Bunka-chō

shūmuka kyōiku-shō 文化庁宗務課 教育省) que se apoia na definiccedilatildeo de ldquoorganizaccedilatildeo

religiosardquo (shūkyō dantai 宗教団体) promulgada pela Constituiccedilatildeo qualquer grupo local

focado na ldquodisseminaccedilatildeo de ensinamentos religiosos a conduccedilatildeo de cerimoacutenias e funccedilotildees e a

educaccedilatildeo e nutrimento dos crentesrdquo deve ser considerado uma shūkyō dantai que deteacutem

autoridade sobre o processo de qualificaccedilatildeo e quantificaccedilatildeo dos aderentes e do sacerdoacutecio 112

por exemplo a instruccedilatildeo dos candidatos a posiccedilotildees dentro dos santuaacuterios eacute disponibilizada

pelas Universidade Kokugakuin (國學院大學) de Toacutequio e a Universidade Kōgakkan (皇學

館大学) em Ise esta uacuteltima focada no treino de ldquosacerdotes para recitar as liturgias e perceber

o significado dos rituaisrdquo 113

Operando a niacutevel prefeitural ou nacional a categoria shūkyō hōjin faz parte da visatildeo

moderna japonesa de religiatildeo em 1998 o Anuaacuterio de Religiotildees (shūkyō nenkan 宗教年鑑)

do 10ordm Ano da Era Heisei registava mais de 85 mil grupos religiosos shintō 104553179

112

TAMARU Nobuyoshi REID David Religion in Japanese Culture Where Living Traditions Meet a

Changing World Tokyo Kodansha International 1996 pp 218-219 113

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 188-190

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 47

seguidores shintō (492) mais de 81 mil jinja 15 jirsquoin e 1276 locais de propagaccedilatildeo religiosa

(fukyōjo布教所) bem como cerca de 88 mil ldquoprofessoresrdquo (kyōshi 教師) Em contrapartida

bukkyō tinha apenas 78 mil grupos religiosos mais de 95 milhotildees de aderentes e um nuacutemero

superior de kyōshi mais de 77 mil templos apenas 10 jinja e cerca de 3000 fukyōjo 114

No

ano de 2015 constatava-se uma pequena evoluccedilatildeo negativa 485 dos aderentes seguiam

shintō e apenas 87 milhotildees eram supostamente budistas registando-se igualmente uma

descida do nuacutemero de kyōshi tanrsquoi e corporaccedilotildees shintō e budistas 115

Apesar de os dados publicados pela Agecircncia poderem natildeo corresponder agrave realidade

o campo estatiacutestico esforccedila-se por explicar ao puacuteblico o que se entende por shintō bukkyō e

kirisutokyō recorrendo a uma categorizaccedilatildeo que eacute acima de tudo coerente face agrave sua

evoluccedilatildeo histoacuterica no caso concreto de shintō os Anuaacuterios de Religiotildees reconhecem trecircs

ramificaccedilotildees ou kei (系) jinja shintō (神社神道) kyōha shintō e shin shūkyō shintō (新宗教

神道) 116

destas trecircs somente a primeira inclui uma organizaccedilatildeo que tambeacutem serve de porta-

voz aos interesses da maior parte dos jinja espalhados pelo paiacutes a Jinja Honchō (神社本庁)

Ceacutelebre instituiccedilatildeo criada em 1946 no seguimento da fusatildeo de outros trecircs grupos privados eacute

ateacute hoje o ldquouacutenico corpo coordenativo para Shinto no Japatildeo e o uacutenico oacutergatildeo (para aleacutem dos

santuaacuterios individuais) pelo qual Shinto pode ser formalmente representado a um largo niacutevel

administrativordquo 117

Regulando a atuaccedilatildeo das atividades dos jinja a Jinja Honchō permanece o ldquogrupo

religiosordquo mais numeroso no que concerne a espaccedilos de veneraccedilatildeo aderentes (perto de 80

milhotildees) e kyōshi (aprox217 milhotildees) 116

e apresenta-se como um oacutergatildeo mais moderado que

os seus predecessores do Periacuteodo Meiji ndash Jingikan Jingishō (神祇省) Kyōbushō (教部省) e

Jingirsquoin (神祇院) ndash capaz de conjugar as funccedilotildees de supervisor dos jinja e de autoridade em

assuntos shintō Sinteticamente esta associaccedilatildeo tem como metas perpetuar as tradiccedilotildees

desenvolvidas em contexto de jinja shintō como demonstraccedilatildeo de gratidatildeo aos kami e aos

antepassados - a realizaccedilatildeo de cerimoacutenias e ritos - ldquoservir a sociedade e outrosrdquo e na

qualidade de ldquomensageiros de kamirdquo aspirar a melhorar e consolidar este mundo Por uacuteltimo

deve-se identificar ldquoas proacuteprias mentes com a do Imperadorrdquo e ldquorezar pela prosperidade do

114

Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 10 Han (宗教年鑑平成 10 版) Tokyo Bunka-chō

1998 115

Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō

2016 116

Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō

2016 117

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 41-42

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 48

paiacutes e por coexistecircncia paciacutefica e coprosperidade para as pessoas do mundordquo 118

claramente

realccedilando o caraacutecter natildeo individual patente em shintō

2 SOCIEDADE ldquoESPIRITUALIDADErdquo E ldquoEacuteTICArdquo A ldquoVIA DOS KAMIrdquo E O

REGRESSO Agrave Ordem

Aceitar shintō pressupotildee que o indiviacuteduo realize rituais positivos com uma ldquomente

clara pura e sincerardquo 118

devendo-se ter em atenccedilatildeo o termo ldquomenterdquo o facto de Ono ter

como puacuteblico-alvo natildeo japoneses poderaacute justificar esta escolha de traduccedilatildeo que se afasta do

texto original por exemplo ldquoakikiyoki makoto wo nite saishi ni isoshimukoto (明き清きまこ

とを以て祭祀 [さいし] にいそしむこと) corresponde a ldquodevotar-nos aos atos de veneraccedilatildeo

(aos kami) com uma mente clara pura e sincerardquo ldquoŌmikokoro wo itadakite mutsubirdquo (大御

心 [おおみこころ]をいただきてむつび) 119

eacute ldquoidentificaccedilatildeo das proacuteprias mentes com a

(mente) do Imperadorrdquo Assim o termo torna-se makoto Juntamente com o kokoro ambos

vocaacutebulos fundamentam a perspetiva eacutetica de shintō Por sua vez mutsubi (musubi) auxilia na

compreensatildeo da relaccedilatildeo de shintō com o indiviacuteduo e por associaccedilatildeo com os kami

21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e

individuais

Claramente uma Via focada no bem-estar humano shintō ilustra um forte caraacutecter

social e eacutetico que eacute complementado pelo desenvolvimento de uma lsquoespiritualidadersquo proacutepria

associada agrave perceccedilatildeo japonesa do ldquosagradordquo como jaacute anteriormente mencionado este

domiacutenio estaacute associado a kami e a sua presenccedila pode ser ldquosentidardquo em certas ocasiotildees

nomeadamente durante os matsuri e as cerimoacutenias executadas pelos ldquosacerdotesrdquo (shinkan 神

官) a descriccedilatildeo de Picken de shintō como ldquoefectivamente uma religiatildeo que eacute mais lsquoapanhadarsquo

do que lsquoensinadarsquo os seus discernimentos lsquopercecionadosrsquo antes de serem lsquoacreditadosrsquo os

118

ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004 p82 119

A expressatildeo Ōmikokoro (ou Mikokoro 御心) eacute uma forma respeitosa de se referir ao Imperador (ou aos kami)

que surge nas norito ou em outros textos oficiais Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案 内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line) lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 49

seus baacutesicos conceitos mais do que lsquosentidosrsquo do que lsquopensadosrsquordquo 120

faz da praacutetica e da

experiecircncia do indiviacuteduo o seu alicerce Deste modo confere-se ao homem um papel ativo e

de participante quer se trate de um visitante que reze aos kami esperando por uma resposta

quer seja algueacutem dedicado a servir os kami (ldquosacerdotesrdquo por exemplo) a decisatildeo de executar

os rituais (associados agrave Ordem) cabe ao homem

Soacute o homem possui a capacidade de entrar num domiacutenio diferente deparando-se com

vaacuterios siacutembolos que assinalam a ldquopresenccedilardquo do kami Mircea Eliade nota que o homem

apercebe-se do ldquosagradordquo porque este escolhe mostrar-se isto eacute manifesta-se das mais

variadas formas algo descrito pelo autor como ldquohierofaniardquo identificando a ldquohistoacuteria de

religiotildeesrdquo como portadora de um legado de ldquohierofaniasrdquo ndash elementares e complexas ndash e

argumentando que a manifestaccedilatildeo de ldquoalgo de uma ordem totalmente diferente uma realidade

que natildeo pertence ao nosso mundordquo eacute visualmente expressa por ldquoobjetos que satildeo uma parte

integral do nosso mundo natural lsquoprofanorsquordquo 121

em shintō esta perspetiva lembra o conceito

de kami enquanto atributo o ato de atar uma shimenawa (しめ縄) corda da qual pendem

pequenas tiras em formato ziguezague a um objeto (pilares rochas) ou uma aacutervore (shinboku

神木) e o uso da gohei (御幣) um enfeite colocado diante das portas do ldquosantuaacuterio interiorrdquo

(shinden 神殿) representam a transiccedilatildeo do vulgar para o extraordinaacuterio se fisicamente o

objeto permanece tal e qual como antes de uma perspetiva espiritual e natildeo racional o objeto

torna-se uma extensatildeo do kami

Por conseguinte a noccedilatildeo de ldquohierofaniardquo pensada por Eliade poderia aplicar-se aos

shintai (神体) e mitamashiro (御魂代) objetos diretamente ligados agrave sobrevivecircncia dos jinja

garantindo um estatuto lsquosagradorsquo dos jinja enquanto o kami permanecer nesse local 122

durante a Jinja Gappei milhares de santuaacuterios perderam a sua razatildeo de existir na sequecircncia

da transferecircncia permanente dos supostos representantes do kami 123

No fundo eacute a ausecircncia

destes objetos condiciona o fim do jinja

Essencialmente espaccedilos mantidos graccedilas aos esforccedilos da comunidade jinja

desempenham serviccedilos que incidem na esfera puacuteblica e privada todo o jinja revolve em torno

das pessoas familiarizadas com a aacuterea de atuaccedilatildeo e os atributos do kami ao qual apelam

preocupaccedilotildees econoacutemicas satildeo geralmente da responsabilidade de Inari (稲荷) e Ebisu (恵比

120

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p xxxii 121

ELIADE Mircea op cit pp 10-12 122

ONO Sokyō op cit p21 pp-24-25 pp98-99 123

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 50

須) o primeiro eacute identificado como o kami protetor do cultivo de arroz e dos cinco cereais

enquanto que o segundo eacute associado ao setor comercial desde o seacutec XII 124

Protetor dos mercadores em meio urbano e de campos de arroz nas aacutereas rurais 124

Ebisu faz parte dos Shichi Fukujin (七福神) um grupo de sete kami associados agrave boamaacute

sorte Daikokuten (大黒天) representante da prosperidade comercial apesar de tambeacutem ser

identificado com um deva domeacutestico da cozinha Mahakala Jurōjin (寿老人) ldquokami de uma

estrela no Taoiacutesmordquo bem como um ldquoermitardquo Jaacute Fukurokuju (福禄寿) eacute o kami da riqueza

prosperidade e longa vida e Hotei (布袋) ldquoum monge chinecircs e uma incarnaccedilatildeo de Maitreyardquo

(Miroku 弥勒) 125

Por uacuteltimo Bishamonten (毘沙門天) e Benzaiten (弁財天) tecircm origens

indianas se Bishamonten um kami de temperamento forte e marcial eacute identificado com

Vaiśravaṇa Beizaiten eacute equiparada agrave devī Sarasvatī 126

No que concerne a preocupaccedilotildees mais pessoais como aprovaccedilatildeo nos exames de

admissatildeo da faculdade eacute costume visitar-se o Kitano Tenmangū (北野天満宮) de Quioto

onde se venera Tenjin127

Ao contraacuterio de outros kami Tenjin natildeo se tornou kami de um dia

para o outro a consagraccedilatildeo da ldquoalmardquo de Michizane ldquoresultou de um esforccedilo extraordinaacuterio

do governo de lidar com uma manifestaccedilatildeo perturbadora de crenccedila Alma-Zangada (onryo)

que (hellip) foi grandemente influenciada pelo corrente interesse em ideias Chinesas e crenccedilasrdquo

128 Por sua vez onryō partilha algumas semelhanccedilas com goryō (御霊) ldquoespiacuteritos de pessoas

que tinham perdido as suas posiccedilotildees de poder e vaacuterios kami de epidemiasrdquo posteriormente

ldquodomesticadosrdquo nos ritos chinkon ao inveacutes de entidades destruidoras e malevolentes que

invocavam desgraccedilas goryō transformavam-se em entidades protetoras 129

22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii

Tanto onryō como goryō enquadram-se na perspetiva espiritual de shintō agrave

semelhanccedila de sangaku shinkō (山岳信仰) cultos caracterizados pela adoraccedilatildeo de montanhas

124

PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365 125

HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia

ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de

2003)

126 PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39

127 PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365

128 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 285

129 YONEI Teruyoshi ldquoGoryōrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23422gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 51

como Ontake (御嶽) Kumano (熊野) Fuji (富士) Sannō (山王) Katsuragi (葛城) supostos

locais de morada permanente para espiacuteritos ldquoprincipalmente espiacuteritos dos mortos que

vigiavam e assistiam os vivosrdquo 130

Eacute em virtude de um suposto caraacutecter sagrado e espiritual

que ainda hoje se realizam praacuteticas asceacuteticas nestes locais

Por conseguinte a compreensatildeo da ldquoespiritualidaderdquo japonesa implica o

conhecimento de musubi (産霊) rei (霊) e tamashii (魂) sendo que o primeiro eacute composto

por umi (産み ldquocriaccedilatildeordquo no sentido de gerar algo) e rei significando algo que natildeo pertence

ao plano fiacutesico Homoacutefono da palavra musubi (結び) traduzido por ldquoligaccedilatildeordquo e por sua vez

derivada do verbo musubu ou lsquoligarrsquo musubi eacute em si a lsquovitalidadersquo presente no ambiente e

nos seres que o constituem uma interpretaccedilatildeo apoiada por Motoori Norinaga

Com efeito no seu Tama Kushige o autor identifica musubi como uma espeacutecie de

ldquoprinciacutepio de atividade criativardquo inerente nos kami Taka-musubi e Kami-musubi concluindo

que este ldquoespiacuterito criativo (hellip) divino milagroso e aleacutem da compreensatildeo humanardquo permite os

atos de ldquocriaccedilatildeordquo (kuni-umi e kami-umi) de Izanagi e Izanami 131

tudo deve a sua existecircncia a

musubi incluindo os proacuteprios humanos

Simultaneamente uniatildeo (harmonizaccedilatildeo e balanceamento) e criaccedilatildeo isto eacute o lsquopoderrsquo

que concede vida e a origem de toda a existecircncia transportando consigo as conotaccedilotildees de

ldquocombinaccedilatildeordquo ldquojuntarrdquo e ldquointerligarrdquo132

musubi foi repetidamente usado no contexto

cerimonial imperial por exemplo os cinco kami que possuem a partiacutecula musubi no seu nome

satildeo tambeacutem os kami protetores do espelho Yata no Kagami localizados no santuaacuterio

kashidokoro do palaacutecio 133

No que concerne agrave rei e tamashii ambos vocaacutebulos tendem a ser erroneamente

traduzidos como ldquoespiacuteritordquo ou ldquoalmardquo e a sua grande diferenccedila consiste no facto de rei ser

exclusivamente uma parte do humano em vida e um atributo independente apoacutes a morte do

corpo se bem que no entender de Yoshida Kanetomo rei eacute aquilo que governa ldquocoisas

individuaisrdquo contrastando com as ldquopessoas individuaisrdquo que satildeo ldquogovernadas pelo kokoro

(hellip)rdquo 134

tamashii eacute uma caracteriacutestica partilhada por homens e kami sendo que no uacuteltimo

caso esta noccedilatildeo eacute expressa pela palavra mitama - escrita com os kanji de kami e rei (神霊) ndash

130

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 197-198 131

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 132

BOYD JAMES WILLIAMS Ron ldquoJapanese Shintō An Interpretation of a Priestly Perspectiverdquo

Philosophy East and West nordm 55 (1) pp 33-63 133

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 79 134

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp163-167

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 52

ldquoespiacuteritos de kamirdquo cuja existecircncia defendida por rituais e jinja torna viaacutevel a sua integraccedilatildeo

na ideia shintō de lsquoespiacuteritorsquo ou lsquoespiritualidadersquo 135

Natildeo obstante tambeacutem os humanos satildeo portadores de um outro tipo de mitama (御

霊) este identificado como uma rei apoacutes a morte do corpo 135

tornando-se efetivamente uma

extensatildeo deste uacuteltimo o que lhe permite uma atuaccedilatildeo positiva (como protetor) ou negativa

(como destruidor da ordem) no domiacutenio dos humanos Com efeito o culto aos mortos na

sociedade japonesa faz parte de uma tradiccedilatildeo antiga na qual se atribui a certos mortos um

tratamento especial a veneraccedilatildeo de falecidos imperadores antepassados e guerreiros mortos

em combate em conjunto com o culto aos kami expressam uma forte consciencializaccedilatildeo

espiritual ainda muito presente na cultura japonesa

Sob um ponto de vista mais doutrinaacuterio a espiritualidade japonesa centra-se na teoria

ichirei shikon (一霊四魂) literalmente ldquouma rei e quatro tamashiirdquo na qual os humanos e os

kami servem de recipiente agrave reikon que por sua vez eacute constituiacuteda por um lsquoespiacuteritorsquo 136

(rei) -

designado de naobi curioso conceito inserido no campo da eacutetica japonesa significando

ldquocorrigir algo anormal mau ou distorcido e restaura-lo agrave sua condiccedilatildeo normal ou originalrdquo e o

ldquoespiacuterito maravilhoso que retifica o erradordquo 137

- e pela quadripartida tamashii (魂)

Neste contexto cada parte corresponde a um ldquoatributordquo ou ldquocaracteriacutesticardquo que rege o

seu modo de atuaccedilatildeo no domiacutenio terreno o par nigimitama (和御魂) e aramitama (荒御魂)

possuindo uma natureza dual complementar lembrando os princiacutepios do yin e do yang

respetivamente associados ao ldquoatributordquo calmo e passivo nigimitama e o seu oposto a

incontrolaacutevel aramitama o duo sakimitama (幸御魂) e kushimitama (奇御魂) brevemente

mencionado no Nihon shoki se sakimitama eacute a mitama que ldquoprovidenciardquo a potecircncia por

detraacutes da colheita a kushimitama tem o poder de evocar ldquomisteriosas manifestaccedilotildees em seres

humanos atraveacutes de um poder sobrenaturalrdquo 138

135

ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018) 138

YONEI Teruyoshi ldquoIchirei shikonrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on

line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-

06-2018) 137

FUKUI Yoshihiko ldquoNaobirdquo Encyclopedia of Japan 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23662gt (consultado em 24-06-

2018) 138

YONEI Teruyoshi ldquoKushimitamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on

line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23412gt (consultado em 24-

06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 53

De entre este quarteto o primeiro par merece uma atenccedilatildeo especial constatando-se

dezenas de referecircncias em textos antigos que explicitam o papel de tanto uma como da outra

que rituais a executar para pacificar uma aramitama transformando-a numa nigimitama

praacutetica efetuada pela famiacutelia imperial por exemplo apoacutes a morte no exiacutelio em Dazaifu (903)

do letrado Sugawara-no-Michizane que tinha sido viacutetima de uma conspiraccedilatildeo dois anos antes

a capital Quioto seria afetada por uma seacuterie de ldquodesastresrdquo tais como ldquopraga fogos

inundaccedilotildees e mortes inesperadasrdquo de membros do clatilde Fujiwara lanccedilando-se um debate

interno sobre a sua causa concluindo-se que se tratava da aramitama do falecido Sugawara

Procurando-se ldquoapaziguarrdquo esta aramitama a famiacutelia imperial procederia agrave restituiccedilatildeo do

estatuto de letrado de Michizane apoiando a construccedilatildeo de um jinja no qual seria consagrado

um novo kami Tenjin 139

O descrito episoacutedio de ldquodomesticaccedilatildeordquo continuaria a ser praticado ao longo dos

seacuteculos sendo que o Imperador Shōwa (昭和天皇) organizaria uma procissatildeo pelo paiacutes para

pacificar as aramitama atraveacutes de preces substituindo-as por nigimitama algo modelado nas

tours do Imperador Meiji (明治天皇) motivos poliacuteticos satildeo habilmente misturados com as

necessidades ldquoespirituaisrdquo do Japatildeo 140

Natildeo obstante existe uma terceira forma de

ldquodomesticaccedilatildeordquo que natildeo implica o seu afastamento da praacutetica de veneraccedilatildeo antes pelo

contraacuterio no Ise Jingū pensa-se que um dos ldquosantuaacuteriosrdquo do Naikū preserva a nigimitama de

Amaterasu e no outro consagra-se a aramitama um processo replicado no Sumiyoshi Taisha

(住吉大社) de Ōsaka espaccedilo de veneraccedilatildeo de trecircs nigimitama dos trecircs respetivos kami ao

contraacuterio do seu congeacutenere em Yamaguchi que alberga as suas aramitama 141

23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi

Aleacutem das diferenccedilas estabelecidas pela mencionada doutrina rei e tamashii satildeo

essencialmente termos que natildeo reconhecem a existecircncia de bommau o que explica o habitual

caraacutecter neutro dos kami Todavia eacute possiacutevel constatar a presenccedila de categorias de rei e kami

que funcionam como arautos de desgraccedila humana e natural representando o oposto do que eacute

ldquobomrdquo goryō onryō e akuryō (悪霊) este uacuteltimo traduzido literalmente por ldquorei malignosrdquo

139

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 100 140

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 141

ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 54

satildeo exemplos de entidades espirituais cuja razatildeo de existecircncia eacute a de causar danos agraves pessoas

objetos casas urgindo a realizaccedilatildeo de rituais proacuteprios de ldquopacificaccedilatildeordquo e ldquoexorcismordquo que

supostamente expulsamremovem permanentemente quaisquer influecircncias negativas Por sua

vez os yūrei (幽霊) ldquorei obscurosrdquo enquadram-se mais no mundo folcloacuterico japonecircs e satildeo

geralmente identificados como ldquoespiacuteritos vingativosrdquo ou ldquoapariccedilotildeesrdquo cuja presenccedila eacute teacutenue

mas forte o suficiente para serem ldquosentidosrdquo em locais como florestas e montanhas

No que concerne a kami malignos estes satildeo nada mais do que a antiacutetese de musubi e

pureza se a maioria dos kami desdenham ldquode comportamento disruptivo de ordem social ou

natural juntamente com poluiccedilotildees (kegare) tais como sujidade sangue e morterdquo 142

e a sua

origem eacute responsabilidade do princiacutepio de ldquocriaccedilatildeordquo e Ordem coacutesmica um outro grupo de

kami partilha de uma natureza totalmente oposta favorecendo a destruiccedilatildeo da Ordem os

magatsubi no kami ou magatsui no kami (禍津日神 ) Responsaacuteveis por ldquodesgraccedilas

inevitaacuteveisrdquo e reinando ldquosobre erro e impurezardquo eacutetica os magatsui no kami residem nas

profundezas do Yomi ao contraacuterio dos restantes kami que vivem em Takamagahara e no

mundo terreno possuindo uma ldquoessecircncia liacutempidardquo 143

magatsui no kami satildeo os agentes da

desordem distinguindo-se dos restantes kami que favorecem a Ordem

Neste sentido os magatsui no kami relacionam-se com magagoto (凶悪事) palavra

que subentende ldquodesgraccedilas maacutes accedilotildees e calamidadesrdquo 144

ao contraacuterio dos naobi-no-kami

capazes de ldquorestaurar o estado normal e trazer de volta o mundo puro claro proacuteprio e reto

dos Deusesrdquo 145

constroacutei-se deste modo a ideia do mal percecionado como Desordem e

anormalidade que deve ser combatido pelo indiviacuteduo praticante Via dos kami enfatizando os

aspetos sociais e eacuteticos de shintō

A visatildeo eacutetica proposta por shintō eacute resultado da receccedilatildeo e interpretaccedilatildeo de ideias

confucianas e japonesas Aliaacutes na sociedade arcaica japonesa jaacute existia uma distinccedilatildeo entre

ldquobons atosrdquo e ldquomaus atosrdquo que determinavam a culpabilidade ou inocecircncia de um ofensor

perante a unidade familiar ou o clatilde ldquoeacuteticardquo correspondia numa primeira instacircncia a um

conjunto de praacuteticas e dizeres transmitidos de forma oral e de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que eram

142

MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of

Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt

(consultado em 24-06-2018) 143

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 144

NISHIOKA Kazuhiko ldquoMagakoto (also Magagoto)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines

Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23670gt

(consultado em 24-06-2018) 145

PICKEN Stuart op cit p 273

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de certo modo complementares agrave execuccedilatildeo do ritual os termos yoshi e ashi respetivamente

significando ter ou carecer de ldquovalorrdquo expressavam as ideias de bemmal 146

Por outras

palavras viver em sociedade natildeo seria possiacutevel se natildeo se adotassem certos comportamentos

que fossem eticamente bons isto eacute natildeo reprovaacuteveis aos olhos da comunidade e eacute claro dos

kami que apesar de natildeo possuiacuterem uma natureza nem boa ou maacute tambeacutem eles satildeo capazes

das piores ofensascrimes isto eacute tsumi (罪) como se pode constatar no caso de Susano-o

No domiacutenio ritual a ldquopurezardquo eacute um atributo interno e externo tanto ao homem como

ao kami kami satildeo considerados essencialmente ldquopurosrdquo ldquoliacutempidosrdquo e uma forma de vida

superior aos homens adotando comportamentos corretos que servem de modelo para os

humanos (com a exceccedilatildeo dos magatsui no kami) e partilhando do ldquoelo espiritualrdquo que os une

nesta realidade isto eacute a mitama Contudo apenas os humanos possuem a capacidade de se

tornar kami apoacutes a morte do corpo seguindo um ldquoprocesso de purificaccedilatildeo que os torna em

espiacuteritos ancestraisrdquo e cuja exceccedilatildeo agrave regra encontra-se por exemplo nos imperadores

considerados akitsu-mikami durante a sua vida 147

O entendimento deste processo de purificaccedilatildeo (jōka) natildeo se pode dissociar de kokoro

e makoto ambos fundamentando a noccedilatildeo de ldquoretidatildeordquo (natildeo necessariamente no sentido

confuciano da palavra) expressa pelo jaacute mencionado termo naobi ou simplesmente nao a

antiacutetese de todos os vocaacutebulos conotados com a ideia de ldquomalrdquo Por outras palavras o

reconhecimento da importacircncia de ldquopurezapurordquo soacute eacute justificado pela existecircncia de ldquoimpurezardquo

que conduz agrave Desordem um natildeo existe sem o outro sendo que na linguagem shintō tudo que

eacute negativo e impuro envolve tsumi (罪) e kegare (穢) duas formas de impureza eacutetica e fiacutesica

respetivamente agraves quais se lhe junta imi (忌) frequentemente interpretado no sentido de

ldquotaburdquo tsumi kegare e imi satildeo com efeito os agentes da Desordem que o ser humano deve

evitar

Incorporados em shintō este trio fortalece a relaccedilatildeo desta Via com a sociedade se a

primeira palavra tsumi tem implicaccedilotildees legais e continua a fazer parte da linguagem do dia-a-

dia sendo usada no campo religioso ou no domiacutenio legislativo kegare tende a associar-se ao

domiacutenio mais ldquolituacutergicordquo de shintō tal como imi que consoante o kanji usado denota o que eacute

considerado puro (positivo) e impuro (negativo)

146

ONO Sokyō op cit pp 105-107 147

UEDA Kenji ldquoConcepts of Humanity (Ningenkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines

Basic Concepts (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23642gt

(consultado em 24-06-2018)

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No que concerne a tsumi este eacute foneticamente lido agrave maneira chinesa como sai (ou

zai) e apesar de ter sido escolhido para traduzir o conceito de ldquopecadordquo segundo a visatildeo

religiosa cristatilde 148

tsumi possui um forte significado natildeo religioso encontrando-se expressotildees

na linguagem corrente tais como dōzai (同罪 partilha do crimeculpa) e shazai (謝罪)

desculpas como forma de aliviar o sentimento de culpa hanzai (犯罪) ldquocrimerdquo entre outras

Com efeito tsumi eacute antes de mais ofensa crime e maacute accedilatildeo Eacute talvez neste sentido

que Nishigaki Yukio identifica tsumi como togame - uma palavra traduzida por ldquoacusaccedilatildeordquo ou

ldquocensurardquo ndash e a uma abreviatura da forma nominal do verbo tsutsumu (障) designado tsutsumi

sendo que o kanji eacute lido como sawaru - homoacutefono do verbo ldquotocarrdquo (sawaru 触る ) -

indicando ldquotornar-se um obstaacuteculordquo 149

denotando um entrave agrave Ordem Por conseguinte esta

interpretaccedilatildeo ecoa a sugestatildeo de Picken que aponta para a variedade de significados de tsumi

ndash ldquopoluiccedilatildeo doenccedilas e desastre bem como errordquo ndash tendo o cuidado de incluir a sua vertente

praacutetica ldquoaccedilotildees situaccedilotildees ou circunstacircncias indesejadas podem causar impureza e devem ser

lidadas por evitaccedilatildeo ou purificaccedilatildeo ritualrdquo 150

designada de ldquoabstinecircnciardquo (imi 斎) e harai

(祓)

Contudo o conceito de ldquoerradordquo parece surgir em textos confucianos integrando

uma das partes da dicotomia boas accedilotildeesmaacutes accedilotildees apesar da ausecircncia de [罪 ] o seu

significado eacute substituiacutedo por outros que partilham das mesmas conotaccedilotildees negativas o

caractere [犯] usado para formar o verbo japonecircs okasu traduzido por ldquocometerrdquo (maus atos)

e que eacute frequentemente interpretado como um possiacutevel sinoacutenimo de tsumi 151

Aliaacutes na

linguagem japonesa moderna natildeo eacute estranho encontrar-se tsumi junto de okasu como se

constata na frase ldquocometer ofensasrdquo (tsumi wo okasu 罪を犯す) reforccedila-se deste modo a

ideia de que tsumi eacute especificamente algo negativo e condutor agrave Desordem

148

MATSUMOTO Shigeru ldquo 罪 つ み rdquo コ ト バ ン ク (on line) Disponiacutevel em

lthttpskotobankjpwordE7BDAA-99474gt (consultado em 24-06-2018) 149

NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p325 150

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 171 151

Por exemplo nos ldquoAnalectosrdquo de Confuacutecio (Lun Yu em japonecircs Rongo 論語) regista-se no primeiro

ldquoensinamentordquo do disciacutepulo Yu Zi (有子) o caratere [犯] que eacute traduzido por Lau como ldquotransgressatildeordquo uma

consequecircncia do natildeo seguimento do caminho proposto por ren No entanto na citaccedilatildeo do uacuteltimo livro de

ldquoAnalectosrdquo [惡] indica ldquodetestar fazer algordquo CONFUacuteCIO The Analects Lun Yu Translated by DC Lau HK

Chinese University Press 1983 pp 2-3 pp 194-195

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Por conseguinte a noccedilatildeo de Desordem provocada por ldquomaus comportamentosrdquo eacute

ilustrada nos Analectos pelo caractere [惡] 152

traduzido por ldquomalrdquo (no sentido eacutetico e natildeo

religioso) em japonecircs o caractere usado eacute a forma arcaica de [悪] cujo radical eacute nada mais

do que kokoro lido como aku o kanji pode ser usado para caraterizar uma coisa uma

condiccedilatildeo e ainda a proacutepria personalidade do indiviacuteduo ldquomaldaderdquo ldquomaurdquo ldquomalignordquo ou

ldquomaldosordquo derivam da leitura de aku como warui 153

No fundo [犯] e [惡] satildeo nada mais do

que comportamentos puniacuteveis por lei e cuja eliminaccedilatildeo resultaria do constante cultivo interior

do caraacutecter da pessoa

Na realidade japonesa tsumi opotildee-se ao corretolegal Karl Florenz comenta que ldquoa

sociedade japonesa arcaica possuiacutea nem coacutedigos legais nem direitos descritivos por isso os

castigos das ofensas eram delegados inteiramente agrave discriccedilatildeo do indiviacuteduo magoado ou da

comunidaderdquo no seu entender tsumi eram ldquomaus atosrdquo (crimes) cuja gravidade determinaria

o grau do castigo variando entre pena capital escravatura expulsatildeo e confiscaccedilatildeo total ou

parcial das propriedades do acusado 154

Ora esta linha de pensamento eacute seguida por Felicia Bock que afirma o facto de tsumi

existirem de forma pouco consistente no quadro de costumes das pessoas da planiacutecie do

Yamato (periacuteodo preacute-Japatildeo imperial) juntamente com as ldquopalavras do soberanordquo e

julgamentos apoiados em provaccedilotildees (fogo sobretudo) e ainda ldquoxamatildesrdquo ou ldquointeacuterpretes da

vontade dos kami ou divindadesrdquo tsumi corresponderia agraves ldquoofensas pelas quais uma pessoa

pode ser considerada culpadardquo listadas e descritas em episoacutedios do Kojiki e Nihon shoki Caso

se fosse considerado a um niacutevel mais ldquolituacutergicordquo tsumi podia contaminar uma pessoa (tsumi-

bito 罪人) urgindo a sua eliminaccedilatildeo atraveacutes de ldquocertos ritos prescritosrdquo executados pelos

membros do Jingikan que deste modo asseguravam a ordem no territoacuterio japonecircs aleacutem de se

recorrerem a meacutetodos de cariz social tais como a atribuiccedilatildeo de multas ldquoque eram impostas

152

Duas das frases mais emblemaacutetica do uso de [惡] como antiacutetese de ldquobemrdquo e eacute claro ldquobenevolecircnciardquo (ren仁)

pertencem ao terceiro e quarto ldquoensinamentosrdquo de Confuacutecio do ldquoquarto livrordquo no primeiro caso o caractere natildeo

surge de forma isolada identificando a natureza da pessoa como ldquomaacuterdquo (惡人) por oposiccedilatildeo agrave de uma ldquopessoa boardquo

(好人) ldquo唯仁者能好人能惡人rdquo na frase ldquo苟志于仁矣無惡也rdquo [惡] eacute uma ldquoinfluecircncia negativardquo que se

pode ldquoeliminarrdquo CONFUacuteCIO op cit pp 28-29 153

NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p 599 154

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112

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para absolver uma pessoa de algum crime social tal como roubar a esposa de outro homemrdquo

155

Para todos os efeitos tsumi satildeo o coletivo de atos condenaacuteveis dentro de uma

sociedade os mais graves (amatsu-no-tsumi) correspondem os oito tsumi cometidos por

Susano-o durante o seu episoacutedio de rebeldia contra a ordem de Takamagahara 156

o kami

assume o papel do indiviacuteduo que age contrariamente ao que eacute suposto pois as suas accedilotildees

potildeem em causa o estado harmoacutenico da sua comunidade (de kami) que soacute seria reposta apoacutes

Amaterasu sair da Ama no Iwato

No que concerne aos kunitsu no kami estes satildeo essencialmente um ldquooposto

complementar (hellip) enfatizando maacutes accedilotildees mundanasrdquo nomeadamente ldquoincesto bestialidade e

auguacuterios natildeo auspiciosos e magia que antecipam principais eventos catacliacutesmicosrdquo 156

Jaacute

Felicia Bock divide-os em ldquoquebras de tabus tribais e contaminaccedilotildees causadas por eventos

naturaisrdquo constatando-se uma forte consciencializaccedilatildeo destas ldquocomunidades primaacuteriasrdquo no

que concerne a doenccedilas e comportamentos irregulares ou perigosos o corte de carne viva e

morta que demonstra o respeito pelos seres vivos lepra branca imperfeiccedilotildees deacutermicas

violaccedilatildeo da proacutepria matildee violaccedilatildeo de crianccedilas coabitaccedilatildeo com animais afliccedilatildeo de coisas

rastejantes divindades aves ldquomorte de animais e contaminaccedilotildees originadas por feiticcedilariardquo 157

Contudo a classificaccedilatildeo dos tsumi natildeo eacute a prioridade das fontes literaacuterias arcaicas

no episoacutedio protagonizado pela viuacuteva do Imperador Chūai (Jingū-kōgō神功皇后) do Kojiki

a nomeaccedilatildeo de nove ofensas denota a perspetiva dos japoneses em relaccedilatildeo a comportamentos

socialmente desviantes sobretudo de cariz sexual - a copulaccedilatildeo com quatro espeacutecies animais

(cavalos vacas paacutessaros e catildees) e o incesto satildeo considerados tsumi ndash aos quais se lhe juntam

as praacuteticas de esfolamento animal a destruiccedilatildeo dos campos de arroz e ainda a ldquodefecaccedilatildeo em

espaccedilos sagradosrdquo (no original kusohe 屎戸) 158

Aliaacutes eacute tambeacutem nesta passagem que se constata a atribuiccedilatildeo de um caraacutecter mais

ldquoritualrdquo a tsumi evidenciado pela presenccedila das palavras harai (祓い) um processo que tem

como meta a restauraccedilatildeo da pureza reunindo-se para o efeito oferendas oriundas de todos os

155

BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by

Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 156

TSUSHIRO Hirofumi ldquoAmatsu tsumi Kunitsu tsumirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines

Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23381gt

(consultado em 24-06-2018) 157

BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by

Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 158

Com a excepccedilatildeo das formas de bestialidade e incesto os tsumi mencionados satildeo posteriormente categorizados

como amatsu no tsumi TAKEDA Tsunegaki op cit pp217-219

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cantos do territoacuterio e os proacuteprios tsumi kegare (穢) denotando a sujidade inerente deste tipo

de conduta (tsumi) que eacute eliminada por harai sendo defecaccedilatildeo um ato associado agrave ldquosujidade

fiacutesicardquo Com efeito realizar haraiharae devolve a ldquopurezardquo ao espaccedilo que tinha sido

ldquocontaminadordquo Ora neste episoacutedio particular a ldquobuscardquo de tsumi decorre em simultacircneo com

os preparativos para o ldquoritualrdquo fuacutenebre (mogari) do Imperador Chūai (仲哀天皇) 159

Tal como no Kojiki tambeacutem o Nihon shoki define tsumi como condutas ofensivas

no Inverno do 11ordm dia do 10ordm mecircs (quinto do ano de reinado) do Imperador Richū (履中天皇)

conclui-se que a suacutebita morte da Imperatriz tinha sido causada por uma ldquomaldiccedilatildeordquo (tatari 祟

り) enviada pelos ofendidos kami de Tsukushi no seguimento de dois tsumi cometidos por

Kurumamochi-be ndash taxar as terras administradas pelo Imperador sem autorizaccedilatildeo e ter

colocado ao seu serviccedilo (do ofensor) os suacutebditos dessa mesma terra acabando por usurpar a

posiccedilatildeo dos kami aiacute venerados Como puniccedilatildeo o soberano japonecircs obriga o ofensor a

executar misogi e posteriormente demite-o do seu cargo 160

se tsumi eacute a raiz de desarmonia

provocada pela accedilatildeo humana individual e repercutida no coletivo misogi eacute nada mais do que

o seu oposto focando-se na reposiccedilatildeo da Ordem pelo responsaacutevel assumindo contornos de

purificaccedilatildeo interna

Num dos eacuteditos do Imperador Yūryaku (雄略天皇) tsumi adquire uma natureza

ldquoperdoaacutevelrdquo ao escutar a canccedilatildeo entoada por Hata-no-sake-no-kimi o imperador absolve o

carpinteiro Kodakumitsuke-no-mita de ter forccedilado sexualmente 161

uma uneme 162

de Ise (na

verdade a jovem em questatildeo meramente tinha-se distraiacutedo a olhar para Kodakumitsuke-no-

mita estragando uma das oferendas que tinha acabado de preparar) 161

uma vez que o tsumi

de que tinha sido acusado o carpinteiro eacute considerado de tal ordem grave que o Imperador

pensou condenaacute-lo agrave morte eacute possiacutevel concluir que relaccedilotildees sexuais (forccediladas) justificavam a

pena capital

159

Nihonsinwa ldquo大祓いと罪悪rdquo (A Grande Purificaccedilatildeo e Crimes) 仲哀天皇(古事記)(Imperador Chūai

Kojiki) (on line) lthttpnihonsinwacompage577htmlgt (consultado em 24-06-2018) 160

Nihonsinwa ldquo履中天皇(十一)車持部の罪rdquo (Imperador Richū 11 O crime de Kurumamochi-be) 履中天皇 反正天皇(日本書紀)(Imperador Richū Imperador HanzeiHanshō Nihon shoki) (on line) lthttp

httpnihonsinwacompage1396htmlgt (consultado em 24-06-2018) 161

Nihonsinwa ldquo木工鬪鶏御田の冤罪と秦酒公の琴の声rdquo (As falsas acusaccedilotildees de Kodakumitsuke-no-mita e

a voz da biwa de Hata-no-sake-no-kimi) 雄略天皇(日本書紀)四十二 (Imperador Yūryaku Nihon shoki

42) (on-line) lthttpnihonsinwacompage1469htmlgt (consultado em 24-06-2018) 162

Uneme (采女) designa uma rdquofuncionaacuteriardquo da corte geralmente nomeada pelo Imperador ou pela Imperatriz

Segundo Nishigaki a funccedilatildeo destas jovens eacute de cuidar ldquodos afazeres do quotidianordquo dos seus empregadores

incluindo preparar a comida NISHIGAKI Yukio op cit p116

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No registo de Veratildeo do ano seguinte tsumi eacute novamente uma ofensa de natureza

sexual o crime cometido por Hatane-no-mikoto ndash um parente afastado do atual imperador

legitimando eventuais ambiccedilotildees ao trono ndash eacute o de sorrateiramente ter tido relaccedilotildees com

Yama-no-be-no-Koshimako Apoacutes purificar-se de tais atos recorrendo ao pagamento em

cavalos e tachi (nome para uma katana longa) Hatane eacute posteriormente obrigado pelo

imperador a lsquodepositar no chatildeorsquo os seus pertences numa outra localizaccedilatildeo perdendo o seu

estatuto social Se neste caso a puniccedilatildeo de Yūryaku serve para preservar a sua posiccedilatildeo

poliacutetica impedindo um hipoteacutetico golpe de estado 163

no primeiro episoacutedio o castigo eacute

aplicado como forma de justiccedila pelos terriacuteveis atos do carpinteiro

Como se pode constatar nos exemplos referidos tsumi expressa um uacutenico crime algo

repercutido no registo do Imperador Ankan (安閑天王) no 12ordm mecircs do primeiro ano de

reinado o termo eacute usado para indicar o roubo do colar por parte de uma jovem e que o

imperador resolve ldquoarrependerrdquo (aganai 贖い164) um procedimento no qual se reunia uma

seacuterie de pessoas conhecidas do acusado que entregavam riquezas ao imperador esperando-se

desta forma evitar o ldquocontaacutegiordquo de tsumi cometido pelo criminoso Curiosamente a viacutetima do

roubo tambeacutem eacute incluiacuteda neste conjunto de pessoas justificado pelos receios de contaminaccedilatildeo

165 neste sentido tsumi eacute duplamente uma ofensa individual e algo de natureza

ldquocontaminadorardquo conotada com kegare e Desordem

Em outras croacutenicas como a dos Imperadores Bidatsu (敏達天皇) Kōtoku (孝徳天皇

e Tenmu (天武天皇) tsumi corresponde a crimes cometidos pela mesma pessoa ou por um

conjunto de indiviacuteduos no primeiro caso tsumi descreve dois atos de Naniwa - ter ldquoenganadordquo

a corte (de certo modo um caso de insubordinaccedilatildeo) e de ter feito com que um diplomata do

reino de Kōryo fosse morto 166

no segundo ano do terceiro mecircs de Kōtoku identificam-se os

163

Eacute interessante ver que o verbo okasu eacute usado nesta passagem para identificar o crime Dependendo do

contexto o verbo pode significar ldquoviolarrdquo ecoando as suspeitas do Imperador no episoacutedio anterior Outro termo

a ter em conta eacute o de ldquopurificaccedilatildeordquo harai natildeo envolve misogi mas natildeo deixa de ser harai distinguindo-se como

um tipo de harai associado a ldquopagamentosrdquo Nihonsinwa ldquo歯田根命は山辺小嶋子と姦通し罪を問われるrdquo

(Hatane-no-mikoto eacute interrogado pelo crime de adulteacuterio com Yamanobe-no-Koshimako) 雄略天皇 日本書紀( 四 十 三 ) (Imperador Yūryaku Nihon shoki 43) (on line) lthttpnihonsinwacompage1471htmlgt

(consultado em 24-06-2018) 164

Aganai deriva do verbo aganau (贖) ou ldquoarrependerrdquo no sentido de ldquocompensarrdquo por maus atos Outra

definiccedilatildeo possiacutevel eacute enterrar riquezas no chatildeo NISHIGAKI Yukio op cit p 27 165

Nihonsinwa ldquo廬城部連枳莒喩の娘の幡媛の罪物部尾輿も土地を献上rdquo (O crime da rapariga Hatahime

de Iwogibe-no-muraji-kyū Mononobe-no-Ōmuraji-okoshi tambeacutem presenteia no chatildeo) 安閑天皇 宣化天皇(日本書紀)(Imperadores Ankan Senka Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1603htmlgt

(consultado em 24-06-2018) 166

Nihonsinwa ldquo難波の罪を数えるrdquo (Contar os crimes de Naniwa) 敏達天皇 日本書紀 Imperador Bidatsu

Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1731htmlgt (consultado em 24-06-2018)

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criminosos e o crime de que satildeo acusados nomeadamente roubo de bens (cavalos armas

tecidos) a outros membros da corte e funcionaacuterios 167

Por uacuteltimo o Imperador Tenmu

menciona sete ldquocoisas maacutesrdquo (ashiki koto 悪しきこと ) cometidas por um clatilde o que

normalmente justificaria a presenccedila deste no palaacutecio a fim de se proceder a um

questionamento oficial Contudo a interceccedilatildeo de um outro indiviacuteduo em favor deste clatilde

resulta na concessatildeo de um perdatildeo imperial caso tornassem a cometer crimes natildeo teriam a

mesma sorte 168

Eacute impossiacutevel natildeo se constatar uma espeacutecie de consciencializaccedilatildeo japonesa no que

concerne agrave Desordem e os possiacuteveis meios para a combater todos os ldquoritosrdquo que precedem os

matsuri e outros atos de veneraccedilatildeo aos kami envolvem algum tipo de ldquopurificaccedilatildeordquo (coisas

pessoas e espaccedilos) expressando-se uma clara atitude de abominaccedilatildeo por tsumi kegare e imi

Ora numa abordagem mais teoacuterica o antagonismo eacute colocado de parte e qualquer um destes

conceitos pode ser analisado enquanto objeto de estudo facultando o desenvolvimento de

novas perspetivas da dicotomia ldquobemmalrdquo em contexto shintō

Segundo Ōwaki Yukiko a linha de pensamento de Norinaga atenta na natureza

ldquoinclusivardquo e natildeo ldquoexclusivardquo de tsumi tornando-o um coletivo de um certo nuacutemero de crimes

socialmente reprovaacuteveis de kegare magakoto e maga ou seja todo o tipo de ldquocoisasrdquo

negativas associadas ao ldquomalrdquo uma palavra que natildeo se deve identificar com o ldquomalrdquo segundo

a visatildeo religiosa ocidental 169

Ao reconhecer a dicotomia DesordemOrdem o indiviacuteduo

deixa-se guiar pelos kami da Ordem - Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大

直毘神) - pedindo-lhes emprestado o ldquopoder da sua mitamardquo isto eacute a sua ldquoessecircnciardquo Seguir

kami no michi torna-se deste modo seguir a Via favoraacutevel agrave purificaccedilatildeo das intenccedilotildees

permitindo afastar a influecircncia negativa e prejudicial de maga que por sua vez se foca em

espalhar Desordem pelo mundo 170

167

O kanji [過] ndash toga sinoacutenimo de tsumi ndash associa-se a okasu reforccedilando a sua leitura enquanto algo de

natureza criminosa Nihonsinwardquo孝徳天皇(二十六)穂積臣咋と巨勢徳禰臣の罪rdquo (Imperador Kōtoku 26

O Crime de Hozumi-no-Omi-kui e Kose-no-tokone-no-Omi (on line) 日本書紀 孝徳天皇 (Nihon shoki

Imperador Kōtoku) lthttpnihonsinwacompage2079htmlgt (consultado em 24-06-2018) 168

Nesta passagem ashiki koto substitui tsumi Nihonsinwa ldquo東漢直の7つの罪恩により許されるrdquo (Os

crimes dos Yamato-no-aya-no-atai Devido agrave graccedila [imperial] satildeo perdoados) 天武天皇(六十)日本書紀

(Imperador Tenmu 60 Nihon shoki) (on-line) lthttpnihonsinwacompage2317htmlgt (consultado em 24-06-

2018) 169

ŌWAKI Yukiko ldquoつみ 罪 Tsumirdquo 万葉神事語辞典 (Dicionaacuterio de 10 mil fragmentos dos assuntos de

kami) (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_dsgampdata_id=68730gt

(consultado em 24-06-2018) 170

MOTOORI N ldquo1-9 直毘霊rdquo(なおびのみたま) (1-9 Naobi no mitama) 古事記傳 (Kojikiden) (on

line) lthttpkumoi1webfc2comCCP059htmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 62

Com efeito a visatildeo particular de Norinaga em relaccedilatildeo a nao (直) e maga (禍) revela-

se fundamental para a compreensatildeo de kami no michi como um Caminho de retorno a uma

Ordem criada por algo natildeo humano e expressa pela naobi-no-mitama (直毘霊) Em outras

palavras nao eacute a antiacutetese de maga algo jaacute aludido na proacutepria etimologia dos dois vocaacutebulos

conotados com coisas ldquopositivasrdquo e ldquonegativasrdquo nao eacute entendido como ldquocorretordquo ldquodireitordquo e

ldquoretordquo uma disposiccedilatildeoatitude preferiacutevel e consequentemente uma caracteriacutestica ligada agrave

Ordem 171

ndash significa ldquocurarrdquo ou ldquopacificarrdquo consoante o contexto ndash maga eacute uma ldquocoisa maacute

desastrerdquo associando-se ainda ao kanji [曲] presente no verbo magaru traduzido por ldquovirarrdquo

ou ldquotorcerrdquo172

Todavia este ldquotorcerrdquo eacute permanente evidenciando a capacidade do indiviacuteduo

prevalecer sobre a influecircncia de maga magamal natildeo eacute inato ao homem justificando o

porquecirc de shintō tradicionalmente definir o homem pela sua ldquoboardquo natureza argumentando

que natildeo existem ldquopessoas maacutesrdquo (por natureza) mas ldquomaacutes intenccedilotildeesrdquo ldquodoenccedilasrdquo e ldquocoisas maacutesrdquo

neste mundo que satildeo impulsionadas pela existecircncia inevitaacutevel de maga 172

Com efeito este

manga eacute um entrave temporaacuterio agrave Ordem interpretaccedilatildeo ecoada por Ono Sokyō Referindo-se

agrave perspetiva ldquoxintoiacutestardquo antiga de uma ldquoorigem exteriorrdquo do mal este uacuteltimo identifica tal

origem com o ldquomundo da escuridatildeordquo personificado pelos magatsui no kami ldquoespiacuteritos

malignosrdquo admitindo que o homem vive num ldquomundo bomrdquo (um mundo de kami criado pelo

musubi) e a sua ldquoalmardquo eacute inerentemente boa ldquoo homem comete males porque perdeu foi-lhe

retirada a capacidade para accedilatildeo normalrdquo 173

Neste sentido tanto o Kojiki como o Nihon shoki apresentam uma explicaccedilatildeo para a

existecircncia desta Desordem Desordem eacute uma consequecircncia da libertaccedilatildeo no mundo de kegare

do Yomi-no-kuni contraiacutedo por Izanagi aquando da sua passagem por este domiacutenio inferior

Caracterizado pela sua sujidade 174

Yomi eacute o mundo dos mortos portanto eacute loacutegico que tudo

que faccedila parte desse lugar seja o oposto da Ordem oferecendo um viacutevido contraste com o

171

NISHIGAKI Yukio op cit p457 172

NISHIGAKI Yukio op cit p529 173

ONO Sokyō op cit pp105-107 174

A utilizaccedilatildeo da palavra ldquosujidaderdquo eacute justificada pela leitura do kanji [穢] como kitanaki presente na fala de

Izanagi O kami tem consciecircncia de ter regressado de uma ldquoterra sujardquo (kitanaki kuni 穢國) e procura de imediato

uma fonte de aacutegua para poder lavar o seu corpo (misogi) No texto original a frase lecirc-se ldquoA wa ina

shikomeshikomeki kitanaki kuni ni itarite arikeri Kare A wa mimi no misogi senrdquo (吾者到於伊那志許米志許

米岐 穢國而在祁理故吾者爲御身之禊而) sendo que [吾] eacute uma forma arcaica do pronome pessoal ldquoeurdquo

KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)

lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 63

mundo dos vivos gerado pela vontade dos kami e no qual aflui vida se os kami satildeo

consequecircncia de musubi os magatsui no kami possuem uma natureza diferente no Kojiki

correspondem a Yasomagatsubi-no-kami (八十禍津日神) e Ōmagatsubi-no-kami (大禍津日

神) e no Nihon shoki este uacuteltimo eacute substituiacutedo pelo Ōayatsubi-no-kami (大綾津日の神)

notando-se a inclusatildeo do som aya cujo significado eacute proacuteximo de maga 175

Aparecendo depois dos kami que se manifestaram agrave medida que Izanagi-no-kami se

despia os magatsui no kami satildeo corporizaccedilotildees de kegare Mencionados durante o ritual

misogi harai este par daacute iniacutecio ao ciclo de Desordem e Ordem reconhecido pelo indiviacuteduo

Desordem precede a Ordem que eacute interpretada como a ldquoessecircnciardquo dos naobi-no-kami ou seja

Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大直毘神) e ainda Izunome-no-kami (伊

豆能賣神) 176

A niacutevel etimoloacutegico a escolha do nome dos primeiros dois kami natildeo eacute uma escolha

aleatoacuteria na ediccedilatildeo do Kojiki-den (1940) compilado por Kurano Kenji Norinaga comenta que

os magatsui no kami possuem uma parte inicial que reforccedila a noccedilatildeo de ldquomuitordquo isto eacute yaso e

ō respetivamente uma parte do meio especificamente conotada com ldquonegativordquo (maga e aya)

a partiacutecula bi (日 ) que serve de auxiliar de fala tal como se constata no bi (毘 ) em

Kamunaobi-no-kami e Ōnaobi-no-kami Por conseguinte maga koto e jaaku (凶事邪悪)

derivam da tamashii de magatsubi no kami acrescentando-se que o verbo naosu (直す) pode

corresponder ldquoao ato de purificar atraveacutes de enxaguar o corpordquo (naosu to wa tsumari

susugikiyomerukoto wo iu 直すとはつまり滌ぎ清めることを言う) se maga significa

kegare kiyomeru eacute naosu Por outro lado naobi refere-se agrave mitama (御魂) capaz de efetuar

este naosu em maga acalmando a sua influecircncia 177

Se Norinaga eacute assertivo na origem exterior do mal que afeta tudo em nosso redor

imaginando um magatsubi no kami como derradeira personificaccedilatildeo das coisas malignas

outros autores natildeo compartilham dos mesmos sentimentos com um especial destaque para o

seu grande rival e anterior disciacutepulo Hirata Atsutane Apesar de aceitar a dicotomia maganao

175

Aya eacute o mesmo som presente em palavras simbolizando ldquoperigordquo e ldquocriserdquo (adjetivos ou pressentimentos) tais

como ayaui e ayabumu (Nishigaki pp 55-56) Portanto se Ōmagatsubi eacute literalmente ldquograndeenorme desastrerdquo

o Ōayatsubi eacute ldquograndeenorme perigordquo a conotaccedilatildeo ldquonegativardquo permanece MOTOORI N ldquo6-2 神代四之

巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi) 古事記傳 (Kojikiden) (on line)

lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 176

KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)

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2018) 177

MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)

古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018)

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Hirata defende uma perspetiva inclusiva de ldquomalrdquo apoiada na ideia de que o ser humano

possui no seu interior o ldquoespiacuterito de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo

errado foi cometidordquo e o ldquoespiacuterito de Naobi-no-kamirdquo responsaacutevel por moderar a atuaccedilatildeo do

indiviacuteduo de uma forma relaxada e tranquila 178

Neste sentido definiram-se duas caracterizaccedilotildees distintas no que concerne agrave

interpretaccedilatildeo de mal Norinaga eacute um notoacuterio apoiante da teoria lsquomal= antiacutetese do bemrsquo em

todos os seus sentidos comentando o facto de magatsubi no kami ser uma forccedila que o homem

eacute incapaz de resistir e no seu maior extremo adquire uma natureza incontrolaacutevel indomaacutevel

fora do alcance do poder da kami do Sol e de Takagi no Ōkami (um outro termo para Taka-

musubi-no-kami) Contudo independentemente da sua existecircncia neste mundo ldquoos maus

kamirdquo agem simplesmente de acordo com a sua natureza e podem ser aplacados atraveacutes de

ldquoveneraccedilatildeo e execuccedilatildeo de purificaccedilatildeo quando algueacutem estabeleceu contacto com poluiccedilatildeordquo

No fundo a sua influecircncia negativa pode ser apaziguada e retificada graccedilas ao cultivo de uma

atitude de ldquoobservaccedilatildeo correta de veneraccedilatildeordquo 179

Por outro lado Hirata propotildee uma teoria diferente no sexto volume do Koshiden (古

史伝 ca 1812-1825) o autor rejeita a teoria de que magatsubi-no-kami e naobi-no-kami

associam-se somente agrave aramitama e nigimitama de Amaterasu respetivamente Ou seja a

dualidade aramitamanigimitama eacute comum a qualquer kami encontrando-se exemplos de

veneraccedilatildeo muacutetua da aramitama e nigimitama em locais especiacuteficos (cultos de Ise e Izumo)

Aliaacutes a anaacutelise de Hirata permitiu o estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre dois kami e uma

ldquopresenccedila interiorrdquo (mitama) capaz de exercer influecircncia de forma positiva e negativa se

naobi-no-kami pertence agrave nigimitama de Ōmikami (Amaterasu) magatsubi no kami

corresponde agrave aramitama de Susano-o-no-mikoto 180

explica-se deste modo o seu

comportamento tempestuoso e irasciacutevel que levaria ao seu afastamento de Takamahara como

compensaccedilatildeo pelos seus tsumi

Com efeito quer se trate de um kami quer de um homem todos tecircm no seu interior a

capacidade de distinguir o ldquocorretordquo do ldquoerradordquo sendo que uma orientaccedilatildeo correta eacute parte

das responsabilidades do ldquoespiacuteritordquo de Naobi-no-kami moderando-se a atuaccedilatildeo do indiviacuteduo

178

PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 273 179

UEDA Kenji ldquoMagatsubi no Kami and Motoori Norinagarsquos Theologyrdquo Institute for Japanese Culture and

Classics Kokugakuin University (on line) lthttpwww2kokugakuinacjpijccwpcpjrkamiuedahtmltnoteIgt

(consultado em 24-06-2018) 180

HIRATA A ldquo古史伝 6rdquo National Diet Library (on-line) lthttpdlndlgojpinfondljppid772144gt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 65

de uma forma relaxada e tranquila Em contrapartida o ldquoerradordquo eacute representado pelo ldquoespiacuterito

de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo errado foi cometidordquo 181

Ora a existecircncia de um kami da Desordem (interior) natildeo implica a adoccedilatildeo de um

comportamento exclusivamente negativo e incorreto por parte deste magatsubi-no-kami eacute

uma consequecircncia e natildeo a raiz desta conduta tornando-se ldquoviolentordquo no caso da presenccedila de

kegare Estando esta ausente tal comportamento perde a sua razatildeo de ser possibilitando a

transiccedilatildeo do magatsubi no kami para um kami capaz de ldquoconceder felicidaderdquo um kami

beneacutefico e cuja essecircncia nunca pode ser maleacutefica antes pelo contraacuterio 182

No Japatildeo dos dias de hoje os conceitos ldquobemmalrdquo satildeo mais ambiacuteguos do que claros

a classificaccedilatildeo de accedilotildees em boasmaacutes depende das ldquocircunstacircncias motivos propoacutesitos

tempo lugarrdquo embora uma coisa seja certa a ldquosinceridaderdquo do nosso ldquocoraccedilatildeordquo que rege uma

conduta ldquoproacutepriardquo e cortecircs favoraacutevel ao natildeo conflito e agrave manutenccedilatildeo da paz e ordem socialrdquo

Tudo que potildee em causa a harmonia merece o roacutetulo de ldquomalignordquo quer se trate de ldquopecados

poluiccedilatildeo e desastresrdquo cabendo agrave ldquoalmardquo do ser humano distinguir entre o bem e o malrdquo 183

algo que soacute eacute possiacutevel se se cultivar uma relaccedilatildeo suficientemente forte com os kami atraveacutes

desta ligaccedilatildeo muacutetua o homem aprende a afastar-se do que lhe eacute prejudicial uma preocupaccedilatildeo

que se estende a qualquer vertente de shintō dos dias de hoje a reposiccedilatildeo da Ordem eacute sem

duacutevida a grande prioridade dos rituais que se esforccedilam por combater qualquer forma de

Desordem

A segunda grande causa da Desordem eacute kegare uma ldquocondiccedilatildeo poluiacuteda e malignardquo

A ldquoantiacutetese de purezardquo kegare eacute ldquoresultado de fenoacutemenos ocorrentes naturaisrdquo e possui uma

natureza facilmente ldquocontaminaacutevelrdquo uma vez que ldquoquando esta corrupccedilatildeo aderia ao indiviacuteduo

tambeacutem trazia calamidades agrave sociedaderdquo 184

Um termo descritivo de ldquoespeciacuteficos tipos de

impureza causados pelo parto menstruaccedilatildeo doenccedilas e morte (hellip) presenccedila de kegare eacute

ignorada tatari (desgraccedila) pode chegar como avisordquo 185

kegare distingue-se de tsumi por ser

sensorialmente impuro distanciando-se do sentido de eticamente impuro patente em tsumi a

conduta errada que danifica o proacuteprio indiviacuteduo e o coletivo

181

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 273 182

KOYASU Nobukuni Hirata Atsutane no Sekai (平田篤胤の世界) Tokyo Berikansha 2001 p205 183 ONO Sokyō op cit pp105-107 184

NISHIOKA Kazuhiko ldquoKegarerdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23417gt (consultado em 24-06-

2018) 185

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 191

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A niacutevel etimoloacutegico kegare pode ser escrito de duas formas se usado no discurso do

dia-a-dia utiliza-se [汚] um kanji presente em kitanai (汚い) ou ldquosujordquo kegarawashii (汚ら

わしい) ou ldquonojentordquo yogosu (汚す) e yogoreru (汚れる) respetivamente ldquosujarrdquo e ldquosujar-

serdquo oshoku (汚職) ou ldquocorrupccedilatildeordquo e ainda osen ( 汚染) isto eacute e ldquopoluiccedilatildeordquo (ecoloacutegica)

composto pelo kanji [汚] e pelo kanji usado para escrever o verbo someru (染める) traduzido

por ldquopintarrdquo (no sentido de ldquomancharrdquo) Em suma uma condiccedilatildeo na qual o indiviacuteduo ou o

objeto natildeo estaacute limpo assemelhando-se aos vocaacutebulos fujō (不浄 ldquoimpurordquo) e fuketsu (不潔

ldquonatildeo higieacutenicordquo)

Em contrapartida o kegare ritual escreve-se com o kanji [穢] e o seu som kega eacute um

homoacutefono do vocaacutebulo kega (怪我) significando ldquoferidardquo ou ldquomagoarrdquo involuntariamente

como resultado de erros cometidos claramente reforccedilando a sua conotaccedilatildeo negativa

evidenciada pelo verbo kegareru (汚れる穢れる) que supostamente se desenvolveu graccedilas agrave

junccedilatildeo da partiacutecula ke (geralmente lida como ki 気) e do verbo karu escrito com o mesmo

kanji [離] usado em hanareru (れる) isto eacute ldquoafastar-serdquo 186

Neste sentido kegareru pode ser melhor descrito como uma certa accedilatildeo que provoca

o afastamento do ki - espeacutecie de ldquofluxo de energiardquo imanente em tudo que eacute vivo ndash e

consequentemente eacute capaz de atrair todo o tipo de influecircncias negativas Aliaacutes alguns

estudos modernos realizados por japoneses atribuem a origem de kegare (穢) agrave expressatildeo

kegare (気枯) que constituiacuteda pela junccedilatildeo de ki e kare - forma nominal do verbo kareru

geralmente traduzido por ldquomurcharrdquo - kegare (気枯) significaria literalmente ldquoki que murchardquo

ecoando esta ideia de ldquoafastamento do kirdquo que eacute nada mais do que perda de vitalidade 187

Uma Desordem natural que eacute combatida pela purificaccedilatildeo quer recorrendo ao natildeo

contacto com certos alimentos ou objetos (mono imi 物忌) ou agrave realizaccedilatildeo de ldquoabluccedilotildeesrdquo que

afetem a ldquomente e corpordquo (心身) do indiviacuteduo enquanto este venera os kami kegare eacute ldquoum

estado de divergecircncia do que eacute comum uma condiccedilatildeo que se deve abster-se com receiordquo

Caracterizada pelo gradual murchar de ke ndash substitui-se o kanji [気] pelo de [褻] que significa

ldquomundanordquo ndash kegare pode ateacute afetar os alimentos utilizados nos matsuri ao mesmo tempo

que se reconhece a natureza sagrada destas oferendas pensava-se que os alimentos (odango

feijatildeo) eram ldquotambeacutem uma existecircncia sujardquo que justificava a sua eliminaccedilatildeo pela aacutegua fogo

186

NISHIGAKI Yukio op cit pp269-270

187 ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 67

sal e lama elementos portadores de ldquoefeitos purificadoresrdquo (jōka sayō 浄化作用) sendo

destruiacutedos ou queimados apoacutes as festividades 187

Numa interpretaccedilatildeo alternativa eacute possiacutevel explicar kegare como uma das partes da

dicotomia kegarehare para a antropoacuteloga Namihira Emiko kegare expressa ldquoocasiotildees

poluentes tais como funerais ritos memoriais nascimento de crianccedilas menstruaccedilatildeo feridas

(hellip) poluiccedilatildeo pode vir tanto de morte como de sanguerdquo por oposiccedilatildeo a hare ldquoocasiotildees

auspiciosas ou felizes formais tais como Ano Novo festivais matsuri Shinto Miyamairi e

outras cerimoacutenias Shintordquo positivas 188

de celebraccedilatildeo da vida e reposiccedilatildeo da Ordem

conotando-se com o que na linguagem contemporacircnea eacute automaticamente reconhecido como

ldquopurezardquo

Automaticamente associado a coisas impuras kegare eacute essencial no entendimento da

tradiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo do geacutenero feminino sobretudo no que diz respeito a kegare oriundo

de sangue (menstruaccedilatildeo) e do parto posteriormente identificados com ldquoimpureza vermelhardquo

(aka fujō 赤不浄) e ldquoimpureza brancardquo (shira fujō 白不浄) respetivamente um sistema de

classificaccedilatildeo que remonta somente ao Periacuteodo Meiji acrescentando-se uma terceira ldquoforma de

impurezardquo haacute jaacute muito reconhecida na sociedade japonesa e capaz de afetar ambos geacuteneros a

ldquoimpureza negrardquo (kuro fujō 黒不浄) 189

sinoacutenimo de shie ou ldquokegare da morterdquo (死穢)

caucionando o indiviacuteduo contra o prolongado contacto direto e indireto com mortos

Ora jaacute as primeiras fontes histoacutericas japonesas perspetivam kegare como uma forma

de Desordem se no Nihon Kōki (日本後紀) o termo quase nunca surge de forma isolada

fazendo parte das palavras [凶穢] [損穢] [汚穢] e [ 穢悪之事] respetivamente registadas

nos anos 797 806 815 e 811 190

no Zoku Nihongi (続日本紀) regista-se [有穢] ou ldquokegare

arirdquo (ldquoter kegarerdquo) aludindo agrave materializaccedilatildeo de kegare 191

Uma vez que tanto o nascimento e a morte de animais ou humanos satildeo kegare eacute

possiacutevel afirmar que enquanto conceito kegare sofreu uma elevada consciencializaccedilatildeo no

seio da sociedade japonesa ndash kegare eacute algo que pode ldquomancharrdquo e ldquocontaminarrdquo ndash ao ponto de

interferecircncia nos rituais aos kami como se pode constatar no Nihon Sandai Jitsuroku (日本三

188

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 309-310 189

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (Distortion of Japanese Tradition) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22

190 SAEKI A 日本後紀 朝日新聞本 (Nihon Goki Versatildeo do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-

textscomchukokoukiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 191

MIZUMOTO Masahisa ldquo大本敬久 触穢の成立 日本古代における「穢」概念の変遷rdquo (ldquoBook review

lsquoDevelopment of Shokue Changes of the Kegare Concept in the Ancient Japan by Ōmoto Takahisarsquordquo) Buraku

Kaihō Kenkyū (部落解放研究) nordm 199 2013 pp 118-123

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 68

代実録) Por outras palavras a presenccedila de kegare pode justificar o cancelamento de certos

matsuri encontrando-se vaacuterias referecircncias a esta ldquointerrupccedilatildeordquo (teishi停止) no registo do ano

683 (Kinensai e Hirano Umemiya matsuri) e no de 866 e 874 (Tsukinamisai) outro exemplo

a ter em consideraccedilatildeo data do seacutetimo ano da era Jōgan (nono mecircs deacutecimo primeiro dia) e

ilustra kegare como algo nocivo agrave execuccedilatildeo dos ldquoritosrdquo no Ise Jingū que eacute eliminado por

membros da corte 192

Podendo ser visto ouvido degustado cheirado e tocado algo expresso no conceito

de shokue (触穢) literalmente ldquokegare de toquerdquo ndash o primeiro kanji eacute o mesmo usado para o

verbo ldquotocarrdquo (sawaru) ndash kegare eacute classificado por fontes do Periacuteodo Heian como o jaacute

mencionado Nihon Sandai Jitsuroku que lista as seguintes categorias shokue (nas croacutenicas

dos anos 859 862 e 886) shie (episoacutedios dos anos 861-864 865 871 876 878-879 880

882-883 885-887) - especificando se se trata da morte de um animal (catildees cavalos raposa)

ou de um humano (人死穢 e 人死之穢) procedendo-se ao cumprimento de regras de

ldquoabstenccedilatildeordquo como medidas de contingecircncia contra o alastramento de impureza - e san no

kegare exclusivamente associado a catildees ndash no texto original lecirc-se presumivelmente inu sanrsquoe

(犬産穢) ndash descritos no nono mecircs do terceiro dia (ano 865) no deacutecimo mecircs do seacutetimo dia

(ano 867) em dois dias do ano 870 nos anos 877 879 880 884 885 e por uacuteltimo no ano

886 193

Quanto a ketsue (血穢) ou chi no kegare a ldquoimpureza de sanguerdquo eacute discriminada no

episoacutedio do Kojiki (reinado do Imperador Keikō) que descreve o casamento entre Yamato-

takeru-no-mikoto (倭建命) e a menstruada Miya-uke-hime (美夜受比売) um facto entoado

num ldquopoemardquo (uta 歌) pelo proacuteprio esposo e correspondido por esta na noite de nuacutepcias

Assim ketsue eacute o melhor representante da visatildeo lsquosangue = impurezarsquo independentemente de

este pertencer a uma mulher ou a um homem o sangue de um ser vivo era encarado num

misto de receio e fasciacutenio pensando-se que este liacutequido era portador de ldquoum poder forterdquo

192

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 193

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Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 69

Como resultado o sangue tornar-se-ia um imi (忌) a nunca referir em discurso muito menos

durante a realizaccedilatildeo dos atos de veneraccedilatildeo aos kami 194

Em contrapartida tambeacutem o Saigūki (西宮記 ca seacutec X) regista casos de ketsue

durante o Kamo-matsuri no quarto mecircs do ano 839 e no Sono-matsuri segundo mecircs do ano

851 190

Seguidamente em contexto dos proacuteprios ritos do Naikū a proacutepria palavra ldquosanguerdquo

(血) seria adicionada agrave lista de imikotoba presente no Kōtai Jingū Gishiki-chō 195

Jaacute na 52ordf

aliacutenea do terceiro volume do Engishiki caucionar-se-ia as menstruadas jovens do palaacutecio (ari

tsuki-goto-mono 有月事者) a retirarem-se para suas casas na veacutespera do matsuri e praticar

ldquoabstinecircnciardquo (kessai 潔斎) no terceiro e nono mecircs (Anexo I) 196

Uma vez que o sangue eacute um liacutequido presente no parto de animais e seres humanos natildeo

eacute estranho o facto de o nascimento partilhar do mesmo sentido negativo que a morte ou o

sangue menstrual como jaacute mencionado o Nihon Sandai Jitsuroku cita ocorrecircncias de dano

fetal e nascimento de catildees como motivos para adiar certos ritos 197

e em dois episoacutedios

descritos no ano de 919 (Teishinkōki) e 1119 (Chōshūki) respetivamente se no primeiro caso

esta variedade de kegare eacute mais que suficiente para interromper o Kinensai - agrave semelhanccedila do

ano 683 (Nihon Sandai Jitsuroku) ndash no segundo o parto de uma crianccedila originou kegare que

se espalhou por todos os cantos 198

194

IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 195

O Kōtai Jingū Gishiki-chō foi produzida por volta do seacutec IX pelo Naikū e entregue ao Jingikan para revisatildeo

Interessantemente a maior parte deste conjunto de palavras satildeo de origem ldquobudistardquo refletindo a abominaccedilatildeo de

shintō em relaccedilatildeo a ldquoensinamentos de forardquo Segundo Wada a expressatildeo ldquo 血乎阿世止云 rdquo significa

simplesmente que ldquoaserdquo (阿世) ndash ase pode querer indicar a palavra japonesa para ldquosuorrdquo (汗) - deve ser usada

como ldquosubstituto de ldquochirdquo (sangue) O autor afirma tambeacutem que sangue e urina eram considerados liacutequidos

impuros portanto automaticamente interditos nestes espaccedilos WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ

意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo

Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro

2007 pp 114-136 196

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de

Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 197

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)

198 IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 70

No que concerne a shie esta eacute talvez a forma de kegare mais abominada pela

sociedade japonesa pela sua ligaccedilatildeo direta com a morte morte (intencional ou natural) nunca

eacute motivo de celebraccedilatildeo e os rituais de shintō priorizam a vida ou seja ldquocrescer culturas e

receber vida Receber vida e dar graccedilas agrave vida representa a visatildeo de vida fundamental de

Shintordquo 199

tornando os matsuri natildeo soacute expressotildees de rituais positivos mas tambeacutem

celebraccedilotildees da vida da sociedade aproximando o indiviacuteduo do coletivo

Com efeito se a vida aproxima a morte afasta e traz consigo kegare a sua existecircncia

poderaacute provocar o cancelamento de certos matsuri Ao longo da histoacuteria do Japatildeo morte

nunca foi desassociada de kegare e imi sendo que ateacute mesmo a sociedade contemporacircnea

hesita em referir-se abertamente agrave morte individual de seres humanos respeitando uma seacuterie

de regulaccedilotildees que envolvem a natildeo pronunciaccedilatildeo de palavras que pudessem ser analogias agrave

morte (imikotoba) a praacutetica de ldquokichūrdquo (忌中) entre as pessoas da mesma famiacutelia do falecido

a distribuiccedilatildeo de um tipo de ldquosal purificadorrdquo (kiyome no shio 清めの塩 ) entre os

participantes do funeral Incidentalmente o costume ldquomodernordquo de visitar as campas dos

antepassados e dos membros da famiacutelia recentemente falecidos era totalmente posto de parte

pela corte do Periacuteodo Heian temendo-se o perigo de contaminaccedilatildeo devido agrave forte ldquoligaccedilatildeo de

sanguerdquo entre membros da mesma famiacutelia (sobretudo parentes proacuteximos) 200

Surgindo frequentemente no Kojiki e Nihon shoki kegare natildeo passa de uma palavra

(adjetivo verbo ou nome) sem categorizaccedilotildees integrando um grupo de vocaacutebulos constituiacutedo

por termos de conotaccedilatildeo negativamaligna kitanashi (垢濁悪) ashi (悪邪 凶) arashi

(荒) shiko (醜 凶) e maga (禍 悪 禍害枉 凶) 201

Ora independentemente da ausecircncia do

kanji (死穢) ambas fontes reconhecem a natureza ldquopoluenterdquo da morte no Kojiki o Yomi-no-

kuni eacute descrito como um local desolador repleto de kegare no qual residem mulheres ldquoodiosasrdquo

e um mundo afastado de tudo que eacute vivo Assim na passagem do retorno do Izanagi ao

mundo da superfiacutecie o kanji eacute lido pela primeira vez como adjetivo (kitanaki) 202

199

SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological Religion Masterrsquos Degree

Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of the

University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark Teuween 2011 200

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 201

ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 202

KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)

lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 71

Com efeito a relaccedilatildeo shi ndash kegare ndash fujō repercute-se no Nihon shoki [穢] marca

presenccedila nas falas de Izanagi primeiro como adjetivo qualificativo de um ldquolugar horrendo e

sujordquo (inashikomeki kitanaki tokoro 不須也凶目汚穢之處) que eacute identificado com o Yomi-

no-kuni o mundo dos mortos Seguidamente o kanji precede o de [濁] ou nigoru (ldquoturvordquo)

base dos nigorasu nigoraseru e um sinoacutenimo de yogoreru (ldquosujar-serdquo) descreve-se deste

modo o corpo fisicamente ldquosujordquo de Izanagi-no-mikoto que precisa de ser lavado (mi no

kegawashikimono wo arai saran 身の濁穢 を滌い去らん) 203

A associaccedilatildeo entre a morte e a Desordem estende-se para laacute dos episoacutedios de cariz

mitoloacutegico o registo da regente imperial Kōgyoku nota que no seguimento da morte (em

territoacuterio japonecircs) de um filho do diplomata do reino coreano de Paekche nenhum dos

membros da famiacutelia se dignou a aparecer no seu funeral temendo-se uma possiacutevel

contaminaccedilatildeo Apesar de esta atitude de evitaccedilatildeo natildeo ser japonesa a popularidade de obras

chinesas que descreviam as cerimoacutenias e os ritos funeraacuterios (envergamento de branco cor do

luto) contribuiria para a fundamentaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de evitaccedilatildeo de shie a vaacuterios niacuteveis

comeccedilando com definiccedilotildees do enterro a interdiccedilatildeo da cerimoacutenia mogari e outros costumes

que envolviam a morte (corte de cabelo para o bem dos mortos) 204

Por volta do Periacuteodo Heian jaacute era ldquooficialrdquo a abominaccedilatildeo dos membros da corte em

relaccedilatildeo a kegare o Kōnishiki (弘仁式) do Saigūki o Jingiryō e eacute claro o Engishiki definem

kegare como um conjunto de atos a evitar por parte dos indiviacuteduos no seacutetimo volume do

Saigūki nascimento e morte de pessoas e animais domeacutesticos o consumo de carne destes

uacuteltimos fazer luto e visitar doentes implicava um periacuteodo de ldquoevitaccedilatildeordquo ritual de trinta dias

(morte humana) sete dias (nascimento humano) cinco dias (morte animal) e trecircs dias

(consume de carne luto e visita de doentes) 205

No que concerne ao Jingiryō segundo as aliacuteneas dedicadas agrave ldquoabstinecircnciardquo (散斎条)

enterrar coisas em casa luto visita de doentes consumo de carne natildeo produccedilatildeo de muacutesica

entre outros atos de caraacutecter legal (ldquonatildeo julgar em tribunais natildeo punir culpadosrdquo) justificam

este ritual de reposiccedilatildeo da Ordem cuja duraccedilatildeo depende da dimensatildeo dos ritos em questatildeo

203

SAKAMOTO Trdquo一書第六 原文rdquo (Sexto livro Texto Original) 日本書紀 卷第一 第五段 (Nihon

shoki Primeiro Capiacutetulo Quinta Secccedilatildeo) (on line) lthttpwww004uppso-

netnejpdassai1shokiframe0105_06frhtmgt (consultado em 24-06-2018) 204

ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 205

IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 72

(inspirado nos coacutedigos da dinastia Tang) ldquograndes ritosrdquo soacute se realizavam apoacutes um periacuteodo de

ldquoabstenccedilatildeordquo mensal (1ヶ月の斎を大祀) trecircs dias no caso dos ldquoritos meacutediosrdquo (3日の斎を

中祀) e um dia para os ldquoritos pequenosrdquo (1日の斎を小祀) 206

Agrave semelhanccedila de Jingiryō e do Saigūki o Engishiki repercute a tendecircncia de

ldquoevitaccedilatildeordquo como o uacutenico modo de se precaver contra os perigos de kegare formalmente

designando esta de shokue Mencionada sobretudo no terceiro volume concretamente nas

aliacuteneas 47 48 53 e 54 shokue deve ser eliminado consoante as especificaccedilotildees presentes no

Saigūki na segunda aliacutenea os atos de luto (弔喪) visitar doentes e ldquoalcanccedilar um lugar onde

um montemontanha estaacute a ser construiacutedo ou encontrar um serviccedilo memorial Budista de 37

diasrdquo inviabiliza a entrada do indiviacuteduo no ldquoPalaacutecio Imperial nesse diardquo independentemente

de o proacuteprio natildeo estar contaminado (Anexo I) Na terceira aliacutenea afirma-se que shokue pode

ser transmitido de um local para uma pessoa ou um grupo apesar de natildeo haver risco de

kegare para as pessoas em contacto com uma segunda pessoa ldquocontaminadardquo Jaacute na uacuteltima

aliacutenea a presenccedila de kegare num ldquooficial do Palaacuteciordquo natildeo pode comprometer os

procedimentos dos matsuri 207

O aprofundamento do estudo do conceito de kegare tambeacutem facultou o

desenvolvimento de toda uma perspetiva japonesa na qual objetos locais accedilotildees e ateacute mesmo

palavras satildeo rapidamente integradas no quadro cerimonial shintō embora como distintos

entraves a este uacuteltimo Ora apesar de imi natildeo lhe ser inato (a shintō) e jaacute ter existido de forma

latente na sociedade arcaica foi graccedilas ao processo de edificaccedilatildeo desta Via por parte da corte

que imi ndash geralmente entendido num sentido muito negativo ndash gradualmente conjugaria

ambos aspeto de causa e efeito da Desordem e da Ordem evidenciada pela dicotomia imi (忌)

e imi (斎) dois kanji homoacutefonos de significado antiteacutetico que constituem uma seacuterie de

vocaacutebulos e expressotildees geralmente conotadas com o negativo e o positivo respetivamente

No caso do primeiro imi este eacute alternadamente lido como imu e ki (foneacutetica chinesa)

marcando presenccedila nas palavras imawashii (忌まわしい) um adjetivo traduzido como ldquomau

pressaacutegiordquo 208

o nome kinki ( 禁忌) accedilatildeo interdita em meios sociais (ldquofrases proibidasrdquo

206

IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)

lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 207

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de

Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 208

NISHIGAKI Yukio op cit p90

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 73

denominam-se kinku 禁句) expressa numa atitude de afastamento e natildeo contacto com certas

coisas - uma vez que ldquoquebrar o tabu convidaria desgraccedilas tais como feridas e doenccedilasrdquo 209

e

as imikotoba (忌詞) cuja pronunciaccedilatildeo atrai ldquomaacute-sorterdquo ldquodesastresrdquo e ldquodesgraccedilasrdquo 210

Englobando dezenas de verbos adjetivos e outros vocaacutebulos do dia-a-dia imikotoba

natildeo devem ser proferidas em casamentos e noivados (acabar ndash owaru cortarcortar-se ndash

kirukireru) admissotildees escolares e empresariais e sucesso no trabalho (desistirparar ndash yameru

interrupccedilatildeo ndash chūshi) abertura de lojas e negoacutecios (fechar ndash tojiru perder ndash makeru) gravidez

e parto (cair ndash ochiru jazer ndash horobiru fraco ndash yowai murchar ndash kareru) construccedilatildeo de casas

(fogo - hika fumo ndash kemuri) e ainda expressotildees de longevidade 211

Por conseguinte imi (忌) eacute integrado na terminologia fuacutenebre japonesa kichū (忌中)

e kiake (忌明け) expressam o periacuteodo preacute-definido e o fim de [忌] cujo objetivo eacute fazer com

que o indiviacuteduo receie a morte e tudo que esteja relacionado com esta justificando uma

conduta mais cuidada moderada e austera Neste sentido o familiar do falecido refreia-se de

praticar os atos de veneraccedilatildeo em jinja sendo-lhe interdita a entrada na aacuterea destes uacuteltimos e a

sua participaccedilatildeo em matsuri ocasiotildees festivas (casamentos e outras cerimoacutenias viagens

luacutedicas) eventos de celebraccedilatildeo (adiados ateacute kiake) renovaccedilatildeo da casa solo e compras de

grande porte Para o efeito o indiviacuteduo pode escolher sujeitar a casa a uma purificaccedilatildeo

domeacutestica denominada kiake harai (忌明け祓い) cinquenta dias apoacutes a morte do falecido

De caraacutecter muito simples esta praacutetica envolve a entoaccedilatildeo de uma inori por parte de um

ldquoprofissionalrdquo 212

209

Iwai Hiroshi acrescenta que este kinki se relaciona com abstinecircncia do indiviacuteduo (monoimi) sendo que no

caso dos que executam os ritos kami procurava-se manter ldquoum estado de pureza fiacutesica e mentalrdquo evitando

contactar coisas poluiacutedas por um periacuteodo especiacutefico No caso da morte de um parente as pessoas de luto nunca

podem sair agrave rua IWAI Hiroshi ldquoKinkirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on

line) httpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23410gt (consultado em 24-06-

2018) 210

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 171-172

211 Muitas destas palavras foram escolhidas pelo seu significado negativo e ldquopessimistardquo por exemplo ldquopartirrdquo

(saruwareru) e ldquocortar (kiru) podem indicar um eufemismo para morte acrescentando-se o nuacutemero quatro (shi)

que eacute homoacutefono da palavra ldquomorterdquo (shi) Fumitei お祝いには避けたい 忌み言葉 (Querer evitar em

celebraccedilotildees as imikotoba) (on line) lthttpwwwfumiteijpstep3imi_kotobahtml04syussangt (consultado em

24-06-2018) 212

Imi varia consoante o membro da famiacutelia em questatildeo e geralmente eacute feito em simultacircneo com fuku (服) se

bem que este uacuteltimo associa-se ao esforccedilo mental do indiviacuteduo que procura ultrapassar a sensaccedilatildeo de perda e

regressar agrave sua vida normal algo que pode estender-se ateacute seis meses Hyōgo-ken Jinja-chō 先祖のおまつり

(Celebraccedilatildeo dos antepassados) (on line) lthttpwwwhyogo-jinjachocomfaqfaq08htmlgt (consultado em 24-

06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 74

Como se pode constatar a maioria das palavras derivadas de [忌] natildeo possuem um

significado positivo (exceccedilatildeo de kiake e kiake harai) o que eacute concordante com a tradiccedilatildeo de

lsquoimi= malrsquo ilustrada na literatura de corte dos Periacuteodos Nara-Heian (manuais e outros textos

rituais) assemelhando-se aos termos kegare e tsumi

No entanto deve-se ter sempre em consideraccedilatildeo a natureza ambiacutegua deste termo

Nishigaki Yukio (2005) define imu (忌斎) como lsquocoisas sagradasrsquo (shinsei na mono 神聖な

もの) morte e coisas sujas que as pessoas do Japatildeo antigo pensavam que natildeo se podiam tocar

devido ao facto de possuir um poder forterdquo 213

capaz de influenciar positiva e negativamente o

indiviacuteduo ecoando a interpretaccedilatildeo sugerida por Okada Shigekyo (1982) na sua pesquisa

acerca do significado dual de imi o autor menciona o facto da palavra imu (斎) ser usada para

qualificar ldquocoisas purasrdquo (seijōshōjō na mono 清浄な物) e indicar assuntos de kami que

envolviam uma ldquoabstinecircncia optimistardquo contrastando com imu (忌) que denotava ldquocoisas

impurasrdquo (fujō na mono 不浄な物) relacionando-se com os afazeres de kami e puacuteblicos

(negativos por natureza) que obrigavam a uma atitude automaacutetica de afastamento 214

como

meio de repor a Ordem

A ideia de um imi positivo e um imi negativo tambeacutem eacute partilhada por Ama

Toshimaro (1991) embora nos dias de hoje ldquoimirdquo (イミ) tenha adquirido o significado de

[忌] [禁忌] e [禁制 concordante com uma atitude de evitaccedilatildeo na liacutengua japonesa imi possui

um outro significado se for escrito com o kanji [斎] passando a ler-se imi (斎み) termo que

indica a palavra seishin kessai (精神潔斎)rdquo ndash literalmente kessai mental entendida no sentido

de ldquoabstinecircncia positiva do corpordquo (sekkyokuteki ni mi wo tsutsushimi積極的に身を慎み) ndash

e consequentemente ldquoaponta o ato de o proacuteprio decidir entrar no mundo sagrado dos kamirdquo

Por outras palavras se [忌み] indicar sobretudo um princiacutepio comportamental negativo pode-

se dizer que [斎み] eacute um princiacutepio comportamental positivo concentrado na ldquodiscriccedilatildeordquo 215

No Nihon shoki a divisatildeo natildeo eacute sempre clara imi (忌) eacute usado na palavra ōmimi (所

忌 ) alimentos proibidos de consumo por parte do imperador evidenciando a noccedilatildeo de

213

NISHIGAKI Yukio op cit p90 214

IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 215

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 75

ldquoabstinecircnciardquo e tambeacutem o estatuto especial do soberano japonecircs uma vez que todos os sais

satildeo-lhe proibidos excepto um sal especiacutefico 216

Contudo caso a situaccedilatildeo descrita seja negativa abandona-se a conotaccedilatildeo positiva de

imi evidenciado por expressotildees cujo significado pode ser de facto considerado como algo de

caraacutecter ldquopessimistardquo a palavra [国忌齋] designando o periacuteodo de ldquoabstinecircnciardquo (忌斎)

vigente em todo o paiacutes (adiamento de qualquer tipo de rituais shintō e enfoque nos rituais

budistas dirigidos aos mortos) ordenado primeiramente por Jitō e que duraria uma semana 217

e eacute claro o ldquodia de imirdquo (imibi忌日) indicando especificamente a data da morte do imperador

(dia 16 do segundo mecircs do segundo ano de Jitō) 218

Jaacute no Nihon Sandai Jitsuroku imibi eacute

formalmente explicado nos anos de 859 (o imibi de uma Imperatriz e natildeo do Imperador) 868

(Imperador Montoku decorrido anualmente no oitavo mecircs) e ano 886 (imibi do Imperador

Ninmyō vigeacutesimo primeiro dia do terceiro mecircs constatando-se a anual leitura de sutras no

tempo Unrin-in (雲林院) 219

Por outro lado a conotaccedilatildeo negativa de [忌] natildeo eacute muito visiacutevel no Kōtai Jingū

Gishiki-chō uma vez que eacute a presenccedila do kanji [忌] nas palavras [忌柱] [忌鍬] e [忌種] que

as reveste de uma natureza sagrada proacutepria de oferendas consagradas nos ritos aos kami uma

forma de culto que se estenderia ao proacuteprio Imperador realizando-se cerimoacutenias que

envolviam a preparaccedilatildeo de alimentos (arroz sobretudo) Submetidos a um processo de

abstinecircncia pelo fogo (imibi忌火) este arroz designar-se-ia oficialmente [忌火御飯] sendo

servido no primeiro dia do sexto mecircs 220

No que diz respeito ao Engishiki segue-se esta tendecircncia na qual o kanji pode

expressar coisas positivas (exceccedilatildeo de imikotoba) de entre as quais imibi presente no Niwabi-

216

Nihonsinwa ldquo大伴金村による真鳥の誅殺と塩の呪いrdquo (A execuccedilatildeo criminal de Matori e a maldiccedilatildeo do

sal devido a Ōtomo-no-kanemura) 武烈天皇(八)日本書紀 (Imperador Buretsu 8 Nihon shoki) (on line)

lthttpnihonsinwacompage1537htmlgt (consultado em 24-06-2018) 217

Sekai Daihyakka Jiten Dai 2 Han (Grande Enciclopeacutedia do Mundo Segunda Ediccedilatildeo) ldquo国忌rdquo (Kokki) コト

バンク (Kotobank ) (on line) lthttpskotobankjpwordE59BBDE5BF8C-498821gt (consultado

em 24-06-2018) 218

SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on

line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 219

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 220

ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 76

matsuri (庭火祭) e Niinamesai (新嘗祭) celebrados no deacutecimo segundo mecircs e deacutecimo

primeiro respetivamente 221

Se na perspetiva anterior ao Periacuteodo Nara defendia-se o significado sagrado da

palavra imi no periacuteodo de expansatildeo das culturas Nara e Heian constata-se o oposto a

interaccedilatildeo entre shintō e outras Vias urge uma necessidade de divisatildeo entre coisas maacutes e coisas

boas rotulando-se deste modo a tradiccedilatildeo de ritos fuacutenebres imperiais como ldquoritos malignosrdquo

(kyōrei 凶礼) o ldquomalignordquo eacute o representante de algo contraacuterio agrave Ordem que se distingue de

outros ritos imperiais e dos matsuri nacionais interpretados como ldquocomportamento benignordquo

(yoshimichi吉義) e portanto de impacto positivo 222

Consequentemente a influecircncia de imi na sociedade japonesa estender-se-ia ao

domiacutenio do discurso tornando as imikotoba palavras ldquonegativasrdquo mas que natildeo deixam de ser

sagradas no sentido de a sua pronunciaccedilatildeo transportar consigo um poder inexplicaacutevel e natildeo

fiacutesico 223

Uma vez que a ideia japonesa de ldquosagradordquo natildeo faz a distinccedilatildeo entre coisas

boasmaacutes inexplicaacuteveis por meios convencionais eacute possiacutevel afirmar que esta

consciencializaccedilatildeo da existecircncia de palavras perigosas no discurso contemporacircneo reflete o

lado mais prejudicial da tradiccedilatildeo japonesa de kotodama (言霊)

Associada a um domiacutenio natildeo tatildeo material mas mais subtil e espiritual kotodama eacute

uma palavra composta pelo kanji de ldquopalavrardquo (言) e o de ldquoespiacuteritordquo (tama eacute a leitura

alternativa do termo rei) e ldquorefere-se ao poder espiritual contido dentro de palavras mas

tambeacutem refere agrave concepccedilatildeo de que poder espiritual pode ser manifestado atraveacutes da entoaccedilatildeo

de palavrasrdquo 224

Neste sentido kotodama pode condicionar uma divisatildeo bipartida favoraacutevel ao

modelo ldquopensamento -palavra-accedilatildeordquo no qual o falante escolhe cuidadosamente o que quer

dizer atraindo coisas boasmaacutes para si e para os seus se norito satildeo boas para quem as entoa (e

para quem as escuta) as imikotoba (忌詞) ndash palavra composta pelo termo imi e o kanji lido

221

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第二 神祇二 四時祭下rdquo (Segundo Livro Jingi Dois Matsuri das

Quatro Estaccedilotildees Parte Inferior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi02htmgt (consultado em 24-06-2018) 222

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 223

WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos

Antigos e a consciencializaccedilatildeo de ldquoimpurezardquo) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro

Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa

Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 224

YONEI Teruyoshi ldquoKotodamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 77

como kotoba (詞) - provocam efetivamente a Desordem ao serem portadoras impliacutecitas de

ldquoimpurezardquo (kegare) a niacutevel discursivo devendo por isso sujeitar-se a uma peculiar

purificaccedilatildeo abstinecircncia vocabularverbal

Devidamente listadas nos coacutedigos e regulaccedilotildees cerimoniais de entatildeo as imikotoba

eram evitadas atraveacutes da sua substituiccedilatildeo por outros termos parecidos no Kōtai Jingū Gishiki-

chō ldquobater numa pessoardquo [人打] eacute substituiacutedo por atsu (奈津) naku (鳴) ndash homoacutefono do

verbo chorar (naku 泣く ) do qual derivam laacutegrimas ndash eacute trocado por shiotare (塩垂 )

significando literalmente rdquoderramar salrdquo [宍] ndash refere-se a carne de animais ndash eacute substituiacuteda

por [多気] nakago (中子) eacute usado em vez de butsu (仏) indicando o local de veneraccedilatildeo de

estaacutetuas budistas a palavra sutra (kei 経) eacute trocada pela expressatildeo arcaica [志目加彌]

traduzida como ldquosomekamisomegamirdquo literalmente ldquopapel pintadordquo ndash os primeiros dois kanji

indicariam uma leitura foneacutetica do verbo ldquopintarrdquo (someru) e os outros a palavra japonesa

para ldquopapelrdquo (kami紙) ndash uma vez que desde o Periacuteodo Nara que os rolos de pergaminho eram

pintados com a cor amarela algo que supostamente servia de estrateacutegia contra os insetos 225

Seguindo o meacutetodo de substituiccedilatildeo os vocaacutebulos ldquopagoderdquo (tō 塔) ldquomongerdquo (hōshi

法師) o ldquolaicordquo upāsaka (ubasoku 優婆塞) ldquotemplordquo (tera 寺) ldquoabstinecircncia de comidardquo

(toki斎食) ldquomorterdquo (shi 死) ldquocampardquo (hakaba 墓) e ldquodoenccedilardquo (yamai病) satildeo abandonados

em favor de kanji foneticamente lidos como verbos ou simples termos japoneses utiliza-se

ldquocabelo compridordquo (kaminaka髪長) para ldquomongerdquo uma expressatildeo que natildeo reflete a realidade

uma vez que uma das caracteriacutesticas visiacuteveis dos monges e monjas eacute o corte regular do

cabelo em vez de ldquomorterdquo recorre-se agrave expressatildeo naoru (奈保利物) significando o verbo

ldquocurarrdquo (naoru) isto eacute trazer de volta a ldquoforccedila vitalrdquo (生命) o nome nagusamenagusa (慰)

no sentido de ldquoacalmarrdquo eacute usado em vez de ldquodoenccedilardquo 226

Natildeo obstante algumas palavras substitutas satildeo escolhidas pela sua aproximaccedilatildeo agrave

respetiva imikotoba ldquopagoderdquo torna-se araraki (阿良々支) designando a planta ichii cuja

folha dividida lembra a beira do telhado de uma torre ubasoku eacute substituiacutedo por tsunohasu

225

WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos

Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro

Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa

Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 226 WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos

Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro

Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa

Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136

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(角波須) possivelmente uma referecircncia ao ldquochapeacuteurdquo usado pelos ldquoque acreditam em bukkyōrdquo

(bukkyō shinsha 仏教信者) ldquotemplordquo eacute um conhecido siacutembolo budista daiacute ser evitado no

discurso utilizando-se kawarafuki (瓦葺) katashiki (片食) equivale a toki Por uacuteltimo

ldquocampardquo um local conotado com kegare eacute pronunciado tsuchikure (土村) 226

No Engishiki imikotoba surge por duas vezes no quinto e sexto capiacutetulo o primeiro

grupo diz respeito agrave Saigū (斎宮) de Ise das quais as primeiras sete pertencem agrave linguagem

budista (内七言佛稱中子經稱染紙塔稱阿良良岐寺稱瓦葺僧稱髪長尼稱女髪

長齋稱片膳) outras sete estatildeo fora desta (外七言 死稱奈保留 病稱夜須 哭稱鹽垂 血

稱阿世 打稱撫 宍稱菌 墓稱壤) e as uacuteltimas duas correspondem aos termos tō e upāsaka

( 又別忌詞 堂稱香焼 優婆塞稱角筈) 227

Jaacute o segundo grupo (死稱直 病稱息 泣稱鹽垂

血稱汗 宍稱菌 打稱撫 墓稱壤) marca presenccedila no Saiinshi (齋院司) o Escritoacuterio ao qual

pertencia a Saiō (齋王) que serve o Kamo Jinja (outrora Kamo Daijin 賀茂大神) 228

Como se pode constatar estas duas listas foram sobretudo inspiradas pelas imikotoba

do Kōtai Jingū Gishiki-chō com a exceccedilatildeo de ldquohallrdquo (tō 堂) substituiacuteda por koritaki (香焼 )

- interpretado como o local onde se queima incenso - e do termo ldquomonjardquo (substituiacutedo pelo

feminino de kaminaga isto eacute mekaminaga女髮長)226 a grande diferenccedila entre os grupos de

imikotoba eacute nada mais do que o modo de escrita se as imikotoba da Saigū satildeo registadas num

japonecircs arcaico utilizando-se mais do que um kanji para se chegar ao som pretendido

imitando a linguagem do Kōtai Jingū Gishiki-chō as do Saiinshi sofreram uma simplificaccedilatildeo

utilizando-se somente um kanji ou no maacuteximo dois embora nunca alterando o significado

Tambeacutem conhecida pelos tiacutetulos de ldquoIse no saiō sainaishinnō itsuki no miya termos

que denotam uma princesa abstinente ou consagrada (hellip) escolhida entre as filhas e irmatildes de

um tennōrdquo (natildeo necessariamente o atual Imperador) a Saigū dedicava a sua vida a servir os

kami consagrados ao Ise Jingū e como tal submetia-se a trecircs anos de preparaccedilatildeo ou seja um

periacuteodo de preservaccedilatildeo de uma vida frugal e moderada Chegando a Ise no ldquonono mecircs do

terceiro ano das suas preparaccedilotildeesrdquo esta jovem visitaria o Ise jingū onde consagraria um ramo

de tamagushi ao Naikū e ao Gekū Tal ritual soacute se justificava trecircs vezes por ano durante o

bianual Tsukinamisai e Kannamesai sendo que o nono mecircs era ldquodeclarado um tempo de

227

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em

24-06-2018) 228

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式

(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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abstinecircncia geral no domiacutenio restriccedilotildees eram impostas em funerais e outras atividades

inauspiciosasrdquo 229

Uma das figuras mais elevadas na hierarquia de Ise a Saigū assume os deveres de

ldquosumo-sacerdotisardquo dos cultos em Ise e representa a perspetiva japonesa de pureza uma vez

que toda a sua vida era regulada em funccedilatildeo da manutenccedilatildeo deste estado interiorexterior de

pureza sendo forccedilada a retirar-se destes deveres para com os kami aquando da entronizaccedilatildeo

de um novo soberano apesar de natildeo se excluir uma reforma antecipada ldquodevido a morte na

sua famiacutelia sauacutede pobre ou acidentesrdquo 229

evidenciando a preocupaccedilatildeo para com

acontecimentos negativos que suscitam Desordem e uma resposta imediata de reposiccedilatildeo da

Ordem

24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e externa

Na cultura japonesa a palavra ldquopurordquo deteacutem um lugar especial que natildeo pode ser

incluiacutedo junto de uma perspetiva preacute-formatada de lsquoreligiatildeorsquo a noccedilatildeo de pureza estaacute

efetivamente consciencializado no cidadatildeo japonecircs comum integrando uma das partes deste

ciclo de Desordem e Ordem se tsumi kegare e imi satildeo causa e efeito (por vezes simultacircneo)

da Desordem a sua antiacutetese apoia-se principalmente na reordenaccedilatildeo e equiliacutebrio conseguido

atraveacutes da purificaccedilatildeo processo que se pode aplicar a um objeto um espaccedilo ou um corpo vivo

algo que shintō vecirc como prioridade a niacutevel teoacuterico e praacutetico afetando de forma positiva o

indiviacuteduo e o coletivo

Neste sentido purificaccedilatildeo interna e externa eacute a essecircncia dos rituais favoraacuteveis agrave

Ordem e relaciona-se com vaacuterias expressotildees itsuku - itsu significa ldquoclaro e purordquo (segundo

Motoori Norinaga) e define o ato de ldquoservir e executar ritos para os kami apoacutes a purificaccedilatildeo

do corpo e da mente da eliminaccedilatildeo de kegarerdquo aludindo a uma ldquocondiccedilatildeo de pureza onde tudo

que eacute negativo e poluente foi eliminadordquo 230

shizume (鎮静) traduzido como ldquopacificaccedilatildeordquo

no qual se apazigua (osameru 治める) o solo (jichin 地鎮) o fogo (chinka 鎮火) e as

tamashii (chinkontama shizume 鎮魂魂鎮) procurando-se conduzir coisas a um estado

229

NAMIKI Kazuo ldquoSaigūrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices Ancient (on

line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23475gt (consultado em 24-

06-2018) 230

NISHIOKA Kazuhiko ldquoItsukurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23387gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 80

ameno normalizado um processo constatado tanto em rituais executados por profissionais e

praticantes de kyōha shintō como nos matsuri de caraacutecter imperial

No contexto de jichinsai (地鎮祭) - matsuri realizado ldquodiariamente para novos

projetos novas casas novas construccedilotildees na estrada ou construccedilatildeo de qualquer tipordquo - a

ldquopacificaccedilatildeordquo eacute a meta a atingir Primeiro o shinkan presta serviccedilos agrave comunidade

deslocando-se do seu jinja para o local em questatildeo Apoacutes o estabelecimento de um himorogi

delimitado pela shimenawa o shinkan procede a oharai o ato simboacutelico de abanar ldquoa harai-

gushi sobre a aacutereaa pessoa a ser purificadardquo (Anexo II) - apaziguando os kami locais e

protegendo o espaccedilo de influecircncias negativas que recairiam sobre os envolvidos no projeto 231

Em contrapartida chinka era caraterizado como um rito imperial da responsabilidade

do ldquoclatilderdquo Urabe durante o bianual Chinkasai procurando a prevenccedilatildeo de fogos ldquodentro do

palaacutecio imperial e em outras instituiccedilotildees estatais mais do que fogos no geralrdquo 232

se bem que

em Ontake-kyō esta pacificaccedilatildeo tinha como objetivo a ldquopurificaccedilatildeo do crente apoacutes um

elemento quente ter sido suprimidordquo 233

tornando o fogo um agente purificador

Por uacuteltimo os ritos chinkon satildeo dedicados aos vivos e aos mortos se nos dias de hoje

o termo designa o momento de reflexatildeo em silecircncio dentro das imediaccedilotildees do jinja apoacutes

misogi e antes da fase de naorai (直会) isto eacute o momento de completa harmonizaccedilatildeo entre o

indiviacuteduo e o kami (consumo de sake em copos de madeira de cipreste) 234

chinkon era um

meio de defesa contra as tatari (desastres naturais epidemias e mortes suacutebitas) lanccediladas por

onryō de cortesatildeos e poliacuteticos eventualmente venerados como kami 235

Por outro lado o

chinkon do Chinkonsai (realizado na veacutespera do Niinamesai ou do Daijōsai) era uma praacutetica

dedicada aos vivos na qual o Imperador procurava a restauraccedilatildeo da sua sauacutede ldquopuxandordquo de

volta a mitama que estava em risco de sair do corpo 236

Natildeo obstante outros termos devem ser considerados haraiharae eacute na linguagem

shintō o meio mais eficaz de eliminaccedilatildeo de tsumi e kegare Agrave semelhanccedila das palavras

231

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 172

232 NAMIKI Kazuo ldquoChinkasai (hiho shizume no matsuri)rdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals

State Rites (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23099gt

(consultado em 24-06-2018) 233

Segundo Picken apoacutes a chinka shiki (鎮火式) cerimoacutenia na qual o praticante caminha sobre brasas este

uacuteltimo executaria a kugatachi shiki um ritual no qual o corpo deste uacuteltimo eacute salpicado com aacutegua a ferver

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 133

234 PICKEN Stuart op cit p179

235 PICKEN Stuart op cit p18

236 NAMIKI Kazuo ldquoChinkon-sairdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals State Rites (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23100gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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ldquopurezardquo ldquosinceridaderdquo ou ainda ldquoharmoniardquo (chōwa 調和) que se aproxima da ideia de

ldquocompletude e todo e eacute tambeacutem um ideal social natildeo apenas um estado de assunto dentro das

relaccedilotildees humanasrdquo 237

haraiharae atinge o exterior e o interior do indiviacuteduo

Ora apesar de hoje se escreverem com o mesmo kanji [祓] harai e harae eram atos

diferentes harai seria uma ldquopurificaccedilatildeo ativardquo - eacute o proacuteprio sujeito que escolhe

conscientemente executar a ldquopurificaccedilatildeordquo como se constata no episoacutedio de Izanagi ndash e harae

derivaria de harawase descrevendo uma ldquopurificaccedilatildeo passivardquo na qual o sujeito ldquoreceberdquo

harae de boa vontade por parte dos responsaacuteveis pelo jinja algo jaacute aludido em certos termos

como haraetsumono (祓具) 238

Alternadamente escritos como [祓物] haraetsumono designa

as ldquooferendas de purificaccedilatildeordquo lanccediladas agrave aacutegua como parte da ceacutelebre Ōharae cujos efeitos

atingem toda a populaccedilatildeo japonesa tornando - a ldquopurardquo a niacutevel natildeo apenas fiacutesico Aliaacutes

Ōharae (大祓) partilha desta aceccedilatildeo uma vez que o objetivo inicial era ldquopurificarrdquo todos os

funcionaacuterios da corte justificando a sua categorizaccedilatildeo como uma cerimoacutenia tutelada pelo

palaacutecio imperial 239

Preservada ao longo dos seacuteculos Ōharae eacute praticada com ecircnfase pela maioria dos

jinja e popularmente designada de Nagoshi no harae (夏越の祓) ndash final de Junho - e

Toshikoshi no harae (年越の祓) ndash final de Dezembro Mencionada no Nihon shoki como

recurso para afastar a ldquoinfluecircncia maligna de um cometardquo este matsuri seria elevado agrave

categoria de ldquocerimoacutenia nacionalrdquo obrigatoacuteria para os jinja do Periacuteodo Meiji e para o efeito

exigia-se um preliminar ritual de purificaccedilatildeo no Sumiyoshi jinja de Toacutequio os participantes

receberiam aiacute o kata-shiro (形代) No dia em questatildeo o ldquomestre dos ritosrdquo daria iniacutecio agrave

cerimoacutenia atraveacutes da invocaccedilatildeo dos kami ao himorogi proferindo uma inori no iniacutecio e no fim

Jaacute a ceacutelebre norito denominada Ōbarae kotoba (大祓詞) seria recitada pelo Norito-shi (祝詞

師 ) apoacutes este explicar o propoacutesito de Ōharae aos presentes Consequentemente seriam

eliminadas da populaccedilatildeo todas as coisas conducentes agrave desordem eacutetica garantindo-se ldquopaz

proteccedilatildeo e felicidaderdquo 240

237

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxv-xxvi

238 MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)

古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 239

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112 240

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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Segundo o Jingiryō do Yōrō-ryō Ōharae contava com a presenccedila de certos clatildes os

Nakatomi responsabilizavam-se por entoar a norito e consagrar as ldquooferendasrdquo (oonusa 御祓

麻) os Fumitobe das proviacutencias de Este e Oeste (東西の文部) consagravam espadas proacuteprias

para a ocasiatildeo isto eacute as harae no tachi (祓の刀 ) e os Urabe removeriam quaisquer

influecircncias negativas Ora a realizaccedilatildeo de Ōharae eacute na praacutetica um esforccedilo coletivo se todas

as unidades administrativas (郡) contribuiacuteam com ferramentas peles espadas e outras coisas

todas as casas (戸) deviam preparar cacircnhamo (麻) 241

No Engishiki a cerimoacutenia eacute antecedida pela preparaccedilatildeo de ofertas - armas revestidas

de metais preciosos vaacuterios tipos de tecido colorido (seda algodatildeo) cacircnhamo flechas arroz

cavalos madeira de carvalho Seguidamente os Urabe entoariam norito 242

funccedilatildeo

posteriormente delegada ao liacuteder dos Nakatomi (Ōnakatomi) cuja versatildeo da norito Nakatomi

Harae (中臣祓) ainda hoje eacute o modelo de norito e uma referecircncia para os jinja de hoje 243

Por conseguinte no seacutetimo volume exclusivamente dedicado ao matsuri que

comemora a acessatildeo ao trono do novo Imperador (Senso Daijōsai踐祚大嘗祭) Ōharae faz

parte da miriacuteade de praacuteticas efetuadas antes e durante o trigeacutesimo dia do deacutecimo mecircs do

calendaacuterio lunar geralmente entre o seacutetimo mecircs ndash o mecircs da acessatildeo ao trono do Imperador

como consequecircncia da abdicaccedilatildeo do seu antecessor se bem que no caso do oitavo mecircs a

cerimoacutenia seria adiada para o ano ndash e o deacutecimo mecircs 244

Apoacutes o envio dos ldquoMensageiros

Imperiais para Ōharaerdquo escolhidos por ldquoadivinhaccedilatildeordquo (boku卜) no oitavo mecircs era obrigatoacuterio

executar uma purificaccedilatildeo no uacuteltimo dia do mecircs (tal como a descrita no primeiro volume do

Engishiki) seguida do envio de dois Urabe agraves proviacutencias que executariam Ōharae

preparando-se as devidas oferendas (um cavalo uma flecha uma grande katana algodatildeo

peixe sake) 245

Uma complexa cerimoacutenia de caraacutecter imperial na qual canto e danccedila consumo de

comida e sake eram recebidos com entusiasmo o Daijōsai era um esforccedilo coletivo de

241

IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)

lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 242

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das

Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 243

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p80

244 PICKEN Stuart op cit pp 62-72

245 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第七 神祇七 踐祚大嘗祭rdquo (Seacutetimo Livro Jingi Sete Daijōsai)

延喜式 (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi07htmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 83

membros da corte funcionaacuterios do Jingikan e do Jingiryō os Nakatomi entoavam as norito e

guiavam os ldquoadivinhosrdquo ao Ministeacuterio da Casa Imperial bem como os ldquogovernadores da

proviacutencia yuki e os vaacuterios funcionaacuteriosrdquo partilhando este uacuteltimo dever com os Urabe os

membros do Departamento de Carpintaria ldquoconstroem o principal santuaacuteriordquo os Inbe

apresentavam o ldquoespelho sagrado e a espada sagradardquo Findadas as festividades qualquer

vestiacutegio do matsuri seria prontamente destruiacutedo e praticar-se-ia uma uacuteltima ldquocerimoacutenia de

purificaccedilatildeordquo no uacuteltimo dia do mecircs esta uacuteltima conforme a bianual Ōharae 245

Apesar de a sua dimensatildeo ser diferente do harai habitual a meta de Ōharae parece

ser a de qualquer ritual positivo em shintō o estado de ldquoharmoniardquo refletindo a relaccedilatildeo iacutentima

entre a sociedade japonesa e a envolvente natureza fortalece-se deste modo a ldquonecessidade

de retificar desequiliacutebrios entre natureza humanos e divindadesrdquo 246

atraveacutes de uma atitude de

esforccedilo individual natildeo desassociada da preparaccedilatildeo interna e externa

Conotado com ldquoabstinecircnciardquo esta atitude implica disciplina na forma de um conjunto

de regras de conduta a adotar preacute-veneraccedilatildeo aos kami algo retido por qualquer praticante de

shintō nos dias de hoje com efeito qualquer matsuri eacute precedido por um periacuteodo temporaacuterio

de ldquoevitaccedilotildeesrdquo denominadas saikai (斎戒) ndash o termo eacute etimologicamente constituiacutedo pelos

kanji [斎] e [戒] do qual deriva o verbo imashimeru traduzido por ldquobanirrdquo ldquorestringirrdquo ndash nas

quais os responsaacuteveis por conduzir os rituais se banhavam (kessai 潔斎) mudavam de roupas

e consumiam certos alimentos claramente evidenciando a sua preocupaccedilatildeo para com

impurezas a presenccedila de derrame de sangue incecircndios e mortes era mais do que motivo

suficiente de desqualificaccedilatildeo dos que se tinham submetido a este processo ou em casos mais

extremos cancelamento do proacuteprio matsuri 247

Num contexto mais oficial observa-se uma categorizaccedilatildeo da praacutetica em si o

Jingiryō do Periacuteodo Yōrō distingue entre sansai (散斎) e chisai (致斎) sansai indicava a

ldquoabstinecircncia parcialrdquo na qual o indiviacuteduo estava proibido de fazer os jaacute mencionados seis atos

considerados formalmente como shokue chisai correspondia a uma ldquoabstinecircncia severardquo na

qual todos os ritos que natildeo envolvessem os kami eram cancelados No que concerne agrave sua

246

ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation

submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial

fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen

and Prof Dr Terje Stordalen 2013 247

ONO Sokyō op cit pp64-65

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 84

duraccedilatildeo esta variava consoante o mecircs em questatildeo sendo que no nono mecircs sansai era

observado durante todo o mecircs chisai duraria somente trecircs dias 248

Uns seacuteculos mais tarde o Engishiki inspirar-se-ia nesta categorizaccedilatildeo por vezes

conjugando-a com o ritual harae no Kinensai sansai era praticado durante trecircs dias e chisai

apenas um dia 249

durante Kanmisosai kessai eacute um ato realizado por alguns membros de clatildes

na veacutespera do matsuri e cujo objeto de ldquoabstenccedilatildeordquo satildeo as oferendas (fios de seda e cacircnhamo)

antes de serem tecidas e apresentadas durante a celebraccedilatildeo que por sua vez soacute poderia

decorrer mediante um preacutevio harai do espaccedilo (batsujo 祓除) realizado no uacuteltimo dia do

terceiro mecircs e do oitavo mecircs Kannamesai menciona novamente um kessai dos fios de seda

posteriormente transformados em tecidos 250

Apoacutes trecircs anos de [潔齋] como parte dos rituais

da Saigū na capital reservava-se o uacuteltimo dia do oitavo mecircs a uma Ōharae no palaacutecio e no

nono mecircs um Nakatomi encarregava-se da ldquopurificaccedilatildeordquo (祓清) das proviacutencias de Ōmi e Ise

permitindo agrave Saigū cumprir os seus deveres no decorrer do Kannamesai 251

Durante o nono mecircs procede-se a um periacuteodo de 18 dias (a comeccedilar no primeiro dia)

de ldquoabstenccedilatildeordquo e um mecircs de evitaccedilatildeo de luto e enterros bem como agrave execuccedilatildeo de ldquolustraccedilatildeo

augustardquo gokei [御禊] Escrito com o kanji honoriacutefico [御] e o de misogi [禊] gokei era uma

ldquocerimoacutenia para afastar contaminaccedilatildeo de pessoas da Famiacutelia imperialrdquo 252

que decorria agrave

beira-rio e na qual participava a Saigū Contudo esta atitude de ldquoabstenccedilatildeordquo natildeo era apenas

seguida por esta uacuteltima monges monjas pessoas em luto e grupos de bandidos sujeitavam-se

a sansai antes e apoacutes Kinensai Kamo-matsuri Tsukinamisai e Kannamesai sendo-lhes

interdita a entrada no palaacutecio tal e qual as jaacute mencionadas funcionaacuterias do palaacutecio graacutevidas

253

248

IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)

lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 249

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das

Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 250

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第四 神祇四 伊勢太神宮rdquo (Quarto Livro Jingi Quatro Ise Dai-

jingū) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi04htm

(consultado em 24-06-2018)

251 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜

式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-

06-2018)

252 BOCK Felicia op cit p104

253 FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro

Livro Jingi Trecircs Matsuri de Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 85

Por uacuteltimo o seacutetimo volume do Engishiki especifica uma ldquoabstenccedilatildeordquo obrigatoacuteria no

deacutecimo primeiro mecircs sansai era iniciado no primeiro dia e terminava no uacuteltimo chisai

durava trecircs dias comeccedilando no dia do touro e terminando no dia da lebre proibindo-se a

participaccedilatildeo dos indiviacuteduos em ldquofestins Budistas ou festins magrosrdquo 254

Findado imi o indiviacuteduo foca-se na purificaccedilatildeo propriamente dita servindo-se de

elementos do dia-a-dia como o sal sake e aacutegua no primeiro caso o sal eacute ldquoatirado por

lutadores de Sumo cada vez que entram no dohyōrdquo e nos funerais serve o propoacutesito de ldquoauto-

purificaccedilatildeo apoacutes o regresso a casardquo dos frequentadores Jaacute em restaurantes e outros

estabelecimentos eacute costume colocar-se ldquoduas pilhas de sal fora do umbral uma de cada lado

apoacutes lavarem a entrada e antes de quaisquer clientes chegaremrdquo garantindo-se prosperidade

no negoacutecio Ora em misogi harai o sal eacute salpicado na cabeccedila dos participantes - no

seguimento de oharai ndash e tambeacutem misturado com sake sendo posteriormente ldquocuspido como

parte da cerimoacutenia de purificar a boca uma uacuteltima vezrdquo Oferecido nos altares sal faz ainda

parte das shinsen 255

A aacutegua tambeacutem partilha da mesma natureza purificadora que o sal e o sake em

virtude de ser considerada o elemento primaacuterio que devolve o lustro agraves coisas e pessoas

eliminando qualquer tipo de ldquomaacuteculardquo independentemente de se tratar de uma ldquomaacuteculardquo fiacutesica

(kegare) ou natildeo (tsumi) externa (corpo) ou interna (kokoro) Natildeo obstante a tradiccedilatildeo de

ldquolimpezardquo na cultura japonesa estende-se a contextos mais civis toalhas quentes satildeo

ldquoprovidenciadas em restaurantes (hellip) para que os patronos possam lavar as matildeos antes de

comer e uma pessoa Japonesa lavar-se-aacute sempre antes de entrar numa banheirardquo 256

um

reflexo da consciencializaccedilatildeo da lavagem do corpo na sociedade japonesa contemporacircnea

Em shintō a aacutegua assume um papel central em trecircs principais praacuteticas de ldquoauto-

purificaccedilatildeordquo que tambeacutem satildeo abluccedilotildees kessai temizu (手水) e misogi (禊) Se kessai eacute

geralmente feito antes do matsuri 257

temizu precede a ldquooraccedilatildeordquo (inori) aos kami nos jinja e

no qual o indiviacuteduo dirige-se a uma estrutura denominada temizuya (手水屋) lavando com

aacutegua a boca e as suas matildeos locais mais suscetiacuteveis de se contrair kegare (Anexo III)

254

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 62-72 255

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 174-175

256 ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation

submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial

fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen

and Prof Dr Terje Stordalen 2013 257

PICKEN Stuart op cit p 177

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 86

No que concerne a misogi esta eacute considerada a origem de todos os harai na

sociedade japonesa sendo descrita por Carl Florenz como a ldquopurificaccedilatildeo de um uacutenico

indiviacuteduo ou um lugar de poluiccedilotildees atraveacutes de se entrar em contacto com algo

cerimonialmente impuro tal como cadaacuteveresrdquo 258

Uma ldquoauto-purificaccedilatildeordquo em todos os

sentidos do termo a expressatildeo misogi harai (misogi harai 禊祓い ) poderaacute derivar de

ldquomisosogi no harairdquo (身滌の祓い) literalmente ldquoharai da lavagem do corpordquo ndash [身滌] eacute

constituiacutedo pelo kanji de ldquocorpordquo (身) e o de [滌] sinoacutenimo de [洗] raiz do verbo ldquolavarrdquo

(arau) 259

ndash e eacute pela primeira vez mencionado no episoacutedio de Izanagi descrito pelo Kojiki e

Nihon shoki

De um modo geral misogi conheceu grande popularidade na esfera privada imperial

e agrave semelhanccedila de [斎] era sempre acompanhado de todo o tipo de oferendas tais como

tecidos armas sake velas e algas Se praticado pela Saiō (齋王) misogi decorria num rio da

capital na primeira dezena de dias do oitavo mecircs e do nono mecircs ambas datas escolhidas por

ldquoadivinhaccedilatildeordquo ndash responsabilidade do Onmyōryō Por sua vez este ritual fazia parte de uma

grande cerimoacutenia na qual se preparavam tecidos caixas jarros carne seca cabaccedilas e peixes e

cujos participantes eram essencialmente membros da corte (Jingikan e Onmyōryō) cada um

desempenhando uma tarefa especiacutefica ecoando o sucedido nos matsuri do Jingikan um

Nakatomi executava oharai servindo-se da onusa (Nakatomi onusa tatematsuru [神祇官中臣

進麻]) e o miyanushi (宮主) entoava harae kotoba (祓詞) Igualmente realizado durante a

deslocaccedilatildeo da jovem para o No-no-miya e Itsuki-no-miya em Ise e no uacuteltimo dia do mecircs 260

misogi eacute descrito no sexto volume do Engishiki como parte da celebraccedilatildeo do Imibikamado-

matsuri (quarto mecircs e sexto mecircs) ndash um gokei no qual participavam todos os funcionaacuterios do

palaacutecio - e um matsuri anual (毎年禊祭) 261

Atualmente misogi pode ser praticado por qualquer pessoa e eacute aceite como um ritual

vaacutelido para qualquer tipo de shintō Shinshū-kyō (神習教) tem como metas alcanccedilar ldquoum

espiacuterito de um kami por praticar purificaccedilatildeo oharairdquo a aquisiccedilatildeo de um elevado niacutevel de

treino que possibilite ao indiviacuteduo ensinar os outros e eacute claro ldquoalcanccedilar harmonia com os

258

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112 259

NISHIGAKI Yukio op cit p 544

260 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜

式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-

06-2018) 261

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式

(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 87

kami e rezar pelo descanso das almas dos outrosrdquo Neste contexto misogi faz parte da

estrateacutegia de cultivo de ldquopurificaccedilatildeo interiorrdquo que encoraja o processo de aproximaccedilatildeo do

humano ao kami 262

Em suma a purificaccedilatildeo estaacute intimamente associada agrave visatildeo positiva do ser humano

apoiada por shintō Shinshū-kyō natildeo soacute ensina o indiviacuteduo a ldquodemonstrar gentileza aos

outrosrdquo ldquotrabalhar diligentemente (no seu proacuteprio negoacutecio)rdquo e a ldquopreservar firmeza no teu

coraccedilatildeordquo como procura ldquopacificar o espiacuterito porque eacute parte do espiacuterito do kamirdquo 264

(bunshin

mitama wo shizumu beshi分神神魂を鎮むべし) e ldquolimpar as impurezas do corpordquo (mi no

shūshoku wo harau beshi身の鏽蝕を祓うべし) 263

proporcionando o desenvolvimento do

caraacutecter do indiviacuteduo

Na visatildeo de Misogi-kyō (禊教) o trio de tesouros imperiais satildeo ldquoos mais eficazes

agentes de purificaccedilatildeordquo pois ldquotodas as formas de impureza podiam ser removidasrdquo Apoiado

em misogi harae e ldquorespiraccedilatildeo proacutepriardquo o setor utiliza misogi como ldquoum meacutetodo para

melhoria da vidardquo aproximando as pessoas do kamirdquo 262

Interpretando-se esta praacutetica como o

uacutenico modo de ldquoreavivarrdquo a ldquoboa sorterdquo (literalmente ldquosorte proacutesperardquo ou sakae no unsei [栄

絵の運勢]) misogi possui visiacuteveis efeitos de purificaccedilatildeo externos 264

Contudo o busiacutelis da questatildeo eacute a ldquopurificaccedilatildeo internardquo (nai seijōshōjō 内清浄)

denominada iki ichisuji no misogi (息一筋の禊) iki (息) natildeo eacute somente a ldquoorigem do corpordquo

mas tambeacutem a proacutepria ldquoexistecircnciardquo (seimei [生命]) 264

e estaacute diretamente relacionada com a

entoaccedilatildeo da norito ldquo

tōkami emitamae harae tamae kiyome tamairdquo (literalmente ldquokami

distante purificai e limpai enquanto rezamosrdquo) em voz alta

262 um momento caracterizado

pela ldquofusatildeordquo do corpo com a mente graccedilas ao cultivo do autocontrolo do corpo a Desordem

(aqui maga) deixa de existir 264

No contexto de jinja shintō misogi faz ainda parte da cerimoacutenia shūbatsu (修祓) na

qual se abre o edifiacutecio interior do jinja e o shintai eacute visualizado pelos shinkan que se

262

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 234-236 263

O ldquoespiacuterito do kamirdquo eacute mitama (神魂) e ldquocoraccedilatildeordquo kokoro O termo ldquoimpurezasrdquo lecirc-se no texto original [鏽

蝕] o primeiro lecirc-se sabi e natildeo eacute muito usado na linguagem diaacuteria (鏽) significando ldquoferrugemrdquo ou ldquocorrosatildeordquo

o segundo eacute o kanji [蝕] do qual deriva o verbo mushibamu geralmente traduzido como ldquoser devorado por

dentrordquo ldquominarrdquo ldquoarruinarrdquo Shintō Shinshū-kyō Kōushiki Page 教 義 (on line)

lthttpshinshukyojpE69599E7BEA9gt (consultado em 24-06-2018) 264

Misogi-kyō Shintō 神道禊教の教理 (Doutrina de Shintō Misogi-kyō) (on line) lthttpwwwmisogi-

kyouorjpkyourihtmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 88

ldquopurificam de modo a tomarem parte nos rituaisrdquo atirando baldes de aacutegua fria sobre si

mesmos ou escolhendo colocar-se ldquodebaixo de uma cascata num rio ou no marrdquo dependendo

da localizaccedilatildeo do jinja Posteriormente os participantes no matsuri satildeo purificados

cumprindo-se as condiccedilotildees de invocaccedilatildeo dos kami 265

que respondem ao apelo impliacutecito nas

norito entoadas pelos shinkan

Associadas agrave tradiccedilatildeo de kotodama norito satildeo acolhidas entusiasticamente pela

sociedade japonesa quer sejam ldquovelhasrdquo (do Engishiki e outras fontes do Periacuteodo Heian) e

norito ldquonovasrdquo ou seja norito poacutes- Engishiki criadas por estudiosos e praticantes das vaacuterias

formas de shintō (Ise e Yoshida shintō Shugendō kyōha shintō shin shūkyō) e associadas a

jinja especiacuteficos (ldquocultosrdquo em Ise Izumo Dewa Togusa ldquocultosrdquo a Inari e Hachiman) 266

Etimologicamente norito tem as suas origens na frase ldquoNakatomi-no-Kane Muraji

norito wo norurdquo (中臣金連祝詞を宣る) Como se pode constatar o verbo que lhe estaacute

associado eacute noru (宣) cujo kanji significa ldquodizerrdquo ldquoexpressarrdquo e ldquoinformarrdquo num sentido

formal agrave maneira dos ldquoeacuteditos imperiaisrdquo (senmyō [宣命]) 267

Vaacutelidas para uso individual ou coletivo norito contemporacircneas tendem a inspirar-se

em norito muito mais antigas por exemplo a frase ldquoharae tamae kiyome tamairdquo de Misogi-

kyō surge na Ōharae kotoba do Engishiki como uma dupla accedilatildeo decorrida na ldquoōharae do

anoitecer do uacuteltimo dia do sexto mecircsrdquo (kotoshi no minadzuki no tsugumori yūhi no kudachi

no ōharae ni harai tamai kiyome tamau-koto wo 今年の水無月の大晦日 夕日之降の大祓

に祓給ひ清給事を) 268

eliminam-se assim os tsumi (tsumi ha araji wo罪波不在止) de

todos os cantos ldquodebaixo do ceacuteurdquo (Anexo IV)

Seguindo uma ldquofoacutermula usada em cerimoacutenias religiosas em endereccedilando divindades

(hellip) usam uma forma respeitosa subserviente forma de dicccedilatildeordquo norito tecircm a sua forccedila no

som e natildeo na parte gramatical ou na etimologia lexical recorrendo-se frequentemente a

265

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 177

266 O arquivo virtual Ko-kon Shūkyō Kenkyūjo regista um total de 55 norito devidamente ldquocategorizadasrdquo

consoante a temaacutetica e o local de veneraccedilatildeo Ko-kon shūkyō kenkyūjo ldquo祝詞 諸文献rdquo (Norito Vaacuterias

referecircncias) 神道資料集 (Colecccedilatildeo de materiais de shintō) (on line) lthttpwwwko-konnetnoritogt

(consultado em 24-06-2018) 267

NISHIGAKI Yukio op cit p485 268

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 89

ldquorepeticcedilatildeo paralelismo longas enumeraccedilotildees de nomes de divindades e oferendas metaacuteforas

o uso de registos mitoloacutegicos para explicar a origem de certas formas de veneraccedilatildeordquo 269

Natildeo obstante estas frases servem de prevenccedilatildeo contra forccedilas ldquonegativasrdquo incluindo

tatari gami ou ldquoespiacuteritos malignosrdquo devidamente acalmados e purificados respetivamente

