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REDAÇÃO NO ENEM DECIFRA-ME OU DEVORO-TE I O MEC já anunciou o cronograma de inscrições e provas para o ENEM 2015 e nunca é demais retomar os resultados da edição anterior do exame para buscar causas e possíveis soluções para o baixo desempenho de um percentual significativo de alunos nessa avaliação, de modo especial, na redação, como se observa no gráfico a seguir. Balanço das redações do Enem (Foto: Reprodução/Inep) - Acesso em 18 maio 2015. Percebe-se, sem muito esforço, que a maioria absoluta dos candidatos obteve um resultado inferior a 60%, mas o que mais chama a atenção nesse balanço, dentre outros aspectos, é o fato de apenas duzentos e cinquenta candidatos (0,0036%) dos seis milhões de candidatos haver obtido a nota máxima, e quinhentos e vinte nove mil (8,5%) zerado a mesma redação. Esse resultado evidencia a dificuldade para escrever de uma parcela significativa dos estudantes e nos impõe questionamentos, tais como: quais são as causas de baixa proficiência para a escrita? O que fazer para atenuá-la? Na busca por essas respostas, escolhemos um ponto de partida para nossas reflexões: lembrar que leitura e escrita, embora sejam processos distintos, estão intimamente ligadas, já que a leitura pode ser tomada como apoio instrumental para a escrita. Isso significa que quanto mais o indivíduo lê, e quanto maior a diversidade de tipos, gêneros, temas e suportes acionada nessas

REDAÇÃO NO ENEM DECIFRA-ME OU DEVORO-TE I · decifrar o enigma da esfinge, ou melhor, dos baixos resultados nas redações do ENEM. 1-Não se descarta a viabilidade da pesquisa

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REDAÇÃO NO ENEM – DECIFRA-ME OU DEVORO-TE I

O MEC já anunciou o cronograma de inscrições e provas para o ENEM 2015 e nunca é demais

retomar os resultados da edição anterior do exame para buscar causas e possíveis soluções

para o baixo desempenho de um percentual significativo de alunos nessa avaliação, de modo

especial, na redação, como se observa no gráfico a seguir.

Balanço das redações do Enem (Foto: Reprodução/Inep) - Acesso em 18 maio 2015.

Percebe-se, sem muito esforço, que a maioria absoluta dos candidatos obteve um resultado

inferior a 60%, mas o que mais chama a atenção nesse balanço, dentre outros aspectos, é o

fato de apenas duzentos e cinquenta candidatos (0,0036%) dos seis milhões de candidatos

haver obtido a nota máxima, e quinhentos e vinte nove mil (8,5%) zerado a mesma redação.

Esse resultado evidencia a dificuldade para escrever de uma parcela significativa dos

estudantes e nos impõe questionamentos, tais como: quais são as causas de baixa proficiência

para a escrita? O que fazer para atenuá-la?

Na busca por essas respostas, escolhemos um ponto de partida para nossas reflexões: lembrar

que leitura e escrita, embora sejam processos distintos, estão intimamente ligadas, já que a

leitura pode ser tomada como apoio instrumental para a escrita. Isso significa que quanto mais o

indivíduo lê, e quanto maior a diversidade de tipos, gêneros, temas e suportes acionada nessas

leituras, mais esquemas textuais ele armazenará. E é a esse “arquivo” que ele recorrerá nos

momentos de produção dos próprios textos, a princípio como reprodução e, pouco a pouco,

como base para criação.

Nesse contexto, o esclarecimento de um conceito faz-se necessário: leitura, aqui entendida

como produção de sentido para o que está codificado, a partir do acionamento de

conhecimentos prévios, sejam eles empíricos ou enciclopédicos. A fim de esclarecermos essa

concepção de leitura, tomemos, como exemplo, um indivíduo que não tenha conhecimentos

sobre cotas raciais para universidades. Em uma primeira leitura relativa o tema, o texto pode

parecer-lhe estranho, sem sentido, mas, à medida que vai se informando no próprio texto ou por

outros meios, sobre cotas universitárias, o texto vai se apresentando como mais coerente aos

olhos desse leitor. Isso é possível porque a produção da coerência pelo leitor decorre tanto da

estruturação do enunciado, que deve ser claro, quanto dos conhecimentos que leitor já possua

em relação ao tema abordado.

No que concerne à leitura pelo estudante, consideremos o caso a seguir. Um aluno recebe como

Para Casa uma pesquisa sobre Modernismo, sem que haja o mínimo de conhecimentos prévios

sobre o objeto a ser pesquisado1. A leitura dos últimos textos para a redação da pesquisa

certamente seria mais compreensível que a dos primeiros, já que estes cumpririam a função de

dar ao aluno parte dos conhecimentos necessários à compreensão das últimas fontes

pesquisadas. Os primeiros textos sobre o tema seriam mais compreensíveis caso o professor

mediasse, antes da referida tarefa, uma análise comparativa entre um texto modernista e outro

não modernista. A estratégia apresenta-se como eficiente porque a produção de sentidos

decorre associação de ideias. Se não há ideias, conhecimentos pré-existentes pertinentes a

essa associação, não se consegue ler, entender, produzir sentido, pois o sentido extrapola o

codificado. Deduz-se, pois, que, quanto maior o volume de leituras, maiores as possibilidades de

significação e, por consequência, produção de novos textos.

Nesse processo, a leitura do que circula nas mídias (inclusive internet), cinema, exposições de

arte, informações obtidas a partir de entrevistas, pesquisas, trabalhos de campo podem oferecer

uma base de informações para a leitura/entendimento de textos que permeiam o universo

escolar, assim como os textos de natureza expositiva podem instrumentalizar o aluno para a

significação dos demais textos com os quais se depare nas diferentes esferas sociais pelas

quais circula. Aliás, este deveria ser o principal papel da escola: habilitar o educando para

estabelecer intercâmbio entre os diferentes saberes, a fim de que possa ler a realidade na qual

está inserido, identificar seus problemas e propor soluções viáveis para a resolução destes.

Esse princípio encontra respaldo nas palavras de Paulo Freire, segundo o qual

“A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não

pode prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem

dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a

percepção das relações entre o texto e o contexto. ”

Essa prática, de certa forma, favoreceria o sucesso dos candidatos em relação às

competências 22 e 53 propostas pelo MEC para a correção da redação do ENEM, pois não há

como dissertar e, menos ainda, propor soluções para uma situação problema sobre a qual não

se desconheça.

Como os temas selecionados para a proposta de redação das diferentes edições do ENEM

priorizam problemas sociais de grande visibilidade na Mídia e não há como desenvolvê-las

satisfatoriamente sem que haja um acervo de ideias sobre o tema, cabe aos professores, sejam

eles de língua portuguesa ou não, definir estratégias que diversifiquem, potencializem e

promovam discussões interdisciplinares a partir de temas de relevância social. E isso não

significa abandonar conteúdos conceituais que se apresentem como indispensáveis. O que se

propõe é a soma, em processos simultâneos, não a subtração. Essas estratégias, se

implementadas desde as séries iniciais do Ensino Básico, talvez sejam o ponto de partida para

decifrar o enigma da esfinge, ou melhor, dos baixos resultados nas redações do ENEM.

1- Não se descarta a viabilidade da pesquisa como ponto de partida para a leitura de novos textos.

2- Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento, para desenvolver o

tema dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo.

3- Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.

REDAÇÃO NO ENEM – DECIFRA-ME OU DEVORO-TE II

Os baixos resultados em redação da edição 2014 do ENEM – 8,5% zeraram e apenas 0,0036%

obtiveram total – apontam para a necessidade de uma análise mais profunda das causas desse

quadro, pois, sem esse olhar criterioso, não é possível estabelecer medidas de ação revertam

essa situação.

Balanço das redações do Enem (Foto: Reprodução/Inep) - Acesso em 18 maio 2015.

Diante do balanço apresentado pelo Inep, assusta o fato de 4.967.553 candidatos (80,2%)

haverem obtido resultado entre 0 e 60% e apenas 1.226.014 (19,8%) acima de 60%... É, de fato,

necessário um olhar criterioso. Esse adjetivo, “criterioso”, parece apontar uma via de acesso

para a análise desse fenômeno, que balize a proposição de ações que atenuem dificuldades que

venham a ser identificadas. Utilizaremos, portanto, os critérios estabelecidos para a avaliação de

redação do ENEM com via de acesso ao entendimento dos resultados apresentado no gráfico

anterior.

Parece-me razoável considerar que um candidato que obtém zero em uma redação não é em

decorrência de haver zerado as 5 competências avaliadas:

COMPETÊNCIAS

1 2 3 4 5

Demonstrar

domínio da

norma padrão da

língua escrita.

Compreender a

proposta de

redação e aplicar

conceitos das

várias áreas de

conhecimento,

para desenvolver

o tema dentro

dos limites

estruturais do

texto dissertativo-

argumentativo.

