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Rede São Paulo de Cursos de Especialização para o quadro do Magistério da SEESP Ensino Fundamental II e Ensino Médio São Paulo 2011

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Cursos de Especializao para o quadro do Magistrio da SEESP

Ensino Fundamental II e Ensino Mdio

So Paulo

2011

UNESP Universidade Estadual PaulistaPr-Reitoria de Ps-GraduaoRua Quirino de Andrade, 215CEP 01049-010 So Paulo SPTel.: (11) 5627-0561www.unesp.br

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Da Esttica Filosofia da Arte

C.D. Friedrich, Viandante sul mare di nebbia (1818), Hamburger Kunsthalle, Amburgofonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/5b/Caspar_David_Friedrich_032.jpg

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SumrioVdeo da Semana ...................................................................... 3

Da Esttica Filosofia da Arte ......................................................... 3

3.1 A Atitude Esttica ................................................................................3

3.2 O sublime e a liberdade criativa ............................................................6

3.3 Rumo Filosofia da Arte .....................................................................8

Notas ..................................................................................... 11

Bibliografia ............................................................................ 13

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Vdeo da Semana

Da Esttica Filosofia da Arte3.1 A Atitude Esttica

abril, 6:30 da manh. Faz sol. Do lado direito de uma rua movimentada, um terreno largo e fundo parece ter milagrosamente escapado fria da especulao imobiliria. Talvez pelo acentuado aclive, dificultando a construo. As guas recentes fecharam o vero presenteando o outono com um verde intenso, que veste galhardamente a encosta. Nvoa esvanecente flutua ainda um pouco acima da relva e se adensa na copa de uma esbelta rvore a meio caminho morro acima. Por entre os galhos, os raios de sol desenham regies douradas no ar. O garoto com a mochila nas costas passa olhando na direo do sol e conclui que vai chegar atrasado na escola. A dona-de-casa olha na mesma direo e avalia que at o meio dia, (com esse sol!)

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a roupa j vai estar toda seca no varal. O topgrafo da Secretaria de Planejamento Urbano aproveita a hora calma para medir com seu teodolito os ngulos de inclinao do terreno: ser mesmo vivel fazer passar uma estradinha por traz do morro? A mocinha pega o celular e tira uma foto, rosto em primeiro plano, rvore ao fundo, achando que vai ficar bem em sua pgina pessoal na internet. At que chega um, que nada quer saber nem de pgina nem horrio, nem estrada nem de varal, e se deixa ficar um pouco, olhando calmamente o que se oferece vista. Que lindo!, fala finalmente de si para si, e segue seu caminho.

O belo para poucos, disse Nietzsche. Mas no que seja acessvel apenas a poucos, nem que deva s-lo, e sim que poucos se dispem a ir em seu encontro. Pois, j sabemos: o belo no se apodera simplesmente de ns, no o recebemos passivamente, mas temos de busc-lo, de nos interessarmos por ele. A beleza premia o esforo de quem a procura, e a verdade que poucos se sentem estimulados a despender esse esforo, e isso, temos de acrescentar, tambm por ra-zes que escapam a seu controle e escolha. E mesmo os que se consideram sensveis beleza tero de conceder que nem sempre se encontram em condio de desfrutar dela, por mais que ela se oferea.

O belo para poucos, e tambm para poucos momentos. uma experincia de exceo. No geral, estamos atarefados demais para nos permitir esse inocente prazer de meramente contemplar a aparncia das coisas: quase sempre, temos de nos haver com as prprias coisas. As coisas nos atraem, as coisas nos ameaam, e por entre elas que temos de encontrar nosso caminho no mundo. Esse mundo das coisas tem um funcionamento, e quem no se interes-sa em compreender esse funcionamento e agir de acordo com ele se arrisca a ser esmagado pelas engrenagens da realidade, como Chaplin naquela impagvel cena de Tempos Modernos. Perseguir nossos objetivos, cumprir nossas obrigaes, honrar nossas responsabilidades, pagar nossas contas: agir preciso, contemplar no preciso. Meramente contemplar, desinteres-sadamente, s pelo prazer de contemplar: no isso um luxo? assim hoje, e no provvel que tenha sido muito diferente em qualquer outra poca, pelo menos para a grande maioria dos homens. Beleza sempre foi exceo.

