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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ GUILHERME HENRIQUE GONÇALVES REFLEXÕES SOBRE A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E SUA APLICAÇÃO NO NOVO DIREITO PENAL BRASILEIRO CURITIBA 2017

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

GUILHERME HENRIQUE GONÇALVES

REFLEXÕES SOBRE A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E SUA

APLICAÇÃO NO NOVO DIREITO PENAL BRASILEIRO

CURITIBA

2017

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GUILHERME HENRIQUE GONÇALVES

REFLEXÕES SOBRE A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E SUA

APLICAÇÃO NO NOVO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Monografia apresentada ao Curso de Direito, daUniversidade Tuiuti do Paraná, como requisitoparcial para obtenção do título de Bacharel emDireito.

Orientador: Prof. Msc. Luiz Renato SkrochAndretta

CURITIBA

2017

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TERMO DE APROVAÇÃO

GUILHERME HENRIQUE GONÇALVES

REFLEXÕES SOBRE A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E SUA

APLICAÇÃO NO NOVO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito daUniversidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, _____ de _______________ 2017.

__________________________________Prof. Dr. PhD Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografias do Curso de DireitoUniversidade Tuiuti do Paraná

Orientador: __________________________________________Prof. Msc. Luiz Renato Skroch Andretta

Universidade Tuiuti do ParanáCurso de Direito

Supervisor: _________________________________________Prof.

Universidade Tuiuti do ParanáCurso de Direito

Supervisor: __________________________________________Prof.

Universidade Tuiuti do ParanáCurso de Direito

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AGRADECIMENTOS

Evidentemente devo, antes de qualquer outro, agradecer a Deus, porque sem

Ele certamente este trabalho jamais teria sido realizado. A fé Nele impulsionou, e

impulsiona, meu estudo científico, seja sob o prisma do Direito, seja nos mais

instigantes fatos da vida.

Também desejo agradecer e dedicar a presente monografia a meus pais,

Gilmar e Débora, que mesmo com suas batalhas diárias sempre me orientaram nos

mais árduos momentos da vida, prezando pela construção de um senso de honradez e

das mais diversas virtudes humanas. Sempre me alentando com um amor

incondicional e sem qualquer limitação. Espero um dia poder retribuir tudo que os

senhores fizeram por mim. Amo-os.

Também agradeço minha benquista e admirada avó, Dinair, que com seu amor

e zelo incondicional por seus descendentes, me ensinou que a vida, sem preocupações,

não vale a pena ser vivida. Apesar das intempéries lançadas pela vida, persiste forte,

zangadiça e com a gargalhada contagiante, marcas próprias da sua individualidade.

Devo mencionar também a estimada Sandra Novaes de Souza (ou seria

Sousa?), que, mesmo com os rumos tomados por nossas vidas, contribuiu, e ainda

contribui, para a minha formação pessoal e acadêmica. Sempre com um sorriso

cativante no semblante, e um bom conselho para auxiliar a palmilhar os mais diversos

caminhos da vida. A ternura dedicada a mim é algo que sempre levarei comigo.

Agradeço, também, à Procuradoria de Justiça do Estado do paraná, em

especial ao gabinete 68 e seus servidores e estagiários, que além de contribuir para o

meu crescimento intelectual, propiciou-me momentos dos mais elevados júbilos.

Gratifico, também, Ana Paula da Silva Brito Prata, que, sempre preocupada com o

aprimoramento intelectual de seus pupilos, irreverentemente me agraciou com lições

jurídicas e de vida.

Estendo os cumprimentos aos membros do Grupo de Estudos do Tribunal do

Júri da Universidade Tuiuti, que, além das mais diversas amizades ali desenvolvidas,

criou e incrementou (para usar de uma expressão imputacional) o fascínio e o

entusiasmo pelas Ciências Jurídicas.

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“A Grande Novidade!

Chegou a novidade,Causou espanto, Não tiveram piedade.Mas se acostumou,E se acostumaram a ela,E a novidade ficou,E logo viciou...A novidade, drogaForte, imperceptível,Deixou de ser novidade,Virou necessidade, Dependência incrível.Era o meio de urgência!Todos deviam usar,'Era caso de emergência!'Urgência que surgiuQuando chegou a novidade,E que nunca existiraNa história da humanidade!!!

Aquela antiga novidadeEra agora obviedade,Até que nova novidade,Inquietou nossa cidade,Foi recebida sem piedade.Era estranha, diferenteÀquele povo doente.Mas logo se acostumouE se acostumaram a elaE logo viciou, Passou a ebriedade,Virou necessidade.Agora sim era urgente,Antes era quase!

Até que a novidade,A mais nova novidade,Deixou nossa cidade,E virou antiguidade.”

A divina poesia -

Rodolfo Mair Coelho

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RESUMO

A presente monografia visa tratar de uma incursão na teoria da Imputação Objetiva do

resultado no novo código penal brasileiro, com a entrância do projeto de Lei do

Senado Federal número 236. A pesquisa desenvolveu-se no sentido de dar vistas

concretas à debatida teoria da Imputação Objetiva nos projetos de legislação brasileira,

bem como na literatura jurídica, apresentando-a aprioristicamente como ponto

concreto e de aplicabilidade tangível nas mais diversificadas figuras típicas do Código

Penal, nunca olvidando sua estreita conexão com as demais categorias que completam

a teoria analítica do delito. Trabalhamos, porém, a metodologia através de revisão

bibliográfica, pesquisando em obras, artigos, periódicos especializados, monografias,

teses e demais fontes que se mostraram necessárias para o desenvolvimento deste

trabalho monográfico. O exame do dispositivo legal que introduz a Imputação

Objetiva na ordem jurídica brasileira conduziu-nos à conclusão de que os projetos

apresentam problemas sistêmicos e epistemológicos, que, ademais, podem torná-la

concretamente inaplicável.

Palavras chave: Direito Penal, teoria do delito, tipo penal, tipicidade, tipicidade

material, tipicidade objetiva, imputação objetiva, Código Penal, Novo Código Penal,

projeto de lei Senado Federal nº 236, Claus Roxin, Gunther Jakobs.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................8

2 TEORIAS CIENTÍFICAS DE ANÁLISE DO DELITO.......................................9

2.1 TEORIA CAUSAL NATURALISTA, OU O TEOREMA DO DELITO

CIENTÍFICO.................................................................................................................9

2.1.1 Crítica dogmática acerca das proposições aventadas pelo Causalismo Naturalista

..................................................................................................................................... 13

2.2 TEORIA NEOKANTISTA, OU A RUPTURA DO PENSAMENTO IMAGÉTICO

..................................................................................................................................... 15

2.2.1 Criticas dogmáticas às reflexões Neokantistas....................................................19

2.3 FINALISMO, OU A GUINADA COPERNICANA NA ANÁLISE SISTÊMICA

DO DELITO................................................................................................................20

2.3.1 Crítica ao finalismo welzeliano...........................................................................24

2.4 FUNCIONALISMO OU NORMATIVISMO........................................................25

2.4.1 Sistema funcionalista teleológico-racional de Claus Roxin, ou o Direito Penal da

razão prática.................................................................................................................28

2.4.2 Sistema funcionalista-sistêmico de Günther Jakobs, ou o Direito Penal da razão

normativa.....................................................................................................................31

2.4.3 Crítica dogmática às concepções funcionalistas de delito...................................34

3 DO TIPO PENAL...................................................................................................36

3.1 TIPO OBJETIVO...................................................................................................38

3.1.1 Dos Sujeitos........................................................................................................41

3.1.2 Dos Objetos.........................................................................................................43

3.1.3 Do Resultado.......................................................................................................44

3.1.4 Do Nexo de Causalidade.....................................................................................49

3.1.4.1 Teoria da Equivalência dos Antecedentes causais, ou Conditio Sine Qua Non51

3.1.4.2 Teorias Individualizadoras...............................................................................55

4 IMPUTAÇÃO OBJETIVA....................................................................................59

4.1 IMPUTAÇÃO OBJETIVA SOB A ÓTICA DE CLAUS ROXIN.........................59

4.1.1 Introdução e conceito..........................................................................................59

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4.1.2 Os contornos primevos da Imputação Objetiva de Roxin...................................60

4.1.3 A atual doutrina da Imputação Objetiva..............................................................62

4.1.3.1 Criação de um risco proibido e suas desinentes causas de afastabilidade.........62

4.1.3.2 Realização do risco no resultado e suas desinentes causas de afastabilidade. . .65

4.1.3.3 Alcance do tipo e suas derivadas causas de afastabilidade...............................68

4.2 IMPUTAÇÃO OBJETIVA SOB A ÓTICA DE GÜNTHER JAKOBS................72

4.2.1 Observações preliminares...................................................................................72

4.2.2 O risco permitido................................................................................................74

4.2.3 O princípio da confiança.....................................................................................75

4.2.4 Proibição de regresso..........................................................................................76

4.2.5 A competência ou capacidade da vítima.............................................................77

4.2.5.1 Atuações de terceiro que contam com o consentimento do ofendido...............78

4.2.5.2 Ações realizadas pela vítima a seu próprio risco..............................................79

5 PROJETO DE LEI SENADO FEDERAL NÚMERO 236, DE 09 DE JULHO

DE 2012 - (NOVO CÓDIGO PENAL).....................................................................81

5.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES.................................................................81

5.2 CRÍTICAS À REDAÇÃO E À CIENTIFICIDADE DA LEGISLAÇÃO

REFORMISTA............................................................................................................82

5.3 A IMPUTAÇÃO OBJETIVA NO PROJETO DE LEI SENADO FEDERAL Nº

236/2012......................................................................................................................84

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................97

REFERÊNCIAS.........................................................................................................99

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1 INTRODUÇÃO

Há algum tempo a literatura jurídica vem tratando da Imputação Objetiva em

Direito Penal, seja ela exclusivamente examinada sob o enfoque de aprimorar a

tipicidade objetiva hoje existente, ou analisada sob o prisma de uma tipicidade penal

inteiramente regulada por seus dogmas. Por isso, mostrou-se (e mostra-se) imperioso

que seu conteúdo seja estudado e examinado com cada vez mais verticalidade

científica, sempre com o afã de robustecer seus aspectos positivos e refinar as

características que demandam melhor reflexão.

Corroborada à necessidade de profícuo estudo da teoria, o Brasil, em uma

evidente tentativa de modernizar a Parte Geral do Código Penal, vem debatendo a

pertinência da Imputação Objetiva em nosso sistema jurídico-penal, tendo em vista

que seu conteúdo está sendo cada vez mais albergado em legislações estrangeiras.

Por isso, esta monografia pretende examinar o conteúdo dogmático desta nova

teoria imputacional, seja isoladamente, seja no seio do projeto de Lei do Senado

Federal de número 236 (doravante denominado como “Projeto”), e seu substitutivo,

ambos já apresentados à mesa da Casa Legislativa.

Contudo, objetivando a maior clareza expositiva possível, devemos, antes

mesmo de adentrar na seara deste novo requisito de tipicidade, realizar uma breve

síntese das teorias que, desde a modernidade até os tempos pós-modernos, vêm

enriquecendo o sistema jurídico-penal e, principalmente, sua dogmática; até

chegarmos ao funcionalismo penal, pois esta é a alma mãe da teoria da Imputação

Objetiva.

Após este breve passeio pelas teorias que precederam o funcionalismo, seja

qual for a linha teórica, tomamos a liberdade de explorar a atual teoria do tipo penal,

dada sua estreita conexão com o objeto do presente estudo. Dessarte, evidencia-se

imperioso bem precisar o posicionamento da Imputação Objetiva dentro do Tipo

penal.

Derradeiramente, procuramos verificar verticalmente, sem qualquer pretensão

de esgotar o tema, as características da Imputação Objetiva e sua desinente e criticada

introdução nos aludidos Projetos.

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2 TEORIAS CIENTÍFICAS DE ANÁLISE DO DELITO

2.1 TEORIA CAUSAL NATURALISTA, OU O TEOREMA DO DELITO

CIENTÍFICO

Responsável pelas linhas primitivas da teoria geral do delito, o chamado

causalismo, ou a teoria clássica do delito, cumpriu a função de promover a mais

contundente quebra à chamada responsabilidade penal objetiva,1 vez que, por sua linha

teórica, como veremos, caracterizou e individualizou a subjetividade dentro da análise

sistêmica do delito.

Ademais, no momento histórico de seu desenvolvimento, vê-se que as

evoluções carreadas pelo Iluminismo mudaram, de certa maneira, as concepções da

ciência em geral, eis que propiciaram relevantes e exponenciais avanços no

“paradigma do saber”, com a edificação de Universidades na Europa renascentista, até

então em escassa quantidade, o que difundiu o acesso ao conhecimento àqueles não

pertencentes ao clero, culminando, posteriormente, na chamada Revolução Industrial,

inciada no século XIX (BUSATO, 2013, p. 214).

Em tal estágio histórico, e em razão dos citados avanços, vê-se um crescente

aumento na produção científica europeia, ainda mais quando consideradas as áreas da

botânica, física, química e matemática. Todavia, conforme sublinha Busato (2013, p.

214), o conhecimento metafísico se manteve adstrito aos cânones da Igreja, isto

porque, seu estudo mais aprofundado, obviamente, aumentaria “[...] a consciência do

homem a respeito de sua inserção no mundo e quiçá despertá-lo[-ia] para as diferenças

entre os participantes do contrato social, circunstância esta que não interessava a

todos.” (BUSATO, 2013, p. 215). Destarte, como alinhavado, todos os avanços

dogmáticos ficariam restritos às acepções das ciências naturais, e o direito não poderia

permanecer alheio a tal sistemática caso almejasse o reconhecimento como uma

“ciência”.

1 Entende-se por responsabilidade penal objetiva a inculpação de um ilícito penal a alguém sem queeste tenha contribuído para o fato de forma consciente e voluntária (dolo), ou mesmoimprudentemente (culpa). Tal dogmática, segundo Gomes, encontra amparo no brocardo “[…]versari in re ilicita imputatur omnia, quae sequunder ex delicto (quem comete um fato ilícito éresponsável por tudo o que se segue a ele) […].” (GOMES 2011, p. 133).

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“Afirmava-se que somente poderia ser ciência o conjunto de conhecimentosque tivesse como base o método causal ou de observação. Negava-se aqualificação de ciência ao Direito e particularmente ao Direito Penal porqueaté então ele estava sistematizado de acordo com os dogmas extraídos doDireito Natural, sem nenhuma base na realidade […]. (GOMES, 2015, p.701)

E assim, diante do pensamento civilístico de Rudolf Von Ihering no século

XIX, o Causalismo ganhou seus iniciais contornos. Ihering, imbuído pelo progresso

proporcionado pela doutrina darwiniana, realizando detida análise do ilícito no âmbito

cível, separou a antijuridicidade, que nesta vertente inicial confundia-se com a

antinormatividade e a culpabilidade, esta compreendida sob o aspecto subjetivo do

próprio agente, caracterizado exclusivamente pelo dolo e pela culpa (BUSATO, 2013,

p. 216).

Desta forma, coube ao discípulo de Ihering, Franz Von Liszt, no limiar do

século XX, conduzir aquela sistemática elaborada na esfera cível para o Direito Penal

alemão, em específico para examinar analiticamente o delito de uma forma objetiva

(BUSATO, 2013, p. 215). Em virtude disso, como destaca André Estefam, este novo

paradigma penal: “[...] Representou uma verdadeira revolução, tanto na abordagem

científica do Direito Penal, quanto na preocupação com a construção de uma sólida

teoria do delito.” (2014, p. 179). Outrossim, como aduzido, Liszt, introjetou aspectos

das ciências naturais para a matéria jurídico-penal, encampando as metodologias que

buscavam empregar conceitos da realidade empírica mensurável, desde que

objetivamente comprováveis, dentro das categorias dogmáticas do injusto (ESTEFAM,

2014, p. 180).

Saliente-se, também, que a metodologia empregada para analisar, empírica e

formalmente, o delito era própria das ciências naturais, consubstanciada nas técnicas

de observação e descrição empirica (JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p. 155), ou

seja, livre e distanciada de qualquer valoração jurídica sobre o fato.

O crime aqui ainda se constitui de uma ação antijuridicamente culpável.

Calha assentar que, para esta vertente teórica, “[...] o conceito de ação

implicava, portanto, na realização de um movimento corpóreo externo, perceptível aos

sentidos (uma vez mais, vale o método das ciências naturais, observar e descrever a

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realidade sensível). Só que exigia que este movimento fosse voluntário [...].”

(JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p. 157), todavia, esta voluntariedade não deveria

ser vista como sendo o dolo, eis que este, por sua vez, seria objeto de tratativa no

âmbito da culpabilidade e jamais antecedente a esta; dado que deve ser entendido

como “[...] um movimento subordinado ao consciente controle neurológico e motor do

indivíduo.” (ibidem), isto é, uma ação voluntária, ausente de qualquer coação

psicofísica, como vaticinava o progenitor da teoria:

“Acção é pois o facto que repousa sobre a vontade humana, a mudança domundo exterior referivel á vontade do homem. Sem acto de vontade não haacção, não ha injusto, não ha crime: cogitationis panam nemo patitur. Mastambem não ha acção, não ha injusto, não ha crime sem uma mudançaoperada no mundo exterior, sem um resultado.” (LISZTZ, 1889, p. 193 -sic).

A comissão consistia, portanto, no produto de uma sinapse metal que

impulsionava uma inervação muscular, observada e descrita no mundo dos sentidos.

A omissão, por sua vez, conceituava-se, de modo contrário, como uma

distensão muscular, em que o omitente, voluntariamente assim deixa de agir. Desta

maneira, é possível destacar dois momentos na omissão, um primeiro interno, seguido

pelo adjacente ambiente externo: “[...] a omissão era um “não fazer” caracterizado

exteriormente pela “distensão muscular” e interiormente pela vontade de distender os

músculos.”2 (ZAFFARONI, 1994, p. 350).

Posteriormente, em contribuição ao trabalho causalista, Beling introduziu a

tipicidade (“Tatbestand”) à estrutura analítica do delito, atribuindo-lhe exame anterior

e apartado da análise da antijuridicidade. Ademais, seu conteúdo era despido de

qualquer espécie de valoração jurídica, tal qual toda a vertente dogmática até então

construída, tal é a razão para que esta tipicidade tenha como característica a

objetividade e a mera descrição de um cenário empírico, “[...] sem atinência à

antijuridicidade ou culpabilidade [...].” (JESUS, 2014, p. 302). À vista disso,

[…] antes de Beling o Tabestand compreendia o delito na sua integralidade,com todos os seus elementos. Beling, porém, concebeu a tipicidade com

2 Em adpatação livre, confira-se no original: “[…] la omisión era un “no hacer” caracterizadoexteriormente por la “distensión muscular” e interiormente por la voluntad de distender losmusculos.” (ZAFFARONI, 1993, p. 350).

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função meramente descritiva, completamente separada da antijuridicidade eda culpabilidade. A função do tipo, para Beling, era definir delitos, e por issose caracterizava pela sua natureza objetiva e neutra, isto é, livre de valor[…]. (BITENCOURT, 2014, p. 340 - grifos no original)

Neste talante, a antijuridicidade, também observada por um referencial teórico

objetivo dentro da teoria sistêmica do delito, representava, e de certa forma ainda

representa, conforme assinalado por Juarez Tavarez, a “[...] indagação acerca da

incidência ou não de uma causa de justificação, o que significava que o juízo sobre a

ilicitude deveria pressupor a realização de uma ação causal, prevista como proibida.”

(2003, p. 148). Em resumo:

A constatação da antijuridicidade implica um juízo de desvalor, isto é, umavaloração negativa da ação. No entanto, o caráter valorativo recai somentesobre o aspecto objetivo, a provocação de resultados externos negativos,indesejáveis juridicamente.Enfim, a antijuridicidade é um juízo puramente formal: basta a comprovaçãode que a conduta é típica e de que não concorre nenhuma causa dejustificação. (BITENCOURT, 2014, p. 274).

No tocante à culpabilidade, é de se ressaltar que sua adição nesta construção

dogmática tem a missão de simbolizar a faceta interna do delito, eis que seu conteúdo

adstringe-se unicamente aos conceitos psicológicos de dolo e culpa, tal é a razão desta

categoria ser conhecida como “culpabilidade psicológica” (PRADO, MENDES, 2006,

p. 49). Como se pode examinar no Tratado de Direito Penal de lavra do professor

Franz Von Liszt (1899, cap. III), a culpabilidade é o vínculo psicológico que

homogeniza o injusto penal ao seu autor, e, consequentemente, autoriza ao Estado a

aplicação de uma sanção penal.

Todavia, mesmo que aparentemente a culpabilidade represente uma mudança

de paradigma na ótica analítica do ilícito penal, esta não se distancia da ciência até

então construída pelo Causalismo, pois a base de avaliação do delito permanece

inalterada, nada é valorado, apenas observa-se e descreve-se, catalogando

irrefreavelmente o que deve ser entendido por dolo e culpa. Neste sentido é o escolio

de Cezar Roberto Bitencourt:

Dentro dessa concepção psicológica, o dolo e a culpa não só eram as duasúnicas espécies de culpabilidade como também a sua totalidade, isto é, erama culpabilidade, na medida em que esta não apresentava nenhum outro

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elemento constitutivo. Admitia, somente, como seu pressuposto, aimputabilidade, entendida como capacidade de ser culpável. (2014, p. 442 -destaques no original).

Justamente essa separação de polos objetivos (tipo e ilicitude) e subjetivos

(culpabilidade: dolo e culpa strictu sensu) que, segundo a melhor doutrina (GOMES,

2011, p. 47), foram os responsáveis por ceifar da dogmática penal os preceitos arcaicos

de uma responsabilidade penal objetiva, isto é, sem qualquer referenciação ao

conteúdo psicológico da vontade humana. Isso, sem sombra de qualquer dúvida, foi

uma notável evolução, não só de ordem dogmática, mas também ética e humanista.

2.1.1 Crítica dogmática acerca das proposições aventadas pelo Causalismo Naturalista

A avaliação crítica, de um modo geral, tem de se revestir de um ato complexo,

isto é, não se deve analisar proposições pura e simplesmente com olhos

contemporâneos, mas é imperioso que se leve em consideração o contexto

(socio)lógico e temporal em que o objeto da crítica foi desenvolvido, sob pena de

serem criados argumentos vacilantes e sem qualquer rigor dogmático,

impreterivelmente necessários para o exame de teorias, nas assim denominadas

ciências culturais. Com isso, conclui-se que a crítica, por óbvio, deve considerar os

avanços promovidos pela contemporaneidade, no entanto, sem descurar da coerência

científica de outrora.

Hans Welzel, pai da teoria finalista da ação, foi quem prosperou as mais

contundentes críticas as lições clássicas, vez que, segundo sua observação, no que

atine ao delito imprudente (culposo), a teoria causalista se mostra de modo

insatisfatório, visto que em delitos tais, a produção do resultado típico não radica no

ambiente da causalidade natural, mas sim é fruto de uma construção científica de

contrariedade do ato praticado ao cuidado que era objetivamente aguardado do agente

(DOTTI, 2012, p. 405).

Nesta esteira, de mais a mais, o causalismo também encontra embaraço para

resolver os delitos de resultado cortado, isto é, os crimes tentados, pois, “[...] não se

conseguia também explicar satisfatoriamente porque nos delitos tentados o dolo estava

localizado no tipo (sob pena de ser inexplicável a própria tentativa, pois o que

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diferencia as figuras típicas da tentativa de homicídio da lesão corporal?).”

(JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p. 162).

No que toca a relação entre o injusto e a chamada “culpabilidade psicológica”,

como visto, esta fulcrada no idealismo de que seu conteúdo permearia tão somente os

conceitos de dolo e culpa, enquanto para o injusto penal restariam aspectos de ordem

estritamente objetiva, tais quais conduta, nexo de causalidade, resultado e

antinormatividade; a doutrina especializada então descobriu “[...] que o tipo contém

(muitas vezes) requisitos subjetivos (constranger alguém com o intuito de obter

vantagem econômica – extorsão, art. 158 do CP; animus diffamandi na difamação

etc.). Não era verdade, então, que todo o subjetivo pertencia à culpabilidade.”

(GOMES, 2011, p. 49 - destaques no original).

Claus Roxin, por sua vez, também manifesta seu desconforto com as

proposições lisztianas, isso porque Liszt ojerizava a incursão da política criminal, esta

ferrenhamente defendida por Roxin, dentro da análise sistêmica do delito, isto é, a

adoção de acepções político-criminais intrassistêmicas desvirtuaria, no pensar da

clássica doutrina, por absoluto o exame das categorias gerais do delito. A isso, Roxin

replicou:

Uma outra crítica direciona-se contra a espécie da dicotomia lisztiana entredireito penal e política criminal: se os questionamentos político-criminaisnão podem e não deve adentrar no sistema, deduções que dele corretamentese façam certamente garantirão soluções claras e uniformes, mas nãonecessariamente ajustadas ao caso. De que erve, porém, a solução de umproblema jurídico, que apesar de sua linda clareza e uniformidade é político-criminalmente errada? Não será preferível uma decisão adequada do casoconcreto, ainda que não integrável no sistema? Quase se poderia responderafirmativamente a esta pergunta, e permitir que se quebrasse a rigidez daregra, por motivo político-criminais.[…]Se considerarmos um tal método permitido, a função de construçãosistemática de conceitos está mal servida. Pois ou esta quebra permitida dosprincípios dogmáticos, através de valorações político-criminais, acabaráabalando uma aplicação constante e não arbitrária do direito – caso em quetodas as vantagens das sistemáticas acima apontadas serão perdidas; ou sedemonstra que uma solução diretamente valorativa do problema não fere demodo algum a segurança jurídica e o domínio do material jurídico – caso emque se pergunta para que serviria ainda o pensamento sistemático. (ROXIN,2002b, p. 7-9).

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Prosseguindo, é de se observar com certa cautela a crítica formulada pelo caro

professor Damásio Evangelista de Jesus, pois, em que pese seu escólio

costumeiramente carregue notável conhecimento jurídico-penal, pensamos que andou

mal o referido doutrinador quando aponta a falha das proposições do sistema Liszt-

Beling, aduzindo que os princípios regentes do naturalismo balizavam-se centralmente

em postulados das leis das ciências naturais, razão esta que sedimentaria o causalismo

ao absoluto fracasso, visto que o Direito Penal centraliza-se nas assim denominadas

ciências sociais (JESUS, 2014, p. 271).

Nota-se que a ciência penal da época estava vislumbrada com os proeminentes

avanços das ciências da natureza, o que levou à produção de uma vertente teórica que

visava se adequar a tais premissas, pois o que corrente era na época, é que se o direito

não pretendesse alijar-se ao desenvolvimento científico, deveria centralizar seu estudo

nas, assim denominadas, ciências do ser. Isso denota que tal mudança filosófica foi

promovida por uma tentativa de sobrevivência do direito no mundo dogmático. E

mais, a estrutura analítica financiada com o escólio causalista permanece em seus

aspectos fundamentais, pela doutrina majoritária, válida até hoje, restando sua base de

causalidade, por exemplo, em pleno século XXI, insuperada.

2.2 TEORIA NEOKANTISTA, OU A RUPTURA DO PENSAMENTO IMAGÉTICO

Diferentemente do Causalismo, responsável que foi por implantar o “dogma

causal” positivo no ordenamento jurídico, o Neokantismo cumpriu a função de teorizar

numa dissemelhante polaridade, ainda que fizesse uso do positivismo, representando

uma verdadeira antítese á pura filosofia do naturalismo dogmático. Aqui, em que pese

se tenha mantido a análise do delito tal qual formulada por Liszt e Beling,

implementou-se uma carga axiológica própria do pensamento kantiano nas categorias

sistêmicas do delito, ou seja, em vez de uma ciência positivo-naturalista baseada no

ser, o sistema neoclássico deu primazia à filosofia dos valores, fulcrada no “dever ser”

(ESTEFAM, 2014, p. 184). Daí, pois, a nomenclatura da teoria

A referência ao pensamento de Kant, contida na denominação de matrizfilosófica que deu origem ao sistema neoclássico, justifica-se. Foi o filósofoalemão, em sua obra Crítica da Razão Pura, cujo tema é justamente a teoria

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do conhecimento, que desenvolveu a ideia de que o conhecimento puro éindependente da experiência sensorial, de que há, ao lado do conhecimentoempírico (a posteriori), um conhecimento puro anterior à experiência, é uma priori [...].”. (JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p. 162 - grifos nooriginal).