Selecionar,

relacionar,

organizar e

interpretar

informações,

fatos, opiniões e

argumentos em

defesa de um

ponto de vista.

Demonstrar

conhecimento

dos mecanismos

linguísticos

necessários para

a construção da

argumentação.

Elaborar

proposta de

intervenção para

o problema

abordado,

respeitando os

direitos

humanos.

A nota zero em uma redação do ENEM, explica-se, fundamentalmente, pelas razões apontadas

no Guia do Participante:

- fuga total ao tema;

- não obediência à estrutura dissertativa argumentativa;

- texto com menos de 7 linhas;

- impropérios, desenhos e outras formas propositais de anulação ou parte do texto

deliberadamente desconectado do tema proposto;

- desrespeito aos direitos humanos;

- folha de redação em branco, mesmo que haja texto na folha de rascunho.

Diante desses critérios, a princípio, pode parecer impossível zerar essa avaliação, mas não é o

que comprovam os mais de quinhentos e vinte nove mil estudantes que obtiveram essa nota

como resultado na redação do ENEM em 2014. Esses números apontam para uma realidade: o

que nos parece muito óbvio pode não ser para os alunos. É, pois, imprescindível que as

instituições de ensino deem ciência desses critérios a seus alunos para que possam atendê-los

consciente e estrategicamente. Não basta reproduzir uma lista de critérios: é necessário

dissecar cada um deles e definir estratégias que antecipem dificuldades e favoreçam a

superação dessas.

Passemos, então, à sugestão de práticas pedagógicas que favoreçam a compreensão e

superação de cada uma das razões que podem levar ao zero:

http://pixabay.com/pt/caneta-marcador-m%C3%A3o-a-m%C3%A3o-escrever-427516/ - Acesso 27/05/15

Fuga ao tema

Para não fugir ao tema, é indispensável que se entenda o que é tema e que se tenha

competência para identificar o tema central de diferentes textos, em diferentes gêneros, de

modo que sugerimos:

- problematização junto à classe sobre o que seria tema; diferença entre tópico e tema; o que

seria tangenciar o tema;

- análise de textos que tenham atendido ao tema em contraposição aos que tangenciaram (há

exemplos no Guia do Participante – Inep/Mec);

- levantamento de temas possíveis para a redação da edição seguinte tendo em vista os fatos e

problemas sociais mais recorrentes na mídia;

- proposição de temas relevantes para seminários a partir da pesquisa em diferentes fontes –

midiáticas e enciclopédicas;

- produção de textos dissertativos argumentativos a serem problematizados quanto à sua

pertinência ao tipo e ao tema;

- reescrita dos próprios textos pelos alunos a partir da intervenção do professor corretor ou de

colegas.

http://pixabay.com/pt/acho-que-pensamento-m%C3%A3o-refletir-622689/ - Acesso 27/05/15

Não obediência à estrutura do texto dissertativo argumentativo

Organizar seu próprio texto no tipo textual solicitado, talvez se apresente ao aluno como desafio

maior que manter-se fiel ao tema proposto. Para este caso, sugerimos as seguintes estratégias:

- trabalho sistemático com tipos textuais, funções de linguagem e gêneros estruturados a partir

de um mesmo tema, a fim de que estabeleçam distinção e semelhanças entre eles;

- análise de textos em que sequências narrativas, expositivas, descritivas... tenham sido

acionadas com o propósito argumentativo;

- esclarecimento do que é a dimensão dissertativa em um texto argumentativo;

- distinção entre argumento e estratégia argumentativa;

- estabelecimento de relação entre estratégias argumentativa e a dimensão dissertativa da

argumentação;

- análise de textos dissertativos argumentativos com fins na identificação de teses, argumentos e

estratégias argumentativas;

- confronto de textos que abordem um mesmo tema, mas que apresentem pontos de vista

diferentes;

- comparação de textos que abordem um mesmo tema, com pontos de vistas convergentes,

porém fundamentados a partir de processos argumentativos distintos;

- discussão sobre a pertinência de um registro linguístico utilizado em um texto tendo em vista a

situação enunciativa;

- produção de textos dissertativos argumentativos a serem projetados e analisados pela turma

quanto à sua pertinência ao tipo e ao tema;

- reescrita dos próprios textos a partir da intervenção do professor corretor ou de colegas, dentre

outras possibilidades.

Texto com menos de 7 linhas ou folha de redação em branco, mesmo que haja texto

na folha de rascunho

É pouco provável que um candidato zere seu texto em razão desses fatores, a menos que não

saiba gerenciar seu tempo. Para que isso não ocorra é indispensável que o aluno do ensino

médio seja trabalhado para produzir um texto com qualidade – rascunho e a limpo – em um

prazo máximo de 60 minutos. Isso pode ser feito por meio de diferentes procedimentos e

atividades:

- orientação ao aluno para que cronometre o tempo de que necessita para produzir um texto

com qualidade: rascunho e passá-lo a limpo;

- produção de redações, em classe. A princípio com tema pré-determinado e com a

possibilidade de passá-lo a limpo fora do tempo pré-estabelecido, posteriormente, com temas

surpresa e elaboração de rascunho e texto final dentro de um horário-aula.

- comparação do tempo gasto na produção de um texto sobre um tema previamente

determinado e debatido com o utilizado na redação sobre um tema definido no momento da

produção, a fim de que se perceba a relação entre tempo e informação. Esse procedimento

objetiva fazer com o que o aluno perceba a necessidade de estar informado sobre temas

relevantes da atualidade para que tenha condições de desenvolver satisfatoriamente uma

argumentação, em pouco tempo, ainda que esteja cansado;

- sugestão para que, nos simulados ao longo do Ensino Médio, os estudantes experimentem

fazer a redação em diferentes momentos para identificar aquele em que produz melhor:

rascunho e versão final antes das 2 provas do 2º dia; rascunho antes das 2 provas e passar a

limpo ao final das 2; fazer a prova de Códigos e linguagens, a redação e, por fim, Matemática;

fazer Matemática, a redação e, por fim Códigos e Linguagens... Enfim, vivenciar as diferentes

possibilidades para descobrir em qual delas o estudante percebe que produz melhor;

- a listagem de temas possíveis para a redação a partir da qual se pode planejar aulas

multidisciplinares, seminários com a presença de especialistas, análise de documentários são

também estratégias que podem evitar que o aluno venha a zerar sua redação por não saber o

que explorar sobre o tema.

http://pixabay.com/pt/escrever-menina-crian%C3%A7a-estudante-774648/ - Acesso 27/05/15

Impropérios, desenhos e outras formas propositais de anulação ou parte do texto

deliberadamente desconectado do tema proposto

Além de explicitar para os alunos que esse tipo de inserção no texto pode zerá-lo, deve-se

esclarecer o que é impropério, visto que quando era solicitado na proposta que o texto fosse

redigido em prosa, por não saberem que a orientação era para que não escrevessem em

versos, muitos estruturavam diálogos...

http://pixabay.com/pt/do-sexo-masculino-arte-desenho-391346/ - Acesso 27/05/15

impropério

[Do lat. tard. improperiu.]

Substantivo masculino.

1.Ato ou palavra repreensível, ofensiva, vergonhosa; vitupério:

"começaram a vazar pelas bocas malditas todas as infâmias e impropérios que a raiva e a

paixão e a perversa natureza lhes ensinava" (Fr. Luís de Sousa, Vida de D. Fr. Bertolameu dos

Mártires, II, p. 34).

2.Repreensão injuriosa; doesto, afronta.

Dicionário Aurélio Eletrônico

Esclarecido o que é “impropério”, exemplificar casos, como inserção de receita de macarrão

instantâneo e hinos de times de futebol em meio ao texto, sem propósito argumentativo, que

podem zerar o texto.

Desrespeito aos direitos humanos

Embora direitos humanos seja um tema recorrente na mídia, não são raras as pessoas que têm

uma vaga e equivocada noção do que sejam. Alguns se limitam a repetir o que ouvem de

terceiros: “é aquilo que serve para dar boa vida a bandido na cadeia e não deixar que ele fique

lá. ” Para que o candidato não incorra nesta falha, é indispensável:

- parceria com os professores de História, a fim de que se discuta o que são direitos humanos e

sejam estabelecidas relações entre Carta Internacional dos Direitos Humanos e a Constituição

Federal; Constituição Federal e Estatutos tais como o da Criança e do Adolescente; do Idoso; da

Juventude etc;

- oficina de leitura a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanas, seguida da discussão

de fatos históricos e da atualidade que ilustrem respeito ou desrespeito a esses direitos;

- debates mediados por professores de história, advogados e outros profissionais afins em que

sejam colocadas questões, como: Pena de morte viola os direitos humanos? O que seriam um

trabalho análogo ao escravo? As leis trabalhistas no Brasil atendem aos princípios do direito ao

trabalho em condições dignas? O trabalho infantil fere os direitos humanos quando não resta à

família outra alternativa para a sobrevivência? As políticas assistenciais no Brasil atendem aos

princípios dos Direitos Humanos? O caos em que se encontra a saúde pública do Brasil é uma

violação desses direitos? O financiamento da casa própria e o programa “Minha Casa Minha

Vida” têm por objetivo concretizar o direito à moradia? O novo Código Floresta, aprovado

recentemente, garante o direito ao meio ambiente sadio? Há órgãos internacionais que podem

intervir caso esses direitos não sejam garantidos?

http://pixabay.com/pt/globo-global-terra-planeta-mundo-689407/ - acesso 27/05/15

Essas estratégias, ainda que não venham a garantir uma nota 1.000 na redação, certamente,

instrumentalizarão os estudantes para que não caiam no extremo oposto.