Dizer que a beleza uma experincia de exceo significa dizer que ao viver esta experi-ncia eu adoto uma atitude diversa daquela que considero comum. Mas qual seria ento esta atitude comum? Acabamos de descrev-la: esta atitude pela qual interajo com a realidade

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que me cerca de acordo com meus objetivos e com as leis que governam as coisas e os homens, a atitude na qual me comporto como sujeito prtico, ou seja, como sujeito que age no mundo.

No que ento a atitude esttica se diferencia desta atitude comum? H pouco, apontamos o ato de apreender, e mais especificamente, a apreenso da forma, como um elemento essen-cial da atitude esttica. Mas no nisso que reside a diferena em relao atitude comum: evidente que para nos comportarmos como sujeitos de aes no mundo necessrio apreen-dermos os aspectos desse mundo que vo balizar a nossa ao. Para agirmos, temos de compre-ender, conceber, apreender, inclusive apreender a forma, a forma dos objetos que nos cercam, por exemplo. A diferena est, na verdade, na maneira pela qual nos relacionamos a este ato de apreenso, e quilo que por meio dele apreendemos. Na atitude cotidiana, como estamos nos relacionando com o mundo, tudo o que apreendemos nos remete a ele. O que vemos, ou-vimos, concebemos e compreendemos vale ento para ns como sinal que nos informa sobre os elementos que constituem isso a que chamamos realidade. As aparncias e representaes apontam para realidades do mundo, apontam, portanto, para alm delas mesmas. Isso que vejo da minha janela no uma rvore: apenas a forma pela qual a rvore que existe no bosque em frente aparece para mim neste exato instante e sob essa perspectiva visual. Mas ela pode me aparecer de muitos outros modos e sobre vrias outras perspectivas. A existncia da rvore se desdobra no tempo, enquanto que a imagem que vejo de minha janela est s no agora.

Mas nada disso me importa na minha atitude comum e cotidiana de sujeito que age no mundo. Nesta atitude, toda apario individual da rvore vale para mim apenas como algo que me informa sobre a rvore, como algo que me recorda que ela existe e ainda est a. Da imagem da rvore passo imediatamente para a rvore mesma, pois ela que me interessa, e o passo to imediato que nem me dou conta dele: naturalmente chego a confundir a aparncia da coisa com a prpria coisa, tanto que costumo dizer que vejo a rvore, e no sua aparncia.

Ora, na atitude esttica justamente este passo que me recuso a dar. No passo mais da aparncia s coisas, mas me contento com a aparncia e a contemplo apenas como aparncia. Ao contrrio do que ocorre na atitude comum, agora a aparncia que ofusca a coisa. Quando dizemos que uma flor bela no estamos nos interessando mais pela flor que tem essa aparn-cia, mas sim por essa aparncia mesma, por esse aparecer momentneo da flor. Inclusive, tanto faz mesmo se no houver flor nenhuma, se for apenas sua cpia em gesso ou uma fotografia

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hologrfica, contanto que a reproduo de sua aparncia seja suficientemente fiel. As coisas durando no tempo, e o prprio tempo em que se desdobram as suas existncias, so deixados de lado, pois o que nos importa o aqui e o agora e nesse aqui e agora que queremos per-manecer.

