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V ERBA VOLANT Volume 4 – Número 1 – janeiro-junho 2013 – ISSN 2178-4736 http://letras.ufpel.edu.br/verbavolant 104 | Página REFLEXÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO AUDITIVO Ana Claudia Vieira Cardoso 1 1. Introdução O sistema auditivo humano é único e difere do das outras espécies porque desenvolve a capacidade de receber, interpretar e reagir à linguagem de forma complexa. Ao nascimento a cóclea humana é funcional (GRANIER-DEFERRE et al., 1985; RUBEL, 1985) porém, o sistema nervoso auditivo continua a se desenvolver por pelo menos mais uma década ( MOORE, 2002; SANES e WOOLEY, 2011). Para que esse desenvolvimento ocorra é necessário que o sistema auditivo seja estimulado. Sons ambientais irão modular e aumentar a atividade do nervo auditivo (MOORE, 2000), ocorrerá mielinização das fibras nervosas, e as habilidades de análise e de interpretação dos padrões sonoros serão incorporadas ao desenvolvimento (PEREIRA, 1993). Períodos prolongados de privação sensorial nesse período podem causar deficiências permanentes nas habilidades de processamento auditivo (SANES e WOOLEY, 2011) e atrasos na aquisição e percepção de fala (WHITTON e POLLEY, 2011). Considerando o exposto esse artigo se propõe a descrever as principais etapas de desenvolvimento do sistema auditivo e os fatores que podem interferir nesse desenvolvimento. 1 Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana: Campo Fonoaudiológico pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Docente do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP); [email protected]

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REFLEXÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO AUDITIVO

Ana Claudia Vieira Cardoso1

1. Introdução

O sistema auditivo humano é único e difere do das outras espécies

porque desenvolve a capacidade de receber, interpretar e reagir à linguagem

de forma complexa.

Ao nascimento a cóclea humana é funcional (GRANIER-DEFERRE et

al., 1985; RUBEL, 1985) porém, o sistema nervoso auditivo continua a se

desenvolver por pelo menos mais uma década ( MOORE, 2002; SANES e

WOOLEY, 2011). Para que esse desenvolvimento ocorra é necessário que o

sistema auditivo seja estimulado. Sons ambientais irão modular e aumentar a

atividade do nervo auditivo (MOORE, 2000), ocorrerá mielinização das fibras

nervosas, e as habilidades de análise e de interpretação dos padrões sonoros

serão incorporadas ao desenvolvimento (PEREIRA, 1993).

Períodos prolongados de privação sensorial nesse período podem

causar deficiências permanentes nas habilidades de processamento auditivo

(SANES e WOOLEY, 2011) e atrasos na aquisição e percepção de fala

(WHITTON e POLLEY, 2011).

Considerando o exposto esse artigo se propõe a descrever as principais

etapas de desenvolvimento do sistema auditivo e os fatores que podem

interferir nesse desenvolvimento.

1 Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana: Campo Fonoaudiológico pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Docente do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP); [email protected]

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2. Desenvolvimento do sistema auditivo no período gestacional

O sistema auditivo no feto e na criança tem uma sequência própria de

desenvolvimento. A parte estrutural da cóclea na orelha média está formada na

15ª semana de gestação e é anatomicamente funcional na 20ª semana

gestacional (PUJOL e LAVIGNE-REBILLARD, 1992; HALL, 2000).

O sistema auditivo se torna funcional em torno da 25ª e 29ª semana

gestacional quando as células ganglionares do núcleo espiral da cóclea

conectam as células ciliadas internas ao tronco cerebral e ao lobo temporal do

córtex (HALL, 2000). Na 16ª semana gestacional as células ganglionares da

cóclea estão conectadas ao núcleo do tronco encefálico que estimulam a

resposta fisiológica. Da 25ª a 26ª semana gestacional, sons intensos irão

produzir mudanças na função autônoma. Os batimentos cardíacos, a pressão

sanguínea, o padrão respiratório, a mobilidade gastrointestinal e a oxigenação

podem ser afetados (MORRIS, PHILBIN, BOSE, 2000). As conexões neurais

para o lobo temporal do córtex estão funcionais em torno da 28ª a 30ª semana

gestacional. Estas conexões iniciam o desenvolvimento das colunas

tonotópicas no córtex auditivo e são necessárias para receber, reconhecer e

reagir à linguagem, a música e sons ambientais significativos (GRAVEN e

BROWNE, 2008).

Segundo Graven e Browne (2008) as duas partes do sistema auditivo

que são as mais importantes durante o processo de desenvolvimento são a

cóclea (o órgão receptor) e o córtex auditivo. O núcleo coclear, o núcleo olivar

superior, o núcleo do lemnisco lateral, o colículo inferior e o núcleo geniculado

medial são todos submetidos à organização das células ganglionares e

neurônios em resposta à estimulação, endógena e exógena.