REDAÇÃO NO ENEM – DECIFRA-ME OU DEVORO-TE III

Em dois textos anteriores – “Redação no Enem – decifra-me ou devoro-te I e II” – abordamos a

necessidade de, frente aos baixos resultados da redação do Enem 2014, repensar as práticas

pedagógicas voltadas para o ensinar a escrever, de modo especial, os textos dissertativos

argumentativos. No 1º, defendemos que a leitura é apoio instrumental para a escrita, de modo

que seriam necessárias estratégias que propiciassem a leitura de textos produzidos em

diferentes tipos textuais e gêneros discursivos, a partir de temas de relevância social, a fim de

fomentar o arcabouço de conhecimentos prévios necessários à produção de um texto

dissertativo argumentativo. No 2º, abordamos as razões que podem levar o participante a zerar

seu texto, e apresentamos algumas estratégias para que isso não ocorra. Neste, abordaremos,

o que distancia o zero do 200 em cada uma das 5 competências apresentadas pelo Inep para a

avaliação da redação do Enem e proporemos algumas estratégias que podem potencializar o

fazer com a escrita de cada candidato. Para isso, faremos uma “leitura didática” de fragmentos

do “Guia do Participante”, publicado pelo Inep. Passearemos pelas 5 competências avaliadas,

ventilando hipótese para as dificuldades apresentadas e sugerindo algumas práticas.

Competência 1

Demonstrar

domínio da

norma

padrão da

língua

escrita.

O que se observa:

- ausência de marcas de

oralidade e de registro informal;

- precisão vocabular;

- obediência às regras

gramaticais de concordância

nominal e verbal;

-regência nominal e verbal;

-pontuação;

-flexão de nomes e verbos;

-colocação de pronomes átonos;

-grafia das palavras;

-acentuação gráfica;

- emprego de letras maiúsculas

e minúsculas;

- divisão silábica na mudança de

linha (translineação).

Guia do Participante – Inep 2013

Iniciaremos as considerações em relação à 1ª competência pela adequação ao registro

linguístico. Quando se fala sobre produção em registro padrão, a primeira ideia que ocorre é a

adequação aos princípios da gramática, no entanto a adequação do registro linguístico no que

concerne ao distanciamento do registro oral, muitas vezes, cai no esquecimento. Não é raro que

o aluno autor não tenha conhecimento de que articuladores como, “aí”, “né”, dentre outros, são

próprios da oralidade e que devem ser substituídos por outros, formais, de mesmo valor

discursivo. Muitas vezes, também, não estabelece distinção entre um vocábulo próprio da gíria

ou regionalismo em relação a outro, mais adequado ao registro padrão de escrita.

Para evitar desvios dessa natureza é indispensável formalização das variantes linguísticas

desde as séries iniciais e a sistematização recorrente deste conteúdo, por meio de:

- leitura de textos em diferentes registros linguísticos, para identificação do registro e das marcas

que o particularizam;

- inferência de tempo, espaço, perfil psicológico e sócio-econômico de personagens a partir da

linguagem utilizada;

- comparação de editoriais de diferentes publicações, como revista “Carta Capital” e “Atrevida”,

com o propósito de relacionar registro linguístico, suporte e público alvo;

- retextualização a partir da alteração do status entre os interlocutores para que se perceba a

necessidade de ajustes no registro linguístico. Exemplo: produzir uma mensagem via “whatsapp”

a um colega avisando que não irá ao trabalho e por isso não poderá dar-lhe carona, e ajustá-lo

para uma mensagem, a ser enviada por e-mail, ao patrão, comunicando que não poderá

comparecer à empresa naquele dia;

- exercício recorrente da consulta a dicionários, como meio de certificar-se da adequação de

determinada acepção ao registro padrão. Salientar que, antes de cada acepção, há siglas,

dentre as quais as que indicam se o emprego de uma palavra em determinado sentido é ou não

adequado ao registro padrão. Para isso, é indispensável que os estudantes saibam consultar a

tabela de abreviaturas e aplicá-las na análise dos sinônimos apresentados em um verbete.

Vejamos o exemplo abaixo, transcrito do Dicionário Aurélio eletrônico:

trem [Do fr. train.] Substantivo masculino. 1.Conjunto de objetos que formam a bagagem de um viajante. 2.Comitiva, séquito. 3.Mobiliário duma casa. 4.Conjunto de objetos apropriados para certos serviços. 5.Carruagem, sege. 6.Vestuário, traje, trajo. 7.Mar. G. Bras. Grupamento de navios auxiliares destinados aos serviços (reparos, abastecimento, etc.) de uma esquadra. 8.Bras. Comboio ferroviário; trem de ferro. 9.Bras. Bateria de cozinha. 10.Bras. MG C.O. Pop. Qualquer objeto ou coisa; coisa, negócio, treco, troço: "ensopando o arroz e abusando da pimenta, trem especial, apanhado ali mesmo, na horta." (Humberto Crispim Borges, Cacho de Tucum, p. 186). 11.Bras. MG S. Fam. Indivíduo sem préstimo, ou de mau caráter; traste. Adjetivo de dois gêneros e de dois números. 12.Bras. MG Pop. Diz-se de pessoa ou coisa ruim, ordinária, imprestável; trenheiro: É um sujeito muito trem; São mulherzinhas muito trem. ~ V. trens. Trem da alegria. 1. Pop. Nomeação (2 e 3) irregular de grande número de pessoas para cargos públicos, no âmbito federal, ou no estadual, ou no municipal. Trem de aterragem. 1. V. trem de aterrissagem. Trem de aterrissagem. 1. Mecanismo sustentador das rodas do avião; trem de aterragem, trem de pouso. Trem de ferro. 1. Bras. Trem (8). Trem de onda. 1. Fís. V. pacote de ondas. Trem de pouso. 1. V. trem de aterrissagem. Trem de vida. 1. Maneira de alguém ou uma família viver, geralmente quanto aos gastos, ao nível econômico: "Não há .... desprestígio para o sertanejo nordestino em ter permanecido dentro dessas limitações com o seu trem de vida insignificante, em termos de riqueza." (Sousa Barros, Cercas Sertanejas, pp. 15-16.).

Note que, antes de algumas acepções inserem-se algumas abreviaturas, dentre as quais

pinçamos as transcritas a seguir:

Bras – brasileirismo: modismo próprio da linguagem dos brasileiros.

MG Pop – popular em Minas Gerais.

Bras. MG C.O. Pop – modo próprio de falar em linguagem popular no Centro Oeste de Minas

Gerais.

Mineiro não perde o trem.

http://jurafotografiasedesenhos

tre

Qu

eijo Minas: trem bom!

http://www.portalacteo.com.br/

Este sujeito é um trem!

http://g1.globo.com/ Acesso em maio 2015.

A focalização desses indicadores, nos leva à dedução de que os sentidos 10, 11 e 12 são

inadequados ao registro padrão.

Pode-se, ainda, se deparar nessas pesquisas com as abreviaturas “gir.” (gíria); gir.de gat. (gíria

de gatuno); “gir. de jorn.” (gíria de jornalismo; “gir. pol.” (gíria policial), que indicam que a palavra

em questão, no sentido pesquisado, não se adequa ao registro padrão.

O emprego de maiúsculas e minúsculas, embora não se apresente, teoricamente, como desafio

aos alunos do Ensino Fundamental II e Médio, também requer atenção, principalmente, porque

muitos deles fazem uso da letra de forma (ou imprensa) ou misturam a cursiva com a de forma

e, ao fazerem isso, empregam, por exemplo, o F no lugar do f; o K no lugar do k; o g no lugar do

G. Outra falha comum é o grafar os meses com inicial maiúscula, ainda que não estejam ao

início de frase. A sinalização recorrente nos momentos de correção dos textos pode ajudar neste

aspecto.