exatamente porque na contemplao esttica nos distanciamos das coisas que os estetas ingleses do sculo XVIII a caracterizaram como desinteressada1. Pois o interesse justamente aquilo que me estabelece como sujeito prtico, que me move em meio s coisas em direo a meus objetivos. o interesse o que me movimenta em direo ao mundo e nesse movimento as aparncias e representaes so apenas os pontos de apoio de que me utilizo para abrir caminho e sustentar a passada. Quando passo a considerar esteticamente a aparncia apenas como aparncia, e no mais como signo de algo alm dela, corto meu vnculo imediato com as coisas, desinteresso-me por elas. Meu movimento em direo ao mundo estancado, e, em verdade, no me limito apenas a parar: dou mesmo um passo atrs. Recolho--me, retiro-me da rea de influncia direta das coisas, para poder ganhar um novo olhar sobre o mundo, como se estivesse do lado de fora dele, e, atravs de uma janela, o contemplasse, dis-tanciadamente, desinteressadamente Eis a atitude esttica2.

3.2 O sublime e a liberdade criativa

Absolutamente envolta neste tipo de recolhimento contemplativo e distanciado que acabamos de caracteri-zar como tpico da atitude esttica parece estar a taciturna figura que Caspar David Friedrich pintou em sua famosa tela O viandante sobre o mar de nvoa. Mas certamente no o doce refrigrio da beleza o viandante que foi bus-car no alto da montanha! (Se fosse isso, por qu no teria ficado simplesmente pelos jardins?) Imvel, ele experi-menta a seduo infinita do abismo, desafia a vertigem ameaadora amparado na serena beatitude que habita todos os picos. Esmagada pela imensido, sua alma se torna espelho do todo e por fim a ele se iguala. Sua re-lao com o mundo mudou totalmente, inverteu-se: as

Figura 1: Caspar David FriedrichO viandante sobre o mar de nvoa

Fonte: Wikipedia

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nuvens, antes emblemas do inatingvel, estendem-se agora sob seus ps. Que espcie de idias audazes atravessam-lhe, qual centelhas faiscantes, o pensamento? Provavelmente assombra-se com a pequenez do ser humano diante da natureza incomensurvel e ilimitada, da qual um nico sopro suficiente para soterrar civilizaes. Pensa talvez com desgosto na existncia mi-da dos homens l embaixo, incluindo a sua prpria: deplora a estreiteza de suas aspiraes, a mesquinhez de suas querelas, a vacuidade de seu orgulho.No propriamente religioso, mas no pode evitar que uma sentena do Eclesiastes lhe chegue aos lbios, envolta em um sorriso libertador: tudo vo .No, no foi a beleza que o viandante de David buscou no alto da montanha, mas o sublime.

O sublime outro dos conceitos-chave da Esttica. Sua histria quase to antiga quanto a do belo, porm foi apenas muito recentemente que sua importncia se tornou comparvel a de seu irmo mais velho3. Etimologicamente, sublime quer dizer elevado, mas no terreno da esttica o termo remete ao grandioso, o colossal, ao arrebatador; o sublime nos amedronta e nos atrai, nos ameaa e nos causa admirao, nos esmaga pela sua grandeza e fora, mas nos eleva por fazer-nos refletir sobre nossa condio. A tempestade que transfigura os cus com as cores do apocalipse sublime, e sublime o maremoto avassalador que vemos do alto de uma encosta; a imensido do deserto e do cu estrelado so sublimes, assim como o a fora inexorvel do Destino qual tem de sucumbir at o mais destemido heri no espetculo da Tragdia. Se o belo tem na forma sua condio, o sublime j tende ao informe. Se o belo aquilo que me compraz pelo ato de apreender, discernir, compreender, o sublime aquilo que desafia minha capacidade de apreenso, que escarnece de meus esforos de compreenso: o incompreensvel, o insondvel. Por isso mesmo no compraz, mas causa primeiramente dor, sofrimento, que s so mitigados quando desistimos de apreender e compreender, e do reconhecimento de nossas limitaes nasce ento o conforto quase mstico que nos eleva aci-ma de ns mesmos. O sublime marca, assim, o primeiro limite do belo no campo da Esttica, conduzindo esta ltima at a zona fronteiria em que j confina com a religio e a metafsica. Seu significado, porm, s pode ser devidamente apreciado dentro do contexto que forma com outros fenmenos artsticos e tericos que lhe so contemporneos.

