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RECURSO ESPECIAL Nº 334.829 - DF (2001/0087869-3) RELATORA MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE BANCO DO ESTADO DE MINAS GERAIS S/A - BEMGE ADVOGADO CARLOS AUGUSTO MONTEZUMA FIRMINO E OUTROS RECORRIDO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS EMENTA Recurso especial. Processual Civil e Civil - Ministério Público. Legitimidade. Ação Civil Pública. ENCOL. Hipoteca. Promessa de Compra e Venda. Cláusulas Contratuais. Interpretação. Vedação. Reexame de prova. Inadmissibilidade. Honorários advocatícios. Critérios de Equidade. Revisão. Impossibilidade. O recurso especial não se presta ao reexame da matéria fáctica probatória constante dos autos nem se predispõe à interpretação de cláusulas contratuais. Os contratos de promessa de compra e renda em que a incorporadora se obriga à construção de unidades imobiliárias, mediante financiamento, enseja relação de consumo sujeita ao CDC, porquanto a empresa enquadra-se no conceito de fornecedora de produto (imóvel) e prestadora de serviço (construção do imóvel nos moldes da incorporação imobiliária). Detém o Ministério Público legitimidade para ajuizar ação civil pública em que se postula a nulidade de cláusula contratual que autoriza a constituição de hipoteca por dívida de terceiro (ENCOL), mesmo após a conclusão da obra ou a integralização do preço pelo promitente comprador. Não se admite, em recurso especial, a revisão do critério adotado pelo Tribunal a quo , por eqüidade, na fixação dos honorários advocatícios, em vista da impossibilidade de, nesta via, se reexaminar provas. Recurso Especial não conhecido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Antônio de

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RELATORA MINISTRA NANCY ANDRIGHIRECORRENTE BANCO DO ESTADO DE MINAS GERAIS S/A - BEMGEADVOGADO CARLOS AUGUSTO MONTEZUMA FIRMINO E OUTROSRECORRIDO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E

TERRITÓRIOS

EMENTA

Recurso especial. Processual Civil e Civil - Ministério Público. Legitimidade. Ação Civil Pública. ENCOL. Hipoteca. Promessa de Compra e Venda. Cláusulas Contratuais. Interpretação. Vedação. Reexame de prova. Inadmissibilidade. Honorários advocatícios. Critérios de Equidade. Revisão. Impossibilidade.

O recurso especial não se presta ao reexame da matéria fáctica probatória constante dos autos nem se predispõe à interpretação de cláusulas contratuais.

Os contratos de promessa de compra e renda em que a incorporadora se obriga à construção de unidades imobiliárias, mediante financiamento, enseja relação de consumo sujeita ao CDC, porquanto a empresa enquadra-se no conceito de fornecedora de produto (imóvel) e prestadora de serviço (construção do imóvel nos moldes da incorporação imobiliária).

Detém o Ministério Público legitimidade para ajuizar ação civil pública em que se postula a nulidade de cláusula contratual que autoriza a constituição de hipoteca por dívida de terceiro (ENCOL), mesmo após a conclusão da obra ou a integralização do preço pelo promitente comprador.

Não se admite, em recurso especial, a revisão do critério adotado pelo Tribunal a quo, por eqüidade, na fixação dos honorários advocatícios, em vista da impossibilidade de, nesta via, se reexaminar provas.

Recurso Especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Castro Filho (§ 2º art. 162, RISTJ).

Brasília (DF), 06 de novembro de 2001 (Data do Julgamento).

MINISTRO ARI PARGENDLER, Presidente

MINISTRA NANCY ANDRIGHI, Relatora

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RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RELATÓRIO

Cuida-se de ação civil pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITORIOS contra MASSA FALIDA DA ENCOL S/A - ENGENHARIA COMÉRCIO E INDÚSTRIA e BEMGE - BANCO DO ESTADO DE MINAS GERAIS S/A objetivando a) a anulação da cláusula dos contratos de promessa de compra e venda de unidade imobiliária em construção celebrados entre a construtora e os promitentes-compradores de unidades autônomas dos edifícios Porte Novo, Porto Alegre, Porto Castelo e Porto Nobre, que dispõe sobre a possibilidade da obra em construção e o terreno respectivo ser dado em garantia de financiamento pela construtora; b) anulação da cláusula que constituiu em garantia hipotecária as unidades autônomas dos referidos edifícios, estabelecidas nos contratos de financiamento celebrados entre a ENCOL e o BEMGE, nos termos da Lei nº 4.380/64, para custear a conclusão das obras de edificação.

Asseverou, em suma, que o Banco utilizou-se de recursos do Sistema Financeiro da Habitação para financiar a construção de edifícios e que, por força dos contratos firmados entre o Banco e a ENCOL S/A, a instituição financeira pretende ser credora hipotecária das unidades já desmembradas dos prédios.

O pedido foi julgado procedente na sentença para declarar nulas essas disposições contratuais, determinando a averbação definitiva do cancelamento das hipotecas. Como conseqüência, os requeridos foram condenados a arcar com os ônus da sucumbência.