A inobservância da divisão silábica na translineação também pode levar à perda de décimos

preciosos na redação. Embora muito trabalhada no Fundamental I, os estudantes das séries

finais do ensino básico costumam deixar de lado esse conteúdo: preferem passar para a pauta

seguinte sem chegar ao final daquela em que se encontravam a fazer uma divisão silábica. Mas,

em um texto dissertativo argumentativo que deve ser concluído com uma proposta consistente

de intervenção, em apenas 30 linhas, todo espaço deve ser aproveitado. Assim, pode ser útil a

retomada de casos de separação, como: rr, ss, sc, nh, lh e, principalmente, evidenciar que

consoantes mudas fazem parte da sílaba anterior: op-ta; ab-do-me, etc.

Quanto à acentuação gráfica, uma atividade que pode auxiliar, depois de entendido o que é

sílaba tônica e apropriadas as regras de acentuação, é a reprodução de pequenos textos,

depois de suprimidos os acentos, para que os estudantes possam recolocá-los e fazer a

correção autonomamente a partir da conferência com o texto original. Os problemas mais

recorrentes quanto aos aspectos formais relativos a este item decorrem da não distinção entre

oxítonos e monossílabos; entre a regra dos hiatos e a dos paroxítonos e oxítonos.

A pontuação é outro item observado na Competência I, e os usos da vírgula continuam impondo

desafios a muitos. Apresentamos duas hipóteses para o fato: 1ª – continua-se disseminando a

ideia de que vírgula é para marcar pausas da fala ou para o leitor respirar. Já é tempo de romper

com essa história: os usos da vírgula estão relacionados à sintaxe, e não há como se apropriar

de seus usos sem que se saiba o que é:

- um sujeito ou objeto direto, já que não devem ser usadas entre o sujeito e seu predicado; ou

entre o verbo e seu complemento;

- um adjunto adverbial, que, quando deslocado, também deve ser separado por vírgula;

- uma oração subordinada ou coordenada que são ou não separadas por esse sinal de

pontuação em função de suas classificações etc. etc. etc. A relação disso com a fala?

Nenhuma!

Uma estratégia que talvez diminua a distância entre estudantes e usos da vírgula, poderia ser a

simultaneidade no trabalho sintaxe e pontuação no ambiente escolar. A cada novo termo

formalizado, formularia-se também a pontuação a ele inerente. Não se separaria aulas de

pontuação e de morfossintaxe. Exemplo: ao introduzir o adjunto adverbial, já se introduziria as

situações em que ele seria obrigatoriamente ou facultativamente separado por vírgula. E, como

miscelânea pouca é bobagem, seria também momento oportuno para explorar a variação de

efeitos de sentido que pode decorrer do deslocamento de um termo na frase, do uso facultativo

de um sinal de pontuação ou da subversão estilística da norma. Neste contexto caberia, ainda, o

trabalho relacionado à diferença entre a estruturação da frase no registro coloquial (mais

fragmentada) e no padrão (cuidadosamente articulada).

A diversidade e precisão vocabular também são avaliadas na 1ª competência e são aspectos

intimamente ligados, visto que na busca da diversidade esperada pelo corretor, o candidato

pode se utilizar de palavras inadequadas à expressão do que se deseja, podendo, com isso,

gerar incoerências. Mais uma vez o uso cotidiano pode ser um aliado, não uma muleta. É

importante que o vocabulário seja enriquecido a partir de textos que propiciem isso, aliás, as

questões de inferência lexical e pesquisa ao dicionário andam sumidas dos materiais didáticos

atuais.

A essas poderiam somar-se muitas outras considerações, que poderiam (ou não) propiciar

melhor desempenho na competência I, mas algo é certo: não se pode deixar que os estudantes

continuem pensando que escrita é mera transcrição da fala. É indispensável que experienciem

atividades variadas para que adquiram o traquejo linguístico necessário ao ajustamento de seus

textos a diferentes situações enunciativas, sem que isso lhes pareça perda de identidade.

Competência 2

Compreender

a proposta de

redação e

aplicar

conceitos das

várias áreas de

conhecimento,

para

desenvolver o

tema dentro

dos limites

estruturais do

texto

dissertativo-

argumentativo.

O que se observa:

- Elaboração de um texto que

apresente, claramente, uma tese

a ser defendida e os argumentos

que justifiquem a posição

assumida em relação à temática

levantada pela proposta de

redação, mantendo-se nos limites

do tema.

Não se deve tangenciar o tema

Considera-se tangenciamento ao

tema a abordagem parcial, ou

marginal, do tema dentro do

assunto.

Fuga total ao tema

A abordagem de um tema

completamente diferente do que

foi proposto, não chegando

sequer a tangenciá-lo, será

considerada fuga total ao tema,

sendo atribuída nota 0 (zero) à

redação, mesmo que dentro do

mesmo assunto, considerado no

nível mais amplo.

Guia do Participante – Inep 2013

Na Competência 2, na verdade, inserem-se 3 competências:

1- compreender a proposta de redação;

2- aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema;

3- ater-se aos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo.

A compreensão da proposta, na realidade, engloba tanto o entendimento do tema quanto do tipo

textual dissertativo-argumentativo. O entendimento do tema, por sua vez, como dito em textos

anteriores – “Redação no Enem: decifra-me ou devoro-te I e II” – decorrerá, em grande parte,

dos conhecimentos prévios sobre ele. A aplicação desses conhecimentos é objeto de atenção

especial, uma vez que, apesar de todos os discursos pedagógicos apontarem para a inter, multi

ou transdisciplinaridade, a escola ainda é, em grande medida, cartesiana. A dificuldade

apresentada pelos candidatos em associar conhecimento empírico ao midiático e ao

enciclopédico, possivelmente seja produto desse processo fragmentado, que talvez seja uma

explicação para abordagem superficial, sem autoria, que se apresenta na maioria absoluta dos

textos produzidos no Enem. O trabalho isolado de diferentes disciplinas a partir de um mesmo

objeto de conhecimento não é suficiente para que os alunos estabeleçam relação entre o que os

diferentes professores “ensinaram”. É necessário que os estudantes aprendam a fazer esse

entrecruzamento de saberes. Aulas temáticas, com a presença simultânea de professores de

diferentes disciplinas, em que cada professor faz suas considerações, tendo em vista a

exposição de outro educador, podem ser eficientes para esse propósito. Debates a partir de

temas da atualidade com profissionais de diferentes segmentos também trazem especial

contribuição para o exercício da Competência 2.

Além de um repertório rico, adquirido a partir de leituras recorrentes (orientadas ou não) e de

aulas temáticas com o objetivo de o aluno vivenciar situações em que diferentes áreas do

conhecimento são associadas em função de uma mesma situação problema, é indispensável

que os estudantes tenham

- conhecimento das diferentes tipologias textuais;

- clareza dos elementos inerentes ao tipo dissertativo-argumentativo;

- entendimento de que a contextualização deve situar o leitor quanto à tese a ser enunciada;

- propriedade para identificar e operar com os elementos inerentes ao tipo dissertativ-

argumentativo:

Guia do Participante – Inep/Mec - 2013

Quanto a esta propriedade, é fundamental que os alunos:

- identifiquem tese, argumentos e estratégias argumentativas em textos de diferentes autores

cujas produções circulem socialmente;

- identifiquem esses elementos em textos de colegas e apresentem sugestões para aprimorá-

los;

- comparem textos argumentativos com posicionamentos distintos sobre um mesmo tema

(exemplo: redução da maioridade penal);

- comparem textos que apresentem um mesmo ponto de vista, fundamentados por argumentos

e estratégias argumentativas distintos;

- comparem textos que atenderam a um tema proposto com alguns que o tenha tangenciado.

Isso pode ser feito a partir dos exemplos relacionados no “Guia do Participante”, que pode ser

acessado pelo site:

http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/guia_participante/2013/guia_de_redacao_en

em_2013.pdf

Nesse Guia, encontraremos também as seguintes recomendações:

a) Leia com atenção a proposta da redação e os textos motivadores, para compreender bem o

que está sendo solicitado.

b) Evite ficar preso às ideias desenvolvidas nos textos motivadores, porque foram apresentados

apenas para despertar uma reflexão sobre o tema e não para limitar sua criatividade.

c) Não copie trechos dos textos motivadores. Lembre-se de que eles são apresentados apenas

para despertar seus conhecimentos sobre o tema.

d) Reflita sobre o tema proposto para decidir como abordá-lo, qual será seu ponto de vista e

como defendê-lo.

e) Reúna todas as ideias que lhe ocorrerem sobre o tema, procurando organizá-las em uma

estrutura coerente para usá-las no desenvolvimento do seu texto.

f) Desenvolva o tema de forma consistente para que o leitor possa acompanhar o seu raciocínio

facilmente, o que significa que a progressão textual é fluente e articulada com o projeto do texto.

g) Lembre-se de que cada parágrafo deve desenvolver um tópico frasal.

h) Examine, com atenção, a introdução e a conclusão para ver se há coerência entre o início e o

fim.

i) Utilize informações de várias áreas do conhecimento, demonstrando que você está atualizado

em relação ao que acontece no mundo.

j) Evite recorrer a reflexões previsíveis, que demonstram pouca originalidade no

desenvolvimento do tema proposto.

l) Mantenha-se dentro dos limites do tema proposto, tomando cuidado para não se afastar do

seu foco. Esse é um dos principais problemas identificados nas redações.