Apesar de manter o sistema proposto pelos clássicos (GUARAGNI, 2009, p.

100), os neoclássicos trataram de extirpar da ótica analítica o silogismo empirista

próprio das ciências naturais, do observar e descrever, tratando de propôr uma

característica axiológica, valorativa, própria da filosofia metafísica adotada, então

consubstanciada no método de conhecimento e valoração dos fatos. Em virtude disso,

destaca Bitencourt (2014, p. 264) que: “[...] com essa interpretação valorativa do

neokantismo foram inevitáveis as significativas alterações produzidas na teoria geral

do delito, orientando uma ruptura epistemológica na dogmática penal [...].”.

A par deste método analítico-interpretativo, os neokantistas introjetaram uma

vertente que reprimiria qualquer exegese calcada centralmente no empirismo

mecanicista, isso se deve pela expressão própria do pensamento kantiano, que refuta,

por absoluto, um conhecimento apriorístico baseado no mundo sensorial (NAUCKE,

2015, p. 819). Acerca do tema, Wolfgang Naucke vaticina que

A radicalidade de Kant no âmbito da teoria do direito está em deixar bemclaro que a teoria empírica do direito está no fim; A Grandeza de Kant noâmbito da teoria do direito está em não se conformar com esta situação, masem ter inaugurado a busca de um conceito de direito não empírico, e sim, aomesmo tempo, não teleológico, nem jusnaturalista – como a únicapossibilidade de escapar ao fim do conceito de direito.” (NAUCKE, 2015. p.820).

Outrossim, é notória a contundente critica formulada por Kant ao

conhecimento racional-empirista, vejamos

[…] a menos que se abandone esses princípios empíricos por enquanto ebusque as fontes desses juízos exclusivamente na razão, visando aestabelecer a base para qualquer produção possível de leis positivas (aindaque leis positivas possam servir de excelentes diretrizes para isso). Como acabeça de madeira da fábula de Fedro, uma doutrina do direito meramenteempírica é uma cabeça possivelmente bela, mas infelizmente falta-lhecérebro […]. (KANT, 2003 p. 75-76)

Imbuído por estas lições, Mezger, em 1930, reelabora a análise do delito,

acrescendo um aspecto axiológico a cada um dos conceitos clássicos do crime

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(BITENCOURT, 2014, p. 265). A tipicidade, classicamente observada ante um

aspecto puramente mecanicista, passa com a teoria neokantiana a conter em si

elementos subjetivos. Exemplificando, como lembra Guaragni (2009, p, 96), o termo

“para si ou para outrem”, no delito de furto, contrasta um paradigmático exemplo da

incursão de elementos valorativos no próprio tipo penal. Ademais, o próprio trabalho

de Mezger já abarcava um inicial transporte do dolo ao injusto,3 embora o fizesse de

maneira por demais singela, visto que identificou a problemática concernente aos

crimes tentados, “[...] consistente na inviabilidade de tipificar, por exemplo, a conatus

relativa ao tipo de homicídio, por não se poder distingui-la de lesões corporais dolosas

ou mesmo culposas [...].” (GUARAGNI, 2009, p. 97 – destaques no original).

Portanto, a abstenção do exame do dolo do agente no próprio tipo penal,

relegando apenas à culpabilidade, acarretaria uma induvidosa oscilação no

enquadramento das condutas tidas por delituosas. Imperioso destacar, ainda no que

tange ao tipo, que Mezger apenas deu início ao transporte do dolo para o tipo penal, o

que seria melhor trabalhado posteriormente com os escritos de Welzel na estrutura

Finalista, mas jamais renegou a majoritária incidência do tipo no seio da culpabilidade,

tal qual formulada por Lizst-Beling. Porém, é de se destacar que o tipo deixava de ser

avalorativamente concebido.

Impende destacar, em continuidade, que o abandono da técnica causalista do

observar e descrever, trouxe consequências pungentes a relação de causalidade

cunhada pelo naturalismo (“conditio sine qua non”), pois, “[...] o tipo deixa de ser só

causalidade, começa a fazer sentido perguntar o que faz de uma causação qualquer

uma causação típica. Noutras palavras: a partir deste momento começa a interessar o

problema da imputação.” (ROXIN, 2002a, p. 14).

Nesta senda, atribui-se então a Max Ernst Mayer (por volta de 1930) o

desenvolvimento da antijuridicidade material, constituída não apenas pela

contrariedade do fato às normas jurídicas, mas, aliado a isso, a efetiva danosidade

social da conduta humana, uma factual lesão a bem juridicamente guarnecido

3 Por injusto deve-se compreender a junção de tipicidade, em todas as suas características essenciais,acrescida das noções de antijuridicidade, tanto formal quanto material: “[...] o termo “injusto”significa precisamente a ação típica ilícita. Ou seja, “injusto” é a conduta típica já valorada comoantijurídica. Pode-se dizer, por isso que crime é o injusto culpável (pois a designação “injusto”reúne em sia as ideias de tipicidade e ilicitude) [...].”. (JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p. 255).

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(BITENCOURT, 2014, p. 265). Para este autor neoclássico, o aspecto antijurídico do

delito permearia a função indiciosa da antijuridicidade do fato, ou, em termos

dogmáticos, mantinha a função de ratio cognoscendi da ilicitude do fato (GOMES,

2011, p. 50).

De outro lado, encontramos pensamentos distintos dentro da teoria

Neokantista, como Mezger que elaborou corrente própria tocante ao injusto, destoando

de Mayer, afirmando que a tipicidade não pode ser apenas o significante de um

indiciamento de ilicitude, ou seja, como lembra a sempre cara e bem escorada

anotação dos professores Gustavo Junqueira e Patrícia Vanzolini “[...] o tipo passa a

ser a ratio essendi da antijuridicidade [...].” (2014, p. 164), em termos simplistas, a

relação entre tipicidade e antijuridicidade passa a conter uma compartimentação

melhor trabalhada, pois “[...] a tipicidade é o fundamento real e de validade da ilicitude

[...].” (JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p. 164).

Em resumo, a estrutura analítica não pode prescindir da existência do tipo

penal, diante do especial relevo do imperativo de legalidade em matéria penal, frente

ao antijurídico, assim, o injusto pode ser concebido como “[...] a ação tipicamente

antijurídica [...].” (JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p. 164).

Por sua vez, tocante à Culpabilidade, o Neokantismo deixa claro que esta não

mais representa tão somente o elo psicológico que une o agente ao ato praticado, vez

que antevê, neste talante, a reprovabilidade comportamental própria do autor do

injusto, compondo-se, outrossim, de elementos psicológicos e normativos

(GUARAGNI, 2009, p. 99). Esta nova característica da Culpabilidade fundamenta-se

principalmente pela adição do conceito de “exigibilidade de conduta diversa”, que, por

si só, demonstra um princípio de valoração pelo intérprete da conduta, visto que, ao

menos em tese, a culpabilidade aqui se preocupa em amoldar a prudência e correção da

conduta devida pelo agente ao ordenamento jurídico (GOMES, 2011, p. 50).

Desta feita, conclui-se que o Neokantismo, em que pese tenha mantido as

estruturas dogmáticas da análise do delito causalista, propiciou um novo paradigma na

doutrina penal do início do século XX, nunca menosprezando o que fora construído

por Liszt, Beling e Radbrunch, mas apenas reanalisando tal estrutura e conferindo um

novo enfoque, notadamente axiomático, ao pensamento causal dos fins do século XIX.

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2.2.1 Criticas dogmáticas às reflexões Neokantistas

A doutrina em geral tende a não conferir aos Neoclássicos o título de teoria

autônoma, visto que manteve os aspectos gerais das formulações clássicas tais quais

engendrados pelos causalistas, no entanto, com poucos retoques.

Destaca a doutrina (PRADO, MENDES, 2006, p. 54), que o Neokantismo não

fitava a negação do Causalismo, mas apenas se consubstanciava numa reação contra a

neutralidade positivista própria do pensamento clássico. De um modo geral, o

professor Luiz Regis Prado, ancorado nas lições welzelianas, traça o teor da

problemática teórica:

[...] o problema fundamental para a concepção neokantiana é que “debaixode sua superestrutura ideal permanece intacto, como um bloco errático, ‘oconceito estrito de direito’ do positivismo”, não passando, assim, de umateoria complementar do positivismo jurídico. Com o neokantismo, não semodificou o objeto (aspecto objetivo), tão somente se acrescentou o sujeito(aspecto subjetivo) ao conceito de realidade cognoscível pela ciênciajurídica. (2006, p. 55).

Em termos práticos, a teoria ora criticada não resolveu problemas essenciais

vergastados sob a égide da teoria causal-naturalista, tal qual o embaraço da

permanência do dolo e culpa como aspectos unos, componentes da porção subjetiva

(interna) da análise sistêmica, ou pior, “[...] também não há fundamento que justifique

porque os elementos subjetivos especiais são componentes da tipicidade, bem como o

dolo (cuja natureza é a mesma) seja tratado apenas na culpabilidade.” (JUNQUEIRA,

VANZOLINI, 2014, p. 166).

O dolo tal qual concebido pelos neoclássicos também não restou ileso de

críticas, haja vista que, para resolver a problemática desencadeada pelo erro de

proibição, os defensores desta teoria passaram a destacar que o dolo deve

necessariamente abarcar em seu conteúdo a voluntariedade, a vontade de realizar o

injusto e, ainda, a consciência da ilicitude do que faz, era o obsoleto dolus malus, no

entanto, com nova denominação: dolo híbrido ou normativo. A doutrina mais

especializada não reservou críticas a esta proposição, visto que a ausência do

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conhecimento da ilicitude acarretaria inexoravelmente à atipicidade do ato

(ESTEFAM, 2014, p. 186-187).

Destarte, assim proclamava a doutrina crítica:

Ao afirmar que o dolo contém a consciência da ilicitude, corre-se o sériorisco de tornar impunes criminosos habituais e demais delinquentesprofissionais. Imaginemos uma pessoa criada numa grante favela, que nãoteve acesso à educação e viveu no meio da violência e da marginalidadecomo se isso fosse normal. É possível que ela não veja mal algum na vendade cerca quantidade de droga para se sustentar. Pode até considerar essecomportamento correto, segundo seus padrões individuais. Esse sujeito,então, nunca seria punido criminalmente pelo tráfico de drogas quecometesse, pois a falta de consciência individual da ilicitude conduziria,consoante a teoria acima exposta, à ausência de dolo em suas condutas.(ESTEFAM, 2014, p. 187).

2.3 FINALISMO, OU A GUINADA COPERNICANA NA ANÁLISE SISTÊMICA

DO DELITO

Hans Welzel, progenitor da doutrina finalista em Direito Penal, foi um dos

maiores críticos ao positivismo que adscreveu e permeou todas as teorias do delito

precedentes, sejam causalistas ou neokantistas.

A um, pois, como observa Busato (2013, p. 228): “[...] ao contrário do que

pregavam os neokantistas, pensava Welzel que a realidade jurídica não é organizada

pelos valores, mas sim é previamente ordenada, dotada de um sentido ontológico

prévio e limitador das valorações jurídicas [...].”.

A dois, porque não pode o direito permanecer recluso às ciências empíricas, de

modo que é errôneo realizar uma análise descritiva, neutra e avalorada, e aqui dirige

sua crítica ao Neokantismo, visto que “[...] não é o método que condiciona o objeto do

conhecimento, mas sim o contrário.” (BUSATO, 2013, p. 228). Em termos simplórios,

não pode o direito cingir-se a submeter o objeto do conhecimento (realidade ôntica ou

fática) ao método empregado pela norma, pois, como novamente recorda Busato:

“Welzel partia, pois, da ideia de que determinadas estruturas retiradas da realidade

vinculavam o direito e estabeleciam as bases sobre as quais seria construído o modelo

de imputação [...].” (2013, p. 229).

Em suma, não se nega a existência de uma valoração em matéria de direito,

principalmente o sancionador, contudo, não se pode sobrepor esta à realidade natural

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(ôntica), mas sim deve a valoração levar em conta a existência ôntico-fenomenológica,

para então empregar seus axiomas. Assim, explica Welzel, a valoração deve recair

sobre a realidade do mundo dos sentidos, e não apenas na conceituação dos institutos

jurídicos.

Assim, partia da premissa de que não se pode desvalorar unicamente o

resultado, base esta que foi o princípio unificador das teorias predecessoras, porquanto

“[...] uma ação dirigida a um resultado reprovável, também é valorativamente

censurável, independentemente que o resultado seja atingido [...].” (WELZEL, 1993,

p. 02),4 e, adiante, exemplifica da seguinte forma: “[...] o desvalor da ação do batedor

de carteiras que introduz sua mão em uma bolsa vazia.” (WELZEL, 1993, p. 02).5

E a partir desta asserção inicial, Welzel deu início ao raciocínio que levou à

chamada teoria Finalista (ou teoria lógico-objetiva), que, da própria nomenclatura, vê-

se que põe especial destaque à finalidade da ação humana, conquanto realça a acepção

pura da conduta delitiva como realidade ôntica (PRADO, 2011, p. 120), desde que esta

seja, de certa forma, livre.

Resumidamente, Mir Puig apresenta-nos uma fórmula explicativa e de clareza

solar: “[…] a ação não é uma mera soma de elementos objetivos e subjetivos, mas sim

uma direção do curso causal regido pela vontade humana. O conteúdo da vontade

pertence ao conceito da ação e este corresponde ao seu ser.” (2015, p. 120).

Nesta senda, é conhecida a conceituação da ação finalista de Welzel, segundo

a qual: “A ação humana é exercício de uma atividade final. A ação é, portanto, um

acontecimento final e não puramente causal […].” (WELZEL, 2015, p. 31), adiante,

destarte, vem a conceituar o que dogmaticamente entende por finalidade: “[…] A

finalidade, o caráter final da ação, baseia-se no fato de que o homem, graças ao seu

saber causal, pode prever, dentro de certos limites, as possíveis consequências de sua

conduta, designar-lhe fins diversos e dirigir sua atividade, conforme um plano, à

consecução desses fins […].” (WELZEL, 2015, p. 32). A par de tais lições, Estefam

narra um exemplo que bem calha demonstrar o ponto de partida da teoria da ação

4 Em adaptação livre, confira-se no original: “[…] una acción dirigida a un resultado reprobado,también es valorativamente reprobable, com independencia de que se alcance el resultado.(WELZEL, 1993, p. 02).

5 Em adaptação livre, confira-se no original: “[…] por ejemplo la acción del ratero que introduce lamano em el bolsillo vacío.” (WELZEL, 1993, p. 02).

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finalista welzeliana: “[…] se um homem presenteia uma mulher com flores, o faz

finalisticamente, isto é, porque espera dela uma determinada reação, que poderá

satisfazer seu objetivo.” (2014, p. 188).

Portanto, a premissa de Welzel com a reformulação do conceito de conduta era

de que ninguém age sem que, para tanto, almeje um fim, sem que tenha uma intenção

a ser atingida por intermédio de sua ação. Esta ideia é desenvolvida levando-se em

conta o saber anterior (pré-jurídico) de cada qual, ou, como prefere Welzel, o saber

causal de cada indivíduo (1993, p. 39), fato este que é o propulsor da determinação do

fim almejado. Esclarecia, também, que “[…] a finalidade é vidente, e a causalidade é

cega.”6 (WELZEL, 1993, p. 40). Somente se quer o que sabe existir.

Com esta novel acepção de conduta humana, Welzel conseguiu, de modo

eficiente, esclarecer e desvendar a problemática relativa à conduta com resultado

cortado, isto é, a tentativa. Explana o ilustre professor alemão (Welzel, 1993, p. 42)

que a partir do átimo em que o agente provoca, voluntariamente, um processo causal,

anteriormente determinado pelo momento intelectivo de sua ação - a proposição do

fim almejado, a seleção dos meios para atingir os fins propostos e a consideração dos

efeitos concomitantes -, mas este, por uma razão qualquer, não vem a efetivamente

ocorrer, ter-se-á, então, uma tentativa da ação final correspondente.

Ainda permanece o esqueleto analítico cunhado em fins do século XIX (crime

é conduta típica, antijurídica e culpável), mas com inúmeras modificações filosóficas e

intrassistêmicas que, significativamente, espelham um Direito Penal moderno

(ESTEFAM, 2014, p. 189).

A partir desta renovação do conceito dogmático de conduta humana, novas, e

inovadoras, compreensões acerca do tipo penal foram lançadas no trabalho welzeliano:

“[…] se o tipo é o reflexo normativo da conduta, então o tipo teve necessariamente que

ganhar também uma nova dimensão […].” (JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p.

169). Assim, Welzel, inseriu um novo coeficiente aos elementos do tipo, agora este

passa a conter uma característica notadamente subjetiva, o dolo (WELZEL, 1993, p.

74).

6 Em adaptação livre, confira-se no original:“Por eso la finalidade es – dicho em forma gráfica -“vidente”, la causalidad, “ciega”. (WELZEL, 1993, p. 02).

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Inobstante, “[…] abandonou-se o sistema de determinação puramente

“objetiva” do injusto: o dolo é elemento essencial no injusto em absolutamente todos

os tipos penais dolosos […].”7 (WELZEL, 1993, p. 74). Com isso, passa-se a ramificar

o próprio tipo penal em “tipo objetivo”, contendo o que classicamente fora sustentado

(conduta, nexo de causalidade e resultado); e, de outro lado, a criação welzeliana do

chamado “tipo subjetivo”, com toda a carga subjetiva imanente ao novo tipo penal,

seja o próprio dolo, sejam os demais elementos subjetivos previstos no texto da lei

penal.

Ao transportar esta carga subjetiva da culpabilidade para o tipo penal, esgotou-

se, naquela, qualquer análise de ordem psicológica, restando apenas elementos

valorativos, isto é, elementos que revelam a reprovabilidade da conduta contrária ao

direito (BITENCOURT, 2014, p. 267).

A seu tempo, a tipicidade representava, seguindo os mesmos paradigmas

elaborados por Mezger durante a prevalência da teoria neokantista, uma função

indiciária de antijuridicidade do fato, conforme Welzel explana: “Se o autor realizou,

objetiva e subjetivamente, a conduta típica de uma norma proibitiva, atuou de modo

contrário à norma. A tipicidade, e a consequente contradição com a norma, é um

‘indício’ de antijuridicidade […].” (2015, p. 76). Em suma, o fato típico não somente

contraria a norma proibitiva mas também vai de encontro à totalidade do ordenamento

jurídico. Assim, conclui Welzel que tipicidade é a ratio cognoscendi da ilicitude do

fato.

Com essa formulação do ilícito, as categorias analíticas foram melhor

compartimentalizadas quando em contraste às teorias anteriores.

Destarte, acaso sobrevenha uma causa justificante8 esta em nada influenciará

na análise da tipicidade da conduta, pois esta antecede a apreciação da justificação.

Aliás, tocante a tais premissas justificantes, imperioso destacar que elas alicerçaram

um novel paradigma para a antijuridicidade, eis que esta não mais é concebida como

7 Em adaptação livre, confira-se no original: “Con ello, sin embargo, se ha abandonado el sistemade la determinación puramente “objetiva” de lo injusto: em todos los delitos dolosos el dolo esum elemento esencial de lo injusto […].”. (WELZEL, 1993, p. 74).

8 Welzel arrola a “[…] legítima defesa, a autodefesa, o consentimento do ofendido […]. (2015, p.77) como causas tais – em nosso ordenamento, porém, as justificantes, por excelência, encontram-se dispostas no art. 23, do Código Penal, a saber: a legítima defesa, o estado de necessidade e oestrito cumprimento do dever legal (BRASIL, 1940, página única).

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elemento puramente objetivo, visto que o aspecto subjetivo adentrou às portas do

injusto, haja vista que não basta a configuração dos elementos legitimadores da

conduta típica para eximir a responsabilidade do agente, para que tal ocorra necessário

é que este possua a consciência de que age imbuído pela justificante (JUNQUEIRA,

VANZOLINI, 2014, p. 169).

Como se vê, o avanço mais significante efetivado pelo Finalismo, é o

esgotamento dos elementos subjetivos dentro do conceito de culpabilidade

(JUQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p. 169), o que trouxe a lume uma teoria puramente

normativa, sem quaisquer reflexos da consciência ou da imprudência do agente no fato

típico e antijurídico. Com isso, problemas anteriores foram esclarecidos, a exemplo do

erro sobre a ilicitude do fato, que não passa, logicamente, a ser tratado juntamente ao

dolo, mas sim à própria culpabilidade do agente (JUQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p.

169).

2.3.1 Crítica ao finalismo welzeliano

Em que pese o finalismo tenha elaborado uma estável teoria delitiva de base,

suas construções e seus conceitos dogmáticos não se alijaram ao escrutínio da

literatura jurídico-penal, que por sua vez não reservou críticas ao sistema proposto por

Welzel.

Conforme assinala André Estefam, parcela dos autores, erroneamente,

censuravam a ideia de “ação finalista” pois, “[…] afirmar que toda conduta humana é

movida por uma finalidade, ficariam sem explicações os crimes culposos, nos quais o

agente não possui intenção de produzir o resultado.” (2014, p. 192).

O aspecto pré-jurídico deste sistema também levou outra parcela doutrinária a

sustentar que as soluções atingidas pelo finalismo apresentam formulações

insatisfatórias, que aparentam uma inacabada sistematização, ao menos no que tange

ao conceito de ação. A partir disso, Wessels e Jeschek elaboraram o que

posteriormente restou conhecido como “teoria social da ação”. Para esta - que pode ser

concebida muito mais como uma teoria correcionalista do que propriamente uma nova

proposição teórica - a finalidade da ação necessita de um adendo axiológico, isto é, a

conduta humana, além da direção à determinada finalidade, necessita que a sociedade

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reconheça-a como relevante ao mundo jurídico (DOTTI, 2012, p. 396). Todavia, esta

teoria não foi bem recepcionada pelos estudiosos em geral.

Outra crítica direcionada ao finalismo encontrou apoio na evolução filosófica

e sociológica da sociedade, pois, como leciona Cezar Roberto Bitencourt “[…] o

enfoque ontologista do finalismo é questionável à luz da evolução da filosofia, tendo

levado tanto as correntes hermenêuticas como as analíticas a abandonarem a pretensão

de apreender essências próprias do ontologismo.” (2013, p. 269 – destaques no

original), e adiante arremata o professor gaúcho que “[…] já não é possível sustentar a

razoabilidade da argumentação jurídica partindo de estruturas lógico-objetivas

imutáveis.” (ibidem).

Por fim, Claus Roxin também se apresenta como vigoroso crítico do sistema

ontológico que, desde o causalismo, permeia grande parte das construções dogmáticas

da pós-modernidade. Enfatiza o professor alemão que o erro do ontologismo é por

especial protagonismo na construção sistemática de seus elementos analíticos do

delito, o que acaba por resvalar em errôneas soluções práticas, vistas de um ponto de

vista político-criminal. Indo além, Roxin chega a concluir que os sistemas fulcrados

em premissas ôntico-fenomenológicas, dentre os quais o finalismo welzeliano encontra

seu princípio unificador, propõem “[…] mais soluções do que permitiria suas

premissas. Nestes casos, a impropriedade político-criminal de tais resultados é

inevitável.” (ROXIN, 2002a, p. 224).

Em resumo, o que Roxin precisamente vergasta é a abstração cega, avalorada,

que desconhece a razão de sua instituição dentro de uma sociedade plural. Contudo,

ele mesmo reconhece que o Finalismo, apesar de não solucionar alguns casos

concretos de modo eficiente, porquanto introduz o princípio da bagatela em Direito

Penal, abrandou a rígida característica classificatória de condutas, proposta no início

do século passado (ROXIN, 2002a, p. 226).

2.4 FUNCIONALISMO OU NORMATIVISMO

As novas correntes de pensamento jurídico-penal enlaçam sua estrutura

dogmática tendo como premissa base a função que o Direito Penal da pós-

modernidade deve cumprir perante a sociedade. Assim, em uma ideia simplista desta

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corrente doutrinária, podemos compreender o Direito Penal como um subsistema, cuja

finalidade é a tutela do sistema geral, isto é, a sociedade (GOMES, 2011, p. 68-69).

Em que pese a sólida base criada por Welzel quando de suas proposições

lógico-objetivas - que, diga-se, imperam na atual legislação brasileira até os dias atuais

-, o finalismo welzeliano viu-se em franco declínio em meados da década de 1960,

sobretudo na Europa. Muito por conta das duras críticas alçadas ao modelo filosófico

que fundamenta a teoria, consubstanciada no “ser”. A dogmática, então, percebeu uma

abertura no solo intelectual para a incursão de uma renormativização do sistema penal,

utilizando da expressão cunhada por Guaragni (2009, p. 245), isto é, “[…] na retomada

de postulados já destacados por ocasião do Neokantismo e que foram obinubilados

pelo êxito do finalismo.” (BUSATO, 2013, p. 237 - sic). Assim, podemos apontar

como centro de encontro de todas as teorias funcionalistas, a pretensão de livrarem-se

de dados estritamente ônticos na Teoria do Crime (ZAFFARONI, 1994, p. 368). Neste

talante, assinala o professor Paulo César Busato que

A construção do sistema de imputação não deve vincular-se a pressupostosmetodológicos extraídos de dados ontológicos como a ação ou a relação decausalidade, e sim afinar-se às missões que se atribui, ou que se pretendealcançar através da aplicação do próprio sistema aos casos concretos. (2013,p. 239).

No entanto, não é correto afirmar que o Funcionalismo representa um retorno

às bases dogmáticas neokantistas, pois, enquanto estas eram marcadas por um

“relativismo valorativo”, visto que não apresentavam um sentido de valoração

unívoco, alterando sua concepção axiológica a cada elemento de análise sistêmica (por

exemplo, a ilicitude e a culpabilidade, que, apesar de valorativas, não mantinham uma

univocidade de interpretação), os sistemas funcionalistas se orientam no sentido de

conceber uma única forma valorativa.

Para melhor aclarar, lançamos mão de um exemplo: a escola de Claus Roxin,

que orienta (funcionaliza) toda sua construção sistêmico-penal no sentido de dar

primazia aos fins da pena e à proteção subsidiária de bens jurídicos, baseados numa

política criminal adequada, razão pela qual é possível examinar que todos os

elementos convergem para uma melhor aplicação destas orientações (GUARAGNI,

2009, p. 254).

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27

É pertinente o apontamento do professor Fabio André Guaragni quanto as

propostas

Mas por que os conceitos devem ser obtidos empregando-se este método,orientado segundo as funções que desempenham no sistema? Porque aprimeira das pretensões do funcionalismo é, com o emprego deste método,desenvolver os conceitos e definições tangentes à teoria do crime de maneiratal que possamos cumprir da melhor forma suas funções no direito penal,levando-o ao êxito como sistema de controle social, capaz de – dentro dosistema social – assegurar que as expectativas normativas, que demarcam opapel social de cada pessoa, não sejam frustradas. A partir daí, uma segunda pretensão do direito penal, sob a perspectivafuncionalista, é assegurar que o sistema social permaneça estável. [...]A terceira pretensão identificada no pensamento funcionalista é fazer comque os conceitos não operem, na teoria do crime, de forma isolada, comindependência entre os escalões da ação, tipicidade, ilicitude e culpabilidade[...]. (GUARAGNI, 2009, p. 256-257).