Apesar de projetado a posteriori sobre Shakespeare e Milton, o sublime entra efetivamente na discusso esttica e no fazer artstico europeu na segunda metade do sculo XVIII, em domnio britnico. Ainda antes da virada do sculo, seu foco migra para a Alemanha, onde en-

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contra fertilssimo terreno, especialmente no contexto do movimento Sturm und Drang (Tem-pestade e mpeto). Tanto na Inglaterra como na Alemanha, o interesse pelo sublime vem irma-nado a uma tendncia valorizao do sentimento, compreendido como fundamento e origem de todo fazer artstico. E no , em verdade, apenas o sentimento que se v valorizado, mas sim tambm as paixes, com toda sua veemncia, os instintos, impulsos e tudo aquilo que move o ser humano naquele nvel mais primrio de sua existncia e que o liga diretamente natureza, aquele nvel que permanece sempre irredutvel razo e a seus critrios. Se o artista vai buscar no sublime a desmedida e o inconcebvel, porque sente profundamente que carrega em si mesmo o irracional e o desmesurado. A arte romntica, que aqui tem nascimento, quer sondar o pr-consciente, o que ainda no foi elaborado nem controlado pela razo (e nem pode s-lo), e para isso no hesitar em explorar os domnios do devaneio, do sonho e mesmo experimen-tar os limites da loucura. A arte quer agora revogar quase dois milnios de condenao crist do corpo e da sensualidade como fonte do mal, e trs sculos de condenao racionalista dos sentidos como fonte do erro, dando vazo a uma dimenso humana que apesar de fundamental e inextirpvel, sempre foi negligenciada e oprimida pelo Ocidente culto.

Por isso mesmo o novo paradigma a expresso, e exprimir significa aqui exteriorizar tudo aquilo que os estreitos limites da razo e da vida moderna comprimem e sufocam na alma tor-turada do artista. O interior desta alma transforma-se ento em fonte de luz que transfigura o mundo, dando-lhe aspecto humano ou condenando seu aspecto desumano. A torrente criativa emanada do gnio criativo no reconhece as regras ensinadas nas academias e transborda sobre todas as formas traditadas do bem fazer artstico. Quando Herder pergunta quem ensinou a Homero as regras da poesia pica, o mesmo que perguntar quem ensinou a gazela a correr. Ningum o ensinou: ele criou suas prprias regras, e assim deve fazer todo verdadeiro artista. Ento, que no viessem ensinar ao poeta quantas slabas devia ter seu verso e quantos versos devia ter sua estrofe! Nem aplicar o metro e o esquadro ao discurso livre da msica, para ver se est de acordo com a estrutura da forma-sonata. O importante era que exprimissem a alma humana!

3.3 Rumo Filosofia da ArteTamanho arrebatamento no se explica por causas puramente estticas. So aspiraes hu-

manas que aqui ganham voz, e a Histria que deixa suas pegadas na arte. Mas convm aqui deixarmos em suspenso a Histria para nos concentrarmos apenas na histria da arte. E

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justamente desta perspectiva poderemos perceber que nas aspiraes dos romnticos ingleses e alemes expressa-se pela primeira vez uma explcita auto-afirmao da arte cujo alcance vai muito alm do contexto especfico em que ocorreu, bem como reivindicaes artsticas funda-mentais que atravessam os sculos permanecendo at hoje vlidas.