Irresignado, interpôs o Banco e a ENCOL S/A apelação, sendo a desta última não conhecida porque intempestiva e deserta.

A apelação interposta pelo Bemge foi provida parcialmente apenas para reduzir a verba honorária imposta na sentença.

A ementa do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios foi lavrada nos seguintes termos:

"PROCESSO CIVIL E CIVIL. MINISTÉRI0 PÚBLICO. LEGITIMIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATO. CLÁUSULAS ABUSIVAS. NULIDADE MANDATO. CONCEITO E FINALIDADES.

1. A gênese da permissão concedida ao Ministério Público para intentar ações civis públicas é, em síntese, evitar a repetição de cláusulas idênticas perante o Poder Judiciário,

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contribuindo para a celeridade e eficácia da prestação jurisdicional, de modo que a lei, tanto quanto possível, seja aplicada uniformemente a todos, e haja maior respeito aos poderes constituídos.

2. Revelando a situação fáctica que a decisão judicial poderá repercutir em direito de terceiro, imperativo o ingresso deste no feito, sob pena de imprestabilidade do julgamento.

3. Das inúmeras finalidade do mandato, a fundamental se apresenta pela possibilidade de o mandatário praticar atos visando alcançar algum proveito para o mandante, porquanto em benefício deste é que se constitui o contrato em referência. Conseqüentemente, revelando a espécie que apenas o próprio mandatário e terceiro comparecem na condição de beneficiários efetivos da operação, em franco detrimento do mandante, tem-se como nula e abusiva indigitada cláusuIa.

4. A lei das incorporações imobiliárias determina que os ônus eventualmente incidentes sobre o imóvel constem dos termos respectivos. Assim, a garantia hipotecária prestada sem a anuência expressa e oportuna dos respectivos adquirentes a estes não pode ser oposta, tendo-se como insuficiente eventual autorização prévia e genérica, que nada registra a respeita.

5. Ausente condenação específica, a verba honorária deve ser fixada com base no § 4º do artigo 20, do Código de Processo Civil.

6. Apelo provido parcialmente. Unânime."

Sobreveio, então, o presente Recurso Especial interposto com fulcro no art. 105, III, alíneas “a” e "c", da CF.

Para o recorrente o v. acórdão recorrido, ao reconhecer a legitimidade ativa ad causam do Ministério Público violou:

a) Lei complementar nº 75/93, art. 6º, que somente admite a propositura de ação civil pública pelo Ministério Público relativamente a direitos individuais homogêneos, quando sejam eles indisponíveis, o que não ocorre na espécie. Manifesta, pois, seria a ilegitimidade do Ministério Público para o ajuizamento da presente ação civil pública, pois, à vista da legislação constitucional o MP só pode zelar por interesses sociais (entendam-se os difusos e coletivos) e individuais indisponíveis.

b) Lei nº 8266/93, arts.1º e 25, IV que só admite a atuação tutelar do Ministério Público, no que diz respeito a interesses sociais e individuais indisponíveis, o que não se verifica no caso dos promitentes-compradores que detém interesses individuais, divisíveis, sem repercussão social e

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integrados ao patrimônio de titulares certos, que sobre eles exercem, com exclusividade, o poder de disposição.

c) Lei nº 8078/90, art. 81, § único, que somente admite a intervenção do Ministério Público, em favor de consumidor, quando se cuida de interesse ou direito difuso, coletivo e individual indisponível, não caracterizado nestes autos.

d) Lei 8078/90, art. 82, I por deturpação do seu conteúdo, que autoriza a atuação do Ministério Público para defesa de consumidor, sendo certo que nos autos não se tipifica relação de consumo a ensejá-Ia.

e) Lei nº 8078/90, artigos 4º, III e 51, IV que impingem de nulidade as cláusulas contratuais incompatíveis com o princípio da boa-fé, implicando onerosidade, desvantagem e surpresa para o consumidor, hipótese na qual não se enquadram as disposições contratuais subjudice.

f) Código Civil, artigos 755, 850 e 1560 por força das quais as hipotecas dadas em favor do recorrente, com fulcro nessas cláusulas, se opõem e prevalecem em relação a direitos obrigacionais dos promitentes-compradares perante a incorporadora.

g) Código de Processo Civil, art. 20, § 4º porquanto nas causas de valor inestimável, como na espécie, os honorários devem ser os consoante apreciação eqüitativa do juiz, o que não se deu no caso em concreto.Contra-razões apresentadas às fls. 816/853.Recurso Especial admitido na origem. É o relatório.

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RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

VOTO

Sobre o thema decidendum faço as seguintes considerações:

a) Do Prequestionamento.

Os artigos 530, I, 531, 533, 534 e 859 do Código Civil, além do art. 32, § 2º, da Lei 4.591/64 invocados pelo recorrente para defender a tese de que os adquirentes das unidades residenciais não tinham a propriedade do imóvel à época da constituição das hipotecas não foram prequestionados no acórdão recorrido.

Igualmente, as aludidas violações aos artigos 755, 850 e 1560 do Código Civil carecem de prequestionamento.

b) Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nos arrendamento mercantil.