Usadas em matsuri oficiais norito descreviam com pormenor quem as proferia o seu

objetivo a quem se dirigiam e o local onde decorria esta entoaccedilatildeo cujo raio de atuaccedilatildeo era

individual ou coletivo (capital habitaccedilotildees funcionaacuterios o palaacutecio todo o Japatildeo a corte) 270

No que concerne agrave sua entoaccedilatildeo estes conjuntos de frases eram responsabilidade dos

Nakatomi ou de outros consoante a ocasiatildeo na ldquomensagem de aberturardquo do oitavo capiacutetulo

do Engishiki regista-se que os Inbe deviam entoar norito dos ldquoritosrdquo Goden (御殿) e Mikado

(御門) e nos restantes matsuri a honra cabia aos Nakatomi (以外諸祭中臣氏祝詞) nos

matsuri das quatro estaccedilotildees (凡四時諸祭) essa funccedilatildeo fazia parte dos deveres dos kanbe (神

部) no Kanmisosai somente o daijingūji de Ise (ldquoSumo-Sacerdote do Grande Santuaacuterio de

Iserdquo) devia entoar a norito (大神宮司宣祝詞) e nas celebraccedilotildees em Ise (Kanmisosai os

matsuri do sexto e deacutecimo segundo meses e Kannamesai) 271

as norito de Ōimisai (大忌祭)

Tatsuta Fūjinsai ( 龍田風神祭 ) e Hiranosai ( 平野祭 ) eram responsabilidade dos

ldquomensageiros imperiaisrdquo Jaacute os Inbe encarregavam-se das ldquofoacutermulasrdquo de proteccedilatildeo do palaacutecio

imperial (Ōtono-no-hogai (大殿祭) e do ldquoFestival dos Portotildeesrdquo (Godensai 御殿祭) ndash cuja

meta era a ldquogarantia a proteccedilatildeo das divindades que guardam os portotildees do Palaacutecio Imperialrdquo ndash

no ldquodeacutecimo segundo dia do sexto e deacutecimo segundo mesesrdquo 270

Por uacuteltimo a norito de

Ōharae era ldquopartilhadardquo pelos Urabe e os Nakatomi enquanto que nos Chinkasai (鎮火祭) e

Michiaesai (道饗祭) soacute os Urabe eram elegiacuteveis para tal tarefa 271

O avanccedilo do estudo da tradiccedilatildeo ritual shintō impulsionou uma anaacutelise aprofundada

das norito estabelecendo-se uma ligaccedilatildeo direta com o processo de purificaccedilatildeo o meio por

excelecircncia para atingir a tatildeo desejada Ordem entre o praticante e o kami venerado norito satildeo

uma espeacutecie de purificaccedilatildeo verbal aludindo a um processo positivo mas interno Tal

abordagem introduz uma perspetiva mais subjetiva do que se entende por norito auxiliando

269

PHILIPPI Donald Norito A Translation of the Ancient Japanese Ritual Prayers With a new Preface by

Joseph M Kitagawa Princeton Princeton University Press 1990 pp1-2 270

PHILIPPI Donald op cit pp5-15 271

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 90

na compreensatildeo da purificaccedilatildeo interna que recaiacutea sobre o kokoro (心) Por sua vez kokoro

associar-se-ia a meijō (明浄)

Escrito em japonecircs com o kanji de ldquocoraccedilatildeordquo (shin de shinzō [心臓]) kokoro denota

algo de natureza natildeo palpaacutevel e interior a qualquer indiviacuteduo servindo de prefixo agraves palavras

kokoroeru (心得 ) ato de ldquocompreender o significado das circunstacircncias e das coisasrdquo

kokoroe ldquocompreensatildeordquo e ldquoter cautelardquo kokoronai (心無 ) designa uma condiccedilatildeo de

ldquoinsensibilidaderdquo pelo proacuteximo (em linguagem corrente ldquonatildeo ter coraccedilatildeordquo) 272

kokoro-

gawari (心変わり ) literalmente a ldquomudanccedila de kokorordquo indica a suacutebita alteraccedilatildeo dos

sentimentos intenccedilotildees e convicccedilotildees do indiviacuteduo em relaccedilatildeo a terceiros

No Nihon shoki o kanji em si eacute precedido por outros caracteres [黒心] e [無黒心]

significam aproximadamente ter um coraccedilatildeo negrordquo ou o seu oposto o sentido obtido eacute

negativo e positivo respetivamente marcando presenccedila no episoacutedio da competiccedilatildeo de

Susano-o-no-mikoto e de Amaterasu (有黒心) e no ano 646 da Era Taika (不正心者)

literalmente ldquopessoas de kokoro injustordquo Se estiver ao lado de [清] a expressatildeo lecirc-se seishin

ou kiyoki kokoro um kokoro puro (清心) 273

evidenciando a sua ligaccedilatildeo com meijō ambos

satildeo palavras positivas por princiacutepio

Por outro lado Engishiki descreve kokoro como uma caracteriacutestica interior de

humanos e kami na norito de Ōtono-no-hogai [心] surge na frase ashiki kokoro kitanaki

kokoro naku (邪意穢心無く) 274

ndash o segundo kanji tambeacutem se lecirc como kokoro mas o seu

significado eacute o de ldquointenccedilatildeordquo denotando a conduta correta seguida por todos os trabalhadores

do palaacutecio e membros da corte ndash traduzida por Philippi como ldquosem quaisquer maacutes intenccedilotildees

ou impuras intenccedilotildeesrdquo 275

na norito de Hi-shizume-no-matsuri (Chinkasai) kokoro eacute um

atributo de natureza maligna do kami do fogo (Homusubi-no-kami 火結神) ndash evidenciado

pela expressatildeo kokoro saganakiko (心惡子) ldquocrianccedila de mau kokorordquo ndash um kami gerado por

272

NISHIGAKI Yukio op cit pp 286-287 273

SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on

line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 274

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018) 275

PHILIPPI Donald op cit p 43

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 91

Izanami cujo temperamento provoca Desordem que naturalmente justifica a ldquopacificaccedilatildeordquo

(shizume matsure 鎮奉れ) por parte de outros kami seus irmatildeos 276

Em contrapartida tambeacutem a norito ldquopara afastar uma divindade vingativardquo (tataru

kami wo utsushi-yaru 遷卻祟神) segue a temaacutetica de reordenaccedilatildeo especificamente a uma

retificaccedilatildeo ativada por Kamunaobi e Ōnaobi kokoro refere-se aqui ao kokoro claro de kami

ldquopacificadosrdquo (sumera-gami ōmikokoro akiraka ni 皇神等の御心も明に) sendo que esta

transiccedilatildeo de kami ldquoviolentosrdquo para kami ldquopaciacuteficosrdquo (ara furu kami-tachi wo kashi harai

tamai kami nagoshi ni nagoshi tamai荒振神等を神攘攘給ひ神和和給) se deve a outros

dois kami 276

pacificaccedilatildeo tambeacutem eacute purificaccedilatildeo

Na perspetiva de Picken purificaccedilatildeo e pureza natildeo soacute partilham de uma conotaccedilatildeo

positiva como mantecircm entre si uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia pureza eacute a meta e a

consequecircncia do resultado da purificaccedilatildeo se o indiviacuteduo eacute o recetor de oharai que por sua vez

beneficia o kokoro meijō indica a ldquorestauraccedilatildeo do estado de pureza conhecido como seimei-

shin (ou akaki kiyoki kokoro)rdquo Por outras palavras o praticante torna-se portador de um

ldquoclaro kokorordquo (akaki kokoro明心) ldquopuro kokorordquo (kiyoki kokoro清き心) ldquocorreto ou justo

kokorordquo (tadashiki kokoro 正しき心) e o ldquokokoro retordquo (naoki kokoro 直き心) 277

um

quarteto de caracteriacutesticas eticamente boas

Assim os contornos eacuteticos da relaccedilatildeo kokoro - pureza revelam-se fundamentais para

a compreensatildeo de novas perspetivas modernas e japonesas de shintō segundo Muraoka

Tsutsunegu (村岡典嗣 1884-1946) meijō eacute uma ldquocaracteriacutestica eacutetica de shintōrdquo e um atributo

transversal em qualquer ldquodivisatildeordquo desta Via equiparado ao niacutevel de uma ldquodoutrinardquo (meijō

shugi明浄主義) no ldquosentido de que existe reverecircncia pelo claro e puro (hellip) em toda a mateacuteria

e pensamentordquo Por conseguinte meijō eacute o puro que carece de impurezas uma condiccedilatildeo

ldquoprimordialrdquo partilhada por todas as pessoas por oposiccedilatildeo a tsumi e kegare cuja presenccedila eacute

inviabilizada (temporariamente) em caso de purificaccedilatildeo regressando agrave sua origem (Yomi ou

Ne no kuni) durante harai 278

Aliaacutes a consciencializaccedilatildeo do kokoro como um dos componentes da eacutetica japonesa

reflete-se desde logo na linguagem dos eacuteditos imperiais do Zoku Nihongi qualificando-se o

276

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018) 277

PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 176 278

PICKEN Stuart op cit pp 254 256-257

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 92

kokoro como algo ldquopurordquo (kiyoki kokoro 清き心) ldquoclarordquo (akaki kokoro 明き心) e ainda

ldquokokoro puro e clarordquo (kiyoki akaki kokoro清明心) Como se pode constatar nos eacuteditos dos

anos 707 (以明浄心而 浄明心以而) 743 (明浄心) 757 (諸以明清心皇朝 自今往前者以

明直心仕奉朝廷 悪心無而清明心) e 770 (衆浄明心正直言以而) 279

ter um kokoro cuja

essecircncia fosse de ldquohonestidaderdquo ldquoclarezardquo e ldquosinceridaderdquo elucida a importacircncia da pessoa

possuir uma boa natureza

Durante o Periacuteodo Edo protagonistas da escola Kokugaku como Kamo-no-Mabuchi

(賀茂 真淵 1697-1769) e Motoori Norinaga apoiam esta perspetiva mais eacutetica do kokoro

apelando ao lsquokokoro sincerorsquo ou lsquomakoto no-kokororsquo (真の心) isto eacute a derradeira virtude de

shintō 280

o que naturalmente reforccedila a importacircncia da caracteriacutestica ldquosinceridaderdquo (makoto)

Avaliada como algo dentro do kokoro ou que lhe eacute independente makoto (真) eacute

homoacutefono da palavra makoto (誠) cuja etimologia eacute makoto ( 真事) literalmente ldquoverdadeiras

palavrasrdquo e significa ldquonatildeo mentirnatildeo enganarrdquo 281

partilhando de um significado positivo

semelhante aos termos ldquohonestordquo (tadashii 正しい) ldquohonestidaderdquo (正直) makoto [真] por

sua vez tende a ser traduzido por ldquosinceridadeverdadeirordquo

No entender de Picken makoto (真) eacute um dos seus muitos vocaacutebulos ldquomoraisrdquo de

shintō juntando-se a kansha (感謝) ou ldquogratidatildeordquo forma de o indiviacuteduo expressar ldquogratidatildeo

humana pela sua dependecircncia sobre o divinordquo e tambeacutem uma atitude de respeito para com a

sociedade que o serve junsui (純粋) ou ldquopessoasrdquo de ldquocoraccedilatildeo puroinocentesrdquo relacionadas

com os traccedilos de caraacutecter ldquobomrdquo (seimei shin) definidos com base nos estudos de poesia e

outros textos antigos 282

Por conseguinte ldquosinceridaderdquo e ldquoagradecimentordquo relacionam-se

com o primeiro grande objetivo da Jinja Honchō conferindo a makoto as qualidades akaki

(ldquoclarordquo e kiyoki (ldquopurordquo) 283

Neste sentido makoto significa tambeacutem ser verdadeiro agraves suas intenccedilotildees e acreditar-

se no que estaacute a fazer uma atitude fundamental para qualquer praticante de shintō quem tiver

279

Ao todo [心] surge 211 vezes nesta obra tanto de forma isolada como acompanhado dos referidos termos

Por vezes as caracteriacutesticas positivas natildeo se aplicam somente ao kokoro mas tambeacutem ao discurso tomando-se o

exemplo de shōjiki kotoba (正直言) ldquopalavras honestasrdquo 続日本紀 朝日新聞本 (ZokuShoku Nihongi Versatildeo

do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokuallhtml (consultado em 24-06-2018) 280

PICKEN Stuart op cit pp 219-220 281

NISHIGAKI Yukio op cit pp 531-532 282

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 283

Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line)

lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt (consultado em 24-06-2018)

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uma ldquovontade sincerardquo em fazer parte dos rituais conseguiraacute cultivar uma relaccedilatildeo proacutexima

com o kami No que concerne ao kokoro este pode ser qualificado como algo ldquobomrdquo (kiyoki

kokoro akaki kokoro yoshiki kokoro) ou ldquomaurdquo (ashiki kokoro) dependendo do caso

distinguindo-se de makoto que dispensa tais significados prejudiciais

Os grandes estudiosos do Periacuteodo Edo nunca se pronunciam sobre um kokoro mau

kokoro eacute sempre um atributo humano (ou de kami) positivo frequentemente associado a shintō

surgindo termos como o magokoro (makoto no-kokoro)

Palavra derivada da combinaccedilatildeo de ldquoverdadeirordquo (真) e kokoro magokoro eacute parte da

piracircmide de ldquovalores positivosrdquo individual assemelhando-se agrave qualidade ldquointenccedilatildeo de

sinceridaderdquo (seii 誠意) Contudo segundo o Tama boko hyakushu (玉鉾百首) de Norinaga

o magokoro corresponde a uma consequecircncia da accedilatildeo do princiacutepio musubi presente na mitama

dos kami um kokoro despido de valores opostos (bemmal sapiecircnciaburrice

capacidadeincapacidade) e cuja qualificaccedilatildeo varia consoante o tipo de experiecircncia e accedilatildeo

(boamaacute) Identificado como uma condiccedilatildeo inata aos seres humanos magokoro tem no seu

nuacutecleo a funccedilatildeo de ldquomovimentordquo nas palavras de Motoori Ōhira (本居大平 1756-1833)

irmatildeo mais novo de Norinaga o kokoro eacute designado de magokoro quando se torna ugoku

kokoro ou ldquokokoro que se moverdquo (うごくこころ動く心) quando alguma coisa de natureza

positiva ou negativa consegue fazer comover (tocar) o kokoro das pessoas estaacute-se perante um

ugoku kokoro agindo-se ldquonaturalmenterdquo conforme o estadonatureza das coisas e

acontecimentos 284

Uma caracteriacutestica uacutenica e individual de cada ser humano que justifica a existecircncia

de kami e coisas boasmaacutes 284

o magokoro existiria na realidade atual (Hito no yo 人の代)

embora remonte aos tempos do Kami-yo uma era temporalmente incerta e marcada pelo

permanente ciclo de Desordem e a Ordem colocando-se sempre a hipoacutetese de esta Desordem

ser ldquocuradardquo tornando a realidade calma e paciacutefica 285

entre o ldquobemmalrdquo vidamorte a vida

e o bem seriam sempre vitoriosos ilustrando a atitude otimista e positiva de Norinaga

tambeacutem adotada pelos praticantes de shintō

284

UMIHIKO ldquo本論 第七回「「真心(まごころ)」とは」の巻rdquo (Texto do Seacutetimo Capiacutetulo magokoro

eacute) 本居宣長研究ノート「大和心とは」本論 (Bloco de notas de Pesquisa Motoori Norinaga ldquoYamato

Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-07phpgt (consultado em 24-06-2018) 285

UMIHIKO ldquo第八回「『真心(まごころ)の型」の巻 rdquo (Texto do Oitavo Capiacutetulo O modelo de

magokoro) 本居宣長研究ノート「大和心とは」 本論 (Bloco de Notas de Pesquisa Motoori Norinaga

ldquoYamato Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-08phpgt (consultado em 24-

06-2018)

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Um seacuteculo mais tarde Katō Shigeharu (加藤 重春 1818-) avaliaria o significado

eacutetico do kokoro e makoto a sua obra Shintō fumoto no tateishi (神道麓之立石) categorizaria

kokoro e makoto como duas das quatro Vias de shintō respetivamente a ldquoVia do kokorordquo

(shintō 心道) e a ldquoVia da verdaderdquo (shintō 真道) se na primeira Via shintō eacute qualificado

como uma ldquoVia que retifica a menterdquo a ldquoVia da verdaderdquo reforccedila a importacircncia da

ldquosinceridaderdquo uma vez que ldquoqualquer pessoa que desconsiderasse a importacircncia de

sinceridade eacute uma pessoa viciosardquo Shintō deveria simplesmente ldquofluirrdquo influenciando

automaticamente as accedilotildees do indiviacuteduo cujo coraccedilatildeo eacute ldquoretificado reto e unido com os kamirdquo

soacute assim as suas accedilotildees estariam de acordo com a Via 286

Nos periacuteodos posteriores ao Engishiki o conceito de kokoro adquire alguma

importacircncia a um niacutevel mais ldquofilosoacuteficordquo numerosos textos criados por escolas e autores

independentes expotildeem as suas ideias acerca de kokoro ldquopurezardquo e ldquopurificaccedilatildeordquo bem como os

seus efeitos desta uacuteltima no ser humano Na tradiccedilatildeo de Ise shintō kokoro (ldquomenterdquo) faz parte

do trio ldquopurezardquo- ldquomenterdquo ndash ldquohonestidaderdquo como se constata no Ruiji Jingi Hongen (類聚神

祇本源) de Watarai Ieyuki a ldquopurezardquo eacute uma caracteriacutestica que denota honestidade o ato de

empreender uma tarefa com uma ldquomente que eacute calma (hellip) comportar-se numa maneira que

transcende vida e morte (hellip) tal como obedecer agraves seis proibiccedilotildees relacionadas com o modo

proacuteprio de observar rituaisrdquo (as seis formas de shokue do Engishiki) Em Shintō Kanyō (神道

簡要) do mesmo autor ldquopurezardquo eacute a raiz da ldquohonestidaderdquo e por conseguinte o uacutenico modo

de o indiviacuteduo obter benefiacutecios dos kami uma condiccedilatildeo presente ldquoquando a mente eacute retificada

(uma virtude Confuciana) balanccedilada sem manchar ou sendo manchadardquo e age com

ldquopropriedade em concordacircncia com razatildeordquo isto eacute possui ldquopropriedaderdquo (tsutsushimi 慎み

ldquoter uma atitude proacutepriaadequadardquo) 287

Na escola de Yoshida shintō Kanetomo interpreta esta Via como uma via de

proteccedilatildeo do kokoro (ldquomenterdquo) e como tal a pessoa deveria proceder a uma ldquopureza interna e

externardquo de modo a ldquoseguir a via dos kamirdquo 288

e manter com estes mesmos kami uma relaccedilatildeo

de proximidade graccedilas ao elo de ligaccedilatildeo o kokoro Responsaacutevel pela ldquoreinvenccedilatildeordquo do

conceito de kokoro no seu tempo Kanetomo eacute pioneiro na argumentaccedilatildeo de que o ldquocoraccedilatildeo

286

Aleacutem das Vias do kokoro e de makoto fazem parte de shintō o proacuteprio shintō (Via dos kami) e shintō ou ldquoVia

dos paisrdquo (親道) que enfatiza a virtude confuciana de piedade filial (oya kōkō 親孝行) PICKEN Stuart

Sourcebook in Shinto op cit pp169-170 287

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 177-180 288

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 28

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humanordquo (kokoro) e kami satildeo uno e a ldquomesma coisardquo 289

justificando a sua proposta de um

tipo de shintō cuja praacutetica ritual transporta consigo um potencial de purificaccedilatildeo fiacutesicamental

Natildeo obstante a linha de pensamento deste autor jaacute estava subentendida num dos

mais ceacutelebres textos de exposiccedilatildeo de Nakatomi Ōharae o Nakatomi Harae Kunge (中臣祓訓

解) Por norma datado do final do Periacuteodo Heian ou dos iniacutecios do periacuteodo seguinte a obra eacute

considerada parte de Ryōbu shintō e releva o papel de Nakatomi Harae aquando deste ldquoritualrdquo

argumentando acerca do papel fundamental da ldquomente humanardquo 290

- o kokoro - por sua vez

descrito por Kanetomo como aquilo que ldquoregerdquo e ldquoorientardquo o praticante e um ldquolugar onde os

kami governantes do universo vivem um lugar sagrado no qual a raiz e origem do cosmos eacute

para ser encontradardquo 289

Assim o kokoro (do homem) eacute o uacutenico elemento no indiviacuteduo capaz

de ldquocomungar com Ceacuteu e Terra com a grande natureza com o cosmosrdquo isto eacute o ldquotodordquo 290

estamos entatildeo perante um vislumbrar de realidades que estatildeo normalmente vedadas ou

veladas ao praticante devido agraves limitaccedilotildees fiacutesicas do corpo

Neste sentido entrar em contacto com os kami eacute um processo ldquomentalrdquo pois eacute a

ldquomente individualrdquo (kokoro) que consegue ldquoencontrarrdquo o kami do cosmos (hellip) origina agrave

ldquopurificaccedilatildeo da natildeo-menterdquo (mushin 無心 ) ndash Kanetomo considera mushin como termo

complementar de ldquoexistir-menterdquo (ushin 有心) dois vocaacutebulos originaacuterios da Via do Buda

que fazem parte do que se entende por ldquocaminhordquo (michi) em shintō 291

Deste modo satildeo

reunidos os requisitos necessaacuterios para a etapa final desta purificaccedilatildeo a ldquouniatildeordquo kamihomem

na qual ldquotodos os meus pensamentos e aspiraccedilotildees se tornam um com oos kamirdquo (shinjin

gōitsu) e consequentemente o retorno do indiviacuteduo sujeito a este harai agrave ldquoforma verdadeira e

originalrdquo que eacute nada mais do que o proacuteprio kami (shinjin kiitsu) 290

Alcanccedilar a Ordem atraveacutes da purificaccedilatildeo em shintō (misogi harai segundo Picken)

possibilita aquilo que geralmente eacute aceite como perspetiva da desta Via em relaccedilatildeo

agrave rdquonatureza humanardquo completar o processo de purificaccedilatildeo significa testemunhar dois

fenoacutemenos especiacuteficos a ldquouniatildeordquo do kami e do homem (shinjin gōitsu (神人合一) e a

289

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 166-167 290

PICKEN Stuart op cit pp 84-85 291

Em Yuiitsu shintō se michi eacute a ldquoraiz da miriacuteade de condutasrdquo(万物之起源也 michi towa mangyō no

minamoto nari 道とは万行の源なり) kami equivale ao kokoro da ldquomiriacuteade de coisasrdquo (神者万物心 kami towa

manbutsu no kokoro ni shite 神とは万物の心にして) Por outras palavras michi possui sempre em si duas

coisas complementares e opostas uma que ldquonatildeo-existerdquo e outra que ldquoexisterdquo HIROKAMI Kiyoshi ldquo日本にお

ける神道理論の形成rdquo (Concerning the Formation of Shinto theories in Japan) Tetsugaku shisō ronsō (哲学-思

想論叢) nordm 5 1997 pp 1-18

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consequente ldquorestauraccedilatildeo do divino no homemrdquo (shinjin kiitsu 神人帰一 ) literalmente

ldquokamipessoaregresso ao umrdquo 292

sendo que este ldquodivinordquo eacute o kami e a ldquopessoardquo eacute o seu

ldquodescendenterdquo que eacute temporariamente afetado pela Desordem que existe no mundo

Com efeito viver a vida de forma harmoniosa eacute o mesmo que aceitar a necessidade

de restauraccedilatildeo da Ordem um processo perioacutedico e que decorre apoacutes a purificaccedilatildeo individual

ldquopurificarrdquo natildeo significa apenas harai (祓) ou kiyomeru (清める) mas tambeacutem ldquorestaurarrdquo

(naoru直る) 293

a relaccedilatildeo simbioacutetica kami-homem (e vice-versa) expressa pela palavra shinjin

ou kami (神人) isto eacute o ldquokami com uma natureza humanardquo ou ldquokami e seres humanosrdquo

referindo-se ao ldquoprinciacutepio de unidade entre kami e seres humanosrdquo 294

No fundo shinjin gōitsu e shinjin kiitsu satildeo concordantes com a ideia acerrimamente

defendida por Kanetomo de que kokoro e kami satildeo essencialmente o mesmo permitindo ao

praticante tornar-se algo mais do que fisicamente aparenta ser o kokoro eacute o derradeiro elo de

ligaccedilatildeo kami-homem aquilo que deve ser cultivado atraveacutes de rituais de purificaccedilatildeo interna

292

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 293

PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 359 294

NISHIOKA Kazuhiko ldquoKamirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23401gt (consultado em 24-06-

2018)

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CONCLUSAtildeO

Apesar de a popularidade que o shintō recebe hoje em contexto acadeacutemico ser

evidenciada pelo nuacutemero consideraacutevel de artigos e livros produzidos por autores natildeo

japoneses a Via dos kami em si permanece um campo por explorar natildeo existindo falta de

informaccedilatildeo e sim falta de estudo dessa informaccedilatildeo Foi com estas intenccedilotildees que se pocircde dar

forma a uma inicial miscelacircnea de pensamentos e ideias desconetadas umas das outras um

processo que como natildeo esteve isento de obstaacuteculos nomeadamente a ldquotriagemrdquo de

informaccedilatildeo (consequecircncia da jaacute mencionada ldquotriagemrdquo dos autores que forneceram essa

mesma informaccedilatildeo) atual e adequada ao campo do shintō e agrave temaacutetica ldquorituais de purificaccedilatildeo e

natildeo-purificaccedilatildeo em shintōrdquo

Neste sentido se uma das dificuldades foi encontrar informaccedilatildeo atualizada e numa

linguagem acessiacutevel (inglecircs) uma das vantagens foi a leitura e interpretaccedilatildeo de artigos

passagens de livros e textos escritos em japonecircs auxiliando na investigaccedilatildeo processo que

incluiu uma anaacutelise etimoloacutegica como complemento agrave anaacutelise teoacuterica dos rituais que

provocam a Desordem e a Ordem sem o recurso a tal metodologia dificilmente se

conseguiria responder agraves trecircs perguntas colocadas na Introduccedilatildeo

Outro ponto positivo a ter em conta foi o recurso a outras fontes aleacutem de livros nesta

era de informaccedilatildeo apesar de as obras permanecerem vaacutelidas enquanto fontes primaacuterias de

informaccedilatildeo a sua linguagem presente pode parecer estranha a quem estuda tradiccedilotildees natildeo

ocidentais Interessantemente autores como Picken natildeo caem neste erro ao contraacuterio de Ono

Sokyō De um modo geral fontes virtuais (websites oficiais e artigos de revistas cientiacuteficas)

tambeacutem natildeo seguem esta tendecircncia de ldquotraduccedilotildeesrdquo No caso de fontes japonesas (artigos

websites e livros) a traduccedilatildeo estaacute ausente permitindo reter o sentido das palavras

Sinteticamente o shintō possui uma tradiccedilatildeo de atos de veneraccedilatildeo em jinja e de

indiviacuteduos participantes nos diferentes matsuri Eacute neste sentido que os indiviacuteduos executam

ldquorituaisrdquo (conotaccedilatildeo exclusivamente positiva) favoraacuteveis agrave Ordem Regulados num contexto

de corte estas praacuteticas adaptaram-se consoante a evoluccedilatildeo histoacuterica de shintō tornando-se

vaacutelidos tanto hoje como haacute seacuteculos atraacutes Veja-se o caso de misogi misogi harai retratada

como um exemplo de purificaccedilatildeo interna e externa eacute o ritual-base da atuaccedilatildeo de Misogi-kyō e

tradicionalmente ndash devido agrave sua presenccedila no Kojiki e Nihon shoki par de obras que alude agrave

consciencializaccedilatildeo do que eacute puroimpuro - uma espeacutecie de alicerce de todos os rituais

conducentes agrave Ordem uns mais simples do que outros constatando-se diferenccedilas no que

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concerne agrave preparaccedilatildeo e organizaccedilatildeo Temizu eacute um tipo de purificaccedilatildeo fiacutesica e como tal

reconhece a existecircncia de uma ldquoimpurezardquo fiacutesica e verbal ndash kegare - oriundo das matildeos e da

boca Jaacute as norito satildeo uma purificaccedilatildeo verbal cujos efeitos positivos se repercutem no que as

escuta e naquele que as profere Apesar de hoje poderem ser utilizadas em contextos natildeo

apenas puacuteblicos norito retraccedilam as suas origens a shintō imperial e jinja shintō ambas

categorias que durante seacuteculos beneficiaram de uma posiccedilatildeo privilegiada junto do poder

poliacutetico japonecircs

Natildeo obstante as metas do shintō para a sociedade japonesa do passado satildeo as mesmas

do presente conduzir o indiviacuteduo praticante agrave Ordem atraveacutes dos rituais de purificaccedilatildeo uma

vez que jōka eacute uma temaacutetica transversal a todas as vertentes do shintō independentemente do

seu nome ou forma pacificaccedilatildeo retificaccedilatildeo oharai temizu norito misogi kessai natildeo deixam

de ser purificaccedilotildees Contudo soacute se pode falar de uma ldquopurificaccedilatildeordquo se houver razatildeo para tal

se existem rituais que reconduzem o indiviacuteduo agrave Ordem seguramente existem rituais de

natureza antagoacutenica Natildeo haacute Desordem (muchitsujo 無秩序 conotado pela autora com maga

[禍]) sem Ordem (chitsujo 秩序 se bem que algumas fontes favorecem o uso de nao [直]

para expressar esta Ordem uma vez que um dos seus significados eacute o de ldquorestaurarrdquo)

purificaccedilatildeo sem natildeo-purificaccedilatildeo e muito menos pureza sem impureza Estes trecircs pares de

conceitos satildeo interdependentes opostos e complementares Tendo isto como ponto de partida

eacute possiacutevel deduzir o seguinte shintō tem por princiacutepio um equiliacutebrio e um ciclo no qual se

encontra o indiviacuteduo a Via propotildee ao indiviacuteduo o que deve fazer e o que eacute correto fazer bem

como aquilo que natildeo deve fazer

Neste sentido o shintō reuacutene aspetos teoacutericos e praacuteticos como qualquer outra religiatildeo

apresentando a sua proacutepria ldquocosmovisatildeordquo ndash ldquovisatildeo do cosmosrdquo o cosmos eacute conotado com o

coletivo e como tal um dos seus elementos fundamentais eacute o indiviacuteduo que vive neste cosmos

esperando um dia efetivamente ligar-se a ele o que alude a noccedilatildeo de musubi aproximando o

ser humano do kami

Por conseguinte a jōka eacute um processo abrangente e inclusivo e natildeo restritivo ou

exclusivo no qual o ser humano se deve focar auxiliando-o a viver bem consigo e com os

outros A natildeo purificaccedilatildeo precede os atos de purificaccedilatildeo tal como a Desordem precede a

Ordem existindo desde os tempos incertos do Kami-yo relatados pelas mitologias japonesas

Aliaacutes esta DesordemOrdem eacute provocada pelas accedilotildees dos kami Tome-se por exemplo

Susanoo e Amaterasu com a excepccedilatildeo dos episoacutedios nos quais Susanoo repotildee a Ordem

atraveacutes da eliminaccedilatildeo de uma ameaccedila (Yata no Orochi) este kami estaacute sempre associado agrave

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Desordem como consequecircncia da sua rivalidade para com Amaterasu sua irmatilde mais velha

Tal conflito prolonga-se ateacute ao momento da restauraccedilatildeo da Ordem trazida por Ninigi neto de

Amaterasu e inimigo dos descendentes de Susanoo sobre os quais emerge vitorioso

Interessantemente esta reordenaccedilatildeo tem a dupla funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo do estatuto de

Amaterasu enquanto governante de Takamagahara e entronizaccedilatildeo de um novo poder

centralizado no territoacuterio japonecircs na figura de um suposto descendente de Amaterasu A nova

ordem coacutesmica simboliza uma nova ordem poliacutetica

Em contrapartida o ciclo de Desordem e Ordem no qual o ser humano natildeo eacute apenas

um espetador mas tambeacutem um participante tem as suas origens nos atos conscientes de

Izanagi durante misogi o primeiro ritual de purificaccedilatildeo a ser mencionado em fontes japonesas

Aliaacutes ldquorituaisrdquo satildeo processos de transiccedilatildeo de um ldquoestado potencialrdquo para a condiccedilatildeo de

ldquoatordquo negativo ou positivo em shintō se rituais de natureza positiva satildeo visualmente

manifestaccedilotildees de apreccedilo e respeito pelos kami e aproximam-nos dos proacuteprios kami rituais de

natureza oposta provocam a distacircncia Por outras palavras rituais satildeo nada mais do que

meacutetodos para atingir um fim a Ordem ou o seu inverso sendo que a purificaccedilatildeo assume um

papel basilar orientando o indiviacuteduo ao longo deste processo Executar rituais de purificaccedilatildeo

significa reconhecer os erros cometidos e efetivamente agir a favor de um coletivo

Afastando-se do que lhe eacute prejudicial e para este coletivo o indiviacuteduo segue a Via dos kami

que o auxilia a viver a vida de forma boa de estar bem consigo e com os outros

Contudo por muito atrativo que pareccedila esta ideia de Ordem eacute inevitaacutevel a seguinte

sucessatildeo de perguntas seraacute que o shintō se resume apenas a isto Um ser humano

ciclicamente sujeito a uma Desordem e Ordem que ele proacuteprio causa ou se deixa afetar por

forccedilas ldquoexterioresrdquo (kami) consequentemente atingindo natildeo apenas a sua pessoa mas tambeacutem

o que o rodeia Natildeo haveraacute uma soluccedilatildeo definitiva Uma ldquoharmoniardquo que seja permanente e

natildeo perioacutedica

Ora esta linha de raciociacutenio natildeo eacute de todo iloacutegica se o shintō existe para benefiacutecio de

quem cumpre com os rituais de purificaccedilatildeo a ldquoharmoniardquo eacute nada mais do que um meio para

atingir o derradeiro fim a felicidade Assim a verdadeira ldquoHarmoniardquo significa ir para laacute da

Desordem e Ordem da reordenaccedilatildeo constante Harmonia eacute equiliacutebrio e uma condiccedilatildeo de

plenitude perpetuada o que soacute acontece quando o ser humano estaacute ligado ao todo um todo

representado parcialmente pela sociedade e pelo indiviacuteduo que estaacute em sociedade

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 100

No contexto do shintō o indiviacuteduo poderaacute ser definido enquanto parte do todo e de

certo modo o proacuteprio todo se a parte estaacute ligada em rede ao todo de uma forma

exclusivamente positiva eacute graccedilas agrave Harmonia De entre os autores contemporacircneos

consultados Stuart Picken destaca-se como o mais assertivo na partilha desta opiniatildeo o

entendimento que este uacuteltimo atribui agrave praacutetica misogi harai (shinjin gōitsu e shinjin kiitsu) jaacute

transparece a noccedilatildeo de Harmonia uma ldquoHarmoniardquo definitiva agrave semelhanccedila do que eacute

proposto pelo texto do Nakatomi Harae Kunge De todos os rituais de purificaccedilatildeo

mencionados este eacute o uacutenico que oferece ao indiviacuteduo algo mais do que uma Ordem

temporaacuteria conseguindo de facto inviabilizar a proacutepria Desordem

Em suma eacute possiacutevel percecionar shinjin gōitsu e shinjin kiitsu como consequecircncia de

um tipo de purificaccedilatildeo que natildeo vem do exterior Ao inveacutes de uma purificaccedilatildeo externa focada

no regresso temporaacuterio agrave Ordem urge-se uma purificaccedilatildeo que tem de vir do ldquointeriorrdquo do

kokoro Quando este atributo humano estiver em Harmonia a purificaccedilatildeo torna-se permanente

para o ser humano um ser humano em equiliacutebrio e liberto do ciclo de Desordem e Ordem que

rege a sua conduta diaacuteria

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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ANEXOS

Anexo I

Desordem e Ordem de acordo com o terceiro capiacutetulo do Engishiki shokue (orientaccedilatildeo

direita-esquerda da segunda agrave quinta linha) e imi [齋] incluindo sansai e chisai durante os

atos de luto (uacuteltimas quatro linhas da paacutegina) ou no periacuteodo de gravidez das jovens do palaacutecio

(primeiras duas linhas paacutegina seguinte)

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Anexo II

Um shinkan executa oharai durante o ldquorito de shūbatsurdquo (shūbatsu no gi修祓の儀) segundo

passo do jichinsai Este matsuri decorreu em 2016 1ordm de novembro (terccedila-feira) prefeitura de

Aomori (Aomori-ken 森県 ) cidade de Hachinoe (Hachinoe-shi 八戸市 ) por parte do

Kabushima jinja (蕪嶋神社) O seu objetivo eacute ldquoapaziguarrdquo os kami do terreno onde se

construiraacute um novo shaden (社殿) isto eacute o edifiacutecio onde se guarda o shintai

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Anexo III

Uma jovem executa temizu segurando o utensiacutelio de madeira na matildeo direita que utilizou para

lavar a matildeo esquerda e agora a sua boca O texto abaixo agrave esquerda lecirc-se ldquolimpar o kokoro e

o corpordquo (心身を清める) e temizu (手水) respetivamente agrave direita a frase ldquohidarite de mizo

wo uke kuchi wo susugimasurdquo (左手で水を受け口をすすぎます) significa literalmente

ldquorecebe-se a aacutegua e lava-se a boca com a matildeo esquerdardquo

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Anexo IV

Excerto da norito de Minadzuki no tsugumori Ōharae (六月晦日大祓) oitavo volume do

Engishiki Aqui os atos de ldquopurificaccedilatildeordquo (segunda linha a contar da esquerda) provocaram a

eliminaccedilatildeo dos tsumi cometidos pelo coletivo de funcionaacuterios (quarta linha)

Page 4: recil.grupolusofona.ptrecil.grupolusofona.pt/jspui/bitstream/10437/8982/1/tese mariana nu… · Dissertação defendida em provas públicas para obtenção do Grau de Mestre em Ciência

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais pelo seu apoio no decorrer deste projeto

Ao Professor Antoacutenio Faria pelo tempo simpatia e disponibilidade prestados

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RESUMO

O presente trabalho procura analisar os rituais que no contexto de shintō

inviabilizam e favorecem a restauraccedilatildeo da Ordem Os rituais por norma portadores de uma

conotaccedilatildeo ldquopositivardquo podem alternativamente ser entendidos como uma sucessatildeo de

pensamentos palavras e accedilotildees justificando a classificaccedilatildeo em positivonegativo consoante os

resultados obtidos

No Japatildeo a gradual institucionalizaccedilatildeo da Via dos kami (shintō) por parte da corte

imperial favoreceu a evoluccedilatildeo de praacuteticas ldquorituaisrdquo executadas por indiviacuteduos que celebravam

a sua relaccedilatildeo com os kami formas de existecircncia e consciecircncia associadas agrave Ordem (na sua

grande maioria) e veneradas ateacute aos dias de hoje

Criado para o bem de quem o segue o shintō reconhece a purificaccedilatildeo como a

preocupaccedilatildeo transversal de todas as suas vertentes Com efeito a purificaccedilatildeo eacute um complexo

processo cujos efeitos natildeo satildeo apenas positivos para o indiviacuteduo mas tambeacutem para o coletivo

isto eacute a sociedade com a qual interage diariamente conduzindo-o agrave Ordem

Contudo natildeo haacute Ordem sem o seu oposto a Ordem e a Desordem satildeo as duas partes

de um ciclo no qual o indiviacuteduo se encontra assumindo um papel fundamental dado que tem

a capacidade de executar rituais se a Ordem eacute a meta dos rituais positivos a Desordem eacute a

consequecircncia dos rituais negativos

Palavras-chave Japatildeo shintō (神道) rituais purificaccedilatildeo (jōka浄化) indiviacuteduo

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ABSTRACT

The following work aims for an analysis of the rituals that in the context of shintō

may invalidate and encourage the restauration of the Order The rituals typically defined by

bearing a ldquopositiverdquo connotation may alternatively be understood as a succession of thought

words and actions which justifies the lsquopositivenegativersquo classification according to the

obtained results

In Japan the gradual institutionalization of the Way of the kami by the imperial court

promoted the evolution of several ldquoritualrdquo practices executed by individuals that celebrated

their relationship with the kami forms of existence and conscience associated to the Order

(the most part of them) and worshiped to the present time

A Way created for the wellbeing of the one who follows it the shintō acknowledges

the purification as the transversal concern of all of its aspects Therefore the purification is a

complex process whose results are not just positive for the individual but also for the

collective meaning the society with whom he interacts on a daily basis which leads him to

the Order Nevertheless there is no Order without its opposite the Order and the Disorder

are the two parts of a cycle in which the individual is found assuming a vital role due to the

fact he has the capacity of executing rituals if the Order is the goal of positive rituals the

Disorder is the consequence of negative rituals

Keywords Japan shintō (神道) rituals purification (jōka浄化) individual

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IacuteNDICE GERAL

GLOSSAacuteRIO 5

INTRODUCcedilAtildeO 9

1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA 16

11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo 19

111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de divisatildeo da

realidade agrave criaccedilatildeo da mesma 24

112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordemhellip 26

12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora 32

121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa 32

122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos

kami 35

123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu 39

13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945 43

131 A visatildeo nacionalista Meiji uma lsquonatildeo-religiatildeorsquo ao serviccedilo do Estado

japonecircs 44

132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular

religiatildeo japonesa 46

2 SOCIEDADE ESPIRITUALIDADE E EacuteTICA A VIA DOS KAMI E O REGRESSO

Agrave Ordem 48

21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e

individuais 48

22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii 50

23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi 53

24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e

externa 79

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CONCLUSAtildeO 97

BIBLIOGRAFIA 101

ANEXOS I

Anexo I I

Anexo II II

Anexo III III

Anexo IV IV

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GLOSSAacuteRIO

Amatsu-no-kami literalmente lsquokami celestesrsquo satildeo um grupo de kami liderados por

Amaterasu Ōmikami e que habitam em Takamagahara (高天原) Nesta divisatildeo encontram-se

ainda os hermafroditas koto-amatsukami (別天つ神)

Fujō termo geneacuterico para designar o que eacute lsquoimpurorsquo aos olhos da sociedade japonesa Por

vezes sinoacutenimo de fuketsu se bem que esta palavra seja usada no contexto de algo

higienicamente reprovaacutevel Num sentido mais amplo fujō representa um estado de Desordem

associando-se com o termo kegare

HaraiHarae atos de lsquopurificaccedilatildeorsquo no sentido de eliminaccedilatildeo da desordem provocada pela

accedilatildeo humana ou natural Haraiharae eacute uma das praacuteticas mais recorrentes das vaacuterias vertentes

de shintō e pode ser praticada de forma individual ou coletiva

Imi palavra de conotaccedilatildeo prejudicial que convida agrave Desordem Comportamento ou algo cuja

natureza eacute negativa e reprovaacutevel de dizerfazer servindo de base etimoloacutegica ao ceacutelebre termo

imikotoba palavras natildeo pronunciaacuteveis em certas ocasiotildees (festivas)

Imuimi lido alternativamente como sai eacute uma conduta positiva e favoraacutevel ao cumprimento

de rituais shintō Frequentemente interpretado como atos de lsquoabstenccedilatildeorsquo fiacutesica e mental

imuimi seriam descritos e categorizados nas obras Yōrō-ryō e Engishiki

Jingikan um instrumento do poder poliacutetico imperial e o oacutergatildeo de manutenccedilatildeo e vigilacircncia

dos vaacuterios jinja desde os primeiros seacuteculos do periacuteodo dinaacutestico japonecircs A niacutevel legal o culto

jingi sujeitava-se agraves regulaccedilotildees do coacutedigo Jingiryō Nos dias de hoje as funccedilotildees do Jingikan

foram essencialmente substituiacutedas pela Jinja Honchō

Jinja espaccedilos fiacutesicos de veneraccedilatildeo aos kami Literalmente os ldquosantuaacuterios de kamirdquo

Kami com frequecircncia traduzido em obras por lsquodeusesrsquo lsquoentidadesrsquo lsquodivindadesrsquo e lsquoespiacuteritosrsquo

podem ser entendidos como formas de existecircncia anteriores e superiores os humanos Apesar

de a maioria atuar como representantes da Ordem os magatsubi-no-kami defendem o seu

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oposto reforccedilando a ideia de princiacutepios contraacuterios mas complementares muito visiacutevel em

shintō

Kata-shiro um pedaccedilo de papel cuja forma lembra uma figura humana o qual se escreveria o

nome e o geacutenero do seu portador esfregando-se este objeto no corpo transmitindo

simbolicamente os tsumi do corpo para o papel Praacutetica costumaacuteria em Ōharae

Kegare traduzido por lsquoimpurezarsquo e por vezes sinoacutenimo da palavra fujō kegare eacute parte da

terminologia de shintō e um dos termos conotados com a Desordem Eventualmente avanccedilos

na consciencializaccedilatildeo do lsquopuroimpurorsquo permitiram um processo de categorizaccedilatildeo cada uma

associada a uma lsquoimpurezarsquo particular

Kokoro lsquocoraccedilatildeorsquo no sentido natildeo anatoacutemico eacute o elemento interior de qualquer pessoa e

associado ao estado emocional da mesma Em contexto acadeacutemico eacute costume o termo ser

traduzido como lsquomentersquo ou lsquocoraccedilatildeomentersquo

Kunitsu-no-kami os lsquokami terrenosrsquo e hierarquicamente inferiores aos amatsu-no-kami No

fundo satildeo kami que jaacute habitariam o Japatildeo antes da conquista de Ninigi o miacutetico neto de

Amaterasu Na sequecircncia da derrota dos kunitsu-no-kami inaugura-se uma nova Ordem

coacutesmica e poliacutetica

Makoto traduzido por lsquosinceridadersquo e lsquoverdadersquo eacute uma atitude positiva inerente aos humanos

e fundamental aquando das praacuteticas de veneraccedilatildeo aos kami Um dos termos profundamente

ligados agrave natureza mais eacutetica de shintō

Matsuri a variaccedilatildeo do verbo matsuru (祭る祀る) na qual o praticante consagra oferendas a

formas de existecircncia respeitaacuteveis (antepassados kami e budas) Por norma expressotildees

puacuteblicas associadas ao culto jingi que durante o tempo de vigor do Jingikan eram

organizadas consoante as regulaccedilotildees do Jingiryō incorporado na obra Engishiki

Misogi harai o ato de banhar o corpo numa fonte de aacutegua ativando as propriedades

terapecircuticas e purificadoras deste elemento No Kojiki e Nihon shoki Izanagi-no-kami eacute

descrito como o primeiro kami a fazer uso deste ritual apoacutes regressar do Yomi o domiacutenio

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subterracircneo da mitologia japonesa Misogi eacute tambeacutem o expoente de purificaccedilatildeo a niacutevel

externo e interno

Meijō uma das palavras para lsquopurezarsquo Etimologicamente constituiacuteda por mei (明) a leitura

foneacutetica alternativa do japonecircs aki akari akarui termos que expressam as ideias de

lsquoclaroclarezarsquo e jō (浄) lsquopuropurarsquo

Musubi contendo em si a noccedilatildeo de lsquoligaccedilatildeorsquo e lsquouniatildeorsquo e de certo modo o Todo Diz-se que

musubi estaacute presente em qualquer elemento que nos rodeia

Norito frases escritas numa linguagem arcaica e hoje usadas em todo o tipo de locais de

veneraccedilatildeo Sobretudo de caraacutecter puacuteblico norito satildeo etimologicamente constituiacutedas pela

partiacutecula nori (祝) cujo kanji eacute usado no verbo lsquocelebrarrsquo (iwau) e kotoba (詞) lsquopalavrarsquo

Fundamentais para a reposiccedilatildeo temporaacuteria da Ordem

Onmyōdō a Via da escola de funcionaacuterios provenientes do Escritoacuterio Yin-Yang cujas

atividades foram reguladas pelos Abe e Kamo hereditaacuterios liacutederes dos cargos mais relevantes

desta instituiccedilatildeo

Saigū tiacutetulo conferido agrave mais importante sacerdotisa escolhida de entre os membros da

famiacutelia imperial para servir nos jinja de Ise e Kamo Jovem cujo periacuteodo de preparaccedilatildeo

envolvia uma lsquoabstinecircnciarsquo rigorosa de trecircs anos

Shinsen conjunto de alimentos (arroz sal aacutegua sake bolos de arroz peixe algas vegetais

cereais e fruta) oferecidos em altares aos kami

Shintai mitamashiro objetos palpaacuteveis (espelhos por exemplo) identificados com o proacuteprio

kami e como tal devem ser venerados de forma adequada Permanentemente escondidos

dentro do jinja e vigiados pelos responsaacuteveis ateacute ao momento dos matsuri ou outras

celebraccedilotildees

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Shintō a Via dos kami (kami no michi) e uma das religiotildees (shūkyō) reconhecidas no plano

estatiacutestico japonecircs que por sua vez a agrupa em jinja shintō ou shintō de santuaacuterios kyōha

shintō o ceacutelebre shintō setorial e as ldquonovas religiotildeesrdquo (shin shūkyō) baseadas em shintō

Tamashii o elemento inerente ao ser humano e aos kami que supostamente eacute constituiacutedo por

quatro aspetos (shikon) cada um representando uma faceta da personalidade individual Se

pertence aos kami tamashii designa-se mitama Em alguns jinja apenas parte da mitama eacute

venerada pelos praticantes

Temizu a forma abreviada de misogi na qual o indiviacuteduo lava a boca e das matildeos Temizu eacute

obrigatoacuterio antes da veneraccedilatildeo nos jinja

Tsumi palavra que significa lsquocrimersquo Eacute algo contraacuterio agrave ordem social independentemente de

esta ser entre os kami ou entre os humanos Eliminados de forma simboacutelica pelas praacuteticas

haraeharai tsumi satildeo por vezes divididos em amatsu-no-tsumi (lsquocrimes celestesrsquo) e kunitsu-

no-tsumi (lsquocrimes terrenosrsquo)

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INTRODUCcedilAtildeO

O trabalho tem como objectivo uma anaacutelise dos rituais que inviabilizam e permitem a

purificaccedilatildeo em shintō O objeto de estudo comporta natildeo apenas uma abordagem histoacuterica-

antropoloacutegica do shintō adotada por muitos autores contemporacircneos mas tambeacutem um olhar

sobre a sua praacutetica ritual que eacute considerada por muitos como o alicerce da lsquoViarsquo (em japonecircs

dō) per si entendendo-se lsquoritualrsquo como a sucessatildeo de pensamentos palavras e accedilotildees Assim eacute

possiacutevel interpretar o homem como aquele que estaacute no ciclo de Desordem e Ordem capaz de

provocar ou deixar-se influenciar pela Desordem e nesse caso o ritual eacute prejudicial negativo

Em contrapartida se se recorrer agrave purificaccedilatildeo os seus efeitos satildeo positivos e a Ordem eacute

temporariamente restaurada Tal como se constata em tradiccedilotildees ditas orientais shintō defende

a noccedilatildeo de equiliacutebrio uma vez que nada surge sem o seu contraacuterio

A escolha da temaacutetica partiu de um interesse pessoal da autora na cultura japonesa

adquirido ao longo da sua vida acadeacutemica sobretudo durante o periacuteodo de licenciatura em

Estudos Asiaacuteticos que possibilitou uma pequena amostra do que tinha sido produzido ateacute

entatildeo por autores japoneses e natildeo japoneses acerca de shintō o que se pretendia natildeo era um

estudo pormenorizado de filosofias da Aacutesia mas sim transmitir em linhas gerais o que satildeo os

lsquoismosrsquo do continente vizinho uns cuja aacuterea de impacto se reduz a uma aacuterea geograacutefica

especiacutefica e outros que beneficiaram de uma expansatildeo significativa No mestrado em Ciecircncia

das Religiotildees apesar de a vertente filosoacutefica das vaacuterias tradiccedilotildees desenvolvidas na Aacutesia ter

sido incorporada shintō natildeo teve o mesmo protagonismo que a Via do Buda a Via de

Confuacutecio ou ainda o pensamento veacutedico Em Portugal a quase indisponibilidade e ausecircncia

de materiais (atualizados) sobre shintō eacute comparaacutevel ao escasso nuacutemero de trabalhos

acadeacutemicos realizados urgindo-se a necessidade de se executar investigaccedilotildees que

contemplem shintō natildeo como uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido de ser teiacutesta panteiacutesta monoteiacutesta

politeiacutesta mas como algo aleacutem disso Neste sentido o investigador do shintō deve ignorar os

lsquopreacute-conceitosrsquo estabelecidos por outras perspetivas ocidentais que acabaram por moldar o

mundo acadeacutemico tal como o conhecemos natildeo considerando esta religiatildeo somente de um

ponto de vista estatiacutestico

Nesta perspetiva o trabalho pode ser considerado primeiramente como um texto que

procura divulgar shintō em Portugal Um dos motivos que levou a autora a realizar este

trabalho foi como jaacute referido tentar despertar o interesse das pessoas em shintō permitindo a

abertura de portas a futuras investigaccedilotildees e simultaneamente contrariando a tendecircncia de foco

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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do Mestrado de Ciecircncia das Religiotildees nas religiotildees ocidentais Tal tendecircncia pode ser

verificada se o leitor pesquisar a paacutegina virtual do repositoacuterio da Universidade Lusoacutefona de

Humanidades e Tecnologias ndash o ReCiL - Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona de entre as doze

dissertaccedilotildees disponiacuteveis e realizadas por alunos do ldquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrdquo

onze satildeo sobre cristianismo ndash em Portugal e no Brasil ndash e uma eacute dedicada a um dos estilos da

arte marcial karatedō (Shotokan Karatedō 松涛館 空手道) 1

tambeacutem este uma Via ndash Via da

ldquomatildeo vaziardquo ou karate - agrave semelhanccedila de shintō Jaacute a Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das

Religiotildees publicou cinco artigos dedicados ao Japatildeo do passado especificamente o periacuteodo de

presenccedila cristatilde em territoacuterio japonecircs (e Macau) 2

Apesar de carecer de um fundador ndash apenas vaacutelido no caso de kyōha shintō ldquonovas

religiotildeesrdquo shintō e de certo modo escolas de gakuha shintō criadas como consequecircncia dos

movimentos acadeacutemicos e de exposiccedilatildeo de conceitos e rituais (que conduzem agrave Ordem) ndash um

sistema proacuteprio de ldquofeacuterdquo e ldquoensinamentosrdquo caracteriacutesticas tiacutepicas de uma lsquoreligiatildeorsquo (no sentido

lsquoocidentalrsquo) o shintō eacute praticado pelo indiviacuteduo e como tal este uacuteltimo faz parte do todo isto

eacute do mundo que o rodeia vivendo consoante as decisotildees que toma quer sejam de natureza

positiva ou negativa

Neste sentido a finalidade desta dissertaccedilatildeo natildeo eacute somente divulgar shintō o trabalho

realizado eacute um texto argumentativo que pretende responder a trecircs questotildees o que eacute o ciclo de

Desordem e Ordem o que eacute que o praticante de shintō fazia e ainda faz para causar Desordem

ou Ordem quais satildeo os motivos por detraacutes das accedilotildees que conduzem agrave Ordem

Para tentar responder agraves perguntas acima nomeadas dividiu-se o trabalho em duas

partes cada um com um nuacutemero variado de subtoacutepicos a primeira parte eacute acima de tudo

contextualizaccedilatildeo do tema explicando-se o que se entende por shintō ldquoreligiatildeordquo kami e qual a

relaccedilatildeo destes uacuteltimos com o domiacutenio sagradodivino japonecircs

Assim a realizaccedilatildeo do primeiro subtoacutepico envolveu a procura de algumas opiniotildees

formadas por autores e investigadores constatando-se a necessidade de uma anaacutelise

etimoloacutegica de termos como shintō religiatildeo (em japonecircs shūkyō) kami e ldquosagradodivinordquo

(dicotomia seishin) Em segundo lugar efetuou-se uma siacutentese do que outros autores

(japoneses ou natildeo) entendem por kami por vezes sujeitos a processos de classificaccedilatildeo ou

1 The DSpace Foundation ldquoPercorrer lsquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrsquo por data de publicaccedilatildeordquo ReCiL -

Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line)

lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104375704browsetype=dateissuedgt (consultado em 24-06-2018) 2 The DSpace Foundation ldquoResultados da pesquisa- Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das Religiotildeesrdquo ReCiL -

Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line) lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104373095simple-

searchquery=japC3A3ogt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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categorizaccedilatildeo Seguidamente kami satildeo analisados enquanto personagens fundamentais da

cosmologia japonesa conforme os relatos do Kojiki e Nihon shoki participando no processo

de divisatildeo da realidade - sendo que esta divisatildeo pode ser tripartida (sobretudo mundo

superior mundo do meio e mundo inferior) ou bipartida (o lsquonosso mundo fiacutesicorsquoo lsquooutro

mundorsquo) ndash e ainda na criaccedilatildeo desta uacuteltima - considerando-se lsquocriaccedilatildeorsquo como o ato consciente

dos kami (neste caso o casal Izanagi e Izanami) de gerar as coisas que compotildeem o nosso

mundo e tambeacutem kami associados a essas mesmas coisas Apoacutes esta criaccedilatildeo certos kami

tornam-se agentes da Ordem (Amaterasu) e da Desordem (Susano-o e Ōkuninushi)

expressando a noccedilatildeo de equiliacutebrio muito presente nos rituais de shintō que explicam a Ordem

como a consequecircncia da condiccedilatildeo de Desordem (o episoacutedio da Ama no Iwato por exemplo)

No uacuteltimo subtoacutepico explicou-se a evoluccedilatildeo de shintō ao longo dos seacuteculos de

interaccedilatildeo com as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda observando a sua integraccedilatildeo na esfera

poliacutetica japonesa desde os primeiros tempos de institucionalizaccedilatildeo das praacuteticas de veneraccedilatildeo

aos kami ateacute agrave atualidade Natildeo obstante deve-se alertar para o facto de que este subtoacutepico natildeo

apresenta shintō numa perspetiva cronoloacutegica a Via do Confuacutecio - a primeira a ser estudada

neste trabalho - influenciou a sociedade claacutessica japonesa mas a adaptaccedilatildeo dos seus

ensinamentos por parte de shintō soacute se veio a realizar num periacuteodo posterior Por outras

palavras se se pretendesse uma evoluccedilatildeo cronoloacutegica de shintō o esquema a seguir seria ldquoVia

de Dao-Via do Buda-Via de Confuacuteciordquo

No que concerne agrave segunda parte esta corresponde ao desenvolvimento do tema e

como tal investiga-se algumas teorias e praacuteticas - uma vez que a teoria daacute coesatildeo agrave praacutetica e a

praacutetica eacute uma forma de dinamizaccedilatildeo da teoria ndash do shintō retratado como uma Via

profundamente social ndash liga os humanos aos kami e vice-versa surgindo kami que atendem agraves

necessidades concretas individuaiscoletivas de quem os procura (Inari Ebisu Shichi Fukujin

e Tenjin) ndashrsquoespiritualrsquo ndash na aceccedilatildeo de se estar perante algo natildeo do domiacutenio palpaacutevel ou fiacutesico

que tambeacutem serve de elo de ligaccedilatildeo humanokami evidenciado pelo desenvolvimento de toda

uma tradiccedilatildeo de lsquoespiritualidade japonesarsquo melhor expressa por musubi rei e tamashii ndash e

lsquoeacuteticarsquo ndash no sentido de existir um bemmal ou seja algo ordenado e algo desordenado que

pode ser sempre reposto evidenciando a natureza ciacuteclica da relaccedilatildeo DesordemOrdem

Aleacutem de se analisar etimologicamente toda uma seacuterie de palavras associadas agrave

lsquoespiritualidadersquo agrave Desordem (tsumi kegare e imi) e agrave Ordem como eacute entendida pelo shintō

(os vaacuterios vocaacutebulos indicativos de lsquopurificaccedilatildeorsquo e algumas norito relevantes) e por algumas

escolas de pensamento desta Via abordam-se duas qualidades internas do ser humano

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denominadas kokoro e makoto integrais ao campo da eacutetica japonesa bem como a shintō Os

rituais conducentes agrave Ordem revolvem em torno da purificaccedilatildeo processo de natureza externa

e interna embora a segunda seja de natureza mais subtil e portanto mais difiacutecil de atingir No

entanto o objetivo eacute sempre o mesmo contrariar o desequiliacutebrio trazido por tsumi kegare e

imi devolvendo o indiviacuteduo (e o que o rodeia) ao seu estado ordenado confirmando a ideia

de que o shintō eacute importante natildeo apenas para o indiviacuteduo

Enquanto temaacutetica de estudo os rituais de purificaccedilatildeo e de natildeo purificaccedilatildeo em shintō

satildeo uma novidade em contexto nacional mas natildeo propriamente no mundo acadeacutemico

internacional milhares de autores redigiram livros sobre shintō ou pequenos artigos sobre

ldquopurificaccedilatildeordquo ldquorituaisrdquo e ldquoimpurezardquo se bem que tsumi kegare e imi (negativo) nunca satildeo

apelidados de ldquorituaisrdquo per si No entanto este trabalho utiliza a palavra ldquorituaisrdquo num sentido

abrangente ao inveacutes de investigadores que se cingem agrave definiccedilatildeo sugerida pelo dicionaacuterio

quando o indiviacuteduo realiza algo constantemente e da mesma maneira faz um ldquoritualrdquo Em

contexto religioso ldquorituaisrdquo tendem a ser vistos como exclusivamente positivos nunca

negativos

Poreacutem ao redefinir-se ldquoritualrdquo como um padratildeo de pensamentos palavras e accedilotildees natildeo

se inviabiliza a hipoacutetese de existirem ldquorituaisrdquo que provocam o oposto do que se pretende

Interessantemente alguns autores contemporacircneos de shintō cingem-se ao ldquoritualrdquo como o

que permite o regresso agrave Ordem na introduccedilatildeo de Sourcebook in Shinto Selected Documents

Resources in Asian Philosophy and Religion (2004) Stuart Picken diz que a ldquotransmissatildeo de

Shinto (hellip) eacute mais sobre agenda do que credenda coisas a serem feitas do que coisas a serem

acreditadasrdquo colocando ldquoritualrdquo em primeiro plano 3 Aqui estaacute claramente expresso a ideia

de ldquorituais-Ordemrdquo uma vez que ldquocoisas a serem feitasrdquo satildeo logicamente coisas cujos

resultados beneficiam o indiviacuteduo Por outro lado John Breen e Mark Teeuween nomeiam

trecircs categorias de ldquorituaisrdquo cuja praacutetica eacute da responsabilidade de jinja 4 Ora uma vez que

jinja satildeo os mais relevantes espaccedilos de veneraccedilatildeo aos kami subentende-se a Ordem como a

consequecircncia destes ldquorituaisrdquo

Todavia o shintō tem por princiacutepio a noccedilatildeo de equiliacutebrio conhecer shintō significa

conhecer a Ordem e a Desordem se rituais de satildeo o meio por excelecircncia para atingir a Ordem

a natildeo purificaccedilatildeo conduziraacute agrave Desordem Em suma tsumi kegare e imi satildeo rituais porque satildeo

3 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion

Westport Greenwood Publishing Group 2004 pxxi 4 BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 p3

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realizados (de forma directa e indireta) pelo indiviacuteduo embora possuam diferentes origens e

caracteriacutesticas

No que concerne agrave metodologia e fontes utilizadas um dos criteacuterios a ter em conta foi

a contemporaneidade o shintō continua a ser um tema muito popular entre autores e como tal

um estudo mais proacuteximo desta Via requer o recurso a livros publicados recentemente e natildeo haacute

meio seacuteculo atraacutes tais como Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings

(1994) cujo autor Stuart Picken apresenta as vaacuterias categorias de shintō de uma forma sucinta

apresentando uma cronologia de eventos relevantes explicando de que maneira a conjuntura

histoacuterico-poliacutetica japonesa influenciou shintō A sua obra pode servir como um ponto de

partida para interessados ou estudiosos uma vez que aborda shintō do passado e shintō

moderno (incluindo os rituais de purificaccedilatildeo usados em ambos) Um outro ponto muito

positivo eacute a ausecircncia de ldquotermos ocidentaisrdquo como ldquoShintoiacutestardquo e ldquodeusrdquo 5 uma metodologia

igualmente favorecida pela autora

Eacute tambeacutem interessante notar que ao longo deste livro satildeo constantemente citadas e

explicadas fontes japonesas (antigas sobretudo) justificando a sua utilizaccedilatildeo (em simultacircneo

com a leitura na linguagem original) na fundamentaccedilatildeo dos subtoacutepicos da dissertaccedilatildeo Por

exemplo Kojiki Nihon shoki Engishiki e Norito 6 As primeiras duas satildeo fundamentais no

que diz respeito agrave mitologia e cosmologia japonesas ndash o termo lsquocosmologiarsquo eacute mais

apropriado do que lsquoteologiarsquo uma vez que shintō natildeo reconhece deuses ndash observando-se a

inclusatildeo da temaacutetica Desordem e Ordem primeiro como resultados das accedilotildees de alguns kami

e depois como consequecircncias dos rituais (tsumi kegare) dos proacuteprios indiviacuteduos como se

pode constatar nas croacutenicas imperiais do Nihon shoki

Jaacute o Engishiki eacute um texto de caraacutecter lsquolituacutergicorsquo tal como o Saigūki e o Kōtai Jingū

Gishiki-chō Ao longo da investigaccedilatildeo utilizou-se Engi-shiki Procedures of the Engi era

Books I-V Translated with introduction and notes by Felicia Gressitt Bock 1970 e a obra

Norito (1990) de Donald Philippi que reuacutene dezenas de norito entoadas nos diversos matsuri

celebrados ao longo do ano uns de caraacutecter mais lsquoimperialrsquo do que outros ambas obras

refletem o impacto do estudo da praacutetica ldquoritualrdquo (que conduz agrave Ordem) no shintō Contudo as

traduccedilotildees foram sempre lidas em paralelo com o texto original facultado pela paacutegina virtual

da Waseda University Library e ainda Mikoorg (apenas os oito volumes do Jingiryō satildeo

integrais ao objeto de estudo)

5 PICKEN Stuart Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings Westport Greenwood

Publishing Group 1994 pp xvii-xviii 6 PICKEN Stuart op cit p381

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Por outro lado o Saigūki e o Kōtai Jingū Gishiki-chō satildeo obras arcaicas que registam e

explicam determinados rituais prejudiciais ao indiviacuteduo isto eacute kegare e imi (imikotoba no

caso do Kōtai Jingū Gishiki-chō) Ora a informaccedilatildeo disponibilizada deve ser complementada

pelo estudo de outras fontes japonesas explica-se assim o porquecirc do recurso a textos

ldquooficiaisrdquo ndash Nihon shoki Nihon sandai Jitsuroku Nihon Kōki e ShokuZoku Nihongi) e de

caraacutecter mais legislativo Yōrō-ritsuryō e Jingiryō ambos frequentemente referenciados em

artigos contemporacircneos de autores japoneses numa tentativa de explicar alguma da

terminologia de shintō (vocaacutebulos conotados com Desordem e Ordem)

A segunda fonte primaacuteria eacute Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in

Asian Philosophy and Religion (2004) novamente Picken cita passagens traduzidas do Kojiki

e o Nihon shoki que explicam a criaccedilatildeo e divisatildeo da realidade Este meacutetodo de citaccedilatildeo de

passagens de textos relevantes aplica-se a toda a obra auxiliando o interessado no estudo de

shintō segundo a perspetiva das escolas de pensamento (Yoshida e Ise em particular) e a

escola kokugaku ambas vaacutelidas no que concerne ao aprofundamento do que se entende por

caraacutecter ldquoeacuteticordquo em shintō ldquopurezardquo kokoro e makoto satildeo frequentemente objeto de estudo

graccedilas agrave anaacutelise de outros textos antigos e de cariz oficialimperial

No que diz respeito ao livro produzido por John Breen e Mark Teuween A New

History of Shinto possui alguns pontos positivos o uso de termos japoneses a inclusatildeo de

uma cronologia e mitologia de shintō com base em fontes japonesas (traduzidas) analisando-

se ao pormenor o ceacutelebre episoacutedio Ama no Iwato uma curiosa passagem que tambeacutem foi

estudada no acircmbito desta dissertaccedilatildeo uma vez que a temaacutetica Desordem e Ordem estaacute

bastante presente embora notando-se a ausecircncia do indiviacuteduo quem participa nos rituais satildeo

os kami e natildeo os humanos

Por uacuteltimo The Kami Way de Ono Sokyō eacute um livro introdutoacuterio a shintō mas muito

mais simples do que as obras de Picken apesar de tambeacutem sintetizar a mitologia e cronologia

desta Via Espeacutecie de minienciclopeacutedia de shintō sobretudo focada na tradiccedilatildeo de jinja shintō

(rituais cerimoacutenias siacutembolos e elementos pertencentes ao domiacutenio do ldquosagradordquo) The Kami

Way eacute um livro que enfatiza a ideia de que shintō eacute uma religiatildeo e como tal a linguagem

usada eacute muito diferente da que Picken ou Breen e Teuween algo que pode ser justamente

considerado como um ponto negativo termos duacutebios incluem ldquokami-feacuterdquo ldquosagradordquo ldquomenterdquo

ldquoalmardquo certamente reconheciacuteveis para o puacuteblico-alvo natildeo-japonecircs mas que dificilmente

seriam aceites pelos autores anteriormente mencionados cujas obras procuram ser o mais fieacuteis

ao seu objeto de estudo shintō pertence agrave realidade japonesa e como tal traduccedilotildees de termos

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japoneses natildeo satildeo recomendaacuteveis Jaacute um dos seus pontos positivos eacute oferecer ao leitor a

perspetiva japonesa da natureza humana subentendo o reconhecimento de uma eacutetica

(certoerrado) reforccedilando o porquecirc de shintō ser uma Via criada para o bem e a felicidade do

indiviacuteduo

Aleacutem destas quatro obras acrescenta-se o dicionaacuterio etimoloacutegico da autoria de

Nishigaki Yukio (2005) ndash etimologia eacute uma ferramenta indispensaacutevel para a compreensatildeo de

shintō dada as suas origens natildeo ocidentais - alguns episoacutedios do Kojiki (Takeda Tsunegaki) e

Nihon shoki (a traduccedilatildeo desatualizada de Aston utilizada por Picken e a versatildeo presente no

site Nihonsinwa) No caso concreto das obras japonesas claacutessicas e modernas referenciadas

sobretudo por Picken o texto original foi disponibilizado nas bibliotecas virtuais japonesas

National Diet Library (6ordm volume do Koshiden Hirata Atsutane) J-Texts e Kodaishi Dassai

com a exceccedilatildeo do Yōrō-ritsuryō que foi individualmente traduzido para japonecircs moderno no

website Kansei Daikan

Com efeito o recurso a fontes virtuais revelou-se fundamental no decorrer da

investigaccedilatildeo devendo-se destacar paacuteginas de instituiccedilotildees japonesas tais como a Encyclopedia

of Shinto - organizada pela Universidade Kokugakuin o dicionaacuterio virtual japonecircs Kotobank

que compila as sugestotildees de definiccedilatildeo de um termo por vezes pronunciando-se sobre a sua

etimologia Acrescenta-se ainda paacuteginas virtuais dedicadas agraves obras de Motoori Norinaga

(Kumo no Ikada Yamato Gokoro) e paacuteginas oficiais de setores shintō cujos objetivos

revolvem em torno da purificaccedilatildeo adotando-se certas condutas e rituais

Por uacuteltimo todos os termos estrangeiros foram escritos em letras do alfabeto e em

itaacutelico seguidas sempre dos caracteres que a compotildeem (no caso de termos chineses e

japoneses) o mesmo aplicando-se ao nome completo dos kami jinja e matsuri Em caso da

traduccedilatildeo dos vocaacutebulos japoneses utilizou-se a expressatildeo cujo significado eacute o mais proacuteximo

do original Contudo numa tentativa de se ser fiel agrave fonte e ao objeto de estudo optou-se mais

pela natildeo-traduccedilatildeo kami eacute kami tsumi eacute tsumi kegare eacute kegare e assim sucessivamente A

principal razatildeo por detraacutes desta metodologia eacute evitar o processo de incompreensatildeo da temaacutetica

abordada como resultado da transposiccedilatildeo da proacutepria mentalidade do investigador Com efeito

a fraca familiarizaccedilatildeo com a aacuterea de estudo origina a traduccedilatildeo (incorreta) de termos uacutenicos

por palavras que o seu puacuteblico-alvo natildeo japonecircs facilmente consegue perceber mas que satildeo

estranhas a shintō ou a outras lsquoreligiotildeesrsquo asiaacuteticas

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1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA

Escrever sobre religiotildees eacute sempre um desafio ainda mais quando a aacuterea de estudo

tem as suas reservas no que concerne agrave expressatildeo lsquoreligiatildeorsquo de difiacutecil caracterizaccedilatildeo mesmo

no mundo ocidental lsquoReligiatildeorsquo tende a ser identificada com os sistemas de lsquofeacutersquo teiacutestas

particularmente os monoteiacutestas ndash cristianismo judaiacutesmo e islatildeo ndash e politeiacutesmos na Aacutesia o

termo natildeo se pode usar com tanta facilidade religiatildeo eacute antes de mais uma palavra introduzido

relativamente recente e certamente de forma natildeo espontacircnea

No caso do Japatildeo lsquoreligiatildeorsquo natildeo existia ateacute aos meados do seacutec XIX o acolhimento

de ideias exteriores ao territoacuterio japonecircs teraacute gerado uma definiccedilatildeo muito especiacutefica de

lsquoreligiatildeorsquo e da sua favorita traduccedilatildeo japonesa shūkyō especificamente traduzindo-se o termo

inglecircs religion algo que eacute problemaacutetico por dois principais motivos os caracteres que

compotildeem a palavra (shū 宗 e kyō 教 respetivamente lsquosetoresrsquo e lsquoensinamentosrsquo) - e que jaacute

existiam de facto em forma isolada nunca em conjunto - satildeo de origem budista pondo em

causa a ldquovalidaderdquo de shintō cuja ecircnfase natildeo eacute em doutrinas ou shū 7 embora natildeo se deva

excluir a sua existecircncia

Segundo Nakamura Hajime shūkyō teria as suas origens na expressatildeo shū no oshie

(宗の教え ) ou lsquoensinamento dos setoresrsquo ndash shū significa o ldquoderradeiro significado do

princiacutepio e da verdade (hellip)rdquo presente nos ensinamentos (oshie) antes do Periacuteodo Meiji (1868-

1912) shūkyō encontrar-se-ia numa posiccedilatildeo subordinada a bukkyō (仏教) que por sua vez eacute

entendido como a fusatildeo de vaacuterios shūkyō num soacute Jaacute no Periacuteodo Meiji shūkyō torna-se um

suposto ldquoconceito supra ordenadordquo de bukkyō 8 ambas explicaccedilotildees revelam a importacircncia

desta Via como ponto de partida para o que se entende por lsquoreligiatildeorsquo termo hoje vaacutelido e

aceite pela sociedade moderna japonesa em vaacuterias aacutereas

A segunda principal razatildeo tem que ver com imagens quando um cidadatildeo europeu ou

americano pensa sobre lsquoreligiatildeorsquo serve-se do que sabe isto eacute o que a sua educaccedilatildeo e meio

envolvente lhe providenciaram um espaccedilo proacuteprio de crenccedila textos uma noccedilatildeo de lsquosagradorsquo

um fundador e eacute claro os que acreditam firmemente nesses textos e se esforccedilam por propagar

as suas ideias Se lhe perguntarem sobre outras lsquoreligiotildees natildeo-ocidentaisrsquo recorreraacute ao que eacute

7 ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious

Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 8 Ateacute ao seacutec- XVII o ldquobudismordquo natildeo era formalmente designado bukkyō (仏教) mas antes butsudō (仏道) ou

ainda buppō (仏法) IWAI Hiroshi ldquo日本宗教の理解に関する覚書rdquo (ldquoNotes on the Understanding of

Japanese Religionrdquo) Kenkyū kiyō (研究紀要) nordm 5 2004 pp 79-89

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do conhecimento geral publicado em livros e outros meios de informaccedilatildeo Por outras palavras

budismo hinduiacutesmo taoiacutesmo e xintoiacutesmo satildeo convenientemente considerados lsquoreligiotildeesrsquo e

como consequecircncia natildeo eacute de estranhar a quantidade de traduccedilotildees erroacuteneas de conceitos e

ideias dessa mesma religiatildeo em livros escritos por peritos quer japoneses como natildeo-nativos 9

qualquer guia sobre ldquoreligiotildees do mundordquo teraacute uma entrada sobre xintoiacutesmo comeccedilada mais

ou menos nas linhas de ldquoxintoiacutesmo eacute a religiatildeo nativa japonesardquo 10

ecoando o que foi escrito

cerca de um seacuteculo antes por Anesaki Masaharu creditado como ldquoinventorrdquo da expressatildeo

moderna lsquoreligiatildeo japonesarsquo (nihon shūkyō 日本宗教) que eacute acolhida inicialmente por um

puacuteblico ocidental e soacute posteriormente pelos proacuteprios japoneses 11

Forte apoiante da visatildeo lsquoxintoiacutesmo = religiatildeorsquo Anesaki Masaharu acentua o caraacutecter

japonecircs de shintō descrevendo-o como ldquoum complexo de antigas crenccedilas e observacircnciasrdquo que

ao contraacuterio do budismo (e do cristianismo) nunca se deparou com perseguiccedilotildees a niacutevel

poliacutetico sendo preservado ao longo de seacuteculos pelos japoneses Apoiado na veneraccedilatildeo dos

kami sobretudo Amaterasu a antepassada miacutetica da casa imperial associada ao sol shintō eacute

um tipo de culto lsquonacionalrsquo diretamente ligado agrave paz prosperidade e estabilidade do Japatildeo 12

Historicamente shintō natildeo foi lsquopreservadorsquo no sentido de permanecer

inalteraacutevel independentemente de alguns sacerdotes e estudiosos partilharem da visatildeo de

Anesaki perspetivando shintō como algo autoacutenomo e independente de influecircncias externas

desde tempos imemoriais ateacute agrave atualidade 13

este uacuteltimo foi um processo iniciado no Japatildeo e

cujo crescimento jamais resulta do isolamento mas antes do contacto com todo o tipo de

ideias de fora (e de dentro) a adaptaccedilatildeo de ldquoantigo pensamento Chinecircs Budismo Onmyōdō

Confucionismo Shugendō e Cristianismordquo agrave realidade japonesa permite numa eacutepoca

posterior propostas de categorizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de shintō jinja shintō kyōha shintō

shintō filosoacutefico ou escolaacutestico (gakuha shintō 学派神道) shintō imperial (kōshitsu shintō皇

室神道) e shintō folcloacuterico (minzoku shintō 民俗神道) 14

Em suma natildeo existe um uacutenico

9 Como jaacute mencionado na Introduccedilatildeo a traduccedilatildeo eacute um risco a correr que natildeo eacute avaliado pelos autorestradutores

de entre os erros mais tiacutepicos nos livros sobre shintō destacam-se ldquopecadordquo como traduccedilatildeo de tsumi e ldquodeus

divindadedivinordquo para expressar o conceito de kami 10

ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004p 1 11

ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious

Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 12

ANESAKI Masaharu History of Japanese Religions with special reference to the social and moral life of the

nation 3rd ed London The Kegan Paul Japan Library 1995 p 22 13

KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981

pp 1-21 14

INOUE Nobutaka ldquoIntroduction The History of Shintordquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction

Introduction of Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22906gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 18

shintō mas antes muacuteltiplos shintō que contribuiacuteram significativamente em termos sociais e

culturais

Descrito por Stuart Picken como a ldquoexpressatildeo natural dos sentimentos espirituais do

povo japonecircs que cresceu e evoluiu com o desenvolvimento da histoacuteria japonesa e sociedaderdquo

shintō eacute um exemplo atiacutepico de uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido geral do termo ao contraacuterio do

budismo (bukkyō 仏教) Islatildeo (isuramukyō イスラム教) hinduiacutesmo (indokyō インド教)

cristianismo (kirisutokyō キリスト教) judaiacutesmo (yudayakyō ユダヤ教) confucionismo

(jukyō 儒教) e taoiacutesmo (dōkyō 道教) shintō (神道) foi nomeado como um dō (em chinecircs dao

道) e natildeo como um kyō agrave semelhanccedila de outras Vias como kadō (華道) sadō (茶道) kyūdō

(弓道 ) respetivamente a Via das flores a Via do chaacute e a Via do arco A prioridade de shintō

eacute como o termo sugere tornar-se uma Via um modo de orientaccedilatildeo para o indiviacuteduo algo

expresso no curioso termo kannagara 15

Deste modo shintō assemelha-se a um modo de

conduta uma disciplina ou praacutetica que coloca os lsquoensinamentosrsquo em segundo plano em favor

do desenvolvimento de uma eacutetica proacutepria que recebeu influecircncias sobretudo confucianas

Consequentemente a perspetiva de shintō como lsquoreligiatildeorsquo num sentido diferente ao

que eacute transmitido em contexto ocidental tem sido apoiada por alguns autores japoneses e

igualmente praticantes de shintō Sonoda Minoru um professor emeacuterito da Universidade de

Quioto e principal sacerdote do Chichibu Jinja (秩父神社 ) observa a necessidade de

distinccedilatildeo entre religiotildees e shintō se o Cristianismo e outras ldquoreligiotildees mundiaisrdquo possuem

uma base assente numa ldquodoutrina universal e um acredita ou natildeo acredita - eacute tudo acerca de feacute

colocada num sistemardquo cuja evoluccedilatildeo adquire contornos de proselitismo - shintō eacute na sua

essecircncia uma ldquoreligiatildeo de culturardquo que natildeo pretende a consistente ldquoiniciaccedilatildeordquo de pessoas

numa ldquofeacuterdquo esta religiatildeo nada tem que ver com feacute mas antes ldquopraacutetica ritualrdquo enraizada numa

ldquosociedade agriacutecola primaacuteriardquo Por uacuteltimo conclui que estes sistemas optaram por uma

estrateacutegia de conquista modelando a conduta dos seus crentes perseguindo e eliminando

adversaacuterios quando lhes convinha ao contraacuterio de shintō que teria desaprovado de tais accedilotildees

Aliaacutes o acto de preservar a vida e celebraacute-la eacute nada mais do que a derradeira preocupaccedilatildeo

desta Via 16

Com efeito Sonoda foca-se na ldquoquestatildeo doutrinaacuteriardquo como a caracteriacutestica mais

15

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxii-xxiii 16

As citaccedilotildees em questatildeo foram retiradas das entrevistas feitas pelo investigador Leif Sandvik e pela Sasakawa

Peace Foundation sendo posteriormente integradas no estudo deste uacuteltimo sobre a ldquoreinvenccedilatildeordquo de shintō como

uma ldquoreligiatildeo ecoloacutegicardquo SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological

Religion Masterrsquos Degree Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and

Oriental Languages of the University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark

Teuween 2011

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 19

definidora das ldquoreligiotildeesrdquo monoteiacutestas se Cristianismo (e outras ldquoreligiotildeesrdquo) regem-se pelo

princiacutepio da ldquodualidaderdquo (ser crente ou natildeo) o mesmo natildeo se pode dizer de shintō

Na sua forma mais ldquocruardquo shintō talvez pode ter sido uma coletacircnea de aspetos

ldquoanimistas xamanismo veneraccedilatildeo de antepassados e veneraccedilatildeo da naturezardquo bem como

noccedilotildees proacuteprias de normas sociais incluindo o reconhecimento de ldquotabusrdquo ldquoofensasrdquo e a

necessidade de ldquopurificaccedilatildeordquo natildeo apenas a niacutevel fiacutesico 17

Apresentando ainda um fraco grau

de organizaccedilatildeo a Via dos kami era um coletivo de ideias seguidas pela comunidade que se

focava em obter meios de subsistecircncia a relaccedilatildeo entre a comunidade e as ldquoforccedilas

incompreensiacuteveisrdquo (kami) por detraacutes do sucesso ou do prejuiacutezo das colheitas baseava-se na

relaccedilatildeo dar-receber apelar aos kami trazia benefiacutecios para a comunidade e em troca a

comunidade faria o que naturalmente eacute suposto fazer agradecer de forma sincera atraveacutes de

oferendas (comida tecidos armas) Ora tal costume ainda hoje permanece vivo na memoacuteria

dos japoneses quer se trate de uma veneraccedilatildeo aos kami em casa quer dentro da aacuterea dos jinja

oferecer algo aos kami fortalece a ligaccedilatildeo do kami ao indiviacuteduo

11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo

Contudo ateacute hoje natildeo se conhece um fundador ou extensiva doutrina que explicite

um credo ou sistema de crenccedila de shintō ndash apesar de shintō setorial possuir fundadores

individuais cujos textos transmitidos aos seguidores funcionam como lsquoensinamentosrsquo 18

ndash

demarcado pelo seu caraacutecter ritual e veneraccedilatildeo de seres de natureza indefinida denominados

kami em espaccedilos designados jinja nos quais se pode vislumbrar o domiacutenio do ldquosagradordquo

segundo Mircea Eliade ldquoo homem das sociedades arcaicas tende a viver tanto quanto possiacutevel

no sagrado ou em proximidade a objetos consagradosrdquo 19

no caso japonecircs este ldquosagradordquo

tambeacutem pode ser equiparado com a proacutepria natureza antes de existirem jinja propriamente

ditos espaccedilos abertos eram usados para realizaccedilatildeo de cerimoacutenias sazonais nas quais o kami se

manifestaria temporariamente 20

Estamos pois perante um plano de realidade associado a

sentimentos de admiraccedilatildeo pelo fantaacutestico e misterioso florestas rios pedras montanhas tudo

17

KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981

pp 1-21

18 PICKEN Stuart Essentials of Shinto opcit p 212

19 ELIADE Mircea The Sacred and the Profane the nature of religion Traduzido do Francecircs por William

Trask NY Harvest Harcourt Brace amp World Inc 1961 pp 10-12 20

BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 pp 25-26

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 20

podia ser kami ndash entendido no sentido de lsquosagradorsquo se as pessoas o identificassem como tal

conferindo um significado especial

Em japonecircs lsquosagradorsquo eacute escrito de duas maneiras sei (聖 ) - sheng na leitura foneacutetica

chinesa (em chinecircs simplificado圣) - integra os vocaacutebulos seisho (聖書) - a Biacuteblia - seichi

(聖地) terrenoTerra Santa seibō (聖母) eacute a Matildee Santa (Virgem Maria) seija (聖者) eacute o

homem santo (Cristianismo) seisen聖戦 (Guerra Santa) e assim sucessivamente Como se

pode constatar as palavras mencionadas natildeo tecircm nada a ver com shintō e denotam o sagrado

tal como eacute visualizado pela cultura ocidental

Jaacute o segundo termo shinjin (神) lido agrave maneira japonesa como kami mi kan ka ou

hi 21

fortalece a ideia lsquosagrado = kamishintōrsquo qualquer palavra que comece ou que acabe

neste caractere geralmente pertence ao mundo shintō jinja (神社) moradas permanentes dos

kami que desde 1945 dependem financeiramente do puacuteblico natildeo do Estado 22

kagura (神楽)

a danccedila tradicional japonesa (shintō de santuaacuterios) 23

amatsu-no-kami (天つ神) e kunitsu-no-

kami (国つ神) cuja entronizaccedilatildeo nos jinja originou o sistema de classificaccedilatildeo jingi (神祇) ldquoo

conceito central em torno do qual a corte organizava o seu poder sacerdotalrdquo 24

Numa perspetiva etimoloacutegica os caracteres natildeo podiam ser mais diferentes sei (聖)

decompotildee-se em trecircs partes ou seja lsquoorelharsquo (耳) lsquobocarsquo (口) e por um ideograma que

supostamente representaria uma pessoa endireitada indicando um indiviacuteduo que possui a

habilidade de ldquoouvirrdquo uma ldquovontade divinardquo isto eacute algueacutem com grande niacutevel de

conhecimento e cultura e dotado de uma ldquovirtuderdquo ideia muito visiacutevel no pensamento

confuciano Aliaacutes se lido como sei o kanji corresponde a um atributo humano conotado com

boas intenccedilotildees e nunca malignas Jaacute na sua leitura como hijiri [聖] eacute um vocaacutebulo respeitoso

aplicado exclusivamente ao proacuteprio Imperador 25

Por outro lado o kanji usado para escrever kami eacute a forma lsquosimplificadarsquo do

caractere arcaico [神 ] presente em jingi (神祇 ) agrave semelhanccedila do caractere usado para

21

A leitura de [神] como hi verifica-se em himorogi (神籬) o espaccedilo aberto delimitado por uma corda e no qual

se pode preceder agrave veneraccedilatildeo do kami Posteriormente o papel dos himorogi eacute substituiacutedo pelos jinja Cf

PICKEN Stuart op cit p 127 22

BREEN John TEEUWEN Mark op cit p 2 23

NISHIGAKI Yukio Nihongo no Gogen jiten (日本語の語源辞典) Tokyo Bungeisha 2005 p189 24

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 25-26 25

Uma vez que as possiacuteveis interpretaccedilotildees do caratere [聖] prendem-se com a questatildeo da natureza humana e do

comportamento ldquocorretordquo eacute possiacutevel concluir que se surgir isoladamente sei tem algumas implicaccedilotildees eacuteticas

Dejitaru Daijisen ldquo聖 (せい )rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE88196-85468gt

(consultado em 24-06-2018)

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 21

escrever a palavra lsquoritorsquo (li 禮 escrito atualmente em japonecircs como rei 礼) o kanji partilha da

mesma raiz o kanji [示] do qual deriva o verbo shimesu ou lsquoindicarrsquo servindo de raiz a

palavras relevantes dentro do contexto cerimonial ndash oraccedilatildeo (inori祈り) celebraccedilatildeo (iwai 祝

い) antepassado (sosen祖先) ndash e termos da linguagem comum como lsquofalta de educaccedilatildeosem-

maneirasrsquo (shitsureiburei失礼 無礼) jaacute o segundo kanji eacute o mesmo usado para lsquoproferirrsquo ou

mousu (申す)

Aliaacutes de acordo com Fujita Tomio um dos contribuidores para o Nippon

Daihyakkazensho (日本大百科全書) publicado em 1984 shin [神] expressaria o ldquoaltarrdquo [示]

ao qual se juntava a forma pictograacutefica de um relacircmpago (申) possivelmente devido ao facto

de o primeiro kanji usado para a palavra lsquorelacircmpagorsquo (denkō 電光) ter na sua ldquoextremidaderdquo o

caractere [申] No entanto devido agrave escolha do kanji [神] para indicar kami comeccedilou-se a

considerar a hipoacutetese de este ter um significado natildeo muito diferente de shangdi (em japonecircs

jōtei 上帝) indicando a suprema entidade natildeo material reconhecida pelo pensamento chinecircs

arcaico 26

Nos dias de hoje kami continua a ser analisado por parte de estudiosos japoneses e

natildeo-japoneses Aike Rots aponta a fluidez do conceito de kami descrevendo-o como ldquouma

forccedila omnipotente singular bem como muacuteltiplos seres espirituais pode referir-se a criaturas

antropomoacuterficas ou zoomoacuterficas fenoacutemenos naturais poderes abstratos ou antepassados

deificadosrdquo 27

Contudo a interpretaccedilatildeo mais aceite foca-se na ideia lsquokami=qualidadersquo algo

natildeo algo tangiacutevel que se assemelha a um atributo digno de admiraccedilatildeo que se pode manifestar

e encontrar na ldquonatureza claro mas tambeacutem humanos animais criaturas miacuteticas deuses e

ainda objetos feitos pelo homem tais como automoacuteveis ou comboiosrdquo 28

Por sua vez esta definiccedilatildeo parece ecoar a de Motoori Norinaga (本居宣長 1730-

1801) ceacutelebre pensador da escola do Ensino Nacional (kokugaku 國學) e comentador de

textos centrais a shintō bem como autor de exposiccedilotildees acerca das praacuteticas desta Via kami satildeo

26

FUJITA Tomio ldquo 神の語義 rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE7A59E-

46603E5A4A7E8BE9EE69E9720E7ACACE4B889E78988gt (consultado em 24-06-2018) 27

ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation

submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial

fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen

and Prof Dr Terje Stordalen 2013 28

SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion

Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149

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ldquoos seres divinos do ceacuteu e da terra que aparecem nos textos antigos e tambeacutem os espiacuteritos

consagrados que satildeo reverenciados nos jinja da naccedilatildeordquo seres animados e inanimados Em

suma ldquoqualquer forma de ser que possua alguma qualidade uacutenica e eminente e eacute inspiradora

de admiraccedilatildeo pode ser considerada kamirdquo independentemente de a sua natureza ser ldquoboamaacuterdquo

29 o facto de serem kami coloca-os acima das convenccedilotildees definidas pelos homens

No que concerne agrave classificaccedilatildeo dos kami esta nunca eacute consensual na sua

dissertaccedilatildeo sobre a religiatildeo no territoacuterio japonecircs Shannon Symonds divide os kami de acordo

com a sua aacuterea geograacutefica de veneraccedilatildeo distinguindo os kami locais cultuados nos matsuri -

festivais baseados em tradiccedilotildees ancestrais que ldquofrequentemente tecircm as suas raiacutezes em antigos

rituais agriacutecolas de agradecimentordquo pela proteccedilatildeo - dos kami nacionais celebrados em ritos e

cerimoacutenias definidas por todos os que acreditam em shintō 30

Em contrapartida Hara Kazuya considera as origens do kami admitindo a existecircncia

de kami da natureza e kami humanos o primeiro grupo diz respeito a kami ligados a uma

atividade ou ocupaccedilatildeo profissional (agricultura pesca comeacutercio) os kami que influenciam os

elementos da natureza (montanhas aacutegua florestas) 31

e os kami do Kojiki (古事記) e Nihon

shoki (日本書紀) as obras de base para a compreensatildeo da mitologia e cosmologia japonesas

32 o segundo grupo reuacutene certos indiviacuteduos extraordinaacuterios em vida que postumamente

adquiriram o estatuto de kami geralmente liacutederes importantes para a histoacuteria do Japatildeo ndash

Imperador Meiji (明治天皇) Tokugawa Ieyasu primeiro xogum da casa Tokugawa que

governou o Japatildeo durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) ndash os soldados mortos em combate

(Yasukuni jinja 靖国神社 ) ou ainda personalidades do periacuteodo Heian (794-1185)

nomeadamente Sugawara-no-Michizane (菅原道真 ca845-903) postumamente apelidado de

Tenjin (天神) o kami do ensino 31

29

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion

Westport Greenwood Publishing Group 2004 pp 200-201 30

SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis

submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the

requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John

Killigrew 2005

31 HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia

ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de

2003) 32

Picken observa que a compilaccedilatildeo destes textos reflete um maior niacutevel de organizaccedilatildeo dentro da tradiccedilatildeo shintō

tal como ela era vista por uma minoria da populaccedilatildeo eacute inevitaacutevel a mistura de ldquoreligiatildeordquo e poliacutetica Cf PICKEN

Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 4

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Por uacuteltimo Matsumura Kazuo sugere uma divisatildeo natildeo muito diferente da de Kazuya

agrupando kami consoante a relaccedilatildeo deste com o mundo natural (kami da natureza) ou com o

homem (kami culturais) no primeiro caso salientam-se aos kami que ldquorepresentam o

reconhecimento de caracteriacutesticas supranormais ou poderes em objetos naturais ou

fenoacutemenosrdquo o segundo grupo reconhece por sua vez a existecircncia de kami da comunidade

kami do nascimento de pragas de uniatildeo (matrimonial) da morte kami do lar do indiviacuteduo

(fogatildeo poccedilo estaacutebulo armazeacutem) e por uacuteltimo os kami humanos Por outras palavras

indiviacuteduos em vida reverenciados como kami ndash ldquopraticantes religiosos e miko que se

envolvem em curas de feacute e pronuacutencia de oraacuteculos (hellip) rdquo ndash e antepassados ou ldquoespiacuteritos

vingativosrdquo de indiviacuteduos 33

Todas as propostas satildeo vaacutelidas quando se estuda um termo de etimologia indefinida

como kami para alguns kami (神) localizavam-se num patamar superior de existecircncia por

partilharem da mesma foneacutetica de kami (上) isto eacute ldquoalto superiorrdquo 28

o que se pode aplicar

aos amatsu-no-kami e os trecircs koto amatsu-no-kami Ame-no-minaka-nushi-no-kami (天御中

主神) Taka-musubi-no-kami (高皇産霊神) e Kami-musubi-no-kami (神皇産霊神) ndash que se

ldquotornamrdquo no Takamagahara espontaneamente e escondem-se logo a seguir 34

No entanto os

seus congeacuteneres terrenos como Sarutahiko Ōkami (猿田毘古大神) natildeo se encontram num

patamar ldquosuperiorrdquo per si partilhando com os humanos a Terra como local de residecircncia 35

Como se pode constatar o caractere kami (神) tende a surgir no final do nome reforccedilando a

ideia de kami como tiacutetulo honoriacutefico tal como mikoto (命尊) 36

33

MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of

Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt

(consultado em 24-06-2018) 34

Em japonecircs lsquotornar-sersquo corresponde ao verbo naru (成る ) denotando algo que efetivamente natildeo foi

absolutamente criado mas que jaacute existia embora natildeo de forma fiacutesica Jaacute na passagem que refere o lsquoocultamentorsquo

o verbo usado eacute kakusu (隠す) traduzido por lsquoocultar-sersquo o kanji [産] usado para o verbo lsquonascerrsquo estaacute sempre

ausente no Kojiki ateacute agraves passagens de kuni-umi e kami-umi Em suma estes kami natildeo satildeo lsquocriadosrsquo per si mas

tornam-se visiacuteveis para o mundo TAKEDA Tsunegaki Gendaigo no Kojiki (現代語古事記) Tokyo Gakken

Publishing 2011 pp 16-17

35 Picken Stuart Essentials of Shinto op cit pp95-96

36 Kokugakuin University Institute for Japanese Culture and Classics Index of Kami (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMpdfPreviewEOS+Index+of+Kamipdfgt (consultado em 24-06-2018)

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 24

111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de ldquodivisatildeordquo da

realidade agrave criaccedilatildeo da mesma

De entre as fontes que servem de base para o estudo de shintō nomeiam-se o Kojiki

(ca 712) Nihon shoki (ca 720) ShokuZoku Nihongi (続日本紀 ca 797) o Jingiryō (神祇令

ca701) o Kōtai Jingū Gishiki-chō ( 皇太神宮儀式帳) e Toyoke-gu Gishiki-chō (止由気宮儀

式帳) Kogo Shūi (古語拾遺) e o Engishiki (延喜式 ca 927) 37

Satildeo com efeito textos de

caraacutecter oficial respeitados por uma corte que colocava shintō em segundo plano

principalmente apoacutes o budismo ter adquirido um estatuto de ldquofavoritordquo por parte de Shōtoku

Taishi (聖徳太子 ca 604) notoacuterio apoiante da introduccedilatildeo de ideias de fora incluindo eacutetica

confuciana 38

Neste sentido pode-se afirmar o facto de shintō subsistir no territoacuterio japonecircs

como um conjunto de praacuteticas consagradas aos kami propriamente venerados nos jinja

Tanto no Kojiki como no Nihon shoki kami cometem erros satildeo violentos

caprichosos generosos ambiciosos tornando-se quer heroacuteis ou vilotildees nos mitos

efetivamente aproximando-os da natureza do ser humano ambos relatos parecem humanizar e

personificar os kami Participando passivamente ou ativamente no processo da criaccedilatildeo do

mundo estas formas de existecircncia e consciecircncia satildeo anteriores ao homem

Aleacutem de manifestarem uma personalidade proacutepria kami possuem uma identidade ou

seja um nome um geacutenero observando-se uma diferenccedila entre as primeiras duas geraccedilotildees de

kami e as restantes por exemplo no Kojiki a necessidade de especificar o sexo dos kami ndash

um termo de natureza neutra cujo plural eacute designado de kamigami (神々) ndash soacute se justifica a

partir do surgimento de uma ldquosegunda geraccedilatildeordquo de kami per si nunca se usando a dicotomia

moderna ogamimegami (男神 女神 ) viaacutevel no contexto de religiotildees politeiacutestas que

reconhecem a existecircncia de ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo respetivamente Com efeito nas fontes

japonesas kami eacute identificado como ldquomasculinordquo ou ldquofemininordquo atraveacutes da anaacutelise do seu

nome caso o kami possui uma terminaccedilatildeo foneacutetica lida como hiko (por ex 毘子毘古 日子)

eacute masculino em contrapartida hime (por ex 毘売比売姫) denota um kami do sexo oposto

Deste modo apenas os lsquonatildeo-hitorigamirsquo possuem um geacutenero masculino ou feminino

a segunda geraccedilatildeo de kami agrave qual pertence o casal Izanagi-no-kami (伊邪那岐神) e Izanami-

37

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 17 pp 21-26 p 30 38

SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis

submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the

requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John

Killigrew 2005

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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no-kami (伊邪那美神) ndash futuros progenitores da terceira geraccedilatildeo de kami criada em meio

terrestre ndash eacute composta por casais de irmatildeos e irmatildes 39

que com a exceccedilatildeo de Izanagi e

Izanami natildeo se envolvem no processo de criaccedilatildeo tornando-se conselheiros do casal Ao

receberem ordens de descer de Takamagahara Izanagi e Izanami datildeo iniacutecio ao processo da

criaccedilatildeo das ilhas do arquipeacutelago (kuni-umi 国生み) posteriormente criando kami (kami-umi

神生み) 40

Apesar de datarem do mesmo periacuteodo as obras possuem algumas diferenccedilas entre si

nomeadamente o seu estilo e linguagem de escrita bem como o seu conteuacutedo as histoacuterias do

Kojiki encontram-se recheadas de motivos mitoloacutegicos e cerimoacutenias que procuram explicar as

origens do povo japonecircs do arquipeacutelago e o ldquoque eacute conhecido como a era dos kamirdquo 41

Jaacute o

Nihon shoki modelado agrave maneira das croacutenicas chinesas apresenta uma dataccedilatildeo diligente das

entradas dos seus relatos e por vezes vaacuterias versotildees dos mesmos 42

Se a realidade do Kojiki tem iniacutecio num tempo de ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu e a terrardquo no

qual se manifestam os koto amatsukami ndash Ame-no-minaka-nushi (a possiacutevel corporizaccedilatildeo do

proacuteprio cosmos) 40

Taka-musubi-no-kami e Kami-musubi-no-kami ndash interpretados como

ldquoprinciacutepiosrdquo da atividade criativa e da criaccedilatildeo todos carecendo de atributos humanos ndash numa

dos relatos do Nihon shoki eacute mencionado um periacuteodo incerto antes da ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu

e a terrardquo e da divisatildeo de in e yō isto eacute o princiacutepio yin e yang (em japonecircs on-myō 陰陽)

forma-se assim uma ldquomassa caoacutetica como que um ovo (hellip) de limites definidosrdquo

posteriormente dividido entre um elemento mais ldquopurordquo (o Ceacuteu) e um elemento mais

ldquoconsistenterdquo (a Terra) Do seu meio nasce uma coisa que lembra um rebento de junco e que

adota uma forma mais fixa surge ldquoespontaneamenterdquo Kuni-toko-tachi-no-mikoto (國常立尊)

Logo a seguir surgem kami masculinos ldquogerados por operaccedilatildeo do princiacutepio do Ceacuteurdquo bem

como os seus congeacuteneres femininos formados pela muacutetua accedilatildeo do princiacutepio da Terra 43

No que concerne agrave criaccedilatildeo do mundo terrestre o Kojiki delega este papel a Izanagi e

Izanami que se estabelecem na ilha Ōyashima (大八島) originando a terceira geraccedilatildeo de

kami que nascem aos pares ou de forma individual associando-se a um elemento do mundo

natural (montanhas aacutervores mares sol e pedras espuma correntes cereais vento) ou

39

TAKEDA Tsunegaki op cit pp 16-17 40

Nesta passagem a palavra ldquocriaccedilatildeordquo corresponde agrave accedilatildeo de gerar algo De acordo com a traduccedilatildeo de Takeda o

verbo que expressa tal eacute ldquoumi ni narimasurdquo (産みになります) TAKEDA Tsunegaki op cit pp 19-23 41

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 54 42

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 43

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 6-8

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 26

humano (embarcaccedilotildees) 44

Eacute no momento do nascimento do kami do fogo (Hi-no-kagutsuchi-

no-kami火迦具土神) que se introduz a natureza natildeo imortal de Izanami que ainda consegue

gerar alguns kami antes de morrer das feridas 45

Apoacutes a sua morte Izanami toma residecircncia permanente no submundo Yomu-no-

kuniYomi-no-kuni (黄泉の国) levando Izanagi a desesperadamente tentar trazecirc-la de volta

ao mundo da superfiacutecie ecoando o mito de Orfeu e Euriacutedice notando-se ainda algumas

semelhanccedilas com a mitologia de Perseacutefone que privada de regressar ao mundo humano por

ter consumido algo daquele lugar torna-se a esposa de Hades e partilha com ele a

responsabilidade de governaccedilatildeo dos Infernos Izanami (que tambeacutem admite ter comido algo

do Yomu-no-kuni formalizando a sua nova identidade como uma habitante do Yomi) torna-se

a uacutenica governante do submundo cortando laccedilos definitivos com o seu esposo se Izanagi

escolhe o caminho da criaccedilatildeo da humanidade Izanami confere a esta espeacutecie a mortalidade

explica-se o porquecirc da vida e da morte 46

112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordem

Ora a introduccedilatildeo do mundo inferior no Kojiki e no Nihon shoki completa uma das

visotildees shintō do mundo descritas por Hara como ldquoverticalrdquo e ldquotridimensionalrdquo

Takamagahara pertencia ao ldquoplano superiorrdquo onde habitavam os kami o Nakatsu-kuni (中つ

の国 ) seria a ldquodimensatildeo do meiordquo a morada dos seres humanos o Yomi-no-kuni 46

corresponderia ao ldquoplano inferiorrdquo conceito presente em outras religiotildees cujas mitologias de

criaccedilatildeo mencionam um elemento liacutequido (oceano) e um elemento soacutelido (terra) que esconde

um outro ldquomundordquo abaixo da superfiacutecie por exemplo em contexto grego o submundo Hades

(natildeo o deus mas o local em si) pode ser equiparado ao Yomi-no-kuni

Por outro lado Hara refere-se a uma segunda visatildeo ldquohorizontalrdquo do cosmos dividido

a meias entre o Toko-yo (常世) o ldquomundo onde os espiacuteritos purificados dos mortos residemrdquo

e o ldquomundo da humanidaderdquo 46

o que nos remete para a barreira entre o ldquoinvisiacutevelrdquo e o

ldquovisiacutevelrdquo Na terminologia do Kojiki se Izanami eacute a senhora do Yomi Izanagi eacute responsaacutevel

44

TAKEDA Tsunegaki op cit pp 25-29 45

TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 46

HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia

ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de

2003)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 27

pelo ldquomundo da humanidaderdquo (utsushi-yo (現世) 47

palavra composta pelo kanji de lsquorealrsquo - no

sentido de lsquovisiacutevelrsquo - e lsquorealidademundorsquo Tudo que esteja para laacute do visiacutevel pertence a ldquooutra

realidaderdquo

Todavia a existecircncia de ldquobarreirasrdquo entre mundos (aacutervores no caso de se desejar

aceder ao ldquoplano superiorrdquo ldquocelesterdquo ou poccedilos e cavernas se pretender visitar os niacuteveis

inferiores da terra) natildeo exclui a hipoacutetese de interaccedilatildeo de humanos com os kami e ldquoespiacuteritosrdquo

que natildeo pertencem ao nosso mundo do mesmo modo que os ldquoseres humanos podem visitar os

outros mundosrdquo habitantes natildeo humanos podem surgir temporariamente na nossa realidade

permitindo a cultivaccedilatildeo da relaccedilatildeo dos humanos com o ldquopara laacute de humanordquo 48

No Nihon shoki aplica-se um modelo tripartido da realidade Ceacuteu Terra e ldquomundo

subterracircneordquo ou Oceano Amaterasu eacute uma ldquocrianccedila estrondosa que devia de nosso acordo ser

enviada de imediato para o Ceacuteu e confiar-lhe os assuntos do Ceacuteurdquo uma responsabilidade

partilhada com o kami da Lua Tsukiyomi-no-mikoto ldquoo Deus que devia ser o consorte da

Deusa do Solrdquo devendo-se ter em consideraccedilatildeo o uso dos termos duacutebios ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo

como uma tentativa de aproximar a realidade mitoloacutegica japonesa ao entendimento do puacuteblico

ldquoocidentalrdquo por parte de Aston Autor desta traduccedilatildeo do Nihon shoki publicado sob o nome

de Nihongi Chronicles of Japan from the Earliest Times to AD697 (1972) Aston diz que a

Terra eacute o domiacutenio do ldquomeiordquo e refere-se ao arquipeacutelago do Japatildeo formalmente conhecido

como ldquoToyo-ashi-hara-chi-woaki no midzu-hordquo que numa versatildeo da ldquohistoacuteriardquo acerca das

origens dos trecircs irmatildeos kami (Amaterasu Tsukiyomi e Susano-o) pertenceria a Susano-o-no-

mikoto Kami de temperamento feroz e personalidade cruel Susano-o provoca Desordem ao

negligenciar a terra e as suas populaccedilotildees Exilado no Ne-no-kuni por ordem de Izanagi e

Izanami Susano-o torna-se o governante daquele mundo 49

O segundo relato da divisatildeo dos trecircs ldquomundosrdquo pelo trio de irmatildeos - cujo nascimento

eacute possivelmente inspirado na narrativa do Kojiki que descreve a fuga de Izanagi do Yomi-no-

kuni Amaterasu nasce apoacutes este lavar o olho esquerdo sendo-lhe entregue Takamagahara a

ldquoPlaniacutecie Elevada do Ceacuteurdquo Tsukiyomi nasce do olho direito e recebe o vasto domiacutenio do

oceano Por fim Susano-o nasce do nariz de Izanagi e apesar de herdar o domiacutenio do meio

(Terra) acaba por ser banido para o ldquomundo inferiorrdquo como puniccedilatildeo pela sua negligecircncia 50

47

TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 48

MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018) 49

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 9-12 50

TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 28

Com efeito o domiacutenio subterracircneo estaacute sempre presente nas narrativas do Kojiki e

Nihon shoki recebendo um papel de destaque ou secundaacuterio o que por sua vez natildeo implica a

sua ausecircncia em outras fontes numerosas referecircncias a ldquomundosrdquo incompreensiacuteveis e para laacute

da realidade fiacutesica diversificam a visatildeo japonesa de um ldquooutro mundordquo (takaikan 他界観)

geralmente considerado como um ldquooutro mundordquo longiacutenquo ldquooceacircnicordquo feacutertil e uma terra de

imortalidade observando-se um paralelo com o conceito taoiacutesta de uma Terra dos Imortais (a

ilha de Peng-lai ou Hōrai-jima em japonecircs 蓬莱島) a Terra das Raiacutezes (Ne-no-kuni 根国)

pode ser ldquovisitadardquo atraveacutes de uma caverna supostamente localizada em Iga proviacutencia de

Izumo atual prefeitura de Shimane e eacute governada por Susano-o-no-mikoto 51

O reconhecimento de uma divisatildeo tripartida do mundo repercute-se no Kojiki ateacute

um certo momento Izanagi e Izanami detinham domiacutenio conjunto sobre a Terra um ldquomundordquo

modelado pelas suas proacuteprias accedilotildees enquanto ldquocriadoresrdquo de kuni e kami Takamagahara

pertencia aos amatsu-no-kami o Yomi-no-kuni natildeo pertencia a ningueacutem em concreto embora

jaacute fosse um mundo habitaacutevel per si Com a dissoluccedilatildeo do matrimoacutenio de Izanagi e Izanami a

situaccedilatildeo muda por completo eacute necessaacuterio criar novos liacutederes capazes de garantir o equiliacutebrio

entre os mundos da superfiacutecie uma vez que Izanami (esteacuteril) eacute agora a uacutenica governante do

Yomi Em suma pretende-se uma nova geraccedilatildeo para uma nova ordem tornando Izanagi no

ldquoprogenitorrdquo de um conjunto de kami Natildeo existindo qualquer ato sexual propriamente dito os

kami ldquotornam-serdquo como consequecircncia direta dos seus atos de purificaccedilatildeo (misogi)

Neste sentido agrave medida que Izanagi se despe para lavar o seu corpo da ldquosujidaderdquo

(kegare穢) do Yomi-no-kuni surgem vaacuterios kami dos seus acessoacuterios (cana obi isto eacute a peccedila

de tecido usada em torno da cintura que prende a veste tradicional japonesa) a sua espada e

roupa bem como de alguns kami que se ldquotornamrdquo em simultacircneo com a lavagem do corpo

numa nascente Por fim manifesta-se o trio de irmatildeos que herdaria uma das trecircs partes do

mundo tal como ordenado por Izanagi a Amaterasu de aparecircncia resplandecente capaz de

iluminar os ceacuteus recebe Takamagahara uma posiccedilatildeo legitimada por Izanagi que lhe oferece

um acessoacuterio para pendurar ao pescoccedilo o seu irmatildeo Tsukuyomi-no-mikoto (月読の命) e kami

da Lua eacute adequadamente encarregue do yoru no osu kuni (夜之食国) - entendido por Takeda

como yoru no sekai literalmente o ldquomundo da noiterdquo Susano-o-no-mikoto (須佐之男命) e

kami das tempestades (arashi no kami 嵐の神) manifestando uma personalidade tempestuosa

51

MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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e conflituosa recebe a tarefa de governar a lsquoplaniacutecie dos maresrsquo (unabara 海原) expressatildeo

que designa um domiacutenio terreno (kuni) e natildeo algo pertencente ao mundo marinho (tal como eacute

sugerido pelo kanji de umi ou ldquomarrdquo) 52

De entre os trecircs mencionados kami Susano-o eacute notoriamente o mais invejoso

procurando humilhar a sua irmatilde ao ponto de esta se refugiar numa caverna a ldquoPedra-caverna

do Ceacuteurdquo (Ama no Iwato (天の岩戸) Consequentemente ldquotoda a Alta Planiacutecie do Ceacuteu tornou-

se escura e toda a Terra Central das Planiacutecies de Junco estava escura tambeacutem Por causa disto

noite eterna reinavardquo 53

Em outras palavras a ausecircncia de Amaterasu estaacute conotada com um

estado de Desordem do proacuteprio cosmos um caos que necessita de regressar ao seu estado de

Ordem o quanto antes sendo que Susano-o eacute o agente da Desordem e a sua irmatilde a agente da

Ordem traccedilada por Izanagi

Amaterasu soacute retoma as suas responsabilidades de guardiatilde de Takamagahara e por

associaccedilatildeo da ldquoTerra Central das Planiacutecies de Juncordquo devido ao esforccedilo conjunto das ldquooito

miriacuteades de kami reunidas na margem do Paciacutefico Rio do Ceacuteu numa reuniatildeo divinardquo o

episoacutedio em si eacute uma histoacuteria de elevado cariz sexual protagonizada por Amaterasu tem como

antagonista Susano-o e inclui alguns kami que apesar de serem personagens secundaacuterias satildeo

essenciais para a devoluccedilatildeo do mundo ao seu estado de Ordem cada kami tenta fazer com que

Amaterasu saia do esconderijo convocando-se outros kami para o efeito Cabe a Ame-no-

uzume-no-mikoto (天宇受売命) a uacuteltima tentativa executando uma danccedila muito provocante

durante um ldquoestado alterado de consciecircnciardquo e como resultado todos os kami riem-se A

curiosa Amaterasu interroga-se sobre o porquecirc desta comoccedilatildeo e eacute atraiacuteda para fora da caverna

ficando temporariamente cega ao ver o seu proacuteprio reflexo num espelho permitindo aos kami

selarem definitivamente a Ama no Iwato trazendo a luz de volta ao mundo e com ela a

Ordem 54

O episoacutedio tambeacutem constitui uma das referecircncias mais antigas e descritivas de rituais

executados em shintō o elemento da danccedila de entretenimento (kagura) eacute uma das partes

integrais da cerimoacutenia de dedicaccedilatildeo aos kami nos santuaacuterios e neste mito em particular possui

claramente uma intenccedilatildeo de reordenaccedilatildeo Ame-no-uzume-mo-mikoto pode ser interpretada

como um protoacutetipo de uma miko (巫女) embora ecoando uma imagem provocante (a danccedila e

52

TAKEDA Tsunegaki op cit pp38-41 53

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 129-130 54

TAKEDA Tsunegaki op cit pp 50-52

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a o vestuaacuterio) diferente da imagem tiacutepica de uma miko Ono Sokyō descreve-as como

ldquofuncionaacuterias puacuteblicasrdquo e filhas de sacerdotes ou locais residentes cujos deveres para com o

jinja findam quando se casam sendo substituiacutedas por outras A sua funccedilatildeo prende-se com o

ldquoritualrdquo auxiliando os responsaacuteveis pelos jinja na preparaccedilatildeo das cerimoacutenias 55

Natildeo obstante a kami atua como representante da classe Sarume (猿女) uma das

primeiras quatro classes sacerdotais geralmente composta por danccedilarinos e cuja linhagem

remontaria a Ame-no-uzume-no-mikoto esposa de Sarutahiko-no-kami o kami associado agrave

fertilidade e ao ato sexual Por sua vez se os Nakatomi (中臣) retraccedilam as suas origens a

Ame-no-koyane-no-mikoto (天児屋命) 56

realizavam ritos e entoavam norito os Inbe (斎部)

encarregavam-se dos rituais de abstenccedilatildeo garantindo uma ldquopureza cerimonial a fim de afastar

poluiccedilatildeo e manter contacto constante com os kamirdquo 57

descendendo do kami responsaacutevel por

selar a Ama no Iwato (Futodama-no-mikoto 布刀玉命 ) 58

Quanto aos Urabe (卜部 )

responsabilizavam-se por ldquoadivinharrdquo da vontade dos kami 57

agrave semelhanccedila dos ldquoadivinhosrdquo

da dinastia chinesa Zhou que recorriam agrave leitura das fissuras das carapaccedilas de tartaruga e

omoplatas de gado depositadas no fogo

Aleacutem do elemento de danccedila o episoacutedio regista a presenccedila de oferendas (shinsen神

饌) praacutetica que corresponde atualmente agrave ldquosegunda faserdquo dos rituais (de Ordem) em shintō

no mito shinsen satildeo substituiacutedas por tamagushi (玉串) - ramos da aacutervore sakaki (榊) em

torno dos quais satildeo atadas as ldquojoacuteias curvasrdquo (magatama 勾玉) - e eacute claro o espelho por sua

vez interpretado por Takeda como o ceacutelebre Yata no kagami (八咫鏡) um dos trecircs siacutembolos

da casa imperial (sanshū no jingi 三種の神器) juntamente com a ldquojoacuteia curvardquo Yasakani no

magatama (八尺瓊曲玉)

O uacutenico siacutembolo ausente eacute a espada Kusanagi no KenTsurugi (草薙剣) que soacute surge

efetivamente no episoacutedio seguinte narrando-se o desterrar de Susano-o para a Terra apoacutes ter

sofrido derrota agraves matildeos da irmatilde que por sua vez se refugiaria temporariamente na Ama no

Iwato como jaacute mencionado anteriormente Susano-o negligenciava constantemente o seu

domiacutenio a sua maior ambiccedilatildeo era ocupar o trono de Amaterasu em Takamagahara

competindo sempre que podia com a irmatilde sendo que um dos seus desafios testava a

capacidade de reproduccedilatildeo enquanto kami-progenitores Uma vez que os filhos de Amaterasu

55

ONO Sokyō op cit pp 41-44 56

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 133-136

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nascem primeiro 57

confirma-se a posiccedilatildeo desta kami como governante uacutenica dos assuntos do

ldquodomiacutenio superiorrdquo

De orgulho ferido Susano-o lsquodescarregarsquo a sua raiva e eacute punido pelos seus atos

(neste contexto o uso da palavra tsumi [罪] especifica a natureza ofensiva das accedilotildees de

Susano-o) passando a servir os outros kami como forma de arrependimento cometendo um

uacuteltimo ato atroz mas invulgarmente necessaacuterio o kami mata a kami da comida Ōgetsuhime-

no-kami 58

(大気都比売神 tambeacutem identificada como Toyo-uke-hime-no-kami) e do seu

cadaacutever nascem os cinco cereais fundamentais para a atividade agriacutecola 59

Por outras

palavras a atitude violenta de Susano-o revela-se beneacutefica e natildeo prejudicial como em outros

episoacutedios tornando esta personagem uma espeacutecie de ldquomal necessaacuteriordquo

Em Izumo Susano-o adquire um estatuto equivalente ao de heroacutei o kami viaja pela

terra ateacute se deparar com um casal de kami cujas filhas tinham sido constantemente devoradas

por um terriacutevel ser de oito cabeccedilas (Yamata no Orochi八岐大蛇) Prometendo ajudar o casal

em troca da matildeo da uacuteltima filha Susano-o embriaga a serpente e decepa-lhe a cauda da qual

misteriosamente emerge a Kusanagi no tsurugi Desposando Kushi-na-ta-hime (櫛名田比売)

Susano-o fixa-se definitivamente em Izumo 60

Ora a derradeira meta de Susano-o eacute nada mais do que adquirir influecircncia

comparaacutevel agrave da sua irmatilde criando vaacuterias linhagens de kami (unindo-se em matrimoacutenio agraves

filhas de outros kami) cujas crianccedilas pudessem assumir a responsabilidade de ldquocriarrdquo novos

domiacutenios no arquipeacutelago japonecircs De entre os descendentes de Susano-o destacar-se-ia

Ōkuninushi-nushi-no-kami (大国主神) - literalmente ldquoo kami que governa os kunirdquo (kuni wo

shihaisuru kami国を支配する神) - Seguindo nas pisadas do casal Izanagi e Izanami e do

seu antepassado Susano-o Ōkuninushi empenhar-se-ia na ldquoconstruccedilatildeo da terrardquo 60

Por sua

vez Amaterasu e o seu consorte Taka-musubi-no-kami ldquodecidem estabelecer domiacutenio celesterdquo

57

TAKEDA Tsunegaki op cit pp45-47 58

AKEDA Tsunegaki op cit pp54-55 59

Curiosamente no episoacutedio de Tsukuyomi e Ukemochi (Nihon shoki) constata-se um grande paralelo com o

mito anterior Tsukuyomi mata Ukemochi-no-mikoto num acesso de raiva pela mesma razatildeo que Susano-o

Ukemochi tinha produzido comida pela boca efetivamente ldquosujando-ardquo (kegare) Como resultado Amaterasu

afasta-se definitivamente de Tsukuyomi dando iniacutecio agrave sucessatildeo dos dias e das noites Entretanto do cadaacutever da

kami brotam alimentos que seriam cultivados para consumo humano (gado arroz trigo etc) Nihonsinwa ldquo第

五段一書(十一)ウツシキアオヒトクサrdquo (Quinta secccedilatildeo 11 Utsushiki-aohitokusa) 日本書紀神代上

(Nihon shoki Kami-yo Parte Superior) (on line) lthttpnihonsinwacompage699htmlgt (consultado em 24-06-

2018) 60

TAKEDA Tsunegaki op cit pp55-60

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 32

sobre o Ashihara Nakatsu kuni (葦原中国) tornando o territoacuterio oficialmente pertenccedila dos

amatsu-no-kami 61

Duas geraccedilotildees mais tarde Ninigi (neto de Amaterasu e Taka-musubi) desceria ao

domiacutenio do meio e receberia de Amaterasu as sanshū jingi (espada espelho e magatama)

oficializando o novo regime de governaccedilatildeo honrado pelo seu bisneto o futuro primeiro

Imperador humano do Japatildeo que adotaria o nome de Jinmu (神武) no seguimento das suas

campanhas bem-sucedidas contra os descendentes dos kunitsu-no-kami na planiacutecie de Yamato

61 No fundo constata-se uma segunda interrupccedilatildeo da ordem do cosmos cuja reposiccedilatildeo por

Ninigi e Jinmu definiria a nova reparticcedilatildeo do mundo Takamagahara continuaria a ser

governado por Amaterasu representante por excelecircncia dos amatsu-no-kami sendo que o

ldquodomiacutenio do meiordquo permaneceria sob o controlo da famiacutelia imperial cuja linhagem

descenderia diretamente de Amaterasu natildeo do seu irmatildeo Susano-o

12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora

Natildeo obstante o episoacutedio da descida de Ninigi e o relato da vitoacuteria de Jinmu sobre os

seus inimigos fazem parte de uma cuidadosa estrateacutegia poliacutetica enraizada na proacutepria corte

reconhecendo-se o papel de Amaterasu (Kojiki) ou de Taka-musubi-no-kami (Nihon shoki) 62

no processo de legitimaccedilatildeo da soberania da famiacutelia imperial sobre o territoacuterio japonecircs Em

ambos casos o resultado eacute o mesmo contraria-se o sistema caracterizado por unidades

familiares que detinham domiacutenio sobre um ou mais territoacuterios emergindo uma nova ordem

poliacutetica sediada na planiacutecie do Yamato e cujo liacuteder adota o tiacutetulo de Imperador (tennō 天皇)

destacando-se de outros liacutederes familiares pelo seu interesse para com sistemas e ideias vindas

de fora tais como as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda

121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa

No primeiro caso a tradiccedilatildeo confuciana introduz-se na esfera da educaccedilatildeo de corte

tornando-se indispensaacutevel para a criaccedilatildeo de poesia (ao estilo chinecircs natildeo japonecircs) e uma

61

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 62

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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influecircncia nos comentaacuterios de capiacutetulos do Nihon shoki 63

De entre as vaacuterias escolas de

pensamento a de Zhu Xi tornar-se-ia extremamente popular dentro do sacerdoacutecio shintō

culminando na criaccedilatildeo de Suika shintō (垂加神道) por parte de Yamazaki Ansai (山崎 闇

斎 1612-1682) que enfatizava uma ldquoGrande Viardquo estabelecida por Amaterasu produzindo

um novo conceito de ldquoreverecircncia para o imperadorrdquo ligado com a noccedilatildeo de Japatildeo como a

ldquoterra dos kamirdquo 64

Durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) a relaccedilatildeo entre confucionismo e shintō seria

levada a um outro patamar nascendo juka shintō (儒家神道) Fundamentando a teoria de que

estes dois sistemas eram um (shinju icchi神儒一致) 65

este tipo de shintō contribuiria para

criaccedilatildeo de outras vertentes natildeo tanto focadas na praacutetica de ritual mas antes na anaacutelise e

exposiccedilatildeo teoacuterica deste uacuteltimo e consequentemente a reinterpretaccedilatildeo de conceitos e ideias

shintō ao estilo confuciano por exemplo a linha de pensamento de Aizawa Seishizai (会沢

正志斎 1782-1863) atribui a Amaterasu qualidades como lealdade e piedade filial fazendo

de shintō uma ldquoVia Confucianardquo onde ldquoordem social construiacutea-se sobre lealdade e devoccedilatildeo

filial (hellip) para sempre envigorada pela atuaccedilatildeo exemplar do Imperador de atos rituais na

presenccedila da sua antepassada a deusa-solrdquo 66

Contudo a chegada de um periacuteodo moderno faz estender esta tradiccedilatildeo a outros

domiacutenios aleacutem de jinja shintō os setores confucianos de kyōha shintō (教派神道 )

denominados Shintō Shūseiha (神道修成派) e Shintō Taiseikyō (神道大成教) Tanto num

caso como no outro a linha de pensamento dos grupos eacute modelada pela vivecircncia do

ldquoorganizadorrdquo ou ldquofundadorrdquo por exemplo Nitta Kuniteru (新田 邦光 1829-1902) possuiacutea

uma visatildeo poliacutetica profundamente ldquolealistardquo focada na reverecircncia ao Imperador e na exclusatildeo

de ideias ldquoocidentaisrdquo que supostamente acelerassem o desenvolvimento do Japatildeo

Familiarizado com os claacutessicos confucianos e a Via do bushi (武士道) Nitta desenvolveria

com os seus companheiros uma mentalidade proacutepria que elevava shintō ao estatuto de uma

63

YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious

and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 64

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 311-312 65

YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious

and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 66

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 p69

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 34

ldquoGrande Viardquo associada a obrigaccedilotildees morais patriotismo que deviam ser sempre praticados

pelos japoneses o que iria ao encontro das ideias do governo Meiji 67

Em 1876 o poder poliacutetico reconheceria Shūsei Kōsha (修成構社) ndash o grupo fundado

por Nitta ndash como um grupo independente nascendo oficialmente a Shintō Shūseiha uma

organizaccedilatildeo que possuiacutea dois grupos distintos de aderentes por um lado os estudantes de

Nitta do final do periacuteodo Edo por outro membros de outros grupos que se tinham juntado a

Shūseiha apoacutes a restauraccedilatildeo Meiji (1868) 68

No que concerne aos seus ensinamentos combinavam-se conceitos de shintō (kami)

com ldquoelementos da cosmologia de pensamento neo-confuciano e outras crenccedilas sincreacuteticasrdquo

notando-se a importacircncia do Nihon shoki e do Kojiki (de onde derivam os termos shū ndash shūri

修理 reparaccedilatildeo ndash e sei ndash de kōusei 構成 consolidaccedilatildeo) entre outros textos eacute no princiacutepio de

shūsei que ldquojaz a lei fundamental da evoluccedilatildeo do universo (hellip) o processo da humanidade e o

avanccedilar da sociedade se devem agrave operaccedilatildeo deste princiacutepio uacutenicordquo consolidado pela

observaccedilatildeo da ldquolei moral e os meios pelos quais os assuntos da famiacutelia e sociedade satildeo

administradosrdquo Enfatizando uma atitude de veneraccedilatildeo aos kami aos antepassados e eacute claro o

desenvolvimento de caraacutecter do individuo que devia atuar de forma correta mantendo

ldquotemperanccedila e frugalidaderdquo 69

shūseiha propotildee uma mistura de praacutetica e doutrina orientada

para o indiviacuteduo podendo ser interpretada como uma ldquodisciplinardquo que o guiasse ao longo da

sua vida natildeo muito diferente da proposta de shintō

Por outro lado Hirayama Seisai ( 平山省斎 1815-1890) acumulou cargos

governamentais e dedicou-se aos estudos de Chinecircs e Kokugaku em Edo No periacuteodo poacutes-

restauraccedilatildeo Meiji Hirayama teraacute inaugurado uma escola de estudos chineses no periacuteodo

gradualmente envolvendo-se em assuntos de cariz ldquoreligiosordquo ndash tornou-se sacerdote-liacuteder em

santuaacuterios relevantes como o de Hikawa e de Hie ndash ao ponto de formar em 1879 a Taisei

Kyōkai (大成教会) que em 1882 ganharia independecircncia e acomodaria dezenas de grupos

Shintō Taiseikyō 70

Enaltecendo o caraacutecter educativo de shintō o setor considera a veneraccedilatildeo dos jingi e

dos antepassados (o que em termos tradicionais natildeo representa nada de novo) como

responsabilidade do indiviacuteduo que por sua vez deve alcanccedilar a felicidade e viver ldquobemrdquo o que

67

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 68

INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29

(3-4) 2002 pp 405-427 69

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 70

INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29

(3-4) 2002 pp 405-427Studies

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 35

estaacute de acordo com a visatildeo positiva de shintō em relaccedilatildeo ao indiviacuteduo Uma vez que o ser

humano possui ldquobons espiacuteritosrdquo (possivelmente a tradiccedilatildeo original seria uma ldquoboardquo tamashii)

este tem a capacidade inerente de se autodisciplinar e autorreformar atraveacutes do devido esforccedilo

devendo confiar e executar o ritual ldquoagrave maneira de geraccedilotildees sucessivas de Cortes Imperiaisrdquo 70

Com efeito Taiseikyō procura honrar a tradiccedilatildeo de jinja shintō e reforccedila a ideia de que shintō

eacute para todos os efeitos uma Via criada para os humanos

29 (3-4) 2002 pp 405-427

122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos kami

A segunda Via enfatiza a natureza ritual de shintō e eacute acolhida com o maior

entusiasmo pelo poder poliacutetico como se constata na narrativa cosmoloacutegica do Nihon shoki no

uso de espadas e espelhos em contexto ritual nos cultos ao Imperador agrave Estrela Polar e agrave

Ursa Maior 71

A Via do Dao definir-se-ia entatildeo como uma espeacutecie de auxiliar ao culto jingi

que se encontrava ao serviccedilo da corte imperial isto eacute da esfera privada agrave necessidade de

venerar os kami juntar-se-ia a atuaccedilatildeo poliacutetica uma noccedilatildeo expressa no conceito de

matsurigoto (政) Posteriormente recuperado e adaptado agrave mentalidade Meiji designando-se

saisei icchi (祭政一致) o princiacutepio de unidade da execuccedilatildeo dos ritosveneraccedilatildeo dos kami e de

governar o territoacuterio matsurigoto parece harmonizar os aspetos rituais e poliacuteticos dentro do

territoacuterio japonecircs algo reconhecido por Ono Sokyō no seu entender ldquofestivais e ritos para

vaacuterios kami tutelares e a administraccedilatildeo de clatildes e sociedade local eram essencialmente uma

uacutenica funccedilatildeordquo 72

Essecircncia do ritual em jinja shintō e kōshitsu shintō os matsuri satildeo tanto ocasiotildees

festivas e alegres como possuem um aspeto mais soacutebrio e solene sobretudo se realizados por

indiviacuteduos ligados ao poder poliacutetico no caso dos ldquoritos imperiaisrdquo deve-se incluir o lsquomatsuri

das origensrsquo (Genshi-sai元始祭 3 de Janeiro) a celebraccedilatildeo da passagem das estaccedilotildees do ano

