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REFERÊNCIA OFÍCIO DESIG/GABIN - 2008-026 - PROCESSO CVM RJ2005/3093 - REUNIÃO DO COLEGIADO N° 40/08 INTERESSADO' COLEGIADO EMENTA 1. A regulação do mercado financeiro nacional demanda uma atuação conjunta e coordenada da Comissão de Valores Mobiliários - CVM e do Banco Central do Brasil - BACEN. 2 O sigilo das operações financeiras, segundo entendimento consolidado na doutrina e jurisprudência pátrias, é uma projeção do direito à intimidade e vida privada expressamente tutelado no art. 5 o , X e XII. da Constituição da República 3. No sistema constitucional brasileiro não há direito ou garantia que se revistam de caráter absoluto; ou são relativizados peio legislador infraconstitucional segundo o principio da proporcionalidade e razoabilidade ou devem ser ponderados no caso concreto segundo esses mesmos princípios. Os direitos fundamentais devem ser relativizados diante do interesse público, do interesse social e do interesse da Justiça 4 Nas hipóteses em que lei complementar disciplinar matéria não reservada a esta espécie normativa, será considerada materialmente ordinária e poderá ser modificada ou revogada por lei ordinária posterior.

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REFERÊNCIA OFÍCIO DESIG/GABIN - 2008-026 - PROCESSO CVM RJ2005/3093 -

REUNIÃO DO COLEGIADO N° 40/08

INTERESSADO' COLEGIADO

EMENTA

1. A regulação do mercado financeiro nacional demanda uma atuação

conjunta e coordenada da Comissão de Valores Mobiliários - CVM e do

Banco Central do Brasil - BACEN.

2 O sigilo das operações financeiras, segundo entendimento consolidado

na doutrina e jurisprudência pátrias, é uma projeção do direito à

intimidade e vida privada expressamente tutelado no art. 5o, X e XII. da

Constituição da República

3. No sistema constitucional brasileiro não há direito ou garantia que se

revistam de caráter absoluto; ou são relativizados peio legislador

infraconstitucional segundo o principio da proporcionalidade e

razoabilidade ou devem ser ponderados no caso concreto segundo

esses mesmos princípios. Os direitos fundamentais devem ser

relativizados diante do interesse público, do interesse social e do

interesse da Justiça

4 Nas hipóteses em que lei complementar disciplinar matéria não

reservada a esta espécie normativa, será considerada materialmente

ordinária e poderá ser modificada ou revogada por lei ordinária

posterior.

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5. As disposições da Lei Complementar n° 105, de 2001 e da Lei n°

6 385, de 1976 autorizam o intercâmbio de informações resguardadas

por sigilo entre a CVM e o BACEN.

6 O intercâmbio de informações sobre operações no mercado financeiro

resguardadas pelo sigilo entre a CVM e o BACEN independem de

expressa previsão legal posto que não implicam quebra de sigilo, mas

tão-somente transferência do sigilo entre entidades públicas

visceralmente ligadas.

7 Constituem informações resguardadas por sigilo, nos termos da Lei

Complementar n° 105/01. as informações sobre operações realizadas

no mercado de valores mobiliários que forneçam a identificação da

contraparte da operação, exceto na hipótese de operações realizadas

no mercado de balcão e levadas a registro junto às entidades

operadoras do mercado pela própria entidade submetida à supervisão

e fiscalização do Banco Central do Brasil, nas quais as partes

conhecem as contrapartes.

8. Estão resguardadas pelo sigilo as informações sobre operações com

valores mobiliários realizadas por quaisquer empresas não-financeiras

controladas direta ou indiretamente pelas instituições financeiras

supervisionadas, bem como as posições dos fundos de investimento

que tenham cotas detidas pelas instituições supervisionadas e suas

empresas não-financeiras controladas.

9. Impossibilidade de efetivo intercâmbio de informações entre a CVM e o

BACEN, inclusive quanto ao mencionado no item 8, até que haja uma

alteração da Lei Complementar n° 105/01 ou mudança no atual e

respeitável posicionamento do BACEN acerca da matéria.

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CONSULTA:

1 O Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários - CVM solicita desta Procuradoria

Federal Especializada - PFE/CVM a emissão de um parecer com a finalidade de

esclarecer a fundamentação da decisão tomada na Reunião do Cólegiado n° 40/08.

realizada em 21 de outubro de 2008, sobre pleito do Banco Central do Brasil - BACEN

relativo à ampliação da decisão do Colegiado de 04 de julho de 2006, que autorizou a

remessa de informações sobre operações realizadas por suas entidades fiscalizadas no

mercado de valores mobiliários.

2. Em consulta dirigida a esta autarquia, o Banco Central do Brasil solicitou que fossem

enviados novos ofícios à Câmara de Liquidação e Custódia - CETIP, à Bolsa de Valores.

Mercadorias e Futuros - BMF&BOVESPA e à Companhia Brasileira de Liquidação e

Custódia - CBLC. autorizando-as a remeter ao Banco Central do Brasil informações sobre

operações envolvendo valores mobiliários realizadas por quaisquer empresas não-

financeiras controladas direta ou indiretamente pelas instituições financeiras

supervisionadas, bem como as posições dos fundos de investimento que tenham cotas

detidas pelas instituições supervisionadas e suas empresas não-financeiras controladas.

3 O Banco Central do Brasil compromete-se, por outro lado, com o- intuito de também

aproveitar os fluxos de informações já constituídos, a disponibilizar os dados cadastrais

das empresas controladas pelas instituições financeiras, bem como dos fundos nos quais

as empresas supervisionadas possuem cotas, tendo em vista as informações recebidas

com base no disposto na Circular n° 2.981, de 28 de abril de 2000, com a redação dada

pela Circular n° 3 000, de 24 de agosto de 2000. e a obrigatoriedade de registro das

carteiras ativas e passivas das instituições supervisionadas, conforme prescrito nas

Resoluções n° 24 de março de 2005, e 3.307, de 31 de agosto de 2005, na Circular n°

3.282. de 28 de abril de 2005, e na Carta Circular n° 3.243. de 2 de outubro de 2006.

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4. Não obstante os respeitáveis fundamentos de notória tese contrária, adotada pelo

Banco Centrai do Brasil e. em que pese a existência de grande controvérsia doutrinária

acerca do tema ora em análise, esta autarquia vem sustentando o entendimento no

sentido de que o proprio texto da aplicável Lei Complementar n° 105/01 autoriza a CVM e

o BACEN a intercambiarem informações sob sigilo obtidas no seu mister reguiatório.

especialmente em razão da edição da Lei n° 10.303/01. que deu nova redação ao art. 28

e acrescentou um parágrafo único ao mesmo artigo da Lei n° 6.385/76, o qual estabelece

que o sigilo não pode ser oposto pela CVM ou pelo BACEN para inviabilizar o intercâmbio

de informações entre as autarquias.

5 No entanto, como o BACEN não comunga do entendimento acima, a sua posição,

antes de tudo por razões de lógica, vem prevalecendo na relação entre as autarquias, e

inviabilizando o efetivo intercâmbio de informações entre elas. conforme, s.m.j.,

preconizam expressamente os arts. 28 da Lei n° 6.385/76 e 7o. parágrafo único, da Lei

Complementar n° 105/01.