Afirma o recorrente que as operações de financiamento sub judice foram realizadas para custear o término da construção dos edifícios referidos na inicial, segundo disposições das Leis nº 4380/64 e nº 5049/66 e normas correlatas do SFH, não envolvendo relação de consumo ou fruição de serviços que importem na satisfação direta de necessidades humanas. Ao contrário, a cláusula em discussão nesses contratos apenas teria a função de cientificar os interessados da possibilidade da construtora / incorporadora dar a obra como garantia de financiamento.

Segundo os autores do Anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor:

“São elementos da relação de consumo, segundo o CDC: a) como sujeitos, o fornecedor e o consumidor; b) como objeto, os produtos e serviços; c) como finalidade, caracterizando-se como elemento teleológico das relações de consumo, serem elas celebradas para que o consumidor adquira produto ou se utilize de serviço "como destinatário final" (art. 2º, caput, última parte, CDC)."

Não resta dúvida de que há relações de consumo existente entre a empresa incorporadora e os promitentes compradores da unidade imobiliária a serem construídas e entregues pela construtora, porquanto a empresa enquadra-se no conceito de fornecedora de produto (imóvel) e prestadora de serviço (construção do imóvel nos moldes da incorporação imobiliária) e os recorridos como consumidores finais.

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A empresa ENCOL firmou contrato de promessa de compra e venda de unidade imobiliária que seria construída pelo sistema de incorporação, tendo os consumidores obrigações no pagamento do bem antes mesmo de recebê-lo.

Não importa que a prestação de serviços e o fornecimento do produto se dê por intermédio das Leis nº 4.380/64 e nº 5.049/66 e normas correlatas de SFH, pois as únicas relações excluídas do Código do Consumidor são as decorrentes do direito do trabalho, não havendo exceções no que diz respeito à incorporação imobiliária, que "nada mais é do que urna forma de prestar serviços sob certas peculiaridades".

Têm, pois, inteira aplicabilidade as normas de ordem pública, instituídas pelo Código de Defesa do Consumidor aos contratos de promessa de compra e venda em que a incorporadora se obriga à construção de unidades imobiliárias, mediante financiamento.

c) Da legitimidade ativa ad causam do Ministério Público

Regulam os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos o Código de Defesa do Consumidor, através do artigo 81, verbis:

"A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo Único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de

I - interesses ou direitos difuso. Assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias.

II - interesses ou direitos coletivos. assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum."

Segundo o escólio de HUGO NIGRO MAZZILLI:

"Difusos são interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato". Compreendem grupos menos

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determinados de pessoas entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático preciso. São como um conjunto de interesses individuais, de pessoas indetermináveis, unidas por pontos conexos.

"Coletivos são interesses indivisíveis de um grupo determinado ou determinável, reunido por uma relação jurídica básica comum.

“Tanto interesses difusos como coletivos são indivisíveis, mas distinguem-se pela origem: os difusos supõem titulares indetermináveis ligados por circunstâncias de fato, enquanto os coletivos dizem respeito a grupo categoria ou classe de pessoas ligadas pela mesma relação jurídica básica.

"Os interesses individuais homogêneos têm origem comum. Compreendem os integrantes determinados ou determináveis de grupo, categoria ou classe de pessoas que compartilhem prejuízos divisíveis, oriundos das mesmas circunstâncias de fato."

E distingue o em. autor os direitos coletivos e os individuais homogêneos, assim expondo:

”Exemplifiquemos com o aumento ilegal de prestações de um consórcio. O interesse em ver reconhecida a ilegalidade do aumento, é compartilhado pelos integrantes do grupo de forma indivisível e não quantificável: a ilegalidade do aumento não será maior para quem tenha duas e não uma cota: a ilegalidade será igual para todos (interesse coletivo). Entretanto, é divisível a pretensão de repetição do que se pagou ilegalmente a mais, sendo os prejuízos indenizáveis (interesses individuais homogêneos)”.

O pedido de declaração de nulidade da cláusula autorizadora da gravação hipotecária nos contratos de promessa de compra e venda entre ENCOL e adquirentes traduz-se em interesse coletivo, já que existe relação jurídica base (contrato de promessa de compra e venda), vínculo jurídico idêntico entre todos os consumidores; o grupo é determinável e os direitos indivisíveis - afinal "se nula for a cláusula contratual, assim o será para todos os adquirentes das unidades imobiliárias.”

O pedido de declaração de nulidade da cláusula que constitui em garantia os imóveis descritos nos contratos, de financiamento entre a ENCOL e o BEMGE traduz-se também em interesse coletivo, pois a cláusula atacada, embora firmada entre ENCOL e BEMGE, fere direito de um grupo determinável de consumidores, ligados por uma mesma relação jurídica base.

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O pedido de declaração de ineficácia das hipotecas em relação a terceiros é pedido de direito difuso, pois objetiva a defesa de uma parcela indeterminável de consumidores da empresa ENCOL que tenham sido prejudicados pela garantia ofertada de forma ilegal (circunstância fáctica).