- a Primavera (Shunki Shindensai 春季神殿祭 e Shunki Kōreisai 春季皇霊祭) e Outono

(Shūki Shindensai 秋季神殿祭 e Shūki Kōreisai 秋季皇霊祭 ) Acrescenta-se ainda o

Niinamesai (新嘗祭 23 de novembro) e o Kannamesai (神嘗祭 17 de outubro) 73

um dos

treze principais matsuri listados e calendarizados no Jingiryō

71

KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981

pp 1-21 72

ONO Sokyō op cit p76 73

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 79-80 p96

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 36

Supervisionados pelo Jingikan (神祇官) estes treze matsuri eram hierarquizados em

ldquomaiorrdquo ldquomedianordquo e ldquomenorrdquo ndash os ritos de maior importacircncia (taishi) eram celebrados

durante todo o mecircs os chūshi duravam trecircs dias e os shōshi apenas um dia 74

Kinensai

(ldquocerimoacutenia de preces para o Anordquo) era celebrado no segundo mecircs Chinkasai (ldquocerimoacutenia de

pacificaccedilatildeo das floresrdquo) no terceiro mecircs Kanmisosai (de caraacutecter bianual) no quarto e nono

meses Ōimisai (realizado no jinja de Hirose) no quarto e seacutetimo mecircs Saigusasai (realizado

no jinja de Ōmiwa) e Fūjinsai (matsuri em honra do kami do vento) no quarto e seacutetimo mecircs

No sexto e deacutecimo segundo mecircs celebrava-se o Tsukinamisai algo replicado no Chinkasai

(rdquocerimoacutenia da pacificaccedilatildeo do fogordquo) e Michiaesai (ldquocerimoacutenia dos quatro campos da

capitalrdquo) Quanto ao nono mecircs este estava reservado para o Kannamesai (ldquocerimoacutenia da

degustaccedilatildeo divina dos frutosrdquo) seguido do Ainamesai (ldquocerimoacutenia de partilha dos frutosrdquo) o

Chinkonsai (rdquocerimoacutenia para a pacificaccedilatildeo do espiacuteritos augustosrdquo) e o Daijōsai (rdquogrande

cerimoacutenia de degustaccedilatildeo dos frutosrdquo) agendados no deacutecimo primeiro mecircs 75

No fundo o Jingikan regulava o modo de veneraccedilatildeo dos jingi cujas metas revolviam

sempre em torno do bem puacuteblico obtenccedilatildeo de boas colheitas garantia da ldquosauacutede e seguranccedila

do imperador do palaacutecio e da capitalrdquo e eacute claro proteccedilatildeo contra invasotildees rebeliotildees e doenccedilas

que afetassem a populaccedilatildeo 76

o palaacutecio imperial era nada mais do que um centro de ritual e a

elite qualificada da capital a grande autoridade sobre todos os assuntos shintō e taoiacutestas

Como se pode constatar as atividades desta instituiccedilatildeo complementavam-se com a

atuaccedilatildeo do Escritoacuterio Yin-Yang (Onmyōryō 陰陽寮) Operado por dezenas de indiviacuteduos

empenhados na manutenccedilatildeo do equiliacutebrio coacutesmico atraveacutes dos mais diversos meios

(astronomia calendarizaccedilatildeo e adivinhaccedilatildeo yin-yang este oacutergatildeo seria o siacutembolo da adaptaccedilatildeo

da escola de pensamento on-myōdō ( 陰 陽 道 ) ao contexto japonecircs permitindo o

desenvolvimento de certas praacuteticas hoje aceites na cultura japonesa como formas de

lsquosupersticcedilatildeorsquo ou lsquomagiarsquo por exemplo a adivinhaccedilatildeo baseada nos signos do zodiacuteaco chinecircs

ou direccedilotildees da buacutessola 77

74

HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 75

TAKASHIO Hiroshi ldquoJingiryōrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices

Ancient (on-line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23330gt

(consultado em 24-06-2018) 76

BREEN John TEEUWEN Mark op cit p32 pp36-37 77

HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 37

Durante o Periacuteodo Heian (794-1185) as proacuteprias cerimoacutenias onmyōdō adaptam-se

aos rituais estatais (positivos) sendo ldquointroduzidas como ritos de proteccedilatildeo pessoal para o

imperadorrdquo dirigidos a ldquocorpos celestiaisrdquo e aos kami Uns seacuteculos mais tarde a Via do Dao

tornar-se-ia objeto de interesse pelas ldquopessoas comunsrdquo que patrocinavam ldquoritosrdquo e

praticavam ldquomagia pessoal para convidar becircnccedilatildeos e evitar maacute-sorterdquo 77

Neste sentido on-

myōdō reconhecia a existecircncia de forccedilas ldquonegativasrdquo que deviam ser eliminadas e pacificadas

claramente enriquecendo a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo em shintō

Uma Via fundada e divulgada por certas famiacutelias que lhe enalteciam um aspeto

ldquomaacutegicordquo onmyōdō conheceria especial popularidade em algumas escolas de pensamento

refletindo a existecircncia de movimentos internos da proacutepria Via dos kami que conjugavam o

aspeto mais praacutetico com a exposiccedilatildeo teoacuterica desta uacuteltima Assim onmyōdō tornar-se-ia uma

referecircncia para os autores responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de Ise shintō (伊勢神道 ) e Yoshida

shintō (吉田神道) ambas possuindo uma relaccedilatildeo bastante familial os principais autores e

comentadores provinham de famiacutelias associados a um santuaacuterio especiacutefico sendo que os

Watarai de Ise shintō pertenciam ao Palaacutecio Externo (Gekū外宮) de Ise os Urabe de Yoshida

shintō uma das famiacutelias mais influentes no Jingikan ocupavam cargos de lsquosacerdotesrsquo em

Quioto concretamente nos jinja de Hirano Yoshida e Ume no Miya 78

Aleacutem de partilharem dos mesmos sentimentos de rejeiccedilatildeo face agrave doutrina honji-

suijaku (本地垂迹 ) que reduziria os kami a incarnaccedilotildees de bodhisattvas e budas e

consequentemente subordinando shintō agrave Via do Buda ndash revertendo a relaccedilatildeo shinbutsu ou

seja tornando as ldquodivindades budistasrdquo como manifestaccedilotildees de kami 79

as escolas estavam

familiarizadas com princiacutepios da cosmologia chinesa o Ruiju jingi hongen (類聚神祇本源

composto em 1320) de Watarai Ieyuki (度会 家行 1255-1351) expocircs a sua ldquoa teoria de Yin-

Yang e as Cinco Fases da Mateacuteria (inyō gogyō) no contexto de uma descriccedilatildeo da criaccedilatildeo do

ceacuteu e da terrardquo recorrendo agraves obras do filoacutesofo chinecircs Zhou Dunyi (周敦頤 1017-1073)

ceacutelebre pensador ldquoneo-confucianordquo e autor de um comentaacuterio ao Claacutessico das Mutaccedilotildees

(Yijing 易經 em japonecircs Eki-kyō 易経) e do ensaio de exposiccedilatildeo sobre o diagrama do

extremo supremo (taiji tushuo 太極圖說 taikyo kuzu) 80

Argumentando acerca do ldquoiniacutecio

como o iniacutecio e a origem como a origemrdquo Ieyuki considera o organismo humano como o

78

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 79

PICKEN Stuart op cit p173 80

YAO Xinzhong An Introduction to Confucianism New York Cambridge University Press 2000 pp98-99

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 38

coletivo dos cinco elementos que ldquocomungam com a origem da naturezardquo agrave qual se deve

regressar e entrar 81

No caso da escola Yoshida Yoshida Kanetomo (吉田兼俱 1435-1511) autor da

obra Shintō Taii (神道大尉) estabelece paralelos tais como ldquosete aberturas da cabeccedila com as

sete estrelas do ceacuteu e os cinco oacutergatildeos internos com as cinco fases da mateacuteria na terrardquo 82

por

conseguinte kami seriam descritos como uma forma de taiji (taikyo) a ldquoabsoluta existecircncia

anterior agrave formaccedilatildeo do ceacuteu e da terra transcendendo yin e yang embora sendo capaz de agir

com estas mesmas forccedilasrdquo uma vez que natildeo possuem forma concreta os kami possuiacuteam o

atributo da ldquocriatividaderdquo modelando todas as coisas existentes no mundo 83

Supervisionado pelo Ministeacuterio dos Assuntos Internos sob o coacutedigo ritsuryō o

Onmyōryō tornar-se-ia o palco de rivalidades familiares entre clatildes como os Abe (associados agrave

astrologia) e os Kamo (especialistas nas ciecircncias calendares) No periacuteodo Muromachi a

linhagem Abe (Tsuchimikado土御門) assumiria a posiccedilatildeo hereditaacuteria de superintendentes da

instituiccedilatildeo sendo que a casa dos Kamo (Kōtokui 幸徳井) contentar-se-ia com o segundo

lugar ocupando o cargo de vice-liacuteder No Periacuteodo Edo as disputas de autoridade em mateacuterias

de ritual condicionariam a crescente competiccedilatildeo entre os Tsuchimikado e uma terceira casa

os Yoshida se os Tsuchimikado seriam reconhecidos pelo bakufu como os responsaacuteveis pela

nomeaccedilatildeo dos lsquomestres do yin-yangrsquo (onmyōji 陰陽師) os Yoshida encarregar-se-iam dos

sacerdotes shintō 84

Em 1682 Tsuchimikado Yasutomi (土御門泰福 1655-1717) criaria

uma nova doutrina inspirada no pensamento de Yamazaki Ansai e de alguns pensadores de

Ise shintō bem como controlava e garantia ldquolicenccedilas a praticantes Yin-Yang pelas proviacutenciasrdquo

85

Na atualidade elementos de onmyōdō podem ser encontrados nas vaacuterias ramificaccedilotildees

de shintō tomando-se o exemplo de Tensha Tsuchimikado Shintō (天社土御門神道 )

Inspirada pela escola de Yasutomi e criada no poacutes-1945 como consequecircncia da concessatildeo de

liberdade religiosa esta organizaccedilatildeo centra-se na cerimoacutenia tensō chifusai (天曹地府祭) Um

81

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p176 82

HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 83

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 84

NISHIOKA Kazuhiko ldquoTsuchimikado Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and

Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22576gt (consultado em 24-06-2018) 85

INOUE Nobutaka ldquoTsuchimikado Yasutomirdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities

(on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22771gt (consultado em

24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 39

matsuri de caraacutecter imperial tensō chifusai procurava a transmissatildeo dos ldquodesejosrdquo do novo

Imperador agraves ldquodivindadesrdquo on-myō embora gradualmente adquirisse popularidade junto dos

Tsuchimikado Praticada no seu jinja dedicado a Taizan Fukun 85

(泰山夫君) ndash em contexto

chinecircs atuava como magistrado do domiacutenio dos mortos e era um subordinado de Yama (em

japonecircs Enma閻魔) 86

ndash a cerimoacutenia garantiria longevidade e seguranccedila do novo imperador

bem como a manutenccedilatildeo do estado de paz no territoacuterio do Japatildeo e o bem-estar dos suacutebditos 85

as necessidades do coletivo pesavam mais do que as individuais

123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu

Apesar da influecircncia significativa do confucionismo e do taoiacutesmo em shintō ambos

sistemas de pensamento chinecircs natildeo partilham da categoria moderna de shūkyō no campo da

estatiacutestica japonesa apenas a Via do Buda eacute hoje reconhecido como tal juntando-se a shintō e

ao cristianismo trecircs ldquoreligiotildeesrdquo cujo impacto alterou a paisagem cultural japonesa embora a

quantidade de igrejas dificilmente se compara aos milhares de jinja e tera ou jirsquoin (templos

budistas) observando-se igualmente a presenccedila de determinados cultos e tendecircncias que

demonstram o caraacutecter sincreacutetico da relaccedilatildeo shinbutsu

No entanto os atos de veneraccedilatildeo aos kami eram na sua origem considerados como a

antiacutetese da Via do Buda dificultando tentativas de aproximaccedilatildeo entre os ldquocultosrdquo segundo os

decretos imperiais do Nihon shoki shintō ndash interpretado como kannagara (惟神 随神)

designando uma praacutetica delegada por Amaterasu aos seus descendentes e que seria traduzida

como ldquoseguir Shinto (hellip) ou carregar Shinto de forma naturalrdquo - e buppōbutsudō eram

encarados com respeito ou desdeacutem 87

No periacuteodo de governaccedilatildeo do Imperador Yōmei (用明

天皇) ambas eram consideras tradiccedilotildees vaacutelidas a seguir uma vez que este ldquoacredita na lei do

Buda e respeita shendaordquo (天皇信仏法尊神道) 88

um termo mais tarde identificado com

shintō

86

MASUO Shinrsquoichirō ldquoChinese Religion and the Formation of Onmyōdōrdquo Nanzan Institute for Religion and

Culture Japanese Journal of Religious Studies nordm 40 (1) 2013 pp 19ndash43 87

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 253-258 88

Durante o primeiro ano do reinado do imperador Kōtoku (孝徳天皇 supostamente ldquorespeita-se a lei do Buda

e ter shendao em pouca consideraccedilatildeordquo (尊仏法軽神道) SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon

shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 40

Por volta da reforma Taika de 645 os ldquorituais budistasrdquo tinham encontrado o seu

lugar no palaacutecio imperial interagindo com os ritos para os kami 89

condicionando um cenaacuterio

de competiccedilatildeo que forccedilaria a adaptaccedilatildeo de shintō face a estas novas escolas e vice-versa

Destacando-se como uma nova forma de lei e doutrina inovadora cujo impacto se estenderia a

vaacuterias aacutereas nomeadamente arte arquitetura educaccedilatildeo e literatura a Via do Buda eacute elevada

ao estatuto de protetora do domiacutenio do Japatildeo o que natildeo implica uma relaccedilatildeo antagoacutenica com

o culto jingi antes pelo contraacuterio

Durante os periacuteodos Nara-Heian constroem-se os primeiros espaccedilos de veneraccedilatildeo

conjunta de kami e budas (jingū-ji (神宮寺) Todavia a contiacutenua associaccedilatildeo da nova Via agrave

vida aristocraacutetica reforccedilaria a ligaccedilatildeo dos cultos aos kami com as pessoas comuns 90

shintō

permanecia a religiatildeo da comunidade e o budismo a religiatildeo doutrinaacuteria de uma elite

empenhada na traduccedilatildeo e interpretaccedilatildeo dos sutras patrocinando a construccedilatildeo de templos e a

consequente instruccedilatildeo dos monges utilizando rituais budistas para seu benefiacutecio

Tal como os onmyōji se dedicavam a atividades de lsquoexorcismorsquo os monges

recorreriam a foacutermulas e outras teacutecnicas para controlar a ldquoviolecircncia de divindades espiacuteritos e

demoacutenios de todos os tipos incluindo os kamirdquo Por conseguinte a introduccedilatildeo e popularizaccedilatildeo

das linhas de pensamento favoraacuteveis agrave combinaccedilatildeo de elementos shinbutsu obrigaria a novas

interpretaccedilotildees do que se entende por kami outrora seres omnipotentes kami possuiriam um

estatuto equivalente ao de devas ou asuras e como tal sujeitavam-se a samṣara (rokudō rinne

六道輪廻) ao contraacuterio dos budas que tinham alcanccedilado a iluminaccedilatildeo (satori 悟り) 91

No final do periacuteodo Nara promover-se-ia a teoria de que os kami eram nada mais do

que ldquodivindadesrdquo tutelares dos ensinamentos budistas clarificando a relaccedilatildeo de superioridade

do budismo para com shintō e como tal poderiam ser salvas como qualquer outro ser dos seis

domiacutenios 92

neste sentido vida e morte fazem parte do mesmo ciclo do qual apenas alguns se

podem libertar colocando todos os habitantes dos seis caminhos em peacute de igualdade para

shintō a necessidade de ldquosalvaccedilatildeordquo da roda de reencarnaccedilatildeo atraveacutes de satori natildeo se justifica

todos os seres vivos partilham do mesmo caminho - nasciam viviam no seu mundo (em

sociedade com outros kami e humanos) e a sua lsquoformarsquo ou corpo possui os seus limites

89

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 90

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 91

BREEN John TEEUWEN Mark opcit p 38-39 92

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 41

naturais apoacutes a morte fiacutesica os uacutenicos traccedilos de existecircncia de uma forma de vida encontrar-

se-iam na tamashii (魂) um atributo interior de kami e humanos

Paralelamente agrave expansatildeo do budismo no Japatildeo desenvolve-se a primeira fase da

vertente acadeacutemica de shintō caracterizada pela adoccedilatildeo de conceitos e fundamentaccedilatildeo de

teorias de bukkyō como o princiacutepio honji-suijaku aplicado pelos setores mais populares do

periacuteodo Heian Tendai (天台宗) e Shingon (真言宗) reavaliando-se a relaccedilatildeo entre kami e

outros ldquoseresrdquo reconhecidos pela Via do Buda Assim kami tornar-se-iam suijaku (lsquotraccedilosrsquo垂

迹) dos honji (lsquoessecircnciasrsquo本地) que se encontravam em budas (hotoke 仏) e bodhisattvas

(bosatsu菩薩) por exemplo Jizō (地藏) eacute identificado com Hiraoka-amakoyane-no-mikoto

um dos kami consagrados no Kasuga Jinja 93

no complexo de Ise encontrar-se-ia o honji

Mahāvairocana Tathagata (Dainichi Nyorai 大日如来 ) e em Hakusan o bosatsu da

compaixatildeo Kannon (観音) 94

O esforccedilo de cooperaccedilatildeo entre ambas tradiccedilotildees atingiria o seu auge com o

aparecimento das trecircs escolas xintoiacutestas de base budista Tendai shintō (天台神道) Ryōbu

shintō (両部神道) e Hōkke shintō (法華神道) respetivamente associadas agraves doutrinas dos

monges Saichō Kūkai e Nichiren Tendai Shintō tambeacutem conhecido pela designaccedilatildeo Sannō

Ichi-jitsu shintō apoia-se no estudo do Sutra do Loacutetus e coloca em praacutetica a teoria honji-

suijaku identificando Hiyoshi Sannō o lsquokami guardiatildeorsquo (shugojin 守護神 ) do templo

Enryaku-ji como o suijaku de Śākyamuni o ldquorei do Dharma do sutra do Loacutetusrdquo Possuindo

uma importacircncia mais local do que nacional e centrada em Hiei Quioto Tendai shintō

popularizaria o ato de meditaccedilatildeo ambulante em torno dos sub-santuaacuterios do ldquoSantuaacuterio de Hierdquo

e ldquoperegrinaccedilotildees mentaisrdquo nas quais os suplicantes ldquovisualmenterdquo visitavam os santuaacuterios 95

Agrave semelhanccedila da escola Tendai Ryōbu shintō favorece a combinaccedilatildeo de elementos

ldquobudistasrdquo (ldquoesoteacutericosrdquo) e shintō focando-se na relaccedilatildeo do Ise jingū (伊勢神宮) com as

mandalas kongokai e taizokai representaccedilotildees do ldquoDomiacutenio do Diamanterdquo e do ldquoDomiacutenio do

Ventrerdquo por sua vez associados ao Gekū e ao lsquopalaacutecio internorsquo (Naikū 内宮 ) de Ise

93

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 94

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 95

SATŌ Masato ldquoSannō Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and

Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22572gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 42

respetivamente96

Descrita como ldquoshintō combinatoacuterio baseada nas mandalas duais

fundamentais de Budismo esoteacuterico Shingonrdquo por Yoshida Kanetomo 97

- expoente da teoria

Yuiitsu shintō (唯一神道) na qual kami se torna o centro de tudo incluindo do ceacuteu e da terra

ldquodemoacuteniosrdquo animais e o proacuteprio kokoro dos humanos 98

- Ryōbu shintō influenciaria as

escolas de Ise e Yoshida 96

No que concerne agrave uacuteltima escola Hokke shintō recebe influecircncias do ldquobudismordquo

Nichiren (日蓮宗) uma das seitas mais populares do Periacuteodo Kamakura (1185-1333) por sua

vez derivada da lsquoseita da Terra Pura (Jōdo-shū 浄土宗rdquo) propagando a doutrina de mappō

(末法) o momento final do Dharma exaltada pelo monge Nichiren (日蓮 1222-1282)

Essencialmente portador de uma linha de pensamento reacionaacuteria ao budismo Heian

Nichiren considerava Tenshō Daijin (Amaterasu) e Hachiman como shugojin do Verdadeiro

Dharma reconhecendo igualmente a existecircncia de ldquodivindades tutelares do Sutra do Loacutetusrdquo

que tanto protegeriam a realidade na qual se verificasse a concretizaccedilatildeo do Verdadeiro

Dharma como poderiam escolher abandonaacute-la caso a Lei natildeo fosse aplicada 99

Por

conseguinte esta tradiccedilatildeo teria sido formada pelo superintendente do templo Shuryōgonin

associava-se deste modo os trinta dias do mecircs a trinta diferentes jinja e complexos tais

como Atsuta Jingū Suwa Shōshin-ji Hachiō-ji Inari Kibune Hachiman Kasuga Ise Gion

entre outros 100

Partilhando com Tendai o estudo do Sutra do Loacutetus a escola Hokke influenciaria as

ideias de Yoshida shintō e continuaria a desenvolver-se ao longo dos Periacuteodos Muromachi e

Edo surgindo uma seacuterie de obras e fasciacuteculos comentando acerca desta forma de shintō tais

como Hokke Shintō Hiketsu (法華神道秘訣) atribuiacutedo a Nitchō (日澄 1441-1510) 99

No seguimento da instauraccedilatildeo da terceira e uacuteltima casa militar no poder poliacutetico

budismo eacute relegado para um plano mais secundaacuterio aleacutem do aumento do nuacutemero de

96

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp298-299 97

ITŌ Satoshi ldquoRyōbu Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and

Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22800 (consultado em 24-06-2018) 98

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 99

Itō explica que esta doutrina (shintenjō hōmon) seria acolhida pelo ldquoculto Tendai de trinta divindades tal como

era praticado no Monte Hieirdquo ITŌ Satoshi ldquoHokke Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and

Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22565gt (consultado em 24-06-2018) 100

ITŌ Satoshi ldquoSanjūbanshinrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Combinatory Kami (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22464gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 43

ocorrecircncias de funerais shintō realizados por famiacutelias como os Yoshida bem como a reduccedilatildeo

da quantidade de tera e jinja que favorecessem uma abordagem ldquocombinatoacuteriardquo 101

surge a

niacutevel acadeacutemico o movimento fukko shintō (復古神道) que propunha um ldquoreavaliaccedilatildeordquo de

shintō rejeitando-se severamente ideias externas

Nestas circunstacircncias Hirata Atsutane (平田篤胤 1774-1842) representante da

vertente mais ldquoradicalrdquo da escola kokugaku assume uma posiccedilatildeo particularmente criacutetica da

Via do Buda suposta total antiacutetese de shintō que por sua vez era emulado como uma ldquovia

antigardquo (kodō 古道) no seu Kodō Taii (古道大尉) redigido em 1811 Hirata idealiza o Japatildeo

como a ldquoTerra dos kamirdquo cujos habitantes satildeo ldquoracialmente superioresrdquo entendendo budismo

como uma ldquoreligiatildeordquo inventada por um homem ndash Śākyamuni ndash cujas doutrinas eram ldquofalsasrdquo

ao ponto de apagarem por completo a ldquoverdade originalrdquo da existecircncia de uma entidade

omnipresente criadora denominada nos textos antigos de Brahmā que Hirata identifica com

Kami-musubi-no-kami 102

Por conseguinte o sentimento anti-budista expresso por Hirata teria as suas

repercussotildees em alguns territoacuterios no periacuteodo final do xogunato Tokugawa gerando-se o

movimento haibutsu kishaku (廃仏毀釈) cuja linha de pensamento tornar-se-ia devastadora

para a Via do Buda desde a destruiccedilatildeo de templos halls imagens rituais apropriaccedilatildeo de

propriedades dos templos na economia dos domiacutenios agrave laicizaccedilatildeo forccedilada dos monges o

budismo enquanto religiatildeo perderia credibilidade e significado cultural entre a populaccedilatildeo 103

ao contraacuterio de shintō por sua vez equiparado a uma ideologia poliacutetica a partir de 1868

inaugura-se assim um dos momentos mais negros da histoacuteria shinbutsu

13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945

O periacuteodo de vigecircncia da ideologia Meiji (1868-1945) eacute tambeacutem um periacuteodo de

perseguiccedilatildeo interna para a Via do Buda e nas palavras de Picken um exemplo de ldquoabuso e

manipulaccedilatildeordquo de shintō 104

a Ordenaccedilatildeo de Distinccedilatildeo de Shintō e Bukkyō (shinbutsu

hanzenrei 神仏判然令 ) de 1868 oficializa a poliacutetica de separaccedilatildeo de shintō e bukkyō

(shinbutsu bunri 神仏分離) expressa pela interdiccedilatildeo de ldquonomes de estilo Budista para kami

101

BREEN John TEEUWEN Mark opcit pp 38-39 102

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 213-215 103

SAKAMOTO Koremaru ldquoHaibutsukishakurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Doctrines

and Theories (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23552gt

(consultado em 24-06-2018) 104

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 87-88

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 44

a proibiccedilatildeo de se usar imagens Budistas para representar kami e a remoccedilatildeo de implementos

rituais Budistas de espaccedilos rituais Shintōrdquo 105

Seguindo nos passos do movimento haibutsu

kishaku

Tendo como meta uma visatildeo de shintō como lsquonatildeo-religiatildeorsquo estatal o novo regime

restabeleceria o Jingikan - substituiacutedo dois anos depois pelo Jingishō (神祇省) ndash e procederia

agrave instauraccedilatildeo de um sistema hieraacuterquico piramidal de jinja imperiais e nacionais (1870-1871)

delegando-se cargos a funcionaacuterios puacuteblicos Abolindo-se o sistema de hereditariedade

sacerdotal jinja tornam-se instituiccedilotildees nacionais e espaccedilos de visita obrigatoacuteria e natildeo

espontacircnea 106

131 A visatildeo ldquonacionalistardquo Meiji uma ldquonatildeo-religiatildeordquo ao serviccedilo do Estado

japonecircs

Se as restantes ldquoreligiotildeesrdquo eram entendidas como secundaacuterias - permanecendo sob a

tutela do Escritoacuterio de Religiatildeo do qual faziam parte os treze ldquosetoresrdquo de kyōha shintō - o

culto jingi era colocado sob a alccedilada do Jinjakyoku (神社局) perdendo gradualmente a sua

natureza religiosa todos os meios eram vaacutelidos para inculcar nas mentes dos japoneses a ideia

de que shintō natildeo era uma religiatildeo ldquopatrociacutenio apoio perpetuaccedilatildeo controlo e disseminaccedilatildeordquo

de shintō pelos vaacuterios niacuteveis de governo e por funcionaacuterios puacuteblicos ldquosubordinados e

empregadosrdquo o constante ensino de doutrina ldquoxintoiacutestardquo ldquonacionalistardquo ou ldquoultranacionalistardquo

em manuais escolares o ato de visitar santuaacuterios por obrigaccedilatildeo e execuccedilatildeo de ritos

patrocinadas por instituiccedilotildees educacionais a circulaccedilatildeo de textos explicativos da doutrina

kokutai (国体) 107

Em contexto legal tambeacutem os proacuteprios santuaacuterios xintoiacutestas sofreriam o impacto

desta abordagem poliacutetica de shintō que reavivava a ligaccedilatildeo co-dependente entre o poder

poliacutetico e shintō (na sua forma de culto jingi) tornando shintō uma instituiccedilatildeo patrioacutetica que

devia ser salvaguardada por todos o ano de 1900 marcaria o iniacutecio do controverso processo

de aglutinaccedilatildeo de jinja (Jinja-Gappei 神社合併) Apagando a existecircncia de milhares de jinja

ldquonatildeo-qualificadosrdquo o movimento expressava uma transferecircncia forccedilada de kami para outros

105

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 106

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39 107

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 114-116

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 45

jinja minando a relaccedilatildeo destes espaccedilos com as comunidades locais se em 1880 existiam

cerca de 157 mil jinja do povopuacuteblicos (minsha民社) em 1929 o nuacutemero rondaria os 112

mil e em 1947 mais de 87 mil 108

De um modo geral shintō estatal (kokka shintō 国家神道) cimentou a ideia de que

um certo tipo de shintō estava aleacutem de ser ldquoreligiatildeo termo que no Periacuteodo Meiji tinha como

elementos um fundador individual e a uma organizaccedilatildeo privada realizando-se atividades de

caraacutecter voluntaacuterio 108

o que nada tinha a ver com o culto jingi praticar shintō era nada mais

do que um dever e uma demonstraccedilatildeo de sentimentos patrioacuteticos essenciais ao bom

funcionamento da naccedilatildeo japonesa recorrendo-se a conceitos como kannagara akitsu-mikami

(現御神) hakkō-ichiu (八紘一宇) que naturalmente tinham sido readaptados face ao status-

quo kannagara por exemplo descrevia uma lsquofeacutersquo que incide no indiviacuteduo e faz com que este

sirva o coletivo nunca a si mesmo expressando ainda ldquoum sentimento de assimilaccedilatildeo e

harmoniardquo 109

akitsu-mikami significava uma ldquodivindade incarnadardquo identificada com o

proacuteprio imperador que deve ser venerado tal como os seus antepassados por parte dos seus

suacutebditos 110

hakkō-ichiu (ldquoa terra inteira debaixo do mesmo tetordquo) era usado como slogan

simboacutelico do poderio militar japonecircs 111

ecoando a noccedilatildeo de tian xia isto eacute lsquodebaixo do ceacuteursquo

(tenka 天下) que em contexto do pensamento chinecircs arcaico e confuciano definia o escopo

do tianming ou lsquomandato do ceacuteursquo (tenmei天命) entregue a um futuro soberano

No fundo reforccedila-se a suposta superioridade do Japatildeo enquanto naccedilatildeo ldquodivinardquo e por

associaccedilatildeo do proacuteprio imperador cuja ldquoalma divinardquo eacute representada por Amaterasu o liacuteder do

Impeacuterio age senatildeo em nome desta uacuteltima sendo que todos os japoneses reconhecem e

reverenciam a sua linhagem transmitida ldquonuma linha inquebraacutevelrdquo o trono e o Imperador satildeo

uma extensatildeo de Amaterasu conferindo-lhe um estatuto ldquoinviolaacutevelrdquo Como tal a aacuterea de

governaccedilatildeo do Imperador natildeo pode ser reduzida ao Japatildeo mas antes a todo o nosso mundo

um papel partilhado com a kami do Sol e Taka-musubi-no-kami 109

108

SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion

Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149 109

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 127-128 110

PICKEN Stuart op cit pp 105 111

PICKEN Stuart op cit pp 111

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 46

132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular religiatildeo

japonesa

O fim da 2ordf Guerra Mundial eacute justamente descrito como o ponto de viragem para as

religiotildees japonesas desde 1945 que shintō eacute estatisticamente uma religiatildeo viabilizando um

processo de reinvenccedilatildeo e adaptaccedilatildeo agraves necessidades de uma sociedade japonesa moderna

surgem assim novos movimentos religiosos parcialmente baseados em ideias shintō budistas

ou cristatildes algumas mais do que outras testemunho vivo da liberdade religiosa expressa a

niacutevel constitucional

No que concerne aos espaccedilos de veneraccedilatildeo estes satildeo devidamente legalizados como

corporaccedilotildees religiosas (shūkyō hōjin宗教法人) desde 1946 operando quer como extensotildees

de terceiros (grupos inclusivos) ou como unidades (tanrsquoi単位) independentes destes grupos

inclusivos (tanritsu shūkyō dantai単立宗教団体) a cada grupo inclusivo (hōkatsu dantai包

括団体) corresponde uma categoria proacutepria - kyōha (教派) shūha (宗派) comunidade

religiosa (kyōdan教団) ordem (shūdoukai 修道会) - que por sua vez incorpora tanrsquoi jinja

jirsquoin (寺院) igrejas (kyōkai教会) e mosteiros (shūdōin修道院) 112

Por conseguinte todos os dados reportados satildeo compilados pela Divisatildeo de Assuntos

Religiosos da Agecircncia para Assuntos Culturais do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (Bunka-chō

shūmuka kyōiku-shō 文化庁宗務課 教育省) que se apoia na definiccedilatildeo de ldquoorganizaccedilatildeo

religiosardquo (shūkyō dantai 宗教団体) promulgada pela Constituiccedilatildeo qualquer grupo local

focado na ldquodisseminaccedilatildeo de ensinamentos religiosos a conduccedilatildeo de cerimoacutenias e funccedilotildees e a

educaccedilatildeo e nutrimento dos crentesrdquo deve ser considerado uma shūkyō dantai que deteacutem

autoridade sobre o processo de qualificaccedilatildeo e quantificaccedilatildeo dos aderentes e do sacerdoacutecio 112

por exemplo a instruccedilatildeo dos candidatos a posiccedilotildees dentro dos santuaacuterios eacute disponibilizada

pelas Universidade Kokugakuin (國學院大學) de Toacutequio e a Universidade Kōgakkan (皇學

館大学) em Ise esta uacuteltima focada no treino de ldquosacerdotes para recitar as liturgias e perceber

o significado dos rituaisrdquo 113

Operando a niacutevel prefeitural ou nacional a categoria shūkyō hōjin faz parte da visatildeo

moderna japonesa de religiatildeo em 1998 o Anuaacuterio de Religiotildees (shūkyō nenkan 宗教年鑑)

do 10ordm Ano da Era Heisei registava mais de 85 mil grupos religiosos shintō 104553179

112

TAMARU Nobuyoshi REID David Religion in Japanese Culture Where Living Traditions Meet a

Changing World Tokyo Kodansha International 1996 pp 218-219 113

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 188-190

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 47

seguidores shintō (492) mais de 81 mil jinja 15 jirsquoin e 1276 locais de propagaccedilatildeo religiosa

(fukyōjo布教所) bem como cerca de 88 mil ldquoprofessoresrdquo (kyōshi 教師) Em contrapartida

bukkyō tinha apenas 78 mil grupos religiosos mais de 95 milhotildees de aderentes e um nuacutemero

superior de kyōshi mais de 77 mil templos apenas 10 jinja e cerca de 3000 fukyōjo 114

No

ano de 2015 constatava-se uma pequena evoluccedilatildeo negativa 485 dos aderentes seguiam

shintō e apenas 87 milhotildees eram supostamente budistas registando-se igualmente uma

descida do nuacutemero de kyōshi tanrsquoi e corporaccedilotildees shintō e budistas 115

Apesar de os dados publicados pela Agecircncia poderem natildeo corresponder agrave realidade

o campo estatiacutestico esforccedila-se por explicar ao puacuteblico o que se entende por shintō bukkyō e

kirisutokyō recorrendo a uma categorizaccedilatildeo que eacute acima de tudo coerente face agrave sua

evoluccedilatildeo histoacuterica no caso concreto de shintō os Anuaacuterios de Religiotildees reconhecem trecircs

ramificaccedilotildees ou kei (系) jinja shintō (神社神道) kyōha shintō e shin shūkyō shintō (新宗教

神道) 116

destas trecircs somente a primeira inclui uma organizaccedilatildeo que tambeacutem serve de porta-

voz aos interesses da maior parte dos jinja espalhados pelo paiacutes a Jinja Honchō (神社本庁)

Ceacutelebre instituiccedilatildeo criada em 1946 no seguimento da fusatildeo de outros trecircs grupos privados eacute

ateacute hoje o ldquouacutenico corpo coordenativo para Shinto no Japatildeo e o uacutenico oacutergatildeo (para aleacutem dos

santuaacuterios individuais) pelo qual Shinto pode ser formalmente representado a um largo niacutevel

administrativordquo 117

Regulando a atuaccedilatildeo das atividades dos jinja a Jinja Honchō permanece o ldquogrupo

religiosordquo mais numeroso no que concerne a espaccedilos de veneraccedilatildeo aderentes (perto de 80

milhotildees) e kyōshi (aprox217 milhotildees) 116

e apresenta-se como um oacutergatildeo mais moderado que

os seus predecessores do Periacuteodo Meiji ndash Jingikan Jingishō (神祇省) Kyōbushō (教部省) e

Jingirsquoin (神祇院) ndash capaz de conjugar as funccedilotildees de supervisor dos jinja e de autoridade em

assuntos shintō Sinteticamente esta associaccedilatildeo tem como metas perpetuar as tradiccedilotildees

desenvolvidas em contexto de jinja shintō como demonstraccedilatildeo de gratidatildeo aos kami e aos

antepassados - a realizaccedilatildeo de cerimoacutenias e ritos - ldquoservir a sociedade e outrosrdquo e na

qualidade de ldquomensageiros de kamirdquo aspirar a melhorar e consolidar este mundo Por uacuteltimo

deve-se identificar ldquoas proacuteprias mentes com a do Imperadorrdquo e ldquorezar pela prosperidade do

114

Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 10 Han (宗教年鑑平成 10 版) Tokyo Bunka-chō

1998 115

Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō

2016 116

Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō

2016 117

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 41-42

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 48

paiacutes e por coexistecircncia paciacutefica e coprosperidade para as pessoas do mundordquo 118

claramente

realccedilando o caraacutecter natildeo individual patente em shintō

2 SOCIEDADE ldquoESPIRITUALIDADErdquo E ldquoEacuteTICArdquo A ldquoVIA DOS KAMIrdquo E O

REGRESSO Agrave Ordem

Aceitar shintō pressupotildee que o indiviacuteduo realize rituais positivos com uma ldquomente

clara pura e sincerardquo 118

devendo-se ter em atenccedilatildeo o termo ldquomenterdquo o facto de Ono ter

como puacuteblico-alvo natildeo japoneses poderaacute justificar esta escolha de traduccedilatildeo que se afasta do

texto original por exemplo ldquoakikiyoki makoto wo nite saishi ni isoshimukoto (明き清きまこ

とを以て祭祀 [さいし] にいそしむこと) corresponde a ldquodevotar-nos aos atos de veneraccedilatildeo

(aos kami) com uma mente clara pura e sincerardquo ldquoŌmikokoro wo itadakite mutsubirdquo (大御

心 [おおみこころ]をいただきてむつび) 119

eacute ldquoidentificaccedilatildeo das proacuteprias mentes com a

(mente) do Imperadorrdquo Assim o termo torna-se makoto Juntamente com o kokoro ambos

vocaacutebulos fundamentam a perspetiva eacutetica de shintō Por sua vez mutsubi (musubi) auxilia na

compreensatildeo da relaccedilatildeo de shintō com o indiviacuteduo e por associaccedilatildeo com os kami

21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e

individuais

Claramente uma Via focada no bem-estar humano shintō ilustra um forte caraacutecter

social e eacutetico que eacute complementado pelo desenvolvimento de uma lsquoespiritualidadersquo proacutepria

associada agrave perceccedilatildeo japonesa do ldquosagradordquo como jaacute anteriormente mencionado este

domiacutenio estaacute associado a kami e a sua presenccedila pode ser ldquosentidardquo em certas ocasiotildees

nomeadamente durante os matsuri e as cerimoacutenias executadas pelos ldquosacerdotesrdquo (shinkan 神

官) a descriccedilatildeo de Picken de shintō como ldquoefectivamente uma religiatildeo que eacute mais lsquoapanhadarsquo

do que lsquoensinadarsquo os seus discernimentos lsquopercecionadosrsquo antes de serem lsquoacreditadosrsquo os

118

ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004 p82 119

A expressatildeo Ōmikokoro (ou Mikokoro 御心) eacute uma forma respeitosa de se referir ao Imperador (ou aos kami)

que surge nas norito ou em outros textos oficiais Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案 内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line) lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 49

seus baacutesicos conceitos mais do que lsquosentidosrsquo do que lsquopensadosrsquordquo 120

faz da praacutetica e da

experiecircncia do indiviacuteduo o seu alicerce Deste modo confere-se ao homem um papel ativo e

de participante quer se trate de um visitante que reze aos kami esperando por uma resposta

quer seja algueacutem dedicado a servir os kami (ldquosacerdotesrdquo por exemplo) a decisatildeo de executar

os rituais (associados agrave Ordem) cabe ao homem

Soacute o homem possui a capacidade de entrar num domiacutenio diferente deparando-se com

vaacuterios siacutembolos que assinalam a ldquopresenccedilardquo do kami Mircea Eliade nota que o homem

apercebe-se do ldquosagradordquo porque este escolhe mostrar-se isto eacute manifesta-se das mais

variadas formas algo descrito pelo autor como ldquohierofaniardquo identificando a ldquohistoacuteria de

religiotildeesrdquo como portadora de um legado de ldquohierofaniasrdquo ndash elementares e complexas ndash e

argumentando que a manifestaccedilatildeo de ldquoalgo de uma ordem totalmente diferente uma realidade

que natildeo pertence ao nosso mundordquo eacute visualmente expressa por ldquoobjetos que satildeo uma parte

integral do nosso mundo natural lsquoprofanorsquordquo 121

em shintō esta perspetiva lembra o conceito

de kami enquanto atributo o ato de atar uma shimenawa (しめ縄) corda da qual pendem

pequenas tiras em formato ziguezague a um objeto (pilares rochas) ou uma aacutervore (shinboku

神木) e o uso da gohei (御幣) um enfeite colocado diante das portas do ldquosantuaacuterio interiorrdquo

(shinden 神殿) representam a transiccedilatildeo do vulgar para o extraordinaacuterio se fisicamente o

objeto permanece tal e qual como antes de uma perspetiva espiritual e natildeo racional o objeto

torna-se uma extensatildeo do kami

Por conseguinte a noccedilatildeo de ldquohierofaniardquo pensada por Eliade poderia aplicar-se aos

shintai (神体) e mitamashiro (御魂代) objetos diretamente ligados agrave sobrevivecircncia dos jinja

garantindo um estatuto lsquosagradorsquo dos jinja enquanto o kami permanecer nesse local 122

durante a Jinja Gappei milhares de santuaacuterios perderam a sua razatildeo de existir na sequecircncia

da transferecircncia permanente dos supostos representantes do kami 123

No fundo eacute a ausecircncia

destes objetos condiciona o fim do jinja

Essencialmente espaccedilos mantidos graccedilas aos esforccedilos da comunidade jinja

desempenham serviccedilos que incidem na esfera puacuteblica e privada todo o jinja revolve em torno

das pessoas familiarizadas com a aacuterea de atuaccedilatildeo e os atributos do kami ao qual apelam

preocupaccedilotildees econoacutemicas satildeo geralmente da responsabilidade de Inari (稲荷) e Ebisu (恵比

120

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p xxxii 121

ELIADE Mircea op cit pp 10-12 122

ONO Sokyō op cit p21 pp-24-25 pp98-99 123

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 50

須) o primeiro eacute identificado como o kami protetor do cultivo de arroz e dos cinco cereais

enquanto que o segundo eacute associado ao setor comercial desde o seacutec XII 124

Protetor dos mercadores em meio urbano e de campos de arroz nas aacutereas rurais 124

Ebisu faz parte dos Shichi Fukujin (七福神) um grupo de sete kami associados agrave boamaacute

sorte Daikokuten (大黒天) representante da prosperidade comercial apesar de tambeacutem ser

identificado com um deva domeacutestico da cozinha Mahakala Jurōjin (寿老人) ldquokami de uma

estrela no Taoiacutesmordquo bem como um ldquoermitardquo Jaacute Fukurokuju (福禄寿) eacute o kami da riqueza

prosperidade e longa vida e Hotei (布袋) ldquoum monge chinecircs e uma incarnaccedilatildeo de Maitreyardquo

(Miroku 弥勒) 125

Por uacuteltimo Bishamonten (毘沙門天) e Benzaiten (弁財天) tecircm origens

indianas se Bishamonten um kami de temperamento forte e marcial eacute identificado com

Vaiśravaṇa Beizaiten eacute equiparada agrave devī Sarasvatī 126

No que concerne a preocupaccedilotildees mais pessoais como aprovaccedilatildeo nos exames de

admissatildeo da faculdade eacute costume visitar-se o Kitano Tenmangū (北野天満宮) de Quioto

onde se venera Tenjin127

Ao contraacuterio de outros kami Tenjin natildeo se tornou kami de um dia

para o outro a consagraccedilatildeo da ldquoalmardquo de Michizane ldquoresultou de um esforccedilo extraordinaacuterio

do governo de lidar com uma manifestaccedilatildeo perturbadora de crenccedila Alma-Zangada (onryo)

que (hellip) foi grandemente influenciada pelo corrente interesse em ideias Chinesas e crenccedilasrdquo

128 Por sua vez onryō partilha algumas semelhanccedilas com goryō (御霊) ldquoespiacuteritos de pessoas

que tinham perdido as suas posiccedilotildees de poder e vaacuterios kami de epidemiasrdquo posteriormente

ldquodomesticadosrdquo nos ritos chinkon ao inveacutes de entidades destruidoras e malevolentes que

invocavam desgraccedilas goryō transformavam-se em entidades protetoras 129

22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii

Tanto onryō como goryō enquadram-se na perspetiva espiritual de shintō agrave

semelhanccedila de sangaku shinkō (山岳信仰) cultos caracterizados pela adoraccedilatildeo de montanhas

124

PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365 125

HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia

ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de

2003)

126 PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39

127 PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365

128 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 285

129 YONEI Teruyoshi ldquoGoryōrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23422gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 51

como Ontake (御嶽) Kumano (熊野) Fuji (富士) Sannō (山王) Katsuragi (葛城) supostos

locais de morada permanente para espiacuteritos ldquoprincipalmente espiacuteritos dos mortos que

vigiavam e assistiam os vivosrdquo 130

Eacute em virtude de um suposto caraacutecter sagrado e espiritual

que ainda hoje se realizam praacuteticas asceacuteticas nestes locais

Por conseguinte a compreensatildeo da ldquoespiritualidaderdquo japonesa implica o

conhecimento de musubi (産霊) rei (霊) e tamashii (魂) sendo que o primeiro eacute composto

por umi (産み ldquocriaccedilatildeordquo no sentido de gerar algo) e rei significando algo que natildeo pertence

ao plano fiacutesico Homoacutefono da palavra musubi (結び) traduzido por ldquoligaccedilatildeordquo e por sua vez

derivada do verbo musubu ou lsquoligarrsquo musubi eacute em si a lsquovitalidadersquo presente no ambiente e

nos seres que o constituem uma interpretaccedilatildeo apoiada por Motoori Norinaga

Com efeito no seu Tama Kushige o autor identifica musubi como uma espeacutecie de

ldquoprinciacutepio de atividade criativardquo inerente nos kami Taka-musubi e Kami-musubi concluindo

que este ldquoespiacuterito criativo (hellip) divino milagroso e aleacutem da compreensatildeo humanardquo permite os

atos de ldquocriaccedilatildeordquo (kuni-umi e kami-umi) de Izanagi e Izanami 131

tudo deve a sua existecircncia a

musubi incluindo os proacuteprios humanos

Simultaneamente uniatildeo (harmonizaccedilatildeo e balanceamento) e criaccedilatildeo isto eacute o lsquopoderrsquo

que concede vida e a origem de toda a existecircncia transportando consigo as conotaccedilotildees de

ldquocombinaccedilatildeordquo ldquojuntarrdquo e ldquointerligarrdquo132

musubi foi repetidamente usado no contexto

cerimonial imperial por exemplo os cinco kami que possuem a partiacutecula musubi no seu nome

satildeo tambeacutem os kami protetores do espelho Yata no Kagami localizados no santuaacuterio

kashidokoro do palaacutecio 133

No que concerne agrave rei e tamashii ambos vocaacutebulos tendem a ser erroneamente

traduzidos como ldquoespiacuteritordquo ou ldquoalmardquo e a sua grande diferenccedila consiste no facto de rei ser

exclusivamente uma parte do humano em vida e um atributo independente apoacutes a morte do

corpo se bem que no entender de Yoshida Kanetomo rei eacute aquilo que governa ldquocoisas

individuaisrdquo contrastando com as ldquopessoas individuaisrdquo que satildeo ldquogovernadas pelo kokoro

(hellip)rdquo 134

tamashii eacute uma caracteriacutestica partilhada por homens e kami sendo que no uacuteltimo

caso esta noccedilatildeo eacute expressa pela palavra mitama - escrita com os kanji de kami e rei (神霊) ndash

130

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 197-198 131

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 132

BOYD JAMES WILLIAMS Ron ldquoJapanese Shintō An Interpretation of a Priestly Perspectiverdquo

Philosophy East and West nordm 55 (1) pp 33-63 133

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 79 134

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp163-167

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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ldquoespiacuteritos de kamirdquo cuja existecircncia defendida por rituais e jinja torna viaacutevel a sua integraccedilatildeo

na ideia shintō de lsquoespiacuteritorsquo ou lsquoespiritualidadersquo 135

Natildeo obstante tambeacutem os humanos satildeo portadores de um outro tipo de mitama (御

霊) este identificado como uma rei apoacutes a morte do corpo 135

tornando-se efetivamente uma

extensatildeo deste uacuteltimo o que lhe permite uma atuaccedilatildeo positiva (como protetor) ou negativa

(como destruidor da ordem) no domiacutenio dos humanos Com efeito o culto aos mortos na

sociedade japonesa faz parte de uma tradiccedilatildeo antiga na qual se atribui a certos mortos um

tratamento especial a veneraccedilatildeo de falecidos imperadores antepassados e guerreiros mortos

em combate em conjunto com o culto aos kami expressam uma forte consciencializaccedilatildeo

espiritual ainda muito presente na cultura japonesa

Sob um ponto de vista mais doutrinaacuterio a espiritualidade japonesa centra-se na teoria

ichirei shikon (一霊四魂) literalmente ldquouma rei e quatro tamashiirdquo na qual os humanos e os

kami servem de recipiente agrave reikon que por sua vez eacute constituiacuteda por um lsquoespiacuteritorsquo 136

(rei) -

designado de naobi curioso conceito inserido no campo da eacutetica japonesa significando

ldquocorrigir algo anormal mau ou distorcido e restaura-lo agrave sua condiccedilatildeo normal ou originalrdquo e o

ldquoespiacuterito maravilhoso que retifica o erradordquo 137

- e pela quadripartida tamashii (魂)

Neste contexto cada parte corresponde a um ldquoatributordquo ou ldquocaracteriacutesticardquo que rege o

seu modo de atuaccedilatildeo no domiacutenio terreno o par nigimitama (和御魂) e aramitama (荒御魂)

possuindo uma natureza dual complementar lembrando os princiacutepios do yin e do yang

respetivamente associados ao ldquoatributordquo calmo e passivo nigimitama e o seu oposto a

incontrolaacutevel aramitama o duo sakimitama (幸御魂) e kushimitama (奇御魂) brevemente

mencionado no Nihon shoki se sakimitama eacute a mitama que ldquoprovidenciardquo a potecircncia por

detraacutes da colheita a kushimitama tem o poder de evocar ldquomisteriosas manifestaccedilotildees em seres

humanos atraveacutes de um poder sobrenaturalrdquo 138

135

ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018) 138

YONEI Teruyoshi ldquoIchirei shikonrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on

line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-

06-2018) 137

FUKUI Yoshihiko ldquoNaobirdquo Encyclopedia of Japan 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23662gt (consultado em 24-06-

2018) 138

YONEI Teruyoshi ldquoKushimitamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on

line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23412gt (consultado em 24-

06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 53

De entre este quarteto o primeiro par merece uma atenccedilatildeo especial constatando-se

dezenas de referecircncias em textos antigos que explicitam o papel de tanto uma como da outra

que rituais a executar para pacificar uma aramitama transformando-a numa nigimitama

praacutetica efetuada pela famiacutelia imperial por exemplo apoacutes a morte no exiacutelio em Dazaifu (903)

do letrado Sugawara-no-Michizane que tinha sido viacutetima de uma conspiraccedilatildeo dois anos antes

a capital Quioto seria afetada por uma seacuterie de ldquodesastresrdquo tais como ldquopraga fogos

inundaccedilotildees e mortes inesperadasrdquo de membros do clatilde Fujiwara lanccedilando-se um debate

interno sobre a sua causa concluindo-se que se tratava da aramitama do falecido Sugawara

Procurando-se ldquoapaziguarrdquo esta aramitama a famiacutelia imperial procederia agrave restituiccedilatildeo do

estatuto de letrado de Michizane apoiando a construccedilatildeo de um jinja no qual seria consagrado

um novo kami Tenjin 139

O descrito episoacutedio de ldquodomesticaccedilatildeordquo continuaria a ser praticado ao longo dos

seacuteculos sendo que o Imperador Shōwa (昭和天皇) organizaria uma procissatildeo pelo paiacutes para

pacificar as aramitama atraveacutes de preces substituindo-as por nigimitama algo modelado nas

tours do Imperador Meiji (明治天皇) motivos poliacuteticos satildeo habilmente misturados com as

necessidades ldquoespirituaisrdquo do Japatildeo 140

Natildeo obstante existe uma terceira forma de

ldquodomesticaccedilatildeordquo que natildeo implica o seu afastamento da praacutetica de veneraccedilatildeo antes pelo

contraacuterio no Ise Jingū pensa-se que um dos ldquosantuaacuteriosrdquo do Naikū preserva a nigimitama de

Amaterasu e no outro consagra-se a aramitama um processo replicado no Sumiyoshi Taisha

(住吉大社) de Ōsaka espaccedilo de veneraccedilatildeo de trecircs nigimitama dos trecircs respetivos kami ao

contraacuterio do seu congeacutenere em Yamaguchi que alberga as suas aramitama 141

23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi

Aleacutem das diferenccedilas estabelecidas pela mencionada doutrina rei e tamashii satildeo

essencialmente termos que natildeo reconhecem a existecircncia de bommau o que explica o habitual

caraacutecter neutro dos kami Todavia eacute possiacutevel constatar a presenccedila de categorias de rei e kami

que funcionam como arautos de desgraccedila humana e natural representando o oposto do que eacute

ldquobomrdquo goryō onryō e akuryō (悪霊) este uacuteltimo traduzido literalmente por ldquorei malignosrdquo

139

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 100 140

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 141

ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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satildeo exemplos de entidades espirituais cuja razatildeo de existecircncia eacute a de causar danos agraves pessoas

objetos casas urgindo a realizaccedilatildeo de rituais proacuteprios de ldquopacificaccedilatildeordquo e ldquoexorcismordquo que

supostamente expulsamremovem permanentemente quaisquer influecircncias negativas Por sua

vez os yūrei (幽霊) ldquorei obscurosrdquo enquadram-se mais no mundo folcloacuterico japonecircs e satildeo

geralmente identificados como ldquoespiacuteritos vingativosrdquo ou ldquoapariccedilotildeesrdquo cuja presenccedila eacute teacutenue

mas forte o suficiente para serem ldquosentidosrdquo em locais como florestas e montanhas

No que concerne a kami malignos estes satildeo nada mais do que a antiacutetese de musubi e

pureza se a maioria dos kami desdenham ldquode comportamento disruptivo de ordem social ou

natural juntamente com poluiccedilotildees (kegare) tais como sujidade sangue e morterdquo 142

e a sua

origem eacute responsabilidade do princiacutepio de ldquocriaccedilatildeordquo e Ordem coacutesmica um outro grupo de

kami partilha de uma natureza totalmente oposta favorecendo a destruiccedilatildeo da Ordem os

magatsubi no kami ou magatsui no kami (禍津日神 ) Responsaacuteveis por ldquodesgraccedilas

inevitaacuteveisrdquo e reinando ldquosobre erro e impurezardquo eacutetica os magatsui no kami residem nas

profundezas do Yomi ao contraacuterio dos restantes kami que vivem em Takamagahara e no

mundo terreno possuindo uma ldquoessecircncia liacutempidardquo 143

magatsui no kami satildeo os agentes da

desordem distinguindo-se dos restantes kami que favorecem a Ordem

Neste sentido os magatsui no kami relacionam-se com magagoto (凶悪事) palavra

que subentende ldquodesgraccedilas maacutes accedilotildees e calamidadesrdquo 144

ao contraacuterio dos naobi-no-kami

capazes de ldquorestaurar o estado normal e trazer de volta o mundo puro claro proacuteprio e reto

dos Deusesrdquo 145

constroacutei-se deste modo a ideia do mal percecionado como Desordem e

anormalidade que deve ser combatido pelo indiviacuteduo praticante Via dos kami enfatizando os

aspetos sociais e eacuteticos de shintō

A visatildeo eacutetica proposta por shintō eacute resultado da receccedilatildeo e interpretaccedilatildeo de ideias

confucianas e japonesas Aliaacutes na sociedade arcaica japonesa jaacute existia uma distinccedilatildeo entre

ldquobons atosrdquo e ldquomaus atosrdquo que determinavam a culpabilidade ou inocecircncia de um ofensor

perante a unidade familiar ou o clatilde ldquoeacuteticardquo correspondia numa primeira instacircncia a um

conjunto de praacuteticas e dizeres transmitidos de forma oral e de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que eram

142

MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of

Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt

(consultado em 24-06-2018) 143

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 144

NISHIOKA Kazuhiko ldquoMagakoto (also Magagoto)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines

Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23670gt

(consultado em 24-06-2018) 145

PICKEN Stuart op cit p 273

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 55

de certo modo complementares agrave execuccedilatildeo do ritual os termos yoshi e ashi respetivamente

significando ter ou carecer de ldquovalorrdquo expressavam as ideias de bemmal 146

Por outras

palavras viver em sociedade natildeo seria possiacutevel se natildeo se adotassem certos comportamentos

que fossem eticamente bons isto eacute natildeo reprovaacuteveis aos olhos da comunidade e eacute claro dos

kami que apesar de natildeo possuiacuterem uma natureza nem boa ou maacute tambeacutem eles satildeo capazes

das piores ofensascrimes isto eacute tsumi (罪) como se pode constatar no caso de Susano-o

No domiacutenio ritual a ldquopurezardquo eacute um atributo interno e externo tanto ao homem como

ao kami kami satildeo considerados essencialmente ldquopurosrdquo ldquoliacutempidosrdquo e uma forma de vida

superior aos homens adotando comportamentos corretos que servem de modelo para os

humanos (com a exceccedilatildeo dos magatsui no kami) e partilhando do ldquoelo espiritualrdquo que os une

nesta realidade isto eacute a mitama Contudo apenas os humanos possuem a capacidade de se

tornar kami apoacutes a morte do corpo seguindo um ldquoprocesso de purificaccedilatildeo que os torna em

espiacuteritos ancestraisrdquo e cuja exceccedilatildeo agrave regra encontra-se por exemplo nos imperadores

considerados akitsu-mikami durante a sua vida 147

O entendimento deste processo de purificaccedilatildeo (jōka) natildeo se pode dissociar de kokoro

e makoto ambos fundamentando a noccedilatildeo de ldquoretidatildeordquo (natildeo necessariamente no sentido

confuciano da palavra) expressa pelo jaacute mencionado termo naobi ou simplesmente nao a

antiacutetese de todos os vocaacutebulos conotados com a ideia de ldquomalrdquo Por outras palavras o

reconhecimento da importacircncia de ldquopurezapurordquo soacute eacute justificado pela existecircncia de ldquoimpurezardquo

que conduz agrave Desordem um natildeo existe sem o outro sendo que na linguagem shintō tudo que

eacute negativo e impuro envolve tsumi (罪) e kegare (穢) duas formas de impureza eacutetica e fiacutesica

respetivamente agraves quais se lhe junta imi (忌) frequentemente interpretado no sentido de

ldquotaburdquo tsumi kegare e imi satildeo com efeito os agentes da Desordem que o ser humano deve

evitar

Incorporados em shintō este trio fortalece a relaccedilatildeo desta Via com a sociedade se a

primeira palavra tsumi tem implicaccedilotildees legais e continua a fazer parte da linguagem do dia-a-

dia sendo usada no campo religioso ou no domiacutenio legislativo kegare tende a associar-se ao

domiacutenio mais ldquolituacutergicordquo de shintō tal como imi que consoante o kanji usado denota o que eacute

considerado puro (positivo) e impuro (negativo)

146

ONO Sokyō op cit pp 105-107 147

UEDA Kenji ldquoConcepts of Humanity (Ningenkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines

Basic Concepts (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23642gt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 56

No que concerne a tsumi este eacute foneticamente lido agrave maneira chinesa como sai (ou

zai) e apesar de ter sido escolhido para traduzir o conceito de ldquopecadordquo segundo a visatildeo

religiosa cristatilde 148

tsumi possui um forte significado natildeo religioso encontrando-se expressotildees

na linguagem corrente tais como dōzai (同罪 partilha do crimeculpa) e shazai (謝罪)

desculpas como forma de aliviar o sentimento de culpa hanzai (犯罪) ldquocrimerdquo entre outras

Com efeito tsumi eacute antes de mais ofensa crime e maacute accedilatildeo Eacute talvez neste sentido

que Nishigaki Yukio identifica tsumi como togame - uma palavra traduzida por ldquoacusaccedilatildeordquo ou

ldquocensurardquo ndash e a uma abreviatura da forma nominal do verbo tsutsumu (障) designado tsutsumi

sendo que o kanji eacute lido como sawaru - homoacutefono do verbo ldquotocarrdquo (sawaru 触る ) -

indicando ldquotornar-se um obstaacuteculordquo 149

denotando um entrave agrave Ordem Por conseguinte esta

interpretaccedilatildeo ecoa a sugestatildeo de Picken que aponta para a variedade de significados de tsumi

ndash ldquopoluiccedilatildeo doenccedilas e desastre bem como errordquo ndash tendo o cuidado de incluir a sua vertente

praacutetica ldquoaccedilotildees situaccedilotildees ou circunstacircncias indesejadas podem causar impureza e devem ser

lidadas por evitaccedilatildeo ou purificaccedilatildeo ritualrdquo 150

designada de ldquoabstinecircnciardquo (imi 斎) e harai

(祓)

Contudo o conceito de ldquoerradordquo parece surgir em textos confucianos integrando

uma das partes da dicotomia boas accedilotildeesmaacutes accedilotildees apesar da ausecircncia de [罪 ] o seu

significado eacute substituiacutedo por outros que partilham das mesmas conotaccedilotildees negativas o

caractere [犯] usado para formar o verbo japonecircs okasu traduzido por ldquocometerrdquo (maus atos)

e que eacute frequentemente interpretado como um possiacutevel sinoacutenimo de tsumi 151

Aliaacutes na

linguagem japonesa moderna natildeo eacute estranho encontrar-se tsumi junto de okasu como se

constata na frase ldquocometer ofensasrdquo (tsumi wo okasu 罪を犯す) reforccedila-se deste modo a

ideia de que tsumi eacute especificamente algo negativo e condutor agrave Desordem

148

MATSUMOTO Shigeru ldquo 罪 つ み rdquo コ ト バ ン ク (on line) Disponiacutevel em

lthttpskotobankjpwordE7BDAA-99474gt (consultado em 24-06-2018) 149

NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p325 150

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 171 151

Por exemplo nos ldquoAnalectosrdquo de Confuacutecio (Lun Yu em japonecircs Rongo 論語) regista-se no primeiro

ldquoensinamentordquo do disciacutepulo Yu Zi (有子) o caratere [犯] que eacute traduzido por Lau como ldquotransgressatildeordquo uma

consequecircncia do natildeo seguimento do caminho proposto por ren No entanto na citaccedilatildeo do uacuteltimo livro de

ldquoAnalectosrdquo [惡] indica ldquodetestar fazer algordquo CONFUacuteCIO The Analects Lun Yu Translated by DC Lau HK

Chinese University Press 1983 pp 2-3 pp 194-195

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Por conseguinte a noccedilatildeo de Desordem provocada por ldquomaus comportamentosrdquo eacute

ilustrada nos Analectos pelo caractere [惡] 152

traduzido por ldquomalrdquo (no sentido eacutetico e natildeo

religioso) em japonecircs o caractere usado eacute a forma arcaica de [悪] cujo radical eacute nada mais

do que kokoro lido como aku o kanji pode ser usado para caraterizar uma coisa uma

condiccedilatildeo e ainda a proacutepria personalidade do indiviacuteduo ldquomaldaderdquo ldquomaurdquo ldquomalignordquo ou

ldquomaldosordquo derivam da leitura de aku como warui 153

No fundo [犯] e [惡] satildeo nada mais do

que comportamentos puniacuteveis por lei e cuja eliminaccedilatildeo resultaria do constante cultivo interior

do caraacutecter da pessoa

Na realidade japonesa tsumi opotildee-se ao corretolegal Karl Florenz comenta que ldquoa

sociedade japonesa arcaica possuiacutea nem coacutedigos legais nem direitos descritivos por isso os

castigos das ofensas eram delegados inteiramente agrave discriccedilatildeo do indiviacuteduo magoado ou da

comunidaderdquo no seu entender tsumi eram ldquomaus atosrdquo (crimes) cuja gravidade determinaria

o grau do castigo variando entre pena capital escravatura expulsatildeo e confiscaccedilatildeo total ou

parcial das propriedades do acusado 154

Ora esta linha de pensamento eacute seguida por Felicia Bock que afirma o facto de tsumi

existirem de forma pouco consistente no quadro de costumes das pessoas da planiacutecie do

Yamato (periacuteodo preacute-Japatildeo imperial) juntamente com as ldquopalavras do soberanordquo e

julgamentos apoiados em provaccedilotildees (fogo sobretudo) e ainda ldquoxamatildesrdquo ou ldquointeacuterpretes da

vontade dos kami ou divindadesrdquo tsumi corresponderia agraves ldquoofensas pelas quais uma pessoa

pode ser considerada culpadardquo listadas e descritas em episoacutedios do Kojiki e Nihon shoki Caso

se fosse considerado a um niacutevel mais ldquolituacutergicordquo tsumi podia contaminar uma pessoa (tsumi-

bito 罪人) urgindo a sua eliminaccedilatildeo atraveacutes de ldquocertos ritos prescritosrdquo executados pelos

membros do Jingikan que deste modo asseguravam a ordem no territoacuterio japonecircs aleacutem de se

recorrerem a meacutetodos de cariz social tais como a atribuiccedilatildeo de multas ldquoque eram impostas

152

Duas das frases mais emblemaacutetica do uso de [惡] como antiacutetese de ldquobemrdquo e eacute claro ldquobenevolecircnciardquo (ren仁)

pertencem ao terceiro e quarto ldquoensinamentosrdquo de Confuacutecio do ldquoquarto livrordquo no primeiro caso o caractere natildeo

surge de forma isolada identificando a natureza da pessoa como ldquomaacuterdquo (惡人) por oposiccedilatildeo agrave de uma ldquopessoa boardquo

(好人) ldquo唯仁者能好人能惡人rdquo na frase ldquo苟志于仁矣無惡也rdquo [惡] eacute uma ldquoinfluecircncia negativardquo que se

pode ldquoeliminarrdquo CONFUacuteCIO op cit pp 28-29 153

NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p 599 154

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 58

para absolver uma pessoa de algum crime social tal como roubar a esposa de outro homemrdquo

155

Para todos os efeitos tsumi satildeo o coletivo de atos condenaacuteveis dentro de uma

sociedade os mais graves (amatsu-no-tsumi) correspondem os oito tsumi cometidos por

Susano-o durante o seu episoacutedio de rebeldia contra a ordem de Takamagahara 156

o kami

assume o papel do indiviacuteduo que age contrariamente ao que eacute suposto pois as suas accedilotildees

potildeem em causa o estado harmoacutenico da sua comunidade (de kami) que soacute seria reposta apoacutes

Amaterasu sair da Ama no Iwato

No que concerne aos kunitsu no kami estes satildeo essencialmente um ldquooposto

complementar (hellip) enfatizando maacutes accedilotildees mundanasrdquo nomeadamente ldquoincesto bestialidade e

auguacuterios natildeo auspiciosos e magia que antecipam principais eventos catacliacutesmicosrdquo 156

Jaacute

Felicia Bock divide-os em ldquoquebras de tabus tribais e contaminaccedilotildees causadas por eventos

naturaisrdquo constatando-se uma forte consciencializaccedilatildeo destas ldquocomunidades primaacuteriasrdquo no

que concerne a doenccedilas e comportamentos irregulares ou perigosos o corte de carne viva e

morta que demonstra o respeito pelos seres vivos lepra branca imperfeiccedilotildees deacutermicas

violaccedilatildeo da proacutepria matildee violaccedilatildeo de crianccedilas coabitaccedilatildeo com animais afliccedilatildeo de coisas

rastejantes divindades aves ldquomorte de animais e contaminaccedilotildees originadas por feiticcedilariardquo 157

Contudo a classificaccedilatildeo dos tsumi natildeo eacute a prioridade das fontes literaacuterias arcaicas

no episoacutedio protagonizado pela viuacuteva do Imperador Chūai (Jingū-kōgō神功皇后) do Kojiki

a nomeaccedilatildeo de nove ofensas denota a perspetiva dos japoneses em relaccedilatildeo a comportamentos

socialmente desviantes sobretudo de cariz sexual - a copulaccedilatildeo com quatro espeacutecies animais

(cavalos vacas paacutessaros e catildees) e o incesto satildeo considerados tsumi ndash aos quais se lhe juntam

as praacuteticas de esfolamento animal a destruiccedilatildeo dos campos de arroz e ainda a ldquodefecaccedilatildeo em

espaccedilos sagradosrdquo (no original kusohe 屎戸) 158

Aliaacutes eacute tambeacutem nesta passagem que se constata a atribuiccedilatildeo de um caraacutecter mais

ldquoritualrdquo a tsumi evidenciado pela presenccedila das palavras harai (祓い) um processo que tem

como meta a restauraccedilatildeo da pureza reunindo-se para o efeito oferendas oriundas de todos os

155

BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by

Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 156

TSUSHIRO Hirofumi ldquoAmatsu tsumi Kunitsu tsumirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines

Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23381gt

(consultado em 24-06-2018) 157

BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by

Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 158

Com a excepccedilatildeo das formas de bestialidade e incesto os tsumi mencionados satildeo posteriormente categorizados

como amatsu no tsumi TAKEDA Tsunegaki op cit pp217-219

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 59

cantos do territoacuterio e os proacuteprios tsumi kegare (穢) denotando a sujidade inerente deste tipo

de conduta (tsumi) que eacute eliminada por harai sendo defecaccedilatildeo um ato associado agrave ldquosujidade

fiacutesicardquo Com efeito realizar haraiharae devolve a ldquopurezardquo ao espaccedilo que tinha sido

ldquocontaminadordquo Ora neste episoacutedio particular a ldquobuscardquo de tsumi decorre em simultacircneo com

os preparativos para o ldquoritualrdquo fuacutenebre (mogari) do Imperador Chūai (仲哀天皇) 159

Tal como no Kojiki tambeacutem o Nihon shoki define tsumi como condutas ofensivas

no Inverno do 11ordm dia do 10ordm mecircs (quinto do ano de reinado) do Imperador Richū (履中天皇)

conclui-se que a suacutebita morte da Imperatriz tinha sido causada por uma ldquomaldiccedilatildeordquo (tatari 祟

り) enviada pelos ofendidos kami de Tsukushi no seguimento de dois tsumi cometidos por

Kurumamochi-be ndash taxar as terras administradas pelo Imperador sem autorizaccedilatildeo e ter

colocado ao seu serviccedilo (do ofensor) os suacutebditos dessa mesma terra acabando por usurpar a

posiccedilatildeo dos kami aiacute venerados Como puniccedilatildeo o soberano japonecircs obriga o ofensor a

executar misogi e posteriormente demite-o do seu cargo 160

se tsumi eacute a raiz de desarmonia

provocada pela accedilatildeo humana individual e repercutida no coletivo misogi eacute nada mais do que

o seu oposto focando-se na reposiccedilatildeo da Ordem pelo responsaacutevel assumindo contornos de

purificaccedilatildeo interna

Num dos eacuteditos do Imperador Yūryaku (雄略天皇) tsumi adquire uma natureza

ldquoperdoaacutevelrdquo ao escutar a canccedilatildeo entoada por Hata-no-sake-no-kimi o imperador absolve o

carpinteiro Kodakumitsuke-no-mita de ter forccedilado sexualmente 161

uma uneme 162

de Ise (na

verdade a jovem em questatildeo meramente tinha-se distraiacutedo a olhar para Kodakumitsuke-no-

mita estragando uma das oferendas que tinha acabado de preparar) 161

uma vez que o tsumi

de que tinha sido acusado o carpinteiro eacute considerado de tal ordem grave que o Imperador

pensou condenaacute-lo agrave morte eacute possiacutevel concluir que relaccedilotildees sexuais (forccediladas) justificavam a

pena capital

159

Nihonsinwa ldquo大祓いと罪悪rdquo (A Grande Purificaccedilatildeo e Crimes) 仲哀天皇(古事記)(Imperador Chūai

Kojiki) (on line) lthttpnihonsinwacompage577htmlgt (consultado em 24-06-2018) 160

Nihonsinwa ldquo履中天皇(十一)車持部の罪rdquo (Imperador Richū 11 O crime de Kurumamochi-be) 履中天皇 反正天皇(日本書紀)(Imperador Richū Imperador HanzeiHanshō Nihon shoki) (on line) lthttp

httpnihonsinwacompage1396htmlgt (consultado em 24-06-2018) 161

Nihonsinwa ldquo木工鬪鶏御田の冤罪と秦酒公の琴の声rdquo (As falsas acusaccedilotildees de Kodakumitsuke-no-mita e

a voz da biwa de Hata-no-sake-no-kimi) 雄略天皇(日本書紀)四十二 (Imperador Yūryaku Nihon shoki

42) (on-line) lthttpnihonsinwacompage1469htmlgt (consultado em 24-06-2018) 162

Uneme (采女) designa uma rdquofuncionaacuteriardquo da corte geralmente nomeada pelo Imperador ou pela Imperatriz

Segundo Nishigaki a funccedilatildeo destas jovens eacute de cuidar ldquodos afazeres do quotidianordquo dos seus empregadores

incluindo preparar a comida NISHIGAKI Yukio op cit p116

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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No registo de Veratildeo do ano seguinte tsumi eacute novamente uma ofensa de natureza

sexual o crime cometido por Hatane-no-mikoto ndash um parente afastado do atual imperador

legitimando eventuais ambiccedilotildees ao trono ndash eacute o de sorrateiramente ter tido relaccedilotildees com

Yama-no-be-no-Koshimako Apoacutes purificar-se de tais atos recorrendo ao pagamento em

cavalos e tachi (nome para uma katana longa) Hatane eacute posteriormente obrigado pelo

imperador a lsquodepositar no chatildeorsquo os seus pertences numa outra localizaccedilatildeo perdendo o seu

estatuto social Se neste caso a puniccedilatildeo de Yūryaku serve para preservar a sua posiccedilatildeo

poliacutetica impedindo um hipoteacutetico golpe de estado 163

no primeiro episoacutedio o castigo eacute

aplicado como forma de justiccedila pelos terriacuteveis atos do carpinteiro

Como se pode constatar nos exemplos referidos tsumi expressa um uacutenico crime algo

repercutido no registo do Imperador Ankan (安閑天王) no 12ordm mecircs do primeiro ano de

reinado o termo eacute usado para indicar o roubo do colar por parte de uma jovem e que o

imperador resolve ldquoarrependerrdquo (aganai 贖い164) um procedimento no qual se reunia uma

seacuterie de pessoas conhecidas do acusado que entregavam riquezas ao imperador esperando-se

desta forma evitar o ldquocontaacutegiordquo de tsumi cometido pelo criminoso Curiosamente a viacutetima do

roubo tambeacutem eacute incluiacuteda neste conjunto de pessoas justificado pelos receios de contaminaccedilatildeo

165 neste sentido tsumi eacute duplamente uma ofensa individual e algo de natureza

ldquocontaminadorardquo conotada com kegare e Desordem

Em outras croacutenicas como a dos Imperadores Bidatsu (敏達天皇) Kōtoku (孝徳天皇

e Tenmu (天武天皇) tsumi corresponde a crimes cometidos pela mesma pessoa ou por um

conjunto de indiviacuteduos no primeiro caso tsumi descreve dois atos de Naniwa - ter ldquoenganadordquo

a corte (de certo modo um caso de insubordinaccedilatildeo) e de ter feito com que um diplomata do

reino de Kōryo fosse morto 166

no segundo ano do terceiro mecircs de Kōtoku identificam-se os

163

Eacute interessante ver que o verbo okasu eacute usado nesta passagem para identificar o crime Dependendo do

contexto o verbo pode significar ldquoviolarrdquo ecoando as suspeitas do Imperador no episoacutedio anterior Outro termo

a ter em conta eacute o de ldquopurificaccedilatildeordquo harai natildeo envolve misogi mas natildeo deixa de ser harai distinguindo-se como

um tipo de harai associado a ldquopagamentosrdquo Nihonsinwa ldquo歯田根命は山辺小嶋子と姦通し罪を問われるrdquo

(Hatane-no-mikoto eacute interrogado pelo crime de adulteacuterio com Yamanobe-no-Koshimako) 雄略天皇 日本書紀( 四 十 三 ) (Imperador Yūryaku Nihon shoki 43) (on line) lthttpnihonsinwacompage1471htmlgt

(consultado em 24-06-2018) 164

Aganai deriva do verbo aganau (贖) ou ldquoarrependerrdquo no sentido de ldquocompensarrdquo por maus atos Outra

definiccedilatildeo possiacutevel eacute enterrar riquezas no chatildeo NISHIGAKI Yukio op cit p 27 165

Nihonsinwa ldquo廬城部連枳莒喩の娘の幡媛の罪物部尾輿も土地を献上rdquo (O crime da rapariga Hatahime

de Iwogibe-no-muraji-kyū Mononobe-no-Ōmuraji-okoshi tambeacutem presenteia no chatildeo) 安閑天皇 宣化天皇(日本書紀)(Imperadores Ankan Senka Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1603htmlgt

(consultado em 24-06-2018) 166

Nihonsinwa ldquo難波の罪を数えるrdquo (Contar os crimes de Naniwa) 敏達天皇 日本書紀 Imperador Bidatsu

Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1731htmlgt (consultado em 24-06-2018)

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criminosos e o crime de que satildeo acusados nomeadamente roubo de bens (cavalos armas

tecidos) a outros membros da corte e funcionaacuterios 167

Por uacuteltimo o Imperador Tenmu

menciona sete ldquocoisas maacutesrdquo (ashiki koto 悪しきこと ) cometidas por um clatilde o que

normalmente justificaria a presenccedila deste no palaacutecio a fim de se proceder a um

questionamento oficial Contudo a interceccedilatildeo de um outro indiviacuteduo em favor deste clatilde

resulta na concessatildeo de um perdatildeo imperial caso tornassem a cometer crimes natildeo teriam a

mesma sorte 168

Eacute impossiacutevel natildeo se constatar uma espeacutecie de consciencializaccedilatildeo japonesa no que

concerne agrave Desordem e os possiacuteveis meios para a combater todos os ldquoritosrdquo que precedem os

matsuri e outros atos de veneraccedilatildeo aos kami envolvem algum tipo de ldquopurificaccedilatildeordquo (coisas

pessoas e espaccedilos) expressando-se uma clara atitude de abominaccedilatildeo por tsumi kegare e imi

Ora numa abordagem mais teoacuterica o antagonismo eacute colocado de parte e qualquer um destes

conceitos pode ser analisado enquanto objeto de estudo facultando o desenvolvimento de

novas perspetivas da dicotomia ldquobemmalrdquo em contexto shintō

Segundo Ōwaki Yukiko a linha de pensamento de Norinaga atenta na natureza

ldquoinclusivardquo e natildeo ldquoexclusivardquo de tsumi tornando-o um coletivo de um certo nuacutemero de crimes

socialmente reprovaacuteveis de kegare magakoto e maga ou seja todo o tipo de ldquocoisasrdquo

negativas associadas ao ldquomalrdquo uma palavra que natildeo se deve identificar com o ldquomalrdquo segundo

a visatildeo religiosa ocidental 169

Ao reconhecer a dicotomia DesordemOrdem o indiviacuteduo

deixa-se guiar pelos kami da Ordem - Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大

直毘神) - pedindo-lhes emprestado o ldquopoder da sua mitamardquo isto eacute a sua ldquoessecircnciardquo Seguir

kami no michi torna-se deste modo seguir a Via favoraacutevel agrave purificaccedilatildeo das intenccedilotildees

permitindo afastar a influecircncia negativa e prejudicial de maga que por sua vez se foca em

espalhar Desordem pelo mundo 170

167

O kanji [過] ndash toga sinoacutenimo de tsumi ndash associa-se a okasu reforccedilando a sua leitura enquanto algo de

natureza criminosa Nihonsinwardquo孝徳天皇(二十六)穂積臣咋と巨勢徳禰臣の罪rdquo (Imperador Kōtoku 26

O Crime de Hozumi-no-Omi-kui e Kose-no-tokone-no-Omi (on line) 日本書紀 孝徳天皇 (Nihon shoki

Imperador Kōtoku) lthttpnihonsinwacompage2079htmlgt (consultado em 24-06-2018) 168

Nesta passagem ashiki koto substitui tsumi Nihonsinwa ldquo東漢直の7つの罪恩により許されるrdquo (Os

crimes dos Yamato-no-aya-no-atai Devido agrave graccedila [imperial] satildeo perdoados) 天武天皇(六十)日本書紀

(Imperador Tenmu 60 Nihon shoki) (on-line) lthttpnihonsinwacompage2317htmlgt (consultado em 24-06-

2018) 169

ŌWAKI Yukiko ldquoつみ 罪 Tsumirdquo 万葉神事語辞典 (Dicionaacuterio de 10 mil fragmentos dos assuntos de

kami) (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_dsgampdata_id=68730gt

(consultado em 24-06-2018) 170

MOTOORI N ldquo1-9 直毘霊rdquo(なおびのみたま) (1-9 Naobi no mitama) 古事記傳 (Kojikiden) (on

line) lthttpkumoi1webfc2comCCP059htmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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Com efeito a visatildeo particular de Norinaga em relaccedilatildeo a nao (直) e maga (禍) revela-

se fundamental para a compreensatildeo de kami no michi como um Caminho de retorno a uma

Ordem criada por algo natildeo humano e expressa pela naobi-no-mitama (直毘霊) Em outras

palavras nao eacute a antiacutetese de maga algo jaacute aludido na proacutepria etimologia dos dois vocaacutebulos

conotados com coisas ldquopositivasrdquo e ldquonegativasrdquo nao eacute entendido como ldquocorretordquo ldquodireitordquo e

ldquoretordquo uma disposiccedilatildeoatitude preferiacutevel e consequentemente uma caracteriacutestica ligada agrave

Ordem 171

ndash significa ldquocurarrdquo ou ldquopacificarrdquo consoante o contexto ndash maga eacute uma ldquocoisa maacute

desastrerdquo associando-se ainda ao kanji [曲] presente no verbo magaru traduzido por ldquovirarrdquo

ou ldquotorcerrdquo172

Todavia este ldquotorcerrdquo eacute permanente evidenciando a capacidade do indiviacuteduo

prevalecer sobre a influecircncia de maga magamal natildeo eacute inato ao homem justificando o

porquecirc de shintō tradicionalmente definir o homem pela sua ldquoboardquo natureza argumentando

que natildeo existem ldquopessoas maacutesrdquo (por natureza) mas ldquomaacutes intenccedilotildeesrdquo ldquodoenccedilasrdquo e ldquocoisas maacutesrdquo

neste mundo que satildeo impulsionadas pela existecircncia inevitaacutevel de maga 172

Com efeito este

manga eacute um entrave temporaacuterio agrave Ordem interpretaccedilatildeo ecoada por Ono Sokyō Referindo-se

agrave perspetiva ldquoxintoiacutestardquo antiga de uma ldquoorigem exteriorrdquo do mal este uacuteltimo identifica tal

origem com o ldquomundo da escuridatildeordquo personificado pelos magatsui no kami ldquoespiacuteritos

malignosrdquo admitindo que o homem vive num ldquomundo bomrdquo (um mundo de kami criado pelo

musubi) e a sua ldquoalmardquo eacute inerentemente boa ldquoo homem comete males porque perdeu foi-lhe

retirada a capacidade para accedilatildeo normalrdquo 173

Neste sentido tanto o Kojiki como o Nihon shoki apresentam uma explicaccedilatildeo para a

existecircncia desta Desordem Desordem eacute uma consequecircncia da libertaccedilatildeo no mundo de kegare

do Yomi-no-kuni contraiacutedo por Izanagi aquando da sua passagem por este domiacutenio inferior

Caracterizado pela sua sujidade 174

Yomi eacute o mundo dos mortos portanto eacute loacutegico que tudo

que faccedila parte desse lugar seja o oposto da Ordem oferecendo um viacutevido contraste com o

171

NISHIGAKI Yukio op cit p457 172

NISHIGAKI Yukio op cit p529 173

ONO Sokyō op cit pp105-107 174

A utilizaccedilatildeo da palavra ldquosujidaderdquo eacute justificada pela leitura do kanji [穢] como kitanaki presente na fala de

Izanagi O kami tem consciecircncia de ter regressado de uma ldquoterra sujardquo (kitanaki kuni 穢國) e procura de imediato

uma fonte de aacutegua para poder lavar o seu corpo (misogi) No texto original a frase lecirc-se ldquoA wa ina

shikomeshikomeki kitanaki kuni ni itarite arikeri Kare A wa mimi no misogi senrdquo (吾者到於伊那志許米志許

米岐 穢國而在祁理故吾者爲御身之禊而) sendo que [吾] eacute uma forma arcaica do pronome pessoal ldquoeurdquo

KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)

lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-

2018)

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 63

mundo dos vivos gerado pela vontade dos kami e no qual aflui vida se os kami satildeo

consequecircncia de musubi os magatsui no kami possuem uma natureza diferente no Kojiki

correspondem a Yasomagatsubi-no-kami (八十禍津日神) e Ōmagatsubi-no-kami (大禍津日

神) e no Nihon shoki este uacuteltimo eacute substituiacutedo pelo Ōayatsubi-no-kami (大綾津日の神)

notando-se a inclusatildeo do som aya cujo significado eacute proacuteximo de maga 175

Aparecendo depois dos kami que se manifestaram agrave medida que Izanagi-no-kami se

despia os magatsui no kami satildeo corporizaccedilotildees de kegare Mencionados durante o ritual

misogi harai este par daacute iniacutecio ao ciclo de Desordem e Ordem reconhecido pelo indiviacuteduo

Desordem precede a Ordem que eacute interpretada como a ldquoessecircnciardquo dos naobi-no-kami ou seja

Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大直毘神) e ainda Izunome-no-kami (伊

豆能賣神) 176

A niacutevel etimoloacutegico a escolha do nome dos primeiros dois kami natildeo eacute uma escolha

aleatoacuteria na ediccedilatildeo do Kojiki-den (1940) compilado por Kurano Kenji Norinaga comenta que

os magatsui no kami possuem uma parte inicial que reforccedila a noccedilatildeo de ldquomuitordquo isto eacute yaso e

ō respetivamente uma parte do meio especificamente conotada com ldquonegativordquo (maga e aya)

a partiacutecula bi (日 ) que serve de auxiliar de fala tal como se constata no bi (毘 ) em

Kamunaobi-no-kami e Ōnaobi-no-kami Por conseguinte maga koto e jaaku (凶事邪悪)

derivam da tamashii de magatsubi no kami acrescentando-se que o verbo naosu (直す) pode

corresponder ldquoao ato de purificar atraveacutes de enxaguar o corpordquo (naosu to wa tsumari

susugikiyomerukoto wo iu 直すとはつまり滌ぎ清めることを言う) se maga significa

kegare kiyomeru eacute naosu Por outro lado naobi refere-se agrave mitama (御魂) capaz de efetuar

este naosu em maga acalmando a sua influecircncia 177

Se Norinaga eacute assertivo na origem exterior do mal que afeta tudo em nosso redor

imaginando um magatsubi no kami como derradeira personificaccedilatildeo das coisas malignas

outros autores natildeo compartilham dos mesmos sentimentos com um especial destaque para o

seu grande rival e anterior disciacutepulo Hirata Atsutane Apesar de aceitar a dicotomia maganao

175

Aya eacute o mesmo som presente em palavras simbolizando ldquoperigordquo e ldquocriserdquo (adjetivos ou pressentimentos) tais

como ayaui e ayabumu (Nishigaki pp 55-56) Portanto se Ōmagatsubi eacute literalmente ldquograndeenorme desastrerdquo

o Ōayatsubi eacute ldquograndeenorme perigordquo a conotaccedilatildeo ldquonegativardquo permanece MOTOORI N ldquo6-2 神代四之

巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi) 古事記傳 (Kojikiden) (on line)

lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 176

KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)

lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-

2018) 177

MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)

古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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Hirata defende uma perspetiva inclusiva de ldquomalrdquo apoiada na ideia de que o ser humano

possui no seu interior o ldquoespiacuterito de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo

errado foi cometidordquo e o ldquoespiacuterito de Naobi-no-kamirdquo responsaacutevel por moderar a atuaccedilatildeo do

indiviacuteduo de uma forma relaxada e tranquila 178

Neste sentido definiram-se duas caracterizaccedilotildees distintas no que concerne agrave

interpretaccedilatildeo de mal Norinaga eacute um notoacuterio apoiante da teoria lsquomal= antiacutetese do bemrsquo em

todos os seus sentidos comentando o facto de magatsubi no kami ser uma forccedila que o homem

eacute incapaz de resistir e no seu maior extremo adquire uma natureza incontrolaacutevel indomaacutevel

fora do alcance do poder da kami do Sol e de Takagi no Ōkami (um outro termo para Taka-

musubi-no-kami) Contudo independentemente da sua existecircncia neste mundo ldquoos maus

kamirdquo agem simplesmente de acordo com a sua natureza e podem ser aplacados atraveacutes de

ldquoveneraccedilatildeo e execuccedilatildeo de purificaccedilatildeo quando algueacutem estabeleceu contacto com poluiccedilatildeordquo

No fundo a sua influecircncia negativa pode ser apaziguada e retificada graccedilas ao cultivo de uma

atitude de ldquoobservaccedilatildeo correta de veneraccedilatildeordquo 179

Por outro lado Hirata propotildee uma teoria diferente no sexto volume do Koshiden (古

史伝 ca 1812-1825) o autor rejeita a teoria de que magatsubi-no-kami e naobi-no-kami

associam-se somente agrave aramitama e nigimitama de Amaterasu respetivamente Ou seja a

dualidade aramitamanigimitama eacute comum a qualquer kami encontrando-se exemplos de

veneraccedilatildeo muacutetua da aramitama e nigimitama em locais especiacuteficos (cultos de Ise e Izumo)

Aliaacutes a anaacutelise de Hirata permitiu o estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre dois kami e uma

ldquopresenccedila interiorrdquo (mitama) capaz de exercer influecircncia de forma positiva e negativa se

naobi-no-kami pertence agrave nigimitama de Ōmikami (Amaterasu) magatsubi no kami

corresponde agrave aramitama de Susano-o-no-mikoto 180

explica-se deste modo o seu

comportamento tempestuoso e irasciacutevel que levaria ao seu afastamento de Takamahara como

compensaccedilatildeo pelos seus tsumi

Com efeito quer se trate de um kami quer de um homem todos tecircm no seu interior a

capacidade de distinguir o ldquocorretordquo do ldquoerradordquo sendo que uma orientaccedilatildeo correta eacute parte

das responsabilidades do ldquoespiacuteritordquo de Naobi-no-kami moderando-se a atuaccedilatildeo do indiviacuteduo

178

PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 273 179

UEDA Kenji ldquoMagatsubi no Kami and Motoori Norinagarsquos Theologyrdquo Institute for Japanese Culture and

Classics Kokugakuin University (on line) lthttpwww2kokugakuinacjpijccwpcpjrkamiuedahtmltnoteIgt

(consultado em 24-06-2018) 180

HIRATA A ldquo古史伝 6rdquo National Diet Library (on-line) lthttpdlndlgojpinfondljppid772144gt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 65

de uma forma relaxada e tranquila Em contrapartida o ldquoerradordquo eacute representado pelo ldquoespiacuterito

de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo errado foi cometidordquo 181

Ora a existecircncia de um kami da Desordem (interior) natildeo implica a adoccedilatildeo de um

comportamento exclusivamente negativo e incorreto por parte deste magatsubi-no-kami eacute

uma consequecircncia e natildeo a raiz desta conduta tornando-se ldquoviolentordquo no caso da presenccedila de

kegare Estando esta ausente tal comportamento perde a sua razatildeo de ser possibilitando a

transiccedilatildeo do magatsubi no kami para um kami capaz de ldquoconceder felicidaderdquo um kami

beneacutefico e cuja essecircncia nunca pode ser maleacutefica antes pelo contraacuterio 182

No Japatildeo dos dias de hoje os conceitos ldquobemmalrdquo satildeo mais ambiacuteguos do que claros

a classificaccedilatildeo de accedilotildees em boasmaacutes depende das ldquocircunstacircncias motivos propoacutesitos

tempo lugarrdquo embora uma coisa seja certa a ldquosinceridaderdquo do nosso ldquocoraccedilatildeordquo que rege uma

conduta ldquoproacutepriardquo e cortecircs favoraacutevel ao natildeo conflito e agrave manutenccedilatildeo da paz e ordem socialrdquo

Tudo que potildee em causa a harmonia merece o roacutetulo de ldquomalignordquo quer se trate de ldquopecados

poluiccedilatildeo e desastresrdquo cabendo agrave ldquoalmardquo do ser humano distinguir entre o bem e o malrdquo 183

algo que soacute eacute possiacutevel se se cultivar uma relaccedilatildeo suficientemente forte com os kami atraveacutes

desta ligaccedilatildeo muacutetua o homem aprende a afastar-se do que lhe eacute prejudicial uma preocupaccedilatildeo

que se estende a qualquer vertente de shintō dos dias de hoje a reposiccedilatildeo da Ordem eacute sem

duacutevida a grande prioridade dos rituais que se esforccedilam por combater qualquer forma de

Desordem

A segunda grande causa da Desordem eacute kegare uma ldquocondiccedilatildeo poluiacuteda e malignardquo

A ldquoantiacutetese de purezardquo kegare eacute ldquoresultado de fenoacutemenos ocorrentes naturaisrdquo e possui uma

natureza facilmente ldquocontaminaacutevelrdquo uma vez que ldquoquando esta corrupccedilatildeo aderia ao indiviacuteduo

tambeacutem trazia calamidades agrave sociedaderdquo 184

Um termo descritivo de ldquoespeciacuteficos tipos de

impureza causados pelo parto menstruaccedilatildeo doenccedilas e morte (hellip) presenccedila de kegare eacute

ignorada tatari (desgraccedila) pode chegar como avisordquo 185

kegare distingue-se de tsumi por ser

sensorialmente impuro distanciando-se do sentido de eticamente impuro patente em tsumi a

conduta errada que danifica o proacuteprio indiviacuteduo e o coletivo

181

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 273 182

KOYASU Nobukuni Hirata Atsutane no Sekai (平田篤胤の世界) Tokyo Berikansha 2001 p205 183 ONO Sokyō op cit pp105-107 184

NISHIOKA Kazuhiko ldquoKegarerdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23417gt (consultado em 24-06-

2018) 185

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 191

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 66

A niacutevel etimoloacutegico kegare pode ser escrito de duas formas se usado no discurso do

dia-a-dia utiliza-se [汚] um kanji presente em kitanai (汚い) ou ldquosujordquo kegarawashii (汚ら

わしい) ou ldquonojentordquo yogosu (汚す) e yogoreru (汚れる) respetivamente ldquosujarrdquo e ldquosujar-

serdquo oshoku (汚職) ou ldquocorrupccedilatildeordquo e ainda osen ( 汚染) isto eacute e ldquopoluiccedilatildeordquo (ecoloacutegica)

composto pelo kanji [汚] e pelo kanji usado para escrever o verbo someru (染める) traduzido

por ldquopintarrdquo (no sentido de ldquomancharrdquo) Em suma uma condiccedilatildeo na qual o indiviacuteduo ou o

objeto natildeo estaacute limpo assemelhando-se aos vocaacutebulos fujō (不浄 ldquoimpurordquo) e fuketsu (不潔

ldquonatildeo higieacutenicordquo)

Em contrapartida o kegare ritual escreve-se com o kanji [穢] e o seu som kega eacute um

homoacutefono do vocaacutebulo kega (怪我) significando ldquoferidardquo ou ldquomagoarrdquo involuntariamente

como resultado de erros cometidos claramente reforccedilando a sua conotaccedilatildeo negativa

evidenciada pelo verbo kegareru (汚れる穢れる) que supostamente se desenvolveu graccedilas agrave

junccedilatildeo da partiacutecula ke (geralmente lida como ki 気) e do verbo karu escrito com o mesmo

kanji [離] usado em hanareru (れる) isto eacute ldquoafastar-serdquo 186

Neste sentido kegareru pode ser melhor descrito como uma certa accedilatildeo que provoca

o afastamento do ki - espeacutecie de ldquofluxo de energiardquo imanente em tudo que eacute vivo ndash e

consequentemente eacute capaz de atrair todo o tipo de influecircncias negativas Aliaacutes alguns

estudos modernos realizados por japoneses atribuem a origem de kegare (穢) agrave expressatildeo

kegare (気枯) que constituiacuteda pela junccedilatildeo de ki e kare - forma nominal do verbo kareru

geralmente traduzido por ldquomurcharrdquo - kegare (気枯) significaria literalmente ldquoki que murchardquo

ecoando esta ideia de ldquoafastamento do kirdquo que eacute nada mais do que perda de vitalidade 187

Uma Desordem natural que eacute combatida pela purificaccedilatildeo quer recorrendo ao natildeo

contacto com certos alimentos ou objetos (mono imi 物忌) ou agrave realizaccedilatildeo de ldquoabluccedilotildeesrdquo que

afetem a ldquomente e corpordquo (心身) do indiviacuteduo enquanto este venera os kami kegare eacute ldquoum

estado de divergecircncia do que eacute comum uma condiccedilatildeo que se deve abster-se com receiordquo

Caracterizada pelo gradual murchar de ke ndash substitui-se o kanji [気] pelo de [褻] que significa

ldquomundanordquo ndash kegare pode ateacute afetar os alimentos utilizados nos matsuri ao mesmo tempo

que se reconhece a natureza sagrada destas oferendas pensava-se que os alimentos (odango

feijatildeo) eram ldquotambeacutem uma existecircncia sujardquo que justificava a sua eliminaccedilatildeo pela aacutegua fogo

186

NISHIGAKI Yukio op cit pp269-270

187 ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 67

sal e lama elementos portadores de ldquoefeitos purificadoresrdquo (jōka sayō 浄化作用) sendo

destruiacutedos ou queimados apoacutes as festividades 187

Numa interpretaccedilatildeo alternativa eacute possiacutevel explicar kegare como uma das partes da

dicotomia kegarehare para a antropoacuteloga Namihira Emiko kegare expressa ldquoocasiotildees

poluentes tais como funerais ritos memoriais nascimento de crianccedilas menstruaccedilatildeo feridas

(hellip) poluiccedilatildeo pode vir tanto de morte como de sanguerdquo por oposiccedilatildeo a hare ldquoocasiotildees

auspiciosas ou felizes formais tais como Ano Novo festivais matsuri Shinto Miyamairi e

outras cerimoacutenias Shintordquo positivas 188

de celebraccedilatildeo da vida e reposiccedilatildeo da Ordem

conotando-se com o que na linguagem contemporacircnea eacute automaticamente reconhecido como

ldquopurezardquo

Automaticamente associado a coisas impuras kegare eacute essencial no entendimento da

tradiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo do geacutenero feminino sobretudo no que diz respeito a kegare oriundo

de sangue (menstruaccedilatildeo) e do parto posteriormente identificados com ldquoimpureza vermelhardquo

(aka fujō 赤不浄) e ldquoimpureza brancardquo (shira fujō 白不浄) respetivamente um sistema de

classificaccedilatildeo que remonta somente ao Periacuteodo Meiji acrescentando-se uma terceira ldquoforma de

impurezardquo haacute jaacute muito reconhecida na sociedade japonesa e capaz de afetar ambos geacuteneros a

ldquoimpureza negrardquo (kuro fujō 黒不浄) 189

sinoacutenimo de shie ou ldquokegare da morterdquo (死穢)

caucionando o indiviacuteduo contra o prolongado contacto direto e indireto com mortos

Ora jaacute as primeiras fontes histoacutericas japonesas perspetivam kegare como uma forma

de Desordem se no Nihon Kōki (日本後紀) o termo quase nunca surge de forma isolada

fazendo parte das palavras [凶穢] [損穢] [汚穢] e [ 穢悪之事] respetivamente registadas

nos anos 797 806 815 e 811 190

no Zoku Nihongi (続日本紀) regista-se [有穢] ou ldquokegare

arirdquo (ldquoter kegarerdquo) aludindo agrave materializaccedilatildeo de kegare 191

Uma vez que tanto o nascimento e a morte de animais ou humanos satildeo kegare eacute

possiacutevel afirmar que enquanto conceito kegare sofreu uma elevada consciencializaccedilatildeo no

seio da sociedade japonesa ndash kegare eacute algo que pode ldquomancharrdquo e ldquocontaminarrdquo ndash ao ponto de

interferecircncia nos rituais aos kami como se pode constatar no Nihon Sandai Jitsuroku (日本三

188

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 309-310 189

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (Distortion of Japanese Tradition) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22

190 SAEKI A 日本後紀 朝日新聞本 (Nihon Goki Versatildeo do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-

textscomchukokoukiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 191

MIZUMOTO Masahisa ldquo大本敬久 触穢の成立 日本古代における「穢」概念の変遷rdquo (ldquoBook review

lsquoDevelopment of Shokue Changes of the Kegare Concept in the Ancient Japan by Ōmoto Takahisarsquordquo) Buraku

Kaihō Kenkyū (部落解放研究) nordm 199 2013 pp 118-123

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 68

代実録) Por outras palavras a presenccedila de kegare pode justificar o cancelamento de certos

matsuri encontrando-se vaacuterias referecircncias a esta ldquointerrupccedilatildeordquo (teishi停止) no registo do ano

683 (Kinensai e Hirano Umemiya matsuri) e no de 866 e 874 (Tsukinamisai) outro exemplo

a ter em consideraccedilatildeo data do seacutetimo ano da era Jōgan (nono mecircs deacutecimo primeiro dia) e

ilustra kegare como algo nocivo agrave execuccedilatildeo dos ldquoritosrdquo no Ise Jingū que eacute eliminado por

membros da corte 192

Podendo ser visto ouvido degustado cheirado e tocado algo expresso no conceito

de shokue (触穢) literalmente ldquokegare de toquerdquo ndash o primeiro kanji eacute o mesmo usado para o

verbo ldquotocarrdquo (sawaru) ndash kegare eacute classificado por fontes do Periacuteodo Heian como o jaacute

mencionado Nihon Sandai Jitsuroku que lista as seguintes categorias shokue (nas croacutenicas

dos anos 859 862 e 886) shie (episoacutedios dos anos 861-864 865 871 876 878-879 880

882-883 885-887) - especificando se se trata da morte de um animal (catildees cavalos raposa)

ou de um humano (人死穢 e 人死之穢) procedendo-se ao cumprimento de regras de

ldquoabstenccedilatildeordquo como medidas de contingecircncia contra o alastramento de impureza - e san no

kegare exclusivamente associado a catildees ndash no texto original lecirc-se presumivelmente inu sanrsquoe

(犬産穢) ndash descritos no nono mecircs do terceiro dia (ano 865) no deacutecimo mecircs do seacutetimo dia

(ano 867) em dois dias do ano 870 nos anos 877 879 880 884 885 e por uacuteltimo no ano

886 193

Quanto a ketsue (血穢) ou chi no kegare a ldquoimpureza de sanguerdquo eacute discriminada no

episoacutedio do Kojiki (reinado do Imperador Keikō) que descreve o casamento entre Yamato-

takeru-no-mikoto (倭建命) e a menstruada Miya-uke-hime (美夜受比売) um facto entoado

num ldquopoemardquo (uta 歌) pelo proacuteprio esposo e correspondido por esta na noite de nuacutepcias

Assim ketsue eacute o melhor representante da visatildeo lsquosangue = impurezarsquo independentemente de

este pertencer a uma mulher ou a um homem o sangue de um ser vivo era encarado num

misto de receio e fasciacutenio pensando-se que este liacutequido era portador de ldquoum poder forterdquo

192

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 193

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 69

Como resultado o sangue tornar-se-ia um imi (忌) a nunca referir em discurso muito menos

durante a realizaccedilatildeo dos atos de veneraccedilatildeo aos kami 194

Em contrapartida tambeacutem o Saigūki (西宮記 ca seacutec X) regista casos de ketsue

durante o Kamo-matsuri no quarto mecircs do ano 839 e no Sono-matsuri segundo mecircs do ano

851 190

Seguidamente em contexto dos proacuteprios ritos do Naikū a proacutepria palavra ldquosanguerdquo

(血) seria adicionada agrave lista de imikotoba presente no Kōtai Jingū Gishiki-chō 195

Jaacute na 52ordf

aliacutenea do terceiro volume do Engishiki caucionar-se-ia as menstruadas jovens do palaacutecio (ari

tsuki-goto-mono 有月事者) a retirarem-se para suas casas na veacutespera do matsuri e praticar

ldquoabstinecircnciardquo (kessai 潔斎) no terceiro e nono mecircs (Anexo I) 196

Uma vez que o sangue eacute um liacutequido presente no parto de animais e seres humanos natildeo

eacute estranho o facto de o nascimento partilhar do mesmo sentido negativo que a morte ou o

sangue menstrual como jaacute mencionado o Nihon Sandai Jitsuroku cita ocorrecircncias de dano

fetal e nascimento de catildees como motivos para adiar certos ritos 197

e em dois episoacutedios

descritos no ano de 919 (Teishinkōki) e 1119 (Chōshūki) respetivamente se no primeiro caso

esta variedade de kegare eacute mais que suficiente para interromper o Kinensai - agrave semelhanccedila do

ano 683 (Nihon Sandai Jitsuroku) ndash no segundo o parto de uma crianccedila originou kegare que

se espalhou por todos os cantos 198

194

IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 195

O Kōtai Jingū Gishiki-chō foi produzida por volta do seacutec IX pelo Naikū e entregue ao Jingikan para revisatildeo

Interessantemente a maior parte deste conjunto de palavras satildeo de origem ldquobudistardquo refletindo a abominaccedilatildeo de

shintō em relaccedilatildeo a ldquoensinamentos de forardquo Segundo Wada a expressatildeo ldquo 血乎阿世止云 rdquo significa

simplesmente que ldquoaserdquo (阿世) ndash ase pode querer indicar a palavra japonesa para ldquosuorrdquo (汗) - deve ser usada

como ldquosubstituto de ldquochirdquo (sangue) O autor afirma tambeacutem que sangue e urina eram considerados liacutequidos

impuros portanto automaticamente interditos nestes espaccedilos WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ

意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo

Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro

2007 pp 114-136 196

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de

Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 197

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)

198 IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 70

No que concerne a shie esta eacute talvez a forma de kegare mais abominada pela

sociedade japonesa pela sua ligaccedilatildeo direta com a morte morte (intencional ou natural) nunca

eacute motivo de celebraccedilatildeo e os rituais de shintō priorizam a vida ou seja ldquocrescer culturas e

receber vida Receber vida e dar graccedilas agrave vida representa a visatildeo de vida fundamental de

Shintordquo 199

tornando os matsuri natildeo soacute expressotildees de rituais positivos mas tambeacutem

celebraccedilotildees da vida da sociedade aproximando o indiviacuteduo do coletivo

Com efeito se a vida aproxima a morte afasta e traz consigo kegare a sua existecircncia

poderaacute provocar o cancelamento de certos matsuri Ao longo da histoacuteria do Japatildeo morte

nunca foi desassociada de kegare e imi sendo que ateacute mesmo a sociedade contemporacircnea

hesita em referir-se abertamente agrave morte individual de seres humanos respeitando uma seacuterie

de regulaccedilotildees que envolvem a natildeo pronunciaccedilatildeo de palavras que pudessem ser analogias agrave

morte (imikotoba) a praacutetica de ldquokichūrdquo (忌中) entre as pessoas da mesma famiacutelia do falecido

a distribuiccedilatildeo de um tipo de ldquosal purificadorrdquo (kiyome no shio 清めの塩 ) entre os

participantes do funeral Incidentalmente o costume ldquomodernordquo de visitar as campas dos

antepassados e dos membros da famiacutelia recentemente falecidos era totalmente posto de parte

pela corte do Periacuteodo Heian temendo-se o perigo de contaminaccedilatildeo devido agrave forte ldquoligaccedilatildeo de

sanguerdquo entre membros da mesma famiacutelia (sobretudo parentes proacuteximos) 200

Surgindo frequentemente no Kojiki e Nihon shoki kegare natildeo passa de uma palavra

(adjetivo verbo ou nome) sem categorizaccedilotildees integrando um grupo de vocaacutebulos constituiacutedo

por termos de conotaccedilatildeo negativamaligna kitanashi (垢濁悪) ashi (悪邪 凶) arashi

(荒) shiko (醜 凶) e maga (禍 悪 禍害枉 凶) 201

Ora independentemente da ausecircncia do

kanji (死穢) ambas fontes reconhecem a natureza ldquopoluenterdquo da morte no Kojiki o Yomi-no-

kuni eacute descrito como um local desolador repleto de kegare no qual residem mulheres ldquoodiosasrdquo

e um mundo afastado de tudo que eacute vivo Assim na passagem do retorno do Izanagi ao

mundo da superfiacutecie o kanji eacute lido pela primeira vez como adjetivo (kitanaki) 202

199

SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological Religion Masterrsquos Degree

Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of the

University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark Teuween 2011 200

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 201

ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 202

KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)

lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 71

Com efeito a relaccedilatildeo shi ndash kegare ndash fujō repercute-se no Nihon shoki [穢] marca

presenccedila nas falas de Izanagi primeiro como adjetivo qualificativo de um ldquolugar horrendo e

sujordquo (inashikomeki kitanaki tokoro 不須也凶目汚穢之處) que eacute identificado com o Yomi-

no-kuni o mundo dos mortos Seguidamente o kanji precede o de [濁] ou nigoru (ldquoturvordquo)

base dos nigorasu nigoraseru e um sinoacutenimo de yogoreru (ldquosujar-serdquo) descreve-se deste

modo o corpo fisicamente ldquosujordquo de Izanagi-no-mikoto que precisa de ser lavado (mi no

kegawashikimono wo arai saran 身の濁穢 を滌い去らん) 203

A associaccedilatildeo entre a morte e a Desordem estende-se para laacute dos episoacutedios de cariz

mitoloacutegico o registo da regente imperial Kōgyoku nota que no seguimento da morte (em

territoacuterio japonecircs) de um filho do diplomata do reino coreano de Paekche nenhum dos

membros da famiacutelia se dignou a aparecer no seu funeral temendo-se uma possiacutevel

contaminaccedilatildeo Apesar de esta atitude de evitaccedilatildeo natildeo ser japonesa a popularidade de obras

chinesas que descreviam as cerimoacutenias e os ritos funeraacuterios (envergamento de branco cor do

luto) contribuiria para a fundamentaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de evitaccedilatildeo de shie a vaacuterios niacuteveis

comeccedilando com definiccedilotildees do enterro a interdiccedilatildeo da cerimoacutenia mogari e outros costumes

que envolviam a morte (corte de cabelo para o bem dos mortos) 204

Por volta do Periacuteodo Heian jaacute era ldquooficialrdquo a abominaccedilatildeo dos membros da corte em

relaccedilatildeo a kegare o Kōnishiki (弘仁式) do Saigūki o Jingiryō e eacute claro o Engishiki definem

kegare como um conjunto de atos a evitar por parte dos indiviacuteduos no seacutetimo volume do

Saigūki nascimento e morte de pessoas e animais domeacutesticos o consumo de carne destes

uacuteltimos fazer luto e visitar doentes implicava um periacuteodo de ldquoevitaccedilatildeordquo ritual de trinta dias

(morte humana) sete dias (nascimento humano) cinco dias (morte animal) e trecircs dias

(consume de carne luto e visita de doentes) 205

No que concerne ao Jingiryō segundo as aliacuteneas dedicadas agrave ldquoabstinecircnciardquo (散斎条)

enterrar coisas em casa luto visita de doentes consumo de carne natildeo produccedilatildeo de muacutesica

entre outros atos de caraacutecter legal (ldquonatildeo julgar em tribunais natildeo punir culpadosrdquo) justificam

este ritual de reposiccedilatildeo da Ordem cuja duraccedilatildeo depende da dimensatildeo dos ritos em questatildeo

203

SAKAMOTO Trdquo一書第六 原文rdquo (Sexto livro Texto Original) 日本書紀 卷第一 第五段 (Nihon

shoki Primeiro Capiacutetulo Quinta Secccedilatildeo) (on line) lthttpwww004uppso-

netnejpdassai1shokiframe0105_06frhtmgt (consultado em 24-06-2018) 204

ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 205

IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 72

(inspirado nos coacutedigos da dinastia Tang) ldquograndes ritosrdquo soacute se realizavam apoacutes um periacuteodo de

ldquoabstenccedilatildeordquo mensal (1ヶ月の斎を大祀) trecircs dias no caso dos ldquoritos meacutediosrdquo (3日の斎を

中祀) e um dia para os ldquoritos pequenosrdquo (1日の斎を小祀) 206

Agrave semelhanccedila de Jingiryō e do Saigūki o Engishiki repercute a tendecircncia de

ldquoevitaccedilatildeordquo como o uacutenico modo de se precaver contra os perigos de kegare formalmente

designando esta de shokue Mencionada sobretudo no terceiro volume concretamente nas

aliacuteneas 47 48 53 e 54 shokue deve ser eliminado consoante as especificaccedilotildees presentes no

Saigūki na segunda aliacutenea os atos de luto (弔喪) visitar doentes e ldquoalcanccedilar um lugar onde

um montemontanha estaacute a ser construiacutedo ou encontrar um serviccedilo memorial Budista de 37

diasrdquo inviabiliza a entrada do indiviacuteduo no ldquoPalaacutecio Imperial nesse diardquo independentemente

de o proacuteprio natildeo estar contaminado (Anexo I) Na terceira aliacutenea afirma-se que shokue pode

ser transmitido de um local para uma pessoa ou um grupo apesar de natildeo haver risco de

kegare para as pessoas em contacto com uma segunda pessoa ldquocontaminadardquo Jaacute na uacuteltima

aliacutenea a presenccedila de kegare num ldquooficial do Palaacuteciordquo natildeo pode comprometer os

procedimentos dos matsuri 207

O aprofundamento do estudo do conceito de kegare tambeacutem facultou o

desenvolvimento de toda uma perspetiva japonesa na qual objetos locais accedilotildees e ateacute mesmo

palavras satildeo rapidamente integradas no quadro cerimonial shintō embora como distintos

entraves a este uacuteltimo Ora apesar de imi natildeo lhe ser inato (a shintō) e jaacute ter existido de forma

latente na sociedade arcaica foi graccedilas ao processo de edificaccedilatildeo desta Via por parte da corte

que imi ndash geralmente entendido num sentido muito negativo ndash gradualmente conjugaria

ambos aspeto de causa e efeito da Desordem e da Ordem evidenciada pela dicotomia imi (忌)

e imi (斎) dois kanji homoacutefonos de significado antiteacutetico que constituem uma seacuterie de

vocaacutebulos e expressotildees geralmente conotadas com o negativo e o positivo respetivamente

No caso do primeiro imi este eacute alternadamente lido como imu e ki (foneacutetica chinesa)

marcando presenccedila nas palavras imawashii (忌まわしい) um adjetivo traduzido como ldquomau

pressaacutegiordquo 208

o nome kinki ( 禁忌) accedilatildeo interdita em meios sociais (ldquofrases proibidasrdquo

206

IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)

lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 207

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de

Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 208

NISHIGAKI Yukio op cit p90

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 73

denominam-se kinku 禁句) expressa numa atitude de afastamento e natildeo contacto com certas

coisas - uma vez que ldquoquebrar o tabu convidaria desgraccedilas tais como feridas e doenccedilasrdquo 209

e

as imikotoba (忌詞) cuja pronunciaccedilatildeo atrai ldquomaacute-sorterdquo ldquodesastresrdquo e ldquodesgraccedilasrdquo 210

Englobando dezenas de verbos adjetivos e outros vocaacutebulos do dia-a-dia imikotoba

natildeo devem ser proferidas em casamentos e noivados (acabar ndash owaru cortarcortar-se ndash

kirukireru) admissotildees escolares e empresariais e sucesso no trabalho (desistirparar ndash yameru

interrupccedilatildeo ndash chūshi) abertura de lojas e negoacutecios (fechar ndash tojiru perder ndash makeru) gravidez

e parto (cair ndash ochiru jazer ndash horobiru fraco ndash yowai murchar ndash kareru) construccedilatildeo de casas

(fogo - hika fumo ndash kemuri) e ainda expressotildees de longevidade 211

Por conseguinte imi (忌) eacute integrado na terminologia fuacutenebre japonesa kichū (忌中)

e kiake (忌明け) expressam o periacuteodo preacute-definido e o fim de [忌] cujo objetivo eacute fazer com

que o indiviacuteduo receie a morte e tudo que esteja relacionado com esta justificando uma

conduta mais cuidada moderada e austera Neste sentido o familiar do falecido refreia-se de

praticar os atos de veneraccedilatildeo em jinja sendo-lhe interdita a entrada na aacuterea destes uacuteltimos e a

sua participaccedilatildeo em matsuri ocasiotildees festivas (casamentos e outras cerimoacutenias viagens

luacutedicas) eventos de celebraccedilatildeo (adiados ateacute kiake) renovaccedilatildeo da casa solo e compras de

grande porte Para o efeito o indiviacuteduo pode escolher sujeitar a casa a uma purificaccedilatildeo

domeacutestica denominada kiake harai (忌明け祓い) cinquenta dias apoacutes a morte do falecido

De caraacutecter muito simples esta praacutetica envolve a entoaccedilatildeo de uma inori por parte de um

ldquoprofissionalrdquo 212

209

Iwai Hiroshi acrescenta que este kinki se relaciona com abstinecircncia do indiviacuteduo (monoimi) sendo que no

caso dos que executam os ritos kami procurava-se manter ldquoum estado de pureza fiacutesica e mentalrdquo evitando

contactar coisas poluiacutedas por um periacuteodo especiacutefico No caso da morte de um parente as pessoas de luto nunca

podem sair agrave rua IWAI Hiroshi ldquoKinkirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on

line) httpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23410gt (consultado em 24-06-

2018) 210

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 171-172

211 Muitas destas palavras foram escolhidas pelo seu significado negativo e ldquopessimistardquo por exemplo ldquopartirrdquo

(saruwareru) e ldquocortar (kiru) podem indicar um eufemismo para morte acrescentando-se o nuacutemero quatro (shi)

que eacute homoacutefono da palavra ldquomorterdquo (shi) Fumitei お祝いには避けたい 忌み言葉 (Querer evitar em

celebraccedilotildees as imikotoba) (on line) lthttpwwwfumiteijpstep3imi_kotobahtml04syussangt (consultado em

24-06-2018) 212

Imi varia consoante o membro da famiacutelia em questatildeo e geralmente eacute feito em simultacircneo com fuku (服) se

bem que este uacuteltimo associa-se ao esforccedilo mental do indiviacuteduo que procura ultrapassar a sensaccedilatildeo de perda e

regressar agrave sua vida normal algo que pode estender-se ateacute seis meses Hyōgo-ken Jinja-chō 先祖のおまつり

(Celebraccedilatildeo dos antepassados) (on line) lthttpwwwhyogo-jinjachocomfaqfaq08htmlgt (consultado em 24-

06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 74

Como se pode constatar a maioria das palavras derivadas de [忌] natildeo possuem um

significado positivo (exceccedilatildeo de kiake e kiake harai) o que eacute concordante com a tradiccedilatildeo de

lsquoimi= malrsquo ilustrada na literatura de corte dos Periacuteodos Nara-Heian (manuais e outros textos

rituais) assemelhando-se aos termos kegare e tsumi

No entanto deve-se ter sempre em consideraccedilatildeo a natureza ambiacutegua deste termo

Nishigaki Yukio (2005) define imu (忌斎) como lsquocoisas sagradasrsquo (shinsei na mono 神聖な

もの) morte e coisas sujas que as pessoas do Japatildeo antigo pensavam que natildeo se podiam tocar

devido ao facto de possuir um poder forterdquo 213

capaz de influenciar positiva e negativamente o

indiviacuteduo ecoando a interpretaccedilatildeo sugerida por Okada Shigekyo (1982) na sua pesquisa

acerca do significado dual de imi o autor menciona o facto da palavra imu (斎) ser usada para

qualificar ldquocoisas purasrdquo (seijōshōjō na mono 清浄な物) e indicar assuntos de kami que

envolviam uma ldquoabstinecircncia optimistardquo contrastando com imu (忌) que denotava ldquocoisas

impurasrdquo (fujō na mono 不浄な物) relacionando-se com os afazeres de kami e puacuteblicos

(negativos por natureza) que obrigavam a uma atitude automaacutetica de afastamento 214

como

meio de repor a Ordem

A ideia de um imi positivo e um imi negativo tambeacutem eacute partilhada por Ama

Toshimaro (1991) embora nos dias de hoje ldquoimirdquo (イミ) tenha adquirido o significado de

[忌] [禁忌] e [禁制 concordante com uma atitude de evitaccedilatildeo na liacutengua japonesa imi possui

um outro significado se for escrito com o kanji [斎] passando a ler-se imi (斎み) termo que

indica a palavra seishin kessai (精神潔斎)rdquo ndash literalmente kessai mental entendida no sentido

de ldquoabstinecircncia positiva do corpordquo (sekkyokuteki ni mi wo tsutsushimi積極的に身を慎み) ndash

e consequentemente ldquoaponta o ato de o proacuteprio decidir entrar no mundo sagrado dos kamirdquo

Por outras palavras se [忌み] indicar sobretudo um princiacutepio comportamental negativo pode-

se dizer que [斎み] eacute um princiacutepio comportamental positivo concentrado na ldquodiscriccedilatildeordquo 215

No Nihon shoki a divisatildeo natildeo eacute sempre clara imi (忌) eacute usado na palavra ōmimi (所

忌 ) alimentos proibidos de consumo por parte do imperador evidenciando a noccedilatildeo de

213

NISHIGAKI Yukio op cit p90 214

IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 215

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 75

ldquoabstinecircnciardquo e tambeacutem o estatuto especial do soberano japonecircs uma vez que todos os sais

satildeo-lhe proibidos excepto um sal especiacutefico 216

Contudo caso a situaccedilatildeo descrita seja negativa abandona-se a conotaccedilatildeo positiva de

imi evidenciado por expressotildees cujo significado pode ser de facto considerado como algo de

caraacutecter ldquopessimistardquo a palavra [国忌齋] designando o periacuteodo de ldquoabstinecircnciardquo (忌斎)

vigente em todo o paiacutes (adiamento de qualquer tipo de rituais shintō e enfoque nos rituais

budistas dirigidos aos mortos) ordenado primeiramente por Jitō e que duraria uma semana 217

e eacute claro o ldquodia de imirdquo (imibi忌日) indicando especificamente a data da morte do imperador

(dia 16 do segundo mecircs do segundo ano de Jitō) 218

Jaacute no Nihon Sandai Jitsuroku imibi eacute

formalmente explicado nos anos de 859 (o imibi de uma Imperatriz e natildeo do Imperador) 868

(Imperador Montoku decorrido anualmente no oitavo mecircs) e ano 886 (imibi do Imperador

Ninmyō vigeacutesimo primeiro dia do terceiro mecircs constatando-se a anual leitura de sutras no

tempo Unrin-in (雲林院) 219

Por outro lado a conotaccedilatildeo negativa de [忌] natildeo eacute muito visiacutevel no Kōtai Jingū

Gishiki-chō uma vez que eacute a presenccedila do kanji [忌] nas palavras [忌柱] [忌鍬] e [忌種] que

as reveste de uma natureza sagrada proacutepria de oferendas consagradas nos ritos aos kami uma

forma de culto que se estenderia ao proacuteprio Imperador realizando-se cerimoacutenias que

envolviam a preparaccedilatildeo de alimentos (arroz sobretudo) Submetidos a um processo de

abstinecircncia pelo fogo (imibi忌火) este arroz designar-se-ia oficialmente [忌火御飯] sendo

servido no primeiro dia do sexto mecircs 220

No que diz respeito ao Engishiki segue-se esta tendecircncia na qual o kanji pode

expressar coisas positivas (exceccedilatildeo de imikotoba) de entre as quais imibi presente no Niwabi-

216

Nihonsinwa ldquo大伴金村による真鳥の誅殺と塩の呪いrdquo (A execuccedilatildeo criminal de Matori e a maldiccedilatildeo do

sal devido a Ōtomo-no-kanemura) 武烈天皇(八)日本書紀 (Imperador Buretsu 8 Nihon shoki) (on line)

lthttpnihonsinwacompage1537htmlgt (consultado em 24-06-2018) 217

Sekai Daihyakka Jiten Dai 2 Han (Grande Enciclopeacutedia do Mundo Segunda Ediccedilatildeo) ldquo国忌rdquo (Kokki) コト

バンク (Kotobank ) (on line) lthttpskotobankjpwordE59BBDE5BF8C-498821gt (consultado

em 24-06-2018) 218

SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on

line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 219

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 220

ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 76

matsuri (庭火祭) e Niinamesai (新嘗祭) celebrados no deacutecimo segundo mecircs e deacutecimo

primeiro respetivamente 221

Se na perspetiva anterior ao Periacuteodo Nara defendia-se o significado sagrado da

palavra imi no periacuteodo de expansatildeo das culturas Nara e Heian constata-se o oposto a

interaccedilatildeo entre shintō e outras Vias urge uma necessidade de divisatildeo entre coisas maacutes e coisas

boas rotulando-se deste modo a tradiccedilatildeo de ritos fuacutenebres imperiais como ldquoritos malignosrdquo

(kyōrei 凶礼) o ldquomalignordquo eacute o representante de algo contraacuterio agrave Ordem que se distingue de

outros ritos imperiais e dos matsuri nacionais interpretados como ldquocomportamento benignordquo

(yoshimichi吉義) e portanto de impacto positivo 222

Consequentemente a influecircncia de imi na sociedade japonesa estender-se-ia ao

domiacutenio do discurso tornando as imikotoba palavras ldquonegativasrdquo mas que natildeo deixam de ser

sagradas no sentido de a sua pronunciaccedilatildeo transportar consigo um poder inexplicaacutevel e natildeo

fiacutesico 223

Uma vez que a ideia japonesa de ldquosagradordquo natildeo faz a distinccedilatildeo entre coisas

boasmaacutes inexplicaacuteveis por meios convencionais eacute possiacutevel afirmar que esta

consciencializaccedilatildeo da existecircncia de palavras perigosas no discurso contemporacircneo reflete o

lado mais prejudicial da tradiccedilatildeo japonesa de kotodama (言霊)

Associada a um domiacutenio natildeo tatildeo material mas mais subtil e espiritual kotodama eacute

uma palavra composta pelo kanji de ldquopalavrardquo (言) e o de ldquoespiacuteritordquo (tama eacute a leitura

alternativa do termo rei) e ldquorefere-se ao poder espiritual contido dentro de palavras mas

tambeacutem refere agrave concepccedilatildeo de que poder espiritual pode ser manifestado atraveacutes da entoaccedilatildeo

de palavrasrdquo 224

Neste sentido kotodama pode condicionar uma divisatildeo bipartida favoraacutevel ao

modelo ldquopensamento -palavra-accedilatildeordquo no qual o falante escolhe cuidadosamente o que quer

dizer atraindo coisas boasmaacutes para si e para os seus se norito satildeo boas para quem as entoa (e

para quem as escuta) as imikotoba (忌詞) ndash palavra composta pelo termo imi e o kanji lido

221

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第二 神祇二 四時祭下rdquo (Segundo Livro Jingi Dois Matsuri das

Quatro Estaccedilotildees Parte Inferior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi02htmgt (consultado em 24-06-2018) 222

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 223

WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos

Antigos e a consciencializaccedilatildeo de ldquoimpurezardquo) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro

Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa

Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 224

YONEI Teruyoshi ldquoKotodamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 77

como kotoba (詞) - provocam efetivamente a Desordem ao serem portadoras impliacutecitas de

ldquoimpurezardquo (kegare) a niacutevel discursivo devendo por isso sujeitar-se a uma peculiar

purificaccedilatildeo abstinecircncia vocabularverbal

Devidamente listadas nos coacutedigos e regulaccedilotildees cerimoniais de entatildeo as imikotoba

eram evitadas atraveacutes da sua substituiccedilatildeo por outros termos parecidos no Kōtai Jingū Gishiki-

chō ldquobater numa pessoardquo [人打] eacute substituiacutedo por atsu (奈津) naku (鳴) ndash homoacutefono do

verbo chorar (naku 泣く ) do qual derivam laacutegrimas ndash eacute trocado por shiotare (塩垂 )

significando literalmente rdquoderramar salrdquo [宍] ndash refere-se a carne de animais ndash eacute substituiacuteda

por [多気] nakago (中子) eacute usado em vez de butsu (仏) indicando o local de veneraccedilatildeo de

estaacutetuas budistas a palavra sutra (kei 経) eacute trocada pela expressatildeo arcaica [志目加彌]

traduzida como ldquosomekamisomegamirdquo literalmente ldquopapel pintadordquo ndash os primeiros dois kanji

indicariam uma leitura foneacutetica do verbo ldquopintarrdquo (someru) e os outros a palavra japonesa

para ldquopapelrdquo (kami紙) ndash uma vez que desde o Periacuteodo Nara que os rolos de pergaminho eram

pintados com a cor amarela algo que supostamente servia de estrateacutegia contra os insetos 225

Seguindo o meacutetodo de substituiccedilatildeo os vocaacutebulos ldquopagoderdquo (tō 塔) ldquomongerdquo (hōshi

法師) o ldquolaicordquo upāsaka (ubasoku 優婆塞) ldquotemplordquo (tera 寺) ldquoabstinecircncia de comidardquo

(toki斎食) ldquomorterdquo (shi 死) ldquocampardquo (hakaba 墓) e ldquodoenccedilardquo (yamai病) satildeo abandonados

em favor de kanji foneticamente lidos como verbos ou simples termos japoneses utiliza-se

ldquocabelo compridordquo (kaminaka髪長) para ldquomongerdquo uma expressatildeo que natildeo reflete a realidade

uma vez que uma das caracteriacutesticas visiacuteveis dos monges e monjas eacute o corte regular do

cabelo em vez de ldquomorterdquo recorre-se agrave expressatildeo naoru (奈保利物) significando o verbo

ldquocurarrdquo (naoru) isto eacute trazer de volta a ldquoforccedila vitalrdquo (生命) o nome nagusamenagusa (慰)

no sentido de ldquoacalmarrdquo eacute usado em vez de ldquodoenccedilardquo 226

Natildeo obstante algumas palavras substitutas satildeo escolhidas pela sua aproximaccedilatildeo agrave

respetiva imikotoba ldquopagoderdquo torna-se araraki (阿良々支) designando a planta ichii cuja

folha dividida lembra a beira do telhado de uma torre ubasoku eacute substituiacutedo por tsunohasu

225

WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos

Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro

Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa

Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 226 WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos

Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro

Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa

Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 78

(角波須) possivelmente uma referecircncia ao ldquochapeacuteurdquo usado pelos ldquoque acreditam em bukkyōrdquo

(bukkyō shinsha 仏教信者) ldquotemplordquo eacute um conhecido siacutembolo budista daiacute ser evitado no

discurso utilizando-se kawarafuki (瓦葺) katashiki (片食) equivale a toki Por uacuteltimo

ldquocampardquo um local conotado com kegare eacute pronunciado tsuchikure (土村) 226

No Engishiki imikotoba surge por duas vezes no quinto e sexto capiacutetulo o primeiro

grupo diz respeito agrave Saigū (斎宮) de Ise das quais as primeiras sete pertencem agrave linguagem

budista (内七言佛稱中子經稱染紙塔稱阿良良岐寺稱瓦葺僧稱髪長尼稱女髪

長齋稱片膳) outras sete estatildeo fora desta (外七言 死稱奈保留 病稱夜須 哭稱鹽垂 血

稱阿世 打稱撫 宍稱菌 墓稱壤) e as uacuteltimas duas correspondem aos termos tō e upāsaka

( 又別忌詞 堂稱香焼 優婆塞稱角筈) 227

Jaacute o segundo grupo (死稱直 病稱息 泣稱鹽垂

血稱汗 宍稱菌 打稱撫 墓稱壤) marca presenccedila no Saiinshi (齋院司) o Escritoacuterio ao qual

pertencia a Saiō (齋王) que serve o Kamo Jinja (outrora Kamo Daijin 賀茂大神) 228

Como se pode constatar estas duas listas foram sobretudo inspiradas pelas imikotoba

do Kōtai Jingū Gishiki-chō com a exceccedilatildeo de ldquohallrdquo (tō 堂) substituiacuteda por koritaki (香焼 )

