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Revista Portuguesa de Educação, 2007, 20(2), pp. 151-181 © 2007, CIEd - Universidade do Minho Redes na educação: questões políticas e conceptuais Jorge Ávila de Lima Universidade dos Açores, Portugal Resumo Hoje, os educadores, os líderes das organizações educativas e os responsáveis políticos vêem-se confrontados com a necessidade de desenvolverem a sua acção num contexto marcado crescentemente pela ausência de uma única entidade reguladora central e pela dimensão colectiva e interorganizacional da sua actividade. No presente artigo, sistematizam-se as razões da falência do governo centralizado da educação, apontam-se as alternativas desenvolvidas para lhe fazer face (especialmente a Nova Gestão Pública) e analisa-se o modelo da organização em rede enquanto proposta para assegurar a governação dos assuntos educativos de uma forma mais eficaz. No artigo, propõe-se uma tipologia de redes assente em três vectores (génese, composição e estrutura) que visa permitir e sustentar uma crítica das visões normativas actualmente existentes sobre estas entidades na educação. Palavras-chave Redes educativas; Análise de redes sociais; Governação/regulação da educação; Nova gestão pública Introdução Actualmente, um dos maiores desafios que se colocam aos profissionais da educação é o de serem capazes de desenvolver uma profissionalidade que assente não exclusivamente no intercâmbio directo com os "seus" alunos, mas também na interacção alargada com outros

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  • Revista Portuguesa de Educao, 2007, 20(2), pp. 151-181 2007, CIEd - Universidade do Minho

    Redes na educao: questes polticas econceptuais

    Jorge vila de LimaUniversidade dos Aores, Portugal

    ResumoHoje, os educadores, os lderes das organizaes educativas e osresponsveis polticos vem-se confrontados com a necessidade dedesenvolverem a sua aco num contexto marcado crescentemente pelaausncia de uma nica entidade reguladora central e pela dimenso colectivae interorganizacional da sua actividade. No presente artigo, sistematizam-seas razes da falncia do governo centralizado da educao, apontam-se asalternativas desenvolvidas para lhe fazer face (especialmente a Nova GestoPblica) e analisa-se o modelo da organizao em rede enquanto propostapara assegurar a governao dos assuntos educativos de uma forma maiseficaz. No artigo, prope-se uma tipologia de redes assente em trs vectores(gnese, composio e estrutura) que visa permitir e sustentar uma crtica dasvises normativas actualmente existentes sobre estas entidades naeducao.

    Palavras-chaveRedes educativas; Anlise de redes sociais; Governao/regulao daeducao; Nova gesto pblica

    IntroduoActualmente, um dos maiores desafios que se colocam aos

    profissionais da educao o de serem capazes de desenvolver umaprofissionalidade que assente no exclusivamente no intercmbio directo comos "seus" alunos, mas tambm na interaco alargada com outros

  • profissionais, quer da sua rea de interveno quer de outros domnios comela relacionados. Desde h algumas dcadas, a prtica isolada na sala deaula tem vindo a perder centralidade como modo legtimo de desenvolver aaco educativa.

    Tambm para os lderes das organizaes educativas, est a tornar-secada vez mais claro que o seu papel consiste em trabalhar no s no interiorda sua instituio, mas tambm, crescentemente, com outras entidadessituadas para alm dela. Existem j muitas escolas que, conscientes destarealidade, praticam uma forma de gesto estratgica que consiste em tirarpartido ('capitalizar', como se diz em linguagem econmica) do complexosistema interorganizacional em que se integram, tendo em vista melhorar asua posio e fazer avanar os seus interesses, enquanto outras se limitam amanter o seu modo de funcionamento tradicional, isolando-se da participaono novo e complexo ambiente relacional interinstitucional que caracteriza omundo educativo contemporneo.

    As questes da interaco com entidades mltiplas tambm secolocam ao nvel da prpria governao da educao, entendida ao nvelmais sistmico. Na verdade, hoje, as funes educativas pblicas j no sodo domnio exclusivo dos governos, nem funes tradicionalmente tidas comoprivadas esto totalmente fora da sua alada (Lima & Afonso, 2002; Agranoff& McGuire, 2003; Barroso, 2003a; Formosinho, Fernandes, Machado &Teixeira, 2005).

    Na prpria comunidade acadmica, os conceitos de 'governao' e de'modo de regulao' (este ltimo, mais comum nos pases menosinfluenciados pela cultura anglo-saxnica) evoluram, ao longo do tempo, deuma acepo mais centrada no papel e na interveno formal do Estado,enquanto entidade responsvel em exclusivo pela orientao e coordenaoda vida social, para uma verso mais abrangente que integra tambm o papelque os diferentes agentes sociais desempenham nesses processos deorientao e de coordenao (Barroso et al., 2002).

    O conhecimento destas realidades constitui um desafio para osestudiosos das organizaes, que esto habituados a incidir a sua atenosobre as hierarquias e os processos intra-organizacionais e no tanto sobrerealidades interactivas entre organizaes. Aqueles que reflectem sobre astransformaes operadas nas estruturas organizacionais e nos processos de

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  • tomada de deciso que ocorrem nas sociedades ocidentais contemporneastm-se interessado cada vez mais pela ideia da rede enquanto mecanismoalternativo susceptvel de assegurar uma melhor coordenao da aco social(Thompson, 2003) e uma governao mais eficaz da educao.

    O interesse actual pelas redes deve ser situado num contexto polticomarcado por diversos fenmenos histricos recentes: do lado profissional, ocrescente interesse pela necessidade de se pensar a aco educativa numadimenso mais institucional, organizacional ou colectiva; do lado poltico, ainsatisfao com os resultados das solues hierrquicas e centralistasutilizadas pelos governos e, posteriormente, com as receitas de mercadointroduzidas pela Nova Direita quando ocupou o poder (especialmente nosEUA e na Gr-Bretanha, no final dos anos 80), a que acresce o desencantomais recente com os resultados no menos decepcionantes da conhecida'Terceira Via'.

    No presente texto, proponho-me fazer um balano crtico sobre estasevolues no mundo profissional, organizacional, poltico e acadmico, tendoem vista destacar, contextualizar e interpretar o apelo utilizao das redescomo modelo de governao da educao. Para o efeito, comearei porcaracterizar brevemente o centralismo burocrtico enquanto forma degoverno, apontando as suas vantagens e debilidades. Seguidamente,sistematizarei os traos distintivos dos modelos polticos inspirados nomercado e discuti-los-ei, dando particular destaque s promessas da 'NovaGesto Pblica' e s suas limitaes enquanto forma de governar a educao.Em terceiro lugar, darei ateno aos novos modelos de regulao social daeducao que tm sido propostos como alternativas regulao hierrquicaou mercantil, concedendo especial nfase noo da governao em rede.Por existir uma ampla promiscuidade conceptual neste mbito, dedicarei aparte final do texto a alguma clarificao conceptual sobre o que entendo porredes e que tipos de organizaes considero importante distinguir nestedomnio. O captulo termina com um breve balano sobre as apropriaespolticas a que a noo de rede tem sido sujeita e sobre as estratgiasconceptuais ao nosso dispor para compreender e criticar tais apropriaes.

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  • O centralismo burocrtico como forma de governo deeducao

    As hierarquias foram, durante muito tempo, mecanismos essenciais equase exclusivos de coordenao da vida social. Este modo de coordenaoassenta em meios administrativos e caracteriza-se pela existncia de umdesenho organizacional e de uma direco regulada por regras, bem como deaces deliberadas que procuram concretizar objectivos pr-especificados.