Ademais, mesmo que os dois primeiros fossem interesses individuais homogêneos, ainda assim, caberia, pela legislação em vigor, a atuação do Parquet.

Os direitos individuais homogêneos em sua essência são individuais, divisíveis e disponíveis.

Contudo, não é a natureza disponível e divisível, esta aliás ínsita aos direitos individuais, que retira a homogeneidade dos interesses e lhes expurga da tutela a título coletivo, já que constatada a origem comum dos mesmos, é o interesse social na sua proteção que se transforma no divisor de águas entre o direito individual considerado em sua dimensão particular, pessoal e aquele visto sob ótica comunitária, impessoal, coletiva.

Ademais, a Constituição Federal respalda a atuação do Ministério Público, incumbindo-lhe a defesa não só dos interesses individuais indisponíveis, como dos interesses sociais, do regime democrático e da ordem jurídica (art. 127).

Assim ensinam, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, verbis:

"Legitimidade do MP. Pode mover qualquer ação coletiva, para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. A CF 129, III, legitima o MP para a ACP na tutela de direitos difusos e coletivos, mas não menciona os individuais homogêneos. A CF, 129, IX autoriza a lei federal atribuir outras funções ao MP, desde que compatíveis com seu perfil institucional. A CF 127 diz competir ao MP a defesa dos direitos e interesses sociais e individuais indisponíveis. Como as normas de defesa do consumidor (incluída aqui a ação coletiva tour court) são, ex vi legis, de interesse social (CDC 1º), é legítima e constitucional a autorização que o CDC 82 I dá ao MP de promover a ação coletiva, ainda que na defesa de direitos individuais disponíveis. O cerne da questão é que a ação coletiva, em suas três modalidades, é de interesse social."

É, assim, atribuição constitucional do Ministério Público a defesa dos interesses sociais, cuja definição legal pode ser encontrada na própria Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), mas precisamente em seu art. 82, § 1º, que trata das associações de defesa do consumidor,

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quando preceitua que “O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz nas ações previstas no art. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.”

Considerados sob este diapasão, os direitos individuais e coletivos stricto sensu de consumidores, albergados pela própria Constituição Federal, revestem-se da natureza de interesse social, já que de sua tutela depende o funcionamento regular, correto de todo um sistema jurídico e social.

No caso, a empresa edifica unidades imobiliárias, utilizando-se de recursos públicos e sempre há interesse social aparente na fiscalização do uso desses recursos ao fim a que se destina.

Leciona TEORI ZAVASCKI que: “não se trata, obviamente, da proteção individual,

pessoal, particular, deste ou daquele consumidor lesado, mas da proteção coletiva dos consumidores em sua dimensão comunitária e impessoal. O mesmo se diga em relação aos poupadores que investem seus recursos no mercado de valores mobiliários ou junto a instituições financeiras. Conquanto suas posições subjetivas individuais e particulares possam não ter relevância social, o certo é que quando consideradas em sua projeção coletiva passam a ter significado de ampliação transcendental, de resultado maior que a simples soma das posições individuais. É de interesse social a defesa destes direitos individuais. não pelo significado particular de cada um, mas pelo que a lesão deles, globalmente considerada, representa em relação ao adequado funcionamento do sistema financeiro. que, como se sabe, deve sempre estar voltado às suas finalidades constitucionais de promover o desenvolvimento equilibrado do país e de servir os interesses da coletividade”.

Igualmente, elucida a em. doutrinadora Ada Pellegrini Grinover:

“Não bastasse a legitimação a toda e qualquer ação coletiva conferida ao Ministério Público pelo art. 82, ao qual o art. 91 faz remissão, o próprio art. 92 reforça a idéia da titularidade do "parquet" para a processo tratado no capítulo ora em exame.

Apesar disso tem havido algum pronunciamentos judiciais contrários ao reconhecimento da legítimo afim do Ministério Público às ações coletivas em defesa de interesses individuais homogêneos, por considerarem inconstitucional a legitimação operada pela lei ordinária. Argumenta-se em prol dessa orientação com o art. 129, III, CF, que só se refere à

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legitimação do MP para a defesa de interesses difusos e coletivos. Nem tem bastado para essa tendência o argumento da extensão de funções do MP a outras que lhe sejam atribuídas por lei, desde que compatíveis com sua finalidade (inc. IX do 129, CF), porquanto se afirma que o MP, nos termos do art. 127, CF, é preordenado à defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis e os interesses individuais homogêneos seriam disponíveis.

E, na mesma linha, aduz-se também a circunstância de, a admitir-se a legitimação do MP para casos que tais, estaria se retirando do cidadão a liberdade de escolha, não se podendo obrigar ninguém a ter um direito reconhecido contra sua vontade.

Ora, em primeiro lugar cumpre notar que a Constituição de 1988, anterior ao CDC, evidentemente não poderia aludir, no art. 129, III, à categoria dos interesses individuais homogêneos, que só viria a ser criada pelo Código, mas na dicção constitucional, a ser tomada em sentido amplo, segundo as regras da interpretação extensiva (quando o legislador diz menos de quanto quis), enquadra-se comodamente a categoria dos interesses individuais, quando coletivamente tratados.