- interpretado como o local onde se queima incenso - e do termo ldquomonjardquo (substituiacutedo pelo

feminino de kaminaga isto eacute mekaminaga女髮長)226 a grande diferenccedila entre os grupos de

imikotoba eacute nada mais do que o modo de escrita se as imikotoba da Saigū satildeo registadas num

japonecircs arcaico utilizando-se mais do que um kanji para se chegar ao som pretendido

imitando a linguagem do Kōtai Jingū Gishiki-chō as do Saiinshi sofreram uma simplificaccedilatildeo

utilizando-se somente um kanji ou no maacuteximo dois embora nunca alterando o significado

Tambeacutem conhecida pelos tiacutetulos de ldquoIse no saiō sainaishinnō itsuki no miya termos

que denotam uma princesa abstinente ou consagrada (hellip) escolhida entre as filhas e irmatildes de

um tennōrdquo (natildeo necessariamente o atual Imperador) a Saigū dedicava a sua vida a servir os

kami consagrados ao Ise Jingū e como tal submetia-se a trecircs anos de preparaccedilatildeo ou seja um

periacuteodo de preservaccedilatildeo de uma vida frugal e moderada Chegando a Ise no ldquonono mecircs do

terceiro ano das suas preparaccedilotildeesrdquo esta jovem visitaria o Ise jingū onde consagraria um ramo

de tamagushi ao Naikū e ao Gekū Tal ritual soacute se justificava trecircs vezes por ano durante o

bianual Tsukinamisai e Kannamesai sendo que o nono mecircs era ldquodeclarado um tempo de

227

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em

24-06-2018) 228

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式

(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 79

abstinecircncia geral no domiacutenio restriccedilotildees eram impostas em funerais e outras atividades

inauspiciosasrdquo 229

Uma das figuras mais elevadas na hierarquia de Ise a Saigū assume os deveres de

ldquosumo-sacerdotisardquo dos cultos em Ise e representa a perspetiva japonesa de pureza uma vez

que toda a sua vida era regulada em funccedilatildeo da manutenccedilatildeo deste estado interiorexterior de

pureza sendo forccedilada a retirar-se destes deveres para com os kami aquando da entronizaccedilatildeo

de um novo soberano apesar de natildeo se excluir uma reforma antecipada ldquodevido a morte na

sua famiacutelia sauacutede pobre ou acidentesrdquo 229

evidenciando a preocupaccedilatildeo para com

acontecimentos negativos que suscitam Desordem e uma resposta imediata de reposiccedilatildeo da

Ordem

24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e externa

Na cultura japonesa a palavra ldquopurordquo deteacutem um lugar especial que natildeo pode ser

incluiacutedo junto de uma perspetiva preacute-formatada de lsquoreligiatildeorsquo a noccedilatildeo de pureza estaacute

efetivamente consciencializado no cidadatildeo japonecircs comum integrando uma das partes deste

ciclo de Desordem e Ordem se tsumi kegare e imi satildeo causa e efeito (por vezes simultacircneo)

da Desordem a sua antiacutetese apoia-se principalmente na reordenaccedilatildeo e equiliacutebrio conseguido

atraveacutes da purificaccedilatildeo processo que se pode aplicar a um objeto um espaccedilo ou um corpo vivo

algo que shintō vecirc como prioridade a niacutevel teoacuterico e praacutetico afetando de forma positiva o

indiviacuteduo e o coletivo

Neste sentido purificaccedilatildeo interna e externa eacute a essecircncia dos rituais favoraacuteveis agrave

Ordem e relaciona-se com vaacuterias expressotildees itsuku - itsu significa ldquoclaro e purordquo (segundo

Motoori Norinaga) e define o ato de ldquoservir e executar ritos para os kami apoacutes a purificaccedilatildeo

do corpo e da mente da eliminaccedilatildeo de kegarerdquo aludindo a uma ldquocondiccedilatildeo de pureza onde tudo

que eacute negativo e poluente foi eliminadordquo 230

shizume (鎮静) traduzido como ldquopacificaccedilatildeordquo

no qual se apazigua (osameru 治める) o solo (jichin 地鎮) o fogo (chinka 鎮火) e as

tamashii (chinkontama shizume 鎮魂魂鎮) procurando-se conduzir coisas a um estado

229

NAMIKI Kazuo ldquoSaigūrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices Ancient (on

line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23475gt (consultado em 24-

06-2018) 230

NISHIOKA Kazuhiko ldquoItsukurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23387gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 80

ameno normalizado um processo constatado tanto em rituais executados por profissionais e

praticantes de kyōha shintō como nos matsuri de caraacutecter imperial

No contexto de jichinsai (地鎮祭) - matsuri realizado ldquodiariamente para novos

projetos novas casas novas construccedilotildees na estrada ou construccedilatildeo de qualquer tipordquo - a

ldquopacificaccedilatildeordquo eacute a meta a atingir Primeiro o shinkan presta serviccedilos agrave comunidade

deslocando-se do seu jinja para o local em questatildeo Apoacutes o estabelecimento de um himorogi

delimitado pela shimenawa o shinkan procede a oharai o ato simboacutelico de abanar ldquoa harai-

gushi sobre a aacutereaa pessoa a ser purificadardquo (Anexo II) - apaziguando os kami locais e

protegendo o espaccedilo de influecircncias negativas que recairiam sobre os envolvidos no projeto 231

Em contrapartida chinka era caraterizado como um rito imperial da responsabilidade

do ldquoclatilderdquo Urabe durante o bianual Chinkasai procurando a prevenccedilatildeo de fogos ldquodentro do

palaacutecio imperial e em outras instituiccedilotildees estatais mais do que fogos no geralrdquo 232

se bem que

em Ontake-kyō esta pacificaccedilatildeo tinha como objetivo a ldquopurificaccedilatildeo do crente apoacutes um

elemento quente ter sido suprimidordquo 233

tornando o fogo um agente purificador

Por uacuteltimo os ritos chinkon satildeo dedicados aos vivos e aos mortos se nos dias de hoje

o termo designa o momento de reflexatildeo em silecircncio dentro das imediaccedilotildees do jinja apoacutes

misogi e antes da fase de naorai (直会) isto eacute o momento de completa harmonizaccedilatildeo entre o

indiviacuteduo e o kami (consumo de sake em copos de madeira de cipreste) 234

chinkon era um

meio de defesa contra as tatari (desastres naturais epidemias e mortes suacutebitas) lanccediladas por

onryō de cortesatildeos e poliacuteticos eventualmente venerados como kami 235

Por outro lado o

chinkon do Chinkonsai (realizado na veacutespera do Niinamesai ou do Daijōsai) era uma praacutetica

dedicada aos vivos na qual o Imperador procurava a restauraccedilatildeo da sua sauacutede ldquopuxandordquo de

volta a mitama que estava em risco de sair do corpo 236

Natildeo obstante outros termos devem ser considerados haraiharae eacute na linguagem

shintō o meio mais eficaz de eliminaccedilatildeo de tsumi e kegare Agrave semelhanccedila das palavras

231

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 172

232 NAMIKI Kazuo ldquoChinkasai (hiho shizume no matsuri)rdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals

State Rites (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23099gt

(consultado em 24-06-2018) 233

Segundo Picken apoacutes a chinka shiki (鎮火式) cerimoacutenia na qual o praticante caminha sobre brasas este

uacuteltimo executaria a kugatachi shiki um ritual no qual o corpo deste uacuteltimo eacute salpicado com aacutegua a ferver

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 133

234 PICKEN Stuart op cit p179

235 PICKEN Stuart op cit p18

236 NAMIKI Kazuo ldquoChinkon-sairdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals State Rites (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23100gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 81

ldquopurezardquo ldquosinceridaderdquo ou ainda ldquoharmoniardquo (chōwa 調和) que se aproxima da ideia de

ldquocompletude e todo e eacute tambeacutem um ideal social natildeo apenas um estado de assunto dentro das

relaccedilotildees humanasrdquo 237

haraiharae atinge o exterior e o interior do indiviacuteduo

Ora apesar de hoje se escreverem com o mesmo kanji [祓] harai e harae eram atos

diferentes harai seria uma ldquopurificaccedilatildeo ativardquo - eacute o proacuteprio sujeito que escolhe

conscientemente executar a ldquopurificaccedilatildeordquo como se constata no episoacutedio de Izanagi ndash e harae

derivaria de harawase descrevendo uma ldquopurificaccedilatildeo passivardquo na qual o sujeito ldquoreceberdquo

harae de boa vontade por parte dos responsaacuteveis pelo jinja algo jaacute aludido em certos termos

como haraetsumono (祓具) 238

Alternadamente escritos como [祓物] haraetsumono designa

as ldquooferendas de purificaccedilatildeordquo lanccediladas agrave aacutegua como parte da ceacutelebre Ōharae cujos efeitos

atingem toda a populaccedilatildeo japonesa tornando - a ldquopurardquo a niacutevel natildeo apenas fiacutesico Aliaacutes

Ōharae (大祓) partilha desta aceccedilatildeo uma vez que o objetivo inicial era ldquopurificarrdquo todos os

funcionaacuterios da corte justificando a sua categorizaccedilatildeo como uma cerimoacutenia tutelada pelo

palaacutecio imperial 239

Preservada ao longo dos seacuteculos Ōharae eacute praticada com ecircnfase pela maioria dos

jinja e popularmente designada de Nagoshi no harae (夏越の祓) ndash final de Junho - e

Toshikoshi no harae (年越の祓) ndash final de Dezembro Mencionada no Nihon shoki como

recurso para afastar a ldquoinfluecircncia maligna de um cometardquo este matsuri seria elevado agrave

categoria de ldquocerimoacutenia nacionalrdquo obrigatoacuteria para os jinja do Periacuteodo Meiji e para o efeito

exigia-se um preliminar ritual de purificaccedilatildeo no Sumiyoshi jinja de Toacutequio os participantes

receberiam aiacute o kata-shiro (形代) No dia em questatildeo o ldquomestre dos ritosrdquo daria iniacutecio agrave

cerimoacutenia atraveacutes da invocaccedilatildeo dos kami ao himorogi proferindo uma inori no iniacutecio e no fim

Jaacute a ceacutelebre norito denominada Ōbarae kotoba (大祓詞) seria recitada pelo Norito-shi (祝詞

師 ) apoacutes este explicar o propoacutesito de Ōharae aos presentes Consequentemente seriam

eliminadas da populaccedilatildeo todas as coisas conducentes agrave desordem eacutetica garantindo-se ldquopaz

proteccedilatildeo e felicidaderdquo 240

237

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxv-xxvi

238 MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)

古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 239

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112 240

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 82

Segundo o Jingiryō do Yōrō-ryō Ōharae contava com a presenccedila de certos clatildes os

Nakatomi responsabilizavam-se por entoar a norito e consagrar as ldquooferendasrdquo (oonusa 御祓

麻) os Fumitobe das proviacutencias de Este e Oeste (東西の文部) consagravam espadas proacuteprias

para a ocasiatildeo isto eacute as harae no tachi (祓の刀 ) e os Urabe removeriam quaisquer

influecircncias negativas Ora a realizaccedilatildeo de Ōharae eacute na praacutetica um esforccedilo coletivo se todas

as unidades administrativas (郡) contribuiacuteam com ferramentas peles espadas e outras coisas

todas as casas (戸) deviam preparar cacircnhamo (麻) 241

No Engishiki a cerimoacutenia eacute antecedida pela preparaccedilatildeo de ofertas - armas revestidas

de metais preciosos vaacuterios tipos de tecido colorido (seda algodatildeo) cacircnhamo flechas arroz

cavalos madeira de carvalho Seguidamente os Urabe entoariam norito 242

funccedilatildeo

posteriormente delegada ao liacuteder dos Nakatomi (Ōnakatomi) cuja versatildeo da norito Nakatomi

Harae (中臣祓) ainda hoje eacute o modelo de norito e uma referecircncia para os jinja de hoje 243

Por conseguinte no seacutetimo volume exclusivamente dedicado ao matsuri que

comemora a acessatildeo ao trono do novo Imperador (Senso Daijōsai踐祚大嘗祭) Ōharae faz

parte da miriacuteade de praacuteticas efetuadas antes e durante o trigeacutesimo dia do deacutecimo mecircs do

calendaacuterio lunar geralmente entre o seacutetimo mecircs ndash o mecircs da acessatildeo ao trono do Imperador

como consequecircncia da abdicaccedilatildeo do seu antecessor se bem que no caso do oitavo mecircs a

cerimoacutenia seria adiada para o ano ndash e o deacutecimo mecircs 244

Apoacutes o envio dos ldquoMensageiros

Imperiais para Ōharaerdquo escolhidos por ldquoadivinhaccedilatildeordquo (boku卜) no oitavo mecircs era obrigatoacuterio

executar uma purificaccedilatildeo no uacuteltimo dia do mecircs (tal como a descrita no primeiro volume do

Engishiki) seguida do envio de dois Urabe agraves proviacutencias que executariam Ōharae

preparando-se as devidas oferendas (um cavalo uma flecha uma grande katana algodatildeo

peixe sake) 245

Uma complexa cerimoacutenia de caraacutecter imperial na qual canto e danccedila consumo de

comida e sake eram recebidos com entusiasmo o Daijōsai era um esforccedilo coletivo de

241

IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)

lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 242

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das

Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 243

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p80

244 PICKEN Stuart op cit pp 62-72

245 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第七 神祇七 踐祚大嘗祭rdquo (Seacutetimo Livro Jingi Sete Daijōsai)

延喜式 (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi07htmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 83

membros da corte funcionaacuterios do Jingikan e do Jingiryō os Nakatomi entoavam as norito e

guiavam os ldquoadivinhosrdquo ao Ministeacuterio da Casa Imperial bem como os ldquogovernadores da

proviacutencia yuki e os vaacuterios funcionaacuteriosrdquo partilhando este uacuteltimo dever com os Urabe os

membros do Departamento de Carpintaria ldquoconstroem o principal santuaacuteriordquo os Inbe

apresentavam o ldquoespelho sagrado e a espada sagradardquo Findadas as festividades qualquer

vestiacutegio do matsuri seria prontamente destruiacutedo e praticar-se-ia uma uacuteltima ldquocerimoacutenia de

purificaccedilatildeordquo no uacuteltimo dia do mecircs esta uacuteltima conforme a bianual Ōharae 245

Apesar de a sua dimensatildeo ser diferente do harai habitual a meta de Ōharae parece

ser a de qualquer ritual positivo em shintō o estado de ldquoharmoniardquo refletindo a relaccedilatildeo iacutentima

entre a sociedade japonesa e a envolvente natureza fortalece-se deste modo a ldquonecessidade

de retificar desequiliacutebrios entre natureza humanos e divindadesrdquo 246

atraveacutes de uma atitude de

esforccedilo individual natildeo desassociada da preparaccedilatildeo interna e externa

Conotado com ldquoabstinecircnciardquo esta atitude implica disciplina na forma de um conjunto

de regras de conduta a adotar preacute-veneraccedilatildeo aos kami algo retido por qualquer praticante de

shintō nos dias de hoje com efeito qualquer matsuri eacute precedido por um periacuteodo temporaacuterio

de ldquoevitaccedilotildeesrdquo denominadas saikai (斎戒) ndash o termo eacute etimologicamente constituiacutedo pelos

kanji [斎] e [戒] do qual deriva o verbo imashimeru traduzido por ldquobanirrdquo ldquorestringirrdquo ndash nas

quais os responsaacuteveis por conduzir os rituais se banhavam (kessai 潔斎) mudavam de roupas

e consumiam certos alimentos claramente evidenciando a sua preocupaccedilatildeo para com

impurezas a presenccedila de derrame de sangue incecircndios e mortes era mais do que motivo

suficiente de desqualificaccedilatildeo dos que se tinham submetido a este processo ou em casos mais

extremos cancelamento do proacuteprio matsuri 247

Num contexto mais oficial observa-se uma categorizaccedilatildeo da praacutetica em si o

Jingiryō do Periacuteodo Yōrō distingue entre sansai (散斎) e chisai (致斎) sansai indicava a

ldquoabstinecircncia parcialrdquo na qual o indiviacuteduo estava proibido de fazer os jaacute mencionados seis atos

considerados formalmente como shokue chisai correspondia a uma ldquoabstinecircncia severardquo na

qual todos os ritos que natildeo envolvessem os kami eram cancelados No que concerne agrave sua

246

ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation

submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial

fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen

and Prof Dr Terje Stordalen 2013 247

ONO Sokyō op cit pp64-65

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 84

duraccedilatildeo esta variava consoante o mecircs em questatildeo sendo que no nono mecircs sansai era

observado durante todo o mecircs chisai duraria somente trecircs dias 248

Uns seacuteculos mais tarde o Engishiki inspirar-se-ia nesta categorizaccedilatildeo por vezes

conjugando-a com o ritual harae no Kinensai sansai era praticado durante trecircs dias e chisai

apenas um dia 249

durante Kanmisosai kessai eacute um ato realizado por alguns membros de clatildes

na veacutespera do matsuri e cujo objeto de ldquoabstenccedilatildeordquo satildeo as oferendas (fios de seda e cacircnhamo)

antes de serem tecidas e apresentadas durante a celebraccedilatildeo que por sua vez soacute poderia

decorrer mediante um preacutevio harai do espaccedilo (batsujo 祓除) realizado no uacuteltimo dia do

terceiro mecircs e do oitavo mecircs Kannamesai menciona novamente um kessai dos fios de seda

posteriormente transformados em tecidos 250

Apoacutes trecircs anos de [潔齋] como parte dos rituais

da Saigū na capital reservava-se o uacuteltimo dia do oitavo mecircs a uma Ōharae no palaacutecio e no

nono mecircs um Nakatomi encarregava-se da ldquopurificaccedilatildeordquo (祓清) das proviacutencias de Ōmi e Ise

permitindo agrave Saigū cumprir os seus deveres no decorrer do Kannamesai 251

Durante o nono mecircs procede-se a um periacuteodo de 18 dias (a comeccedilar no primeiro dia)

de ldquoabstenccedilatildeordquo e um mecircs de evitaccedilatildeo de luto e enterros bem como agrave execuccedilatildeo de ldquolustraccedilatildeo

augustardquo gokei [御禊] Escrito com o kanji honoriacutefico [御] e o de misogi [禊] gokei era uma

ldquocerimoacutenia para afastar contaminaccedilatildeo de pessoas da Famiacutelia imperialrdquo 252

que decorria agrave

beira-rio e na qual participava a Saigū Contudo esta atitude de ldquoabstenccedilatildeordquo natildeo era apenas

seguida por esta uacuteltima monges monjas pessoas em luto e grupos de bandidos sujeitavam-se

a sansai antes e apoacutes Kinensai Kamo-matsuri Tsukinamisai e Kannamesai sendo-lhes

interdita a entrada no palaacutecio tal e qual as jaacute mencionadas funcionaacuterias do palaacutecio graacutevidas

253

248

IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)

lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 249

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das

Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 250

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第四 神祇四 伊勢太神宮rdquo (Quarto Livro Jingi Quatro Ise Dai-

jingū) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi04htm

(consultado em 24-06-2018)

251 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜

式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-

06-2018)

252 BOCK Felicia op cit p104

253 FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro

Livro Jingi Trecircs Matsuri de Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 85

Por uacuteltimo o seacutetimo volume do Engishiki especifica uma ldquoabstenccedilatildeordquo obrigatoacuteria no

deacutecimo primeiro mecircs sansai era iniciado no primeiro dia e terminava no uacuteltimo chisai

durava trecircs dias comeccedilando no dia do touro e terminando no dia da lebre proibindo-se a

participaccedilatildeo dos indiviacuteduos em ldquofestins Budistas ou festins magrosrdquo 254

Findado imi o indiviacuteduo foca-se na purificaccedilatildeo propriamente dita servindo-se de

elementos do dia-a-dia como o sal sake e aacutegua no primeiro caso o sal eacute ldquoatirado por

lutadores de Sumo cada vez que entram no dohyōrdquo e nos funerais serve o propoacutesito de ldquoauto-

purificaccedilatildeo apoacutes o regresso a casardquo dos frequentadores Jaacute em restaurantes e outros

estabelecimentos eacute costume colocar-se ldquoduas pilhas de sal fora do umbral uma de cada lado

apoacutes lavarem a entrada e antes de quaisquer clientes chegaremrdquo garantindo-se prosperidade

no negoacutecio Ora em misogi harai o sal eacute salpicado na cabeccedila dos participantes - no

seguimento de oharai ndash e tambeacutem misturado com sake sendo posteriormente ldquocuspido como

parte da cerimoacutenia de purificar a boca uma uacuteltima vezrdquo Oferecido nos altares sal faz ainda

parte das shinsen 255

A aacutegua tambeacutem partilha da mesma natureza purificadora que o sal e o sake em

virtude de ser considerada o elemento primaacuterio que devolve o lustro agraves coisas e pessoas

eliminando qualquer tipo de ldquomaacuteculardquo independentemente de se tratar de uma ldquomaacuteculardquo fiacutesica

(kegare) ou natildeo (tsumi) externa (corpo) ou interna (kokoro) Natildeo obstante a tradiccedilatildeo de

ldquolimpezardquo na cultura japonesa estende-se a contextos mais civis toalhas quentes satildeo

ldquoprovidenciadas em restaurantes (hellip) para que os patronos possam lavar as matildeos antes de

comer e uma pessoa Japonesa lavar-se-aacute sempre antes de entrar numa banheirardquo 256

um

reflexo da consciencializaccedilatildeo da lavagem do corpo na sociedade japonesa contemporacircnea

Em shintō a aacutegua assume um papel central em trecircs principais praacuteticas de ldquoauto-

purificaccedilatildeordquo que tambeacutem satildeo abluccedilotildees kessai temizu (手水) e misogi (禊) Se kessai eacute

geralmente feito antes do matsuri 257

temizu precede a ldquooraccedilatildeordquo (inori) aos kami nos jinja e

no qual o indiviacuteduo dirige-se a uma estrutura denominada temizuya (手水屋) lavando com

aacutegua a boca e as suas matildeos locais mais suscetiacuteveis de se contrair kegare (Anexo III)

254

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 62-72 255

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 174-175

256 ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation

submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial

fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen

and Prof Dr Terje Stordalen 2013 257

PICKEN Stuart op cit p 177

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 86

No que concerne a misogi esta eacute considerada a origem de todos os harai na

sociedade japonesa sendo descrita por Carl Florenz como a ldquopurificaccedilatildeo de um uacutenico

indiviacuteduo ou um lugar de poluiccedilotildees atraveacutes de se entrar em contacto com algo

cerimonialmente impuro tal como cadaacuteveresrdquo 258

Uma ldquoauto-purificaccedilatildeordquo em todos os

sentidos do termo a expressatildeo misogi harai (misogi harai 禊祓い ) poderaacute derivar de

ldquomisosogi no harairdquo (身滌の祓い) literalmente ldquoharai da lavagem do corpordquo ndash [身滌] eacute

constituiacutedo pelo kanji de ldquocorpordquo (身) e o de [滌] sinoacutenimo de [洗] raiz do verbo ldquolavarrdquo

(arau) 259

ndash e eacute pela primeira vez mencionado no episoacutedio de Izanagi descrito pelo Kojiki e

Nihon shoki

De um modo geral misogi conheceu grande popularidade na esfera privada imperial

e agrave semelhanccedila de [斎] era sempre acompanhado de todo o tipo de oferendas tais como

tecidos armas sake velas e algas Se praticado pela Saiō (齋王) misogi decorria num rio da

capital na primeira dezena de dias do oitavo mecircs e do nono mecircs ambas datas escolhidas por

ldquoadivinhaccedilatildeordquo ndash responsabilidade do Onmyōryō Por sua vez este ritual fazia parte de uma

grande cerimoacutenia na qual se preparavam tecidos caixas jarros carne seca cabaccedilas e peixes e

cujos participantes eram essencialmente membros da corte (Jingikan e Onmyōryō) cada um

desempenhando uma tarefa especiacutefica ecoando o sucedido nos matsuri do Jingikan um

Nakatomi executava oharai servindo-se da onusa (Nakatomi onusa tatematsuru [神祇官中臣

進麻]) e o miyanushi (宮主) entoava harae kotoba (祓詞) Igualmente realizado durante a

deslocaccedilatildeo da jovem para o No-no-miya e Itsuki-no-miya em Ise e no uacuteltimo dia do mecircs 260

misogi eacute descrito no sexto volume do Engishiki como parte da celebraccedilatildeo do Imibikamado-

matsuri (quarto mecircs e sexto mecircs) ndash um gokei no qual participavam todos os funcionaacuterios do

palaacutecio - e um matsuri anual (毎年禊祭) 261

Atualmente misogi pode ser praticado por qualquer pessoa e eacute aceite como um ritual

vaacutelido para qualquer tipo de shintō Shinshū-kyō (神習教) tem como metas alcanccedilar ldquoum

espiacuterito de um kami por praticar purificaccedilatildeo oharairdquo a aquisiccedilatildeo de um elevado niacutevel de

treino que possibilite ao indiviacuteduo ensinar os outros e eacute claro ldquoalcanccedilar harmonia com os

258

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112 259

NISHIGAKI Yukio op cit p 544

260 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜

式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-

06-2018) 261

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式

(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 87

kami e rezar pelo descanso das almas dos outrosrdquo Neste contexto misogi faz parte da

estrateacutegia de cultivo de ldquopurificaccedilatildeo interiorrdquo que encoraja o processo de aproximaccedilatildeo do

humano ao kami 262

Em suma a purificaccedilatildeo estaacute intimamente associada agrave visatildeo positiva do ser humano

apoiada por shintō Shinshū-kyō natildeo soacute ensina o indiviacuteduo a ldquodemonstrar gentileza aos

outrosrdquo ldquotrabalhar diligentemente (no seu proacuteprio negoacutecio)rdquo e a ldquopreservar firmeza no teu

coraccedilatildeordquo como procura ldquopacificar o espiacuterito porque eacute parte do espiacuterito do kamirdquo 264

(bunshin

mitama wo shizumu beshi分神神魂を鎮むべし) e ldquolimpar as impurezas do corpordquo (mi no

shūshoku wo harau beshi身の鏽蝕を祓うべし) 263

proporcionando o desenvolvimento do

caraacutecter do indiviacuteduo

Na visatildeo de Misogi-kyō (禊教) o trio de tesouros imperiais satildeo ldquoos mais eficazes

agentes de purificaccedilatildeordquo pois ldquotodas as formas de impureza podiam ser removidasrdquo Apoiado

em misogi harae e ldquorespiraccedilatildeo proacutepriardquo o setor utiliza misogi como ldquoum meacutetodo para

melhoria da vidardquo aproximando as pessoas do kamirdquo 262

Interpretando-se esta praacutetica como o

uacutenico modo de ldquoreavivarrdquo a ldquoboa sorterdquo (literalmente ldquosorte proacutesperardquo ou sakae no unsei [栄

絵の運勢]) misogi possui visiacuteveis efeitos de purificaccedilatildeo externos 264

Contudo o busiacutelis da questatildeo eacute a ldquopurificaccedilatildeo internardquo (nai seijōshōjō 内清浄)

denominada iki ichisuji no misogi (息一筋の禊) iki (息) natildeo eacute somente a ldquoorigem do corpordquo

mas tambeacutem a proacutepria ldquoexistecircnciardquo (seimei [生命]) 264

e estaacute diretamente relacionada com a

entoaccedilatildeo da norito ldquo

tōkami emitamae harae tamae kiyome tamairdquo (literalmente ldquokami

distante purificai e limpai enquanto rezamosrdquo) em voz alta

262 um momento caracterizado

pela ldquofusatildeordquo do corpo com a mente graccedilas ao cultivo do autocontrolo do corpo a Desordem

(aqui maga) deixa de existir 264

No contexto de jinja shintō misogi faz ainda parte da cerimoacutenia shūbatsu (修祓) na

qual se abre o edifiacutecio interior do jinja e o shintai eacute visualizado pelos shinkan que se

262

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 234-236 263

O ldquoespiacuterito do kamirdquo eacute mitama (神魂) e ldquocoraccedilatildeordquo kokoro O termo ldquoimpurezasrdquo lecirc-se no texto original [鏽

蝕] o primeiro lecirc-se sabi e natildeo eacute muito usado na linguagem diaacuteria (鏽) significando ldquoferrugemrdquo ou ldquocorrosatildeordquo

o segundo eacute o kanji [蝕] do qual deriva o verbo mushibamu geralmente traduzido como ldquoser devorado por

dentrordquo ldquominarrdquo ldquoarruinarrdquo Shintō Shinshū-kyō Kōushiki Page 教 義 (on line)

lthttpshinshukyojpE69599E7BEA9gt (consultado em 24-06-2018) 264

Misogi-kyō Shintō 神道禊教の教理 (Doutrina de Shintō Misogi-kyō) (on line) lthttpwwwmisogi-

kyouorjpkyourihtmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 88

ldquopurificam de modo a tomarem parte nos rituaisrdquo atirando baldes de aacutegua fria sobre si

mesmos ou escolhendo colocar-se ldquodebaixo de uma cascata num rio ou no marrdquo dependendo

da localizaccedilatildeo do jinja Posteriormente os participantes no matsuri satildeo purificados

cumprindo-se as condiccedilotildees de invocaccedilatildeo dos kami 265

que respondem ao apelo impliacutecito nas

norito entoadas pelos shinkan

Associadas agrave tradiccedilatildeo de kotodama norito satildeo acolhidas entusiasticamente pela

sociedade japonesa quer sejam ldquovelhasrdquo (do Engishiki e outras fontes do Periacuteodo Heian) e

norito ldquonovasrdquo ou seja norito poacutes- Engishiki criadas por estudiosos e praticantes das vaacuterias

formas de shintō (Ise e Yoshida shintō Shugendō kyōha shintō shin shūkyō) e associadas a

jinja especiacuteficos (ldquocultosrdquo em Ise Izumo Dewa Togusa ldquocultosrdquo a Inari e Hachiman) 266

Etimologicamente norito tem as suas origens na frase ldquoNakatomi-no-Kane Muraji

norito wo norurdquo (中臣金連祝詞を宣る) Como se pode constatar o verbo que lhe estaacute

associado eacute noru (宣) cujo kanji significa ldquodizerrdquo ldquoexpressarrdquo e ldquoinformarrdquo num sentido

formal agrave maneira dos ldquoeacuteditos imperiaisrdquo (senmyō [宣命]) 267

Vaacutelidas para uso individual ou coletivo norito contemporacircneas tendem a inspirar-se

em norito muito mais antigas por exemplo a frase ldquoharae tamae kiyome tamairdquo de Misogi-

kyō surge na Ōharae kotoba do Engishiki como uma dupla accedilatildeo decorrida na ldquoōharae do

anoitecer do uacuteltimo dia do sexto mecircsrdquo (kotoshi no minadzuki no tsugumori yūhi no kudachi

no ōharae ni harai tamai kiyome tamau-koto wo 今年の水無月の大晦日 夕日之降の大祓

に祓給ひ清給事を) 268

eliminam-se assim os tsumi (tsumi ha araji wo罪波不在止) de

todos os cantos ldquodebaixo do ceacuteurdquo (Anexo IV)

Seguindo uma ldquofoacutermula usada em cerimoacutenias religiosas em endereccedilando divindades

(hellip) usam uma forma respeitosa subserviente forma de dicccedilatildeordquo norito tecircm a sua forccedila no

som e natildeo na parte gramatical ou na etimologia lexical recorrendo-se frequentemente a

265

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 177

266 O arquivo virtual Ko-kon Shūkyō Kenkyūjo regista um total de 55 norito devidamente ldquocategorizadasrdquo

consoante a temaacutetica e o local de veneraccedilatildeo Ko-kon shūkyō kenkyūjo ldquo祝詞 諸文献rdquo (Norito Vaacuterias

referecircncias) 神道資料集 (Colecccedilatildeo de materiais de shintō) (on line) lthttpwwwko-konnetnoritogt

(consultado em 24-06-2018) 267

NISHIGAKI Yukio op cit p485 268

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 89

ldquorepeticcedilatildeo paralelismo longas enumeraccedilotildees de nomes de divindades e oferendas metaacuteforas

o uso de registos mitoloacutegicos para explicar a origem de certas formas de veneraccedilatildeordquo 269

Natildeo obstante estas frases servem de prevenccedilatildeo contra forccedilas ldquonegativasrdquo incluindo

tatari gami ou ldquoespiacuteritos malignosrdquo devidamente acalmados e purificados respetivamente

Usadas em matsuri oficiais norito descreviam com pormenor quem as proferia o seu

objetivo a quem se dirigiam e o local onde decorria esta entoaccedilatildeo cujo raio de atuaccedilatildeo era

individual ou coletivo (capital habitaccedilotildees funcionaacuterios o palaacutecio todo o Japatildeo a corte) 270

No que concerne agrave sua entoaccedilatildeo estes conjuntos de frases eram responsabilidade dos

Nakatomi ou de outros consoante a ocasiatildeo na ldquomensagem de aberturardquo do oitavo capiacutetulo

do Engishiki regista-se que os Inbe deviam entoar norito dos ldquoritosrdquo Goden (御殿) e Mikado

(御門) e nos restantes matsuri a honra cabia aos Nakatomi (以外諸祭中臣氏祝詞) nos

matsuri das quatro estaccedilotildees (凡四時諸祭) essa funccedilatildeo fazia parte dos deveres dos kanbe (神

部) no Kanmisosai somente o daijingūji de Ise (ldquoSumo-Sacerdote do Grande Santuaacuterio de

Iserdquo) devia entoar a norito (大神宮司宣祝詞) e nas celebraccedilotildees em Ise (Kanmisosai os

matsuri do sexto e deacutecimo segundo meses e Kannamesai) 271

as norito de Ōimisai (大忌祭)

Tatsuta Fūjinsai ( 龍田風神祭 ) e Hiranosai ( 平野祭 ) eram responsabilidade dos

ldquomensageiros imperiaisrdquo Jaacute os Inbe encarregavam-se das ldquofoacutermulasrdquo de proteccedilatildeo do palaacutecio

imperial (Ōtono-no-hogai (大殿祭) e do ldquoFestival dos Portotildeesrdquo (Godensai 御殿祭) ndash cuja

meta era a ldquogarantia a proteccedilatildeo das divindades que guardam os portotildees do Palaacutecio Imperialrdquo ndash

no ldquodeacutecimo segundo dia do sexto e deacutecimo segundo mesesrdquo 270

Por uacuteltimo a norito de

Ōharae era ldquopartilhadardquo pelos Urabe e os Nakatomi enquanto que nos Chinkasai (鎮火祭) e

Michiaesai (道饗祭) soacute os Urabe eram elegiacuteveis para tal tarefa 271

O avanccedilo do estudo da tradiccedilatildeo ritual shintō impulsionou uma anaacutelise aprofundada

das norito estabelecendo-se uma ligaccedilatildeo direta com o processo de purificaccedilatildeo o meio por

excelecircncia para atingir a tatildeo desejada Ordem entre o praticante e o kami venerado norito satildeo

uma espeacutecie de purificaccedilatildeo verbal aludindo a um processo positivo mas interno Tal

abordagem introduz uma perspetiva mais subjetiva do que se entende por norito auxiliando

269

PHILIPPI Donald Norito A Translation of the Ancient Japanese Ritual Prayers With a new Preface by

Joseph M Kitagawa Princeton Princeton University Press 1990 pp1-2 270

PHILIPPI Donald op cit pp5-15 271

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 90

na compreensatildeo da purificaccedilatildeo interna que recaiacutea sobre o kokoro (心) Por sua vez kokoro

associar-se-ia a meijō (明浄)

Escrito em japonecircs com o kanji de ldquocoraccedilatildeordquo (shin de shinzō [心臓]) kokoro denota

algo de natureza natildeo palpaacutevel e interior a qualquer indiviacuteduo servindo de prefixo agraves palavras

kokoroeru (心得 ) ato de ldquocompreender o significado das circunstacircncias e das coisasrdquo

kokoroe ldquocompreensatildeordquo e ldquoter cautelardquo kokoronai (心無 ) designa uma condiccedilatildeo de

ldquoinsensibilidaderdquo pelo proacuteximo (em linguagem corrente ldquonatildeo ter coraccedilatildeordquo) 272

kokoro-

gawari (心変わり ) literalmente a ldquomudanccedila de kokorordquo indica a suacutebita alteraccedilatildeo dos

sentimentos intenccedilotildees e convicccedilotildees do indiviacuteduo em relaccedilatildeo a terceiros

No Nihon shoki o kanji em si eacute precedido por outros caracteres [黒心] e [無黒心]

significam aproximadamente ter um coraccedilatildeo negrordquo ou o seu oposto o sentido obtido eacute

negativo e positivo respetivamente marcando presenccedila no episoacutedio da competiccedilatildeo de

Susano-o-no-mikoto e de Amaterasu (有黒心) e no ano 646 da Era Taika (不正心者)

literalmente ldquopessoas de kokoro injustordquo Se estiver ao lado de [清] a expressatildeo lecirc-se seishin

ou kiyoki kokoro um kokoro puro (清心) 273

evidenciando a sua ligaccedilatildeo com meijō ambos

satildeo palavras positivas por princiacutepio

Por outro lado Engishiki descreve kokoro como uma caracteriacutestica interior de

humanos e kami na norito de Ōtono-no-hogai [心] surge na frase ashiki kokoro kitanaki

kokoro naku (邪意穢心無く) 274

ndash o segundo kanji tambeacutem se lecirc como kokoro mas o seu

significado eacute o de ldquointenccedilatildeordquo denotando a conduta correta seguida por todos os trabalhadores

do palaacutecio e membros da corte ndash traduzida por Philippi como ldquosem quaisquer maacutes intenccedilotildees

ou impuras intenccedilotildeesrdquo 275

na norito de Hi-shizume-no-matsuri (Chinkasai) kokoro eacute um

atributo de natureza maligna do kami do fogo (Homusubi-no-kami 火結神) ndash evidenciado

pela expressatildeo kokoro saganakiko (心惡子) ldquocrianccedila de mau kokorordquo ndash um kami gerado por

272

NISHIGAKI Yukio op cit pp 286-287 273

SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on

line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 274

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018) 275

PHILIPPI Donald op cit p 43

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 91

Izanami cujo temperamento provoca Desordem que naturalmente justifica a ldquopacificaccedilatildeordquo

(shizume matsure 鎮奉れ) por parte de outros kami seus irmatildeos 276

Em contrapartida tambeacutem a norito ldquopara afastar uma divindade vingativardquo (tataru

kami wo utsushi-yaru 遷卻祟神) segue a temaacutetica de reordenaccedilatildeo especificamente a uma

retificaccedilatildeo ativada por Kamunaobi e Ōnaobi kokoro refere-se aqui ao kokoro claro de kami

ldquopacificadosrdquo (sumera-gami ōmikokoro akiraka ni 皇神等の御心も明に) sendo que esta

transiccedilatildeo de kami ldquoviolentosrdquo para kami ldquopaciacuteficosrdquo (ara furu kami-tachi wo kashi harai

tamai kami nagoshi ni nagoshi tamai荒振神等を神攘攘給ひ神和和給) se deve a outros

dois kami 276

pacificaccedilatildeo tambeacutem eacute purificaccedilatildeo

Na perspetiva de Picken purificaccedilatildeo e pureza natildeo soacute partilham de uma conotaccedilatildeo

positiva como mantecircm entre si uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia pureza eacute a meta e a

consequecircncia do resultado da purificaccedilatildeo se o indiviacuteduo eacute o recetor de oharai que por sua vez

beneficia o kokoro meijō indica a ldquorestauraccedilatildeo do estado de pureza conhecido como seimei-

shin (ou akaki kiyoki kokoro)rdquo Por outras palavras o praticante torna-se portador de um

ldquoclaro kokorordquo (akaki kokoro明心) ldquopuro kokorordquo (kiyoki kokoro清き心) ldquocorreto ou justo

kokorordquo (tadashiki kokoro 正しき心) e o ldquokokoro retordquo (naoki kokoro 直き心) 277

um

quarteto de caracteriacutesticas eticamente boas

Assim os contornos eacuteticos da relaccedilatildeo kokoro - pureza revelam-se fundamentais para

a compreensatildeo de novas perspetivas modernas e japonesas de shintō segundo Muraoka

Tsutsunegu (村岡典嗣 1884-1946) meijō eacute uma ldquocaracteriacutestica eacutetica de shintōrdquo e um atributo

transversal em qualquer ldquodivisatildeordquo desta Via equiparado ao niacutevel de uma ldquodoutrinardquo (meijō

shugi明浄主義) no ldquosentido de que existe reverecircncia pelo claro e puro (hellip) em toda a mateacuteria

e pensamentordquo Por conseguinte meijō eacute o puro que carece de impurezas uma condiccedilatildeo

ldquoprimordialrdquo partilhada por todas as pessoas por oposiccedilatildeo a tsumi e kegare cuja presenccedila eacute

inviabilizada (temporariamente) em caso de purificaccedilatildeo regressando agrave sua origem (Yomi ou

Ne no kuni) durante harai 278

Aliaacutes a consciencializaccedilatildeo do kokoro como um dos componentes da eacutetica japonesa

reflete-se desde logo na linguagem dos eacuteditos imperiais do Zoku Nihongi qualificando-se o

276

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018) 277

PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 176 278

PICKEN Stuart op cit pp 254 256-257

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 92

kokoro como algo ldquopurordquo (kiyoki kokoro 清き心) ldquoclarordquo (akaki kokoro 明き心) e ainda

ldquokokoro puro e clarordquo (kiyoki akaki kokoro清明心) Como se pode constatar nos eacuteditos dos

anos 707 (以明浄心而 浄明心以而) 743 (明浄心) 757 (諸以明清心皇朝 自今往前者以

明直心仕奉朝廷 悪心無而清明心) e 770 (衆浄明心正直言以而) 279

ter um kokoro cuja

essecircncia fosse de ldquohonestidaderdquo ldquoclarezardquo e ldquosinceridaderdquo elucida a importacircncia da pessoa

possuir uma boa natureza

Durante o Periacuteodo Edo protagonistas da escola Kokugaku como Kamo-no-Mabuchi

(賀茂 真淵 1697-1769) e Motoori Norinaga apoiam esta perspetiva mais eacutetica do kokoro

apelando ao lsquokokoro sincerorsquo ou lsquomakoto no-kokororsquo (真の心) isto eacute a derradeira virtude de

shintō 280

o que naturalmente reforccedila a importacircncia da caracteriacutestica ldquosinceridaderdquo (makoto)

Avaliada como algo dentro do kokoro ou que lhe eacute independente makoto (真) eacute

homoacutefono da palavra makoto (誠) cuja etimologia eacute makoto ( 真事) literalmente ldquoverdadeiras

palavrasrdquo e significa ldquonatildeo mentirnatildeo enganarrdquo 281

partilhando de um significado positivo

semelhante aos termos ldquohonestordquo (tadashii 正しい) ldquohonestidaderdquo (正直) makoto [真] por

sua vez tende a ser traduzido por ldquosinceridadeverdadeirordquo

No entender de Picken makoto (真) eacute um dos seus muitos vocaacutebulos ldquomoraisrdquo de

shintō juntando-se a kansha (感謝) ou ldquogratidatildeordquo forma de o indiviacuteduo expressar ldquogratidatildeo

humana pela sua dependecircncia sobre o divinordquo e tambeacutem uma atitude de respeito para com a

sociedade que o serve junsui (純粋) ou ldquopessoasrdquo de ldquocoraccedilatildeo puroinocentesrdquo relacionadas

com os traccedilos de caraacutecter ldquobomrdquo (seimei shin) definidos com base nos estudos de poesia e

outros textos antigos 282

Por conseguinte ldquosinceridaderdquo e ldquoagradecimentordquo relacionam-se

com o primeiro grande objetivo da Jinja Honchō conferindo a makoto as qualidades akaki

(ldquoclarordquo e kiyoki (ldquopurordquo) 283

Neste sentido makoto significa tambeacutem ser verdadeiro agraves suas intenccedilotildees e acreditar-

se no que estaacute a fazer uma atitude fundamental para qualquer praticante de shintō quem tiver

279

Ao todo [心] surge 211 vezes nesta obra tanto de forma isolada como acompanhado dos referidos termos

Por vezes as caracteriacutesticas positivas natildeo se aplicam somente ao kokoro mas tambeacutem ao discurso tomando-se o

exemplo de shōjiki kotoba (正直言) ldquopalavras honestasrdquo 続日本紀 朝日新聞本 (ZokuShoku Nihongi Versatildeo

do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokuallhtml (consultado em 24-06-2018) 280

PICKEN Stuart op cit pp 219-220 281

NISHIGAKI Yukio op cit pp 531-532 282

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 283

Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line)

lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 93

uma ldquovontade sincerardquo em fazer parte dos rituais conseguiraacute cultivar uma relaccedilatildeo proacutexima

com o kami No que concerne ao kokoro este pode ser qualificado como algo ldquobomrdquo (kiyoki

kokoro akaki kokoro yoshiki kokoro) ou ldquomaurdquo (ashiki kokoro) dependendo do caso

distinguindo-se de makoto que dispensa tais significados prejudiciais

Os grandes estudiosos do Periacuteodo Edo nunca se pronunciam sobre um kokoro mau

kokoro eacute sempre um atributo humano (ou de kami) positivo frequentemente associado a shintō

surgindo termos como o magokoro (makoto no-kokoro)

Palavra derivada da combinaccedilatildeo de ldquoverdadeirordquo (真) e kokoro magokoro eacute parte da

piracircmide de ldquovalores positivosrdquo individual assemelhando-se agrave qualidade ldquointenccedilatildeo de

sinceridaderdquo (seii 誠意) Contudo segundo o Tama boko hyakushu (玉鉾百首) de Norinaga

o magokoro corresponde a uma consequecircncia da accedilatildeo do princiacutepio musubi presente na mitama

dos kami um kokoro despido de valores opostos (bemmal sapiecircnciaburrice

capacidadeincapacidade) e cuja qualificaccedilatildeo varia consoante o tipo de experiecircncia e accedilatildeo

(boamaacute) Identificado como uma condiccedilatildeo inata aos seres humanos magokoro tem no seu

nuacutecleo a funccedilatildeo de ldquomovimentordquo nas palavras de Motoori Ōhira (本居大平 1756-1833)

irmatildeo mais novo de Norinaga o kokoro eacute designado de magokoro quando se torna ugoku

kokoro ou ldquokokoro que se moverdquo (うごくこころ動く心) quando alguma coisa de natureza

positiva ou negativa consegue fazer comover (tocar) o kokoro das pessoas estaacute-se perante um

ugoku kokoro agindo-se ldquonaturalmenterdquo conforme o estadonatureza das coisas e

acontecimentos 284

Uma caracteriacutestica uacutenica e individual de cada ser humano que justifica a existecircncia

de kami e coisas boasmaacutes 284

o magokoro existiria na realidade atual (Hito no yo 人の代)

embora remonte aos tempos do Kami-yo uma era temporalmente incerta e marcada pelo

permanente ciclo de Desordem e a Ordem colocando-se sempre a hipoacutetese de esta Desordem

ser ldquocuradardquo tornando a realidade calma e paciacutefica 285

entre o ldquobemmalrdquo vidamorte a vida

e o bem seriam sempre vitoriosos ilustrando a atitude otimista e positiva de Norinaga

tambeacutem adotada pelos praticantes de shintō

284

UMIHIKO ldquo本論 第七回「「真心(まごころ)」とは」の巻rdquo (Texto do Seacutetimo Capiacutetulo magokoro

eacute) 本居宣長研究ノート「大和心とは」本論 (Bloco de notas de Pesquisa Motoori Norinaga ldquoYamato

Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-07phpgt (consultado em 24-06-2018) 285

UMIHIKO ldquo第八回「『真心(まごころ)の型」の巻 rdquo (Texto do Oitavo Capiacutetulo O modelo de

magokoro) 本居宣長研究ノート「大和心とは」 本論 (Bloco de Notas de Pesquisa Motoori Norinaga

ldquoYamato Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-08phpgt (consultado em 24-

06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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Um seacuteculo mais tarde Katō Shigeharu (加藤 重春 1818-) avaliaria o significado

eacutetico do kokoro e makoto a sua obra Shintō fumoto no tateishi (神道麓之立石) categorizaria

kokoro e makoto como duas das quatro Vias de shintō respetivamente a ldquoVia do kokorordquo

(shintō 心道) e a ldquoVia da verdaderdquo (shintō 真道) se na primeira Via shintō eacute qualificado

como uma ldquoVia que retifica a menterdquo a ldquoVia da verdaderdquo reforccedila a importacircncia da

ldquosinceridaderdquo uma vez que ldquoqualquer pessoa que desconsiderasse a importacircncia de

sinceridade eacute uma pessoa viciosardquo Shintō deveria simplesmente ldquofluirrdquo influenciando

automaticamente as accedilotildees do indiviacuteduo cujo coraccedilatildeo eacute ldquoretificado reto e unido com os kamirdquo

soacute assim as suas accedilotildees estariam de acordo com a Via 286

Nos periacuteodos posteriores ao Engishiki o conceito de kokoro adquire alguma

importacircncia a um niacutevel mais ldquofilosoacuteficordquo numerosos textos criados por escolas e autores

independentes expotildeem as suas ideias acerca de kokoro ldquopurezardquo e ldquopurificaccedilatildeordquo bem como os

seus efeitos desta uacuteltima no ser humano Na tradiccedilatildeo de Ise shintō kokoro (ldquomenterdquo) faz parte

do trio ldquopurezardquo- ldquomenterdquo ndash ldquohonestidaderdquo como se constata no Ruiji Jingi Hongen (類聚神

祇本源) de Watarai Ieyuki a ldquopurezardquo eacute uma caracteriacutestica que denota honestidade o ato de

empreender uma tarefa com uma ldquomente que eacute calma (hellip) comportar-se numa maneira que

transcende vida e morte (hellip) tal como obedecer agraves seis proibiccedilotildees relacionadas com o modo

proacuteprio de observar rituaisrdquo (as seis formas de shokue do Engishiki) Em Shintō Kanyō (神道

簡要) do mesmo autor ldquopurezardquo eacute a raiz da ldquohonestidaderdquo e por conseguinte o uacutenico modo

de o indiviacuteduo obter benefiacutecios dos kami uma condiccedilatildeo presente ldquoquando a mente eacute retificada

(uma virtude Confuciana) balanccedilada sem manchar ou sendo manchadardquo e age com

ldquopropriedade em concordacircncia com razatildeordquo isto eacute possui ldquopropriedaderdquo (tsutsushimi 慎み

ldquoter uma atitude proacutepriaadequadardquo) 287

Na escola de Yoshida shintō Kanetomo interpreta esta Via como uma via de

proteccedilatildeo do kokoro (ldquomenterdquo) e como tal a pessoa deveria proceder a uma ldquopureza interna e

externardquo de modo a ldquoseguir a via dos kamirdquo 288

e manter com estes mesmos kami uma relaccedilatildeo

de proximidade graccedilas ao elo de ligaccedilatildeo o kokoro Responsaacutevel pela ldquoreinvenccedilatildeordquo do

conceito de kokoro no seu tempo Kanetomo eacute pioneiro na argumentaccedilatildeo de que o ldquocoraccedilatildeo

286

Aleacutem das Vias do kokoro e de makoto fazem parte de shintō o proacuteprio shintō (Via dos kami) e shintō ou ldquoVia

dos paisrdquo (親道) que enfatiza a virtude confuciana de piedade filial (oya kōkō 親孝行) PICKEN Stuart

Sourcebook in Shinto op cit pp169-170 287

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 177-180 288

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 28

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humanordquo (kokoro) e kami satildeo uno e a ldquomesma coisardquo 289

justificando a sua proposta de um

tipo de shintō cuja praacutetica ritual transporta consigo um potencial de purificaccedilatildeo fiacutesicamental

Natildeo obstante a linha de pensamento deste autor jaacute estava subentendida num dos

mais ceacutelebres textos de exposiccedilatildeo de Nakatomi Ōharae o Nakatomi Harae Kunge (中臣祓訓

解) Por norma datado do final do Periacuteodo Heian ou dos iniacutecios do periacuteodo seguinte a obra eacute

considerada parte de Ryōbu shintō e releva o papel de Nakatomi Harae aquando deste ldquoritualrdquo

argumentando acerca do papel fundamental da ldquomente humanardquo 290

- o kokoro - por sua vez

descrito por Kanetomo como aquilo que ldquoregerdquo e ldquoorientardquo o praticante e um ldquolugar onde os

kami governantes do universo vivem um lugar sagrado no qual a raiz e origem do cosmos eacute

para ser encontradardquo 289

Assim o kokoro (do homem) eacute o uacutenico elemento no indiviacuteduo capaz

de ldquocomungar com Ceacuteu e Terra com a grande natureza com o cosmosrdquo isto eacute o ldquotodordquo 290

estamos entatildeo perante um vislumbrar de realidades que estatildeo normalmente vedadas ou

veladas ao praticante devido agraves limitaccedilotildees fiacutesicas do corpo

Neste sentido entrar em contacto com os kami eacute um processo ldquomentalrdquo pois eacute a

ldquomente individualrdquo (kokoro) que consegue ldquoencontrarrdquo o kami do cosmos (hellip) origina agrave

ldquopurificaccedilatildeo da natildeo-menterdquo (mushin 無心 ) ndash Kanetomo considera mushin como termo

complementar de ldquoexistir-menterdquo (ushin 有心) dois vocaacutebulos originaacuterios da Via do Buda

que fazem parte do que se entende por ldquocaminhordquo (michi) em shintō 291

Deste modo satildeo

reunidos os requisitos necessaacuterios para a etapa final desta purificaccedilatildeo a ldquouniatildeordquo kamihomem

na qual ldquotodos os meus pensamentos e aspiraccedilotildees se tornam um com oos kamirdquo (shinjin

gōitsu) e consequentemente o retorno do indiviacuteduo sujeito a este harai agrave ldquoforma verdadeira e

originalrdquo que eacute nada mais do que o proacuteprio kami (shinjin kiitsu) 290

Alcanccedilar a Ordem atraveacutes da purificaccedilatildeo em shintō (misogi harai segundo Picken)

possibilita aquilo que geralmente eacute aceite como perspetiva da desta Via em relaccedilatildeo

agrave rdquonatureza humanardquo completar o processo de purificaccedilatildeo significa testemunhar dois

fenoacutemenos especiacuteficos a ldquouniatildeordquo do kami e do homem (shinjin gōitsu (神人合一) e a

289

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 166-167 290

PICKEN Stuart op cit pp 84-85 291

Em Yuiitsu shintō se michi eacute a ldquoraiz da miriacuteade de condutasrdquo(万物之起源也 michi towa mangyō no

minamoto nari 道とは万行の源なり) kami equivale ao kokoro da ldquomiriacuteade de coisasrdquo (神者万物心 kami towa

manbutsu no kokoro ni shite 神とは万物の心にして) Por outras palavras michi possui sempre em si duas

coisas complementares e opostas uma que ldquonatildeo-existerdquo e outra que ldquoexisterdquo HIROKAMI Kiyoshi ldquo日本にお

ける神道理論の形成rdquo (Concerning the Formation of Shinto theories in Japan) Tetsugaku shisō ronsō (哲学-思

想論叢) nordm 5 1997 pp 1-18

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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consequente ldquorestauraccedilatildeo do divino no homemrdquo (shinjin kiitsu 神人帰一 ) literalmente

ldquokamipessoaregresso ao umrdquo 292

sendo que este ldquodivinordquo eacute o kami e a ldquopessoardquo eacute o seu

ldquodescendenterdquo que eacute temporariamente afetado pela Desordem que existe no mundo

Com efeito viver a vida de forma harmoniosa eacute o mesmo que aceitar a necessidade

de restauraccedilatildeo da Ordem um processo perioacutedico e que decorre apoacutes a purificaccedilatildeo individual

ldquopurificarrdquo natildeo significa apenas harai (祓) ou kiyomeru (清める) mas tambeacutem ldquorestaurarrdquo

(naoru直る) 293

a relaccedilatildeo simbioacutetica kami-homem (e vice-versa) expressa pela palavra shinjin

ou kami (神人) isto eacute o ldquokami com uma natureza humanardquo ou ldquokami e seres humanosrdquo

referindo-se ao ldquoprinciacutepio de unidade entre kami e seres humanosrdquo 294

No fundo shinjin gōitsu e shinjin kiitsu satildeo concordantes com a ideia acerrimamente

defendida por Kanetomo de que kokoro e kami satildeo essencialmente o mesmo permitindo ao

praticante tornar-se algo mais do que fisicamente aparenta ser o kokoro eacute o derradeiro elo de

ligaccedilatildeo kami-homem aquilo que deve ser cultivado atraveacutes de rituais de purificaccedilatildeo interna

292

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 293

PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 359 294

NISHIOKA Kazuhiko ldquoKamirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

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CONCLUSAtildeO

Apesar de a popularidade que o shintō recebe hoje em contexto acadeacutemico ser

evidenciada pelo nuacutemero consideraacutevel de artigos e livros produzidos por autores natildeo

japoneses a Via dos kami em si permanece um campo por explorar natildeo existindo falta de

informaccedilatildeo e sim falta de estudo dessa informaccedilatildeo Foi com estas intenccedilotildees que se pocircde dar

forma a uma inicial miscelacircnea de pensamentos e ideias desconetadas umas das outras um

processo que como natildeo esteve isento de obstaacuteculos nomeadamente a ldquotriagemrdquo de

informaccedilatildeo (consequecircncia da jaacute mencionada ldquotriagemrdquo dos autores que forneceram essa

mesma informaccedilatildeo) atual e adequada ao campo do shintō e agrave temaacutetica ldquorituais de purificaccedilatildeo e

natildeo-purificaccedilatildeo em shintōrdquo

Neste sentido se uma das dificuldades foi encontrar informaccedilatildeo atualizada e numa

linguagem acessiacutevel (inglecircs) uma das vantagens foi a leitura e interpretaccedilatildeo de artigos

passagens de livros e textos escritos em japonecircs auxiliando na investigaccedilatildeo processo que

incluiu uma anaacutelise etimoloacutegica como complemento agrave anaacutelise teoacuterica dos rituais que

provocam a Desordem e a Ordem sem o recurso a tal metodologia dificilmente se

conseguiria responder agraves trecircs perguntas colocadas na Introduccedilatildeo

Outro ponto positivo a ter em conta foi o recurso a outras fontes aleacutem de livros nesta

era de informaccedilatildeo apesar de as obras permanecerem vaacutelidas enquanto fontes primaacuterias de

informaccedilatildeo a sua linguagem presente pode parecer estranha a quem estuda tradiccedilotildees natildeo

ocidentais Interessantemente autores como Picken natildeo caem neste erro ao contraacuterio de Ono

Sokyō De um modo geral fontes virtuais (websites oficiais e artigos de revistas cientiacuteficas)

tambeacutem natildeo seguem esta tendecircncia de ldquotraduccedilotildeesrdquo No caso de fontes japonesas (artigos

websites e livros) a traduccedilatildeo estaacute ausente permitindo reter o sentido das palavras

Sinteticamente o shintō possui uma tradiccedilatildeo de atos de veneraccedilatildeo em jinja e de

indiviacuteduos participantes nos diferentes matsuri Eacute neste sentido que os indiviacuteduos executam

ldquorituaisrdquo (conotaccedilatildeo exclusivamente positiva) favoraacuteveis agrave Ordem Regulados num contexto

de corte estas praacuteticas adaptaram-se consoante a evoluccedilatildeo histoacuterica de shintō tornando-se

vaacutelidos tanto hoje como haacute seacuteculos atraacutes Veja-se o caso de misogi misogi harai retratada

como um exemplo de purificaccedilatildeo interna e externa eacute o ritual-base da atuaccedilatildeo de Misogi-kyō e

tradicionalmente ndash devido agrave sua presenccedila no Kojiki e Nihon shoki par de obras que alude agrave

consciencializaccedilatildeo do que eacute puroimpuro - uma espeacutecie de alicerce de todos os rituais

conducentes agrave Ordem uns mais simples do que outros constatando-se diferenccedilas no que

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concerne agrave preparaccedilatildeo e organizaccedilatildeo Temizu eacute um tipo de purificaccedilatildeo fiacutesica e como tal

reconhece a existecircncia de uma ldquoimpurezardquo fiacutesica e verbal ndash kegare - oriundo das matildeos e da

boca Jaacute as norito satildeo uma purificaccedilatildeo verbal cujos efeitos positivos se repercutem no que as

escuta e naquele que as profere Apesar de hoje poderem ser utilizadas em contextos natildeo

apenas puacuteblicos norito retraccedilam as suas origens a shintō imperial e jinja shintō ambas

categorias que durante seacuteculos beneficiaram de uma posiccedilatildeo privilegiada junto do poder

poliacutetico japonecircs

Natildeo obstante as metas do shintō para a sociedade japonesa do passado satildeo as mesmas

do presente conduzir o indiviacuteduo praticante agrave Ordem atraveacutes dos rituais de purificaccedilatildeo uma

vez que jōka eacute uma temaacutetica transversal a todas as vertentes do shintō independentemente do

seu nome ou forma pacificaccedilatildeo retificaccedilatildeo oharai temizu norito misogi kessai natildeo deixam

de ser purificaccedilotildees Contudo soacute se pode falar de uma ldquopurificaccedilatildeordquo se houver razatildeo para tal

se existem rituais que reconduzem o indiviacuteduo agrave Ordem seguramente existem rituais de

natureza antagoacutenica Natildeo haacute Desordem (muchitsujo 無秩序 conotado pela autora com maga

[禍]) sem Ordem (chitsujo 秩序 se bem que algumas fontes favorecem o uso de nao [直]

para expressar esta Ordem uma vez que um dos seus significados eacute o de ldquorestaurarrdquo)

purificaccedilatildeo sem natildeo-purificaccedilatildeo e muito menos pureza sem impureza Estes trecircs pares de

conceitos satildeo interdependentes opostos e complementares Tendo isto como ponto de partida

eacute possiacutevel deduzir o seguinte shintō tem por princiacutepio um equiliacutebrio e um ciclo no qual se

encontra o indiviacuteduo a Via propotildee ao indiviacuteduo o que deve fazer e o que eacute correto fazer bem

como aquilo que natildeo deve fazer

Neste sentido o shintō reuacutene aspetos teoacutericos e praacuteticos como qualquer outra religiatildeo

apresentando a sua proacutepria ldquocosmovisatildeordquo ndash ldquovisatildeo do cosmosrdquo o cosmos eacute conotado com o

coletivo e como tal um dos seus elementos fundamentais eacute o indiviacuteduo que vive neste cosmos

esperando um dia efetivamente ligar-se a ele o que alude a noccedilatildeo de musubi aproximando o

ser humano do kami

Por conseguinte a jōka eacute um processo abrangente e inclusivo e natildeo restritivo ou

exclusivo no qual o ser humano se deve focar auxiliando-o a viver bem consigo e com os

outros A natildeo purificaccedilatildeo precede os atos de purificaccedilatildeo tal como a Desordem precede a

Ordem existindo desde os tempos incertos do Kami-yo relatados pelas mitologias japonesas

Aliaacutes esta DesordemOrdem eacute provocada pelas accedilotildees dos kami Tome-se por exemplo

Susanoo e Amaterasu com a excepccedilatildeo dos episoacutedios nos quais Susanoo repotildee a Ordem

atraveacutes da eliminaccedilatildeo de uma ameaccedila (Yata no Orochi) este kami estaacute sempre associado agrave

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Desordem como consequecircncia da sua rivalidade para com Amaterasu sua irmatilde mais velha

Tal conflito prolonga-se ateacute ao momento da restauraccedilatildeo da Ordem trazida por Ninigi neto de

Amaterasu e inimigo dos descendentes de Susanoo sobre os quais emerge vitorioso

Interessantemente esta reordenaccedilatildeo tem a dupla funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo do estatuto de

Amaterasu enquanto governante de Takamagahara e entronizaccedilatildeo de um novo poder

centralizado no territoacuterio japonecircs na figura de um suposto descendente de Amaterasu A nova

ordem coacutesmica simboliza uma nova ordem poliacutetica

Em contrapartida o ciclo de Desordem e Ordem no qual o ser humano natildeo eacute apenas

um espetador mas tambeacutem um participante tem as suas origens nos atos conscientes de

Izanagi durante misogi o primeiro ritual de purificaccedilatildeo a ser mencionado em fontes japonesas

Aliaacutes ldquorituaisrdquo satildeo processos de transiccedilatildeo de um ldquoestado potencialrdquo para a condiccedilatildeo de

ldquoatordquo negativo ou positivo em shintō se rituais de natureza positiva satildeo visualmente

manifestaccedilotildees de apreccedilo e respeito pelos kami e aproximam-nos dos proacuteprios kami rituais de

natureza oposta provocam a distacircncia Por outras palavras rituais satildeo nada mais do que

meacutetodos para atingir um fim a Ordem ou o seu inverso sendo que a purificaccedilatildeo assume um

papel basilar orientando o indiviacuteduo ao longo deste processo Executar rituais de purificaccedilatildeo

significa reconhecer os erros cometidos e efetivamente agir a favor de um coletivo

Afastando-se do que lhe eacute prejudicial e para este coletivo o indiviacuteduo segue a Via dos kami

que o auxilia a viver a vida de forma boa de estar bem consigo e com os outros

Contudo por muito atrativo que pareccedila esta ideia de Ordem eacute inevitaacutevel a seguinte

sucessatildeo de perguntas seraacute que o shintō se resume apenas a isto Um ser humano

ciclicamente sujeito a uma Desordem e Ordem que ele proacuteprio causa ou se deixa afetar por

forccedilas ldquoexterioresrdquo (kami) consequentemente atingindo natildeo apenas a sua pessoa mas tambeacutem

o que o rodeia Natildeo haveraacute uma soluccedilatildeo definitiva Uma ldquoharmoniardquo que seja permanente e

natildeo perioacutedica

Ora esta linha de raciociacutenio natildeo eacute de todo iloacutegica se o shintō existe para benefiacutecio de

quem cumpre com os rituais de purificaccedilatildeo a ldquoharmoniardquo eacute nada mais do que um meio para

atingir o derradeiro fim a felicidade Assim a verdadeira ldquoHarmoniardquo significa ir para laacute da

Desordem e Ordem da reordenaccedilatildeo constante Harmonia eacute equiliacutebrio e uma condiccedilatildeo de

plenitude perpetuada o que soacute acontece quando o ser humano estaacute ligado ao todo um todo

representado parcialmente pela sociedade e pelo indiviacuteduo que estaacute em sociedade

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No contexto do shintō o indiviacuteduo poderaacute ser definido enquanto parte do todo e de

certo modo o proacuteprio todo se a parte estaacute ligada em rede ao todo de uma forma

exclusivamente positiva eacute graccedilas agrave Harmonia De entre os autores contemporacircneos

consultados Stuart Picken destaca-se como o mais assertivo na partilha desta opiniatildeo o

entendimento que este uacuteltimo atribui agrave praacutetica misogi harai (shinjin gōitsu e shinjin kiitsu) jaacute

transparece a noccedilatildeo de Harmonia uma ldquoHarmoniardquo definitiva agrave semelhanccedila do que eacute

proposto pelo texto do Nakatomi Harae Kunge De todos os rituais de purificaccedilatildeo

mencionados este eacute o uacutenico que oferece ao indiviacuteduo algo mais do que uma Ordem

temporaacuteria conseguindo de facto inviabilizar a proacutepria Desordem

Em suma eacute possiacutevel percecionar shinjin gōitsu e shinjin kiitsu como consequecircncia de

um tipo de purificaccedilatildeo que natildeo vem do exterior Ao inveacutes de uma purificaccedilatildeo externa focada

no regresso temporaacuterio agrave Ordem urge-se uma purificaccedilatildeo que tem de vir do ldquointeriorrdquo do

kokoro Quando este atributo humano estiver em Harmonia a purificaccedilatildeo torna-se permanente

para o ser humano um ser humano em equiliacutebrio e liberto do ciclo de Desordem e Ordem que

rege a sua conduta diaacuteria

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Kurumamochi-be) 履中天皇 反正天皇(日本書紀)(Imperador Richū Imperador

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a maldiccedilatildeo do sal devido a Ōtomo-no-kanemura) 武烈天皇(八)日本書紀

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Nihonsinwa ldquo廬城部連枳莒喩の娘の幡媛の罪物部尾輿も土地を献上rdquo (O crime da

rapariga Hatahime de Iwogibe-no-muraji-kyū Mononobe-no-Ōmuraji-okoshi tambeacutem

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo I

ANEXOS

Anexo I

Desordem e Ordem de acordo com o terceiro capiacutetulo do Engishiki shokue (orientaccedilatildeo

direita-esquerda da segunda agrave quinta linha) e imi [齋] incluindo sansai e chisai durante os

atos de luto (uacuteltimas quatro linhas da paacutegina) ou no periacuteodo de gravidez das jovens do palaacutecio

(primeiras duas linhas paacutegina seguinte)

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Anexo II

Um shinkan executa oharai durante o ldquorito de shūbatsurdquo (shūbatsu no gi修祓の儀) segundo

passo do jichinsai Este matsuri decorreu em 2016 1ordm de novembro (terccedila-feira) prefeitura de

Aomori (Aomori-ken 森県 ) cidade de Hachinoe (Hachinoe-shi 八戸市 ) por parte do

Kabushima jinja (蕪嶋神社) O seu objetivo eacute ldquoapaziguarrdquo os kami do terreno onde se

construiraacute um novo shaden (社殿) isto eacute o edifiacutecio onde se guarda o shintai

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Anexo III

Uma jovem executa temizu segurando o utensiacutelio de madeira na matildeo direita que utilizou para

lavar a matildeo esquerda e agora a sua boca O texto abaixo agrave esquerda lecirc-se ldquolimpar o kokoro e

o corpordquo (心身を清める) e temizu (手水) respetivamente agrave direita a frase ldquohidarite de mizo

wo uke kuchi wo susugimasurdquo (左手で水を受け口をすすぎます) significa literalmente

ldquorecebe-se a aacutegua e lava-se a boca com a matildeo esquerdardquo

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Anexo IV

Excerto da norito de Minadzuki no tsugumori Ōharae (六月晦日大祓) oitavo volume do

Engishiki Aqui os atos de ldquopurificaccedilatildeordquo (segunda linha a contar da esquerda) provocaram a

eliminaccedilatildeo dos tsumi cometidos pelo coletivo de funcionaacuterios (quarta linha)

Page 5: recil.grupolusofona.ptrecil.grupolusofona.pt/jspui/bitstream/10437/8982/1/tese mariana nu… · Dissertação defendida em provas públicas para obtenção do Grau de Mestre em Ciência

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RESUMO

O presente trabalho procura analisar os rituais que no contexto de shintō

inviabilizam e favorecem a restauraccedilatildeo da Ordem Os rituais por norma portadores de uma

conotaccedilatildeo ldquopositivardquo podem alternativamente ser entendidos como uma sucessatildeo de

pensamentos palavras e accedilotildees justificando a classificaccedilatildeo em positivonegativo consoante os

resultados obtidos

No Japatildeo a gradual institucionalizaccedilatildeo da Via dos kami (shintō) por parte da corte

imperial favoreceu a evoluccedilatildeo de praacuteticas ldquorituaisrdquo executadas por indiviacuteduos que celebravam

a sua relaccedilatildeo com os kami formas de existecircncia e consciecircncia associadas agrave Ordem (na sua

grande maioria) e veneradas ateacute aos dias de hoje

Criado para o bem de quem o segue o shintō reconhece a purificaccedilatildeo como a

preocupaccedilatildeo transversal de todas as suas vertentes Com efeito a purificaccedilatildeo eacute um complexo

processo cujos efeitos natildeo satildeo apenas positivos para o indiviacuteduo mas tambeacutem para o coletivo

isto eacute a sociedade com a qual interage diariamente conduzindo-o agrave Ordem

Contudo natildeo haacute Ordem sem o seu oposto a Ordem e a Desordem satildeo as duas partes

de um ciclo no qual o indiviacuteduo se encontra assumindo um papel fundamental dado que tem

a capacidade de executar rituais se a Ordem eacute a meta dos rituais positivos a Desordem eacute a

consequecircncia dos rituais negativos

Palavras-chave Japatildeo shintō (神道) rituais purificaccedilatildeo (jōka浄化) indiviacuteduo

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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ABSTRACT

The following work aims for an analysis of the rituals that in the context of shintō

may invalidate and encourage the restauration of the Order The rituals typically defined by

bearing a ldquopositiverdquo connotation may alternatively be understood as a succession of thought

words and actions which justifies the lsquopositivenegativersquo classification according to the

obtained results

In Japan the gradual institutionalization of the Way of the kami by the imperial court

promoted the evolution of several ldquoritualrdquo practices executed by individuals that celebrated

their relationship with the kami forms of existence and conscience associated to the Order

(the most part of them) and worshiped to the present time

A Way created for the wellbeing of the one who follows it the shintō acknowledges

the purification as the transversal concern of all of its aspects Therefore the purification is a

complex process whose results are not just positive for the individual but also for the

collective meaning the society with whom he interacts on a daily basis which leads him to

the Order Nevertheless there is no Order without its opposite the Order and the Disorder

are the two parts of a cycle in which the individual is found assuming a vital role due to the

fact he has the capacity of executing rituals if the Order is the goal of positive rituals the

Disorder is the consequence of negative rituals

Keywords Japan shintō (神道) rituals purification (jōka浄化) individual

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IacuteNDICE GERAL

GLOSSAacuteRIO 5

INTRODUCcedilAtildeO 9

1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA 16

11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo 19

111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de divisatildeo da

realidade agrave criaccedilatildeo da mesma 24

112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordemhellip 26

12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora 32

121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa 32

122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos

kami 35

123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu 39

13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945 43

131 A visatildeo nacionalista Meiji uma lsquonatildeo-religiatildeorsquo ao serviccedilo do Estado

japonecircs 44

132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular

religiatildeo japonesa 46

2 SOCIEDADE ESPIRITUALIDADE E EacuteTICA A VIA DOS KAMI E O REGRESSO

Agrave Ordem 48

21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e

individuais 48

22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii 50

23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi 53

24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e

externa 79

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CONCLUSAtildeO 97

BIBLIOGRAFIA 101

ANEXOS I

Anexo I I

Anexo II II

Anexo III III

Anexo IV IV

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GLOSSAacuteRIO

Amatsu-no-kami literalmente lsquokami celestesrsquo satildeo um grupo de kami liderados por

Amaterasu Ōmikami e que habitam em Takamagahara (高天原) Nesta divisatildeo encontram-se

ainda os hermafroditas koto-amatsukami (別天つ神)

Fujō termo geneacuterico para designar o que eacute lsquoimpurorsquo aos olhos da sociedade japonesa Por

vezes sinoacutenimo de fuketsu se bem que esta palavra seja usada no contexto de algo

higienicamente reprovaacutevel Num sentido mais amplo fujō representa um estado de Desordem

associando-se com o termo kegare

HaraiHarae atos de lsquopurificaccedilatildeorsquo no sentido de eliminaccedilatildeo da desordem provocada pela

accedilatildeo humana ou natural Haraiharae eacute uma das praacuteticas mais recorrentes das vaacuterias vertentes

de shintō e pode ser praticada de forma individual ou coletiva

Imi palavra de conotaccedilatildeo prejudicial que convida agrave Desordem Comportamento ou algo cuja

natureza eacute negativa e reprovaacutevel de dizerfazer servindo de base etimoloacutegica ao ceacutelebre termo

imikotoba palavras natildeo pronunciaacuteveis em certas ocasiotildees (festivas)

Imuimi lido alternativamente como sai eacute uma conduta positiva e favoraacutevel ao cumprimento

de rituais shintō Frequentemente interpretado como atos de lsquoabstenccedilatildeorsquo fiacutesica e mental

imuimi seriam descritos e categorizados nas obras Yōrō-ryō e Engishiki

Jingikan um instrumento do poder poliacutetico imperial e o oacutergatildeo de manutenccedilatildeo e vigilacircncia

dos vaacuterios jinja desde os primeiros seacuteculos do periacuteodo dinaacutestico japonecircs A niacutevel legal o culto

jingi sujeitava-se agraves regulaccedilotildees do coacutedigo Jingiryō Nos dias de hoje as funccedilotildees do Jingikan

foram essencialmente substituiacutedas pela Jinja Honchō

Jinja espaccedilos fiacutesicos de veneraccedilatildeo aos kami Literalmente os ldquosantuaacuterios de kamirdquo

Kami com frequecircncia traduzido em obras por lsquodeusesrsquo lsquoentidadesrsquo lsquodivindadesrsquo e lsquoespiacuteritosrsquo

podem ser entendidos como formas de existecircncia anteriores e superiores os humanos Apesar

de a maioria atuar como representantes da Ordem os magatsubi-no-kami defendem o seu

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oposto reforccedilando a ideia de princiacutepios contraacuterios mas complementares muito visiacutevel em

shintō

Kata-shiro um pedaccedilo de papel cuja forma lembra uma figura humana o qual se escreveria o

nome e o geacutenero do seu portador esfregando-se este objeto no corpo transmitindo

simbolicamente os tsumi do corpo para o papel Praacutetica costumaacuteria em Ōharae

Kegare traduzido por lsquoimpurezarsquo e por vezes sinoacutenimo da palavra fujō kegare eacute parte da

terminologia de shintō e um dos termos conotados com a Desordem Eventualmente avanccedilos

na consciencializaccedilatildeo do lsquopuroimpurorsquo permitiram um processo de categorizaccedilatildeo cada uma

associada a uma lsquoimpurezarsquo particular

Kokoro lsquocoraccedilatildeorsquo no sentido natildeo anatoacutemico eacute o elemento interior de qualquer pessoa e

associado ao estado emocional da mesma Em contexto acadeacutemico eacute costume o termo ser

traduzido como lsquomentersquo ou lsquocoraccedilatildeomentersquo

Kunitsu-no-kami os lsquokami terrenosrsquo e hierarquicamente inferiores aos amatsu-no-kami No

fundo satildeo kami que jaacute habitariam o Japatildeo antes da conquista de Ninigi o miacutetico neto de

Amaterasu Na sequecircncia da derrota dos kunitsu-no-kami inaugura-se uma nova Ordem

coacutesmica e poliacutetica

Makoto traduzido por lsquosinceridadersquo e lsquoverdadersquo eacute uma atitude positiva inerente aos humanos

e fundamental aquando das praacuteticas de veneraccedilatildeo aos kami Um dos termos profundamente

ligados agrave natureza mais eacutetica de shintō

Matsuri a variaccedilatildeo do verbo matsuru (祭る祀る) na qual o praticante consagra oferendas a

formas de existecircncia respeitaacuteveis (antepassados kami e budas) Por norma expressotildees

puacuteblicas associadas ao culto jingi que durante o tempo de vigor do Jingikan eram

organizadas consoante as regulaccedilotildees do Jingiryō incorporado na obra Engishiki

Misogi harai o ato de banhar o corpo numa fonte de aacutegua ativando as propriedades

terapecircuticas e purificadoras deste elemento No Kojiki e Nihon shoki Izanagi-no-kami eacute

descrito como o primeiro kami a fazer uso deste ritual apoacutes regressar do Yomi o domiacutenio

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subterracircneo da mitologia japonesa Misogi eacute tambeacutem o expoente de purificaccedilatildeo a niacutevel

externo e interno

Meijō uma das palavras para lsquopurezarsquo Etimologicamente constituiacuteda por mei (明) a leitura

foneacutetica alternativa do japonecircs aki akari akarui termos que expressam as ideias de

lsquoclaroclarezarsquo e jō (浄) lsquopuropurarsquo

Musubi contendo em si a noccedilatildeo de lsquoligaccedilatildeorsquo e lsquouniatildeorsquo e de certo modo o Todo Diz-se que

musubi estaacute presente em qualquer elemento que nos rodeia

Norito frases escritas numa linguagem arcaica e hoje usadas em todo o tipo de locais de

veneraccedilatildeo Sobretudo de caraacutecter puacuteblico norito satildeo etimologicamente constituiacutedas pela

partiacutecula nori (祝) cujo kanji eacute usado no verbo lsquocelebrarrsquo (iwau) e kotoba (詞) lsquopalavrarsquo

Fundamentais para a reposiccedilatildeo temporaacuteria da Ordem

Onmyōdō a Via da escola de funcionaacuterios provenientes do Escritoacuterio Yin-Yang cujas

atividades foram reguladas pelos Abe e Kamo hereditaacuterios liacutederes dos cargos mais relevantes

desta instituiccedilatildeo

Saigū tiacutetulo conferido agrave mais importante sacerdotisa escolhida de entre os membros da

famiacutelia imperial para servir nos jinja de Ise e Kamo Jovem cujo periacuteodo de preparaccedilatildeo

envolvia uma lsquoabstinecircnciarsquo rigorosa de trecircs anos

Shinsen conjunto de alimentos (arroz sal aacutegua sake bolos de arroz peixe algas vegetais

cereais e fruta) oferecidos em altares aos kami

Shintai mitamashiro objetos palpaacuteveis (espelhos por exemplo) identificados com o proacuteprio

kami e como tal devem ser venerados de forma adequada Permanentemente escondidos

dentro do jinja e vigiados pelos responsaacuteveis ateacute ao momento dos matsuri ou outras

celebraccedilotildees

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Shintō a Via dos kami (kami no michi) e uma das religiotildees (shūkyō) reconhecidas no plano

estatiacutestico japonecircs que por sua vez a agrupa em jinja shintō ou shintō de santuaacuterios kyōha

shintō o ceacutelebre shintō setorial e as ldquonovas religiotildeesrdquo (shin shūkyō) baseadas em shintō

Tamashii o elemento inerente ao ser humano e aos kami que supostamente eacute constituiacutedo por

quatro aspetos (shikon) cada um representando uma faceta da personalidade individual Se

pertence aos kami tamashii designa-se mitama Em alguns jinja apenas parte da mitama eacute

venerada pelos praticantes

Temizu a forma abreviada de misogi na qual o indiviacuteduo lava a boca e das matildeos Temizu eacute

obrigatoacuterio antes da veneraccedilatildeo nos jinja

Tsumi palavra que significa lsquocrimersquo Eacute algo contraacuterio agrave ordem social independentemente de

esta ser entre os kami ou entre os humanos Eliminados de forma simboacutelica pelas praacuteticas

haraeharai tsumi satildeo por vezes divididos em amatsu-no-tsumi (lsquocrimes celestesrsquo) e kunitsu-

no-tsumi (lsquocrimes terrenosrsquo)

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INTRODUCcedilAtildeO

O trabalho tem como objectivo uma anaacutelise dos rituais que inviabilizam e permitem a

purificaccedilatildeo em shintō O objeto de estudo comporta natildeo apenas uma abordagem histoacuterica-

antropoloacutegica do shintō adotada por muitos autores contemporacircneos mas tambeacutem um olhar

sobre a sua praacutetica ritual que eacute considerada por muitos como o alicerce da lsquoViarsquo (em japonecircs

dō) per si entendendo-se lsquoritualrsquo como a sucessatildeo de pensamentos palavras e accedilotildees Assim eacute

possiacutevel interpretar o homem como aquele que estaacute no ciclo de Desordem e Ordem capaz de

provocar ou deixar-se influenciar pela Desordem e nesse caso o ritual eacute prejudicial negativo

Em contrapartida se se recorrer agrave purificaccedilatildeo os seus efeitos satildeo positivos e a Ordem eacute

temporariamente restaurada Tal como se constata em tradiccedilotildees ditas orientais shintō defende

a noccedilatildeo de equiliacutebrio uma vez que nada surge sem o seu contraacuterio

A escolha da temaacutetica partiu de um interesse pessoal da autora na cultura japonesa

adquirido ao longo da sua vida acadeacutemica sobretudo durante o periacuteodo de licenciatura em

Estudos Asiaacuteticos que possibilitou uma pequena amostra do que tinha sido produzido ateacute

entatildeo por autores japoneses e natildeo japoneses acerca de shintō o que se pretendia natildeo era um

estudo pormenorizado de filosofias da Aacutesia mas sim transmitir em linhas gerais o que satildeo os

lsquoismosrsquo do continente vizinho uns cuja aacuterea de impacto se reduz a uma aacuterea geograacutefica

especiacutefica e outros que beneficiaram de uma expansatildeo significativa No mestrado em Ciecircncia

das Religiotildees apesar de a vertente filosoacutefica das vaacuterias tradiccedilotildees desenvolvidas na Aacutesia ter

sido incorporada shintō natildeo teve o mesmo protagonismo que a Via do Buda a Via de

Confuacutecio ou ainda o pensamento veacutedico Em Portugal a quase indisponibilidade e ausecircncia

de materiais (atualizados) sobre shintō eacute comparaacutevel ao escasso nuacutemero de trabalhos

acadeacutemicos realizados urgindo-se a necessidade de se executar investigaccedilotildees que

contemplem shintō natildeo como uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido de ser teiacutesta panteiacutesta monoteiacutesta

politeiacutesta mas como algo aleacutem disso Neste sentido o investigador do shintō deve ignorar os

lsquopreacute-conceitosrsquo estabelecidos por outras perspetivas ocidentais que acabaram por moldar o

mundo acadeacutemico tal como o conhecemos natildeo considerando esta religiatildeo somente de um

ponto de vista estatiacutestico

Nesta perspetiva o trabalho pode ser considerado primeiramente como um texto que

procura divulgar shintō em Portugal Um dos motivos que levou a autora a realizar este

trabalho foi como jaacute referido tentar despertar o interesse das pessoas em shintō permitindo a

abertura de portas a futuras investigaccedilotildees e simultaneamente contrariando a tendecircncia de foco

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do Mestrado de Ciecircncia das Religiotildees nas religiotildees ocidentais Tal tendecircncia pode ser

verificada se o leitor pesquisar a paacutegina virtual do repositoacuterio da Universidade Lusoacutefona de

Humanidades e Tecnologias ndash o ReCiL - Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona de entre as doze

dissertaccedilotildees disponiacuteveis e realizadas por alunos do ldquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrdquo

onze satildeo sobre cristianismo ndash em Portugal e no Brasil ndash e uma eacute dedicada a um dos estilos da

arte marcial karatedō (Shotokan Karatedō 松涛館 空手道) 1

tambeacutem este uma Via ndash Via da

ldquomatildeo vaziardquo ou karate - agrave semelhanccedila de shintō Jaacute a Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das

Religiotildees publicou cinco artigos dedicados ao Japatildeo do passado especificamente o periacuteodo de

presenccedila cristatilde em territoacuterio japonecircs (e Macau) 2

Apesar de carecer de um fundador ndash apenas vaacutelido no caso de kyōha shintō ldquonovas

religiotildeesrdquo shintō e de certo modo escolas de gakuha shintō criadas como consequecircncia dos

movimentos acadeacutemicos e de exposiccedilatildeo de conceitos e rituais (que conduzem agrave Ordem) ndash um

sistema proacuteprio de ldquofeacuterdquo e ldquoensinamentosrdquo caracteriacutesticas tiacutepicas de uma lsquoreligiatildeorsquo (no sentido

lsquoocidentalrsquo) o shintō eacute praticado pelo indiviacuteduo e como tal este uacuteltimo faz parte do todo isto

eacute do mundo que o rodeia vivendo consoante as decisotildees que toma quer sejam de natureza

positiva ou negativa

Neste sentido a finalidade desta dissertaccedilatildeo natildeo eacute somente divulgar shintō o trabalho

realizado eacute um texto argumentativo que pretende responder a trecircs questotildees o que eacute o ciclo de

Desordem e Ordem o que eacute que o praticante de shintō fazia e ainda faz para causar Desordem

ou Ordem quais satildeo os motivos por detraacutes das accedilotildees que conduzem agrave Ordem

Para tentar responder agraves perguntas acima nomeadas dividiu-se o trabalho em duas

partes cada um com um nuacutemero variado de subtoacutepicos a primeira parte eacute acima de tudo

contextualizaccedilatildeo do tema explicando-se o que se entende por shintō ldquoreligiatildeordquo kami e qual a

relaccedilatildeo destes uacuteltimos com o domiacutenio sagradodivino japonecircs

Assim a realizaccedilatildeo do primeiro subtoacutepico envolveu a procura de algumas opiniotildees

formadas por autores e investigadores constatando-se a necessidade de uma anaacutelise

etimoloacutegica de termos como shintō religiatildeo (em japonecircs shūkyō) kami e ldquosagradodivinordquo

(dicotomia seishin) Em segundo lugar efetuou-se uma siacutentese do que outros autores

(japoneses ou natildeo) entendem por kami por vezes sujeitos a processos de classificaccedilatildeo ou

1 The DSpace Foundation ldquoPercorrer lsquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrsquo por data de publicaccedilatildeordquo ReCiL -

Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line)

lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104375704browsetype=dateissuedgt (consultado em 24-06-2018) 2 The DSpace Foundation ldquoResultados da pesquisa- Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das Religiotildeesrdquo ReCiL -

Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line) lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104373095simple-

searchquery=japC3A3ogt (consultado em 24-06-2018)

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categorizaccedilatildeo Seguidamente kami satildeo analisados enquanto personagens fundamentais da

cosmologia japonesa conforme os relatos do Kojiki e Nihon shoki participando no processo

de divisatildeo da realidade - sendo que esta divisatildeo pode ser tripartida (sobretudo mundo

superior mundo do meio e mundo inferior) ou bipartida (o lsquonosso mundo fiacutesicorsquoo lsquooutro

mundorsquo) ndash e ainda na criaccedilatildeo desta uacuteltima - considerando-se lsquocriaccedilatildeorsquo como o ato consciente

dos kami (neste caso o casal Izanagi e Izanami) de gerar as coisas que compotildeem o nosso

mundo e tambeacutem kami associados a essas mesmas coisas Apoacutes esta criaccedilatildeo certos kami

tornam-se agentes da Ordem (Amaterasu) e da Desordem (Susano-o e Ōkuninushi)

expressando a noccedilatildeo de equiliacutebrio muito presente nos rituais de shintō que explicam a Ordem

como a consequecircncia da condiccedilatildeo de Desordem (o episoacutedio da Ama no Iwato por exemplo)

No uacuteltimo subtoacutepico explicou-se a evoluccedilatildeo de shintō ao longo dos seacuteculos de

interaccedilatildeo com as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda observando a sua integraccedilatildeo na esfera

poliacutetica japonesa desde os primeiros tempos de institucionalizaccedilatildeo das praacuteticas de veneraccedilatildeo

aos kami ateacute agrave atualidade Natildeo obstante deve-se alertar para o facto de que este subtoacutepico natildeo

apresenta shintō numa perspetiva cronoloacutegica a Via do Confuacutecio - a primeira a ser estudada

neste trabalho - influenciou a sociedade claacutessica japonesa mas a adaptaccedilatildeo dos seus

ensinamentos por parte de shintō soacute se veio a realizar num periacuteodo posterior Por outras

palavras se se pretendesse uma evoluccedilatildeo cronoloacutegica de shintō o esquema a seguir seria ldquoVia

de Dao-Via do Buda-Via de Confuacuteciordquo

No que concerne agrave segunda parte esta corresponde ao desenvolvimento do tema e

como tal investiga-se algumas teorias e praacuteticas - uma vez que a teoria daacute coesatildeo agrave praacutetica e a

praacutetica eacute uma forma de dinamizaccedilatildeo da teoria ndash do shintō retratado como uma Via

profundamente social ndash liga os humanos aos kami e vice-versa surgindo kami que atendem agraves

necessidades concretas individuaiscoletivas de quem os procura (Inari Ebisu Shichi Fukujin

e Tenjin) ndashrsquoespiritualrsquo ndash na aceccedilatildeo de se estar perante algo natildeo do domiacutenio palpaacutevel ou fiacutesico

que tambeacutem serve de elo de ligaccedilatildeo humanokami evidenciado pelo desenvolvimento de toda

uma tradiccedilatildeo de lsquoespiritualidade japonesarsquo melhor expressa por musubi rei e tamashii ndash e

lsquoeacuteticarsquo ndash no sentido de existir um bemmal ou seja algo ordenado e algo desordenado que

pode ser sempre reposto evidenciando a natureza ciacuteclica da relaccedilatildeo DesordemOrdem

Aleacutem de se analisar etimologicamente toda uma seacuterie de palavras associadas agrave

lsquoespiritualidadersquo agrave Desordem (tsumi kegare e imi) e agrave Ordem como eacute entendida pelo shintō

(os vaacuterios vocaacutebulos indicativos de lsquopurificaccedilatildeorsquo e algumas norito relevantes) e por algumas

escolas de pensamento desta Via abordam-se duas qualidades internas do ser humano

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denominadas kokoro e makoto integrais ao campo da eacutetica japonesa bem como a shintō Os

rituais conducentes agrave Ordem revolvem em torno da purificaccedilatildeo processo de natureza externa

e interna embora a segunda seja de natureza mais subtil e portanto mais difiacutecil de atingir No

entanto o objetivo eacute sempre o mesmo contrariar o desequiliacutebrio trazido por tsumi kegare e

imi devolvendo o indiviacuteduo (e o que o rodeia) ao seu estado ordenado confirmando a ideia

de que o shintō eacute importante natildeo apenas para o indiviacuteduo

Enquanto temaacutetica de estudo os rituais de purificaccedilatildeo e de natildeo purificaccedilatildeo em shintō

satildeo uma novidade em contexto nacional mas natildeo propriamente no mundo acadeacutemico

internacional milhares de autores redigiram livros sobre shintō ou pequenos artigos sobre

ldquopurificaccedilatildeordquo ldquorituaisrdquo e ldquoimpurezardquo se bem que tsumi kegare e imi (negativo) nunca satildeo

apelidados de ldquorituaisrdquo per si No entanto este trabalho utiliza a palavra ldquorituaisrdquo num sentido

abrangente ao inveacutes de investigadores que se cingem agrave definiccedilatildeo sugerida pelo dicionaacuterio

quando o indiviacuteduo realiza algo constantemente e da mesma maneira faz um ldquoritualrdquo Em

contexto religioso ldquorituaisrdquo tendem a ser vistos como exclusivamente positivos nunca

negativos

Poreacutem ao redefinir-se ldquoritualrdquo como um padratildeo de pensamentos palavras e accedilotildees natildeo

se inviabiliza a hipoacutetese de existirem ldquorituaisrdquo que provocam o oposto do que se pretende

Interessantemente alguns autores contemporacircneos de shintō cingem-se ao ldquoritualrdquo como o

que permite o regresso agrave Ordem na introduccedilatildeo de Sourcebook in Shinto Selected Documents

Resources in Asian Philosophy and Religion (2004) Stuart Picken diz que a ldquotransmissatildeo de

Shinto (hellip) eacute mais sobre agenda do que credenda coisas a serem feitas do que coisas a serem

acreditadasrdquo colocando ldquoritualrdquo em primeiro plano 3 Aqui estaacute claramente expresso a ideia

de ldquorituais-Ordemrdquo uma vez que ldquocoisas a serem feitasrdquo satildeo logicamente coisas cujos

resultados beneficiam o indiviacuteduo Por outro lado John Breen e Mark Teeuween nomeiam

trecircs categorias de ldquorituaisrdquo cuja praacutetica eacute da responsabilidade de jinja 4 Ora uma vez que

jinja satildeo os mais relevantes espaccedilos de veneraccedilatildeo aos kami subentende-se a Ordem como a

consequecircncia destes ldquorituaisrdquo

Todavia o shintō tem por princiacutepio a noccedilatildeo de equiliacutebrio conhecer shintō significa

conhecer a Ordem e a Desordem se rituais de satildeo o meio por excelecircncia para atingir a Ordem

a natildeo purificaccedilatildeo conduziraacute agrave Desordem Em suma tsumi kegare e imi satildeo rituais porque satildeo

3 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion

Westport Greenwood Publishing Group 2004 pxxi 4 BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 p3

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realizados (de forma directa e indireta) pelo indiviacuteduo embora possuam diferentes origens e

caracteriacutesticas

No que concerne agrave metodologia e fontes utilizadas um dos criteacuterios a ter em conta foi

a contemporaneidade o shintō continua a ser um tema muito popular entre autores e como tal

um estudo mais proacuteximo desta Via requer o recurso a livros publicados recentemente e natildeo haacute

meio seacuteculo atraacutes tais como Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings

(1994) cujo autor Stuart Picken apresenta as vaacuterias categorias de shintō de uma forma sucinta

apresentando uma cronologia de eventos relevantes explicando de que maneira a conjuntura

histoacuterico-poliacutetica japonesa influenciou shintō A sua obra pode servir como um ponto de

partida para interessados ou estudiosos uma vez que aborda shintō do passado e shintō

moderno (incluindo os rituais de purificaccedilatildeo usados em ambos) Um outro ponto muito

positivo eacute a ausecircncia de ldquotermos ocidentaisrdquo como ldquoShintoiacutestardquo e ldquodeusrdquo 5 uma metodologia

igualmente favorecida pela autora

Eacute tambeacutem interessante notar que ao longo deste livro satildeo constantemente citadas e

explicadas fontes japonesas (antigas sobretudo) justificando a sua utilizaccedilatildeo (em simultacircneo

com a leitura na linguagem original) na fundamentaccedilatildeo dos subtoacutepicos da dissertaccedilatildeo Por

exemplo Kojiki Nihon shoki Engishiki e Norito 6 As primeiras duas satildeo fundamentais no

que diz respeito agrave mitologia e cosmologia japonesas ndash o termo lsquocosmologiarsquo eacute mais

apropriado do que lsquoteologiarsquo uma vez que shintō natildeo reconhece deuses ndash observando-se a

inclusatildeo da temaacutetica Desordem e Ordem primeiro como resultados das accedilotildees de alguns kami

e depois como consequecircncias dos rituais (tsumi kegare) dos proacuteprios indiviacuteduos como se

pode constatar nas croacutenicas imperiais do Nihon shoki

Jaacute o Engishiki eacute um texto de caraacutecter lsquolituacutergicorsquo tal como o Saigūki e o Kōtai Jingū

Gishiki-chō Ao longo da investigaccedilatildeo utilizou-se Engi-shiki Procedures of the Engi era

Books I-V Translated with introduction and notes by Felicia Gressitt Bock 1970 e a obra

Norito (1990) de Donald Philippi que reuacutene dezenas de norito entoadas nos diversos matsuri

celebrados ao longo do ano uns de caraacutecter mais lsquoimperialrsquo do que outros ambas obras

refletem o impacto do estudo da praacutetica ldquoritualrdquo (que conduz agrave Ordem) no shintō Contudo as

traduccedilotildees foram sempre lidas em paralelo com o texto original facultado pela paacutegina virtual

da Waseda University Library e ainda Mikoorg (apenas os oito volumes do Jingiryō satildeo

integrais ao objeto de estudo)

5 PICKEN Stuart Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings Westport Greenwood

Publishing Group 1994 pp xvii-xviii 6 PICKEN Stuart op cit p381

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Por outro lado o Saigūki e o Kōtai Jingū Gishiki-chō satildeo obras arcaicas que registam e

explicam determinados rituais prejudiciais ao indiviacuteduo isto eacute kegare e imi (imikotoba no

caso do Kōtai Jingū Gishiki-chō) Ora a informaccedilatildeo disponibilizada deve ser complementada

pelo estudo de outras fontes japonesas explica-se assim o porquecirc do recurso a textos

ldquooficiaisrdquo ndash Nihon shoki Nihon sandai Jitsuroku Nihon Kōki e ShokuZoku Nihongi) e de

caraacutecter mais legislativo Yōrō-ritsuryō e Jingiryō ambos frequentemente referenciados em

artigos contemporacircneos de autores japoneses numa tentativa de explicar alguma da

terminologia de shintō (vocaacutebulos conotados com Desordem e Ordem)

A segunda fonte primaacuteria eacute Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in

Asian Philosophy and Religion (2004) novamente Picken cita passagens traduzidas do Kojiki

e o Nihon shoki que explicam a criaccedilatildeo e divisatildeo da realidade Este meacutetodo de citaccedilatildeo de

passagens de textos relevantes aplica-se a toda a obra auxiliando o interessado no estudo de

shintō segundo a perspetiva das escolas de pensamento (Yoshida e Ise em particular) e a

escola kokugaku ambas vaacutelidas no que concerne ao aprofundamento do que se entende por

caraacutecter ldquoeacuteticordquo em shintō ldquopurezardquo kokoro e makoto satildeo frequentemente objeto de estudo

graccedilas agrave anaacutelise de outros textos antigos e de cariz oficialimperial

No que diz respeito ao livro produzido por John Breen e Mark Teuween A New

History of Shinto possui alguns pontos positivos o uso de termos japoneses a inclusatildeo de

uma cronologia e mitologia de shintō com base em fontes japonesas (traduzidas) analisando-

se ao pormenor o ceacutelebre episoacutedio Ama no Iwato uma curiosa passagem que tambeacutem foi

estudada no acircmbito desta dissertaccedilatildeo uma vez que a temaacutetica Desordem e Ordem estaacute

bastante presente embora notando-se a ausecircncia do indiviacuteduo quem participa nos rituais satildeo

os kami e natildeo os humanos

Por uacuteltimo The Kami Way de Ono Sokyō eacute um livro introdutoacuterio a shintō mas muito

mais simples do que as obras de Picken apesar de tambeacutem sintetizar a mitologia e cronologia

desta Via Espeacutecie de minienciclopeacutedia de shintō sobretudo focada na tradiccedilatildeo de jinja shintō

(rituais cerimoacutenias siacutembolos e elementos pertencentes ao domiacutenio do ldquosagradordquo) The Kami

Way eacute um livro que enfatiza a ideia de que shintō eacute uma religiatildeo e como tal a linguagem

usada eacute muito diferente da que Picken ou Breen e Teuween algo que pode ser justamente

considerado como um ponto negativo termos duacutebios incluem ldquokami-feacuterdquo ldquosagradordquo ldquomenterdquo

ldquoalmardquo certamente reconheciacuteveis para o puacuteblico-alvo natildeo-japonecircs mas que dificilmente

seriam aceites pelos autores anteriormente mencionados cujas obras procuram ser o mais fieacuteis

ao seu objeto de estudo shintō pertence agrave realidade japonesa e como tal traduccedilotildees de termos

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 15

japoneses natildeo satildeo recomendaacuteveis Jaacute um dos seus pontos positivos eacute oferecer ao leitor a

perspetiva japonesa da natureza humana subentendo o reconhecimento de uma eacutetica

(certoerrado) reforccedilando o porquecirc de shintō ser uma Via criada para o bem e a felicidade do

indiviacuteduo

Aleacutem destas quatro obras acrescenta-se o dicionaacuterio etimoloacutegico da autoria de

Nishigaki Yukio (2005) ndash etimologia eacute uma ferramenta indispensaacutevel para a compreensatildeo de

shintō dada as suas origens natildeo ocidentais - alguns episoacutedios do Kojiki (Takeda Tsunegaki) e

Nihon shoki (a traduccedilatildeo desatualizada de Aston utilizada por Picken e a versatildeo presente no

site Nihonsinwa) No caso concreto das obras japonesas claacutessicas e modernas referenciadas

sobretudo por Picken o texto original foi disponibilizado nas bibliotecas virtuais japonesas

National Diet Library (6ordm volume do Koshiden Hirata Atsutane) J-Texts e Kodaishi Dassai

com a exceccedilatildeo do Yōrō-ritsuryō que foi individualmente traduzido para japonecircs moderno no

website Kansei Daikan

Com efeito o recurso a fontes virtuais revelou-se fundamental no decorrer da

investigaccedilatildeo devendo-se destacar paacuteginas de instituiccedilotildees japonesas tais como a Encyclopedia

of Shinto - organizada pela Universidade Kokugakuin o dicionaacuterio virtual japonecircs Kotobank

que compila as sugestotildees de definiccedilatildeo de um termo por vezes pronunciando-se sobre a sua

etimologia Acrescenta-se ainda paacuteginas virtuais dedicadas agraves obras de Motoori Norinaga

(Kumo no Ikada Yamato Gokoro) e paacuteginas oficiais de setores shintō cujos objetivos

revolvem em torno da purificaccedilatildeo adotando-se certas condutas e rituais

Por uacuteltimo todos os termos estrangeiros foram escritos em letras do alfabeto e em

itaacutelico seguidas sempre dos caracteres que a compotildeem (no caso de termos chineses e

japoneses) o mesmo aplicando-se ao nome completo dos kami jinja e matsuri Em caso da

traduccedilatildeo dos vocaacutebulos japoneses utilizou-se a expressatildeo cujo significado eacute o mais proacuteximo

do original Contudo numa tentativa de se ser fiel agrave fonte e ao objeto de estudo optou-se mais

pela natildeo-traduccedilatildeo kami eacute kami tsumi eacute tsumi kegare eacute kegare e assim sucessivamente A

principal razatildeo por detraacutes desta metodologia eacute evitar o processo de incompreensatildeo da temaacutetica

abordada como resultado da transposiccedilatildeo da proacutepria mentalidade do investigador Com efeito

a fraca familiarizaccedilatildeo com a aacuterea de estudo origina a traduccedilatildeo (incorreta) de termos uacutenicos

por palavras que o seu puacuteblico-alvo natildeo japonecircs facilmente consegue perceber mas que satildeo

estranhas a shintō ou a outras lsquoreligiotildeesrsquo asiaacuteticas

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA

Escrever sobre religiotildees eacute sempre um desafio ainda mais quando a aacuterea de estudo

tem as suas reservas no que concerne agrave expressatildeo lsquoreligiatildeorsquo de difiacutecil caracterizaccedilatildeo mesmo

no mundo ocidental lsquoReligiatildeorsquo tende a ser identificada com os sistemas de lsquofeacutersquo teiacutestas

particularmente os monoteiacutestas ndash cristianismo judaiacutesmo e islatildeo ndash e politeiacutesmos na Aacutesia o

termo natildeo se pode usar com tanta facilidade religiatildeo eacute antes de mais uma palavra introduzido

relativamente recente e certamente de forma natildeo espontacircnea

No caso do Japatildeo lsquoreligiatildeorsquo natildeo existia ateacute aos meados do seacutec XIX o acolhimento

de ideias exteriores ao territoacuterio japonecircs teraacute gerado uma definiccedilatildeo muito especiacutefica de

lsquoreligiatildeorsquo e da sua favorita traduccedilatildeo japonesa shūkyō especificamente traduzindo-se o termo

inglecircs religion algo que eacute problemaacutetico por dois principais motivos os caracteres que

compotildeem a palavra (shū 宗 e kyō 教 respetivamente lsquosetoresrsquo e lsquoensinamentosrsquo) - e que jaacute

existiam de facto em forma isolada nunca em conjunto - satildeo de origem budista pondo em

causa a ldquovalidaderdquo de shintō cuja ecircnfase natildeo eacute em doutrinas ou shū 7 embora natildeo se deva

excluir a sua existecircncia

Segundo Nakamura Hajime shūkyō teria as suas origens na expressatildeo shū no oshie

(宗の教え ) ou lsquoensinamento dos setoresrsquo ndash shū significa o ldquoderradeiro significado do

princiacutepio e da verdade (hellip)rdquo presente nos ensinamentos (oshie) antes do Periacuteodo Meiji (1868-

1912) shūkyō encontrar-se-ia numa posiccedilatildeo subordinada a bukkyō (仏教) que por sua vez eacute

entendido como a fusatildeo de vaacuterios shūkyō num soacute Jaacute no Periacuteodo Meiji shūkyō torna-se um

suposto ldquoconceito supra ordenadordquo de bukkyō 8 ambas explicaccedilotildees revelam a importacircncia

desta Via como ponto de partida para o que se entende por lsquoreligiatildeorsquo termo hoje vaacutelido e

aceite pela sociedade moderna japonesa em vaacuterias aacutereas

A segunda principal razatildeo tem que ver com imagens quando um cidadatildeo europeu ou

americano pensa sobre lsquoreligiatildeorsquo serve-se do que sabe isto eacute o que a sua educaccedilatildeo e meio

envolvente lhe providenciaram um espaccedilo proacuteprio de crenccedila textos uma noccedilatildeo de lsquosagradorsquo

um fundador e eacute claro os que acreditam firmemente nesses textos e se esforccedilam por propagar

as suas ideias Se lhe perguntarem sobre outras lsquoreligiotildees natildeo-ocidentaisrsquo recorreraacute ao que eacute

7 ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious

Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 8 Ateacute ao seacutec- XVII o ldquobudismordquo natildeo era formalmente designado bukkyō (仏教) mas antes butsudō (仏道) ou

ainda buppō (仏法) IWAI Hiroshi ldquo日本宗教の理解に関する覚書rdquo (ldquoNotes on the Understanding of

Japanese Religionrdquo) Kenkyū kiyō (研究紀要) nordm 5 2004 pp 79-89

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do conhecimento geral publicado em livros e outros meios de informaccedilatildeo Por outras palavras

budismo hinduiacutesmo taoiacutesmo e xintoiacutesmo satildeo convenientemente considerados lsquoreligiotildeesrsquo e

como consequecircncia natildeo eacute de estranhar a quantidade de traduccedilotildees erroacuteneas de conceitos e

ideias dessa mesma religiatildeo em livros escritos por peritos quer japoneses como natildeo-nativos 9

qualquer guia sobre ldquoreligiotildees do mundordquo teraacute uma entrada sobre xintoiacutesmo comeccedilada mais

ou menos nas linhas de ldquoxintoiacutesmo eacute a religiatildeo nativa japonesardquo 10

ecoando o que foi escrito

cerca de um seacuteculo antes por Anesaki Masaharu creditado como ldquoinventorrdquo da expressatildeo

moderna lsquoreligiatildeo japonesarsquo (nihon shūkyō 日本宗教) que eacute acolhida inicialmente por um

puacuteblico ocidental e soacute posteriormente pelos proacuteprios japoneses 11

Forte apoiante da visatildeo lsquoxintoiacutesmo = religiatildeorsquo Anesaki Masaharu acentua o caraacutecter

japonecircs de shintō descrevendo-o como ldquoum complexo de antigas crenccedilas e observacircnciasrdquo que

ao contraacuterio do budismo (e do cristianismo) nunca se deparou com perseguiccedilotildees a niacutevel

poliacutetico sendo preservado ao longo de seacuteculos pelos japoneses Apoiado na veneraccedilatildeo dos

kami sobretudo Amaterasu a antepassada miacutetica da casa imperial associada ao sol shintō eacute

um tipo de culto lsquonacionalrsquo diretamente ligado agrave paz prosperidade e estabilidade do Japatildeo 12

Historicamente shintō natildeo foi lsquopreservadorsquo no sentido de permanecer

inalteraacutevel independentemente de alguns sacerdotes e estudiosos partilharem da visatildeo de

Anesaki perspetivando shintō como algo autoacutenomo e independente de influecircncias externas

desde tempos imemoriais ateacute agrave atualidade 13

este uacuteltimo foi um processo iniciado no Japatildeo e

cujo crescimento jamais resulta do isolamento mas antes do contacto com todo o tipo de

ideias de fora (e de dentro) a adaptaccedilatildeo de ldquoantigo pensamento Chinecircs Budismo Onmyōdō

Confucionismo Shugendō e Cristianismordquo agrave realidade japonesa permite numa eacutepoca

posterior propostas de categorizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de shintō jinja shintō kyōha shintō

shintō filosoacutefico ou escolaacutestico (gakuha shintō 学派神道) shintō imperial (kōshitsu shintō皇

室神道) e shintō folcloacuterico (minzoku shintō 民俗神道) 14

Em suma natildeo existe um uacutenico

9 Como jaacute mencionado na Introduccedilatildeo a traduccedilatildeo eacute um risco a correr que natildeo eacute avaliado pelos autorestradutores

de entre os erros mais tiacutepicos nos livros sobre shintō destacam-se ldquopecadordquo como traduccedilatildeo de tsumi e ldquodeus

divindadedivinordquo para expressar o conceito de kami 10

ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004p 1 11

ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious

Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 12

ANESAKI Masaharu History of Japanese Religions with special reference to the social and moral life of the

nation 3rd ed London The Kegan Paul Japan Library 1995 p 22 13

KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981

pp 1-21 14

INOUE Nobutaka ldquoIntroduction The History of Shintordquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction

Introduction of Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22906gt (consultado em 24-06-2018)

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shintō mas antes muacuteltiplos shintō que contribuiacuteram significativamente em termos sociais e

culturais

Descrito por Stuart Picken como a ldquoexpressatildeo natural dos sentimentos espirituais do

povo japonecircs que cresceu e evoluiu com o desenvolvimento da histoacuteria japonesa e sociedaderdquo

shintō eacute um exemplo atiacutepico de uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido geral do termo ao contraacuterio do

budismo (bukkyō 仏教) Islatildeo (isuramukyō イスラム教) hinduiacutesmo (indokyō インド教)

cristianismo (kirisutokyō キリスト教) judaiacutesmo (yudayakyō ユダヤ教) confucionismo

(jukyō 儒教) e taoiacutesmo (dōkyō 道教) shintō (神道) foi nomeado como um dō (em chinecircs dao

道) e natildeo como um kyō agrave semelhanccedila de outras Vias como kadō (華道) sadō (茶道) kyūdō

(弓道 ) respetivamente a Via das flores a Via do chaacute e a Via do arco A prioridade de shintō

eacute como o termo sugere tornar-se uma Via um modo de orientaccedilatildeo para o indiviacuteduo algo

expresso no curioso termo kannagara 15

Deste modo shintō assemelha-se a um modo de

conduta uma disciplina ou praacutetica que coloca os lsquoensinamentosrsquo em segundo plano em favor

do desenvolvimento de uma eacutetica proacutepria que recebeu influecircncias sobretudo confucianas

Consequentemente a perspetiva de shintō como lsquoreligiatildeorsquo num sentido diferente ao

que eacute transmitido em contexto ocidental tem sido apoiada por alguns autores japoneses e

igualmente praticantes de shintō Sonoda Minoru um professor emeacuterito da Universidade de

Quioto e principal sacerdote do Chichibu Jinja (秩父神社 ) observa a necessidade de

distinccedilatildeo entre religiotildees e shintō se o Cristianismo e outras ldquoreligiotildees mundiaisrdquo possuem

uma base assente numa ldquodoutrina universal e um acredita ou natildeo acredita - eacute tudo acerca de feacute

colocada num sistemardquo cuja evoluccedilatildeo adquire contornos de proselitismo - shintō eacute na sua

essecircncia uma ldquoreligiatildeo de culturardquo que natildeo pretende a consistente ldquoiniciaccedilatildeordquo de pessoas

numa ldquofeacuterdquo esta religiatildeo nada tem que ver com feacute mas antes ldquopraacutetica ritualrdquo enraizada numa

ldquosociedade agriacutecola primaacuteriardquo Por uacuteltimo conclui que estes sistemas optaram por uma

estrateacutegia de conquista modelando a conduta dos seus crentes perseguindo e eliminando

adversaacuterios quando lhes convinha ao contraacuterio de shintō que teria desaprovado de tais accedilotildees

Aliaacutes o acto de preservar a vida e celebraacute-la eacute nada mais do que a derradeira preocupaccedilatildeo

desta Via 16

Com efeito Sonoda foca-se na ldquoquestatildeo doutrinaacuteriardquo como a caracteriacutestica mais

15

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxii-xxiii 16

As citaccedilotildees em questatildeo foram retiradas das entrevistas feitas pelo investigador Leif Sandvik e pela Sasakawa

Peace Foundation sendo posteriormente integradas no estudo deste uacuteltimo sobre a ldquoreinvenccedilatildeordquo de shintō como

uma ldquoreligiatildeo ecoloacutegicardquo SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological

Religion Masterrsquos Degree Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and

Oriental Languages of the University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark

Teuween 2011

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definidora das ldquoreligiotildeesrdquo monoteiacutestas se Cristianismo (e outras ldquoreligiotildeesrdquo) regem-se pelo

princiacutepio da ldquodualidaderdquo (ser crente ou natildeo) o mesmo natildeo se pode dizer de shintō

Na sua forma mais ldquocruardquo shintō talvez pode ter sido uma coletacircnea de aspetos

ldquoanimistas xamanismo veneraccedilatildeo de antepassados e veneraccedilatildeo da naturezardquo bem como

noccedilotildees proacuteprias de normas sociais incluindo o reconhecimento de ldquotabusrdquo ldquoofensasrdquo e a

necessidade de ldquopurificaccedilatildeordquo natildeo apenas a niacutevel fiacutesico 17

Apresentando ainda um fraco grau

de organizaccedilatildeo a Via dos kami era um coletivo de ideias seguidas pela comunidade que se

focava em obter meios de subsistecircncia a relaccedilatildeo entre a comunidade e as ldquoforccedilas

incompreensiacuteveisrdquo (kami) por detraacutes do sucesso ou do prejuiacutezo das colheitas baseava-se na

relaccedilatildeo dar-receber apelar aos kami trazia benefiacutecios para a comunidade e em troca a

comunidade faria o que naturalmente eacute suposto fazer agradecer de forma sincera atraveacutes de

oferendas (comida tecidos armas) Ora tal costume ainda hoje permanece vivo na memoacuteria

dos japoneses quer se trate de uma veneraccedilatildeo aos kami em casa quer dentro da aacuterea dos jinja

oferecer algo aos kami fortalece a ligaccedilatildeo do kami ao indiviacuteduo

11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo

Contudo ateacute hoje natildeo se conhece um fundador ou extensiva doutrina que explicite

um credo ou sistema de crenccedila de shintō ndash apesar de shintō setorial possuir fundadores

individuais cujos textos transmitidos aos seguidores funcionam como lsquoensinamentosrsquo 18

ndash

demarcado pelo seu caraacutecter ritual e veneraccedilatildeo de seres de natureza indefinida denominados

kami em espaccedilos designados jinja nos quais se pode vislumbrar o domiacutenio do ldquosagradordquo

segundo Mircea Eliade ldquoo homem das sociedades arcaicas tende a viver tanto quanto possiacutevel

no sagrado ou em proximidade a objetos consagradosrdquo 19

no caso japonecircs este ldquosagradordquo

tambeacutem pode ser equiparado com a proacutepria natureza antes de existirem jinja propriamente

ditos espaccedilos abertos eram usados para realizaccedilatildeo de cerimoacutenias sazonais nas quais o kami se

manifestaria temporariamente 20

Estamos pois perante um plano de realidade associado a

sentimentos de admiraccedilatildeo pelo fantaacutestico e misterioso florestas rios pedras montanhas tudo

17

KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981

pp 1-21

18 PICKEN Stuart Essentials of Shinto opcit p 212

19 ELIADE Mircea The Sacred and the Profane the nature of religion Traduzido do Francecircs por William

Trask NY Harvest Harcourt Brace amp World Inc 1961 pp 10-12 20

BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 pp 25-26

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podia ser kami ndash entendido no sentido de lsquosagradorsquo se as pessoas o identificassem como tal

conferindo um significado especial

Em japonecircs lsquosagradorsquo eacute escrito de duas maneiras sei (聖 ) - sheng na leitura foneacutetica

chinesa (em chinecircs simplificado圣) - integra os vocaacutebulos seisho (聖書) - a Biacuteblia - seichi

(聖地) terrenoTerra Santa seibō (聖母) eacute a Matildee Santa (Virgem Maria) seija (聖者) eacute o

homem santo (Cristianismo) seisen聖戦 (Guerra Santa) e assim sucessivamente Como se

pode constatar as palavras mencionadas natildeo tecircm nada a ver com shintō e denotam o sagrado

tal como eacute visualizado pela cultura ocidental

Jaacute o segundo termo shinjin (神) lido agrave maneira japonesa como kami mi kan ka ou

hi 21

fortalece a ideia lsquosagrado = kamishintōrsquo qualquer palavra que comece ou que acabe

neste caractere geralmente pertence ao mundo shintō jinja (神社) moradas permanentes dos

kami que desde 1945 dependem financeiramente do puacuteblico natildeo do Estado 22

kagura (神楽)

a danccedila tradicional japonesa (shintō de santuaacuterios) 23

amatsu-no-kami (天つ神) e kunitsu-no-

kami (国つ神) cuja entronizaccedilatildeo nos jinja originou o sistema de classificaccedilatildeo jingi (神祇) ldquoo

conceito central em torno do qual a corte organizava o seu poder sacerdotalrdquo 24

Numa perspetiva etimoloacutegica os caracteres natildeo podiam ser mais diferentes sei (聖)

decompotildee-se em trecircs partes ou seja lsquoorelharsquo (耳) lsquobocarsquo (口) e por um ideograma que

supostamente representaria uma pessoa endireitada indicando um indiviacuteduo que possui a

habilidade de ldquoouvirrdquo uma ldquovontade divinardquo isto eacute algueacutem com grande niacutevel de

conhecimento e cultura e dotado de uma ldquovirtuderdquo ideia muito visiacutevel no pensamento

confuciano Aliaacutes se lido como sei o kanji corresponde a um atributo humano conotado com

boas intenccedilotildees e nunca malignas Jaacute na sua leitura como hijiri [聖] eacute um vocaacutebulo respeitoso

aplicado exclusivamente ao proacuteprio Imperador 25

Por outro lado o kanji usado para escrever kami eacute a forma lsquosimplificadarsquo do

caractere arcaico [神 ] presente em jingi (神祇 ) agrave semelhanccedila do caractere usado para

21

A leitura de [神] como hi verifica-se em himorogi (神籬) o espaccedilo aberto delimitado por uma corda e no qual

se pode preceder agrave veneraccedilatildeo do kami Posteriormente o papel dos himorogi eacute substituiacutedo pelos jinja Cf

PICKEN Stuart op cit p 127 22

BREEN John TEEUWEN Mark op cit p 2 23

NISHIGAKI Yukio Nihongo no Gogen jiten (日本語の語源辞典) Tokyo Bungeisha 2005 p189 24

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 25-26 25

Uma vez que as possiacuteveis interpretaccedilotildees do caratere [聖] prendem-se com a questatildeo da natureza humana e do

comportamento ldquocorretordquo eacute possiacutevel concluir que se surgir isoladamente sei tem algumas implicaccedilotildees eacuteticas

Dejitaru Daijisen ldquo聖 (せい )rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE88196-85468gt

(consultado em 24-06-2018)

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escrever a palavra lsquoritorsquo (li 禮 escrito atualmente em japonecircs como rei 礼) o kanji partilha da

mesma raiz o kanji [示] do qual deriva o verbo shimesu ou lsquoindicarrsquo servindo de raiz a

palavras relevantes dentro do contexto cerimonial ndash oraccedilatildeo (inori祈り) celebraccedilatildeo (iwai 祝

い) antepassado (sosen祖先) ndash e termos da linguagem comum como lsquofalta de educaccedilatildeosem-

maneirasrsquo (shitsureiburei失礼 無礼) jaacute o segundo kanji eacute o mesmo usado para lsquoproferirrsquo ou

mousu (申す)

Aliaacutes de acordo com Fujita Tomio um dos contribuidores para o Nippon

Daihyakkazensho (日本大百科全書) publicado em 1984 shin [神] expressaria o ldquoaltarrdquo [示]

ao qual se juntava a forma pictograacutefica de um relacircmpago (申) possivelmente devido ao facto

de o primeiro kanji usado para a palavra lsquorelacircmpagorsquo (denkō 電光) ter na sua ldquoextremidaderdquo o

caractere [申] No entanto devido agrave escolha do kanji [神] para indicar kami comeccedilou-se a

considerar a hipoacutetese de este ter um significado natildeo muito diferente de shangdi (em japonecircs

jōtei 上帝) indicando a suprema entidade natildeo material reconhecida pelo pensamento chinecircs

arcaico 26

Nos dias de hoje kami continua a ser analisado por parte de estudiosos japoneses e

natildeo-japoneses Aike Rots aponta a fluidez do conceito de kami descrevendo-o como ldquouma

forccedila omnipotente singular bem como muacuteltiplos seres espirituais pode referir-se a criaturas

antropomoacuterficas ou zoomoacuterficas fenoacutemenos naturais poderes abstratos ou antepassados

deificadosrdquo 27

Contudo a interpretaccedilatildeo mais aceite foca-se na ideia lsquokami=qualidadersquo algo

natildeo algo tangiacutevel que se assemelha a um atributo digno de admiraccedilatildeo que se pode manifestar

e encontrar na ldquonatureza claro mas tambeacutem humanos animais criaturas miacuteticas deuses e

ainda objetos feitos pelo homem tais como automoacuteveis ou comboiosrdquo 28

Por sua vez esta definiccedilatildeo parece ecoar a de Motoori Norinaga (本居宣長 1730-

1801) ceacutelebre pensador da escola do Ensino Nacional (kokugaku 國學) e comentador de

textos centrais a shintō bem como autor de exposiccedilotildees acerca das praacuteticas desta Via kami satildeo

26

FUJITA Tomio ldquo 神の語義 rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE7A59E-

46603E5A4A7E8BE9EE69E9720E7ACACE4B889E78988gt (consultado em 24-06-2018) 27

ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation

submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial

fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen

and Prof Dr Terje Stordalen 2013 28

SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion

Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 22

ldquoos seres divinos do ceacuteu e da terra que aparecem nos textos antigos e tambeacutem os espiacuteritos

consagrados que satildeo reverenciados nos jinja da naccedilatildeordquo seres animados e inanimados Em

suma ldquoqualquer forma de ser que possua alguma qualidade uacutenica e eminente e eacute inspiradora

de admiraccedilatildeo pode ser considerada kamirdquo independentemente de a sua natureza ser ldquoboamaacuterdquo

29 o facto de serem kami coloca-os acima das convenccedilotildees definidas pelos homens

No que concerne agrave classificaccedilatildeo dos kami esta nunca eacute consensual na sua

dissertaccedilatildeo sobre a religiatildeo no territoacuterio japonecircs Shannon Symonds divide os kami de acordo

com a sua aacuterea geograacutefica de veneraccedilatildeo distinguindo os kami locais cultuados nos matsuri -

festivais baseados em tradiccedilotildees ancestrais que ldquofrequentemente tecircm as suas raiacutezes em antigos

rituais agriacutecolas de agradecimentordquo pela proteccedilatildeo - dos kami nacionais celebrados em ritos e

cerimoacutenias definidas por todos os que acreditam em shintō 30

Em contrapartida Hara Kazuya considera as origens do kami admitindo a existecircncia

de kami da natureza e kami humanos o primeiro grupo diz respeito a kami ligados a uma

atividade ou ocupaccedilatildeo profissional (agricultura pesca comeacutercio) os kami que influenciam os

elementos da natureza (montanhas aacutegua florestas) 31

e os kami do Kojiki (古事記) e Nihon

shoki (日本書紀) as obras de base para a compreensatildeo da mitologia e cosmologia japonesas

32 o segundo grupo reuacutene certos indiviacuteduos extraordinaacuterios em vida que postumamente

adquiriram o estatuto de kami geralmente liacutederes importantes para a histoacuteria do Japatildeo ndash

Imperador Meiji (明治天皇) Tokugawa Ieyasu primeiro xogum da casa Tokugawa que

governou o Japatildeo durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) ndash os soldados mortos em combate

(Yasukuni jinja 靖国神社 ) ou ainda personalidades do periacuteodo Heian (794-1185)

nomeadamente Sugawara-no-Michizane (菅原道真 ca845-903) postumamente apelidado de

Tenjin (天神) o kami do ensino 31

29

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion

Westport Greenwood Publishing Group 2004 pp 200-201 30

SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis

submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the

requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John

Killigrew 2005

31 HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia

ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de

2003) 32

Picken observa que a compilaccedilatildeo destes textos reflete um maior niacutevel de organizaccedilatildeo dentro da tradiccedilatildeo shintō

tal como ela era vista por uma minoria da populaccedilatildeo eacute inevitaacutevel a mistura de ldquoreligiatildeordquo e poliacutetica Cf PICKEN

Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 4

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 23

Por uacuteltimo Matsumura Kazuo sugere uma divisatildeo natildeo muito diferente da de Kazuya

agrupando kami consoante a relaccedilatildeo deste com o mundo natural (kami da natureza) ou com o

homem (kami culturais) no primeiro caso salientam-se aos kami que ldquorepresentam o

reconhecimento de caracteriacutesticas supranormais ou poderes em objetos naturais ou

fenoacutemenosrdquo o segundo grupo reconhece por sua vez a existecircncia de kami da comunidade

kami do nascimento de pragas de uniatildeo (matrimonial) da morte kami do lar do indiviacuteduo

(fogatildeo poccedilo estaacutebulo armazeacutem) e por uacuteltimo os kami humanos Por outras palavras

indiviacuteduos em vida reverenciados como kami ndash ldquopraticantes religiosos e miko que se

envolvem em curas de feacute e pronuacutencia de oraacuteculos (hellip) rdquo ndash e antepassados ou ldquoespiacuteritos

vingativosrdquo de indiviacuteduos 33

Todas as propostas satildeo vaacutelidas quando se estuda um termo de etimologia indefinida

como kami para alguns kami (神) localizavam-se num patamar superior de existecircncia por

partilharem da mesma foneacutetica de kami (上) isto eacute ldquoalto superiorrdquo 28

o que se pode aplicar

aos amatsu-no-kami e os trecircs koto amatsu-no-kami Ame-no-minaka-nushi-no-kami (天御中

主神) Taka-musubi-no-kami (高皇産霊神) e Kami-musubi-no-kami (神皇産霊神) ndash que se

ldquotornamrdquo no Takamagahara espontaneamente e escondem-se logo a seguir 34

No entanto os

seus congeacuteneres terrenos como Sarutahiko Ōkami (猿田毘古大神) natildeo se encontram num

patamar ldquosuperiorrdquo per si partilhando com os humanos a Terra como local de residecircncia 35

Como se pode constatar o caractere kami (神) tende a surgir no final do nome reforccedilando a

ideia de kami como tiacutetulo honoriacutefico tal como mikoto (命尊) 36

33

MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of

Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt

(consultado em 24-06-2018) 34

Em japonecircs lsquotornar-sersquo corresponde ao verbo naru (成る ) denotando algo que efetivamente natildeo foi

absolutamente criado mas que jaacute existia embora natildeo de forma fiacutesica Jaacute na passagem que refere o lsquoocultamentorsquo

o verbo usado eacute kakusu (隠す) traduzido por lsquoocultar-sersquo o kanji [産] usado para o verbo lsquonascerrsquo estaacute sempre

ausente no Kojiki ateacute agraves passagens de kuni-umi e kami-umi Em suma estes kami natildeo satildeo lsquocriadosrsquo per si mas

tornam-se visiacuteveis para o mundo TAKEDA Tsunegaki Gendaigo no Kojiki (現代語古事記) Tokyo Gakken

Publishing 2011 pp 16-17

35 Picken Stuart Essentials of Shinto op cit pp95-96

36 Kokugakuin University Institute for Japanese Culture and Classics Index of Kami (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMpdfPreviewEOS+Index+of+Kamipdfgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 24

111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de ldquodivisatildeordquo da

realidade agrave criaccedilatildeo da mesma

De entre as fontes que servem de base para o estudo de shintō nomeiam-se o Kojiki

(ca 712) Nihon shoki (ca 720) ShokuZoku Nihongi (続日本紀 ca 797) o Jingiryō (神祇令

ca701) o Kōtai Jingū Gishiki-chō ( 皇太神宮儀式帳) e Toyoke-gu Gishiki-chō (止由気宮儀

式帳) Kogo Shūi (古語拾遺) e o Engishiki (延喜式 ca 927) 37

Satildeo com efeito textos de

caraacutecter oficial respeitados por uma corte que colocava shintō em segundo plano

principalmente apoacutes o budismo ter adquirido um estatuto de ldquofavoritordquo por parte de Shōtoku

Taishi (聖徳太子 ca 604) notoacuterio apoiante da introduccedilatildeo de ideias de fora incluindo eacutetica

confuciana 38

Neste sentido pode-se afirmar o facto de shintō subsistir no territoacuterio japonecircs

como um conjunto de praacuteticas consagradas aos kami propriamente venerados nos jinja

Tanto no Kojiki como no Nihon shoki kami cometem erros satildeo violentos

caprichosos generosos ambiciosos tornando-se quer heroacuteis ou vilotildees nos mitos

efetivamente aproximando-os da natureza do ser humano ambos relatos parecem humanizar e

personificar os kami Participando passivamente ou ativamente no processo da criaccedilatildeo do

mundo estas formas de existecircncia e consciecircncia satildeo anteriores ao homem

Aleacutem de manifestarem uma personalidade proacutepria kami possuem uma identidade ou

seja um nome um geacutenero observando-se uma diferenccedila entre as primeiras duas geraccedilotildees de

kami e as restantes por exemplo no Kojiki a necessidade de especificar o sexo dos kami ndash

um termo de natureza neutra cujo plural eacute designado de kamigami (神々) ndash soacute se justifica a

partir do surgimento de uma ldquosegunda geraccedilatildeordquo de kami per si nunca se usando a dicotomia

moderna ogamimegami (男神 女神 ) viaacutevel no contexto de religiotildees politeiacutestas que

reconhecem a existecircncia de ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo respetivamente Com efeito nas fontes

japonesas kami eacute identificado como ldquomasculinordquo ou ldquofemininordquo atraveacutes da anaacutelise do seu

nome caso o kami possui uma terminaccedilatildeo foneacutetica lida como hiko (por ex 毘子毘古 日子)

eacute masculino em contrapartida hime (por ex 毘売比売姫) denota um kami do sexo oposto