    Uma hierarquia exige, em primeiro lugar, uma tomada de decisopoltica, que seguida de aces dirigidas com o intuito de implementar essadeciso. A hierarquia , assim, "um mecanismo de controlo estruturado"(Thompson, 2003, p. 23) existente em organizaes desenhadas empatamares e divises (por exemplo, departamentos), ordenadossequencialmente e obedecendo a uma lgica de subordinao gradual, comautoridade ou poder decrescente a partir do topo.

    Numa hierarquia, o objectivo da gesto controlar a organizao, demodo a garantir que as diferentes partes da mesma ajam num sentido nico:o da produo dos objectivos desejados. Para o conseguir, recorre-se amecanismos burocrticos, como a definio e imposio de regras uniformese universais, a estipulao de padres de desempenho a observar, a emissode ordens e de directivas, a superviso da aco dos membros e dasunidades organizacionais, a monitorizao das suas actividades ecomportamentos e a realizao de auditorias, entre muitas outras prticas.Tudo isto ocorre no mbito de uma estrutura de comando em forma piramidal,orientada do topo para a base.

    As hierarquias foram (e continuam a ser, em muitos casos) o modopreferido de organizao e de coordenao da vida social utilizado pelosgovernos que assentam a sua aco em modelos de poder centralizados,nomeadamente no campo da educao. Fernandes (2005) definecentralizao, globalmente, como um sistema de administrao em que "aresponsabilidade e o poder de decidir se concentram no Estado ou no topo daAdministrao Pblica cabendo s restantes estruturas administrativas, ondese incluem naturalmente as escolas, apenas a funo de executar asdirectivas e ordens emanadas desse poder central" (p. 54).

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  • Neste modelo de governo assente na noo de um nico actor central,as questes da governao e da definio de polticas pblicas soconcebidas com base numa delimitao entre dois mundos distintos: o dapoltica e o da administrao. No mbito da poltica, chega-se a decisessobre a formulao dos problemas e dos objectivos de aco. Seguidamente,apela-se ao conhecimento cientfico para desenhar medidas e programas deimplementao das mesmas. Contrariamente tomada de decises, a faseda implementao encarada como um processo no-poltico, como umaactividade tcnica potencialmente programvel (Kickert, Klijn & Koppenjan,1997: 7). A avaliao do sucesso ou do fracasso das medidas feita combase no nvel de concretizao das finalidades polticas formais. Pressupe-se neste modelo que a formulao de polticas e a governao podero sermelhoradas atravs da racionalizao das polticas, da clarificao deobjectivos, da reduo do nmero de participantes na fase da implementao,de uma melhor informao a respeito das intenes subjacentes s polticase de uma maior monitorizao e controlo das actividades desencadeadas(Kickert, Klijn & Koppenjan, 1997: 8).

    Formosinho (2005) identifica um conjunto de vantagens inerentes centralizao dos sistemas educativos: a garantia da unidade de aco doEstado, a coordenao da actividade administrativa e a respectivaracionalizao, com maior impessoalidade (e, portanto, iseno das decisestomadas) e tambm uma maior coerncia (adopo de decises uniformespara situaes semelhantes) no desenvolvimento da aco governativa.Ainda segundo o autor, a centralizao tambm permite uma maior difusodas inovaes oriundas do centro, em momentos de mudana radical, e umamaior potencializao dos recursos dos especialistas, quando estes so emnmero escasso. Fernandes (2005) tambm refere a vantagem de acentralizao "impedir o controlo da educao por grupos de interessescorporativos, organizaes, sindicais, ou movimentos radicais", a de"contrariar a manuteno das desigualdades entre regies e localidades deum mesmo pas" e a de "impedir previsveis tendncias etnocntricas, racistasou xenfobas a nvel local", entre outros benefcios (p. 70).

    Contudo, como sublinha Formosinho (2005), ao longo do tempo, acentralizao passou de conquista histrica sobre o arbtrio e a ineficincia afenmeno negativo, caracterizado por aspectos como os enormes custos

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  • inerentes a um aparelho administrativo central gigantesco, a ineficcia, amorosidade dos processos de deciso e a falta de agilidade para dar resposta crescente complexidade dos problemas com que se confrontam associedades contemporneas. O autor refere, por exemplo, o sentimento deimpotncia dos servios locais num sistema centralizado para resolverem osproblemas que vivenciam, o que conduz a "uma atitude de progressivadesresponsabilizao perante o servio e os utentes, proveniente dainteriorizao da no legitimidade para decidir" (p. 18). O centralismo tambmprovoca um atrofiamento da participao poltica dos cidados, o que mina aqualidade da democracia e provoca a desresponsabilizao dos agentesadministrativos locais e, consequentemente, a falta de empenhamento e aparalisia dos organismos, com prejuzo para a qualidade dos serviosoferecidos. Tudo isto ocorre porque, para usar as palavras do autor, "o modelocentralizado no apenas um sistema tcnico de deciso, baseado numaracionalidade de base legal, mas [tambm] um sistema de distribuiodesigual do poder entre o centro e a periferia" (p. 19).

    O modelo de governo assegurado por um actor nico e central partedo princpio de que o agente central conhece todos os problemas pblicosrelevantes e dispe de informao correcta sobre eles e sobre as soluesadequadas, o que irrealista, dada a complexidade e a multiplicidade deelementos e de actores implicados. Esse modelo tambm desvaloriza ospontos de vista, interpretaes e interesses dos outros actores, considerando-os simplesmente mal informados e interpretando a sua resistncia como umareaco conservadora face inovao (Kickert, Klijn & Koppenjan, 1997: 8).Dito de outra forma, o modelo nega a natureza poltica da governao erevela-se incapaz de tirar partido das capacidades e dos recursos dos actoreslocais.

    Os modelos polticos inspirados no mercado e aspromessas da 'nova gesto pblica'

    O mercado como mecanismo de regulaoAlguns autores contrapem ao modelo centralista um modelo de

    actores mltiplos que assenta na valorizao das perspectivas dos corpossociais e dos grupos-alvo das polticas, numa abordagem bottom-up,

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  • independentemente de se tratar de entidades pblicas, quasi-pblicas ouprivadas. No mbito deste modelo alternativo, os interesses dos actores locaisso tomados como ponto de partida para avaliar as polticas pblicas e agovernao: elas so julgadas quanto ao grau em que conseguem dar aosactores os recursos e o poder necessrios para lidarem com os problemascom que se deparam. Segundo este modelo, o fracasso das polticascentralistas no mbito da educao deve-se excluso dos actores locais doprocesso de tomada de deciso poltica e escassez de recursos; agovernao poderia ser melhorada se existissem mais recursos e uma maiorautonomia de deciso desses actores. Nas suas verses mais extremas, talmodelo d origem reivindicao da descentralizao, do auto-governo e atda privatizao, com o consequente recuo ou abandono total da esferapblica por parte do Estado. Na sua verso limite, advogada a adopo deum mecanismo de coordenao alternativo ao das hierarquias: o do mercado.

    O trao mais distintivo do mercado , alegadamente, o facto deconsistir num mecanismo que garante a ordem e a coordenao dasactividades de um sistema (normalmente, o econmico) sem que exista umcentro coordenador que o dirija conscientemente (Thompson, 2003: 4). Nestecaso, a tomada de decises tem uma natureza descentralizada e ocorre numcontexto de relaes competitivas entre actores, assentes em modos decontratualizao com uma base legal, formalmente estabelecidos. Nomercado, nenhum actor tem o poder de exercer controlo total sobre oprocesso de trocas que nele tem lugar. Verificam-se processos de procura,sendo as preferncias dos actores (entendidos essencialmente enquanto'consumidores') determinantes para o resultado a que se chega nas trocasestabelecidas. No mercado, a interaco espontnea e no se baseia emnenhuma estrutura intencionalmente desenhada para coorden-la.