Em segundo lugar, a doutrina internacional e nacional, já deixou claro que a tutela de direitos trans-individuais, não significa propriamente defesa de interesse público, nem de interesses privados, pois os interesses privados são vistos e tratados em sua dimensão social e coletiva, sendo de grande importância política a solução jurisdicional de conflitos de massa.

Assim, foi exatamente a relevância social da tutela coletiva dos interesses ou direitos individuais homogêneos que levou o legislador ordinário a conferir ao MP e a outros entes públicos a legitimação para agir nessa modalidade de demanda mesmo em se tratando de interesse ou direitos disponíveis. Em conformidade aliás, com a própria Constituição, que permite a atribuição de outras funções ao MP, desde que compatíveis com sua finalidade (art. 129, IX); e a dimensão comunitária das demandas coletivas, qualquer que seja seu objeto, insere-as sem dúvida na tutela dos interesses sociais referidos no artigo 127 da Constituição.

(...) Nem se pode argumentar com o fato de a titularidade à ação coletiva em defesa de interesses individuais homogêneo impor aos beneficiários da sentença condenatória um direito, que talvez não queiram eles exercer. A sentença condenatória, na técnica brasileira, apenas reconhece a existência do dano pessoal, seu nexo etiológico com o dano

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geral reconhecido pela sentença e quantificar o montante da indenização. Respeita-se, assim , a autonomia da vontade de cada indivíduo que, se não quiser “fruir” do direito que lhe foi reconhecido, simplesmente não o “exercerá” (in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentados pelos autores do anteprojeto, 5a ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998).

Por sua vez, leciona Rodolfo de Camargo Mancuso:

“Já no que concerne aos interesses individuais homogêneos, o seu trato processual coletivo não decorre da sua natureza (que é individual !) e sim de duas circunstâncias essenciais a saber a) de um lado, o expressivo número de pessoas integradas no segmento social considerado (ex.: pais de alunos de escolas particulares), inviabilizando o trato processual via litisconsórcio (que seria multitudinário), especialmente agora, como antes acenado, em face da reinserção no processo civil brasileiro, do litisconsórcio facultativo recusável (CPC, art. 46, parágrafo único, redação da Lei nº 8.952/94); b) De outro lado, o fato desses interesses derivarem de origem comum, o que lhes confere uniformidade, recomendando o ajuizamento de ação coletiva, seja para evitar eventuais decisões contraditórias, seja para evitar sobrecarga desnecessária no volume do serviço judiciário."

Por outro lado, há que se ter em vista que o Código de Defesa do Consumidor ao definir direito individual homogêneo não faz referência à indisponibilidade do direito.

Pensar-se o contrário seria fazer letra morta do disposto no art 81, parágrafo único, III, do CDC, uma vez que "são poucos ou raros os casos que direitos ou interesses oriundos da relação de consumo tratam de direitos indisponíveis.”

Ensinam, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery in: Código de Processo Civil Comentado, verbis:

“O argumento de que ao MF não é dada a defesa de direitos individuais disponíveis não pode ser acolhido porque em desacordo com o sistema constitucional e do CDC, que dá tratamento de interesse social à defesa coletiva em juízo. O parquet não pode, isto sim, agir na defesa de direito individual puro, por meio de ação individual. Caso o interesse seja homogêneo sendo defendido coletivamente (CDC 81 par. único, III), essa defesa pode e deve ser feita pelo Ministério Público (CDC, 82, I, por autorização do CF, 129, IX e 127 “caput”)."

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Há que se lembrar que as normas de proteção de defesa do consumidor são de ordem pública e interesse social, nos temos dos artigos 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 das Disposições Transitórias.

Assim, não pode causar espécie o uso de uma ação coletiva para a tutela de interesses individuais; homogêneos, divisíveis e individualizáveis por sua própria natureza e, ainda, disponíveis quando decorrentes de relações de consumo.

In casu:

a) A origem dos danos é comum, já que todos decorrem, in thesi, da adoção da mesma cláusula do contrato firmado com a ENCOL.

b) A dimensão do dano causado aos consumidores pela extensão dos negócios entabulados pela construtora falida, sob o enfoque comunitário, é de extremada importância, pois a iniquidade de uma cláusula que permite à incorporadora oferecer o imóvel alienado em hipoteca por dívida sua, mesmo após a sua conclusão ou a integralização do preço combinado é hipótese que causa dano não só ao patrimônio da empresa como também ao patrimônio de inúmeros brasileiros.

A relevância do bem jurídico, por sua vez, justifica a atuação do Ministério Público porque interessa a coletividade como um todo:

a) coibir, nos contratos de adesão a inserção e a manutenção de cláusulas abusivas ou excessivamente onerosas que, em desacordo com o Código de Defesa do Consumidor, constituam surpresa aos adquirentes e desequilibrem a relação contratual;

b) resguardar a boa-fé objetiva na relações contratuais enquanto força limitadora dos abusos contratuais e o direito à informação.