6. Os óbices atuais à permuta de informações sob sigilo entre esta Comissão de Valores

Mobiliários e o Banco Central do Brasil restringem-se àquelas informações que fogem ao

escopo do especificamente previsto no parágrafo único do art. 7o da Lei Complementar n°

105/01 (troca de informações quanto a resultados de inspeções, inquéritos e

penalidades). Sem prejuízo do acima exposto, apos debates empreendidos no âmbito do

Convênio CVM/BACEN, o Colegiado da CVM decidiu, em 04 de julho de 2006,

encaminhar ofício-circular à Bovespa. BM&F e CETIP, autorizando a remessa de

informações ao BACEN. que devem observar, no máximo, o mesmo nível de

detalhamento disponibilizado aos titulares dos valores mobiliários objeto das operações

cursadas nas citadas entidades. Foi ressaltado ainda que essas entidades não poderiam

fornecer a identificação da contraparte da operação, exceto na hipótese de operações

realizadas no mercado de balcão e levadas a registro junto ás entidades operadoras do

mercado pela própria entidade submetida à supervisão e fiscalização do Banco Central do

Brasil, nas quais as partes conhecem as contrapartes.

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7 Ocorre que o fornecimento de outras informações, mais abrangentes que as )á

autorizadas anteriormente pela CVM e que estão sendo ora pleiteadas pelo Banco Central

do Brasil, extrapola os atuais limites legais e lógicos do intercâmbio de informações

abrangidas pelo que expressamente dispõe a Lei Complementar n° 105/01, entre as

autarquias, considerando-se, inclusive, a base de sustentação de notórias e reiteradas

manifestações do BACEN acerca do tema. Destarte, apenas uma alteração legislativa (e

já existem algumas iniciativas nesse sentido, inclusive um importante fruto de trabalho

conjunto realizado pela CVM e pelo BACEN no âmbito de proposta de alteração da Lei

Complementar n° 105/01 aprovada por unanimidade pelo Comitê, de Regulação e

Fiscalização dos Mercados Financeiros, de Capitais, de Seguros, de Previdência e de

Capitalização - COREMEC) ou a revisão do atual posicionamento jurídico do BACEN

acerca da matéria teria o condão de afastar o óbice ao acesso a tais informações.

BREVES COMENTÁRIOS ACERCA DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

8 O Sistema Financeiro Nacional pode ser entendido como um conjunto de instituições

financeiras e instrumentos financeiros que visam, em última análise, permitir a realização

de fluxos de fundos entre tomadores e poupadores de recursos na economia, ou melhor,

entre os agentes econômicos (pessoas, empresas, governo) superavitários' e os

deficitários. 1

9 Ele foi estruturado e regulamentado pela Lei de Reforma Bancária (Lei n° 4.595/64) e

pela Lei de Mercado de Capitais (Lei n° 4.728/65) Pode-se dizer que a esta última lei

praticamente inaugurou a regulação do mercado de capitais brasileiro, estabelecendo

medidas para o seu desenvolvimento, tendo conferido ao Banco Central do Brasil -

1 ASSAF Neto, A lexandre. Mercado Financeiro. 8a Ed. São Paulo: Ed i tora At las S.A., 2008

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BACEN, então recentemente criado pela Lei n° 4.595/64, a competência para regular o

mercado de capitais brasileiro.

10 Dez anos mais tarde, em 1976. foi editada a Lei n° 6.385. que novamente dispôs

sobre o mercado de valores mobiliários, criando a CVM e atribuindo-lhe a competência

para a regulação do mercado. Transferiu-se à CVM. pois. a missão antes a cargo do

BACEN. Desse modo, a ordem jurídica optou por dividir a atribuição de regulação do

sistema financeiro entre duas entidades reguladoras distintas, cabendo ao Banco Central

do Brasil - BACEN regulamentar o sistema financeiro bancário, monetário e creditício, e à

CVM regular o mercado de valores mobiliários.

11 Em que pese a regulação do sistema financeiro ficar a cargo de diversas entidades ; a

exemplo da CVM e do BACEN. é preciso deixar claro que a descentralização

administrativa não decorre de decisão arbitrária ou de mero capricho do legislador Pelo

contrário, a setorização da regulação econômica e, conseqüentemente, das entidades

incumbidas de desenvolver a regulação decorre da necessidade de o Poder Público fazer

face à regulação de uma sociedade pluralista, caracterizada por atividades econômicas

cada vez mais complexas, técnicas e especializadas3.

12 Entretanto, a boa regulação do sistema financeiro nacional depende do trabalho

coordenado das suas entidades reguladoras, sob pena de a descentralização, em vez de

ajudar, atrapalhar a eficiente regulação pretendida. Destarte, deve ser cada vez mais

aprimorada a atuação coordenada e harmônica entre a CVM e o BACEN, que são

entidades com objetivos convergentes, com a finalidade de permitir-lhes aprimorar o

cumprimento de suas missões institucionais de forma a promover, por via de

conseqüência, o desenvolvimento do país.

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O SIGILO BANCÁRIO E A RELATIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

13. Não obstante inexistir na Carta Constitucional de 1988 previsão expressa do sigilo das

operações de instituições financeiras, a ampla maioria da doutrina especializada, bem

como a jurisprudência de nossos Tribunais Superiores propagam ser o sigilo das

operações de instituições financeiras corolário do direito fundamental â preservação da

intimidade e privacidade, expressamente previsto no art. 5o. X e XII. da Constituição da

Republica, in verbis

"Art. 5o Todos são iguais perante a lei. sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

Pais a inviolabilidade do direito à vida. à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das

pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou

moral decorrente de sua violação:

(...)

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações

telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último

caso. por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer

para fins de investigação criminal ou instrução processual penal:

14 Trata-se. pois. de uma das projeções específicas do direito à intimidade e a vida

privada no campo econômico e financeiro, de forma a garantir ao cidadão que não será

dada publicidade á movimentação de sua conta bancária e aplicações financeiras"

oponivel. em principio, a qualquer outro particular, bem como ao Poder Público

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15 Neste sentido a opinião de Roberto Quiroga Mosquera5, senão vejamos:

'Do exposto até aqui. é evidente que o direito ao sigilo bancário

representa uma espécie de direito à privacidade

É incontroverso que os dados e informações de natureza bancária

dizem respeito á intimidade e à vida privada dos cidadãos Dados

que dizem respeito ao valorem dinheiro depositado em contas correntes

bancárias. tipos e características de aplicações financeiras, ganhos e

prejuízos auferidos ou incorridos em operações bursáteis etc., são. sem

sombra de dúvida, elementos particulares e pessoais de qualquer

indivíduo.

Utilizando outra voz: informações que tocam no aspecto financeiro

humano representam direito íntimo e personalíssimo, devendo ser

mantidas em sigilo por aqueles que eventualmente as detenham em

razão da sua atividade profissional. Parece-nos que tal conclusão é de

clareza inconteste.

Não tem sido outra a posição da doutrina mais abalizada do País e da

jurisprudência dominante." (Grifo nosso)

16 Este também é o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal

de Justiça, nos termos dos arestos abaixo transcritos:

"CONSTITUCIONAL. SIGILO BANCÁRIO: QUEBRA.

ADMNISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO. CF. ART. 5° X.

I. Se é certo que o sigilo bancário, que é espécie de direito à

privacidade, que a Constituição protege — art. 5.°, X — não é um

direito absoluto, que deve ceder passo diante do interesse público,

do interesse social e do interesse da justiça, certo e. também, que

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ele há de ceder na forma e com observância de procedimento

estabelecido em lei e como respeito ao princípio da razoabilidade. (...)

II - R. E. não conhecido."

(STF, RE 219.780-5 PE, Segunda Turma, Relator Ministro Carlos

Velloso, por unanimidade, julgado em 13/04/99, DJ de 10/09/99)

"O sigilo bancário, o sigilo fiscal e o sigilo telefônico...ainda que

representem projeções específicas do direito à intimidade, fundado

no art. 5o, da Carta Política - não se revelam oponiveis. em nosso

sistema jurídico, às Comissões Parlamentares da Inquérito...".

(MS 23452/RJ Publicado no DJ de 12.05.00, pp. 00020, ementa, volume

01990-01, pp. 00086.)