    Raramente a introduo de mecanismos de mercado no sector pblicoe, em particular, na esfera da educao tem sido praticada de forma "pura edura". A penetrao deste modelo nos modos de governo de educao temsido concretizada, sobretudo, enquanto parte integrante de estratgiasgerencialistas mais globais que visam modificar o modo dominante deinterveno do Estado, sem com isso provocar uma sua retirada total daarena educativa. O melhor exemplo destes desenvolvimentos a crescentedifuso do modelo da Nova Gesto Pblica (New Public Management)

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  • enquanto arqutipo estruturador das transformaes operadas recentementena forma de o Estado assegurar a regulao da vida social e a gesto doscorpos e entidades que tem sob a sua responsabilidade directa.

    A Nova Gesto PblicaComo recorda Torres (2004), a expresso 'Nova Gesto Pblica' surgiu

    no incio dos anos 90 na literatura acadmica (Aucoin, 1990; Hood, 1991) paradesignar as transformaes introduzidas por alguns pases anglo-saxnicosnos seus sistemas de administrao pblica a partir dos anos 80. Trata-se deuma transformao de paradigma na governao pblica que aplica aoservio pblico mecanismos caractersticos do mercado (Bardouille, 2000:86). Tornou-se, nos ltimos 15-20 anos, numa "nova ortodoxia" (Pollit, 2000:182) sobre a forma de conduzir e administrar os assuntos pblicos degoverno.

    No princpio dos anos 90, a Nova Gesto Pblica encontrou as suasrazes em dois movimentos complementares: o gerencialismo(managerialism) e a nova economia institucional (Rhodes, 1996). Ogerencialismo consiste na introduo, no sector pblico, de mtodos degesto caractersticos do sector privado: a gesto assegurada porprofissionais, a definio de padres explcitos de desempenho e de formasde medi-lo, a gesto por resultados, a racionalizao dos custos e aproximidade ao consumidor. A nova economia institucional, por seu lado,caracteriza-se pela introduo de estruturas de incentivos (de que exemploa competio em contexto de mercado) na proviso de servios pblicos. Estemodelo econmico apela dissoluo dos sistemas burocrticos, promoode uma maior competio, atravs da contratao externa e dos quase-mercados, e colocao da nfase no exerccio do direito de escolha porparte dos consumidores. Ao longo dos anos 90, ambas as tendncias secombinaram para produzir um modelo que acabou por ficar conhecido comoa Nova Gesto Pblica e que nalguns pases (com destaque para a Inglaterrae para a Nova Zelndia) fez fortes incurses no sector da educao pblica.

    A mudana do modelo de gesto da administrao pblica 'clssica'para o da Nova Gesto Pblica implicou diversas transformaes, entre asquais se destacam a introduo de novas prticas ao nvel oramental e

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  • contabilstico, sendo os resultados medidos com base em indicadores dedesempenho de natureza quantitativa; a viso das organizaes pblicascomo espaos onde se desenvolvem relaes de baixa confiana entre osagentes, o que d origem a contratos de trabalho nos quais se introduzemincentivos ligados ao desempenho; a desagregao de funes separveiscom a introduo de mercados ou quase-mercados e, em particular, umaacentuao da distino entre fornecedores e receptores de servios, emsubstituio da tradicional unificao funcional das estruturas de planificaoe de proviso; a introduo de mecanismos de competio entre osfornecedores de servios, incluindo as agncias pblicas, ou entre elas eempresas ou entidades sem fins lucrativos; e a desconcentrao dos papisdos fornecedores, reduzindo-os menor dimenso possvel e permitindo aosutilizadores escolher o fornecedor preferido (Dunleavy & Hood, 1994: 9).

    A Nova Gesto Pblica apresentada pela OCDE como um novoparadigma global para assegurar o controlo e a organizao dos serviospblicos dos Estados (Christensen & Laegreid, 2001). O fenmeno daglobalizao, alimentado pela crescente interdependncia das economias epela gradual convergncia das ideologias e das polticas advogadas pelosdiferentes pases, tem funcionado como principal catalisador da proliferaodos conceitos e das prticas advogados por este modelo (Bardouille, 2000). Ainfluncia dos princpios da Nova Gesto Pblica tem sido poderosa e faz-sesentir em inmeros contextos nacionais. A influncia deste modelo no mundoda educao verifica-se escala global, especialmente quando encarada aonvel macro, sendo possvel observar "uma relativa sincronia das reformas,uma forte similitude entre alguns eixos estruturantes e estratgias adoptadas,e at mesmo uma consonncia argumentativa quanto aos imperativos dasmudanas" (Lima & Afonso, 2002: 7).

    No entanto, a influncia da Nova Gesto Pblica sobre os diversospases est longe de ter sido uniforme, quer porque partiram de pontos departida diferentes quer porque demonstram diferentes capacidades paraimplementar estas reformas (Pollit, 2000) ou para resistir-lhes, quer aindaporque escolheram selectivamente os aspectos da Nova Gesto Pblica queadoptaram, os quais tiveram de ser conciliados e interagiram com ascaractersticas histricas, sociais e culturais dos contextos em que foramintroduzidos (Christensen & Laegreid, 2001; Lima & Afonso, 2002; Barroso,2003b; Afonso, 2003).

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  • neste contexto que Barroso (2003b) refere os efeitos decontaminao, mas tambm de hibridizao e de 'mosaico', que se verificamna evoluo dos modos de regulao estatal da educao escala global. Assolues encontradas no terreno das prticas sociais e dos arranjosinstitucionais assumem formas hbridas de natureza diversa, comodemonstrou, por exemplo, Antunes (2004), para o caso das escolasprofissionais em Portugal. Na Unio Europeia, Torres (2004) distingue quatromodelos administrativos que condicionam fortemente o modo como ospostulados da Nova Gesto Pblica tm sido apropriados e aplicados: oAnglo-saxnico (Inglaterra e Pas de Gales, Esccia e Irlanda), o Germnico(Alemanha, ustria e Suia), o Nrdico (Dinamarca, Finlndia, Noruega eSucia, podendo integrar-se nele tambm a Holanda) e o do Sul da Europa(Blgica, Espanha, Frana, Itlia e Portugal).

    A Nova Gesto Pblica , paradoxalmente, uma faca de dois gumes,que apela, simultaneamente, centralizao e devoluo (Christensen &Laegreid, 2001). Dito de outro modo, a ideia de um controlo estrito dossistemas de aco por parte de um centro continua a ser preponderante nestafilosofia, no obstante o seu apelo participao dos actores locais e respectiva responsabilizao. Por isso, o modelo da Nova Gesto Pblica nodeve ser confundido com uma mera implementao pura do modelo domercado na regulao da vida social. O recuo do Estado na proviso directade servios pblicos no significa necessariamente, como sublinha Afonso(2003), o enfraquecimento do seu controlo sobre esta proviso, pois elesocorre-se de novos mecanismos de regulao que lhe permitem manter eat aprofundar o seu controlo sobre o funcionamento global do sistema e asrelaes que se estabelecem entre os diferentes actores nele envolvidos.