Ademais, consigne-se de antemão, que o funcionalismo não promoveu uma

remodelação das estruturas fundamentais da teoria do delito formuladas pelo modelo

lógico-objetivo, ao reverso disso, o funcionalismo “[...] afeta, isto sim, o conteúdo das

categorias do delito. É uma nova visão do todo e das partes, ou seja,

independentemente da distribuição de categorias do delito, o conteúdo destas é o que é

posto em cheque.” (BUSATO, 2013, p. 239).

Dito isso, vê-se que o sistema funcionalista propõe duas grandes vertentes de

suas proposições, a primeira fita um direito penal voltado à proteção de bens jurídicos,

enquanto a segunda propõe que o sistema jurídico-penal convirja no sentido de se

orientar para estabilizar as expectativas da norma (BUSATO, 2013, p. 240).

Não obstante, apontamos apenas para fins didáticos, a doutrina costuma

indicar outras vertentes do pensamento funcionalista, como aquele do controle social,

proposto por Winfried Hassemer; um segundo, baseado no Reducionismo de Eugênio

Raúl Zaffaroni; e um último, fulcrado na teoria constitucionalista do delito, de lavra do

professor Luiz Flávio Gomes (GOMES, 2011, p. 68-69). Contudo, há que se pontuar

que, a nosso sentir, estas últimas apresentam-se como meros desdobramentos das

proposições alemãs, o que não desnatura a pertinência de suas razões, tampouco o

brilhantismo de seus defensores.

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28

Contudo, em virtude das poucas linhas que nos são cedidas para elaborar a

presente monografia, devemos nos adstringir ao exame das vertentes de maior vulto

hodiernamente.

2.4.1 Sistema funcionalista teleológico-racional de Claus Roxin, ou o Direito Penal da

razão prática

Como declara Roxin, “É de partir-se da tese de que um sistema jurídico-penal

moderno deva estruturar-se sobre pontos de vista valorativos [...].” (2002a, p. 230). Foi

a partir desta tese inicial, que o professor alemão colocou em marcha a sistematização

de seu modelo jurídico-penal, precisamente concebido e orientado para a tutela

subsidiária e fragmentária de bens jurídicos, bem como fitando aspectos

correlacionados à pena criminal, sob o fundamento de uma prevenção geral e especial

regulada por um alicerce de política criminal, o que acaba por desaguar numa

renovação do sistema imputacional (BUSATO, 2013, p. 241).

De plano, verifica-se que o objetivo almejado pelo professor Roxin é a

resolução de impasses e controvérsias pragmáticas de toda ordem. Isso fica evidente a

partir de uma simples e descompromissada leitura da literatura do professor alemão,

haja vista que, principalmente nos domínios da sua teoria da tipicidade, escolta a

explanação de seus conceitos com inúmeros leading cases, isto é, paradigmas

ilustrativos que fitam demonstrar que a incursão de uma política-criminal no caso

concreto, além de ostentar uma suficiência sistêmica, projeta a resolução dos

obstáculos pragmáticos de modo mais justo e igualitário (PRADO, 2011, p. 121).

Contudo, é possível apurar o desconforto de Roxin com as premissas de um

rigoroso pensamento sistemático quando, acidamente, questiona a dogmática

empregada pelos sistemas ontológicos (Liszt-Welzel), calcada na abstração dos

conceitos jurídicos: “De que serve, porém, a solução de um problema jurídico, que

apesar da linda clareza e uniformidade é político-criminalmente errada? [...].”

(ROXIN, 2002b, p. 07). Devemos pontuar, dessarte, que Roxin não propõe, com

aquela indagação, o decote da parte geral do código penal, pois, como o próprio

professor destaca “[...] o desprezo a uma teoria do delito, tanto generalizadora, como

diferenciadora, em favor de uma ‘valoração’ individual, faria nossa ciência retroceder

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vários séculos, relançando-a naquele estado de ‘acaso’ e ‘arbítrio’ [...].” (2002b, p. 11),

o que leva a concluir que não se deve rechaçar a elaboração sistemática, mas sim

reelaborar as bases filosóficas de seu desenvolvimento dogmático (ROXIN, 2002b, p.

12).

Desta forma, podemos apresentar as categorias dogmáticas do pensamento

roxianiano, fincadas, ainda, no esquema dogmático iniciado nos fins do século XIX,

por Liszt, e retrabalhados por todos os autores citados, e outros não mencionados,

durante o passar do século XX. Contudo, como visto alhures, estes se manifestam com

explícito viés político-criminal, são eles: a conduta, o tipo, o injusto e a

responsabilidade.

A ação, nesta toada, conceito inicial e manifesto pressuposto de punibilidade,

não deve mais ser aferida com esteio em juízos ontológico-naturalísticos (baseados no

mundo do ser), mas, ao revés, ostentam conteúdo eminentemente normativo ou

valorativo (JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p. 171). Significa dizer que “[...] a

unidade de ação não é definível por um dado prévio empírico (nem a causalidade,

tampouco um comportamento voluntário ou a finalidade) que se encontra na base de

todas as formas de manifestação do comportamento punível [...]. (ROXIN, 2002a, p.

232).

Em linhas gerais, a ação deve ser compreendida e valorada como tal pelo

ordenamento, o que resultará na significação de que determinado comportamento deve

ser valorativamente reconhecido no mundo jurídico como ação penalmente relevante

(JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p. 172). Com isso, pretende Roxin excluir o que

chama de “não-ação”, “[...] independentemente da aparência exterior e das

consequências causais do existir humano [...].” (ROXIN, 2002a, p. 233).

Tocante ao tipo penal, Roxin prega que não se pode mais conceber um modelo

legal de conduta proibida resumido à adequação do fato à Lei, mas de maneira oposta,

deve este componente representar uma substância com maior robustez, baseada,

novamente, nas funções político-criminais reservadas a esta categoria (BUSATO,

2013, p. 241). Estas funções, ademais, se traduzem no conceito de “necessidade

abstrata de pena”, pois, o tipo visa a proteção de bens jurídicos essenciais em face de

condutas lesivas ou perigosas (JUQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p. 172). Finalidade

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esta que encontra como instrumento teórico hábil a concretizá-la, o desenvolvimento

da Imputação Objetiva do resultado, como será melhor minudenciada em tópico

próprio.

Neste alvorecer, ainda, cumpre salientar que tanto o elemento subjetivo, o dolo

não se limita mais a questionamentos sistemáticos de conhecimento e vontade da

prática típica, mas também a adequação da futura pena criminal determinada pelo

comportamento típico (BUSATO, 2013, p. 241). Isso corresponde aos anseios

almejados por sua teoria, quanto a função da pena, guiada à ideia de prevenção geral

negativa (JUQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p. 172). Tocante a isso, calha relembrar

que o Direito Penal atual adota uma particular similaridade com o modelo aqui

apresentado, trata-se do princípio da bagatela, que taxa como atípicas condutas que

retratem uma mínima ofensividade, sem qualquer periculosidade social, com reduzido

grau de reprovabilidade do comportamento e com inexpressiva lesão do bem jurídico

jurídica, como amplamente aceito pela jurisprudência nacional.

De modo resumido, quanto ao injusto, termo que Roxin prefere em vez de

antijuridicidade, seu juízo fundamenta-se em novos critérios de análise, e não mais nos

conhecidos juízos negativos, reduzidos às respectivas causas de excludência. Assim o

injusto deve

“[…] solucionar colisões de interesses de forma relevante para a punição deum ou mais envolvidos no fato (nm. 60); servir como ponto de apoio para asmedidas de segurança e outras conseqüencias jurídicas (nm. 61); e ligar oDireito Penal à totalidade do ordenamento jurídico, integrando as valoraçõesdecisivas desta (nm. 62-64). (ROXIN, 2002a, p. 236 - sic)

Em última análise, deparamo-nos com o derradeiro critério da

responsabilidade, visto que a “culpabilidade”, para Roxin, não mais deve ostentar a

qualidade de elemento autônomo dentro da Teoria do Crime, mas sim como ponto

nodal de atribuição de responsabilidade penal, aliado à necessidade de pena, portanto,

dentro de um gênero, ora apreciado (BUSATO, 2013, p. 242).

Na categoria da ‘responsabilidade’ (a respeito, já acima, nm. 27) interessasaber se o autor individual merece a punição pelo injusto por ele realizado. Oprincipal pressuposto da responsabilidade é, como se sabe, a culpabilidadedo autor […]. Mas não é o único; além disso, deve existir uma necessidadepreventiva de pena […]. (ROXIN, 2002a, p. 241).

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Portanto, é forçoso concluir que, a responsabilidade, fundada na política-

criminal, abriria um leque de possibilidade ao julgador no caso concreto, pois, a

depender da situação, poderia isentar o agente de pena, mesmo após a constatação da

tipicidade e do injusto, diante da aparente inidoneidade do destinatário ser merecedor

da pena criminal (JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p. 173).

2.4.2 Sistema funcionalista-sistêmico de Günther Jakobs, ou o Direito Penal da razão

normativa

Logo nas páginas iniciais do seu Tratado de Direito Penal, o professor da

Universidade de Bonn, Günther Jakobs, deixa clara a linha pela qual sua teoria

desenvolver-se-á nos capítulos ulteriores, qual seja, a pretensão de que toda a estrutura

analítico-penal, bem como o fundamento da necessidade da pena, decorra da violação

das normas estatuídas pelo ordenamento, vez que “A pena é sempre uma reação a uma

violação normativa. Através dessa reação, demonstra-se sempre que se deve respeitar

a norma violada. E essa reação demonstrativa acontece sempre às expensas do

responsável pela violação normativa [...].” (2008, p. 20 - destaques no original).

Disso decorre que nos deparamo com uma estrutura filosófica diametralmente

oposta àquela proposta pelo professor Claus Roxin, porquanto que, enquanto este

eleva a função do Direito Penal à preocupações de ordem político-criminal, o

professor Günther Jakobs, a seu turno, consagra seu funcionalismo em uma extremada

função para o sistema jurídico-penal dentro do sistema social ao qual está inserido

(GUARAGNI, 2009, p. 282). Isso o faz traçar metodologias próximas daquelas das

ciências econômicas, da ciência política e da educação, isto é, o direito deve ser

compreendido a partir da ideia de um “sistema de função” (GUARAGNI, 2009, p.

285).

Assim, para Jakobs, […] a função do Direito Penal está na reafirmação da

vigência da norma que o comportamento delinqüente violou […] (ROXIN, 2002a, p.

121 - sic), significa dizer que “Quem viola a norma, antes de destruir um bem jurídico,

antes de eliminar a vida ou de destruir o patrimônio alheio, extrapola um ‘esboço de

um mundo’, de um mundo no qual a norma não vige […].” (ROXIN, 2002a, p. 121), e

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é justamente esta visão distorcida de mundo do agente que […] desafia a visão dos

demais membros da sociedade, que se vêem inseguros, desorientados quanto a qual

das visões realmente prevalece.” (ROXIN, 2002a, p. 122 - sic).

Importa, neste tocante, lembrar, que a teoria de Jakobs encontra apoio na

filosofia dos sistemas sociais autopoiéticos,9 de Nikklas Luhmann (BITENCOURT,

2014, p. 125). Dentro desta perspectiva, pode-se exprimir que a teoria de Jakobs

concebe, em clara alusão às funções que o Direito Penal deve tomar como próprio, que

[…] tudo o que existe é formado por sistemas e subsistemas autopoiéticos, eo Direito Penal, como subsistema jurídico, teria uma concepção fechada, quevisaria sua própria subsistência enquanto sistema. Ou seja, o Direito Penalnão é um instrumento de controle social, mas sim da preservação dossistema ao qual está atrelado, ou seja, visa promover a estabilidade social.Para tanto, o objetivo central do Direito Penal seria a busca de estabilizaçãoda norma, que é o seu elemento estrutural próprio. A aplicação da reaçãopenal, ou seja, da pena e da medida de segurança, teria por objetivo gerar aconfiança da população no sentido da vigência da norma que foi desafiadapelo autor do delito, de modo a fazer com que o próprio acusado e todos osdemais cidadãos tomem ciência e que a norma, embora desafiada, seguevigente.(BUSATO, 2013, p. 244 - destaques no original)

Para uma melhor compreensão do pensamento do professor Jakobs, chega ele

a tratar, com esteio na doutrina de Luhmann, que os seres humanos, ao menos dentro

do contexto sistêmico proposto para o Direito Penal, devem ser considerados como

subsistemas psicofísicos dentro de um sistema regulador (JAKOBS, 2008, p. 202). E

desta concepção, a norma, e não mais o ser humano, ou os subsistemas psicofísicos,

passam a ser o princípio unificador em torno do qual se organiza o sistema jurídico-

penal (BUSATO, 2013, p. 244-245).

No entanto, temos de alinhavar que Jakobs não renega a existência de bens a

serem tutelados pelo ordenamento, como erroneamente alguns professores de Direito

Penal tem sustentado, muito pelo contrário, estes tem sua existência assentada no

Funcionalismo Extremado, no entanto, Jakobs não os qualifica como “bens jurídicos”,

como a doutrina moderna costuma denominá-los. Indo além, Jakobs inclusive robora

com a doutrina que sustenta um protecionismo de bens, contudo, não os alça ao

patamar exclusivo de proteção jurídica, visto que este plano é comportado pela norma

9 Teoria de base filosófica das ciências sociais que prega que a sociedade edifica-se em sistemas esubsistemas, sendo que ambos apresentam uma característica de autossubsistência, isto é, osistema é interminável e se reproduz continuamente (por isso, autopoiético ou autorreferente).

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em sua totalidade. Mas, além disso, o ordenamento deve proteger a norma, enquanto

esta tutela os bens, mesmo que de forma oblíqua (BITENCOURT, 2013, p. 126).

“Quando, por exemplo, [Jakobs] faz alusão ao objeto de proteção do DireitoPenal no crime de homicídio, Jakobs argumenta que a provocação da mortenão constitui propriamente a lesão do bem jurídico-penal, mas tão só a lesãode um bem. Em sua ótica, a conduta de matar adquire sentido para o DireitoPenal, não porque lesa o bem vida, mas na medida em que representa umaoposição à norma subjacente do delito de homicídio, isto é, na medida emque o autor da conduta dá causa ao resultado morte com conhecimento(dolo) ou com a cognoscibilidade (culpa) de que escolhe realizar umcomportamento que pode provocar consequências, em lugar de escolherrealizar uma conduta inócua […].” (BITENCOURT, 2014, p. 126).

Por tais particularidades, as proposições de Jakobs foram denominadas de

“funcionalismo radical, ou extremado”, justamente porque “[...] a vigência segura e

estável das normas é imprescindível para manter os contatos sociais, no âmbito de um

sistema social [...].” (GUARAGNI, 2009, p. 284). Deve-se ressaltar, como alinhavado

alhures, que estas propostas funcionalistas extrapolam o limitado plano do Direito, e

notadamente o Direito Penal, para também compreender e regular a sociedade como

um todod, tendo em vista que “[...] a sociedade é o ambiente do sistema jurídico [...].

(GUARAGNI, 2009, p. 285).

Assim, a ação concebida por Jakobs tem um sentido hegeliano de conduta já

culpável, “[…] desprezando-a como elemento do delito, na medida em que somente

concebe ação em sentido ontológico do termo, e configura seu sistema dentro de

padrões absolutamente normativos.” (BUSATO, 2013, p. 245).

Nesta toada, Jakobs nos apresenta seu conceito de injusto – compreendido

aqui como a ação já qualificada como culpável, típica e injustificada – como “[...] a

síntese dos elementos com os quais se descreve um comportamento que,

eventualmente, é tolerado dentro de um contexto de justificação.” (2008, p. 226 -

destaques no original). Este raciocínio, ao menos aparentemente, nos carrega, assim

como levou o professor Busato, à conclusão de que seu injusto muito toma como

próprio da chamada teoria dos elementos negativos do tipo, em que pese dela não faça

parte, pois, em outros termos, o injusto tem como “[...] exigência de que o resultado

produzido pelo autor seja uma postura contrária à norma.” (2013, p. 245).

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Tocante a culpabilidade, o professor Paulo César Busato, reproduzindo parte

dos ensinamentos de Jakobs, assinala que a função da culpabilidade é “[...] justamente

de caracterizar a motivação do autor como uma daquelas que estão em

desconformidade com a norma, gerando o conflito. Assim, entende Jakobs que

‘quando há um deficit de motivação jurídica, deve-se castigar o autor’ [...].” (2013, p.

245-246).

2.4.3 Crítica dogmática às concepções funcionalistas de delito

O funcionalismo, ou normativismo, também não se alijou das críticas

doutrinárias, sobretudo dos teóricos finalistas, sejam elas de cunho endossistemico,

isto é, vergastando suas estruturas dogmáticas; ou sob o enfoque político-criminal das

respectivas escolas penais funcionalistas.

Os mais diversos professores, cujo conhecimento da matéria é absolutamente

inobjetável, manifestam especial repúdio à teoria de Jakobs, visto que esta enfatiza a

necessidade do direito auxiliar na promoção da autorregulação do sistema social como

um todo. Em virtude disso, argumentam que este modo de observar, sobretudo o

Direito Penal, distancia-se “[…] dos referentes ontológicos da realidade empírica,

rejeita [e] as limitações externas ao próprio sistema de Direito Penal.”

(BITENCOURT, 2013, p. 271).

Precisamente por esta ideia de proteção do todo em favor do sistema em geral,

levou a literatura a qualificar esta teoria com a pecha de “autoritária”, visto que suas

concepções filosóficas se adéquam a quaisquer modelos de Estado, democráticos ou

não, o que, sem embargo, não é esperado, tampouco almejado, nas sociedades ditas

pós-modernas. Neste sentido, enfaticamente alerta o professor Regis Prado

É quase que despiciendo advertir para o caráter artificial e abstrato dessaconstrução, alheia à natureza do ser humano (dessubjetivação daresponsabilidade penal), indiferente aos valores, em que a puniçãosubordina-se tão somente ao social, às necessidades do sistema. Esse defeitograve, que ignora as circunstâncias do agente, admitindo sua punição parasatisfazer necessidades sócias, implica a falta de legitimidade (liberal edemocrática) da concepção funcionalista. Isso é o bastante para se afirmar operigo que pode representar tal doutrina para os direito e garantiasfundamentais e para a segurança jurídica, individual e coletiva. Ofuncionalismo, principalmente sistêmico, de cunho autoritário, pode atentargravemente contra a concepção de Estado democrático de Direito gizado no

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texto constitucional brasileiro de 1988. (2011, p. 126-127 – destaques nooriginal)

E justamente com esta previsão apocalíptica da teoria jakobsiana que a

doutrina manifesta seu reproche.

Inobstante, no que toca às preleções elaboradas por Claus Roxin e seus

discípulos, a literatura, flagrantemente mais amena e aberta à discussão, salientam que

a flexibilização das categorias dogmáticas, com vistas a melhor adequar as decisões

em uma ótica político-criminal satisfatória, “[…] pode resultar contraproducente na

sistematização racional do conhecimento jurídico-penal, como acontece, por exemplo,

no âmbito da tipicidade como consequência da excessiva valorização da teoria da

imputação objetiva [...]” (BITENCOURT, 2014, p. 271 – destaques no original), bem

por isso, “[…] não devemos renunciar ao grande legado deixado pelo finalismo na

construção da dogmática jurídico-penal, substituindo-o por uma sistematização

pautada exclusivamente nos resultados que se pretende alcançar.” (ibidem).

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3 DO TIPO PENAL

Como visto, o sistema jurídico-penal brasileiro atual adota o finalismo como

fonte hábil a ordenar toda a lógica da reprovação de condutas proibidas, e, como

manifestação dessa proibição, estabeleceu-se a necessidade de que a Lei bem descreva

o que se entende por crime. Por esta razão o legislador determina os chamados tipos

penais, que, da conceituação dada por Zaffaroni consistem em “[...] um instrumento

legal, logicamente necessário, de natureza predominantemente descritiva e que tem a

função de individualizar as condutas humanas penalmente relevantes (porque

penalmente proibidas).”10 (1994, p. 371).

Desta elucidativa conceituação extrai-se, portanto, que todo tipo penal decorre

da Lei, isto é, a tipicidade penal é a mais viva expressão da legalidade estrita que

adstringe toda a ciência penal.

Ademais, escorando-se, ainda, na doutrina de Zaffaroni, lembra o preclaro

professor argentino que, caso prescindíssemos de formulações acerca de tipos penais,

poderia o exegeta passar a examinar penalmente a antijuridicidade e a culpabilidade de

condutas sem qualquer relevância social (1994, p. 371), o que, além de um Direito

Penal inútil, levar-nos-ia a um contrassenso sistêmico explícito, haja vista que o

sistema penal, muito mais que expressão última da força do poder estatal (BUSATO,

2013, p. 55), representa um ramo do direito orientado pela fragmentariedade11 e pela

subsidiariedade,12 significa dizer que, apenas lesões relevantes podem ser analisadas,

reprimidas e prevenidas pelo chamado Direito repressivo. Daí vemos o segundo

carácter dos tipos penais, sua indiscutível necessidade.

10 Em adaptação livre, confira-se no original: “[…] El tipo penal es un instrumento legal,lógicamente necessario y de naturaleza predominanetente descritiva; que tem por función laindividualización de conductas humanas penalmente relevantes (por estar penalmenteprohibidas). (ZAFFARONI, 1994, p. 371).

11 Entrementes, trata-se de princípio informador, que trata de orientar o direito penal à tutelaexclusiva de bens jurídicos de importante expressão e significação social, pois “[…] não devesancionar todas as condutas lesivas dos bens jurídicos, mas tão somente aquelas condutas maisgraves e mais perigosas praticadas contra bens mais relevantes […].” (BITENCOURT, 2014, p.56).

12 “[…] o princípio da subsidiariedade aponta que o Direito Penal será utilizado quando estritamentenecessário, em último caso (ultima ratio), quando os outros ramos do direito não conseguiremgerar a proteção devida ao bem jurídico tutelado […].” (NELSON, 2016, p. 47).

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Os tipos penais, outrossim, narram por seus respectivos verbos núcleos13 os

elementos descritivos mais importantes para a individualização de condutas humanas

reprováveis. Não obstante, deve-se compreender que os tipos não são absolutamente

descritivos, pois o tipo não é marcado inteiramente pela rotulação de condutas ou

ações, mas, é importante asseverar, tão só relativamente descritivos, pois, por razões

óbvias, nem todo seu conteúdo consiste em uma ação, um verbo, mas também existem

condições estipuladas pelo legislador que trazem uma qualidade especial, seja para o

agente, para o omitente, ou para o fato em si (ZAFFARONI, 1994, p. 372). Essas

condições especiais do tipo não prescindem de valoração, vez que por sua própria

essência demandam do intérprete uma conceituação advinda do direito ou da própria

experiência.

O clássico exemplo é o tipo penal do “peculato” (art. 312,14 do atual Código

Penal brasileiro) em que o termo “funcionário público”, qualidade especial do sujeito

ativo desta figura e necessária para a correta adequação do fato à Lei, exige,

primeiramente, que o intérprete do fato identifique esta particularidade do agente, para

prosseguir com a atribuição de responsabilidade (ZAFFARONI, 1994, p. 372).

Justamente por estas características, os tipos penais, de um modo geral,

apresentam algumas funções que, diga-se, são da própria natureza deste instituto

jurídico-penal.

Assim, são traços comuns das suas funções: a seleção da matéria proibida, isto

é, com a adoção do tipo penal, o legislador seleciona entre a vasta imensidão de bens

jurídicos tutelados pelo ordenamento em geral apenas uma pequena parcela

merecedora de especial proteção (expressão própria do princípio da fragmentariedade)

(JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p. 256).

Outra função exercida é a de garantia, ou seja, justamente por selecionar a

matéria proibida, conferindo uma sanção que, por vezes, se consubstancia na privação

13 “[…] precisamente, é a palavra que gramaticalmente serve para conotar uma ação.”. Adaptaçãolivre, no original: “[…] que es precisamente la palabra que sirve gramaticalmente para connotaruma acción.” (ZAFFARONI, 1994, p. 372).

14 Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel,

público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio oualheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa. (BRASIL, 1940, página única)

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da liberdade, o tipo restringe a força do poder do Estado, o chamado ius puniendi, eis

que o Direito Penal somente poderá incidir nos limites previamente estipulados pelo

legislador no tipo penal, “[...] em outras palavras, trata-se de garantir que somente

haverá imposição de pena criminal se o ato realizado corresponder (de modo perfeito)

a um comportamento descrito previamente no dispositivo legal.” (ESTEFAM, 2014, p.

216).

Também conta com as funções indiciária e fundamentadora da ilicitude da

conduta, a primeira porque o “[...] juízo de atipicidade conduz certamente a um juízo

de licitude [...].” (JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p. 256) do fato; e a segunda

porque o Direito Penal moderno adotou como própria a teoria da ratio cognoscendi,

porquanto dizer que há tipicidade é dizer que há indícios, e apenas indícios neste

momento analítico, de que a conduta humana examinada constitui um ilícito penal

(WELZEL, 2015, p. 76).

Por último, tem o tipo penal a função de limitar o iter criminis, eis que o

legislador deverá determinar o exato momento em que a conduta torna-se penalmente

relevante, bem assim o momento em que o resultado é atingido.

Isto posto, chega-se ao mais relevante, a nosso sentir, elemento da atual teoria

do tipo penal, isto é, a cisão efetivada pelo finalismo welzeliano: os chamados tipo

objetivo e subjetivo.1516

3.1 TIPO OBJETIVO

Também denominado como a face externa, ou real, do delito (PRADO, 2011,

p. 400), o tipo objetivo, segundo a inovadora conceituação welzeliana (1993, p. 75) é

“[...] o núcleo real-material do delito [...].”, pois não pode o delito resumir-se

exclusivamente ao dolo, mas que este dolo exteriorize-se em elementos concretos, no

15 É de se lembrar que esta cisão tem cunho estritamente “[…] didático-pedagógico. Em realidade,não há nenhuma oposição entre o subjetivo e o objetivo, formam parte de um contexto único eindissolúvel. Há, desse modo, no injusto culpável, uma unidade subjetiva objetiva da condutatípica. O tipo objetivo se limita a determinar os comportamentos adequados à produção doresultado, fornecendo balizas para atuação do tipo subjetivo.”. (PRADO, 2011, p. 400 - grifos nooriginal).

16 Todavia, nesta monografia, por razões didáticas, somente o tipo objetivo será examinado.

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mundo natural, eis que: “O verdadeiro fundamento de todo delito é a objetivação da

vontade em um fato externo”, dizia Welzel17 (1993, p. 75).

Essa faceta objetiva visa identificar, dogmaticamente portanto, uma ação ou

omissão humana, qual o resultado por esta produzido, o liame que interliga esta

conduta ao resultado, os sujeitos (passivo e ativo) desta relação, eventuais

circunstâncias especiais de tempo, lugar e modo de execução (JUQUEIRA,

VANZOLINI, 2014, p. 257) e, para alguns, incluindo a nova legislação penal (Projeto-

Lei Senado Federal - nº. 236/12), a imputação objetiva (JESUS, 2014).

Nos chamados delitos culposos, é de se acrescentar a presença de elementos

normativos materializados na imprudência, imperícia ou negligência do ato.

Diferentemente do que ocorre com o dolo, estes elementos não são albergados pelo

tipo subjetivo, mas sim dentro do próprio tipo objetivo, como sendo a entoação da

quebra de um dever objetivo de cuidado do agente (sujeito ativo do crime), leia-se, a

ausência da prudência socialmente esperada (JUQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p.

358).

Diante da sua função externa, representativa do momento inicial da execução,

até o derradeiro período em que se produz o resultado, a porção objetiva do tipo

exprime, de modo primário, uma conduta humana inicialmente censurável, e, para

tanto, todo e qualquer tipo penal vale-se de uma regra gramatical única para resumir

esta ação humana: trata-se do chamado “verbo núcleo do tipo” (JUQUEIRA,

VANZOLINI, 2014, p. 258).

Nada obstante tenhamos nos referido unicamente a “verbo núcleo”, no

singular, imperioso observar que não há impedimento que este núcleo se constitua por

mais de um verbo. A isso a doutrina convencionou denominar de “crimes de ação

múltipla” ou “crimes de conteúdo variado” (JESUS, 2014, p. 252), em que, embora

compostos por diversos verbos, a conduta reprovável perfectibiliza-se com tão

somente a prática de um deles. Um exemplo claro disso é o artigo 33, da Lei n.º

11.343/2006,18 que espelha o tipo de tráfico ilícitos de entorpecentes, em que a prática

17 Em adaptação livre, confira-se no original: “El fundamento real de todo delito es la objetivaciónde la voluntad em un hecho externo.”. (WELZEL, 1993, p. 75).

18 Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda,oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar aconsumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com

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de um, ou mais de um, dos dezoito verbos constituintes de ações humanas típicas,

mostra-se apta à demonstração da antinormatividade penal.

Desta forma, deve o intérprete realizar um juízo de justaposição entre a

conduta humana realizada e a proibição normativa consubstanciada num mandamento

penal, isto é, no tipo. A partir do resultado desta composição, ter-se-á a chamada

tipicidade do fato. Nesta mesma esteira, o professor Cezar Roberto Bitencourt (2014,

p. 345) vaticina que: “Quando o resultado desse juízo [de tipicidade] for positivo

significa que a conduta analisada reveste-se de tipicidade. No entanto, a contrario

sensu, quando o juízo de tipicidade for negativo estaremos diante da atipicidade da

conduta [...].”, e adiante, complementa o professor gaúcho: “[...] o que significa que a

conduta não é relevante para o Direito Penal, mesmo que seja ilícita perante outros

ramos jurídicos (v.g., civil, administrativo, tributário etc.).” (BITENCOURT, 2014, p.

345).

Outrossim, dizer que o fato é “típico”, é afirmar a existência de um juízo de

tipicidade prévio, e que o produto deste juízo tenha resultado positivo para repisar a

existência de um ataque a determinado bem jurídico, que esta agressão tenha sido

propiciada por um sujeito ativo lesando o passivo, bem assim que há nexo entre o

impulso inicial e o evento (resultado) produzido.

De igual forma, esta investida deve se revestir de consciência e vontade de ser

realizada, ou apenas de ser prevista, no fato, ou, em última análise, que esta conduta

humana tenha se dado com características intrínsecas de uma ação culposa, desde que

o tipo penal preveja expressamente esta modalidade.

Consequentemente, diante de sua característica individualizadora de condutas,

é imperioso que os mandamentos proibitivos sejam “[...] inconfundíveis, inadmitindo-

se a adequação de uma conduta que não lhes corresponda perfeitamente [...].”

(BITENCOURT, 2014, p. 344).

Passamos, então, ao exame mais aprofundado dos elementos que compõem o

tipo penal de modo geral.

determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamentode 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (BRASIL, 2006, página única).

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3.1.1 Dos Sujeitos

É sabido que todo delito necessita de uma comissão ou omissão para ser

realizado, isso denota que para a existência dos injustos culpáveis se faz necessária a

existência de um sujeito ativo (aqui denominado como agente, nas condutas

comissivas, e omitente, nas respectivas condutas caracterizadas pela omissão).

Qualifica-se como ativo, como prelecionado pelo professor Juan Carlos Olivé

(2011, p. 261), a pessoa física que executa um fato penalmente tipificado, seja de

forma unilateral, conjunta ou mediata. Seguindo, nesta toada, são as lições de

Zaffaroni e Pierangeli (2015, p. 427), em que explanam que os tipos penais, de um

modo global, ressalvadas escassas exceções, admitem sua prática de modo a não

distinguir a pessoa que o pratica, portanto, prescindindo de qualquer característica

especial da pessoa, tais delitos são denominados pelo professor argentino como delicta

comunia.

A outro giro, as exceções que exigem do sujeito ativo características especiais

dão lugar aos delicta própria, a exemplo da condição de mulher para a execução do

tipo penal de autoaborto (CP, 124, primeira parte), portanto, necessária característica

do sujeito ativo do fato (ZAFFARONI, PIERANGELI, 2015, p. 428).

No que toca aos intitulados sujeitos passivos, têm-se que estes são os titulares

dos bens juridicamente tutelados, e que, de conseguinte, por uma ação ou omissão do

sujeito ativo foram alvos de alguma macula. Pela via oblíqua o Estado sempre figurará

como sujeito passivo, eis que o ataque a bens jurídicos atinge, em certa medida, a

norma que tutelava a higidez sistêmica. Equivale a dizer que o Estado prima pela

ordem social, e a conduta criminosa tem a peculiar característica de desordenar os

mandamentos normativos que interligam as relações sociais (JUNQUEIRA,

VANZOLINI, 2014, p. 261).

Entrementes, é exigência que este titular de bens jurídicos maculados pela

conduta delitiva seja titular de direitos, o que impede que “coisas” (bens materiais)

figurem no polo passivo desta relação, muito embora possam estes constituírem “[...]

objetos materiais de determinados delitos [...].” (JUQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p.

261). Destarte, justamente pela exigência ser a de que o sujeito passivo seja titular de

direitos é que admite-se, irrestritamente, que pessoas jurídicas aqui integrem-se.

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Contudo, no que toca à responsabilidade penal da pessoa jurídica

Há controvérsia quanto à possibilidade de a pessoa jurídica ser sujeitopassivo de crimes contra a honra (vez que esses delitos estão insertos noTítulo referente aos “Crimes contra a Pessoa”). A opinião dominante é deque “a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo de difamação”, e, quanto àcalúnia, apenas quanto à imputação de crime ambiental. Já a injúria, cujobem jurídico protegido é a honra subjetiva, é incompatível com a natureza dapessoa jurídica.” (JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p. 261).

Importa salientar, como o faz o professor Damásio de Jesus (2014, p. 219),

que não se pode confundir o sujeito passivo com o prejudicado pela ação delitiva, eis

que as consequências do delito muitas vezes transcendem os limites do bem jurídico

tutelado, afetando, destarte, terceiros. Para ilustrar, temos o delito de “moeda falsa”

(Código Penal, art. 289),19 em que o Estado detém o bem jurídico maculado, portanto é

o sujeito passivo do delito em comento, entretanto, com o exaurimento do delito,

terceiros podem sofrer com o ato praticado pelo agente, como, por exemplo, a pessoa

que recebeu o pecúlio falsificado. Desta forma, “prejudicado é, pois, qualquer pessoa a

quem o crime haja causado um prejuízo, patrimonial ou não, tendo por consequência

direito ao ressarcimento [...].” (JESUS, 2014, p. 220).

Outrossim, a identificação dos sujeitos típicos, tanto ativo quanto passivo, é

requisito essencial para uma legítima adequação típica, como corolário do princípio

que imanta todo o sistema jurídico-penal, que é a alteridade, pois não se pode conceber

delito sem autor, haja vista que o Direito Penal, que a rigor pressupõe uma ameaça de

privação de liberdade, restaria absolutamente inócuo e ineficaz. De outro lado, não se

concebe um Direito Penal para sancionar uma autolesão, como bem sintetiza Damásio

de Jesus:

[...] O homem não pode cometer crimes contra si mesmo. As condutasofensivas contra a própria pessoa, quando são definidas como crime, lesaminteresses jurídicos de outros. Assim, aquele que “lesa o próprio corpo ou asaúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com o intuito dehaver indenização ou seguro” (art. 171, § 2.º, V) não pratica o crime contrasi mesmo, sendo apenas seu sujeito ativo: sujeito passivo é a entidadeseguradora contra quem se dirige a fraude. Quem pratica automutilação parase subtrair ao serviço militar (CPM, art. 184) não é sujeito passivo do delito:

19 Art. 289 - Falsificar, fabricando-a ou alterando-a, moeda metálica ou papel-moeda de curso legalno país ou no estrangeiro: Pena - reclusão, de três a doze anos, e multa. (BRASIL, 1940, páginaúnica).

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titular do bem jurídico é o Estado. No crime de incêndio, nada obsta que osujeito ativo seja o proprietário da coisa incendiada, pondo em risco aincolumidade pública (art. 250). Neste caso, sujeito passivo não é o dono doobjeto material, mas a coletividade, a comunidade social ameaçada ou lesadaem sua incolumidade. Na autoacusação falsa (art. 341), o agente é oautoacusador; sujeito passivo é o Estado no que concerne à administração dajustiça. (JESUS, 2014, p. 218-219).

3.1.2 Dos Objetos

A partir de uma perspectiva geral, o objeto está sempre relacionado ao sujeito

passivo do delito, isto é, tais objetos estão sempre ligados a um ataque patrocinado

pelo sujeito ativo do fato. Assim, a fim de proporcionar uma concepção geral da teoria

do tipo penal, convém bipartir a análise dos objetos em: material e jurídico.

Prima Facie, consiste o objeto material do delito “[...] aquele ou aquilo sobre

o qual recai a ação do autor [...].” (OLIVÉ, et al, 2011, p. 261). Isto é, tal objeto não se

concentra tão somente em bens materiais, mas também estão constitutivamente

entrelaçadas em tal conceito as pessoas naturais.

Neste sentido, são preciosas as recordações históricas de Luiz Regis Prado,

enquanto comenta o objeto material sob o prisma do delito de “homicídio” (atual

Código Penal, art. 121): “A propósito, cumpre esclarecer que os escravos não

figuravam como sujeitos passivos do delito em apreço, já que não eram havidos como

pessoas, mas sim como res [coisas] e, de conseguinte, objeto material do crime de

dano.” (PRADO, 2002, p. 41).

Doutro lado, por sua vez, o objeto jurídico não pode se confundir com o

anterior, eis que, enquanto este “[...] representa a configuração material do interesse

jurídico”, o objeto jurídico confunde-se com o bem jurídico tutelado pela norma penal

(JUQUEIRA, VANZOLINI, 2014, 262), isto é, são interesses sociais elementares, bem

por isso sua tutela esta umbilicalmente unida à sanção penal, eis que qualquer agressão

a estes autoriza, em princípio, o Estado utilizar de seu ius puniendi contra o ofensor

(OLIVÉ, et al, 2011, p. 260).

Para ilustrar, lançamos mão do tipo penal de furto (Código Penal, art. 155), em

que, muito embora o objeto material constitua-se propriamente no bem furtado

(carteira, veículo etc.), o objeto jurídico tutelado pela norma é o patrimônio como um

todo, ou seja, uma ação imbuída de animus furandi (dolo de furto) impetrada pelo

sujeito ativo que afeta o direito de disponibilidade do patrimônio do sujeito passivo.

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Nesta toada, é pertinente a exegese de Juan Carlos Ferré Olivé quanto ao tema

sub examine:

[...] Na realidade, a decisão político-criminal de incorporar uma condutaentre as proibições penais típicas é sempre a tutela de determinado bemjurídico ao que se considera merecedor de proteção extraordinária (pois nemtodo interesse é suscetível de proteção penal) no âmbito do ordenamentojurídico.” (2011, p. 262).

Tal bipartição é necessária, pois, como alinhavado por Paulo Cesar Busato

(2013, p. 367), em que pese inexista uma relação de identidade entre ambos os objetos,

sua análise nos permite afirmar que simbolizam uma relação simbiótica de uma

complementação necessária. Todavia, calha ressaltar, que isso não implicaria em uma

confusão semântica, pois, se assim fosse, o legislador estaria obrigado a somente

tipificar condutas materialmente palpáveis, excluindo da tutela penal qualquer afetação

a bens jurídicos incorpóreos ou abstratos. Uma conclusão assim, à evidência,

constituiria um crasso erro, basta ver que “[...] alguns bens jurídicos que figuram como

essenciais ao desenvolvimento dos indivíduos em sociedade não goza de

corporificação, como a segurança pública ou a segurança no trânsito, por exemplo.”

(BUSATO, 2013, p. 368).

3.1.3 Do Resultado

Do modo como se examinou a teoria analítica do delito até então, podemos

concluir que o crime não se esgota apenas no desvalor de uma ação ou de uma

omissão, mas que a partir deste impulso inicial se deve acrescentar a desvaloração do

resultado produzido pela conduta primitiva. Isto é, aquela conduta desvalorada tem

necessariamente de resultar em uma mutação física que aflige ou perturba determinado

bem jurídico (ZAFFARONI, 1980-1983, p. 265), dualidade esta necessária para

qualificar esta relação simbiótica como delito. Neste tocante, assinalada Luiz Régis

Prado

[...] para a concepção dualista, tanto o desvalor da ação, como o desvalor doresultado, integram o conceito de injusto penal. O desvalor da ação não deveser entendido como desvalor da intenção (tese dualista), mas abrange,também, elementos objetivos (v.g., modo de execução). O desvalor da ação(dolo/culpa) se refere à forma de praticar o delito (elementos

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objetivos/subjetivos) e o desvalor do resultado alude à lesão ou perigo delesão ao bem jurídico protegido. No que respeita essa afirmação, alude-seque o desvalor da ação nos delitos dolosos se perfaz inteiramente com atentativa acabada, e, nos delitos culposos, com a realização da ação quesurge previamente como perigosa. (2011, p. 396).

Assim, de um modo global, a nosso sentir, não se pode conceber delito

qualquer sem que este não produza um resultado desvalioso, seja este empiricamente

observável ou não.

É possível observar a pertinência deste elemento do tipo objetivo ao analisar o

crime culposo, que, em resenha, caracteriza-se por uma conduta imprudente,

negligente ou imperita em relação ao bem jurídico afetado. Com esta mesma

conclusão, abordando a questão, explica o professor Paulo César Busato (2013, p. 316)

que “[...] O resultado é questão fundamental especialmente no delito imprudente, posto

que a imprudência somente pode gerar responsabilidade jurídico-penal a partir da

existência de um resultado.”. Esta orientação sistemática encontra amparo expresso na

legislação repressiva brasileira, especialmente no artigo 13 do atual Código Penal, que

assim dispõe: “O resultado, de que depende a existência do crime, só é imputável a

quem lhe der causa. Considera-se causa a ação ou a omissão sem a qual o resultado

não teria ocorrido.” (BRASIL, 1940, p. única).

Desta forma, calha trazer o escólio dos professores Eugênio Raúl Zaffaroni e

José Henrique Pierangeli, para quem “o resultado é um iniludível fenômeno físico, que

acompanha toda conduta: não há conduta sem resultado.” (2015, p. 423).

Todavia, em dissonância com o até então sustentado, estatui a doutrina que a

concepção de resultado se biparte em distintos subgrupos, determinados pela

existência, ou não, do produto criado pelo resultado, isto é, que a mutação física seja

empiricamente perceptível ou que tal valoração ocorra apenas no plano jurídico

(normativo). Neste sentido aponta Rogério Sanchez Cunha: “Da conduta (ação ou

omissão sem a qual não há crime) podem advir dois resultados: naturalístico (presente

em determinadas infrações) e normativo (indispensável em qualquer delito) [...].”

(2016, p. 228).

Em resumo, segundo os autores hodiernos que dogmaticamente contam com

maior aceitação, os delitos de resultado, denominados também de “naturalísticos”,

demandam que a conduta humana (comissiva ou omissiva) provoque uma sensível

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alteração no mundo realístico (ESTEFAM, 2014, p. 203), sem qualquer aspecto

valorativo (JESUS, 2014, p. 230), e justamente por implicar na necessidade de

verificação do estado empírico, ressalta a doutrina que, tais resultados estão presentes

em somente alguns delitos.

Doutro aporte, abordamos os chamados resultados jurídicos (ou normativos),

em que considera-se a relevância do ataque, ou a exposição concreta a risco, de um

bem jurídico penalmente tutelado (GOMES, 2011), por tal razão, diz-se que todo e

qualquer delito deve necessariamente conter um resultado jurídico, sob pena de não

constituir crime algum, eis que nenhum bem jurídico foi lesado.

Com base em tais conceitos, criou-se nova classificação dos delitos, também

com enfoque na avaliação dos resultados por eles produzidos, no entanto, agora avalia-

se a necessidade de resultado “naturalístico”.

Delitos que causam uma modificação no mundo externo, são chamados de

crime materiais, isto é, o resultado, para eles, é de elementar importância para sua

operacionalização na estrutura analítica do delito, visto que o próprio tipo penal ao

descrever a conduta proibida já antevê, e efetivamente anota, o resultado produzido

pela conduta, sem embargo há uma separação lógica e cronológica entre o impulso

propulsor do delito e seu evento (JUQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p. 219). Com isso,

pode-se destacar que “[...] a conduta tenha sido orientada pela vontade de alcançar o

resultado (nível subjetivo) e é preciso que ele tenha sido efetivamente alcançado (nível

objetivo).” (ibidem). Justamente por esta harmonia entre os níveis objetivos e

subjetivos, que tais delitos denominam-se como “congruentes”.20

A segunda espécie desta classificação, conforme assinalam Patrícia Vanzolini

e Gustavo Junqueira, são os denominados “crimes formais” ou de “consumação

antecipada”, pois, em que pese o tipo penal descreva o resultado desvalioso, o

mandamento proibitivo não alça o evento ao plano objetivo, mas o aloca no plano

subjetivo. Isso denota que o tipo não exige o alcance do evento pela conduta, mas que

20 Um aprazível paradigma para ilustrar esta classificação é o tipo penal relativo ao “estelionato”(“Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo oumantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. Pena -reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis .”), porque “[…]descreve a conduta (induzir ou manter alguém em erro, atifícil ou qualquer meio fraudulento e oresultado (vantagem ilícita em prejuízo alheio […].” (JESUS, 2014, p. 231).

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esta seja finalisticamente orientada para a obtenção de determinado resultado (2014, p.

220), com efeito, acaso a conduta atinja efetivamente o resultado por ela orientado,

será mero exaurimento,21 que não altera de nenhum modo a composição da figura

típica (ibidem).22

A terceira, e última, espécie desta avaliação dos delitos, ao menos no que toca

ao atingimento de determinados resultados, compõe-se dos crimes de mera conduta, ou

de simples atividade.23 Estes se diferenciam dos antecedentes pela absoluta ausência de

previsão de resultado naturalístico (JESUS, 2014, p. 231), razão pela qual o tipo penal

não descreve qualquer evento a ser produzido pela conduta inicial. Contudo, se o

agente lograr êxito na obtenção de resultado, o exegeta não se reportará a nenhuma

consideração em matéria de tipicidade penal, quedando a análise do exaurimento para

um momento posterior, da dosimetria penal, tal qual ocorre nos delitos formais.

Não obstante, parte da doutrina critica esta classificação, a exemplo do Juiz da

Corte Interamericana de Direitos Humanos e professor de direito penal da

Universidade de Buenos Aires, Eugênio Raúl Zaffaroni, que alinhava a inexistência de

figuras típicas sem qualquer resultado “naturalístico”, isto porque, por uma opção de

semiótica do legislador, o tipo penal “[...] leva em consideração certos aspectos de

toda uma realidade por intermédio de símbolos que pertencem a um sistema simbólico

(a linguagem humana) [...].” (ZAFFARONI, 1980-83, p. 266).24 Significa dizer que o

21 Explana Damásio Evangelista de Jesus que “[…] crime exaurido é aquele que depois deconsumado atinge suas últimas consequências. Estas podem constituir um indiferente penal (ex.: oinocente é condenado em face do falso testemunho) ou condição de maior punibilidade (ex.: art.333, parágrafo único).” (JESUS, 2014, p. 245).

22 Serve de arquétipo para esta classificação o delito de extorsão: “Art. 158 - Constranger alguém,mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevidavantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa: Pena - reclusão,de quatro a dez anos, e multa.” (BRASIL, 1940, página única), em que “o tipo menciona a condutado sujeito e o resultado pretendido (o constrangimento e a obtenção de indevida vantagemeconômica). Não exige que o agente obtenha a indevida vantagem econômica, pois o emprega aexpressão “com o intuito de obter”. Trata-se, pois, de crime formal, consumando-se com o atoanterior ao evento pretendido (ação ou omissão da vítima). (JESUS, 2014, p. 231).

23 A este, o exemplo que propomos é o delito de “invasão de domicílio” (“Art. 150 - Entrar oupermanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem dedireito, em casa alheia ou em suas dependências: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.”),pois o legislador prevê somente o ato de “entrar ou permanecer”, não indicando, nemremotamente, qualquer possível resultado naturalístico.

24 Em adaptação livre nossa, confira-se no original: “[...] toma em cuenta determinados aspectos detoda una realidad mediante símbolos que pertencen a un sistema simbólico (el leguaje humano) .”(ZAFFARONI, 1980-83, p. 266)

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legislador reconhece que as condutas por ele identificadas como delituosas provocam

necessariamente uma alteração perceptível no mundo exterior, mas, pelo próprio

léxico adotado, evidenciam-se desnecessárias maiores considerações acerca de

possíveis resultados daquela conduta tipificada.

Em continuação a sua perspicaz e contundente crítica, ensina o preclaro

professor argentino:

Se há delitos em que o tipo não requer um particular resultado naturalístico,certamente não terá sentido afirmar que este tipo requeira um nexo decausação determinado. De qualquer modo haverá um resultado físico e umacausalidade (física), só não estarão penalmente individualizados como nosdelitos de “resultado material”, mas apenas se sujeitarão à condição de quelesem o bem jurídico.Em alguns casos, o resultado naturalístico acompanha a mesma condutaconsumativa, pois esta individualizada por um verbo, que requer umresultado de maneira inescusável. Assim ocorre, por exemplo, no delito deestupro: sustentam que é um delito de “mera conduta”, mas o é porque amutação no mundo naturalístico que requer a conduta (relações sexuais) sejalesiva a um bem jurídico.Inexistem comissões penalmente relevantes sem resultado naturalístico oumaterial: somente autoriza-se individualizar condutas penalmente relevantese resultados naturalísticos ou materiais: em alguns descreve-se o resultadolesivo [tipos materiais], noutros será qualquer que afete o bem jurídico [tiposformais], em outros, ainda, o resultado é inseparável da ação [tipos de meraconduta].[...]Desta forma, os chamados tipos (ou delitos) de mera conduta não são delitossem resultado material, são delitos com resultado material individualizado demaneira diversa, deduz-se que sempre há resultado material e, porconseguinte, admite-se a tentativa acabada em tais delitos, ao menos emalguns deles: aquele que executa uma conduta de injúria verbal, mas esta nãochega ao conhecimento do sujeito passivo; ou aquele que declara falsamentealgo, mas o juiz e as partes não ouvem ou sequer registram; etc.25

25 Em adaptação livre, confira-se no original: Si hay delitos en que el tipo no requiere un particularresultado físico, naturalmente no tendrá sentido que requiera un nexo de casación determinado.De cualquer manera habrá un resultado físico y una causalidade (física), sólo que no estánpenalmente individualizados como em los delitos “de resultado material”, sino que sólo quedansometidos a la condión de que afecten el bien jurídico.

En algunos casos, el resultado físico va unido a la misma conduta consumativa, pues, ésta seindividualiza mediante un verbo, que requiere un resultado em forma inescindible. Así sucede, porejemplo, em la violación: se dice que es delito “de mera conducta”, pero lo es porque la mutaciónfísica que requeire la conducta (acceso carnal) es lesiva del bien jurídico.

No hay acciones penalmente relevantes sin resultado físico o material: sólo hay formas deindividualizar acciones penalmente relevantes y resultados físicos o materiales: em algunos sedescribe el resultado lesivo, en otros es cualquera que afecte al bien, en otros, por último, esconceptualmente inseparable de la acción.

[…]De la circunstancia de que los llamados “tipos (o delitos) de mera conducta” no sean delitos

sin resultado material individualizado de outra manera, se deduce que siempre hay un resultado

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Com muita percuciência, Zaffaroni e Pierangeli lançam mão de um exemplo

trazido na obra de Beling: “[...] qual é o resultado da ação de passar uma ponte? A

resposta é bastante clara: antes da ação, a pessoa achava-se num lado da ponte, e, após

a ação, achava-se no outro.” E arremata: “O legislador poderia ter legislado nos

seguintes termos: dirigir passos para o lado oposto da ponte até atingir o seu final.”

(2015, p. 424), no entanto assim não o fez para evitar uma evidente posição linguística

tautológica dentro do tipo penal.

Como acertadamente, a nosso juízo, conclui o aludido crítico, todos os delitos,

qualquer que seja sua classificação, possuem um resultado observável no mundo dos

sentidos; o que ocorre, contudo, é que por uma opção de construção semântica, e para

evitar desnecessária redundância, o legislador opta por não incluir o resultado em

alguns tipos penais, porque o próprio verbo núcleo já está inexoravelmente atrelado a

uma conduta e a um resultado, sempre, naturalístico.

3.1.4 Do Nexo de Causalidade

Assinalados os pilares elementares que suportam a maior porção do tipo

objetivo (um ato seguido de um resultado), faz-se necessário, entrementes, destacar

como, e a partir de quando, a conduta inicial pode ser conectada ao evento

naturalisticamente produzido, ou, como pontua Antolisei: “[...] Para que uma

modificação do mundo externo (evento) possa ser atribuída a um homem, deve ter sido

consequência da ação dele: em outras palavras, deve haver uma relação causal entre

um e outro.”26 (2000, p. 234).

A ideia de causalidade, todavia, não se submete apenas à apreciação das

ciências sociais, in casu, a ciência jurídico-penal, mas leva em conta uma gnoseologia

deveras ampla, adentrando no campo da filosofia e, principalmente, na seara de

estudos da física quântica (TAVARES, 2003, p. 254). Esta ultima correlação se deve

material y, por ende, se admite la tentativa acabada en estos delitos, al menos en algunas deellos: el que realiza toda la conducta de injuria verbal, pero no es percibida por el sujeto passivo;el que declara falsamente algo que el juez ou las partes no oyen ni registran; etc. (ZAFFARONI,1980-83, p. 267-268).

26 Em adaptação livre, confira-se no orignal: “[...] Affinché una modificazione del mondo esteriore(evento) possa essere attribuita ad un uomo, è necessario che si sia verificata i conseguenzadell'azione di lui: ocorre, in altri termini, che tra l'una ' l'altra esista un rapporto di causalitá.”.(ANTOLISEI, 2000, p. 234).

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pela ideia de causa, conceito abstrato e determinista cuja ilustração denota o produto

factível de uma reação primeva, ou, em termos rudimentares, causa é tudo que

contribui de algum modo para algum resultado (BUSATO, 2013, p. 321).

Aprioristicamente, ademais, é possível traçar, conforme sublinha Juarez

Tavares, duas grandes proposições filosóficas de causa, com esteio nos estudos

aristotélicos, bem como no empirismo britânico de David Hume:

“[...] a) como forma de uma relação racional, na qual a causa é semprededuzida de seu efeito, uma espécie de força que sempre gera esse efeito; b)como forma de uma relação empírica, na qual a causa não é deduzida do seuefeito como um força produtora, mas segundo um juízo de previsibilidade,que pela constância e uniformidade, poderá admitir uma série de sucessões.O primeiro caminho é seguido, basicamente, por ARISTÓTELES, queadmitia quatro espécies de causa: a causa material (da qual é feita umacoisa), a causa formal (como forma ou substância de uma coisa), a causaeficiente (que produz modificações nas coisas) e a causa final (como motivodo agir). O segundo caminho tem apoio na obra de HUME: não existe umarelação de causalidade natural e necessária; causalidade, como relação entredois fatos em ordem de sucessão, só pode ser afirmada por sua repetiçãoempiricamente observável, segundo um critério de regularidade [...].”(TAVARES, 2003, p. 255-256 – grifos no original).

Tomando como ponto de análise, ainda, as acepções iniciais da causalidade, a

doutrina comumente discute a diferenciação conceitualística de causa e condição. Até

então examinou-se o que atualmente se entende por causa, ou seja, causa é a ação ou a

omissão que produz um resultado (atual Código Penal, artigo 13 – parte final),

equivale a dizer “Todo efeito ou resultado é produto de uma série de condições

equivalentes, do ponto de vista causal.” (PRADO, MENDES, 2006, p. 50).