Deste modo apenas os lsquonatildeo-hitorigamirsquo possuem um geacutenero masculino ou feminino

a segunda geraccedilatildeo de kami agrave qual pertence o casal Izanagi-no-kami (伊邪那岐神) e Izanami-

37

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 17 pp 21-26 p 30 38

SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis

submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the

requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John

Killigrew 2005

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no-kami (伊邪那美神) ndash futuros progenitores da terceira geraccedilatildeo de kami criada em meio

terrestre ndash eacute composta por casais de irmatildeos e irmatildes 39

que com a exceccedilatildeo de Izanagi e

Izanami natildeo se envolvem no processo de criaccedilatildeo tornando-se conselheiros do casal Ao

receberem ordens de descer de Takamagahara Izanagi e Izanami datildeo iniacutecio ao processo da

criaccedilatildeo das ilhas do arquipeacutelago (kuni-umi 国生み) posteriormente criando kami (kami-umi

神生み) 40

Apesar de datarem do mesmo periacuteodo as obras possuem algumas diferenccedilas entre si

nomeadamente o seu estilo e linguagem de escrita bem como o seu conteuacutedo as histoacuterias do

Kojiki encontram-se recheadas de motivos mitoloacutegicos e cerimoacutenias que procuram explicar as

origens do povo japonecircs do arquipeacutelago e o ldquoque eacute conhecido como a era dos kamirdquo 41

Jaacute o

Nihon shoki modelado agrave maneira das croacutenicas chinesas apresenta uma dataccedilatildeo diligente das

entradas dos seus relatos e por vezes vaacuterias versotildees dos mesmos 42

Se a realidade do Kojiki tem iniacutecio num tempo de ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu e a terrardquo no

qual se manifestam os koto amatsukami ndash Ame-no-minaka-nushi (a possiacutevel corporizaccedilatildeo do

proacuteprio cosmos) 40

Taka-musubi-no-kami e Kami-musubi-no-kami ndash interpretados como

ldquoprinciacutepiosrdquo da atividade criativa e da criaccedilatildeo todos carecendo de atributos humanos ndash numa

dos relatos do Nihon shoki eacute mencionado um periacuteodo incerto antes da ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu

e a terrardquo e da divisatildeo de in e yō isto eacute o princiacutepio yin e yang (em japonecircs on-myō 陰陽)

forma-se assim uma ldquomassa caoacutetica como que um ovo (hellip) de limites definidosrdquo

posteriormente dividido entre um elemento mais ldquopurordquo (o Ceacuteu) e um elemento mais

ldquoconsistenterdquo (a Terra) Do seu meio nasce uma coisa que lembra um rebento de junco e que

adota uma forma mais fixa surge ldquoespontaneamenterdquo Kuni-toko-tachi-no-mikoto (國常立尊)

Logo a seguir surgem kami masculinos ldquogerados por operaccedilatildeo do princiacutepio do Ceacuteurdquo bem

como os seus congeacuteneres femininos formados pela muacutetua accedilatildeo do princiacutepio da Terra 43

No que concerne agrave criaccedilatildeo do mundo terrestre o Kojiki delega este papel a Izanagi e

Izanami que se estabelecem na ilha Ōyashima (大八島) originando a terceira geraccedilatildeo de

kami que nascem aos pares ou de forma individual associando-se a um elemento do mundo

natural (montanhas aacutervores mares sol e pedras espuma correntes cereais vento) ou

39

TAKEDA Tsunegaki op cit pp 16-17 40

Nesta passagem a palavra ldquocriaccedilatildeordquo corresponde agrave accedilatildeo de gerar algo De acordo com a traduccedilatildeo de Takeda o

verbo que expressa tal eacute ldquoumi ni narimasurdquo (産みになります) TAKEDA Tsunegaki op cit pp 19-23 41

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 54 42

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 43

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 6-8

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 26

humano (embarcaccedilotildees) 44

Eacute no momento do nascimento do kami do fogo (Hi-no-kagutsuchi-

no-kami火迦具土神) que se introduz a natureza natildeo imortal de Izanami que ainda consegue

gerar alguns kami antes de morrer das feridas 45

Apoacutes a sua morte Izanami toma residecircncia permanente no submundo Yomu-no-

kuniYomi-no-kuni (黄泉の国) levando Izanagi a desesperadamente tentar trazecirc-la de volta

ao mundo da superfiacutecie ecoando o mito de Orfeu e Euriacutedice notando-se ainda algumas

semelhanccedilas com a mitologia de Perseacutefone que privada de regressar ao mundo humano por

ter consumido algo daquele lugar torna-se a esposa de Hades e partilha com ele a

responsabilidade de governaccedilatildeo dos Infernos Izanami (que tambeacutem admite ter comido algo

do Yomu-no-kuni formalizando a sua nova identidade como uma habitante do Yomi) torna-se

a uacutenica governante do submundo cortando laccedilos definitivos com o seu esposo se Izanagi

escolhe o caminho da criaccedilatildeo da humanidade Izanami confere a esta espeacutecie a mortalidade

explica-se o porquecirc da vida e da morte 46

112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordem

Ora a introduccedilatildeo do mundo inferior no Kojiki e no Nihon shoki completa uma das

visotildees shintō do mundo descritas por Hara como ldquoverticalrdquo e ldquotridimensionalrdquo

Takamagahara pertencia ao ldquoplano superiorrdquo onde habitavam os kami o Nakatsu-kuni (中つ

の国 ) seria a ldquodimensatildeo do meiordquo a morada dos seres humanos o Yomi-no-kuni 46

corresponderia ao ldquoplano inferiorrdquo conceito presente em outras religiotildees cujas mitologias de

criaccedilatildeo mencionam um elemento liacutequido (oceano) e um elemento soacutelido (terra) que esconde

um outro ldquomundordquo abaixo da superfiacutecie por exemplo em contexto grego o submundo Hades

(natildeo o deus mas o local em si) pode ser equiparado ao Yomi-no-kuni

Por outro lado Hara refere-se a uma segunda visatildeo ldquohorizontalrdquo do cosmos dividido

a meias entre o Toko-yo (常世) o ldquomundo onde os espiacuteritos purificados dos mortos residemrdquo

e o ldquomundo da humanidaderdquo 46

o que nos remete para a barreira entre o ldquoinvisiacutevelrdquo e o

ldquovisiacutevelrdquo Na terminologia do Kojiki se Izanami eacute a senhora do Yomi Izanagi eacute responsaacutevel

44

TAKEDA Tsunegaki op cit pp 25-29 45

TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 46

HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia

ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de

2003)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 27

pelo ldquomundo da humanidaderdquo (utsushi-yo (現世) 47

palavra composta pelo kanji de lsquorealrsquo - no

sentido de lsquovisiacutevelrsquo - e lsquorealidademundorsquo Tudo que esteja para laacute do visiacutevel pertence a ldquooutra

realidaderdquo

Todavia a existecircncia de ldquobarreirasrdquo entre mundos (aacutervores no caso de se desejar

aceder ao ldquoplano superiorrdquo ldquocelesterdquo ou poccedilos e cavernas se pretender visitar os niacuteveis

inferiores da terra) natildeo exclui a hipoacutetese de interaccedilatildeo de humanos com os kami e ldquoespiacuteritosrdquo

que natildeo pertencem ao nosso mundo do mesmo modo que os ldquoseres humanos podem visitar os

outros mundosrdquo habitantes natildeo humanos podem surgir temporariamente na nossa realidade

permitindo a cultivaccedilatildeo da relaccedilatildeo dos humanos com o ldquopara laacute de humanordquo 48

No Nihon shoki aplica-se um modelo tripartido da realidade Ceacuteu Terra e ldquomundo

subterracircneordquo ou Oceano Amaterasu eacute uma ldquocrianccedila estrondosa que devia de nosso acordo ser

enviada de imediato para o Ceacuteu e confiar-lhe os assuntos do Ceacuteurdquo uma responsabilidade

partilhada com o kami da Lua Tsukiyomi-no-mikoto ldquoo Deus que devia ser o consorte da

Deusa do Solrdquo devendo-se ter em consideraccedilatildeo o uso dos termos duacutebios ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo

como uma tentativa de aproximar a realidade mitoloacutegica japonesa ao entendimento do puacuteblico

ldquoocidentalrdquo por parte de Aston Autor desta traduccedilatildeo do Nihon shoki publicado sob o nome

de Nihongi Chronicles of Japan from the Earliest Times to AD697 (1972) Aston diz que a

Terra eacute o domiacutenio do ldquomeiordquo e refere-se ao arquipeacutelago do Japatildeo formalmente conhecido

como ldquoToyo-ashi-hara-chi-woaki no midzu-hordquo que numa versatildeo da ldquohistoacuteriardquo acerca das

origens dos trecircs irmatildeos kami (Amaterasu Tsukiyomi e Susano-o) pertenceria a Susano-o-no-

mikoto Kami de temperamento feroz e personalidade cruel Susano-o provoca Desordem ao

negligenciar a terra e as suas populaccedilotildees Exilado no Ne-no-kuni por ordem de Izanagi e

Izanami Susano-o torna-se o governante daquele mundo 49

O segundo relato da divisatildeo dos trecircs ldquomundosrdquo pelo trio de irmatildeos - cujo nascimento

eacute possivelmente inspirado na narrativa do Kojiki que descreve a fuga de Izanagi do Yomi-no-

kuni Amaterasu nasce apoacutes este lavar o olho esquerdo sendo-lhe entregue Takamagahara a

ldquoPlaniacutecie Elevada do Ceacuteurdquo Tsukiyomi nasce do olho direito e recebe o vasto domiacutenio do

oceano Por fim Susano-o nasce do nariz de Izanagi e apesar de herdar o domiacutenio do meio

(Terra) acaba por ser banido para o ldquomundo inferiorrdquo como puniccedilatildeo pela sua negligecircncia 50

47

TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 48

MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018) 49

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 9-12 50

TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 28

Com efeito o domiacutenio subterracircneo estaacute sempre presente nas narrativas do Kojiki e

Nihon shoki recebendo um papel de destaque ou secundaacuterio o que por sua vez natildeo implica a

sua ausecircncia em outras fontes numerosas referecircncias a ldquomundosrdquo incompreensiacuteveis e para laacute

da realidade fiacutesica diversificam a visatildeo japonesa de um ldquooutro mundordquo (takaikan 他界観)

geralmente considerado como um ldquooutro mundordquo longiacutenquo ldquooceacircnicordquo feacutertil e uma terra de

imortalidade observando-se um paralelo com o conceito taoiacutesta de uma Terra dos Imortais (a

ilha de Peng-lai ou Hōrai-jima em japonecircs 蓬莱島) a Terra das Raiacutezes (Ne-no-kuni 根国)

pode ser ldquovisitadardquo atraveacutes de uma caverna supostamente localizada em Iga proviacutencia de

Izumo atual prefeitura de Shimane e eacute governada por Susano-o-no-mikoto 51

O reconhecimento de uma divisatildeo tripartida do mundo repercute-se no Kojiki ateacute

um certo momento Izanagi e Izanami detinham domiacutenio conjunto sobre a Terra um ldquomundordquo

modelado pelas suas proacuteprias accedilotildees enquanto ldquocriadoresrdquo de kuni e kami Takamagahara

pertencia aos amatsu-no-kami o Yomi-no-kuni natildeo pertencia a ningueacutem em concreto embora

jaacute fosse um mundo habitaacutevel per si Com a dissoluccedilatildeo do matrimoacutenio de Izanagi e Izanami a

situaccedilatildeo muda por completo eacute necessaacuterio criar novos liacutederes capazes de garantir o equiliacutebrio

entre os mundos da superfiacutecie uma vez que Izanami (esteacuteril) eacute agora a uacutenica governante do

Yomi Em suma pretende-se uma nova geraccedilatildeo para uma nova ordem tornando Izanagi no

ldquoprogenitorrdquo de um conjunto de kami Natildeo existindo qualquer ato sexual propriamente dito os

kami ldquotornam-serdquo como consequecircncia direta dos seus atos de purificaccedilatildeo (misogi)

Neste sentido agrave medida que Izanagi se despe para lavar o seu corpo da ldquosujidaderdquo

(kegare穢) do Yomi-no-kuni surgem vaacuterios kami dos seus acessoacuterios (cana obi isto eacute a peccedila

de tecido usada em torno da cintura que prende a veste tradicional japonesa) a sua espada e

roupa bem como de alguns kami que se ldquotornamrdquo em simultacircneo com a lavagem do corpo

numa nascente Por fim manifesta-se o trio de irmatildeos que herdaria uma das trecircs partes do

mundo tal como ordenado por Izanagi a Amaterasu de aparecircncia resplandecente capaz de

iluminar os ceacuteus recebe Takamagahara uma posiccedilatildeo legitimada por Izanagi que lhe oferece

um acessoacuterio para pendurar ao pescoccedilo o seu irmatildeo Tsukuyomi-no-mikoto (月読の命) e kami

da Lua eacute adequadamente encarregue do yoru no osu kuni (夜之食国) - entendido por Takeda

como yoru no sekai literalmente o ldquomundo da noiterdquo Susano-o-no-mikoto (須佐之男命) e

kami das tempestades (arashi no kami 嵐の神) manifestando uma personalidade tempestuosa

51

MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018)

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e conflituosa recebe a tarefa de governar a lsquoplaniacutecie dos maresrsquo (unabara 海原) expressatildeo

que designa um domiacutenio terreno (kuni) e natildeo algo pertencente ao mundo marinho (tal como eacute

sugerido pelo kanji de umi ou ldquomarrdquo) 52

De entre os trecircs mencionados kami Susano-o eacute notoriamente o mais invejoso

procurando humilhar a sua irmatilde ao ponto de esta se refugiar numa caverna a ldquoPedra-caverna

do Ceacuteurdquo (Ama no Iwato (天の岩戸) Consequentemente ldquotoda a Alta Planiacutecie do Ceacuteu tornou-

se escura e toda a Terra Central das Planiacutecies de Junco estava escura tambeacutem Por causa disto

noite eterna reinavardquo 53

Em outras palavras a ausecircncia de Amaterasu estaacute conotada com um

estado de Desordem do proacuteprio cosmos um caos que necessita de regressar ao seu estado de

Ordem o quanto antes sendo que Susano-o eacute o agente da Desordem e a sua irmatilde a agente da

Ordem traccedilada por Izanagi

Amaterasu soacute retoma as suas responsabilidades de guardiatilde de Takamagahara e por

associaccedilatildeo da ldquoTerra Central das Planiacutecies de Juncordquo devido ao esforccedilo conjunto das ldquooito

miriacuteades de kami reunidas na margem do Paciacutefico Rio do Ceacuteu numa reuniatildeo divinardquo o

episoacutedio em si eacute uma histoacuteria de elevado cariz sexual protagonizada por Amaterasu tem como

antagonista Susano-o e inclui alguns kami que apesar de serem personagens secundaacuterias satildeo

essenciais para a devoluccedilatildeo do mundo ao seu estado de Ordem cada kami tenta fazer com que

Amaterasu saia do esconderijo convocando-se outros kami para o efeito Cabe a Ame-no-

uzume-no-mikoto (天宇受売命) a uacuteltima tentativa executando uma danccedila muito provocante

durante um ldquoestado alterado de consciecircnciardquo e como resultado todos os kami riem-se A

curiosa Amaterasu interroga-se sobre o porquecirc desta comoccedilatildeo e eacute atraiacuteda para fora da caverna

ficando temporariamente cega ao ver o seu proacuteprio reflexo num espelho permitindo aos kami

selarem definitivamente a Ama no Iwato trazendo a luz de volta ao mundo e com ela a

Ordem 54

O episoacutedio tambeacutem constitui uma das referecircncias mais antigas e descritivas de rituais

executados em shintō o elemento da danccedila de entretenimento (kagura) eacute uma das partes

integrais da cerimoacutenia de dedicaccedilatildeo aos kami nos santuaacuterios e neste mito em particular possui

claramente uma intenccedilatildeo de reordenaccedilatildeo Ame-no-uzume-mo-mikoto pode ser interpretada

como um protoacutetipo de uma miko (巫女) embora ecoando uma imagem provocante (a danccedila e

52

TAKEDA Tsunegaki op cit pp38-41 53

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 129-130 54

TAKEDA Tsunegaki op cit pp 50-52

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 30

a o vestuaacuterio) diferente da imagem tiacutepica de uma miko Ono Sokyō descreve-as como

ldquofuncionaacuterias puacuteblicasrdquo e filhas de sacerdotes ou locais residentes cujos deveres para com o

jinja findam quando se casam sendo substituiacutedas por outras A sua funccedilatildeo prende-se com o

ldquoritualrdquo auxiliando os responsaacuteveis pelos jinja na preparaccedilatildeo das cerimoacutenias 55

Natildeo obstante a kami atua como representante da classe Sarume (猿女) uma das

primeiras quatro classes sacerdotais geralmente composta por danccedilarinos e cuja linhagem

remontaria a Ame-no-uzume-no-mikoto esposa de Sarutahiko-no-kami o kami associado agrave

fertilidade e ao ato sexual Por sua vez se os Nakatomi (中臣) retraccedilam as suas origens a

Ame-no-koyane-no-mikoto (天児屋命) 56

realizavam ritos e entoavam norito os Inbe (斎部)

encarregavam-se dos rituais de abstenccedilatildeo garantindo uma ldquopureza cerimonial a fim de afastar

poluiccedilatildeo e manter contacto constante com os kamirdquo 57

descendendo do kami responsaacutevel por

selar a Ama no Iwato (Futodama-no-mikoto 布刀玉命 ) 58

Quanto aos Urabe (卜部 )

responsabilizavam-se por ldquoadivinharrdquo da vontade dos kami 57

agrave semelhanccedila dos ldquoadivinhosrdquo

da dinastia chinesa Zhou que recorriam agrave leitura das fissuras das carapaccedilas de tartaruga e

omoplatas de gado depositadas no fogo

Aleacutem do elemento de danccedila o episoacutedio regista a presenccedila de oferendas (shinsen神

饌) praacutetica que corresponde atualmente agrave ldquosegunda faserdquo dos rituais (de Ordem) em shintō

no mito shinsen satildeo substituiacutedas por tamagushi (玉串) - ramos da aacutervore sakaki (榊) em

torno dos quais satildeo atadas as ldquojoacuteias curvasrdquo (magatama 勾玉) - e eacute claro o espelho por sua

vez interpretado por Takeda como o ceacutelebre Yata no kagami (八咫鏡) um dos trecircs siacutembolos

da casa imperial (sanshū no jingi 三種の神器) juntamente com a ldquojoacuteia curvardquo Yasakani no

magatama (八尺瓊曲玉)

O uacutenico siacutembolo ausente eacute a espada Kusanagi no KenTsurugi (草薙剣) que soacute surge

efetivamente no episoacutedio seguinte narrando-se o desterrar de Susano-o para a Terra apoacutes ter

sofrido derrota agraves matildeos da irmatilde que por sua vez se refugiaria temporariamente na Ama no

Iwato como jaacute mencionado anteriormente Susano-o negligenciava constantemente o seu

domiacutenio a sua maior ambiccedilatildeo era ocupar o trono de Amaterasu em Takamagahara

competindo sempre que podia com a irmatilde sendo que um dos seus desafios testava a

capacidade de reproduccedilatildeo enquanto kami-progenitores Uma vez que os filhos de Amaterasu

55

ONO Sokyō op cit pp 41-44 56

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 133-136

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 31

nascem primeiro 57

confirma-se a posiccedilatildeo desta kami como governante uacutenica dos assuntos do

ldquodomiacutenio superiorrdquo

De orgulho ferido Susano-o lsquodescarregarsquo a sua raiva e eacute punido pelos seus atos

(neste contexto o uso da palavra tsumi [罪] especifica a natureza ofensiva das accedilotildees de

Susano-o) passando a servir os outros kami como forma de arrependimento cometendo um

uacuteltimo ato atroz mas invulgarmente necessaacuterio o kami mata a kami da comida Ōgetsuhime-

no-kami 58

(大気都比売神 tambeacutem identificada como Toyo-uke-hime-no-kami) e do seu

cadaacutever nascem os cinco cereais fundamentais para a atividade agriacutecola 59

Por outras

palavras a atitude violenta de Susano-o revela-se beneacutefica e natildeo prejudicial como em outros

episoacutedios tornando esta personagem uma espeacutecie de ldquomal necessaacuteriordquo

Em Izumo Susano-o adquire um estatuto equivalente ao de heroacutei o kami viaja pela

terra ateacute se deparar com um casal de kami cujas filhas tinham sido constantemente devoradas

por um terriacutevel ser de oito cabeccedilas (Yamata no Orochi八岐大蛇) Prometendo ajudar o casal

em troca da matildeo da uacuteltima filha Susano-o embriaga a serpente e decepa-lhe a cauda da qual

misteriosamente emerge a Kusanagi no tsurugi Desposando Kushi-na-ta-hime (櫛名田比売)

Susano-o fixa-se definitivamente em Izumo 60

Ora a derradeira meta de Susano-o eacute nada mais do que adquirir influecircncia

comparaacutevel agrave da sua irmatilde criando vaacuterias linhagens de kami (unindo-se em matrimoacutenio agraves

filhas de outros kami) cujas crianccedilas pudessem assumir a responsabilidade de ldquocriarrdquo novos

domiacutenios no arquipeacutelago japonecircs De entre os descendentes de Susano-o destacar-se-ia

Ōkuninushi-nushi-no-kami (大国主神) - literalmente ldquoo kami que governa os kunirdquo (kuni wo

shihaisuru kami国を支配する神) - Seguindo nas pisadas do casal Izanagi e Izanami e do

seu antepassado Susano-o Ōkuninushi empenhar-se-ia na ldquoconstruccedilatildeo da terrardquo 60

Por sua

vez Amaterasu e o seu consorte Taka-musubi-no-kami ldquodecidem estabelecer domiacutenio celesterdquo

57

TAKEDA Tsunegaki op cit pp45-47 58

AKEDA Tsunegaki op cit pp54-55 59

Curiosamente no episoacutedio de Tsukuyomi e Ukemochi (Nihon shoki) constata-se um grande paralelo com o

mito anterior Tsukuyomi mata Ukemochi-no-mikoto num acesso de raiva pela mesma razatildeo que Susano-o

Ukemochi tinha produzido comida pela boca efetivamente ldquosujando-ardquo (kegare) Como resultado Amaterasu

afasta-se definitivamente de Tsukuyomi dando iniacutecio agrave sucessatildeo dos dias e das noites Entretanto do cadaacutever da

kami brotam alimentos que seriam cultivados para consumo humano (gado arroz trigo etc) Nihonsinwa ldquo第

五段一書(十一)ウツシキアオヒトクサrdquo (Quinta secccedilatildeo 11 Utsushiki-aohitokusa) 日本書紀神代上

(Nihon shoki Kami-yo Parte Superior) (on line) lthttpnihonsinwacompage699htmlgt (consultado em 24-06-

2018) 60

TAKEDA Tsunegaki op cit pp55-60

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 32

sobre o Ashihara Nakatsu kuni (葦原中国) tornando o territoacuterio oficialmente pertenccedila dos

amatsu-no-kami 61

Duas geraccedilotildees mais tarde Ninigi (neto de Amaterasu e Taka-musubi) desceria ao

domiacutenio do meio e receberia de Amaterasu as sanshū jingi (espada espelho e magatama)

oficializando o novo regime de governaccedilatildeo honrado pelo seu bisneto o futuro primeiro

Imperador humano do Japatildeo que adotaria o nome de Jinmu (神武) no seguimento das suas

campanhas bem-sucedidas contra os descendentes dos kunitsu-no-kami na planiacutecie de Yamato

61 No fundo constata-se uma segunda interrupccedilatildeo da ordem do cosmos cuja reposiccedilatildeo por

Ninigi e Jinmu definiria a nova reparticcedilatildeo do mundo Takamagahara continuaria a ser

governado por Amaterasu representante por excelecircncia dos amatsu-no-kami sendo que o

ldquodomiacutenio do meiordquo permaneceria sob o controlo da famiacutelia imperial cuja linhagem

descenderia diretamente de Amaterasu natildeo do seu irmatildeo Susano-o

12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora

Natildeo obstante o episoacutedio da descida de Ninigi e o relato da vitoacuteria de Jinmu sobre os

seus inimigos fazem parte de uma cuidadosa estrateacutegia poliacutetica enraizada na proacutepria corte

reconhecendo-se o papel de Amaterasu (Kojiki) ou de Taka-musubi-no-kami (Nihon shoki) 62

no processo de legitimaccedilatildeo da soberania da famiacutelia imperial sobre o territoacuterio japonecircs Em

ambos casos o resultado eacute o mesmo contraria-se o sistema caracterizado por unidades

familiares que detinham domiacutenio sobre um ou mais territoacuterios emergindo uma nova ordem

poliacutetica sediada na planiacutecie do Yamato e cujo liacuteder adota o tiacutetulo de Imperador (tennō 天皇)

destacando-se de outros liacutederes familiares pelo seu interesse para com sistemas e ideias vindas

de fora tais como as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda

121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa

No primeiro caso a tradiccedilatildeo confuciana introduz-se na esfera da educaccedilatildeo de corte

tornando-se indispensaacutevel para a criaccedilatildeo de poesia (ao estilo chinecircs natildeo japonecircs) e uma

61

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 62

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 33

influecircncia nos comentaacuterios de capiacutetulos do Nihon shoki 63

De entre as vaacuterias escolas de

pensamento a de Zhu Xi tornar-se-ia extremamente popular dentro do sacerdoacutecio shintō

culminando na criaccedilatildeo de Suika shintō (垂加神道) por parte de Yamazaki Ansai (山崎 闇

斎 1612-1682) que enfatizava uma ldquoGrande Viardquo estabelecida por Amaterasu produzindo

um novo conceito de ldquoreverecircncia para o imperadorrdquo ligado com a noccedilatildeo de Japatildeo como a

ldquoterra dos kamirdquo 64

Durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) a relaccedilatildeo entre confucionismo e shintō seria

levada a um outro patamar nascendo juka shintō (儒家神道) Fundamentando a teoria de que

estes dois sistemas eram um (shinju icchi神儒一致) 65

este tipo de shintō contribuiria para

criaccedilatildeo de outras vertentes natildeo tanto focadas na praacutetica de ritual mas antes na anaacutelise e

exposiccedilatildeo teoacuterica deste uacuteltimo e consequentemente a reinterpretaccedilatildeo de conceitos e ideias

shintō ao estilo confuciano por exemplo a linha de pensamento de Aizawa Seishizai (会沢

正志斎 1782-1863) atribui a Amaterasu qualidades como lealdade e piedade filial fazendo

de shintō uma ldquoVia Confucianardquo onde ldquoordem social construiacutea-se sobre lealdade e devoccedilatildeo

filial (hellip) para sempre envigorada pela atuaccedilatildeo exemplar do Imperador de atos rituais na

presenccedila da sua antepassada a deusa-solrdquo 66

Contudo a chegada de um periacuteodo moderno faz estender esta tradiccedilatildeo a outros

domiacutenios aleacutem de jinja shintō os setores confucianos de kyōha shintō (教派神道 )

denominados Shintō Shūseiha (神道修成派) e Shintō Taiseikyō (神道大成教) Tanto num

caso como no outro a linha de pensamento dos grupos eacute modelada pela vivecircncia do

ldquoorganizadorrdquo ou ldquofundadorrdquo por exemplo Nitta Kuniteru (新田 邦光 1829-1902) possuiacutea

uma visatildeo poliacutetica profundamente ldquolealistardquo focada na reverecircncia ao Imperador e na exclusatildeo

de ideias ldquoocidentaisrdquo que supostamente acelerassem o desenvolvimento do Japatildeo

Familiarizado com os claacutessicos confucianos e a Via do bushi (武士道) Nitta desenvolveria

com os seus companheiros uma mentalidade proacutepria que elevava shintō ao estatuto de uma

63

YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious

and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 64

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 311-312 65

YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious

and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 66

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 p69

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 34

ldquoGrande Viardquo associada a obrigaccedilotildees morais patriotismo que deviam ser sempre praticados

pelos japoneses o que iria ao encontro das ideias do governo Meiji 67

Em 1876 o poder poliacutetico reconheceria Shūsei Kōsha (修成構社) ndash o grupo fundado

por Nitta ndash como um grupo independente nascendo oficialmente a Shintō Shūseiha uma

organizaccedilatildeo que possuiacutea dois grupos distintos de aderentes por um lado os estudantes de

Nitta do final do periacuteodo Edo por outro membros de outros grupos que se tinham juntado a

Shūseiha apoacutes a restauraccedilatildeo Meiji (1868) 68

No que concerne aos seus ensinamentos combinavam-se conceitos de shintō (kami)

com ldquoelementos da cosmologia de pensamento neo-confuciano e outras crenccedilas sincreacuteticasrdquo

notando-se a importacircncia do Nihon shoki e do Kojiki (de onde derivam os termos shū ndash shūri

修理 reparaccedilatildeo ndash e sei ndash de kōusei 構成 consolidaccedilatildeo) entre outros textos eacute no princiacutepio de

shūsei que ldquojaz a lei fundamental da evoluccedilatildeo do universo (hellip) o processo da humanidade e o

avanccedilar da sociedade se devem agrave operaccedilatildeo deste princiacutepio uacutenicordquo consolidado pela

observaccedilatildeo da ldquolei moral e os meios pelos quais os assuntos da famiacutelia e sociedade satildeo

administradosrdquo Enfatizando uma atitude de veneraccedilatildeo aos kami aos antepassados e eacute claro o

desenvolvimento de caraacutecter do individuo que devia atuar de forma correta mantendo

ldquotemperanccedila e frugalidaderdquo 69

shūseiha propotildee uma mistura de praacutetica e doutrina orientada

para o indiviacuteduo podendo ser interpretada como uma ldquodisciplinardquo que o guiasse ao longo da

sua vida natildeo muito diferente da proposta de shintō

Por outro lado Hirayama Seisai ( 平山省斎 1815-1890) acumulou cargos

governamentais e dedicou-se aos estudos de Chinecircs e Kokugaku em Edo No periacuteodo poacutes-

restauraccedilatildeo Meiji Hirayama teraacute inaugurado uma escola de estudos chineses no periacuteodo

gradualmente envolvendo-se em assuntos de cariz ldquoreligiosordquo ndash tornou-se sacerdote-liacuteder em

santuaacuterios relevantes como o de Hikawa e de Hie ndash ao ponto de formar em 1879 a Taisei

Kyōkai (大成教会) que em 1882 ganharia independecircncia e acomodaria dezenas de grupos

Shintō Taiseikyō 70

Enaltecendo o caraacutecter educativo de shintō o setor considera a veneraccedilatildeo dos jingi e

dos antepassados (o que em termos tradicionais natildeo representa nada de novo) como

responsabilidade do indiviacuteduo que por sua vez deve alcanccedilar a felicidade e viver ldquobemrdquo o que

67

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 68

INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29

(3-4) 2002 pp 405-427 69

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 70

INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29

(3-4) 2002 pp 405-427Studies

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 35

estaacute de acordo com a visatildeo positiva de shintō em relaccedilatildeo ao indiviacuteduo Uma vez que o ser

humano possui ldquobons espiacuteritosrdquo (possivelmente a tradiccedilatildeo original seria uma ldquoboardquo tamashii)

este tem a capacidade inerente de se autodisciplinar e autorreformar atraveacutes do devido esforccedilo

devendo confiar e executar o ritual ldquoagrave maneira de geraccedilotildees sucessivas de Cortes Imperiaisrdquo 70

Com efeito Taiseikyō procura honrar a tradiccedilatildeo de jinja shintō e reforccedila a ideia de que shintō

eacute para todos os efeitos uma Via criada para os humanos

29 (3-4) 2002 pp 405-427

122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos kami

A segunda Via enfatiza a natureza ritual de shintō e eacute acolhida com o maior

entusiasmo pelo poder poliacutetico como se constata na narrativa cosmoloacutegica do Nihon shoki no

uso de espadas e espelhos em contexto ritual nos cultos ao Imperador agrave Estrela Polar e agrave

Ursa Maior 71

A Via do Dao definir-se-ia entatildeo como uma espeacutecie de auxiliar ao culto jingi

que se encontrava ao serviccedilo da corte imperial isto eacute da esfera privada agrave necessidade de

venerar os kami juntar-se-ia a atuaccedilatildeo poliacutetica uma noccedilatildeo expressa no conceito de

matsurigoto (政) Posteriormente recuperado e adaptado agrave mentalidade Meiji designando-se

saisei icchi (祭政一致) o princiacutepio de unidade da execuccedilatildeo dos ritosveneraccedilatildeo dos kami e de

governar o territoacuterio matsurigoto parece harmonizar os aspetos rituais e poliacuteticos dentro do

territoacuterio japonecircs algo reconhecido por Ono Sokyō no seu entender ldquofestivais e ritos para

vaacuterios kami tutelares e a administraccedilatildeo de clatildes e sociedade local eram essencialmente uma

uacutenica funccedilatildeordquo 72

Essecircncia do ritual em jinja shintō e kōshitsu shintō os matsuri satildeo tanto ocasiotildees

festivas e alegres como possuem um aspeto mais soacutebrio e solene sobretudo se realizados por

indiviacuteduos ligados ao poder poliacutetico no caso dos ldquoritos imperiaisrdquo deve-se incluir o lsquomatsuri

das origensrsquo (Genshi-sai元始祭 3 de Janeiro) a celebraccedilatildeo da passagem das estaccedilotildees do ano

- a Primavera (Shunki Shindensai 春季神殿祭 e Shunki Kōreisai 春季皇霊祭) e Outono

(Shūki Shindensai 秋季神殿祭 e Shūki Kōreisai 秋季皇霊祭 ) Acrescenta-se ainda o

Niinamesai (新嘗祭 23 de novembro) e o Kannamesai (神嘗祭 17 de outubro) 73

um dos

treze principais matsuri listados e calendarizados no Jingiryō

71

KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981

pp 1-21 72

ONO Sokyō op cit p76 73

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 79-80 p96

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 36

Supervisionados pelo Jingikan (神祇官) estes treze matsuri eram hierarquizados em

ldquomaiorrdquo ldquomedianordquo e ldquomenorrdquo ndash os ritos de maior importacircncia (taishi) eram celebrados

durante todo o mecircs os chūshi duravam trecircs dias e os shōshi apenas um dia 74

Kinensai

(ldquocerimoacutenia de preces para o Anordquo) era celebrado no segundo mecircs Chinkasai (ldquocerimoacutenia de

pacificaccedilatildeo das floresrdquo) no terceiro mecircs Kanmisosai (de caraacutecter bianual) no quarto e nono

meses Ōimisai (realizado no jinja de Hirose) no quarto e seacutetimo mecircs Saigusasai (realizado

no jinja de Ōmiwa) e Fūjinsai (matsuri em honra do kami do vento) no quarto e seacutetimo mecircs

No sexto e deacutecimo segundo mecircs celebrava-se o Tsukinamisai algo replicado no Chinkasai

(rdquocerimoacutenia da pacificaccedilatildeo do fogordquo) e Michiaesai (ldquocerimoacutenia dos quatro campos da

capitalrdquo) Quanto ao nono mecircs este estava reservado para o Kannamesai (ldquocerimoacutenia da

degustaccedilatildeo divina dos frutosrdquo) seguido do Ainamesai (ldquocerimoacutenia de partilha dos frutosrdquo) o

Chinkonsai (rdquocerimoacutenia para a pacificaccedilatildeo do espiacuteritos augustosrdquo) e o Daijōsai (rdquogrande

cerimoacutenia de degustaccedilatildeo dos frutosrdquo) agendados no deacutecimo primeiro mecircs 75

No fundo o Jingikan regulava o modo de veneraccedilatildeo dos jingi cujas metas revolviam

sempre em torno do bem puacuteblico obtenccedilatildeo de boas colheitas garantia da ldquosauacutede e seguranccedila

do imperador do palaacutecio e da capitalrdquo e eacute claro proteccedilatildeo contra invasotildees rebeliotildees e doenccedilas

que afetassem a populaccedilatildeo 76

o palaacutecio imperial era nada mais do que um centro de ritual e a

elite qualificada da capital a grande autoridade sobre todos os assuntos shintō e taoiacutestas

Como se pode constatar as atividades desta instituiccedilatildeo complementavam-se com a

atuaccedilatildeo do Escritoacuterio Yin-Yang (Onmyōryō 陰陽寮) Operado por dezenas de indiviacuteduos

empenhados na manutenccedilatildeo do equiliacutebrio coacutesmico atraveacutes dos mais diversos meios

(astronomia calendarizaccedilatildeo e adivinhaccedilatildeo yin-yang este oacutergatildeo seria o siacutembolo da adaptaccedilatildeo

da escola de pensamento on-myōdō ( 陰 陽 道 ) ao contexto japonecircs permitindo o

desenvolvimento de certas praacuteticas hoje aceites na cultura japonesa como formas de

lsquosupersticcedilatildeorsquo ou lsquomagiarsquo por exemplo a adivinhaccedilatildeo baseada nos signos do zodiacuteaco chinecircs

ou direccedilotildees da buacutessola 77

74

HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 75

TAKASHIO Hiroshi ldquoJingiryōrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices

Ancient (on-line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23330gt

(consultado em 24-06-2018) 76

BREEN John TEEUWEN Mark op cit p32 pp36-37 77

HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 37

Durante o Periacuteodo Heian (794-1185) as proacuteprias cerimoacutenias onmyōdō adaptam-se

aos rituais estatais (positivos) sendo ldquointroduzidas como ritos de proteccedilatildeo pessoal para o

imperadorrdquo dirigidos a ldquocorpos celestiaisrdquo e aos kami Uns seacuteculos mais tarde a Via do Dao

tornar-se-ia objeto de interesse pelas ldquopessoas comunsrdquo que patrocinavam ldquoritosrdquo e

praticavam ldquomagia pessoal para convidar becircnccedilatildeos e evitar maacute-sorterdquo 77

Neste sentido on-

myōdō reconhecia a existecircncia de forccedilas ldquonegativasrdquo que deviam ser eliminadas e pacificadas

claramente enriquecendo a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo em shintō

Uma Via fundada e divulgada por certas famiacutelias que lhe enalteciam um aspeto

ldquomaacutegicordquo onmyōdō conheceria especial popularidade em algumas escolas de pensamento

refletindo a existecircncia de movimentos internos da proacutepria Via dos kami que conjugavam o

aspeto mais praacutetico com a exposiccedilatildeo teoacuterica desta uacuteltima Assim onmyōdō tornar-se-ia uma

referecircncia para os autores responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de Ise shintō (伊勢神道 ) e Yoshida

shintō (吉田神道) ambas possuindo uma relaccedilatildeo bastante familial os principais autores e

comentadores provinham de famiacutelias associados a um santuaacuterio especiacutefico sendo que os

Watarai de Ise shintō pertenciam ao Palaacutecio Externo (Gekū外宮) de Ise os Urabe de Yoshida

shintō uma das famiacutelias mais influentes no Jingikan ocupavam cargos de lsquosacerdotesrsquo em

Quioto concretamente nos jinja de Hirano Yoshida e Ume no Miya 78

Aleacutem de partilharem dos mesmos sentimentos de rejeiccedilatildeo face agrave doutrina honji-

suijaku (本地垂迹 ) que reduziria os kami a incarnaccedilotildees de bodhisattvas e budas e

consequentemente subordinando shintō agrave Via do Buda ndash revertendo a relaccedilatildeo shinbutsu ou

seja tornando as ldquodivindades budistasrdquo como manifestaccedilotildees de kami 79

as escolas estavam

familiarizadas com princiacutepios da cosmologia chinesa o Ruiju jingi hongen (類聚神祇本源

composto em 1320) de Watarai Ieyuki (度会 家行 1255-1351) expocircs a sua ldquoa teoria de Yin-

Yang e as Cinco Fases da Mateacuteria (inyō gogyō) no contexto de uma descriccedilatildeo da criaccedilatildeo do

ceacuteu e da terrardquo recorrendo agraves obras do filoacutesofo chinecircs Zhou Dunyi (周敦頤 1017-1073)

ceacutelebre pensador ldquoneo-confucianordquo e autor de um comentaacuterio ao Claacutessico das Mutaccedilotildees

(Yijing 易經 em japonecircs Eki-kyō 易経) e do ensaio de exposiccedilatildeo sobre o diagrama do

extremo supremo (taiji tushuo 太極圖說 taikyo kuzu) 80

Argumentando acerca do ldquoiniacutecio

como o iniacutecio e a origem como a origemrdquo Ieyuki considera o organismo humano como o

78

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 79

PICKEN Stuart op cit p173 80

YAO Xinzhong An Introduction to Confucianism New York Cambridge University Press 2000 pp98-99

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 38

coletivo dos cinco elementos que ldquocomungam com a origem da naturezardquo agrave qual se deve

regressar e entrar 81

No caso da escola Yoshida Yoshida Kanetomo (吉田兼俱 1435-1511) autor da

obra Shintō Taii (神道大尉) estabelece paralelos tais como ldquosete aberturas da cabeccedila com as

sete estrelas do ceacuteu e os cinco oacutergatildeos internos com as cinco fases da mateacuteria na terrardquo 82

por

conseguinte kami seriam descritos como uma forma de taiji (taikyo) a ldquoabsoluta existecircncia

anterior agrave formaccedilatildeo do ceacuteu e da terra transcendendo yin e yang embora sendo capaz de agir

com estas mesmas forccedilasrdquo uma vez que natildeo possuem forma concreta os kami possuiacuteam o

atributo da ldquocriatividaderdquo modelando todas as coisas existentes no mundo 83

Supervisionado pelo Ministeacuterio dos Assuntos Internos sob o coacutedigo ritsuryō o

Onmyōryō tornar-se-ia o palco de rivalidades familiares entre clatildes como os Abe (associados agrave

astrologia) e os Kamo (especialistas nas ciecircncias calendares) No periacuteodo Muromachi a

linhagem Abe (Tsuchimikado土御門) assumiria a posiccedilatildeo hereditaacuteria de superintendentes da

instituiccedilatildeo sendo que a casa dos Kamo (Kōtokui 幸徳井) contentar-se-ia com o segundo

lugar ocupando o cargo de vice-liacuteder No Periacuteodo Edo as disputas de autoridade em mateacuterias

de ritual condicionariam a crescente competiccedilatildeo entre os Tsuchimikado e uma terceira casa

os Yoshida se os Tsuchimikado seriam reconhecidos pelo bakufu como os responsaacuteveis pela

nomeaccedilatildeo dos lsquomestres do yin-yangrsquo (onmyōji 陰陽師) os Yoshida encarregar-se-iam dos

sacerdotes shintō 84

Em 1682 Tsuchimikado Yasutomi (土御門泰福 1655-1717) criaria

uma nova doutrina inspirada no pensamento de Yamazaki Ansai e de alguns pensadores de

Ise shintō bem como controlava e garantia ldquolicenccedilas a praticantes Yin-Yang pelas proviacutenciasrdquo

85

Na atualidade elementos de onmyōdō podem ser encontrados nas vaacuterias ramificaccedilotildees

de shintō tomando-se o exemplo de Tensha Tsuchimikado Shintō (天社土御門神道 )

Inspirada pela escola de Yasutomi e criada no poacutes-1945 como consequecircncia da concessatildeo de

liberdade religiosa esta organizaccedilatildeo centra-se na cerimoacutenia tensō chifusai (天曹地府祭) Um

81

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p176 82

HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 83

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 84

NISHIOKA Kazuhiko ldquoTsuchimikado Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and

Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22576gt (consultado em 24-06-2018) 85

INOUE Nobutaka ldquoTsuchimikado Yasutomirdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities

(on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22771gt (consultado em

24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 39

matsuri de caraacutecter imperial tensō chifusai procurava a transmissatildeo dos ldquodesejosrdquo do novo

Imperador agraves ldquodivindadesrdquo on-myō embora gradualmente adquirisse popularidade junto dos

Tsuchimikado Praticada no seu jinja dedicado a Taizan Fukun 85

(泰山夫君) ndash em contexto

chinecircs atuava como magistrado do domiacutenio dos mortos e era um subordinado de Yama (em

japonecircs Enma閻魔) 86

ndash a cerimoacutenia garantiria longevidade e seguranccedila do novo imperador

bem como a manutenccedilatildeo do estado de paz no territoacuterio do Japatildeo e o bem-estar dos suacutebditos 85

as necessidades do coletivo pesavam mais do que as individuais

123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu

Apesar da influecircncia significativa do confucionismo e do taoiacutesmo em shintō ambos

sistemas de pensamento chinecircs natildeo partilham da categoria moderna de shūkyō no campo da

estatiacutestica japonesa apenas a Via do Buda eacute hoje reconhecido como tal juntando-se a shintō e

ao cristianismo trecircs ldquoreligiotildeesrdquo cujo impacto alterou a paisagem cultural japonesa embora a

quantidade de igrejas dificilmente se compara aos milhares de jinja e tera ou jirsquoin (templos

budistas) observando-se igualmente a presenccedila de determinados cultos e tendecircncias que

demonstram o caraacutecter sincreacutetico da relaccedilatildeo shinbutsu

No entanto os atos de veneraccedilatildeo aos kami eram na sua origem considerados como a

antiacutetese da Via do Buda dificultando tentativas de aproximaccedilatildeo entre os ldquocultosrdquo segundo os

decretos imperiais do Nihon shoki shintō ndash interpretado como kannagara (惟神 随神)

designando uma praacutetica delegada por Amaterasu aos seus descendentes e que seria traduzida

como ldquoseguir Shinto (hellip) ou carregar Shinto de forma naturalrdquo - e buppōbutsudō eram

encarados com respeito ou desdeacutem 87

No periacuteodo de governaccedilatildeo do Imperador Yōmei (用明

天皇) ambas eram consideras tradiccedilotildees vaacutelidas a seguir uma vez que este ldquoacredita na lei do

Buda e respeita shendaordquo (天皇信仏法尊神道) 88

um termo mais tarde identificado com

shintō

86

MASUO Shinrsquoichirō ldquoChinese Religion and the Formation of Onmyōdōrdquo Nanzan Institute for Religion and

Culture Japanese Journal of Religious Studies nordm 40 (1) 2013 pp 19ndash43 87

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 253-258 88

Durante o primeiro ano do reinado do imperador Kōtoku (孝徳天皇 supostamente ldquorespeita-se a lei do Buda

e ter shendao em pouca consideraccedilatildeordquo (尊仏法軽神道) SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon

shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 40

Por volta da reforma Taika de 645 os ldquorituais budistasrdquo tinham encontrado o seu

lugar no palaacutecio imperial interagindo com os ritos para os kami 89

condicionando um cenaacuterio

de competiccedilatildeo que forccedilaria a adaptaccedilatildeo de shintō face a estas novas escolas e vice-versa

Destacando-se como uma nova forma de lei e doutrina inovadora cujo impacto se estenderia a

vaacuterias aacutereas nomeadamente arte arquitetura educaccedilatildeo e literatura a Via do Buda eacute elevada

ao estatuto de protetora do domiacutenio do Japatildeo o que natildeo implica uma relaccedilatildeo antagoacutenica com

o culto jingi antes pelo contraacuterio

Durante os periacuteodos Nara-Heian constroem-se os primeiros espaccedilos de veneraccedilatildeo

conjunta de kami e budas (jingū-ji (神宮寺) Todavia a contiacutenua associaccedilatildeo da nova Via agrave

vida aristocraacutetica reforccedilaria a ligaccedilatildeo dos cultos aos kami com as pessoas comuns 90

shintō

permanecia a religiatildeo da comunidade e o budismo a religiatildeo doutrinaacuteria de uma elite

empenhada na traduccedilatildeo e interpretaccedilatildeo dos sutras patrocinando a construccedilatildeo de templos e a

consequente instruccedilatildeo dos monges utilizando rituais budistas para seu benefiacutecio

Tal como os onmyōji se dedicavam a atividades de lsquoexorcismorsquo os monges

recorreriam a foacutermulas e outras teacutecnicas para controlar a ldquoviolecircncia de divindades espiacuteritos e

demoacutenios de todos os tipos incluindo os kamirdquo Por conseguinte a introduccedilatildeo e popularizaccedilatildeo

das linhas de pensamento favoraacuteveis agrave combinaccedilatildeo de elementos shinbutsu obrigaria a novas

interpretaccedilotildees do que se entende por kami outrora seres omnipotentes kami possuiriam um

estatuto equivalente ao de devas ou asuras e como tal sujeitavam-se a samṣara (rokudō rinne

六道輪廻) ao contraacuterio dos budas que tinham alcanccedilado a iluminaccedilatildeo (satori 悟り) 91

No final do periacuteodo Nara promover-se-ia a teoria de que os kami eram nada mais do

que ldquodivindadesrdquo tutelares dos ensinamentos budistas clarificando a relaccedilatildeo de superioridade

do budismo para com shintō e como tal poderiam ser salvas como qualquer outro ser dos seis

domiacutenios 92

neste sentido vida e morte fazem parte do mesmo ciclo do qual apenas alguns se

podem libertar colocando todos os habitantes dos seis caminhos em peacute de igualdade para

shintō a necessidade de ldquosalvaccedilatildeordquo da roda de reencarnaccedilatildeo atraveacutes de satori natildeo se justifica

todos os seres vivos partilham do mesmo caminho - nasciam viviam no seu mundo (em

sociedade com outros kami e humanos) e a sua lsquoformarsquo ou corpo possui os seus limites

89

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 90

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 91

BREEN John TEEUWEN Mark opcit p 38-39 92

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 41

naturais apoacutes a morte fiacutesica os uacutenicos traccedilos de existecircncia de uma forma de vida encontrar-

se-iam na tamashii (魂) um atributo interior de kami e humanos

Paralelamente agrave expansatildeo do budismo no Japatildeo desenvolve-se a primeira fase da

vertente acadeacutemica de shintō caracterizada pela adoccedilatildeo de conceitos e fundamentaccedilatildeo de

teorias de bukkyō como o princiacutepio honji-suijaku aplicado pelos setores mais populares do

periacuteodo Heian Tendai (天台宗) e Shingon (真言宗) reavaliando-se a relaccedilatildeo entre kami e

outros ldquoseresrdquo reconhecidos pela Via do Buda Assim kami tornar-se-iam suijaku (lsquotraccedilosrsquo垂

迹) dos honji (lsquoessecircnciasrsquo本地) que se encontravam em budas (hotoke 仏) e bodhisattvas

(bosatsu菩薩) por exemplo Jizō (地藏) eacute identificado com Hiraoka-amakoyane-no-mikoto

um dos kami consagrados no Kasuga Jinja 93

no complexo de Ise encontrar-se-ia o honji

Mahāvairocana Tathagata (Dainichi Nyorai 大日如来 ) e em Hakusan o bosatsu da

compaixatildeo Kannon (観音) 94

O esforccedilo de cooperaccedilatildeo entre ambas tradiccedilotildees atingiria o seu auge com o

aparecimento das trecircs escolas xintoiacutestas de base budista Tendai shintō (天台神道) Ryōbu

shintō (両部神道) e Hōkke shintō (法華神道) respetivamente associadas agraves doutrinas dos

monges Saichō Kūkai e Nichiren Tendai Shintō tambeacutem conhecido pela designaccedilatildeo Sannō

Ichi-jitsu shintō apoia-se no estudo do Sutra do Loacutetus e coloca em praacutetica a teoria honji-

suijaku identificando Hiyoshi Sannō o lsquokami guardiatildeorsquo (shugojin 守護神 ) do templo

Enryaku-ji como o suijaku de Śākyamuni o ldquorei do Dharma do sutra do Loacutetusrdquo Possuindo

uma importacircncia mais local do que nacional e centrada em Hiei Quioto Tendai shintō

popularizaria o ato de meditaccedilatildeo ambulante em torno dos sub-santuaacuterios do ldquoSantuaacuterio de Hierdquo

e ldquoperegrinaccedilotildees mentaisrdquo nas quais os suplicantes ldquovisualmenterdquo visitavam os santuaacuterios 95

Agrave semelhanccedila da escola Tendai Ryōbu shintō favorece a combinaccedilatildeo de elementos

ldquobudistasrdquo (ldquoesoteacutericosrdquo) e shintō focando-se na relaccedilatildeo do Ise jingū (伊勢神宮) com as

mandalas kongokai e taizokai representaccedilotildees do ldquoDomiacutenio do Diamanterdquo e do ldquoDomiacutenio do

Ventrerdquo por sua vez associados ao Gekū e ao lsquopalaacutecio internorsquo (Naikū 内宮 ) de Ise

93

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 94

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 95

SATŌ Masato ldquoSannō Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and

Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22572gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 42

respetivamente96

Descrita como ldquoshintō combinatoacuterio baseada nas mandalas duais

fundamentais de Budismo esoteacuterico Shingonrdquo por Yoshida Kanetomo 97

- expoente da teoria

Yuiitsu shintō (唯一神道) na qual kami se torna o centro de tudo incluindo do ceacuteu e da terra

ldquodemoacuteniosrdquo animais e o proacuteprio kokoro dos humanos 98

- Ryōbu shintō influenciaria as

escolas de Ise e Yoshida 96

No que concerne agrave uacuteltima escola Hokke shintō recebe influecircncias do ldquobudismordquo

Nichiren (日蓮宗) uma das seitas mais populares do Periacuteodo Kamakura (1185-1333) por sua

vez derivada da lsquoseita da Terra Pura (Jōdo-shū 浄土宗rdquo) propagando a doutrina de mappō

(末法) o momento final do Dharma exaltada pelo monge Nichiren (日蓮 1222-1282)

Essencialmente portador de uma linha de pensamento reacionaacuteria ao budismo Heian

Nichiren considerava Tenshō Daijin (Amaterasu) e Hachiman como shugojin do Verdadeiro

Dharma reconhecendo igualmente a existecircncia de ldquodivindades tutelares do Sutra do Loacutetusrdquo

que tanto protegeriam a realidade na qual se verificasse a concretizaccedilatildeo do Verdadeiro

Dharma como poderiam escolher abandonaacute-la caso a Lei natildeo fosse aplicada 99

Por

conseguinte esta tradiccedilatildeo teria sido formada pelo superintendente do templo Shuryōgonin

associava-se deste modo os trinta dias do mecircs a trinta diferentes jinja e complexos tais

como Atsuta Jingū Suwa Shōshin-ji Hachiō-ji Inari Kibune Hachiman Kasuga Ise Gion

entre outros 100

Partilhando com Tendai o estudo do Sutra do Loacutetus a escola Hokke influenciaria as

ideias de Yoshida shintō e continuaria a desenvolver-se ao longo dos Periacuteodos Muromachi e

Edo surgindo uma seacuterie de obras e fasciacuteculos comentando acerca desta forma de shintō tais

como Hokke Shintō Hiketsu (法華神道秘訣) atribuiacutedo a Nitchō (日澄 1441-1510) 99

No seguimento da instauraccedilatildeo da terceira e uacuteltima casa militar no poder poliacutetico

budismo eacute relegado para um plano mais secundaacuterio aleacutem do aumento do nuacutemero de

96

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp298-299 97

ITŌ Satoshi ldquoRyōbu Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and

Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22800 (consultado em 24-06-2018) 98

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 99

Itō explica que esta doutrina (shintenjō hōmon) seria acolhida pelo ldquoculto Tendai de trinta divindades tal como

era praticado no Monte Hieirdquo ITŌ Satoshi ldquoHokke Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and

Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22565gt (consultado em 24-06-2018) 100

ITŌ Satoshi ldquoSanjūbanshinrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Combinatory Kami (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22464gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 43

ocorrecircncias de funerais shintō realizados por famiacutelias como os Yoshida bem como a reduccedilatildeo

da quantidade de tera e jinja que favorecessem uma abordagem ldquocombinatoacuteriardquo 101

surge a

niacutevel acadeacutemico o movimento fukko shintō (復古神道) que propunha um ldquoreavaliaccedilatildeordquo de

shintō rejeitando-se severamente ideias externas

Nestas circunstacircncias Hirata Atsutane (平田篤胤 1774-1842) representante da

vertente mais ldquoradicalrdquo da escola kokugaku assume uma posiccedilatildeo particularmente criacutetica da

Via do Buda suposta total antiacutetese de shintō que por sua vez era emulado como uma ldquovia

antigardquo (kodō 古道) no seu Kodō Taii (古道大尉) redigido em 1811 Hirata idealiza o Japatildeo

como a ldquoTerra dos kamirdquo cujos habitantes satildeo ldquoracialmente superioresrdquo entendendo budismo

como uma ldquoreligiatildeordquo inventada por um homem ndash Śākyamuni ndash cujas doutrinas eram ldquofalsasrdquo

ao ponto de apagarem por completo a ldquoverdade originalrdquo da existecircncia de uma entidade

omnipresente criadora denominada nos textos antigos de Brahmā que Hirata identifica com

Kami-musubi-no-kami 102

Por conseguinte o sentimento anti-budista expresso por Hirata teria as suas

repercussotildees em alguns territoacuterios no periacuteodo final do xogunato Tokugawa gerando-se o

movimento haibutsu kishaku (廃仏毀釈) cuja linha de pensamento tornar-se-ia devastadora

para a Via do Buda desde a destruiccedilatildeo de templos halls imagens rituais apropriaccedilatildeo de

propriedades dos templos na economia dos domiacutenios agrave laicizaccedilatildeo forccedilada dos monges o

budismo enquanto religiatildeo perderia credibilidade e significado cultural entre a populaccedilatildeo 103

ao contraacuterio de shintō por sua vez equiparado a uma ideologia poliacutetica a partir de 1868

inaugura-se assim um dos momentos mais negros da histoacuteria shinbutsu

13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945

O periacuteodo de vigecircncia da ideologia Meiji (1868-1945) eacute tambeacutem um periacuteodo de

perseguiccedilatildeo interna para a Via do Buda e nas palavras de Picken um exemplo de ldquoabuso e

manipulaccedilatildeordquo de shintō 104

a Ordenaccedilatildeo de Distinccedilatildeo de Shintō e Bukkyō (shinbutsu

hanzenrei 神仏判然令 ) de 1868 oficializa a poliacutetica de separaccedilatildeo de shintō e bukkyō

(shinbutsu bunri 神仏分離) expressa pela interdiccedilatildeo de ldquonomes de estilo Budista para kami

101

BREEN John TEEUWEN Mark opcit pp 38-39 102

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 213-215 103

SAKAMOTO Koremaru ldquoHaibutsukishakurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Doctrines

and Theories (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23552gt

(consultado em 24-06-2018) 104

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 87-88

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 44

a proibiccedilatildeo de se usar imagens Budistas para representar kami e a remoccedilatildeo de implementos

rituais Budistas de espaccedilos rituais Shintōrdquo 105

Seguindo nos passos do movimento haibutsu

kishaku

Tendo como meta uma visatildeo de shintō como lsquonatildeo-religiatildeorsquo estatal o novo regime

restabeleceria o Jingikan - substituiacutedo dois anos depois pelo Jingishō (神祇省) ndash e procederia

agrave instauraccedilatildeo de um sistema hieraacuterquico piramidal de jinja imperiais e nacionais (1870-1871)

delegando-se cargos a funcionaacuterios puacuteblicos Abolindo-se o sistema de hereditariedade

sacerdotal jinja tornam-se instituiccedilotildees nacionais e espaccedilos de visita obrigatoacuteria e natildeo

espontacircnea 106

131 A visatildeo ldquonacionalistardquo Meiji uma ldquonatildeo-religiatildeordquo ao serviccedilo do Estado

japonecircs

Se as restantes ldquoreligiotildeesrdquo eram entendidas como secundaacuterias - permanecendo sob a

tutela do Escritoacuterio de Religiatildeo do qual faziam parte os treze ldquosetoresrdquo de kyōha shintō - o

culto jingi era colocado sob a alccedilada do Jinjakyoku (神社局) perdendo gradualmente a sua

natureza religiosa todos os meios eram vaacutelidos para inculcar nas mentes dos japoneses a ideia

de que shintō natildeo era uma religiatildeo ldquopatrociacutenio apoio perpetuaccedilatildeo controlo e disseminaccedilatildeordquo

de shintō pelos vaacuterios niacuteveis de governo e por funcionaacuterios puacuteblicos ldquosubordinados e

empregadosrdquo o constante ensino de doutrina ldquoxintoiacutestardquo ldquonacionalistardquo ou ldquoultranacionalistardquo

em manuais escolares o ato de visitar santuaacuterios por obrigaccedilatildeo e execuccedilatildeo de ritos

patrocinadas por instituiccedilotildees educacionais a circulaccedilatildeo de textos explicativos da doutrina

kokutai (国体) 107

Em contexto legal tambeacutem os proacuteprios santuaacuterios xintoiacutestas sofreriam o impacto

desta abordagem poliacutetica de shintō que reavivava a ligaccedilatildeo co-dependente entre o poder

poliacutetico e shintō (na sua forma de culto jingi) tornando shintō uma instituiccedilatildeo patrioacutetica que

devia ser salvaguardada por todos o ano de 1900 marcaria o iniacutecio do controverso processo

de aglutinaccedilatildeo de jinja (Jinja-Gappei 神社合併) Apagando a existecircncia de milhares de jinja

ldquonatildeo-qualificadosrdquo o movimento expressava uma transferecircncia forccedilada de kami para outros

105

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 106

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39 107

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 114-116

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 45

jinja minando a relaccedilatildeo destes espaccedilos com as comunidades locais se em 1880 existiam

cerca de 157 mil jinja do povopuacuteblicos (minsha民社) em 1929 o nuacutemero rondaria os 112

mil e em 1947 mais de 87 mil 108

De um modo geral shintō estatal (kokka shintō 国家神道) cimentou a ideia de que

um certo tipo de shintō estava aleacutem de ser ldquoreligiatildeo termo que no Periacuteodo Meiji tinha como

elementos um fundador individual e a uma organizaccedilatildeo privada realizando-se atividades de

caraacutecter voluntaacuterio 108

o que nada tinha a ver com o culto jingi praticar shintō era nada mais

do que um dever e uma demonstraccedilatildeo de sentimentos patrioacuteticos essenciais ao bom

funcionamento da naccedilatildeo japonesa recorrendo-se a conceitos como kannagara akitsu-mikami

(現御神) hakkō-ichiu (八紘一宇) que naturalmente tinham sido readaptados face ao status-

quo kannagara por exemplo descrevia uma lsquofeacutersquo que incide no indiviacuteduo e faz com que este

sirva o coletivo nunca a si mesmo expressando ainda ldquoum sentimento de assimilaccedilatildeo e

harmoniardquo 109

akitsu-mikami significava uma ldquodivindade incarnadardquo identificada com o

proacuteprio imperador que deve ser venerado tal como os seus antepassados por parte dos seus

suacutebditos 110

hakkō-ichiu (ldquoa terra inteira debaixo do mesmo tetordquo) era usado como slogan

simboacutelico do poderio militar japonecircs 111

ecoando a noccedilatildeo de tian xia isto eacute lsquodebaixo do ceacuteursquo

(tenka 天下) que em contexto do pensamento chinecircs arcaico e confuciano definia o escopo

do tianming ou lsquomandato do ceacuteursquo (tenmei天命) entregue a um futuro soberano

No fundo reforccedila-se a suposta superioridade do Japatildeo enquanto naccedilatildeo ldquodivinardquo e por

associaccedilatildeo do proacuteprio imperador cuja ldquoalma divinardquo eacute representada por Amaterasu o liacuteder do

Impeacuterio age senatildeo em nome desta uacuteltima sendo que todos os japoneses reconhecem e

reverenciam a sua linhagem transmitida ldquonuma linha inquebraacutevelrdquo o trono e o Imperador satildeo

uma extensatildeo de Amaterasu conferindo-lhe um estatuto ldquoinviolaacutevelrdquo Como tal a aacuterea de

governaccedilatildeo do Imperador natildeo pode ser reduzida ao Japatildeo mas antes a todo o nosso mundo

um papel partilhado com a kami do Sol e Taka-musubi-no-kami 109

108

SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion

Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149 109

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 127-128 110

PICKEN Stuart op cit pp 105 111

PICKEN Stuart op cit pp 111

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 46

132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular religiatildeo

japonesa

O fim da 2ordf Guerra Mundial eacute justamente descrito como o ponto de viragem para as

religiotildees japonesas desde 1945 que shintō eacute estatisticamente uma religiatildeo viabilizando um

processo de reinvenccedilatildeo e adaptaccedilatildeo agraves necessidades de uma sociedade japonesa moderna

surgem assim novos movimentos religiosos parcialmente baseados em ideias shintō budistas

ou cristatildes algumas mais do que outras testemunho vivo da liberdade religiosa expressa a

niacutevel constitucional

No que concerne aos espaccedilos de veneraccedilatildeo estes satildeo devidamente legalizados como

corporaccedilotildees religiosas (shūkyō hōjin宗教法人) desde 1946 operando quer como extensotildees

de terceiros (grupos inclusivos) ou como unidades (tanrsquoi単位) independentes destes grupos

inclusivos (tanritsu shūkyō dantai単立宗教団体) a cada grupo inclusivo (hōkatsu dantai包

括団体) corresponde uma categoria proacutepria - kyōha (教派) shūha (宗派) comunidade

religiosa (kyōdan教団) ordem (shūdoukai 修道会) - que por sua vez incorpora tanrsquoi jinja

jirsquoin (寺院) igrejas (kyōkai教会) e mosteiros (shūdōin修道院) 112

Por conseguinte todos os dados reportados satildeo compilados pela Divisatildeo de Assuntos

Religiosos da Agecircncia para Assuntos Culturais do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (Bunka-chō

shūmuka kyōiku-shō 文化庁宗務課 教育省) que se apoia na definiccedilatildeo de ldquoorganizaccedilatildeo

religiosardquo (shūkyō dantai 宗教団体) promulgada pela Constituiccedilatildeo qualquer grupo local

focado na ldquodisseminaccedilatildeo de ensinamentos religiosos a conduccedilatildeo de cerimoacutenias e funccedilotildees e a

educaccedilatildeo e nutrimento dos crentesrdquo deve ser considerado uma shūkyō dantai que deteacutem

autoridade sobre o processo de qualificaccedilatildeo e quantificaccedilatildeo dos aderentes e do sacerdoacutecio 112

por exemplo a instruccedilatildeo dos candidatos a posiccedilotildees dentro dos santuaacuterios eacute disponibilizada

pelas Universidade Kokugakuin (國學院大學) de Toacutequio e a Universidade Kōgakkan (皇學

館大学) em Ise esta uacuteltima focada no treino de ldquosacerdotes para recitar as liturgias e perceber

o significado dos rituaisrdquo 113

Operando a niacutevel prefeitural ou nacional a categoria shūkyō hōjin faz parte da visatildeo

moderna japonesa de religiatildeo em 1998 o Anuaacuterio de Religiotildees (shūkyō nenkan 宗教年鑑)

do 10ordm Ano da Era Heisei registava mais de 85 mil grupos religiosos shintō 104553179

112

TAMARU Nobuyoshi REID David Religion in Japanese Culture Where Living Traditions Meet a

Changing World Tokyo Kodansha International 1996 pp 218-219 113

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 188-190

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 47

seguidores shintō (492) mais de 81 mil jinja 15 jirsquoin e 1276 locais de propagaccedilatildeo religiosa

(fukyōjo布教所) bem como cerca de 88 mil ldquoprofessoresrdquo (kyōshi 教師) Em contrapartida

bukkyō tinha apenas 78 mil grupos religiosos mais de 95 milhotildees de aderentes e um nuacutemero

superior de kyōshi mais de 77 mil templos apenas 10 jinja e cerca de 3000 fukyōjo 114

No

ano de 2015 constatava-se uma pequena evoluccedilatildeo negativa 485 dos aderentes seguiam

shintō e apenas 87 milhotildees eram supostamente budistas registando-se igualmente uma

descida do nuacutemero de kyōshi tanrsquoi e corporaccedilotildees shintō e budistas 115

Apesar de os dados publicados pela Agecircncia poderem natildeo corresponder agrave realidade

o campo estatiacutestico esforccedila-se por explicar ao puacuteblico o que se entende por shintō bukkyō e

kirisutokyō recorrendo a uma categorizaccedilatildeo que eacute acima de tudo coerente face agrave sua

evoluccedilatildeo histoacuterica no caso concreto de shintō os Anuaacuterios de Religiotildees reconhecem trecircs

ramificaccedilotildees ou kei (系) jinja shintō (神社神道) kyōha shintō e shin shūkyō shintō (新宗教

神道) 116

destas trecircs somente a primeira inclui uma organizaccedilatildeo que tambeacutem serve de porta-

voz aos interesses da maior parte dos jinja espalhados pelo paiacutes a Jinja Honchō (神社本庁)

Ceacutelebre instituiccedilatildeo criada em 1946 no seguimento da fusatildeo de outros trecircs grupos privados eacute

ateacute hoje o ldquouacutenico corpo coordenativo para Shinto no Japatildeo e o uacutenico oacutergatildeo (para aleacutem dos

santuaacuterios individuais) pelo qual Shinto pode ser formalmente representado a um largo niacutevel

administrativordquo 117

Regulando a atuaccedilatildeo das atividades dos jinja a Jinja Honchō permanece o ldquogrupo

religiosordquo mais numeroso no que concerne a espaccedilos de veneraccedilatildeo aderentes (perto de 80

milhotildees) e kyōshi (aprox217 milhotildees) 116

e apresenta-se como um oacutergatildeo mais moderado que

os seus predecessores do Periacuteodo Meiji ndash Jingikan Jingishō (神祇省) Kyōbushō (教部省) e

Jingirsquoin (神祇院) ndash capaz de conjugar as funccedilotildees de supervisor dos jinja e de autoridade em

assuntos shintō Sinteticamente esta associaccedilatildeo tem como metas perpetuar as tradiccedilotildees

desenvolvidas em contexto de jinja shintō como demonstraccedilatildeo de gratidatildeo aos kami e aos

antepassados - a realizaccedilatildeo de cerimoacutenias e ritos - ldquoservir a sociedade e outrosrdquo e na

qualidade de ldquomensageiros de kamirdquo aspirar a melhorar e consolidar este mundo Por uacuteltimo

deve-se identificar ldquoas proacuteprias mentes com a do Imperadorrdquo e ldquorezar pela prosperidade do

114

Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 10 Han (宗教年鑑平成 10 版) Tokyo Bunka-chō

1998 115

Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō

2016 116

Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō

2016 117

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 41-42

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 48

paiacutes e por coexistecircncia paciacutefica e coprosperidade para as pessoas do mundordquo 118

claramente

realccedilando o caraacutecter natildeo individual patente em shintō

2 SOCIEDADE ldquoESPIRITUALIDADErdquo E ldquoEacuteTICArdquo A ldquoVIA DOS KAMIrdquo E O

REGRESSO Agrave Ordem

Aceitar shintō pressupotildee que o indiviacuteduo realize rituais positivos com uma ldquomente

clara pura e sincerardquo 118

devendo-se ter em atenccedilatildeo o termo ldquomenterdquo o facto de Ono ter

como puacuteblico-alvo natildeo japoneses poderaacute justificar esta escolha de traduccedilatildeo que se afasta do

texto original por exemplo ldquoakikiyoki makoto wo nite saishi ni isoshimukoto (明き清きまこ

とを以て祭祀 [さいし] にいそしむこと) corresponde a ldquodevotar-nos aos atos de veneraccedilatildeo

(aos kami) com uma mente clara pura e sincerardquo ldquoŌmikokoro wo itadakite mutsubirdquo (大御

心 [おおみこころ]をいただきてむつび) 119

eacute ldquoidentificaccedilatildeo das proacuteprias mentes com a

(mente) do Imperadorrdquo Assim o termo torna-se makoto Juntamente com o kokoro ambos

vocaacutebulos fundamentam a perspetiva eacutetica de shintō Por sua vez mutsubi (musubi) auxilia na

compreensatildeo da relaccedilatildeo de shintō com o indiviacuteduo e por associaccedilatildeo com os kami

21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e

individuais

Claramente uma Via focada no bem-estar humano shintō ilustra um forte caraacutecter

social e eacutetico que eacute complementado pelo desenvolvimento de uma lsquoespiritualidadersquo proacutepria

associada agrave perceccedilatildeo japonesa do ldquosagradordquo como jaacute anteriormente mencionado este

domiacutenio estaacute associado a kami e a sua presenccedila pode ser ldquosentidardquo em certas ocasiotildees

nomeadamente durante os matsuri e as cerimoacutenias executadas pelos ldquosacerdotesrdquo (shinkan 神

官) a descriccedilatildeo de Picken de shintō como ldquoefectivamente uma religiatildeo que eacute mais lsquoapanhadarsquo

do que lsquoensinadarsquo os seus discernimentos lsquopercecionadosrsquo antes de serem lsquoacreditadosrsquo os

118

ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004 p82 119

A expressatildeo Ōmikokoro (ou Mikokoro 御心) eacute uma forma respeitosa de se referir ao Imperador (ou aos kami)

que surge nas norito ou em outros textos oficiais Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案 内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line) lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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seus baacutesicos conceitos mais do que lsquosentidosrsquo do que lsquopensadosrsquordquo 120

faz da praacutetica e da

experiecircncia do indiviacuteduo o seu alicerce Deste modo confere-se ao homem um papel ativo e

de participante quer se trate de um visitante que reze aos kami esperando por uma resposta

quer seja algueacutem dedicado a servir os kami (ldquosacerdotesrdquo por exemplo) a decisatildeo de executar

os rituais (associados agrave Ordem) cabe ao homem

Soacute o homem possui a capacidade de entrar num domiacutenio diferente deparando-se com

vaacuterios siacutembolos que assinalam a ldquopresenccedilardquo do kami Mircea Eliade nota que o homem

apercebe-se do ldquosagradordquo porque este escolhe mostrar-se isto eacute manifesta-se das mais

variadas formas algo descrito pelo autor como ldquohierofaniardquo identificando a ldquohistoacuteria de

religiotildeesrdquo como portadora de um legado de ldquohierofaniasrdquo ndash elementares e complexas ndash e

argumentando que a manifestaccedilatildeo de ldquoalgo de uma ordem totalmente diferente uma realidade

que natildeo pertence ao nosso mundordquo eacute visualmente expressa por ldquoobjetos que satildeo uma parte

integral do nosso mundo natural lsquoprofanorsquordquo 121

em shintō esta perspetiva lembra o conceito

de kami enquanto atributo o ato de atar uma shimenawa (しめ縄) corda da qual pendem

pequenas tiras em formato ziguezague a um objeto (pilares rochas) ou uma aacutervore (shinboku

神木) e o uso da gohei (御幣) um enfeite colocado diante das portas do ldquosantuaacuterio interiorrdquo

(shinden 神殿) representam a transiccedilatildeo do vulgar para o extraordinaacuterio se fisicamente o

objeto permanece tal e qual como antes de uma perspetiva espiritual e natildeo racional o objeto

torna-se uma extensatildeo do kami

Por conseguinte a noccedilatildeo de ldquohierofaniardquo pensada por Eliade poderia aplicar-se aos

shintai (神体) e mitamashiro (御魂代) objetos diretamente ligados agrave sobrevivecircncia dos jinja

garantindo um estatuto lsquosagradorsquo dos jinja enquanto o kami permanecer nesse local 122

durante a Jinja Gappei milhares de santuaacuterios perderam a sua razatildeo de existir na sequecircncia

da transferecircncia permanente dos supostos representantes do kami 123

No fundo eacute a ausecircncia

destes objetos condiciona o fim do jinja

Essencialmente espaccedilos mantidos graccedilas aos esforccedilos da comunidade jinja

desempenham serviccedilos que incidem na esfera puacuteblica e privada todo o jinja revolve em torno

das pessoas familiarizadas com a aacuterea de atuaccedilatildeo e os atributos do kami ao qual apelam

preocupaccedilotildees econoacutemicas satildeo geralmente da responsabilidade de Inari (稲荷) e Ebisu (恵比

120

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p xxxii 121

ELIADE Mircea op cit pp 10-12 122

ONO Sokyō op cit p21 pp-24-25 pp98-99 123

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 50

須) o primeiro eacute identificado como o kami protetor do cultivo de arroz e dos cinco cereais

enquanto que o segundo eacute associado ao setor comercial desde o seacutec XII 124

Protetor dos mercadores em meio urbano e de campos de arroz nas aacutereas rurais 124

Ebisu faz parte dos Shichi Fukujin (七福神) um grupo de sete kami associados agrave boamaacute

sorte Daikokuten (大黒天) representante da prosperidade comercial apesar de tambeacutem ser

identificado com um deva domeacutestico da cozinha Mahakala Jurōjin (寿老人) ldquokami de uma

estrela no Taoiacutesmordquo bem como um ldquoermitardquo Jaacute Fukurokuju (福禄寿) eacute o kami da riqueza

prosperidade e longa vida e Hotei (布袋) ldquoum monge chinecircs e uma incarnaccedilatildeo de Maitreyardquo

(Miroku 弥勒) 125

Por uacuteltimo Bishamonten (毘沙門天) e Benzaiten (弁財天) tecircm origens

indianas se Bishamonten um kami de temperamento forte e marcial eacute identificado com

Vaiśravaṇa Beizaiten eacute equiparada agrave devī Sarasvatī 126

No que concerne a preocupaccedilotildees mais pessoais como aprovaccedilatildeo nos exames de

admissatildeo da faculdade eacute costume visitar-se o Kitano Tenmangū (北野天満宮) de Quioto

onde se venera Tenjin127

Ao contraacuterio de outros kami Tenjin natildeo se tornou kami de um dia

para o outro a consagraccedilatildeo da ldquoalmardquo de Michizane ldquoresultou de um esforccedilo extraordinaacuterio

do governo de lidar com uma manifestaccedilatildeo perturbadora de crenccedila Alma-Zangada (onryo)

que (hellip) foi grandemente influenciada pelo corrente interesse em ideias Chinesas e crenccedilasrdquo

128 Por sua vez onryō partilha algumas semelhanccedilas com goryō (御霊) ldquoespiacuteritos de pessoas

que tinham perdido as suas posiccedilotildees de poder e vaacuterios kami de epidemiasrdquo posteriormente

ldquodomesticadosrdquo nos ritos chinkon ao inveacutes de entidades destruidoras e malevolentes que

invocavam desgraccedilas goryō transformavam-se em entidades protetoras 129

22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii

Tanto onryō como goryō enquadram-se na perspetiva espiritual de shintō agrave

semelhanccedila de sangaku shinkō (山岳信仰) cultos caracterizados pela adoraccedilatildeo de montanhas

124

PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365 125

HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia

ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de

2003)

126 PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39

127 PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365

128 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 285

129 YONEI Teruyoshi ldquoGoryōrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23422gt (consultado em 24-06-

2018)

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como Ontake (御嶽) Kumano (熊野) Fuji (富士) Sannō (山王) Katsuragi (葛城) supostos

locais de morada permanente para espiacuteritos ldquoprincipalmente espiacuteritos dos mortos que

vigiavam e assistiam os vivosrdquo 130

Eacute em virtude de um suposto caraacutecter sagrado e espiritual

que ainda hoje se realizam praacuteticas asceacuteticas nestes locais

Por conseguinte a compreensatildeo da ldquoespiritualidaderdquo japonesa implica o

conhecimento de musubi (産霊) rei (霊) e tamashii (魂) sendo que o primeiro eacute composto

por umi (産み ldquocriaccedilatildeordquo no sentido de gerar algo) e rei significando algo que natildeo pertence

ao plano fiacutesico Homoacutefono da palavra musubi (結び) traduzido por ldquoligaccedilatildeordquo e por sua vez

derivada do verbo musubu ou lsquoligarrsquo musubi eacute em si a lsquovitalidadersquo presente no ambiente e

nos seres que o constituem uma interpretaccedilatildeo apoiada por Motoori Norinaga

Com efeito no seu Tama Kushige o autor identifica musubi como uma espeacutecie de

ldquoprinciacutepio de atividade criativardquo inerente nos kami Taka-musubi e Kami-musubi concluindo

que este ldquoespiacuterito criativo (hellip) divino milagroso e aleacutem da compreensatildeo humanardquo permite os

atos de ldquocriaccedilatildeordquo (kuni-umi e kami-umi) de Izanagi e Izanami 131

tudo deve a sua existecircncia a

musubi incluindo os proacuteprios humanos

Simultaneamente uniatildeo (harmonizaccedilatildeo e balanceamento) e criaccedilatildeo isto eacute o lsquopoderrsquo

que concede vida e a origem de toda a existecircncia transportando consigo as conotaccedilotildees de

ldquocombinaccedilatildeordquo ldquojuntarrdquo e ldquointerligarrdquo132

musubi foi repetidamente usado no contexto

cerimonial imperial por exemplo os cinco kami que possuem a partiacutecula musubi no seu nome

satildeo tambeacutem os kami protetores do espelho Yata no Kagami localizados no santuaacuterio

kashidokoro do palaacutecio 133

No que concerne agrave rei e tamashii ambos vocaacutebulos tendem a ser erroneamente

traduzidos como ldquoespiacuteritordquo ou ldquoalmardquo e a sua grande diferenccedila consiste no facto de rei ser

exclusivamente uma parte do humano em vida e um atributo independente apoacutes a morte do

corpo se bem que no entender de Yoshida Kanetomo rei eacute aquilo que governa ldquocoisas

individuaisrdquo contrastando com as ldquopessoas individuaisrdquo que satildeo ldquogovernadas pelo kokoro

(hellip)rdquo 134

tamashii eacute uma caracteriacutestica partilhada por homens e kami sendo que no uacuteltimo

caso esta noccedilatildeo eacute expressa pela palavra mitama - escrita com os kanji de kami e rei (神霊) ndash

130

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 197-198 131

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 132

BOYD JAMES WILLIAMS Ron ldquoJapanese Shintō An Interpretation of a Priestly Perspectiverdquo

Philosophy East and West nordm 55 (1) pp 33-63 133

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 79 134

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp163-167

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ldquoespiacuteritos de kamirdquo cuja existecircncia defendida por rituais e jinja torna viaacutevel a sua integraccedilatildeo

na ideia shintō de lsquoespiacuteritorsquo ou lsquoespiritualidadersquo 135

Natildeo obstante tambeacutem os humanos satildeo portadores de um outro tipo de mitama (御

霊) este identificado como uma rei apoacutes a morte do corpo 135

tornando-se efetivamente uma

extensatildeo deste uacuteltimo o que lhe permite uma atuaccedilatildeo positiva (como protetor) ou negativa

(como destruidor da ordem) no domiacutenio dos humanos Com efeito o culto aos mortos na

sociedade japonesa faz parte de uma tradiccedilatildeo antiga na qual se atribui a certos mortos um

tratamento especial a veneraccedilatildeo de falecidos imperadores antepassados e guerreiros mortos

em combate em conjunto com o culto aos kami expressam uma forte consciencializaccedilatildeo

espiritual ainda muito presente na cultura japonesa

Sob um ponto de vista mais doutrinaacuterio a espiritualidade japonesa centra-se na teoria

ichirei shikon (一霊四魂) literalmente ldquouma rei e quatro tamashiirdquo na qual os humanos e os

kami servem de recipiente agrave reikon que por sua vez eacute constituiacuteda por um lsquoespiacuteritorsquo 136

(rei) -

designado de naobi curioso conceito inserido no campo da eacutetica japonesa significando

ldquocorrigir algo anormal mau ou distorcido e restaura-lo agrave sua condiccedilatildeo normal ou originalrdquo e o

ldquoespiacuterito maravilhoso que retifica o erradordquo 137

- e pela quadripartida tamashii (魂)

Neste contexto cada parte corresponde a um ldquoatributordquo ou ldquocaracteriacutesticardquo que rege o

seu modo de atuaccedilatildeo no domiacutenio terreno o par nigimitama (和御魂) e aramitama (荒御魂)

possuindo uma natureza dual complementar lembrando os princiacutepios do yin e do yang

respetivamente associados ao ldquoatributordquo calmo e passivo nigimitama e o seu oposto a

incontrolaacutevel aramitama o duo sakimitama (幸御魂) e kushimitama (奇御魂) brevemente

mencionado no Nihon shoki se sakimitama eacute a mitama que ldquoprovidenciardquo a potecircncia por

detraacutes da colheita a kushimitama tem o poder de evocar ldquomisteriosas manifestaccedilotildees em seres

humanos atraveacutes de um poder sobrenaturalrdquo 138

135

ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018) 138

YONEI Teruyoshi ldquoIchirei shikonrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on

line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-

06-2018) 137

FUKUI Yoshihiko ldquoNaobirdquo Encyclopedia of Japan 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23662gt (consultado em 24-06-

2018) 138

YONEI Teruyoshi ldquoKushimitamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on

line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23412gt (consultado em 24-

06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 53

De entre este quarteto o primeiro par merece uma atenccedilatildeo especial constatando-se

dezenas de referecircncias em textos antigos que explicitam o papel de tanto uma como da outra

que rituais a executar para pacificar uma aramitama transformando-a numa nigimitama

praacutetica efetuada pela famiacutelia imperial por exemplo apoacutes a morte no exiacutelio em Dazaifu (903)

do letrado Sugawara-no-Michizane que tinha sido viacutetima de uma conspiraccedilatildeo dois anos antes

a capital Quioto seria afetada por uma seacuterie de ldquodesastresrdquo tais como ldquopraga fogos

inundaccedilotildees e mortes inesperadasrdquo de membros do clatilde Fujiwara lanccedilando-se um debate

interno sobre a sua causa concluindo-se que se tratava da aramitama do falecido Sugawara

Procurando-se ldquoapaziguarrdquo esta aramitama a famiacutelia imperial procederia agrave restituiccedilatildeo do

estatuto de letrado de Michizane apoiando a construccedilatildeo de um jinja no qual seria consagrado

um novo kami Tenjin 139

O descrito episoacutedio de ldquodomesticaccedilatildeordquo continuaria a ser praticado ao longo dos

seacuteculos sendo que o Imperador Shōwa (昭和天皇) organizaria uma procissatildeo pelo paiacutes para

pacificar as aramitama atraveacutes de preces substituindo-as por nigimitama algo modelado nas

tours do Imperador Meiji (明治天皇) motivos poliacuteticos satildeo habilmente misturados com as

necessidades ldquoespirituaisrdquo do Japatildeo 140

Natildeo obstante existe uma terceira forma de

ldquodomesticaccedilatildeordquo que natildeo implica o seu afastamento da praacutetica de veneraccedilatildeo antes pelo

contraacuterio no Ise Jingū pensa-se que um dos ldquosantuaacuteriosrdquo do Naikū preserva a nigimitama de

Amaterasu e no outro consagra-se a aramitama um processo replicado no Sumiyoshi Taisha

(住吉大社) de Ōsaka espaccedilo de veneraccedilatildeo de trecircs nigimitama dos trecircs respetivos kami ao

contraacuterio do seu congeacutenere em Yamaguchi que alberga as suas aramitama 141

23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi

Aleacutem das diferenccedilas estabelecidas pela mencionada doutrina rei e tamashii satildeo

essencialmente termos que natildeo reconhecem a existecircncia de bommau o que explica o habitual

caraacutecter neutro dos kami Todavia eacute possiacutevel constatar a presenccedila de categorias de rei e kami

que funcionam como arautos de desgraccedila humana e natural representando o oposto do que eacute

ldquobomrdquo goryō onryō e akuryō (悪霊) este uacuteltimo traduzido literalmente por ldquorei malignosrdquo

139

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 100 140

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 141

ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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satildeo exemplos de entidades espirituais cuja razatildeo de existecircncia eacute a de causar danos agraves pessoas

objetos casas urgindo a realizaccedilatildeo de rituais proacuteprios de ldquopacificaccedilatildeordquo e ldquoexorcismordquo que

supostamente expulsamremovem permanentemente quaisquer influecircncias negativas Por sua

vez os yūrei (幽霊) ldquorei obscurosrdquo enquadram-se mais no mundo folcloacuterico japonecircs e satildeo

geralmente identificados como ldquoespiacuteritos vingativosrdquo ou ldquoapariccedilotildeesrdquo cuja presenccedila eacute teacutenue

mas forte o suficiente para serem ldquosentidosrdquo em locais como florestas e montanhas

No que concerne a kami malignos estes satildeo nada mais do que a antiacutetese de musubi e

pureza se a maioria dos kami desdenham ldquode comportamento disruptivo de ordem social ou

natural juntamente com poluiccedilotildees (kegare) tais como sujidade sangue e morterdquo 142

e a sua

origem eacute responsabilidade do princiacutepio de ldquocriaccedilatildeordquo e Ordem coacutesmica um outro grupo de

kami partilha de uma natureza totalmente oposta favorecendo a destruiccedilatildeo da Ordem os

magatsubi no kami ou magatsui no kami (禍津日神 ) Responsaacuteveis por ldquodesgraccedilas

inevitaacuteveisrdquo e reinando ldquosobre erro e impurezardquo eacutetica os magatsui no kami residem nas

profundezas do Yomi ao contraacuterio dos restantes kami que vivem em Takamagahara e no

mundo terreno possuindo uma ldquoessecircncia liacutempidardquo 143

magatsui no kami satildeo os agentes da

desordem distinguindo-se dos restantes kami que favorecem a Ordem

Neste sentido os magatsui no kami relacionam-se com magagoto (凶悪事) palavra

que subentende ldquodesgraccedilas maacutes accedilotildees e calamidadesrdquo 144

ao contraacuterio dos naobi-no-kami

capazes de ldquorestaurar o estado normal e trazer de volta o mundo puro claro proacuteprio e reto

dos Deusesrdquo 145

constroacutei-se deste modo a ideia do mal percecionado como Desordem e

anormalidade que deve ser combatido pelo indiviacuteduo praticante Via dos kami enfatizando os

aspetos sociais e eacuteticos de shintō

A visatildeo eacutetica proposta por shintō eacute resultado da receccedilatildeo e interpretaccedilatildeo de ideias

confucianas e japonesas Aliaacutes na sociedade arcaica japonesa jaacute existia uma distinccedilatildeo entre

ldquobons atosrdquo e ldquomaus atosrdquo que determinavam a culpabilidade ou inocecircncia de um ofensor

perante a unidade familiar ou o clatilde ldquoeacuteticardquo correspondia numa primeira instacircncia a um

conjunto de praacuteticas e dizeres transmitidos de forma oral e de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que eram

142

MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of

Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt

(consultado em 24-06-2018) 143

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 144

NISHIOKA Kazuhiko ldquoMagakoto (also Magagoto)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines

Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23670gt

(consultado em 24-06-2018) 145

PICKEN Stuart op cit p 273

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 55

de certo modo complementares agrave execuccedilatildeo do ritual os termos yoshi e ashi respetivamente

significando ter ou carecer de ldquovalorrdquo expressavam as ideias de bemmal 146

Por outras

palavras viver em sociedade natildeo seria possiacutevel se natildeo se adotassem certos comportamentos

que fossem eticamente bons isto eacute natildeo reprovaacuteveis aos olhos da comunidade e eacute claro dos

kami que apesar de natildeo possuiacuterem uma natureza nem boa ou maacute tambeacutem eles satildeo capazes

das piores ofensascrimes isto eacute tsumi (罪) como se pode constatar no caso de Susano-o

No domiacutenio ritual a ldquopurezardquo eacute um atributo interno e externo tanto ao homem como

ao kami kami satildeo considerados essencialmente ldquopurosrdquo ldquoliacutempidosrdquo e uma forma de vida

superior aos homens adotando comportamentos corretos que servem de modelo para os

humanos (com a exceccedilatildeo dos magatsui no kami) e partilhando do ldquoelo espiritualrdquo que os une

nesta realidade isto eacute a mitama Contudo apenas os humanos possuem a capacidade de se

tornar kami apoacutes a morte do corpo seguindo um ldquoprocesso de purificaccedilatildeo que os torna em

espiacuteritos ancestraisrdquo e cuja exceccedilatildeo agrave regra encontra-se por exemplo nos imperadores

considerados akitsu-mikami durante a sua vida 147

O entendimento deste processo de purificaccedilatildeo (jōka) natildeo se pode dissociar de kokoro

e makoto ambos fundamentando a noccedilatildeo de ldquoretidatildeordquo (natildeo necessariamente no sentido

confuciano da palavra) expressa pelo jaacute mencionado termo naobi ou simplesmente nao a

antiacutetese de todos os vocaacutebulos conotados com a ideia de ldquomalrdquo Por outras palavras o

reconhecimento da importacircncia de ldquopurezapurordquo soacute eacute justificado pela existecircncia de ldquoimpurezardquo

que conduz agrave Desordem um natildeo existe sem o outro sendo que na linguagem shintō tudo que

eacute negativo e impuro envolve tsumi (罪) e kegare (穢) duas formas de impureza eacutetica e fiacutesica

respetivamente agraves quais se lhe junta imi (忌) frequentemente interpretado no sentido de

ldquotaburdquo tsumi kegare e imi satildeo com efeito os agentes da Desordem que o ser humano deve

evitar

Incorporados em shintō este trio fortalece a relaccedilatildeo desta Via com a sociedade se a

primeira palavra tsumi tem implicaccedilotildees legais e continua a fazer parte da linguagem do dia-a-

dia sendo usada no campo religioso ou no domiacutenio legislativo kegare tende a associar-se ao

domiacutenio mais ldquolituacutergicordquo de shintō tal como imi que consoante o kanji usado denota o que eacute

considerado puro (positivo) e impuro (negativo)

146

ONO Sokyō op cit pp 105-107 147

UEDA Kenji ldquoConcepts of Humanity (Ningenkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines

Basic Concepts (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23642gt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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No que concerne a tsumi este eacute foneticamente lido agrave maneira chinesa como sai (ou

zai) e apesar de ter sido escolhido para traduzir o conceito de ldquopecadordquo segundo a visatildeo

religiosa cristatilde 148

tsumi possui um forte significado natildeo religioso encontrando-se expressotildees

na linguagem corrente tais como dōzai (同罪 partilha do crimeculpa) e shazai (謝罪)

desculpas como forma de aliviar o sentimento de culpa hanzai (犯罪) ldquocrimerdquo entre outras

Com efeito tsumi eacute antes de mais ofensa crime e maacute accedilatildeo Eacute talvez neste sentido

que Nishigaki Yukio identifica tsumi como togame - uma palavra traduzida por ldquoacusaccedilatildeordquo ou

ldquocensurardquo ndash e a uma abreviatura da forma nominal do verbo tsutsumu (障) designado tsutsumi

sendo que o kanji eacute lido como sawaru - homoacutefono do verbo ldquotocarrdquo (sawaru 触る ) -

indicando ldquotornar-se um obstaacuteculordquo 149

denotando um entrave agrave Ordem Por conseguinte esta

interpretaccedilatildeo ecoa a sugestatildeo de Picken que aponta para a variedade de significados de tsumi

ndash ldquopoluiccedilatildeo doenccedilas e desastre bem como errordquo ndash tendo o cuidado de incluir a sua vertente

praacutetica ldquoaccedilotildees situaccedilotildees ou circunstacircncias indesejadas podem causar impureza e devem ser

lidadas por evitaccedilatildeo ou purificaccedilatildeo ritualrdquo 150

designada de ldquoabstinecircnciardquo (imi 斎) e harai

(祓)

Contudo o conceito de ldquoerradordquo parece surgir em textos confucianos integrando

uma das partes da dicotomia boas accedilotildeesmaacutes accedilotildees apesar da ausecircncia de [罪 ] o seu

significado eacute substituiacutedo por outros que partilham das mesmas conotaccedilotildees negativas o

caractere [犯] usado para formar o verbo japonecircs okasu traduzido por ldquocometerrdquo (maus atos)

e que eacute frequentemente interpretado como um possiacutevel sinoacutenimo de tsumi 151

Aliaacutes na

linguagem japonesa moderna natildeo eacute estranho encontrar-se tsumi junto de okasu como se

constata na frase ldquocometer ofensasrdquo (tsumi wo okasu 罪を犯す) reforccedila-se deste modo a

ideia de que tsumi eacute especificamente algo negativo e condutor agrave Desordem

148

MATSUMOTO Shigeru ldquo 罪 つ み rdquo コ ト バ ン ク (on line) Disponiacutevel em

lthttpskotobankjpwordE7BDAA-99474gt (consultado em 24-06-2018) 149

NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p325 150

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 171 151

Por exemplo nos ldquoAnalectosrdquo de Confuacutecio (Lun Yu em japonecircs Rongo 論語) regista-se no primeiro

ldquoensinamentordquo do disciacutepulo Yu Zi (有子) o caratere [犯] que eacute traduzido por Lau como ldquotransgressatildeordquo uma

consequecircncia do natildeo seguimento do caminho proposto por ren No entanto na citaccedilatildeo do uacuteltimo livro de

ldquoAnalectosrdquo [惡] indica ldquodetestar fazer algordquo CONFUacuteCIO The Analects Lun Yu Translated by DC Lau HK

Chinese University Press 1983 pp 2-3 pp 194-195

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Por conseguinte a noccedilatildeo de Desordem provocada por ldquomaus comportamentosrdquo eacute

ilustrada nos Analectos pelo caractere [惡] 152

traduzido por ldquomalrdquo (no sentido eacutetico e natildeo

religioso) em japonecircs o caractere usado eacute a forma arcaica de [悪] cujo radical eacute nada mais

do que kokoro lido como aku o kanji pode ser usado para caraterizar uma coisa uma

condiccedilatildeo e ainda a proacutepria personalidade do indiviacuteduo ldquomaldaderdquo ldquomaurdquo ldquomalignordquo ou

ldquomaldosordquo derivam da leitura de aku como warui 153

No fundo [犯] e [惡] satildeo nada mais do

que comportamentos puniacuteveis por lei e cuja eliminaccedilatildeo resultaria do constante cultivo interior

do caraacutecter da pessoa

Na realidade japonesa tsumi opotildee-se ao corretolegal Karl Florenz comenta que ldquoa

sociedade japonesa arcaica possuiacutea nem coacutedigos legais nem direitos descritivos por isso os

castigos das ofensas eram delegados inteiramente agrave discriccedilatildeo do indiviacuteduo magoado ou da

comunidaderdquo no seu entender tsumi eram ldquomaus atosrdquo (crimes) cuja gravidade determinaria

o grau do castigo variando entre pena capital escravatura expulsatildeo e confiscaccedilatildeo total ou

parcial das propriedades do acusado 154

Ora esta linha de pensamento eacute seguida por Felicia Bock que afirma o facto de tsumi

existirem de forma pouco consistente no quadro de costumes das pessoas da planiacutecie do

Yamato (periacuteodo preacute-Japatildeo imperial) juntamente com as ldquopalavras do soberanordquo e

julgamentos apoiados em provaccedilotildees (fogo sobretudo) e ainda ldquoxamatildesrdquo ou ldquointeacuterpretes da

vontade dos kami ou divindadesrdquo tsumi corresponderia agraves ldquoofensas pelas quais uma pessoa

pode ser considerada culpadardquo listadas e descritas em episoacutedios do Kojiki e Nihon shoki Caso

se fosse considerado a um niacutevel mais ldquolituacutergicordquo tsumi podia contaminar uma pessoa (tsumi-

bito 罪人) urgindo a sua eliminaccedilatildeo atraveacutes de ldquocertos ritos prescritosrdquo executados pelos

membros do Jingikan que deste modo asseguravam a ordem no territoacuterio japonecircs aleacutem de se

recorrerem a meacutetodos de cariz social tais como a atribuiccedilatildeo de multas ldquoque eram impostas

152

Duas das frases mais emblemaacutetica do uso de [惡] como antiacutetese de ldquobemrdquo e eacute claro ldquobenevolecircnciardquo (ren仁)

pertencem ao terceiro e quarto ldquoensinamentosrdquo de Confuacutecio do ldquoquarto livrordquo no primeiro caso o caractere natildeo

surge de forma isolada identificando a natureza da pessoa como ldquomaacuterdquo (惡人) por oposiccedilatildeo agrave de uma ldquopessoa boardquo

(好人) ldquo唯仁者能好人能惡人rdquo na frase ldquo苟志于仁矣無惡也rdquo [惡] eacute uma ldquoinfluecircncia negativardquo que se

pode ldquoeliminarrdquo CONFUacuteCIO op cit pp 28-29 153

NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p 599 154

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112

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para absolver uma pessoa de algum crime social tal como roubar a esposa de outro homemrdquo

155

Para todos os efeitos tsumi satildeo o coletivo de atos condenaacuteveis dentro de uma

sociedade os mais graves (amatsu-no-tsumi) correspondem os oito tsumi cometidos por

Susano-o durante o seu episoacutedio de rebeldia contra a ordem de Takamagahara 156

o kami

assume o papel do indiviacuteduo que age contrariamente ao que eacute suposto pois as suas accedilotildees

potildeem em causa o estado harmoacutenico da sua comunidade (de kami) que soacute seria reposta apoacutes

Amaterasu sair da Ama no Iwato

No que concerne aos kunitsu no kami estes satildeo essencialmente um ldquooposto

complementar (hellip) enfatizando maacutes accedilotildees mundanasrdquo nomeadamente ldquoincesto bestialidade e

auguacuterios natildeo auspiciosos e magia que antecipam principais eventos catacliacutesmicosrdquo 156

Jaacute

Felicia Bock divide-os em ldquoquebras de tabus tribais e contaminaccedilotildees causadas por eventos

naturaisrdquo constatando-se uma forte consciencializaccedilatildeo destas ldquocomunidades primaacuteriasrdquo no

que concerne a doenccedilas e comportamentos irregulares ou perigosos o corte de carne viva e

morta que demonstra o respeito pelos seres vivos lepra branca imperfeiccedilotildees deacutermicas

violaccedilatildeo da proacutepria matildee violaccedilatildeo de crianccedilas coabitaccedilatildeo com animais afliccedilatildeo de coisas

rastejantes divindades aves ldquomorte de animais e contaminaccedilotildees originadas por feiticcedilariardquo 157

Contudo a classificaccedilatildeo dos tsumi natildeo eacute a prioridade das fontes literaacuterias arcaicas

no episoacutedio protagonizado pela viuacuteva do Imperador Chūai (Jingū-kōgō神功皇后) do Kojiki

a nomeaccedilatildeo de nove ofensas denota a perspetiva dos japoneses em relaccedilatildeo a comportamentos

socialmente desviantes sobretudo de cariz sexual - a copulaccedilatildeo com quatro espeacutecies animais

(cavalos vacas paacutessaros e catildees) e o incesto satildeo considerados tsumi ndash aos quais se lhe juntam

as praacuteticas de esfolamento animal a destruiccedilatildeo dos campos de arroz e ainda a ldquodefecaccedilatildeo em

espaccedilos sagradosrdquo (no original kusohe 屎戸) 158

Aliaacutes eacute tambeacutem nesta passagem que se constata a atribuiccedilatildeo de um caraacutecter mais

ldquoritualrdquo a tsumi evidenciado pela presenccedila das palavras harai (祓い) um processo que tem

como meta a restauraccedilatildeo da pureza reunindo-se para o efeito oferendas oriundas de todos os

155

BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by

Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 156

TSUSHIRO Hirofumi ldquoAmatsu tsumi Kunitsu tsumirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines

Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23381gt

(consultado em 24-06-2018) 157

BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by

Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 158

Com a excepccedilatildeo das formas de bestialidade e incesto os tsumi mencionados satildeo posteriormente categorizados

como amatsu no tsumi TAKEDA Tsunegaki op cit pp217-219

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cantos do territoacuterio e os proacuteprios tsumi kegare (穢) denotando a sujidade inerente deste tipo

de conduta (tsumi) que eacute eliminada por harai sendo defecaccedilatildeo um ato associado agrave ldquosujidade

fiacutesicardquo Com efeito realizar haraiharae devolve a ldquopurezardquo ao espaccedilo que tinha sido

ldquocontaminadordquo Ora neste episoacutedio particular a ldquobuscardquo de tsumi decorre em simultacircneo com

os preparativos para o ldquoritualrdquo fuacutenebre (mogari) do Imperador Chūai (仲哀天皇) 159

Tal como no Kojiki tambeacutem o Nihon shoki define tsumi como condutas ofensivas

no Inverno do 11ordm dia do 10ordm mecircs (quinto do ano de reinado) do Imperador Richū (履中天皇)

conclui-se que a suacutebita morte da Imperatriz tinha sido causada por uma ldquomaldiccedilatildeordquo (tatari 祟

り) enviada pelos ofendidos kami de Tsukushi no seguimento de dois tsumi cometidos por

Kurumamochi-be ndash taxar as terras administradas pelo Imperador sem autorizaccedilatildeo e ter

colocado ao seu serviccedilo (do ofensor) os suacutebditos dessa mesma terra acabando por usurpar a

posiccedilatildeo dos kami aiacute venerados Como puniccedilatildeo o soberano japonecircs obriga o ofensor a

executar misogi e posteriormente demite-o do seu cargo 160

se tsumi eacute a raiz de desarmonia

provocada pela accedilatildeo humana individual e repercutida no coletivo misogi eacute nada mais do que

o seu oposto focando-se na reposiccedilatildeo da Ordem pelo responsaacutevel assumindo contornos de

purificaccedilatildeo interna

Num dos eacuteditos do Imperador Yūryaku (雄略天皇) tsumi adquire uma natureza

ldquoperdoaacutevelrdquo ao escutar a canccedilatildeo entoada por Hata-no-sake-no-kimi o imperador absolve o

carpinteiro Kodakumitsuke-no-mita de ter forccedilado sexualmente 161

uma uneme 162

de Ise (na

verdade a jovem em questatildeo meramente tinha-se distraiacutedo a olhar para Kodakumitsuke-no-

mita estragando uma das oferendas que tinha acabado de preparar) 161

uma vez que o tsumi

de que tinha sido acusado o carpinteiro eacute considerado de tal ordem grave que o Imperador

pensou condenaacute-lo agrave morte eacute possiacutevel concluir que relaccedilotildees sexuais (forccediladas) justificavam a

pena capital

159

Nihonsinwa ldquo大祓いと罪悪rdquo (A Grande Purificaccedilatildeo e Crimes) 仲哀天皇(古事記)(Imperador Chūai

Kojiki) (on line) lthttpnihonsinwacompage577htmlgt (consultado em 24-06-2018) 160

Nihonsinwa ldquo履中天皇(十一)車持部の罪rdquo (Imperador Richū 11 O crime de Kurumamochi-be) 履中天皇 反正天皇(日本書紀)(Imperador Richū Imperador HanzeiHanshō Nihon shoki) (on line) lthttp

httpnihonsinwacompage1396htmlgt (consultado em 24-06-2018) 161

Nihonsinwa ldquo木工鬪鶏御田の冤罪と秦酒公の琴の声rdquo (As falsas acusaccedilotildees de Kodakumitsuke-no-mita e

a voz da biwa de Hata-no-sake-no-kimi) 雄略天皇(日本書紀)四十二 (Imperador Yūryaku Nihon shoki

42) (on-line) lthttpnihonsinwacompage1469htmlgt (consultado em 24-06-2018) 162

Uneme (采女) designa uma rdquofuncionaacuteriardquo da corte geralmente nomeada pelo Imperador ou pela Imperatriz

Segundo Nishigaki a funccedilatildeo destas jovens eacute de cuidar ldquodos afazeres do quotidianordquo dos seus empregadores

incluindo preparar a comida NISHIGAKI Yukio op cit p116

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No registo de Veratildeo do ano seguinte tsumi eacute novamente uma ofensa de natureza

sexual o crime cometido por Hatane-no-mikoto ndash um parente afastado do atual imperador

legitimando eventuais ambiccedilotildees ao trono ndash eacute o de sorrateiramente ter tido relaccedilotildees com

Yama-no-be-no-Koshimako Apoacutes purificar-se de tais atos recorrendo ao pagamento em

cavalos e tachi (nome para uma katana longa) Hatane eacute posteriormente obrigado pelo

imperador a lsquodepositar no chatildeorsquo os seus pertences numa outra localizaccedilatildeo perdendo o seu

estatuto social Se neste caso a puniccedilatildeo de Yūryaku serve para preservar a sua posiccedilatildeo

poliacutetica impedindo um hipoteacutetico golpe de estado 163

no primeiro episoacutedio o castigo eacute

aplicado como forma de justiccedila pelos terriacuteveis atos do carpinteiro

Como se pode constatar nos exemplos referidos tsumi expressa um uacutenico crime algo

repercutido no registo do Imperador Ankan (安閑天王) no 12ordm mecircs do primeiro ano de

reinado o termo eacute usado para indicar o roubo do colar por parte de uma jovem e que o

imperador resolve ldquoarrependerrdquo (aganai 贖い164) um procedimento no qual se reunia uma

seacuterie de pessoas conhecidas do acusado que entregavam riquezas ao imperador esperando-se

desta forma evitar o ldquocontaacutegiordquo de tsumi cometido pelo criminoso Curiosamente a viacutetima do

roubo tambeacutem eacute incluiacuteda neste conjunto de pessoas justificado pelos receios de contaminaccedilatildeo

165 neste sentido tsumi eacute duplamente uma ofensa individual e algo de natureza

ldquocontaminadorardquo conotada com kegare e Desordem

Em outras croacutenicas como a dos Imperadores Bidatsu (敏達天皇) Kōtoku (孝徳天皇

e Tenmu (天武天皇) tsumi corresponde a crimes cometidos pela mesma pessoa ou por um

conjunto de indiviacuteduos no primeiro caso tsumi descreve dois atos de Naniwa - ter ldquoenganadordquo

a corte (de certo modo um caso de insubordinaccedilatildeo) e de ter feito com que um diplomata do

reino de Kōryo fosse morto 166

no segundo ano do terceiro mecircs de Kōtoku identificam-se os

163

Eacute interessante ver que o verbo okasu eacute usado nesta passagem para identificar o crime Dependendo do

contexto o verbo pode significar ldquoviolarrdquo ecoando as suspeitas do Imperador no episoacutedio anterior Outro termo

a ter em conta eacute o de ldquopurificaccedilatildeordquo harai natildeo envolve misogi mas natildeo deixa de ser harai distinguindo-se como

um tipo de harai associado a ldquopagamentosrdquo Nihonsinwa ldquo歯田根命は山辺小嶋子と姦通し罪を問われるrdquo

(Hatane-no-mikoto eacute interrogado pelo crime de adulteacuterio com Yamanobe-no-Koshimako) 雄略天皇 日本書紀( 四 十 三 ) (Imperador Yūryaku Nihon shoki 43) (on line) lthttpnihonsinwacompage1471htmlgt

(consultado em 24-06-2018) 164

Aganai deriva do verbo aganau (贖) ou ldquoarrependerrdquo no sentido de ldquocompensarrdquo por maus atos Outra

definiccedilatildeo possiacutevel eacute enterrar riquezas no chatildeo NISHIGAKI Yukio op cit p 27 165

Nihonsinwa ldquo廬城部連枳莒喩の娘の幡媛の罪物部尾輿も土地を献上rdquo (O crime da rapariga Hatahime

de Iwogibe-no-muraji-kyū Mononobe-no-Ōmuraji-okoshi tambeacutem presenteia no chatildeo) 安閑天皇 宣化天皇(日本書紀)(Imperadores Ankan Senka Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1603htmlgt

(consultado em 24-06-2018) 166

Nihonsinwa ldquo難波の罪を数えるrdquo (Contar os crimes de Naniwa) 敏達天皇 日本書紀 Imperador Bidatsu

Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1731htmlgt (consultado em 24-06-2018)

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criminosos e o crime de que satildeo acusados nomeadamente roubo de bens (cavalos armas

tecidos) a outros membros da corte e funcionaacuterios 167

Por uacuteltimo o Imperador Tenmu

menciona sete ldquocoisas maacutesrdquo (ashiki koto 悪しきこと ) cometidas por um clatilde o que

normalmente justificaria a presenccedila deste no palaacutecio a fim de se proceder a um

questionamento oficial Contudo a interceccedilatildeo de um outro indiviacuteduo em favor deste clatilde

resulta na concessatildeo de um perdatildeo imperial caso tornassem a cometer crimes natildeo teriam a

mesma sorte 168

Eacute impossiacutevel natildeo se constatar uma espeacutecie de consciencializaccedilatildeo japonesa no que

concerne agrave Desordem e os possiacuteveis meios para a combater todos os ldquoritosrdquo que precedem os

matsuri e outros atos de veneraccedilatildeo aos kami envolvem algum tipo de ldquopurificaccedilatildeordquo (coisas

pessoas e espaccedilos) expressando-se uma clara atitude de abominaccedilatildeo por tsumi kegare e imi

Ora numa abordagem mais teoacuterica o antagonismo eacute colocado de parte e qualquer um destes

conceitos pode ser analisado enquanto objeto de estudo facultando o desenvolvimento de

novas perspetivas da dicotomia ldquobemmalrdquo em contexto shintō

Segundo Ōwaki Yukiko a linha de pensamento de Norinaga atenta na natureza

ldquoinclusivardquo e natildeo ldquoexclusivardquo de tsumi tornando-o um coletivo de um certo nuacutemero de crimes

socialmente reprovaacuteveis de kegare magakoto e maga ou seja todo o tipo de ldquocoisasrdquo

negativas associadas ao ldquomalrdquo uma palavra que natildeo se deve identificar com o ldquomalrdquo segundo

a visatildeo religiosa ocidental 169

Ao reconhecer a dicotomia DesordemOrdem o indiviacuteduo

deixa-se guiar pelos kami da Ordem - Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大

直毘神) - pedindo-lhes emprestado o ldquopoder da sua mitamardquo isto eacute a sua ldquoessecircnciardquo Seguir

kami no michi torna-se deste modo seguir a Via favoraacutevel agrave purificaccedilatildeo das intenccedilotildees

permitindo afastar a influecircncia negativa e prejudicial de maga que por sua vez se foca em

espalhar Desordem pelo mundo 170

167

O kanji [過] ndash toga sinoacutenimo de tsumi ndash associa-se a okasu reforccedilando a sua leitura enquanto algo de

natureza criminosa Nihonsinwardquo孝徳天皇(二十六)穂積臣咋と巨勢徳禰臣の罪rdquo (Imperador Kōtoku 26

O Crime de Hozumi-no-Omi-kui e Kose-no-tokone-no-Omi (on line) 日本書紀 孝徳天皇 (Nihon shoki

Imperador Kōtoku) lthttpnihonsinwacompage2079htmlgt (consultado em 24-06-2018) 168

Nesta passagem ashiki koto substitui tsumi Nihonsinwa ldquo東漢直の7つの罪恩により許されるrdquo (Os

crimes dos Yamato-no-aya-no-atai Devido agrave graccedila [imperial] satildeo perdoados) 天武天皇(六十)日本書紀

(Imperador Tenmu 60 Nihon shoki) (on-line) lthttpnihonsinwacompage2317htmlgt (consultado em 24-06-

2018) 169

ŌWAKI Yukiko ldquoつみ 罪 Tsumirdquo 万葉神事語辞典 (Dicionaacuterio de 10 mil fragmentos dos assuntos de

kami) (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_dsgampdata_id=68730gt

(consultado em 24-06-2018) 170

MOTOORI N ldquo1-9 直毘霊rdquo(なおびのみたま) (1-9 Naobi no mitama) 古事記傳 (Kojikiden) (on

line) lthttpkumoi1webfc2comCCP059htmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 62

Com efeito a visatildeo particular de Norinaga em relaccedilatildeo a nao (直) e maga (禍) revela-

se fundamental para a compreensatildeo de kami no michi como um Caminho de retorno a uma

Ordem criada por algo natildeo humano e expressa pela naobi-no-mitama (直毘霊) Em outras

palavras nao eacute a antiacutetese de maga algo jaacute aludido na proacutepria etimologia dos dois vocaacutebulos

conotados com coisas ldquopositivasrdquo e ldquonegativasrdquo nao eacute entendido como ldquocorretordquo ldquodireitordquo e

ldquoretordquo uma disposiccedilatildeoatitude preferiacutevel e consequentemente uma caracteriacutestica ligada agrave

Ordem 171

ndash significa ldquocurarrdquo ou ldquopacificarrdquo consoante o contexto ndash maga eacute uma ldquocoisa maacute

desastrerdquo associando-se ainda ao kanji [曲] presente no verbo magaru traduzido por ldquovirarrdquo

ou ldquotorcerrdquo172

Todavia este ldquotorcerrdquo eacute permanente evidenciando a capacidade do indiviacuteduo

prevalecer sobre a influecircncia de maga magamal natildeo eacute inato ao homem justificando o

porquecirc de shintō tradicionalmente definir o homem pela sua ldquoboardquo natureza argumentando

que natildeo existem ldquopessoas maacutesrdquo (por natureza) mas ldquomaacutes intenccedilotildeesrdquo ldquodoenccedilasrdquo e ldquocoisas maacutesrdquo

neste mundo que satildeo impulsionadas pela existecircncia inevitaacutevel de maga 172

Com efeito este

manga eacute um entrave temporaacuterio agrave Ordem interpretaccedilatildeo ecoada por Ono Sokyō Referindo-se

agrave perspetiva ldquoxintoiacutestardquo antiga de uma ldquoorigem exteriorrdquo do mal este uacuteltimo identifica tal

origem com o ldquomundo da escuridatildeordquo personificado pelos magatsui no kami ldquoespiacuteritos

malignosrdquo admitindo que o homem vive num ldquomundo bomrdquo (um mundo de kami criado pelo

musubi) e a sua ldquoalmardquo eacute inerentemente boa ldquoo homem comete males porque perdeu foi-lhe

retirada a capacidade para accedilatildeo normalrdquo 173

Neste sentido tanto o Kojiki como o Nihon shoki apresentam uma explicaccedilatildeo para a

existecircncia desta Desordem Desordem eacute uma consequecircncia da libertaccedilatildeo no mundo de kegare

do Yomi-no-kuni contraiacutedo por Izanagi aquando da sua passagem por este domiacutenio inferior

Caracterizado pela sua sujidade 174

Yomi eacute o mundo dos mortos portanto eacute loacutegico que tudo

que faccedila parte desse lugar seja o oposto da Ordem oferecendo um viacutevido contraste com o

171

NISHIGAKI Yukio op cit p457 172

NISHIGAKI Yukio op cit p529 173

ONO Sokyō op cit pp105-107 174

A utilizaccedilatildeo da palavra ldquosujidaderdquo eacute justificada pela leitura do kanji [穢] como kitanaki presente na fala de

Izanagi O kami tem consciecircncia de ter regressado de uma ldquoterra sujardquo (kitanaki kuni 穢國) e procura de imediato

uma fonte de aacutegua para poder lavar o seu corpo (misogi) No texto original a frase lecirc-se ldquoA wa ina

shikomeshikomeki kitanaki kuni ni itarite arikeri Kare A wa mimi no misogi senrdquo (吾者到於伊那志許米志許

米岐 穢國而在祁理故吾者爲御身之禊而) sendo que [吾] eacute uma forma arcaica do pronome pessoal ldquoeurdquo

KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)

lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 63

mundo dos vivos gerado pela vontade dos kami e no qual aflui vida se os kami satildeo

consequecircncia de musubi os magatsui no kami possuem uma natureza diferente no Kojiki

correspondem a Yasomagatsubi-no-kami (八十禍津日神) e Ōmagatsubi-no-kami (大禍津日

神) e no Nihon shoki este uacuteltimo eacute substituiacutedo pelo Ōayatsubi-no-kami (大綾津日の神)

notando-se a inclusatildeo do som aya cujo significado eacute proacuteximo de maga 175

Aparecendo depois dos kami que se manifestaram agrave medida que Izanagi-no-kami se

despia os magatsui no kami satildeo corporizaccedilotildees de kegare Mencionados durante o ritual

misogi harai este par daacute iniacutecio ao ciclo de Desordem e Ordem reconhecido pelo indiviacuteduo

Desordem precede a Ordem que eacute interpretada como a ldquoessecircnciardquo dos naobi-no-kami ou seja

Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大直毘神) e ainda Izunome-no-kami (伊

豆能賣神) 176

A niacutevel etimoloacutegico a escolha do nome dos primeiros dois kami natildeo eacute uma escolha

aleatoacuteria na ediccedilatildeo do Kojiki-den (1940) compilado por Kurano Kenji Norinaga comenta que

os magatsui no kami possuem uma parte inicial que reforccedila a noccedilatildeo de ldquomuitordquo isto eacute yaso e

ō respetivamente uma parte do meio especificamente conotada com ldquonegativordquo (maga e aya)

a partiacutecula bi (日 ) que serve de auxiliar de fala tal como se constata no bi (毘 ) em

Kamunaobi-no-kami e Ōnaobi-no-kami Por conseguinte maga koto e jaaku (凶事邪悪)

derivam da tamashii de magatsubi no kami acrescentando-se que o verbo naosu (直す) pode

corresponder ldquoao ato de purificar atraveacutes de enxaguar o corpordquo (naosu to wa tsumari

susugikiyomerukoto wo iu 直すとはつまり滌ぎ清めることを言う) se maga significa

kegare kiyomeru eacute naosu Por outro lado naobi refere-se agrave mitama (御魂) capaz de efetuar

este naosu em maga acalmando a sua influecircncia 177

Se Norinaga eacute assertivo na origem exterior do mal que afeta tudo em nosso redor

imaginando um magatsubi no kami como derradeira personificaccedilatildeo das coisas malignas

outros autores natildeo compartilham dos mesmos sentimentos com um especial destaque para o

seu grande rival e anterior disciacutepulo Hirata Atsutane Apesar de aceitar a dicotomia maganao

175

Aya eacute o mesmo som presente em palavras simbolizando ldquoperigordquo e ldquocriserdquo (adjetivos ou pressentimentos) tais

como ayaui e ayabumu (Nishigaki pp 55-56) Portanto se Ōmagatsubi eacute literalmente ldquograndeenorme desastrerdquo

o Ōayatsubi eacute ldquograndeenorme perigordquo a conotaccedilatildeo ldquonegativardquo permanece MOTOORI N ldquo6-2 神代四之

巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi) 古事記傳 (Kojikiden) (on line)

lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 176

KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)

lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-

2018) 177

MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)

古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018)

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 64

Hirata defende uma perspetiva inclusiva de ldquomalrdquo apoiada na ideia de que o ser humano

possui no seu interior o ldquoespiacuterito de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo

errado foi cometidordquo e o ldquoespiacuterito de Naobi-no-kamirdquo responsaacutevel por moderar a atuaccedilatildeo do

indiviacuteduo de uma forma relaxada e tranquila 178

Neste sentido definiram-se duas caracterizaccedilotildees distintas no que concerne agrave

interpretaccedilatildeo de mal Norinaga eacute um notoacuterio apoiante da teoria lsquomal= antiacutetese do bemrsquo em

todos os seus sentidos comentando o facto de magatsubi no kami ser uma forccedila que o homem

eacute incapaz de resistir e no seu maior extremo adquire uma natureza incontrolaacutevel indomaacutevel

fora do alcance do poder da kami do Sol e de Takagi no Ōkami (um outro termo para Taka-

musubi-no-kami) Contudo independentemente da sua existecircncia neste mundo ldquoos maus

kamirdquo agem simplesmente de acordo com a sua natureza e podem ser aplacados atraveacutes de

ldquoveneraccedilatildeo e execuccedilatildeo de purificaccedilatildeo quando algueacutem estabeleceu contacto com poluiccedilatildeordquo

No fundo a sua influecircncia negativa pode ser apaziguada e retificada graccedilas ao cultivo de uma

atitude de ldquoobservaccedilatildeo correta de veneraccedilatildeordquo 179

Por outro lado Hirata propotildee uma teoria diferente no sexto volume do Koshiden (古

史伝 ca 1812-1825) o autor rejeita a teoria de que magatsubi-no-kami e naobi-no-kami

associam-se somente agrave aramitama e nigimitama de Amaterasu respetivamente Ou seja a

dualidade aramitamanigimitama eacute comum a qualquer kami encontrando-se exemplos de

veneraccedilatildeo muacutetua da aramitama e nigimitama em locais especiacuteficos (cultos de Ise e Izumo)

Aliaacutes a anaacutelise de Hirata permitiu o estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre dois kami e uma

ldquopresenccedila interiorrdquo (mitama) capaz de exercer influecircncia de forma positiva e negativa se

naobi-no-kami pertence agrave nigimitama de Ōmikami (Amaterasu) magatsubi no kami

corresponde agrave aramitama de Susano-o-no-mikoto 180

explica-se deste modo o seu

comportamento tempestuoso e irasciacutevel que levaria ao seu afastamento de Takamahara como

compensaccedilatildeo pelos seus tsumi

Com efeito quer se trate de um kami quer de um homem todos tecircm no seu interior a

capacidade de distinguir o ldquocorretordquo do ldquoerradordquo sendo que uma orientaccedilatildeo correta eacute parte

das responsabilidades do ldquoespiacuteritordquo de Naobi-no-kami moderando-se a atuaccedilatildeo do indiviacuteduo

178

PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 273 179

UEDA Kenji ldquoMagatsubi no Kami and Motoori Norinagarsquos Theologyrdquo Institute for Japanese Culture and

Classics Kokugakuin University (on line) lthttpwww2kokugakuinacjpijccwpcpjrkamiuedahtmltnoteIgt

(consultado em 24-06-2018) 180

HIRATA A ldquo古史伝 6rdquo National Diet Library (on-line) lthttpdlndlgojpinfondljppid772144gt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 65

de uma forma relaxada e tranquila Em contrapartida o ldquoerradordquo eacute representado pelo ldquoespiacuterito

de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo errado foi cometidordquo 181

Ora a existecircncia de um kami da Desordem (interior) natildeo implica a adoccedilatildeo de um

comportamento exclusivamente negativo e incorreto por parte deste magatsubi-no-kami eacute

uma consequecircncia e natildeo a raiz desta conduta tornando-se ldquoviolentordquo no caso da presenccedila de

kegare Estando esta ausente tal comportamento perde a sua razatildeo de ser possibilitando a

transiccedilatildeo do magatsubi no kami para um kami capaz de ldquoconceder felicidaderdquo um kami

beneacutefico e cuja essecircncia nunca pode ser maleacutefica antes pelo contraacuterio 182

No Japatildeo dos dias de hoje os conceitos ldquobemmalrdquo satildeo mais ambiacuteguos do que claros

a classificaccedilatildeo de accedilotildees em boasmaacutes depende das ldquocircunstacircncias motivos propoacutesitos

tempo lugarrdquo embora uma coisa seja certa a ldquosinceridaderdquo do nosso ldquocoraccedilatildeordquo que rege uma

conduta ldquoproacutepriardquo e cortecircs favoraacutevel ao natildeo conflito e agrave manutenccedilatildeo da paz e ordem socialrdquo

Tudo que potildee em causa a harmonia merece o roacutetulo de ldquomalignordquo quer se trate de ldquopecados

poluiccedilatildeo e desastresrdquo cabendo agrave ldquoalmardquo do ser humano distinguir entre o bem e o malrdquo 183

algo que soacute eacute possiacutevel se se cultivar uma relaccedilatildeo suficientemente forte com os kami atraveacutes

desta ligaccedilatildeo muacutetua o homem aprende a afastar-se do que lhe eacute prejudicial uma preocupaccedilatildeo

que se estende a qualquer vertente de shintō dos dias de hoje a reposiccedilatildeo da Ordem eacute sem

duacutevida a grande prioridade dos rituais que se esforccedilam por combater qualquer forma de

Desordem

A segunda grande causa da Desordem eacute kegare uma ldquocondiccedilatildeo poluiacuteda e malignardquo

A ldquoantiacutetese de purezardquo kegare eacute ldquoresultado de fenoacutemenos ocorrentes naturaisrdquo e possui uma

natureza facilmente ldquocontaminaacutevelrdquo uma vez que ldquoquando esta corrupccedilatildeo aderia ao indiviacuteduo

tambeacutem trazia calamidades agrave sociedaderdquo 184

Um termo descritivo de ldquoespeciacuteficos tipos de

impureza causados pelo parto menstruaccedilatildeo doenccedilas e morte (hellip) presenccedila de kegare eacute

ignorada tatari (desgraccedila) pode chegar como avisordquo 185

kegare distingue-se de tsumi por ser

sensorialmente impuro distanciando-se do sentido de eticamente impuro patente em tsumi a

conduta errada que danifica o proacuteprio indiviacuteduo e o coletivo

181

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 273 182

KOYASU Nobukuni Hirata Atsutane no Sekai (平田篤胤の世界) Tokyo Berikansha 2001 p205 183 ONO Sokyō op cit pp105-107 184

NISHIOKA Kazuhiko ldquoKegarerdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23417gt (consultado em 24-06-

2018) 185

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 191

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A niacutevel etimoloacutegico kegare pode ser escrito de duas formas se usado no discurso do

dia-a-dia utiliza-se [汚] um kanji presente em kitanai (汚い) ou ldquosujordquo kegarawashii (汚ら

わしい) ou ldquonojentordquo yogosu (汚す) e yogoreru (汚れる) respetivamente ldquosujarrdquo e ldquosujar-

serdquo oshoku (汚職) ou ldquocorrupccedilatildeordquo e ainda osen ( 汚染) isto eacute e ldquopoluiccedilatildeordquo (ecoloacutegica)

composto pelo kanji [汚] e pelo kanji usado para escrever o verbo someru (染める) traduzido

por ldquopintarrdquo (no sentido de ldquomancharrdquo) Em suma uma condiccedilatildeo na qual o indiviacuteduo ou o

objeto natildeo estaacute limpo assemelhando-se aos vocaacutebulos fujō (不浄 ldquoimpurordquo) e fuketsu (不潔

ldquonatildeo higieacutenicordquo)

Em contrapartida o kegare ritual escreve-se com o kanji [穢] e o seu som kega eacute um

homoacutefono do vocaacutebulo kega (怪我) significando ldquoferidardquo ou ldquomagoarrdquo involuntariamente

como resultado de erros cometidos claramente reforccedilando a sua conotaccedilatildeo negativa

evidenciada pelo verbo kegareru (汚れる穢れる) que supostamente se desenvolveu graccedilas agrave

junccedilatildeo da partiacutecula ke (geralmente lida como ki 気) e do verbo karu escrito com o mesmo

kanji [離] usado em hanareru (れる) isto eacute ldquoafastar-serdquo 186

Neste sentido kegareru pode ser melhor descrito como uma certa accedilatildeo que provoca

o afastamento do ki - espeacutecie de ldquofluxo de energiardquo imanente em tudo que eacute vivo ndash e

consequentemente eacute capaz de atrair todo o tipo de influecircncias negativas Aliaacutes alguns

estudos modernos realizados por japoneses atribuem a origem de kegare (穢) agrave expressatildeo

kegare (気枯) que constituiacuteda pela junccedilatildeo de ki e kare - forma nominal do verbo kareru

geralmente traduzido por ldquomurcharrdquo - kegare (気枯) significaria literalmente ldquoki que murchardquo

ecoando esta ideia de ldquoafastamento do kirdquo que eacute nada mais do que perda de vitalidade 187

Uma Desordem natural que eacute combatida pela purificaccedilatildeo quer recorrendo ao natildeo

contacto com certos alimentos ou objetos (mono imi 物忌) ou agrave realizaccedilatildeo de ldquoabluccedilotildeesrdquo que

afetem a ldquomente e corpordquo (心身) do indiviacuteduo enquanto este venera os kami kegare eacute ldquoum

estado de divergecircncia do que eacute comum uma condiccedilatildeo que se deve abster-se com receiordquo

Caracterizada pelo gradual murchar de ke ndash substitui-se o kanji [気] pelo de [褻] que significa

ldquomundanordquo ndash kegare pode ateacute afetar os alimentos utilizados nos matsuri ao mesmo tempo

que se reconhece a natureza sagrada destas oferendas pensava-se que os alimentos (odango

feijatildeo) eram ldquotambeacutem uma existecircncia sujardquo que justificava a sua eliminaccedilatildeo pela aacutegua fogo

186

NISHIGAKI Yukio op cit pp269-270

187 ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22

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sal e lama elementos portadores de ldquoefeitos purificadoresrdquo (jōka sayō 浄化作用) sendo

destruiacutedos ou queimados apoacutes as festividades 187

Numa interpretaccedilatildeo alternativa eacute possiacutevel explicar kegare como uma das partes da

dicotomia kegarehare para a antropoacuteloga Namihira Emiko kegare expressa ldquoocasiotildees

poluentes tais como funerais ritos memoriais nascimento de crianccedilas menstruaccedilatildeo feridas

(hellip) poluiccedilatildeo pode vir tanto de morte como de sanguerdquo por oposiccedilatildeo a hare ldquoocasiotildees

auspiciosas ou felizes formais tais como Ano Novo festivais matsuri Shinto Miyamairi e

outras cerimoacutenias Shintordquo positivas 188

de celebraccedilatildeo da vida e reposiccedilatildeo da Ordem

conotando-se com o que na linguagem contemporacircnea eacute automaticamente reconhecido como

ldquopurezardquo

Automaticamente associado a coisas impuras kegare eacute essencial no entendimento da

tradiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo do geacutenero feminino sobretudo no que diz respeito a kegare oriundo

de sangue (menstruaccedilatildeo) e do parto posteriormente identificados com ldquoimpureza vermelhardquo

(aka fujō 赤不浄) e ldquoimpureza brancardquo (shira fujō 白不浄) respetivamente um sistema de

classificaccedilatildeo que remonta somente ao Periacuteodo Meiji acrescentando-se uma terceira ldquoforma de

impurezardquo haacute jaacute muito reconhecida na sociedade japonesa e capaz de afetar ambos geacuteneros a

ldquoimpureza negrardquo (kuro fujō 黒不浄) 189

sinoacutenimo de shie ou ldquokegare da morterdquo (死穢)

caucionando o indiviacuteduo contra o prolongado contacto direto e indireto com mortos