Em sua defesa veemente da criatividade e originalidade como nica fonte legtima dos critrios e princpios artsticos, eles pela primeira vez do uma voz consciente reivindicao bsica da autonomia da arte. J nessa idia de que a arte deve precipuamente dar vazo aos contedos mais profundos da alma, pode-se ver a origem de uma concepo da arte como livre veculo de elaborao e comunicao simblicas da experincia humana em geral, da qual se nutriram em grande medida as mais variadas vanguardas artsticas do sculo XX.

Comecemos pela autonomia. Em seu sentido estrito, este termo significa auto-legislao ou auto-regulao. Aplicada ao fazer artstico, a idia de autonomia implica que o artista deve poder determinar livremente os princpios que regem seu processo criativo. Era isso que os romnticos reivindicavam ao afirmarem a primazia da originalidade sobre todo o poder da tra-dio e das convenes previamente estabelecidas. E tambm isso que os artistas posteriores reivindicaro, ao defenderem a liberdade criativa do artista contra os ataques de todas as for-mas de censura e contra toas as imposies restritivas provenientes seja da esfera do mercado, da poltica, da religio ou da moral.

Mas a arte no se limita ao processo de produo da obra de arte: ela um fato social de que participam necessariamente aqueles a quem a obra endereada, o pblico com o qual o artista entra em comunicao. Portanto, a arte, como prtica social inclui em si o prprio ato pelo qual as pessoas a recepcionam, a apreciam esteticamente e a julgam segundo seus mritos. Corres-pondentemente, a idia de autonomia da arte implicar tambm que os critrios de apreciao da obra de arte sejam puramente artsticos, isto , que nasam da prpria experincia esttica das pessoas com a obra de arte, sem serem influenciados por quaisquer fatores estranhos a esta experincia. O artista cria autonomamente a obra de arte e o pblico realiza autonomamente a crtica esttica.

Assim sendo, a arte aparece como atividade independente, que carrega em si mesma o seu sentido e os princpios que governam seu desenvolvimento. A arte deve ento ser reconhecida como uma esfera especfica da experincia humana, dotada de uma importncia e um signifi-

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cado tambm especficos. Depois de haver decretado sua autonomia, a arte no tolerar mais (pelo menos no por muito tempo) a sujeio a qualquer poder superior a ela, nem o atre-lamento a qualquer finalidade exterior a ela. No mais desejar ser til para qualquer outra coisa, mas sim valiosa em si mesma. Nunca mais ser a mera serva da religio (pelo contrrio, as catedrais de hoje querem, antes de tudo, ser apreciadas esteticamente), nem a embelezadora dos palcios; no mais o instrumento neutro da moral nem joguete nas mos do poder poltico ou econmico.

Mas exatamente ao declarar sua independncia, exigindo guiar-se apenas por critrios est-ticos, a arte se torna interessante para a filosofia a partir de pontos de vista que vo muito alm do mbito esttico.

At agora estivemos considerando a arte apenas do ponto de vista da Esttica, ou seja, a partir das categorias da beleza, da forma e do sublime. O belo, a forma e o sublime esto na arte e na natureza, e por isso nos foi possvel at aqui falar de ambos conjuntamente, dando a parecer que a reflexo filosfica sobre a arte fosse apenas um captulo particular da Esttica. Mas, na medida em que a arte se afirma como atividade que carrega em si mesma seu sentido e sua importncia, ela levanta questes filosficas absolutamente pertinentes para cuja abordagem aquelas categorias meramente estticas no mais so suficientes. De fato, se a arte realmente uma esfera particular da experincia humana, cabe ento perguntar: no que consiste a impor-tncia especfica da arte para o homem? E mais: como a Histria se reflete na arte, e como esta se relaciona com as outras regies da cultura, como a cincia, a filosofia, a religio e a poltica? Que papel desempenha na sociedade? No que se baseia sua suposta autonomia e independn-cia? Alis: esta independncia de fato real? Deve mesmo ser?

So perguntas que ensejam o surgimento de uma filosofia da arte, como campo de investiga-o que transcende o domnio da Esttica.