SIGILO BANCÁRIO. DIREITO À PRIVACIDADE DO CIDADÃO

QUEBRA DO SIGILO. REQUISITOS LEGAIS RIGOROSA

OBSERVÂNCIA. A ordem jurídica autoriza a quebra do sigilo bancário,

em situações excepcionais. Implicando, entretanto, na restrição do

direito à privacidade do cidadão, garantida pelo princípio constitucional,

é imprescindível demonstrar a necessidade das informações solicitadas,

com estrito cumprimento das condições legais autorizadoras."

(STJ - Resp. 124.272/RO - Rei. Min. Hélio Mosimann - J em

11 12.1997 - D J 02.02.1998 - BIJ 174/ 13.631)

17 É cediço contudo, que a Constituição da República é um documento dialético, que

consagra valores e interesses contrapostos, próprios de uma sociedade pluralista e de um

sistema pluripartidário6. A Carta Fundamenta! de um Estado, sobretudo quando

promulgada em via democrática, é o produto dialético de crenças, interesses e aspirações

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distintas quando não colidentes. Embora expresse um consenso fundamental quanto a

determinados princípios e normas, o fato e que isso não apaga "o pluralismo e

antagonismo de idéias subjacentes ao pacto fundador".'

18. Como conseqüência, não é incomum a colisão de normas constitucionais e a

existência de tensão entre normas contrapostas, que deverão ser sopesados em cada

caso concreto. O intérprete tem o dever de buscar a conciliação possível entre

proposições aparentemente antagônicas buscando jamais anular integralmente uma em

favor da outra, sempre se balizado no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade.

19 Não é por outra razão que se diz que os direitos e garantias fundamentais

consagrados pela Constituição da República não são ilimitados, uma vez que encontram

seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna 8 E por isso

que hoje é indiscutível que no sistema constitucional brasileiro não há direitos e garantias

que se revistam que caráter absoluto

20. De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal "râzões de relevante

interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades

legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de

medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os

termos estabelecidos pela própria Constituição"5

21 Neste sentido os ensinamentos do I. Ministro Celso de Mello em voto proferido em

interessante julgado do Pleno do STF:

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"Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias

gue se revistam de caráter absoluto, mesmo porgue razões de

relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de

convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente,

a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das

prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os

termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto

constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a

que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa

- permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica,

destinadas, de um lado. a proteger a integridade do interesse social e.

de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois

nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem

pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros."

(MS 23.452/RJ, DJ 12.05.00) (Grifo nosso)

22 Os nossos tribunais superiores têm se manifestado reiteradamente sobre a

relatividade do direito ao sigilo bancário, destacando ainda a possibilidade de a legislação

infraconstitucional (ordinária ou complementar) estabelecer as hipóteses em que os

direitos fundamentais merecem limites, em nome do interesse público, do interesse social

ou do interesse da Justiça:

"CONSTITUCIONAL. SIGILO BANCÁRIO: QUEBRA

ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO CF. ART 5° X

I Se é certo que o sigilo bancário, que é espécie de direito à

privacidade, gue a Constituição protege art. 5o, X não é um direito

absoluto, gue deve ceder diante do interesse público, do interesse

social e do interesse da Justiça, certo é, também, gue ele há de

ceder na forma e com observância de procedimento estabelecido

em lei e com respeito ao principio da razoabilidade. No caso. a questão

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foi posta, pela recorrente, sob o ponto de vista puramente constitucional,

certo, entretanto, que a disposição constitucional é garantidora do

direito, estando as exceções na norma infraconstitucional.

II. R.E. não conhecido."

(STF, RE 21.9780/PE. Rei. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma,

votação unânime. DJ de 10.09.1999 p. 023).

"MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA.

PROCEDIMENTO LEGAL OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO DO

BRASIL.

1. Controvérsia decidida à luz de normas infraconstitucionais. Ofensa

indireta à Constituição do Brasil.

2. O sigilo bancário, espécie de direito à privacidade protegido pela

Constituição de 1988, não é absoluto, pois deve ceder diante dos

interesses público, social e da Justiça. Assim, deve ceder também

na forma e com observância de procedimento legal e com respeito

ao princípio da razoabihdade. Precedentes.

3. Agravo regimental a que se nega provimento."

(STF, AI-AgR 655298/SP. Rei. Min. Eros Grau, Segunda Turma,

julgamento 04.09.2007)

"Nesse contexto, no sítio de comentários gerais torna-se conveniente

altear que. com raízes na antiga história, progressivamente o sigilo

bancário, à luz do direito à intimidade, alcançou a planura de direito

subjetivo constitucional (art. 5o. X, CF).

(...)

Pois bem, são fortes as indicações de que o sigilo bancário não

tem a natureza de direito absoluto, cedendo diante dos interesses

público, social e da Justiça, cônsono palmeia a compreensão

pretoriana: inter alia. STF. RMS 15.925 - Rei. Ministro Gonçalves de

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Oliveira; RE 71.640-BA - Rei. Min. Djaci Falcão, in RTJ 59/571: MS

1.047-Rei. Min. Ribeiro da Costa, in Rev. For. 143/1.54; RE 94.608-SP,

Rei. Min. Cordeiro Guerra, in RTJ 110/195.

(...)

Outrossim, desponta que o excelso Supremo Tribunal Federal

reconheceu a plena compatibilidade jurídica, da "quebra do sigilo

bancário", autorizado pela Lei n° 4.595/64 (art. 38), com a norma

inscrita no art. 5o. X e XII.

(...)

Nessa perspectiva, aceitando-se que o pedido malsinado prendeu-se a

consecução de urgente ato preparatóho. como vertente para informar

inquéritos civil e penal, antes distribuídos ao Juiz da ação, não se

compraz a realidade impedir que o Juiz do setor de inquéritos proceda

funcionalmente, apreciando requerimento do Ministério Público, com o

fito de instruir peça instrumental informativa, ainda a descobeilo do

contraditório e plenamente compatibilizada com os direitos inscritos

no art. 5o, X e XII, Constituição Federal (Ag. Reg.em Inquérito n° 897

- STF)."

(STJ, RMS 7.423 e 7.424. Primeira Turma, por unanimidade, trecho do

voto do Relator Ministro Milton Luiz Pereira, julgado em 12/06/97, DJ de

03/11/97)

23 Para corroborar o entendimento consagrado na jurisprudência, convém transcrever

lição de Carlos Roberto Siqueira Castro'0:

"Com efeito, o sigilo bancário não é princípio absoluto O Egrégio

Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Segurança n°

1.047. determinou-lhes os limites: "Os bancos não se podem eximir de

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ministrar informações, no interesse público, para o esclarecimento da

verdade, essenciais e indispensáveis ao julgamento das demandas

submetidas ao poder judiciário" (Revista Forense, vol 143. p 154) Do

mesmo modo, "a Justiça, na investigação dos crimes, tem direito de

romper o segredo profissional" (voto do Ministro Mário Guimarães,

proferido na decisão do Mandado de Segurança n° 1.959, publicado na

RDA. vol. 5. pág 314). Mas a despeito disso, as diligências a se

processarem "in casu" hão de obedecer a requisitos especiais' que.

numa palavra, são a garantia do próprio sigilo. O sigilo não è

estabelecido para ocultar fatos, mas para revestir a revelação deles

de caráter de excepcionalidade " (Grifo nosso)

24. Dessarte. pelo até então exposto, o direito ao sigilo bancário, assim como todos os

outros direitos e garantias constitucionalmente consagrados, é relativo, pois o

ordenamento jurídico, como se infere da própria terminologia, consiste numa ordem de

direitos, os quais devem conviver harmoniosamente, sem que a pratica de um inviabilize

por completo o exercício de outros

2.5 Com efeito, o direito ao sigilo bancário, conquanto seja fundamental, e essencialmente

privado ', não correspondendo diretamente ao interesse da coletividade. Assim, em

eventual tensão, em caso concreto, entre os interesses privado e público, realizada a

devida ponderação, este último prevalecerá, excepcionando-se o direito ao segredo das

informações sobre operações financeiras. 2

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26 O direito ao sigilo sobre operações financeiras, como qualquer outro direito

fundamental não é absoluto, sendo limitado pelas demais prerrogativas constantes na

Constituição bem como pelas normas infraconstitucionais 3 que delimitam o seu sentido.