Doutra senda, condição “[...] tem um sentido “negativo”, porque é

simplesmente aquilo sem o qual não se produziria o efeito [...].” (DOTTI, 2011, p.

424). É imperioso salientar que “para efeitos da relação de causalidade jurídico-penal a

distinção entre causa e condição é irrelevante [...].” (DOTTI, 2011, p. 424), porquanto

que o Código aceitou como própria a teoria da equivalência dos antecedentes causais,

como será melhor examinado alhures.

Para bem aclarar os contornos iniciais até aqui expostos, é de bom alvitre

emprestar o exemplo trazido por Rogério Sanches Cunha em seu Manual de Direito

Penal: “Se alguém mata outra pessoa a tiros de revólver, é claro que, objetivamente, a

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morte da vítima proveio daquela conduta, de modo que se insere na sua esfera causal.

É o primeiro passo da imputação penal.” (2016, p. 232).

Todavia, as proposições relativas à causalidade são amplamente debatidas pela

literatura jurídica, não só no âmbito do Direito Penal, mas também dentro do contexto

de Direito privado, cujas formulações derivam da construção de uma teoria da

responsabilidade civil consentânea com os parâmetros científicos e empíricos. Isso

inexoravelmente carreou à elaborações de teorias diversas que objetivavam melhor

explicar o espectro da causalidade em matéria de responsabilização jurídica

(BUSATO, 2007, p. 22). Como será visto a seguir, estas teorias bipartem-se em dois

grupos distintos, assim denominados por Luiz Regis Prado, são as chamadas teorias

generalizadora (ou igualitária) e individualizadoras.

3.1.4.1 Teoria da Equivalência dos Antecedentes causais, ou Conditio Sine Qua Non

Também conhecida como equivalência das causas, equivalência das

condições, condição equivalente ou da condição simples (JUQUEIRA, VANZOLINI,

2014, p. 226). Esta linha teórica foi inicialmente cunhada por Julius Glaser27 e

sistematizada por Maximiliam Von Buri, e foi amplamente acolhida pela doutrina

lisztiana, vez que não há qualquer espaço para valorações jurídicas das causas que

levaram ao resultado. Ou seja, atem-se ao método clássico mecanicista de análise do

delito, consubstanciada no observar e descrever (PRADO, MENDES, 2006, p. 50).

Como esclarecem Gustavo Junqueira e Patrícia Vanzolini “A ideia da teoria da

equivalência é bastante simples, e talvez seja esse um dos motivos da sua perpetuação:

os eventos são fruto de uma composição de inúmeros fatores, todo eles necessários

para, em conjunto, produzi-los.” (2014, p. 227), e adiante complementam: “De forma

que todos esses fatores ou condições, que contribuíram para a ocorrência do resultado

são considerados causa desse resultado. Como todos foram necessários, todos recebem

a mesma valoração.” (ibidem). Assim, em linhas rudimentares: há nexo ou não, ou a

27 Não há consenso dogmático quanto a origem da referida teoria, visto que parte da doutrina (Busatoe Wessels) assentam que Glaser apenas transportou-a para a seara do direito, mas que sua criaçãoderiva dos ensinamentos de Stuart Mill. De outro lado, parcela diversa da doutrina (encabeçadapor Juarez Tavarez), sustenta que Julius Glaser foi o autor inicial desta ideia de causação(BUSATO, 2013, p. 324). De toda sorte, permanece aqui registrada a discussão doutrinária.

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ação foi a causa de algo ou não. Portanto, não há margem para grandes divagações

dogmáticas acerca de suas constatações ou características.

Precisamente para estabelecer se há causa ou não, concebeu-se uma

subteoria,28 ou melhor, um processo de eliminação hipotética, de autoria do professor

sueco Thyrén (BUSATO, 2007, p. 19). De acordo com este método:

[...] imagina-se que o comportamento em pauta não ocorreu, e procura-severificar se o resultado teria surgido mesmo assim, ou se, ao contrário, oresultado desapareceria em consequência da inexistência do comportamentosuprimido. Se se concluir que o resultado teria ocorrido mesmo com asupressão da conduta, então não há nenhuma relação de causa e efeito entreum e outra, porque mesmo suprimindo esta o resultado existiria. Aocontrário, se, eliminada mentalmente a conduta, verificar-se que o resultadonão se teria produzido, evidentemente essa conduta é condição indispensávelpara a ocorrência do resultado e, sendo assim, é sua causa.”(BITENCOURT, 2014, p. 318).

Com efeito, sublinha a doutrina que para aferir a existência deste liame que

interconecta conduta ao resultado, é necessário que o evento possa ser destacado

espaçotemporalmente da conduta que o produziu, isto é, trata a doutrina que somente

crimes materiais (por exemplo.: homicídio, aborto, lesão corporal etc.) podem ser

examinados no contexto do nexo de causalidade (JESUS, 2014, p. 290). Carlos

Roberto Bacila vai além, e destaca que a teoria em comento não pode ser aplicada

senão em delitos comissivos, vez que:

Não há relação de causalidadenos (sic) crimes omissivos próprios ouimpróprios, pois, afinal, nestes casos o agente justamente deixou de realizaruma ação determinada. Suponha-se que uma criança chamada Cecília caiacidentalmente num poço, mas sobrevive à queda, necessitando contudo, deresgate. Se eliminarmos o estranho Alfonso que passa ao lado do poço noqual a criança Cecília caiu, deixando aquele o local sem prestar socorro(crime de omissão de socorro: crime omissivo próprio), continuamos tendo amorte de Cecília do jeito que ela ocorreu. Também, se depois de Alfonsopassa Francine, mãe de Cecília que vê a criança e segue embora (crime dehomicídio doloso por omissão: crime omissivo impróprio), se eliminarmosesta passagem de Francine, ainda assim teremos a morte de Cecília do jeitoque ela ocorreu. Logo, não há relação de causalidade na omissão segundo aTeoria da Equivalência das Condições [...]. (BACILA, 2011, p. 46).

28 O termo aqui empregado não tem por condão retirar o mérito das aludidas proposições teóricas,mas tão somente fita destacar que esta teoria é utilizada de maneira endossistêmica na conditiosine qua non.

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Deve ser assentado, de antemão, que esta teoria é adotada no Código Penal

(tanto na composição inicial já revogada, de 1940, quanto na atual redação, datada de

1984, até mesmo subsiste no texto modificador do Projeto de Lei nº 236, do Senado

Federal), alicerçada no décimo terceiro artigo do Código Penal ora vigente, vejamos:

“Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a

quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não

teria ocorrido. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).” (BRASIL, 1940,

página única). Desta forma, conforme apregoa a Lei e a multimencionada Teoria, só

poderá ser reputada causa aquela conduta que - leia-se, se num processo de retroação

mental - for suprimida, excluirá o resultado analisado.

Mesmo que quase a totalidade dos ordenamentos jurídico-penais hodiernos

utilizem da Conditio Sine Qua Non para estabelecer a causalidade, a doutrina não

reservou críticas à sistemática proposta por Glaser (Stuart Mill, dependendo da

corrente seguida), sobretudo destacando a insuficiência teórica para os fins que,

supostamente, a teoria haveria se comprometido, a saber: a atribuição de

responsabilidade penal por um ato cometido.

A doutrina em geral manifestou reproche à equivalência, sob o coro de que a

amplitude da causalidade, ao no que toca a essa proposição, leva a uma “[...] excessiva

extensão do conceito de causa, extensão esta que leva a resultados contrários aos

requisitos do direito e ao sentimento de justiça.”29 (ANTOLISEI, 2000, p. 238).

Ademais, Carlos Roberto Bácila, conquanto sua mencionada posição crítica tocante à

Equivalência das Condições e os crimes omissivos, chega ao extremo de afirmar que:

“[...] o texto do Código Penal é defeituoso [...].” (2011, p. 46). Nos demais pontos

críticos, todavia, enumera Juarez Cirino dos Santos que as principais críticas se

ativeram ao método de eliminação hipotética, porque

Primeiro, o critério da exclusão hipotética seria excessivo, produzindo umregresso ao infinito [...] Segundo, o método conduziria a erro em situaçõesde causalidade hipotéticas ou de causalidades alternativas, conformeexemplos históricos: a) em causalidades hipotéticas, o argumento demédicos acusados da morte de doentes mentais, em cumprimento de ordens

29 Em tradução livre, confira-se no original: “[…] eccessiva estensione del concetto di causa,estensione che porta a risultati in contrasto con le esigenze del diritto e del sentimento digiustizia.” (ANTOLISEI, 2000, p. 238).

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superiores do regime nazista, de que na hipótese de recusa pessoal decumprir tais ordens outros médicos as teriam cumprido do mesmo modo,conduziria a conclusões absurdas: excluída a ação dos médicos substituídos– logo, o comportamento daqueles não seria causa do resultado; por outrolado, como a ação hipotética dos médicos substituídos não teria sido causade nenhum resultado, a morte das vítimas teria sido sem causa; b) emcausalidades alternativas, se A e B adicionam, independentemente um dooutro, doses igualmente mortais de veneno na bebida de C, o resultado nãodesaparece com a exclusão alternativa daquelas ações: as doses individuaisde veneno teriam eficácia real e, isoladamente, determinariam o resultado.Terceiro, a teoria seria inútil para pesquisa da causalidade, porquepressupõe precisamente o que deveria demonstrar: para saber, por exemplo,se o calmante Contergan (ou Taliomelida), tomado durante a gravidez, teriacausado deformações no feto, seria inútil excluir hipoteticamente a ingestãodo medicamento, e perguntar se o resultado, então, desapareceria; pararesponder essa pergunta seria preciso saber se o medicamento é causador dedeformações no feto e,se já existe esse conhecimento, a pergunta seriaociosa: assim, a fórmula da exclusão hipotética parece pressupor o quesomente através dela deveria ser pesquisado. (SANTOS, 2014 p. 118-119 –grifos no original).

No entanto, a mais contundente crítica à Equivalência dos Antecedentes

Causais não deriva da ciência jurídica, muito menos dos seus trabalhos manualísticos,

mas, paradoxalmente, advém das ciências da natureza, responsável que foi pela

inspiração do sistema causal, originária da fenomenologia da causalidade.

Destarte, como destaca Paulo César Busato, “[...] o modelo determinista do

universo, que serviu de base para a construção do padrão científico até o início do

século XX, ruiu a partir da exploração, por Werner Heisenberg, das consequências da

hipótese quântica de Max Planc [...].” (2007, p. 15). Em termos genéricos, com a

consolidação do princípio da Incerteza no âmbito da mecânica quântica, o paradigma

newtoniano, de certa maneira, ruiu com as descobertas de Heisenberg que, segundo as

quais, se a posição e a velocidade de uma partícula é aferida partindo do seu estado

atual, tendo por base a irradiação de luz sobre ela lançada, restará esta luminosidade

limitada pelo que o Heisenberg denominou de “Quantum”, elemento que afeta

sobremaneira tanto a velocidade quanto a posição da partícula.

Isso denota que quanto maior o rigor da aceleração e do posicionamento da

partícula, mais difícil será o cálculo dos critérios diversos (BUSATO, 2007, p. 15), e

assim “[...] restava provada a indeterminação, desmentida a pretensão absoluta de

relação de causa e efeito. (BUSATO, 2007, p. 16). Em termos técnicos:

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“De modo geral, a mecânica quântica não prevê um resultado único edefinitivo para uma observação. Em vez disso, prevê um número deresultados possíveis e nos informa sobre a probabilidade de cada um. Issoequivale a dizer que, se fizéssemos a mesma medição em um grande númerode sistemas semelhantes, todos iniciados da mesma maneira, descobriríamosque o resultado seria A em determinados casos, B em outros e assim pordiante. Poderíamos prever o número aproximado de vezes que o resultadoseria A ou B, mas não o resultado específico de uma medição individual.Assim, a mecânica quântica introduz um elemento inevitável deimprevisibilidade ou aleatoriedade à ciência [...].” (HAWKING, 2015, p.79).

Todavia, mesmo com a formulação deste princípio da Incerteza no campo da

física experimental, o liame da causalidade material ainda obstinadamente persiste em

grande parte dos ordenamentos jurídico-penais pós-modernos, isso porque não se

elaborou qualquer teoria que hábil a superá-la em sua praticidade e em sua primazia

pela realidade ontológica.

3.1.4.2 Teorias Individualizadoras

Como bem ensina Luiz Regis Prado, a ciência jurídico-penal intentou elaborar

novas teorias acerca do nexo de causalidade, máxime porque constatou-se uma

insuficiência sistêmica da teoria, de modo que fitavam com estas novas aproximações

dogmáticas um conceito mais hermético de causa, o que, como visto acima, não foi

alcançado pela conditio sine qua non (PRADO, MENDES, 2006, p. 51).

Outrossim, as assim denominadas teorias individualizadoras (ou

diferenciadoras), porque concebidas essencialmente sob o prágma metodológico do

Neokantismo, não buscavam explicar o produto do resultado de forma ontológica, ou

avalorada, como a vertente teórica desenvolvida pela clássica teoria, mas ganha

espeque numa axiologia própria das ciências sociais, isto é, [...] propõem a

identificação de uma ciência do dever ser (sic) separada metodologicamente das

ciências naturais, e como tal, proclive a desenvolver sua própria concepção de

causalidade [...].” (BUSATO, 2007, p. 22).

Para o aprofundamento da matéria, é importante que façamos uma incursão

nas mais importantes criações científicas no que concerne às teorias diferenciadoras.

Todavia, diante das inúmeras elaborações doutrinárias, manter-nos-emos adstritos

àquelas de maior vulto, sem nos furtar às críticas também concebidas a essas.

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Assim, encontramos as proposições elaboradas por Johannes Von Kries,

afirmando que “[...] causa é apenas a condição tipicamente adequada a produzir o

resultado. Causa, portanto, não será qualquer condição, mas só aquela conduta que

represente uma tendência geral à produção de um resultado típico.” (TAVAREZ,

2003, p. 267), em termos mais concretos, será admitida como causa de um resultado a

condição, probabilisticamente constatada pelo julgador, que se apresente adequada ou

proporcionada ao evento em análise (DOTTI, 2012, p. 409). Deste modo, “[...] a partir

dessa teoria, ficavam excluídas como causa do resultado as ocorrências

extraordinárias, fora do normal, ainda que elas estivessem relacionadas com o

resultado [...].” (BUSATO, 2007, p. 24), em suma, cabe ao exegeta obtemperar a

adequação da condição para a produção do resultado típico. Adequação que deve

operar-se de modo antecedente ao exame da tipicidade. Juustamente por estas razões

que o critério de adequação causal restou denominado como teoria da Causalidade

Adequada.

Neste talante, Edmund Mezger, propôs uma complementação teórica às teorias

da adequação e da conditio sine qua non, porquanto que “[...] quer segundo a teoria da

condição, quer da adequação, seu autor só pode ser responsável por este resultado se a

conexão causa for juridicamente relevante.” (TAVAREZ, 2003, p. 269), significa dizer

que, sob o prisma das ciências sociais, a causalidade natural se mostra insuficiente

para a caracterização da causalidade jurídico-penal, conquanto que esta necessita de

uma valoração típica analisada em momento ulterior, ou seja, de uma causalidade

axiologicamente afirmada (BUSATO, 2007). Consoante assenta Juarez Tavarez, esta

proposição seria suficiente para objetivamente resolver críticas insolúveis sob a ótica

da condição equivalente:

O caso mais comum tratado pela teoria da relevância jurídica seria doregresso infinito, que tantos exemplos jocosos já suscitou, mas que adquireespecial importância nos delitos qualificados pelo resultado, praticados emco-autoria, nos quais se corre sempre o risco de que a responsabilidade peloresultado mais grave seja atribuída ao agente com base no princípio doversari in re illicita, isto é, como simples consequência de sua atuaçãoanterior contrária ao direito. Pela teoria da relevância, será imprescindívelanalisar nesse caso, se a causalidade se afastou do processo que o tipo legalpreviu como proibido e também do fim de proteção da norma (a norma nãoquer ter em conta qualquer resultado mais grave); se tal ocorrer, não serápossível responsabilizar-se esse autor, mas somente quem, no caso concreto

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atuou como relevância típica, isto é, aquele que produziu o resultado maisgrave dentro do desdobramento da própria atividade típica [...].”(TAVAREZ, 2003, p. 270).

No que tange as demais teorias individualizadoras elaboradas, Luiz Regis

Prado e Érika Mendes de Carvalho bem sintetizam que:

[...] para Kohler, causa seria a condição da qual depende a qualidade doresultado. Diferencia entre condições estáticas e dinâmicas, sendo quesomente estas últimas seriam causa decisiva ou eficiente para o efeito (teoriada qualidade do efeito ou da causa eficiente). De outra parte, para adenominada teoria da condição mais eficaz ou ativa, proposta porBirkmeyer, causa de um acontecimento é aquela que, dentre as condições doresultado, contribuiu de forma mais eficaz que as outras para a sua produção.O valor de uma causa é reduzido a uma expressão quantitativa. Binding, aseu turno, sustentava que causa vem a ser o resultado de uma luta vitoriosade uma força sobre outra, dos elementos que destroem o presente com os quedeviam mantê-lo ou levá-lo a outra direção (teoria do equilíbrio ou dapreponderância). É a condição positiva em sua preponderância sobre anegativa ou a ruptura do equilíbrio pela condição preponderante –qualitativamente diversa. Mais tarde, Nagler formulou uma nova teoriaindividualizadora, que empregava a valoração social como princípio paraselecionar a condição decisiva: “causa é aquela ação que dentro desse setorde vida deve ser considerada como decisiva para o resultado, de acordo coma valoração social”. (PRADO, MENDES, 2006, p. 51-52 – destaques nooriginal).

Todas estas teorias amealhadas, além de apresentarem uma evidente similitude

conceitual, foram doutrinariamente reprochadas, ao menos enquanto teorias

preocupadas com a estabilização da compreensão de causa, pois, o que se nota delas é

que suas respectivas finalidades não convergem para a delimitação do que deve ser

compreendido como causalidade, mas sim delimitam até que ponto a causalidade tem

relevância jurídico-penal, e este é o mais valioso mérito destas teorias. Diz-se,

portanto, que as concepções aqui explanadas não são teorias da causalidade, mas sim

teorias da imputação jurídica, ou da responsabilização penal (PRADO, 2011, p. 344).

Tal é a razão para que parte da literatura jurídico-penal considere que, por

exemplo, a teoria da Relevância Jurídica é precursora dos critérios de Imputação

Objetiva, “[...] já que reconhece a necessidade de um critério axiológico, situado no

campo do tipo, para a determinação da relação de causalidade juridicamente

relevante.” (BUSATO, 2007, p. 23). Destarte, a doutrina já reconhece a proeminencial

importância da causalidade natural, e a impossibilidade de seu rechaço na atual

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sistemática analítica do delito. Contudo, esta impossibilidade não limita o

desenvolvimento de teorias outras que tendam a limitar o âmbito de aplicação da

conditio sine qua non, baseadas num juízo hipotético limitador (DOTTI, 2012, p. 411),

e é a partir desta premissa que devemos observar a Teoria da Imputação Objetiva,

ponto nodal de análise da presente monografia, ou seja, como uma complementação

axiológica da causalidade, nunca, ou, pelo menos, quase nunca, como uma teoria do

nexo causal em si considerada.

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4 IMPUTAÇÃO OBJETIVA

É de se notar que hodiernamente a teoria da Imputação Objetiva não

permanece enredada tão somente às elaborações funcionalistas de delito, há autores

que sistematicamente a incluem dentro do próprio contexto finalista adotaram em seus

manuais, a exemplo de Damásio Evangelista de Jesus, que, em suas notas introdutórias

a sua principal obra, afirma: “Adotamos, a partir da 26ª edição (2003), a teoria da

imputação objetiva, sem abandonar alguns princípios do finalismo, do qual

continuamos a sustentar o dolo e a culpa no tipo, o erro de tipo e o erro de proibição

[...].” (2014, p. 5). É notório, contudo, que mesmo aquelas obras manualísticas que não

se identificam cientificamente com a teoria, devem, necessariamente, trazer o amplo

arcabouço filosófico que esteia cada uma de suas características, de modo que relegar

a análise da Imputação Objetiva, hoje, constitui um acinte intelectual da maior

gravidade. Por isso, ousamos afirmar que a Imputação Objetiva constitui a mais

instigante inovação da sistemática jurídico-penal atual, muito embora não seja uma

teoria essencialmente recente, ainda que parte dos autores dela discordem.

Cumpre mencionar que a Imputação Objetiva apresenta uma imensidão de

defensores, o que é excelente para o aperfeiçoamento científico-teórico de seus

elementos, no entanto é péssimo para uma abordagem monográfica aprofundada de

suas mais modernas tendências. Consequentemente, esta é a razão que optamos por

examinar o raciocínio dos dois progenitores da Teoria como hoje se concebe, em que

pese cada qual tenha sua própria visão dela, bem como sua maneira de alocá-la

endossistemicamente no que defendem. São eles: Claus Roxin e Günther Jakobs.

4.1 IMPUTAÇÃO OBJETIVA SOB A ÓTICA DE CLAUS ROXIN

4.1.1 Introdução e conceito

De um modo geral, apenas para introduzir uma ideia sobre os contornos desta

vertente da Imputação Objetiva, podemos asseverar, com esteio nas lições de Luís

Greco, que seu conteúdo básico “[...] pode ser resumido numa única ideia: a

imputação objetiva enuncia o conjunto de pressupostos genéricos que fazem de

causação uma causação objetivamente típica.” (2013, p. 19 – destaques no original).

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Esta noção permeia toda a modelação da teoria, seja em suas elaborações

iniciais ou nas mais atualizadas doutrinas, de modo que assenta o espírito buscado por

Roxin com a sistematização da Imputação Objetiva. Todavia, as proposições passaram

por reformulações ao longo dos anos, o que nos conduz a apresentar, ainda que de

forma resumida, os contornos primitivos da teoria, para tão somente após adentrar na

nova consciência da mencionada construção teórica.

Preliminarmente, cumpre destacar que, Roxin, desde suas formulações

iniciais, defende que a Imputação Objetiva só terá cabimento “[...] naqueles tipos que

exigem um resultado espacio-temporalmente distintos da ação do autor [...].” (ROXIN,

2002a, p. 269). Bem assim, que seja possível estabelecer uma relação causal entre

comissão e resultado produzido, significa dizer que Roxin não prescinde da

causalidade em sua teoria, como sustentam alguns doutrinadores, o que corrobora a

ideia de que a [...] a teoria do nexo de causalidade (ao menos nos delitos comissivos,

os únicos de que aqui se vai tratar) é o fundamento de toda realização do tipo. O

primeiro pressuposto de toda realização do tipo é sempre que o autor tenha causado o

resultado [...].” (2002a, p. 270). Noutros termos

[...] deve-se diferenciar os planos naturalísticos e valorativo (normativo) semque ele se despreze a importância destes dois âmbitos. A relação decausalidade nos crimes de resultado não deve ser desprezada, mas não semostra suficiente para imputar o resultado ao seu autor, é apenas “o primeiropasso” que estando comprovado permitirá o juízo normativo da imputaçãoobjetiva. Por meio das teorias causais não se pode delimitar quais atividadesdevem ser consideradas típicas, o que conduz à necessidade de que este juízodeva ser normativo. Para a doutrina penal atual, excetuando-se a finalista,não interessa um conceito de ação a priori, senão a ação típica, isto é, a açãoselecionada pelo legislador dentre as condutas da realidade. (BRITO, 2015,p. 179).

4.1.2 Os contornos primevos da Imputação Objetiva de Roxin

A ideia de uma Imputação Objetiva efluiu dos trabalhos iniciais do ilustre

professor alemão nos anos 1970, quando sistematizou e unitizou proposições exaradas

em múltiplos e esparsos trabalhos. Como recorda Paulo Busato, esta sistematização foi

encabeçada por um artigo intitulado “Reflexões sobre a problemática da imputação em

Direito Penal”, publicado em homenagem a Richard Honig, o primeiro professor a

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trabalhar com a ideia de imputação objetiva em Direito Penal, ainda que muito longe

das modernas concepções sobre o tema (BUSATO, 2007, p 79).

Contudo, Roxin nunca abriu mão da premissa base da mencionada teoria: a

criação de um risco a um bem jurídico pela conduta (BUSATO, 2007, p. 80). Com esta

percepção incipiente, procurava elaborar uma teoria geral da Imputação Objetiva, cuja

finalidade precípua seria a de dar eficiência jurídica ao princípio da subsidiariedade do

Direito Penal. A partir disso, fora elaborada a sistemática outrora adotada:

[...] a imputação objetiva dependia do risco, portanto, o que contribui para adiminuição do risco, não pode causar responsabilidade penal, somente sendopossível imputar condutas capazes de, de algum modo, ultrapassarem o riscoadmitido socialmente para um bem jurídico. Assim, para ele [Roxin], nãohaveria responsabilidade penal em ações que:a) diminuíssem o risco de produção do resultado;b) criassem um risco em um nível juridicamente irrelevante;c) não incrementassem um risco pré-existente, ainda que dentro dos limitessocialmente permitidos;d) cirando risco em nível socialmente proibido, estivessem fora do alcancede proteção da norma.

Como consequência, haveria responsabilidade penal nas ações que:a) aumentassem o risco de produção do resultado de modo a fazê-loultrapassar os limites permitidos;b) criassem um risco em nível juridicamente relevante;c) ao incrementarem um risco pré-existente, ultrapassassem os limitessocialmente permitidos;d) cirando risco em nível socialmente proibidos, estivessem dentro doalcance de proteção da norma. (BUSATO, 2007, p. 81 - sic).

Neste passo, somente haveria responsabilidade penal ao agente que, ao criar a

situação de risco ao bem jurídico, não intervenha no curso causal objetivando a

minimização da afetação ao bem jurídico; que este risco criado tenha relevância

jurídica, levada a efeito segundo proposições de probabilidade; que o resultado criado

por este risco juridicamente relevante não sobrevenha tão somente pelo incremento de

um risco permitido, tendo em vista que “[…] o legislador não proíbe determinadas

condutas que são efetivamente de risco, posto que a vida na sociedade moderna

implica a aceitação de vários riscos de modo cotidiano […].” (BUSATO, 2007, p. 84),

e; que todos os critérios anteriormente expostos encontrem-se guiados no âmbito de

tutela normativa, pois, “Aqui, a referência fundamental é a situações em que, embora

tenha sido criado um risco de ocorrência do resultado, fora das hipóteses em que ele se

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admite, a pretensão do legislador, ao editar a norma, não alcança a proteção contra o

resultado produzido.” (BUSATO, 2007, p. 85).

4.1.3 A atual doutrina da Imputação Objetiva

Atualmente, Roxin expressa sua teoria de maneira muito mais clara, embora

tenha inserido novas classificações dentro da sua pretensão de criar uma teoria geral da

Imputação Objetiva, o que a faz apresentar maior complexidade sistêmica, tudo com

vistas a resolver a maior incidência de situações que lhe cabem.

4.1.3.1 Criação de um risco proibido e suas desinentes causas de afastabilidade

O primeiro requisito da atualizada Imputação Objetiva é a criação ou

incremento de um risco juridicamente desaprovado. Pode-se, para melhor examinar

essa característica preliminar, separá-la em dois conceitos subsequentes, conforme o

faz Luís Greco (2013, p. 30): a criação do risco,30 seguido da desaprovação jurídica

deste. Quanto a primeira, o próprio Greco a fundamenta de maneira lapidar, conquanto

que “[…] proibir ações não perigosas é proibir por proibir, é limitar a liberdade sem

correlato ganho social. Só as proibições que gerem algum ganho social podem ser

proibições legítimas […]. (GRECO, 2013, p. 33). Doutro vértice, este paradigma do

risco, nos conduz a uma nova inferência, isto é, ao ponto subsequente de análise, a

desaprovação jurídica do risco, ou seja, se a conduta que, mesmo sendo formalmente

típica, é permitida, não se pode imputá-la objetivamente (GOMES, 2011, p. 136), a

exemplo de uma intervenção cirúrgica, que mesmo que inequivocamente abale a

incolumidade corporal de alguém (o que constituiria, a priori, uma Lesão Corporal),

não pode ser objetivamente imputada ao cirurgião, porquanto juridicamente e

costumeiramente aceita. Assim, para utilizar de outro exemplo, aquele que agride

brutalmente outrem cria um perigo juridicamente desaprovado, e, por isso, pode-lhe

ser objetivamente imputável a lesão corporal.