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Notas1. O conceito do desinteresse, como elemento fundamental da apreciao esttica, formu-

lado explicitamente por Lord Shafetsbury, mas a concepo por ele expressa tambm aparece fortemente em Burke, Addison, Hutcheson e Hume. Essa noo complementa a mera dis-tino entre o belo e o agradvel, acrescentando-lhe elementos essenciais para a caracterizao da atitude esttica. De fato, o desinteresse implica no somente que o prazer com a beleza se distingue daquele provocado pelo efeito imediato que determinados objetos exercem sobre meu corpo, mas tambm que a apreciao do belo se d de maneira independente de todo o desejo ou apetite em relao ao objeto contemplado, bem como de toda considerao sobre sua utilidade para mim ou para qualquer outra pessoa. Isto no significa que o sentimento da beleza no possa ser acompanhado de desejo ou apetite, mas sim que um sentimento no deve ser confundido com o outro. Posso ao mesmo tempo considerar bela uma fruta e desejar sentir seu sabor e saciar minha fome. Mas evidente que trata-se de sentimentos diversos, pois mesmo uma fruta feia poderia despertar meu apetite, e nem toda fruta bela o despertar. Da mesma forma, posso ao mesmo tempo considerar belo um automvel e desejar possu-lo, em virtude de seu desempenho mecnico e sua utilidade para a locomoo, mas claro que esse desempenho e esta utilidade nada tm a ver com a sua beleza, pois esta diz respeito apenas sua aparncia externa. Posso mesmo desejar possu-lo por causa de sua beleza, a fim de poder contempl-la sempre e causar a admirao de meus vizinhos. Mas mesmo neste caso a beleza que causa do interesse, e no o contrrio. Tampouco se pode, argumentavam os mencionados pensadores, confundir a beleza com qualquer idia de uma utilidade em geral, no relacionada minha pessoa em particular, mas referida a um ser humano qualquer. Algum que no saiba dirigir no pode ter nenhum interesse em ter um automvel, mas pode bem imaginar sua uti-lidade para quem o sabe. Entretanto, esse seu desinteresse no suficiente para transformar sua percepo da utilidade em sentimento de beleza. Pois tudo o que ele fez foi trocar de lugar, em pensamento, com o possvel motorista; e se o motorista imaginrio no poderia chamar de belo o objeto til, menos ainda o poder chamar assim o real observador do automvel. De onde se conclui que a beleza intil o que no quer dizer que no seja imprescindvel

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2. De Burke e Hume a Kant, de Schiller e Nietzsche a Merleau-Ponty, a apresentao da experincia esttica como originada em uma atitude de pura contemplao distanciada e ab-sorta, na qual abandonamos a atitude comum e cotidiana que adotamos como sujeitos de ao (como sujeitos que agem no mundo de forma racionalmente planejada, perseguindo objetivos e interesses individuais), tornou-se quase que um lugar-comum na Esttica. Mas em nenhum pensador a oposio entre essas duas atitudes aparece de forma mais marcada e explcita (ou pelo menos mais interessante) do que em Schopenhauer. Segundo este pensador alemo, a essncia de todas as coisas e de ns mesmos aquilo que ele chamou de Vontade. Esta fora propulsora que move todas as coisas se manifesta nos seres humanos como um desejar ines-tancvel e nunca satisfeito. Um querer infinito, sobre o qual no temos controle, nos lana continuamente em direo ao mundo e s coisas que o compem, de modo que to logo alcan-cemos um objeto desse querer, j outro objeto se apresenta tomando o lugar do primeiro e nos mantendo presos s malhas do desejo. Ora, todo desejo provm de uma carncia, de uma falta, e, por isso causa sofrimento e expresso do sofrimento. Viver, portanto, , em essncia, sofrer. S podemos escapar a esse sofrimento cuja cessao interpretamos como prazer quando, de alguma maneira, o imprio da Vontade no mais tem poder sobre ns, quando conseguimos parar de desejar. Isto acontece, por exemplo, durante a contemplao esttica da beleza. Esta contemplao se instaura quando deixamos de considerar um objeto atravs do Intelecto, que nada mais que um instrumento da Vontade. Pelo Intelecto, consideramos um objeto segundo suas relaes com todos os outros e com o todo do mundo; como uma coisa individual entre outras coisas individuais. J na contemplao esttica, toda a nossa ateno se concentra em um nico objeto: apenas ele ocupa nossa conscincia, como se s ele existisse e nos hipnoti-zasse a ponto de esquecermos, ou deixarmos de lado, as relaes causais e espao-temporais pelas quais ele se liga realidade emprica. E assim como em nossa contemplao o objeto se destaca de suas relaes com o mundo, ns tambm nos destacamos das relaes pelas quais nosso querer nos liga a esse mundo. Pois pelo Intelecto que nos situamos no meio das coisas e nos afirmamos como um eu independente e separado do mundo. Mas precisamente esse eu individual que est constantemente a desejar e a sofrer por isso. Quando o Intelecto cede lugar contemplao esttica, abandonamos nossa individualidade para sentirmos profundamente nossa ligao essencial com o todo. Com isso, abandonamos tambm nossa vontade individual, que a fonte de nosso sofrimento. A beleza ento o blsamo que nos liberta e nos alivia do martrio do querer.