Ora jaacute as primeiras fontes histoacutericas japonesas perspetivam kegare como uma forma

de Desordem se no Nihon Kōki (日本後紀) o termo quase nunca surge de forma isolada

fazendo parte das palavras [凶穢] [損穢] [汚穢] e [ 穢悪之事] respetivamente registadas

nos anos 797 806 815 e 811 190

no Zoku Nihongi (続日本紀) regista-se [有穢] ou ldquokegare

arirdquo (ldquoter kegarerdquo) aludindo agrave materializaccedilatildeo de kegare 191

Uma vez que tanto o nascimento e a morte de animais ou humanos satildeo kegare eacute

possiacutevel afirmar que enquanto conceito kegare sofreu uma elevada consciencializaccedilatildeo no

seio da sociedade japonesa ndash kegare eacute algo que pode ldquomancharrdquo e ldquocontaminarrdquo ndash ao ponto de

interferecircncia nos rituais aos kami como se pode constatar no Nihon Sandai Jitsuroku (日本三

188

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 309-310 189

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (Distortion of Japanese Tradition) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22

190 SAEKI A 日本後紀 朝日新聞本 (Nihon Goki Versatildeo do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-

textscomchukokoukiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 191

MIZUMOTO Masahisa ldquo大本敬久 触穢の成立 日本古代における「穢」概念の変遷rdquo (ldquoBook review

lsquoDevelopment of Shokue Changes of the Kegare Concept in the Ancient Japan by Ōmoto Takahisarsquordquo) Buraku

Kaihō Kenkyū (部落解放研究) nordm 199 2013 pp 118-123

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 68

代実録) Por outras palavras a presenccedila de kegare pode justificar o cancelamento de certos

matsuri encontrando-se vaacuterias referecircncias a esta ldquointerrupccedilatildeordquo (teishi停止) no registo do ano

683 (Kinensai e Hirano Umemiya matsuri) e no de 866 e 874 (Tsukinamisai) outro exemplo

a ter em consideraccedilatildeo data do seacutetimo ano da era Jōgan (nono mecircs deacutecimo primeiro dia) e

ilustra kegare como algo nocivo agrave execuccedilatildeo dos ldquoritosrdquo no Ise Jingū que eacute eliminado por

membros da corte 192

Podendo ser visto ouvido degustado cheirado e tocado algo expresso no conceito

de shokue (触穢) literalmente ldquokegare de toquerdquo ndash o primeiro kanji eacute o mesmo usado para o

verbo ldquotocarrdquo (sawaru) ndash kegare eacute classificado por fontes do Periacuteodo Heian como o jaacute

mencionado Nihon Sandai Jitsuroku que lista as seguintes categorias shokue (nas croacutenicas

dos anos 859 862 e 886) shie (episoacutedios dos anos 861-864 865 871 876 878-879 880

882-883 885-887) - especificando se se trata da morte de um animal (catildees cavalos raposa)

ou de um humano (人死穢 e 人死之穢) procedendo-se ao cumprimento de regras de

ldquoabstenccedilatildeordquo como medidas de contingecircncia contra o alastramento de impureza - e san no

kegare exclusivamente associado a catildees ndash no texto original lecirc-se presumivelmente inu sanrsquoe

(犬産穢) ndash descritos no nono mecircs do terceiro dia (ano 865) no deacutecimo mecircs do seacutetimo dia

(ano 867) em dois dias do ano 870 nos anos 877 879 880 884 885 e por uacuteltimo no ano

886 193

Quanto a ketsue (血穢) ou chi no kegare a ldquoimpureza de sanguerdquo eacute discriminada no

episoacutedio do Kojiki (reinado do Imperador Keikō) que descreve o casamento entre Yamato-

takeru-no-mikoto (倭建命) e a menstruada Miya-uke-hime (美夜受比売) um facto entoado

num ldquopoemardquo (uta 歌) pelo proacuteprio esposo e correspondido por esta na noite de nuacutepcias

Assim ketsue eacute o melhor representante da visatildeo lsquosangue = impurezarsquo independentemente de

este pertencer a uma mulher ou a um homem o sangue de um ser vivo era encarado num

misto de receio e fasciacutenio pensando-se que este liacutequido era portador de ldquoum poder forterdquo

192

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 193

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 69

Como resultado o sangue tornar-se-ia um imi (忌) a nunca referir em discurso muito menos

durante a realizaccedilatildeo dos atos de veneraccedilatildeo aos kami 194

Em contrapartida tambeacutem o Saigūki (西宮記 ca seacutec X) regista casos de ketsue

durante o Kamo-matsuri no quarto mecircs do ano 839 e no Sono-matsuri segundo mecircs do ano

851 190

Seguidamente em contexto dos proacuteprios ritos do Naikū a proacutepria palavra ldquosanguerdquo

(血) seria adicionada agrave lista de imikotoba presente no Kōtai Jingū Gishiki-chō 195

Jaacute na 52ordf

aliacutenea do terceiro volume do Engishiki caucionar-se-ia as menstruadas jovens do palaacutecio (ari

tsuki-goto-mono 有月事者) a retirarem-se para suas casas na veacutespera do matsuri e praticar

ldquoabstinecircnciardquo (kessai 潔斎) no terceiro e nono mecircs (Anexo I) 196

Uma vez que o sangue eacute um liacutequido presente no parto de animais e seres humanos natildeo

eacute estranho o facto de o nascimento partilhar do mesmo sentido negativo que a morte ou o

sangue menstrual como jaacute mencionado o Nihon Sandai Jitsuroku cita ocorrecircncias de dano

fetal e nascimento de catildees como motivos para adiar certos ritos 197

e em dois episoacutedios

descritos no ano de 919 (Teishinkōki) e 1119 (Chōshūki) respetivamente se no primeiro caso

esta variedade de kegare eacute mais que suficiente para interromper o Kinensai - agrave semelhanccedila do

ano 683 (Nihon Sandai Jitsuroku) ndash no segundo o parto de uma crianccedila originou kegare que

se espalhou por todos os cantos 198

194

IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 195

O Kōtai Jingū Gishiki-chō foi produzida por volta do seacutec IX pelo Naikū e entregue ao Jingikan para revisatildeo

Interessantemente a maior parte deste conjunto de palavras satildeo de origem ldquobudistardquo refletindo a abominaccedilatildeo de

shintō em relaccedilatildeo a ldquoensinamentos de forardquo Segundo Wada a expressatildeo ldquo 血乎阿世止云 rdquo significa

simplesmente que ldquoaserdquo (阿世) ndash ase pode querer indicar a palavra japonesa para ldquosuorrdquo (汗) - deve ser usada

como ldquosubstituto de ldquochirdquo (sangue) O autor afirma tambeacutem que sangue e urina eram considerados liacutequidos

impuros portanto automaticamente interditos nestes espaccedilos WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ

意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo

Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro

2007 pp 114-136 196

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de

Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 197

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)

198 IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 70

No que concerne a shie esta eacute talvez a forma de kegare mais abominada pela

sociedade japonesa pela sua ligaccedilatildeo direta com a morte morte (intencional ou natural) nunca

eacute motivo de celebraccedilatildeo e os rituais de shintō priorizam a vida ou seja ldquocrescer culturas e

receber vida Receber vida e dar graccedilas agrave vida representa a visatildeo de vida fundamental de

Shintordquo 199

tornando os matsuri natildeo soacute expressotildees de rituais positivos mas tambeacutem

celebraccedilotildees da vida da sociedade aproximando o indiviacuteduo do coletivo

Com efeito se a vida aproxima a morte afasta e traz consigo kegare a sua existecircncia

poderaacute provocar o cancelamento de certos matsuri Ao longo da histoacuteria do Japatildeo morte

nunca foi desassociada de kegare e imi sendo que ateacute mesmo a sociedade contemporacircnea

hesita em referir-se abertamente agrave morte individual de seres humanos respeitando uma seacuterie

de regulaccedilotildees que envolvem a natildeo pronunciaccedilatildeo de palavras que pudessem ser analogias agrave

morte (imikotoba) a praacutetica de ldquokichūrdquo (忌中) entre as pessoas da mesma famiacutelia do falecido

a distribuiccedilatildeo de um tipo de ldquosal purificadorrdquo (kiyome no shio 清めの塩 ) entre os

participantes do funeral Incidentalmente o costume ldquomodernordquo de visitar as campas dos

antepassados e dos membros da famiacutelia recentemente falecidos era totalmente posto de parte

pela corte do Periacuteodo Heian temendo-se o perigo de contaminaccedilatildeo devido agrave forte ldquoligaccedilatildeo de

sanguerdquo entre membros da mesma famiacutelia (sobretudo parentes proacuteximos) 200

Surgindo frequentemente no Kojiki e Nihon shoki kegare natildeo passa de uma palavra

(adjetivo verbo ou nome) sem categorizaccedilotildees integrando um grupo de vocaacutebulos constituiacutedo

por termos de conotaccedilatildeo negativamaligna kitanashi (垢濁悪) ashi (悪邪 凶) arashi

(荒) shiko (醜 凶) e maga (禍 悪 禍害枉 凶) 201

Ora independentemente da ausecircncia do

kanji (死穢) ambas fontes reconhecem a natureza ldquopoluenterdquo da morte no Kojiki o Yomi-no-

kuni eacute descrito como um local desolador repleto de kegare no qual residem mulheres ldquoodiosasrdquo

e um mundo afastado de tudo que eacute vivo Assim na passagem do retorno do Izanagi ao

mundo da superfiacutecie o kanji eacute lido pela primeira vez como adjetivo (kitanaki) 202

199

SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological Religion Masterrsquos Degree

Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of the

University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark Teuween 2011 200

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 201

ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 202

KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)

lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 71

Com efeito a relaccedilatildeo shi ndash kegare ndash fujō repercute-se no Nihon shoki [穢] marca

presenccedila nas falas de Izanagi primeiro como adjetivo qualificativo de um ldquolugar horrendo e

sujordquo (inashikomeki kitanaki tokoro 不須也凶目汚穢之處) que eacute identificado com o Yomi-

no-kuni o mundo dos mortos Seguidamente o kanji precede o de [濁] ou nigoru (ldquoturvordquo)

base dos nigorasu nigoraseru e um sinoacutenimo de yogoreru (ldquosujar-serdquo) descreve-se deste

modo o corpo fisicamente ldquosujordquo de Izanagi-no-mikoto que precisa de ser lavado (mi no

kegawashikimono wo arai saran 身の濁穢 を滌い去らん) 203

A associaccedilatildeo entre a morte e a Desordem estende-se para laacute dos episoacutedios de cariz

mitoloacutegico o registo da regente imperial Kōgyoku nota que no seguimento da morte (em

territoacuterio japonecircs) de um filho do diplomata do reino coreano de Paekche nenhum dos

membros da famiacutelia se dignou a aparecer no seu funeral temendo-se uma possiacutevel

contaminaccedilatildeo Apesar de esta atitude de evitaccedilatildeo natildeo ser japonesa a popularidade de obras

chinesas que descreviam as cerimoacutenias e os ritos funeraacuterios (envergamento de branco cor do

luto) contribuiria para a fundamentaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de evitaccedilatildeo de shie a vaacuterios niacuteveis

comeccedilando com definiccedilotildees do enterro a interdiccedilatildeo da cerimoacutenia mogari e outros costumes

que envolviam a morte (corte de cabelo para o bem dos mortos) 204

Por volta do Periacuteodo Heian jaacute era ldquooficialrdquo a abominaccedilatildeo dos membros da corte em

relaccedilatildeo a kegare o Kōnishiki (弘仁式) do Saigūki o Jingiryō e eacute claro o Engishiki definem

kegare como um conjunto de atos a evitar por parte dos indiviacuteduos no seacutetimo volume do

Saigūki nascimento e morte de pessoas e animais domeacutesticos o consumo de carne destes

uacuteltimos fazer luto e visitar doentes implicava um periacuteodo de ldquoevitaccedilatildeordquo ritual de trinta dias

(morte humana) sete dias (nascimento humano) cinco dias (morte animal) e trecircs dias

(consume de carne luto e visita de doentes) 205

No que concerne ao Jingiryō segundo as aliacuteneas dedicadas agrave ldquoabstinecircnciardquo (散斎条)

enterrar coisas em casa luto visita de doentes consumo de carne natildeo produccedilatildeo de muacutesica

entre outros atos de caraacutecter legal (ldquonatildeo julgar em tribunais natildeo punir culpadosrdquo) justificam

este ritual de reposiccedilatildeo da Ordem cuja duraccedilatildeo depende da dimensatildeo dos ritos em questatildeo

203

SAKAMOTO Trdquo一書第六 原文rdquo (Sexto livro Texto Original) 日本書紀 卷第一 第五段 (Nihon

shoki Primeiro Capiacutetulo Quinta Secccedilatildeo) (on line) lthttpwww004uppso-

netnejpdassai1shokiframe0105_06frhtmgt (consultado em 24-06-2018) 204

ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 205

IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 72

(inspirado nos coacutedigos da dinastia Tang) ldquograndes ritosrdquo soacute se realizavam apoacutes um periacuteodo de

ldquoabstenccedilatildeordquo mensal (1ヶ月の斎を大祀) trecircs dias no caso dos ldquoritos meacutediosrdquo (3日の斎を

中祀) e um dia para os ldquoritos pequenosrdquo (1日の斎を小祀) 206

Agrave semelhanccedila de Jingiryō e do Saigūki o Engishiki repercute a tendecircncia de

ldquoevitaccedilatildeordquo como o uacutenico modo de se precaver contra os perigos de kegare formalmente

designando esta de shokue Mencionada sobretudo no terceiro volume concretamente nas

aliacuteneas 47 48 53 e 54 shokue deve ser eliminado consoante as especificaccedilotildees presentes no

Saigūki na segunda aliacutenea os atos de luto (弔喪) visitar doentes e ldquoalcanccedilar um lugar onde

um montemontanha estaacute a ser construiacutedo ou encontrar um serviccedilo memorial Budista de 37

diasrdquo inviabiliza a entrada do indiviacuteduo no ldquoPalaacutecio Imperial nesse diardquo independentemente

de o proacuteprio natildeo estar contaminado (Anexo I) Na terceira aliacutenea afirma-se que shokue pode

ser transmitido de um local para uma pessoa ou um grupo apesar de natildeo haver risco de

kegare para as pessoas em contacto com uma segunda pessoa ldquocontaminadardquo Jaacute na uacuteltima

aliacutenea a presenccedila de kegare num ldquooficial do Palaacuteciordquo natildeo pode comprometer os

procedimentos dos matsuri 207

O aprofundamento do estudo do conceito de kegare tambeacutem facultou o

desenvolvimento de toda uma perspetiva japonesa na qual objetos locais accedilotildees e ateacute mesmo

palavras satildeo rapidamente integradas no quadro cerimonial shintō embora como distintos

entraves a este uacuteltimo Ora apesar de imi natildeo lhe ser inato (a shintō) e jaacute ter existido de forma

latente na sociedade arcaica foi graccedilas ao processo de edificaccedilatildeo desta Via por parte da corte

que imi ndash geralmente entendido num sentido muito negativo ndash gradualmente conjugaria

ambos aspeto de causa e efeito da Desordem e da Ordem evidenciada pela dicotomia imi (忌)

e imi (斎) dois kanji homoacutefonos de significado antiteacutetico que constituem uma seacuterie de

vocaacutebulos e expressotildees geralmente conotadas com o negativo e o positivo respetivamente

No caso do primeiro imi este eacute alternadamente lido como imu e ki (foneacutetica chinesa)

marcando presenccedila nas palavras imawashii (忌まわしい) um adjetivo traduzido como ldquomau

pressaacutegiordquo 208

o nome kinki ( 禁忌) accedilatildeo interdita em meios sociais (ldquofrases proibidasrdquo

206

IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)

lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 207

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de

Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 208

NISHIGAKI Yukio op cit p90

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 73

denominam-se kinku 禁句) expressa numa atitude de afastamento e natildeo contacto com certas

coisas - uma vez que ldquoquebrar o tabu convidaria desgraccedilas tais como feridas e doenccedilasrdquo 209

e

as imikotoba (忌詞) cuja pronunciaccedilatildeo atrai ldquomaacute-sorterdquo ldquodesastresrdquo e ldquodesgraccedilasrdquo 210

Englobando dezenas de verbos adjetivos e outros vocaacutebulos do dia-a-dia imikotoba

natildeo devem ser proferidas em casamentos e noivados (acabar ndash owaru cortarcortar-se ndash

kirukireru) admissotildees escolares e empresariais e sucesso no trabalho (desistirparar ndash yameru

interrupccedilatildeo ndash chūshi) abertura de lojas e negoacutecios (fechar ndash tojiru perder ndash makeru) gravidez

e parto (cair ndash ochiru jazer ndash horobiru fraco ndash yowai murchar ndash kareru) construccedilatildeo de casas

(fogo - hika fumo ndash kemuri) e ainda expressotildees de longevidade 211

Por conseguinte imi (忌) eacute integrado na terminologia fuacutenebre japonesa kichū (忌中)

e kiake (忌明け) expressam o periacuteodo preacute-definido e o fim de [忌] cujo objetivo eacute fazer com

que o indiviacuteduo receie a morte e tudo que esteja relacionado com esta justificando uma

conduta mais cuidada moderada e austera Neste sentido o familiar do falecido refreia-se de

praticar os atos de veneraccedilatildeo em jinja sendo-lhe interdita a entrada na aacuterea destes uacuteltimos e a

sua participaccedilatildeo em matsuri ocasiotildees festivas (casamentos e outras cerimoacutenias viagens

luacutedicas) eventos de celebraccedilatildeo (adiados ateacute kiake) renovaccedilatildeo da casa solo e compras de

grande porte Para o efeito o indiviacuteduo pode escolher sujeitar a casa a uma purificaccedilatildeo

domeacutestica denominada kiake harai (忌明け祓い) cinquenta dias apoacutes a morte do falecido

De caraacutecter muito simples esta praacutetica envolve a entoaccedilatildeo de uma inori por parte de um

ldquoprofissionalrdquo 212

209

Iwai Hiroshi acrescenta que este kinki se relaciona com abstinecircncia do indiviacuteduo (monoimi) sendo que no

caso dos que executam os ritos kami procurava-se manter ldquoum estado de pureza fiacutesica e mentalrdquo evitando

contactar coisas poluiacutedas por um periacuteodo especiacutefico No caso da morte de um parente as pessoas de luto nunca

podem sair agrave rua IWAI Hiroshi ldquoKinkirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on

line) httpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23410gt (consultado em 24-06-

2018) 210

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 171-172

211 Muitas destas palavras foram escolhidas pelo seu significado negativo e ldquopessimistardquo por exemplo ldquopartirrdquo

(saruwareru) e ldquocortar (kiru) podem indicar um eufemismo para morte acrescentando-se o nuacutemero quatro (shi)

que eacute homoacutefono da palavra ldquomorterdquo (shi) Fumitei お祝いには避けたい 忌み言葉 (Querer evitar em

celebraccedilotildees as imikotoba) (on line) lthttpwwwfumiteijpstep3imi_kotobahtml04syussangt (consultado em

24-06-2018) 212

Imi varia consoante o membro da famiacutelia em questatildeo e geralmente eacute feito em simultacircneo com fuku (服) se

bem que este uacuteltimo associa-se ao esforccedilo mental do indiviacuteduo que procura ultrapassar a sensaccedilatildeo de perda e

regressar agrave sua vida normal algo que pode estender-se ateacute seis meses Hyōgo-ken Jinja-chō 先祖のおまつり

(Celebraccedilatildeo dos antepassados) (on line) lthttpwwwhyogo-jinjachocomfaqfaq08htmlgt (consultado em 24-

06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 74

Como se pode constatar a maioria das palavras derivadas de [忌] natildeo possuem um

significado positivo (exceccedilatildeo de kiake e kiake harai) o que eacute concordante com a tradiccedilatildeo de

lsquoimi= malrsquo ilustrada na literatura de corte dos Periacuteodos Nara-Heian (manuais e outros textos

rituais) assemelhando-se aos termos kegare e tsumi

No entanto deve-se ter sempre em consideraccedilatildeo a natureza ambiacutegua deste termo

Nishigaki Yukio (2005) define imu (忌斎) como lsquocoisas sagradasrsquo (shinsei na mono 神聖な

もの) morte e coisas sujas que as pessoas do Japatildeo antigo pensavam que natildeo se podiam tocar

devido ao facto de possuir um poder forterdquo 213

capaz de influenciar positiva e negativamente o

indiviacuteduo ecoando a interpretaccedilatildeo sugerida por Okada Shigekyo (1982) na sua pesquisa

acerca do significado dual de imi o autor menciona o facto da palavra imu (斎) ser usada para

qualificar ldquocoisas purasrdquo (seijōshōjō na mono 清浄な物) e indicar assuntos de kami que

envolviam uma ldquoabstinecircncia optimistardquo contrastando com imu (忌) que denotava ldquocoisas

impurasrdquo (fujō na mono 不浄な物) relacionando-se com os afazeres de kami e puacuteblicos

(negativos por natureza) que obrigavam a uma atitude automaacutetica de afastamento 214

como

meio de repor a Ordem

A ideia de um imi positivo e um imi negativo tambeacutem eacute partilhada por Ama

Toshimaro (1991) embora nos dias de hoje ldquoimirdquo (イミ) tenha adquirido o significado de

[忌] [禁忌] e [禁制 concordante com uma atitude de evitaccedilatildeo na liacutengua japonesa imi possui

um outro significado se for escrito com o kanji [斎] passando a ler-se imi (斎み) termo que

indica a palavra seishin kessai (精神潔斎)rdquo ndash literalmente kessai mental entendida no sentido

de ldquoabstinecircncia positiva do corpordquo (sekkyokuteki ni mi wo tsutsushimi積極的に身を慎み) ndash

e consequentemente ldquoaponta o ato de o proacuteprio decidir entrar no mundo sagrado dos kamirdquo

Por outras palavras se [忌み] indicar sobretudo um princiacutepio comportamental negativo pode-

se dizer que [斎み] eacute um princiacutepio comportamental positivo concentrado na ldquodiscriccedilatildeordquo 215

No Nihon shoki a divisatildeo natildeo eacute sempre clara imi (忌) eacute usado na palavra ōmimi (所

忌 ) alimentos proibidos de consumo por parte do imperador evidenciando a noccedilatildeo de

213

NISHIGAKI Yukio op cit p90 214

IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 215

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 75

ldquoabstinecircnciardquo e tambeacutem o estatuto especial do soberano japonecircs uma vez que todos os sais

satildeo-lhe proibidos excepto um sal especiacutefico 216

Contudo caso a situaccedilatildeo descrita seja negativa abandona-se a conotaccedilatildeo positiva de

imi evidenciado por expressotildees cujo significado pode ser de facto considerado como algo de

caraacutecter ldquopessimistardquo a palavra [国忌齋] designando o periacuteodo de ldquoabstinecircnciardquo (忌斎)

vigente em todo o paiacutes (adiamento de qualquer tipo de rituais shintō e enfoque nos rituais

budistas dirigidos aos mortos) ordenado primeiramente por Jitō e que duraria uma semana 217

e eacute claro o ldquodia de imirdquo (imibi忌日) indicando especificamente a data da morte do imperador

(dia 16 do segundo mecircs do segundo ano de Jitō) 218

Jaacute no Nihon Sandai Jitsuroku imibi eacute

formalmente explicado nos anos de 859 (o imibi de uma Imperatriz e natildeo do Imperador) 868

(Imperador Montoku decorrido anualmente no oitavo mecircs) e ano 886 (imibi do Imperador

Ninmyō vigeacutesimo primeiro dia do terceiro mecircs constatando-se a anual leitura de sutras no

tempo Unrin-in (雲林院) 219

Por outro lado a conotaccedilatildeo negativa de [忌] natildeo eacute muito visiacutevel no Kōtai Jingū

Gishiki-chō uma vez que eacute a presenccedila do kanji [忌] nas palavras [忌柱] [忌鍬] e [忌種] que

as reveste de uma natureza sagrada proacutepria de oferendas consagradas nos ritos aos kami uma

forma de culto que se estenderia ao proacuteprio Imperador realizando-se cerimoacutenias que

envolviam a preparaccedilatildeo de alimentos (arroz sobretudo) Submetidos a um processo de

abstinecircncia pelo fogo (imibi忌火) este arroz designar-se-ia oficialmente [忌火御飯] sendo

servido no primeiro dia do sexto mecircs 220

No que diz respeito ao Engishiki segue-se esta tendecircncia na qual o kanji pode

expressar coisas positivas (exceccedilatildeo de imikotoba) de entre as quais imibi presente no Niwabi-

216

Nihonsinwa ldquo大伴金村による真鳥の誅殺と塩の呪いrdquo (A execuccedilatildeo criminal de Matori e a maldiccedilatildeo do

sal devido a Ōtomo-no-kanemura) 武烈天皇(八)日本書紀 (Imperador Buretsu 8 Nihon shoki) (on line)

lthttpnihonsinwacompage1537htmlgt (consultado em 24-06-2018) 217

Sekai Daihyakka Jiten Dai 2 Han (Grande Enciclopeacutedia do Mundo Segunda Ediccedilatildeo) ldquo国忌rdquo (Kokki) コト

バンク (Kotobank ) (on line) lthttpskotobankjpwordE59BBDE5BF8C-498821gt (consultado

em 24-06-2018) 218

SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on

line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 219

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 220

ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 76

matsuri (庭火祭) e Niinamesai (新嘗祭) celebrados no deacutecimo segundo mecircs e deacutecimo

primeiro respetivamente 221

Se na perspetiva anterior ao Periacuteodo Nara defendia-se o significado sagrado da

palavra imi no periacuteodo de expansatildeo das culturas Nara e Heian constata-se o oposto a

interaccedilatildeo entre shintō e outras Vias urge uma necessidade de divisatildeo entre coisas maacutes e coisas

boas rotulando-se deste modo a tradiccedilatildeo de ritos fuacutenebres imperiais como ldquoritos malignosrdquo

(kyōrei 凶礼) o ldquomalignordquo eacute o representante de algo contraacuterio agrave Ordem que se distingue de

outros ritos imperiais e dos matsuri nacionais interpretados como ldquocomportamento benignordquo

(yoshimichi吉義) e portanto de impacto positivo 222

Consequentemente a influecircncia de imi na sociedade japonesa estender-se-ia ao

domiacutenio do discurso tornando as imikotoba palavras ldquonegativasrdquo mas que natildeo deixam de ser

sagradas no sentido de a sua pronunciaccedilatildeo transportar consigo um poder inexplicaacutevel e natildeo

fiacutesico 223

Uma vez que a ideia japonesa de ldquosagradordquo natildeo faz a distinccedilatildeo entre coisas

boasmaacutes inexplicaacuteveis por meios convencionais eacute possiacutevel afirmar que esta

consciencializaccedilatildeo da existecircncia de palavras perigosas no discurso contemporacircneo reflete o

lado mais prejudicial da tradiccedilatildeo japonesa de kotodama (言霊)

Associada a um domiacutenio natildeo tatildeo material mas mais subtil e espiritual kotodama eacute

uma palavra composta pelo kanji de ldquopalavrardquo (言) e o de ldquoespiacuteritordquo (tama eacute a leitura

alternativa do termo rei) e ldquorefere-se ao poder espiritual contido dentro de palavras mas

tambeacutem refere agrave concepccedilatildeo de que poder espiritual pode ser manifestado atraveacutes da entoaccedilatildeo

de palavrasrdquo 224

Neste sentido kotodama pode condicionar uma divisatildeo bipartida favoraacutevel ao

modelo ldquopensamento -palavra-accedilatildeordquo no qual o falante escolhe cuidadosamente o que quer

dizer atraindo coisas boasmaacutes para si e para os seus se norito satildeo boas para quem as entoa (e

para quem as escuta) as imikotoba (忌詞) ndash palavra composta pelo termo imi e o kanji lido

221

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第二 神祇二 四時祭下rdquo (Segundo Livro Jingi Dois Matsuri das

Quatro Estaccedilotildees Parte Inferior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi02htmgt (consultado em 24-06-2018) 222

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 223

WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos

Antigos e a consciencializaccedilatildeo de ldquoimpurezardquo) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro

Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa

Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 224

YONEI Teruyoshi ldquoKotodamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 77

como kotoba (詞) - provocam efetivamente a Desordem ao serem portadoras impliacutecitas de

ldquoimpurezardquo (kegare) a niacutevel discursivo devendo por isso sujeitar-se a uma peculiar

purificaccedilatildeo abstinecircncia vocabularverbal

Devidamente listadas nos coacutedigos e regulaccedilotildees cerimoniais de entatildeo as imikotoba

eram evitadas atraveacutes da sua substituiccedilatildeo por outros termos parecidos no Kōtai Jingū Gishiki-

chō ldquobater numa pessoardquo [人打] eacute substituiacutedo por atsu (奈津) naku (鳴) ndash homoacutefono do

verbo chorar (naku 泣く ) do qual derivam laacutegrimas ndash eacute trocado por shiotare (塩垂 )

significando literalmente rdquoderramar salrdquo [宍] ndash refere-se a carne de animais ndash eacute substituiacuteda

por [多気] nakago (中子) eacute usado em vez de butsu (仏) indicando o local de veneraccedilatildeo de

estaacutetuas budistas a palavra sutra (kei 経) eacute trocada pela expressatildeo arcaica [志目加彌]

traduzida como ldquosomekamisomegamirdquo literalmente ldquopapel pintadordquo ndash os primeiros dois kanji

indicariam uma leitura foneacutetica do verbo ldquopintarrdquo (someru) e os outros a palavra japonesa

para ldquopapelrdquo (kami紙) ndash uma vez que desde o Periacuteodo Nara que os rolos de pergaminho eram

pintados com a cor amarela algo que supostamente servia de estrateacutegia contra os insetos 225

Seguindo o meacutetodo de substituiccedilatildeo os vocaacutebulos ldquopagoderdquo (tō 塔) ldquomongerdquo (hōshi

法師) o ldquolaicordquo upāsaka (ubasoku 優婆塞) ldquotemplordquo (tera 寺) ldquoabstinecircncia de comidardquo

(toki斎食) ldquomorterdquo (shi 死) ldquocampardquo (hakaba 墓) e ldquodoenccedilardquo (yamai病) satildeo abandonados

em favor de kanji foneticamente lidos como verbos ou simples termos japoneses utiliza-se

ldquocabelo compridordquo (kaminaka髪長) para ldquomongerdquo uma expressatildeo que natildeo reflete a realidade

uma vez que uma das caracteriacutesticas visiacuteveis dos monges e monjas eacute o corte regular do

cabelo em vez de ldquomorterdquo recorre-se agrave expressatildeo naoru (奈保利物) significando o verbo

ldquocurarrdquo (naoru) isto eacute trazer de volta a ldquoforccedila vitalrdquo (生命) o nome nagusamenagusa (慰)

no sentido de ldquoacalmarrdquo eacute usado em vez de ldquodoenccedilardquo 226

Natildeo obstante algumas palavras substitutas satildeo escolhidas pela sua aproximaccedilatildeo agrave

respetiva imikotoba ldquopagoderdquo torna-se araraki (阿良々支) designando a planta ichii cuja

folha dividida lembra a beira do telhado de uma torre ubasoku eacute substituiacutedo por tsunohasu

225

WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos

Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro

Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa

Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 226 WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos

Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro

Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa

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(角波須) possivelmente uma referecircncia ao ldquochapeacuteurdquo usado pelos ldquoque acreditam em bukkyōrdquo

(bukkyō shinsha 仏教信者) ldquotemplordquo eacute um conhecido siacutembolo budista daiacute ser evitado no

discurso utilizando-se kawarafuki (瓦葺) katashiki (片食) equivale a toki Por uacuteltimo

ldquocampardquo um local conotado com kegare eacute pronunciado tsuchikure (土村) 226

No Engishiki imikotoba surge por duas vezes no quinto e sexto capiacutetulo o primeiro

grupo diz respeito agrave Saigū (斎宮) de Ise das quais as primeiras sete pertencem agrave linguagem

budista (内七言佛稱中子經稱染紙塔稱阿良良岐寺稱瓦葺僧稱髪長尼稱女髪

長齋稱片膳) outras sete estatildeo fora desta (外七言 死稱奈保留 病稱夜須 哭稱鹽垂 血

稱阿世 打稱撫 宍稱菌 墓稱壤) e as uacuteltimas duas correspondem aos termos tō e upāsaka

( 又別忌詞 堂稱香焼 優婆塞稱角筈) 227

Jaacute o segundo grupo (死稱直 病稱息 泣稱鹽垂

血稱汗 宍稱菌 打稱撫 墓稱壤) marca presenccedila no Saiinshi (齋院司) o Escritoacuterio ao qual

pertencia a Saiō (齋王) que serve o Kamo Jinja (outrora Kamo Daijin 賀茂大神) 228

Como se pode constatar estas duas listas foram sobretudo inspiradas pelas imikotoba

do Kōtai Jingū Gishiki-chō com a exceccedilatildeo de ldquohallrdquo (tō 堂) substituiacuteda por koritaki (香焼 )

- interpretado como o local onde se queima incenso - e do termo ldquomonjardquo (substituiacutedo pelo

feminino de kaminaga isto eacute mekaminaga女髮長)226 a grande diferenccedila entre os grupos de

imikotoba eacute nada mais do que o modo de escrita se as imikotoba da Saigū satildeo registadas num

japonecircs arcaico utilizando-se mais do que um kanji para se chegar ao som pretendido

imitando a linguagem do Kōtai Jingū Gishiki-chō as do Saiinshi sofreram uma simplificaccedilatildeo

utilizando-se somente um kanji ou no maacuteximo dois embora nunca alterando o significado

Tambeacutem conhecida pelos tiacutetulos de ldquoIse no saiō sainaishinnō itsuki no miya termos

que denotam uma princesa abstinente ou consagrada (hellip) escolhida entre as filhas e irmatildes de

um tennōrdquo (natildeo necessariamente o atual Imperador) a Saigū dedicava a sua vida a servir os

kami consagrados ao Ise Jingū e como tal submetia-se a trecircs anos de preparaccedilatildeo ou seja um

periacuteodo de preservaccedilatildeo de uma vida frugal e moderada Chegando a Ise no ldquonono mecircs do

terceiro ano das suas preparaccedilotildeesrdquo esta jovem visitaria o Ise jingū onde consagraria um ramo

de tamagushi ao Naikū e ao Gekū Tal ritual soacute se justificava trecircs vezes por ano durante o

bianual Tsukinamisai e Kannamesai sendo que o nono mecircs era ldquodeclarado um tempo de

227

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em

24-06-2018) 228

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式

(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)

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abstinecircncia geral no domiacutenio restriccedilotildees eram impostas em funerais e outras atividades

inauspiciosasrdquo 229

Uma das figuras mais elevadas na hierarquia de Ise a Saigū assume os deveres de

ldquosumo-sacerdotisardquo dos cultos em Ise e representa a perspetiva japonesa de pureza uma vez

que toda a sua vida era regulada em funccedilatildeo da manutenccedilatildeo deste estado interiorexterior de

pureza sendo forccedilada a retirar-se destes deveres para com os kami aquando da entronizaccedilatildeo

de um novo soberano apesar de natildeo se excluir uma reforma antecipada ldquodevido a morte na

sua famiacutelia sauacutede pobre ou acidentesrdquo 229

evidenciando a preocupaccedilatildeo para com

acontecimentos negativos que suscitam Desordem e uma resposta imediata de reposiccedilatildeo da

Ordem

24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e externa

Na cultura japonesa a palavra ldquopurordquo deteacutem um lugar especial que natildeo pode ser

incluiacutedo junto de uma perspetiva preacute-formatada de lsquoreligiatildeorsquo a noccedilatildeo de pureza estaacute

efetivamente consciencializado no cidadatildeo japonecircs comum integrando uma das partes deste

ciclo de Desordem e Ordem se tsumi kegare e imi satildeo causa e efeito (por vezes simultacircneo)

da Desordem a sua antiacutetese apoia-se principalmente na reordenaccedilatildeo e equiliacutebrio conseguido

atraveacutes da purificaccedilatildeo processo que se pode aplicar a um objeto um espaccedilo ou um corpo vivo

algo que shintō vecirc como prioridade a niacutevel teoacuterico e praacutetico afetando de forma positiva o

indiviacuteduo e o coletivo

Neste sentido purificaccedilatildeo interna e externa eacute a essecircncia dos rituais favoraacuteveis agrave

Ordem e relaciona-se com vaacuterias expressotildees itsuku - itsu significa ldquoclaro e purordquo (segundo

Motoori Norinaga) e define o ato de ldquoservir e executar ritos para os kami apoacutes a purificaccedilatildeo

do corpo e da mente da eliminaccedilatildeo de kegarerdquo aludindo a uma ldquocondiccedilatildeo de pureza onde tudo

que eacute negativo e poluente foi eliminadordquo 230

shizume (鎮静) traduzido como ldquopacificaccedilatildeordquo

no qual se apazigua (osameru 治める) o solo (jichin 地鎮) o fogo (chinka 鎮火) e as

tamashii (chinkontama shizume 鎮魂魂鎮) procurando-se conduzir coisas a um estado

229

NAMIKI Kazuo ldquoSaigūrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices Ancient (on

line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23475gt (consultado em 24-

06-2018) 230

NISHIOKA Kazuhiko ldquoItsukurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23387gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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ameno normalizado um processo constatado tanto em rituais executados por profissionais e

praticantes de kyōha shintō como nos matsuri de caraacutecter imperial

No contexto de jichinsai (地鎮祭) - matsuri realizado ldquodiariamente para novos

projetos novas casas novas construccedilotildees na estrada ou construccedilatildeo de qualquer tipordquo - a

ldquopacificaccedilatildeordquo eacute a meta a atingir Primeiro o shinkan presta serviccedilos agrave comunidade

deslocando-se do seu jinja para o local em questatildeo Apoacutes o estabelecimento de um himorogi

delimitado pela shimenawa o shinkan procede a oharai o ato simboacutelico de abanar ldquoa harai-

gushi sobre a aacutereaa pessoa a ser purificadardquo (Anexo II) - apaziguando os kami locais e

protegendo o espaccedilo de influecircncias negativas que recairiam sobre os envolvidos no projeto 231

Em contrapartida chinka era caraterizado como um rito imperial da responsabilidade

do ldquoclatilderdquo Urabe durante o bianual Chinkasai procurando a prevenccedilatildeo de fogos ldquodentro do

palaacutecio imperial e em outras instituiccedilotildees estatais mais do que fogos no geralrdquo 232

se bem que

em Ontake-kyō esta pacificaccedilatildeo tinha como objetivo a ldquopurificaccedilatildeo do crente apoacutes um

elemento quente ter sido suprimidordquo 233

tornando o fogo um agente purificador

Por uacuteltimo os ritos chinkon satildeo dedicados aos vivos e aos mortos se nos dias de hoje

o termo designa o momento de reflexatildeo em silecircncio dentro das imediaccedilotildees do jinja apoacutes

misogi e antes da fase de naorai (直会) isto eacute o momento de completa harmonizaccedilatildeo entre o

indiviacuteduo e o kami (consumo de sake em copos de madeira de cipreste) 234

chinkon era um

meio de defesa contra as tatari (desastres naturais epidemias e mortes suacutebitas) lanccediladas por

onryō de cortesatildeos e poliacuteticos eventualmente venerados como kami 235

Por outro lado o

chinkon do Chinkonsai (realizado na veacutespera do Niinamesai ou do Daijōsai) era uma praacutetica

dedicada aos vivos na qual o Imperador procurava a restauraccedilatildeo da sua sauacutede ldquopuxandordquo de

volta a mitama que estava em risco de sair do corpo 236

Natildeo obstante outros termos devem ser considerados haraiharae eacute na linguagem

shintō o meio mais eficaz de eliminaccedilatildeo de tsumi e kegare Agrave semelhanccedila das palavras

231

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 172

232 NAMIKI Kazuo ldquoChinkasai (hiho shizume no matsuri)rdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals

State Rites (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23099gt

(consultado em 24-06-2018) 233

Segundo Picken apoacutes a chinka shiki (鎮火式) cerimoacutenia na qual o praticante caminha sobre brasas este

uacuteltimo executaria a kugatachi shiki um ritual no qual o corpo deste uacuteltimo eacute salpicado com aacutegua a ferver

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 133

234 PICKEN Stuart op cit p179

235 PICKEN Stuart op cit p18

236 NAMIKI Kazuo ldquoChinkon-sairdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals State Rites (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23100gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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ldquopurezardquo ldquosinceridaderdquo ou ainda ldquoharmoniardquo (chōwa 調和) que se aproxima da ideia de

ldquocompletude e todo e eacute tambeacutem um ideal social natildeo apenas um estado de assunto dentro das

relaccedilotildees humanasrdquo 237

haraiharae atinge o exterior e o interior do indiviacuteduo

Ora apesar de hoje se escreverem com o mesmo kanji [祓] harai e harae eram atos

diferentes harai seria uma ldquopurificaccedilatildeo ativardquo - eacute o proacuteprio sujeito que escolhe

conscientemente executar a ldquopurificaccedilatildeordquo como se constata no episoacutedio de Izanagi ndash e harae

derivaria de harawase descrevendo uma ldquopurificaccedilatildeo passivardquo na qual o sujeito ldquoreceberdquo

harae de boa vontade por parte dos responsaacuteveis pelo jinja algo jaacute aludido em certos termos

como haraetsumono (祓具) 238

Alternadamente escritos como [祓物] haraetsumono designa

as ldquooferendas de purificaccedilatildeordquo lanccediladas agrave aacutegua como parte da ceacutelebre Ōharae cujos efeitos

atingem toda a populaccedilatildeo japonesa tornando - a ldquopurardquo a niacutevel natildeo apenas fiacutesico Aliaacutes

Ōharae (大祓) partilha desta aceccedilatildeo uma vez que o objetivo inicial era ldquopurificarrdquo todos os

funcionaacuterios da corte justificando a sua categorizaccedilatildeo como uma cerimoacutenia tutelada pelo

palaacutecio imperial 239

Preservada ao longo dos seacuteculos Ōharae eacute praticada com ecircnfase pela maioria dos

jinja e popularmente designada de Nagoshi no harae (夏越の祓) ndash final de Junho - e

Toshikoshi no harae (年越の祓) ndash final de Dezembro Mencionada no Nihon shoki como

recurso para afastar a ldquoinfluecircncia maligna de um cometardquo este matsuri seria elevado agrave

categoria de ldquocerimoacutenia nacionalrdquo obrigatoacuteria para os jinja do Periacuteodo Meiji e para o efeito

exigia-se um preliminar ritual de purificaccedilatildeo no Sumiyoshi jinja de Toacutequio os participantes

receberiam aiacute o kata-shiro (形代) No dia em questatildeo o ldquomestre dos ritosrdquo daria iniacutecio agrave

cerimoacutenia atraveacutes da invocaccedilatildeo dos kami ao himorogi proferindo uma inori no iniacutecio e no fim

Jaacute a ceacutelebre norito denominada Ōbarae kotoba (大祓詞) seria recitada pelo Norito-shi (祝詞

師 ) apoacutes este explicar o propoacutesito de Ōharae aos presentes Consequentemente seriam

eliminadas da populaccedilatildeo todas as coisas conducentes agrave desordem eacutetica garantindo-se ldquopaz

proteccedilatildeo e felicidaderdquo 240

237

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxv-xxvi

238 MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)

古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 239

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112 240

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112

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Segundo o Jingiryō do Yōrō-ryō Ōharae contava com a presenccedila de certos clatildes os

Nakatomi responsabilizavam-se por entoar a norito e consagrar as ldquooferendasrdquo (oonusa 御祓

麻) os Fumitobe das proviacutencias de Este e Oeste (東西の文部) consagravam espadas proacuteprias

para a ocasiatildeo isto eacute as harae no tachi (祓の刀 ) e os Urabe removeriam quaisquer

influecircncias negativas Ora a realizaccedilatildeo de Ōharae eacute na praacutetica um esforccedilo coletivo se todas

as unidades administrativas (郡) contribuiacuteam com ferramentas peles espadas e outras coisas

todas as casas (戸) deviam preparar cacircnhamo (麻) 241

No Engishiki a cerimoacutenia eacute antecedida pela preparaccedilatildeo de ofertas - armas revestidas

de metais preciosos vaacuterios tipos de tecido colorido (seda algodatildeo) cacircnhamo flechas arroz

cavalos madeira de carvalho Seguidamente os Urabe entoariam norito 242

funccedilatildeo

posteriormente delegada ao liacuteder dos Nakatomi (Ōnakatomi) cuja versatildeo da norito Nakatomi

Harae (中臣祓) ainda hoje eacute o modelo de norito e uma referecircncia para os jinja de hoje 243

Por conseguinte no seacutetimo volume exclusivamente dedicado ao matsuri que

comemora a acessatildeo ao trono do novo Imperador (Senso Daijōsai踐祚大嘗祭) Ōharae faz

parte da miriacuteade de praacuteticas efetuadas antes e durante o trigeacutesimo dia do deacutecimo mecircs do

calendaacuterio lunar geralmente entre o seacutetimo mecircs ndash o mecircs da acessatildeo ao trono do Imperador

como consequecircncia da abdicaccedilatildeo do seu antecessor se bem que no caso do oitavo mecircs a

cerimoacutenia seria adiada para o ano ndash e o deacutecimo mecircs 244

Apoacutes o envio dos ldquoMensageiros

Imperiais para Ōharaerdquo escolhidos por ldquoadivinhaccedilatildeordquo (boku卜) no oitavo mecircs era obrigatoacuterio

executar uma purificaccedilatildeo no uacuteltimo dia do mecircs (tal como a descrita no primeiro volume do

Engishiki) seguida do envio de dois Urabe agraves proviacutencias que executariam Ōharae

preparando-se as devidas oferendas (um cavalo uma flecha uma grande katana algodatildeo

peixe sake) 245

Uma complexa cerimoacutenia de caraacutecter imperial na qual canto e danccedila consumo de

comida e sake eram recebidos com entusiasmo o Daijōsai era um esforccedilo coletivo de

241

IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)

lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 242

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das

Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 243

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p80

244 PICKEN Stuart op cit pp 62-72

245 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第七 神祇七 踐祚大嘗祭rdquo (Seacutetimo Livro Jingi Sete Daijōsai)

延喜式 (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi07htmgt (consultado em 24-06-

2018)

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membros da corte funcionaacuterios do Jingikan e do Jingiryō os Nakatomi entoavam as norito e

guiavam os ldquoadivinhosrdquo ao Ministeacuterio da Casa Imperial bem como os ldquogovernadores da

proviacutencia yuki e os vaacuterios funcionaacuteriosrdquo partilhando este uacuteltimo dever com os Urabe os

membros do Departamento de Carpintaria ldquoconstroem o principal santuaacuteriordquo os Inbe

apresentavam o ldquoespelho sagrado e a espada sagradardquo Findadas as festividades qualquer

vestiacutegio do matsuri seria prontamente destruiacutedo e praticar-se-ia uma uacuteltima ldquocerimoacutenia de

purificaccedilatildeordquo no uacuteltimo dia do mecircs esta uacuteltima conforme a bianual Ōharae 245

Apesar de a sua dimensatildeo ser diferente do harai habitual a meta de Ōharae parece

ser a de qualquer ritual positivo em shintō o estado de ldquoharmoniardquo refletindo a relaccedilatildeo iacutentima

entre a sociedade japonesa e a envolvente natureza fortalece-se deste modo a ldquonecessidade

de retificar desequiliacutebrios entre natureza humanos e divindadesrdquo 246

atraveacutes de uma atitude de

esforccedilo individual natildeo desassociada da preparaccedilatildeo interna e externa

Conotado com ldquoabstinecircnciardquo esta atitude implica disciplina na forma de um conjunto

de regras de conduta a adotar preacute-veneraccedilatildeo aos kami algo retido por qualquer praticante de

shintō nos dias de hoje com efeito qualquer matsuri eacute precedido por um periacuteodo temporaacuterio

de ldquoevitaccedilotildeesrdquo denominadas saikai (斎戒) ndash o termo eacute etimologicamente constituiacutedo pelos

kanji [斎] e [戒] do qual deriva o verbo imashimeru traduzido por ldquobanirrdquo ldquorestringirrdquo ndash nas

quais os responsaacuteveis por conduzir os rituais se banhavam (kessai 潔斎) mudavam de roupas

e consumiam certos alimentos claramente evidenciando a sua preocupaccedilatildeo para com

impurezas a presenccedila de derrame de sangue incecircndios e mortes era mais do que motivo

suficiente de desqualificaccedilatildeo dos que se tinham submetido a este processo ou em casos mais

extremos cancelamento do proacuteprio matsuri 247

Num contexto mais oficial observa-se uma categorizaccedilatildeo da praacutetica em si o

Jingiryō do Periacuteodo Yōrō distingue entre sansai (散斎) e chisai (致斎) sansai indicava a

ldquoabstinecircncia parcialrdquo na qual o indiviacuteduo estava proibido de fazer os jaacute mencionados seis atos

considerados formalmente como shokue chisai correspondia a uma ldquoabstinecircncia severardquo na

qual todos os ritos que natildeo envolvessem os kami eram cancelados No que concerne agrave sua

246

ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation

submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial

fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen

and Prof Dr Terje Stordalen 2013 247

ONO Sokyō op cit pp64-65

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duraccedilatildeo esta variava consoante o mecircs em questatildeo sendo que no nono mecircs sansai era

observado durante todo o mecircs chisai duraria somente trecircs dias 248

Uns seacuteculos mais tarde o Engishiki inspirar-se-ia nesta categorizaccedilatildeo por vezes

conjugando-a com o ritual harae no Kinensai sansai era praticado durante trecircs dias e chisai

apenas um dia 249

durante Kanmisosai kessai eacute um ato realizado por alguns membros de clatildes

na veacutespera do matsuri e cujo objeto de ldquoabstenccedilatildeordquo satildeo as oferendas (fios de seda e cacircnhamo)

antes de serem tecidas e apresentadas durante a celebraccedilatildeo que por sua vez soacute poderia

decorrer mediante um preacutevio harai do espaccedilo (batsujo 祓除) realizado no uacuteltimo dia do

terceiro mecircs e do oitavo mecircs Kannamesai menciona novamente um kessai dos fios de seda

posteriormente transformados em tecidos 250

Apoacutes trecircs anos de [潔齋] como parte dos rituais

da Saigū na capital reservava-se o uacuteltimo dia do oitavo mecircs a uma Ōharae no palaacutecio e no

nono mecircs um Nakatomi encarregava-se da ldquopurificaccedilatildeordquo (祓清) das proviacutencias de Ōmi e Ise

permitindo agrave Saigū cumprir os seus deveres no decorrer do Kannamesai 251

Durante o nono mecircs procede-se a um periacuteodo de 18 dias (a comeccedilar no primeiro dia)

de ldquoabstenccedilatildeordquo e um mecircs de evitaccedilatildeo de luto e enterros bem como agrave execuccedilatildeo de ldquolustraccedilatildeo

augustardquo gokei [御禊] Escrito com o kanji honoriacutefico [御] e o de misogi [禊] gokei era uma

ldquocerimoacutenia para afastar contaminaccedilatildeo de pessoas da Famiacutelia imperialrdquo 252

que decorria agrave

beira-rio e na qual participava a Saigū Contudo esta atitude de ldquoabstenccedilatildeordquo natildeo era apenas

seguida por esta uacuteltima monges monjas pessoas em luto e grupos de bandidos sujeitavam-se

a sansai antes e apoacutes Kinensai Kamo-matsuri Tsukinamisai e Kannamesai sendo-lhes

interdita a entrada no palaacutecio tal e qual as jaacute mencionadas funcionaacuterias do palaacutecio graacutevidas

253

248

IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)

lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 249

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das

Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 250

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第四 神祇四 伊勢太神宮rdquo (Quarto Livro Jingi Quatro Ise Dai-

jingū) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi04htm

(consultado em 24-06-2018)

251 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜

式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-

06-2018)

252 BOCK Felicia op cit p104

253 FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro

Livro Jingi Trecircs Matsuri de Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 85

Por uacuteltimo o seacutetimo volume do Engishiki especifica uma ldquoabstenccedilatildeordquo obrigatoacuteria no

deacutecimo primeiro mecircs sansai era iniciado no primeiro dia e terminava no uacuteltimo chisai

durava trecircs dias comeccedilando no dia do touro e terminando no dia da lebre proibindo-se a

participaccedilatildeo dos indiviacuteduos em ldquofestins Budistas ou festins magrosrdquo 254

Findado imi o indiviacuteduo foca-se na purificaccedilatildeo propriamente dita servindo-se de

elementos do dia-a-dia como o sal sake e aacutegua no primeiro caso o sal eacute ldquoatirado por

lutadores de Sumo cada vez que entram no dohyōrdquo e nos funerais serve o propoacutesito de ldquoauto-

purificaccedilatildeo apoacutes o regresso a casardquo dos frequentadores Jaacute em restaurantes e outros

estabelecimentos eacute costume colocar-se ldquoduas pilhas de sal fora do umbral uma de cada lado

apoacutes lavarem a entrada e antes de quaisquer clientes chegaremrdquo garantindo-se prosperidade

no negoacutecio Ora em misogi harai o sal eacute salpicado na cabeccedila dos participantes - no

seguimento de oharai ndash e tambeacutem misturado com sake sendo posteriormente ldquocuspido como

parte da cerimoacutenia de purificar a boca uma uacuteltima vezrdquo Oferecido nos altares sal faz ainda

parte das shinsen 255

A aacutegua tambeacutem partilha da mesma natureza purificadora que o sal e o sake em

virtude de ser considerada o elemento primaacuterio que devolve o lustro agraves coisas e pessoas

eliminando qualquer tipo de ldquomaacuteculardquo independentemente de se tratar de uma ldquomaacuteculardquo fiacutesica

(kegare) ou natildeo (tsumi) externa (corpo) ou interna (kokoro) Natildeo obstante a tradiccedilatildeo de

ldquolimpezardquo na cultura japonesa estende-se a contextos mais civis toalhas quentes satildeo

ldquoprovidenciadas em restaurantes (hellip) para que os patronos possam lavar as matildeos antes de

comer e uma pessoa Japonesa lavar-se-aacute sempre antes de entrar numa banheirardquo 256

um

reflexo da consciencializaccedilatildeo da lavagem do corpo na sociedade japonesa contemporacircnea

Em shintō a aacutegua assume um papel central em trecircs principais praacuteticas de ldquoauto-

purificaccedilatildeordquo que tambeacutem satildeo abluccedilotildees kessai temizu (手水) e misogi (禊) Se kessai eacute

geralmente feito antes do matsuri 257

temizu precede a ldquooraccedilatildeordquo (inori) aos kami nos jinja e

no qual o indiviacuteduo dirige-se a uma estrutura denominada temizuya (手水屋) lavando com

aacutegua a boca e as suas matildeos locais mais suscetiacuteveis de se contrair kegare (Anexo III)

254

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 62-72 255

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 174-175

256 ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation

submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial

fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen

and Prof Dr Terje Stordalen 2013 257

PICKEN Stuart op cit p 177

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 86

No que concerne a misogi esta eacute considerada a origem de todos os harai na

sociedade japonesa sendo descrita por Carl Florenz como a ldquopurificaccedilatildeo de um uacutenico

indiviacuteduo ou um lugar de poluiccedilotildees atraveacutes de se entrar em contacto com algo

cerimonialmente impuro tal como cadaacuteveresrdquo 258

Uma ldquoauto-purificaccedilatildeordquo em todos os

sentidos do termo a expressatildeo misogi harai (misogi harai 禊祓い ) poderaacute derivar de

ldquomisosogi no harairdquo (身滌の祓い) literalmente ldquoharai da lavagem do corpordquo ndash [身滌] eacute

constituiacutedo pelo kanji de ldquocorpordquo (身) e o de [滌] sinoacutenimo de [洗] raiz do verbo ldquolavarrdquo

(arau) 259

ndash e eacute pela primeira vez mencionado no episoacutedio de Izanagi descrito pelo Kojiki e

Nihon shoki

De um modo geral misogi conheceu grande popularidade na esfera privada imperial

e agrave semelhanccedila de [斎] era sempre acompanhado de todo o tipo de oferendas tais como

tecidos armas sake velas e algas Se praticado pela Saiō (齋王) misogi decorria num rio da

capital na primeira dezena de dias do oitavo mecircs e do nono mecircs ambas datas escolhidas por

ldquoadivinhaccedilatildeordquo ndash responsabilidade do Onmyōryō Por sua vez este ritual fazia parte de uma

grande cerimoacutenia na qual se preparavam tecidos caixas jarros carne seca cabaccedilas e peixes e

cujos participantes eram essencialmente membros da corte (Jingikan e Onmyōryō) cada um

desempenhando uma tarefa especiacutefica ecoando o sucedido nos matsuri do Jingikan um

Nakatomi executava oharai servindo-se da onusa (Nakatomi onusa tatematsuru [神祇官中臣

進麻]) e o miyanushi (宮主) entoava harae kotoba (祓詞) Igualmente realizado durante a

deslocaccedilatildeo da jovem para o No-no-miya e Itsuki-no-miya em Ise e no uacuteltimo dia do mecircs 260

misogi eacute descrito no sexto volume do Engishiki como parte da celebraccedilatildeo do Imibikamado-

matsuri (quarto mecircs e sexto mecircs) ndash um gokei no qual participavam todos os funcionaacuterios do

palaacutecio - e um matsuri anual (毎年禊祭) 261

Atualmente misogi pode ser praticado por qualquer pessoa e eacute aceite como um ritual

vaacutelido para qualquer tipo de shintō Shinshū-kyō (神習教) tem como metas alcanccedilar ldquoum

espiacuterito de um kami por praticar purificaccedilatildeo oharairdquo a aquisiccedilatildeo de um elevado niacutevel de

treino que possibilite ao indiviacuteduo ensinar os outros e eacute claro ldquoalcanccedilar harmonia com os

258

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112 259

NISHIGAKI Yukio op cit p 544

260 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜

式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-

06-2018) 261

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式

(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 87

kami e rezar pelo descanso das almas dos outrosrdquo Neste contexto misogi faz parte da

estrateacutegia de cultivo de ldquopurificaccedilatildeo interiorrdquo que encoraja o processo de aproximaccedilatildeo do

humano ao kami 262

Em suma a purificaccedilatildeo estaacute intimamente associada agrave visatildeo positiva do ser humano

apoiada por shintō Shinshū-kyō natildeo soacute ensina o indiviacuteduo a ldquodemonstrar gentileza aos

outrosrdquo ldquotrabalhar diligentemente (no seu proacuteprio negoacutecio)rdquo e a ldquopreservar firmeza no teu

coraccedilatildeordquo como procura ldquopacificar o espiacuterito porque eacute parte do espiacuterito do kamirdquo 264

(bunshin

mitama wo shizumu beshi分神神魂を鎮むべし) e ldquolimpar as impurezas do corpordquo (mi no

shūshoku wo harau beshi身の鏽蝕を祓うべし) 263

proporcionando o desenvolvimento do

caraacutecter do indiviacuteduo

Na visatildeo de Misogi-kyō (禊教) o trio de tesouros imperiais satildeo ldquoos mais eficazes

agentes de purificaccedilatildeordquo pois ldquotodas as formas de impureza podiam ser removidasrdquo Apoiado

em misogi harae e ldquorespiraccedilatildeo proacutepriardquo o setor utiliza misogi como ldquoum meacutetodo para

melhoria da vidardquo aproximando as pessoas do kamirdquo 262

Interpretando-se esta praacutetica como o

uacutenico modo de ldquoreavivarrdquo a ldquoboa sorterdquo (literalmente ldquosorte proacutesperardquo ou sakae no unsei [栄

絵の運勢]) misogi possui visiacuteveis efeitos de purificaccedilatildeo externos 264

Contudo o busiacutelis da questatildeo eacute a ldquopurificaccedilatildeo internardquo (nai seijōshōjō 内清浄)

denominada iki ichisuji no misogi (息一筋の禊) iki (息) natildeo eacute somente a ldquoorigem do corpordquo

mas tambeacutem a proacutepria ldquoexistecircnciardquo (seimei [生命]) 264

e estaacute diretamente relacionada com a

entoaccedilatildeo da norito ldquo

tōkami emitamae harae tamae kiyome tamairdquo (literalmente ldquokami

distante purificai e limpai enquanto rezamosrdquo) em voz alta

262 um momento caracterizado

pela ldquofusatildeordquo do corpo com a mente graccedilas ao cultivo do autocontrolo do corpo a Desordem

(aqui maga) deixa de existir 264

No contexto de jinja shintō misogi faz ainda parte da cerimoacutenia shūbatsu (修祓) na

qual se abre o edifiacutecio interior do jinja e o shintai eacute visualizado pelos shinkan que se

262

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 234-236 263

O ldquoespiacuterito do kamirdquo eacute mitama (神魂) e ldquocoraccedilatildeordquo kokoro O termo ldquoimpurezasrdquo lecirc-se no texto original [鏽

蝕] o primeiro lecirc-se sabi e natildeo eacute muito usado na linguagem diaacuteria (鏽) significando ldquoferrugemrdquo ou ldquocorrosatildeordquo

o segundo eacute o kanji [蝕] do qual deriva o verbo mushibamu geralmente traduzido como ldquoser devorado por

dentrordquo ldquominarrdquo ldquoarruinarrdquo Shintō Shinshū-kyō Kōushiki Page 教 義 (on line)

lthttpshinshukyojpE69599E7BEA9gt (consultado em 24-06-2018) 264

Misogi-kyō Shintō 神道禊教の教理 (Doutrina de Shintō Misogi-kyō) (on line) lthttpwwwmisogi-

kyouorjpkyourihtmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 88

ldquopurificam de modo a tomarem parte nos rituaisrdquo atirando baldes de aacutegua fria sobre si

mesmos ou escolhendo colocar-se ldquodebaixo de uma cascata num rio ou no marrdquo dependendo

da localizaccedilatildeo do jinja Posteriormente os participantes no matsuri satildeo purificados

cumprindo-se as condiccedilotildees de invocaccedilatildeo dos kami 265

que respondem ao apelo impliacutecito nas

norito entoadas pelos shinkan

Associadas agrave tradiccedilatildeo de kotodama norito satildeo acolhidas entusiasticamente pela

sociedade japonesa quer sejam ldquovelhasrdquo (do Engishiki e outras fontes do Periacuteodo Heian) e

norito ldquonovasrdquo ou seja norito poacutes- Engishiki criadas por estudiosos e praticantes das vaacuterias

formas de shintō (Ise e Yoshida shintō Shugendō kyōha shintō shin shūkyō) e associadas a

jinja especiacuteficos (ldquocultosrdquo em Ise Izumo Dewa Togusa ldquocultosrdquo a Inari e Hachiman) 266

Etimologicamente norito tem as suas origens na frase ldquoNakatomi-no-Kane Muraji

norito wo norurdquo (中臣金連祝詞を宣る) Como se pode constatar o verbo que lhe estaacute

associado eacute noru (宣) cujo kanji significa ldquodizerrdquo ldquoexpressarrdquo e ldquoinformarrdquo num sentido

formal agrave maneira dos ldquoeacuteditos imperiaisrdquo (senmyō [宣命]) 267

Vaacutelidas para uso individual ou coletivo norito contemporacircneas tendem a inspirar-se

em norito muito mais antigas por exemplo a frase ldquoharae tamae kiyome tamairdquo de Misogi-

kyō surge na Ōharae kotoba do Engishiki como uma dupla accedilatildeo decorrida na ldquoōharae do

anoitecer do uacuteltimo dia do sexto mecircsrdquo (kotoshi no minadzuki no tsugumori yūhi no kudachi

no ōharae ni harai tamai kiyome tamau-koto wo 今年の水無月の大晦日 夕日之降の大祓

に祓給ひ清給事を) 268

eliminam-se assim os tsumi (tsumi ha araji wo罪波不在止) de

todos os cantos ldquodebaixo do ceacuteurdquo (Anexo IV)

Seguindo uma ldquofoacutermula usada em cerimoacutenias religiosas em endereccedilando divindades

(hellip) usam uma forma respeitosa subserviente forma de dicccedilatildeordquo norito tecircm a sua forccedila no

som e natildeo na parte gramatical ou na etimologia lexical recorrendo-se frequentemente a

265

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 177

266 O arquivo virtual Ko-kon Shūkyō Kenkyūjo regista um total de 55 norito devidamente ldquocategorizadasrdquo

consoante a temaacutetica e o local de veneraccedilatildeo Ko-kon shūkyō kenkyūjo ldquo祝詞 諸文献rdquo (Norito Vaacuterias

referecircncias) 神道資料集 (Colecccedilatildeo de materiais de shintō) (on line) lthttpwwwko-konnetnoritogt

(consultado em 24-06-2018) 267

NISHIGAKI Yukio op cit p485 268

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 89

ldquorepeticcedilatildeo paralelismo longas enumeraccedilotildees de nomes de divindades e oferendas metaacuteforas

o uso de registos mitoloacutegicos para explicar a origem de certas formas de veneraccedilatildeordquo 269

Natildeo obstante estas frases servem de prevenccedilatildeo contra forccedilas ldquonegativasrdquo incluindo

tatari gami ou ldquoespiacuteritos malignosrdquo devidamente acalmados e purificados respetivamente

Usadas em matsuri oficiais norito descreviam com pormenor quem as proferia o seu

objetivo a quem se dirigiam e o local onde decorria esta entoaccedilatildeo cujo raio de atuaccedilatildeo era

individual ou coletivo (capital habitaccedilotildees funcionaacuterios o palaacutecio todo o Japatildeo a corte) 270

No que concerne agrave sua entoaccedilatildeo estes conjuntos de frases eram responsabilidade dos

Nakatomi ou de outros consoante a ocasiatildeo na ldquomensagem de aberturardquo do oitavo capiacutetulo

do Engishiki regista-se que os Inbe deviam entoar norito dos ldquoritosrdquo Goden (御殿) e Mikado

(御門) e nos restantes matsuri a honra cabia aos Nakatomi (以外諸祭中臣氏祝詞) nos

matsuri das quatro estaccedilotildees (凡四時諸祭) essa funccedilatildeo fazia parte dos deveres dos kanbe (神

部) no Kanmisosai somente o daijingūji de Ise (ldquoSumo-Sacerdote do Grande Santuaacuterio de

Iserdquo) devia entoar a norito (大神宮司宣祝詞) e nas celebraccedilotildees em Ise (Kanmisosai os

matsuri do sexto e deacutecimo segundo meses e Kannamesai) 271

as norito de Ōimisai (大忌祭)

Tatsuta Fūjinsai ( 龍田風神祭 ) e Hiranosai ( 平野祭 ) eram responsabilidade dos

ldquomensageiros imperiaisrdquo Jaacute os Inbe encarregavam-se das ldquofoacutermulasrdquo de proteccedilatildeo do palaacutecio

imperial (Ōtono-no-hogai (大殿祭) e do ldquoFestival dos Portotildeesrdquo (Godensai 御殿祭) ndash cuja

meta era a ldquogarantia a proteccedilatildeo das divindades que guardam os portotildees do Palaacutecio Imperialrdquo ndash

no ldquodeacutecimo segundo dia do sexto e deacutecimo segundo mesesrdquo 270

Por uacuteltimo a norito de

Ōharae era ldquopartilhadardquo pelos Urabe e os Nakatomi enquanto que nos Chinkasai (鎮火祭) e

Michiaesai (道饗祭) soacute os Urabe eram elegiacuteveis para tal tarefa 271

O avanccedilo do estudo da tradiccedilatildeo ritual shintō impulsionou uma anaacutelise aprofundada

das norito estabelecendo-se uma ligaccedilatildeo direta com o processo de purificaccedilatildeo o meio por

excelecircncia para atingir a tatildeo desejada Ordem entre o praticante e o kami venerado norito satildeo

uma espeacutecie de purificaccedilatildeo verbal aludindo a um processo positivo mas interno Tal

abordagem introduz uma perspetiva mais subjetiva do que se entende por norito auxiliando

269

PHILIPPI Donald Norito A Translation of the Ancient Japanese Ritual Prayers With a new Preface by

Joseph M Kitagawa Princeton Princeton University Press 1990 pp1-2 270

PHILIPPI Donald op cit pp5-15 271

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 90

na compreensatildeo da purificaccedilatildeo interna que recaiacutea sobre o kokoro (心) Por sua vez kokoro

associar-se-ia a meijō (明浄)

Escrito em japonecircs com o kanji de ldquocoraccedilatildeordquo (shin de shinzō [心臓]) kokoro denota

algo de natureza natildeo palpaacutevel e interior a qualquer indiviacuteduo servindo de prefixo agraves palavras

kokoroeru (心得 ) ato de ldquocompreender o significado das circunstacircncias e das coisasrdquo

kokoroe ldquocompreensatildeordquo e ldquoter cautelardquo kokoronai (心無 ) designa uma condiccedilatildeo de

ldquoinsensibilidaderdquo pelo proacuteximo (em linguagem corrente ldquonatildeo ter coraccedilatildeordquo) 272

kokoro-

gawari (心変わり ) literalmente a ldquomudanccedila de kokorordquo indica a suacutebita alteraccedilatildeo dos

sentimentos intenccedilotildees e convicccedilotildees do indiviacuteduo em relaccedilatildeo a terceiros

No Nihon shoki o kanji em si eacute precedido por outros caracteres [黒心] e [無黒心]

significam aproximadamente ter um coraccedilatildeo negrordquo ou o seu oposto o sentido obtido eacute

negativo e positivo respetivamente marcando presenccedila no episoacutedio da competiccedilatildeo de

Susano-o-no-mikoto e de Amaterasu (有黒心) e no ano 646 da Era Taika (不正心者)

literalmente ldquopessoas de kokoro injustordquo Se estiver ao lado de [清] a expressatildeo lecirc-se seishin

ou kiyoki kokoro um kokoro puro (清心) 273

evidenciando a sua ligaccedilatildeo com meijō ambos

satildeo palavras positivas por princiacutepio

Por outro lado Engishiki descreve kokoro como uma caracteriacutestica interior de

humanos e kami na norito de Ōtono-no-hogai [心] surge na frase ashiki kokoro kitanaki

kokoro naku (邪意穢心無く) 274

ndash o segundo kanji tambeacutem se lecirc como kokoro mas o seu

significado eacute o de ldquointenccedilatildeordquo denotando a conduta correta seguida por todos os trabalhadores

do palaacutecio e membros da corte ndash traduzida por Philippi como ldquosem quaisquer maacutes intenccedilotildees

ou impuras intenccedilotildeesrdquo 275

na norito de Hi-shizume-no-matsuri (Chinkasai) kokoro eacute um

atributo de natureza maligna do kami do fogo (Homusubi-no-kami 火結神) ndash evidenciado

pela expressatildeo kokoro saganakiko (心惡子) ldquocrianccedila de mau kokorordquo ndash um kami gerado por

272

NISHIGAKI Yukio op cit pp 286-287 273

SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on

line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 274

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018) 275

PHILIPPI Donald op cit p 43

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 91

Izanami cujo temperamento provoca Desordem que naturalmente justifica a ldquopacificaccedilatildeordquo

(shizume matsure 鎮奉れ) por parte de outros kami seus irmatildeos 276

Em contrapartida tambeacutem a norito ldquopara afastar uma divindade vingativardquo (tataru

kami wo utsushi-yaru 遷卻祟神) segue a temaacutetica de reordenaccedilatildeo especificamente a uma

retificaccedilatildeo ativada por Kamunaobi e Ōnaobi kokoro refere-se aqui ao kokoro claro de kami

ldquopacificadosrdquo (sumera-gami ōmikokoro akiraka ni 皇神等の御心も明に) sendo que esta

transiccedilatildeo de kami ldquoviolentosrdquo para kami ldquopaciacuteficosrdquo (ara furu kami-tachi wo kashi harai

tamai kami nagoshi ni nagoshi tamai荒振神等を神攘攘給ひ神和和給) se deve a outros

dois kami 276

pacificaccedilatildeo tambeacutem eacute purificaccedilatildeo

Na perspetiva de Picken purificaccedilatildeo e pureza natildeo soacute partilham de uma conotaccedilatildeo

positiva como mantecircm entre si uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia pureza eacute a meta e a

consequecircncia do resultado da purificaccedilatildeo se o indiviacuteduo eacute o recetor de oharai que por sua vez

beneficia o kokoro meijō indica a ldquorestauraccedilatildeo do estado de pureza conhecido como seimei-

shin (ou akaki kiyoki kokoro)rdquo Por outras palavras o praticante torna-se portador de um

ldquoclaro kokorordquo (akaki kokoro明心) ldquopuro kokorordquo (kiyoki kokoro清き心) ldquocorreto ou justo

kokorordquo (tadashiki kokoro 正しき心) e o ldquokokoro retordquo (naoki kokoro 直き心) 277

um

quarteto de caracteriacutesticas eticamente boas

Assim os contornos eacuteticos da relaccedilatildeo kokoro - pureza revelam-se fundamentais para

a compreensatildeo de novas perspetivas modernas e japonesas de shintō segundo Muraoka

Tsutsunegu (村岡典嗣 1884-1946) meijō eacute uma ldquocaracteriacutestica eacutetica de shintōrdquo e um atributo

transversal em qualquer ldquodivisatildeordquo desta Via equiparado ao niacutevel de uma ldquodoutrinardquo (meijō

shugi明浄主義) no ldquosentido de que existe reverecircncia pelo claro e puro (hellip) em toda a mateacuteria

e pensamentordquo Por conseguinte meijō eacute o puro que carece de impurezas uma condiccedilatildeo

ldquoprimordialrdquo partilhada por todas as pessoas por oposiccedilatildeo a tsumi e kegare cuja presenccedila eacute

inviabilizada (temporariamente) em caso de purificaccedilatildeo regressando agrave sua origem (Yomi ou

Ne no kuni) durante harai 278

Aliaacutes a consciencializaccedilatildeo do kokoro como um dos componentes da eacutetica japonesa

reflete-se desde logo na linguagem dos eacuteditos imperiais do Zoku Nihongi qualificando-se o

276

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018) 277

PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 176 278

PICKEN Stuart op cit pp 254 256-257

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 92

kokoro como algo ldquopurordquo (kiyoki kokoro 清き心) ldquoclarordquo (akaki kokoro 明き心) e ainda

ldquokokoro puro e clarordquo (kiyoki akaki kokoro清明心) Como se pode constatar nos eacuteditos dos

anos 707 (以明浄心而 浄明心以而) 743 (明浄心) 757 (諸以明清心皇朝 自今往前者以

明直心仕奉朝廷 悪心無而清明心) e 770 (衆浄明心正直言以而) 279

ter um kokoro cuja

essecircncia fosse de ldquohonestidaderdquo ldquoclarezardquo e ldquosinceridaderdquo elucida a importacircncia da pessoa

possuir uma boa natureza

Durante o Periacuteodo Edo protagonistas da escola Kokugaku como Kamo-no-Mabuchi

(賀茂 真淵 1697-1769) e Motoori Norinaga apoiam esta perspetiva mais eacutetica do kokoro

apelando ao lsquokokoro sincerorsquo ou lsquomakoto no-kokororsquo (真の心) isto eacute a derradeira virtude de

shintō 280

o que naturalmente reforccedila a importacircncia da caracteriacutestica ldquosinceridaderdquo (makoto)

Avaliada como algo dentro do kokoro ou que lhe eacute independente makoto (真) eacute

homoacutefono da palavra makoto (誠) cuja etimologia eacute makoto ( 真事) literalmente ldquoverdadeiras

palavrasrdquo e significa ldquonatildeo mentirnatildeo enganarrdquo 281

partilhando de um significado positivo

semelhante aos termos ldquohonestordquo (tadashii 正しい) ldquohonestidaderdquo (正直) makoto [真] por

sua vez tende a ser traduzido por ldquosinceridadeverdadeirordquo

No entender de Picken makoto (真) eacute um dos seus muitos vocaacutebulos ldquomoraisrdquo de

shintō juntando-se a kansha (感謝) ou ldquogratidatildeordquo forma de o indiviacuteduo expressar ldquogratidatildeo

humana pela sua dependecircncia sobre o divinordquo e tambeacutem uma atitude de respeito para com a

sociedade que o serve junsui (純粋) ou ldquopessoasrdquo de ldquocoraccedilatildeo puroinocentesrdquo relacionadas

com os traccedilos de caraacutecter ldquobomrdquo (seimei shin) definidos com base nos estudos de poesia e

outros textos antigos 282

Por conseguinte ldquosinceridaderdquo e ldquoagradecimentordquo relacionam-se

com o primeiro grande objetivo da Jinja Honchō conferindo a makoto as qualidades akaki

(ldquoclarordquo e kiyoki (ldquopurordquo) 283

Neste sentido makoto significa tambeacutem ser verdadeiro agraves suas intenccedilotildees e acreditar-

se no que estaacute a fazer uma atitude fundamental para qualquer praticante de shintō quem tiver

279

Ao todo [心] surge 211 vezes nesta obra tanto de forma isolada como acompanhado dos referidos termos

Por vezes as caracteriacutesticas positivas natildeo se aplicam somente ao kokoro mas tambeacutem ao discurso tomando-se o

exemplo de shōjiki kotoba (正直言) ldquopalavras honestasrdquo 続日本紀 朝日新聞本 (ZokuShoku Nihongi Versatildeo

do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokuallhtml (consultado em 24-06-2018) 280

PICKEN Stuart op cit pp 219-220 281

NISHIGAKI Yukio op cit pp 531-532 282

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 283

Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line)

lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 93

uma ldquovontade sincerardquo em fazer parte dos rituais conseguiraacute cultivar uma relaccedilatildeo proacutexima

com o kami No que concerne ao kokoro este pode ser qualificado como algo ldquobomrdquo (kiyoki

kokoro akaki kokoro yoshiki kokoro) ou ldquomaurdquo (ashiki kokoro) dependendo do caso

distinguindo-se de makoto que dispensa tais significados prejudiciais

Os grandes estudiosos do Periacuteodo Edo nunca se pronunciam sobre um kokoro mau

kokoro eacute sempre um atributo humano (ou de kami) positivo frequentemente associado a shintō

surgindo termos como o magokoro (makoto no-kokoro)

Palavra derivada da combinaccedilatildeo de ldquoverdadeirordquo (真) e kokoro magokoro eacute parte da

piracircmide de ldquovalores positivosrdquo individual assemelhando-se agrave qualidade ldquointenccedilatildeo de

sinceridaderdquo (seii 誠意) Contudo segundo o Tama boko hyakushu (玉鉾百首) de Norinaga

o magokoro corresponde a uma consequecircncia da accedilatildeo do princiacutepio musubi presente na mitama

dos kami um kokoro despido de valores opostos (bemmal sapiecircnciaburrice

capacidadeincapacidade) e cuja qualificaccedilatildeo varia consoante o tipo de experiecircncia e accedilatildeo

(boamaacute) Identificado como uma condiccedilatildeo inata aos seres humanos magokoro tem no seu

nuacutecleo a funccedilatildeo de ldquomovimentordquo nas palavras de Motoori Ōhira (本居大平 1756-1833)

irmatildeo mais novo de Norinaga o kokoro eacute designado de magokoro quando se torna ugoku

kokoro ou ldquokokoro que se moverdquo (うごくこころ動く心) quando alguma coisa de natureza

positiva ou negativa consegue fazer comover (tocar) o kokoro das pessoas estaacute-se perante um

ugoku kokoro agindo-se ldquonaturalmenterdquo conforme o estadonatureza das coisas e

acontecimentos 284

Uma caracteriacutestica uacutenica e individual de cada ser humano que justifica a existecircncia

de kami e coisas boasmaacutes 284

o magokoro existiria na realidade atual (Hito no yo 人の代)

embora remonte aos tempos do Kami-yo uma era temporalmente incerta e marcada pelo

permanente ciclo de Desordem e a Ordem colocando-se sempre a hipoacutetese de esta Desordem

ser ldquocuradardquo tornando a realidade calma e paciacutefica 285

entre o ldquobemmalrdquo vidamorte a vida

e o bem seriam sempre vitoriosos ilustrando a atitude otimista e positiva de Norinaga

tambeacutem adotada pelos praticantes de shintō

284

UMIHIKO ldquo本論 第七回「「真心(まごころ)」とは」の巻rdquo (Texto do Seacutetimo Capiacutetulo magokoro

eacute) 本居宣長研究ノート「大和心とは」本論 (Bloco de notas de Pesquisa Motoori Norinaga ldquoYamato

Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-07phpgt (consultado em 24-06-2018) 285

UMIHIKO ldquo第八回「『真心(まごころ)の型」の巻 rdquo (Texto do Oitavo Capiacutetulo O modelo de

magokoro) 本居宣長研究ノート「大和心とは」 本論 (Bloco de Notas de Pesquisa Motoori Norinaga

ldquoYamato Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-08phpgt (consultado em 24-

06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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Um seacuteculo mais tarde Katō Shigeharu (加藤 重春 1818-) avaliaria o significado

eacutetico do kokoro e makoto a sua obra Shintō fumoto no tateishi (神道麓之立石) categorizaria

kokoro e makoto como duas das quatro Vias de shintō respetivamente a ldquoVia do kokorordquo

(shintō 心道) e a ldquoVia da verdaderdquo (shintō 真道) se na primeira Via shintō eacute qualificado

como uma ldquoVia que retifica a menterdquo a ldquoVia da verdaderdquo reforccedila a importacircncia da

ldquosinceridaderdquo uma vez que ldquoqualquer pessoa que desconsiderasse a importacircncia de

sinceridade eacute uma pessoa viciosardquo Shintō deveria simplesmente ldquofluirrdquo influenciando

automaticamente as accedilotildees do indiviacuteduo cujo coraccedilatildeo eacute ldquoretificado reto e unido com os kamirdquo

soacute assim as suas accedilotildees estariam de acordo com a Via 286

Nos periacuteodos posteriores ao Engishiki o conceito de kokoro adquire alguma

importacircncia a um niacutevel mais ldquofilosoacuteficordquo numerosos textos criados por escolas e autores

independentes expotildeem as suas ideias acerca de kokoro ldquopurezardquo e ldquopurificaccedilatildeordquo bem como os

seus efeitos desta uacuteltima no ser humano Na tradiccedilatildeo de Ise shintō kokoro (ldquomenterdquo) faz parte

do trio ldquopurezardquo- ldquomenterdquo ndash ldquohonestidaderdquo como se constata no Ruiji Jingi Hongen (類聚神

祇本源) de Watarai Ieyuki a ldquopurezardquo eacute uma caracteriacutestica que denota honestidade o ato de

empreender uma tarefa com uma ldquomente que eacute calma (hellip) comportar-se numa maneira que

transcende vida e morte (hellip) tal como obedecer agraves seis proibiccedilotildees relacionadas com o modo

proacuteprio de observar rituaisrdquo (as seis formas de shokue do Engishiki) Em Shintō Kanyō (神道

簡要) do mesmo autor ldquopurezardquo eacute a raiz da ldquohonestidaderdquo e por conseguinte o uacutenico modo

de o indiviacuteduo obter benefiacutecios dos kami uma condiccedilatildeo presente ldquoquando a mente eacute retificada

(uma virtude Confuciana) balanccedilada sem manchar ou sendo manchadardquo e age com

ldquopropriedade em concordacircncia com razatildeordquo isto eacute possui ldquopropriedaderdquo (tsutsushimi 慎み

ldquoter uma atitude proacutepriaadequadardquo) 287

Na escola de Yoshida shintō Kanetomo interpreta esta Via como uma via de

proteccedilatildeo do kokoro (ldquomenterdquo) e como tal a pessoa deveria proceder a uma ldquopureza interna e

externardquo de modo a ldquoseguir a via dos kamirdquo 288

e manter com estes mesmos kami uma relaccedilatildeo

de proximidade graccedilas ao elo de ligaccedilatildeo o kokoro Responsaacutevel pela ldquoreinvenccedilatildeordquo do

conceito de kokoro no seu tempo Kanetomo eacute pioneiro na argumentaccedilatildeo de que o ldquocoraccedilatildeo

286

Aleacutem das Vias do kokoro e de makoto fazem parte de shintō o proacuteprio shintō (Via dos kami) e shintō ou ldquoVia

dos paisrdquo (親道) que enfatiza a virtude confuciana de piedade filial (oya kōkō 親孝行) PICKEN Stuart

Sourcebook in Shinto op cit pp169-170 287

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 177-180 288

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 28

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humanordquo (kokoro) e kami satildeo uno e a ldquomesma coisardquo 289

justificando a sua proposta de um

tipo de shintō cuja praacutetica ritual transporta consigo um potencial de purificaccedilatildeo fiacutesicamental

Natildeo obstante a linha de pensamento deste autor jaacute estava subentendida num dos

mais ceacutelebres textos de exposiccedilatildeo de Nakatomi Ōharae o Nakatomi Harae Kunge (中臣祓訓

解) Por norma datado do final do Periacuteodo Heian ou dos iniacutecios do periacuteodo seguinte a obra eacute

considerada parte de Ryōbu shintō e releva o papel de Nakatomi Harae aquando deste ldquoritualrdquo

argumentando acerca do papel fundamental da ldquomente humanardquo 290

- o kokoro - por sua vez

descrito por Kanetomo como aquilo que ldquoregerdquo e ldquoorientardquo o praticante e um ldquolugar onde os

kami governantes do universo vivem um lugar sagrado no qual a raiz e origem do cosmos eacute

para ser encontradardquo 289

Assim o kokoro (do homem) eacute o uacutenico elemento no indiviacuteduo capaz

de ldquocomungar com Ceacuteu e Terra com a grande natureza com o cosmosrdquo isto eacute o ldquotodordquo 290

estamos entatildeo perante um vislumbrar de realidades que estatildeo normalmente vedadas ou

veladas ao praticante devido agraves limitaccedilotildees fiacutesicas do corpo

Neste sentido entrar em contacto com os kami eacute um processo ldquomentalrdquo pois eacute a

ldquomente individualrdquo (kokoro) que consegue ldquoencontrarrdquo o kami do cosmos (hellip) origina agrave

ldquopurificaccedilatildeo da natildeo-menterdquo (mushin 無心 ) ndash Kanetomo considera mushin como termo

complementar de ldquoexistir-menterdquo (ushin 有心) dois vocaacutebulos originaacuterios da Via do Buda

que fazem parte do que se entende por ldquocaminhordquo (michi) em shintō 291

Deste modo satildeo

reunidos os requisitos necessaacuterios para a etapa final desta purificaccedilatildeo a ldquouniatildeordquo kamihomem

na qual ldquotodos os meus pensamentos e aspiraccedilotildees se tornam um com oos kamirdquo (shinjin

gōitsu) e consequentemente o retorno do indiviacuteduo sujeito a este harai agrave ldquoforma verdadeira e

originalrdquo que eacute nada mais do que o proacuteprio kami (shinjin kiitsu) 290

Alcanccedilar a Ordem atraveacutes da purificaccedilatildeo em shintō (misogi harai segundo Picken)

possibilita aquilo que geralmente eacute aceite como perspetiva da desta Via em relaccedilatildeo

agrave rdquonatureza humanardquo completar o processo de purificaccedilatildeo significa testemunhar dois

fenoacutemenos especiacuteficos a ldquouniatildeordquo do kami e do homem (shinjin gōitsu (神人合一) e a

289

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 166-167 290

PICKEN Stuart op cit pp 84-85 291

Em Yuiitsu shintō se michi eacute a ldquoraiz da miriacuteade de condutasrdquo(万物之起源也 michi towa mangyō no

minamoto nari 道とは万行の源なり) kami equivale ao kokoro da ldquomiriacuteade de coisasrdquo (神者万物心 kami towa

manbutsu no kokoro ni shite 神とは万物の心にして) Por outras palavras michi possui sempre em si duas

coisas complementares e opostas uma que ldquonatildeo-existerdquo e outra que ldquoexisterdquo HIROKAMI Kiyoshi ldquo日本にお

ける神道理論の形成rdquo (Concerning the Formation of Shinto theories in Japan) Tetsugaku shisō ronsō (哲学-思

想論叢) nordm 5 1997 pp 1-18

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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consequente ldquorestauraccedilatildeo do divino no homemrdquo (shinjin kiitsu 神人帰一 ) literalmente

ldquokamipessoaregresso ao umrdquo 292

sendo que este ldquodivinordquo eacute o kami e a ldquopessoardquo eacute o seu

ldquodescendenterdquo que eacute temporariamente afetado pela Desordem que existe no mundo

Com efeito viver a vida de forma harmoniosa eacute o mesmo que aceitar a necessidade

de restauraccedilatildeo da Ordem um processo perioacutedico e que decorre apoacutes a purificaccedilatildeo individual

ldquopurificarrdquo natildeo significa apenas harai (祓) ou kiyomeru (清める) mas tambeacutem ldquorestaurarrdquo

(naoru直る) 293

a relaccedilatildeo simbioacutetica kami-homem (e vice-versa) expressa pela palavra shinjin

ou kami (神人) isto eacute o ldquokami com uma natureza humanardquo ou ldquokami e seres humanosrdquo

referindo-se ao ldquoprinciacutepio de unidade entre kami e seres humanosrdquo 294

No fundo shinjin gōitsu e shinjin kiitsu satildeo concordantes com a ideia acerrimamente

defendida por Kanetomo de que kokoro e kami satildeo essencialmente o mesmo permitindo ao

praticante tornar-se algo mais do que fisicamente aparenta ser o kokoro eacute o derradeiro elo de

ligaccedilatildeo kami-homem aquilo que deve ser cultivado atraveacutes de rituais de purificaccedilatildeo interna

292

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 293

PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 359 294

NISHIOKA Kazuhiko ldquoKamirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23401gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 97

CONCLUSAtildeO

Apesar de a popularidade que o shintō recebe hoje em contexto acadeacutemico ser

evidenciada pelo nuacutemero consideraacutevel de artigos e livros produzidos por autores natildeo

japoneses a Via dos kami em si permanece um campo por explorar natildeo existindo falta de

informaccedilatildeo e sim falta de estudo dessa informaccedilatildeo Foi com estas intenccedilotildees que se pocircde dar

forma a uma inicial miscelacircnea de pensamentos e ideias desconetadas umas das outras um

processo que como natildeo esteve isento de obstaacuteculos nomeadamente a ldquotriagemrdquo de

informaccedilatildeo (consequecircncia da jaacute mencionada ldquotriagemrdquo dos autores que forneceram essa

mesma informaccedilatildeo) atual e adequada ao campo do shintō e agrave temaacutetica ldquorituais de purificaccedilatildeo e

natildeo-purificaccedilatildeo em shintōrdquo

Neste sentido se uma das dificuldades foi encontrar informaccedilatildeo atualizada e numa

linguagem acessiacutevel (inglecircs) uma das vantagens foi a leitura e interpretaccedilatildeo de artigos

passagens de livros e textos escritos em japonecircs auxiliando na investigaccedilatildeo processo que

incluiu uma anaacutelise etimoloacutegica como complemento agrave anaacutelise teoacuterica dos rituais que

provocam a Desordem e a Ordem sem o recurso a tal metodologia dificilmente se

conseguiria responder agraves trecircs perguntas colocadas na Introduccedilatildeo

Outro ponto positivo a ter em conta foi o recurso a outras fontes aleacutem de livros nesta

era de informaccedilatildeo apesar de as obras permanecerem vaacutelidas enquanto fontes primaacuterias de

informaccedilatildeo a sua linguagem presente pode parecer estranha a quem estuda tradiccedilotildees natildeo

ocidentais Interessantemente autores como Picken natildeo caem neste erro ao contraacuterio de Ono

Sokyō De um modo geral fontes virtuais (websites oficiais e artigos de revistas cientiacuteficas)

tambeacutem natildeo seguem esta tendecircncia de ldquotraduccedilotildeesrdquo No caso de fontes japonesas (artigos

websites e livros) a traduccedilatildeo estaacute ausente permitindo reter o sentido das palavras

Sinteticamente o shintō possui uma tradiccedilatildeo de atos de veneraccedilatildeo em jinja e de

indiviacuteduos participantes nos diferentes matsuri Eacute neste sentido que os indiviacuteduos executam

ldquorituaisrdquo (conotaccedilatildeo exclusivamente positiva) favoraacuteveis agrave Ordem Regulados num contexto

de corte estas praacuteticas adaptaram-se consoante a evoluccedilatildeo histoacuterica de shintō tornando-se

vaacutelidos tanto hoje como haacute seacuteculos atraacutes Veja-se o caso de misogi misogi harai retratada

como um exemplo de purificaccedilatildeo interna e externa eacute o ritual-base da atuaccedilatildeo de Misogi-kyō e

tradicionalmente ndash devido agrave sua presenccedila no Kojiki e Nihon shoki par de obras que alude agrave

consciencializaccedilatildeo do que eacute puroimpuro - uma espeacutecie de alicerce de todos os rituais

conducentes agrave Ordem uns mais simples do que outros constatando-se diferenccedilas no que

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concerne agrave preparaccedilatildeo e organizaccedilatildeo Temizu eacute um tipo de purificaccedilatildeo fiacutesica e como tal

reconhece a existecircncia de uma ldquoimpurezardquo fiacutesica e verbal ndash kegare - oriundo das matildeos e da

boca Jaacute as norito satildeo uma purificaccedilatildeo verbal cujos efeitos positivos se repercutem no que as

escuta e naquele que as profere Apesar de hoje poderem ser utilizadas em contextos natildeo

apenas puacuteblicos norito retraccedilam as suas origens a shintō imperial e jinja shintō ambas

categorias que durante seacuteculos beneficiaram de uma posiccedilatildeo privilegiada junto do poder

poliacutetico japonecircs

Natildeo obstante as metas do shintō para a sociedade japonesa do passado satildeo as mesmas

do presente conduzir o indiviacuteduo praticante agrave Ordem atraveacutes dos rituais de purificaccedilatildeo uma

vez que jōka eacute uma temaacutetica transversal a todas as vertentes do shintō independentemente do

seu nome ou forma pacificaccedilatildeo retificaccedilatildeo oharai temizu norito misogi kessai natildeo deixam

de ser purificaccedilotildees Contudo soacute se pode falar de uma ldquopurificaccedilatildeordquo se houver razatildeo para tal

se existem rituais que reconduzem o indiviacuteduo agrave Ordem seguramente existem rituais de

natureza antagoacutenica Natildeo haacute Desordem (muchitsujo 無秩序 conotado pela autora com maga

[禍]) sem Ordem (chitsujo 秩序 se bem que algumas fontes favorecem o uso de nao [直]

para expressar esta Ordem uma vez que um dos seus significados eacute o de ldquorestaurarrdquo)

purificaccedilatildeo sem natildeo-purificaccedilatildeo e muito menos pureza sem impureza Estes trecircs pares de

conceitos satildeo interdependentes opostos e complementares Tendo isto como ponto de partida

eacute possiacutevel deduzir o seguinte shintō tem por princiacutepio um equiliacutebrio e um ciclo no qual se

encontra o indiviacuteduo a Via propotildee ao indiviacuteduo o que deve fazer e o que eacute correto fazer bem

como aquilo que natildeo deve fazer

Neste sentido o shintō reuacutene aspetos teoacutericos e praacuteticos como qualquer outra religiatildeo

apresentando a sua proacutepria ldquocosmovisatildeordquo ndash ldquovisatildeo do cosmosrdquo o cosmos eacute conotado com o

coletivo e como tal um dos seus elementos fundamentais eacute o indiviacuteduo que vive neste cosmos

esperando um dia efetivamente ligar-se a ele o que alude a noccedilatildeo de musubi aproximando o

ser humano do kami

Por conseguinte a jōka eacute um processo abrangente e inclusivo e natildeo restritivo ou

exclusivo no qual o ser humano se deve focar auxiliando-o a viver bem consigo e com os

outros A natildeo purificaccedilatildeo precede os atos de purificaccedilatildeo tal como a Desordem precede a

Ordem existindo desde os tempos incertos do Kami-yo relatados pelas mitologias japonesas

Aliaacutes esta DesordemOrdem eacute provocada pelas accedilotildees dos kami Tome-se por exemplo

Susanoo e Amaterasu com a excepccedilatildeo dos episoacutedios nos quais Susanoo repotildee a Ordem

atraveacutes da eliminaccedilatildeo de uma ameaccedila (Yata no Orochi) este kami estaacute sempre associado agrave

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Desordem como consequecircncia da sua rivalidade para com Amaterasu sua irmatilde mais velha

Tal conflito prolonga-se ateacute ao momento da restauraccedilatildeo da Ordem trazida por Ninigi neto de

Amaterasu e inimigo dos descendentes de Susanoo sobre os quais emerge vitorioso

Interessantemente esta reordenaccedilatildeo tem a dupla funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo do estatuto de

Amaterasu enquanto governante de Takamagahara e entronizaccedilatildeo de um novo poder

centralizado no territoacuterio japonecircs na figura de um suposto descendente de Amaterasu A nova

ordem coacutesmica simboliza uma nova ordem poliacutetica

Em contrapartida o ciclo de Desordem e Ordem no qual o ser humano natildeo eacute apenas

um espetador mas tambeacutem um participante tem as suas origens nos atos conscientes de

Izanagi durante misogi o primeiro ritual de purificaccedilatildeo a ser mencionado em fontes japonesas

Aliaacutes ldquorituaisrdquo satildeo processos de transiccedilatildeo de um ldquoestado potencialrdquo para a condiccedilatildeo de

ldquoatordquo negativo ou positivo em shintō se rituais de natureza positiva satildeo visualmente

manifestaccedilotildees de apreccedilo e respeito pelos kami e aproximam-nos dos proacuteprios kami rituais de

natureza oposta provocam a distacircncia Por outras palavras rituais satildeo nada mais do que

meacutetodos para atingir um fim a Ordem ou o seu inverso sendo que a purificaccedilatildeo assume um

papel basilar orientando o indiviacuteduo ao longo deste processo Executar rituais de purificaccedilatildeo

significa reconhecer os erros cometidos e efetivamente agir a favor de um coletivo

Afastando-se do que lhe eacute prejudicial e para este coletivo o indiviacuteduo segue a Via dos kami

que o auxilia a viver a vida de forma boa de estar bem consigo e com os outros

Contudo por muito atrativo que pareccedila esta ideia de Ordem eacute inevitaacutevel a seguinte

sucessatildeo de perguntas seraacute que o shintō se resume apenas a isto Um ser humano

ciclicamente sujeito a uma Desordem e Ordem que ele proacuteprio causa ou se deixa afetar por

forccedilas ldquoexterioresrdquo (kami) consequentemente atingindo natildeo apenas a sua pessoa mas tambeacutem

o que o rodeia Natildeo haveraacute uma soluccedilatildeo definitiva Uma ldquoharmoniardquo que seja permanente e

natildeo perioacutedica

Ora esta linha de raciociacutenio natildeo eacute de todo iloacutegica se o shintō existe para benefiacutecio de

quem cumpre com os rituais de purificaccedilatildeo a ldquoharmoniardquo eacute nada mais do que um meio para

atingir o derradeiro fim a felicidade Assim a verdadeira ldquoHarmoniardquo significa ir para laacute da

Desordem e Ordem da reordenaccedilatildeo constante Harmonia eacute equiliacutebrio e uma condiccedilatildeo de

plenitude perpetuada o que soacute acontece quando o ser humano estaacute ligado ao todo um todo

representado parcialmente pela sociedade e pelo indiviacuteduo que estaacute em sociedade

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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No contexto do shintō o indiviacuteduo poderaacute ser definido enquanto parte do todo e de

certo modo o proacuteprio todo se a parte estaacute ligada em rede ao todo de uma forma

exclusivamente positiva eacute graccedilas agrave Harmonia De entre os autores contemporacircneos

consultados Stuart Picken destaca-se como o mais assertivo na partilha desta opiniatildeo o

entendimento que este uacuteltimo atribui agrave praacutetica misogi harai (shinjin gōitsu e shinjin kiitsu) jaacute

transparece a noccedilatildeo de Harmonia uma ldquoHarmoniardquo definitiva agrave semelhanccedila do que eacute

proposto pelo texto do Nakatomi Harae Kunge De todos os rituais de purificaccedilatildeo

mencionados este eacute o uacutenico que oferece ao indiviacuteduo algo mais do que uma Ordem

temporaacuteria conseguindo de facto inviabilizar a proacutepria Desordem

Em suma eacute possiacutevel percecionar shinjin gōitsu e shinjin kiitsu como consequecircncia de

um tipo de purificaccedilatildeo que natildeo vem do exterior Ao inveacutes de uma purificaccedilatildeo externa focada

no regresso temporaacuterio agrave Ordem urge-se uma purificaccedilatildeo que tem de vir do ldquointeriorrdquo do

kokoro Quando este atributo humano estiver em Harmonia a purificaccedilatildeo torna-se permanente

para o ser humano um ser humano em equiliacutebrio e liberto do ciclo de Desordem e Ordem que

rege a sua conduta diaacuteria

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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ANEXOS

Anexo I

Desordem e Ordem de acordo com o terceiro capiacutetulo do Engishiki shokue (orientaccedilatildeo

direita-esquerda da segunda agrave quinta linha) e imi [齋] incluindo sansai e chisai durante os

atos de luto (uacuteltimas quatro linhas da paacutegina) ou no periacuteodo de gravidez das jovens do palaacutecio

(primeiras duas linhas paacutegina seguinte)

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Anexo II

Um shinkan executa oharai durante o ldquorito de shūbatsurdquo (shūbatsu no gi修祓の儀) segundo

passo do jichinsai Este matsuri decorreu em 2016 1ordm de novembro (terccedila-feira) prefeitura de

Aomori (Aomori-ken 森県 ) cidade de Hachinoe (Hachinoe-shi 八戸市 ) por parte do

Kabushima jinja (蕪嶋神社) O seu objetivo eacute ldquoapaziguarrdquo os kami do terreno onde se

construiraacute um novo shaden (社殿) isto eacute o edifiacutecio onde se guarda o shintai

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Anexo III

Uma jovem executa temizu segurando o utensiacutelio de madeira na matildeo direita que utilizou para

lavar a matildeo esquerda e agora a sua boca O texto abaixo agrave esquerda lecirc-se ldquolimpar o kokoro e

o corpordquo (心身を清める) e temizu (手水) respetivamente agrave direita a frase ldquohidarite de mizo

wo uke kuchi wo susugimasurdquo (左手で水を受け口をすすぎます) significa literalmente

ldquorecebe-se a aacutegua e lava-se a boca com a matildeo esquerdardquo

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Anexo IV

Excerto da norito de Minadzuki no tsugumori Ōharae (六月晦日大祓) oitavo volume do

Engishiki Aqui os atos de ldquopurificaccedilatildeordquo (segunda linha a contar da esquerda) provocaram a

eliminaccedilatildeo dos tsumi cometidos pelo coletivo de funcionaacuterios (quarta linha)

Page 6: recil.grupolusofona.ptrecil.grupolusofona.pt/jspui/bitstream/10437/8982/1/tese mariana nu… · Dissertação defendida em provas públicas para obtenção do Grau de Mestre em Ciência

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ABSTRACT

The following work aims for an analysis of the rituals that in the context of shintō

may invalidate and encourage the restauration of the Order The rituals typically defined by

bearing a ldquopositiverdquo connotation may alternatively be understood as a succession of thought

words and actions which justifies the lsquopositivenegativersquo classification according to the

obtained results

In Japan the gradual institutionalization of the Way of the kami by the imperial court

promoted the evolution of several ldquoritualrdquo practices executed by individuals that celebrated

their relationship with the kami forms of existence and conscience associated to the Order

(the most part of them) and worshiped to the present time

A Way created for the wellbeing of the one who follows it the shintō acknowledges

the purification as the transversal concern of all of its aspects Therefore the purification is a

complex process whose results are not just positive for the individual but also for the

collective meaning the society with whom he interacts on a daily basis which leads him to

the Order Nevertheless there is no Order without its opposite the Order and the Disorder

are the two parts of a cycle in which the individual is found assuming a vital role due to the

fact he has the capacity of executing rituals if the Order is the goal of positive rituals the

Disorder is the consequence of negative rituals

Keywords Japan shintō (神道) rituals purification (jōka浄化) individual

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IacuteNDICE GERAL

GLOSSAacuteRIO 5

INTRODUCcedilAtildeO 9

1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA 16

11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo 19

111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de divisatildeo da

realidade agrave criaccedilatildeo da mesma 24

112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordemhellip 26

12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora 32

121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa 32

122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos

kami 35

123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu 39

13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945 43

131 A visatildeo nacionalista Meiji uma lsquonatildeo-religiatildeorsquo ao serviccedilo do Estado

japonecircs 44

132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular

religiatildeo japonesa 46

2 SOCIEDADE ESPIRITUALIDADE E EacuteTICA A VIA DOS KAMI E O REGRESSO

Agrave Ordem 48

21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e

individuais 48

22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii 50

23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi 53

24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e

externa 79

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CONCLUSAtildeO 97

BIBLIOGRAFIA 101

ANEXOS I

Anexo I I

Anexo II II

Anexo III III

Anexo IV IV

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GLOSSAacuteRIO

Amatsu-no-kami literalmente lsquokami celestesrsquo satildeo um grupo de kami liderados por

Amaterasu Ōmikami e que habitam em Takamagahara (高天原) Nesta divisatildeo encontram-se

ainda os hermafroditas koto-amatsukami (別天つ神)

Fujō termo geneacuterico para designar o que eacute lsquoimpurorsquo aos olhos da sociedade japonesa Por

vezes sinoacutenimo de fuketsu se bem que esta palavra seja usada no contexto de algo

higienicamente reprovaacutevel Num sentido mais amplo fujō representa um estado de Desordem

associando-se com o termo kegare

HaraiHarae atos de lsquopurificaccedilatildeorsquo no sentido de eliminaccedilatildeo da desordem provocada pela

accedilatildeo humana ou natural Haraiharae eacute uma das praacuteticas mais recorrentes das vaacuterias vertentes

de shintō e pode ser praticada de forma individual ou coletiva

Imi palavra de conotaccedilatildeo prejudicial que convida agrave Desordem Comportamento ou algo cuja

natureza eacute negativa e reprovaacutevel de dizerfazer servindo de base etimoloacutegica ao ceacutelebre termo

imikotoba palavras natildeo pronunciaacuteveis em certas ocasiotildees (festivas)

Imuimi lido alternativamente como sai eacute uma conduta positiva e favoraacutevel ao cumprimento

de rituais shintō Frequentemente interpretado como atos de lsquoabstenccedilatildeorsquo fiacutesica e mental

imuimi seriam descritos e categorizados nas obras Yōrō-ryō e Engishiki

Jingikan um instrumento do poder poliacutetico imperial e o oacutergatildeo de manutenccedilatildeo e vigilacircncia

dos vaacuterios jinja desde os primeiros seacuteculos do periacuteodo dinaacutestico japonecircs A niacutevel legal o culto

jingi sujeitava-se agraves regulaccedilotildees do coacutedigo Jingiryō Nos dias de hoje as funccedilotildees do Jingikan

foram essencialmente substituiacutedas pela Jinja Honchō

Jinja espaccedilos fiacutesicos de veneraccedilatildeo aos kami Literalmente os ldquosantuaacuterios de kamirdquo

Kami com frequecircncia traduzido em obras por lsquodeusesrsquo lsquoentidadesrsquo lsquodivindadesrsquo e lsquoespiacuteritosrsquo

podem ser entendidos como formas de existecircncia anteriores e superiores os humanos Apesar

de a maioria atuar como representantes da Ordem os magatsubi-no-kami defendem o seu

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oposto reforccedilando a ideia de princiacutepios contraacuterios mas complementares muito visiacutevel em

shintō

Kata-shiro um pedaccedilo de papel cuja forma lembra uma figura humana o qual se escreveria o

nome e o geacutenero do seu portador esfregando-se este objeto no corpo transmitindo

simbolicamente os tsumi do corpo para o papel Praacutetica costumaacuteria em Ōharae

Kegare traduzido por lsquoimpurezarsquo e por vezes sinoacutenimo da palavra fujō kegare eacute parte da

terminologia de shintō e um dos termos conotados com a Desordem Eventualmente avanccedilos

na consciencializaccedilatildeo do lsquopuroimpurorsquo permitiram um processo de categorizaccedilatildeo cada uma

associada a uma lsquoimpurezarsquo particular

Kokoro lsquocoraccedilatildeorsquo no sentido natildeo anatoacutemico eacute o elemento interior de qualquer pessoa e

associado ao estado emocional da mesma Em contexto acadeacutemico eacute costume o termo ser

traduzido como lsquomentersquo ou lsquocoraccedilatildeomentersquo

Kunitsu-no-kami os lsquokami terrenosrsquo e hierarquicamente inferiores aos amatsu-no-kami No

fundo satildeo kami que jaacute habitariam o Japatildeo antes da conquista de Ninigi o miacutetico neto de

Amaterasu Na sequecircncia da derrota dos kunitsu-no-kami inaugura-se uma nova Ordem

coacutesmica e poliacutetica

Makoto traduzido por lsquosinceridadersquo e lsquoverdadersquo eacute uma atitude positiva inerente aos humanos

e fundamental aquando das praacuteticas de veneraccedilatildeo aos kami Um dos termos profundamente

ligados agrave natureza mais eacutetica de shintō

Matsuri a variaccedilatildeo do verbo matsuru (祭る祀る) na qual o praticante consagra oferendas a

formas de existecircncia respeitaacuteveis (antepassados kami e budas) Por norma expressotildees

puacuteblicas associadas ao culto jingi que durante o tempo de vigor do Jingikan eram

organizadas consoante as regulaccedilotildees do Jingiryō incorporado na obra Engishiki

Misogi harai o ato de banhar o corpo numa fonte de aacutegua ativando as propriedades

terapecircuticas e purificadoras deste elemento No Kojiki e Nihon shoki Izanagi-no-kami eacute

descrito como o primeiro kami a fazer uso deste ritual apoacutes regressar do Yomi o domiacutenio

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subterracircneo da mitologia japonesa Misogi eacute tambeacutem o expoente de purificaccedilatildeo a niacutevel

externo e interno

Meijō uma das palavras para lsquopurezarsquo Etimologicamente constituiacuteda por mei (明) a leitura

foneacutetica alternativa do japonecircs aki akari akarui termos que expressam as ideias de

lsquoclaroclarezarsquo e jō (浄) lsquopuropurarsquo

Musubi contendo em si a noccedilatildeo de lsquoligaccedilatildeorsquo e lsquouniatildeorsquo e de certo modo o Todo Diz-se que

musubi estaacute presente em qualquer elemento que nos rodeia

Norito frases escritas numa linguagem arcaica e hoje usadas em todo o tipo de locais de

veneraccedilatildeo Sobretudo de caraacutecter puacuteblico norito satildeo etimologicamente constituiacutedas pela

partiacutecula nori (祝) cujo kanji eacute usado no verbo lsquocelebrarrsquo (iwau) e kotoba (詞) lsquopalavrarsquo

Fundamentais para a reposiccedilatildeo temporaacuteria da Ordem

Onmyōdō a Via da escola de funcionaacuterios provenientes do Escritoacuterio Yin-Yang cujas

atividades foram reguladas pelos Abe e Kamo hereditaacuterios liacutederes dos cargos mais relevantes

desta instituiccedilatildeo

Saigū tiacutetulo conferido agrave mais importante sacerdotisa escolhida de entre os membros da

famiacutelia imperial para servir nos jinja de Ise e Kamo Jovem cujo periacuteodo de preparaccedilatildeo

envolvia uma lsquoabstinecircnciarsquo rigorosa de trecircs anos

Shinsen conjunto de alimentos (arroz sal aacutegua sake bolos de arroz peixe algas vegetais

cereais e fruta) oferecidos em altares aos kami

Shintai mitamashiro objetos palpaacuteveis (espelhos por exemplo) identificados com o proacuteprio

kami e como tal devem ser venerados de forma adequada Permanentemente escondidos

dentro do jinja e vigiados pelos responsaacuteveis ateacute ao momento dos matsuri ou outras

celebraccedilotildees

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Shintō a Via dos kami (kami no michi) e uma das religiotildees (shūkyō) reconhecidas no plano

estatiacutestico japonecircs que por sua vez a agrupa em jinja shintō ou shintō de santuaacuterios kyōha

shintō o ceacutelebre shintō setorial e as ldquonovas religiotildeesrdquo (shin shūkyō) baseadas em shintō

Tamashii o elemento inerente ao ser humano e aos kami que supostamente eacute constituiacutedo por

quatro aspetos (shikon) cada um representando uma faceta da personalidade individual Se

pertence aos kami tamashii designa-se mitama Em alguns jinja apenas parte da mitama eacute

venerada pelos praticantes

Temizu a forma abreviada de misogi na qual o indiviacuteduo lava a boca e das matildeos Temizu eacute

obrigatoacuterio antes da veneraccedilatildeo nos jinja

Tsumi palavra que significa lsquocrimersquo Eacute algo contraacuterio agrave ordem social independentemente de

esta ser entre os kami ou entre os humanos Eliminados de forma simboacutelica pelas praacuteticas

haraeharai tsumi satildeo por vezes divididos em amatsu-no-tsumi (lsquocrimes celestesrsquo) e kunitsu-

no-tsumi (lsquocrimes terrenosrsquo)

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INTRODUCcedilAtildeO

O trabalho tem como objectivo uma anaacutelise dos rituais que inviabilizam e permitem a

purificaccedilatildeo em shintō O objeto de estudo comporta natildeo apenas uma abordagem histoacuterica-

antropoloacutegica do shintō adotada por muitos autores contemporacircneos mas tambeacutem um olhar

sobre a sua praacutetica ritual que eacute considerada por muitos como o alicerce da lsquoViarsquo (em japonecircs

dō) per si entendendo-se lsquoritualrsquo como a sucessatildeo de pensamentos palavras e accedilotildees Assim eacute

possiacutevel interpretar o homem como aquele que estaacute no ciclo de Desordem e Ordem capaz de

provocar ou deixar-se influenciar pela Desordem e nesse caso o ritual eacute prejudicial negativo

Em contrapartida se se recorrer agrave purificaccedilatildeo os seus efeitos satildeo positivos e a Ordem eacute

temporariamente restaurada Tal como se constata em tradiccedilotildees ditas orientais shintō defende

a noccedilatildeo de equiliacutebrio uma vez que nada surge sem o seu contraacuterio

A escolha da temaacutetica partiu de um interesse pessoal da autora na cultura japonesa

adquirido ao longo da sua vida acadeacutemica sobretudo durante o periacuteodo de licenciatura em

Estudos Asiaacuteticos que possibilitou uma pequena amostra do que tinha sido produzido ateacute

entatildeo por autores japoneses e natildeo japoneses acerca de shintō o que se pretendia natildeo era um

estudo pormenorizado de filosofias da Aacutesia mas sim transmitir em linhas gerais o que satildeo os

lsquoismosrsquo do continente vizinho uns cuja aacuterea de impacto se reduz a uma aacuterea geograacutefica

especiacutefica e outros que beneficiaram de uma expansatildeo significativa No mestrado em Ciecircncia

das Religiotildees apesar de a vertente filosoacutefica das vaacuterias tradiccedilotildees desenvolvidas na Aacutesia ter

sido incorporada shintō natildeo teve o mesmo protagonismo que a Via do Buda a Via de

Confuacutecio ou ainda o pensamento veacutedico Em Portugal a quase indisponibilidade e ausecircncia

de materiais (atualizados) sobre shintō eacute comparaacutevel ao escasso nuacutemero de trabalhos

acadeacutemicos realizados urgindo-se a necessidade de se executar investigaccedilotildees que

contemplem shintō natildeo como uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido de ser teiacutesta panteiacutesta monoteiacutesta

politeiacutesta mas como algo aleacutem disso Neste sentido o investigador do shintō deve ignorar os

lsquopreacute-conceitosrsquo estabelecidos por outras perspetivas ocidentais que acabaram por moldar o

mundo acadeacutemico tal como o conhecemos natildeo considerando esta religiatildeo somente de um

ponto de vista estatiacutestico

Nesta perspetiva o trabalho pode ser considerado primeiramente como um texto que

procura divulgar shintō em Portugal Um dos motivos que levou a autora a realizar este

trabalho foi como jaacute referido tentar despertar o interesse das pessoas em shintō permitindo a

abertura de portas a futuras investigaccedilotildees e simultaneamente contrariando a tendecircncia de foco

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do Mestrado de Ciecircncia das Religiotildees nas religiotildees ocidentais Tal tendecircncia pode ser

verificada se o leitor pesquisar a paacutegina virtual do repositoacuterio da Universidade Lusoacutefona de

Humanidades e Tecnologias ndash o ReCiL - Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona de entre as doze

dissertaccedilotildees disponiacuteveis e realizadas por alunos do ldquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrdquo

onze satildeo sobre cristianismo ndash em Portugal e no Brasil ndash e uma eacute dedicada a um dos estilos da

arte marcial karatedō (Shotokan Karatedō 松涛館 空手道) 1

tambeacutem este uma Via ndash Via da

ldquomatildeo vaziardquo ou karate - agrave semelhanccedila de shintō Jaacute a Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das

Religiotildees publicou cinco artigos dedicados ao Japatildeo do passado especificamente o periacuteodo de

presenccedila cristatilde em territoacuterio japonecircs (e Macau) 2

Apesar de carecer de um fundador ndash apenas vaacutelido no caso de kyōha shintō ldquonovas

religiotildeesrdquo shintō e de certo modo escolas de gakuha shintō criadas como consequecircncia dos

movimentos acadeacutemicos e de exposiccedilatildeo de conceitos e rituais (que conduzem agrave Ordem) ndash um

sistema proacuteprio de ldquofeacuterdquo e ldquoensinamentosrdquo caracteriacutesticas tiacutepicas de uma lsquoreligiatildeorsquo (no sentido

lsquoocidentalrsquo) o shintō eacute praticado pelo indiviacuteduo e como tal este uacuteltimo faz parte do todo isto

eacute do mundo que o rodeia vivendo consoante as decisotildees que toma quer sejam de natureza

positiva ou negativa

Neste sentido a finalidade desta dissertaccedilatildeo natildeo eacute somente divulgar shintō o trabalho

realizado eacute um texto argumentativo que pretende responder a trecircs questotildees o que eacute o ciclo de

Desordem e Ordem o que eacute que o praticante de shintō fazia e ainda faz para causar Desordem

ou Ordem quais satildeo os motivos por detraacutes das accedilotildees que conduzem agrave Ordem

Para tentar responder agraves perguntas acima nomeadas dividiu-se o trabalho em duas

partes cada um com um nuacutemero variado de subtoacutepicos a primeira parte eacute acima de tudo

contextualizaccedilatildeo do tema explicando-se o que se entende por shintō ldquoreligiatildeordquo kami e qual a

relaccedilatildeo destes uacuteltimos com o domiacutenio sagradodivino japonecircs

Assim a realizaccedilatildeo do primeiro subtoacutepico envolveu a procura de algumas opiniotildees

formadas por autores e investigadores constatando-se a necessidade de uma anaacutelise

etimoloacutegica de termos como shintō religiatildeo (em japonecircs shūkyō) kami e ldquosagradodivinordquo

(dicotomia seishin) Em segundo lugar efetuou-se uma siacutentese do que outros autores

(japoneses ou natildeo) entendem por kami por vezes sujeitos a processos de classificaccedilatildeo ou

1 The DSpace Foundation ldquoPercorrer lsquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrsquo por data de publicaccedilatildeordquo ReCiL -

Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line)

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Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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categorizaccedilatildeo Seguidamente kami satildeo analisados enquanto personagens fundamentais da

cosmologia japonesa conforme os relatos do Kojiki e Nihon shoki participando no processo

de divisatildeo da realidade - sendo que esta divisatildeo pode ser tripartida (sobretudo mundo

superior mundo do meio e mundo inferior) ou bipartida (o lsquonosso mundo fiacutesicorsquoo lsquooutro

mundorsquo) ndash e ainda na criaccedilatildeo desta uacuteltima - considerando-se lsquocriaccedilatildeorsquo como o ato consciente

dos kami (neste caso o casal Izanagi e Izanami) de gerar as coisas que compotildeem o nosso

mundo e tambeacutem kami associados a essas mesmas coisas Apoacutes esta criaccedilatildeo certos kami

tornam-se agentes da Ordem (Amaterasu) e da Desordem (Susano-o e Ōkuninushi)

expressando a noccedilatildeo de equiliacutebrio muito presente nos rituais de shintō que explicam a Ordem

como a consequecircncia da condiccedilatildeo de Desordem (o episoacutedio da Ama no Iwato por exemplo)

No uacuteltimo subtoacutepico explicou-se a evoluccedilatildeo de shintō ao longo dos seacuteculos de

interaccedilatildeo com as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda observando a sua integraccedilatildeo na esfera

poliacutetica japonesa desde os primeiros tempos de institucionalizaccedilatildeo das praacuteticas de veneraccedilatildeo

aos kami ateacute agrave atualidade Natildeo obstante deve-se alertar para o facto de que este subtoacutepico natildeo

apresenta shintō numa perspetiva cronoloacutegica a Via do Confuacutecio - a primeira a ser estudada

neste trabalho - influenciou a sociedade claacutessica japonesa mas a adaptaccedilatildeo dos seus

ensinamentos por parte de shintō soacute se veio a realizar num periacuteodo posterior Por outras

palavras se se pretendesse uma evoluccedilatildeo cronoloacutegica de shintō o esquema a seguir seria ldquoVia

de Dao-Via do Buda-Via de Confuacuteciordquo

No que concerne agrave segunda parte esta corresponde ao desenvolvimento do tema e

como tal investiga-se algumas teorias e praacuteticas - uma vez que a teoria daacute coesatildeo agrave praacutetica e a

praacutetica eacute uma forma de dinamizaccedilatildeo da teoria ndash do shintō retratado como uma Via

profundamente social ndash liga os humanos aos kami e vice-versa surgindo kami que atendem agraves

necessidades concretas individuaiscoletivas de quem os procura (Inari Ebisu Shichi Fukujin

e Tenjin) ndashrsquoespiritualrsquo ndash na aceccedilatildeo de se estar perante algo natildeo do domiacutenio palpaacutevel ou fiacutesico

que tambeacutem serve de elo de ligaccedilatildeo humanokami evidenciado pelo desenvolvimento de toda

uma tradiccedilatildeo de lsquoespiritualidade japonesarsquo melhor expressa por musubi rei e tamashii ndash e

lsquoeacuteticarsquo ndash no sentido de existir um bemmal ou seja algo ordenado e algo desordenado que

pode ser sempre reposto evidenciando a natureza ciacuteclica da relaccedilatildeo DesordemOrdem

Aleacutem de se analisar etimologicamente toda uma seacuterie de palavras associadas agrave

lsquoespiritualidadersquo agrave Desordem (tsumi kegare e imi) e agrave Ordem como eacute entendida pelo shintō

(os vaacuterios vocaacutebulos indicativos de lsquopurificaccedilatildeorsquo e algumas norito relevantes) e por algumas

escolas de pensamento desta Via abordam-se duas qualidades internas do ser humano

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denominadas kokoro e makoto integrais ao campo da eacutetica japonesa bem como a shintō Os

rituais conducentes agrave Ordem revolvem em torno da purificaccedilatildeo processo de natureza externa

e interna embora a segunda seja de natureza mais subtil e portanto mais difiacutecil de atingir No

entanto o objetivo eacute sempre o mesmo contrariar o desequiliacutebrio trazido por tsumi kegare e

imi devolvendo o indiviacuteduo (e o que o rodeia) ao seu estado ordenado confirmando a ideia

de que o shintō eacute importante natildeo apenas para o indiviacuteduo

Enquanto temaacutetica de estudo os rituais de purificaccedilatildeo e de natildeo purificaccedilatildeo em shintō

satildeo uma novidade em contexto nacional mas natildeo propriamente no mundo acadeacutemico

internacional milhares de autores redigiram livros sobre shintō ou pequenos artigos sobre

ldquopurificaccedilatildeordquo ldquorituaisrdquo e ldquoimpurezardquo se bem que tsumi kegare e imi (negativo) nunca satildeo

apelidados de ldquorituaisrdquo per si No entanto este trabalho utiliza a palavra ldquorituaisrdquo num sentido

abrangente ao inveacutes de investigadores que se cingem agrave definiccedilatildeo sugerida pelo dicionaacuterio

quando o indiviacuteduo realiza algo constantemente e da mesma maneira faz um ldquoritualrdquo Em

contexto religioso ldquorituaisrdquo tendem a ser vistos como exclusivamente positivos nunca

negativos

Poreacutem ao redefinir-se ldquoritualrdquo como um padratildeo de pensamentos palavras e accedilotildees natildeo

se inviabiliza a hipoacutetese de existirem ldquorituaisrdquo que provocam o oposto do que se pretende

Interessantemente alguns autores contemporacircneos de shintō cingem-se ao ldquoritualrdquo como o

que permite o regresso agrave Ordem na introduccedilatildeo de Sourcebook in Shinto Selected Documents

Resources in Asian Philosophy and Religion (2004) Stuart Picken diz que a ldquotransmissatildeo de

Shinto (hellip) eacute mais sobre agenda do que credenda coisas a serem feitas do que coisas a serem

acreditadasrdquo colocando ldquoritualrdquo em primeiro plano 3 Aqui estaacute claramente expresso a ideia

de ldquorituais-Ordemrdquo uma vez que ldquocoisas a serem feitasrdquo satildeo logicamente coisas cujos

resultados beneficiam o indiviacuteduo Por outro lado John Breen e Mark Teeuween nomeiam

trecircs categorias de ldquorituaisrdquo cuja praacutetica eacute da responsabilidade de jinja 4 Ora uma vez que

jinja satildeo os mais relevantes espaccedilos de veneraccedilatildeo aos kami subentende-se a Ordem como a

consequecircncia destes ldquorituaisrdquo

Todavia o shintō tem por princiacutepio a noccedilatildeo de equiliacutebrio conhecer shintō significa

conhecer a Ordem e a Desordem se rituais de satildeo o meio por excelecircncia para atingir a Ordem

a natildeo purificaccedilatildeo conduziraacute agrave Desordem Em suma tsumi kegare e imi satildeo rituais porque satildeo

3 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion

Westport Greenwood Publishing Group 2004 pxxi 4 BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 p3

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realizados (de forma directa e indireta) pelo indiviacuteduo embora possuam diferentes origens e

caracteriacutesticas

No que concerne agrave metodologia e fontes utilizadas um dos criteacuterios a ter em conta foi

a contemporaneidade o shintō continua a ser um tema muito popular entre autores e como tal

um estudo mais proacuteximo desta Via requer o recurso a livros publicados recentemente e natildeo haacute

meio seacuteculo atraacutes tais como Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings

(1994) cujo autor Stuart Picken apresenta as vaacuterias categorias de shintō de uma forma sucinta

apresentando uma cronologia de eventos relevantes explicando de que maneira a conjuntura

histoacuterico-poliacutetica japonesa influenciou shintō A sua obra pode servir como um ponto de

partida para interessados ou estudiosos uma vez que aborda shintō do passado e shintō

moderno (incluindo os rituais de purificaccedilatildeo usados em ambos) Um outro ponto muito

positivo eacute a ausecircncia de ldquotermos ocidentaisrdquo como ldquoShintoiacutestardquo e ldquodeusrdquo 5 uma metodologia

igualmente favorecida pela autora

Eacute tambeacutem interessante notar que ao longo deste livro satildeo constantemente citadas e

explicadas fontes japonesas (antigas sobretudo) justificando a sua utilizaccedilatildeo (em simultacircneo

com a leitura na linguagem original) na fundamentaccedilatildeo dos subtoacutepicos da dissertaccedilatildeo Por

exemplo Kojiki Nihon shoki Engishiki e Norito 6 As primeiras duas satildeo fundamentais no

que diz respeito agrave mitologia e cosmologia japonesas ndash o termo lsquocosmologiarsquo eacute mais

apropriado do que lsquoteologiarsquo uma vez que shintō natildeo reconhece deuses ndash observando-se a

inclusatildeo da temaacutetica Desordem e Ordem primeiro como resultados das accedilotildees de alguns kami

e depois como consequecircncias dos rituais (tsumi kegare) dos proacuteprios indiviacuteduos como se

pode constatar nas croacutenicas imperiais do Nihon shoki

Jaacute o Engishiki eacute um texto de caraacutecter lsquolituacutergicorsquo tal como o Saigūki e o Kōtai Jingū

Gishiki-chō Ao longo da investigaccedilatildeo utilizou-se Engi-shiki Procedures of the Engi era

Books I-V Translated with introduction and notes by Felicia Gressitt Bock 1970 e a obra

Norito (1990) de Donald Philippi que reuacutene dezenas de norito entoadas nos diversos matsuri

celebrados ao longo do ano uns de caraacutecter mais lsquoimperialrsquo do que outros ambas obras

refletem o impacto do estudo da praacutetica ldquoritualrdquo (que conduz agrave Ordem) no shintō Contudo as

traduccedilotildees foram sempre lidas em paralelo com o texto original facultado pela paacutegina virtual

da Waseda University Library e ainda Mikoorg (apenas os oito volumes do Jingiryō satildeo

integrais ao objeto de estudo)

5 PICKEN Stuart Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings Westport Greenwood

Publishing Group 1994 pp xvii-xviii 6 PICKEN Stuart op cit p381

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Por outro lado o Saigūki e o Kōtai Jingū Gishiki-chō satildeo obras arcaicas que registam e

explicam determinados rituais prejudiciais ao indiviacuteduo isto eacute kegare e imi (imikotoba no

caso do Kōtai Jingū Gishiki-chō) Ora a informaccedilatildeo disponibilizada deve ser complementada

pelo estudo de outras fontes japonesas explica-se assim o porquecirc do recurso a textos

ldquooficiaisrdquo ndash Nihon shoki Nihon sandai Jitsuroku Nihon Kōki e ShokuZoku Nihongi) e de

caraacutecter mais legislativo Yōrō-ritsuryō e Jingiryō ambos frequentemente referenciados em

artigos contemporacircneos de autores japoneses numa tentativa de explicar alguma da

terminologia de shintō (vocaacutebulos conotados com Desordem e Ordem)

A segunda fonte primaacuteria eacute Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in

Asian Philosophy and Religion (2004) novamente Picken cita passagens traduzidas do Kojiki

e o Nihon shoki que explicam a criaccedilatildeo e divisatildeo da realidade Este meacutetodo de citaccedilatildeo de

passagens de textos relevantes aplica-se a toda a obra auxiliando o interessado no estudo de

shintō segundo a perspetiva das escolas de pensamento (Yoshida e Ise em particular) e a

escola kokugaku ambas vaacutelidas no que concerne ao aprofundamento do que se entende por

caraacutecter ldquoeacuteticordquo em shintō ldquopurezardquo kokoro e makoto satildeo frequentemente objeto de estudo

graccedilas agrave anaacutelise de outros textos antigos e de cariz oficialimperial

No que diz respeito ao livro produzido por John Breen e Mark Teuween A New

History of Shinto possui alguns pontos positivos o uso de termos japoneses a inclusatildeo de

uma cronologia e mitologia de shintō com base em fontes japonesas (traduzidas) analisando-

se ao pormenor o ceacutelebre episoacutedio Ama no Iwato uma curiosa passagem que tambeacutem foi

estudada no acircmbito desta dissertaccedilatildeo uma vez que a temaacutetica Desordem e Ordem estaacute

bastante presente embora notando-se a ausecircncia do indiviacuteduo quem participa nos rituais satildeo

os kami e natildeo os humanos

Por uacuteltimo The Kami Way de Ono Sokyō eacute um livro introdutoacuterio a shintō mas muito

mais simples do que as obras de Picken apesar de tambeacutem sintetizar a mitologia e cronologia

desta Via Espeacutecie de minienciclopeacutedia de shintō sobretudo focada na tradiccedilatildeo de jinja shintō

(rituais cerimoacutenias siacutembolos e elementos pertencentes ao domiacutenio do ldquosagradordquo) The Kami

Way eacute um livro que enfatiza a ideia de que shintō eacute uma religiatildeo e como tal a linguagem

usada eacute muito diferente da que Picken ou Breen e Teuween algo que pode ser justamente

considerado como um ponto negativo termos duacutebios incluem ldquokami-feacuterdquo ldquosagradordquo ldquomenterdquo

ldquoalmardquo certamente reconheciacuteveis para o puacuteblico-alvo natildeo-japonecircs mas que dificilmente

seriam aceites pelos autores anteriormente mencionados cujas obras procuram ser o mais fieacuteis

ao seu objeto de estudo shintō pertence agrave realidade japonesa e como tal traduccedilotildees de termos

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japoneses natildeo satildeo recomendaacuteveis Jaacute um dos seus pontos positivos eacute oferecer ao leitor a

perspetiva japonesa da natureza humana subentendo o reconhecimento de uma eacutetica

(certoerrado) reforccedilando o porquecirc de shintō ser uma Via criada para o bem e a felicidade do

indiviacuteduo

Aleacutem destas quatro obras acrescenta-se o dicionaacuterio etimoloacutegico da autoria de

Nishigaki Yukio (2005) ndash etimologia eacute uma ferramenta indispensaacutevel para a compreensatildeo de

shintō dada as suas origens natildeo ocidentais - alguns episoacutedios do Kojiki (Takeda Tsunegaki) e