O SIGILO BANCÁRIO NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

27 A Lei n° 4.595. de 31 de dezembro de 1964, instituidora do sistema monetário

nacional, também conhecida como Lei da Reforma Bancária, criou o Banco Central do

Brasil e foi o primeiro diploma legal a disciplinar expressa e extensivamente o sigilo

bancário no Brasil14

28 O principal dispositivo desta lei, no que se refere à disciplina do sigilo de operações

financeiras era o art. 38. cujo caput dispunha que "as instituições financeiras conservarão

sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados" Contudo, dizia-se que

essa lei tinha adotado o sigilo bancário moderado posto que. não obstante reconhecesse

o direito, o mesmo era excepcionado pelos parágrafos 1o a 6o do artigo 38

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29 Ressalte-se ainda que o art. 37 da Lei n° 4.595/64 reconhecia ao Banco Central do

Brasil - BACEN amplo acesso às informações sigilosas sobre operações financeiras das

instituições sujeitas à sua regulação:

"Art. 37 - As instituições financeiras, entidades e pessoas referidas nos

arts. 17 e 18 desta Lei. bem como os corretores de fundos públicos,

ficam obrigados a fornecer ao Banco Central do Brasil, na forma por ele

determinada, os dados ou informes julgados necessários para o fiel

desempenho de suas atribuições."

30 Posteriormente, a Lei n° 4.797. de 14 de julho de 1965, que disciplinou o mercado de

capitais, também atribuiu ao Banco Central do Brasil16 o poder de examinar livros e

documentos das instituições financeiras, obrigando-as a prestar informações e

esclarecimentos que lhes fossem solicitados por aquele agente regulador.

31. Em dezembro de 1976. foram editadas a Lei n° 6.404/1976 - conhecida como a Lei

das Sociedades por Ações - e a Lei n° 6.385/1976, que criou a Comissão de Valores

Mobiliários, para exercer as funções de órgão regulador e fiscalizador do mercado de

valores mobiliários, as quais, até então, eram atribuições do BACEN.

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32. A finalidade do legislador foi distribuir a competência normativa e fiscalizadora a ser

exercida pelo mercado entre duas entidades, cabendo ao Banco Central do Brasil a

disciplina do sistema financeiro bancário, monetário e creditício e á Comissão de Valores

Mobiliários, especificamente, aquela relacionada ao mercado de valores mobiliários'

33 O art. 9.° da Lei n° 6.385/76, de forma similar àquela prevista na Lei n° 4.797/65,

reconhecia à CVM o amplo acesso às informações sigilosas mantidas pelas instituições

financeiras sujeitas à sua regulação

"Art. 9o A Comissão de Valores Mobiliários terá jurisdição em todo o

território nacional e no exercício de suas atribuições, observado o

disposto no art. 15, § 2.° poderá:

I - examinar registros contábeis, livros ou documentos:

a) das pessoas naturais e jurídicas que integram o sistema de

distribuição de valores mobiliários (art. 15):

b) das companhias abertas:

c) dos fundos e sociedades de investimento:

d) das carteiras e depósitos de valores mobiliários (arts. 23 e 24):

e) dos auditores independentes:

f) dos consultores e analistas de valores mobiliários:

g) de outras pessoas quaisquer, naturais ou jurídicas, que participem do

mercado, ou de negócios no mercado, quando houver suspeita fundada

de fraude ou manipulação, destinada a criar condições artificiais de

demanda, oferta ou preço dos valores mobiliários.

II - intimar as pessoas refehdas no inciso anterior a prestar informações

ou esclarecimentos, sob pena de multa:"

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34 Com essas previsões normativas podemos afirmar que mesmo antes da edição da Lei

Complementar n° 105/2001. a legislação infraconstitucional buscava relativizar o direito ao

sigilo de operações financeiras de forma a permitir que as autarquias reguladoras do

sistema financeiro tivessem as informações indispensáveis ao cumprimento de seu

mister.

35 Com efeito, já era reconhecido à CVM e ao BACEN o amplo acesso às informações

sigilosas mantidas pelas instituições financeiras sujeitas à sua respectiva regulação.

Ademais, o art. 28 da Lei n° 6.385/76 aludia expressamente ao intercâmbio de

informações entre a CVM e o BACEN, senão vejamos:

"Art. 28 O Banco Central do Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários e

a Secretaria da Receita Federal manterão um sistema de intercâmbio de

informações, relativas à fiscalização que exerçam, nas áreas de suas

respectivas competências, no mercado de valores mobiliários."

36 Conquanto houvesse previsão expressa quanto à necessidade de intercâmbio de

informações entre as autarquias, em face da redação da parte final do dispositivo legal, o

BACEN o interpretava restritivamente , no sentido de que apenas as operações realizadas

no mercado de valores mobiliários poderiam ser compartilhadas, excluindo-se do

intercâmbio, portanto, os desdobramentos das operações mobiliárias ocorridas no

mercado financeiro stricto sensu.

37 Com a edição da Lei Complementar n° 105. de 10 de janeiro de 2001. foi dada nova

disciplina ao sigilo bancário, revogando-se de vez o art. 38 da Lei n° 4.595/64, e dispondo-

se em seu art. 1o que "as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações

ativas e passivas e serviços prestados". Embora não fosse uma grande inovação, a lei

complementar veio esclarecer que tanto a CVM quanto o BACEN tinham amplo acesso

às informações sigilosas mantidas pelas instituições financeiras sujeitas às suas

respectivas regulações, in verbis:

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Art. 2o O dever de sigilo é extensivo ao Banco Central do Brasil, em

relação às operações que realizar e às infonnações que obtiver no

exercício de suas atribuições.

§ 1° O sigilo, inclusive quanto a contas de depósitos, aplicações e

investimentos mantidos em instituições financeiras, não pode ser

oposto ao Banco Central do Brasil:

I - no desempenho de suas funções de fiscalização, compreendendo a

apuração, a qualquer tempo, de ilícitos praticados por controladores,

administradores, membros de conselhos estatutários, gerentes,

mandatários e prepostos de instituições financeiras:

II - ao proceder a inquérito em instituição financeira submetida a regime

especial.

( ) § 3° O disposto neste artigo aplica-se à Comissão de Valores

Mobiliários, quando se tratar de fiscalização de operações e

serviços no mercado de valores mobiliários, inclusive nas instituições

financeiras que sejam companhias abertas."

38 O grande destaque da Lei Complementar n° 105/01, entretanto, ocorreu com a

autorização legal explícita, no parágrafo único do art. 7o, no sentido de que a CVM e o

BACEN. no exercício do seu mister fiscalizatório, poderiam intercambiar informações

sigilosas obtidas por cada uma delas a partir das instituições financeiras sujeitas à sua

respectiva regulação, estendendo-se. evidentemente, o dever de sigilo à entidade

recebedora das informações:

"Art 7° (...)

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Parágrafo único O Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores

Mobiliários, manterão permanente intercâmbio de informações

acerca dos resultados das inspeções que realizarem, dos inquéritos que

instaurarem e das penalidades que aplicarem, sempre que as

informações forem necessárias ao desempenho de suas atividades.