Podem ser arroladas como critérios de afastabilidade de imputação objetiva,

no que toca aprioristicamente aos aspectos até aqui estudados, isto é, causas que

afastam a tipicidade do fato, e, por conseguinte, isentam o agente de pena: a

30 Seguimos a orientação da doutrina majoritária, portanto, emprega-se aqui o vocábulo “risco” comosinônimo de “perigo”.

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diminuição do risco, a produção de um risco irrelevante e se este risco produzido foi

abalizado pelo ordenamento.

A diminuição do risco consiste, em suma, na modificação de um curso causal

que resulte na minoração de um perigo preexistente para a vítima (ROXIN, 2002a, p.

313). Para ilustrar, lançamos mão de um exemplo presente na obra de Luís Grego:

[…] o namorado ciumento NC, furioso com as gracinhas do fura-olho FO (oqual não para de trocar sorrisos com ON, a oferecida namorada de NC),avança para surrar este último. ON, percebendo que FO levará um soco norosto, empurra seu namorado, desviando o golpe, que atinge apenas o braçode FO. Aqui, é evidente que ON não praticou uma ação perigosa ao desviaro golpe, muito pelo contrário: ao fazer que o soco atingisse o braço ao invésdo rosto de FO, diminuiu ela o risco de lesão […].” (2013, p. 41).

Parcela da doutrina, notadamente Regis Prado e Érika Mendes (2006, p. 81-

82), criticam o supramencionado critério de exclusão de tipicidade material, sob o

argumento de que, tendo como base novamente a ilustração de Greco, ON, ao desviar

o golpe de NC em face de FO, não agiu dolosamente (leia-se, intencionalmente) no

tocante as lesões corporais, razão pela qual não poderia ser-lhe imputada a prática de

uma lesão corporal, ainda que ausentes quaisquer critérios axiológicos da Imputação

Objetiva. Nesta esteira, ainda acrescem que a conduta de NC, estaria escorada no

estado de necessidade justificante, o que eivaria sua conduta de licitude.

Se nos é permitida qualquer apreciação crítica nesta monografia, usamo-las

agora, uma crítica a crítica; ora, a finalidade própria da adoção da Imputação Objetiva

é justamente a atenuação da carga que sobrecai sobre o aspecto anímico do delito.

Assim, embora a Imputação Objetiva não prescinda do dolo, sua incidência terá menor

relevância neste momento inicial, relegando-se a este aspecto subjetivo, tão somente a

complementação típica do tipo objetivo, eis que este é novo protagonista da teoria do

tipo penal, e, portanto, ao dolo cabe assinalar a consciência e a vontade do agente, e

não mais a limitação do curso causal, muito menos a atribuição de imputação, ou

imputatio, como preferem os autores.

No tocante a produção de um riso juridicamente irrelevante, deve-se

questionar, sob uma perspectiva ex ante, se a ação tende a resultar numa possibilidade

real de dano (GRECO, 2013, p. 39), equivale a dizer que somente serão reputadas

perigosas “[…] as ações que gerem uma possibilidade de dano não tão remota, que

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pareça desprezível para um homem prudente. Tais riscos são considerados

juridicamente irrelevantes […]. (GRECO, 2013, p. 40). Exemplifica-se, novamente

com fulcro na doutrina do professor Luís Greco que, por sua vez, colheu-os da

doutrina do mestre Jakobs: “[…] A, querendo matar B, convence esta a realizar uma

viagem de avião ou a caminhar pela floresta, ou se o marido M, querendo matar a

esposa, compra um pão do Padeiro P, nem A, nem P, terão criado um risco ao

praticarem sua respectiva ação […].” (GRECO, 2013, p. 40).

No que tange ao critério de “produção de um risco permitido, ou abalizado,

pelo ordenamento jurídico”, Roxin leciona que o mencionado critério pode ser

compreendido como “[…] um comportamento que cria um risco juridicamente

relevante, risco esse que é em geral – independentemente do caso concreto – permitido

[…].” (2002a, p. 325), o que conduziria à atipicidade da conduta por ausência de

imputação objetiva, indo ao revés do que propõem as causas de justificação (que no

nosso atual ordenamento encontram-se dispostas no art. 23, do Código Penal). Ilustra o

catedrático professor alemão com o tráfego viário, aduzindo que o legislador autoriza a

direção de veículo automotor, desde que, por óbvio, observadas todas as disposições

disciplinadoras da conduta viária, e o faz mesmo tendo consciência de que o tráfego

viário, segundo estatísticas de acidentes automobilísticos, constitui uma constante

colocação de bens jurídicos alheios em riscos, porém, permitidos (ROXIN, 2002, p.

325).

É de se destacar, contudo, que este elemento em muito se assemelha à teoria

da tipicidade conglobante de Eugênio Raúl Zaffaroni, porquanto que não se pode

considerar típica uma conduta que, mesmo contrariando às normas de Direito Penal,

encontra amparo noutras normas jurídicas (ZAFFARONI, PIERANGELI, 2015, p.

414). Isto é, reputar determinada conduta humana como penalmente típica, mesmo

com a autorização de outras normas jurídicas “não penais”, é puro contrassenso

sistêmico. E é com tal premissa que ambos os autores trabalharam, obviamente

incluindo-as em suas teorias próprias, de modo a melhor organizar sua visão de Direito

Penal.

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Somente com o preenchimento dos requisitos supracitados, e o consequente

afastamento das de causas de atipicidade preliminares, teremos a reprovabilidade da

ação configurada, o que nos permitirá avançar no estudo das matérias.

4.1.3.2 Realização do risco no resultado e suas desinentes causas de afastabilidade

O segundo requisito para constatar a tipicidade da ação mediante a Imputação

Objetiva é a realização do risco no resultado, ou, noutras palavras, “Para Roxin, não

basta que o risco criado seja relevante ou que tal mereça atenção penal, mas também é

necessário que ele se plasme em uma realização.” (BUSATO, 2007, p. 94). Ou seja,

para que a consumação do delito tenha relevância penal, é necessário que, além do

desvalor da ação, esteja presente o desvalor do resultado criado pela ação arriscada

(GRECO, 2013, p. 91). Esta acepção põe ainda mais em evidência que a teoria em

apreço tem como ponto determinante de aplicação a imputação do resultado, isto é, por

mais que “[…] se crie um risco juridicamente relevante, se ele não produz um

resultado desvalioso, não será castigado […].” (BUSATO, 2007, p. 95).

Com isso, podemos seguramente afirmar que este atributo da Imputação

Objetiva presume uma conexão causal entre ação em e resultado, dito doutro modo,

requer a constatação da relação de causalidade dentro do contexto fático analisado

(BITENCOURT, 2014, p. 330). Destarte, aponta Claus Roxin, que, diferentemente da

doutrina anterior, em especial a Finalista, este

[…] não é um problema de dolo (cf. nm. 40), mas uma questão do tipoobjetivo. Verifica-se a realização do risco através de um segundo juízo deperigo, a ser formulado depois da prática da ação, com base no curso causalefetivamente ocorrido. (ROXIN, 2002a, p. 328).

Todavia, há uma questão que merece ser respondida antes de prosseguirmos.

Como bem indaga Luís Greco (2013, p. 97): por que é necessária uma avaliação do

desvalor do resultado? Não bastaria a certificação do desvalor da ação? A estas, e

outras, questões o professor carioca elabora uma argumentação interessante

[…] Creio que a solução está, mais uma vez, no recurso aos fins do DireitoPenal, especificamente: à ideia de proteção de bens jurídicos e a prevençãogeral negativa. O Direito Penal tem por finalidade proteger bens jurídicos,finalidade que ele busca alcançar por meio de proibições de ações. Logo, se

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a ação proibida de fato desemboca numa lesão, o autor terá feito justamenteaquilo que o Direito Penal queria impedir, o que justifica um desvalor doresultado adicional ao desvalor da ação. Se a ação proibida que atinge suameta, a lesão ao bem jurídico, recebesse tratamento idêntico ao da mera açãoproibida, o direito estaria manifestando que ele pune pela meradesobediência. (GRECO, 2013, p. 97 – destaques no original).

Ademais, tal qual ocorre com o primeiro critério examinado, a realização do

risco também apresenta causas próprias de afastabilidade, que nos faz concluir que

estes critérios trabalham na mesma polaridade da antijuridicidade, pois sua constatação

deverá ser realizada ante um juízo negativo de incidência. À vista disso, pode-se

arrolar outras três hipóteses de atipicidade no tocante à realização do risco no

resultado, são elas: a falta de realização de perigo criado, a falta de realização de risco

não permitido e, por fim, a inexistência de norma penal que tutele o resultado.

Quanto à primeira, como bem preleciona Roxin, somente pode haver

imputação objetiva quando a conduta arriscada transpõe o campo do perigo

juridicamente autorizado (2002a, p. 331), todavia, inexistira, de igual modo, tipicidade

quando o resultado produzido não é diretamente originado pela ação inicial,

equivalendo dizer que […] não basta que o autor tenha criado uma situação de risco se

não foi esta que culminou realizada no resultado.” (BUSATO, 2007, p. 95). A

responsabilização do agente, nestes casos, quando muito, será limitada à tentativa.

Essa exposição nos demonstra que o objetivo de Roxin, ao menos neste

critério, era o de solucionar a extensa problemática acerca da concausalidade penal, ou

o desdobramento do curso de causalidade, tendo em vista que, explica Busato, a

questão fulcral não é a indagação acerca da absoluta ou relativa superveniência do

curso causal examinado, mas sim se a ação do agente incrementou, de maneira

relevante, a probabilidade do atingimento do resultado (BUSATO, 2007, p. 95-96).

Explicamos.

Pensemos, então, na seguinte ilustração hipotética:

[…] o sujeito, pretendendo matar a outro, o empurra sobre a borda de umaponte, ciente de que a vítima não sabe nadar, portanto com a pretensão deque esta morra afogada. A vítima, ao cair, bate a cabeça em um dos pilaresde sustentação da ponte, morrendo em face do traumatismo. (BUSATO,2007, p. 96).

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A partir disso, questiona-se: o “sujeito” responderá pelo homicídio consumado

ou tentado da vítima? A inferência a ser realizada pelo exame da concausalidade

certamente seria exaustiva, ao passo que a Imputação Objetiva tende a responder ao

impasse de forma mais espontânea. Basta realizar um segundo questionamento: O

“sujeito”, ao arremessar a “vítima” da ponte criou, ou incrementou, o risco dela

falecer, mesmo que de maneira diversa da qual era pretendida? A resposta é evidente e

salta aos olhos.

Quanto à respectiva exclusão da imputação diante da ausência de realização do

risco não permitido, somente ocorrerá quando o autor provoca um risco censurado

pelo ordenamento, no entanto, este não se realiza num resultado. Um exemplo desta

hipótese é o de que alguém, conduzindo seu veículo, ultrapassa outro, servindo-se de

velocidade superior à estabelecida para a via trafegada, ao finalizar a manobra,

contudo, reduz a velocidade àquela previamente fixada pelas regras locais de trânsito.

Algum tempo depois, ainda na rodovia, acaba por atropelar uma criança que correu ao

encontro do veículo, impedindo qualquer reação do condutor. No exato momento em

que a vítima chocou-se contra o veículo, o automóvel encontrava-se em velocidade

condizente com a norma. O fato da aceleração anterior não pode servir de base para a

imputação do motorista, ou, como preleciona Paulo César Busato, com esteio na

doutrina de Roxin, “[…] essa exclusão de responsabilidade somente ocorre se for certo

que o comportamento de acordo com o direito não evitaria o resultado […].” (2007, p.

97).

Por fim, deparamo-nos com a hipótese de exclusão de imputação em casos de

resultados não cobertos pelo fim de proteção da norma de cuidado. Como afirma

Roxin, há hipóteses em que a conduta do agente certamente elevou o risco do

resultado e, de igual forma, incrementou o perigo de ocorrência do curso causal,

todavia, (2002, p. 335). Colhem-se dois exemplos para melhor compreender:

Exemplo 1 (RGSt 63, 392): Dois ciclistas dirigem no escuro, um atrás dooutro, sem iluminar as bicicletas. Por causa da ausência de iluminação, ociclista da frente colide com um ciclista vindo do sentido oposto. O resultadoteria sido evitado, se o ciclista de trás tivesse iluminado a sua bicicleta.

Exemplo 2 (variação de BGHSt 21, 59): Um dentista extrai dois molares deuma paciente sob anestesia total. A paciente falece em razão de um colapso

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cardíaco. Apesar de ela lhe haver avisado anteriormente que tinha “algo nocoração”, procedeu o médico sem o necessário pré-exame por um clínicogeral, no que violou uma norma de cuidado. Contudo, é de admitir-se que oproblema cardíaco tampouco seria descoberto pelo exame do clínico geral.De qualquer maneira, como a operação seria postergada para que serealizasse o exame, a paciente teria morrido em um momento posterior.(ROXIN, 2002, p. 335-336 – destaques no original)

Os exemplos, autoexplicativos que são, evidenciam que o tópico sob exame

não versa sobre os “[…] limites da norma jurídica, mas das regras gerais de cuidado

em situações de risco.” (BUSATO, 2007, p. 98). Luiz Regis Prado e Érika Mendes de

Carvalho (2006, p. 108), contudo, asseveram que neste tocante a teoria da Imputação

Objetiva de Roxin demonstra que seu propósito não se resume a tratativas gerais e

abstratas acerca da realização do risco, mas que haveria um “segundo nível” de

imputação, “[…] que daria lugar a outra restrição da responsabilidade, a saber: a

compreensão do resultado no âmbito de proteção jurídico-penal.” (PRADO,

MENDES, 2006, p. 109).

4.1.3.3 Alcance do tipo e suas derivadas causas de afastabilidade

Com efeito, explana Roxin que, ainda que preenchidos os elementos

anteriores, poderá a imputação objetiva fracassar quando, por exemplo, a finalidade de

proteção normativa almejada pelo tipo penal não é suficiente para atingir o resultado

produzido, o que nos conduziria a dois casos absolutamente distintos: a atipicidade da

conduta ou a tipicidade da conduta em figura típica diversa. Noutros termos,

“com a realização de um perigo não compreendido no risco permitidoocorrerá, em regra, a imputação ao tipo objetivo. Contudo, cada vez mais seadmite que pode deixar de ocorrer a imputação quando, no caso concreto, oalcance do tipo, o fim de proteção da norma inscrita no tipo (ou seja, daproibição de matar, ferir, danificar etc.) não compreender resultados daespécie do ocorrido, isto é, quando o tipo não for determinado a impediracontecimento de tal ordem.” (2002a, p. 352).

Por tal razão, Paulo Busato (2007, p. 100) leciona que, em virtude de uma das

funções do tipo, especificamente a de tutelar fragmentariamente bens jurídicos, quando

o risco criado não adentra no âmbito de proteção da norma penal, ou seja, não atinge o

bem jurídico como taxativamente descrito na Lei, não pode ser-lhe atribuída

imputação objetiva, obstado, outrossim, a responsabilização do agente.

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Não obstante, como recorda Cancio Melia, o tópico em apresso estava sendo

empregado com dubiedade de conceitos pela doutrina, isto é, o “âmbito de proteção

normativa” não tinha conceituação unívoca, o que representava um evidente perigo de

contradições dogmáticas na solução de casos concretos.

Neste contexto, a expressão "fim de proteção da norma" estava sendoutilizada com duas acepções distintas. De um lado, o critério estavareferindo-se ao alcance que teria a "a norma objetiva de cuidado" dos delitosimprudentes - sentido originalmente empregado por, por exemplo,GIMBERNAT ORDEIG e RUDOLPHI -; doutro, o fim de proteção danorma fazia referência ao alcance da norma da correspondente figuradelitiva. Em princípio, ROXIN os utilizava em ambos os sentidos de formaindistinta. Mas recentemente, sem embargo, para evitar confusõesdoutrinarias, recorreu à expressão "alcance do tipo" quando utiliza o critérioem sua segunda acepção; neste sentido, no marco do "alcance do tipo",apesar de concordar com a realização de um risco não permitido, a"...imputação ainda pode fracassar porque o alcance do tipo, o fim deproteção da norma típica... não abrange os resultados das características quemostram o que o [resultado] tenha produzido, porque o tipo não se destina aevitar tais eventos. (MELIÁ, 2001, p. 126 – destaques no original).31

Como veremos, as categorias que serão adiante expostas constituem eminentes

soluções para os delitos imprudentes,32 ainda que os elementos de algumas não

apresentem uma rigorosa classificação dogmática, haja vista que, em tais crimes,

inexiste uma valoração do elemento subjetivo do tipo, e a ciência jurídica, atenta a este

aspecto, de maneira assaz, procura normatizá-los, em busca de uma atribuição concreta

de responsabilidade jurídico-penal em crimes imprudentes, notadamente aqueles de

intrincada solucionabilidade jurídica.

A partir do que até aqui foi discorrido, podem-se arrolar três causas que

ensejam a exclusão da imputação, por ausência de alcance típico, são elas: situações de

31 Em adaptação livre, confira-se no original: “En este contexto, la expresión "fin de protección de lanorma" estaba siendo utilizada con dos distintas acepciones. Por una parte, el criterio venía siendoreferido al alcance que tenía "la norma objetiva de cuidado" de los delitos imprudentes - sentidooriginal en el que lo emplearon, por ejemplo, GIMBERNAT ORDEIG y RUDOLPHI -; por otra, el finde protección de la norma hacía referencia al alcance de la norma de la correspondiente figuradelictiva. Al comienzo, ROXIN lo utilizó en ambos sentidos de forma indistinta. Más recientemente,sin embargo, para evitar confusiones, recurre a la expresión "alcance del tipo" cuando utiliza elcriterio en su segunda acepción; en este sentido, en el marco del "alcance del tipo", a pesar deconcurrir la realización de un riesgo no permitido, la "...imputación aún puede fracasar porque elalcance del tipo, el fin de protección de la norma típica... no abarca resultados de las característicasque muestra el [resultado] que se ha producido, porque el tipo no está destinado a evitar talessucesos." (MELIÁ, 2001, p. 126)32 Tomamos a expressão “imprudente” como sinônimo de “culposo”.

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cooperação em uma autocolocação em perigo dolosa, heterocolocação em perigo

consentida, e, finalmente, a imputação do resultado em virtude de um âmbito de

responsabilidade alheio (BUSATO, 2007, p. 100).

A inicial, isto é, uma situação de cooperação de autocolocação em perigo

dolosa, conforme preleciona Roxin (2002, p. 357), vem encontrando espaço na

jurisprudência alemã, muito porque este tópico vale-se da criteriosa aplicação da Lei

penal para a conformação típica da ação ao resultado lesivo. Neste aporte, podemos

afirmar que a Imputação Objetiva se vale de um princípio de capacidade da vítima

(PRADO, MENDES, 2006, p. 109). Para melhor interpretar, Paulo Busato, tendo

como base a doutrina de Claus Roxin, apresenta-nos o seguinte exemplo, infelizmente

muito frequente em terras tupiniquins:

[…] o traficante vende uma vultosa quantidade de cocaína para um viciado,o qual injeta uma dose muito grande e morre em consequência disso. Nãoparece haver dúvida que a autocolocação em perigo por parte do usuário dedrogas não pode gerar responsabilidade por homicídio ao traficante. Poroutro lado, ninguém duvida de que ambos tinham a consciência a respeito doperigo que representava a entrega da droga. É importante notar também,como dado adicional, que é evidente que não podemos fazer depender doelemento subjetivo do tipo uma decisão justa a respeito do caso. Vale dizer,não parece correto afirmar que se o traficante efetivamente deseja a morte dousuário, ou anui com esta circunstância ao vender a droga, possa eleresponder por auxílio ao suicídio. (2007, p. 101).

No que toca à heterocolocação em perigo consentida, esclarece Roxin que

“Este grupo de casos, ainda pouco explorado, abrange a constelação em que não é a

própria pessoa quem se coloca dolosamente em perigo, mas se deixa colocar em perigo

por outrem, tendo consciência do risco” (2002, p. 367). Isto é, esta classificação difere-

se da primeira, porquanto que “[...] aqui, ao contrário de colocar-se a vítima em perigo

com auxílio de terceiro, ela simplesmente assume a posição passiva e deixa-se colocar

em perigo, consciente de tal exposição, ficando a realização da conduta por conta

exclusiva do terceiro.” (BUSATO, 2007, p. 102). Confira-se os exemplos arrolados

Exemplo 1 (RGSt 57, 172): Apesar da tempestade, o freguês quer que ocondutor de um barco faça com ele a travessia do Rio Memel. O condutordesaconselha a que se proceda a travessia, apontando para os perigos nelaenvolvidos, O freguês insiste, o condutor acaba correndo o risco, o barcoafunda e o freguês afoga-se.

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Exemplo 2: O passageiro, que deseja chegar a tempo em um compromisso,ordena ao condutor que ultrapasse a velocidade máxima permitida. Emvirtude da velocidade elevada, acontece um acidente, no qual o passageirovem a falecer.Exemplo 3: O dono de um carro, já incapaz de dirigir por motivo deembriaguez, atendendo aos pedidos de um dos participantes da festa, permiteque ele vá em seu carro. O passageiro morre em um acidente causado pelaalcoolização de motoristas. (ROXIN, 2002, p. 367-368 – destaques nooriginal).

Em casos tais, a problemática não deve cingir-se, como apregoa a doutrina

comum, à natureza do crime praticado, visto que discutia-se que o consentimento da

vítima limitou-se a uma mera exposição do bem jurídico o perigo, no entanto, vale

lembrar que os casos supramencionados, bem assim o basto arcabouço em que a

Imputação Objetiva de Roxin pode ser aplicado, são crimes de dano, isto é, crimes de

afetação do bem jurídico (BUSATO, 2007, p. 103). A questão mais acertada, segundo

o juízo de Roxin, seria indagar “[…] em que medida o fim de proteção do tipo

compreende a heterocolocação em perigo consentida […].” (ROXIN, 2007, p. 370),

para facilitar a resolução, Roxin propõe uma série de outros questionamentos, de modo

a facilitar a compreensão da ação.

[...] o dano deve ser consequência do risco corrido, e não de outros errosadicionais, e a vítima deve ter a mesma responsabilidade pelo fato comumque o autor. Pata tanto, deve ela, como já na autocolocação em perigo,conhecer o risco na mesma medida em que o autor. (ROXIN, 2002, p. 370-371)

Se presentes os requisitos alhures mencionados, a conduta do agente será

atípica, por ausência de imputação objetiva, tendo em vista que a própria vítima

assumiu, ou consentiu, para o risco produzido (BUSATO, 2007, p. 103). Em suma, a

conduta não pode ser objetivamente imputável como obra do agente.

Finalmente, adentramos na análise da atribuição de responsabilidade alheia, ou

seja, a proteção levada a efeito pelo tipo penal não encontra esteio em ações de

terceiros, notadamente quando este terceiro é um agente especializado, cuja missão é

realizar a evitabilidade do dano, ou do perigo (ROXIN, 2002, p. 377; BUSATO, 2007,

p. 104). Neste sentido, Claus Roxin indaga, com o afã de reafirmar sua proposta, que

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[…] Deve realmente o ladrão ser punido por homicídio culposo, se umpolicial se acidentar numa difícil perseguição automobilística? Se assimfosse, o delinquente perseguido teria de entregar-se à polícia, se não quisessecorrer outros riscos de punição. Uma tal obrigação seria, porém, dificilmentecompatível com princípios gerais do direito, segundo os quais ninguémprecisa contribuir para a própria punição. Dever-se-ia, portanto, atribuir taisriscos típicos do exercício da profissão ao âmbito de responsabilidade doprofissional, não os imputando a estranhos. (2002, p. 379).

Devemos alertar, por sua vez, que este elemento, também chamado por Roxin

como “teoria das esferas ou âmbitos de responsabilidade”, ao menos nas obras até

então consultadas, não encontra uma conclusão teórica, haja vista que o próprio

professor alemão reconhece que seus contornos necessitam de um melhor

aprofundamento filosófico e sistêmico. No entanto, há de se reconhecer que a premissa

é absolutamente instigante, e que sua base teórica já se encontra muito bem colocada

na literatura jurídica, razão pela qual, os aprimoramentos citados por Roxin,

obviamente necessários para fins de dogmática, revelam-se muito mais voltados à

finalização do elemento teórico, do que uma insuficiência intelectual da teoria.

4.2 IMPUTAÇÃO OBJETIVA SOB A ÓTICA DE GÜNTHER JAKOBS

4.2.1 Observações preliminares

Como visto em tópico próprio, o funcionalismo sistêmico-racional, proposto

pelo professor emérito da escola de Bonn, Günther Jakobs, apregoa a necessidade de

se estabilizar os referenciais, ou ao menos as expectativas, normativos(as). Isso nos

leva a concluir que, para a construção de seu sistema penal autorreferente, com

fundamento nas lições de Niklas Luhmann, “[…] Jakobs despreza completamente todo

referente ontológico do sistema de imputação, inclusive o bem jurídico […].”

(BUSATO, 2007, p. 107), de modo que o resultado perseguido pela responsabilização

não é o natural, mas sim o, tão reprochado por Zaffaroni, resultado jurídico, isto é,

uma teoria da Imputação Objetiva aplicável indistintamente a todas as espécies de

delitos, e não somente aos delitos com resultado naturalístico espaçotemporalmente

apartados da conduta inicial, como proposto por Claus Roxin.

Como o próprio Jakobs sustenta, no Direito Penal da pós-modernidade, “[…]

já não se deveria fazer a tentativa de construir o delito tão somente com base em dados

naturalistas – causalidade, dolo; pelo contrário, o essencial é que concorra a violação

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de um papel […].” (2014, p. 23 - destaques no original), e arremata, “[…] Por

conseguinte, já não resulta mais suficiente a mera equiparação entre delito e lesão de

bem jurídico.” (ibidem).

Diferentemente da vertente da Imputação Objetiva anteriormente estudada,

que se constitui como um passo fundamental para a adequação típica da conduta, aqui,

Jakobs vai muito mais além, chega ao extremo de sustentar que o seu sistema de

imputação centraliza toda a elaboração jurídico-penal do seu ponto de vista do Direito

Penal, a ser posteriormente conjugado à tipicidade e à culpabilidade (BUSATO, 2007,

p. 107).

Deve-se realçar que sua estrutura jurídico-penal se desenvolve na ideia de que

o direito sancionador deve zelar pela higidez normativa, e é justamente por isso que o

autor concebe o delito como uma expressão de sentido, qual seja, o abalo social que o

crime desencadeia na sociedade, ou em termos dogmáticos, a desestabilização do

comando normativo que determinava um comportamento regrado, um contato social

ordenado (PRADO, MENDES, 2006, p. 127).

E esta estabilização normativa, a seu turno, tem um fundamento muito mais

prospectivo do que apenas a reafirmação do que é devido ou não, ou, como explica

Jakobs “[...] as normas penalmente sancionadas regulam o comportamento humano

não no interesse da regulação em si, mas para possibilitar a vida social, que, sem a

segurança das expectativas, não tem estabilidade alguma [...].” (2008, p. 288-289). E é

a partir desta premissa que a sua Imputação Objetiva trabalha: sob o aspecto da

reprovação comportamental (imputação do comportamento), com critérios de

imputação eminentemente objetivos, pois apenas comportamentos perigosos, a partir

de uma perspectiva ex ante, podem ser castigados. As normas, assim, tem a ideia de

um padrão comportamental (também denominado pelo autor como “papel social”) a

ser seguido por todos (PRADO, MENDES, 2006, p. 128); e a reprovação do resultado

alcançado (imputação do resultado) como consequência lógica da inobservância

normativa, e, por conseguinte, da produção de um resultado lesivo (MELIÁ, 2001, p.