Nihon shoki (a traduccedilatildeo desatualizada de Aston utilizada por Picken e a versatildeo presente no

site Nihonsinwa) No caso concreto das obras japonesas claacutessicas e modernas referenciadas

sobretudo por Picken o texto original foi disponibilizado nas bibliotecas virtuais japonesas

National Diet Library (6ordm volume do Koshiden Hirata Atsutane) J-Texts e Kodaishi Dassai

com a exceccedilatildeo do Yōrō-ritsuryō que foi individualmente traduzido para japonecircs moderno no

website Kansei Daikan

Com efeito o recurso a fontes virtuais revelou-se fundamental no decorrer da

investigaccedilatildeo devendo-se destacar paacuteginas de instituiccedilotildees japonesas tais como a Encyclopedia

of Shinto - organizada pela Universidade Kokugakuin o dicionaacuterio virtual japonecircs Kotobank

que compila as sugestotildees de definiccedilatildeo de um termo por vezes pronunciando-se sobre a sua

etimologia Acrescenta-se ainda paacuteginas virtuais dedicadas agraves obras de Motoori Norinaga

(Kumo no Ikada Yamato Gokoro) e paacuteginas oficiais de setores shintō cujos objetivos

revolvem em torno da purificaccedilatildeo adotando-se certas condutas e rituais

Por uacuteltimo todos os termos estrangeiros foram escritos em letras do alfabeto e em

itaacutelico seguidas sempre dos caracteres que a compotildeem (no caso de termos chineses e

japoneses) o mesmo aplicando-se ao nome completo dos kami jinja e matsuri Em caso da

traduccedilatildeo dos vocaacutebulos japoneses utilizou-se a expressatildeo cujo significado eacute o mais proacuteximo

do original Contudo numa tentativa de se ser fiel agrave fonte e ao objeto de estudo optou-se mais

pela natildeo-traduccedilatildeo kami eacute kami tsumi eacute tsumi kegare eacute kegare e assim sucessivamente A

principal razatildeo por detraacutes desta metodologia eacute evitar o processo de incompreensatildeo da temaacutetica

abordada como resultado da transposiccedilatildeo da proacutepria mentalidade do investigador Com efeito

a fraca familiarizaccedilatildeo com a aacuterea de estudo origina a traduccedilatildeo (incorreta) de termos uacutenicos

por palavras que o seu puacuteblico-alvo natildeo japonecircs facilmente consegue perceber mas que satildeo

estranhas a shintō ou a outras lsquoreligiotildeesrsquo asiaacuteticas

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1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA

Escrever sobre religiotildees eacute sempre um desafio ainda mais quando a aacuterea de estudo

tem as suas reservas no que concerne agrave expressatildeo lsquoreligiatildeorsquo de difiacutecil caracterizaccedilatildeo mesmo

no mundo ocidental lsquoReligiatildeorsquo tende a ser identificada com os sistemas de lsquofeacutersquo teiacutestas

particularmente os monoteiacutestas ndash cristianismo judaiacutesmo e islatildeo ndash e politeiacutesmos na Aacutesia o

termo natildeo se pode usar com tanta facilidade religiatildeo eacute antes de mais uma palavra introduzido

relativamente recente e certamente de forma natildeo espontacircnea

No caso do Japatildeo lsquoreligiatildeorsquo natildeo existia ateacute aos meados do seacutec XIX o acolhimento

de ideias exteriores ao territoacuterio japonecircs teraacute gerado uma definiccedilatildeo muito especiacutefica de

lsquoreligiatildeorsquo e da sua favorita traduccedilatildeo japonesa shūkyō especificamente traduzindo-se o termo

inglecircs religion algo que eacute problemaacutetico por dois principais motivos os caracteres que

compotildeem a palavra (shū 宗 e kyō 教 respetivamente lsquosetoresrsquo e lsquoensinamentosrsquo) - e que jaacute

existiam de facto em forma isolada nunca em conjunto - satildeo de origem budista pondo em

causa a ldquovalidaderdquo de shintō cuja ecircnfase natildeo eacute em doutrinas ou shū 7 embora natildeo se deva

excluir a sua existecircncia

Segundo Nakamura Hajime shūkyō teria as suas origens na expressatildeo shū no oshie

(宗の教え ) ou lsquoensinamento dos setoresrsquo ndash shū significa o ldquoderradeiro significado do

princiacutepio e da verdade (hellip)rdquo presente nos ensinamentos (oshie) antes do Periacuteodo Meiji (1868-

1912) shūkyō encontrar-se-ia numa posiccedilatildeo subordinada a bukkyō (仏教) que por sua vez eacute

entendido como a fusatildeo de vaacuterios shūkyō num soacute Jaacute no Periacuteodo Meiji shūkyō torna-se um

suposto ldquoconceito supra ordenadordquo de bukkyō 8 ambas explicaccedilotildees revelam a importacircncia

desta Via como ponto de partida para o que se entende por lsquoreligiatildeorsquo termo hoje vaacutelido e

aceite pela sociedade moderna japonesa em vaacuterias aacutereas

A segunda principal razatildeo tem que ver com imagens quando um cidadatildeo europeu ou

americano pensa sobre lsquoreligiatildeorsquo serve-se do que sabe isto eacute o que a sua educaccedilatildeo e meio

envolvente lhe providenciaram um espaccedilo proacuteprio de crenccedila textos uma noccedilatildeo de lsquosagradorsquo

um fundador e eacute claro os que acreditam firmemente nesses textos e se esforccedilam por propagar

as suas ideias Se lhe perguntarem sobre outras lsquoreligiotildees natildeo-ocidentaisrsquo recorreraacute ao que eacute

7 ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious

Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 8 Ateacute ao seacutec- XVII o ldquobudismordquo natildeo era formalmente designado bukkyō (仏教) mas antes butsudō (仏道) ou

ainda buppō (仏法) IWAI Hiroshi ldquo日本宗教の理解に関する覚書rdquo (ldquoNotes on the Understanding of

Japanese Religionrdquo) Kenkyū kiyō (研究紀要) nordm 5 2004 pp 79-89

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do conhecimento geral publicado em livros e outros meios de informaccedilatildeo Por outras palavras

budismo hinduiacutesmo taoiacutesmo e xintoiacutesmo satildeo convenientemente considerados lsquoreligiotildeesrsquo e

como consequecircncia natildeo eacute de estranhar a quantidade de traduccedilotildees erroacuteneas de conceitos e

ideias dessa mesma religiatildeo em livros escritos por peritos quer japoneses como natildeo-nativos 9

qualquer guia sobre ldquoreligiotildees do mundordquo teraacute uma entrada sobre xintoiacutesmo comeccedilada mais

ou menos nas linhas de ldquoxintoiacutesmo eacute a religiatildeo nativa japonesardquo 10

ecoando o que foi escrito

cerca de um seacuteculo antes por Anesaki Masaharu creditado como ldquoinventorrdquo da expressatildeo

moderna lsquoreligiatildeo japonesarsquo (nihon shūkyō 日本宗教) que eacute acolhida inicialmente por um

puacuteblico ocidental e soacute posteriormente pelos proacuteprios japoneses 11

Forte apoiante da visatildeo lsquoxintoiacutesmo = religiatildeorsquo Anesaki Masaharu acentua o caraacutecter

japonecircs de shintō descrevendo-o como ldquoum complexo de antigas crenccedilas e observacircnciasrdquo que

ao contraacuterio do budismo (e do cristianismo) nunca se deparou com perseguiccedilotildees a niacutevel

poliacutetico sendo preservado ao longo de seacuteculos pelos japoneses Apoiado na veneraccedilatildeo dos

kami sobretudo Amaterasu a antepassada miacutetica da casa imperial associada ao sol shintō eacute

um tipo de culto lsquonacionalrsquo diretamente ligado agrave paz prosperidade e estabilidade do Japatildeo 12

Historicamente shintō natildeo foi lsquopreservadorsquo no sentido de permanecer

inalteraacutevel independentemente de alguns sacerdotes e estudiosos partilharem da visatildeo de

Anesaki perspetivando shintō como algo autoacutenomo e independente de influecircncias externas

desde tempos imemoriais ateacute agrave atualidade 13

este uacuteltimo foi um processo iniciado no Japatildeo e

cujo crescimento jamais resulta do isolamento mas antes do contacto com todo o tipo de

ideias de fora (e de dentro) a adaptaccedilatildeo de ldquoantigo pensamento Chinecircs Budismo Onmyōdō

Confucionismo Shugendō e Cristianismordquo agrave realidade japonesa permite numa eacutepoca

posterior propostas de categorizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de shintō jinja shintō kyōha shintō

shintō filosoacutefico ou escolaacutestico (gakuha shintō 学派神道) shintō imperial (kōshitsu shintō皇

室神道) e shintō folcloacuterico (minzoku shintō 民俗神道) 14

Em suma natildeo existe um uacutenico

9 Como jaacute mencionado na Introduccedilatildeo a traduccedilatildeo eacute um risco a correr que natildeo eacute avaliado pelos autorestradutores

de entre os erros mais tiacutepicos nos livros sobre shintō destacam-se ldquopecadordquo como traduccedilatildeo de tsumi e ldquodeus

divindadedivinordquo para expressar o conceito de kami 10

ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004p 1 11

ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious

Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 12

ANESAKI Masaharu History of Japanese Religions with special reference to the social and moral life of the

nation 3rd ed London The Kegan Paul Japan Library 1995 p 22 13

KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981

pp 1-21 14

INOUE Nobutaka ldquoIntroduction The History of Shintordquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction

Introduction of Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22906gt (consultado em 24-06-2018)

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shintō mas antes muacuteltiplos shintō que contribuiacuteram significativamente em termos sociais e

culturais

Descrito por Stuart Picken como a ldquoexpressatildeo natural dos sentimentos espirituais do

povo japonecircs que cresceu e evoluiu com o desenvolvimento da histoacuteria japonesa e sociedaderdquo

shintō eacute um exemplo atiacutepico de uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido geral do termo ao contraacuterio do

budismo (bukkyō 仏教) Islatildeo (isuramukyō イスラム教) hinduiacutesmo (indokyō インド教)

cristianismo (kirisutokyō キリスト教) judaiacutesmo (yudayakyō ユダヤ教) confucionismo

(jukyō 儒教) e taoiacutesmo (dōkyō 道教) shintō (神道) foi nomeado como um dō (em chinecircs dao

道) e natildeo como um kyō agrave semelhanccedila de outras Vias como kadō (華道) sadō (茶道) kyūdō

(弓道 ) respetivamente a Via das flores a Via do chaacute e a Via do arco A prioridade de shintō

eacute como o termo sugere tornar-se uma Via um modo de orientaccedilatildeo para o indiviacuteduo algo

expresso no curioso termo kannagara 15

Deste modo shintō assemelha-se a um modo de

conduta uma disciplina ou praacutetica que coloca os lsquoensinamentosrsquo em segundo plano em favor

do desenvolvimento de uma eacutetica proacutepria que recebeu influecircncias sobretudo confucianas

Consequentemente a perspetiva de shintō como lsquoreligiatildeorsquo num sentido diferente ao

que eacute transmitido em contexto ocidental tem sido apoiada por alguns autores japoneses e

igualmente praticantes de shintō Sonoda Minoru um professor emeacuterito da Universidade de

Quioto e principal sacerdote do Chichibu Jinja (秩父神社 ) observa a necessidade de

distinccedilatildeo entre religiotildees e shintō se o Cristianismo e outras ldquoreligiotildees mundiaisrdquo possuem

uma base assente numa ldquodoutrina universal e um acredita ou natildeo acredita - eacute tudo acerca de feacute

colocada num sistemardquo cuja evoluccedilatildeo adquire contornos de proselitismo - shintō eacute na sua

essecircncia uma ldquoreligiatildeo de culturardquo que natildeo pretende a consistente ldquoiniciaccedilatildeordquo de pessoas

numa ldquofeacuterdquo esta religiatildeo nada tem que ver com feacute mas antes ldquopraacutetica ritualrdquo enraizada numa

ldquosociedade agriacutecola primaacuteriardquo Por uacuteltimo conclui que estes sistemas optaram por uma

estrateacutegia de conquista modelando a conduta dos seus crentes perseguindo e eliminando

adversaacuterios quando lhes convinha ao contraacuterio de shintō que teria desaprovado de tais accedilotildees

Aliaacutes o acto de preservar a vida e celebraacute-la eacute nada mais do que a derradeira preocupaccedilatildeo

desta Via 16

Com efeito Sonoda foca-se na ldquoquestatildeo doutrinaacuteriardquo como a caracteriacutestica mais

15

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxii-xxiii 16

As citaccedilotildees em questatildeo foram retiradas das entrevistas feitas pelo investigador Leif Sandvik e pela Sasakawa

Peace Foundation sendo posteriormente integradas no estudo deste uacuteltimo sobre a ldquoreinvenccedilatildeordquo de shintō como

uma ldquoreligiatildeo ecoloacutegicardquo SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological

Religion Masterrsquos Degree Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and

Oriental Languages of the University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark

Teuween 2011

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definidora das ldquoreligiotildeesrdquo monoteiacutestas se Cristianismo (e outras ldquoreligiotildeesrdquo) regem-se pelo

princiacutepio da ldquodualidaderdquo (ser crente ou natildeo) o mesmo natildeo se pode dizer de shintō

Na sua forma mais ldquocruardquo shintō talvez pode ter sido uma coletacircnea de aspetos

ldquoanimistas xamanismo veneraccedilatildeo de antepassados e veneraccedilatildeo da naturezardquo bem como

noccedilotildees proacuteprias de normas sociais incluindo o reconhecimento de ldquotabusrdquo ldquoofensasrdquo e a

necessidade de ldquopurificaccedilatildeordquo natildeo apenas a niacutevel fiacutesico 17

Apresentando ainda um fraco grau

de organizaccedilatildeo a Via dos kami era um coletivo de ideias seguidas pela comunidade que se

focava em obter meios de subsistecircncia a relaccedilatildeo entre a comunidade e as ldquoforccedilas

incompreensiacuteveisrdquo (kami) por detraacutes do sucesso ou do prejuiacutezo das colheitas baseava-se na

relaccedilatildeo dar-receber apelar aos kami trazia benefiacutecios para a comunidade e em troca a

comunidade faria o que naturalmente eacute suposto fazer agradecer de forma sincera atraveacutes de

oferendas (comida tecidos armas) Ora tal costume ainda hoje permanece vivo na memoacuteria

dos japoneses quer se trate de uma veneraccedilatildeo aos kami em casa quer dentro da aacuterea dos jinja

oferecer algo aos kami fortalece a ligaccedilatildeo do kami ao indiviacuteduo

11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo

Contudo ateacute hoje natildeo se conhece um fundador ou extensiva doutrina que explicite

um credo ou sistema de crenccedila de shintō ndash apesar de shintō setorial possuir fundadores

individuais cujos textos transmitidos aos seguidores funcionam como lsquoensinamentosrsquo 18

ndash

demarcado pelo seu caraacutecter ritual e veneraccedilatildeo de seres de natureza indefinida denominados

kami em espaccedilos designados jinja nos quais se pode vislumbrar o domiacutenio do ldquosagradordquo

segundo Mircea Eliade ldquoo homem das sociedades arcaicas tende a viver tanto quanto possiacutevel

no sagrado ou em proximidade a objetos consagradosrdquo 19

no caso japonecircs este ldquosagradordquo

tambeacutem pode ser equiparado com a proacutepria natureza antes de existirem jinja propriamente

ditos espaccedilos abertos eram usados para realizaccedilatildeo de cerimoacutenias sazonais nas quais o kami se

manifestaria temporariamente 20

Estamos pois perante um plano de realidade associado a

sentimentos de admiraccedilatildeo pelo fantaacutestico e misterioso florestas rios pedras montanhas tudo

17

KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981

pp 1-21

18 PICKEN Stuart Essentials of Shinto opcit p 212

19 ELIADE Mircea The Sacred and the Profane the nature of religion Traduzido do Francecircs por William

Trask NY Harvest Harcourt Brace amp World Inc 1961 pp 10-12 20

BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 pp 25-26

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 20

podia ser kami ndash entendido no sentido de lsquosagradorsquo se as pessoas o identificassem como tal

conferindo um significado especial

Em japonecircs lsquosagradorsquo eacute escrito de duas maneiras sei (聖 ) - sheng na leitura foneacutetica

chinesa (em chinecircs simplificado圣) - integra os vocaacutebulos seisho (聖書) - a Biacuteblia - seichi

(聖地) terrenoTerra Santa seibō (聖母) eacute a Matildee Santa (Virgem Maria) seija (聖者) eacute o

homem santo (Cristianismo) seisen聖戦 (Guerra Santa) e assim sucessivamente Como se

pode constatar as palavras mencionadas natildeo tecircm nada a ver com shintō e denotam o sagrado

tal como eacute visualizado pela cultura ocidental

Jaacute o segundo termo shinjin (神) lido agrave maneira japonesa como kami mi kan ka ou

hi 21

fortalece a ideia lsquosagrado = kamishintōrsquo qualquer palavra que comece ou que acabe

neste caractere geralmente pertence ao mundo shintō jinja (神社) moradas permanentes dos

kami que desde 1945 dependem financeiramente do puacuteblico natildeo do Estado 22

kagura (神楽)

a danccedila tradicional japonesa (shintō de santuaacuterios) 23

amatsu-no-kami (天つ神) e kunitsu-no-

kami (国つ神) cuja entronizaccedilatildeo nos jinja originou o sistema de classificaccedilatildeo jingi (神祇) ldquoo

conceito central em torno do qual a corte organizava o seu poder sacerdotalrdquo 24

Numa perspetiva etimoloacutegica os caracteres natildeo podiam ser mais diferentes sei (聖)

decompotildee-se em trecircs partes ou seja lsquoorelharsquo (耳) lsquobocarsquo (口) e por um ideograma que

supostamente representaria uma pessoa endireitada indicando um indiviacuteduo que possui a

habilidade de ldquoouvirrdquo uma ldquovontade divinardquo isto eacute algueacutem com grande niacutevel de

conhecimento e cultura e dotado de uma ldquovirtuderdquo ideia muito visiacutevel no pensamento

confuciano Aliaacutes se lido como sei o kanji corresponde a um atributo humano conotado com

boas intenccedilotildees e nunca malignas Jaacute na sua leitura como hijiri [聖] eacute um vocaacutebulo respeitoso

aplicado exclusivamente ao proacuteprio Imperador 25

Por outro lado o kanji usado para escrever kami eacute a forma lsquosimplificadarsquo do

caractere arcaico [神 ] presente em jingi (神祇 ) agrave semelhanccedila do caractere usado para

21

A leitura de [神] como hi verifica-se em himorogi (神籬) o espaccedilo aberto delimitado por uma corda e no qual

se pode preceder agrave veneraccedilatildeo do kami Posteriormente o papel dos himorogi eacute substituiacutedo pelos jinja Cf

PICKEN Stuart op cit p 127 22

BREEN John TEEUWEN Mark op cit p 2 23

NISHIGAKI Yukio Nihongo no Gogen jiten (日本語の語源辞典) Tokyo Bungeisha 2005 p189 24

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 25-26 25

Uma vez que as possiacuteveis interpretaccedilotildees do caratere [聖] prendem-se com a questatildeo da natureza humana e do

comportamento ldquocorretordquo eacute possiacutevel concluir que se surgir isoladamente sei tem algumas implicaccedilotildees eacuteticas

Dejitaru Daijisen ldquo聖 (せい )rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE88196-85468gt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 21

escrever a palavra lsquoritorsquo (li 禮 escrito atualmente em japonecircs como rei 礼) o kanji partilha da

mesma raiz o kanji [示] do qual deriva o verbo shimesu ou lsquoindicarrsquo servindo de raiz a

palavras relevantes dentro do contexto cerimonial ndash oraccedilatildeo (inori祈り) celebraccedilatildeo (iwai 祝

い) antepassado (sosen祖先) ndash e termos da linguagem comum como lsquofalta de educaccedilatildeosem-

maneirasrsquo (shitsureiburei失礼 無礼) jaacute o segundo kanji eacute o mesmo usado para lsquoproferirrsquo ou

mousu (申す)

Aliaacutes de acordo com Fujita Tomio um dos contribuidores para o Nippon

Daihyakkazensho (日本大百科全書) publicado em 1984 shin [神] expressaria o ldquoaltarrdquo [示]

ao qual se juntava a forma pictograacutefica de um relacircmpago (申) possivelmente devido ao facto

de o primeiro kanji usado para a palavra lsquorelacircmpagorsquo (denkō 電光) ter na sua ldquoextremidaderdquo o

caractere [申] No entanto devido agrave escolha do kanji [神] para indicar kami comeccedilou-se a

considerar a hipoacutetese de este ter um significado natildeo muito diferente de shangdi (em japonecircs

jōtei 上帝) indicando a suprema entidade natildeo material reconhecida pelo pensamento chinecircs

arcaico 26

Nos dias de hoje kami continua a ser analisado por parte de estudiosos japoneses e

natildeo-japoneses Aike Rots aponta a fluidez do conceito de kami descrevendo-o como ldquouma

forccedila omnipotente singular bem como muacuteltiplos seres espirituais pode referir-se a criaturas

antropomoacuterficas ou zoomoacuterficas fenoacutemenos naturais poderes abstratos ou antepassados

deificadosrdquo 27

Contudo a interpretaccedilatildeo mais aceite foca-se na ideia lsquokami=qualidadersquo algo

natildeo algo tangiacutevel que se assemelha a um atributo digno de admiraccedilatildeo que se pode manifestar

e encontrar na ldquonatureza claro mas tambeacutem humanos animais criaturas miacuteticas deuses e

ainda objetos feitos pelo homem tais como automoacuteveis ou comboiosrdquo 28

Por sua vez esta definiccedilatildeo parece ecoar a de Motoori Norinaga (本居宣長 1730-

1801) ceacutelebre pensador da escola do Ensino Nacional (kokugaku 國學) e comentador de

textos centrais a shintō bem como autor de exposiccedilotildees acerca das praacuteticas desta Via kami satildeo

26

FUJITA Tomio ldquo 神の語義 rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE7A59E-

46603E5A4A7E8BE9EE69E9720E7ACACE4B889E78988gt (consultado em 24-06-2018) 27

ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation

submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial

fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen

and Prof Dr Terje Stordalen 2013 28

SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion

Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 22

ldquoos seres divinos do ceacuteu e da terra que aparecem nos textos antigos e tambeacutem os espiacuteritos

consagrados que satildeo reverenciados nos jinja da naccedilatildeordquo seres animados e inanimados Em

suma ldquoqualquer forma de ser que possua alguma qualidade uacutenica e eminente e eacute inspiradora

de admiraccedilatildeo pode ser considerada kamirdquo independentemente de a sua natureza ser ldquoboamaacuterdquo

29 o facto de serem kami coloca-os acima das convenccedilotildees definidas pelos homens

No que concerne agrave classificaccedilatildeo dos kami esta nunca eacute consensual na sua

dissertaccedilatildeo sobre a religiatildeo no territoacuterio japonecircs Shannon Symonds divide os kami de acordo

com a sua aacuterea geograacutefica de veneraccedilatildeo distinguindo os kami locais cultuados nos matsuri -

festivais baseados em tradiccedilotildees ancestrais que ldquofrequentemente tecircm as suas raiacutezes em antigos

rituais agriacutecolas de agradecimentordquo pela proteccedilatildeo - dos kami nacionais celebrados em ritos e

cerimoacutenias definidas por todos os que acreditam em shintō 30

Em contrapartida Hara Kazuya considera as origens do kami admitindo a existecircncia

de kami da natureza e kami humanos o primeiro grupo diz respeito a kami ligados a uma

atividade ou ocupaccedilatildeo profissional (agricultura pesca comeacutercio) os kami que influenciam os

elementos da natureza (montanhas aacutegua florestas) 31

e os kami do Kojiki (古事記) e Nihon

shoki (日本書紀) as obras de base para a compreensatildeo da mitologia e cosmologia japonesas

32 o segundo grupo reuacutene certos indiviacuteduos extraordinaacuterios em vida que postumamente

adquiriram o estatuto de kami geralmente liacutederes importantes para a histoacuteria do Japatildeo ndash

Imperador Meiji (明治天皇) Tokugawa Ieyasu primeiro xogum da casa Tokugawa que

governou o Japatildeo durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) ndash os soldados mortos em combate

(Yasukuni jinja 靖国神社 ) ou ainda personalidades do periacuteodo Heian (794-1185)

nomeadamente Sugawara-no-Michizane (菅原道真 ca845-903) postumamente apelidado de

Tenjin (天神) o kami do ensino 31

29

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion

Westport Greenwood Publishing Group 2004 pp 200-201 30

SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis

submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the

requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John

Killigrew 2005

31 HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia

ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de

2003) 32

Picken observa que a compilaccedilatildeo destes textos reflete um maior niacutevel de organizaccedilatildeo dentro da tradiccedilatildeo shintō

tal como ela era vista por uma minoria da populaccedilatildeo eacute inevitaacutevel a mistura de ldquoreligiatildeordquo e poliacutetica Cf PICKEN

Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 4

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 23

Por uacuteltimo Matsumura Kazuo sugere uma divisatildeo natildeo muito diferente da de Kazuya

agrupando kami consoante a relaccedilatildeo deste com o mundo natural (kami da natureza) ou com o

homem (kami culturais) no primeiro caso salientam-se aos kami que ldquorepresentam o

reconhecimento de caracteriacutesticas supranormais ou poderes em objetos naturais ou

fenoacutemenosrdquo o segundo grupo reconhece por sua vez a existecircncia de kami da comunidade

kami do nascimento de pragas de uniatildeo (matrimonial) da morte kami do lar do indiviacuteduo

(fogatildeo poccedilo estaacutebulo armazeacutem) e por uacuteltimo os kami humanos Por outras palavras

indiviacuteduos em vida reverenciados como kami ndash ldquopraticantes religiosos e miko que se

envolvem em curas de feacute e pronuacutencia de oraacuteculos (hellip) rdquo ndash e antepassados ou ldquoespiacuteritos

vingativosrdquo de indiviacuteduos 33

Todas as propostas satildeo vaacutelidas quando se estuda um termo de etimologia indefinida

como kami para alguns kami (神) localizavam-se num patamar superior de existecircncia por

partilharem da mesma foneacutetica de kami (上) isto eacute ldquoalto superiorrdquo 28

o que se pode aplicar

aos amatsu-no-kami e os trecircs koto amatsu-no-kami Ame-no-minaka-nushi-no-kami (天御中

主神) Taka-musubi-no-kami (高皇産霊神) e Kami-musubi-no-kami (神皇産霊神) ndash que se

ldquotornamrdquo no Takamagahara espontaneamente e escondem-se logo a seguir 34

No entanto os

seus congeacuteneres terrenos como Sarutahiko Ōkami (猿田毘古大神) natildeo se encontram num

patamar ldquosuperiorrdquo per si partilhando com os humanos a Terra como local de residecircncia 35

Como se pode constatar o caractere kami (神) tende a surgir no final do nome reforccedilando a

ideia de kami como tiacutetulo honoriacutefico tal como mikoto (命尊) 36

33

MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of

Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt

(consultado em 24-06-2018) 34

Em japonecircs lsquotornar-sersquo corresponde ao verbo naru (成る ) denotando algo que efetivamente natildeo foi

absolutamente criado mas que jaacute existia embora natildeo de forma fiacutesica Jaacute na passagem que refere o lsquoocultamentorsquo

o verbo usado eacute kakusu (隠す) traduzido por lsquoocultar-sersquo o kanji [産] usado para o verbo lsquonascerrsquo estaacute sempre

ausente no Kojiki ateacute agraves passagens de kuni-umi e kami-umi Em suma estes kami natildeo satildeo lsquocriadosrsquo per si mas

tornam-se visiacuteveis para o mundo TAKEDA Tsunegaki Gendaigo no Kojiki (現代語古事記) Tokyo Gakken

Publishing 2011 pp 16-17

35 Picken Stuart Essentials of Shinto op cit pp95-96

36 Kokugakuin University Institute for Japanese Culture and Classics Index of Kami (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMpdfPreviewEOS+Index+of+Kamipdfgt (consultado em 24-06-2018)

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 24

111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de ldquodivisatildeordquo da

realidade agrave criaccedilatildeo da mesma

De entre as fontes que servem de base para o estudo de shintō nomeiam-se o Kojiki

(ca 712) Nihon shoki (ca 720) ShokuZoku Nihongi (続日本紀 ca 797) o Jingiryō (神祇令

ca701) o Kōtai Jingū Gishiki-chō ( 皇太神宮儀式帳) e Toyoke-gu Gishiki-chō (止由気宮儀

式帳) Kogo Shūi (古語拾遺) e o Engishiki (延喜式 ca 927) 37

Satildeo com efeito textos de

caraacutecter oficial respeitados por uma corte que colocava shintō em segundo plano

principalmente apoacutes o budismo ter adquirido um estatuto de ldquofavoritordquo por parte de Shōtoku

Taishi (聖徳太子 ca 604) notoacuterio apoiante da introduccedilatildeo de ideias de fora incluindo eacutetica

confuciana 38

Neste sentido pode-se afirmar o facto de shintō subsistir no territoacuterio japonecircs

como um conjunto de praacuteticas consagradas aos kami propriamente venerados nos jinja

Tanto no Kojiki como no Nihon shoki kami cometem erros satildeo violentos

caprichosos generosos ambiciosos tornando-se quer heroacuteis ou vilotildees nos mitos

efetivamente aproximando-os da natureza do ser humano ambos relatos parecem humanizar e

personificar os kami Participando passivamente ou ativamente no processo da criaccedilatildeo do

mundo estas formas de existecircncia e consciecircncia satildeo anteriores ao homem

Aleacutem de manifestarem uma personalidade proacutepria kami possuem uma identidade ou

seja um nome um geacutenero observando-se uma diferenccedila entre as primeiras duas geraccedilotildees de

kami e as restantes por exemplo no Kojiki a necessidade de especificar o sexo dos kami ndash

um termo de natureza neutra cujo plural eacute designado de kamigami (神々) ndash soacute se justifica a

partir do surgimento de uma ldquosegunda geraccedilatildeordquo de kami per si nunca se usando a dicotomia

moderna ogamimegami (男神 女神 ) viaacutevel no contexto de religiotildees politeiacutestas que

reconhecem a existecircncia de ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo respetivamente Com efeito nas fontes

japonesas kami eacute identificado como ldquomasculinordquo ou ldquofemininordquo atraveacutes da anaacutelise do seu

nome caso o kami possui uma terminaccedilatildeo foneacutetica lida como hiko (por ex 毘子毘古 日子)

eacute masculino em contrapartida hime (por ex 毘売比売姫) denota um kami do sexo oposto

Deste modo apenas os lsquonatildeo-hitorigamirsquo possuem um geacutenero masculino ou feminino

a segunda geraccedilatildeo de kami agrave qual pertence o casal Izanagi-no-kami (伊邪那岐神) e Izanami-

37

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 17 pp 21-26 p 30 38

SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis

submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the

requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John

Killigrew 2005

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 25

no-kami (伊邪那美神) ndash futuros progenitores da terceira geraccedilatildeo de kami criada em meio

terrestre ndash eacute composta por casais de irmatildeos e irmatildes 39

que com a exceccedilatildeo de Izanagi e

Izanami natildeo se envolvem no processo de criaccedilatildeo tornando-se conselheiros do casal Ao

receberem ordens de descer de Takamagahara Izanagi e Izanami datildeo iniacutecio ao processo da

criaccedilatildeo das ilhas do arquipeacutelago (kuni-umi 国生み) posteriormente criando kami (kami-umi

神生み) 40

Apesar de datarem do mesmo periacuteodo as obras possuem algumas diferenccedilas entre si

nomeadamente o seu estilo e linguagem de escrita bem como o seu conteuacutedo as histoacuterias do

Kojiki encontram-se recheadas de motivos mitoloacutegicos e cerimoacutenias que procuram explicar as

origens do povo japonecircs do arquipeacutelago e o ldquoque eacute conhecido como a era dos kamirdquo 41

Jaacute o

Nihon shoki modelado agrave maneira das croacutenicas chinesas apresenta uma dataccedilatildeo diligente das

entradas dos seus relatos e por vezes vaacuterias versotildees dos mesmos 42

Se a realidade do Kojiki tem iniacutecio num tempo de ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu e a terrardquo no

qual se manifestam os koto amatsukami ndash Ame-no-minaka-nushi (a possiacutevel corporizaccedilatildeo do

proacuteprio cosmos) 40

Taka-musubi-no-kami e Kami-musubi-no-kami ndash interpretados como

ldquoprinciacutepiosrdquo da atividade criativa e da criaccedilatildeo todos carecendo de atributos humanos ndash numa

dos relatos do Nihon shoki eacute mencionado um periacuteodo incerto antes da ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu

e a terrardquo e da divisatildeo de in e yō isto eacute o princiacutepio yin e yang (em japonecircs on-myō 陰陽)

forma-se assim uma ldquomassa caoacutetica como que um ovo (hellip) de limites definidosrdquo

posteriormente dividido entre um elemento mais ldquopurordquo (o Ceacuteu) e um elemento mais

ldquoconsistenterdquo (a Terra) Do seu meio nasce uma coisa que lembra um rebento de junco e que

adota uma forma mais fixa surge ldquoespontaneamenterdquo Kuni-toko-tachi-no-mikoto (國常立尊)

Logo a seguir surgem kami masculinos ldquogerados por operaccedilatildeo do princiacutepio do Ceacuteurdquo bem

como os seus congeacuteneres femininos formados pela muacutetua accedilatildeo do princiacutepio da Terra 43

No que concerne agrave criaccedilatildeo do mundo terrestre o Kojiki delega este papel a Izanagi e

Izanami que se estabelecem na ilha Ōyashima (大八島) originando a terceira geraccedilatildeo de

kami que nascem aos pares ou de forma individual associando-se a um elemento do mundo

natural (montanhas aacutervores mares sol e pedras espuma correntes cereais vento) ou

39

TAKEDA Tsunegaki op cit pp 16-17 40

Nesta passagem a palavra ldquocriaccedilatildeordquo corresponde agrave accedilatildeo de gerar algo De acordo com a traduccedilatildeo de Takeda o

verbo que expressa tal eacute ldquoumi ni narimasurdquo (産みになります) TAKEDA Tsunegaki op cit pp 19-23 41

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 54 42

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 43

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 6-8

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 26

humano (embarcaccedilotildees) 44

Eacute no momento do nascimento do kami do fogo (Hi-no-kagutsuchi-

no-kami火迦具土神) que se introduz a natureza natildeo imortal de Izanami que ainda consegue

gerar alguns kami antes de morrer das feridas 45

Apoacutes a sua morte Izanami toma residecircncia permanente no submundo Yomu-no-

kuniYomi-no-kuni (黄泉の国) levando Izanagi a desesperadamente tentar trazecirc-la de volta

ao mundo da superfiacutecie ecoando o mito de Orfeu e Euriacutedice notando-se ainda algumas

semelhanccedilas com a mitologia de Perseacutefone que privada de regressar ao mundo humano por

ter consumido algo daquele lugar torna-se a esposa de Hades e partilha com ele a

responsabilidade de governaccedilatildeo dos Infernos Izanami (que tambeacutem admite ter comido algo

do Yomu-no-kuni formalizando a sua nova identidade como uma habitante do Yomi) torna-se

a uacutenica governante do submundo cortando laccedilos definitivos com o seu esposo se Izanagi

escolhe o caminho da criaccedilatildeo da humanidade Izanami confere a esta espeacutecie a mortalidade

explica-se o porquecirc da vida e da morte 46

112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordem

Ora a introduccedilatildeo do mundo inferior no Kojiki e no Nihon shoki completa uma das

visotildees shintō do mundo descritas por Hara como ldquoverticalrdquo e ldquotridimensionalrdquo

Takamagahara pertencia ao ldquoplano superiorrdquo onde habitavam os kami o Nakatsu-kuni (中つ

の国 ) seria a ldquodimensatildeo do meiordquo a morada dos seres humanos o Yomi-no-kuni 46

corresponderia ao ldquoplano inferiorrdquo conceito presente em outras religiotildees cujas mitologias de

criaccedilatildeo mencionam um elemento liacutequido (oceano) e um elemento soacutelido (terra) que esconde

um outro ldquomundordquo abaixo da superfiacutecie por exemplo em contexto grego o submundo Hades

(natildeo o deus mas o local em si) pode ser equiparado ao Yomi-no-kuni

Por outro lado Hara refere-se a uma segunda visatildeo ldquohorizontalrdquo do cosmos dividido

a meias entre o Toko-yo (常世) o ldquomundo onde os espiacuteritos purificados dos mortos residemrdquo

e o ldquomundo da humanidaderdquo 46

o que nos remete para a barreira entre o ldquoinvisiacutevelrdquo e o

ldquovisiacutevelrdquo Na terminologia do Kojiki se Izanami eacute a senhora do Yomi Izanagi eacute responsaacutevel

44

TAKEDA Tsunegaki op cit pp 25-29 45

TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 46

HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia

ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de

2003)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 27

pelo ldquomundo da humanidaderdquo (utsushi-yo (現世) 47

palavra composta pelo kanji de lsquorealrsquo - no

sentido de lsquovisiacutevelrsquo - e lsquorealidademundorsquo Tudo que esteja para laacute do visiacutevel pertence a ldquooutra

realidaderdquo

Todavia a existecircncia de ldquobarreirasrdquo entre mundos (aacutervores no caso de se desejar

aceder ao ldquoplano superiorrdquo ldquocelesterdquo ou poccedilos e cavernas se pretender visitar os niacuteveis

inferiores da terra) natildeo exclui a hipoacutetese de interaccedilatildeo de humanos com os kami e ldquoespiacuteritosrdquo

que natildeo pertencem ao nosso mundo do mesmo modo que os ldquoseres humanos podem visitar os

outros mundosrdquo habitantes natildeo humanos podem surgir temporariamente na nossa realidade

permitindo a cultivaccedilatildeo da relaccedilatildeo dos humanos com o ldquopara laacute de humanordquo 48

No Nihon shoki aplica-se um modelo tripartido da realidade Ceacuteu Terra e ldquomundo

subterracircneordquo ou Oceano Amaterasu eacute uma ldquocrianccedila estrondosa que devia de nosso acordo ser

enviada de imediato para o Ceacuteu e confiar-lhe os assuntos do Ceacuteurdquo uma responsabilidade

partilhada com o kami da Lua Tsukiyomi-no-mikoto ldquoo Deus que devia ser o consorte da

Deusa do Solrdquo devendo-se ter em consideraccedilatildeo o uso dos termos duacutebios ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo

como uma tentativa de aproximar a realidade mitoloacutegica japonesa ao entendimento do puacuteblico

ldquoocidentalrdquo por parte de Aston Autor desta traduccedilatildeo do Nihon shoki publicado sob o nome

de Nihongi Chronicles of Japan from the Earliest Times to AD697 (1972) Aston diz que a

Terra eacute o domiacutenio do ldquomeiordquo e refere-se ao arquipeacutelago do Japatildeo formalmente conhecido

como ldquoToyo-ashi-hara-chi-woaki no midzu-hordquo que numa versatildeo da ldquohistoacuteriardquo acerca das

origens dos trecircs irmatildeos kami (Amaterasu Tsukiyomi e Susano-o) pertenceria a Susano-o-no-

mikoto Kami de temperamento feroz e personalidade cruel Susano-o provoca Desordem ao

negligenciar a terra e as suas populaccedilotildees Exilado no Ne-no-kuni por ordem de Izanagi e

Izanami Susano-o torna-se o governante daquele mundo 49

O segundo relato da divisatildeo dos trecircs ldquomundosrdquo pelo trio de irmatildeos - cujo nascimento

eacute possivelmente inspirado na narrativa do Kojiki que descreve a fuga de Izanagi do Yomi-no-

kuni Amaterasu nasce apoacutes este lavar o olho esquerdo sendo-lhe entregue Takamagahara a

ldquoPlaniacutecie Elevada do Ceacuteurdquo Tsukiyomi nasce do olho direito e recebe o vasto domiacutenio do

oceano Por fim Susano-o nasce do nariz de Izanagi e apesar de herdar o domiacutenio do meio

(Terra) acaba por ser banido para o ldquomundo inferiorrdquo como puniccedilatildeo pela sua negligecircncia 50

47

TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 48

MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018) 49

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 9-12 50

TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 28

Com efeito o domiacutenio subterracircneo estaacute sempre presente nas narrativas do Kojiki e

Nihon shoki recebendo um papel de destaque ou secundaacuterio o que por sua vez natildeo implica a

sua ausecircncia em outras fontes numerosas referecircncias a ldquomundosrdquo incompreensiacuteveis e para laacute

da realidade fiacutesica diversificam a visatildeo japonesa de um ldquooutro mundordquo (takaikan 他界観)

geralmente considerado como um ldquooutro mundordquo longiacutenquo ldquooceacircnicordquo feacutertil e uma terra de

imortalidade observando-se um paralelo com o conceito taoiacutesta de uma Terra dos Imortais (a

ilha de Peng-lai ou Hōrai-jima em japonecircs 蓬莱島) a Terra das Raiacutezes (Ne-no-kuni 根国)

pode ser ldquovisitadardquo atraveacutes de uma caverna supostamente localizada em Iga proviacutencia de

Izumo atual prefeitura de Shimane e eacute governada por Susano-o-no-mikoto 51

O reconhecimento de uma divisatildeo tripartida do mundo repercute-se no Kojiki ateacute

um certo momento Izanagi e Izanami detinham domiacutenio conjunto sobre a Terra um ldquomundordquo

modelado pelas suas proacuteprias accedilotildees enquanto ldquocriadoresrdquo de kuni e kami Takamagahara

pertencia aos amatsu-no-kami o Yomi-no-kuni natildeo pertencia a ningueacutem em concreto embora

jaacute fosse um mundo habitaacutevel per si Com a dissoluccedilatildeo do matrimoacutenio de Izanagi e Izanami a

situaccedilatildeo muda por completo eacute necessaacuterio criar novos liacutederes capazes de garantir o equiliacutebrio

entre os mundos da superfiacutecie uma vez que Izanami (esteacuteril) eacute agora a uacutenica governante do

Yomi Em suma pretende-se uma nova geraccedilatildeo para uma nova ordem tornando Izanagi no

ldquoprogenitorrdquo de um conjunto de kami Natildeo existindo qualquer ato sexual propriamente dito os

kami ldquotornam-serdquo como consequecircncia direta dos seus atos de purificaccedilatildeo (misogi)

Neste sentido agrave medida que Izanagi se despe para lavar o seu corpo da ldquosujidaderdquo

(kegare穢) do Yomi-no-kuni surgem vaacuterios kami dos seus acessoacuterios (cana obi isto eacute a peccedila

de tecido usada em torno da cintura que prende a veste tradicional japonesa) a sua espada e

roupa bem como de alguns kami que se ldquotornamrdquo em simultacircneo com a lavagem do corpo

numa nascente Por fim manifesta-se o trio de irmatildeos que herdaria uma das trecircs partes do

mundo tal como ordenado por Izanagi a Amaterasu de aparecircncia resplandecente capaz de

iluminar os ceacuteus recebe Takamagahara uma posiccedilatildeo legitimada por Izanagi que lhe oferece

um acessoacuterio para pendurar ao pescoccedilo o seu irmatildeo Tsukuyomi-no-mikoto (月読の命) e kami

da Lua eacute adequadamente encarregue do yoru no osu kuni (夜之食国) - entendido por Takeda

como yoru no sekai literalmente o ldquomundo da noiterdquo Susano-o-no-mikoto (須佐之男命) e

kami das tempestades (arashi no kami 嵐の神) manifestando uma personalidade tempestuosa

51

MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 29

e conflituosa recebe a tarefa de governar a lsquoplaniacutecie dos maresrsquo (unabara 海原) expressatildeo

que designa um domiacutenio terreno (kuni) e natildeo algo pertencente ao mundo marinho (tal como eacute

sugerido pelo kanji de umi ou ldquomarrdquo) 52

De entre os trecircs mencionados kami Susano-o eacute notoriamente o mais invejoso

procurando humilhar a sua irmatilde ao ponto de esta se refugiar numa caverna a ldquoPedra-caverna

do Ceacuteurdquo (Ama no Iwato (天の岩戸) Consequentemente ldquotoda a Alta Planiacutecie do Ceacuteu tornou-

se escura e toda a Terra Central das Planiacutecies de Junco estava escura tambeacutem Por causa disto

noite eterna reinavardquo 53

Em outras palavras a ausecircncia de Amaterasu estaacute conotada com um

estado de Desordem do proacuteprio cosmos um caos que necessita de regressar ao seu estado de

Ordem o quanto antes sendo que Susano-o eacute o agente da Desordem e a sua irmatilde a agente da

Ordem traccedilada por Izanagi

Amaterasu soacute retoma as suas responsabilidades de guardiatilde de Takamagahara e por

associaccedilatildeo da ldquoTerra Central das Planiacutecies de Juncordquo devido ao esforccedilo conjunto das ldquooito

miriacuteades de kami reunidas na margem do Paciacutefico Rio do Ceacuteu numa reuniatildeo divinardquo o

episoacutedio em si eacute uma histoacuteria de elevado cariz sexual protagonizada por Amaterasu tem como

antagonista Susano-o e inclui alguns kami que apesar de serem personagens secundaacuterias satildeo

essenciais para a devoluccedilatildeo do mundo ao seu estado de Ordem cada kami tenta fazer com que

Amaterasu saia do esconderijo convocando-se outros kami para o efeito Cabe a Ame-no-

uzume-no-mikoto (天宇受売命) a uacuteltima tentativa executando uma danccedila muito provocante

durante um ldquoestado alterado de consciecircnciardquo e como resultado todos os kami riem-se A

curiosa Amaterasu interroga-se sobre o porquecirc desta comoccedilatildeo e eacute atraiacuteda para fora da caverna

ficando temporariamente cega ao ver o seu proacuteprio reflexo num espelho permitindo aos kami

selarem definitivamente a Ama no Iwato trazendo a luz de volta ao mundo e com ela a

Ordem 54

O episoacutedio tambeacutem constitui uma das referecircncias mais antigas e descritivas de rituais

executados em shintō o elemento da danccedila de entretenimento (kagura) eacute uma das partes

integrais da cerimoacutenia de dedicaccedilatildeo aos kami nos santuaacuterios e neste mito em particular possui

claramente uma intenccedilatildeo de reordenaccedilatildeo Ame-no-uzume-mo-mikoto pode ser interpretada

como um protoacutetipo de uma miko (巫女) embora ecoando uma imagem provocante (a danccedila e

52

TAKEDA Tsunegaki op cit pp38-41 53

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 129-130 54

TAKEDA Tsunegaki op cit pp 50-52

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 30

a o vestuaacuterio) diferente da imagem tiacutepica de uma miko Ono Sokyō descreve-as como

ldquofuncionaacuterias puacuteblicasrdquo e filhas de sacerdotes ou locais residentes cujos deveres para com o

jinja findam quando se casam sendo substituiacutedas por outras A sua funccedilatildeo prende-se com o

ldquoritualrdquo auxiliando os responsaacuteveis pelos jinja na preparaccedilatildeo das cerimoacutenias 55

Natildeo obstante a kami atua como representante da classe Sarume (猿女) uma das

primeiras quatro classes sacerdotais geralmente composta por danccedilarinos e cuja linhagem

remontaria a Ame-no-uzume-no-mikoto esposa de Sarutahiko-no-kami o kami associado agrave

fertilidade e ao ato sexual Por sua vez se os Nakatomi (中臣) retraccedilam as suas origens a

Ame-no-koyane-no-mikoto (天児屋命) 56

realizavam ritos e entoavam norito os Inbe (斎部)

encarregavam-se dos rituais de abstenccedilatildeo garantindo uma ldquopureza cerimonial a fim de afastar

poluiccedilatildeo e manter contacto constante com os kamirdquo 57

descendendo do kami responsaacutevel por

selar a Ama no Iwato (Futodama-no-mikoto 布刀玉命 ) 58

Quanto aos Urabe (卜部 )

responsabilizavam-se por ldquoadivinharrdquo da vontade dos kami 57

agrave semelhanccedila dos ldquoadivinhosrdquo

da dinastia chinesa Zhou que recorriam agrave leitura das fissuras das carapaccedilas de tartaruga e

omoplatas de gado depositadas no fogo

Aleacutem do elemento de danccedila o episoacutedio regista a presenccedila de oferendas (shinsen神

饌) praacutetica que corresponde atualmente agrave ldquosegunda faserdquo dos rituais (de Ordem) em shintō

no mito shinsen satildeo substituiacutedas por tamagushi (玉串) - ramos da aacutervore sakaki (榊) em

torno dos quais satildeo atadas as ldquojoacuteias curvasrdquo (magatama 勾玉) - e eacute claro o espelho por sua

vez interpretado por Takeda como o ceacutelebre Yata no kagami (八咫鏡) um dos trecircs siacutembolos

da casa imperial (sanshū no jingi 三種の神器) juntamente com a ldquojoacuteia curvardquo Yasakani no

magatama (八尺瓊曲玉)

O uacutenico siacutembolo ausente eacute a espada Kusanagi no KenTsurugi (草薙剣) que soacute surge

efetivamente no episoacutedio seguinte narrando-se o desterrar de Susano-o para a Terra apoacutes ter

sofrido derrota agraves matildeos da irmatilde que por sua vez se refugiaria temporariamente na Ama no

Iwato como jaacute mencionado anteriormente Susano-o negligenciava constantemente o seu

domiacutenio a sua maior ambiccedilatildeo era ocupar o trono de Amaterasu em Takamagahara

competindo sempre que podia com a irmatilde sendo que um dos seus desafios testava a

capacidade de reproduccedilatildeo enquanto kami-progenitores Uma vez que os filhos de Amaterasu

55

ONO Sokyō op cit pp 41-44 56

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 133-136

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nascem primeiro 57

confirma-se a posiccedilatildeo desta kami como governante uacutenica dos assuntos do

ldquodomiacutenio superiorrdquo

De orgulho ferido Susano-o lsquodescarregarsquo a sua raiva e eacute punido pelos seus atos

(neste contexto o uso da palavra tsumi [罪] especifica a natureza ofensiva das accedilotildees de

Susano-o) passando a servir os outros kami como forma de arrependimento cometendo um

uacuteltimo ato atroz mas invulgarmente necessaacuterio o kami mata a kami da comida Ōgetsuhime-

no-kami 58

(大気都比売神 tambeacutem identificada como Toyo-uke-hime-no-kami) e do seu

cadaacutever nascem os cinco cereais fundamentais para a atividade agriacutecola 59

Por outras

palavras a atitude violenta de Susano-o revela-se beneacutefica e natildeo prejudicial como em outros

episoacutedios tornando esta personagem uma espeacutecie de ldquomal necessaacuteriordquo

Em Izumo Susano-o adquire um estatuto equivalente ao de heroacutei o kami viaja pela

terra ateacute se deparar com um casal de kami cujas filhas tinham sido constantemente devoradas

por um terriacutevel ser de oito cabeccedilas (Yamata no Orochi八岐大蛇) Prometendo ajudar o casal

em troca da matildeo da uacuteltima filha Susano-o embriaga a serpente e decepa-lhe a cauda da qual

misteriosamente emerge a Kusanagi no tsurugi Desposando Kushi-na-ta-hime (櫛名田比売)

Susano-o fixa-se definitivamente em Izumo 60

Ora a derradeira meta de Susano-o eacute nada mais do que adquirir influecircncia

comparaacutevel agrave da sua irmatilde criando vaacuterias linhagens de kami (unindo-se em matrimoacutenio agraves

filhas de outros kami) cujas crianccedilas pudessem assumir a responsabilidade de ldquocriarrdquo novos

domiacutenios no arquipeacutelago japonecircs De entre os descendentes de Susano-o destacar-se-ia

Ōkuninushi-nushi-no-kami (大国主神) - literalmente ldquoo kami que governa os kunirdquo (kuni wo

shihaisuru kami国を支配する神) - Seguindo nas pisadas do casal Izanagi e Izanami e do

seu antepassado Susano-o Ōkuninushi empenhar-se-ia na ldquoconstruccedilatildeo da terrardquo 60

Por sua

vez Amaterasu e o seu consorte Taka-musubi-no-kami ldquodecidem estabelecer domiacutenio celesterdquo

57

TAKEDA Tsunegaki op cit pp45-47 58

AKEDA Tsunegaki op cit pp54-55 59

Curiosamente no episoacutedio de Tsukuyomi e Ukemochi (Nihon shoki) constata-se um grande paralelo com o

mito anterior Tsukuyomi mata Ukemochi-no-mikoto num acesso de raiva pela mesma razatildeo que Susano-o

Ukemochi tinha produzido comida pela boca efetivamente ldquosujando-ardquo (kegare) Como resultado Amaterasu

afasta-se definitivamente de Tsukuyomi dando iniacutecio agrave sucessatildeo dos dias e das noites Entretanto do cadaacutever da

kami brotam alimentos que seriam cultivados para consumo humano (gado arroz trigo etc) Nihonsinwa ldquo第

五段一書(十一)ウツシキアオヒトクサrdquo (Quinta secccedilatildeo 11 Utsushiki-aohitokusa) 日本書紀神代上

(Nihon shoki Kami-yo Parte Superior) (on line) lthttpnihonsinwacompage699htmlgt (consultado em 24-06-

2018) 60

TAKEDA Tsunegaki op cit pp55-60

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 32

sobre o Ashihara Nakatsu kuni (葦原中国) tornando o territoacuterio oficialmente pertenccedila dos

amatsu-no-kami 61

Duas geraccedilotildees mais tarde Ninigi (neto de Amaterasu e Taka-musubi) desceria ao

domiacutenio do meio e receberia de Amaterasu as sanshū jingi (espada espelho e magatama)

oficializando o novo regime de governaccedilatildeo honrado pelo seu bisneto o futuro primeiro

Imperador humano do Japatildeo que adotaria o nome de Jinmu (神武) no seguimento das suas

campanhas bem-sucedidas contra os descendentes dos kunitsu-no-kami na planiacutecie de Yamato

61 No fundo constata-se uma segunda interrupccedilatildeo da ordem do cosmos cuja reposiccedilatildeo por

Ninigi e Jinmu definiria a nova reparticcedilatildeo do mundo Takamagahara continuaria a ser

governado por Amaterasu representante por excelecircncia dos amatsu-no-kami sendo que o

ldquodomiacutenio do meiordquo permaneceria sob o controlo da famiacutelia imperial cuja linhagem

descenderia diretamente de Amaterasu natildeo do seu irmatildeo Susano-o

12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora

Natildeo obstante o episoacutedio da descida de Ninigi e o relato da vitoacuteria de Jinmu sobre os

seus inimigos fazem parte de uma cuidadosa estrateacutegia poliacutetica enraizada na proacutepria corte

reconhecendo-se o papel de Amaterasu (Kojiki) ou de Taka-musubi-no-kami (Nihon shoki) 62

no processo de legitimaccedilatildeo da soberania da famiacutelia imperial sobre o territoacuterio japonecircs Em

ambos casos o resultado eacute o mesmo contraria-se o sistema caracterizado por unidades

familiares que detinham domiacutenio sobre um ou mais territoacuterios emergindo uma nova ordem

poliacutetica sediada na planiacutecie do Yamato e cujo liacuteder adota o tiacutetulo de Imperador (tennō 天皇)

destacando-se de outros liacutederes familiares pelo seu interesse para com sistemas e ideias vindas

de fora tais como as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda

121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa

No primeiro caso a tradiccedilatildeo confuciana introduz-se na esfera da educaccedilatildeo de corte

tornando-se indispensaacutevel para a criaccedilatildeo de poesia (ao estilo chinecircs natildeo japonecircs) e uma

61

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 62

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 33

influecircncia nos comentaacuterios de capiacutetulos do Nihon shoki 63

De entre as vaacuterias escolas de

pensamento a de Zhu Xi tornar-se-ia extremamente popular dentro do sacerdoacutecio shintō

culminando na criaccedilatildeo de Suika shintō (垂加神道) por parte de Yamazaki Ansai (山崎 闇

斎 1612-1682) que enfatizava uma ldquoGrande Viardquo estabelecida por Amaterasu produzindo

um novo conceito de ldquoreverecircncia para o imperadorrdquo ligado com a noccedilatildeo de Japatildeo como a

ldquoterra dos kamirdquo 64

Durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) a relaccedilatildeo entre confucionismo e shintō seria

levada a um outro patamar nascendo juka shintō (儒家神道) Fundamentando a teoria de que

estes dois sistemas eram um (shinju icchi神儒一致) 65

este tipo de shintō contribuiria para

criaccedilatildeo de outras vertentes natildeo tanto focadas na praacutetica de ritual mas antes na anaacutelise e

exposiccedilatildeo teoacuterica deste uacuteltimo e consequentemente a reinterpretaccedilatildeo de conceitos e ideias

shintō ao estilo confuciano por exemplo a linha de pensamento de Aizawa Seishizai (会沢

正志斎 1782-1863) atribui a Amaterasu qualidades como lealdade e piedade filial fazendo

de shintō uma ldquoVia Confucianardquo onde ldquoordem social construiacutea-se sobre lealdade e devoccedilatildeo

filial (hellip) para sempre envigorada pela atuaccedilatildeo exemplar do Imperador de atos rituais na

presenccedila da sua antepassada a deusa-solrdquo 66

Contudo a chegada de um periacuteodo moderno faz estender esta tradiccedilatildeo a outros

domiacutenios aleacutem de jinja shintō os setores confucianos de kyōha shintō (教派神道 )

denominados Shintō Shūseiha (神道修成派) e Shintō Taiseikyō (神道大成教) Tanto num

caso como no outro a linha de pensamento dos grupos eacute modelada pela vivecircncia do

ldquoorganizadorrdquo ou ldquofundadorrdquo por exemplo Nitta Kuniteru (新田 邦光 1829-1902) possuiacutea

uma visatildeo poliacutetica profundamente ldquolealistardquo focada na reverecircncia ao Imperador e na exclusatildeo

de ideias ldquoocidentaisrdquo que supostamente acelerassem o desenvolvimento do Japatildeo

Familiarizado com os claacutessicos confucianos e a Via do bushi (武士道) Nitta desenvolveria

com os seus companheiros uma mentalidade proacutepria que elevava shintō ao estatuto de uma

63

YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious

and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 64

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 311-312 65

YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious

and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 66

BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 p69

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 34

ldquoGrande Viardquo associada a obrigaccedilotildees morais patriotismo que deviam ser sempre praticados

pelos japoneses o que iria ao encontro das ideias do governo Meiji 67

Em 1876 o poder poliacutetico reconheceria Shūsei Kōsha (修成構社) ndash o grupo fundado

por Nitta ndash como um grupo independente nascendo oficialmente a Shintō Shūseiha uma

organizaccedilatildeo que possuiacutea dois grupos distintos de aderentes por um lado os estudantes de

Nitta do final do periacuteodo Edo por outro membros de outros grupos que se tinham juntado a

Shūseiha apoacutes a restauraccedilatildeo Meiji (1868) 68

No que concerne aos seus ensinamentos combinavam-se conceitos de shintō (kami)

com ldquoelementos da cosmologia de pensamento neo-confuciano e outras crenccedilas sincreacuteticasrdquo

notando-se a importacircncia do Nihon shoki e do Kojiki (de onde derivam os termos shū ndash shūri

修理 reparaccedilatildeo ndash e sei ndash de kōusei 構成 consolidaccedilatildeo) entre outros textos eacute no princiacutepio de

shūsei que ldquojaz a lei fundamental da evoluccedilatildeo do universo (hellip) o processo da humanidade e o

avanccedilar da sociedade se devem agrave operaccedilatildeo deste princiacutepio uacutenicordquo consolidado pela

observaccedilatildeo da ldquolei moral e os meios pelos quais os assuntos da famiacutelia e sociedade satildeo

administradosrdquo Enfatizando uma atitude de veneraccedilatildeo aos kami aos antepassados e eacute claro o

desenvolvimento de caraacutecter do individuo que devia atuar de forma correta mantendo

ldquotemperanccedila e frugalidaderdquo 69

shūseiha propotildee uma mistura de praacutetica e doutrina orientada

para o indiviacuteduo podendo ser interpretada como uma ldquodisciplinardquo que o guiasse ao longo da

sua vida natildeo muito diferente da proposta de shintō

Por outro lado Hirayama Seisai ( 平山省斎 1815-1890) acumulou cargos

governamentais e dedicou-se aos estudos de Chinecircs e Kokugaku em Edo No periacuteodo poacutes-

restauraccedilatildeo Meiji Hirayama teraacute inaugurado uma escola de estudos chineses no periacuteodo

gradualmente envolvendo-se em assuntos de cariz ldquoreligiosordquo ndash tornou-se sacerdote-liacuteder em

santuaacuterios relevantes como o de Hikawa e de Hie ndash ao ponto de formar em 1879 a Taisei

Kyōkai (大成教会) que em 1882 ganharia independecircncia e acomodaria dezenas de grupos

Shintō Taiseikyō 70

Enaltecendo o caraacutecter educativo de shintō o setor considera a veneraccedilatildeo dos jingi e

dos antepassados (o que em termos tradicionais natildeo representa nada de novo) como

responsabilidade do indiviacuteduo que por sua vez deve alcanccedilar a felicidade e viver ldquobemrdquo o que

67

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 68

INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29

(3-4) 2002 pp 405-427 69

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 70

INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29

(3-4) 2002 pp 405-427Studies

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 35

estaacute de acordo com a visatildeo positiva de shintō em relaccedilatildeo ao indiviacuteduo Uma vez que o ser

humano possui ldquobons espiacuteritosrdquo (possivelmente a tradiccedilatildeo original seria uma ldquoboardquo tamashii)

este tem a capacidade inerente de se autodisciplinar e autorreformar atraveacutes do devido esforccedilo

devendo confiar e executar o ritual ldquoagrave maneira de geraccedilotildees sucessivas de Cortes Imperiaisrdquo 70

Com efeito Taiseikyō procura honrar a tradiccedilatildeo de jinja shintō e reforccedila a ideia de que shintō

eacute para todos os efeitos uma Via criada para os humanos

29 (3-4) 2002 pp 405-427

122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos kami

A segunda Via enfatiza a natureza ritual de shintō e eacute acolhida com o maior

entusiasmo pelo poder poliacutetico como se constata na narrativa cosmoloacutegica do Nihon shoki no

uso de espadas e espelhos em contexto ritual nos cultos ao Imperador agrave Estrela Polar e agrave

Ursa Maior 71

A Via do Dao definir-se-ia entatildeo como uma espeacutecie de auxiliar ao culto jingi

que se encontrava ao serviccedilo da corte imperial isto eacute da esfera privada agrave necessidade de

venerar os kami juntar-se-ia a atuaccedilatildeo poliacutetica uma noccedilatildeo expressa no conceito de

matsurigoto (政) Posteriormente recuperado e adaptado agrave mentalidade Meiji designando-se

saisei icchi (祭政一致) o princiacutepio de unidade da execuccedilatildeo dos ritosveneraccedilatildeo dos kami e de

governar o territoacuterio matsurigoto parece harmonizar os aspetos rituais e poliacuteticos dentro do

territoacuterio japonecircs algo reconhecido por Ono Sokyō no seu entender ldquofestivais e ritos para

vaacuterios kami tutelares e a administraccedilatildeo de clatildes e sociedade local eram essencialmente uma

uacutenica funccedilatildeordquo 72

Essecircncia do ritual em jinja shintō e kōshitsu shintō os matsuri satildeo tanto ocasiotildees

festivas e alegres como possuem um aspeto mais soacutebrio e solene sobretudo se realizados por

indiviacuteduos ligados ao poder poliacutetico no caso dos ldquoritos imperiaisrdquo deve-se incluir o lsquomatsuri

das origensrsquo (Genshi-sai元始祭 3 de Janeiro) a celebraccedilatildeo da passagem das estaccedilotildees do ano

- a Primavera (Shunki Shindensai 春季神殿祭 e Shunki Kōreisai 春季皇霊祭) e Outono

(Shūki Shindensai 秋季神殿祭 e Shūki Kōreisai 秋季皇霊祭 ) Acrescenta-se ainda o

Niinamesai (新嘗祭 23 de novembro) e o Kannamesai (神嘗祭 17 de outubro) 73

um dos

treze principais matsuri listados e calendarizados no Jingiryō

71

KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981

pp 1-21 72

ONO Sokyō op cit p76 73

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 79-80 p96

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 36

Supervisionados pelo Jingikan (神祇官) estes treze matsuri eram hierarquizados em

ldquomaiorrdquo ldquomedianordquo e ldquomenorrdquo ndash os ritos de maior importacircncia (taishi) eram celebrados

durante todo o mecircs os chūshi duravam trecircs dias e os shōshi apenas um dia 74

Kinensai

(ldquocerimoacutenia de preces para o Anordquo) era celebrado no segundo mecircs Chinkasai (ldquocerimoacutenia de

pacificaccedilatildeo das floresrdquo) no terceiro mecircs Kanmisosai (de caraacutecter bianual) no quarto e nono

meses Ōimisai (realizado no jinja de Hirose) no quarto e seacutetimo mecircs Saigusasai (realizado

no jinja de Ōmiwa) e Fūjinsai (matsuri em honra do kami do vento) no quarto e seacutetimo mecircs

No sexto e deacutecimo segundo mecircs celebrava-se o Tsukinamisai algo replicado no Chinkasai

(rdquocerimoacutenia da pacificaccedilatildeo do fogordquo) e Michiaesai (ldquocerimoacutenia dos quatro campos da

capitalrdquo) Quanto ao nono mecircs este estava reservado para o Kannamesai (ldquocerimoacutenia da

degustaccedilatildeo divina dos frutosrdquo) seguido do Ainamesai (ldquocerimoacutenia de partilha dos frutosrdquo) o

Chinkonsai (rdquocerimoacutenia para a pacificaccedilatildeo do espiacuteritos augustosrdquo) e o Daijōsai (rdquogrande

cerimoacutenia de degustaccedilatildeo dos frutosrdquo) agendados no deacutecimo primeiro mecircs 75

No fundo o Jingikan regulava o modo de veneraccedilatildeo dos jingi cujas metas revolviam

sempre em torno do bem puacuteblico obtenccedilatildeo de boas colheitas garantia da ldquosauacutede e seguranccedila

do imperador do palaacutecio e da capitalrdquo e eacute claro proteccedilatildeo contra invasotildees rebeliotildees e doenccedilas

que afetassem a populaccedilatildeo 76

o palaacutecio imperial era nada mais do que um centro de ritual e a

elite qualificada da capital a grande autoridade sobre todos os assuntos shintō e taoiacutestas

Como se pode constatar as atividades desta instituiccedilatildeo complementavam-se com a

atuaccedilatildeo do Escritoacuterio Yin-Yang (Onmyōryō 陰陽寮) Operado por dezenas de indiviacuteduos

empenhados na manutenccedilatildeo do equiliacutebrio coacutesmico atraveacutes dos mais diversos meios

(astronomia calendarizaccedilatildeo e adivinhaccedilatildeo yin-yang este oacutergatildeo seria o siacutembolo da adaptaccedilatildeo

da escola de pensamento on-myōdō ( 陰 陽 道 ) ao contexto japonecircs permitindo o

desenvolvimento de certas praacuteticas hoje aceites na cultura japonesa como formas de

lsquosupersticcedilatildeorsquo ou lsquomagiarsquo por exemplo a adivinhaccedilatildeo baseada nos signos do zodiacuteaco chinecircs

ou direccedilotildees da buacutessola 77

74

HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 75

TAKASHIO Hiroshi ldquoJingiryōrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices

Ancient (on-line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23330gt

(consultado em 24-06-2018) 76

BREEN John TEEUWEN Mark op cit p32 pp36-37 77

HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 37

Durante o Periacuteodo Heian (794-1185) as proacuteprias cerimoacutenias onmyōdō adaptam-se

aos rituais estatais (positivos) sendo ldquointroduzidas como ritos de proteccedilatildeo pessoal para o

imperadorrdquo dirigidos a ldquocorpos celestiaisrdquo e aos kami Uns seacuteculos mais tarde a Via do Dao

tornar-se-ia objeto de interesse pelas ldquopessoas comunsrdquo que patrocinavam ldquoritosrdquo e

praticavam ldquomagia pessoal para convidar becircnccedilatildeos e evitar maacute-sorterdquo 77

Neste sentido on-

myōdō reconhecia a existecircncia de forccedilas ldquonegativasrdquo que deviam ser eliminadas e pacificadas

claramente enriquecendo a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo em shintō

Uma Via fundada e divulgada por certas famiacutelias que lhe enalteciam um aspeto

ldquomaacutegicordquo onmyōdō conheceria especial popularidade em algumas escolas de pensamento

refletindo a existecircncia de movimentos internos da proacutepria Via dos kami que conjugavam o

aspeto mais praacutetico com a exposiccedilatildeo teoacuterica desta uacuteltima Assim onmyōdō tornar-se-ia uma

referecircncia para os autores responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de Ise shintō (伊勢神道 ) e Yoshida

shintō (吉田神道) ambas possuindo uma relaccedilatildeo bastante familial os principais autores e

comentadores provinham de famiacutelias associados a um santuaacuterio especiacutefico sendo que os

Watarai de Ise shintō pertenciam ao Palaacutecio Externo (Gekū外宮) de Ise os Urabe de Yoshida

shintō uma das famiacutelias mais influentes no Jingikan ocupavam cargos de lsquosacerdotesrsquo em

Quioto concretamente nos jinja de Hirano Yoshida e Ume no Miya 78

Aleacutem de partilharem dos mesmos sentimentos de rejeiccedilatildeo face agrave doutrina honji-

suijaku (本地垂迹 ) que reduziria os kami a incarnaccedilotildees de bodhisattvas e budas e

consequentemente subordinando shintō agrave Via do Buda ndash revertendo a relaccedilatildeo shinbutsu ou

seja tornando as ldquodivindades budistasrdquo como manifestaccedilotildees de kami 79

as escolas estavam

familiarizadas com princiacutepios da cosmologia chinesa o Ruiju jingi hongen (類聚神祇本源

composto em 1320) de Watarai Ieyuki (度会 家行 1255-1351) expocircs a sua ldquoa teoria de Yin-

Yang e as Cinco Fases da Mateacuteria (inyō gogyō) no contexto de uma descriccedilatildeo da criaccedilatildeo do

ceacuteu e da terrardquo recorrendo agraves obras do filoacutesofo chinecircs Zhou Dunyi (周敦頤 1017-1073)

ceacutelebre pensador ldquoneo-confucianordquo e autor de um comentaacuterio ao Claacutessico das Mutaccedilotildees

(Yijing 易經 em japonecircs Eki-kyō 易経) e do ensaio de exposiccedilatildeo sobre o diagrama do

extremo supremo (taiji tushuo 太極圖說 taikyo kuzu) 80

Argumentando acerca do ldquoiniacutecio

como o iniacutecio e a origem como a origemrdquo Ieyuki considera o organismo humano como o

78

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 79

PICKEN Stuart op cit p173 80

YAO Xinzhong An Introduction to Confucianism New York Cambridge University Press 2000 pp98-99

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 38

coletivo dos cinco elementos que ldquocomungam com a origem da naturezardquo agrave qual se deve

regressar e entrar 81

No caso da escola Yoshida Yoshida Kanetomo (吉田兼俱 1435-1511) autor da

obra Shintō Taii (神道大尉) estabelece paralelos tais como ldquosete aberturas da cabeccedila com as

sete estrelas do ceacuteu e os cinco oacutergatildeos internos com as cinco fases da mateacuteria na terrardquo 82

por

conseguinte kami seriam descritos como uma forma de taiji (taikyo) a ldquoabsoluta existecircncia

anterior agrave formaccedilatildeo do ceacuteu e da terra transcendendo yin e yang embora sendo capaz de agir

com estas mesmas forccedilasrdquo uma vez que natildeo possuem forma concreta os kami possuiacuteam o

atributo da ldquocriatividaderdquo modelando todas as coisas existentes no mundo 83

Supervisionado pelo Ministeacuterio dos Assuntos Internos sob o coacutedigo ritsuryō o

Onmyōryō tornar-se-ia o palco de rivalidades familiares entre clatildes como os Abe (associados agrave

astrologia) e os Kamo (especialistas nas ciecircncias calendares) No periacuteodo Muromachi a

linhagem Abe (Tsuchimikado土御門) assumiria a posiccedilatildeo hereditaacuteria de superintendentes da

instituiccedilatildeo sendo que a casa dos Kamo (Kōtokui 幸徳井) contentar-se-ia com o segundo

lugar ocupando o cargo de vice-liacuteder No Periacuteodo Edo as disputas de autoridade em mateacuterias

de ritual condicionariam a crescente competiccedilatildeo entre os Tsuchimikado e uma terceira casa

os Yoshida se os Tsuchimikado seriam reconhecidos pelo bakufu como os responsaacuteveis pela

nomeaccedilatildeo dos lsquomestres do yin-yangrsquo (onmyōji 陰陽師) os Yoshida encarregar-se-iam dos

sacerdotes shintō 84

Em 1682 Tsuchimikado Yasutomi (土御門泰福 1655-1717) criaria

uma nova doutrina inspirada no pensamento de Yamazaki Ansai e de alguns pensadores de

Ise shintō bem como controlava e garantia ldquolicenccedilas a praticantes Yin-Yang pelas proviacutenciasrdquo

85

Na atualidade elementos de onmyōdō podem ser encontrados nas vaacuterias ramificaccedilotildees

de shintō tomando-se o exemplo de Tensha Tsuchimikado Shintō (天社土御門神道 )

Inspirada pela escola de Yasutomi e criada no poacutes-1945 como consequecircncia da concessatildeo de

liberdade religiosa esta organizaccedilatildeo centra-se na cerimoacutenia tensō chifusai (天曹地府祭) Um

81

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p176 82

HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 83

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 84

NISHIOKA Kazuhiko ldquoTsuchimikado Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and

Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22576gt (consultado em 24-06-2018) 85

INOUE Nobutaka ldquoTsuchimikado Yasutomirdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities

(on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22771gt (consultado em

24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 39

matsuri de caraacutecter imperial tensō chifusai procurava a transmissatildeo dos ldquodesejosrdquo do novo

Imperador agraves ldquodivindadesrdquo on-myō embora gradualmente adquirisse popularidade junto dos

Tsuchimikado Praticada no seu jinja dedicado a Taizan Fukun 85

(泰山夫君) ndash em contexto

chinecircs atuava como magistrado do domiacutenio dos mortos e era um subordinado de Yama (em

japonecircs Enma閻魔) 86

ndash a cerimoacutenia garantiria longevidade e seguranccedila do novo imperador

bem como a manutenccedilatildeo do estado de paz no territoacuterio do Japatildeo e o bem-estar dos suacutebditos 85

as necessidades do coletivo pesavam mais do que as individuais

123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu

Apesar da influecircncia significativa do confucionismo e do taoiacutesmo em shintō ambos

sistemas de pensamento chinecircs natildeo partilham da categoria moderna de shūkyō no campo da

estatiacutestica japonesa apenas a Via do Buda eacute hoje reconhecido como tal juntando-se a shintō e

ao cristianismo trecircs ldquoreligiotildeesrdquo cujo impacto alterou a paisagem cultural japonesa embora a

quantidade de igrejas dificilmente se compara aos milhares de jinja e tera ou jirsquoin (templos

budistas) observando-se igualmente a presenccedila de determinados cultos e tendecircncias que

demonstram o caraacutecter sincreacutetico da relaccedilatildeo shinbutsu

No entanto os atos de veneraccedilatildeo aos kami eram na sua origem considerados como a

antiacutetese da Via do Buda dificultando tentativas de aproximaccedilatildeo entre os ldquocultosrdquo segundo os

decretos imperiais do Nihon shoki shintō ndash interpretado como kannagara (惟神 随神)

designando uma praacutetica delegada por Amaterasu aos seus descendentes e que seria traduzida

como ldquoseguir Shinto (hellip) ou carregar Shinto de forma naturalrdquo - e buppōbutsudō eram

encarados com respeito ou desdeacutem 87

No periacuteodo de governaccedilatildeo do Imperador Yōmei (用明

天皇) ambas eram consideras tradiccedilotildees vaacutelidas a seguir uma vez que este ldquoacredita na lei do

Buda e respeita shendaordquo (天皇信仏法尊神道) 88

um termo mais tarde identificado com

shintō

86

MASUO Shinrsquoichirō ldquoChinese Religion and the Formation of Onmyōdōrdquo Nanzan Institute for Religion and

Culture Japanese Journal of Religious Studies nordm 40 (1) 2013 pp 19ndash43 87

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 253-258 88

Durante o primeiro ano do reinado do imperador Kōtoku (孝徳天皇 supostamente ldquorespeita-se a lei do Buda

e ter shendao em pouca consideraccedilatildeordquo (尊仏法軽神道) SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon

shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 40

Por volta da reforma Taika de 645 os ldquorituais budistasrdquo tinham encontrado o seu

lugar no palaacutecio imperial interagindo com os ritos para os kami 89

condicionando um cenaacuterio

de competiccedilatildeo que forccedilaria a adaptaccedilatildeo de shintō face a estas novas escolas e vice-versa

Destacando-se como uma nova forma de lei e doutrina inovadora cujo impacto se estenderia a

vaacuterias aacutereas nomeadamente arte arquitetura educaccedilatildeo e literatura a Via do Buda eacute elevada

ao estatuto de protetora do domiacutenio do Japatildeo o que natildeo implica uma relaccedilatildeo antagoacutenica com

o culto jingi antes pelo contraacuterio

Durante os periacuteodos Nara-Heian constroem-se os primeiros espaccedilos de veneraccedilatildeo

conjunta de kami e budas (jingū-ji (神宮寺) Todavia a contiacutenua associaccedilatildeo da nova Via agrave

vida aristocraacutetica reforccedilaria a ligaccedilatildeo dos cultos aos kami com as pessoas comuns 90

shintō

permanecia a religiatildeo da comunidade e o budismo a religiatildeo doutrinaacuteria de uma elite

empenhada na traduccedilatildeo e interpretaccedilatildeo dos sutras patrocinando a construccedilatildeo de templos e a

consequente instruccedilatildeo dos monges utilizando rituais budistas para seu benefiacutecio

Tal como os onmyōji se dedicavam a atividades de lsquoexorcismorsquo os monges

recorreriam a foacutermulas e outras teacutecnicas para controlar a ldquoviolecircncia de divindades espiacuteritos e

demoacutenios de todos os tipos incluindo os kamirdquo Por conseguinte a introduccedilatildeo e popularizaccedilatildeo

das linhas de pensamento favoraacuteveis agrave combinaccedilatildeo de elementos shinbutsu obrigaria a novas

interpretaccedilotildees do que se entende por kami outrora seres omnipotentes kami possuiriam um

estatuto equivalente ao de devas ou asuras e como tal sujeitavam-se a samṣara (rokudō rinne

六道輪廻) ao contraacuterio dos budas que tinham alcanccedilado a iluminaccedilatildeo (satori 悟り) 91

No final do periacuteodo Nara promover-se-ia a teoria de que os kami eram nada mais do

que ldquodivindadesrdquo tutelares dos ensinamentos budistas clarificando a relaccedilatildeo de superioridade

do budismo para com shintō e como tal poderiam ser salvas como qualquer outro ser dos seis

domiacutenios 92

neste sentido vida e morte fazem parte do mesmo ciclo do qual apenas alguns se

podem libertar colocando todos os habitantes dos seis caminhos em peacute de igualdade para

shintō a necessidade de ldquosalvaccedilatildeordquo da roda de reencarnaccedilatildeo atraveacutes de satori natildeo se justifica

todos os seres vivos partilham do mesmo caminho - nasciam viviam no seu mundo (em

sociedade com outros kami e humanos) e a sua lsquoformarsquo ou corpo possui os seus limites

89

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 90

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 91

BREEN John TEEUWEN Mark opcit p 38-39 92

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 41

naturais apoacutes a morte fiacutesica os uacutenicos traccedilos de existecircncia de uma forma de vida encontrar-

se-iam na tamashii (魂) um atributo interior de kami e humanos

Paralelamente agrave expansatildeo do budismo no Japatildeo desenvolve-se a primeira fase da

vertente acadeacutemica de shintō caracterizada pela adoccedilatildeo de conceitos e fundamentaccedilatildeo de

teorias de bukkyō como o princiacutepio honji-suijaku aplicado pelos setores mais populares do

periacuteodo Heian Tendai (天台宗) e Shingon (真言宗) reavaliando-se a relaccedilatildeo entre kami e

outros ldquoseresrdquo reconhecidos pela Via do Buda Assim kami tornar-se-iam suijaku (lsquotraccedilosrsquo垂

迹) dos honji (lsquoessecircnciasrsquo本地) que se encontravam em budas (hotoke 仏) e bodhisattvas

(bosatsu菩薩) por exemplo Jizō (地藏) eacute identificado com Hiraoka-amakoyane-no-mikoto

um dos kami consagrados no Kasuga Jinja 93

no complexo de Ise encontrar-se-ia o honji

Mahāvairocana Tathagata (Dainichi Nyorai 大日如来 ) e em Hakusan o bosatsu da

compaixatildeo Kannon (観音) 94

O esforccedilo de cooperaccedilatildeo entre ambas tradiccedilotildees atingiria o seu auge com o

aparecimento das trecircs escolas xintoiacutestas de base budista Tendai shintō (天台神道) Ryōbu

shintō (両部神道) e Hōkke shintō (法華神道) respetivamente associadas agraves doutrinas dos

monges Saichō Kūkai e Nichiren Tendai Shintō tambeacutem conhecido pela designaccedilatildeo Sannō

Ichi-jitsu shintō apoia-se no estudo do Sutra do Loacutetus e coloca em praacutetica a teoria honji-

suijaku identificando Hiyoshi Sannō o lsquokami guardiatildeorsquo (shugojin 守護神 ) do templo

Enryaku-ji como o suijaku de Śākyamuni o ldquorei do Dharma do sutra do Loacutetusrdquo Possuindo

uma importacircncia mais local do que nacional e centrada em Hiei Quioto Tendai shintō

popularizaria o ato de meditaccedilatildeo ambulante em torno dos sub-santuaacuterios do ldquoSantuaacuterio de Hierdquo

e ldquoperegrinaccedilotildees mentaisrdquo nas quais os suplicantes ldquovisualmenterdquo visitavam os santuaacuterios 95

Agrave semelhanccedila da escola Tendai Ryōbu shintō favorece a combinaccedilatildeo de elementos

ldquobudistasrdquo (ldquoesoteacutericosrdquo) e shintō focando-se na relaccedilatildeo do Ise jingū (伊勢神宮) com as

mandalas kongokai e taizokai representaccedilotildees do ldquoDomiacutenio do Diamanterdquo e do ldquoDomiacutenio do

Ventrerdquo por sua vez associados ao Gekū e ao lsquopalaacutecio internorsquo (Naikū 内宮 ) de Ise

93

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 94

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 95

SATŌ Masato ldquoSannō Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and

Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22572gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 42

respetivamente96

Descrita como ldquoshintō combinatoacuterio baseada nas mandalas duais

fundamentais de Budismo esoteacuterico Shingonrdquo por Yoshida Kanetomo 97

- expoente da teoria

Yuiitsu shintō (唯一神道) na qual kami se torna o centro de tudo incluindo do ceacuteu e da terra

ldquodemoacuteniosrdquo animais e o proacuteprio kokoro dos humanos 98

- Ryōbu shintō influenciaria as

escolas de Ise e Yoshida 96

No que concerne agrave uacuteltima escola Hokke shintō recebe influecircncias do ldquobudismordquo

Nichiren (日蓮宗) uma das seitas mais populares do Periacuteodo Kamakura (1185-1333) por sua

vez derivada da lsquoseita da Terra Pura (Jōdo-shū 浄土宗rdquo) propagando a doutrina de mappō

(末法) o momento final do Dharma exaltada pelo monge Nichiren (日蓮 1222-1282)

Essencialmente portador de uma linha de pensamento reacionaacuteria ao budismo Heian

Nichiren considerava Tenshō Daijin (Amaterasu) e Hachiman como shugojin do Verdadeiro

Dharma reconhecendo igualmente a existecircncia de ldquodivindades tutelares do Sutra do Loacutetusrdquo

que tanto protegeriam a realidade na qual se verificasse a concretizaccedilatildeo do Verdadeiro

Dharma como poderiam escolher abandonaacute-la caso a Lei natildeo fosse aplicada 99

Por

conseguinte esta tradiccedilatildeo teria sido formada pelo superintendente do templo Shuryōgonin

associava-se deste modo os trinta dias do mecircs a trinta diferentes jinja e complexos tais

como Atsuta Jingū Suwa Shōshin-ji Hachiō-ji Inari Kibune Hachiman Kasuga Ise Gion

entre outros 100

Partilhando com Tendai o estudo do Sutra do Loacutetus a escola Hokke influenciaria as

ideias de Yoshida shintō e continuaria a desenvolver-se ao longo dos Periacuteodos Muromachi e

Edo surgindo uma seacuterie de obras e fasciacuteculos comentando acerca desta forma de shintō tais

como Hokke Shintō Hiketsu (法華神道秘訣) atribuiacutedo a Nitchō (日澄 1441-1510) 99

No seguimento da instauraccedilatildeo da terceira e uacuteltima casa militar no poder poliacutetico

budismo eacute relegado para um plano mais secundaacuterio aleacutem do aumento do nuacutemero de

96

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp298-299 97

ITŌ Satoshi ldquoRyōbu Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and

Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22800 (consultado em 24-06-2018) 98

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 99

Itō explica que esta doutrina (shintenjō hōmon) seria acolhida pelo ldquoculto Tendai de trinta divindades tal como

era praticado no Monte Hieirdquo ITŌ Satoshi ldquoHokke Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and

Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22565gt (consultado em 24-06-2018) 100

ITŌ Satoshi ldquoSanjūbanshinrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Combinatory Kami (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22464gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 43

ocorrecircncias de funerais shintō realizados por famiacutelias como os Yoshida bem como a reduccedilatildeo

da quantidade de tera e jinja que favorecessem uma abordagem ldquocombinatoacuteriardquo 101

surge a

niacutevel acadeacutemico o movimento fukko shintō (復古神道) que propunha um ldquoreavaliaccedilatildeordquo de

shintō rejeitando-se severamente ideias externas

Nestas circunstacircncias Hirata Atsutane (平田篤胤 1774-1842) representante da

vertente mais ldquoradicalrdquo da escola kokugaku assume uma posiccedilatildeo particularmente criacutetica da

Via do Buda suposta total antiacutetese de shintō que por sua vez era emulado como uma ldquovia

antigardquo (kodō 古道) no seu Kodō Taii (古道大尉) redigido em 1811 Hirata idealiza o Japatildeo

como a ldquoTerra dos kamirdquo cujos habitantes satildeo ldquoracialmente superioresrdquo entendendo budismo

como uma ldquoreligiatildeordquo inventada por um homem ndash Śākyamuni ndash cujas doutrinas eram ldquofalsasrdquo

ao ponto de apagarem por completo a ldquoverdade originalrdquo da existecircncia de uma entidade

omnipresente criadora denominada nos textos antigos de Brahmā que Hirata identifica com

Kami-musubi-no-kami 102

Por conseguinte o sentimento anti-budista expresso por Hirata teria as suas

repercussotildees em alguns territoacuterios no periacuteodo final do xogunato Tokugawa gerando-se o

movimento haibutsu kishaku (廃仏毀釈) cuja linha de pensamento tornar-se-ia devastadora

para a Via do Buda desde a destruiccedilatildeo de templos halls imagens rituais apropriaccedilatildeo de

propriedades dos templos na economia dos domiacutenios agrave laicizaccedilatildeo forccedilada dos monges o

budismo enquanto religiatildeo perderia credibilidade e significado cultural entre a populaccedilatildeo 103

ao contraacuterio de shintō por sua vez equiparado a uma ideologia poliacutetica a partir de 1868

inaugura-se assim um dos momentos mais negros da histoacuteria shinbutsu

13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945

O periacuteodo de vigecircncia da ideologia Meiji (1868-1945) eacute tambeacutem um periacuteodo de

perseguiccedilatildeo interna para a Via do Buda e nas palavras de Picken um exemplo de ldquoabuso e

manipulaccedilatildeordquo de shintō 104

a Ordenaccedilatildeo de Distinccedilatildeo de Shintō e Bukkyō (shinbutsu

hanzenrei 神仏判然令 ) de 1868 oficializa a poliacutetica de separaccedilatildeo de shintō e bukkyō

(shinbutsu bunri 神仏分離) expressa pela interdiccedilatildeo de ldquonomes de estilo Budista para kami

101

BREEN John TEEUWEN Mark opcit pp 38-39 102

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 213-215 103

SAKAMOTO Koremaru ldquoHaibutsukishakurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Doctrines

and Theories (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23552gt

(consultado em 24-06-2018) 104

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 87-88

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 44

a proibiccedilatildeo de se usar imagens Budistas para representar kami e a remoccedilatildeo de implementos

rituais Budistas de espaccedilos rituais Shintōrdquo 105

Seguindo nos passos do movimento haibutsu

kishaku

Tendo como meta uma visatildeo de shintō como lsquonatildeo-religiatildeorsquo estatal o novo regime

restabeleceria o Jingikan - substituiacutedo dois anos depois pelo Jingishō (神祇省) ndash e procederia

agrave instauraccedilatildeo de um sistema hieraacuterquico piramidal de jinja imperiais e nacionais (1870-1871)

delegando-se cargos a funcionaacuterios puacuteblicos Abolindo-se o sistema de hereditariedade

sacerdotal jinja tornam-se instituiccedilotildees nacionais e espaccedilos de visita obrigatoacuteria e natildeo

espontacircnea 106

131 A visatildeo ldquonacionalistardquo Meiji uma ldquonatildeo-religiatildeordquo ao serviccedilo do Estado

japonecircs

Se as restantes ldquoreligiotildeesrdquo eram entendidas como secundaacuterias - permanecendo sob a

tutela do Escritoacuterio de Religiatildeo do qual faziam parte os treze ldquosetoresrdquo de kyōha shintō - o

culto jingi era colocado sob a alccedilada do Jinjakyoku (神社局) perdendo gradualmente a sua

natureza religiosa todos os meios eram vaacutelidos para inculcar nas mentes dos japoneses a ideia

de que shintō natildeo era uma religiatildeo ldquopatrociacutenio apoio perpetuaccedilatildeo controlo e disseminaccedilatildeordquo

de shintō pelos vaacuterios niacuteveis de governo e por funcionaacuterios puacuteblicos ldquosubordinados e

empregadosrdquo o constante ensino de doutrina ldquoxintoiacutestardquo ldquonacionalistardquo ou ldquoultranacionalistardquo

em manuais escolares o ato de visitar santuaacuterios por obrigaccedilatildeo e execuccedilatildeo de ritos

patrocinadas por instituiccedilotildees educacionais a circulaccedilatildeo de textos explicativos da doutrina

kokutai (国体) 107

Em contexto legal tambeacutem os proacuteprios santuaacuterios xintoiacutestas sofreriam o impacto

desta abordagem poliacutetica de shintō que reavivava a ligaccedilatildeo co-dependente entre o poder

poliacutetico e shintō (na sua forma de culto jingi) tornando shintō uma instituiccedilatildeo patrioacutetica que

devia ser salvaguardada por todos o ano de 1900 marcaria o iniacutecio do controverso processo

de aglutinaccedilatildeo de jinja (Jinja-Gappei 神社合併) Apagando a existecircncia de milhares de jinja

ldquonatildeo-qualificadosrdquo o movimento expressava uma transferecircncia forccedilada de kami para outros

105

SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and

Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 106

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39 107

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 114-116

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 45

jinja minando a relaccedilatildeo destes espaccedilos com as comunidades locais se em 1880 existiam

cerca de 157 mil jinja do povopuacuteblicos (minsha民社) em 1929 o nuacutemero rondaria os 112

mil e em 1947 mais de 87 mil 108

De um modo geral shintō estatal (kokka shintō 国家神道) cimentou a ideia de que

um certo tipo de shintō estava aleacutem de ser ldquoreligiatildeo termo que no Periacuteodo Meiji tinha como

elementos um fundador individual e a uma organizaccedilatildeo privada realizando-se atividades de

caraacutecter voluntaacuterio 108

o que nada tinha a ver com o culto jingi praticar shintō era nada mais

do que um dever e uma demonstraccedilatildeo de sentimentos patrioacuteticos essenciais ao bom

funcionamento da naccedilatildeo japonesa recorrendo-se a conceitos como kannagara akitsu-mikami

(現御神) hakkō-ichiu (八紘一宇) que naturalmente tinham sido readaptados face ao status-

quo kannagara por exemplo descrevia uma lsquofeacutersquo que incide no indiviacuteduo e faz com que este

sirva o coletivo nunca a si mesmo expressando ainda ldquoum sentimento de assimilaccedilatildeo e

harmoniardquo 109

akitsu-mikami significava uma ldquodivindade incarnadardquo identificada com o

proacuteprio imperador que deve ser venerado tal como os seus antepassados por parte dos seus

suacutebditos 110

hakkō-ichiu (ldquoa terra inteira debaixo do mesmo tetordquo) era usado como slogan

simboacutelico do poderio militar japonecircs 111

ecoando a noccedilatildeo de tian xia isto eacute lsquodebaixo do ceacuteursquo

(tenka 天下) que em contexto do pensamento chinecircs arcaico e confuciano definia o escopo

do tianming ou lsquomandato do ceacuteursquo (tenmei天命) entregue a um futuro soberano

No fundo reforccedila-se a suposta superioridade do Japatildeo enquanto naccedilatildeo ldquodivinardquo e por

associaccedilatildeo do proacuteprio imperador cuja ldquoalma divinardquo eacute representada por Amaterasu o liacuteder do

Impeacuterio age senatildeo em nome desta uacuteltima sendo que todos os japoneses reconhecem e

reverenciam a sua linhagem transmitida ldquonuma linha inquebraacutevelrdquo o trono e o Imperador satildeo

uma extensatildeo de Amaterasu conferindo-lhe um estatuto ldquoinviolaacutevelrdquo Como tal a aacuterea de

governaccedilatildeo do Imperador natildeo pode ser reduzida ao Japatildeo mas antes a todo o nosso mundo

um papel partilhado com a kami do Sol e Taka-musubi-no-kami 109

108

SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion

Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149 109

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 127-128 110

PICKEN Stuart op cit pp 105 111

PICKEN Stuart op cit pp 111

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 46

132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular religiatildeo

japonesa

O fim da 2ordf Guerra Mundial eacute justamente descrito como o ponto de viragem para as

religiotildees japonesas desde 1945 que shintō eacute estatisticamente uma religiatildeo viabilizando um

processo de reinvenccedilatildeo e adaptaccedilatildeo agraves necessidades de uma sociedade japonesa moderna

surgem assim novos movimentos religiosos parcialmente baseados em ideias shintō budistas

ou cristatildes algumas mais do que outras testemunho vivo da liberdade religiosa expressa a

niacutevel constitucional

No que concerne aos espaccedilos de veneraccedilatildeo estes satildeo devidamente legalizados como

corporaccedilotildees religiosas (shūkyō hōjin宗教法人) desde 1946 operando quer como extensotildees

de terceiros (grupos inclusivos) ou como unidades (tanrsquoi単位) independentes destes grupos

inclusivos (tanritsu shūkyō dantai単立宗教団体) a cada grupo inclusivo (hōkatsu dantai包

括団体) corresponde uma categoria proacutepria - kyōha (教派) shūha (宗派) comunidade

religiosa (kyōdan教団) ordem (shūdoukai 修道会) - que por sua vez incorpora tanrsquoi jinja

jirsquoin (寺院) igrejas (kyōkai教会) e mosteiros (shūdōin修道院) 112

Por conseguinte todos os dados reportados satildeo compilados pela Divisatildeo de Assuntos

Religiosos da Agecircncia para Assuntos Culturais do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (Bunka-chō

shūmuka kyōiku-shō 文化庁宗務課 教育省) que se apoia na definiccedilatildeo de ldquoorganizaccedilatildeo

religiosardquo (shūkyō dantai 宗教団体) promulgada pela Constituiccedilatildeo qualquer grupo local

focado na ldquodisseminaccedilatildeo de ensinamentos religiosos a conduccedilatildeo de cerimoacutenias e funccedilotildees e a

educaccedilatildeo e nutrimento dos crentesrdquo deve ser considerado uma shūkyō dantai que deteacutem

autoridade sobre o processo de qualificaccedilatildeo e quantificaccedilatildeo dos aderentes e do sacerdoacutecio 112

por exemplo a instruccedilatildeo dos candidatos a posiccedilotildees dentro dos santuaacuterios eacute disponibilizada

pelas Universidade Kokugakuin (國學院大學) de Toacutequio e a Universidade Kōgakkan (皇學

館大学) em Ise esta uacuteltima focada no treino de ldquosacerdotes para recitar as liturgias e perceber

o significado dos rituaisrdquo 113

Operando a niacutevel prefeitural ou nacional a categoria shūkyō hōjin faz parte da visatildeo

moderna japonesa de religiatildeo em 1998 o Anuaacuterio de Religiotildees (shūkyō nenkan 宗教年鑑)

do 10ordm Ano da Era Heisei registava mais de 85 mil grupos religiosos shintō 104553179

112

TAMARU Nobuyoshi REID David Religion in Japanese Culture Where Living Traditions Meet a

Changing World Tokyo Kodansha International 1996 pp 218-219 113

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 188-190

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 47

seguidores shintō (492) mais de 81 mil jinja 15 jirsquoin e 1276 locais de propagaccedilatildeo religiosa

(fukyōjo布教所) bem como cerca de 88 mil ldquoprofessoresrdquo (kyōshi 教師) Em contrapartida

bukkyō tinha apenas 78 mil grupos religiosos mais de 95 milhotildees de aderentes e um nuacutemero

superior de kyōshi mais de 77 mil templos apenas 10 jinja e cerca de 3000 fukyōjo 114

No

ano de 2015 constatava-se uma pequena evoluccedilatildeo negativa 485 dos aderentes seguiam

shintō e apenas 87 milhotildees eram supostamente budistas registando-se igualmente uma

descida do nuacutemero de kyōshi tanrsquoi e corporaccedilotildees shintō e budistas 115

Apesar de os dados publicados pela Agecircncia poderem natildeo corresponder agrave realidade

o campo estatiacutestico esforccedila-se por explicar ao puacuteblico o que se entende por shintō bukkyō e

kirisutokyō recorrendo a uma categorizaccedilatildeo que eacute acima de tudo coerente face agrave sua

evoluccedilatildeo histoacuterica no caso concreto de shintō os Anuaacuterios de Religiotildees reconhecem trecircs

ramificaccedilotildees ou kei (系) jinja shintō (神社神道) kyōha shintō e shin shūkyō shintō (新宗教

神道) 116

destas trecircs somente a primeira inclui uma organizaccedilatildeo que tambeacutem serve de porta-

voz aos interesses da maior parte dos jinja espalhados pelo paiacutes a Jinja Honchō (神社本庁)

Ceacutelebre instituiccedilatildeo criada em 1946 no seguimento da fusatildeo de outros trecircs grupos privados eacute

ateacute hoje o ldquouacutenico corpo coordenativo para Shinto no Japatildeo e o uacutenico oacutergatildeo (para aleacutem dos

santuaacuterios individuais) pelo qual Shinto pode ser formalmente representado a um largo niacutevel

administrativordquo 117

Regulando a atuaccedilatildeo das atividades dos jinja a Jinja Honchō permanece o ldquogrupo

religiosordquo mais numeroso no que concerne a espaccedilos de veneraccedilatildeo aderentes (perto de 80

milhotildees) e kyōshi (aprox217 milhotildees) 116

e apresenta-se como um oacutergatildeo mais moderado que

os seus predecessores do Periacuteodo Meiji ndash Jingikan Jingishō (神祇省) Kyōbushō (教部省) e

Jingirsquoin (神祇院) ndash capaz de conjugar as funccedilotildees de supervisor dos jinja e de autoridade em

assuntos shintō Sinteticamente esta associaccedilatildeo tem como metas perpetuar as tradiccedilotildees

desenvolvidas em contexto de jinja shintō como demonstraccedilatildeo de gratidatildeo aos kami e aos

antepassados - a realizaccedilatildeo de cerimoacutenias e ritos - ldquoservir a sociedade e outrosrdquo e na

qualidade de ldquomensageiros de kamirdquo aspirar a melhorar e consolidar este mundo Por uacuteltimo

deve-se identificar ldquoas proacuteprias mentes com a do Imperadorrdquo e ldquorezar pela prosperidade do

114

Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 10 Han (宗教年鑑平成 10 版) Tokyo Bunka-chō

1998 115

Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō

2016 116

Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō

2016 117

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 41-42

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 48

paiacutes e por coexistecircncia paciacutefica e coprosperidade para as pessoas do mundordquo 118

claramente

realccedilando o caraacutecter natildeo individual patente em shintō

2 SOCIEDADE ldquoESPIRITUALIDADErdquo E ldquoEacuteTICArdquo A ldquoVIA DOS KAMIrdquo E O

REGRESSO Agrave Ordem

Aceitar shintō pressupotildee que o indiviacuteduo realize rituais positivos com uma ldquomente

clara pura e sincerardquo 118

devendo-se ter em atenccedilatildeo o termo ldquomenterdquo o facto de Ono ter

como puacuteblico-alvo natildeo japoneses poderaacute justificar esta escolha de traduccedilatildeo que se afasta do

texto original por exemplo ldquoakikiyoki makoto wo nite saishi ni isoshimukoto (明き清きまこ

とを以て祭祀 [さいし] にいそしむこと) corresponde a ldquodevotar-nos aos atos de veneraccedilatildeo

(aos kami) com uma mente clara pura e sincerardquo ldquoŌmikokoro wo itadakite mutsubirdquo (大御

心 [おおみこころ]をいただきてむつび) 119

eacute ldquoidentificaccedilatildeo das proacuteprias mentes com a

(mente) do Imperadorrdquo Assim o termo torna-se makoto Juntamente com o kokoro ambos

vocaacutebulos fundamentam a perspetiva eacutetica de shintō Por sua vez mutsubi (musubi) auxilia na

compreensatildeo da relaccedilatildeo de shintō com o indiviacuteduo e por associaccedilatildeo com os kami

21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e

individuais

Claramente uma Via focada no bem-estar humano shintō ilustra um forte caraacutecter

social e eacutetico que eacute complementado pelo desenvolvimento de uma lsquoespiritualidadersquo proacutepria

associada agrave perceccedilatildeo japonesa do ldquosagradordquo como jaacute anteriormente mencionado este

domiacutenio estaacute associado a kami e a sua presenccedila pode ser ldquosentidardquo em certas ocasiotildees

nomeadamente durante os matsuri e as cerimoacutenias executadas pelos ldquosacerdotesrdquo (shinkan 神

官) a descriccedilatildeo de Picken de shintō como ldquoefectivamente uma religiatildeo que eacute mais lsquoapanhadarsquo

do que lsquoensinadarsquo os seus discernimentos lsquopercecionadosrsquo antes de serem lsquoacreditadosrsquo os

118

ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004 p82 119

A expressatildeo Ōmikokoro (ou Mikokoro 御心) eacute uma forma respeitosa de se referir ao Imperador (ou aos kami)

que surge nas norito ou em outros textos oficiais Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案 内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line) lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 49

seus baacutesicos conceitos mais do que lsquosentidosrsquo do que lsquopensadosrsquordquo 120

faz da praacutetica e da

experiecircncia do indiviacuteduo o seu alicerce Deste modo confere-se ao homem um papel ativo e

de participante quer se trate de um visitante que reze aos kami esperando por uma resposta

quer seja algueacutem dedicado a servir os kami (ldquosacerdotesrdquo por exemplo) a decisatildeo de executar

os rituais (associados agrave Ordem) cabe ao homem

Soacute o homem possui a capacidade de entrar num domiacutenio diferente deparando-se com

vaacuterios siacutembolos que assinalam a ldquopresenccedilardquo do kami Mircea Eliade nota que o homem

apercebe-se do ldquosagradordquo porque este escolhe mostrar-se isto eacute manifesta-se das mais

variadas formas algo descrito pelo autor como ldquohierofaniardquo identificando a ldquohistoacuteria de

religiotildeesrdquo como portadora de um legado de ldquohierofaniasrdquo ndash elementares e complexas ndash e

argumentando que a manifestaccedilatildeo de ldquoalgo de uma ordem totalmente diferente uma realidade

que natildeo pertence ao nosso mundordquo eacute visualmente expressa por ldquoobjetos que satildeo uma parte

integral do nosso mundo natural lsquoprofanorsquordquo 121

em shintō esta perspetiva lembra o conceito

de kami enquanto atributo o ato de atar uma shimenawa (しめ縄) corda da qual pendem

pequenas tiras em formato ziguezague a um objeto (pilares rochas) ou uma aacutervore (shinboku

神木) e o uso da gohei (御幣) um enfeite colocado diante das portas do ldquosantuaacuterio interiorrdquo

(shinden 神殿) representam a transiccedilatildeo do vulgar para o extraordinaacuterio se fisicamente o

objeto permanece tal e qual como antes de uma perspetiva espiritual e natildeo racional o objeto

torna-se uma extensatildeo do kami

Por conseguinte a noccedilatildeo de ldquohierofaniardquo pensada por Eliade poderia aplicar-se aos

shintai (神体) e mitamashiro (御魂代) objetos diretamente ligados agrave sobrevivecircncia dos jinja

garantindo um estatuto lsquosagradorsquo dos jinja enquanto o kami permanecer nesse local 122

durante a Jinja Gappei milhares de santuaacuterios perderam a sua razatildeo de existir na sequecircncia

da transferecircncia permanente dos supostos representantes do kami 123

No fundo eacute a ausecircncia

destes objetos condiciona o fim do jinja

Essencialmente espaccedilos mantidos graccedilas aos esforccedilos da comunidade jinja

desempenham serviccedilos que incidem na esfera puacuteblica e privada todo o jinja revolve em torno

das pessoas familiarizadas com a aacuterea de atuaccedilatildeo e os atributos do kami ao qual apelam

preocupaccedilotildees econoacutemicas satildeo geralmente da responsabilidade de Inari (稲荷) e Ebisu (恵比

120

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p xxxii 121

ELIADE Mircea op cit pp 10-12 122

ONO Sokyō op cit p21 pp-24-25 pp98-99 123

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 50

須) o primeiro eacute identificado como o kami protetor do cultivo de arroz e dos cinco cereais

enquanto que o segundo eacute associado ao setor comercial desde o seacutec XII 124

Protetor dos mercadores em meio urbano e de campos de arroz nas aacutereas rurais 124

Ebisu faz parte dos Shichi Fukujin (七福神) um grupo de sete kami associados agrave boamaacute

sorte Daikokuten (大黒天) representante da prosperidade comercial apesar de tambeacutem ser

identificado com um deva domeacutestico da cozinha Mahakala Jurōjin (寿老人) ldquokami de uma

estrela no Taoiacutesmordquo bem como um ldquoermitardquo Jaacute Fukurokuju (福禄寿) eacute o kami da riqueza

prosperidade e longa vida e Hotei (布袋) ldquoum monge chinecircs e uma incarnaccedilatildeo de Maitreyardquo

(Miroku 弥勒) 125

Por uacuteltimo Bishamonten (毘沙門天) e Benzaiten (弁財天) tecircm origens

indianas se Bishamonten um kami de temperamento forte e marcial eacute identificado com

Vaiśravaṇa Beizaiten eacute equiparada agrave devī Sarasvatī 126

No que concerne a preocupaccedilotildees mais pessoais como aprovaccedilatildeo nos exames de

admissatildeo da faculdade eacute costume visitar-se o Kitano Tenmangū (北野天満宮) de Quioto

onde se venera Tenjin127

Ao contraacuterio de outros kami Tenjin natildeo se tornou kami de um dia

para o outro a consagraccedilatildeo da ldquoalmardquo de Michizane ldquoresultou de um esforccedilo extraordinaacuterio

do governo de lidar com uma manifestaccedilatildeo perturbadora de crenccedila Alma-Zangada (onryo)

que (hellip) foi grandemente influenciada pelo corrente interesse em ideias Chinesas e crenccedilasrdquo

128 Por sua vez onryō partilha algumas semelhanccedilas com goryō (御霊) ldquoespiacuteritos de pessoas

que tinham perdido as suas posiccedilotildees de poder e vaacuterios kami de epidemiasrdquo posteriormente

ldquodomesticadosrdquo nos ritos chinkon ao inveacutes de entidades destruidoras e malevolentes que

invocavam desgraccedilas goryō transformavam-se em entidades protetoras 129

22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii

Tanto onryō como goryō enquadram-se na perspetiva espiritual de shintō agrave

semelhanccedila de sangaku shinkō (山岳信仰) cultos caracterizados pela adoraccedilatildeo de montanhas

124

PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365 125

HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia

ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de

2003)

126 PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39

127 PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365

128 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 285

129 YONEI Teruyoshi ldquoGoryōrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23422gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 51

como Ontake (御嶽) Kumano (熊野) Fuji (富士) Sannō (山王) Katsuragi (葛城) supostos

locais de morada permanente para espiacuteritos ldquoprincipalmente espiacuteritos dos mortos que

vigiavam e assistiam os vivosrdquo 130

Eacute em virtude de um suposto caraacutecter sagrado e espiritual

que ainda hoje se realizam praacuteticas asceacuteticas nestes locais

Por conseguinte a compreensatildeo da ldquoespiritualidaderdquo japonesa implica o

conhecimento de musubi (産霊) rei (霊) e tamashii (魂) sendo que o primeiro eacute composto

por umi (産み ldquocriaccedilatildeordquo no sentido de gerar algo) e rei significando algo que natildeo pertence

ao plano fiacutesico Homoacutefono da palavra musubi (結び) traduzido por ldquoligaccedilatildeordquo e por sua vez

derivada do verbo musubu ou lsquoligarrsquo musubi eacute em si a lsquovitalidadersquo presente no ambiente e

nos seres que o constituem uma interpretaccedilatildeo apoiada por Motoori Norinaga

Com efeito no seu Tama Kushige o autor identifica musubi como uma espeacutecie de

ldquoprinciacutepio de atividade criativardquo inerente nos kami Taka-musubi e Kami-musubi concluindo

que este ldquoespiacuterito criativo (hellip) divino milagroso e aleacutem da compreensatildeo humanardquo permite os

atos de ldquocriaccedilatildeordquo (kuni-umi e kami-umi) de Izanagi e Izanami 131

tudo deve a sua existecircncia a

musubi incluindo os proacuteprios humanos

Simultaneamente uniatildeo (harmonizaccedilatildeo e balanceamento) e criaccedilatildeo isto eacute o lsquopoderrsquo

que concede vida e a origem de toda a existecircncia transportando consigo as conotaccedilotildees de

ldquocombinaccedilatildeordquo ldquojuntarrdquo e ldquointerligarrdquo132

musubi foi repetidamente usado no contexto

cerimonial imperial por exemplo os cinco kami que possuem a partiacutecula musubi no seu nome

satildeo tambeacutem os kami protetores do espelho Yata no Kagami localizados no santuaacuterio

kashidokoro do palaacutecio 133

No que concerne agrave rei e tamashii ambos vocaacutebulos tendem a ser erroneamente

traduzidos como ldquoespiacuteritordquo ou ldquoalmardquo e a sua grande diferenccedila consiste no facto de rei ser

exclusivamente uma parte do humano em vida e um atributo independente apoacutes a morte do

corpo se bem que no entender de Yoshida Kanetomo rei eacute aquilo que governa ldquocoisas

individuaisrdquo contrastando com as ldquopessoas individuaisrdquo que satildeo ldquogovernadas pelo kokoro

(hellip)rdquo 134

tamashii eacute uma caracteriacutestica partilhada por homens e kami sendo que no uacuteltimo

caso esta noccedilatildeo eacute expressa pela palavra mitama - escrita com os kanji de kami e rei (神霊) ndash

130

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 197-198 131

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 132

BOYD JAMES WILLIAMS Ron ldquoJapanese Shintō An Interpretation of a Priestly Perspectiverdquo

Philosophy East and West nordm 55 (1) pp 33-63 133

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 79 134

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp163-167

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 52

ldquoespiacuteritos de kamirdquo cuja existecircncia defendida por rituais e jinja torna viaacutevel a sua integraccedilatildeo

na ideia shintō de lsquoespiacuteritorsquo ou lsquoespiritualidadersquo 135

Natildeo obstante tambeacutem os humanos satildeo portadores de um outro tipo de mitama (御

霊) este identificado como uma rei apoacutes a morte do corpo 135

tornando-se efetivamente uma

extensatildeo deste uacuteltimo o que lhe permite uma atuaccedilatildeo positiva (como protetor) ou negativa

(como destruidor da ordem) no domiacutenio dos humanos Com efeito o culto aos mortos na

sociedade japonesa faz parte de uma tradiccedilatildeo antiga na qual se atribui a certos mortos um

tratamento especial a veneraccedilatildeo de falecidos imperadores antepassados e guerreiros mortos

em combate em conjunto com o culto aos kami expressam uma forte consciencializaccedilatildeo

espiritual ainda muito presente na cultura japonesa

Sob um ponto de vista mais doutrinaacuterio a espiritualidade japonesa centra-se na teoria

ichirei shikon (一霊四魂) literalmente ldquouma rei e quatro tamashiirdquo na qual os humanos e os

kami servem de recipiente agrave reikon que por sua vez eacute constituiacuteda por um lsquoespiacuteritorsquo 136

(rei) -

designado de naobi curioso conceito inserido no campo da eacutetica japonesa significando

ldquocorrigir algo anormal mau ou distorcido e restaura-lo agrave sua condiccedilatildeo normal ou originalrdquo e o

ldquoespiacuterito maravilhoso que retifica o erradordquo 137

- e pela quadripartida tamashii (魂)

Neste contexto cada parte corresponde a um ldquoatributordquo ou ldquocaracteriacutesticardquo que rege o

seu modo de atuaccedilatildeo no domiacutenio terreno o par nigimitama (和御魂) e aramitama (荒御魂)

possuindo uma natureza dual complementar lembrando os princiacutepios do yin e do yang

respetivamente associados ao ldquoatributordquo calmo e passivo nigimitama e o seu oposto a

incontrolaacutevel aramitama o duo sakimitama (幸御魂) e kushimitama (奇御魂) brevemente

mencionado no Nihon shoki se sakimitama eacute a mitama que ldquoprovidenciardquo a potecircncia por

detraacutes da colheita a kushimitama tem o poder de evocar ldquomisteriosas manifestaccedilotildees em seres

humanos atraveacutes de um poder sobrenaturalrdquo 138

135

ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018) 138

YONEI Teruyoshi ldquoIchirei shikonrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on

line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-

06-2018) 137

FUKUI Yoshihiko ldquoNaobirdquo Encyclopedia of Japan 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23662gt (consultado em 24-06-

2018) 138

YONEI Teruyoshi ldquoKushimitamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on

line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23412gt (consultado em 24-

06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 53

De entre este quarteto o primeiro par merece uma atenccedilatildeo especial constatando-se

dezenas de referecircncias em textos antigos que explicitam o papel de tanto uma como da outra

que rituais a executar para pacificar uma aramitama transformando-a numa nigimitama

praacutetica efetuada pela famiacutelia imperial por exemplo apoacutes a morte no exiacutelio em Dazaifu (903)

do letrado Sugawara-no-Michizane que tinha sido viacutetima de uma conspiraccedilatildeo dois anos antes

a capital Quioto seria afetada por uma seacuterie de ldquodesastresrdquo tais como ldquopraga fogos

inundaccedilotildees e mortes inesperadasrdquo de membros do clatilde Fujiwara lanccedilando-se um debate

interno sobre a sua causa concluindo-se que se tratava da aramitama do falecido Sugawara

Procurando-se ldquoapaziguarrdquo esta aramitama a famiacutelia imperial procederia agrave restituiccedilatildeo do

estatuto de letrado de Michizane apoiando a construccedilatildeo de um jinja no qual seria consagrado

um novo kami Tenjin 139

O descrito episoacutedio de ldquodomesticaccedilatildeordquo continuaria a ser praticado ao longo dos

seacuteculos sendo que o Imperador Shōwa (昭和天皇) organizaria uma procissatildeo pelo paiacutes para

pacificar as aramitama atraveacutes de preces substituindo-as por nigimitama algo modelado nas

tours do Imperador Meiji (明治天皇) motivos poliacuteticos satildeo habilmente misturados com as

necessidades ldquoespirituaisrdquo do Japatildeo 140

Natildeo obstante existe uma terceira forma de

ldquodomesticaccedilatildeordquo que natildeo implica o seu afastamento da praacutetica de veneraccedilatildeo antes pelo

contraacuterio no Ise Jingū pensa-se que um dos ldquosantuaacuteriosrdquo do Naikū preserva a nigimitama de

Amaterasu e no outro consagra-se a aramitama um processo replicado no Sumiyoshi Taisha

(住吉大社) de Ōsaka espaccedilo de veneraccedilatildeo de trecircs nigimitama dos trecircs respetivos kami ao

contraacuterio do seu congeacutenere em Yamaguchi que alberga as suas aramitama 141

23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi

Aleacutem das diferenccedilas estabelecidas pela mencionada doutrina rei e tamashii satildeo

essencialmente termos que natildeo reconhecem a existecircncia de bommau o que explica o habitual

caraacutecter neutro dos kami Todavia eacute possiacutevel constatar a presenccedila de categorias de rei e kami

que funcionam como arautos de desgraccedila humana e natural representando o oposto do que eacute

ldquobomrdquo goryō onryō e akuryō (悪霊) este uacuteltimo traduzido literalmente por ldquorei malignosrdquo

139

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 100 140

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 141

ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and

Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-

amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 54

satildeo exemplos de entidades espirituais cuja razatildeo de existecircncia eacute a de causar danos agraves pessoas

objetos casas urgindo a realizaccedilatildeo de rituais proacuteprios de ldquopacificaccedilatildeordquo e ldquoexorcismordquo que

supostamente expulsamremovem permanentemente quaisquer influecircncias negativas Por sua

vez os yūrei (幽霊) ldquorei obscurosrdquo enquadram-se mais no mundo folcloacuterico japonecircs e satildeo

geralmente identificados como ldquoespiacuteritos vingativosrdquo ou ldquoapariccedilotildeesrdquo cuja presenccedila eacute teacutenue

mas forte o suficiente para serem ldquosentidosrdquo em locais como florestas e montanhas

No que concerne a kami malignos estes satildeo nada mais do que a antiacutetese de musubi e

pureza se a maioria dos kami desdenham ldquode comportamento disruptivo de ordem social ou

natural juntamente com poluiccedilotildees (kegare) tais como sujidade sangue e morterdquo 142

e a sua

origem eacute responsabilidade do princiacutepio de ldquocriaccedilatildeordquo e Ordem coacutesmica um outro grupo de

kami partilha de uma natureza totalmente oposta favorecendo a destruiccedilatildeo da Ordem os

magatsubi no kami ou magatsui no kami (禍津日神 ) Responsaacuteveis por ldquodesgraccedilas

inevitaacuteveisrdquo e reinando ldquosobre erro e impurezardquo eacutetica os magatsui no kami residem nas

profundezas do Yomi ao contraacuterio dos restantes kami que vivem em Takamagahara e no

mundo terreno possuindo uma ldquoessecircncia liacutempidardquo 143

magatsui no kami satildeo os agentes da

desordem distinguindo-se dos restantes kami que favorecem a Ordem

Neste sentido os magatsui no kami relacionam-se com magagoto (凶悪事) palavra

que subentende ldquodesgraccedilas maacutes accedilotildees e calamidadesrdquo 144

ao contraacuterio dos naobi-no-kami

capazes de ldquorestaurar o estado normal e trazer de volta o mundo puro claro proacuteprio e reto

dos Deusesrdquo 145

constroacutei-se deste modo a ideia do mal percecionado como Desordem e

anormalidade que deve ser combatido pelo indiviacuteduo praticante Via dos kami enfatizando os

aspetos sociais e eacuteticos de shintō

A visatildeo eacutetica proposta por shintō eacute resultado da receccedilatildeo e interpretaccedilatildeo de ideias

confucianas e japonesas Aliaacutes na sociedade arcaica japonesa jaacute existia uma distinccedilatildeo entre

ldquobons atosrdquo e ldquomaus atosrdquo que determinavam a culpabilidade ou inocecircncia de um ofensor

perante a unidade familiar ou o clatilde ldquoeacuteticardquo correspondia numa primeira instacircncia a um

conjunto de praacuteticas e dizeres transmitidos de forma oral e de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que eram

142

MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of

Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt

(consultado em 24-06-2018) 143

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 144

NISHIOKA Kazuhiko ldquoMagakoto (also Magagoto)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines

Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23670gt

(consultado em 24-06-2018) 145

PICKEN Stuart op cit p 273

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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de certo modo complementares agrave execuccedilatildeo do ritual os termos yoshi e ashi respetivamente

significando ter ou carecer de ldquovalorrdquo expressavam as ideias de bemmal 146

Por outras

palavras viver em sociedade natildeo seria possiacutevel se natildeo se adotassem certos comportamentos

que fossem eticamente bons isto eacute natildeo reprovaacuteveis aos olhos da comunidade e eacute claro dos

kami que apesar de natildeo possuiacuterem uma natureza nem boa ou maacute tambeacutem eles satildeo capazes

das piores ofensascrimes isto eacute tsumi (罪) como se pode constatar no caso de Susano-o

No domiacutenio ritual a ldquopurezardquo eacute um atributo interno e externo tanto ao homem como

ao kami kami satildeo considerados essencialmente ldquopurosrdquo ldquoliacutempidosrdquo e uma forma de vida

superior aos homens adotando comportamentos corretos que servem de modelo para os

humanos (com a exceccedilatildeo dos magatsui no kami) e partilhando do ldquoelo espiritualrdquo que os une

nesta realidade isto eacute a mitama Contudo apenas os humanos possuem a capacidade de se

tornar kami apoacutes a morte do corpo seguindo um ldquoprocesso de purificaccedilatildeo que os torna em

espiacuteritos ancestraisrdquo e cuja exceccedilatildeo agrave regra encontra-se por exemplo nos imperadores

considerados akitsu-mikami durante a sua vida 147

O entendimento deste processo de purificaccedilatildeo (jōka) natildeo se pode dissociar de kokoro

e makoto ambos fundamentando a noccedilatildeo de ldquoretidatildeordquo (natildeo necessariamente no sentido

confuciano da palavra) expressa pelo jaacute mencionado termo naobi ou simplesmente nao a

antiacutetese de todos os vocaacutebulos conotados com a ideia de ldquomalrdquo Por outras palavras o

reconhecimento da importacircncia de ldquopurezapurordquo soacute eacute justificado pela existecircncia de ldquoimpurezardquo

que conduz agrave Desordem um natildeo existe sem o outro sendo que na linguagem shintō tudo que

eacute negativo e impuro envolve tsumi (罪) e kegare (穢) duas formas de impureza eacutetica e fiacutesica

respetivamente agraves quais se lhe junta imi (忌) frequentemente interpretado no sentido de

ldquotaburdquo tsumi kegare e imi satildeo com efeito os agentes da Desordem que o ser humano deve

evitar

Incorporados em shintō este trio fortalece a relaccedilatildeo desta Via com a sociedade se a

primeira palavra tsumi tem implicaccedilotildees legais e continua a fazer parte da linguagem do dia-a-

dia sendo usada no campo religioso ou no domiacutenio legislativo kegare tende a associar-se ao

domiacutenio mais ldquolituacutergicordquo de shintō tal como imi que consoante o kanji usado denota o que eacute

considerado puro (positivo) e impuro (negativo)

146

ONO Sokyō op cit pp 105-107 147

UEDA Kenji ldquoConcepts of Humanity (Ningenkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines

Basic Concepts (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23642gt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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No que concerne a tsumi este eacute foneticamente lido agrave maneira chinesa como sai (ou

zai) e apesar de ter sido escolhido para traduzir o conceito de ldquopecadordquo segundo a visatildeo

religiosa cristatilde 148

tsumi possui um forte significado natildeo religioso encontrando-se expressotildees

na linguagem corrente tais como dōzai (同罪 partilha do crimeculpa) e shazai (謝罪)

desculpas como forma de aliviar o sentimento de culpa hanzai (犯罪) ldquocrimerdquo entre outras

Com efeito tsumi eacute antes de mais ofensa crime e maacute accedilatildeo Eacute talvez neste sentido

que Nishigaki Yukio identifica tsumi como togame - uma palavra traduzida por ldquoacusaccedilatildeordquo ou

ldquocensurardquo ndash e a uma abreviatura da forma nominal do verbo tsutsumu (障) designado tsutsumi

sendo que o kanji eacute lido como sawaru - homoacutefono do verbo ldquotocarrdquo (sawaru 触る ) -

indicando ldquotornar-se um obstaacuteculordquo 149

denotando um entrave agrave Ordem Por conseguinte esta

interpretaccedilatildeo ecoa a sugestatildeo de Picken que aponta para a variedade de significados de tsumi

ndash ldquopoluiccedilatildeo doenccedilas e desastre bem como errordquo ndash tendo o cuidado de incluir a sua vertente

praacutetica ldquoaccedilotildees situaccedilotildees ou circunstacircncias indesejadas podem causar impureza e devem ser

lidadas por evitaccedilatildeo ou purificaccedilatildeo ritualrdquo 150

designada de ldquoabstinecircnciardquo (imi 斎) e harai

(祓)

Contudo o conceito de ldquoerradordquo parece surgir em textos confucianos integrando

uma das partes da dicotomia boas accedilotildeesmaacutes accedilotildees apesar da ausecircncia de [罪 ] o seu

significado eacute substituiacutedo por outros que partilham das mesmas conotaccedilotildees negativas o

caractere [犯] usado para formar o verbo japonecircs okasu traduzido por ldquocometerrdquo (maus atos)

e que eacute frequentemente interpretado como um possiacutevel sinoacutenimo de tsumi 151

Aliaacutes na

linguagem japonesa moderna natildeo eacute estranho encontrar-se tsumi junto de okasu como se

constata na frase ldquocometer ofensasrdquo (tsumi wo okasu 罪を犯す) reforccedila-se deste modo a

ideia de que tsumi eacute especificamente algo negativo e condutor agrave Desordem

148

MATSUMOTO Shigeru ldquo 罪 つ み rdquo コ ト バ ン ク (on line) Disponiacutevel em

lthttpskotobankjpwordE7BDAA-99474gt (consultado em 24-06-2018) 149

NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p325 150

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 171 151

Por exemplo nos ldquoAnalectosrdquo de Confuacutecio (Lun Yu em japonecircs Rongo 論語) regista-se no primeiro

ldquoensinamentordquo do disciacutepulo Yu Zi (有子) o caratere [犯] que eacute traduzido por Lau como ldquotransgressatildeordquo uma

consequecircncia do natildeo seguimento do caminho proposto por ren No entanto na citaccedilatildeo do uacuteltimo livro de

ldquoAnalectosrdquo [惡] indica ldquodetestar fazer algordquo CONFUacuteCIO The Analects Lun Yu Translated by DC Lau HK

Chinese University Press 1983 pp 2-3 pp 194-195

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Por conseguinte a noccedilatildeo de Desordem provocada por ldquomaus comportamentosrdquo eacute

ilustrada nos Analectos pelo caractere [惡] 152

traduzido por ldquomalrdquo (no sentido eacutetico e natildeo

religioso) em japonecircs o caractere usado eacute a forma arcaica de [悪] cujo radical eacute nada mais

do que kokoro lido como aku o kanji pode ser usado para caraterizar uma coisa uma

condiccedilatildeo e ainda a proacutepria personalidade do indiviacuteduo ldquomaldaderdquo ldquomaurdquo ldquomalignordquo ou

ldquomaldosordquo derivam da leitura de aku como warui 153

No fundo [犯] e [惡] satildeo nada mais do

que comportamentos puniacuteveis por lei e cuja eliminaccedilatildeo resultaria do constante cultivo interior

do caraacutecter da pessoa

Na realidade japonesa tsumi opotildee-se ao corretolegal Karl Florenz comenta que ldquoa

sociedade japonesa arcaica possuiacutea nem coacutedigos legais nem direitos descritivos por isso os

castigos das ofensas eram delegados inteiramente agrave discriccedilatildeo do indiviacuteduo magoado ou da

comunidaderdquo no seu entender tsumi eram ldquomaus atosrdquo (crimes) cuja gravidade determinaria

o grau do castigo variando entre pena capital escravatura expulsatildeo e confiscaccedilatildeo total ou

parcial das propriedades do acusado 154

Ora esta linha de pensamento eacute seguida por Felicia Bock que afirma o facto de tsumi

existirem de forma pouco consistente no quadro de costumes das pessoas da planiacutecie do

Yamato (periacuteodo preacute-Japatildeo imperial) juntamente com as ldquopalavras do soberanordquo e

julgamentos apoiados em provaccedilotildees (fogo sobretudo) e ainda ldquoxamatildesrdquo ou ldquointeacuterpretes da

vontade dos kami ou divindadesrdquo tsumi corresponderia agraves ldquoofensas pelas quais uma pessoa

pode ser considerada culpadardquo listadas e descritas em episoacutedios do Kojiki e Nihon shoki Caso

se fosse considerado a um niacutevel mais ldquolituacutergicordquo tsumi podia contaminar uma pessoa (tsumi-

bito 罪人) urgindo a sua eliminaccedilatildeo atraveacutes de ldquocertos ritos prescritosrdquo executados pelos

membros do Jingikan que deste modo asseguravam a ordem no territoacuterio japonecircs aleacutem de se

recorrerem a meacutetodos de cariz social tais como a atribuiccedilatildeo de multas ldquoque eram impostas

152

Duas das frases mais emblemaacutetica do uso de [惡] como antiacutetese de ldquobemrdquo e eacute claro ldquobenevolecircnciardquo (ren仁)

pertencem ao terceiro e quarto ldquoensinamentosrdquo de Confuacutecio do ldquoquarto livrordquo no primeiro caso o caractere natildeo

surge de forma isolada identificando a natureza da pessoa como ldquomaacuterdquo (惡人) por oposiccedilatildeo agrave de uma ldquopessoa boardquo

(好人) ldquo唯仁者能好人能惡人rdquo na frase ldquo苟志于仁矣無惡也rdquo [惡] eacute uma ldquoinfluecircncia negativardquo que se

pode ldquoeliminarrdquo CONFUacuteCIO op cit pp 28-29 153

NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p 599 154

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112

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para absolver uma pessoa de algum crime social tal como roubar a esposa de outro homemrdquo

155

Para todos os efeitos tsumi satildeo o coletivo de atos condenaacuteveis dentro de uma

sociedade os mais graves (amatsu-no-tsumi) correspondem os oito tsumi cometidos por

Susano-o durante o seu episoacutedio de rebeldia contra a ordem de Takamagahara 156

o kami

assume o papel do indiviacuteduo que age contrariamente ao que eacute suposto pois as suas accedilotildees

potildeem em causa o estado harmoacutenico da sua comunidade (de kami) que soacute seria reposta apoacutes

Amaterasu sair da Ama no Iwato

No que concerne aos kunitsu no kami estes satildeo essencialmente um ldquooposto

complementar (hellip) enfatizando maacutes accedilotildees mundanasrdquo nomeadamente ldquoincesto bestialidade e

auguacuterios natildeo auspiciosos e magia que antecipam principais eventos catacliacutesmicosrdquo 156

Jaacute

Felicia Bock divide-os em ldquoquebras de tabus tribais e contaminaccedilotildees causadas por eventos

naturaisrdquo constatando-se uma forte consciencializaccedilatildeo destas ldquocomunidades primaacuteriasrdquo no

que concerne a doenccedilas e comportamentos irregulares ou perigosos o corte de carne viva e

morta que demonstra o respeito pelos seres vivos lepra branca imperfeiccedilotildees deacutermicas

violaccedilatildeo da proacutepria matildee violaccedilatildeo de crianccedilas coabitaccedilatildeo com animais afliccedilatildeo de coisas

rastejantes divindades aves ldquomorte de animais e contaminaccedilotildees originadas por feiticcedilariardquo 157

Contudo a classificaccedilatildeo dos tsumi natildeo eacute a prioridade das fontes literaacuterias arcaicas

no episoacutedio protagonizado pela viuacuteva do Imperador Chūai (Jingū-kōgō神功皇后) do Kojiki

a nomeaccedilatildeo de nove ofensas denota a perspetiva dos japoneses em relaccedilatildeo a comportamentos

socialmente desviantes sobretudo de cariz sexual - a copulaccedilatildeo com quatro espeacutecies animais

(cavalos vacas paacutessaros e catildees) e o incesto satildeo considerados tsumi ndash aos quais se lhe juntam

as praacuteticas de esfolamento animal a destruiccedilatildeo dos campos de arroz e ainda a ldquodefecaccedilatildeo em

espaccedilos sagradosrdquo (no original kusohe 屎戸) 158

Aliaacutes eacute tambeacutem nesta passagem que se constata a atribuiccedilatildeo de um caraacutecter mais

ldquoritualrdquo a tsumi evidenciado pela presenccedila das palavras harai (祓い) um processo que tem

como meta a restauraccedilatildeo da pureza reunindo-se para o efeito oferendas oriundas de todos os

155

BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by

Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 156

TSUSHIRO Hirofumi ldquoAmatsu tsumi Kunitsu tsumirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines

Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23381gt

(consultado em 24-06-2018) 157

BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by

Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 158

Com a excepccedilatildeo das formas de bestialidade e incesto os tsumi mencionados satildeo posteriormente categorizados

como amatsu no tsumi TAKEDA Tsunegaki op cit pp217-219

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cantos do territoacuterio e os proacuteprios tsumi kegare (穢) denotando a sujidade inerente deste tipo

de conduta (tsumi) que eacute eliminada por harai sendo defecaccedilatildeo um ato associado agrave ldquosujidade

fiacutesicardquo Com efeito realizar haraiharae devolve a ldquopurezardquo ao espaccedilo que tinha sido

ldquocontaminadordquo Ora neste episoacutedio particular a ldquobuscardquo de tsumi decorre em simultacircneo com

os preparativos para o ldquoritualrdquo fuacutenebre (mogari) do Imperador Chūai (仲哀天皇) 159

Tal como no Kojiki tambeacutem o Nihon shoki define tsumi como condutas ofensivas

no Inverno do 11ordm dia do 10ordm mecircs (quinto do ano de reinado) do Imperador Richū (履中天皇)

conclui-se que a suacutebita morte da Imperatriz tinha sido causada por uma ldquomaldiccedilatildeordquo (tatari 祟

り) enviada pelos ofendidos kami de Tsukushi no seguimento de dois tsumi cometidos por

Kurumamochi-be ndash taxar as terras administradas pelo Imperador sem autorizaccedilatildeo e ter

colocado ao seu serviccedilo (do ofensor) os suacutebditos dessa mesma terra acabando por usurpar a

posiccedilatildeo dos kami aiacute venerados Como puniccedilatildeo o soberano japonecircs obriga o ofensor a

executar misogi e posteriormente demite-o do seu cargo 160

se tsumi eacute a raiz de desarmonia

provocada pela accedilatildeo humana individual e repercutida no coletivo misogi eacute nada mais do que

o seu oposto focando-se na reposiccedilatildeo da Ordem pelo responsaacutevel assumindo contornos de

purificaccedilatildeo interna

Num dos eacuteditos do Imperador Yūryaku (雄略天皇) tsumi adquire uma natureza

ldquoperdoaacutevelrdquo ao escutar a canccedilatildeo entoada por Hata-no-sake-no-kimi o imperador absolve o

carpinteiro Kodakumitsuke-no-mita de ter forccedilado sexualmente 161

uma uneme 162

de Ise (na

verdade a jovem em questatildeo meramente tinha-se distraiacutedo a olhar para Kodakumitsuke-no-

mita estragando uma das oferendas que tinha acabado de preparar) 161

uma vez que o tsumi

de que tinha sido acusado o carpinteiro eacute considerado de tal ordem grave que o Imperador

pensou condenaacute-lo agrave morte eacute possiacutevel concluir que relaccedilotildees sexuais (forccediladas) justificavam a

pena capital

159

Nihonsinwa ldquo大祓いと罪悪rdquo (A Grande Purificaccedilatildeo e Crimes) 仲哀天皇(古事記)(Imperador Chūai

Kojiki) (on line) lthttpnihonsinwacompage577htmlgt (consultado em 24-06-2018) 160

Nihonsinwa ldquo履中天皇(十一)車持部の罪rdquo (Imperador Richū 11 O crime de Kurumamochi-be) 履中天皇 反正天皇(日本書紀)(Imperador Richū Imperador HanzeiHanshō Nihon shoki) (on line) lthttp

httpnihonsinwacompage1396htmlgt (consultado em 24-06-2018) 161

Nihonsinwa ldquo木工鬪鶏御田の冤罪と秦酒公の琴の声rdquo (As falsas acusaccedilotildees de Kodakumitsuke-no-mita e

a voz da biwa de Hata-no-sake-no-kimi) 雄略天皇(日本書紀)四十二 (Imperador Yūryaku Nihon shoki

42) (on-line) lthttpnihonsinwacompage1469htmlgt (consultado em 24-06-2018) 162

Uneme (采女) designa uma rdquofuncionaacuteriardquo da corte geralmente nomeada pelo Imperador ou pela Imperatriz

Segundo Nishigaki a funccedilatildeo destas jovens eacute de cuidar ldquodos afazeres do quotidianordquo dos seus empregadores

incluindo preparar a comida NISHIGAKI Yukio op cit p116

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 60

No registo de Veratildeo do ano seguinte tsumi eacute novamente uma ofensa de natureza

sexual o crime cometido por Hatane-no-mikoto ndash um parente afastado do atual imperador

legitimando eventuais ambiccedilotildees ao trono ndash eacute o de sorrateiramente ter tido relaccedilotildees com

Yama-no-be-no-Koshimako Apoacutes purificar-se de tais atos recorrendo ao pagamento em

cavalos e tachi (nome para uma katana longa) Hatane eacute posteriormente obrigado pelo

imperador a lsquodepositar no chatildeorsquo os seus pertences numa outra localizaccedilatildeo perdendo o seu

estatuto social Se neste caso a puniccedilatildeo de Yūryaku serve para preservar a sua posiccedilatildeo

poliacutetica impedindo um hipoteacutetico golpe de estado 163

no primeiro episoacutedio o castigo eacute

aplicado como forma de justiccedila pelos terriacuteveis atos do carpinteiro

Como se pode constatar nos exemplos referidos tsumi expressa um uacutenico crime algo

repercutido no registo do Imperador Ankan (安閑天王) no 12ordm mecircs do primeiro ano de

reinado o termo eacute usado para indicar o roubo do colar por parte de uma jovem e que o

imperador resolve ldquoarrependerrdquo (aganai 贖い164) um procedimento no qual se reunia uma

seacuterie de pessoas conhecidas do acusado que entregavam riquezas ao imperador esperando-se

desta forma evitar o ldquocontaacutegiordquo de tsumi cometido pelo criminoso Curiosamente a viacutetima do

roubo tambeacutem eacute incluiacuteda neste conjunto de pessoas justificado pelos receios de contaminaccedilatildeo

165 neste sentido tsumi eacute duplamente uma ofensa individual e algo de natureza

ldquocontaminadorardquo conotada com kegare e Desordem

Em outras croacutenicas como a dos Imperadores Bidatsu (敏達天皇) Kōtoku (孝徳天皇

e Tenmu (天武天皇) tsumi corresponde a crimes cometidos pela mesma pessoa ou por um

conjunto de indiviacuteduos no primeiro caso tsumi descreve dois atos de Naniwa - ter ldquoenganadordquo

a corte (de certo modo um caso de insubordinaccedilatildeo) e de ter feito com que um diplomata do

reino de Kōryo fosse morto 166

no segundo ano do terceiro mecircs de Kōtoku identificam-se os

163

Eacute interessante ver que o verbo okasu eacute usado nesta passagem para identificar o crime Dependendo do

contexto o verbo pode significar ldquoviolarrdquo ecoando as suspeitas do Imperador no episoacutedio anterior Outro termo

a ter em conta eacute o de ldquopurificaccedilatildeordquo harai natildeo envolve misogi mas natildeo deixa de ser harai distinguindo-se como

um tipo de harai associado a ldquopagamentosrdquo Nihonsinwa ldquo歯田根命は山辺小嶋子と姦通し罪を問われるrdquo

(Hatane-no-mikoto eacute interrogado pelo crime de adulteacuterio com Yamanobe-no-Koshimako) 雄略天皇 日本書紀( 四 十 三 ) (Imperador Yūryaku Nihon shoki 43) (on line) lthttpnihonsinwacompage1471htmlgt

(consultado em 24-06-2018) 164

Aganai deriva do verbo aganau (贖) ou ldquoarrependerrdquo no sentido de ldquocompensarrdquo por maus atos Outra

definiccedilatildeo possiacutevel eacute enterrar riquezas no chatildeo NISHIGAKI Yukio op cit p 27 165

Nihonsinwa ldquo廬城部連枳莒喩の娘の幡媛の罪物部尾輿も土地を献上rdquo (O crime da rapariga Hatahime

de Iwogibe-no-muraji-kyū Mononobe-no-Ōmuraji-okoshi tambeacutem presenteia no chatildeo) 安閑天皇 宣化天皇(日本書紀)(Imperadores Ankan Senka Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1603htmlgt

(consultado em 24-06-2018) 166

Nihonsinwa ldquo難波の罪を数えるrdquo (Contar os crimes de Naniwa) 敏達天皇 日本書紀 Imperador Bidatsu

Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1731htmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 61

criminosos e o crime de que satildeo acusados nomeadamente roubo de bens (cavalos armas

tecidos) a outros membros da corte e funcionaacuterios 167

Por uacuteltimo o Imperador Tenmu

menciona sete ldquocoisas maacutesrdquo (ashiki koto 悪しきこと ) cometidas por um clatilde o que

normalmente justificaria a presenccedila deste no palaacutecio a fim de se proceder a um

questionamento oficial Contudo a interceccedilatildeo de um outro indiviacuteduo em favor deste clatilde

resulta na concessatildeo de um perdatildeo imperial caso tornassem a cometer crimes natildeo teriam a

mesma sorte 168

Eacute impossiacutevel natildeo se constatar uma espeacutecie de consciencializaccedilatildeo japonesa no que

concerne agrave Desordem e os possiacuteveis meios para a combater todos os ldquoritosrdquo que precedem os

matsuri e outros atos de veneraccedilatildeo aos kami envolvem algum tipo de ldquopurificaccedilatildeordquo (coisas

pessoas e espaccedilos) expressando-se uma clara atitude de abominaccedilatildeo por tsumi kegare e imi

Ora numa abordagem mais teoacuterica o antagonismo eacute colocado de parte e qualquer um destes

conceitos pode ser analisado enquanto objeto de estudo facultando o desenvolvimento de

novas perspetivas da dicotomia ldquobemmalrdquo em contexto shintō

Segundo Ōwaki Yukiko a linha de pensamento de Norinaga atenta na natureza

ldquoinclusivardquo e natildeo ldquoexclusivardquo de tsumi tornando-o um coletivo de um certo nuacutemero de crimes

socialmente reprovaacuteveis de kegare magakoto e maga ou seja todo o tipo de ldquocoisasrdquo

negativas associadas ao ldquomalrdquo uma palavra que natildeo se deve identificar com o ldquomalrdquo segundo

a visatildeo religiosa ocidental 169

Ao reconhecer a dicotomia DesordemOrdem o indiviacuteduo

deixa-se guiar pelos kami da Ordem - Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大

直毘神) - pedindo-lhes emprestado o ldquopoder da sua mitamardquo isto eacute a sua ldquoessecircnciardquo Seguir

kami no michi torna-se deste modo seguir a Via favoraacutevel agrave purificaccedilatildeo das intenccedilotildees

permitindo afastar a influecircncia negativa e prejudicial de maga que por sua vez se foca em

espalhar Desordem pelo mundo 170

167

O kanji [過] ndash toga sinoacutenimo de tsumi ndash associa-se a okasu reforccedilando a sua leitura enquanto algo de

natureza criminosa Nihonsinwardquo孝徳天皇(二十六)穂積臣咋と巨勢徳禰臣の罪rdquo (Imperador Kōtoku 26

O Crime de Hozumi-no-Omi-kui e Kose-no-tokone-no-Omi (on line) 日本書紀 孝徳天皇 (Nihon shoki

Imperador Kōtoku) lthttpnihonsinwacompage2079htmlgt (consultado em 24-06-2018) 168

Nesta passagem ashiki koto substitui tsumi Nihonsinwa ldquo東漢直の7つの罪恩により許されるrdquo (Os

crimes dos Yamato-no-aya-no-atai Devido agrave graccedila [imperial] satildeo perdoados) 天武天皇(六十)日本書紀

(Imperador Tenmu 60 Nihon shoki) (on-line) lthttpnihonsinwacompage2317htmlgt (consultado em 24-06-

2018) 169

ŌWAKI Yukiko ldquoつみ 罪 Tsumirdquo 万葉神事語辞典 (Dicionaacuterio de 10 mil fragmentos dos assuntos de

kami) (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_dsgampdata_id=68730gt

(consultado em 24-06-2018) 170

MOTOORI N ldquo1-9 直毘霊rdquo(なおびのみたま) (1-9 Naobi no mitama) 古事記傳 (Kojikiden) (on

line) lthttpkumoi1webfc2comCCP059htmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 62

Com efeito a visatildeo particular de Norinaga em relaccedilatildeo a nao (直) e maga (禍) revela-

se fundamental para a compreensatildeo de kami no michi como um Caminho de retorno a uma

Ordem criada por algo natildeo humano e expressa pela naobi-no-mitama (直毘霊) Em outras

palavras nao eacute a antiacutetese de maga algo jaacute aludido na proacutepria etimologia dos dois vocaacutebulos

conotados com coisas ldquopositivasrdquo e ldquonegativasrdquo nao eacute entendido como ldquocorretordquo ldquodireitordquo e

ldquoretordquo uma disposiccedilatildeoatitude preferiacutevel e consequentemente uma caracteriacutestica ligada agrave

Ordem 171

ndash significa ldquocurarrdquo ou ldquopacificarrdquo consoante o contexto ndash maga eacute uma ldquocoisa maacute

desastrerdquo associando-se ainda ao kanji [曲] presente no verbo magaru traduzido por ldquovirarrdquo

ou ldquotorcerrdquo172

Todavia este ldquotorcerrdquo eacute permanente evidenciando a capacidade do indiviacuteduo

prevalecer sobre a influecircncia de maga magamal natildeo eacute inato ao homem justificando o

porquecirc de shintō tradicionalmente definir o homem pela sua ldquoboardquo natureza argumentando

que natildeo existem ldquopessoas maacutesrdquo (por natureza) mas ldquomaacutes intenccedilotildeesrdquo ldquodoenccedilasrdquo e ldquocoisas maacutesrdquo

neste mundo que satildeo impulsionadas pela existecircncia inevitaacutevel de maga 172

Com efeito este

manga eacute um entrave temporaacuterio agrave Ordem interpretaccedilatildeo ecoada por Ono Sokyō Referindo-se

agrave perspetiva ldquoxintoiacutestardquo antiga de uma ldquoorigem exteriorrdquo do mal este uacuteltimo identifica tal

origem com o ldquomundo da escuridatildeordquo personificado pelos magatsui no kami ldquoespiacuteritos

malignosrdquo admitindo que o homem vive num ldquomundo bomrdquo (um mundo de kami criado pelo

musubi) e a sua ldquoalmardquo eacute inerentemente boa ldquoo homem comete males porque perdeu foi-lhe

retirada a capacidade para accedilatildeo normalrdquo 173

Neste sentido tanto o Kojiki como o Nihon shoki apresentam uma explicaccedilatildeo para a

existecircncia desta Desordem Desordem eacute uma consequecircncia da libertaccedilatildeo no mundo de kegare

do Yomi-no-kuni contraiacutedo por Izanagi aquando da sua passagem por este domiacutenio inferior

Caracterizado pela sua sujidade 174

Yomi eacute o mundo dos mortos portanto eacute loacutegico que tudo

que faccedila parte desse lugar seja o oposto da Ordem oferecendo um viacutevido contraste com o

171

NISHIGAKI Yukio op cit p457 172

NISHIGAKI Yukio op cit p529 173

ONO Sokyō op cit pp105-107 174

A utilizaccedilatildeo da palavra ldquosujidaderdquo eacute justificada pela leitura do kanji [穢] como kitanaki presente na fala de

Izanagi O kami tem consciecircncia de ter regressado de uma ldquoterra sujardquo (kitanaki kuni 穢國) e procura de imediato

uma fonte de aacutegua para poder lavar o seu corpo (misogi) No texto original a frase lecirc-se ldquoA wa ina

shikomeshikomeki kitanaki kuni ni itarite arikeri Kare A wa mimi no misogi senrdquo (吾者到於伊那志許米志許

米岐 穢國而在祁理故吾者爲御身之禊而) sendo que [吾] eacute uma forma arcaica do pronome pessoal ldquoeurdquo

KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)

lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-

2018)

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 63

mundo dos vivos gerado pela vontade dos kami e no qual aflui vida se os kami satildeo

consequecircncia de musubi os magatsui no kami possuem uma natureza diferente no Kojiki

correspondem a Yasomagatsubi-no-kami (八十禍津日神) e Ōmagatsubi-no-kami (大禍津日

神) e no Nihon shoki este uacuteltimo eacute substituiacutedo pelo Ōayatsubi-no-kami (大綾津日の神)

notando-se a inclusatildeo do som aya cujo significado eacute proacuteximo de maga 175

Aparecendo depois dos kami que se manifestaram agrave medida que Izanagi-no-kami se

despia os magatsui no kami satildeo corporizaccedilotildees de kegare Mencionados durante o ritual

misogi harai este par daacute iniacutecio ao ciclo de Desordem e Ordem reconhecido pelo indiviacuteduo

Desordem precede a Ordem que eacute interpretada como a ldquoessecircnciardquo dos naobi-no-kami ou seja

Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大直毘神) e ainda Izunome-no-kami (伊

豆能賣神) 176

A niacutevel etimoloacutegico a escolha do nome dos primeiros dois kami natildeo eacute uma escolha

aleatoacuteria na ediccedilatildeo do Kojiki-den (1940) compilado por Kurano Kenji Norinaga comenta que

os magatsui no kami possuem uma parte inicial que reforccedila a noccedilatildeo de ldquomuitordquo isto eacute yaso e

ō respetivamente uma parte do meio especificamente conotada com ldquonegativordquo (maga e aya)

a partiacutecula bi (日 ) que serve de auxiliar de fala tal como se constata no bi (毘 ) em

Kamunaobi-no-kami e Ōnaobi-no-kami Por conseguinte maga koto e jaaku (凶事邪悪)

derivam da tamashii de magatsubi no kami acrescentando-se que o verbo naosu (直す) pode

corresponder ldquoao ato de purificar atraveacutes de enxaguar o corpordquo (naosu to wa tsumari

susugikiyomerukoto wo iu 直すとはつまり滌ぎ清めることを言う) se maga significa

kegare kiyomeru eacute naosu Por outro lado naobi refere-se agrave mitama (御魂) capaz de efetuar

este naosu em maga acalmando a sua influecircncia 177

Se Norinaga eacute assertivo na origem exterior do mal que afeta tudo em nosso redor

imaginando um magatsubi no kami como derradeira personificaccedilatildeo das coisas malignas

outros autores natildeo compartilham dos mesmos sentimentos com um especial destaque para o

seu grande rival e anterior disciacutepulo Hirata Atsutane Apesar de aceitar a dicotomia maganao

175

Aya eacute o mesmo som presente em palavras simbolizando ldquoperigordquo e ldquocriserdquo (adjetivos ou pressentimentos) tais

como ayaui e ayabumu (Nishigaki pp 55-56) Portanto se Ōmagatsubi eacute literalmente ldquograndeenorme desastrerdquo

o Ōayatsubi eacute ldquograndeenorme perigordquo a conotaccedilatildeo ldquonegativardquo permanece MOTOORI N ldquo6-2 神代四之

巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi) 古事記傳 (Kojikiden) (on line)

lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 176

KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)

lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-

2018) 177

MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)

古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018)

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Hirata defende uma perspetiva inclusiva de ldquomalrdquo apoiada na ideia de que o ser humano

possui no seu interior o ldquoespiacuterito de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo

errado foi cometidordquo e o ldquoespiacuterito de Naobi-no-kamirdquo responsaacutevel por moderar a atuaccedilatildeo do

indiviacuteduo de uma forma relaxada e tranquila 178

Neste sentido definiram-se duas caracterizaccedilotildees distintas no que concerne agrave

interpretaccedilatildeo de mal Norinaga eacute um notoacuterio apoiante da teoria lsquomal= antiacutetese do bemrsquo em

todos os seus sentidos comentando o facto de magatsubi no kami ser uma forccedila que o homem

eacute incapaz de resistir e no seu maior extremo adquire uma natureza incontrolaacutevel indomaacutevel

fora do alcance do poder da kami do Sol e de Takagi no Ōkami (um outro termo para Taka-

musubi-no-kami) Contudo independentemente da sua existecircncia neste mundo ldquoos maus

kamirdquo agem simplesmente de acordo com a sua natureza e podem ser aplacados atraveacutes de

ldquoveneraccedilatildeo e execuccedilatildeo de purificaccedilatildeo quando algueacutem estabeleceu contacto com poluiccedilatildeordquo

No fundo a sua influecircncia negativa pode ser apaziguada e retificada graccedilas ao cultivo de uma

atitude de ldquoobservaccedilatildeo correta de veneraccedilatildeordquo 179

Por outro lado Hirata propotildee uma teoria diferente no sexto volume do Koshiden (古

史伝 ca 1812-1825) o autor rejeita a teoria de que magatsubi-no-kami e naobi-no-kami

associam-se somente agrave aramitama e nigimitama de Amaterasu respetivamente Ou seja a

dualidade aramitamanigimitama eacute comum a qualquer kami encontrando-se exemplos de

veneraccedilatildeo muacutetua da aramitama e nigimitama em locais especiacuteficos (cultos de Ise e Izumo)

Aliaacutes a anaacutelise de Hirata permitiu o estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre dois kami e uma

ldquopresenccedila interiorrdquo (mitama) capaz de exercer influecircncia de forma positiva e negativa se

naobi-no-kami pertence agrave nigimitama de Ōmikami (Amaterasu) magatsubi no kami

corresponde agrave aramitama de Susano-o-no-mikoto 180

explica-se deste modo o seu

comportamento tempestuoso e irasciacutevel que levaria ao seu afastamento de Takamahara como

compensaccedilatildeo pelos seus tsumi

Com efeito quer se trate de um kami quer de um homem todos tecircm no seu interior a

capacidade de distinguir o ldquocorretordquo do ldquoerradordquo sendo que uma orientaccedilatildeo correta eacute parte

das responsabilidades do ldquoespiacuteritordquo de Naobi-no-kami moderando-se a atuaccedilatildeo do indiviacuteduo

178

PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 273 179

UEDA Kenji ldquoMagatsubi no Kami and Motoori Norinagarsquos Theologyrdquo Institute for Japanese Culture and

Classics Kokugakuin University (on line) lthttpwww2kokugakuinacjpijccwpcpjrkamiuedahtmltnoteIgt

(consultado em 24-06-2018) 180

HIRATA A ldquo古史伝 6rdquo National Diet Library (on-line) lthttpdlndlgojpinfondljppid772144gt

(consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 65

de uma forma relaxada e tranquila Em contrapartida o ldquoerradordquo eacute representado pelo ldquoespiacuterito

de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo errado foi cometidordquo 181

Ora a existecircncia de um kami da Desordem (interior) natildeo implica a adoccedilatildeo de um

comportamento exclusivamente negativo e incorreto por parte deste magatsubi-no-kami eacute

uma consequecircncia e natildeo a raiz desta conduta tornando-se ldquoviolentordquo no caso da presenccedila de

kegare Estando esta ausente tal comportamento perde a sua razatildeo de ser possibilitando a

transiccedilatildeo do magatsubi no kami para um kami capaz de ldquoconceder felicidaderdquo um kami

beneacutefico e cuja essecircncia nunca pode ser maleacutefica antes pelo contraacuterio 182

No Japatildeo dos dias de hoje os conceitos ldquobemmalrdquo satildeo mais ambiacuteguos do que claros

a classificaccedilatildeo de accedilotildees em boasmaacutes depende das ldquocircunstacircncias motivos propoacutesitos

tempo lugarrdquo embora uma coisa seja certa a ldquosinceridaderdquo do nosso ldquocoraccedilatildeordquo que rege uma

conduta ldquoproacutepriardquo e cortecircs favoraacutevel ao natildeo conflito e agrave manutenccedilatildeo da paz e ordem socialrdquo

Tudo que potildee em causa a harmonia merece o roacutetulo de ldquomalignordquo quer se trate de ldquopecados

poluiccedilatildeo e desastresrdquo cabendo agrave ldquoalmardquo do ser humano distinguir entre o bem e o malrdquo 183

algo que soacute eacute possiacutevel se se cultivar uma relaccedilatildeo suficientemente forte com os kami atraveacutes

desta ligaccedilatildeo muacutetua o homem aprende a afastar-se do que lhe eacute prejudicial uma preocupaccedilatildeo

que se estende a qualquer vertente de shintō dos dias de hoje a reposiccedilatildeo da Ordem eacute sem

duacutevida a grande prioridade dos rituais que se esforccedilam por combater qualquer forma de

Desordem

A segunda grande causa da Desordem eacute kegare uma ldquocondiccedilatildeo poluiacuteda e malignardquo

A ldquoantiacutetese de purezardquo kegare eacute ldquoresultado de fenoacutemenos ocorrentes naturaisrdquo e possui uma

natureza facilmente ldquocontaminaacutevelrdquo uma vez que ldquoquando esta corrupccedilatildeo aderia ao indiviacuteduo

tambeacutem trazia calamidades agrave sociedaderdquo 184

Um termo descritivo de ldquoespeciacuteficos tipos de

impureza causados pelo parto menstruaccedilatildeo doenccedilas e morte (hellip) presenccedila de kegare eacute

ignorada tatari (desgraccedila) pode chegar como avisordquo 185

kegare distingue-se de tsumi por ser

sensorialmente impuro distanciando-se do sentido de eticamente impuro patente em tsumi a

conduta errada que danifica o proacuteprio indiviacuteduo e o coletivo

181

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 273 182

KOYASU Nobukuni Hirata Atsutane no Sekai (平田篤胤の世界) Tokyo Berikansha 2001 p205 183 ONO Sokyō op cit pp105-107 184

NISHIOKA Kazuhiko ldquoKegarerdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23417gt (consultado em 24-06-

2018) 185

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 191

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 66

A niacutevel etimoloacutegico kegare pode ser escrito de duas formas se usado no discurso do

dia-a-dia utiliza-se [汚] um kanji presente em kitanai (汚い) ou ldquosujordquo kegarawashii (汚ら

わしい) ou ldquonojentordquo yogosu (汚す) e yogoreru (汚れる) respetivamente ldquosujarrdquo e ldquosujar-

serdquo oshoku (汚職) ou ldquocorrupccedilatildeordquo e ainda osen ( 汚染) isto eacute e ldquopoluiccedilatildeordquo (ecoloacutegica)

composto pelo kanji [汚] e pelo kanji usado para escrever o verbo someru (染める) traduzido

por ldquopintarrdquo (no sentido de ldquomancharrdquo) Em suma uma condiccedilatildeo na qual o indiviacuteduo ou o

objeto natildeo estaacute limpo assemelhando-se aos vocaacutebulos fujō (不浄 ldquoimpurordquo) e fuketsu (不潔

ldquonatildeo higieacutenicordquo)

Em contrapartida o kegare ritual escreve-se com o kanji [穢] e o seu som kega eacute um

homoacutefono do vocaacutebulo kega (怪我) significando ldquoferidardquo ou ldquomagoarrdquo involuntariamente

como resultado de erros cometidos claramente reforccedilando a sua conotaccedilatildeo negativa

evidenciada pelo verbo kegareru (汚れる穢れる) que supostamente se desenvolveu graccedilas agrave

junccedilatildeo da partiacutecula ke (geralmente lida como ki 気) e do verbo karu escrito com o mesmo

kanji [離] usado em hanareru (れる) isto eacute ldquoafastar-serdquo 186

Neste sentido kegareru pode ser melhor descrito como uma certa accedilatildeo que provoca

o afastamento do ki - espeacutecie de ldquofluxo de energiardquo imanente em tudo que eacute vivo ndash e

consequentemente eacute capaz de atrair todo o tipo de influecircncias negativas Aliaacutes alguns

estudos modernos realizados por japoneses atribuem a origem de kegare (穢) agrave expressatildeo

kegare (気枯) que constituiacuteda pela junccedilatildeo de ki e kare - forma nominal do verbo kareru

geralmente traduzido por ldquomurcharrdquo - kegare (気枯) significaria literalmente ldquoki que murchardquo

ecoando esta ideia de ldquoafastamento do kirdquo que eacute nada mais do que perda de vitalidade 187

Uma Desordem natural que eacute combatida pela purificaccedilatildeo quer recorrendo ao natildeo

contacto com certos alimentos ou objetos (mono imi 物忌) ou agrave realizaccedilatildeo de ldquoabluccedilotildeesrdquo que

afetem a ldquomente e corpordquo (心身) do indiviacuteduo enquanto este venera os kami kegare eacute ldquoum

estado de divergecircncia do que eacute comum uma condiccedilatildeo que se deve abster-se com receiordquo

Caracterizada pelo gradual murchar de ke ndash substitui-se o kanji [気] pelo de [褻] que significa

ldquomundanordquo ndash kegare pode ateacute afetar os alimentos utilizados nos matsuri ao mesmo tempo

que se reconhece a natureza sagrada destas oferendas pensava-se que os alimentos (odango

feijatildeo) eram ldquotambeacutem uma existecircncia sujardquo que justificava a sua eliminaccedilatildeo pela aacutegua fogo

186

NISHIGAKI Yukio op cit pp269-270

187 ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 67

sal e lama elementos portadores de ldquoefeitos purificadoresrdquo (jōka sayō 浄化作用) sendo

destruiacutedos ou queimados apoacutes as festividades 187

Numa interpretaccedilatildeo alternativa eacute possiacutevel explicar kegare como uma das partes da

dicotomia kegarehare para a antropoacuteloga Namihira Emiko kegare expressa ldquoocasiotildees

poluentes tais como funerais ritos memoriais nascimento de crianccedilas menstruaccedilatildeo feridas

(hellip) poluiccedilatildeo pode vir tanto de morte como de sanguerdquo por oposiccedilatildeo a hare ldquoocasiotildees

auspiciosas ou felizes formais tais como Ano Novo festivais matsuri Shinto Miyamairi e

outras cerimoacutenias Shintordquo positivas 188

de celebraccedilatildeo da vida e reposiccedilatildeo da Ordem

conotando-se com o que na linguagem contemporacircnea eacute automaticamente reconhecido como

ldquopurezardquo

Automaticamente associado a coisas impuras kegare eacute essencial no entendimento da

tradiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo do geacutenero feminino sobretudo no que diz respeito a kegare oriundo

de sangue (menstruaccedilatildeo) e do parto posteriormente identificados com ldquoimpureza vermelhardquo

(aka fujō 赤不浄) e ldquoimpureza brancardquo (shira fujō 白不浄) respetivamente um sistema de

classificaccedilatildeo que remonta somente ao Periacuteodo Meiji acrescentando-se uma terceira ldquoforma de

impurezardquo haacute jaacute muito reconhecida na sociedade japonesa e capaz de afetar ambos geacuteneros a

ldquoimpureza negrardquo (kuro fujō 黒不浄) 189

sinoacutenimo de shie ou ldquokegare da morterdquo (死穢)

caucionando o indiviacuteduo contra o prolongado contacto direto e indireto com mortos

Ora jaacute as primeiras fontes histoacutericas japonesas perspetivam kegare como uma forma

de Desordem se no Nihon Kōki (日本後紀) o termo quase nunca surge de forma isolada

fazendo parte das palavras [凶穢] [損穢] [汚穢] e [ 穢悪之事] respetivamente registadas

nos anos 797 806 815 e 811 190

no Zoku Nihongi (続日本紀) regista-se [有穢] ou ldquokegare

arirdquo (ldquoter kegarerdquo) aludindo agrave materializaccedilatildeo de kegare 191

Uma vez que tanto o nascimento e a morte de animais ou humanos satildeo kegare eacute

possiacutevel afirmar que enquanto conceito kegare sofreu uma elevada consciencializaccedilatildeo no

seio da sociedade japonesa ndash kegare eacute algo que pode ldquomancharrdquo e ldquocontaminarrdquo ndash ao ponto de

interferecircncia nos rituais aos kami como se pode constatar no Nihon Sandai Jitsuroku (日本三

188

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 309-310 189

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (Distortion of Japanese Tradition) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22

190 SAEKI A 日本後紀 朝日新聞本 (Nihon Goki Versatildeo do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-

textscomchukokoukiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 191

MIZUMOTO Masahisa ldquo大本敬久 触穢の成立 日本古代における「穢」概念の変遷rdquo (ldquoBook review

lsquoDevelopment of Shokue Changes of the Kegare Concept in the Ancient Japan by Ōmoto Takahisarsquordquo) Buraku

Kaihō Kenkyū (部落解放研究) nordm 199 2013 pp 118-123

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 68

代実録) Por outras palavras a presenccedila de kegare pode justificar o cancelamento de certos

matsuri encontrando-se vaacuterias referecircncias a esta ldquointerrupccedilatildeordquo (teishi停止) no registo do ano

683 (Kinensai e Hirano Umemiya matsuri) e no de 866 e 874 (Tsukinamisai) outro exemplo

a ter em consideraccedilatildeo data do seacutetimo ano da era Jōgan (nono mecircs deacutecimo primeiro dia) e

ilustra kegare como algo nocivo agrave execuccedilatildeo dos ldquoritosrdquo no Ise Jingū que eacute eliminado por

membros da corte 192

Podendo ser visto ouvido degustado cheirado e tocado algo expresso no conceito

de shokue (触穢) literalmente ldquokegare de toquerdquo ndash o primeiro kanji eacute o mesmo usado para o

verbo ldquotocarrdquo (sawaru) ndash kegare eacute classificado por fontes do Periacuteodo Heian como o jaacute

mencionado Nihon Sandai Jitsuroku que lista as seguintes categorias shokue (nas croacutenicas

dos anos 859 862 e 886) shie (episoacutedios dos anos 861-864 865 871 876 878-879 880

882-883 885-887) - especificando se se trata da morte de um animal (catildees cavalos raposa)

ou de um humano (人死穢 e 人死之穢) procedendo-se ao cumprimento de regras de

ldquoabstenccedilatildeordquo como medidas de contingecircncia contra o alastramento de impureza - e san no

kegare exclusivamente associado a catildees ndash no texto original lecirc-se presumivelmente inu sanrsquoe

(犬産穢) ndash descritos no nono mecircs do terceiro dia (ano 865) no deacutecimo mecircs do seacutetimo dia

(ano 867) em dois dias do ano 870 nos anos 877 879 880 884 885 e por uacuteltimo no ano

886 193

Quanto a ketsue (血穢) ou chi no kegare a ldquoimpureza de sanguerdquo eacute discriminada no

episoacutedio do Kojiki (reinado do Imperador Keikō) que descreve o casamento entre Yamato-

takeru-no-mikoto (倭建命) e a menstruada Miya-uke-hime (美夜受比売) um facto entoado

num ldquopoemardquo (uta 歌) pelo proacuteprio esposo e correspondido por esta na noite de nuacutepcias

Assim ketsue eacute o melhor representante da visatildeo lsquosangue = impurezarsquo independentemente de

este pertencer a uma mulher ou a um homem o sangue de um ser vivo era encarado num

misto de receio e fasciacutenio pensando-se que este liacutequido era portador de ldquoum poder forterdquo

192

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 193

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 69

Como resultado o sangue tornar-se-ia um imi (忌) a nunca referir em discurso muito menos

durante a realizaccedilatildeo dos atos de veneraccedilatildeo aos kami 194

Em contrapartida tambeacutem o Saigūki (西宮記 ca seacutec X) regista casos de ketsue

durante o Kamo-matsuri no quarto mecircs do ano 839 e no Sono-matsuri segundo mecircs do ano

851 190

Seguidamente em contexto dos proacuteprios ritos do Naikū a proacutepria palavra ldquosanguerdquo

(血) seria adicionada agrave lista de imikotoba presente no Kōtai Jingū Gishiki-chō 195

Jaacute na 52ordf

aliacutenea do terceiro volume do Engishiki caucionar-se-ia as menstruadas jovens do palaacutecio (ari

tsuki-goto-mono 有月事者) a retirarem-se para suas casas na veacutespera do matsuri e praticar

ldquoabstinecircnciardquo (kessai 潔斎) no terceiro e nono mecircs (Anexo I) 196

Uma vez que o sangue eacute um liacutequido presente no parto de animais e seres humanos natildeo

eacute estranho o facto de o nascimento partilhar do mesmo sentido negativo que a morte ou o

sangue menstrual como jaacute mencionado o Nihon Sandai Jitsuroku cita ocorrecircncias de dano

fetal e nascimento de catildees como motivos para adiar certos ritos 197

e em dois episoacutedios

descritos no ano de 919 (Teishinkōki) e 1119 (Chōshūki) respetivamente se no primeiro caso

esta variedade de kegare eacute mais que suficiente para interromper o Kinensai - agrave semelhanccedila do

ano 683 (Nihon Sandai Jitsuroku) ndash no segundo o parto de uma crianccedila originou kegare que

se espalhou por todos os cantos 198

194

IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 195

O Kōtai Jingū Gishiki-chō foi produzida por volta do seacutec IX pelo Naikū e entregue ao Jingikan para revisatildeo

Interessantemente a maior parte deste conjunto de palavras satildeo de origem ldquobudistardquo refletindo a abominaccedilatildeo de

shintō em relaccedilatildeo a ldquoensinamentos de forardquo Segundo Wada a expressatildeo ldquo 血乎阿世止云 rdquo significa

simplesmente que ldquoaserdquo (阿世) ndash ase pode querer indicar a palavra japonesa para ldquosuorrdquo (汗) - deve ser usada

como ldquosubstituto de ldquochirdquo (sangue) O autor afirma tambeacutem que sangue e urina eram considerados liacutequidos

impuros portanto automaticamente interditos nestes espaccedilos WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ

意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo

Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro

2007 pp 114-136 196

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de

Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 197

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)

198 IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 70

No que concerne a shie esta eacute talvez a forma de kegare mais abominada pela

sociedade japonesa pela sua ligaccedilatildeo direta com a morte morte (intencional ou natural) nunca

eacute motivo de celebraccedilatildeo e os rituais de shintō priorizam a vida ou seja ldquocrescer culturas e

receber vida Receber vida e dar graccedilas agrave vida representa a visatildeo de vida fundamental de

Shintordquo 199

tornando os matsuri natildeo soacute expressotildees de rituais positivos mas tambeacutem

celebraccedilotildees da vida da sociedade aproximando o indiviacuteduo do coletivo

Com efeito se a vida aproxima a morte afasta e traz consigo kegare a sua existecircncia

poderaacute provocar o cancelamento de certos matsuri Ao longo da histoacuteria do Japatildeo morte

nunca foi desassociada de kegare e imi sendo que ateacute mesmo a sociedade contemporacircnea

hesita em referir-se abertamente agrave morte individual de seres humanos respeitando uma seacuterie

de regulaccedilotildees que envolvem a natildeo pronunciaccedilatildeo de palavras que pudessem ser analogias agrave

morte (imikotoba) a praacutetica de ldquokichūrdquo (忌中) entre as pessoas da mesma famiacutelia do falecido

a distribuiccedilatildeo de um tipo de ldquosal purificadorrdquo (kiyome no shio 清めの塩 ) entre os

participantes do funeral Incidentalmente o costume ldquomodernordquo de visitar as campas dos

antepassados e dos membros da famiacutelia recentemente falecidos era totalmente posto de parte

pela corte do Periacuteodo Heian temendo-se o perigo de contaminaccedilatildeo devido agrave forte ldquoligaccedilatildeo de

sanguerdquo entre membros da mesma famiacutelia (sobretudo parentes proacuteximos) 200

Surgindo frequentemente no Kojiki e Nihon shoki kegare natildeo passa de uma palavra

(adjetivo verbo ou nome) sem categorizaccedilotildees integrando um grupo de vocaacutebulos constituiacutedo

por termos de conotaccedilatildeo negativamaligna kitanashi (垢濁悪) ashi (悪邪 凶) arashi

(荒) shiko (醜 凶) e maga (禍 悪 禍害枉 凶) 201

Ora independentemente da ausecircncia do

kanji (死穢) ambas fontes reconhecem a natureza ldquopoluenterdquo da morte no Kojiki o Yomi-no-

kuni eacute descrito como um local desolador repleto de kegare no qual residem mulheres ldquoodiosasrdquo

e um mundo afastado de tudo que eacute vivo Assim na passagem do retorno do Izanagi ao

mundo da superfiacutecie o kanji eacute lido pela primeira vez como adjetivo (kitanaki) 202

199

SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological Religion Masterrsquos Degree

Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of the

University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark Teuween 2011 200

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 201

ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 202

KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)

lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 71

Com efeito a relaccedilatildeo shi ndash kegare ndash fujō repercute-se no Nihon shoki [穢] marca

presenccedila nas falas de Izanagi primeiro como adjetivo qualificativo de um ldquolugar horrendo e

sujordquo (inashikomeki kitanaki tokoro 不須也凶目汚穢之處) que eacute identificado com o Yomi-

no-kuni o mundo dos mortos Seguidamente o kanji precede o de [濁] ou nigoru (ldquoturvordquo)

base dos nigorasu nigoraseru e um sinoacutenimo de yogoreru (ldquosujar-serdquo) descreve-se deste

modo o corpo fisicamente ldquosujordquo de Izanagi-no-mikoto que precisa de ser lavado (mi no

kegawashikimono wo arai saran 身の濁穢 を滌い去らん) 203

A associaccedilatildeo entre a morte e a Desordem estende-se para laacute dos episoacutedios de cariz

mitoloacutegico o registo da regente imperial Kōgyoku nota que no seguimento da morte (em

territoacuterio japonecircs) de um filho do diplomata do reino coreano de Paekche nenhum dos

membros da famiacutelia se dignou a aparecer no seu funeral temendo-se uma possiacutevel

contaminaccedilatildeo Apesar de esta atitude de evitaccedilatildeo natildeo ser japonesa a popularidade de obras

chinesas que descreviam as cerimoacutenias e os ritos funeraacuterios (envergamento de branco cor do

luto) contribuiria para a fundamentaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de evitaccedilatildeo de shie a vaacuterios niacuteveis

comeccedilando com definiccedilotildees do enterro a interdiccedilatildeo da cerimoacutenia mogari e outros costumes

que envolviam a morte (corte de cabelo para o bem dos mortos) 204

Por volta do Periacuteodo Heian jaacute era ldquooficialrdquo a abominaccedilatildeo dos membros da corte em

relaccedilatildeo a kegare o Kōnishiki (弘仁式) do Saigūki o Jingiryō e eacute claro o Engishiki definem

kegare como um conjunto de atos a evitar por parte dos indiviacuteduos no seacutetimo volume do

Saigūki nascimento e morte de pessoas e animais domeacutesticos o consumo de carne destes

uacuteltimos fazer luto e visitar doentes implicava um periacuteodo de ldquoevitaccedilatildeordquo ritual de trinta dias

(morte humana) sete dias (nascimento humano) cinco dias (morte animal) e trecircs dias

(consume de carne luto e visita de doentes) 205

No que concerne ao Jingiryō segundo as aliacuteneas dedicadas agrave ldquoabstinecircnciardquo (散斎条)

enterrar coisas em casa luto visita de doentes consumo de carne natildeo produccedilatildeo de muacutesica

entre outros atos de caraacutecter legal (ldquonatildeo julgar em tribunais natildeo punir culpadosrdquo) justificam

este ritual de reposiccedilatildeo da Ordem cuja duraccedilatildeo depende da dimensatildeo dos ritos em questatildeo

203

SAKAMOTO Trdquo一書第六 原文rdquo (Sexto livro Texto Original) 日本書紀 卷第一 第五段 (Nihon

shoki Primeiro Capiacutetulo Quinta Secccedilatildeo) (on line) lthttpwww004uppso-

netnejpdassai1shokiframe0105_06frhtmgt (consultado em 24-06-2018) 204

ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 205

IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 72

(inspirado nos coacutedigos da dinastia Tang) ldquograndes ritosrdquo soacute se realizavam apoacutes um periacuteodo de

ldquoabstenccedilatildeordquo mensal (1ヶ月の斎を大祀) trecircs dias no caso dos ldquoritos meacutediosrdquo (3日の斎を

中祀) e um dia para os ldquoritos pequenosrdquo (1日の斎を小祀) 206

Agrave semelhanccedila de Jingiryō e do Saigūki o Engishiki repercute a tendecircncia de

ldquoevitaccedilatildeordquo como o uacutenico modo de se precaver contra os perigos de kegare formalmente

designando esta de shokue Mencionada sobretudo no terceiro volume concretamente nas

aliacuteneas 47 48 53 e 54 shokue deve ser eliminado consoante as especificaccedilotildees presentes no

Saigūki na segunda aliacutenea os atos de luto (弔喪) visitar doentes e ldquoalcanccedilar um lugar onde

um montemontanha estaacute a ser construiacutedo ou encontrar um serviccedilo memorial Budista de 37

diasrdquo inviabiliza a entrada do indiviacuteduo no ldquoPalaacutecio Imperial nesse diardquo independentemente

de o proacuteprio natildeo estar contaminado (Anexo I) Na terceira aliacutenea afirma-se que shokue pode

ser transmitido de um local para uma pessoa ou um grupo apesar de natildeo haver risco de

kegare para as pessoas em contacto com uma segunda pessoa ldquocontaminadardquo Jaacute na uacuteltima

aliacutenea a presenccedila de kegare num ldquooficial do Palaacuteciordquo natildeo pode comprometer os

procedimentos dos matsuri 207

O aprofundamento do estudo do conceito de kegare tambeacutem facultou o

desenvolvimento de toda uma perspetiva japonesa na qual objetos locais accedilotildees e ateacute mesmo

palavras satildeo rapidamente integradas no quadro cerimonial shintō embora como distintos

entraves a este uacuteltimo Ora apesar de imi natildeo lhe ser inato (a shintō) e jaacute ter existido de forma

latente na sociedade arcaica foi graccedilas ao processo de edificaccedilatildeo desta Via por parte da corte

que imi ndash geralmente entendido num sentido muito negativo ndash gradualmente conjugaria

ambos aspeto de causa e efeito da Desordem e da Ordem evidenciada pela dicotomia imi (忌)

e imi (斎) dois kanji homoacutefonos de significado antiteacutetico que constituem uma seacuterie de

vocaacutebulos e expressotildees geralmente conotadas com o negativo e o positivo respetivamente

No caso do primeiro imi este eacute alternadamente lido como imu e ki (foneacutetica chinesa)

marcando presenccedila nas palavras imawashii (忌まわしい) um adjetivo traduzido como ldquomau

pressaacutegiordquo 208

o nome kinki ( 禁忌) accedilatildeo interdita em meios sociais (ldquofrases proibidasrdquo

206

IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)

lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 207

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de

Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 208

NISHIGAKI Yukio op cit p90

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 73

denominam-se kinku 禁句) expressa numa atitude de afastamento e natildeo contacto com certas

coisas - uma vez que ldquoquebrar o tabu convidaria desgraccedilas tais como feridas e doenccedilasrdquo 209

e

as imikotoba (忌詞) cuja pronunciaccedilatildeo atrai ldquomaacute-sorterdquo ldquodesastresrdquo e ldquodesgraccedilasrdquo 210

Englobando dezenas de verbos adjetivos e outros vocaacutebulos do dia-a-dia imikotoba

natildeo devem ser proferidas em casamentos e noivados (acabar ndash owaru cortarcortar-se ndash

kirukireru) admissotildees escolares e empresariais e sucesso no trabalho (desistirparar ndash yameru

interrupccedilatildeo ndash chūshi) abertura de lojas e negoacutecios (fechar ndash tojiru perder ndash makeru) gravidez

e parto (cair ndash ochiru jazer ndash horobiru fraco ndash yowai murchar ndash kareru) construccedilatildeo de casas

(fogo - hika fumo ndash kemuri) e ainda expressotildees de longevidade 211

Por conseguinte imi (忌) eacute integrado na terminologia fuacutenebre japonesa kichū (忌中)

e kiake (忌明け) expressam o periacuteodo preacute-definido e o fim de [忌] cujo objetivo eacute fazer com

que o indiviacuteduo receie a morte e tudo que esteja relacionado com esta justificando uma

conduta mais cuidada moderada e austera Neste sentido o familiar do falecido refreia-se de

praticar os atos de veneraccedilatildeo em jinja sendo-lhe interdita a entrada na aacuterea destes uacuteltimos e a

sua participaccedilatildeo em matsuri ocasiotildees festivas (casamentos e outras cerimoacutenias viagens

luacutedicas) eventos de celebraccedilatildeo (adiados ateacute kiake) renovaccedilatildeo da casa solo e compras de

grande porte Para o efeito o indiviacuteduo pode escolher sujeitar a casa a uma purificaccedilatildeo

domeacutestica denominada kiake harai (忌明け祓い) cinquenta dias apoacutes a morte do falecido

De caraacutecter muito simples esta praacutetica envolve a entoaccedilatildeo de uma inori por parte de um

ldquoprofissionalrdquo 212

209

Iwai Hiroshi acrescenta que este kinki se relaciona com abstinecircncia do indiviacuteduo (monoimi) sendo que no

caso dos que executam os ritos kami procurava-se manter ldquoum estado de pureza fiacutesica e mentalrdquo evitando

contactar coisas poluiacutedas por um periacuteodo especiacutefico No caso da morte de um parente as pessoas de luto nunca

podem sair agrave rua IWAI Hiroshi ldquoKinkirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on

line) httpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23410gt (consultado em 24-06-

2018) 210

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 171-172

211 Muitas destas palavras foram escolhidas pelo seu significado negativo e ldquopessimistardquo por exemplo ldquopartirrdquo

(saruwareru) e ldquocortar (kiru) podem indicar um eufemismo para morte acrescentando-se o nuacutemero quatro (shi)

que eacute homoacutefono da palavra ldquomorterdquo (shi) Fumitei お祝いには避けたい 忌み言葉 (Querer evitar em

celebraccedilotildees as imikotoba) (on line) lthttpwwwfumiteijpstep3imi_kotobahtml04syussangt (consultado em

24-06-2018) 212

Imi varia consoante o membro da famiacutelia em questatildeo e geralmente eacute feito em simultacircneo com fuku (服) se

bem que este uacuteltimo associa-se ao esforccedilo mental do indiviacuteduo que procura ultrapassar a sensaccedilatildeo de perda e

regressar agrave sua vida normal algo que pode estender-se ateacute seis meses Hyōgo-ken Jinja-chō 先祖のおまつり

(Celebraccedilatildeo dos antepassados) (on line) lthttpwwwhyogo-jinjachocomfaqfaq08htmlgt (consultado em 24-

06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 74

Como se pode constatar a maioria das palavras derivadas de [忌] natildeo possuem um

significado positivo (exceccedilatildeo de kiake e kiake harai) o que eacute concordante com a tradiccedilatildeo de

lsquoimi= malrsquo ilustrada na literatura de corte dos Periacuteodos Nara-Heian (manuais e outros textos

rituais) assemelhando-se aos termos kegare e tsumi

No entanto deve-se ter sempre em consideraccedilatildeo a natureza ambiacutegua deste termo

Nishigaki Yukio (2005) define imu (忌斎) como lsquocoisas sagradasrsquo (shinsei na mono 神聖な

もの) morte e coisas sujas que as pessoas do Japatildeo antigo pensavam que natildeo se podiam tocar

devido ao facto de possuir um poder forterdquo 213

capaz de influenciar positiva e negativamente o

indiviacuteduo ecoando a interpretaccedilatildeo sugerida por Okada Shigekyo (1982) na sua pesquisa

acerca do significado dual de imi o autor menciona o facto da palavra imu (斎) ser usada para

qualificar ldquocoisas purasrdquo (seijōshōjō na mono 清浄な物) e indicar assuntos de kami que

envolviam uma ldquoabstinecircncia optimistardquo contrastando com imu (忌) que denotava ldquocoisas

impurasrdquo (fujō na mono 不浄な物) relacionando-se com os afazeres de kami e puacuteblicos

(negativos por natureza) que obrigavam a uma atitude automaacutetica de afastamento 214

como

meio de repor a Ordem

A ideia de um imi positivo e um imi negativo tambeacutem eacute partilhada por Ama

Toshimaro (1991) embora nos dias de hoje ldquoimirdquo (イミ) tenha adquirido o significado de

[忌] [禁忌] e [禁制 concordante com uma atitude de evitaccedilatildeo na liacutengua japonesa imi possui

um outro significado se for escrito com o kanji [斎] passando a ler-se imi (斎み) termo que

indica a palavra seishin kessai (精神潔斎)rdquo ndash literalmente kessai mental entendida no sentido

de ldquoabstinecircncia positiva do corpordquo (sekkyokuteki ni mi wo tsutsushimi積極的に身を慎み) ndash

e consequentemente ldquoaponta o ato de o proacuteprio decidir entrar no mundo sagrado dos kamirdquo

Por outras palavras se [忌み] indicar sobretudo um princiacutepio comportamental negativo pode-

se dizer que [斎み] eacute um princiacutepio comportamental positivo concentrado na ldquodiscriccedilatildeordquo 215

No Nihon shoki a divisatildeo natildeo eacute sempre clara imi (忌) eacute usado na palavra ōmimi (所

忌 ) alimentos proibidos de consumo por parte do imperador evidenciando a noccedilatildeo de

213

NISHIGAKI Yukio op cit p90 214

IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes

Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice

(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 215

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 75

ldquoabstinecircnciardquo e tambeacutem o estatuto especial do soberano japonecircs uma vez que todos os sais

satildeo-lhe proibidos excepto um sal especiacutefico 216

Contudo caso a situaccedilatildeo descrita seja negativa abandona-se a conotaccedilatildeo positiva de

imi evidenciado por expressotildees cujo significado pode ser de facto considerado como algo de

caraacutecter ldquopessimistardquo a palavra [国忌齋] designando o periacuteodo de ldquoabstinecircnciardquo (忌斎)

vigente em todo o paiacutes (adiamento de qualquer tipo de rituais shintō e enfoque nos rituais

budistas dirigidos aos mortos) ordenado primeiramente por Jitō e que duraria uma semana 217

e eacute claro o ldquodia de imirdquo (imibi忌日) indicando especificamente a data da morte do imperador

(dia 16 do segundo mecircs do segundo ano de Jitō) 218

Jaacute no Nihon Sandai Jitsuroku imibi eacute

formalmente explicado nos anos de 859 (o imibi de uma Imperatriz e natildeo do Imperador) 868

(Imperador Montoku decorrido anualmente no oitavo mecircs) e ano 886 (imibi do Imperador

Ninmyō vigeacutesimo primeiro dia do terceiro mecircs constatando-se a anual leitura de sutras no

tempo Unrin-in (雲林院) 219

Por outro lado a conotaccedilatildeo negativa de [忌] natildeo eacute muito visiacutevel no Kōtai Jingū

Gishiki-chō uma vez que eacute a presenccedila do kanji [忌] nas palavras [忌柱] [忌鍬] e [忌種] que

as reveste de uma natureza sagrada proacutepria de oferendas consagradas nos ritos aos kami uma

forma de culto que se estenderia ao proacuteprio Imperador realizando-se cerimoacutenias que

envolviam a preparaccedilatildeo de alimentos (arroz sobretudo) Submetidos a um processo de

abstinecircncia pelo fogo (imibi忌火) este arroz designar-se-ia oficialmente [忌火御飯] sendo

servido no primeiro dia do sexto mecircs 220

No que diz respeito ao Engishiki segue-se esta tendecircncia na qual o kanji pode

expressar coisas positivas (exceccedilatildeo de imikotoba) de entre as quais imibi presente no Niwabi-

216

Nihonsinwa ldquo大伴金村による真鳥の誅殺と塩の呪いrdquo (A execuccedilatildeo criminal de Matori e a maldiccedilatildeo do

sal devido a Ōtomo-no-kanemura) 武烈天皇(八)日本書紀 (Imperador Buretsu 8 Nihon shoki) (on line)

lthttpnihonsinwacompage1537htmlgt (consultado em 24-06-2018) 217

Sekai Daihyakka Jiten Dai 2 Han (Grande Enciclopeacutedia do Mundo Segunda Ediccedilatildeo) ldquo国忌rdquo (Kokki) コト

バンク (Kotobank ) (on line) lthttpskotobankjpwordE59BBDE5BF8C-498821gt (consultado

em 24-06-2018) 218

SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on

line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 219

SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do

Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 220

ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and

barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 76

matsuri (庭火祭) e Niinamesai (新嘗祭) celebrados no deacutecimo segundo mecircs e deacutecimo

primeiro respetivamente 221

Se na perspetiva anterior ao Periacuteodo Nara defendia-se o significado sagrado da

palavra imi no periacuteodo de expansatildeo das culturas Nara e Heian constata-se o oposto a

interaccedilatildeo entre shintō e outras Vias urge uma necessidade de divisatildeo entre coisas maacutes e coisas

boas rotulando-se deste modo a tradiccedilatildeo de ritos fuacutenebres imperiais como ldquoritos malignosrdquo

(kyōrei 凶礼) o ldquomalignordquo eacute o representante de algo contraacuterio agrave Ordem que se distingue de

outros ritos imperiais e dos matsuri nacionais interpretados como ldquocomportamento benignordquo

(yoshimichi吉義) e portanto de impacto positivo 222

Consequentemente a influecircncia de imi na sociedade japonesa estender-se-ia ao

domiacutenio do discurso tornando as imikotoba palavras ldquonegativasrdquo mas que natildeo deixam de ser

sagradas no sentido de a sua pronunciaccedilatildeo transportar consigo um poder inexplicaacutevel e natildeo

fiacutesico 223

Uma vez que a ideia japonesa de ldquosagradordquo natildeo faz a distinccedilatildeo entre coisas

boasmaacutes inexplicaacuteveis por meios convencionais eacute possiacutevel afirmar que esta

consciencializaccedilatildeo da existecircncia de palavras perigosas no discurso contemporacircneo reflete o

lado mais prejudicial da tradiccedilatildeo japonesa de kotodama (言霊)

Associada a um domiacutenio natildeo tatildeo material mas mais subtil e espiritual kotodama eacute

uma palavra composta pelo kanji de ldquopalavrardquo (言) e o de ldquoespiacuteritordquo (tama eacute a leitura

alternativa do termo rei) e ldquorefere-se ao poder espiritual contido dentro de palavras mas

tambeacutem refere agrave concepccedilatildeo de que poder espiritual pode ser manifestado atraveacutes da entoaccedilatildeo

de palavrasrdquo 224

Neste sentido kotodama pode condicionar uma divisatildeo bipartida favoraacutevel ao

modelo ldquopensamento -palavra-accedilatildeordquo no qual o falante escolhe cuidadosamente o que quer

dizer atraindo coisas boasmaacutes para si e para os seus se norito satildeo boas para quem as entoa (e

para quem as escuta) as imikotoba (忌詞) ndash palavra composta pelo termo imi e o kanji lido

221

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第二 神祇二 四時祭下rdquo (Segundo Livro Jingi Dois Matsuri das

Quatro Estaccedilotildees Parte Inferior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi02htmgt (consultado em 24-06-2018) 222

AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review

International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 223

WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos

Antigos e a consciencializaccedilatildeo de ldquoimpurezardquo) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro

Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa

Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 224

YONEI Teruyoshi ldquoKotodamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 77

como kotoba (詞) - provocam efetivamente a Desordem ao serem portadoras impliacutecitas de

ldquoimpurezardquo (kegare) a niacutevel discursivo devendo por isso sujeitar-se a uma peculiar

purificaccedilatildeo abstinecircncia vocabularverbal

Devidamente listadas nos coacutedigos e regulaccedilotildees cerimoniais de entatildeo as imikotoba

eram evitadas atraveacutes da sua substituiccedilatildeo por outros termos parecidos no Kōtai Jingū Gishiki-

chō ldquobater numa pessoardquo [人打] eacute substituiacutedo por atsu (奈津) naku (鳴) ndash homoacutefono do

verbo chorar (naku 泣く ) do qual derivam laacutegrimas ndash eacute trocado por shiotare (塩垂 )

significando literalmente rdquoderramar salrdquo [宍] ndash refere-se a carne de animais ndash eacute substituiacuteda

por [多気] nakago (中子) eacute usado em vez de butsu (仏) indicando o local de veneraccedilatildeo de

estaacutetuas budistas a palavra sutra (kei 経) eacute trocada pela expressatildeo arcaica [志目加彌]

traduzida como ldquosomekamisomegamirdquo literalmente ldquopapel pintadordquo ndash os primeiros dois kanji

indicariam uma leitura foneacutetica do verbo ldquopintarrdquo (someru) e os outros a palavra japonesa

para ldquopapelrdquo (kami紙) ndash uma vez que desde o Periacuteodo Nara que os rolos de pergaminho eram

pintados com a cor amarela algo que supostamente servia de estrateacutegia contra os insetos 225

Seguindo o meacutetodo de substituiccedilatildeo os vocaacutebulos ldquopagoderdquo (tō 塔) ldquomongerdquo (hōshi

法師) o ldquolaicordquo upāsaka (ubasoku 優婆塞) ldquotemplordquo (tera 寺) ldquoabstinecircncia de comidardquo

(toki斎食) ldquomorterdquo (shi 死) ldquocampardquo (hakaba 墓) e ldquodoenccedilardquo (yamai病) satildeo abandonados

em favor de kanji foneticamente lidos como verbos ou simples termos japoneses utiliza-se

ldquocabelo compridordquo (kaminaka髪長) para ldquomongerdquo uma expressatildeo que natildeo reflete a realidade

uma vez que uma das caracteriacutesticas visiacuteveis dos monges e monjas eacute o corte regular do

cabelo em vez de ldquomorterdquo recorre-se agrave expressatildeo naoru (奈保利物) significando o verbo

ldquocurarrdquo (naoru) isto eacute trazer de volta a ldquoforccedila vitalrdquo (生命) o nome nagusamenagusa (慰)

no sentido de ldquoacalmarrdquo eacute usado em vez de ldquodoenccedilardquo 226

Natildeo obstante algumas palavras substitutas satildeo escolhidas pela sua aproximaccedilatildeo agrave

respetiva imikotoba ldquopagoderdquo torna-se araraki (阿良々支) designando a planta ichii cuja

folha dividida lembra a beira do telhado de uma torre ubasoku eacute substituiacutedo por tsunohasu

225

WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos

Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro

Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa

Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 226 WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos

Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro

Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa

Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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(角波須) possivelmente uma referecircncia ao ldquochapeacuteurdquo usado pelos ldquoque acreditam em bukkyōrdquo

(bukkyō shinsha 仏教信者) ldquotemplordquo eacute um conhecido siacutembolo budista daiacute ser evitado no

discurso utilizando-se kawarafuki (瓦葺) katashiki (片食) equivale a toki Por uacuteltimo

ldquocampardquo um local conotado com kegare eacute pronunciado tsuchikure (土村) 226

No Engishiki imikotoba surge por duas vezes no quinto e sexto capiacutetulo o primeiro

grupo diz respeito agrave Saigū (斎宮) de Ise das quais as primeiras sete pertencem agrave linguagem

budista (内七言佛稱中子經稱染紙塔稱阿良良岐寺稱瓦葺僧稱髪長尼稱女髪

長齋稱片膳) outras sete estatildeo fora desta (外七言 死稱奈保留 病稱夜須 哭稱鹽垂 血

稱阿世 打稱撫 宍稱菌 墓稱壤) e as uacuteltimas duas correspondem aos termos tō e upāsaka

( 又別忌詞 堂稱香焼 優婆塞稱角筈) 227

Jaacute o segundo grupo (死稱直 病稱息 泣稱鹽垂

血稱汗 宍稱菌 打稱撫 墓稱壤) marca presenccedila no Saiinshi (齋院司) o Escritoacuterio ao qual

pertencia a Saiō (齋王) que serve o Kamo Jinja (outrora Kamo Daijin 賀茂大神) 228

Como se pode constatar estas duas listas foram sobretudo inspiradas pelas imikotoba

do Kōtai Jingū Gishiki-chō com a exceccedilatildeo de ldquohallrdquo (tō 堂) substituiacuteda por koritaki (香焼 )

- interpretado como o local onde se queima incenso - e do termo ldquomonjardquo (substituiacutedo pelo

feminino de kaminaga isto eacute mekaminaga女髮長)226 a grande diferenccedila entre os grupos de

imikotoba eacute nada mais do que o modo de escrita se as imikotoba da Saigū satildeo registadas num

japonecircs arcaico utilizando-se mais do que um kanji para se chegar ao som pretendido

imitando a linguagem do Kōtai Jingū Gishiki-chō as do Saiinshi sofreram uma simplificaccedilatildeo

utilizando-se somente um kanji ou no maacuteximo dois embora nunca alterando o significado

Tambeacutem conhecida pelos tiacutetulos de ldquoIse no saiō sainaishinnō itsuki no miya termos

que denotam uma princesa abstinente ou consagrada (hellip) escolhida entre as filhas e irmatildes de

um tennōrdquo (natildeo necessariamente o atual Imperador) a Saigū dedicava a sua vida a servir os

kami consagrados ao Ise Jingū e como tal submetia-se a trecircs anos de preparaccedilatildeo ou seja um

periacuteodo de preservaccedilatildeo de uma vida frugal e moderada Chegando a Ise no ldquonono mecircs do

terceiro ano das suas preparaccedilotildeesrdquo esta jovem visitaria o Ise jingū onde consagraria um ramo

de tamagushi ao Naikū e ao Gekū Tal ritual soacute se justificava trecircs vezes por ano durante o

bianual Tsukinamisai e Kannamesai sendo que o nono mecircs era ldquodeclarado um tempo de

227

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em

24-06-2018) 228

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式

(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 79

abstinecircncia geral no domiacutenio restriccedilotildees eram impostas em funerais e outras atividades

inauspiciosasrdquo 229

Uma das figuras mais elevadas na hierarquia de Ise a Saigū assume os deveres de

ldquosumo-sacerdotisardquo dos cultos em Ise e representa a perspetiva japonesa de pureza uma vez

que toda a sua vida era regulada em funccedilatildeo da manutenccedilatildeo deste estado interiorexterior de

pureza sendo forccedilada a retirar-se destes deveres para com os kami aquando da entronizaccedilatildeo

de um novo soberano apesar de natildeo se excluir uma reforma antecipada ldquodevido a morte na

sua famiacutelia sauacutede pobre ou acidentesrdquo 229

evidenciando a preocupaccedilatildeo para com

acontecimentos negativos que suscitam Desordem e uma resposta imediata de reposiccedilatildeo da

Ordem

24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e externa

Na cultura japonesa a palavra ldquopurordquo deteacutem um lugar especial que natildeo pode ser

incluiacutedo junto de uma perspetiva preacute-formatada de lsquoreligiatildeorsquo a noccedilatildeo de pureza estaacute

efetivamente consciencializado no cidadatildeo japonecircs comum integrando uma das partes deste

ciclo de Desordem e Ordem se tsumi kegare e imi satildeo causa e efeito (por vezes simultacircneo)

da Desordem a sua antiacutetese apoia-se principalmente na reordenaccedilatildeo e equiliacutebrio conseguido

atraveacutes da purificaccedilatildeo processo que se pode aplicar a um objeto um espaccedilo ou um corpo vivo

algo que shintō vecirc como prioridade a niacutevel teoacuterico e praacutetico afetando de forma positiva o

indiviacuteduo e o coletivo

Neste sentido purificaccedilatildeo interna e externa eacute a essecircncia dos rituais favoraacuteveis agrave

Ordem e relaciona-se com vaacuterias expressotildees itsuku - itsu significa ldquoclaro e purordquo (segundo

Motoori Norinaga) e define o ato de ldquoservir e executar ritos para os kami apoacutes a purificaccedilatildeo

do corpo e da mente da eliminaccedilatildeo de kegarerdquo aludindo a uma ldquocondiccedilatildeo de pureza onde tudo

que eacute negativo e poluente foi eliminadordquo 230

shizume (鎮静) traduzido como ldquopacificaccedilatildeordquo

no qual se apazigua (osameru 治める) o solo (jichin 地鎮) o fogo (chinka 鎮火) e as

tamashii (chinkontama shizume 鎮魂魂鎮) procurando-se conduzir coisas a um estado

229

NAMIKI Kazuo ldquoSaigūrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices Ancient (on

line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23475gt (consultado em 24-

06-2018) 230

NISHIOKA Kazuhiko ldquoItsukurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23387gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 80

ameno normalizado um processo constatado tanto em rituais executados por profissionais e

praticantes de kyōha shintō como nos matsuri de caraacutecter imperial

No contexto de jichinsai (地鎮祭) - matsuri realizado ldquodiariamente para novos

projetos novas casas novas construccedilotildees na estrada ou construccedilatildeo de qualquer tipordquo - a

ldquopacificaccedilatildeordquo eacute a meta a atingir Primeiro o shinkan presta serviccedilos agrave comunidade

deslocando-se do seu jinja para o local em questatildeo Apoacutes o estabelecimento de um himorogi

delimitado pela shimenawa o shinkan procede a oharai o ato simboacutelico de abanar ldquoa harai-

gushi sobre a aacutereaa pessoa a ser purificadardquo (Anexo II) - apaziguando os kami locais e

protegendo o espaccedilo de influecircncias negativas que recairiam sobre os envolvidos no projeto 231

Em contrapartida chinka era caraterizado como um rito imperial da responsabilidade

do ldquoclatilderdquo Urabe durante o bianual Chinkasai procurando a prevenccedilatildeo de fogos ldquodentro do

palaacutecio imperial e em outras instituiccedilotildees estatais mais do que fogos no geralrdquo 232

se bem que

em Ontake-kyō esta pacificaccedilatildeo tinha como objetivo a ldquopurificaccedilatildeo do crente apoacutes um

elemento quente ter sido suprimidordquo 233

tornando o fogo um agente purificador

Por uacuteltimo os ritos chinkon satildeo dedicados aos vivos e aos mortos se nos dias de hoje

o termo designa o momento de reflexatildeo em silecircncio dentro das imediaccedilotildees do jinja apoacutes

misogi e antes da fase de naorai (直会) isto eacute o momento de completa harmonizaccedilatildeo entre o

indiviacuteduo e o kami (consumo de sake em copos de madeira de cipreste) 234

chinkon era um

meio de defesa contra as tatari (desastres naturais epidemias e mortes suacutebitas) lanccediladas por

onryō de cortesatildeos e poliacuteticos eventualmente venerados como kami 235

Por outro lado o

chinkon do Chinkonsai (realizado na veacutespera do Niinamesai ou do Daijōsai) era uma praacutetica

dedicada aos vivos na qual o Imperador procurava a restauraccedilatildeo da sua sauacutede ldquopuxandordquo de

volta a mitama que estava em risco de sair do corpo 236

Natildeo obstante outros termos devem ser considerados haraiharae eacute na linguagem

shintō o meio mais eficaz de eliminaccedilatildeo de tsumi e kegare Agrave semelhanccedila das palavras

231

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 172

232 NAMIKI Kazuo ldquoChinkasai (hiho shizume no matsuri)rdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals

State Rites (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23099gt

(consultado em 24-06-2018) 233

Segundo Picken apoacutes a chinka shiki (鎮火式) cerimoacutenia na qual o praticante caminha sobre brasas este

uacuteltimo executaria a kugatachi shiki um ritual no qual o corpo deste uacuteltimo eacute salpicado com aacutegua a ferver

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 133

234 PICKEN Stuart op cit p179

235 PICKEN Stuart op cit p18

236 NAMIKI Kazuo ldquoChinkon-sairdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals State Rites (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23100gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 81

ldquopurezardquo ldquosinceridaderdquo ou ainda ldquoharmoniardquo (chōwa 調和) que se aproxima da ideia de

ldquocompletude e todo e eacute tambeacutem um ideal social natildeo apenas um estado de assunto dentro das

relaccedilotildees humanasrdquo 237

haraiharae atinge o exterior e o interior do indiviacuteduo

Ora apesar de hoje se escreverem com o mesmo kanji [祓] harai e harae eram atos

diferentes harai seria uma ldquopurificaccedilatildeo ativardquo - eacute o proacuteprio sujeito que escolhe

conscientemente executar a ldquopurificaccedilatildeordquo como se constata no episoacutedio de Izanagi ndash e harae

derivaria de harawase descrevendo uma ldquopurificaccedilatildeo passivardquo na qual o sujeito ldquoreceberdquo

harae de boa vontade por parte dos responsaacuteveis pelo jinja algo jaacute aludido em certos termos

como haraetsumono (祓具) 238

Alternadamente escritos como [祓物] haraetsumono designa

as ldquooferendas de purificaccedilatildeordquo lanccediladas agrave aacutegua como parte da ceacutelebre Ōharae cujos efeitos

atingem toda a populaccedilatildeo japonesa tornando - a ldquopurardquo a niacutevel natildeo apenas fiacutesico Aliaacutes

Ōharae (大祓) partilha desta aceccedilatildeo uma vez que o objetivo inicial era ldquopurificarrdquo todos os

funcionaacuterios da corte justificando a sua categorizaccedilatildeo como uma cerimoacutenia tutelada pelo

palaacutecio imperial 239

Preservada ao longo dos seacuteculos Ōharae eacute praticada com ecircnfase pela maioria dos

jinja e popularmente designada de Nagoshi no harae (夏越の祓) ndash final de Junho - e

Toshikoshi no harae (年越の祓) ndash final de Dezembro Mencionada no Nihon shoki como

recurso para afastar a ldquoinfluecircncia maligna de um cometardquo este matsuri seria elevado agrave

categoria de ldquocerimoacutenia nacionalrdquo obrigatoacuteria para os jinja do Periacuteodo Meiji e para o efeito

exigia-se um preliminar ritual de purificaccedilatildeo no Sumiyoshi jinja de Toacutequio os participantes

receberiam aiacute o kata-shiro (形代) No dia em questatildeo o ldquomestre dos ritosrdquo daria iniacutecio agrave

cerimoacutenia atraveacutes da invocaccedilatildeo dos kami ao himorogi proferindo uma inori no iniacutecio e no fim

Jaacute a ceacutelebre norito denominada Ōbarae kotoba (大祓詞) seria recitada pelo Norito-shi (祝詞

師 ) apoacutes este explicar o propoacutesito de Ōharae aos presentes Consequentemente seriam

eliminadas da populaccedilatildeo todas as coisas conducentes agrave desordem eacutetica garantindo-se ldquopaz

proteccedilatildeo e felicidaderdquo 240

237

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxv-xxvi

238 MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)

古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 239

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112 240

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 82

Segundo o Jingiryō do Yōrō-ryō Ōharae contava com a presenccedila de certos clatildes os

Nakatomi responsabilizavam-se por entoar a norito e consagrar as ldquooferendasrdquo (oonusa 御祓

麻) os Fumitobe das proviacutencias de Este e Oeste (東西の文部) consagravam espadas proacuteprias

para a ocasiatildeo isto eacute as harae no tachi (祓の刀 ) e os Urabe removeriam quaisquer

influecircncias negativas Ora a realizaccedilatildeo de Ōharae eacute na praacutetica um esforccedilo coletivo se todas

as unidades administrativas (郡) contribuiacuteam com ferramentas peles espadas e outras coisas

todas as casas (戸) deviam preparar cacircnhamo (麻) 241

No Engishiki a cerimoacutenia eacute antecedida pela preparaccedilatildeo de ofertas - armas revestidas

de metais preciosos vaacuterios tipos de tecido colorido (seda algodatildeo) cacircnhamo flechas arroz

cavalos madeira de carvalho Seguidamente os Urabe entoariam norito 242

funccedilatildeo

posteriormente delegada ao liacuteder dos Nakatomi (Ōnakatomi) cuja versatildeo da norito Nakatomi

Harae (中臣祓) ainda hoje eacute o modelo de norito e uma referecircncia para os jinja de hoje 243

Por conseguinte no seacutetimo volume exclusivamente dedicado ao matsuri que

comemora a acessatildeo ao trono do novo Imperador (Senso Daijōsai踐祚大嘗祭) Ōharae faz

parte da miriacuteade de praacuteticas efetuadas antes e durante o trigeacutesimo dia do deacutecimo mecircs do

calendaacuterio lunar geralmente entre o seacutetimo mecircs ndash o mecircs da acessatildeo ao trono do Imperador

como consequecircncia da abdicaccedilatildeo do seu antecessor se bem que no caso do oitavo mecircs a

cerimoacutenia seria adiada para o ano ndash e o deacutecimo mecircs 244

Apoacutes o envio dos ldquoMensageiros

Imperiais para Ōharaerdquo escolhidos por ldquoadivinhaccedilatildeordquo (boku卜) no oitavo mecircs era obrigatoacuterio

executar uma purificaccedilatildeo no uacuteltimo dia do mecircs (tal como a descrita no primeiro volume do

Engishiki) seguida do envio de dois Urabe agraves proviacutencias que executariam Ōharae

preparando-se as devidas oferendas (um cavalo uma flecha uma grande katana algodatildeo

peixe sake) 245

Uma complexa cerimoacutenia de caraacutecter imperial na qual canto e danccedila consumo de

comida e sake eram recebidos com entusiasmo o Daijōsai era um esforccedilo coletivo de

241

IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)

lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 242

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das

Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 243

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p80

244 PICKEN Stuart op cit pp 62-72

245 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第七 神祇七 踐祚大嘗祭rdquo (Seacutetimo Livro Jingi Sete Daijōsai)

延喜式 (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi07htmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 83

membros da corte funcionaacuterios do Jingikan e do Jingiryō os Nakatomi entoavam as norito e

guiavam os ldquoadivinhosrdquo ao Ministeacuterio da Casa Imperial bem como os ldquogovernadores da

proviacutencia yuki e os vaacuterios funcionaacuteriosrdquo partilhando este uacuteltimo dever com os Urabe os

membros do Departamento de Carpintaria ldquoconstroem o principal santuaacuteriordquo os Inbe

apresentavam o ldquoespelho sagrado e a espada sagradardquo Findadas as festividades qualquer

vestiacutegio do matsuri seria prontamente destruiacutedo e praticar-se-ia uma uacuteltima ldquocerimoacutenia de

purificaccedilatildeordquo no uacuteltimo dia do mecircs esta uacuteltima conforme a bianual Ōharae 245

Apesar de a sua dimensatildeo ser diferente do harai habitual a meta de Ōharae parece

ser a de qualquer ritual positivo em shintō o estado de ldquoharmoniardquo refletindo a relaccedilatildeo iacutentima

entre a sociedade japonesa e a envolvente natureza fortalece-se deste modo a ldquonecessidade

de retificar desequiliacutebrios entre natureza humanos e divindadesrdquo 246

atraveacutes de uma atitude de

esforccedilo individual natildeo desassociada da preparaccedilatildeo interna e externa

Conotado com ldquoabstinecircnciardquo esta atitude implica disciplina na forma de um conjunto

de regras de conduta a adotar preacute-veneraccedilatildeo aos kami algo retido por qualquer praticante de

shintō nos dias de hoje com efeito qualquer matsuri eacute precedido por um periacuteodo temporaacuterio

de ldquoevitaccedilotildeesrdquo denominadas saikai (斎戒) ndash o termo eacute etimologicamente constituiacutedo pelos

kanji [斎] e [戒] do qual deriva o verbo imashimeru traduzido por ldquobanirrdquo ldquorestringirrdquo ndash nas

quais os responsaacuteveis por conduzir os rituais se banhavam (kessai 潔斎) mudavam de roupas

e consumiam certos alimentos claramente evidenciando a sua preocupaccedilatildeo para com

impurezas a presenccedila de derrame de sangue incecircndios e mortes era mais do que motivo

suficiente de desqualificaccedilatildeo dos que se tinham submetido a este processo ou em casos mais

extremos cancelamento do proacuteprio matsuri 247

Num contexto mais oficial observa-se uma categorizaccedilatildeo da praacutetica em si o

Jingiryō do Periacuteodo Yōrō distingue entre sansai (散斎) e chisai (致斎) sansai indicava a

ldquoabstinecircncia parcialrdquo na qual o indiviacuteduo estava proibido de fazer os jaacute mencionados seis atos

considerados formalmente como shokue chisai correspondia a uma ldquoabstinecircncia severardquo na

qual todos os ritos que natildeo envolvessem os kami eram cancelados No que concerne agrave sua

246

ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation

submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial

fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen

and Prof Dr Terje Stordalen 2013 247

ONO Sokyō op cit pp64-65

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 84

duraccedilatildeo esta variava consoante o mecircs em questatildeo sendo que no nono mecircs sansai era

observado durante todo o mecircs chisai duraria somente trecircs dias 248

Uns seacuteculos mais tarde o Engishiki inspirar-se-ia nesta categorizaccedilatildeo por vezes

conjugando-a com o ritual harae no Kinensai sansai era praticado durante trecircs dias e chisai

apenas um dia 249

durante Kanmisosai kessai eacute um ato realizado por alguns membros de clatildes

na veacutespera do matsuri e cujo objeto de ldquoabstenccedilatildeordquo satildeo as oferendas (fios de seda e cacircnhamo)

antes de serem tecidas e apresentadas durante a celebraccedilatildeo que por sua vez soacute poderia

decorrer mediante um preacutevio harai do espaccedilo (batsujo 祓除) realizado no uacuteltimo dia do

terceiro mecircs e do oitavo mecircs Kannamesai menciona novamente um kessai dos fios de seda

posteriormente transformados em tecidos 250

Apoacutes trecircs anos de [潔齋] como parte dos rituais

da Saigū na capital reservava-se o uacuteltimo dia do oitavo mecircs a uma Ōharae no palaacutecio e no

nono mecircs um Nakatomi encarregava-se da ldquopurificaccedilatildeordquo (祓清) das proviacutencias de Ōmi e Ise

permitindo agrave Saigū cumprir os seus deveres no decorrer do Kannamesai 251

Durante o nono mecircs procede-se a um periacuteodo de 18 dias (a comeccedilar no primeiro dia)

de ldquoabstenccedilatildeordquo e um mecircs de evitaccedilatildeo de luto e enterros bem como agrave execuccedilatildeo de ldquolustraccedilatildeo

augustardquo gokei [御禊] Escrito com o kanji honoriacutefico [御] e o de misogi [禊] gokei era uma

ldquocerimoacutenia para afastar contaminaccedilatildeo de pessoas da Famiacutelia imperialrdquo 252

que decorria agrave

beira-rio e na qual participava a Saigū Contudo esta atitude de ldquoabstenccedilatildeordquo natildeo era apenas

seguida por esta uacuteltima monges monjas pessoas em luto e grupos de bandidos sujeitavam-se

a sansai antes e apoacutes Kinensai Kamo-matsuri Tsukinamisai e Kannamesai sendo-lhes

interdita a entrada no palaacutecio tal e qual as jaacute mencionadas funcionaacuterias do palaacutecio graacutevidas

253

248

IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)

lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 249

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das

Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 250

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第四 神祇四 伊勢太神宮rdquo (Quarto Livro Jingi Quatro Ise Dai-

jingū) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi04htm

(consultado em 24-06-2018)

251 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜

式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-

06-2018)

252 BOCK Felicia op cit p104

253 FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro

Livro Jingi Trecircs Matsuri de Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)

lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 85

Por uacuteltimo o seacutetimo volume do Engishiki especifica uma ldquoabstenccedilatildeordquo obrigatoacuteria no

deacutecimo primeiro mecircs sansai era iniciado no primeiro dia e terminava no uacuteltimo chisai

durava trecircs dias comeccedilando no dia do touro e terminando no dia da lebre proibindo-se a

participaccedilatildeo dos indiviacuteduos em ldquofestins Budistas ou festins magrosrdquo 254

Findado imi o indiviacuteduo foca-se na purificaccedilatildeo propriamente dita servindo-se de

elementos do dia-a-dia como o sal sake e aacutegua no primeiro caso o sal eacute ldquoatirado por

lutadores de Sumo cada vez que entram no dohyōrdquo e nos funerais serve o propoacutesito de ldquoauto-

purificaccedilatildeo apoacutes o regresso a casardquo dos frequentadores Jaacute em restaurantes e outros

estabelecimentos eacute costume colocar-se ldquoduas pilhas de sal fora do umbral uma de cada lado

apoacutes lavarem a entrada e antes de quaisquer clientes chegaremrdquo garantindo-se prosperidade

no negoacutecio Ora em misogi harai o sal eacute salpicado na cabeccedila dos participantes - no

seguimento de oharai ndash e tambeacutem misturado com sake sendo posteriormente ldquocuspido como

parte da cerimoacutenia de purificar a boca uma uacuteltima vezrdquo Oferecido nos altares sal faz ainda

parte das shinsen 255

A aacutegua tambeacutem partilha da mesma natureza purificadora que o sal e o sake em

virtude de ser considerada o elemento primaacuterio que devolve o lustro agraves coisas e pessoas

eliminando qualquer tipo de ldquomaacuteculardquo independentemente de se tratar de uma ldquomaacuteculardquo fiacutesica

(kegare) ou natildeo (tsumi) externa (corpo) ou interna (kokoro) Natildeo obstante a tradiccedilatildeo de

ldquolimpezardquo na cultura japonesa estende-se a contextos mais civis toalhas quentes satildeo

ldquoprovidenciadas em restaurantes (hellip) para que os patronos possam lavar as matildeos antes de

comer e uma pessoa Japonesa lavar-se-aacute sempre antes de entrar numa banheirardquo 256

um

reflexo da consciencializaccedilatildeo da lavagem do corpo na sociedade japonesa contemporacircnea

Em shintō a aacutegua assume um papel central em trecircs principais praacuteticas de ldquoauto-

purificaccedilatildeordquo que tambeacutem satildeo abluccedilotildees kessai temizu (手水) e misogi (禊) Se kessai eacute

geralmente feito antes do matsuri 257

temizu precede a ldquooraccedilatildeordquo (inori) aos kami nos jinja e

no qual o indiviacuteduo dirige-se a uma estrutura denominada temizuya (手水屋) lavando com

aacutegua a boca e as suas matildeos locais mais suscetiacuteveis de se contrair kegare (Anexo III)

254

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 62-72 255

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 174-175

256 ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation

submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial

fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen

and Prof Dr Terje Stordalen 2013 257

PICKEN Stuart op cit p 177

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 86

No que concerne a misogi esta eacute considerada a origem de todos os harai na

sociedade japonesa sendo descrita por Carl Florenz como a ldquopurificaccedilatildeo de um uacutenico

indiviacuteduo ou um lugar de poluiccedilotildees atraveacutes de se entrar em contacto com algo

cerimonialmente impuro tal como cadaacuteveresrdquo 258

Uma ldquoauto-purificaccedilatildeordquo em todos os

sentidos do termo a expressatildeo misogi harai (misogi harai 禊祓い ) poderaacute derivar de

ldquomisosogi no harairdquo (身滌の祓い) literalmente ldquoharai da lavagem do corpordquo ndash [身滌] eacute

constituiacutedo pelo kanji de ldquocorpordquo (身) e o de [滌] sinoacutenimo de [洗] raiz do verbo ldquolavarrdquo

(arau) 259

ndash e eacute pela primeira vez mencionado no episoacutedio de Izanagi descrito pelo Kojiki e

Nihon shoki

De um modo geral misogi conheceu grande popularidade na esfera privada imperial

e agrave semelhanccedila de [斎] era sempre acompanhado de todo o tipo de oferendas tais como

tecidos armas sake velas e algas Se praticado pela Saiō (齋王) misogi decorria num rio da

capital na primeira dezena de dias do oitavo mecircs e do nono mecircs ambas datas escolhidas por

ldquoadivinhaccedilatildeordquo ndash responsabilidade do Onmyōryō Por sua vez este ritual fazia parte de uma

grande cerimoacutenia na qual se preparavam tecidos caixas jarros carne seca cabaccedilas e peixes e

cujos participantes eram essencialmente membros da corte (Jingikan e Onmyōryō) cada um

desempenhando uma tarefa especiacutefica ecoando o sucedido nos matsuri do Jingikan um

Nakatomi executava oharai servindo-se da onusa (Nakatomi onusa tatematsuru [神祇官中臣

進麻]) e o miyanushi (宮主) entoava harae kotoba (祓詞) Igualmente realizado durante a

deslocaccedilatildeo da jovem para o No-no-miya e Itsuki-no-miya em Ise e no uacuteltimo dia do mecircs 260

misogi eacute descrito no sexto volume do Engishiki como parte da celebraccedilatildeo do Imibikamado-

matsuri (quarto mecircs e sexto mecircs) ndash um gokei no qual participavam todos os funcionaacuterios do

palaacutecio - e um matsuri anual (毎年禊祭) 261

Atualmente misogi pode ser praticado por qualquer pessoa e eacute aceite como um ritual

vaacutelido para qualquer tipo de shintō Shinshū-kyō (神習教) tem como metas alcanccedilar ldquoum

espiacuterito de um kami por praticar purificaccedilatildeo oharairdquo a aquisiccedilatildeo de um elevado niacutevel de

treino que possibilite ao indiviacuteduo ensinar os outros e eacute claro ldquoalcanccedilar harmonia com os

258

FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27

1899 pp 1ndash112 259

NISHIGAKI Yukio op cit p 544

260 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜

式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-

06-2018) 261

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式

(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 87

kami e rezar pelo descanso das almas dos outrosrdquo Neste contexto misogi faz parte da

estrateacutegia de cultivo de ldquopurificaccedilatildeo interiorrdquo que encoraja o processo de aproximaccedilatildeo do

humano ao kami 262

Em suma a purificaccedilatildeo estaacute intimamente associada agrave visatildeo positiva do ser humano

apoiada por shintō Shinshū-kyō natildeo soacute ensina o indiviacuteduo a ldquodemonstrar gentileza aos

outrosrdquo ldquotrabalhar diligentemente (no seu proacuteprio negoacutecio)rdquo e a ldquopreservar firmeza no teu

coraccedilatildeordquo como procura ldquopacificar o espiacuterito porque eacute parte do espiacuterito do kamirdquo 264

(bunshin

mitama wo shizumu beshi分神神魂を鎮むべし) e ldquolimpar as impurezas do corpordquo (mi no

shūshoku wo harau beshi身の鏽蝕を祓うべし) 263

proporcionando o desenvolvimento do

caraacutecter do indiviacuteduo

Na visatildeo de Misogi-kyō (禊教) o trio de tesouros imperiais satildeo ldquoos mais eficazes

agentes de purificaccedilatildeordquo pois ldquotodas as formas de impureza podiam ser removidasrdquo Apoiado

em misogi harae e ldquorespiraccedilatildeo proacutepriardquo o setor utiliza misogi como ldquoum meacutetodo para

melhoria da vidardquo aproximando as pessoas do kamirdquo 262

Interpretando-se esta praacutetica como o

uacutenico modo de ldquoreavivarrdquo a ldquoboa sorterdquo (literalmente ldquosorte proacutesperardquo ou sakae no unsei [栄

絵の運勢]) misogi possui visiacuteveis efeitos de purificaccedilatildeo externos 264

Contudo o busiacutelis da questatildeo eacute a ldquopurificaccedilatildeo internardquo (nai seijōshōjō 内清浄)

denominada iki ichisuji no misogi (息一筋の禊) iki (息) natildeo eacute somente a ldquoorigem do corpordquo

mas tambeacutem a proacutepria ldquoexistecircnciardquo (seimei [生命]) 264

e estaacute diretamente relacionada com a

entoaccedilatildeo da norito ldquo

tōkami emitamae harae tamae kiyome tamairdquo (literalmente ldquokami

distante purificai e limpai enquanto rezamosrdquo) em voz alta

262 um momento caracterizado

pela ldquofusatildeordquo do corpo com a mente graccedilas ao cultivo do autocontrolo do corpo a Desordem

(aqui maga) deixa de existir 264

No contexto de jinja shintō misogi faz ainda parte da cerimoacutenia shūbatsu (修祓) na

qual se abre o edifiacutecio interior do jinja e o shintai eacute visualizado pelos shinkan que se

262

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 234-236 263

O ldquoespiacuterito do kamirdquo eacute mitama (神魂) e ldquocoraccedilatildeordquo kokoro O termo ldquoimpurezasrdquo lecirc-se no texto original [鏽

蝕] o primeiro lecirc-se sabi e natildeo eacute muito usado na linguagem diaacuteria (鏽) significando ldquoferrugemrdquo ou ldquocorrosatildeordquo

o segundo eacute o kanji [蝕] do qual deriva o verbo mushibamu geralmente traduzido como ldquoser devorado por

dentrordquo ldquominarrdquo ldquoarruinarrdquo Shintō Shinshū-kyō Kōushiki Page 教 義 (on line)

lthttpshinshukyojpE69599E7BEA9gt (consultado em 24-06-2018) 264

Misogi-kyō Shintō 神道禊教の教理 (Doutrina de Shintō Misogi-kyō) (on line) lthttpwwwmisogi-

kyouorjpkyourihtmlgt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 88

ldquopurificam de modo a tomarem parte nos rituaisrdquo atirando baldes de aacutegua fria sobre si

mesmos ou escolhendo colocar-se ldquodebaixo de uma cascata num rio ou no marrdquo dependendo

da localizaccedilatildeo do jinja Posteriormente os participantes no matsuri satildeo purificados

cumprindo-se as condiccedilotildees de invocaccedilatildeo dos kami 265

que respondem ao apelo impliacutecito nas

norito entoadas pelos shinkan

Associadas agrave tradiccedilatildeo de kotodama norito satildeo acolhidas entusiasticamente pela

sociedade japonesa quer sejam ldquovelhasrdquo (do Engishiki e outras fontes do Periacuteodo Heian) e

norito ldquonovasrdquo ou seja norito poacutes- Engishiki criadas por estudiosos e praticantes das vaacuterias

formas de shintō (Ise e Yoshida shintō Shugendō kyōha shintō shin shūkyō) e associadas a

jinja especiacuteficos (ldquocultosrdquo em Ise Izumo Dewa Togusa ldquocultosrdquo a Inari e Hachiman) 266

Etimologicamente norito tem as suas origens na frase ldquoNakatomi-no-Kane Muraji

norito wo norurdquo (中臣金連祝詞を宣る) Como se pode constatar o verbo que lhe estaacute

associado eacute noru (宣) cujo kanji significa ldquodizerrdquo ldquoexpressarrdquo e ldquoinformarrdquo num sentido

formal agrave maneira dos ldquoeacuteditos imperiaisrdquo (senmyō [宣命]) 267

Vaacutelidas para uso individual ou coletivo norito contemporacircneas tendem a inspirar-se

em norito muito mais antigas por exemplo a frase ldquoharae tamae kiyome tamairdquo de Misogi-

kyō surge na Ōharae kotoba do Engishiki como uma dupla accedilatildeo decorrida na ldquoōharae do

anoitecer do uacuteltimo dia do sexto mecircsrdquo (kotoshi no minadzuki no tsugumori yūhi no kudachi

no ōharae ni harai tamai kiyome tamau-koto wo 今年の水無月の大晦日 夕日之降の大祓

に祓給ひ清給事を) 268

eliminam-se assim os tsumi (tsumi ha araji wo罪波不在止) de

todos os cantos ldquodebaixo do ceacuteurdquo (Anexo IV)

Seguindo uma ldquofoacutermula usada em cerimoacutenias religiosas em endereccedilando divindades

(hellip) usam uma forma respeitosa subserviente forma de dicccedilatildeordquo norito tecircm a sua forccedila no

som e natildeo na parte gramatical ou na etimologia lexical recorrendo-se frequentemente a

265

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 177

266 O arquivo virtual Ko-kon Shūkyō Kenkyūjo regista um total de 55 norito devidamente ldquocategorizadasrdquo

consoante a temaacutetica e o local de veneraccedilatildeo Ko-kon shūkyō kenkyūjo ldquo祝詞 諸文献rdquo (Norito Vaacuterias

referecircncias) 神道資料集 (Colecccedilatildeo de materiais de shintō) (on line) lthttpwwwko-konnetnoritogt

(consultado em 24-06-2018) 267

NISHIGAKI Yukio op cit p485 268

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 89

ldquorepeticcedilatildeo paralelismo longas enumeraccedilotildees de nomes de divindades e oferendas metaacuteforas

o uso de registos mitoloacutegicos para explicar a origem de certas formas de veneraccedilatildeordquo 269

Natildeo obstante estas frases servem de prevenccedilatildeo contra forccedilas ldquonegativasrdquo incluindo

tatari gami ou ldquoespiacuteritos malignosrdquo devidamente acalmados e purificados respetivamente

Usadas em matsuri oficiais norito descreviam com pormenor quem as proferia o seu

objetivo a quem se dirigiam e o local onde decorria esta entoaccedilatildeo cujo raio de atuaccedilatildeo era

individual ou coletivo (capital habitaccedilotildees funcionaacuterios o palaacutecio todo o Japatildeo a corte) 270

No que concerne agrave sua entoaccedilatildeo estes conjuntos de frases eram responsabilidade dos

Nakatomi ou de outros consoante a ocasiatildeo na ldquomensagem de aberturardquo do oitavo capiacutetulo

do Engishiki regista-se que os Inbe deviam entoar norito dos ldquoritosrdquo Goden (御殿) e Mikado

(御門) e nos restantes matsuri a honra cabia aos Nakatomi (以外諸祭中臣氏祝詞) nos

matsuri das quatro estaccedilotildees (凡四時諸祭) essa funccedilatildeo fazia parte dos deveres dos kanbe (神

部) no Kanmisosai somente o daijingūji de Ise (ldquoSumo-Sacerdote do Grande Santuaacuterio de

Iserdquo) devia entoar a norito (大神宮司宣祝詞) e nas celebraccedilotildees em Ise (Kanmisosai os

matsuri do sexto e deacutecimo segundo meses e Kannamesai) 271

as norito de Ōimisai (大忌祭)

Tatsuta Fūjinsai ( 龍田風神祭 ) e Hiranosai ( 平野祭 ) eram responsabilidade dos

ldquomensageiros imperiaisrdquo Jaacute os Inbe encarregavam-se das ldquofoacutermulasrdquo de proteccedilatildeo do palaacutecio

imperial (Ōtono-no-hogai (大殿祭) e do ldquoFestival dos Portotildeesrdquo (Godensai 御殿祭) ndash cuja

meta era a ldquogarantia a proteccedilatildeo das divindades que guardam os portotildees do Palaacutecio Imperialrdquo ndash

no ldquodeacutecimo segundo dia do sexto e deacutecimo segundo mesesrdquo 270

Por uacuteltimo a norito de

Ōharae era ldquopartilhadardquo pelos Urabe e os Nakatomi enquanto que nos Chinkasai (鎮火祭) e

Michiaesai (道饗祭) soacute os Urabe eram elegiacuteveis para tal tarefa 271

O avanccedilo do estudo da tradiccedilatildeo ritual shintō impulsionou uma anaacutelise aprofundada

das norito estabelecendo-se uma ligaccedilatildeo direta com o processo de purificaccedilatildeo o meio por

excelecircncia para atingir a tatildeo desejada Ordem entre o praticante e o kami venerado norito satildeo

uma espeacutecie de purificaccedilatildeo verbal aludindo a um processo positivo mas interno Tal

abordagem introduz uma perspetiva mais subjetiva do que se entende por norito auxiliando

269

PHILIPPI Donald Norito A Translation of the Ancient Japanese Ritual Prayers With a new Preface by

Joseph M Kitagawa Princeton Princeton University Press 1990 pp1-2 270

PHILIPPI Donald op cit pp5-15 271

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 90

na compreensatildeo da purificaccedilatildeo interna que recaiacutea sobre o kokoro (心) Por sua vez kokoro

associar-se-ia a meijō (明浄)

Escrito em japonecircs com o kanji de ldquocoraccedilatildeordquo (shin de shinzō [心臓]) kokoro denota

algo de natureza natildeo palpaacutevel e interior a qualquer indiviacuteduo servindo de prefixo agraves palavras

kokoroeru (心得 ) ato de ldquocompreender o significado das circunstacircncias e das coisasrdquo

kokoroe ldquocompreensatildeordquo e ldquoter cautelardquo kokoronai (心無 ) designa uma condiccedilatildeo de

ldquoinsensibilidaderdquo pelo proacuteximo (em linguagem corrente ldquonatildeo ter coraccedilatildeordquo) 272

kokoro-

gawari (心変わり ) literalmente a ldquomudanccedila de kokorordquo indica a suacutebita alteraccedilatildeo dos

sentimentos intenccedilotildees e convicccedilotildees do indiviacuteduo em relaccedilatildeo a terceiros

No Nihon shoki o kanji em si eacute precedido por outros caracteres [黒心] e [無黒心]

significam aproximadamente ter um coraccedilatildeo negrordquo ou o seu oposto o sentido obtido eacute

negativo e positivo respetivamente marcando presenccedila no episoacutedio da competiccedilatildeo de

Susano-o-no-mikoto e de Amaterasu (有黒心) e no ano 646 da Era Taika (不正心者)

literalmente ldquopessoas de kokoro injustordquo Se estiver ao lado de [清] a expressatildeo lecirc-se seishin

ou kiyoki kokoro um kokoro puro (清心) 273

evidenciando a sua ligaccedilatildeo com meijō ambos

satildeo palavras positivas por princiacutepio

Por outro lado Engishiki descreve kokoro como uma caracteriacutestica interior de

humanos e kami na norito de Ōtono-no-hogai [心] surge na frase ashiki kokoro kitanaki

kokoro naku (邪意穢心無く) 274

ndash o segundo kanji tambeacutem se lecirc como kokoro mas o seu

significado eacute o de ldquointenccedilatildeordquo denotando a conduta correta seguida por todos os trabalhadores

do palaacutecio e membros da corte ndash traduzida por Philippi como ldquosem quaisquer maacutes intenccedilotildees

ou impuras intenccedilotildeesrdquo 275

na norito de Hi-shizume-no-matsuri (Chinkasai) kokoro eacute um

atributo de natureza maligna do kami do fogo (Homusubi-no-kami 火結神) ndash evidenciado

pela expressatildeo kokoro saganakiko (心惡子) ldquocrianccedila de mau kokorordquo ndash um kami gerado por

272

NISHIGAKI Yukio op cit pp 286-287 273

SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on

line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 274

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018) 275

PHILIPPI Donald op cit p 43

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 91

Izanami cujo temperamento provoca Desordem que naturalmente justifica a ldquopacificaccedilatildeordquo

(shizume matsure 鎮奉れ) por parte de outros kami seus irmatildeos 276

Em contrapartida tambeacutem a norito ldquopara afastar uma divindade vingativardquo (tataru

kami wo utsushi-yaru 遷卻祟神) segue a temaacutetica de reordenaccedilatildeo especificamente a uma

retificaccedilatildeo ativada por Kamunaobi e Ōnaobi kokoro refere-se aqui ao kokoro claro de kami

ldquopacificadosrdquo (sumera-gami ōmikokoro akiraka ni 皇神等の御心も明に) sendo que esta

transiccedilatildeo de kami ldquoviolentosrdquo para kami ldquopaciacuteficosrdquo (ara furu kami-tachi wo kashi harai

tamai kami nagoshi ni nagoshi tamai荒振神等を神攘攘給ひ神和和給) se deve a outros

dois kami 276

pacificaccedilatildeo tambeacutem eacute purificaccedilatildeo

Na perspetiva de Picken purificaccedilatildeo e pureza natildeo soacute partilham de uma conotaccedilatildeo

positiva como mantecircm entre si uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia pureza eacute a meta e a

consequecircncia do resultado da purificaccedilatildeo se o indiviacuteduo eacute o recetor de oharai que por sua vez

beneficia o kokoro meijō indica a ldquorestauraccedilatildeo do estado de pureza conhecido como seimei-

shin (ou akaki kiyoki kokoro)rdquo Por outras palavras o praticante torna-se portador de um

ldquoclaro kokorordquo (akaki kokoro明心) ldquopuro kokorordquo (kiyoki kokoro清き心) ldquocorreto ou justo

kokorordquo (tadashiki kokoro 正しき心) e o ldquokokoro retordquo (naoki kokoro 直き心) 277

um

quarteto de caracteriacutesticas eticamente boas

Assim os contornos eacuteticos da relaccedilatildeo kokoro - pureza revelam-se fundamentais para

a compreensatildeo de novas perspetivas modernas e japonesas de shintō segundo Muraoka

Tsutsunegu (村岡典嗣 1884-1946) meijō eacute uma ldquocaracteriacutestica eacutetica de shintōrdquo e um atributo

transversal em qualquer ldquodivisatildeordquo desta Via equiparado ao niacutevel de uma ldquodoutrinardquo (meijō

shugi明浄主義) no ldquosentido de que existe reverecircncia pelo claro e puro (hellip) em toda a mateacuteria

e pensamentordquo Por conseguinte meijō eacute o puro que carece de impurezas uma condiccedilatildeo

ldquoprimordialrdquo partilhada por todas as pessoas por oposiccedilatildeo a tsumi e kegare cuja presenccedila eacute

inviabilizada (temporariamente) em caso de purificaccedilatildeo regressando agrave sua origem (Yomi ou

Ne no kuni) durante harai 278

Aliaacutes a consciencializaccedilatildeo do kokoro como um dos componentes da eacutetica japonesa

reflete-se desde logo na linguagem dos eacuteditos imperiais do Zoku Nihongi qualificando-se o

276

FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式

(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-

2018) 277

PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 176 278

PICKEN Stuart op cit pp 254 256-257

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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 92

kokoro como algo ldquopurordquo (kiyoki kokoro 清き心) ldquoclarordquo (akaki kokoro 明き心) e ainda

ldquokokoro puro e clarordquo (kiyoki akaki kokoro清明心) Como se pode constatar nos eacuteditos dos

anos 707 (以明浄心而 浄明心以而) 743 (明浄心) 757 (諸以明清心皇朝 自今往前者以

明直心仕奉朝廷 悪心無而清明心) e 770 (衆浄明心正直言以而) 279

ter um kokoro cuja

essecircncia fosse de ldquohonestidaderdquo ldquoclarezardquo e ldquosinceridaderdquo elucida a importacircncia da pessoa

possuir uma boa natureza

Durante o Periacuteodo Edo protagonistas da escola Kokugaku como Kamo-no-Mabuchi

(賀茂 真淵 1697-1769) e Motoori Norinaga apoiam esta perspetiva mais eacutetica do kokoro

apelando ao lsquokokoro sincerorsquo ou lsquomakoto no-kokororsquo (真の心) isto eacute a derradeira virtude de

shintō 280

o que naturalmente reforccedila a importacircncia da caracteriacutestica ldquosinceridaderdquo (makoto)

Avaliada como algo dentro do kokoro ou que lhe eacute independente makoto (真) eacute

homoacutefono da palavra makoto (誠) cuja etimologia eacute makoto ( 真事) literalmente ldquoverdadeiras

palavrasrdquo e significa ldquonatildeo mentirnatildeo enganarrdquo 281

partilhando de um significado positivo

semelhante aos termos ldquohonestordquo (tadashii 正しい) ldquohonestidaderdquo (正直) makoto [真] por

sua vez tende a ser traduzido por ldquosinceridadeverdadeirordquo

No entender de Picken makoto (真) eacute um dos seus muitos vocaacutebulos ldquomoraisrdquo de

shintō juntando-se a kansha (感謝) ou ldquogratidatildeordquo forma de o indiviacuteduo expressar ldquogratidatildeo

humana pela sua dependecircncia sobre o divinordquo e tambeacutem uma atitude de respeito para com a

sociedade que o serve junsui (純粋) ou ldquopessoasrdquo de ldquocoraccedilatildeo puroinocentesrdquo relacionadas

com os traccedilos de caraacutecter ldquobomrdquo (seimei shin) definidos com base nos estudos de poesia e

outros textos antigos 282

Por conseguinte ldquosinceridaderdquo e ldquoagradecimentordquo relacionam-se

com o primeiro grande objetivo da Jinja Honchō conferindo a makoto as qualidades akaki

(ldquoclarordquo e kiyoki (ldquopurordquo) 283

Neste sentido makoto significa tambeacutem ser verdadeiro agraves suas intenccedilotildees e acreditar-

se no que estaacute a fazer uma atitude fundamental para qualquer praticante de shintō quem tiver

279

Ao todo [心] surge 211 vezes nesta obra tanto de forma isolada como acompanhado dos referidos termos

Por vezes as caracteriacutesticas positivas natildeo se aplicam somente ao kokoro mas tambeacutem ao discurso tomando-se o

exemplo de shōjiki kotoba (正直言) ldquopalavras honestasrdquo 続日本紀 朝日新聞本 (ZokuShoku Nihongi Versatildeo

do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokuallhtml (consultado em 24-06-2018) 280

PICKEN Stuart op cit pp 219-220 281

NISHIGAKI Yukio op cit pp 531-532 282

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 283

Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line)

lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt (consultado em 24-06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 93

uma ldquovontade sincerardquo em fazer parte dos rituais conseguiraacute cultivar uma relaccedilatildeo proacutexima

com o kami No que concerne ao kokoro este pode ser qualificado como algo ldquobomrdquo (kiyoki

kokoro akaki kokoro yoshiki kokoro) ou ldquomaurdquo (ashiki kokoro) dependendo do caso

distinguindo-se de makoto que dispensa tais significados prejudiciais

Os grandes estudiosos do Periacuteodo Edo nunca se pronunciam sobre um kokoro mau

kokoro eacute sempre um atributo humano (ou de kami) positivo frequentemente associado a shintō

surgindo termos como o magokoro (makoto no-kokoro)

Palavra derivada da combinaccedilatildeo de ldquoverdadeirordquo (真) e kokoro magokoro eacute parte da

piracircmide de ldquovalores positivosrdquo individual assemelhando-se agrave qualidade ldquointenccedilatildeo de

sinceridaderdquo (seii 誠意) Contudo segundo o Tama boko hyakushu (玉鉾百首) de Norinaga

o magokoro corresponde a uma consequecircncia da accedilatildeo do princiacutepio musubi presente na mitama

dos kami um kokoro despido de valores opostos (bemmal sapiecircnciaburrice

capacidadeincapacidade) e cuja qualificaccedilatildeo varia consoante o tipo de experiecircncia e accedilatildeo

(boamaacute) Identificado como uma condiccedilatildeo inata aos seres humanos magokoro tem no seu

nuacutecleo a funccedilatildeo de ldquomovimentordquo nas palavras de Motoori Ōhira (本居大平 1756-1833)

irmatildeo mais novo de Norinaga o kokoro eacute designado de magokoro quando se torna ugoku

kokoro ou ldquokokoro que se moverdquo (うごくこころ動く心) quando alguma coisa de natureza

positiva ou negativa consegue fazer comover (tocar) o kokoro das pessoas estaacute-se perante um

ugoku kokoro agindo-se ldquonaturalmenterdquo conforme o estadonatureza das coisas e

acontecimentos 284

Uma caracteriacutestica uacutenica e individual de cada ser humano que justifica a existecircncia

de kami e coisas boasmaacutes 284

o magokoro existiria na realidade atual (Hito no yo 人の代)

embora remonte aos tempos do Kami-yo uma era temporalmente incerta e marcada pelo

permanente ciclo de Desordem e a Ordem colocando-se sempre a hipoacutetese de esta Desordem

ser ldquocuradardquo tornando a realidade calma e paciacutefica 285

entre o ldquobemmalrdquo vidamorte a vida

e o bem seriam sempre vitoriosos ilustrando a atitude otimista e positiva de Norinaga

tambeacutem adotada pelos praticantes de shintō

284

UMIHIKO ldquo本論 第七回「「真心(まごころ)」とは」の巻rdquo (Texto do Seacutetimo Capiacutetulo magokoro

eacute) 本居宣長研究ノート「大和心とは」本論 (Bloco de notas de Pesquisa Motoori Norinaga ldquoYamato

Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-07phpgt (consultado em 24-06-2018) 285

UMIHIKO ldquo第八回「『真心(まごころ)の型」の巻 rdquo (Texto do Oitavo Capiacutetulo O modelo de

magokoro) 本居宣長研究ノート「大和心とは」 本論 (Bloco de Notas de Pesquisa Motoori Norinaga

ldquoYamato Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-08phpgt (consultado em 24-

06-2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 94

Um seacuteculo mais tarde Katō Shigeharu (加藤 重春 1818-) avaliaria o significado

eacutetico do kokoro e makoto a sua obra Shintō fumoto no tateishi (神道麓之立石) categorizaria

kokoro e makoto como duas das quatro Vias de shintō respetivamente a ldquoVia do kokorordquo

(shintō 心道) e a ldquoVia da verdaderdquo (shintō 真道) se na primeira Via shintō eacute qualificado

como uma ldquoVia que retifica a menterdquo a ldquoVia da verdaderdquo reforccedila a importacircncia da

ldquosinceridaderdquo uma vez que ldquoqualquer pessoa que desconsiderasse a importacircncia de

sinceridade eacute uma pessoa viciosardquo Shintō deveria simplesmente ldquofluirrdquo influenciando

automaticamente as accedilotildees do indiviacuteduo cujo coraccedilatildeo eacute ldquoretificado reto e unido com os kamirdquo

soacute assim as suas accedilotildees estariam de acordo com a Via 286

Nos periacuteodos posteriores ao Engishiki o conceito de kokoro adquire alguma

importacircncia a um niacutevel mais ldquofilosoacuteficordquo numerosos textos criados por escolas e autores

independentes expotildeem as suas ideias acerca de kokoro ldquopurezardquo e ldquopurificaccedilatildeordquo bem como os

seus efeitos desta uacuteltima no ser humano Na tradiccedilatildeo de Ise shintō kokoro (ldquomenterdquo) faz parte

do trio ldquopurezardquo- ldquomenterdquo ndash ldquohonestidaderdquo como se constata no Ruiji Jingi Hongen (類聚神

祇本源) de Watarai Ieyuki a ldquopurezardquo eacute uma caracteriacutestica que denota honestidade o ato de

empreender uma tarefa com uma ldquomente que eacute calma (hellip) comportar-se numa maneira que

transcende vida e morte (hellip) tal como obedecer agraves seis proibiccedilotildees relacionadas com o modo

proacuteprio de observar rituaisrdquo (as seis formas de shokue do Engishiki) Em Shintō Kanyō (神道

簡要) do mesmo autor ldquopurezardquo eacute a raiz da ldquohonestidaderdquo e por conseguinte o uacutenico modo

de o indiviacuteduo obter benefiacutecios dos kami uma condiccedilatildeo presente ldquoquando a mente eacute retificada

(uma virtude Confuciana) balanccedilada sem manchar ou sendo manchadardquo e age com

ldquopropriedade em concordacircncia com razatildeordquo isto eacute possui ldquopropriedaderdquo (tsutsushimi 慎み

ldquoter uma atitude proacutepriaadequadardquo) 287

Na escola de Yoshida shintō Kanetomo interpreta esta Via como uma via de

proteccedilatildeo do kokoro (ldquomenterdquo) e como tal a pessoa deveria proceder a uma ldquopureza interna e

externardquo de modo a ldquoseguir a via dos kamirdquo 288

e manter com estes mesmos kami uma relaccedilatildeo

de proximidade graccedilas ao elo de ligaccedilatildeo o kokoro Responsaacutevel pela ldquoreinvenccedilatildeordquo do

conceito de kokoro no seu tempo Kanetomo eacute pioneiro na argumentaccedilatildeo de que o ldquocoraccedilatildeo

286

Aleacutem das Vias do kokoro e de makoto fazem parte de shintō o proacuteprio shintō (Via dos kami) e shintō ou ldquoVia

dos paisrdquo (親道) que enfatiza a virtude confuciana de piedade filial (oya kōkō 親孝行) PICKEN Stuart

Sourcebook in Shinto op cit pp169-170 287

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 177-180 288

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 28

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humanordquo (kokoro) e kami satildeo uno e a ldquomesma coisardquo 289

justificando a sua proposta de um

tipo de shintō cuja praacutetica ritual transporta consigo um potencial de purificaccedilatildeo fiacutesicamental

Natildeo obstante a linha de pensamento deste autor jaacute estava subentendida num dos

mais ceacutelebres textos de exposiccedilatildeo de Nakatomi Ōharae o Nakatomi Harae Kunge (中臣祓訓

解) Por norma datado do final do Periacuteodo Heian ou dos iniacutecios do periacuteodo seguinte a obra eacute

considerada parte de Ryōbu shintō e releva o papel de Nakatomi Harae aquando deste ldquoritualrdquo

argumentando acerca do papel fundamental da ldquomente humanardquo 290

- o kokoro - por sua vez

descrito por Kanetomo como aquilo que ldquoregerdquo e ldquoorientardquo o praticante e um ldquolugar onde os

kami governantes do universo vivem um lugar sagrado no qual a raiz e origem do cosmos eacute

para ser encontradardquo 289

Assim o kokoro (do homem) eacute o uacutenico elemento no indiviacuteduo capaz

de ldquocomungar com Ceacuteu e Terra com a grande natureza com o cosmosrdquo isto eacute o ldquotodordquo 290

estamos entatildeo perante um vislumbrar de realidades que estatildeo normalmente vedadas ou

veladas ao praticante devido agraves limitaccedilotildees fiacutesicas do corpo

Neste sentido entrar em contacto com os kami eacute um processo ldquomentalrdquo pois eacute a

ldquomente individualrdquo (kokoro) que consegue ldquoencontrarrdquo o kami do cosmos (hellip) origina agrave

ldquopurificaccedilatildeo da natildeo-menterdquo (mushin 無心 ) ndash Kanetomo considera mushin como termo

complementar de ldquoexistir-menterdquo (ushin 有心) dois vocaacutebulos originaacuterios da Via do Buda

que fazem parte do que se entende por ldquocaminhordquo (michi) em shintō 291

Deste modo satildeo

reunidos os requisitos necessaacuterios para a etapa final desta purificaccedilatildeo a ldquouniatildeordquo kamihomem

na qual ldquotodos os meus pensamentos e aspiraccedilotildees se tornam um com oos kamirdquo (shinjin

gōitsu) e consequentemente o retorno do indiviacuteduo sujeito a este harai agrave ldquoforma verdadeira e

originalrdquo que eacute nada mais do que o proacuteprio kami (shinjin kiitsu) 290

Alcanccedilar a Ordem atraveacutes da purificaccedilatildeo em shintō (misogi harai segundo Picken)

possibilita aquilo que geralmente eacute aceite como perspetiva da desta Via em relaccedilatildeo

agrave rdquonatureza humanardquo completar o processo de purificaccedilatildeo significa testemunhar dois

fenoacutemenos especiacuteficos a ldquouniatildeordquo do kami e do homem (shinjin gōitsu (神人合一) e a

289

PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 166-167 290

PICKEN Stuart op cit pp 84-85 291

Em Yuiitsu shintō se michi eacute a ldquoraiz da miriacuteade de condutasrdquo(万物之起源也 michi towa mangyō no

minamoto nari 道とは万行の源なり) kami equivale ao kokoro da ldquomiriacuteade de coisasrdquo (神者万物心 kami towa

manbutsu no kokoro ni shite 神とは万物の心にして) Por outras palavras michi possui sempre em si duas

coisas complementares e opostas uma que ldquonatildeo-existerdquo e outra que ldquoexisterdquo HIROKAMI Kiyoshi ldquo日本にお

ける神道理論の形成rdquo (Concerning the Formation of Shinto theories in Japan) Tetsugaku shisō ronsō (哲学-思

想論叢) nordm 5 1997 pp 1-18

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 96

consequente ldquorestauraccedilatildeo do divino no homemrdquo (shinjin kiitsu 神人帰一 ) literalmente

ldquokamipessoaregresso ao umrdquo 292

sendo que este ldquodivinordquo eacute o kami e a ldquopessoardquo eacute o seu

ldquodescendenterdquo que eacute temporariamente afetado pela Desordem que existe no mundo

Com efeito viver a vida de forma harmoniosa eacute o mesmo que aceitar a necessidade

de restauraccedilatildeo da Ordem um processo perioacutedico e que decorre apoacutes a purificaccedilatildeo individual

ldquopurificarrdquo natildeo significa apenas harai (祓) ou kiyomeru (清める) mas tambeacutem ldquorestaurarrdquo

(naoru直る) 293

a relaccedilatildeo simbioacutetica kami-homem (e vice-versa) expressa pela palavra shinjin

ou kami (神人) isto eacute o ldquokami com uma natureza humanardquo ou ldquokami e seres humanosrdquo

referindo-se ao ldquoprinciacutepio de unidade entre kami e seres humanosrdquo 294

No fundo shinjin gōitsu e shinjin kiitsu satildeo concordantes com a ideia acerrimamente

defendida por Kanetomo de que kokoro e kami satildeo essencialmente o mesmo permitindo ao

praticante tornar-se algo mais do que fisicamente aparenta ser o kokoro eacute o derradeiro elo de

ligaccedilatildeo kami-homem aquilo que deve ser cultivado atraveacutes de rituais de purificaccedilatildeo interna

292

PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 293

PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 359 294

NISHIOKA Kazuhiko ldquoKamirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)

lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23401gt (consultado em 24-06-

2018)

Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo

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CONCLUSAtildeO

Apesar de a popularidade que o shintō recebe hoje em contexto acadeacutemico ser

evidenciada pelo nuacutemero consideraacutevel de artigos e livros produzidos por autores natildeo

japoneses a Via dos kami em si permanece um campo por explorar natildeo existindo falta de

informaccedilatildeo e sim falta de estudo dessa informaccedilatildeo Foi com estas intenccedilotildees que se pocircde dar

forma a uma inicial miscelacircnea de pensamentos e ideias desconetadas umas das outras um

processo que como natildeo esteve isento de obstaacuteculos nomeadamente a ldquotriagemrdquo de

informaccedilatildeo (consequecircncia da jaacute mencionada ldquotriagemrdquo dos autores que forneceram essa

mesma informaccedilatildeo) atual e adequada ao campo do shintō e agrave temaacutetica ldquorituais de purificaccedilatildeo e

natildeo-purificaccedilatildeo em shintōrdquo

Neste sentido se uma das dificuldades foi encontrar informaccedilatildeo atualizada e numa

linguagem acessiacutevel (inglecircs) uma das vantagens foi a leitura e interpretaccedilatildeo de artigos

passagens de livros e textos escritos em japonecircs auxiliando na investigaccedilatildeo processo que

incluiu uma anaacutelise etimoloacutegica como complemento agrave anaacutelise teoacuterica dos rituais que

provocam a Desordem e a Ordem sem o recurso a tal metodologia dificilmente se

conseguiria responder agraves trecircs perguntas colocadas na Introduccedilatildeo

Outro ponto positivo a ter em conta foi o recurso a outras fontes aleacutem de livros nesta

era de informaccedilatildeo apesar de as obras permanecerem vaacutelidas enquanto fontes primaacuterias de

informaccedilatildeo a sua linguagem presente pode parecer estranha a quem estuda tradiccedilotildees natildeo

ocidentais Interessantemente autores como Picken natildeo caem neste erro ao contraacuterio de Ono

Sokyō De um modo geral fontes virtuais (websites oficiais e artigos de revistas cientiacuteficas)

tambeacutem natildeo seguem esta tendecircncia de ldquotraduccedilotildeesrdquo No caso de fontes japonesas (artigos

websites e livros) a traduccedilatildeo estaacute ausente permitindo reter o sentido das palavras

Sinteticamente o shintō possui uma tradiccedilatildeo de atos de veneraccedilatildeo em jinja e de

indiviacuteduos participantes nos diferentes matsuri Eacute neste sentido que os indiviacuteduos executam

ldquorituaisrdquo (conotaccedilatildeo exclusivamente positiva) favoraacuteveis agrave Ordem Regulados num contexto

de corte estas praacuteticas adaptaram-se consoante a evoluccedilatildeo histoacuterica de shintō tornando-se

vaacutelidos tanto hoje como haacute seacuteculos atraacutes Veja-se o caso de misogi misogi harai retratada

como um exemplo de purificaccedilatildeo interna e externa eacute o ritual-base da atuaccedilatildeo de Misogi-kyō e

tradicionalmente ndash devido agrave sua presenccedila no Kojiki e Nihon shoki par de obras que alude agrave

consciencializaccedilatildeo do que eacute puroimpuro - uma espeacutecie de alicerce de todos os rituais

conducentes agrave Ordem uns mais simples do que outros constatando-se diferenccedilas no que

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concerne agrave preparaccedilatildeo e organizaccedilatildeo Temizu eacute um tipo de purificaccedilatildeo fiacutesica e como tal

reconhece a existecircncia de uma ldquoimpurezardquo fiacutesica e verbal ndash kegare - oriundo das matildeos e da

boca Jaacute as norito satildeo uma purificaccedilatildeo verbal cujos efeitos positivos se repercutem no que as

escuta e naquele que as profere Apesar de hoje poderem ser utilizadas em contextos natildeo

apenas puacuteblicos norito retraccedilam as suas origens a shintō imperial e jinja shintō ambas

categorias que durante seacuteculos beneficiaram de uma posiccedilatildeo privilegiada junto do poder

poliacutetico japonecircs

Natildeo obstante as metas do shintō para a sociedade japonesa do passado satildeo as mesmas

do presente conduzir o indiviacuteduo praticante agrave Ordem atraveacutes dos rituais de purificaccedilatildeo uma

vez que jōka eacute uma temaacutetica transversal a todas as vertentes do shintō independentemente do

seu nome ou forma pacificaccedilatildeo retificaccedilatildeo oharai temizu norito misogi kessai natildeo deixam

de ser purificaccedilotildees Contudo soacute se pode falar de uma ldquopurificaccedilatildeordquo se houver razatildeo para tal

se existem rituais que reconduzem o indiviacuteduo agrave Ordem seguramente existem rituais de

natureza antagoacutenica Natildeo haacute Desordem (muchitsujo 無秩序 conotado pela autora com maga

[禍]) sem Ordem (chitsujo 秩序 se bem que algumas fontes favorecem o uso de nao [直]

para expressar esta Ordem uma vez que um dos seus significados eacute o de ldquorestaurarrdquo)

purificaccedilatildeo sem natildeo-purificaccedilatildeo e muito menos pureza sem impureza Estes trecircs pares de

conceitos satildeo interdependentes opostos e complementares Tendo isto como ponto de partida

eacute possiacutevel deduzir o seguinte shintō tem por princiacutepio um equiliacutebrio e um ciclo no qual se

encontra o indiviacuteduo a Via propotildee ao indiviacuteduo o que deve fazer e o que eacute correto fazer bem

como aquilo que natildeo deve fazer

Neste sentido o shintō reuacutene aspetos teoacutericos e praacuteticos como qualquer outra religiatildeo

apresentando a sua proacutepria ldquocosmovisatildeordquo ndash ldquovisatildeo do cosmosrdquo o cosmos eacute conotado com o

coletivo e como tal um dos seus elementos fundamentais eacute o indiviacuteduo que vive neste cosmos

esperando um dia efetivamente ligar-se a ele o que alude a noccedilatildeo de musubi aproximando o

ser humano do kami

Por conseguinte a jōka eacute um processo abrangente e inclusivo e natildeo restritivo ou

exclusivo no qual o ser humano se deve focar auxiliando-o a viver bem consigo e com os

outros A natildeo purificaccedilatildeo precede os atos de purificaccedilatildeo tal como a Desordem precede a

Ordem existindo desde os tempos incertos do Kami-yo relatados pelas mitologias japonesas

Aliaacutes esta DesordemOrdem eacute provocada pelas accedilotildees dos kami Tome-se por exemplo

Susanoo e Amaterasu com a excepccedilatildeo dos episoacutedios nos quais Susanoo repotildee a Ordem

atraveacutes da eliminaccedilatildeo de uma ameaccedila (Yata no Orochi) este kami estaacute sempre associado agrave

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Desordem como consequecircncia da sua rivalidade para com Amaterasu sua irmatilde mais velha

Tal conflito prolonga-se ateacute ao momento da restauraccedilatildeo da Ordem trazida por Ninigi neto de

Amaterasu e inimigo dos descendentes de Susanoo sobre os quais emerge vitorioso

Interessantemente esta reordenaccedilatildeo tem a dupla funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo do estatuto de

Amaterasu enquanto governante de Takamagahara e entronizaccedilatildeo de um novo poder

centralizado no territoacuterio japonecircs na figura de um suposto descendente de Amaterasu A nova

ordem coacutesmica simboliza uma nova ordem poliacutetica

Em contrapartida o ciclo de Desordem e Ordem no qual o ser humano natildeo eacute apenas

um espetador mas tambeacutem um participante tem as suas origens nos atos conscientes de

Izanagi durante misogi o primeiro ritual de purificaccedilatildeo a ser mencionado em fontes japonesas

Aliaacutes ldquorituaisrdquo satildeo processos de transiccedilatildeo de um ldquoestado potencialrdquo para a condiccedilatildeo de

ldquoatordquo negativo ou positivo em shintō se rituais de natureza positiva satildeo visualmente

manifestaccedilotildees de apreccedilo e respeito pelos kami e aproximam-nos dos proacuteprios kami rituais de

natureza oposta provocam a distacircncia Por outras palavras rituais satildeo nada mais do que

meacutetodos para atingir um fim a Ordem ou o seu inverso sendo que a purificaccedilatildeo assume um

papel basilar orientando o indiviacuteduo ao longo deste processo Executar rituais de purificaccedilatildeo

significa reconhecer os erros cometidos e efetivamente agir a favor de um coletivo

Afastando-se do que lhe eacute prejudicial e para este coletivo o indiviacuteduo segue a Via dos kami

que o auxilia a viver a vida de forma boa de estar bem consigo e com os outros

Contudo por muito atrativo que pareccedila esta ideia de Ordem eacute inevitaacutevel a seguinte

sucessatildeo de perguntas seraacute que o shintō se resume apenas a isto Um ser humano

ciclicamente sujeito a uma Desordem e Ordem que ele proacuteprio causa ou se deixa afetar por

forccedilas ldquoexterioresrdquo (kami) consequentemente atingindo natildeo apenas a sua pessoa mas tambeacutem

o que o rodeia Natildeo haveraacute uma soluccedilatildeo definitiva Uma ldquoharmoniardquo que seja permanente e

natildeo perioacutedica

Ora esta linha de raciociacutenio natildeo eacute de todo iloacutegica se o shintō existe para benefiacutecio de

quem cumpre com os rituais de purificaccedilatildeo a ldquoharmoniardquo eacute nada mais do que um meio para

atingir o derradeiro fim a felicidade Assim a verdadeira ldquoHarmoniardquo significa ir para laacute da

Desordem e Ordem da reordenaccedilatildeo constante Harmonia eacute equiliacutebrio e uma condiccedilatildeo de

plenitude perpetuada o que soacute acontece quando o ser humano estaacute ligado ao todo um todo

representado parcialmente pela sociedade e pelo indiviacuteduo que estaacute em sociedade

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No contexto do shintō o indiviacuteduo poderaacute ser definido enquanto parte do todo e de

certo modo o proacuteprio todo se a parte estaacute ligada em rede ao todo de uma forma

exclusivamente positiva eacute graccedilas agrave Harmonia De entre os autores contemporacircneos

consultados Stuart Picken destaca-se como o mais assertivo na partilha desta opiniatildeo o

entendimento que este uacuteltimo atribui agrave praacutetica misogi harai (shinjin gōitsu e shinjin kiitsu) jaacute

transparece a noccedilatildeo de Harmonia uma ldquoHarmoniardquo definitiva agrave semelhanccedila do que eacute

proposto pelo texto do Nakatomi Harae Kunge De todos os rituais de purificaccedilatildeo

mencionados este eacute o uacutenico que oferece ao indiviacuteduo algo mais do que uma Ordem

temporaacuteria conseguindo de facto inviabilizar a proacutepria Desordem

Em suma eacute possiacutevel percecionar shinjin gōitsu e shinjin kiitsu como consequecircncia de

um tipo de purificaccedilatildeo que natildeo vem do exterior Ao inveacutes de uma purificaccedilatildeo externa focada

no regresso temporaacuterio agrave Ordem urge-se uma purificaccedilatildeo que tem de vir do ldquointeriorrdquo do

kokoro Quando este atributo humano estiver em Harmonia a purificaccedilatildeo torna-se permanente

para o ser humano um ser humano em equiliacutebrio e liberto do ciclo de Desordem e Ordem que

rege a sua conduta diaacuteria

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ANEXOS

Anexo I

Desordem e Ordem de acordo com o terceiro capiacutetulo do Engishiki shokue (orientaccedilatildeo

direita-esquerda da segunda agrave quinta linha) e imi [齋] incluindo sansai e chisai durante os

atos de luto (uacuteltimas quatro linhas da paacutegina) ou no periacuteodo de gravidez das jovens do palaacutecio

(primeiras duas linhas paacutegina seguinte)

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Anexo II

Um shinkan executa oharai durante o ldquorito de shūbatsurdquo (shūbatsu no gi修祓の儀) segundo

passo do jichinsai Este matsuri decorreu em 2016 1ordm de novembro (terccedila-feira) prefeitura de

Aomori (Aomori-ken 森県 ) cidade de Hachinoe (Hachinoe-shi 八戸市 ) por parte do

Kabushima jinja (蕪嶋神社) O seu objetivo eacute ldquoapaziguarrdquo os kami do terreno onde se

construiraacute um novo shaden (社殿) isto eacute o edifiacutecio onde se guarda o shintai

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Anexo III

Uma jovem executa temizu segurando o utensiacutelio de madeira na matildeo direita que utilizou para

lavar a matildeo esquerda e agora a sua boca O texto abaixo agrave esquerda lecirc-se ldquolimpar o kokoro e

o corpordquo (心身を清める) e temizu (手水) respetivamente agrave direita a frase ldquohidarite de mizo

wo uke kuchi wo susugimasurdquo (左手で水を受け口をすすぎます) significa literalmente

ldquorecebe-se a aacutegua e lava-se a boca com a matildeo esquerdardquo

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Anexo IV

Excerto da norito de Minadzuki no tsugumori Ōharae (六月晦日大祓) oitavo volume do

Engishiki Aqui os atos de ldquopurificaccedilatildeordquo (segunda linha a contar da esquerda) provocaram a

eliminaccedilatildeo dos tsumi cometidos pelo coletivo de funcionaacuterios (quarta linha)

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