E, considerando que a nota máxima nesta competência pressupõe argumentação consistente e

excelente domínio da estrutura do texto dissertativo argumentativo, deve-se ter sempre em

mente que isso requer muita leitura, produção e reescrita recorrentes de textos nessa tipologia,

no que o professor fará sucessivas intervenções a partir das demandas inferidas das práticas da

classe.

Competência 3

Selecionar,

relacionar,

organizar e

interpretar

informações,

fatos, opiniões

e argumentos

em defesa de

um ponto de

vista.

O que se observa:

- Forma como o participante

selecionou, relacionou, organizou

e interpretou informações, fatos,

opiniões e argumentos em defesa

do ponto de vista defendido como

tese.

É preciso um texto que apresente,

claramente, uma ideia a ser

defendida e os argumentos que

justifiquem a posição assumida

em relação à temática levantada

pela proposta de redação. Além

disso, é necessário que as ideias

desenvolvidas no texto

correspondam aos conhecimentos

de mundo relacionados ao tema.

Guia do Participante – Inep 2013

Se a competência 2 avalia a adequação ao tema e ao tipo dissertativo-argumentativo, a 3

refinará o olhar frente a argumentação. A estruturação de argumentos em defesa da tese e as

estratégias a partir das quais eles serão desenvolvidos devem ser cuidadosamente selecionadas

e expressas com clareza de modo a fundamentar o ponto de vista enunciado.

Não é suficiente que os argumentos sejam bons, eles devem ser estruturados de modo a se

apresentarem como coerentes aos olhos do leitor e explorados de modo que fujam ao senso

comum, pois não se obtém total nesta competência sem que haja o mínimo de originalidade, o

que configura a autoria. Mais uma vez a leitura e indispensável, pois para a formação da própria

opinião é necessário que se tenha conhecimento amplo sobre um fato ou fenômeno, e que se

confronte diferentes posicionamentos sobre ele, a partir dos quais se estruturará o próprio ponto

de vista. Sem o vivenciamento de cada uma das fases desse processo, o aluno limita-se ao

senso comum ou, na tentativa de inovar sem que esteja preparado para isso, pode apresentar

teses descabidas e argumentos inconsistentes e, não raramente, incoerentes, contraditórios.

A concepção de ensino/aprendizagem adotada pela escola e a mediação do professor é

determinante para o sucesso de seus alunos nesta competência. Isso não significa que se vá

antecipar todos os temas possíveis e trabalhar exaustivamente cada um deles... Não haveria

tempo pedagógico suficiente para tal prática tendo em vista todas as outras demandas

escolares... E isso não propiciaria autonomia para que o estudante venha a se tornar um

cidadão capaz de intervir positivamente na sociedade, como se lê recorrentemente nos Projetos

Pedagógicos das mais diferentes instituições de ensino. Aqui, mais uma vez, o que se sugere é

a atuação simultânea de professores das diferentes áreas do conhecimento, em aulas

temáticas, organizadas a partir de um tema relevante na atualidade. A produção de energia

nuclear como solução para atender à demanda de energia limpa, por exemplo. Professores de

física, química, matemática, história e geografia, certamente, teriam um posicionamento

científico a esse respeito, o de português poderia preparar a turma a partir da análise discursiva

de textos que tenham circulado sobre o tema em diferentes épocas, o de língua inglesa ou

espanhola poderiam propor a análise comparativa da abordagem dada no Brasil ao tema dado

pela imprensa estrangeira... Depois ou antes disso, poderia haver uma pesquisa sobre a matriz

energética do Brasil ou dos estados que o compõem a fim de se verificar a coerência entre o

que se documenta e o que se executa. Trabalho de campo, palestras com especialistas, debate

entre diferentes atores sociais envolvidos em um mesmo evento, documentários, filmes, livros

de literatura, júris simulados são apenas algumas das possibilidades para potencializar o

desempenho no aluno autor em relação à competência 3, mas nenhuma delas será eficiente se

o professor não assumir o papel de mediar a descoberta de diferentes possibilidades de

posicionamento frente a um mesmo fenômeno ou objeto de pesquisa, e sem propor o exercício

constante do confronto das diferentes possibilidades para estruturação da própria percepção.

Ressalta-se, entretanto, que o conhecimento dessa diversidade, sem a habilidade para

gerenciá-la pode se apresentar como fator de desorientação do candidato, que não saberá como

tratar todo o conhecimento adquirido. A projeção, em classe, de redações nota 1000 de

diferentes edições do ENEM, pode ser uma via de acesso para que o estudante perceba como

se fizeram presentes e tomados como base para a apresentação e fundamentação de uma tese

os diferentes conhecimentos acerca do tema abordado. Redações bem sucedidas, produzidas

pela própria turma, a partir de aulas temáticas ou seminários, também constituem rico material

para o exercício dessa competência.

Definidas algumas das estratégias possíveis, não é demais evidenciar que a competência 3

avalia:

- a forma como foram selecionados, relacionados, organizados e interpretados informações,

fatos, opiniões e argumentos em defesa do ponto de vista defendido como tese. Portanto, é

preciso que se elabore um texto que apresente, claramente, uma ideia a ser defendida e os

argumentos que justifiquem a posição assumida por você em relação à temática exigida pela

proposta de redação.

- a inteligibilidade do texto, ou seja, a coerência entre as ideias apresentadas.

A coerência da redação depende, portanto, dos seguintes fatores:

- relação de sentido entre as partes do texto;

- precisão vocabular;

- progressão temática adequada ao desenvolvimento do tema, revelando que a redação foi

planejada e que as ideias desenvolvidas são apresentadas, em uma ordem lógica;

- adequação entre o conteúdo do texto e o mundo real.

Mas, o que é coerência?

A coerência se estabelece a partir das ideias apresentadas no texto e dos conhecimentos dos

interlocutores, garantindo a construção do sentido de acordo com as expectativas do leitor. Está,

pois, ligada à compreensão, à possibilidade de interpretação dos sentidos do texto. O leitor

poderá “processar” esse texto e refletir a respeito das ideias nele contidas; pode, em resposta,

reagir de maneiras diversas: aceitar, recusar, questionar, até mesmo mudar seu comportamento

em face das ideias do autor, compartilhando ou não da sua opinião.

Competência 4

Demonstrar

conhecimento

dos

mecanismos

linguísticos

necessários

para a

construção da

argumentação.

Estruturação lógica e formal entre

as partes do texto

Na avaliação desta competência,

serão considerados os seguintes

aspectos:

Encadeamento textual – As

frases devem estabelecer entre si

uma relação que garanta a

sequenciação lógica do texto e a

interdependência entre as ideias.

Esse encadeamento pode ser

expresso por conectores, por itens

lexicais, ou pode ser inferido a

partir da articulação dessas ideias.

Preposições, conjunções,

advérbios e locuções adverbiais

são responsáveis pela coesão do

texto.

Estruturação dos parágrafos –

Um parágrafo é uma unidade

textual formada por uma ideia

principal à qual se ligam ideias

secundárias. No texto dissertativo-

argumentativo, os parágrafos

podem ser desenvolvidos por

comparação, por causa-

consequência, por exemplificação,

por detalhamento, entre outras

possibilidades.

Estruturação dos períodos –

Pela própria especificidade do tipo

dissertativo-argumentativo, o

período do texto é, normalmente,

Guia do Participante – Inep 2013

um período complexo, formado por

duas ou mais orações, para que se

possam expressar as ideias de

causa-consequência, contradição,

temporalidade, comparação,

conclusão, entre outras.

Referenciação – As referências ás

pessoas, coisas, lugares, fatos

devem ser introduzidas e, depois,

retomadas, à medida que o texto

vai progredindo. Esse processo

pode ser expresso por pronomes,

advérbios, artigos ou vocábulos de

base lexical, sinonímia, antonímia,

hiponímia, hiperonímia, uso de

expressões resumitivas,

expressões genéricas, dentre

outras possibilidades.

Parece estranho que os alunos/autores não dominem esta competência visto que estudam

morfossintaxe ao longo de parte significativa de sua vida escolar e interpretam textos em

diferentes tipos e gêneros. O estranhamento decorre do fato de muitas das categorias que se

prestam ao propósito do estabelecimento da coesão serem pinçados justamente da

morfossintaxe, e de o indivíduo somente processar a leitura de um texto ao operar com a coesão

referencial.