132).

No que tange a imputação objetiva do comportamento, Jakobs arrola quatro

instituições dogmáticas, ou princípios jurídicos como de preferência de alguns autores,

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que serão determinantes para o plano da tipicidade penal, notadamente sua faceta

objetiva, a saber: o risco permitido, o princípio da confiança, a proibição do regresso e

a competência ou capacidade da vítima (BUSATO, 2007, p. 108).

Vamos a eles.

4.2.2 O risco permitido

Tal qual a doutrina de Roxin, Günther Jakobs também assume a existência de

riscos no comportamento humano cotidiano, haja vista que “Qualquer contato social

implica um risco, inclusive quando todos os intervenientes atuam de boa-fé […].”

(JAKOBS, 2014, p. 35). No entanto, estes riscos intrinsecamente apresentam

limitações, que variarão de acordo com os sistemas jurídicos e as sociedades nos quais

se encontram plasmados, portanto, de ordem absolutamente normativa (MELIA, 2001,

p. 132), limites estes determinantes para a conclusão de que o risco é ou não

socialmente permitido (BUSATO, 2007, p. 108). Em suma, para Jakobs

[…] se cada um se comporta de acordo com o papel que lhe foi assinaladosuas relações sociais, mesmo que a conduta realizada implique riscos, nãopode haver imputação, porque os papéis sociais são estabelecidos dentro doslimites comumente aceitos e dados por válidos. (BUSATO, 2007, p. 109).

Todavia, esta assertiva de cunho eminentemente protecionista, nos leva, assim

como conduziu o professor Paulo Busato (2007, p. 109), a uma interessante indagação:

visa proteger o quê? Afinal de contas, o sistema penal aqui proposto não objetiva uma

proteção subsidiária e fragmentária de bens jurídicos, pelo contrário, refuta por

absoluto a prioridade destes na função do Direito.

Então, este risco correlaciona-se a quê? A resposta vem estampada no próprio

Tratado de Direito Penal de Jakobs

[…] o Direito Penal não deve proteger um arsenal de bens jacentes,tampouco maximizar bens, mas sim estabilizar expectativas quanto adeterminados comportamentos. Se um comportamento de fato causa danos aum bem, mas, apesar disso, não frustra expectativas pelo fato de suaaceitação ter se tornado efetivamente um costume, isso somente constituiuma contradição se a segurança dos bens é considerada de um ponto de vista“policial”. (2008, p. 290).

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Outrossim, ao contrário do que a maior parte dos autores, principalmente os

nacionais, elucubram, Günther Jakobs não refuta a necessidade dos bens jurídicos,

apenas os coloca em patamar inferior, quando comparados à necessidade de

estabilização normativa, vale dizer, o ordenamento protege os bens de maneira reflexa,

ao passo que protegida a norma ou a expectativa normativa, tutelados estarão os bens.

Assim, diante da significação que o princípio do risco propõe, “Exceder o

risco permitido é um pressuposto positivo do injusto […].” (JAKOBS, 2008, p. 291),

esta premissa tem especial importância quando levamos em conta que existem

processos estritamente causais, em paralelo a processos imputacionais, isto é,

utilizando do exemplo presente na literatura do professor Günther Jakobs, um

fabricante de veículos é causalmente ligado a todos os sinistros que ocorrem no tráfego

viário, desde que obviamente seu automóvel fabricado tenha envolvimento no evento;

de outro lado, este mesmo fabricante terá responsabilização, e de conseguinte,

imputação, acaso tenha conhecimento que seus veículos apresentam deficiência nos

mecanismos de freio, e não interrompe sua produção, isso, à evidência, conduziria a

inúmeros acidentes automobilísticos, objetivamente reprimíveis pela norma que

determina a proteção dos consumidores, “[...] É somente ao exceder o risco [...] que se

tornam penalmente relevantes as questões acerca do dolo, da culpa e, eventualmente,

de um contexto justificante.” (JAKOBS, 2008, p. 291).

A seu turno, estará excluída a tipicidade, pelo menos no que toca ao elemento

da permissão do risco, quando o comportamento em análise seja sentido como natural

pela sociedade, equivale a dizer que comportamentos atípicos neste tópico não são

comportamentos justificados, com critérios espectros de afastamento da tipicidade

penal, mas são comportamentos que não realizaram tipo penal algum, porque

socialmente aceito (JAKOBS, 2014, p. 39)

4.2.3 O princípio da confiança

Este elemento, tem como fundamento a ordenança que deve a sociedade seguir

para atingir uma boa convivência social. Em termos doutrinários, “O princípio da

confiança é a autorização para confiar no comportamento correto de outras pessoas –

numa medida a ser ainda determinada – não obstante a experiência de que elas

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cometem erros […].” (JAKOBS, 2008, p. 302). Inobstante, esta confiança não se

relaciona aprioristicamente como fator psíquico, mas apenas como uma autorização

para confiar, tendo em vista o papel social que cada um desempenha na rede de inter-

relações sociais (BUSATO, 2007. p. 111). As pessoas, ou os subsistemas psico-físicos,

como prefere Günther Jakbs, nos seus contatos sociais, esperam uma contrapartida

segura dos demais correlacionados, especialmente em situações em que os riscos são

inerentes aos referidos contatos (ibidem).

Quem arriscadamente atua dentro das expectativas normativas, ou seja,

mediante riscos permitidos, não pode ser responsabilizado pelo mal agir alheio. Este,

dentro de sua limitação própria, exercia um papel de garantidor da segurança alheia,

ou, em suma, das expectativas normativas. Exemplificando

[…] uma intervenção cirúrgica, o médico, ao realizar a incisão com umbisturi, confia que a peça tenha sido previamente desinfetada pelainstrumentadora. Neste caso, no entendimento de Jakobs, se o paciente secontamina com uma infecção em face do bisturi não ter sido previamentedesinfetado, a responsabilidade não pode ser imputada ao cirurgião, pois esteatuou segundo seu de cirurgião, em confiança que todos os demais atuaramde forma correta e adequada ao seu papel. A responsabilidade poderá serimputada à instrumentadora negligente ou, se ela também procedeu deacordo com as normas próprias do seu papel e, ainda assim, sobreveio ainfecção, este resultado será imputado ao mero acaso. (BUSATO, 2007, p.112).

4.2.4 Proibição de regresso

Este elemento pretende eximir de responsabilidade jurídico-penal daqueles

que, atuando em conformação ao seu papel social esperado, eventualmente contribuem

para que terceiros cometam delitos. O comportamento deve ser interpretado nos

limites do seu papel social (BUSATO, 2007, p. 113).

Esta premissa demonstra que Jakobs preocupa-se em extirpar a significação

delituosa destas condutas ainda no âmbito da tipicidade objetiva, isto é, não adentra ao

aspecto anímico da ação (JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2014, p. 251), porquanto “[…]

para ele [Jakobs], definitivamente, não é um problema de dolo, mas simplesmente de

imputação […].” (BUSATO, 2007, p. 114).

Para ilustrar, tomemos a clássica ilustração proposta pelo professor da escola

de Bonn:

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[…] o devedor salda uma dívida; como já era de conhecimento do devedor, ocredor compra, com esse dinheiro, uma arma com a qual atira em umapessoa, como o devedor, da mesma forma, podia prever; não há auxílio nohomicídio por parte do devedor. (JAKOBS, 2008, p. 309).

A ratio para esta característica, que a priori é causa de estranheza e assombro,

é a de que Jakobs empreedeu esforços para bem demarcar os limites da participação

delitiva em Direito Penal. Nesta toada, Cancio Meliá ensina

Pode-se dizer que o que JAKOBS pretende é finalmente enquadrarsistematicamente a teoria da participação dentro da imputação objetiva. Apartir desta perspectiva, a proibição de regresso satisfaz a necessidade delimitar o escopo da participação punível, tanto para delitos imprudentesquanto em critérios objetivo-normativos. Desta forma, a proibição deregresso é apresentada de certo modo como o inverso da participaçãopunível. Para JAKOBS, a proibição de retorno refere-se aos casos em queum comportamento que favorece a comissão de um crime por outro sujeitonão pertence ao seu significado objetivo para esse crime, é dizer que podeser “distanciado” disso. Por outro lado, contra o alto grau dedesenvolvimento que atingiu o primeiro nível de imputação objetiva, osegundo nível de imputação, avaliação de risco ou imputação objetiva doresultado, tem menor peso na concepção de JAKOBS. (2001, p. 133).33

Ademais, a nosso sentir, com esta proposição Jakobs pretende desvencilhar-se

da centenária vicissitude da conditio sine qua non, para assim evitar que ilações

exageradas e despropositadas adentrem no âmbito do que realmente deve interessar à

tipicidade: o castigo pela produção de uma desestabilização normativa, levada a efeito

pelo agente.

4.2.5 A competência ou capacidade da vítima

Aqui, diferentemente do que sustenta a doutrina hodierna, pode-se observar

que Jakobs não renega a existência de bens jurídicos, pelo contrário, pois, à medida

33 Em tradução livre, confira-se no original: “Cabe decir que lo que JAKOBS pretende instancia esenmarcar de forma sistemática la teoría de la participación dentro de la imputación objetiva.Desde esta perspectiva, la prohibición de regreso satisface la necesidad de limitar el ámbito de laparticipación punible, tanto para comportamientos imprudentes como dolosos, con base encriterios objetivo-normativos. de este modo, la prohibición de regreso se presenta em cierto modocomo el reverso de la participación punible. Para JAKOBS, la prohibición de regreso se refiere aaquellos casos en los que un comportamiento que favorece la comisión de un delito por parte deotro sujeto no pertenece en su significado objetivo a ese delito, es decir, que puede ser‘distanciado’ de él. Por otro lado, frente al alto grado de desarrollo que ha alcanzado el primernivel de la imputación objetiva, el segundo nivel de imputación, la realización de riesgos oimputación objetiva del resultado, tiene un peso menor en la concepción de JAKOBS .” (MELIÁ,2001, p. 133).

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que a norma penal, ou sua expectativa, mantém-se hígida, os bens juridicamente

guarnecidos, porque coadjuvantes nesta relação jurídico-penal, manter-se-ão em igual

estado de neutralidade (JAKOBS, 2008, cap. 7).

Dito isso, prosseguimos.

Contudo, dentro do sistema penal proposto pelo professor alemão, não se deve

tomar em conta a necessidade de proteção a bens jurídicos de maneira absoluta, isto é,

existem “Numerosos bens penalmente protegidos [que] estão à disposição de seu

titular […].” (JAKOBS, 2008, p. 343). Neste talante, ilustra-se com o exemplo do

doutrinador alemão: Se alguém destrói uma porta com a vontade do proprietário, não

há dano material típico (ibidem). Por razões tais, devem-se distinguir bens disponíveis

daqueles outros que não o são (JAKOBS, 2008, p. 349). Segundo o próprio Jakobs,

podem ser normativamente encarados como bens jurídicos disponíveis a propriedade,

o patrimônio, a liberdade de locomoção, a honra, o sigilo de correspondência e até

mesmo a integridade física. Contudo, quanto a liberdade de locomoção, a honra e a

integridade física, há de se sublinhar que somente serão atípicas as condutas que

constituírem meios de desenvolvimento (como lesões leves durante práticas sexuais) e

não a base do desenvolvimento da ação (JAKOBS, 2008, p. 349).

Vale salientar que estes critérios assemelham-se, em muito, à proposta de

Imputação Objetiva formulada por Claus Roxin, ao menos no que toca ao elemento do

“alcance do tipo” (BUSATO, 2007, p. 115), pois, “[…] engloba tanto situações em que

a ação é realizada pela própria vítima quanto as situações em que são realizadas por

terceiro com o consentimento da vítima.” (JUNQUEIRA, 2014, p. 251).

Outrossim, para a identificação desta anuência, conforme sublinha Paulo César

Busato, dois critérios são apresentados, quais sejam: atuações de terceiro que contam

com o consentimento do ofendido e as ações realizadas pela vítima a seu próprio risco

(2007, p. 116).

4.2.5.1 Atuações de terceiro que contam com o consentimento do ofendido

Com uma rasa leitura da literatura do professor Günther Jakobs, é possível

notar, como já sublinhamos em linhas anteriores, a vasta amplitude conceitual que este

elemento abarcar. Sustenta-se, ademais, que, além do consentimento do ofendido, este

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critério de atipicidade de conduta incorpora situações de erro apreciativo da situação,

seja este de fato ou de direito, bem assim situações em que a vítima encontra-se

induzida a determinação de terceiro, o agente (BUSATO, 2007, p. 116).

O paradigma proposto por Jakobs, baseado no que foi dissertado por nós no

ponto 3.2.5, é o seguinte: “[...] uma pessoa não suficientemente conhecedora do

assunto convenceu a vítima de que a porta situava-se em um local não permitido pelo

Direito de Construção [...].” (2008, p. 344), e concluímos, se esta pessoa destrói o

objeto, portanto em uma evidente indução promovida por terceiro ignaro, não poderá

este ser castigado por ausência elemento típico essencial, isto é, carece de imputação

objetiva.

Ademais, diante da atual estrutura do direito penal finalista, indaga-se: todos

os supramencionados exemplos não constituiriam uma causa de justificação (causas

supralegais de exclusão de antijuridicidade), em vez de excluírem a tipicidade? Jakobs

responde de forma lapidar

Somente se a determinação dos resultados típicos fosse de caráter naturalistaé que a vontade do titular do bem não importaria para a realização do tipo;nesse caso, o consentimento poderia, na melhor das hipóteses, justificar.Todavia, essa afirmação desconhece que, nos casos aqui relevantes, ocomportamento, de antemão, não frustra expectativas; pois, se ocomportamento corresponde à vontade do titular do bem, nem por isso umconflito social existente em si (tipo realizado!) é declarado como sendoexcepcionalmente tolerado (ou seja, justificado!), mas não se atinge noâmbito do conflitante somente por causa da vontade, sem considerar osmotivos desta. (2008, p. 350 - destaques no original).

4.2.5.2 Ações realizadas pela vítima a seu próprio risco

Este tópico deve ser compreendido como a ruptura do dever, a todos

normativamente imposto, de autoproteção, autotutela. Se está presente esta ruptura,

qualquer dano a bem jurídico da “vítima”, não poderá ser atribuído a terceiro; desde

que, tendo em vista a posição de Jakobs acerca dos papéis e contatos sociais, este

terceiro mantenha-se dentro das expectativas normativas de sua atuação (BUSATO,

2007, p. 117). Segue a ilustração, para melhor aclarar o exposto

[...] quem cava o seu próprio gramado ou arranca uma árvore do próprioquintal não pratica crime de dano. Do mesmo modo, quem se propõe àprática de esportes radicais, não pode buscar imputar ao seu instrutor, que

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age dentro deste papel, a responsabilidade por danos derivados do risco aque se vê exposto. A vítima atua aqui, segundo Jakobs, a seu próprio risco.(BUSATO, 2007, p. 117).

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5 PROJETO DE LEI SENADO FEDERAL NÚMERO 236, DE 09 DE JULHO

DE 2012 - (NOVO CÓDIGO PENAL)

5.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

A comissão de juristas que restou incumbida da redação do anteprojeto inicial

do novo Código Penal, que posteriormente se solidificou no projeto de Lei do Senado

Federal de nº 236, foi criada a pedido do senador Pedro Taques e aditada pelo senador,

e então presidente do Senado, José Sarney, conforme expressamente indicado na

página inicial do relatório final dos trabalhos indica, datado de 18 de junho de 2012

(BRASIL, 2012, p. 01),

Esta comissão de juristas, compunha-se, inicialmente por dezenove diletos

membros, cujos quais aponta-se desde logo

Nos termos do Requerimento 756/2011, combinado com o Requerimento1.034/2011, nomeados membros da Comissão de Juristas o Ministro doSuperior Tribunal de Justiça LANGARO DIPP, que recebeu o encargo depresidi-la, a Ministra do Superior Tribunal de Justiça MARIA THEREZAMOURA, os advogados ANTONIO NABOR AREIAS BULHÕES, doDistrito Federal, MARCELO LEAL LIMA OLIVEIRA, do Distrito Federal,EMANUEL MESSIAS OLIVEIRA CACHO, de Sergipe, TÉCIO LINS ESILVA, do Rio de Janeiro, RENÉ ARIEL DOTTI, do Paraná, MARCELOLEONARDO, de Minas Gerais, GAMIL FÖPPEL EL HIRECHE, da Bahia,o Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro JOSÉ MUIÑOSPIÑEIRO FILHO, o Consultor Legislativo do Senado Federal, TIAGO IVOODON, a Defensora Pública JULIANA GARCIA BELLOQUE, de SãoPaulo, o Professor LUIZ FLÁVIO GOMES, de São Paulo, a Procuradora deJustiça LUIZA NAGIB ELUF, de São Paulo, o Procurador Regional da DOSGONÇALVES, de São Paulo, e o Promotor de Justiça MARCELO ANDRÉDE AZEVEDO, de Goiás.Foi, a seguir, incluído como membro da Comissãoo Desembargador do Tribunal de Justiça São Paulo MARCO ANTONIOMARQUES DA SILVA. (BRASIL, 2012, p. 02).

Entrementes, em virtude de razões pessoais, o professor Dotti e a ministra

Assiz Moura necessitaram se afastar das elaborações da incipiente legislação.

Com o mencionado Relatório Final, cujo teor representa a maior parte da

codificação estabelecida no Projeto, restaram redigidos 544 (quinhentos e quarenta e

quatro) artigos que, conforme sublinha Jair Leonardo Lopes, revogava 111 (cento e

onze) legislações penais extravagantes (2014, p. 64).

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Imediatamente após o recebimento do anteprojeto, este se converteu no

Projeto de Lei do Senado Federal, sob o número 236, de 2012.

Em virtude das demasiadas críticas doutrinárias, muitas delas sem

fundamentação legítima, o senador Pedro Taques, em meados de 2013, apresentou um

substitutivo àquela codificação debatida, contendo, agora, 527 dispositivos legais.

Como veremos, ambos os projetos adotaram a teoria Imputação Objetiva com

especial ênfase, contudo, tanto a redação, quanto a sistematização deste importante

instrumento de atribuição típica, não ostentaram uma primazia pelo rigor técnico, o

que levou a doutrina, e o que nos leva, a apresentar críticas à forma com a qual o

legislador metodologicamente pretendeu empregá-la.

5.2 CRÍTICAS À REDAÇÃO E À CIENTIFICIDADE DA LEGISLAÇÃO

REFORMISTA

Ao contrário das codificações anteriores, em que as propostas legislativas

receberam amplo apoio e até mesmo certo incentivo da comunidade científica em geral

(LOPES, 2014, p. 73), a atual pretensão de reforma do Código Penal, ao revés,

encontra obstinados críticos, que propagam a catástrofe que o conteúdo do Projeto

carrega.

Com efeito, o alarde propagado pelos doutrinadores, sejam eles modernos ou

conservadores, esteia-se, além da ausência de um criterioso senso dogmático do novo

Código, na insuficiência de diálogo da comissão de juristas incumbida da lavratura do

documento com a doutrina, com os especialistas no terreno jurídico-penal. É neste afã

que Alaor Leite se manifesta

Não é exagerado reafirmar que a ciência não participou da reforma comoinsider, nem dessa reforma da reforma da parte geral reformada. […]O papel da ciência, nessa reforma em especial, é o de contrapesoargumentativo, de indicador da coerência ou incoerência do legislador: papelde inconveniente ou de outsider. (LEITE, 2015, p. 12).

Outrossim, as críticas são variadas e atingem o Projeto, e de conseguinte o

Substitutivo, como um bloco monolítico de concreto sobre um emaranhado de penas,

partem desde a consolidação das leis penais extravagantes na nova parte especial,

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cujas reprimendas sem qualquer coerência lógica e as tipificações banais alçam o

Código a um absurdo afronte aos princípios basilares da ciência penal, chegando até a

Parte Geral, verdadeira fonte de teorias inovadoras, que apresenta inúmeras

contradições sistêmicas em sua própria redação.

A novel legislação inova, ao menos busca inovar, porém, inova-se

levianamente, sem tomar a realidade dogmática brasileira como ponto inicial de sua

posição científica, pois, desde a ampliação da responsabilidade penal das pessoas

jurídicas (BUSATO, 2015, p. 160) tocando até mesmo nos conceitos mais basilares de

dolo e culpa (LOPES, 2014, p. 67), só para nos mantermos nos aspectos atinentes à

atribuição típica, os conceitos empregados se revelam como uma grande incógnita,

ostentando vicissitudes na própria redação, como também nos critérios adotados nas

mais diversificadas categorias delitivas.

Uma prova clara do legislador é que, ao contrário do Código Penal de 1940,

que claramente adotava como teoria base o causalismo Litziano, e a desinente Lei

reformadora de 1984, cujas linhas mestras detinham como princípio unificador o

finalismo welzeniano, não se pode afirmar qual teoria o legislador se filiou, se é que

incorporou alguma teoria do delito. É forçoso constatar que, tanto o Projeto como o

Substitutivo, tratam de aspectos funcionalistas, bem como finalistas, neokantistas e até

mesmo causalistas, todavia, sem qualquer linearidade dogmática.

Outra crítica encontrada advém do ensaio de lavra do professor mineiro Jair

Leonardo Lopes, em que expressa seu incômodo quanto a adoção da teoria da

Imputação Objetiva do resultado na nova legislação, sem apresentar manifestação

convincente, contudo. Argumenta o professor que a referida teoria não merece guarida

porquanto seus conceitos fundamentais estariam inacabados, evidentemente referindo-

se aos conceitos de “alcance normativo”, propostos por Roxin, motivo pelo qual não

deveria ser adotada na nova legislação penal (2014, p. 65), mesmo reconhecendo que

Tribunais Brasil afora utilizem da teoria para soluções de casos concretos (2014, p.

83). Ademais, alinhava que a Imputação Objetiva não foi implementada, tampouco

recepcionada, no próprio corpo do Código Penal alemão, país de origem da sua

criação, bem como nos países que traduzem as obras dos propositores da teoria (2014,

p. 75).

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É curioso observar que, muito além dos doutrinadores e dos órgãos que já se

manifestaram contra o Projeto e seu Substitutivo, um dos redatores do Projeto inicial,

o professor Luiz Flávio Gomes, também aderiu ao manifesto de repúdio à novel

legislação, em artigo intitulado “Reforma penal repete populismo punitivo comum no

Brasil”, em que põe em evidência a ineficiência da filosofia punitivista adotada na

redação que o próprio professor auxiliou a redigir (GOMES, 2013, p. única).

O(s) Projeto(s), como relatam os críticos, constitui(em) uma contradição em

termos, sem coerência ou congruência. Em que pese, a nosso sentir, seja até louvável o

intento do legislador em adotar a tão estimada doutrina da Imputação Objetiva, ainda

veremos que o codificador não primou pela boa técnica legislativa, tampouco se

posicionou com a doutrina majoritária, novamente, como salienta Alor Leite, a ciência

permaneceu como outsider no processo legislativo.

Em resumo, a doutrina, além das críticas acima mencionadas, aderiram a um

posionamento quase unívoco, ao menos em minha pesquisa não encontrem

pensamento desassemelhado, eis que “a marcha reformadora foi sempre confrontada

com a contramacha da crítica científica […].” (LEITE, 2015, p. 09), e assim entoam o

coro de “deixar a parte geral do Código Penal como está[!]”,sugerindo que as

alterações limitem-se à Parte Especial da Codificação atual.

5.3 A IMPUTAÇÃO OBJETIVA NO PROJETO DE LEI SENADO FEDERAL Nº

236/2012

A par das críticas que, responsavelmente, são formuladas aos passos trilhados

pelo legislador na elaboração do Projeto do novo Código Penal, sobretudo aquelas

apreciações direcionadas à Parte Geral (artigos 1º ao 120º) da novel legislação

repressiva, os caminhos palmilhados no dispositivo que representa uma das maiores

inovações legislativas da codificação não deve permanecer, como não tem

permanecido, alheio a tais críticas.

Cumpre destaque que, a nosso sentir, a inclusão da teoria que representa um

avanço científico evidente, ao menos sob uma ótica estritamente científica.

Antes de prosseguirmos, devemos apresentar a(s) redação(ões) legislativa(s)

que inspirou(raram) a confecção da presente monografia, confira-se

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Art. 14. A realização do fato criminoso exige ação ou omissão, dolosa ouculposa, que produza ofensa, potencial ou efetiva, a determinado bemjurídico.Parágrafo único. O resultado exigido somente é imputável a quem lhe dercausa e se decorrer da criação ou incremento de risco tipicamente relevante,dentro do alcance do tipo. (BRASIL, 2012, p. 05 – destaques no original)

Vejamos também a alteração promovida pelo projeto substitutivo (verdadeira

reforma do projeto reformador)

Art. 14. A realização do fato criminoso exige ação ou omissão, dolosa ouculposa, que produza lesão ou risco de lesão a determinado bem jurídico.Parágrafo único. O resultado exigido somente é imputável a quem lhe dercausa e se decorrer da criação ou aumento de risco juridicamente relevante.(BRASIL, 2012, p, 05 – destaques no original).

A sutil modificação observada nos (pretensos) dispositivos legais

modificadores, contudo, têm razões dogmáticas de grande vulto, como serão

analisadas ao longo do presente capítulo, bem como, não se pode reservar críticas a

questões outras, que se correlacionam diretamente à Imputação Objetiva e, por

consequência, com o artigo 14 do Projeto.

De saída, sem quaisquer dificuldades interpretativas, é possível traçar a

estrutura dogmática pela qual o legislador se filiou na elaboração do artigo: a corrente

doutrinária elaborada por Claus Roxin e seus seguidores. Ao destacar que o “fato

criminoso” - expressão que, consigne-se, não nos agrada por razões semânticas -, “[...]

exige ação ou omissão, dolosa ou culposa, que produza lesão ou risco de lesão a

determinado bem jurídico.” (BRASIL, 2012, p. 05), o legislador deixa claro que não

rompeu com a atual estrutura analítico-delitiva fulcrada na proteção, subsidiária e

fragmentária, de bens jurídicos. Fundamento da estrutura analítica e da política

criminal do professor alemão Roxin.

Ademais, em seu parágrafo único, tanto do projeto original quanto do projeto

substitutivo, o legislador introduz no artigo 14 todos os três elementos constitutivos da

Imputação Objetiva de Roxin, isto é, expressa no texto legal a necessidade de criação

ou a incrementação de risco, a realização deste risco no resultado e, por fim, o alcance

normativo (ou típico, a de pender do projeto em análise), para completar a imputação

penal. Contudo, há de se destacar, como fez Luís Greco em um ensaio que fitava

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debater os acertos, ou desacertos, do legislador reformista no Projeto (2015, p. 102),

que andou mal o legislador ao incluir o alcance normativo no dispositivo em questão,

porquanto que, como alinhavado anteriormente, se excluirmos as propostas de Roxin,

seus discípulos, em quase sua totalidade, afastam esse critério como determinante para

a atribuição de responsabilidade, tal posicionamento pode ser conferido em notas

explicativas da obra de Claus Roxin aqui no Brasil, confira-se

Nos manuais, em geral, tanto na Alemanha como entre nós, costuma-sedefinir a imputação objetiva, com base em dois conceitos: criação de umrisco e sua subsqüente (sic) realização. ROXIN discrepa desta construção“em dois planos”, acrescentando um terceiro plano: o do chamado “alcancedo tipo”. Aqui trata ele de todos os casos em que outras pessoas, além dopróprio autor, contribuem de modo relevante para o resultado típico. Estacontribuição pode ser dada pela própria vítima ou por terceiros. (ROXIN,2002a, p. 116)

Não pretendemos solucionar o impasse, tampouco apresentar uma redação

definitiva ao dispositivo, como anteriormente dito; mas concordamos com Greco neste

ponto, pois, como o próprio pupilo de Roxin externou em diversos ensaios, “Não é

adequado que um Código se filie a opiniões isoladas, máxime quando elas pouco

diferem substancialmente da opinião mais aceita.” (2012, p. 43; 2015, p. 102). A

priori, não haverá prejuízo com a supressão deste elemento, porquanto que os demais

autores, que vão de encontro a esta proposição de Roxin, incorporam as características

do “alcance do tipo” - isto é, os casos em que terceiros, ou mesmo a própria vítima,

contribuem para a realização do risco – nas formulações acerca da “criação de um

risco juridicamente reprovável” (ROXIN, 2002, p. 117).