Assim, levando em consideração a homogeneidade do direito tutelado e o tratamento que o CDC confere às cláusulas abusivas, o Ministério Público tem legitimidade extraordinária e concorrente para ajuizar ação civil pública em favor dos respectivos consumidores lesados.

Tal medida beneficiaria a economia processual e a correição da prestação jurisdicional, porquanto evitará a proliferação de uma grande quantidade de ações individuais e impedirá a existência de decisões conflitantes a emperrar o funcionamento do Poder Judiciário.

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Diante destas considerações, tem-se que decidindo o Tribunal de Justiça do Estado do Distrito Federal e Territórios pela ilegitimidade ad causam do Ministério Público para ajuizar a presente ação civil publica, iniludivelmente, bem aplicou o disposto nos artigos 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor, 6º da Lei nº 7.347/85, 1º e 25, IV, da Lei 8.266/93.

d) Da nulidade das cláusulas contratuais incompatíveis com a boa-fé, implicando onerosidade, desvantagem e surpresa para o consumidor;

Sobre o tema decidiu o Tribunal a quo:

... A referida cláusula não traz nenhum beneficio para o comprador da unidade autônoma. Flagrante existir manifesta desvantagem para o adquirente do imóvel, pois, apesar de quitado o preço ajustado, o bem poderia ser objeto de garantia em negócio a ser entabulado entre a incorporadora e uma instituição financeira. Trata-se às escâncaras, de cláusula evidentemente leonina.

Ademais. por intermédio dos ofícios encartados às fls. 352/356, fls. 405/409 e fls. 473/477 e fls. 516/520 a ENCOL S/A solicitou ao banco-apelante financiamento das obras, e informou que as unidades autônomas estavam totalmente comercializadas. Forçoso concluir pela ciência do BEMGE S/A quanto aos negócios entabulados entre a incorporadora e terceiros.

Confira-se trecho de um dos ofícios encaminhados pela incorporadora à instituição bancária:

"O Edifício Porta Castelo foi planejado para atender a demanda e a necessidade de moradia de pessoas de classe média. O Empreendimento já encontra-se com 100% de suas unidades comercializadas, concluímos que o Empreendimento está comercialmente viabilizado." (fls. 356)

Nesse passo, o banco-apelante sabia que a ENCOL S/A não contava com a disponibilidade plena dos imóveis. Mesmo consciente disso, o BEMGE S/A não exigiu a expressa anuência dos compradores dos imóveis. Quem age de tal forma não pode ser considerado como de boa-fé."

Alterar o entendimento supra para se chegar à conclusão diversa da estabelecida no acórdão recorrido, no sentido de que, a cláusula contratual não viola os princípios da boa-fé, implicando onerosidade, desvantagem e surpresa para o consumidor, demandaria interpretação de cláusula contratual e revolvimento da matéria fáctico-probatória o que é vedado pelas Súmulas 5 e 7 do STJ.

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e) Da prevalência das hipotecas dadas em favor do recorrente, com fulcro nessas cláusulas, em relação a direitos obrigacionais dos promitentes-compradores perante a incorporadora;

Sobre o tema o voto revisor também enunciou que:

"Logo não pode a hipoteca prevalecer sobre os direitos do adquirente de imóvel em incorporação. São coisas contraditórias em que a contradição objetada deve afastar as manipuladores dos direitos, que restringem os direitos do consumidor

Com o prévio registro de incorporação imobiIária, todos os adquirentes das unidades construídas têm presumidas a sua boa-fé. 0 imóvel que a ela corresponde não integra a garantia abstrata dos credores das obrigações gerais "assumidas pela incorporadora."

É indiscutível que há ligação conseqüencial entre as cláusulas, pois, se firme se estabelece o entendimento de que nula a cláusula que autorizou as hipotecas, nula também o será que instituiu o gravame.

Toda a argumentação expendida pelo recorrente no sentido de que o fato da ENCOL ter firmado contratos de promessa de compra e venda das unidades autônomas dos edifícios em questão anteriormente à constituição das hipotecas não as invalida absolutamente" está calcada em premissas fácticas, a saber:

"Como atestam as cópias das matrículas anexadas à inicial, quando se efetivou o registro das hipotecas em questão, constavam registradas apenas as incorporações imobiliárias dos edifícios Porto Novo, Porto Alegre, Porto Castelo e Porto Nobre, apresentando-se a ENCOL como a única proprietária dos imóveis hipotecados.

Nas matrículas desses imóveis não constava o registro de qualquer compromisso de compra e venda pelos promitentes-compradores de unidades autônomas desses edifícios (cabia a eles, sem dúvida, diligenciar o registro, nos termos do art. 32, § 2º da Lei 4.591/64). Portanto, os promitentes compradores não detinham, por ocasião do registro das hipotecas, direito real sobre esse bens.

... na data da constituição das hipoteca, sequer existiam as unidades autônomas prometidas à venda pela co-ré; os apartamentos só passaram a existir após o término da sua construção e o respectivo registro da Instituição de Condomínio (fatos posteriores às hipotecas).