39. Não há dúvida de que manter "permanente intercâmbio de informações acerca dos

resultados das inspeções que realizarem, dos inquéhtos que instaurarem e das

penalidades que aplicarem" implica a troca de informações sigilosas entre as referidas

autarquias, posto que as inspeções, inquéritos e penalidades a que a CVM e o BACEN

procedem se baseiam amiúde em informações protegidas pelo sigilo.

40 Entretanto, mais uma vez o BACEN interpretou a autorização. legal de troca de

informações sigilosas com cautela e de forma restritiva, sobretudo em razão de

interpretação, a nosso ver e com a devida vênia, equivocada, do disposto no art. 7o

caput. da Lei Complementar n° 105/01, no sentido de que a única forma de a CVM obter

as informações sigilosas sob a guarda do BACEN seria através do pedido de quebra

perante o Poder Judiciário.

41 De fato. segundo o disposto no art. 7o. caput. da Lei Complementar, a Comissão de

Valores Mobiliários tem a faculdade de recorrer ao Poder Judiciário com a finalidade de

obter a quebra do sigilo de informações financeiras, senão vejamos:

"Art 7° Sem prejuízo do disposto no § 3° do art. 2o. a Comissão de

Valores Mobiliáhos. instaurado inquérito administrativo, poderá solicitai a

autoridade judiciária competente o levantamento do sigilo junto às

instituições financeiras de informações e documentos relativos a bens.

direitos e obrigações de pessoa física ou jurídica submetida ao seu

poder disciplinar."

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42 Contudo, a interpretação a contrário sensu no sentido de que esta seria a única forma

de a CVM obter acesso a tais informações parece-nos. com a devida vênia,

absolutamente equivocada, posto que sepultaria por definitivo o intercâmbio de

informações previsto no art. 7.°, parágrafo único, da Lei Complementar n° 105/01". coisa

que não se admite pelas regras de boa hermenêutica. Nesse sentido, é lapidar a lição de

Carlos Maximiliano ,h. datada de 1947, cuja clareza demonstra o desprestigio crônico

dessa interpretação, bem como faz prescindir maiores aprofundamentos sobre a matéria.

"Os brocardos acima enunciados formam a base do argumento a

contrário, muito prestigioso outrora. mal visto hoje pela doutrina, pouco

usado pela jurisprudência. Do fato de se mencionar uma hipótese não

se deduz a exclusão de todas as outras. Pode-se aduzir com intuito

de demonstrar, esclarecer; a título de exemplo. Portanto, o

argumento oferece perigos, é difícil de manejar no terreno vasto do

Direito comum. Ali caberia a parêmia oposta — positis unius not est

exclusio alterius: a especificação de uma hipótese não redunda em

exclusão das demais."

43 É fácil verificar, assim, que a respeitável tese que vem sendo sustentada pelo BACEN

não resiste a uma análise um pouco mais detida do dispositivo legal em comento, ferindo

de morte o principio da razoabilidade e da proporcionalidade e indo de encontro também

à regra de hermenêutica jurídica que dispõe: "Prefira-se a inteligência dos textos que

torne viável o seu objetivo, ao invés da que os reduza à inutilidade'

44 Com efeito, entendemos que se faz necessário, no caso concreto, a realização de

uma interpretação teleológica e sistemática a fim de assegurar a máxima efetividade de

todos os dispositivos da Lei Complementar em comento. Consideramos, pois. que,

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conquanto a CVM e o BACEN possam manter permanente intercâmbio de informações

sigilosas obtidas no exercício de seu poder regulamentar e fiscalizatório dentro de seu

âmbito de competência, nem sempre as informações detidas e aptas a serem transferidas

pelo BACEN serão suficientes, caso em que não restará alternativa a CVM senão recorrer

ao Poder Judiciário

45 Assim sendo, o intercâmbio de informações entre as autarquias, na forma do

parágrafo único do art 7° viabilizaria a obtenção pela CVM de informações sigilosas

quando esta fosse capaz de demonstrar ao BACEN a relação (nexo) entre as informações

pretendidas e negociações realizadas com valores mobiliários Referimo-nos. por

exemplo, aos desdobramentos financeiros decorrentes da compra e venda de ações,

debêntures ou quaisquer outros valores mobiliários.

46 Por outro lado, na hipótese do caput do art. 7o, que trata da necessidade de recurso

ao Judiciário, a tutela de relativização do sigilo seria inequivocamente mais rígida, em

decorrência de a CVM não ser capaz de demonstrar ao BACEN a relação (nexo) entre as

informações pretendidas e negociações realizadas com valores mobiliários. Ou seja,

sendo a CVM incapaz de justificar seu pedido para o BACEN, far-se-ia necessário expor

seus motivos ao Poder Judiciário, a quem usualmente cabe. pelas vias ordinárias,

autorizar a relativização do sigilo.'70

47 Visando tornar ainda mais clara a autorização legal e de forma a afastar as duvidas

até então existentes a respeito da efetiva possibilidade de intercâmbio de informações

resguardadas pelo sigilo, o Congresso Nacionai editou, em 31 de outubro de 2001, a Lei

n° 10 303. diploma que deu nova redação ao art. 28 da Lei n° 6.385/76. assentando

explicitamente que a CVM e o BACEN "deverão manter sistema de intercâmbio de

informações", dispondo, ainda, em seu parágrafo único, que "o dever de guardar sigilo

não poderá ser invocado como impedimento para o intercâmbio de que trata o aitigo

Vejamos a nova redação.

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'Art. 28 O Banco Central do Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários,

a Secretaria de Previdência Complementar, a Secretaria da Receita

Federal e Superintendência de Seguros Privados manterão um sistema

de intercâmbio de informações, relativas à fiscalização que

exerçam, nas áreas de suas respectivas competências, no mercado

de valores mobiliários.

Parágrafo único. O dever de guardar sigilo de informações obtidas

através do exercício do poder de fiscalização pelas entidades referidas

no caput não poderá ser invocado como impedimento para o

intercâmbio de que trata este artigo."

48 Da nova redação pode-se, pois, extrair dois comandos legais: (a).a CVM e o BACEN

estão autorizados a trocar informações relativas à fiscalização que exercem, aí

subentendidas, logicamente, as informações sigilosas a que cada uma das autarquias têm

acesso ordinariamente; e (b) o dever de guardar o sigilo de informações obtidas através

do poder de fiscalização não pode ser invocado pelas autarquias como impedimento para

o intercâmbio de que trata o artigo.

49 Não obstante todos os esforços do legislador infraconstitucional de regular a matéria

de forma clara e definitiva, dois argumentos têm sido suscitados pelo Banco Central do

Brasil de forma a inviabilizar a concretização do referido intercâmbio.

50 O primeiro argumento é antigo e já era levantado mesmo antes da edição da Lei

Complementar n° 105/01 e da Lei n° 10.303/01. consistente em interpretar literal e

restritivamente o art. 28. caput, in fine, da Lei n° 6.385/76, no sentido de restringir o

intercâmbio entre a CVM e o BACEN apenas às informações sobre operações financeiras

realizadas estritamente no mercado de valores mobiliários, excluídos, portanto, os

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desdobramentos das operações mobiliárias (decorrentes de negociações com valores

mobiliários ocorridas no mercado financeiro stricto sensu) Veja-se

"Art 28 O Banco Central do Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários,

a Secretaria de Previdência Complementar, a Secretaria da Receita

Federal e Superintendência de Seguros Privados manterão um sistema

de intercâmbio de informações, relativas à fiscalização que exerçam,

nas áreas de suas respectivas competências, no mercado de valores

mobiliários."