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3. J presente na doutrina de Aristteles sobre a Tragdia, o conceito de sublime comea a ganhar espao na discusso esttica no sculo XVI, com a redescoberta de um tratado me-dieval sobre o tema, e, no sculo XVII, com sua traduo ao francs. Mas especialmente no sculo seguinte, inicialmente com Burke e Kant, que o sublime assume o sentido do grandioso, do imenso e do avassalador, consolidando-se assim como regio esttica oposta ao domnio da beleza e da forma. Kant, de fato, o associa ao informe, esclarecendo, porm, que sublimes so as idias que certos objetos despertam em ns e no esses prprios objetos. J Schope-nhauer considerar o sublime apenas como uma modalidade especial do belo: aquela na qual a contemplao esttica, para se instalar, tem de vencer o sentimento de terror inspirado pelo objeto contemplado, em virtude da ameaa que representa vida humana. O conceito tambm desempenhar um notvel papel na abordagem que os autores clssicos e romnticos alemes realizam da Tragdia grega, merecendo destaque especial neste ponto os ensaios de Schiller sobre o sublime no teatro e a esttica dionisaca do jovem Nietzsche. Esta ltima, como se sabe, inspira-se fortemente nas concepes artsticas do compositor Richard Wagner, o qual, em seus tratados tericos, aponta a categoria do sublime como a nica capaz de dar conta do significado esttico da msica, desenvolvendo, correspondentemente, uma tcnica de compo-sio que rejeita a idia de forma como princpio estruturante do discurso musical.

Bibliografia

ABRAMS, M. H. The mirror and the lamp. New York: Oxford University, 1953.

GOETHE, J. Escritos sobre a arte. So Paulo: Humanitas / Imprensa Oficial, 2005.

GUSDORF, G. Le Romantisme: I. Paris: Payot, 1993.

MACHADO, R. O nascimento do trgico. Rio de Janeiro: [s.n.], 2006.

NIETZSCHE, F. O nascimento da tragdia ou helenismo e pessimismo. Traduo J. Guinsburg. So Paulo: Companhia das Letras, 1992.

NUNES, B. Introduo filosofia da arte. So Paulo: tica, 1991.

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SCHOPENHAUER. O mundo como vontade e representao. Traduo de Jair Bar-boza. So Paulo: Unesp, 2005.

STAROBINSKY, J. Os emblemas da razo: So Paulo: Cia das Letras, 1989.

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Ficha da Disciplina:

A Esttica e o Belo

Mrcio Benchimol Barros (Unesp-Marlia).