O córtex auditivo se desenvolve como uma área com colunas de células

tonotópicas ou agrupamentos que representam as frequências características.

Os neurônios sintonizados para as frequências agudas estão na região caudal

e os neurônios sintonizados para as frequências graves estão na extremidade

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rostral ou frontal do córtex auditivo. Isso cria agrupamentos de células que são

sensíveis a frequências específicas ou tons. O córtex auditivo também é

dividido em colunas que respondem a diferentes frequências de uma ou de

ambas as orelhas (KANDEL, SCHWARTZ, JESSEL, 2000).

A espécie humana é capaz de escutar uma variedade de sons três

meses antes do nascimento (MOON, 2011). O córtex auditivo continua a

amadurecer nas semanas antes do nascimento e continua a se desenvolver

nos primeiros anos de vida (MOORE e GUAN, 2001). À medida que o sistema

auditivo se desenvolve nas últimas semanas de gestação, o feto responde

melhor aos sons de alta frequência, o que é consistente com o

desenvolvimento da resposta ao longo da membrana basilar da cóclea de

frequências graves para agudas (GRAY e RUBEL, 1985). Detecção dos

limiares e as respostas de latência diminuem com o tempo, a medida que o

sistema auditivo amadurece (DRAGANOVA, ESWARAN , MURPHY et al,

2007).

Na 38ª semana gestacional, o feto é capaz de processar fluxos acústicos

com variação no espectro e na amplitude dos sons em intervalos de tempo

curtos e longos com resposta de alteração transitória dos batimentos cardíacos

para música e resposta sustentada para estímulos de fala (GRANIER-

DEFERRE, RIBEIRO e JACQUET, 2011). Durante o período neonatal,

experimentos controlados em laboratório mostraram que bebês preferem

escutar sons de fala quando comparados com estímulos que não são de fala

(VOULOUMANOS e WERKER, 2007), que eles diferenciam a língua nativa

materna de outras línguas estrangeiras (BERTONCINI, BIJELJAC-BABIC,

JUSCZUK et al, 1988) e que preferem ouvir a língua materna (MOON,

PANNETON-COOPER e FIFER, 1993). Em uma demonstração notável de

precocidade, recém-nascidos equiparam os contornos de tons do seu choro

aos contornos predominantes de sua língua nativa (MAMPE, FRIEDERICI,

CHRISTOPHE et al, 2009).

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Na vida intrauterina o feto é capaz de conhecer a voz materna, músicas

simples e sons comuns ao ambiente (MOON e FIFER, 200). O

desenvolvimento auditivo e o desenvolvimento da memória, no período

intrauterino, capacitam o bebê a reconhecer diferenças no tom, padrões

sonoros, intensidade e ritmo (STANLEY e BROWNE, 2008). Apesar desse

aprendizado a criança só será exposta ao espectro sonoro completo após o

nascimento, e é evidente que as experiências pré-natais irão auxiliá-la a

reconhecer alguns sons nas primeiras semanas de vida, porém após o

nascimento os sons ambientais se tornam uma fonte primordial de novas

informações (WERNER, 2007).

3. Desenvolvimento das habilidades auditivas

O desenvolvimento e a maturação do sistema auditivo da criança com

audição normal seguem uma sequência de comportamentos que se iniciam ao

nascimento. Esse desenvolvimento inclui as seguintes etapas: detecção,

discriminação, localização, reconhecimento e compreensão auditiva

(AZEVEDO, 2011).

Detecção, habilidade de receber o estímulo (Pereira, Navas e Santos,

2002). Estudo com fetos, no período final da gestação, e recém-nascido

demonstrou que os mesmos são capazes de perceber aspectos sonoros que

desempenham papel auxiliar na comunicação no primeiro ano de vida (MOON,

2011).

Discriminação, habilidade de resolução de frequência, intensidade e

duração (PEREIRA, NAVAS e SANTOS, 2002). Uma pesquisa com neonatos

de até duas horas de vida demonstrou que eles são capazes de responder de

forma seletiva a voz materna. Essas crianças apresentaram aumento da

atividade motora quando ouviram a voz da mãe, porém o mesmo não ocorreu

com vozes que não lhes eram familiares (QUERLEU, LEFEBVRE, TITRAN et

al, 1984).

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Outros estudos mostraram que recém-nascidos de até três dias de vida

alteraram seu padrão de sucção para ativarem uma gravação com a voz

materna, o que indicou que a voz pode atuar como um reforço (DECASPER e

FIFER, 1980; FIFER e MOON, 1989).

Experimentos de aprendizagem utilizando a exposição pré-natal à

música mostrou que os neonatos respondem a melodia familiar no primeiro

mês de vida (GRANIER-DEFERRE, BASSEREAU, RIBEIRO et al, 2011). A

retenção de sons musicais é consistente com a ideia que as qualidades

musicais da voz (tom, intensidade e ritmo) são importantes para a experiência

perinatal de fala (QUERLEU, RENARD, BOUTTEVILLE et al, 1989;

PANNETON COOPER e ASLIN, 1989; NAZZI, BERTONCINI e MEHLER,

1998). Recém-nascidos respondem de forma seletiva a amostras de falam que

trazem informações sobre o estado emocional do falante (MASTROPIERI e

TURKEWITZ, 1999), essa informação é baseada no tom, intensidade e ritmo.

Contudo, o feto não está limitado a perceber apenas essas diferenças sutis da

fala, mas também é capaz de detectar (GROOME, MOONEY, HOLLAND et al.

2000) e discriminar (LECANUET, GRANIER-DEFERRE, DE CASPER et al,

1987) sons de fala muito mais breves, como por exemplo, os sons das vogais

/a/ ou /i/. Essas vogais apresentam características acústicas e articulatórias

distintas.

Localização, habilidade de analisar diferenças de tempo e de

intensidade dos sons recebidos e transmitidos para cada um dos lados da

orelha (PEREIRA, NAVAS e SANTOS, 2002). A criança é capaz de localizar

um som a partir do quarto mês de vida (AZEVEDO, 2005) e esta habilidade

evolui com o aumento da idade. Essa evolução ocorre da seguinte forma:

inicialmente a criança é capaz de localizar o som no eixo horizontal (lateral

direita e esquerda, para baixo e para cima); depois no eixo longitudinal (acima

da cabeça) e por último no eixo transversal (sons situados à frente e atrás da

cabeça). A forma de localização lateral evolui de indireta para direta.

Localização indireta é quando a criança olha primeiro para o lado e depois para

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baixo ou para cima. Localização direta é quando a criança olha diretamente

para a fonte.

Reconhecimento auditivo é quando ocorre associação significante-

significado, ou seja, a criança é capaz de apontar figuras ou partes do corpo

nomeadas, cumprir ordens e repetir palavras (AZEVEDO, 2011). Surge no final

do primeiro ano de vida e parece evoluir dos níveis mais simples para os mais

complexos (AZEVEDO, 2005). Crianças de 8 a 10 meses inibem suas

atividades ao reconhecer a palavra “não” (BOONE e PLANTE, 1993). A partir

dos nove meses são capazes de reconhecer comandos verbais simples, tais

como: “dá tchau”, “joga beijo”, “bate palma”. A partir dos 12 meses conseguem

reconhecer o próprio nome e reconhecem partes do corpo e vocabulário

familiar. Dos 18 aos 24 meses são capazes de apontar para figuras ou objetos

conhecidos nomeados.

Compreensão auditiva é a evolução da habilidade de reconhecimento

auditivo. A partir dos 18 meses a criança consegue entender a fala, responder

a perguntas relacionadas a um evento ou história e é capaz de recontar

histórias (AZEVEDO, 2011).

4. Fatores que interferem no desenvolvimento do sistema auditivo

Perdas auditivas são resultado de uma ruptura das estruturas funcionais

que transmitem o sinal acústico da orelha externa até o córtex auditivo. Muitas

condições patológicas incluindo doenças, traumas e distúrbios de

desenvolvimento causam perdas auditivas na infância (STACH e

RAMACHANDRAN, 2008).

As perdas auditivas são normalmente classificadas de acordo com o tipo

em condutivas, sensorioneurais e neurais. Perdas auditivas condutivas

resultam de problemas de transmissão mecânica para a cóclea, e envolvem as

estruturas da orelha externa e média. Perdas auditivas sensorioneurais

resultam de um problema de transdução de energia hidráulica em energia

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elétrica e, envolvem as estruturas da cóclea. Perdas auditivas neurais resultam

de problemas de transmissão do sinal elétrico para e ao longo do sistema

auditivo e, envolvem o oitavo par craniano e as vias auditivas do sistema

nervoso (STACH e RAMACHANDAN, 2008).

As perdas auditivas condutivas são normalmente transitórias, porém a

flutuação na audição resultante da otite média recorrente pode causar

problemas de linguagem /aprendizagem devido à inconsistência da entrada

auditiva durante o período crítico de desenvolvimento auditivo.