    Limitaes e fracassos da 'Nova Gesto Pblica' difcil fazer um balano justo sobre os efeitos da introduo da Nova

    Gesto Pblica no domnio da governao, porque quer os seus defensoresquer os crticos so pouco claros na apresentao de argumentosfundamentados: os primeiros fazem declaraes de f evanglicas em queexageram o impacto deste modelo de gesto em termos de eficincia dosservios pblicos, baseando-se apenas em dados muito preliminares ouescolhidos de forma bastante selectiva; os segundos apoiam as suas

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  • alegaes em evidncias dispersas e pouco sistemticas, assentesfrequentemente em experincias particulares (Dunleavy & Hood, 1994: 13).

    Existem, contudo, algumas evidncias de que a Nova Gesto Pblicano tem estado altura das suas promessas: diversos pases que iniciaramexperincias com este modelo nos seus sistemas administrativos acabarampor cancelar recentemente essas reformas, por se revelarem demasiadocaras para os resultados que apresentam, por no demonstrarem os ganhosde eficcia, de eficincia e de qualidade prometidos, e por terem um impactonegativo sobre as prticas democrticas e sobre os direitos civis doscidados, entre outras razes (para o caso suo e holands, ver Noordhoek& Saner, 2005). Por exemplo, Bardouille (2000: 92-94) cita estudos quedemonstram que a entrega de tarefas pblicas a entidades externas aosservios estatais (geralmente, a empresas privadas), atravs da celebraode contratos, no implica necessariamente uma reduo substancial doscustos envolvidos, nem a consequente poupana de recursos por parte doEstado (ver tambm Pollit, 2000).

    A 'Nova Gesto Pblica' foi alvo de inmeras e contraditrias crticas,que Dunleavy & Hood (1994: 10 e segs.) sintetizam em quatro gruposprincipais:

    Os fatalistas acreditam que o sector pblico sofre de problemasbsicos omnipresentes e insolveis que nenhum sistema de gestoconseguir eliminar por isso, acentuam que sob a novalinguagem da Nova Gesto Pblica persistem problemas antigosque ela no conseguiu solucionar;

    Os individualistas (de que o Compromisso Portugal constitui umbom exemplo) sustentam que a Nova Gesto Pblica insatisfatria porque no vai suficientemente longe relativamente estrutura tradicional da administrao pblica na suaperspectiva, s a privatizao total, a universalizao dos contratosindividuais de trabalho, o pagamento em funo do desempenho eo fim das prerrogativas por antiguidade no servio representariamuma soluo aceitvel;

    Os 'hierarquistas' consideram que a Nova Gesto Pblica podeimplicar a perda do controlo do processo de mudana,

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  • prejudicando irremediavelmente a viabilidade da gesto dosservios pblicos a nfase colocada na necessidade de se tercuidado, para que no se introduza a desordem e a anarquianestes servios, em resultado da eroso das capacidades de viso distncia e de planificao do governo central. Criticam, por isso,o que consideram ser uma nfase excessiva deste modelo nasquestes da gesto local, com menosprezo pelos aspectos daplanificao estratgica global e pelas competncias sinpticas. Oshierarquistas tambm chamam a ateno para o risco dadissoluo da tica tradicional dos servios pblicos e enfatizam anecessidade de se manter ou at fortalecer uma entidade centralcapaz de gerir esses servios, por exemplo, atravs da criao deentidades reguladoras;

    Finalmente, os igualitrios (o ponto de vista crtico mais'esquerdista' de todos) consideram que a introduo em largaescala de mecanismos de mercado no sector pblico aumenta orisco da corrupo nestes servios. Na sua perspectiva, os abusospor parte dos funcionrios pblicos so muito mais fceis numsistema descentralizado. Tambm acentuam que esta forma degesto pode levar os gestores a ir demasiado longe nos cortesintroduzidos nos custos e na externalizao dos contratos, fugindos suas responsabilidades de gesto atravs da entrega nas mosde outros de tarefas e de responsabilidades que, no fundo, lhescompetiriam a eles prprios. Estes crticos manifestam aindapreocupao com os efeitos cumulativos sobre as polticaspblicas decorrentes da fragmentao do governo aos nveiscentral e local do seu ponto de vista, a substituio deautoridades responsveis por mltiplas questes e por lidar com arespectiva complexidade, por uma multiplicidade de agncias e decorpos dedicados a questes singulares, multiplicadesnecessariamente o nmero de relaes interorganizacionais eenfraquece a coordenao das polticas, com a consequentereduo da capacidade do sector pblico para resolver osproblemas sociais.

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  • A introduo de formas de gesto privada em muitas empresaspblicas, a privatizao de outras, a entrega a entidades privadas de serviose de actividades anteriormente asseguradas pelo Estado e a competioestimulada entre entidades pblicas, e entre estas e entidades do sectorprivado, dificultaram muito mais a tarefa do Estado de assegurar o controlopoltico e a coordenao dos servios pblicos e tornaram mais complexas eambguas as linhas de autoridade entre as organizaes. A consequncialtima destes desenvolvimentos tem sido a maior dificuldade sentida peloEstado em assegurar a defesa dos interesses colectivos (Christensen &Laegreid, 2001). Com a adopo das prticas de governao advogadas pelaNova Gesto Pblica e o consequente desenho e implementao daspolticas pblicas com base em valores e tcnicas de gesto que encontramas suas razes no sector privado, corre-se o srio risco de o interesse pblicoser menosprezado: a governao com base no modelo da Nova GestoPblica conduz, por exemplo, eroso da prioridade concedida equidade nadefinio e implementao das polticas, substituindo-a por uma nfaseprimordial nas questes da eficincia (Bardouille, 2000: 84).

    Um dos principais riscos em que incorre a Nova Gesto Pblica o dedesembocar naquilo que Dunleavy & Hood (1994: 14) designam de "modeloda galinha sem cabea", uma metfora que sugere um corpo sem cabea acorrer sem rumo definido. Como alertam estes autores, a Nova GestoPblica comporta o risco de os servios pblicos serem, simultaneamente,geridos em excesso e de modo insuficiente em excesso, ao nvel de cadaunidade organizacional; de modo insuficiente, ao nvel de todo o sistema, quecorre o risco de no conhecer uma orientao global. Num contexto destetipo, deixam de existir regras aplicveis a todo o sector pblico e ningumsabe j exactamente qual o lugar que ocupa ou que deve ocupar. A acode cada organizao do servio pblico no toma em considerao qualquerestratgia colectiva definida para o sector, pois no existem quaisquer regrasclaras que clarifiquem a demarcao de responsabilidades e os mtodos defuncionamento adequados. Isto implica o risco de diluio daresponsabilidade e de sobreposio de incumbncias e de domnios deinterveno.

    A este propsito, Rhodes (1996) aponta quatro fraquezas principais perspectiva gerencialista subjacente ao modelo de governao advogadopela Nova Gesto Pblica:

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  • 1. Adopo de uma focagem intra-organizacional, enfatizando asquestes da eficcia e da eficincia, a racionalizao dasdespesas, o controlo hierrquico e a clarificao da distribuio deresponsabilidades e de autoridade trata-se de uma abordagemadequada para gerir organizaes burocrticas, mas limitada paralidar com relaes interorganizacionais, em contextos em que noexiste uma clara hierarquia de controlo entre os diferentes actorescolectivos implicados;

    2. Obsesso com a fixao e o cumprimento de objectivos representa uma ressurreio da gesto por objectivos dos anos 80e 90. Ora, num contexto de relaes interorganizacionais, ascompetncias prendem-se sobretudo com a regulao e amanuteno das relaes ao longo do tempo: a preservao daconfiana entre os actores passa a ser a considerao maisimportante;

    3. A focalizao nos resultados pode ser apropriada paraorganizaes burocrticas, em que possvel determinar quem responsvel pelos resultados obtidos, mas no para contextosmarcados por fortes e persistentes interacesinterorganizacionais, nos quais no possvel identificar um actorsingular que seja responsvel por um determinado resultado eonde, alis, os actores podem at nem estar de acordo sobre qualo resultado mais desejvel a obter e como medi-lo;

    4. Contradio entre a promoo da competio, atravs demecanismos de mercado, por um lado, e a necessidade deassegurar a direco central desses processos num ambientecompetitivo, existe um baixo nvel de confiana entre os actoresintervenientes, o que dificulta a coordenao global dos processose o estabelecimento de um ponto de equilbrio negociado entre asvrias partes envolvidas.

    Ao acentuarem a necessidade de um forte controlo intra-organizacional, da gesto por objectivos e dos incentivos competio, asreformas gerencialistas inspiradas pela doutrina da Nova Gesto Pblicaconduzem a ignorar ou a menosprezar a necessidade de cooperao e derelaes de confiana entre os actores. Para superar estas dificuldades e

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  • limitaes, diversos autores tm-se virado para um novo modelo de regulaodas polticas pblicas: o das redes de governao.

    Do governo governaoComo observam Kickert, Klijn & Koppenjan (1997: 3), durante muito

    tempo, o pensamento sobre as polticas pblicas e a governao assentou naideia de que o governo uma entidade que est 'acima' da sociedade e que capaz de dirigi-la a partir dessa posio. Contudo, desde os anos 60 e 70,o acumular de polticas governamentais fracassadas (em reas como o crime,a educao, o desemprego, a proteco ambiental, etc.), apesar dossubstanciais oramentos que as sustentaram, conduziu, no final dos anos 70e na dcada de 80, a perspectivas pessimistas sobre a capacidade dosgovernos para concretizarem os seus objectivos e promoverem eficazmente odesenvolvimento social. A combinao desta desiluso com a realizao defortes cortes oramentais e a introduo de reformas administrativasinspiradas nos postulados da Nova Gesto Pblica levou muitos governosocidentais a iniciarem uma retirada estratgica ao nvel da interveno pblicadirecta em inmeros sectores, incluindo o da educao.

    As novas formas de fazer poltica inspiraram-se em ideias como'menos estado, melhor estado', induzindo processos de privatizao, dedesregulao estatal e de descentralizao. Estes desenvolvimentos e osconsequentes prejuzos para a legitimidade da interveno estatal atingiram oseu ponto mais alto nos governos de Reagan nos EUA e de Thatcher no ReinoUnido, inspirados numa ideologia radical da chamada "nova direita" queadvogava a retirada do Estado a favor do sector privado e a introduo deuma filosofia empresarial na gesto dos assuntos pblicos, tendo em vistareduzir custos e conseguir um funcionamento mais eficaz do governo.

    Estas tendncias no se fizeram sentir de forma to imediata e directanos governos da Europa continental, mas no deixaram de se manifestartambm nestes contextos nacionais. Com estes desenvolvimentos, tornaram-se evidentes as interdependncias entre os governos e inmeros actoressociais e ganhou crescente relevo o conceito de 'governao'.

    Hoje, claro que a governao da educao implica um conjuntomltiplo de organizaes e de conexes sem as quais a concretizao dos

    165Redes na educao

  • objectivos pblicos pode ficar comprometida. Como sublinha Barroso (2003b),referindo-se aos modos de regulao estatal no sector da educao, "emborano quadro do sistema pblico de ensino o Estado constitua uma fonteessencial de regulao, ele no a nica, nem, por vezes, a mais decisivanos resultados finais obtidos. A diversidade de fontes e modos de regulaofaz com que a coordenao, o equilbrio ou a transformao dofuncionamento do sistema educativo resultem mais da interaco dos vriosdispositivos reguladores do que da aplicao linear de normas, regras eorientaes oriundas do poder poltico" (p. 40). Este ponto de vista implicadeixar de dar relevo exclusivo regulao estatal da educao, paraconsiderar com maior ateno a sua regulao social.

    O abandono da concepo central do governo enquanto funoassegurada exclusivamente pelo Estado central, em favor de uma actividadede coordenao da vida social garantida por mltiplas entidades, de formadescentralizada e at autnoma, est associado ao crescente uso do conceitode 'governao', que no tido como sinnimo de governo, mas antesutilizado para sinalizar uma mudana no significado de governo, ou seja, parareferir "um novo processo de governar", ou "um novo mtodo atravs do quala sociedade governada" (Rhodes, 1996: 652-653). O termo exprime a ideiade que a formulao e a implementao das polticas j no se restringem sagncias pblicas, ocorrendo agora atravs de um crescente nmero derelacionamentos entre organizaes pblicas e no pblicas e assentando emcruzamentos cada vez mais complexos entre actividades pblicas e privadas(Agranoff & McGuire, 2003: 20-21).

    A vantagem do termo 'governao' relativamente ao de 'governo' queele ajuda a enfatizar os processos, mais do que as estruturas formais(Bogason & Musso, 2006: 4). neste sentido sistmico que Bardouille (2000)define "governao" como "os complexos mecanismos, processos, relaes einstituies atravs dos quais os cidados articulam os seus interesses emedeiam as suas diferenas" (p. 83). Uma forma paradigmtica de asseguraresta articulao e a mediao dos interesses desta multiplicidade de actoresimplicados nas questes pblicas, cada vez mais destacada na literatura daespecialidade e no discurso poltico, a organizao em rede.

    166 Jorge vila de Lima

  • Organizao em rede: um novo modelo para a regulao daeducao?

    Como vimos, a governao um conceito mais lato do que o degoverno, pois abrange a proviso de servios atravs de permutaes deinterveno entre o Estado e numerosas entidades situadas nos sectoresprivado e/ou cooperativo (Rhodes, 1996). Num contexto deste tipo, agovernao entendida como a gesto pblica de complexas redesinterorganizacionais que se substituem s unidades tradicionais do Estado naoferta de servios pblicos populao e que cruzam frequentemente asfronteiras dos sectores pblico, privado e cooperativo.

    Como vimos anteriormente, em boa parte por influncia da doutrina daNova Gesto Pblica, o Estado tem vindo a mudar as suas estratgias deaco, atenuando a sua representao enquanto centro decisor, parapromover especialmente a ideia do Estado regulador, supervisor, mediador eavaliador. Na sua 'nova' funo de mediao, ele recorre com insistncia(sobretudo ao nvel discursivo) ideia da rede (ou s de parceria ou decolaborao, que so utilizadas com um sentido semelhante), que conotadiversidade, flexibilidade, cooperao e coordenao, mais do que controlo euniformidade (Ferreira, 2005).

    Segundo Sorensen & Torfing (2005: 197), as redes de governaodistinguem-se dos modelos do controlo hierrquico estatal e da regulaocompetitiva no mercado, pelo menos, a trs nveis:

    O primeiro nvel tem a ver com as relaes estabelecidas entre osactores: as redes so sistemas de governao pluricntricosassentes na interdependncia entre um nmero elevado deactores, o que contrasta com o sistema unicntrico do governo doEstado, em que todos os actores esto sujeitos a uma mesma lei,e com o sistema multicntrico tpico da competio mercantil,caracterizada pela rivalidade entre um nmero infinito de actoresmovidos pelo interesse prprio, no havendo entre eles qualquercomunidade de agendas ou de finalidades;

    O segundo nvel diz respeito tomada de deciso: as redesassentam numa racionalidade negociada, o que contrasta com aracionalidade substantiva tpica do governo assegurado pelo

    167Redes na educao

  • Estado (que procura traduzir os seus valores substantivos em leise regulamentos detalhados) e com a racionalidade procedimentalsubjacente competio em ambiente de mercado (em que seacredita no funcionamento da "mo invisvel", desde que sejamobservados procedimentos que assegurem uma livre concorrnciaentre os actores);

    O ltimo nvel reporta-se aos meios utilizados para assegurar ocumprimento de decises importantes que tenham sido tomadas:nas redes, esta aquiescncia garantida atravs da confiana e desentimentos de obrigao poltica, dando lugar, ao longo do tempo,a regras e normas desenvolvidas pelos prprios participantes queintegram a rede. Isto contrasta com a imposio de sanes legaiscaracterstica da actuao do Estado e com o medo de incorrer emperdas econmicas, que o principal mecanismo dissuasor daprevaricao utilizado pelos actores integrados em contextos demercado.

    Em si mesmo, o fenmeno das redes no propriamente novo nocampo da governao, entendida num sentido global, nem no domnioespecfico da educao. Actualmente, a novidade reside em dois fenmenosdistintos que se alimentam reciprocamente: o enorme crescimento numricodeste tipo de entidades e o crescente interesse dos governos por elasenquanto "mecanismo eficiente e legtimo de governao" (Sorensen &Torfing, 2005: 198). Como afirmou O"Toole (1997: 46), "a fixao de objectivosambiciosos em contextos de poder disperso faz da aco em rede[networking] um imperativo para os gestores pblicos".

    Goldsmith & Eggers (2004: 28-37) destacaram vrias vantagens parao Estado decorrentes da adopo de um modelo de governao em rede:

    Especializao ao entregar servios a entidades terceiras, cadauma especializada numa determinada rea e normalmenteseleccionada para participar na rede por ser a melhor nessedomnio, o Estado passa a poder concentrar-se na sua missoessencial e naquilo que sabe fazer melhor;

    Inovao numa rede, existe um maior leque de alternativas deaco e as possibilidades de experimentao multiplicam-se; pelo

    168 Jorge vila de Lima

  • contrrio, numa organizao hierrquica (como o so asorganizaes governamentais clssicas), a inovao tende a serinibida, quer devido a restries horizontais internas quanto srelaes permissveis entre as diferentes unidades e indivduosquer em resultado de barreiras verticais que dificultam a chegadadas boas ideias aos patamares superiores, encarregados emexclusivo da tomada de decises;

    Rapidez e flexibilidade A flexibilidade e agilidade caractersticasdas redes aumenta a velocidade com que as necessidades doscidados so satisfeitas, o que contrasta com a habitual reacolenta das burocracias rgidas a novas situaes, decorrente da suaestrutura hierrquica de tomada de decises. A flexibilidade dasredes tambm se traduz na possibilidade de serem alargadas oureduzidas consoante as necessidades o exijam, o que no normalmente possvel nas burocracias estatais. Por outro lado, atradicional aplicao de uma soluo nica e uniforme a todos osproblemas, caracterstica do funcionamento estatal clssico, nocorresponde s exigncias suscitadas pelos problemas do mundocontemporneo, que cresceram em diversidade, grau deimprevisibilidade e complexidade. A concesso de autonomia e deum grau substancial de poder discricionrio aos membros de umarede, que esto mais prximos dos cidados, conferem a estasentidades sociais uma capacidade de reaco que as burocraciasestatais esto longe de possuir;

    Maior alcance com as redes, o Estado consegue atingir sectoressociais e chegar a agentes que anteriormente estavam totalmentefora da sua alada, frequentemente alheados da esfera pblica.Actuando com base em parceiros que mantm relaes deproximidade com esses sectores e agentes, o Estado alarga o seumbito de aco e atinge uma maior proporo de cidados, semcom isso incorrer em maiores custos.

    Segundo diversos autores, o modelo das redes exprime com particularsalincia as caractersticas daquilo que muitos designam de "organizaops-burocrtica", cujo trao central seria um funcionamento assente emrelaes ou em associaes informais que atravessam os canais formais pr-

    169Redes na educao

  • existentes, podendo at substitui-los, e que se estendem para alm dasfronteiras tradicionais da organizao, atravs de colaboraes com actoressituados no seu exterior (Krackhardt, 1994). Pode mesmo dizer-se que, nummodelo deste tipo, a distino entre unidades internas e a prpria delimitaoentre o interior e o exterior de uma organizao se tornam problemticas,dada a dinmica emergente dos laos interactivos, a constante reorganizaodas relaes e a elevada mobilidade dos membros da rede.

    Os partidrios desta forma de governao acentuam que a essnciadas redes reside na realizao de ajustamentos mtuos entre os actoresparticipantes (Rhodes, 1996: 665). Segundo eles, as redes envolvem arranjose prticas organizacionais que assentam em padres de interaco lateraisou horizontais, em fluxos interdependentes de recursos e em linhasrecprocas de comunicao (Powell, 1990). Elas no so coordenadas combase unicamente no encontro de vontades e interesses de actores singularesem processo de competio (como no mercado), nem unicamente por umaestrutura administrativa ou de gesto desenhada intencionalmente (como nashierarquias) (Thompson, 2003: 30). Tais mecanismos podem estarparcialmente presentes no seu funcionamento, mas as redes seriamsuficientemente distintas para merecerem ser tratadas como um sistemaespecfico de coordenao e de governao e no simplesmente como algosituado num ponto intermdio entre os mercados e as hierarquias.

    Powell (1990) sustenta que as redes so uma forma de organizaoparticularmente adequada em circunstncias em que os actores necessitamde informao eficiente e fivel, ou em que trocam bens cujo valor no facilmente quantificvel (como o caso de quase todos os bens, como oconhecimento ou novas competncias, relevantes para a actividadeeducativa). Raramente este tipo de informao transmitido atravs de umacadeia hierrquica, cujos canais so normalmente morosos na comunicao;ou obtido num mercado totalmente livre, pois nele os actores esto emcompetio aberta uns com os outros e, portanto, escondem informaorelevante para evitar que os outros ganhem vantagem sobre eles. maisprovvel que se consiga obter este tipo de informao junto de actores comquem j se estabeleceu uma relao no passado e que se revelaram fontesfiveis j bem conhecidas. As redes, pela sua natureza aberta e pela ausnciaexplcita de uma interaco de carcter oportunista entre os actores

    170 Jorge vila de Lima

  • envolvidos, constituiriam ptimos espaos para a circulao deste tipo deinformao. Nelas, as relaes seriam estabelecidas numa perspectiva delongo prazo, o que criaria um ambiente relacional estvel, seguro (por serrelativamente previsvel) que permitiria e at estimularia a aprendizagem e atroca de informaes.

    Estas caractersticas das redes esto bem presentes na perspectivade Rhodes (prefcio a Kickert, Klijn & Koppenjan, 1997: xi), para quem a"governao" assegurada pela actividade de redes interorganizacionais comcapacidade de auto-organizao dotadas das seguintes caractersticas:

    1. Interdependncia entre organizaes;2. Interaco continuada entre os membros da rede, devido

    necessidade de intercmbio de recursos e de negociao deobjectivos comuns;

    3. Interaces assentes na confiana e reguladas por regras de jogonegociadas e acordadas entre os participantes na rede;

    4. Ausncia de uma autoridade soberana, o que resultaria numelevado grau de autonomia das redes em relao ao Estado e nasua faculdade de auto-governo.

    Segundo Thompson (2003: 40) existem cinco atributos principais quediferenciam uma rede de uma hierarquia ou de um mercado e que, no seuconjunto, produzem um comportamento cooperativo entre os seus membros:

    Solidariedade resulta da existncia de uma experincia comumaos vrios membros da rede;

    Altrusmo os actores disponibilizam-se para ajudar os outros,sem qualquer expectativa de obterem ganhos com isso; a aco desenvolvida exclusivamente tendo por base o interesse dosoutros;

    Lealdade os actores mantm o seu empenhamento para com arede, ao longo do tempo, sem inclinao para abandon-la;

    Reciprocidade existe uma simetria entre o dar e o receber dentroda rede;

    171Redes na educao

  • Confiana cada membro da rede partilha da convico de queos outros participantes agiro como se espera que ajam e de queno desenvolvero comportamentos oportunistas em proveitoprprio.

    frequente esta e a maioria das perspectivas anteriormenteapresentadas sobre a governao em rede evidenciarem um carcterfortemente normativo: apresentam as redes como 'a soluo' para osproblemas da governao e dedicam-se a acentuar o que elas 'deveriam ser'.Contudo, como nota Thompson (2003: 6), as redes no so apenas umaforma de organizao social propriamente dita: elas tambm constituem ummtodo de pensar sobre a natureza da vida social. Por outras palavras, so,simultaneamente, por um lado, objecto de anlise (um modo concreto decoordenao e de governao) e, por outro, uma categoria conceptual e uminstrumento analtico. neste ltimo domnio que necessitamos urgentementede melhorar os utenslios de que dispomos para pensar e analisar as redes,razo pela qual lhe dedico alguma seco na parte final do presente texto.

    Redes sociais na educao: uma tipologiaHoje, o termo 'rede' est totalmente trivializado. Como advertiu Nohria

    (1992), h cerca de dcada e meia, "a proliferao indiscriminada do conceito() ameaa releg-lo para o estatuto de mera metfora evocativa, aplicadade forma to livre que deixa de possuir qualquer significado" (p. 3). Sequeremos que as redes signifiquem alguma coisa, ento devemos impedirque elas possam significar tudo (Thompson, 2003: 2).

    Um passo vital na direco certa consiste em evitar uma utilizaonormativa do conceito de 'rede' habitualmente encontrada na literatura dosdiversos campos que mobilizam esta noo , privilegiando antes umaperspectiva mais analtica sobre este fenmeno. Para este propsito, tilentender-se uma rede no sentido que lhe conferido pelo campo da anlisede redes sociais (por exemplo, Scott, 1991, ou Wasserman & Faust, 1994),em que definida, simplesmente, como um conjunto de actores e as relaesque se estabelecem entre eles.

    A opo por um conceito descritivo de rede importante porquepermite ao analista aferir em que medida uma determinada formao social

    172 Jorge vila de Lima

  • concreta assume ou no determinadas caractersticas estruturais,independentemente do que determinados quadros ideolgicos (como sejam,o centralismo estatal ou a Nova Gesto Pblica) propagam a seu respeito.Para que tal abordagem descritiva possa ter verdadeiro potencial heurstico, necessrio que assente num esquema classificativo que precise variantessignificativas assumidas pelas redes e que permita destacar dimenses etraos essenciais destas entidades. Para este efeito, dedicarei especialateno neste texto a trs aspectos pertinentes para uma classificao dasredes: a sua gnese, composio e estrutura1.

    Quanto sua gnese, as redes podem ser classificadas em dois tiposprincipais: redes fabricadas e redes auto-organizadas2. As redes fabricadascorrespondem a uma soluo organizacional planeada para funcionarenquanto mecanismo de coordenao, em resultado de uma aco directivaconsciente (normalmente, por parte de uma nica entidade central geralmente, o Estado) no sentido de se criar e sustentar uma rede. As redesauto-organizadas, pelo contrrio, englobam interaces no-directivasemergentes, desencadeadas a partir da sociedade civil, que se configuram,reconfiguram e evoluem, constantemente, sendo a ordem nelas encontradaalgo que criado a posteriori, em resultados das interaces desenvolvidasentre os actores. No primeiro caso situam-se as mltiplas redes constitudaspelo Estado para suportar as suas polticas (por exemplo, as parceriaspblico-privadas ou os agrupamentos de escolas); no segundo integram-seexemplos cvicos como o dos movimentos anti-globalizao, os fruns dediscusso que se constituem voluntariamente na Internet, os movimentosassociativos pedaggicos organizados espontaneamente por grupos deeducadores, as associaes de escolas que se constituem voluntariamentesem a interveno directa do Estado, etc. Podemos dizer que, na realidade, agovernao em rede abrange organizaes que se situam num continuumentre estes dois plos ideal-tpicos (Bogason & Musso, 2006: 5). Tais redespodem funcionar em paralelo ao Estado, complementarmente a ele, de formaincorporada (isto , como extenso formal da sua interveno a versofabricada), ou at em oposio ao mesmo (Skelcher, 2005).

    Quanto composio das redes, importa distinguir, pelo menos, asseguintes modalidades (Lima, 2006b):

    173Redes na educao

  • redes ego-centradas compreendem o conjunto de actores comos quais um determinado actor focal mantm interaco, bemcomo as relaes existentes entre eles (por exemplo, todas asentidades com as quais a escola X mantm uma interaco regulare significativa e as relaes existentes entre tais entidades);

    redes de actores individuais constituem conjuntos de pessoassingulares e dos laos que se estabelecem entre elas (porexemplo, movimentos pedaggicos que unem educadores emrede, como o caso do Movimento da Escola Moderna);

    redes de actores colectivos so formalmente idnticas santeriores, com a excepo de que, neste caso, cada actor da rede uma pessoa colectiva (uma empresa, uma escola, um movimentoassociativo, etc.);

    redes mistas compreendem conjuntos mistos de actoresindividuais e colectivos;

    meta-redes so redes de actores colectivos "de segundaordem": cada actor na rede , ele prprio, uma rede dito de outromodo, trata-se de "redes de redes".

    Ao nvel da composio, podemos ainda distinguir dois tipos de redes:as uni-institucionais e as pluri-institucionais. Nas redes uni-institucionais,todos os membros esto filiados ou pertencem a um mesmo domnioinstitucional (por exemplo, s escolas ou s empresas). Nas redes pluri-institucionais, pelo contrrio, participam actores (quer individuais quercolectivos) oriundos de, pelo menos, dois domnios institucionais distintos (porexemplo, escolas e juntas de freguesia).

    Finalmente, quanto sua estrutura, as redes podem ser tipificadascom base em trs propriedades principais (Lima, 2002): densidade,centralizao e fragmentao. A densidade designa o grau em que todas asrelaes teoricamente possveis entre os actores de uma rede so de factoconcretizadas. Uma rede densa caracteriza-se por uma grande percentagemde laos envolvendo os seus membros. Numa rede esparsa, tais conexesso muito mais raras, pelo que a interaco de baixa densidade. Acentralizao descreve em que medida as relaes estabelecidas numa redese organizam em torno de um actor (ou de um conjunto de actores) central

    174 Jorge vila de Lima

  • que domina a maior parte dos fluxos de interaco. Esta propriedade permitepensar as redes enquanto sistemas menos uniformes do que a literaturanormativa sugere, marcados por fenmenos de poder e por padres queopem centros e periferias no interior da prpria rede. Esta noo complementada pela de fragmentao, que denota at que ponto uma rede um sistema coeso ou, pelo contrrio, se subdivide em sectores entre os quaisa interaco tnue ou, at, nula.

    A utilidade destas categorias analticas consiste em permitir penetrar acortina de fumo discursiva que criada frequentemente volta das redes,autorizando compreender a sua gnese, examinar a sua composio e aferiras suas propriedades estruturais, de modo a evitar tomar por idnticosconjuntos de actores que normalmente assumem formas, dinmicas,orientaes ideolgicas e misses bastante distintas, algumas enquadrveisnas caractersticas ideais propaladas pelos defensores da governao emrede, outras distanciando-se claramente daquilo que tais modelos degovernao afirmam concretizar. Por exemplo, a existncia de redes deactores colectivos fabricadas e fortemente centralizadas (como o caso dosagrupamentos de escolas constitudos em Portugal) constitui uma negao,mais do que uma confirmao, da tese de que os novos modos de regulaosocial da educao tm dado lugar a redes auto-organizadas que ocupamespaos vazios abandonados voluntariamente pelo Estado. Por outro lado, aexistncia de redes auto-organizadas de baixa densidade e com elevadosgraus de fragmentao (ver Lima, 2002, 2006a) desmente a ideia de umadinmica interactiva pujante entre os actores situados na base do sistemapoltico, o que suscita interrogaes sobre a sua capacidade actual demobilizao e de emancipao e conduz a admitir que a manuteno docentralismo como modo dominante de governo da educao, mesmo numapoca de 'Nova Gesto Pblica', pode dever-se no s renitncia do Estadoem abdicar do seu poder, como tambm incapacidade dos cidados paralhe contraporem modelos de governao alternativos que representem maisdo que uma mera retrica participativa.

    ConclusoA organizao em rede tem sido considerada como um modelo

    organizacional alternativo, no redutvel a um ponto intermdio entre aquelas

    175Redes na educao

  • hierarquias e os mercados, mas antes representando uma forma nova eparadigmtica de assegurar a articulao e a mediao dos interesses deuma multiplicidade de actores implicados nas questes pblicas (Powell,1990).

    As mltiplas utilizaes de que o vocbulo 'rede' tem sido objecto tmpermitido que ele seja associado, por exemplo, ideia de um 'Estado mnimo',isto , defesa de uma reduo desejvel na extenso da interveno pblicado Estado, ajudando a legitimar a utilizao de mercados ou quase-mercadospara fornecer 'servios pblicos'. A noo de rede tem sido incorporada, porexemplo, pelo modelo da Nova Gesto Pblica, numa abordagem squestes da gesto do sector pblico em que se advoga que necessriomenos governo, mas mais governao.

    Alternativamente, a noo de rede tem sido apresentada como umpadro de coordenao caracterstico de uma sociedade sem centro em quea funo do governo seria a de permitir e incentivar as interaces entre osmltiplos actores e de distribuir servios entre eles. A governao entendida,neste ltimo sentido, como algo que inclui a actividade do Governo, mas quevai muito para alm dele, para abarcar tambm diversos mecanismosinformais, no governamentais, o que conduz a admitir que, pelo menos emteoria, possvel haver governao sem governo (Rhodes, 1996). Talsituao verificar-se-ia quando numa determinada esfera de actividadeemergissem mecanismos de regulao que funcionassem eficazmente,embora no suportados nem sancionados por nenhum enquadramento legalconcebido especificamente para o efeito ou por qualquer autoridade formal.Esta abordagem mais optimista sublinha as limitaes da acogovernamental, insistindo que j no existe uma nica entidade soberana,mas antes uma multiplicidade de actores de cuja interaco em rede resultampadres de governao no antecipveis por tradio, nem instituveis porimposio burocrtica.

    Assim, do ponto de vista poltico, as redes podem ser interpretadas,pelo menos, de duas formas distintas: enquanto forma de governao tpicada Nova Gesto Pblica ou como forma organizacional alternativa, capaz deultrapassar as limitaes daquele modelo. Ambas as interpretaes, emboraconceptualmente incompatveis, no so mutuamente exclusivas, pois, noterreno das prticas, encontramos redes diversas, muitas visivelmente

    176 Jorge vila de Lima

  • filiveis na primeira interpretao (por exemplo, numerosas parcerias pblico-privadas promovidas pelo Estado), outras tantas filiveis na ltima (porexemplo, movimentos organizativos de escolas baseadas numa filosofiaprpria, emergentes do terreno e sem qualquer vnculo ou dependnciadirecta do Estado). comum, alis, uma mesma rede desenvolver actividadesenquadrveis, simultaneamente, em ambas as interpretaes.

    Por isso, o lugar que as redes ocupam na realidade educativa e asfunes que nela desempenham no podem ser lidos num quadrointerpretativo estritamente "a preto e branco". Existem numerosascomplexidades e ambiguidades que importa detectar e relevar. Umaabordagem descritiva e classificatria s caractersticas concretas destasentidades no sector da educao e no domnio das polticas pblicas, emgeral, quanto sua gnese, composio e propriedades estruturais, permitirintroduzir maior clareza neste campo e perceber em que medida asconcepes poltico-normativas sobre as redes que tanto abundam nabibliografia e no discurso oficial dos diferentes actores encontramcorrespondncia concreta nas prticas de governao efectivamentedesenvolvidas no terreno.

    Notas1 Existem, obviamente, muitos outros aspectos relativo s redes relevantes cujo

    estudo necessrio desenvolver, como defendi recentemente (Lima, 2006).2 Estes dois tipos correspondem aproximadamente s duas "variantes" identificadas

    por Thompson (2003: 28-19).

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    179Redes na educao

  • NETWORKS IN EDUCATION: POLITICAL AND CONCEPTUAL ISSUES

    AbstractToday, educational practitioners, school leaders and policymakers confrontthemselves with the need to develop their action in a context increasinglyframed by the absence of a single central regulating entity, and by thecollective and interorganisational dimension of their activity. This article liststhe reasons behind the failure of the centralised government of education,points to the alternatives that were developed to face its demise (especially,the New Public Management framework) and analyses the networkorganisation as a model proposed to ensure the more effective governance ofeducational matters. The article proposes a typology of networks based onthree vectors (genesis, composition, and structure) that aims to enable andnourish a critique of normative views currently held about these entities ineducation.

    KeywordsNetworks in education; Social network analysis; Educational governance//regulation; New public management

    RSEAUXS EN DUCACION: QUESTIONS POLITIQUES ET CONCEPTUELLES

    RsumAujourdhui, les ducateurs, les chefs dtablissement et les gouvernants sontconfronts avec le besoin de dvelopper leur action dans un contexte de plusen plus marqu par labsence dune seule entit centrale de rgulation et parla dimension collective et interorganisationelle de leur activit. Cet articlesystmatise les raisons qui expliquent la faillite du gouvernement centralis delducation, remarque les alternatives produites pou lui faire face (enparticulier, le Nouveau Management Publique) et analyse le modle delorganisation en rseau comme propos pour assurer la gouvernance desaffaires ducatives de faon plus efficace. Dans larticle, on propose une

    180 Jorge vila de Lima

  • typologie des rseaux fonde en trois vecteurs (gense, composition etstructure) qui vise permettre et nourrir une critique des visions normativesactuellement existantes sur cettes entits dans lducation.

    Mots-clRseaux ducatives; Analyse des rseaux sociales; Gouvernance/rgulationde lducation; Nouveau management publique

    Recebido em Outubro, 2006Aceite para publicao em Maio, 2007

    181Redes na educao

    Toda a correspondncia relativa a este artigo deve ser enviada para: Jorge vila de Lima, Rua Mede Deus, 9601-801 Ponta Delgada, Aores, Portugal. E-mail: [email protected]