51 A dúvida não se sustém. visto que ela retiraria em relação a CVM toda a efetividade

do art 2.8 e seu parágrafo único, que prevê expressamente a possibilidade de

intercâmbio, coisa que não se espera do bom hermeneuta. De se ver que, excluindo-se

do intercâmbio as informações sobre operações realizadas no mercado financeiro stricto

sensu, não haveria sequer que se falar em "intercâmbio" de informações, porquanto a

CVM. desde a sua criação, já possui poderes suficientes para que não lhe seja oponível o

dever de sigilo pelas instituições financeiras sujeitas à sua regulação Ao passo que o

intercâmbio, por definição, pressupõe a troca, o escambo, a permuta entre pessoas que

dispõem de dados diferentes.

52. É evidente, por conseguinte, que. se se restringe o art. 28 às operações realizadas

estritamente no mercado de valores mobiliários, sem abranger as operações financeiras

que constituem desdobramento das transações com valores mobiliários, não haveria

intercâmbio de informações, mas unicamente remessa de informações da CVM para o

BACEN, o que. a toda evidência, não constitui a finalidade legal, sendo certo que "deve

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53 A interpretação lógica e sistemática do art. 28 nos conduz, assim, na direção certeira

de que as informações objeto de intercâmbio entre CVM e BACEN são aquelas obtidas

nas áreas de suas respectivas competências (mercado de valores mobiliários e mercado

financeiro stricto sensu). quando tenham alguma relação com operações realizadas no

mercado de valores mobiliários. É isso o que significa a expressão "no mercado de

valores mobiliários". constante da parte final do dispositivo.

54 Noutras palavras: (i) a CVM não dispõe das informações sobre os desdobramentos,

no mercado financeiro stricto sensu, das operações financeiras realizadas no mercado

mobiliário, e são exatamente essas informações que. em face da dicção legal, cabe ao

BACEN compartilhar com a CVM, (ii) o BACEN, por sua vez, não dispõe das informações

sobre operações realizadas estritamente no mercado mobiliário, e são exatamente essas

informações que. em face da dicção legal, cabe à CVM disponibilizar ao BACEN.

55 O segundo argumento, a nosso ver igualmente equivocado, suscitado pelo BACEN e

contrário à efetivação do intercâmbio de informações sigilosas disciplinado no art 28 da

Lei n° 6.385/76, é que a Lei n° 10.303/01, que, como mencionado, deu nova redação

aquele dispositivo legal, possui status de lei ordinária, e. portanto não poderia trazer

novas hipóteses de relativização do sigilo de operações financeiras para além daquelas

previstas expressamente na Lei Complementar n° 105/01. especialmente em razão de

seu art 10 ter estabelecido que "a quebra do sigilo, fora das hipóteses aduzidas nesta Lei

Complementar, constitui crime.1'20

56 Com efeito, a despeito de a constitucionalidade do art. 28 da Lei n° 6.385/76 nunca

ter sido questionada em Ação Direta de Inconstitucionalidade e de o dispositivo gozar de

presunção de constitucionalidade. a sua redação em nada contradiz ou inova a disciplina

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trazida pela Lei Complementar n° 105/01 acerca da matéria. O seu art. 7o. parágrafo

único, autoriza explicitamente a CVM e o BACEN a intercambiarem informações sigilosas

obtidas em seu mister regulatório

57 Por outro lado. ainda que se entendesse que a nova redação tivesse trazido nova

hipótese de relativização de sigilo de operações financeiras nenhuma

inconstitucionalidade poderia ser argúida, posto que a Constituição da República não

exige que a disciplina a respeito do sigilo sobre operações financeiras tenha que ser feita

por legislação complementar. Daí porque podemos afirmar que, não obstante a Lei

Complementar n° 105/01 tratar-se de diploma formalmente complementar, ocupá-se de

matéria estritamente ordinária

58 É de conhecimento geral que a edição de lei complementar24 somente é exigivel

quando a Constituição expressamente faz referência a isso. Assim sendo, no silêncio da

Carta Constitucional quanto à necessidade de a matéria ser regulamentada por lei

complementar, a disciplina infraconstitucional ocorrerá mediante espécie normativa

ordinária Aliás, já disse o STF que "não se presume a necessidade de edição de lei

complementar, pois esta somente é exigivel nos casos expressamente previstos na

Constituição.

59. Entretanto não é incomum lei complementar tratar de matéria que a Constituição não

exige essa espécie legislativa para disciplinar a questão. Nestes casos, a lei será apenas

formalmente complementar, mas materialmente ordinária, podendo ser alterada ou

revogada por lei ordinária. Este também é o entendimento sedimentado no STF. cabendo-

nos trazer a transcrição do voto do Ministro Moreira Alves, enquanto Relator da Ação

Declaratória de Constitucionalidade n.° 1 (ADC 1-1 DF):

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"(...) Sucede, porém, que a contribuição social em causa, incidente sobre

0 faturamento dos empregadores, é admitida expressamente pelo inciso

1 do artigo 195 da Carta Magna, não se podendo prender, portanto, que

a Lei Complementar n° 70/91 tenha criado outra fonte de renda

destinada a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social

Por isso mesmo, essa contribuição poderia ser instituída por lei

ordinária. A circunstância de ter sido instituída por lei formalmente

complementar - a Lei Complementar n 70/91 - não lhe dá,

evidentemente, a natureza de contribuição social nova, a que se

aplicaria o disposto no § 4o do artigo 195 da Constituição,

porquanto essa lei, com relação aos dispositivos concernentes à

contribuição social por ela instituída - que são o objeto desta ação

- é materialmente ordinária, por não tratar, nesse particular, de

matéria reservada, por texto expresso na Constituição, á lei

complementar. A jurisprudência desta Corte, sob o império da

Emenda Constitucional n° 1/69 - e a Constituição atual não alterou

esse sistema - se firmou no sentido de que só se exige lei

complementar para as matérias para cuja disciplina a Constituição

expressamente faz tal exigência, e, se por ventura a matéria,

disciplinada por lei cujo processo legislativo observado tenha sido

o da lei complementar, não seja daquelas para gue a Carta Magna

exige essa modalidade legislativa, os dispositivos que tratam dela

se têm como dispositivos da lei ordinária.

Não estando, portanto, a COFINS sujeita às proibições do inciso I do

artigo 154 pela remissão que a ele faz o § 4o do artigo 195. ambos da

Constituição Federal, não há que se pretender que seja ela

inconstitucional por ter base de cálculo própria de impostos

discriminados na Carta Magna ou igual a do PIS/PASEP (que. por força

da destmação previdenciána que lhe deu o artigo 239 da Constituição.

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lhe atribuiu a natureza de contribuição social), nem por não atender ela

eventualmente à técnica da não-cumulatividade."

(ADC n.° 1-1 DF, Tribuna! Pleno. Relator Ministro Moreira Alves, por

unanimidade, julgado em 01/12/93, DJ de 16/06/95)

60 Conforme mencionado anteriormente, segundo a doutrina majoritária bem como a

jurisprudência de nossos Tribunais Superiores, o sigilo das operações financeiras é uma

decorrência do direito à intimidade e à vida privada previstos no art. 5o, X e XII, da

Constituição, que em momento algum faz alusão à necessidade de regulamentação por

lei complementar. Por conseguinte, podemos afirmar, sem margem para dúvidas, que a

Lei Complementar n° 105/01, que trouxe inúmeras hipóteses em que o direito à intimidade

ou privacidade cederia diante do interesse público, do interesse social e do interesse da

Justiça, é materialmente uma lei ordinária.