As causas mais comuns de perdas auditivas condutivas adquiridas no

período pré-natal são por atresia e anomalias de orelha média e, as adquiridas

no período pós-natal por otite média com efusão, perfuração de membrana

timpânica, colesteatoma, excesso de cerúmen e otite externa (Joint Committee

of Infant and Hearing, 2007).

As perdas auditivas sensorioneurais são geralmente permanentes e

variam de leve a profunda. Desordens nos processos cocleares resultam em

redução na sensibilidade das células receptoras da cóclea, resolução de

frequência diminuída e redução da faixa dinâmica. Essas mudanças complexas

da função coclear tem um impacto negativo na audição supraliminar (STACH e

RAMACHANDAN, 2008). A causa mais frequente de perda auditiva

sensorioneural congênita é genética (REHM e MADORE, 2008). Algumas das

causas mais comuns de perdas auditivas sensorioneurais adquiridas no

período pré-natal são devido a anomalias de orelha interna e infecções

congênitas, tais como: citomegalovírus, sífilis, rubéola e toxoplasmose e; as

pós-natais são por hipertensão pulmonar persistente no recém-nascido /

oxigenação extracorpórea, meningite, doenças autoimunes da orelha interna,

infecções virais (caxumba e sarampo) e ototoxidade (Joint Committee of Infant

and Hearing, 2007).

As desordens auditivas neurais tendem a ser divididas em dois grupos:

retrococleares e alterações do processamento auditivo. As desordens

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retrococleares resultam de lesões estruturais no sistema nervoso e são

causadas por neoplasias, hidrocefalia, hipóxia e hiperbilirrubinemia (STACH e

RAMACHANDAN, 2008). As desordens de processamento auditivo são devido

a problemas de desenvolvimento ou atrasos. Essas desordens são resultado

de lesões funcionais do sistema nervoso. Os sintomas mais comuns de

desordens auditivas neurais são dificuldade de escutar em ambiente ruidoso e

de localização da fonte sonora na presença de ruído ambiental.

Períodos prolongados de privação sensorial podem causar deficiências

permanentes nas habilidades do processamento auditivo humano. Estas

incluem as habilidades de localização dos sons, detecção de sons no ruído, e

discriminação das frequências ou modulações de amplitude (HALL e GROSE,

1994B; HALL et al 1995; WILMIGTON et al. 1994; KIDD et al. 2002; RANCE et

al., 2004; HALLIDAY and BISHOP, 2005). Perdas auditivas nesse período

podem causar atrasos na aquisição e percepção de fala (WHITTON e POLLEY,

2011).

Porém, estudo realizado por MOORE (2002) demonstrou que a

plasticidade cerebral é capaz de mediar a recuperação da função auditiva após

perda auditiva e melhorar o seu funcionamento após treinamento auditivo

(Moore, 2002). Deficientes auditivos que recebem implante coclear antes dos 3

anos e meio de idade são um exemplo desta neuroplasticidade (SHARMA,

DORMAN, KRAL, 2005).

5. Considerações finais

O período gestacional e os primeiros anos de vida são críticos para o

desenvolvimento auditivo. Com o avanço científico e tecnológico atualmente é

possível diagnosticar precocemente deficiências auditivas e iniciar o

treinamento auditivo com o intuito de minimizar o impacto dessa deficiência no

processo de aquisição de linguagem.

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Page 13: REFLEXÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO AUDITIVO€¦ · REFLEXÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO AUDITIVO Ana Claudia Vieira Cardoso1 1. Introdução O sistema auditivo humano é único e difere

V ERBA VOLANT Volume 4 – Número 1 – janeiro-junho 2013 – ISSN 2178-4736 http://letras.ufpel.edu.br/verbavolant

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RESUMO O sistema auditivo humano é único e difere do das outras espécies porque desenvolve a capacidade de receber, interpretar e reagir à linguagem de forma complexa. Ao nascimento o sistema auditivo é funcional, porém continuará se desenvolvendo por mais de uma década. Períodos prolongados de privação sensorial nesse período podem causar deficiências auditivas permanentes. O objetivo deste artigo foi descrever as principais etapas de desenvolvimento do sistema auditivo e os fatores que podem interferir nesse desenvolvimento. PALAVRAS-CHAVE: sistema auditivo; desenvolvimento; privação sensorial; perda auditiva.

ABSTRACT The human auditory system is unique and differs from other species because it develops the ability to receive, interpret and react to language in complex ways. At birth the auditory system is functional, but it will continue to develop for over a decade. Prolonged periods of sensory deprivation during this period may cause permanent hearing loss. The purpose of this article was to describe the main stages of the auditory system development and the factors that may interfere with this development. KEYWORDS: auditory system; development, sensory deprivation; hearing loss.