Uma hipótese que justifique essa dificuldade é que ela decorre não da seleção de conteúdos

que propiciariam seu desenvolvimento, mas das estratégias a partir das quais eles são

formalizados e sistematizados. Sabe-se que pronomes, advérbios, dentro outras categorias são

exaustivamente exercitadas no ensino básico, mas muitas das atividades utilizadas com esse

propósito se pautam, prioritariamente, na classificação, o que significa que não se estabelece

uma relação explícita entre gramática e coesão, morfossintaxe e textualidade. Para atender a

esta competência, as aulas voltadas para morfossintaxe deveriam estar diretamente atreladas à

produção de texto, como exemplificamos a seguir.

Considerando o conteúdo da morfologia, artigos, sugerimos que sejam estabelecidas

simultaneidades a fim de que os aspectos da gramática não fiquem ensimesmados, pois os

alunos não têm ainda maturidade cognitiva para procederem autonomamente a transição

desses aspectos para a textualidade. O que propomos, no caso aqui escolhido para

exemplificação, artigos, é que, exatamente no momento em que ele for introduzido, sejam

problematizados os efeitos que podem decorrer dessa classe de palavras em um texto: apontar

para o conhecimento partilhado entre os interlocutores1, assumir carga adjetiva2; ser tomada

como mecanismo de coesão, já que pode apontar para a retomada de algo anteriormente

enunciado.3

O trabalho com o aposto, por exemplo, deveria distanciar-se em muito da mera classificação:

melhor seria associá-lo à construção da coerência e às estratégias argumentativas. Para que o

aluno possa significar essa sobreposição de saberes, é indispensável que perceba que um

aposto pode inserir no texto um conhecimento que, na perspectiva do autor, o leitor não possua

e que seja indispensável a construção do sentido pela instância recebedora. Nessa perspectiva,

o aposto pode ser um meio a partir do qual se constrói a coerência. Tomemos o exemplo a

seguir.

A catapulta, engenho de guerra da

antiguidade, representou um grande

avanço nas batalhas.

http://pixabay.com/pt/catapulta-medieval-rpg-arma-148509/ - acesso em 28/05/15

Considerando o exemplo, podemos deduzir que, na perspectiva do autor, o leitor não saberia o

que é uma “catapulta”, e que esse desconhecimento comprometeria o entendimento do texto, o

que justifica a inserção do aposto “engenho de guerra da antiguidade”.

Por outro lado, em

Dilma Rousseff, presidenta do Brasil, tem problemas com a coerência.

“presidenta do Brasil” é um aposto que, dificilmente, teria sido inserido para dar conhecimento

ao leitor de quem é Dilma Rousseff... Uma justificativa plausível para sua inserção seria a

implicitação de uma crítica: não é esperado que uma presidente tenha problemas com

coerência.

Passemos a mais um caso:

Acredito que o microcrédito seja uma solução para atenuar as desigualdades sociais, e

Muhammad Yunus, Nobel da Paz em 2006, concorda comigo.

No último exemplo, o aposto “Nobel da Paz em 2006” cumpre uma dupla função: dá ao leitor o

conhecimento de quem seja Muhammad Yunus, e, ao mesmo tempo, credibilizar o ponto de

vista enunciado, já que uma autoridade no assunto enuncia o mesmo ponto de vista que o que

se apresenta no período.

O estabelecimento dessas simultaneidades instrumentalizaria o estudante para a utilização de

categorias gramaticais com o propósito de concretizar uma intenção discursiva.

Se a coesão fosse trabalhada nessa perspectiva, desde as séries iniciais da escolarização,

talvez não houvesse tantas frases justapostas em textos de alunos terceiranistas. Não estou,

contudo, sugerindo que sejam teorizadas, formalizadas, as diferentes categorias de coesão –

sequencial, referencial ou recorrencial – nas séries iniciais do ensino fundamental. O que sugiro

é que, ao se orientar que não se deve repetir uma palavra ou expressão em uma redação,

também seja se oriente sobre as estratégias possíveis para evitá-la... Caso os alunos ainda não

tenham o conhecimento de morfologia, pode-se sugerir, dentre outras possibilidades, que o

nome do personagem no conto que ele produziu seja substituído pelas palavras “ele”, e por

expressões, como “o garoto”, “o menino”, “o filho de D. Ana”, etc. É necessário, inclusive, deixar

claro que a repetição, em alguns contextos, é uma opção legítima de retomada, para evidenciar

algo ou evitar ambiguidades.

Nas séries iniciais do fundamental II, usualmente, são formalizados os numerais e advérbios,

mas, ao se fazer isso, quase sempre, se limita à função morfológica dessas classes de palavras

– expressar quantidade ou ordem, no caso dos numerais; acrescentar circunstância a um

verbo4, no caso dos advérbios.

Se, ao introduzir os referidos conceitos, já se explorasse a dimensão coesiva dessas classes de

palavras5, certamente, os alunos do ensino médio teriam menor resistência em aceitar que elas

tanto podem contribuir para a coesão referencial quanto para a sequencial.

Classes de palavras tradicionalmente reconhecidas como mecanismos de coesão, como

pronomes, preposições e conjunções, também merecem um olhar cuidadoso. As duas últimas

devem ser focalizadas com atenção especial à carga semântica que trazem em si, e não se

pode deixar de explorar os múltiplos efeitos de sentido que podem decorrer da escolha do

mecanismo coesivo que interligará as ideias expressas no texto. É produtivo que exemplos,

como os arrolados a seguir, sejam explorados com fins na percepção pelos estudantes do

cuidado necessário na escolha dos mecanismos coesivos, para que o leitor (re) produza o efeito

de sentido desejado. Observe:

Ir ao carro.

Pressupõe-se uma ação momentânea: um indivíduo, que não estava no carro, deslocou-se até

automóvel e voltou para onde estava anteriormente: não permaneceu no veículo.

Ir para o carro.

O indivíduo, que não estava no veículo, foi até ele e lá permaneceu.

Ir no carro.

Um indivíduo que já poderia ou não estar no veículo, utilizou-se dele como meio de transporte

para deslocar-se para outro espaço.

O trabalho com as conjunções requer igual cuidado. O aluno deve entender a função dessa

classe de palavras no texto e que algumas conjunções – “como”, por exemplo 6 – podem

assumir diferentes cargas semânticas. É indispensável que o aluno entenda que não é a

conjunção que estabelece a relação de sentido entre as partes do período ou texto que elas

interligam. A relação de sentido já está lá, e o que as conjunções fazem é cumprir o papel de

explicitá-las, de modo a deixar mais claras para o leitor as relações estabelecidas pelo autor,

como se exemplifica abaixo.

Caiu, machucou-se.

Percebe-se que há entre as orações do período a ideia de conclusão ou consequência, de modo

que a inserção da conjunção apenas explicitaria isso.

Caiu de modo que se machucou.

É bom evidenciar que, em algumas situações discursivas, se essas relações não forem

marcadas pelas categorias gramaticais que podem cumprir esse papel (conjunções e advérbios,

dentre outras), o leitor pode projetar um efeito de sentido não desejado pelo autor.

Observe:

João chegou, saí.

Nesse exemplo, o leitor pode projetar uma relação de causalidade – João chegou porque saí – o

que possibilita a inferência de que João não gosta da locutora e esperou que ela saísse para ir

ao local de onde ela se retirou. Pode também passar a ideia de temporalidade – João chegou

quando saí – o que apaga a possibilidade de haver alguma animosidade entre João e a locutora.

Neste contexto, questiono a orientação para que os alunos evitem períodos longos. Se o aluno

foi instrumentalizado para utilizar-se de mecanismos de coesão que estabelecem relações de

acepção de ideias expressas entre as orações que os compõem e sabem operar com esses

mecanismos de modo que não comprometam a produção de sentido pelo leitor, ele não pode

ser desestimulado em relação ao uso de estruturas mais complexas, indispensáveis aos textos

dissertativos argumentativos. Aliás, períodos curtos, orações justapostas podem fragmentar e,

ao contrário de facilitar, dificultar o estabelecimento de coerência pelo leitor.

Os aspectos a serem avaliados na Competência 4 dizem respeito à estruturação lógica e formal

entre as partes da redação. A organização textual exige que as frases e os parágrafos

estabeleçam entre si uma relação que garanta a sequenciação coerente do texto e a

interdependência entre as ideias. Cada parágrafo será composto de um ou mais períodos

também articulados; cada ideia nova precisa estabelecer relação com as anteriores.

Assim, na produção da redação, deve-se utilizar variados recursos linguísticos que garantam as

relações de continuidade, essenciais à elaboração de um texto coeso, e, na avaliação do

encadeamento textual, sejam observados determinados princípios em diferentes níveis:

1.Estruturação dos parágrafos – um parágrafo é uma unidade textual formada por uma ideia

principal à qual se ligam ideias secundárias. No texto dissertativo-argumentativo, os parágrafos

podem ser desenvolvidos por comparação, por causa-consequência, por exemplificação, por

detalhamento, entre outras possibilidades. Deve haver uma articulação entre um parágrafo e

outro.

2.Estruturação dos períodos – pela própria especificidade do texto dissertativo-argumentativo, os

períodos do texto são, normalmente, estruturados de modo complexo, formados por duas ou

mais orações, para que se possa expressar as ideias de causa-consequência, contradição,

temporalidade, comparação, conclusão, entre outras.

Esse processo pode ser expresso por pronomes, advérbios, artigos ou vocábulos de base

lexical, estabelecendo relações de sinonímia, antonímia, hiponímia, hiperonímia, uso de

expressões resumitivas, expressões metafóricas ou expressões metadiscursivas.

http://pixabay.com/pt/m%C3%A3o-escrita-papel-id%C3%A9ias-caneta-299675/

Recomendações

Para que o aluno/autor desenvolva essa competência, é necessário que ele tenha condições de

operar com os diferentes mecanismos de coesão, de modo especial, os que propiciam a coesão

referencial, a sequencial e a recorrencial.7 Apresentamos a seguir uma síntese esquemática de

cada uma delas.

CO

ES

ÃO

RE

FE

RE

NC

IAL

: é a

quela

em

que s

e

utiliz

am

expre

ssões q

ue r

eto

ma

m o

u a

nte

cip

am

ide

ias. S

ubstitu

ição d

e u

m e

lem

en

to p

or

outr

o

Pronomes1

pronomes pessoais na 3ª pessoa:

ele, ela, eles, elas

João acordaria cedo, pois ele teria uma consulta.

pronomes indefinidos algum,

nenhum, todo, muito, alguém...

Ele e a mãe programaram o despertador, mas

nenhum acordou.

pronomes possessivos meu,

nosso, teu, seu, vosso, dele...

Minha mãe acorda cedo, mas a dele não.

pronomes demonstrativos isto,

isso, aquilo...

Não canso de dizer-lhe isto: durma cedo!

pronomes interrogativos quanto,

qual, quem...

Laranja e acerola têm vitamina C, mas qual

apresenta maior concentração?

pronomes relativos que, qual,

quem, onde, cujo, como...

Comprei as frutas que estavam em promoção.

pronomes adverbiais aqui, aí, lá... Fui ao supermercado e lá encontrei o que precisava.

Verbos os verbos são empregados em

referência a todo o predicado

Comprei muitas frutas e você fará o mesmo.

Advérbios Eu sempre acordo cedo e meu irmão, nunca.

Numerais Comprei duas laranjas e três mexericas, mas as cinco estragaram.

Comprei novas frutas e a metade estava ácida.

Reitera

ção d

e u

m e

lem

ento

do t

exto

por

ou

tro

Repetições

de um

mesmo

termo

de forma idêntica Comprou flores e esqueceu as flores no balcão.

com um novo determinante Comprou as flores, mas essas flores não são

perfumadas.

de forma abreviada Compraram flores para o altar das celebrações da

Jornada Mundial da Juventude, mas o Papa pediu

simplicidade nas celebrações da JMJ.

de forma ampliada Dilma ressaltou o caráter positivo nas manifestações

dos brasileiros, mas a popularidade da presidenta

Dilma Rousseff continua caindo.

de forma cognata2 Estudar é necessário e o estudo enobrece.

sinônimos

ou quase

sinônimos

(coesão

lexical)

hipônimos3 Decidiu que voltaria de transporte coletivo, mas

quando o ônibus chegou, já era tarde.

hiperônimos3 Desistiu de usar ônibus, pois transportes coletivos

não são pontuais nesta cidade.

nomes genéricos Um mineiro, diante de uma janela emperrada,

exclama: esse trem nunca funciona!

termos simbólicos Tinha dúvidas sobre namorar ou não aquele rapaz

tão doente, mas o coração venceu a dúvida.

expressões nominais definidas Roberto Carlos fará uma turnê em um navio, no qual

o rei cantará todas as noites.

Elip

se4

O astro chegou à varanda do hotel. De lá, acenou para os fãs.

CO

ES

ÃO

SE

QU

EN

CIA

L

ordenação linear Vim, vi e venci.

Acordei, levantei e saí.

expressões que assinalam a ordenação ou

continuação das sequências temporais

Inicialmente, fiquei em dúvidas, depois, entreguei-me ao

projeto.

partículas temporais Abrirei a loja amanhã.

correlação dos tempos verbais: Peço-lhe que chegue cedo. / Pedi-lhe que chegasse cedo.

coesão s

eq

uencia

l por

conexão

relações lógico-semânticas

Causalidade: porque, pois, como, já

que, visto que...

Sairei uma vez que não choveu.

Condicionalidade: se, caso, desde

que, contanto que...

Se chover, não saia.

Conformidade: conforme, como, Sairei, conforme combinamos.

segundo...

Disjunção: ou, e/ou, um ou outro... Você sairá ou assistirá a um filme em casa?

mediação: para, a fim de ... Ele organizou todos os DVDs para escolher o filme.

Temporalidade: quando, mal, assim

que, enquanto...

Quando o filme começou, ouviu-se um suspiro.

rela

ções d

iscurs

ivas o

u a

rgum

en

tativas

Comparação: menos que, tanto

como, mais que...

A nova versão do filme é melhor que a anterior.

Comprovação: tanto que, de modo

que, de forma que...

O filme é bom de modo que foi premiado.

Conclusão: logo, então, assim,

portanto...

Todos atuaram bem, logo merecem o prêmio.

Conjunção: também, além de, mas

também...

O filme é, de fato, ótimo: tem bom roteiro, a trilha sonora é

fantástica, além disso os efeitos especiais são inéditos.

contra junção: porém, todavia, ainda

que, apesar de...

Embora seja um ótimo filme, não teve uma boa bilheteria.

Contraste: mas, ao passo que... Gosto de todos os gêneros de filmes, mas terror eu não

suporto.

correção/redefinição: isto é, ou

melhor...

Gravarei o filme para você, isto é, se o equipamento

funcionar.

disjunção argumentativa: ou... O filme é bom. Ou não são boas as cenas em que a batalha

invade as telas?

especificação /exemplificação: por

exemplo, como...

Filmes, como “Bonequinha de luxo” e “Casablanca”, são

clássicos.

Explicação: que, pois, porque... Os efeitos especiais ficaram fantásticos, pois o diretor de arte

é muito experiente.

generalização/extensão: aliás,

também, é verdade...

O diretor é ótimo, aliás, ele sempre é premiado.

CO

ES

ÃO

RE

CO

RR

EN

CIA

L

Esse tipo de coesão não se

caracteriza pela retomada de

elementos. Diferentemente do que

ocorre na coesão referencial, não se

faz alusão a um referente específico,

mas a um determinado padrão ou

modelo.

Recorrência de termos

“Viver! / E não ter a vergonha / De ser

feliz / Cantar e cantar e cantar/ A

beleza de ser / Um eterno aprendiz”...

O que é o que é – Gonzaguinha

Paralelismo1– recorrência

da mesma estrutura

sintática

“Irene no Céu Irene preta Irene boa

Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu: -

Licença, meu branco! E São Pedro

bonachão: - Entra, Irene. Você não

precisa pedir licença”

Manuel Bandeira

“Bom mesmo é ter problema na

cabeça, sorriso na boca e paz no

coração! ” Arnaldo Jabor

Paráfrase – recorrência de

conteúdos semânticos.

Ele não pagou a diária, ou seja, deu o

calote.

Ele é muuuuuito inteligente, ou melhor,

um gênio.

Recursos fonológicos

(rimas)

A causa da falta de qualidade na

educação é a corrupção.

Frente a esses quadros, não é difícil deduzir que se deve evitar:

- frases fragmentadas que comprometam a estrutura lógico-gramatical;

- sequência justaposta de ideias sem encaixamentos sintáticos, reproduzindo hábitos da

oralidade;

- frase com apenas oração subordinada, sem oração principal;

- emprego equivocado do conector (preposição, conjunção, pronome relativo, alguns advérbios e

locuções adverbiais) que não estabeleça relação lógica entre dois trechos do texto e prejudique

a compreensão da mensagem;

- emprego do pronome relativo sem a preposição, quando obrigatória;

- repetição ou substituição inadequada de palavras sem se valer dos recursos oferecidos pela

língua (pronome, advérbio, artigo, sinônimo).

Para finalizar, é bom lembrar que teoria dissociada da prática não aprimora a redação de

ninguém. São necessárias inúmeras produções e reescritas a partir de intervenções de

professores e colegas até que se obtenha um texto claro, bem articulado e consistente o

bastante para atender seu propósito enunciativo.

Competência 5

Elaborar

proposta de

intervenção

para o

problema

abordado,

respeitando

os direitos

humanos.

O que se observa

Além de apresentar uma tese

sobre o tema, apoiada em

argumentos consistentes, é

necessária proposta de

intervenção. Essa proposta, ou

seja, a solução para o problema,

deve contemplar cada ponto

abordado na argumentação.

Assim, ela deve manter um vínculo

direto com a tese desenvolvida no

texto e manter coerência com os

argumentos utilizados, já que

expressa possíveis soluções para

a questão discutida.

Guia do Participante – Inep 2013

Num tempo em que grande parte das instituições de ensino apresenta o educar para a cidadania

como componente transversal em seus projetos pedagógicos, a 5ª competência apresentada

para avaliar a redação do Enem parece-nos muito coerente. Por outro lado, se desenvolver

habilidades e competências dos educandos para que sejam capazes de intervir positivamente

nas comunidades nas quais interajam é promessa de parcela significativa das escolas de ensino

básico, parecem-nos incoerentes os resultados que os participantes do Enem têm apresentado

quanto à elaboração proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os Direitos

Humanos.

Para a análise da 5ª e última competência avaliada na prova de redação, partiremos do que se

apresenta no Guia do Participante, publicado pelo Inep.

A competência em foco refere-se à apresentação de uma proposta de intervenção para o

problema abordado. A redação deve, portanto, além de apresentar uma tese sobre o tema,

apoiada em argumentos consistentes, deve oferecer uma proposta de intervenção na vida

social. Essa proposta deve considerar os pontos abordados na argumentação, manter vínculo

direto com a tese desenvolvida no texto e coerência com os argumentos utilizados, já que

expressa a visão do autor quanto às possíveis soluções para a questão discutida, como

representado no diagrama a seguir.8

É indispensável que a proposta de intervenção seja detalhada de modo a permitir ao leitor o

julgamento sobre sua exequibilidade. Deve-se, portanto, evitar propostas vagas, gerais. O ideal

é que sejam apresentadas propostas mais concretas, específicas e que haja o detalhamento dos

meios para realizá-la. Para isso, sugerimos que, dentro do possível, sejam explorados

elementos, como: o quê; quando; quem; para quem; por que; com que recursos ...

A exploração desses itens no detalhamento da proposta reflete os conhecimentos de mundo de

quem a redige, e a coerência entre ela e a argumentação, o respeito aos direitos humanos e a

valores como cidadania, liberdade, solidariedade e diversidade cultural são decisivos no

processo de avaliação. É, portanto, indispensável que os participantes tenham conhecimento da

“Carta dos Direitos Humanos”, das quais pinçamos os que listamos a seguir:

- direito à vida;

- direito de ser pessoa;

- direito à liberdade real;

- direito à igualdade de oportunidades;

- direito à moradia e à terra;

- direito ao trabalho em condições justas;

- direito a participar das riquezas;

- direito à educação;

- direito à saúde;

- direito ao meio ambiente sadio;

- direito a participar do governo;

- direito a receber serviços públicos;

- direito à proteção de direitos.9

CONTEXTUALIZAÇÃO TESE

ARGUMENTO II ESTRATÉGIAS ARGUMENTATIVAS

ARGUMENTO I ESTRATÉGIAS ARGUMENTATIVAS

PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

O que se observa na praxe escolar é que esta competência tem oferecido especial desafio para

os alunos/autores. Diante dessa situação surge uma pergunta (não retórica, mas

metalinguística): qual a solução para esse problema?

Mais uma vez, a falta de diversidade de leituras relacionadas a temas de relevância na

sociedade ou uma prática educativa conteudista, transmissiva e cartesiana apresentam-se como

causas possíveis, de modo que a proposta de solução efetiva para os baixos resultados na

competência 5 deve buscar neutralizar esses fatores desencadeadores. Assim, a leitura

recorrente de textos relativos a temas de relevância social, e o desenvolvimento de seminários a

partir dessas leituras, de certa forma, instrumentalizam os alunos para as competências 2 e 3, e,

por extensão para a 5, uma vez que deve haver coerência entre a tese, argumentos arrolados

para sustentá-la e proposta de intervenção para a problemática apresentada. Pode-se, ainda,

inserir mais uma etapa nesse processo: divisão da turma em grupos para que cada um deles

sintetize o problema discutido em seminário, apresentando e detalhando proposta de

intervenção. A análise das diferentes sugestões pode auxiliar na superação da dificuldade

apresentada frente à 5ª competência.

Pode-se, também, definir algumas estratégias para atender satisfatoriamente ao que se espera

do candidato frente à competência em foco. Uma possibilidade seria relacionar, junto à classe,

problemas sociais, apontar algumas causas para cada um deles e propor ações que neutralizem

as mais relevantes dos problemas em questão. Exemplo:

Problema: fome no mundo

Causas possíveis:

1- desigualdade social;

2- cartelização no mercado de sementes;

3- falta de água para irrigação;

4- solo estéril;

5- não domínio de tecnologias relacionadas à agricultura por alguns países.

Considerando a causa de nº 5 como a principal, já que com a tecnologia adequada seria

possível minimizar as demais, pode-se pensar, por exemplo, em tratados internacionais que

garantam aos países em desenvolvimento acesso à tecnologia necessária à produção de

alimentos, subsidiado por um fundo internacional constituído a partir um imposto de 0,05%

incidindo sobre todos os produtos (sementes, adubos, equipamentos) destinados ao

agronegócio.

O detalhamento da proposta de intervenção é tão importante que o texto é avaliado com base

na combinação dos seguintes critérios:

- presença de proposta X ausência de proposta;

- proposta com detalhamento dos meios para sua realização X proposta sem detalhamento dos

meios para sua realização.

Embora, a proposição de solução não seja elemento obrigatório em todos os gêneros

estruturados a partir da tipologia dissertativa argumentativa, a inserção desta competência,

certamente traz alguma contribuição para que a escola aprimore o olhar de seus alunos para a

realidade circundante. Talvez esse seja um dentre os muitos passos a serem dados para que,

adquirida a proficiência para a leitura (de textos e mundo), o jovem cidadão, fora dos limites da

avaliação de redação, proponha e implemente intervenções que promovam a justiça, a

igualdade social o acesso de todos os brasileiros a seus direitos, aos Direitos Humanos.

1- Os artigos definidos indicam que os interlocutores partilham conhecimento em relação ao

elemento antecedido por essa classe de palavras. Em “Comprei o caderno”. Pressupõe-se que

locutor e alocutário têm conhecido de que caderno seria esse e de que não seria um caderno

qualquer.

2- Em “Comprei o caderno!”, há a contraposição entre o caderno comprado, especial, e

outro qualquer. A entonação e pontuação serão responsáveis por esse valor adjetivo do artigo.

3- Em “Comprei um caderno especial e o objeto sempre esteve em meus sonhos”. O artigo

definido que antecede a palavra “objeto”, indica que o objeto dos sonhos é o caderno ao qual se

fez referência ao início do período.

4- Raramente evidencia-se que o advérbio pode também acrescentar circunstâncias a outro

advérbio ou adjetivo. Aliás, faria pouca diferença, pois entender o que é circunstância é algo

pouco acessível a uma parcela significativa de estudantes.

5- Os períodos a seguir comprovam a natureza coesiva dos numerais e advérbios:

João e Pedro chegaram: o 1º estava atrasado, o 2º não.

Fiz vários Para Casa hoje: 1º o de Inglês, 2º o de Geografia, 3º o de Matemática e, finalmente, o

de Português.

Antigamente não estudava muito, mas, atualmente, estudo todos os dias.

6- A conjunção “como”, por exemplo, pode marcar as seguintes relações de sentido:

- Causa – Como precisava anotar as receitas, comprei um caderno.

- Conformidade – Comprarei o caderno como planejei.

- Comparação – Ela cozinha como minha avó.

7- Há, nesta plataforma material publicado sobre esses conteúdos, bem como atividades para

sistematiza-los.

8- O diagrama é puramente ilustrativo. A tese e o percurso argumentativo devem ser

considerados na proposição da proposta de solução independentemente no número de

argumentos apresentados.

9- Leia a Carta da declaração do Direitos Humanos: http://www.gddc.pt/direitos-

humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/cidh-dudh.html

Referências

Guia do Participante – Inep/Mec, 2013.

CARNEIRO, Agostinho. Redação em construção. São Paulo: Moderna, 2001.

FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência textuais. 8ª ed. são Paulo: Ática, 2000.

KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. 15ª ed. São Paulo: Contexto, 2001.

SIMÕES, Fátima: CARLOS, Kátia; RUMEU, Márcia. Redação I. CLAC: UFRJ, s/d.

CAVALVANTE, José antônio. Coesão sequencial. In:

http://linguaberta.blogspot.com.br/2010/10/coesao-sequencial.html. Acesso: 25 jul.2013.