Assim sendo, quando da constituição das hipotecas os promitentes-compradores eram meros titulares de direitos obrigacionais contra a incorporadora originados pela Lei nº 4.591/64 c.c. a Lei 4.864/65. Ou

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seja: não eram proprietários dos empreendimentos, nem mesmo possuidores dos apartamentos que lhes seriam entregues após a conclusão da obra:

(...)Seja como for, os promitentes-compradores já haviam sido

plenamente cientificados da possibilidade da obra ser dada em garantia de financiamento para sua construção. Não podendo, assim, argüir surpresa com a constituição das hipotecas na espécie.

Não havia, pois, definitivamente, restrições no direito de propriedade do hipotecante ou qualquer impedimento jurídico que impedisse o recorrente de aceitar a constituição da garantia: os imóveis estavam livres de qualquer gravame, possibilitando a efetivação de hipoteca, em primeiro grau, encontrando-se as promitentes-compradores plenamente cientes da possibilidade legal de comercialização dessas operações, que viabilizariam o término das obras, em prol do interesses dos próprios promitentes-compradores”.

No caso dos autos, o órgão julgador teve como verdadeiro o fato de que o BEMGE detinha prévio conhecimento de que os documentos já estavam registrados e as unidades já haviam sido alienadas, por tal razão, concluiu-se que em o Banco ciente de que a ENCOL não poderia mais dar em hipoteca as unidades imobiliárias.A verificação do efetivo conhecimento pelo Banco da alienação das unidadesimobiliárias pela ENCOL e demais conseqüências daí extraídas (má-fé, não prevalência da hipoteca em relação aos adquirentes etc.) depende do reexame de provas, vedado pela Súmula n. 7/STJ, sendo inalteráveis as premissas fácticas estabelecidas no acórdão estadual.

f) Dos honorários advocatícios;

Afirma o recorrente que "Não pode prevalecer o vultoso valor da verba honorária fixada no v.acórdão (R$ 100.000,00), injustificável diante do trabalho desenvolvido no caso, contrário, assim, a regra do art. 20, § 4º, do CPC."

E, para demonstrar a falta de justificativa da fixação da verba honorária no patamar arbitrado assevera que a causa foi julgada antecipadamente, sem realização de provas, audiências, tendo o autor se limitado a apresentar, até o momento, três peças.

No que concerne aos honorários advocatícios, o acórdão recorrido afirmou, verbis:

"A meu aviso, a razão sorri ao apelante. A fixação dos honorários advocatícios, no caso em exame, deverá seguir a regra insculpida no artigo 20, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil, porquanto ausente condenação específica. A ação, proposta em dezembro de 1997, restou sentenciada em março de 1999. Apesar da aparente complexidade da causa,

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não vislumbra correta a fixação da verba sucumbencial em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, que alcançam em 1997, R$ 5.000.000, 00 (cinco milhões de reais).

Com essas razões e mais aquelas constantes da respeitável sentença, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao apelo, e reduzo apenas o valor relativo a verba honorária para R$ 100.000,00 (cem mil reais), a reverter aos cofres públicos, nos termos da lei."

A apreciação do julgador ao fixar a verba honorária não pode critérios estabelecidos no art. 20, § 3º, do CPC.

Em sede de Recurso Especial, todavia, não é possível rever os critérios adotados pelo Tribunal a quo para fixação dos honorários advocatícios, em razão do óbice do enunciado da Súmula 07 do STJ.

Forte nestas razões, NÃO CONHEÇO do Recurso Especial interposto.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA TURMA

Número Registro: 2001/0087868-3 RESP 334829/DF

Número Origem: 20000150008739

PAUTA: 04/10/2001 JULGADO: 08/10/2001

RelatoraExma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro ARI PARGENDLER

Subprocurador-Geral de RepúblicaExmo. Sr. Dr. JOSÉ ROBERTO FIGUEIREDO SANTORO

SecretáriaBela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : BANCO DO ESTADO DE MINAS GERAIS S/A - BEMGEADVOGADO : CARLOS AUGUSTO MONTEZUMA FIRMINO E OUTROSRECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E

TERRITÓRIOS

ASSUNTO: COMPETÉNCIA JURISDICIONAL (CIVEL) - AÇÃO CIVIL PÚBLICA

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA ao apreciar o processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Após o voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, não conhecendo do recurso especial, pediu vista, antecipadamente, o Sr. Ministro Ari Pargendler."

Aguardam os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro a Carlos Alberto Menezes Direito.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Castro Filho.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 08 de outubro de 2001.

SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSOSecretária

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3a TURMA - 06.11.2001

VOTO-VISTA

EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER:

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios propôs ação civil pública contra Encol S/A - Engenharia, Comércio e Indústria e contra o Banco do Estado de Minas Gerais S/A (fl. 02/20).