Saliente-se, dessarte, que este elemento é o ponto frágil da teoria de Claus

Roxin, máxime porque, como Paulo César Busato aduz, em que pese este elemento

tenha notória relevância, o professor alemão resvala

[…] em aspectos subjetivos ao pretender estabelecer os critérios paraexclusão de responsabilidade nos casos de colocação da vítima em perigomediante seu consentimento, especialmente ao exigir que a pessoa expostaao perigo tenha uma consciência, a respeito do risco, idêntica àquela que temquem coloca em risco. Não explica Roxin como fazer para identificar essaconsciência sem invasão do elemento subjetivo do tipo.” (BUSATO, 2007,p. 161-162).

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Como assentado, a literatura jurídica não contempla inconveniência em

suprimir, ao menos enquanto esta proposição não é melhor refletida, a referida

característica. Inclusive, alguns autores conceituam, desde há muito, a Imputação

Objetiva em dois planos distintos, sem qualquer menção ao alcance do tipo.

Encontramos neste sentido a posição do professor Juarez Cirino dos Santos

A imputação objetiva do resultado consiste na atribuição do resultado delesão do bem jurídico ao autor como obra dele. A imputação (objetiva) doresultado é analisada em dois momentos: primeiro, a criação do risco para obem jurídico pela ação do autor; segundo, a criação de risco para o bemjurídico pela ação do autor no resultado de lesão do bem jurídico. (2014, p.124)

Este posicionamento também é endossado na literatura do professor Paulo

César Busato, vejamos

[...] a chamada “teoria da imputação objetiva” tem por contribuiçãounicamente a oferta de um critério axiológico de seleção do tipo em suadimensão material (referente ao bem jurídico), que se traduz na exigência dacriação de um risco não permitido e da realização deste risco no resultado.(2007, p. 162).

Um segundo ponto que também merece ser criticado no Porjeto - notadamente

na proposta substitutiva porquanto que a versão primitiva não possuía a mesma mácula

-, é a ausência de referência positivada e unitária à relação de causalidade penal.

Anota-se que a redação do artigo 14, e seguintes, do Substitutivo, são insuficientes

para representar a posição da legislação penal quanto a causalidade, etapa necessária

que é para a constatação do delito, ou fato criminoso, como prefere o projeto.

Ao contrário do que sustentou parcela da doutrina (como, por exemplo,

Damásio de Jesus – 2000, p. 17), a Imputação Objetiva de Roxin não pretende

“sepultar a causalidade” - ou a conditio sine qua non, eis que é um produto do clássico

pensamento naturalista que ainda subsiste no sistema jurídico-penal -, menos ainda

visa substituir a causalidade material, como sustentou o mesmo autor (JESUS, 2014, p.

322), senão o contrário. Explicamos. A referida teoria valorativa fita a correção e

complementação de impasses científicos não resolvidos sob a égide da teoria da

Equivalência das Causas (PRADO, 2011, p. 349). Isto é, constitui-se de uma criteriosa

avaliação axiológica de identificação típica, e, como sucedâneo lógico disso, de

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atribuição de um resultado desvalioso a uma conduta arriscada (BUSATO, 2007, p.

162). Noutros termos

[...] defendemos que a moderna formulação da imputação objetiva e arelação de causalidade não são critérios mutuamente excludentes, mas simcomplementares. Quer dizer: objetivamente, se imputa o resultado no âmbitopenal através da associação entre a clássica relação de causalidade e critériosnormativos complementares e conceitos que encontram lugar especialmentedestacado onde a teoria da equivalência dos antecedentes deixa de oferecerbons critérios limitadores, ou seja, nos cursos causais extraordinários [...].”(BUSATO, 2007, p. 29).

Isso se deve, a nosso sentir, pela razão de que o delito é, além de fato

negativamente valorado pelo ordenamento (portanto, axiológico, relacionado ao

mundo dos valores), um fato natural (portanto, relativo ao mundo fático, dos sentidos),

razão esta que orienta o sistema a estabelecer primeiramente um vínculo

naturalisticamente ontológico de afetação do bem jurídico, pela via da causalidade,

para somente após imputar o, e assim iniciar o processo de responsabilização do,

agente pelo “fato criminoso”. Trata-se de uma estrutura procedimental lógica e

necessária para atribuição de resultado (DOTTI, 2012, p. 412).

Desta forma, reputamos indispensável a definição da causalidade na própria

disposição legal, ao menos de forma integral, bem como o conceito de causa, e a

predisposição para a retroação mental de Thyrén, tal qual prescrito na atual redação da

legislação penal.34 Nesta esteira de pensamento, salientamos, com fundamento no que

já foi alinhavado, que a relação de causalidade deve preceder o dispositivo que

introjeta a avaliação dos riscos no resultado, conquanto que este é consectário lógico

de uma avaliação causal positiva (JESUS, 2014, p. 324).

De acordo com este posicionamento, doutrina o professor Jair Leonardo

Lopes, onde se posiciona, assim como nós, que o Projeto deveria manter inalterada a

redação da atual disposição do artigo 13, do Código Penal, e acrescentar a Imputação

Objetiva na composição frasal daquela disposição legal. Segundo seu posicionamento,

o artigo 14 do Projeto e do Substitutivo deveriam ser assim compostos

34 Art. 13 - O resultado de que depende a existência do crime só é imputável a quem lhe deu causa.Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. (BRASIL, 1940,página única).

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[…] “o resultado de que depende a existência do crime somente é imputávela quem lhe deu causa e se decorrer da criação ou incremento de riscotipicamente relevante, dentro do alcance do tipo. Considera-se causa a açãoou a omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. (LOPES, 2014, p.66).

Note-se que o grafado alvitrado não desnatura, tampouco fragmenta, o

instituto da causalidade, mas assenta uma complementação valorativa, pela via da

Imputação Objetiva, dos institutos jurídicos da causalidade penal.

Todavia, ousamos discordar do nobre professor mineiro na mantença do

requisito “alcance do tipo” na disposição legal, porquanto, como já tivemos a

oportunidade de salientar, esse critério de imputação é muito criticado na doutrina

nacional e estrangeira, assim como o próprio professor Lopes reconhece e critica em

seus escritos, e os adotantes da teoria roxianiana não veem nenhum embaraço em

suprimi-la, ao menos por ora, dos elementos constitutivos da Imputação Objetiva

(GRECO, 2015, p. 108).

Por isso, propomos, por puro amor ao debate, uma redação ao artigo 14 do

Projeto e do Substitutivo: “o resultado de que depende a existência do crime somente é

imputável a quem lhe deu causa e se decorrer da criação ou do incremento de risco

proibido. Considera-se causa a ação ou a omissão sem a qual o resultado não teria

ocorrido.”.

Alterou-se a expressão “tipicamente relevante”, pois, como vaticina o

professor Juarez Cirino dos Santos, a locução “[…] pretende cumprir a função

simpática de limitar a imputação a riscos significativos, mas parece desnecessária:

afinal, risco tipicamente relevante é risco típico, resolvido pela relação de tipicidade

[…].” (2015, p. 40 – destaques no original), e é bem complementado pelo professor

Luís Greco, “[…] algo que é pressuposto do tipo não pode, por sua vez, pressupor

tipicidade.” (2015, p. 108).

No sentido de que a atual redação do Código Penal vigente comporta o

acréscimo de uma teoria que limite a causalidade natural, portanto a imputação

objetiva, confira-se a doutrina de Luís Greco, em notas introdutórias à obra de Claus

Roxin que fitam a adequação da teoria do professor alemão ao nosso ordenamento

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[...] o art. 13, caput, trata unicamente da relação de causalidade; ele implicana adoção da teoria da equivalência dos antecedentes enquanto teoria dacausalidade. A regulamentação expressa da causalidade no Código Penalteve o dúplice objetivo de esclarecimento e de manifestar uma clara recusaàs chamadas teorias individualizadoras da causalidade, que distinguiamcausa e condição. Mas o art. 13, caput, em momento algum determina que arealização do tipo objetivo se limitará à causalidade. E se ele utiliza apalavra imputação (“o resultado somente é imputável a quem lhe deucausa”), isso tampouco significa qualquer impedimento. Primeiramente,porque o legislador de 1940 não podia escolher o termo imputação prevendoo uso que dele viria a ser feito décadas após; e em segundo lugar, porqueainda que o legislador dispusesse de tais dons proféticos, ele determinou que“o resultado somente é imputável a quem lhe deu causa”, com o queenunciou a causalidade como uma condição necessária, mas não suficiente,da imputação. (ROXIN, 2002, p. 170-171 - destaques no original).

Não obstante, deve-se anotar que uma parcela minoritária da doutrina entende

que a Imputação Objetiva que melhor adequar-se-ia ao nosso sistema penal, leia-se,

dentro das linhas traçadas pelo legislador reformista de 1984, no que tange à relação

causal e à concausalidade, seria a vertente teórica encabeçada pelo professor Gunther

Jakobs (ESTEFAM, 2014, p. 236). Em contraponto, salientam que a doutrina do

professor Claus Roxin não encontraria eco no ordenamento jurídico brasileiro, porque

[…] nosso Código Penal normatizou a teoria da equivalência dosantecedentes no art. 13, caput. Justamente por isso, a concepção de ClausRoxin no sentido de abandonar completamente o “dogma da causalidade”não se mostra viável, ao que nos parece. (ESTEFAM, 2014, p. 235 –destaques no original).

A indicação do supramencionado autor, não encontra esteio robusto nas lições

de Roxin, isso porque, como afirmamos à exaustão, o ilustre professor alemão nunca

prescindiu da causalidade para estabelecer sua teoria da Imputação Objetiva do

resultado, pelo contrário, parte do estabelecimento de um vínculo causal entre ação e

resultado, para tão somente em momento posterior e singularmente individualizado,

procurar vincular normativamente a conduta àquele resultado. Destaque-se que a obra

de Roxin, após tratar verticalmente da análise das teorias da causalidade, adentra em

um tópico nominado pelo autor de “A ulterior imputação ao tipo objetivo” (ROXIN,

2002, p. 306), em manifesta referência à subsequência lógico-analítica que deve a

Imputação Objetiva tomar em relação à causalidade, eis o teor das lições de Roxin

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Assim, a tarefa primária da imputação ao tipo objetivo é fornecercircunstâncias que fazem de uma causação (como limite máximo deimputação) uma ação típica, ou seja, que transformam por ex., a causação deuma morte em um homicídio; se uma tal ação de matar também deve serimputada ao tipo subjetivo, considerando-se dolosa, isto será examinadomais adiante (§ 12) […]. (ROXIN, 2002, p. 308).

A isso, o professor Paulo César Busato, com a consciência que lhe é

contumaz, lapidarmente complementa, com relação à literatura jurídico-penal de

Roxin, que

[…] a moderna formulação da imputação objetiva e a relação de causalidadenão são critérios mutuamente excludentes, mas sim complementares. Querdizer: objetivamente, se imputa o resultado no âmbito penal através daassociação entre a clássica relação de causalidade e critérios normativoscomplementares. (2013, p. 332-333).

Assim, equivoca-se o professor André Estefam ao afirmar que a teoria da

Imputação Objetiva apregoada pelo funcionalismo teleológico racional (de Roxin) visa

a supressão da teoria da causalidade, enquanto que o funcionalismo extremado de

Jakobs preservaria o nexo causal. Este último autor, por sua vez, fundamenta todo o

sistema penal na estabilização da norma, como vimos, razão pela qual, seu direito

penal fundamentadamente baseado na axiologia, pode renunciar à causalidade,

porquanto que inexistiria qualquer ontologismo a ser preservado no ordenamento

jurídico, que passaria a se tornar puramente valorativo.

Seguindo nossa apreciação crítica quanto ao artigo que visa integrar a

Imputação Objetiva no ordenamento, apontamos um equívoco sistêmico do projeto

original de reforma, vale dizer há evidente contradição, tanto de ordem filosófica,

quanto de ordem sistêmico-jurídico-penal, no artigo 16 da pretensa legislação

reformadora originária, em que mantém a redação do atual artigo 13, parágrafo

primeiro do Código Penal.35

Ao contrário do que foi por nós sustentando em linhas anteriores, no sentido

de que a Imputação Objetiva de Roxin não exclui a necessidade de se atestar um

vínculo causal antecedente, o mesmo não ocorre no âmbito da concausalidade, ou dos

35 Art. 13 – omissis§ 1º A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só,produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou. (Incluído pelaLei nº 7.209, de 11.7.1984)

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cursos causais hipotéticos. Isto porque o parágrafo primeiro do artigo 13 do nosso

atual Código Penal, cujo conteúdo estabelecido encontra esteio em critérios

axiológicos de avaliação causal baseados na filosofia neokantiana dos valores,

portanto, tem como premissa base a axiologia própria da Imputação Objetiva, conflita

com a própria lógica de limitação causal das propostas de Roxin. A inserção de duas

cargas valorativas dentro do próprio sistema imputacional não podem mutuamente

subsistir, eis que ambas não apresentam uma relação congruente de

complementariedade, ou seja, a adoção da teoria de Roxin necessariamente implicará

no afastamento da teoria da Causalidade Adequada de von Kries.

Rememorando-se dos seus conceitos, preleciona a referida teoria

diferenciadora da causalidade que “[...] causa é o antecedente não apenas necessário

como adequado para a produção do resultado. Um comportamento somente poderá ser

considerado causa do resultado em sentido jurídico penal (sic), se for tendente à

provocação do resultado típico [...].” (BUSATO, 2007, p. 24), o que conduz a exclusão

de tipicidade de causas extraordinárias, não previstas pelo agente provocador da ação,

ainda que a conduta deste tenha relação direta com o resultado produzido. Trazemos

um exemplo doutrinário clássico, o “[...] cidadão que, mortalmente ferido por outro, é

transportado para um hospital, onde vem a falecer em consequência das queimaduras

provocadas por um incêndio [...].” (JESUS, 2014, p. 296).

Com o atual art. 13, § 1º do Código Penal, a responsabilização jurídica

daquele que feriu a vítima, limitar-se-ia à tentativa de homicídio, eis que o falecimento

da vítima foi produzido por uma (con)causa absolutamente independente, a qual, desta

forma, não poderia ser antevista pelo agente.

Reutilizando-se do exemplo acima, mas agora sob a égide da Imputação

Objetiva. Em que pese esta alcance o mesmo resultado da Causalidade Adequada, trata

da matéria de maneira ligeiramente distinta. Nesta, deve-se indagar: o agente criou um

risco juridicamente relevante para um bem jurídico alheio? Se a resposta resultar

positiva (como efetivamente resulta), passa-se a outra indagação: este risco

juridicamente relevante criado, realizou-se no resultado? Como a conduta arriscada do

agente limitou-se à tentativa de homicídio, e não foi suficiente, por circunstâncias

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alheias a sua vontade, para atingir o homicídio da vítima naquele momento, responderá

o agente apenas pela tentativa.

Em ambas as hipóteses, se a responsabilidade penal não puder ser atribuída

(ou imputada) a terceiro, deverá ser taxada como “mero produto do azar”, para usar de

uma expressão doutrinária, visto que o homicídio não pode ser atribuído como “obra”

do agente (SANTOS, 2014, p. 124).

Ademais, tal como examinamos, ambas as teorias não coexistem, por razões

de lógica sistêmica, pois, indagamos, em uma situação como a que apresentamos, o

julgador deveria apoiar sua decisão em qual linha de raciocínio?

Em função disso, sustentamos que bem palmilhou o projeto reformador ao

extirpar a causalidade adequada do ordenamento, ao menos enquanto se posicione no

sentido de aceitar a Imputação Objetiva como teoria própria da limitação causal

(JESUS, 2014, p. 295).

Finalmente, como ponto último de análise crítica sobre o multimencionado

artigo 14, e seu parágrafo único, dos Projetos, propomos, não apenas uma avaliação

reparatória do dispositivo, mas sim um aspecto a ser melhor debatido, apreciado e

esclarecido pelo legislador.

Sabe-se que a tipicidade é matéria aprioristicamente afeita à Parte Especial do

Código, visto que, deve o tipo penal bem nominar o que deve ser entendido como

“fato criminoso” para que a conduta possa posteriormente ser nele enquadrada, muito

disso em razão dos princípios informadores do Direito Penal da pós-modernidade,

dentre eles, a legalidade, alteridade, ofensividade etc.; o que nos conduz ao raciocínio

de que o tipo penal passou por uma rigorosa avaliação frasal, cujo fito era o de adequar

as expectativas do legislador quanto ao crime tipificado à conduta delitiva, de maneira

precisa (“nullum crimen nulla poena sine lege certa”). Como resultado, quaisquer

condutas que não se amoldem à literalidade do tipo penal serão inexoravelmente

qualificadas como “atípicas”, portanto, condutas sem nenhuma relevância jurídico-

penal, ou, em termos rudimentares, impuníveis.

Todavia, dadas as plurivocidades de características da Imputação Objetiva,

isto é, a criação de um risco juridicamente relevante, a realização deste risco no

resultado e o alcance normativo, o que gera uma complexidade maior na avaliação

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típica na conduta, questionamos - contudo sem qualquer pretensão de responder a este,

visto que é apenas uma observação deste mero aprendiz - se as causas, por nós já

examinadas, que ensejam o afastamento de tipicidade por ausência de imputação

objetiva, não devam estar expressamente inseridas na novel legislação repressiva.

Esta indagação, que certamente causará espécie em uma apreciação inicial,

encontra razões estritamente lógicas e racionais da análise típica, fitando a melhor

sistematização do Código. Como visto alhures, além da plurivocidade de elementos

para aferir a imputação, a teoria de Roxin trabalha numa polaridade negativa

(SANTOS, 2014, p. 125-126), de modo semelhante ao que é expressado nas causas de

exclusão de antijuridicidade no nosso atual artigo 23, do Código Penal. Portanto, é

forçoso concluir que a Imputação Objetiva é aferida na medida que a conduta se

distancia das causas de afastabilidade de imputação, tal qual elaborada pela literatura

de Roxin.

Neste ínterim, tratar de causas que afastem a tipicidade do fato não seria

exatamente uma novidade nos Projetos, posto que a própria legislação reformadora (e

a reformadora da reformadora), positiva(m) uma causa especial de afastabilidade de

tipicidade, notadamente a tipicidade material: a insignificância.

Observa-se que a comissão de juristas, quando elaborou as concepções de

atipicidade pela insignificância, tratou de incorporar no texto legal os elementos

criados pela jurisprudência, e os alocou no art. 26, do Substitutivo:

Art. 26. Não há crime quando cumulativamente se verificarem, no casoconcreto, e sendo possível o seu reconhecimento, as seguintes condições: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; c) inexpressividade da lesão jurídica provocado. Parágrafo único. É vedado o reconhecimento da insignificânciapenal quando o agente for reincidente, possuir maus antecedentes ouhabitualidade delitiva. (TAQUES, 2013, p. 100 – destaques no original).

Consequentemente, durante a exposição de motivos que justificam a inserção e

a correção da insignificância, tendo em vista que o Projeto a qualificava como causa

de exclusão da ilicitude do fato, a comissão arrazoou da seguinte forma

[…] tecnicamente, e segundo a compreensão praticamente unânime, oprincípio da insignificância está mal situado topologicamente, pois não se

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trata de hipótese de exclusão de ilicitude, mas de tipicidade, na medida emque afasta a incidência de lesão ao bem jurídico. Além disso, altera-se aredação do dispositivo para incluir a expressão “no caso concreto, e sendopossível o seu reconhecimento”. Como reiteradamente reconhecido peladoutrina e pela jurisprudência, há certos delitos (especialmente aquelescometidos contra a Administração Pública e em detrimento da vida e daincolumidade das pessoas, por exemplo) em que não é possível oreconhecimento da insignificância (teoria da tipicidade material dos delitos).Assim, a expressão adicionada tem por fim apenas deixar claro que aincidência do princípio continuará sempre dependente de exame do casoconcreto, e não que poderá ser, doravante, sempre admitida, indistintamente,em relação a todos os tipos de crimes. (TAQUES, 2013, p. 100-101).

Apenas para rememorar, o professor Roxin arrola em tópicos e planos

distintos as causas que, a seu sentir, seriam hábeis a afastar a tipicidade penal do fato.

Assim, por exemplo, no que toca à criação de um risco não permitido, Roxin destaca

que carecerá de imputação objetiva a conduta que: diminuir o risco, se nela inexistir a

criação de risco juridicamente relevante e, por fim, nos casos em que os riscos por ela

criados são permitidos. De conseguinte, quanto a realização do risco, são arrolados as

seguintes causas de afastabilidade de tipicidade: a falta de realização do risco criado

pela conduta, a falta de realização do risco não permitido e, finalmente, em casos de

resultados não cobertos pelo fim de proteção da norma de cuidado (BUSATO, 2007,

ponto 1.1.2).

Destarte, interpelamos questionando, se, logo abaixo do parágrafo único do

artigo 14 do Projeto, não devam estar presentes incisos indicando as possíveis causas

de atipicidade por ausência de Imputação Objetiva do resultado, visto que, assim,

assegurar-se-á segurança jurídica quanto a abrangência, e elementar complexidade, da

teoria do professor alemão, bem como, permitirá uma melhor fiabilidade dogmática a

toda a construção teórica do emérito professor, e jurista, Claus Roxin. Afinal, como o

próprio professor proclama em seu Tratado, “A composição e a estruturação de todos

os pressupostos da punibilidade em um sistema dogmático possuem, antes de mais

nada, a vantagem prática de simplificar e orientar o exame de casos […].” (2002a, p.

213), e complementa, “O estudante que precisa preparar um parecer sobre a

punibilidade de um comportamento e também do advogado ou o juiz, todos irão

proceder à avaliação jurídico-penal dos fatos a eles submetidos seguindo a ordem que

lhe é prescrita pela estrutura do crime […].” (2002a, p. 213). Esta assertiva, nos leva a

conclusão de que a legislação, além de precisa, necessita retratar a facilidade de seu

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manuseio, e isso, sem sombra de dúvidas, requer uma sistematização integral da teoria,

o que não apenas inclui as bases constitutivas da Imputação Objetiva, mas, de outro

aspecto, as causas de afastabilidade de tipicidade por ausência da presença, ou da

realização, do risco.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível observar durante a exposição desta monografia que o Projeto, e

por consequência o Substitutivo apresentado, inovam ao positivar a Imputação

Objetiva no ordenamento, porém, transportam-na ao sistema com certa leviandade

dogmática, sem se atentar as correntes doutrinárias mais aceitas, e pecando, de certa

maneira, ao estabelecer um duplo vínculo axiológico na avaliação dos cursos causais

hipotéticos.

Todavia, sua entrada no ordenamento não deve ser vista como ponto negativo

do Código novo, eis que sua complementação pode contribuir sobremaneira no

deslinde de problemas concretos, como já vem resolvendo em alguns casos, mesmo

sem sua expressa positivação, como vemos em um interessante, dentre os vários,

precedentes do Superior Tribunal de Justiça

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO CULPOSO.MORTE POR AFOGAMENTO NA PISCINA. COMISSÃO DEFORMATURA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ACUSAÇÃO GENÉRICA.AUSÊNCIA DE PREVISIBILIDADE, DE NEXO DE CAUSALIDADE EDA CRIAÇÃO DE UM RISCO NÃO PERMITIDO. PRINCÍPIO DACONFIANÇA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DACONDUTA. ORDEM CONCEDIDA.1. Afirmar na denúncia que "a vítima foi jogada dentro da piscina por seuscolegas, assim como tantos outros que estavam presentes, ocasionando seuóbito" não atende satisfatoriamente aos requisitos do art. 41 do Código deProcesso Penal, uma vez que, segundo o referido dispositivo legal, "Adenúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suascircunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais sepossa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol dastestemunhas".[...]3. Por outro lado, narrando a denúncia que a vítima afogou-se em virtude daingestão de substâncias psicotrópicas, o que caracteriza uma autocolocaçãoem risco, excludente da responsabilidade criminal, ausente o nexo causal.4. Ainda que se admita a existência de relação de causalidade entre aconduta dos acusados e a morte da vítima, à luz da teoria da imputaçãoobjetiva, necessária é a demonstração da criação pelos agentes de umasituação de risco não permitido, não-ocorrente, na hipótese, porquanto éinviável exigir de uma Comissão de Formatura um rigor na fiscalização dassubstâncias ingeridas por todos os participantes de uma festa.5. Associada à teoria da imputação objetiva, sustenta a doutrina que vigora oprincípio da confiança, as pessoas se comportarão em conformidade com odireito, o que não ocorreu in casu, pois a vítima veio a afogar-se, segundo adenúncia, em virtude de ter ingerido substâncias psicotrópicas,comportando-se, portanto, de forma contrária aos padrões esperados,

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afastando, assim, a responsabilidade dos pacientes, diante da inexistência deprevisibilidade do resultado, acarretando a atipicidade da conduta.6. Ordem concedida para trancar a ação penal, por atipicidade da conduta,em razão da ausência de previsibilidade, de nexo de causalidade e de criaçãode um risco não permitido, em relação a todos os denunciados, por força dodisposto no art. 580 do Código de Processo Penal. (BRASIL, 2006, p.única).

Este precedente, muito além de consagrar o uso da teoria no Brasil, evidencia-

nos a necessidade de positivação das suas categorias dogmáticas, haja vista que,

tomando uma atitude contrária, o aplicador utilizará de suas fórmulas de modo

ilegítimo, sem qualquer amparo legal. Ademais, além da flagrante ilegitimidade

teórica, nota-se que a aplicação da Imputação Objetiva sem qualquer norma reguladora

pode levar o julgador a arbitrariamente decidir o que melhor se adéqua ao caso, qual

característica deve, ou não, ser considerada em determinada situação etc., o que, em

larga evidência, afrontaria a segurança jurídica encartada na Constituição da República

(art. 5º, caput) e a Democracia.

Todavia, levando-se em consideração sua posição tópica na teoria do tipo

objetivo, antes mesmo de se falar em positivação, deve o legislador promover um

amplo debate científico, como hesitantemente vem fazendo, para aprimorar a redação

do artigo, tanto em sua ordem sistêmica quanto léxica, a fim de extrair e transportar a

precisa natureza da Imputação Objetiva para a legislação penal.

As críticas levantadas ao texto reformador, e até mesmo ao sistema teórico

endossado pela Imputação Objetiva, merecem absoluta credibilidade científica, mesmo

que se aparentem como mera retórica alarmista, porquanto que somente a partir delas

esta teoria alemã poderá se robustecer, encontrar eventuais deslizes sistêmicos e

demonstrar seu verdadeiro propósito: a solução de casos penais concretos.

Neste trabalho monográfico não se objetivou bradar a pertinência ou não da

reforma penal, ou debater acerca se a filosofia dos Projetos se adéquam aos parâmetros

esperados pela ciência jurídica no que concerne à codificação, mas sim apresentar os

contornos, e algumas problemáticas, da teoria da Imputação Objetiva, sem nunca

descurar dos demais elementos que compõem a teoria do Tipo, pedra fundamental de

análise do tema debatido.

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______. Tratado de derecho penal. Buenos Aires: Ediar, 3v., 1980-83.

ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 11. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.