61 Destarte, por tudo o que até então expusemos, não resta dúvidas acerca da

autorização legislativa expressa, quer seja na Lei Complementar n° 105/01, quer seja na

Lei n° 6.385/76, da inoponibilidade do dever de sigilo para fins de intercâmbio de

informações que deve existir entre a CVM e o BACEN. A adoção de outra interpretação

afeta toda a sistemática de regulação do sistema financeiro nacional, que. á luz da

Constituição, da Lei Complementar n° 105/01. da Lei n° 6.385/76. da doutrina brasileira e

da jurisprudência dos Tribunais Superiores, relativiza o sigilo de operações financeiras

para certos agentes públicos em defesa do interesse público, social e da Justiça.

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TRANSFERÊNCIA DE INFORMAÇÕES SIGILOSAS ENTRE A CVM E O BACEN

62 A despeito de tudo o que até aqui foi argumentado, cumpre-nos ressaltar que sigilo

deve ser conceituado b como o dever jurídico imposto às instituições financeiras e às

autoridades públicas de não revelar a terceiros, sem motivo legal plausível, informações

sobre operações financeiras (informações sob sigilo) a que tenham acesso ou a que

tiveram acesso, no exercício de suas atribuições. Neste sentido, lição de Nelson Abrão' e

julgados dos TRFs da 4.3 e 5.a Regiões28.

63 Desta feita, a ilicitude. nos termos do art. 10 da Lei Complementar n° 105/01

aconteceria apenas quando as pessoas sujeitas ao dever de sigilo disponibilizassem

informações sigilosas para terceiros (pessoas em geral, empresas, imprensa, etc.).

Entendemos, outrossim, ser descabida qualquer tentativa de comparação entre, de um

lado a relação entre a CVM e o BACEN. e, de outro lado. a relação entre as entidades

suieítas ao dever de sigilo (instituições financeiras e autoridades governamentais como a

CVM e BACEN) e terceiros em geral.

64 Assim sendo, o vocábulo "terceiros", por óbvio, não poderia ser aplicado à relação

entre a CVM e o BACEN, entidades co-irmãs, incumbidas de. juntas, regular

eticientemente o sistema financeiro brasileiro.

65 O intercâmbio de informações sob sigilo entre a CVM e o BACEN. antes de depender

de autorização legal explícita decorre da racionalidade jurídica que informa a criação das

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informações sob sigilo a toda e qualquer entidade governamental, mas apenas entre a

CVM e o BACEN. que. além de autorização expressa, buscam, em conjunto, garantir uma

regulação eficiente do sistema financeiro nacional.

68 Ademais, a interpretação sistemática do conjunto das normas positivas do

ordenamento jurídico brasileiro, impede-nos de defender outra tese. posto que não faria

sentido a legislação permitir, nos termos do art. 2.°. §§ 4 o e 5.° da Lei Complementar n°

105, de 2001 à CVM e ao BACEN explicitamente intercambiarem informações sob sigilo

com entidades fiscalizadoras estrangeiras, estendendo-se a estas o dever de sigilo,

tendb. entretanto, impedido o compartilhamento de informações daquela especie entre

elas. as duas principais entidades reguladoras do sistema financeiro brasileiro

"Art. 2o (...)

§ 4° O Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários.

cm suas áreas de competência, poderão firmar convênios

referidas autarquias enquanto entidades co-reguladoras do sistema financeiro brasileiro,

às quais, como se viu, cabe-lhes atuação coordenada.

66 Com apoio na jurisprudência do TRF da 4.a Região29, entendemos que o intercâmbio

de informações sob sigilo entre a CVM e o BACEN. longe de implicar quebra do sigilo,

consiste em simples transferência do sigilo entre autoridades públicas, pois que a

informação é compartilhada, estendendo-se o sigilo à entidade recebedora da informação,

não havendo, por conseguinte, que se cogitar nesse caso de atuação ilícita ou de quebra

de qualquer dever "ü

salientar que não estamos afirmando que estaria autorizada a transferência de

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I - com outros órgãos públicos fiscalizadores de instituições financeiras,

objetivando a realização de fiscalizações conjuntas, observadas as

respectivas competências;

II - com bancos centrais ou entidades fiscalizadoras de outros

países, objetivando

a) a fiscalização de filiais e subsidiárias de instituições financeiras

estrangeiras, em funcionamento no Brasil e de filiais e subsidiárias, no

exterior, de instituições financeiras brasileiras;

b) a cooperação mútua e o intercâmbio de informações para a

investigação de atividades ou operações que impliquem aplicação,

negociação, ocultação ou transferência de ativos financeiros e de

valores mobiliários relacionados com a prática de condutas ilícitas.

§ 5o O dever de sigilo de que trata esta Lei Complementar estende-

se aos órgãos fiscalizadores mencionados no § 4- e a seus

agentes."

69 Por todos esses motivos, continuamos convencidos de que é absolutamente legal o

intercâmbio de informações sob sigilo entre a CVM e o BACEN.

INTERCÂMBIO DE INFORMAÇÕES ENTRE CVM E BACEN - DECISÃO DO

COLEGIADO DA CVM DE 04 DE JULHO DE 2006

70. Em 2006 foi submetido à apreciação da Comissão de Valores Mobiliários pleito

encaminhado pelo Banco Central do Brasil no sentido de que houvesse autorização para

que ias bolsas de valores, bolsas de mercadorias e futuros, câmaras de compensação e

liquidação de operações com valores mobiliários e entidades de mercado de balcão

organizado entidades que. nos termos da Lei n° 6.385, de 1976. estão sujeitas à

fiscalização da CVM, lhe prestassem informações relativas a operações com títulos.

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valores mobiliários e instrumentos derivativos financeiros, realizadas por instituições

financeiras e demais instituições por ele autorizadas a funcionar.

71 Argumentou-se. à época, tratar-se de impedimento decorrente de regra de

competência e não de razões de sigilo, uma vez que não se tratavam de " informações

resguardadas polo sigilo de operações financeirasposto que o BACEN já podia ter

acesso direto a tais informações perante as próprias instituições financeiras e outras por

ele autorizadas a funcionar.

72 No entanto, a justificativa apresentada foi afastada por não encontrar o necessário

respaldo fático-juridico. tendo em vista que aquela Autoridade Monetária não -possui

acesso, nem direto nem indireto, aos dados das contrapartes envolvidas em cada

operação cursada no mercado bursátil

73 Como se sabe. quando uma parte realiza uma operação em bolsa, seja de valores

seja de mercadorias e futuros, esta mesma parte não conhece a outra ponta compradora

ou vendedora dos valores mobiliários objeto da negociação. Neste sentido, quando uma

instituição financeira - ou qualquer outra pessoa física ou jurídica - compra ou vende

valores mobiliários em bolsas esta não sabe. e nem poderia saber, já que a ordem e

dirigida ao mercado, qual a contraparte que atuou na operação.

74 Destarte, os dados das contrapartes envolvidas em cada operação constituem

informações resguardadas pelo sigilo de operações financeiras - leia-se operações e

serviços no mercado de valores mobiliários - não sendo, portanto, acessíveis ao Banco

Central do Brasil

75 Desta feita, e tendo em vista o posicionamento do Banco Central do Brasil no sentido

da impossibilidade de se dar a máxima efetividade pretendida pela CVM aos comandos

legais que estabelecem o intercâmbio de informações sobre operações financeiras

resguardadas pelo sigilo, esta autarquia, em decisão proferida pelo seu Colegiado em 04

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de julho de 2006. permitiu o acesso do BACEN apenas àquelas informações

disponibilizadas pelas bolsas às próprias instituições financeiras e demais instituições por

ele autorizadas a funcionar, in verbis:

"O processo se originou de iniciativa do Bacen que pretende obter,

diretamente das bolsas de valores e de mercadorias e futuros, das

entidades de balcão organizado e das entidades de compensação e

liquidação, informações sobre operações com valores mobiliários

realizadas por instituições financeiras e demais instituições por ele

autorizadas a funcionar, em razão de sua atividade de fiscalização

O assunto foi discutido no âmbito do Convênio CVM/Bacen, tendo sido

esclarecido que o Bacen deseja ter acesso automatizado às mesmas

informações que são disponibilizadas as instituições financeiras pelas

bolsas, que não englobam a revelação da contraparte nas operações

realizadas por estas instituições em bolsas de valores ou de

mercadorias e futuros.

Em face das análises elaboradas pela PFE-CVM e dos esclarecimentos

prestados pelo Bacen quanto à abrangência das informações que deseja

obter; o Colegiado autorizou que a SMI encaminhe oficio-circular às

entidades envolvidas. Bovespa. BM&F e CETIP. autorizando a remessa

de informações ao Bacen, que deverão observar, no máximo, o mesmo

nível de detalhamento disponibilizado aos titulares dos valores

mobiliários objeto das operações cursadas nas citadas entidades. Foi

ressaltado ainda que essas entidades não poderão fornecer a

identificação da contraparte da operação, exceto na hipótese de

operações realizadas no balcão e levadas a registro junto às entidades

operadoras do mercado pela própria entidade submetida à supervisão e

fiscalização do Banco Central do Brasil, nas quais as partes conhecem

as contrapartes."

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REQUERIMENTO DE AMPLIAÇÃO DO ACESSO DO BACEN A INFORMAÇÕES SOB

SIGILO - IMPOSSIBILIDADE - DECISÃO DO COLEGIADO DA CVM DE 21 DE

OUTUBRO DE 2008

76 Em recente consulta dirigida a esta autarquia, o Banco Central do Brasil solicitou que

a Comissão de Valores Mobiliários enviasse novos ofícios à Câmara de Liquidação e

Custódia - CETIP, à Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros - BMF&BOVESPA e á

Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia - CBLC, autorizando-as a remeter ao

BACEN informações sobre operações envolvendo valores mobiliários realizadas por

quaisquer empresas não-financeiras controladas direta ou indiretamente pelas instituições

financeiras supervisionadas, bem como as posições dos fundos de investimento que

tenham cotas detidas pelas instituições supervisionadas e suas empresas não-financeiras

controladas

77 Com efeito, parece-nos claro que essas informações se encontram resguardadas pelo

sigilo de operações e serviços no mercado mobiliário segundo o disposto na Lei

Complementar n° 105. de 2001, e que. no caso específico, não está subjacente fato

peculiar e similar ao que motivou a decisão do Colegiado de 04/07/06 acima enfocada

(que diz respeito a determinadas informações sobre operações com valores mobiliários

realizadas por instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo

BACEN e que, em sua atuação fiscalizatoria ordinária, a autarquia solicitante, sem a

menor sombra de dúvida, já poderia obter legítima e integralmente, ainda que por meio

indireto)

78 Assim sendo, em decisão proferida em 21 de outubro de 2008. o Colegiado da

Confissão de Valores Mobiliários, mantendo inclusive e plenamente a lógica da sua

decisão anterior a respeito do tema, indeferiu o pedido do BACEN. essencialmente em

razão da constatação de que tal solicitação extrapola os atuais limites do intercâmbio de

informações abrangidas pelo disposto na Lei Complementar n° 105/01 entre a CVM e o

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legislativa ou da revisão do atual e respeitável posicionamento jurídico do BACEN acerca

do tema

79 Não obstante o que restou acima explicitado, parece-nos oportuno reiterar observação

anteriormente feita por esta PFE/CVM: "esta Autarquia vem se inclinando favoravelmente

ao maior intercâmbio possivel de informações com o Banco Central do Brasil, tendo

reconhecido, inclusive, após judicioso estudo sobre o tema (PARECER/PFE-

CVM/N°001/2005). que as disposições constantes da Lei Complementar n° 105/01 e da

Lei dl0 6 385/76 autorizam a troca de informações sigilosas entre CVM e o BACEN"

80 Ainda em relação ao tema central de que se trata, o próprio E. TCU. em r'ecente

decisão proferida em razão de Auditoria Operacional realizada na CVM (Acórdão

2101/2006 - Plenário), concluiu que "nada justifica a resistência do Banco Central em

cooperar com órgão da Administração Pública no intercâmbio de informações protegidas

pelo sigilo bancário". Exatamente por isso. a Corte de Contas determinou "ao Banco

Central do Brasil e á Comissão de Valores Mobiliários que procedam à revisão do

corWénio referente ao intercâmbio de informações que possam auxiliar no cumprimento

dos objetivos institucionais da CVM. com amparo na Lei Complementar n.° 105/2001: no

art. 28. parágrafo único, da Lei n.° 6.385/76, e à luz do Parecer/PFE-CVM n.° 001/2005"

81 No entanto, cumpre lembrar que o BACEN permanece não comungando deste

entendimento, posição esta que. tal como já foi dito. vem lógica e naturalmente

prevalecendo na relação entre as Autarquias, inviabilizando, pelo menos a priori. o efetivo

intercâmbio de informações entre elas, conforme preconizam, em especial, os arts. 28 da

L ei ri0 6 385/76 e 7o. parágrafo único, da Lei Complementar n° 105/01

Frisou-se que a superação de tal óbice específico depende de alteração

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CONCLUSÃO

espécie normativa, será considerada materialmente ordinária e poderá ser

modificada ou revogada por lei ordinária posterior

• As disposições da Lei Complementar n° 105. de 2001, e da Lei n° 6.385. de 1976.

autorizam o intercâmbio de informações sigilosas entre a CVM e o BACEN.

• O intercâmbio de informações sobre operações no mercado financeiro

resguardadas pelo sigilo entre a CVM e o BACEN independem de expressa

previsão legal posto que não implicam quebra de sigilo, mas tão-somente

transferência do sigilo entre entidades públicas visceralmente ligadas.

• Constituem informações sob sigilo, nos termos da Lei Complementar n° 105/01, as

informações sobre operações realizadas no mercado mobiliário que forneçam a

identificação da contraparte da operação, exceto na hipótese de operações

realizadas no mercado de baicão e ievadas a registro junto às entidades

operadoras do mercado pela própria entidade submetida a supervisão e

Nas hipóteses em que a lei complementar disciplinar matéria não reservada a esta

• A regulação do sistema financeiro nacional demanda uma atuação conjunta e

coordenada entre a Comissão de Valores Mobiliários e o Banco Central do Brasil

O sigilo das operações financeiras, segundo entendimento consolidado na

doutrina e jurisprudência pátria, é uma projeção do direito ã intimidade e vida

privada expressamente tutelado no art. 5o, X e XII, da Constituição da República

• O sistema constitucional brasileiro não há direito ou garantia que se revistam de

caráter absoluto; ou são relativizados pelo legislador infraconstitucional segundo o

principio da proporcionalidade e razoabilidade ou devem ser ponderados no caso

concreto segundo esses mesmos princípios. Os direitos fundamentais devem ser

relativizados diante do interesse público, do interesse social e do interesse da

Justiça.

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fiscalização do Banco Central do Brasil, nas quais as partes conhecem as

contrapartes

• Estão resguardadas pelo sigilo as informações sobre valores mobiliários

realizadas por quaisquer empresas não-financeiras controladas direta ou

indiretamente pelas instituições financeiras supervisionadas, bem como as

posições dos fundos de investimento que tenham cotas detidas pelas instituições

supervisionadas e suas empresas não-financeiras controladas..

• Há impossibilidade de efetivo intercâmbio de informações entre a CVM e o

BACEN. inclusive quanto a informações da espécie acima, ate que haja uma

alteração da Lei Complementar n° 105/01 ou mudança no atual e respeitável

posicionamento do BACEN acerca da matéria.

Rio de Janeiro. 29 de novembro de 2008.