A MM. Juíza de Direito Dra. Eulália Maciel Coutinho e Bastos julgou procedentes os pedidos, nestes termos:

“a) declaro a nulidade da cláusula autorizadora de gravação de hipoteca, dos contratos de promessa de compra e venda entre Encol e adquirentes; b) declaro a nulidade e ineficácia da cláusula 12a dos contratos de financiamentos celebrados entre a Encol e o Bemge que constituem em garantia os imóveis descritos nos contratos celebrados entre as rés; c) determino a expedição dos competentes mandados para averbação definitiva do cancelamento das hipotecas; d) condeno as rés ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa" (fl. 654, 4º vol.).

Lê-se na sentença:

"A legitimação do Ministério Público decorre das disposições constantes: dos arts. 5º, inciso XXXII, 127, caput, 129, Incisos III, IX e 170, V, todos da Constituição Federal; do inciso II, do art. 10 da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, dos arts. 1º, 82, I c/c 81, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 “ (fl. 629, 4º vol.).

A Egrégia 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Relator o eminente Desembargador Valter Xavier, reformou a sentença, em parte, tão-só para reduzir o valor relativo a verba honorária para R$ 100.000,00 (cem mil reais)", destinando-a aos cofres públicos (fl. 779, 4º vol.).

“A lei de regência permite ao Ministério Público está dito no voto condutor – “o manejo de demandas como as da espécie justamente para evitar a repetição de ações individuais perante o Poder Judiciário, de sorte que a prestação jurisdicional se torne mais célere e eficaz. E, por outro lado, não há qualquer prejuízo ao jurisdicionado, que contínua podendo manejar a ação a que tem direito, ou seja, um eventual insucesso do parquet não tem o condão de prejudicar aqueles que visou o legislador conceder uma proteção maior. Esse o fim social a que a lei se destina, que não pode ser arredado na

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espécie, sob pena de se tornar inócuo a comando normativo em destaque. Nesse sentido já me pronunciei em outras oportunidades, inclusive perante a egrégia Primeira Câmara Cível, tendo prevalecido a tese abraçada” (fl. 774, 4º vol.).

Os trechos transcritos sublinham o motivo do pedido de vista, que teve o propósito de examinar se estava em causa o artigo 6º, inciso VII, letra “a”, da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, in verbis:

"Art. 6º - Compete ao Ministério Público da União:

VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:

d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.

Observe-se que o Ministério Público do Distrito Federal integra o Ministério Público da União, sendo inaplicável à espécie o artigo 25, IV, “a”, da Lei nº 8.625, de 1993, que instituiu a Lei orgânica do Ministério Público dos Estados, do seguinte teor:

Art. 25 - Além das funções previstas nas constituições Federal e Estadual, na Lei orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei;

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos”.

Como quer que seja, nem o artigo 6º, inciso VII, letra “d”, da Lei Complementar nº 75, de 1993, nem o artigo 25, inciso IV, da Lei nº 8.625, de 1993, foram versados pelo Tribunal a quo, faltando-lhes o prequestionamento.

Anote-se que as razões do recurso especial aludem, equivocadamente, ora ao artigo 25, IV da Lei nº 8.265/93 (fl. 784, 4º vol.), ora ao artigo 25, IV da Lei nº 8.266/93 (fl. 785, 4º vol.).

Por esse fundamento, o de que o artigo 6º, inciso VII, letra “d’’, da Lei Complementar nº 75, de 1.993, não foi prequestionado, o tema da legitimidade do ministério Público não pode ser esgotado nestes autos.

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Reconhecida, portanto, em termos, a legitimidade do Ministério Público, acompanho a conclusão do voto da eminente Relatora, à vista desta peculiar circunstância de fato, enfatizada pelo Tribunal a quo:

“Nesse passo, a banco-apelante sabia que a Encol S/A não contava com a disponibilidade plena dos imóveis. Mesmo consciente disso, o Bemge S/A não exigiu a expressa anuência dos compradores dos imóveis. Quem age de tal forma não pode ser considerado como de boa-fé" (fl. 778, 4º vol.).

Obiter dictum, os promitentes-compradores estão desobrigados da hipoteca, subsistindo, todavia, eventuais débitos que tenham para com a Massa Falida de Encol S/A - Engenharia, Comércio e Indústria.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA TURMA

Número Registro: 2001/0087868-3 RESP 334829/DF

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Número Origem: 20000150008739 6588897

PAUTA: 04/10/2001 JULGADO: 08/10/2001

RelatoraExma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro ARI PARGENDLER

Subprocurador-Geral de RepúblicaExmo. Sr. Dr. HENRIQUE FAGUNDES

SecretáriaBela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : BANCO DO ESTADO DE MINAS GERAIS S/A - BEMGEADVOGADO : CARLOS AUGUSTO MONTEZUMA FIRMINO E OUTROSRECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E

TERRITÓRIOS

ASSUNTO: COMPETÉNCIA JURISDICIONAL (CÍVEL) - AÇÃO CIVIL PÚBLICA

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA ao apreciar o processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ari Pargendler, a Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso especial.”

Os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Não participou do julgamento o Sr. Ministro Castro Filho (§ 2º art 162, RISTJ).

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 06 de novembro de 2001.

SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSOSecretária