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1 Redução da Idade de Imputabilidade Penal: mitos e justificativas Ana Paula Motta Costa 1 A redução da idade de imputabilidade penal é um tema muito polêmico na atualidade, tanto o é que tramitam no Congresso Nacional vários projetos de lei com tal proposição, recentemente, inclusive, um deles tendo aprovação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Deputados. Tais projetos ganham repercussão pública e dividem opiniões em todos os segmentos sociais, pois pretendem alterar aquilo que está previsto na nossa Constituição Federal, em seu artigo 228, que é o limite divisor entre os sistemas de responsabilização vigentes na sociedade brasileira. Limite entre o sistema penal juvenil (12 a 18 anos) e o sistema de responsabilização adulto (a partir dos 18 anos). Tal polêmica não é por acaso. Ela reflete, muitas vezes, o que é o sentimento do senso comum, da sociedade em geral. Ou seja, a idéia de que a solução dos problemas que vivemos em nosso tempo dar-se-ia por medidas de maior repressão, entre elas a questão da redução da idade de responsabilização penal dos adolescentes. A abordagem sobre este tema poderia ser feita de modo muito simples. Ou seja, não há solução que se possa vislumbrar, ou melhoria que possa ocorrer com relação à diminuição da violência, ao imaginar-se que os adolescentes, em vez de cumprirem medidas socioeducativas, num sistema socioeducativo, passariam a cumprir penas num sistema adulto. Em vez de estarem cumprindo medidas que se caracterizam como sancionatórias, mas que devem ter um conteúdo educativo em sua execução, eles então estariam sendo responsabilizados em sistema adulto. Qual solução pode ser essa frente à realidade de um País, onde o sistema carcerário é a expressão das várias crises que vivem suas instituições? De forma mais específica: o sistema prisional que abarcaria os adolescentes é o mesmo que deveria assegurar as garantias previstas também para os adultos, mas se encontra superlotado, deslegitimado, insalubre, corrupto (entre outros adjetivos que se pode enumerar). 1 Advogada, Socióloga, Mestre em Ciências Criminais – PUC/RS, Doutoranda em Direito PUC/RS.

Redução Da Idade Penal - USP[1]

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Artigo que discute a redução da Idade Penal

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1 Reduo da Idade de Imputabilidade Penal: mitos e justificativas Ana Paula Motta Costa 1 Areduodaidadedeimputabilidadepenalumtemamuitopolmicona atualidade, tantooquetramitamnoCongressoNacionalvriosprojetosdeleicomtal proposio,recentemente,inclusive,umdelestendoaprovaonaComissode ConstituioeJustiadaCmaradeDeputados.Taisprojetosganhamrepercusso pblica e dividem opinies em todos os segmentos sociais, pois pretendem alterar aquilo que est previsto na nossa Constituio Federal, em seu artigo 228, que o limite divisor entreossistemasderesponsabilizaovigentesnasociedadebrasileira.Limiteentreo sistema penal juvenil (12 a 18 anos) e o sistema de responsabilizao adulto (a partir dos 18 anos). Tal polmica no por acaso. Ela reflete, muitas vezes, o que o sentimento do senso comum, da sociedade em geral. Ou seja, a idia de que a soluo dos problemas quevivemosemnossotempodar-se-iapormedidasdemaiorrepresso,entreelasa questo da reduo da idade de responsabilizao penal dos adolescentes. Aabordagemsobreestetemapoderiaser feitade modo muito simples.Ouseja, nohsoluoquesepossavislumbrar,oumelhoriaquepossaocorrercomrelao diminuiodaviolncia,aoimaginar-sequeosadolescentes,emvezdecumprirem medidassocioeducativas,numsistemasocioeducativo,passariamacumprirpenasnum sistemaadulto.Emvezdeestaremcumprindomedidasquesecaracterizamcomo sancionatrias, mas que devem ter um contedo educativo em sua execuo, eles ento estariam sendo responsabilizados em sistema adulto. QualsoluopodeseressafrenterealidadedeumPas,ondeosistema carcerrioaexpressodasvriascrisesquevivemsuasinstituies?Deformamais especfica:osistemaprisionalqueabarcariaosadolescentesomesmoquedeveria assegurarasgarantias previstas tambmpara osadultos, masseencontra superlotado, deslegitimado, insalubre, corrupto (entre outros adjetivos que se pode enumerar).

1 Advogada, Sociloga, Mestre em Cincias Criminais PUC/RS, Doutoranda em Direito PUC/RS. 2 Ento,aidiaproposta,eemdebate,seriadequecomadiminuiodaidade penal, seja de 16 ou 14 anos, como est disposta em muitos projetos, ou com o aumento dotempodepenalizaoparaosadolescentes,estar-se-iamelhorandoasituao., portanto, uma proposta que chega a ter caractersticas de ingenuidade, Ingenuidadequetambmsevislumbraemoutrasdimensesdadiscusso. Quandoseabordacom maisprofundidadeo temav-se,porexemplo, quedopontode vistajurdicoapossibilidadedessesprojetosdeleidefatoviremaseraprovadospelo CongressoNacionalmuitopequena,namedidaemqueaprevisoconstitucionalque regula a idade de responsabilizao penal algo que faz parte dos direitos fundamentais previstosnaConstituio,portantospodemsermudadosapartirdeumanova Constituio.Trata-sedeumaclusulaptrea,conformerefereTERRA2eoutros doutrinadores. Portanto, o que se vislumbra hoje so discusses superficiais sobre essa temtica, cujopanodefundoarealidadedasociedadecontempornea,adjetivadapormuitos autores como sociedade punitiva 3. Ou seja, convive-se com certa expectativa social de quesepuna,responsabilizandoalgunssobredeterminadosproblemasquecircundama vidadetodos.Assim,o problemadaviolncia,queatingeatodos,deuma formaoude outra, com causas e conseqncias bastante complexas que afetam o cotidiano de todos, principalmentenassituaesenvolvendocrianaseadolescentes,temcomosoluo apontada: mais punio. Masquesociedadeessaquevislumbraasoluodosproblemasapartirda punio? Isso se expressa no senso comum, na opinio, s vezes, da mdia, na viso que estsubjacentequandoaspessoasdizemquesedeveretirardoconvviosocialtodos aquelesquenoestoadequadosaocontexto.Trata-sedailusodeque,aotirarde circulaoaspessoasdepositriasdaculpapelosmalefciossociais,estar-se-ia eliminando os conflitos, que na realidade fazem parte desse mesmo contexto social.

2 TERRA, Eugnio Couto. A idade mnima como clusula ptrea. In: A razo da idade: mitos e verdades. 3 AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli. Vises da Sociedade Punitiva: elementos para uma sociologia do controle penal. In: GAUER, Ruth Maria Chitt. Sistema Penal e Violncia.3 Nessesentido,ganhaespaoodiscursojustificadordousodaviolnciapelo estado,comoformadegarantiraseguranadapopulao.ConformerefereKARAN4, parte-se da idia de que a criminalidade convencional define-se como violncia, levando a populaoanaturalizaroutrasformasdeviolnciainstitucionalizadasnointeriorda sociedadeeproduzindo-seumpnicotalquesefazcrerqueanicasoluo efetivamente o encarceramento ou o sistema penal utilizado em grande escala. Diz a autora: O aumento do espao dado divulgao de crimes acontecidosesuadramatizao,bemcomoa publicidadeexcessivaeconcentradaemcasosde maiorcrueldade,aproximamtaisfatosdaspessoas, quepassamav-loscomoacontecendocommaior intensidade, maior do que a efetivamente existente na realidade.5 Asociedadecontemporneadefine-se,conformevriosautores,comocriseda modernidade6oumodernidadereflexiva7,ps-modernidade8,sociedadederisco9. Todos estes conceitos remetem a uma leitura da realidade que rompe com determinados preceitos de controle, de projetoe de perspectiva, a partir dos quais foram institudas as vrias reas das cincias, especialmente, com a participao de instituies destinadas a taltarefanamodernidade,comoaescola,osistemaprisional,oshospitais,os manicmios.Enfim,asinstituiesque,conformerefereFOUCAULT10,tiveram,nesse perodo histrico, a funo de controle social.Conformeoautor,oestado modernoclssicotinhaatarefadeestabelecimento daordeme,paraisso,coletivizousuasincumbnciasatravsdatcnicadadisciplina. Estabelecer a ordem era atarefa de generalizar, classificar, definir e separar categorias.

4 KARAN, Maria Lcia. De Crimes, Penas e Fantasia, p. 195.5KARAN, Maria Lcia, Idem, p.196. 6 SANTOS, Boaventura. A crtica razo indolente. 7 GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich e LASH, Scott. Modernizao Reflexiva.8 BAUMAN, Zigmunt. O mal-estar da ps-modernidade. 9 BECK, Ulrich. La sociedad Del Riesgo. Hasta uma nueva modernidad.10 FOUCAULT, Michael. Vigiar e Punir Histria de Violncia nas Prises, p. 125-227. 4 O desejo da sociedade perfeita do sculo XVIII tem sua origem nas tcnicas de disciplina, queeramconcebidasapartirdasociedadeidealdadocilidadecoletiva,obtidacomo decorrnciadofuncionamentoharmnicodeumaengrenagemcuidadosamente subordinadadeumamquina.Anormaeopoderregulamentadosobrigavam homogeneidade, mas tambm permitiam medir o desvio.Mas, para alm disso, as cincias fundaram-se na modernidade sob o paradigma dodeterminismo,daidiadequeapartirdoexperimento,apartirdomtodocientfico chegar-se-iaaresultadossempremelhores,emdecorrnciadatendncianaturaldo progresso e do desenvolvimento. Conforme SANTOS11, a partir do modelo de racionalidade do sc. XVI e seguintes, pode-sefalaremumparadigmadominantederacionalidade,consideradacientfica. Nesse contexto, afirma o autor que se constituram as equivocadas idias de neutralidade cientifica e de neutralidade na aplicao das normas jurdicas. Ao que parece, as cincias estiveram neste tempo, cada uma sob o vis de sua especialidade, a servio da disciplina, constituidoras do pensamento dogmtico que sustentou a sociedade moderna. Acrticacontemporneaaoparadigmadaracionalidade,nodeixade reconhecerovalordacincia.Noentanto,aponta,apartirdaexperinciavividapela humanidade at este incio de sculo XXI, que ao pensar-se sobre a evoluo da cincia, v-seanecessidadedarelativizaodeseuspropsitosdedesenvolvimentofrenteaos valores ticos. Assim,aconstataoquesepode fazerdequeoprojetooriginal-aqueledo desenvolvimento cientfico, que levariaa uma condio de melhoramento, de civilizao, dedesenvolvimentoedemelhoraparatodosfezcomqueahumanidadecaminhasse para a sociedade de hoje, deste inicio de sculo, em que as conseqncias de tal modelo so o momento atual. Entrediferentesaspectosaseremdestacadosnacaracterizaodostempos atuais,merecedestaqueodiagnsticofeitoporBAUMAN12.Dizoautorquesetratade

11 SANTOS, Boaventura de Sousa. A Criticada Razo Indolente. Contra o desperdcio da Experincia, p. 60-68. 12 BAUMAN, Zigmunt.O mal-estar da ps-modernidade, p. 53-56. 5 umasociedadecentradanoconsumoenonaproduo,e,aocontrriodoprocesso produtivo,aatividadedeconsumirmeramenteindividual.Noentanto,assimcomoem relaosforasprodutivas,tambmoconsumocolocaosindivduosemcampos opostos,comoconseqnciadaatuaodospoderesdeseduodomercado consumidor.Nestanovaordem,soutilizadosoutrosmtodosparaseuprprio funcionamento e perpetuao uniforme. Paraatingirospadresqueasociedadeconsumidorapromove,aque sebuscar osfinsdiretamente.Opadroestabelecidodeconsumoofimaseralcanado,como uma tarefa individual, para a qual no existem regras especficas regulamentadas. Assim, os fins justificam os meios e amplia-se o espao para a criminalidade crescente. Portanto,acriminalidadenoumprodutode mau funcionamento, muito menos defatoresexternosprpriasociedade:oprprioprodutoinevitveldasociedadede consumidores. Quanto mais elevada a busca do consumidor, mais eficaz ser a seduo do mercadoe mais seguraeprsperasera sociedadedeconsumidores. Todavia ser maior o hiato entre os que desejam e os que podem satisfazer seus desejos. A seduo do mercado , simultaneamente, a grande igualadora e a grande divisora.13 Nessequadro,asregrasdojogodeconvivnciatambmsoditadaspelo consumo.Noexistemmodelos,excetoapoderar-secadavezdemais;noexistem normas, a no ser de aproveitar-se das oportunidades disponveis. Conforme BAUMAN14, existem os jogadores, os jogadores aspirantes e os jogadores incapacitados, que no tm acesso moeda legal. Estes devem lanar mo dos recursos para eles disponveis, sejamlegalmentereconhecidosouno,ouoptarporabandonaremdefinitivoojogo, opo pessoal praticamente impossvel frente fora sedutora do mercado.aopoquerestaquelesdenominadosporCASTEL15comosobrantes: pessoasnormais,masinvlidaspelaconjuntura,quesecaracterizapelasnovas exignciasdacompetitividadeedaconcorrncia,nasociedadeondenohmaislugar para todos.

13 BAUMAN, Zigmunt. Idem, p 55. 14 BAUMAN, Zigmunt. Idem, p 56. 15CASTEL, Robert. As armadilhas da excluso. In: WANDERLEY, Maringela; BGUS, Lcia; YAZBEK, Maria Carmelita. Desigualdade e a Questo Social, p. 29.6 Orefugodojogo,antesdeexplicaoeresponsabilidadecoletiva,corporificada pelo estado de bem-estar, agora somente pode ser definido como individual. As classes perigosassoassimdefinidascomoclassesdecriminosos.E,dessemodo,asprises agora, completa e verdadeiramente, fazem s vezes das definhantes instituies de bem-estar16. Portanto,vive-seumanovaconfiguraodomodelocapitalistade desenvolvimento que da individualizao e do consumismo exacerbado, da venda pela mdia de determinados modelos de vida, de determinadas formas de consumir, as quais, quando praticadas, permitem que s pessoas sintam-se includas a partir da condio que cadaumtenhadeconsumir. Eaquelesquenosoincludosnocontextodeconsumo, no fazem parte desse momento, o qual tambm cada vez mais acelerado. Otempotambmadquiresuasprpriascaractersticasnocontexto:relativo e subjetivo, dependendo da perspectiva e de determinadas condies do sujeito17. Assim, percebidode formadiferenciadaporaquelesquepertencemsociedadedavelocidade, do instantneo, do imediato. J aqueles sobrantes, no includos no modelo, esperam o tempopassar,comomaisumentreosdemaisfatoresdeexcluso.Deoutraparte,as respostasdossegmentosquenoconseguemconsumirnavelocidadedomercado, acabam sendo expresses fora de controle.Portanto,asociedadeindividualistaeatomizadadoinciodosc.XXIsegueseu caminhoindeterminadoesemumnicodestino,emmeioaosriscosque,emboraem intensidadesdiferentes,sodemocraticamentedistribudosatodos,conformeBECK18. Paraoautor,vivemosnumperodoemquenoexistemcertezas,sendoqueessa imprevisibilidadedosriscosdamodernizaojustamenteofatormaisdemocrticode todosostempos.Nessesentido,alertaquenaps-modernidadeaagudizaodas desigualdadessociaisseentrelaacomaindividualizao,demodoqueosgraves problemasdosistemaeascrisessociaissotransformadosecompreendidoscomo

16 BAUMAN, Zigmunt. O mal-estar da ps-modernidade, p.57. 17 LOPES JUNIOR, Aury; BADAR, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razovel . 18 BECK, Ulrich. La sociedad Del Riesgo. Hasta uma nueva modernidad, p. 41-42. 7 elementosrepresentativosdeumfracassopessoal,isto,sovistosenquanto demonstrao de uma crise individual19. Ento,eminterfacecomsociedademiditica,atomizadapeloconsumo, individualista, convive o apelo a solues punitivas. Como refere AZEVEDO20, a partir da reflexopropostaporSILVASNCHES21,vive-seumaverdadeirademandasocialpor mais proteo frente ao incremento da criminalidade, em uma crescente cristalizao de um conceito social, em torno da busca por maior punio. Faz parte do contexto do risco, que domina o cotidiano e atinge a todos, o risco do outro, que se torna precisamente o risco22. Nestequadro,comoprodutoaserconsumidoemmeioatantosoutros,est venda, como soluo para todos os males, a reduo da maioridade penal. Talprodutodeconsumo,da mesma formaqueosoutrosprodutosdisponveis no mercado, conta, como estratgia de marketing, com alguns mitos.ConformeVOLPI23,emrelaoadolescnciaemconflitocomalei,aopinio pblicadasociedadebrasileiracultivatrsmitos,queservemcomojustificativapara aqueles que apontam este grupo populacional como gerador dos problemas em relao segurana pblica. O trplice mito composto, ento, pelo hiper-dimensionamento do problema, pela periculosidade do adolescente e pela impunidade. Os dois primeiros fatores componentes do mito decorrem da manipulao dos dados oficiais, cotidianamente feita pelos meios de comunicao.Aidiaquecostumaserrepassadaopiniopblicadequecadavez mais infraes so cometidas por adolescentes, que tais crimes so em maior volume que os cometidos por adultos e que estes atos infracionais so revestidos de grande violncia.

19 BECK, Ulrich, Idem, p. 117. 20 AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli. Vises da Sociedade Punitiva: elementos para uma sociologia do controle penal. In: GAUER, Ruth Maria Chitt. Sistema Penal e Violncia, p. 53. 21 SILVA SANCHES, Jesus-Maria. Apud. AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli. Idem. Ibidem 22 SILVA SANCHES, Jesus-Maria. Apud. AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli. Idem, p.54. 23 VOLPI, Mrio. Sem Liberdades, Sem Direitos, p.15-16. 8 Emcontrapontoaestasafirmativas,oautoranalisaosdadosdoCenso PenitencirioBrasileiro,realizadopeloMinistriodaJustia24,oqualapontaque,em 1994,havianoBrasiloitentaeoitopresosadultosparacadacemmilhabitantes, enquanto que havia, no mesmo perodo, trs adolescentes internados, cumprindo medida scio-educativa,paracadagrupodecemmilhabitantes.Prossegueafirmandoquetrs anosdepois,em1997,emboratenhahavidoocrescimentodapopulaocarcerria nacional, a proporo entre adultos e adolescentes manteve-se inalterada, autorizando-se afirmarqueoalarmepropagadosobreadelinqnciajuvenilnoencontrarespaldoem dados oficiais. No mesmo sentido, aborda WACQUANT25 ao referir-se realidade americana. Diz oautorqueosrelatriosparlamentaresquesolicitamareduodaidadede imputabilidadepenalnosEstadosUnidostambmsobaseadosemimpresses.No existe,segundooautor,fonteestatsticaquepermitaestimarorejuvenescimentoda delinqnciaousuamaiorprecocidade,sendoqueasestatsticasexistentesno confirmamahiptesedosurgimentonasociedadeamericanadeumadelinqncia especfica, prpria dos menores de idade. Ao analisar-se os dados sobre a violncia que envolve jovens no Brasil contata-se a ausncia de dados, ou dados parciais, que no retratam a realidade nacional.Para alm deste limites, algumas constataes podem ser feitas: na FEBEM de So Paulo tem aumentadoonmerodejovensprivadosdeliberdadenosltimosanos,chegandoem 2006 em cinco mil jovens, quando em 2002 os dados apontavam trs mil jovens presos. NaFundaodeAtendimentoScio-educativodoRioGrandedoSul-FASE,queem 2002tinhamsetecentosjovensprivadosdeliberdade,em2007esto lpresos maisde miljovens.Portanto,pode-seconstatarquetemaumentadoaprivaodeliberdadede jovens no Brasil, assim como tem aumentado o encarceramento da populao em geral. Deoutraparte,aquantidadedejovensprivadosdeliberdadenoBrasil infinitamentemenordoqueaquantidadedeadultosprivadosdeliberdade.Poder-se-ia dizer:soemmenornmeroporqueficamprivadosdeliberdademenostempoqueos adultos!. Esta concluso precisaria ser relativizada: existem pessoas que cumprem pena hbastantetemponosistemaadulto,mastambmtalsistematemumcontingente

24 VOLPI, Mrio. Idem, p.15. 25 WACQUANT, Loc. As prises da misria, p.69. 9 significativo de presos provisrios, que aguardam julgamento. Ou, ainda, um outro grande nmero de presos que cumprem penas, mas que tm ou tiveram direito progresso de regimee,portanto,dereduodotempopreso.Portanto,nopossvelafirmarqueos adultos cumprem mais tempo de pena que os adolescentes, inclusive quando se trata do cometimento dos mesmos crimes. Damesmaforma,discorreoautorarespeitodaequivocadaidiada periculosidadejuvenil.ConformeoslevantamentosestatsticosrealizadosnoPas,o percentual de infraes praticadas por adolescentes perfaz menosde dez por cento dos crimespraticadosporadultos.E,ainda,nouniversodedelitoscometidospor adolescentes,apenasdezenoveporcentosoconsideradosdelitosgraves,como homicdios, latrocniosouestupros,ouseja, menosdedoisporcentodototaldedelitos cometidos. A faceta do trplice mito de que os jovens teriam maior periculosidade, requer que se busque aprofundar um pouco mais a questo proposta. A leitura da Histria da infncia nahumanidadedemonstraqueasociedadeocidentaltemcomocaractersticaser adultocntrica.Ouseja,aperspectivaevolucionistaedeprogresso,apontaquea pessoa atinge seu lugar no mundo na fase adulta. Lugar, a partir do qual, olha o mundo e analisaocomportamentohumano.Assim,aspessoasadultas,emgeral,analisama situaodaviolnciaqueenvolveajuventudedesdeolugardeadulto.Muitodifcil, portanto,compreenderaformadepensaredeagirdosjovens,mesmoquehpouco tempo tenhamos feito parte do universo juvenil. Assim, os comportamentos da juventude vosetornandodiferentesdoesperadopelomundoadulto.Especialmenteocarter impulsivo, a curiosidade, a ousadia, a busca por experincias, por sensaes, a coragem, a condio de fazer as coisas de sua gerao, so caractersticas da juventude de hoje e de todos os tempos e que em todos os tempos causou estranheza ao mundo adulto. Noentanto,simplificaraanlisedetaiscomportamentos,afirmandoqueexiste umapericulosidademaiorqueinerenteafaixaetria,seriaentenderascausasda violnciaqueenvolveajuventudeapartirdeumolharrestritoedeterminista.Tal 10 problemticarequerumaanlisemaiscomplexa,tendoemvistasuascaractersticasno contexto atual, que, conforme SILVA26, seguem a uma dinmica tambm complexa.certoquesevivemmomentosdeintranqilidadenasociedadebrasileira,mas associar a violncia criminal em geral figura dos adolescentes no encontra respaldo na realidade.Ofatoqueosjovensdasperiferiasdasgrandescidadestmtido protagonismonareproduodaviolnciaedacriminalidade,mastambmtmse constitudo em suas maiores vtimas. Dados estatais sobre criminalidade apontam que se vemreproduzindoumverdadeirogenocdiosocial,comoafirmaSOARES27,ondeas maioresvtimassojovenspobres,maisespecificamente,dosexomasculino,nafaixa etria de dezesseis a dezoito anos. Conforme o autor, morrem mais jovens no Brasil hoje dequinzeavinteeumanos,doqueseoBrasilestivesseemguerraesuapopulao jovem tivesse sido enviada para campos de batalha. Segundo o relatrio Naes Unidas de 200628 sobre a violncia contra a criana noBrasil,noanode2000,dezesseiscrianaseadolescentesforamassassinadosem mdia,diariamente.EntreosmortosdiriosnoPas,quatorzeestavamentrequinzee dezoito anos, sendo que nesta faixa etria, o grupo estava composto por 70% de negros. Em realidade, a maior vitima da violncia a prpria juventude, que alvo diariamente de mortesrelacionadasacausasexternas,caracterizadasemgeralporcrimespraticados porarmasdefogo,ououtrasconseqnciasdeformasviolentasdeconvivnciacomo, por exemplo, os acidentes de transito. Nestesentido,cabeabordaramacercadascausasqueconstituemtal problemtica.ASSIS29 refere que as causas da violncia que envolve a juventude no Brasil so divididas entre os nveis estrutural, scio-psicolgico e individual.

26 SILVA, Hlio R. S. A lngua-geral da violncia. In GAUER, Gabriel e GAUER, Ruth. A Fenomenologia da Violncia, p.38. 27 SOARES, Luiz Eduardo; MILITO, Cludia; SILVA, Hlio R. S. Homicdios dolosos praticados contra crianas e adolescentes do Rio de Janeiro. In: ____ e colaboradores. Violncia e Poltica no Rio de Janeiro, p. 190-192. 28 Relatrio das Naes Unidas sobre a Violncia na Infncia Brasileira, 2006, que publica dados cuja fonte primria o Ministrio da Sade. Publicados na Folha de So Paulo, em 15 de outubro de 2006. 29 ASSIS, Simone Gonalves de. Traando caminhos em uma sociedade violenta, p. 22-24. 11 Enquanto nvel estrutural, a autora identifica as circunstncias sociais da vida dos jovens que vm a cometer atos infracionais: a desigualdade social e de oportunidades, a faltade expectativassociais, a desestruturao das instituies pblicas e as facilidades oriundasdocrimeorganizado.Todasessascausasnopodemserencaradasdeforma determinista,noconsiderandoaparticipaoativadossujeitosenvolvidosesuas vontades. No entanto, esses fatores contribuem para a ocorrncia de delinqncia e esto relacionados observao da maior ou menor incidncia de violncia em grupos sociais, que vivem em determinadas circunstncias sociais. O segundo nvel, considerado por ASSIS, o nvel sociopsicolgico. Este conceito sofre influncia das teorias que entendem que a delinqncia juvenil est relacionada com o grau de controle que as instituies, com as quais o jovem tem vnculo, exercem sobre ele como a famlia, a escola, a igreja, as instituies responsveis pela segurana pblica e, de outra parte, o grupo de amigos. Noentanto,paracompreenderaatitudedecadasujeito,nobastaobservaro conjuntodenormasemquefoisocializado,massimsuaperspectivaapartirda interpretaodasnormas.Paraidentificaraatuaosocial,estadeveservistadesdea perspectiva do ator. Conforme LARRAURI30, esta interpretao alia-se teoria do labelling approach, segundoaqualasaesdocotidianoso,portanto,decorrentesdanecessidadedo sujeitoemmanejarassituaesemquesevinserido.Assim,mesmonassociedades atuais,ondehumagrandequantidadedesmbolosenormas,aunidadedeaodos indivduossoosoutrosindivduos.Decorredesseentendimento,portanto,a necessidade de compreender em que condies atuam os indivduos. A partir dessa perspectiva, importa compreender que o desvio existe em resposta, interacionista, ao controle social. Portanto, em vez de estudar o jovem delinqente e seu comportamento,foca-seoestudonosrgosdecontrolesocial,quetmporfuno reprimir a desviao, mas que acabam por produzi-la em grau secundrio.

30 LARRAURI, Elena .La Herencia de la criminoga crtica, p 25-35. 12 O terceiro nvel explicativo abordado por ASSIS31 , portanto, o nvel individual, o qualdecorredeteoriasquecompreendemadesviaojuvenilcomodecorrentede mecanismosinternosdoindivduocomofatoresbiolgicoshereditriosecaractersticas de personalidade, a qual se forma na interao com o meio. Segundoessaconcepo,portanto,soatributosfreqentementerelacionados aos jovens que cometem atos infracionais: a impulsividade, a inabilidadeem lidar com o outro,adificuldadedeaprendercomaprpriaexperincia,ainsensibilidadedordos outros e a ausncia de culpa, fatores que compem diagnsticos de transtornos mentais e desvios de personalidade, transitrios ou no na adolescncia. Para ASSIS32, portanto, somente um modelo terico que congregue os trs nveis explicativoscapazdegerarumconhecimentomaisprofundoerealsobreaviolncia praticada por jovens. As referidas causas somente adquirem sentido na rede de influncia queatuasobrecadasituaoecadaindivduodeumaformanica,levandoaindaem consideraosuavontadeindividualdeassumirdeterminadocomportamentoouas circunstncias fortuitas em que esteve envolvido.Paraquesecompreendataldinmica,precisoconjugaralgunsfatoresque fazempartedomododevidadapopulaoinfanto-juvenilnasgrandesmetrpoles brasileiras, neste incio de sculo33: a)Famlia,escolaecomunidadequenoexercempapelprotetivo:pode-se observarqueamaiorpartedasfamliasdeclassespopulares,quevivemnasgrandes cidades brasileiras, numerosas, chefiadas em sua maioria por mulheres34, e vivem sob umacondiodeestressepermanente,especialmentepelodesafiodiriode sobrevivncia, o que as torna deficientes na promoo de garantias e de proteo. Nesse quadro,osvnculosfamiliaressempreexistem,pormpodemtornar-sepoucoslidos, dependendo do grau de violncia vivenciado dentro de casa. Os referenciais de figuras de autoridadenemsempresopositivos,oquepossibilitaareproduodasrelaes intrafamiliares em outros contextos.

31 ASSIS, Simone Gonalves de. Traando caminhos em uma sociedade violenta, p.22-24. 32ASSIS, Simone Gonalves de. Idem, p. 25.33 Nesse sentido, abordam em suas obras autores como SOARES, Luis Eduardo e ASSIS, Simone Gonalves e BATISTA, Vera Malaguti. 34 ASSIS, Simone Gonalves de. Idem, p. 41-44. 13 b)Faltadeperspectivadeintegraosocialplena,oudeconstituiodeum projeto de vida em que haja sentimento de pertencimento35: no pertencer no se sentir partedasinstituiesounotersuaidentidaderelacionadahistriadestas.Soboutra tica,possvelafirmarqueascrianase,especialmenteosadolescentes, formamsua identidadeapartirdecomoacomunidadeosv.Constituemseusvalorespessoaisa partirdaquiloquevalorizadoemseucontextosocial.Aprendemaconviver coletivamentequandosesentempartedocoletivo,aceitosepertencentes. comose a sociedade e suas instituies fossem espelhos, onde refletida a imagem dos jovens, a qualconstituielementoessencialnaformaodesuaidentidade,aomesmotempoem que o resultado deste reflexo a prpria expresso da identidade social, ou seja, aquilo que se espera dos jovens. c) Estadoausente:autorescomoZALUAR36tmabordadoacercadaausncia, da presena insuficiente, ou da presena clientelista do Estado nas periferias das grandes cidades como causas para a proliferao de formas de estado paralelo, que acabam por controlaravidadaspessoas,sejapelaadesosalternativasdetrabalhopropostas pelasorganizaescriminais,pelaproteoquetaisorganizaesoferecem,ou,ainda, pelo silncio que imposto como meio de sobrevivncia.37 d)Ofertadomundodotrficocomofontederendaimediata:levando-seem considerao as modificaes no mundo do trabalho, os altosndices de desemprego, a baixaescolaridade,asalternativasdesobrevivnciadosjovensdasclassespopulares, muitasvezes,passampelaadesoaomundodotrfico.Fontederendaimediata,que permiteumpadrodeconsumojamaisacessadoatravsmundodotrabalhoformalou informal, a adeso criminalidade no uma atitude determinada aos jovens da periferia, atporquetemseupreotambmdeinseguranaebaixaperspectiva,noentanto, comparada s outras alternativas econmicas acessveis, torna-se uma possibilidade. e)Uso de drogas, trfico e acesso a armas de fogo: o trfico no se restringe ao transporteevendadedrogas,sejadentrodosbairrosdaperiferia,ounoslocaisde moradiaediversodapopulaomaisabastadasocialmente.Omundodasdrogas relaciona,emprimeirolugar,oconsumocomaatividadeeconmicadotrfico.Logoa seguir, a necessidade de obteno das drogas para consumo, ou para ampliar o acesso a outrosbens,fazcomqueosjovensenvolvam-seemoutrasatividadesilcitas,asquais

35 ATHAYDE, Celso; MV Bill; SOARES, Luiz Eduardo. Cabea de Porco. Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 2005.p.163-168. 36 ZALUAR, Alba. A mquina e a revolta. As organizaes populares e o significado da pobreza.37 ZALUAR, Alba, idem, p.141. 14 tambm voevoluindoemgravidadenamedidaemqueevoluiseuenvolvimentocom a droga. Observa-se que a maioria dos atos infracionais de natureza grave, que envolvem o porte ou o uso de armas, est tambm relacionada ao trfico de drogas. f)Status,auto-estimaevirilidadeofertadapelomundodotrfico,portanto, vantagens simblicas no encontradas facilmente em outros espaos sociais: SOARES38 costumaafirmarqueexistemganhossimblicosmaiorescomainseronomundodo trficodo que a atividade econmica paraa sobrevivncia. Na escalada daviolncia, os jovensdaperiferiatmapossibilidadedeganhossubjetivos,quenosopossveisde outromodonavidadasociedadecontempornea.Contraditoriamente,avisibilidade possibilitadapelosmeiosdecomunicaoviolnciaacabaportornarvisveise fortalecidos em sua individualidade rostos que no so assim identificados de outra forma. Aforaadquiridapeloportedearmas,opoderacessadopordentrodahierarquiado trfico,omedoprovocadonaspessoasacabamporfortaleceraauto-estimaea visibilidade destes jovens, constituindo-se em ganhos incomparveis a outras alternativas de sobrevivncia, ou aos ofertados pelas parcas possibilidades de projetos de vida fora da criminalidade. Frentecomplexidadeabordada,aindamerecedestaqueoltimomitoproposto porVOLPI,quedizrespeitocompreensoporpartedaopiniopblicaedecertos segmentossociais,dequealegislaobrasileiraserianegligenteemrelaopunio dos adolescentes que cometem crimes. preciso identificar que faz parte deste conceito, formado ao logo dos anos, um componente significativo de desinformao. Aidiadeimpunidadeestassociadainterpretao,dominantejuntoaosenso comum,dequeaLeidestinadaaosadolescentes,nocasooEstatutodaCrianaedo Adolescente,nocumpreafunosuficientedepunio. Emrealidade, pode-seafirmar queapopulaodesconheceosistemapenaljuvenilcontidonoEstatuto,acabandopor constituir a idia equivocada de que esta Lei branda e protetiva da impunidade.OfatoqueoBrasil,comoamaioriadospasesocidentais,contaemseu ordenamento jurdico com dois sistemas para a responsabilizao daqueles que cometem crimes(ouatosinfracionais):umsistemapenaljuvenil,destinadoaresponsabilizarpor

38 ATHAYDE, Celso; MV Bill; SOARES, Luiz Eduardo. Cabea de Porco. p.163-168. 15 seus atos os adolescentes de doze anos a dezoito anos; e outro, o sistema penal adulto, destinado responsabilizao das pessoas com mais de dezoito anos.ParaAMARALeSILVA39,adiferenadamedidascio-educativaemrelao pena, diz respeito ao tipo de resposta que imputada ao adolescente, no a sua prpria responsabilizao,aqualsed,emnossosistema,perantealegislaoespecial.Os adolescentes, portanto, respondem pelos delitos que praticam, submetendo-se a medidas scio-educativasdecarterpenalespecial.Talcarterjustifica-se,especialmente, porque as referidas medidas so impostas aos sujeitos em decorrncia da prtica de atos infracionais,oucrimestipificadosnaleipenale,ainda,porqueindiscutvelocarter aflitivo dessas medidas, especialmente tratando-se da privao de liberdade. Paraquesepossaimputarumjuzodereprovaoaalgum,necessrioque estejampresentesostrselementosquecompemocrime:tipicidade(aconduta praticadatemqueanteriormenteestarprevistaemumtipopenal);antijuridicidade(a condutapraticadatemquesercontrriaaoconjuntodoordenamentojurdico);e culpabilidade (o sujeito que praticou o crime tem que poder ser responsabilizado pela sua conduta, entre outros fatores precisa ser capaz de responder por sua prtica). A capacidade de culpabilidade chamada de imputabilidade, e o nico elemento conceitual,dopontodevistadoutrinriopenal,diferenciadorentreossistemasde responsabilizao juvenil e adulto. Este conceito essencialmente normativo, visto que a capacidade dos sujeitos est definida em Lei. Imputvelosujeitocapazdealcanaraexata percepodesuacondutaeagircomplena liberdade de entendimento e vontade. Portanto, a imputabilidade oconjuntodequalidadespessoais,asquaisso determinadasnanormapenal,quepossibilitama censura pessoal.40

39 AMARAL e SILVA, Antnio Fernando. O mito da inimputabilidade penal e o Estatuto da Criana e do Adolescente. In: Revista da Escola Superior de Magistratura do Estado de Santa Catarina. P. 263-264. 40BRANDO, Cludio. Introduo ao Direito Penal: anlise do sistema penal luz do princpio da legalidade, p 142. 16 Conforme anlise doutrinria realizada por BRUOL41, existe duas grandes teorias quejustificamadiferenadetratamentodecrianaseadolescentes,quanto responsabilidade.Asdoutrinasdeimputabilidadeemsentidoestrito,queigualama condiodomenordodoentemental,fundamentandoaexceonofatodequeo menornoteriaplenasfaculdadesparacompreenderocarterilcitodesuaconduta, atuando,portanto,segundosuacapacidadedecompreenso.Easdoutrinaspoltico-criminais,queentendemaidadepenalcomoumabarreiraentreossistemasde responsabilidade diante do delito, seja o sistema adulto, ou o sistema juvenil. Estaltimaconcepodoutrinria,segundooautor,divide-seemoutrosdois grupos: os chamados modelos de proteo, que declaram irresponsvel o menor e a ele destinammedidasdeproteoedesegurana;eosquedefendemaaplicaos pessoas menores de idade um modelo penal especial para adolescentes, que contempla sanesespeciaisereconheceemseusdestinatriosumacapacidadedeculpabilidade especial. Define-se, portanto, um limite inferior, a partir dos doze anos, e um limite superior, atosdezoitoanos,paraqueossujeitos,queestoemumafasededesenvolvimento diferenciadadomundoadulto,respondamporumsistemaderesponsabilidadetambm diferenciadodosadultos.So,assim,imputveisperanteseuprpriosistemade responsabilidade. No caso brasileiro, so imputveis perante o Estatuto da Criana e do Adolescente.42 Nesse sentido, tambm se manifesta AMARAL e SILVA: Sendoaimputabilidade(derivadodeimputare)a possibilidade de atribuir responsabilidade pela violao dedeterminadalei,sejaelapenal,civil,comercial, administrativaoujuvenil,noseconfundecoma responsabilidade,daqualpressuposto.(...)Nose confundindo imputabilidade e responsabilidade, tem-se

41BRUNL,Miguel Cilleno. Nulla Poena Sine Culpa. In: Um Limite necesario al catigo penal in Justicia y Derechos Del Nio, p. 70-71. 42 O Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei 8069/90) define em seu art. 104: So penalmente inimputveis os menores de dezoito anos, sujeitos s medidas previstas nesta Lei. 17 queosadolescentesrespondemfrenteaoEstatuto respectivo,porquantosoimputveisdiantedaquela lei.43 Portanto,oelementodaimputabilidadede fatoodiferencialnoqueserefere condiodeculpabilidadedosadolescentesemrelaoaosadultos,etambmo contedodefinitivoquejustificaaseparaoeaexistnciadeumsistemapenal diferenciado para adolescentes. Paraalmdodesconhecimentoporpartedegrandepartedapopulaosobrea existncia de um sistema de responsabilizao juvenil no ordenamento jurdico brasileiro, v-se que existe na opinio pblica que sustenta o mito da impunidade, a idiade que talsistemaseriamaisbrandodoqueosistemaadultoe,principalmente,queapunio previstanaLeiparaadolescentesnoseriasuficienteparafazerfrenteviolnciaque atinge a todos. Quantoaoprimeiroargumento,jdecertaformaabordado,pode-seafirmara partirdeestudoanterior44queosistemapenaljuvenilnomaisbrandooumenos punitivoqueoadulto.Aredaoabertaquepossuemalgunspreceitoslegaisqueesto previstosno EstatutodaCrianaedoAdolescente(Lei8069/90),permiteinterpretaes variadas,quemuitasvezesresultamnofatodequeaatuaopunitivadoEstadoe, portanto,dasociedade,sobreosadolescentesquecometemdelitos,acabasendomais rgidaoumaisefetivadoquesoaspossibilidadeslegaiseasprticasedosistema adulto. Dopontodevistadasegundaargumentaoinsuficinciadepuniofrente violncia-tratou-se,deformaexaustiva,sobreascausasdaviolnciaqueenvolvea juventude e foram demonstradas as razes pelas quais a resposta punitiva no soluo frente a tal realidade. Cabe, no entanto, abordar acerca dos argumentos que sustentam a idiadamaiorprevisolegaldepuniocomosoluo.Oumelhor,aidiadequea

43 AMARAL e SILVA, Antnio Fernando. O mito da inimputabilidade penal e o Estatuto da Criana e do Adolescente In: Revista da Escola Superior de Magistratura do Estado de Santa Catarina, p 263. 44 COSTA, Ana Paula. As Garantias Processuais e o Direito Penal Juvenil.18 previso de pena de privao de liberdade, de segregao social, por mais tempo, seria a soluo para o conjunto da problemtica abordada. Ao longo da Histria da modernidade45, vrias teorias foram elaboradas no sentido dejustificaraspenas,comoestratgiadegestodosconflitospenais,entreasquais merecedestaqueateoriadeprevenogeralnegativa,quepareceestarsendo reproduzidanaargumentaodequecommaisemaiorespenasestar-se-iainibindoa criminalidade juvenil. Aidiadeprevenogeralnegativasustenta-senacrenadequeaexistncia das penas previstas na lei, e sua aplicao aos indivduos que praticam comportamentos consideradosdelituosos,seriapreventivoviolncia.Segundotalidia,aspenas previstasabstratamentenaleieaplicadasexemplificativamenteseriaminibidorasde delitos. BOSCHI46tratadoconjuntodasteoriasjustificadorasdaspenas,seus fundamentoseascrticasporelassofridaspeladoutrinaclssica.Aoabordarsobreos fundamentosdaprevenogeralnegativa,afirmaoautorquealmdadifciljustificativa de punir-se algum, com o objetivo de inibir a prtica de outros47, os efeitos concretos de talpreveno sono mnimoduvidosos,poispressupequetodosconhecemosefeitos da lei nocasoda prtica de certoscomportamentos e deque a pena em si seria o fator inibidor da criminalidade. Como se antes de cometer um delito, as pessoas consultassem a lei e decidissem pratic-lo ou no. Dizoautor48queseapenafosseeficientefatordeintimidao,osndicesde criminalidadenospasesqueadotamapenademorteseriammnimos,aocontrriodo que se verifica na atualidade. Outro exemplo que complementa a ilustrao ao argumento odaLeidosCrimesHediondos49,promulgadanoBrasil,nomesmoanoemque

45Apena,talcomoaconhecemoshoje,umaestratgiapunitivadoestadocaractersticada modernidade, enquanto perodo histrico. Sobre este tema: FOUCAULT, Michael. Vigiar e Punir Histria de Violncia nas Prises. 46 BOSCHI, Jos Antnio Paganella Boschi. Das penas e seus critrios de aplicao. p.105-132. 47 ROXIN, Claus apud. BOSCHI, Jos Antnio Paganella Boschi. Idem, p. 125. 48 BOSCHI, Jos Antnio Paganella Boschi. Idem, p. 129. 49 Lei 8072, de 25 de julho de 1990. 19 tambmofoioEstatutodaCrianaedoAdolescente.Aexistnciadetallegislao, cotidianamentequestionadapeladoutrinaejurisprudnciabrasileiraemrazodesua inconstitucionalidadeemvriospontos,nocontribuiucomareduodaprticados respectivos crimes que pretendia inibir. AZEVEDO50tratadajustificaopunitivanocontextocontemporneo.Parao autor, tal justificativa est embasada na teoria atuarial, ou gerencial, mecanismos que por meio da expanso do sistema penalpretendem fazer frentes caractersticas atuais daviolncia. Ossetoresresponsveispelaspolticasneo-conservadorasdecombateao delitopartiriamdapremissadequeinevitvelorisco,inerentesociedadeatual. Restaria,portanto,apenaspossvelgerenciarodelitoesuasconseqncias, abandonando,assim,odiscursocorrecionalista,ouodebateacercadascausasda violncia. Ateoriaatuarialestariabaseadananoodequeapessoaquecometeos delitos,pessoaracionalamoral,fariatalprticaapartirdelivreeracionalescolha.A forma escolhida para o combate a tal deciso seria a dissuaso do delinqente, mediante o aumento do preo pago pelo delito, do risco a ser enfrentado ao assumir-se tal prtica, ou da sua simples conteno. O Estado neoliberal no pretende reeducar, ressocializar, corrigir ou prevenir, como pretendeu o Estado-social. Os novos fins do sistema penal so os estritamente orientados punio.51 Diante de todo o exposto, v-se que se est a conviver com vrias justificaes paraareduodaidadepenal,quepercorremocaminhoquepartedeproposies ingnuas e simplistas para problemas complexos, passa pela falta de informao e chega proposiopunitiva,comoperspectivaneo-conservadoranasoluodosconflitos enfrentados na realidade contempornea. Noentanto,emumaperspectivaemancipatria,devalorizaodavidaede inclusosocialdajuventudebrasileira,asoluonopodeseroutrasenoviabilizar formas de garantir polticas publicas, gerao de renda, projeto de vida, visibilidade social positiva, acolhimento, reconhecimento e pertencimento social.

50 AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli. Vises da Sociedade Punitiva: elementos para uma sociologia do controle penal. In: GAUER, Ruth Maria Chitt. Sistema Penal e Violncia. p.58-60. 51 AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli. Idem, p.60. 20 Odesafiopareceserdesenvolverestratgiasparapotencializariniciativasque esto sendo praticadas pelos diversos movimentos, mobilizaes, experincias positivas, por vezes isoladas, mas que podem ser percebidas em todos os cantos deste Pas. Tais iniciativas no constituem um projeto pronto e acabado de soluo do problema, mas tm em comum o rompimento com a indiferena e com a hipocrisia, alm da necessidade da atuao de todos os segmentos sociais no sentido de melhorar a realidade da juventude, oquetemcomosignificadonoapenasumaperspectivadeprojetoparaajuventude, mas para todos. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS: AMARALeSILVA,AntnioFernando.OmitodainimputabilidadepenaleoEstatutoda CrianaedoAdolescente.In:RevistadaEscolaSuperiordeMagistraturadoEstadode Santa Catarina, v. 5 , AMC, Florianpolis, 1998. ASSIS,SimoneGonalvesde.Traandocaminhosemumasociedadeviolenta.Riode Janeiro: FIOCRUZ, 1999. ATHAYDE,Celso;MVBill;SOARES,LuizEduardo.CabeadePorco.RiodeJaneiro: Editora Objetiva, 2005. AZEVEDO,RodrigoGhiringhelli.VisesdaSociedadePunitiva:elementosparauma sociologiadocontrolepenal.In:GAUER,RuthMariaChitt.SistemaPenaleViolncia. Rio de janeiro: Lmen Jris, p. 43-62, 2006. BAUMAN, Zigmunt. O mal-estar da ps-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. BECK,Ulrich.LasociedadDelRiesgo.Hastaumanuevamodernidad.BuenosAires, Paids, 1998. BOSCHI, Jos Antnio Paganella Boschi. Das penas e seus critrios de aplicao. 3ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. BRANDO,Cludio.IntroduoaoDireitoPenal:anlisedosistemapenalluzdo princpio da legalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2002. BRUNL, Miguel Cilleno. Nulla Poena Sine Culpa. Um Limite necesario al catigo penal in JusticiayDerechosDelNio.In:JusticiayDerechosdelNio.BuenosAires:UNICEF, FundodelasNacionesUnidasparalaInfancia,OficinadereaparaArgentina,Chiley Uruguay,n 3, p.65-75, 2001. 21 CASTEL,Robert.Asarmadilhasdaexcluso.In:WANDERLEY,Maringela;BGUS, Lcia;YAZBEK,MariaCarmelita.DesigualdadeeaQuestoSocial.SoPaulo:EDUC, 1997. COSTA,AnaPaula.AsGarantiasProcessuaiseoDireitoPenalJuvenil.PortoAlegre, Livraria do Advogado, 2005. FOUCAULT,Michael.VigiarePunirHistriadeViolncianasPrises.12ed., Petrpolis: Vzes, 1995. GIDDENS,Anthony;BECK,UlricheLASH,Scott.ModernizaoReflexiva.SoPaulo: UNESP, 1997. KARAN, Maria Lcia. De Crimes, Penas e Fantasia, 2 ed., Rio de Janeiro: Luam, 1993. LARRAURI,Elena.LaHerenciadelacriminogacrtica,2ed.Madrid:SigloXXIde Espaa Editores, 1991. LOPES JUNIOR, Aury; BADAR, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razovel. Rio de Janeiro: Lumens Jris, 2006. RelatriodasNaesUnidassobreaViolncianaInfnciaBrasileira,2006.Dados publicados no Jornal Folha de So Paulo, em 15 de outubro de 2006. SANTOS,BoaventuradeSousa.ACriticadaRazoIndolente.Contraodesperdcioda Experincia. 3 ed. So Paulo: Cortez, 2001. SILVA, Hlio R. S. A lngua-geral da violncia. In: GAUER, Gabriel e GAUER, Ruth. A Fenomenologia da Violncia. Curitiba: Juru Editora, 2000. SOARES,LuizEduardo;MILITO,Cludia;SILVA,HlioR.S.Homicdiosdolosos praticadoscontracrianaseadolescentesdoRiodeJaneiro.In:____ecolaboradores. Violncia e Poltica no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumar, ISER, p. 189-215, 1996. TERRA,EugnioCouto.Aidademnimacomoclusulaptrea.In:Arazodaidade: mitos e verdades. Braslia: MJ/SEDH/DCA, p.30-69, 2001. VOLPI, Mrio. Sem Liberdades, Sem Direitos. So Paulo: Cortez, 2001. WACQUANT, Loc. As prises da misria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. ZALUAR,Alba.Amquinaearevolta.Asorganizaespopulareseosignificadoda pobreza. Brasiliense, 2 ed. So Paulo: 1994.