Professor de Esttica da UNESP de Marlia. Graduado em Filosofia pela Unicamp em 1992, titulou-se como mestre e doutor em Filosofia pela mesma universidade, em 1999 e 2006, respectivamente, sempre sob orientao do prof. Oswaldo Giacia Jr. Em 2010 reali-zou estgio ps-doutoral junto Hochschule fr Grafik und Buchkunst de Leipzig (Alemanha), orientado pelo prof. Christoff Trcke. autor do livro Apolo e Dionsio: arte, filosofia e crtica da cultura no primeiro Nietzsche, publicado pela editora Annablume em 2003, resultante de seu trabalho de mestrado.

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4792776J0

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EmentaNo curso sero expostas noes bsicas da Esttica filosfica, tais como as de belo e sublime,

dando-se destaque tambm ao conceito de bela forma. Em um primeiro momento tais noes sero examinadas concomitantemente em relao aos objetos naturais e aos artsticos, para, em seguida, passar-se a uma apreciao filosfica especfica da arte, sob o ponto de vista de sua in-sero nos contextos da cultura e da sociedade humanas, dentro de uma perspectiva histrica.

Esttica

Tema 1A Esttica e o belo

1.1. Sentidos da Esttica1.2. O belo como guia

1.3 Sentidos do belo beleza, prazer e sensao

Tema 2 Beleza e Forma

2.1. Agrado e beleza passividade e atividade

2.2. Breve introduo ao conceito esttico de forma

2.3. Forma, sensao e atitude esttica

Tema 3 Da Esttica Filosofia

da Arte

3.1. A Atitude Esttica

3.2. O sublime e a liberdade criativa

3.3. Rumo Filosofia da Arte

Tema 4 Arte e Filosofia

da arte no mundo

contemporneo

4.1. O sentido humano da arte

4.2. Arte e poder

4.3. A idade mdia

Palavras-chave: Esttica, beleza, sublime, forma, arte

Pr-Reitora de Ps-graduaoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraCludio Jos de Frana e Silva

Rogrio Luiz BuccelliAna Maria da Costa Santos

Coordenadores dos CursosArte: Rejane Galvo Coutinho (IA/Unesp)

Filosofia: Lcio Loureno Prado (FFC/Marlia)Geografia: Raul Borges Guimares (FCT/Presidente Prudente)

Antnio Cezar Leal (FCT/Presidente Prudente) - sub-coordenador Ingls: Mariangela Braga Norte (FFC/Marlia)

Qumica: Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Tcnica - Sistema de Controle AcadmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaMrcio Antnio Teixeira de Carvalho

NEaD Ncleo de Educao a Distncia(equipe Redefor)

Klaus Schlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andr Lus Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Cssio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produo, veiculao e Gesto de materialElisandra Andr Maranhe

Joo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Liliam Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

Marcador 1Vdeo da SemanaDa Esttica Filosofia da Arte3.1 A Atitude Esttica3.2 O sublime e a liberdade criativa3.3 Rumo Filosofia da Arte

NotasBibliografia

Boto 2: Boto 3: Boto 6: Boto 7: Boto 68: Boto 69: Boto 38: Pgina 4: Off

Boto 39: Pgina 4: Off

Boto 44: Pgina 5: OffPgina 6: Pgina 7: Pgina 8: Pgina 9: Pgina 10: Pgina 11: Pgina 12:

Boto 45: Pgina 5: OffPgina 6: Pgina 7: Pgina 8: Pgina 9: Pgina 10: Pgina 11: Pgina 12:

Boto 70: Pgina 13: OffPgina 14: Pgina 15: Pgina 16:

Boto 71: Pgina 13: OffPgina 14: Pgina 15: Pgina 16:

Boto 36: Pgina 17: OffPgina 18:

Boto 37: Pgina 17: OffPgina 18:

Boto 4: