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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Leandra Domingues Silvério Reforma agrária no Triângulo Mineiro: Memórias, histórias e lutas de assentados(as) dos Projetos de Assentamento Emiliano Zapata e 21 de Abril (1980-2012) Doutorado em História Social São Paulo 2012

Reforma agrária no Triângulo Mineiro...ei no meu coração para o resto da vida. Valeu demais por nossas conversas, pois com Valeu demais por nossas conversas, pois com elas a vida

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Leandra Domingues Silvério

Reforma agrária no Triângulo Mineiro:

Memórias, histórias e lutas de assentados(as) dos

Projetos de Assentamento Emiliano Zapata e 21 de Abril (1980-2012)

Doutorado em História Social

São Paulo

2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Leandra Domingues Silvério

Reforma agrária no Triângulo Mineiro:

Memórias, histórias e lutas de assentados(as) dos

Projetos de Assentamento Emiliano Zapata e 21 de Abril (1980-2012)

Doutorado em História Social

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em História e área de concentração História Social sob a orientação da Profª Drª Heloísa de Faria Cruz.

São Paulo

2012

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BANCA EXAMINADORA

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Aos Trabalhadores rurais Sem Terra do Brasil.

Para minha família com carinho.

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AAAAGRADECIMENTOSGRADECIMENTOSGRADECIMENTOSGRADECIMENTOS

AgradecimentosAgradecimentosAgradecimentosAgradecimentos

ESTE TRABALHO ENCERRA uma trajetória de muitos anos na pós-graduação da

PUC/SP entre o mestrado e o doutorado, período em que tive a oportunidade de

conhecer e estreitar relações com pessoas que se tornaram importantes e de diferentes

maneiras fazem parte da minha história e das minhas memórias. Também fui

conhecendo, ao longo dos anos de doutorado e em outros lugares, outras e importantes

pessoas que marcaram minha vida. A todos vocês agradeço por compartilharem minhas

inquietações, alegrias e conquistas.

À professora Heloísa de Faria Cruz, que foi uma companheira nesses anos e

sem cuja orientação e amizade não teria conseguido superar desafios e concluir mais

esse ciclo da minha vida. Agradeço, principalmente, por ter me permitido trabalhar com

aquilo de que realmente gosto. Aqui as palavras de agradecimento serão insuficientes,

mas quero registrar meu profundo respeito e amizade.

A todos os assentados que deram entrevistas, sem os quais esse trabalho não

seria possível. Obrigada pela disposição em falar sobre suas vidas e suas concepções,

sempre atendendo-me com tanto respeito e atenção.

Ao Edgar da Silva Gomes, uma das pessoas mais lindas e generosas que eu já

conheci. Sem você para me ajudar com as questões burocráticas da PUC/SP, e que

demandam um tempo precioso para quem não mora em São Paulo, meu doutorado teria

ficado mais complicado. Edgar, muito obrigada! Todas as vezes que precisei você

esteve por perto.

A Celeida Maria Silvério e Sandoval Silvério, meus pais, companheiros de

todas às horas, sendo ambos minha alegria nessa vida. Obrigada por tudo!

À Gláucia Domingues Silvério, minha querida irmã, guerreira e amiga,

obrigada pelas sugestões pertinentes.

Ao Raimundo William Tavares Júnior, cuja amizade foi fundamental. Levá-la-

ei no meu coração para o resto da vida. Valeu demais por nossas conversas, pois com

elas a vida ficou mais leve, e por ter aberto sua casa e me recebido.

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AAAAGRADECIMENTOSGRADECIMENTOSGRADECIMENTOSGRADECIMENTOS

Ao Jiani Fernando Langaro, um amigo prestativo; agradeço particularmente

pelas conversas e ligações telefônicas na hora certa, que tanto me animaram.

À Idalina, uma querida amiga, obrigada pela estadia em sua casa. Com certeza

isso me ajudou a fazer o doutorado.

À Ana Carolina Ayres, pela amizade e pela acolhida em sua casa sempre que

precisei.

À Vânia Vaz, companheira e grande amiga, valeu pelo incentivo.

À colega de turma Rosana, que também me acolheu em sua casa.

Ao Elias Veras, que irradia a alegria de viver.

Ao Tadeu Pereira dos Santos, cujas palavras e amizade foram importantes num

momento em que parecia tão difícil começar a escrever esta tese.

Ao Raphael Alberto Ribeiro, que torceu para que tudo desse certo, sempre

muito atencioso.

À Rogéria Isobe. Não tenho como expressar o agradecimento pela sua

amizade, pelo apoio e incentivo ao meu doutorado, pelas conversas sempre tão

animadas. Com certeza o trabalho profissional fica melhor com pessoas como você.

Ao Rodrigo de Freitas Costa, que compartilhou angústias e inquietações deste

trabalho, sempre com incentivo regado a ótimas conversas.

À Célia Rocha Calvo, que sempre torceu pela realização do meu doutorado.

Às professoras Olga Brites e Mirna Busse Pereira, pela leitura precisa e

sugestões no exame de qualificação que tanto me ajudaram a nortear este trabalho.

A todos os membros da banca examinadora por terem aceitado o convite.

Aos demais professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em História

da PUC/SP pela oportunidade de aprendizagem.

A todos os funcionários da PUC/SP que sempre foram prestativos.

À Betinha, secretária do Programa de Pós-Graduação em História da PUC/SP,

que desde o mestrado sempre me tratou com grande gentileza. Como foi bom todas as

vezes que ouvi de você: “Calma, tudo vai dar certo!”

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AAAAGRADECIMENTOSGRADECIMENTOSGRADECIMENTOSGRADECIMENTOS

À Superintendência Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento

Sustentável – Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, pelas informações e acesso à cópia

do Processo Administrativo do PA 21 de Abril. Agradeço especialmente à Kamila

Borges Alves da Diretoria de Controle Processual, pelas informações prestadas.

Ao senhor Bruno Cunha chefe da Divisão de Obtenção de Terras do INCRA –

SR 06, pelas informações prestadas.

À Maria Beatriz V. de Oliveira, pela revisão e à Talitta Tatiane M. Freitas, pela

formatação da tese, à Maria Denise Bisinotto, pelos esclarecimentos técnicos da

sentença judicial na Ação Civil Pública que diz respeito ao licenciamento ambiental. E a

todos que participaram direta ou indiretamente deste trabalho.

À Capes, por ter me possibilitado o doutorado com bolsa de estudo.

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SUMÁRIO

Resumo- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - VIII

Abstract- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - IX

Lista de Mapas, Fotografias e Tabelas- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - X

Lista de Abreviaturas e Siglas - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - XI

Considerações Iniciais - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 01

Capítulo 1: A constituição dos Sem Terra no Triângulo Mineiro - - - - - - - - - - - - - - - - - -

34

1.1 – O Triângulo Mineiro na rota da expansão do capital no campo e na cidade 36

1.2 – A luta pelo assentamento Emiliano Zapata – MST 58

1.3 – A luta pelo assentamento 21 de Abril – MLST 87

Capítulo 2: O assentamento de reforma agrária- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

118

2.1 – Experiências de organização política e social em assentamento 119

2.2 – Aprendendo a lidar com os novos desafios 147

Capítulo 3: Expectativas dos assentados dos PAs Emiliano Zapata e 21 de Abril - - - - -

197

3.1 – As lutas e seus horizontes na cidade e no campo 198

3.2 – Experiências e respostas dos assentados ao desafio da produção 223

Capítulo 4: Os assentados e a agricultura nos planos de governo- - - - - - - - - - - - - - - - -

252

4.1. – Políticas públicas advindas das pressões dos trabalhadores rurais 253

4.2 – Significados dos créditos rurais e programas de governo para os assentados

265

Considerações Finais- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 314

Fontes e Referências Bibliográficas- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 321

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RESUMO

ESTA TESE ANALISA AS experiências sociais na luta pela reforma agrária de

assentados(as) do Projeto de Assentamento (PA) Emiliano Zapata, localizado no

município de Uberlândia e criado em 2004, e do PA 21 de Abril, localizado no

município de Veríssimo e criado em 2005, ambos na região do Triângulo Mineiro. Em

meio ao processo de grandes transformações das relações sociais no campo brasileiro

nas últimas décadas, em especial no Triângulo Mineiro, privilegiando a pesquisa com a

história oral e interpretando um conjunto de depoimentos de trabalhadores(as) desses

PAs, problematiza caminhos, modos e sentidos de suas lutas pela manutenção de seus

lotes após a conquista da terra. Na relação entre história e memória, aborda questões

relativas aos desafios cotidianos de viver no e do assentamento e como nesse novo

território os trabalhadores assentados se organizam por meio de valores e costumes

adquiridos nas experiências das lutas anteriores. Analisa a continuidade da luta após a

conquista da terra e como os trabalhadores significam essa luta revelando perspectivas

do presente e projeção de futuro como assentados. Problematiza também suas práticas e

concepções diante das políticas públicas destinadas aos produtores assentados e discute

as mudanças de tais políticas em décadas recentes em meio às transformações sobre o

papel e a importância da pequena agricultura. O estudo está organizado em quatro

capítulos que discutem os seguintes temas: a formação social e política dos dois grupos

de assentados e dos PAs; as experiências dos trabalhadores na terra conquistada e seus

modos de organização e práticas no cotidiano; as expectativas dos trabalhadores no que

se refere aos projetos ligados à vida rural na busca de autonomia e liberdade; por fim, as

ações e lutas dos trabalhadores assentados para manterem o direito de viver no/do

campo por meio do acesso às políticas públicas de financiamento e investimento na

reforma agrária.

Palavras–chave: Reforma agrária; Trabalhadores Sem Terra; Projeto de Assentamento

(PA); Memórias e Histórias.

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ABSTRACT

THIS THESIS EXAMINES the social experiences in the struggle for agrarian reform settlers

of the Settlement Project (PA) Emiliano Zapata, located in Uberlândia and created in

2004, and Settlement Project 21st April, in the city of Veríssimo and created in 2005,

both in the Triângulo Mineiro region. During the process of major transformation of

social relations in the Brazilian countryside in recent decades, particularly in the

Triângulo Mineiro, focusing on research with oral history and interpreting a set of

statements from workers of these Settlement Projects, it discusses paths, ways and

meanings of their struggles for maintaining their own plots of land after the conquest. In

the relationship between history and memory, it addresses issues concerning the daily

challenges of living and nesting in this new territory and how these settlers organize

themselves by means of values and customs acquired in previous struggles. It examines

the continuity of the fight after the conquest of the land and how the rural workers give

meaning to this fight revealing current perspectives and projected future as settlers. It

also problematizes their practices and views on public policies for the settlers and

discusses the changes of such policies in recent decades amid the transformations on the

role and the importance of smallholder agriculture. The study is organized into four

chapters that discusses the following topics: social and political education of both

groups of settlers and of the Settlement Projects; the experiences of workers in the

conquered land and their organization and practices on their daily lives; the expectations

of workers regarding projects related to rural life in the pursuit of autonomy and

freedom; and finally, actions and struggles of settlers to maintain the right to live

on/from the land by means of being able to have access to public funding and

investment policies in the agrarian reform.

Keywords: Agrarian reform; Landless Rural Workers; Settlement Project; Memoirs and

Stories

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LISTA DE MAPAS, FOTOGRAFIAS E TABELAS

LISTA DE MAPAS

Mapa 1: Localização dos PAs 21 de Abril e Emiliano Zapata em meio

às usinas de açúcar e álcool no Triângulo Mineiro e Alto

Paranaíba/MG------------------------------------------------------------------------------

48

Mapa 2: Localização das ocupações de terra no Triângulo Mineiro/Alto

Paranaíba – 2001 a 2005----------------------------------------------------------------

74

LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 1: Construção do sistema de plantio Mandalla no PA

Emiliano Zapata---------------------------------------------------------------------------

245

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Localização das principais usinas de açúcar, etanol e/ou

Bioeletricidade localizadas em municípios do Triângulo Mineiro e Alto

Paranaíba------------------------------------------------------------------------------------

45

Tabela 2: Programas da Secretaria Municipal de Agropecuária e

Abastecimento de Uberlândia---------------------------------------------------------

296

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LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AAF – Autorização Ambiental de Funcionamento

ABCZ – Associação Brasileira dos Criadores do Zebu

ABRA – Associação Brasileira de Reforma Agrária

ACAR – Associação de Crédito e Assistência Rural

ACIAPU – Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Uberlândia

AIA – Avaliação de Impacto Ambiental

APP – Área de Preservação Permanente

APR – Animação Pastoral e Social no Meio Rural

ARL – Área de Reserva Legal

ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural

ATES – Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária

CALU – Cooperativa Agropecuária LTDA Uberlândia

CCL – Comissões Camponesas de Luta

CCU – Contrato de Concessão de Uso

CEMIG – Companhia Energética de Minas Gerais

CERTRIM – Cooperativa dos Empresários Rurais do Triângulo Mineiro

CIF – Companhia de Integração Florestal

CIMI – Conselho Indigenista Missionário

CLST – Caminho de Libertação dos Sem Terra

CMAA – Companhia Mineira de Açúcar e Álcool

CO/SP – Comissão Operária de São Paulo

Conab – Companhia Nacional de Abastecimento

CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente

CONCRAB – Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil

CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura

COPAM - Conselho Estadual de Política Ambiental

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CPT – Comissão Pastoral da Terra

DAP – Declaração de Aptidão

DATALUTA – Banco de Dados da Luta Pela Terra

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DATALUTA – MG – Banco de Dados da Luta Pela Terra em Minas Gerais

DNTR/CUT – Departamento Nacional de Trabalhadores Rurais da Central

Única dos Trabalhadores

DHSA – Desenvolvimento Holístico Sistêmico Ambiental

EIA/RIMA – Estudo e Relatórios de Impacto Ambiental

EMATER-MG – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas

Gerais

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

ET – Estatuto da Terra

ETR – Estatuto do Trabalhador Rural

FAEMG – Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais

FERUB – Fundação Educacional Rural de Uberlândia

FETAEMG – Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de

Minas Gerais

FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FNRA – Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo

ha – Hectare

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IECLB – Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil

IEF – Instituto Estadual de Florestas

ILPF – Integração Lavoura, Pecuária e Floresta

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INCRA/MG – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária de

Minas Gerais

LCP – Liga dos Camponeses Pobres

LCP/CO – Liga dos Camponeses Pobre Centro-Oeste

LI - Licença de Instalação

LO - Licença de Operação

LP – Licença Prévia

LpT- Luz para todos

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MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens

MCR – Manual de Crédito Rural

MCT – Ministério de Ciência e Tecnologia

MDA- Ministério do Desenvolvimento Agrário

MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MLS – Movimento de Luta Socialista

MLST – Movimento de Libertação dos Sem Terra

MLST-L – Movimento de Libertação dos Sem Terra de Luta

MLT – Movimento de Luta pela Terra

MMC – Movimento das Mulheres Camponesas

MME – Ministério de Minas e Energia

MP – Medida Provisória

MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores

MPRA – Movimento Pela Reforma Agrária

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

MT – Movimento dos Trabalhadores

MTL – Movimento Terra, Trabalho e Liberdade

MTL-DI – Movimento Terra, Trabalho e Liberdade – Democrático e

Independente

MTST – Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem-Teto

ONGs – Organizações Não Governamentais

OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

PA – Projeto de Assentamento

PAA – Programa de Aquisição de Alimentos

PACTo-MG – Programa de Apoio Científico e Tecnológico aos

Assentamentos de Reforma Agrária/Minas Gerais

PADAP – Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba

PCI – Programa de Crédito Integrado do Cerrado

PDA – Plano de Desenvolvimento do Assentamento

PEC – Projeto de Emenda Constitucional

PGPAF – Programa de Garantia de Preços da Agricultura Familiar

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

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PMDI – Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado

PMN – Partido da Mobilização Nacional

PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar

PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária

POLOCENTRO – Programa para o Desenvolvimento dos Cerrados

PPL – Pastoral Popular Luterana

PROCERA – Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária

PRODECER – Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o

Desenvolvimento dos Cerrados

PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PT – Partido dos Trabalhadores

SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

SEMAD – Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento

Sustentável

SIPRA – Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária

SMAA – Secretaria Municipal de Agropecuária e Abastecimento de

Uberlândia

SNCR – Sistema Nacional de Crédito Rural

SRU – Sindicato Rural de Uberlândia

STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais

SUPRAM TM/AP – Superintendência Regional de Meio Ambiente e

Desenvolvimento Sustentável – Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba

TDA – Título da Dívida Agrária

UDR – União Democrática Ruralista

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Considerações Iniciais

C O N S I D E R A Ç Õ E S

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 1

AS EXPERIÊNCIAS SOCIAIS dos trabalhadores Sem Terra em meio ao processo de

grandes transformações das relações sociais no campo brasileiro, em especial no

Triângulo Mineiro nas últimas décadas, são o interesse de minhas preocupações e

produções acadêmicas desde a graduação. Sobre esse processo histórico de

transformações registram-se a expressiva expansão da luta de movimentos sociais pela

reforma agrária e de suas conquistas, bem como o avanço das formas capitalistas de

produção no campo, resultado da chamada modernização conservadora da agricultura

(Cf. SILVA, 1982) e do avanço do que se convencionou denominar, principalmente a

partir dos anos 1990, de agronegócio. Essas mudanças trouxeram e continuam trazendo

impactos significativos sobre as condições de viver e de trabalhar dos(as)

trabalhadores(as), principalmente no meio rural em diferentes regiões do país. Impactos

que se traduzem em diferentes pressões e desafios, ante os quais esses trabalhadores

persistem reorganizando seu cotidiano, engajados na luta pelo direito à terra, à vida e ao

trabalho sob outros e diferentes paradigmas, sobretudo com dignidade e autonomia.

Essas lutas e condições históricas são acirradas na mesorregião do Triângulo

Mineiro/Alto Paranaíba, onde trabalhadores engajados em diferentes movimentos

sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento

de Libertação dos Sem Terra (MLST), o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade

(MTL) e mesmo o Movimento Sindical coordenado pela Federação dos Trabalhadores

na Agricultura em Minas Gerais (FETAEMG), expandiram suas lutas de maneira

expressiva e conquistaram diversos assentamentos da reforma agrária, principalmente a

partir da década de 1990.

Para uma noção do que isso significa entre os anos 1986 a 2010, registra-se a

criação de 85 assentamentos contemplando o total de 4.455 famílias em uma área de

121.041 hectares. Os anos de 1999 e 2005 são emblemáticos: no primeiro ocorreram 13

assentamentos de 397 famílias em áreas que chegam ao total de 13.282 hectares e no

segundo foram criados 15 assentamentos de 1.027 famílias em área de 24.979 hectares

(LAGEA – IG/UFU; CLEPS JR (Coord.), 2011, p. 72).

A mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Parnaíba destaca-se nos Cerrados

brasileiros pela implementação, pelos governos do regime militar a partir da década de

1970, com o intuito principal de desenvolver a economia do país, da política nacional

desenvolvimentista, pautada na concepção de forte industrialização dos grandes centros

urbanos assim como do meio rural, por meio de políticas e programas agrícolas que

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 2

fomentavam a integração entre a indústria e a agricultura, formando os complexos

agroindustriais (Cf. MÜLLER, 1989) e assim tornando o Triângulo Mineiro/Alto

Paranaíba polo de produção de grãos. Sobretudo, essas políticas tidas como

modernizadoras influenciaram e agravaram a concentração fundiária na mesorregião,

onde o coeficiente de Gini, medida internacional do grau de desigualdade ou

concentração da distribuição da renda ou de qualquer outro atributo, por exemplo, da

terra, historicamente se manteve elevado por existirem aí grandes extensões de terras

sob a posse de uma minoria. É importante observar que em anos recentes, com o

incentivo governamental ao setor da cana e do álcool no Brasil, o local está no alvo da

expansão dos principais grupos econômicos e empresariais desse setor.

Desse modo, o tema de pesquisa desta tese são as lutas dos(as)

trabalhadores(as) assentados(as) no Projeto de Assentamento (PA)1 de nome Emiliano

Zapata no município de Uberlândia e no PA 21 de Abril no município de Veríssimo,

ambos localizados na região do Triângulo Mineiro.2 Seu objetivo específico é investigar

as experiências sociais e históricas desses(as) trabalhadores(as) no processo constituinte

de suas lutas pela conquista e pela manutenção dos seus lotes de terra.

O PA Emiliano Zapata foi conquistado pelos trabalhadores organizados e

engajados no MST desde 1999 e criado em 2004 na fazenda de nome Santa Luzia,

decretada improdutiva e de interesse social e por isso desapropriada para fins de

reforma agrária pela União, assentando 24 famílias que compuseram a Relação de

1 Nesta tese os assentamentos em estudo serão identificados seguindo os padrões e denominações do

INCRA, ou seja, Projeto de Assentamento (PA), sigla referente ao tipo de Assentamento Federal. No Portal do INCRA está disponível a Relação de Projetos de Reforma Agrária extraída em arquivo PDF do Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra) por ordem de Superintendência Regional do INCRA, data de criação e reconhecimento do PA, além de outras importantes informações, como município onde se localiza, capacidade de famílias, sua área total e a fase de implantação na qual se encontra. Essas fases são identificadas da seguinte forma: 00 – Em obtenção; 01 – Pré-Projeto de Assentamento; 02 – Assentamento em criação; 03 – Assentamento criado; 04 – Assentamento em instalação; 05 – Assentamento em estruturação; 06 – Assentamento em consolidação; 07 – Assentamento consolidado. Vale mencionar que a Relação de Projetos de Reforma Agrária disponível no Portal do INCRA até a conclusão desta tese é datada de 18 de agosto de 2011, constando que os PAs Emiliano Zapata e 21 de Abril se encontram na fase 05. Relação de Projetos de Reforma Agrária pode ser acessado em: BRASIL. Relação de Projetos de Reforma Agrária. I�CRA, 31 Jan. 2012. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/reforma-agraria-2/projetos-e-programas-do-incra/relacao-de-projetos-de-reforma-agraria/file/1115-relacao-de-projetos-de-reforma-agraria>. Acesso em: 16 jun. 2012.

2 Daqui por diante farei menção ao termo região do Triângulo Mineiro como delimitação geográfica e territorial da pesquisa. Região essa que, de acordo com a Fundação João Pinheiro, é uma entre as dez regiões em que o estado de Minas Gerais se divide para o planejamento estadual (FERNANDES et al., 2005).

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 3

Beneficiários (RB) do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA). O PA 21 de

Abril, conquistado pelos trabalhadores organizados no MLST desde 2001, foi criado em

2005 a partir da compra das fazendas Santo Antônio/Marimbondo pelo Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para o assentamento de 77

famílias beneficiárias da reforma agrária.

No decorrer da pesquisa a problemática de investigação foi se delineando no

sentido de se compreender: o que é, pela ótica dos trabalhadores, a reforma agrária

nessa região, ou seja, os significados atribuídos pelos(as) assentados(as) ao processo

que nesse momento histórico é denominado e que eles denominam ou não de reforma

agrária; como os assentados e outros podem interpretar esse processo histórico por meio

das memórias, histórias e lutas desses trabalhadores; o que tem significado para a

história e memória dos Sem Terra, por exemplo, trabalhadores não desistirem nem

comercializarem os lotes de terra como alternativa às dificuldades e desafios do

cotidiano e da condição de assentado. Portanto, o que busco é compreender e interpretar

historicamente como são e quais os significados das condições de vida, de trabalho e de

lutas dos assentados em análise e como eles interpretam e avaliam as políticas públicas

destinadas ao agricultor assentado que desde 1996 foi incluído no Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) após a extinção do Programa de

Crédito Especial para Reforma Agrária (PROCERA), criado em 1985 pelo Conselho

Monetário Nacional. Ainda procuro interpretar nessa conjuntura como se configuram as

disputas política e econômica dos projetos e modelos de produção para o campo, entre o

agronegócio e a agroecologia, refletindo sobre as motivações, perspectivas, respostas e

projetos dos assentados.

É importante esclarecer que nesta tese o termo Sem Terra é compreendido na

conotação de modos de viver, valores sociais, políticos, ideológicos e de conduta

forjados pelos(as) trabalhadores(as) nos anos de luta pela reforma agrária, no sentido de

que, por meio da luta, engajados, construindo e compartilhando o ideário do MST, se

constitui o sujeito social. Portanto utilizo o termo como o Movimento o concebe, ou

seja, um nome próprio, carregado pelo trabalhador sempre, seja na condição de

acampado ou de assentado. Segundo militantes do MST, o Movimento mudou,

inclusive, a nomenclatura em seus materiais de estudo, de divulgação e na sua própria

bandeira. A compreensão entre eles é da transformação intelectual, política e social que

lhes possibilita tornar-se sujeitos sociais na formação do coletivo. Roseli Salete

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 4

Caldart3, ao analisar tais questões, observa em sua obra Pedagogia do Movimento Sem

Terra (2004) que o MST nunca utilizou em seu nome “nem o hífen e nem o s” e, ainda,

como o uso social do nome Sem Terra alterou até mesmo a norma sobre a flexão de

número: consagrou-se a expressão os sem-terra no dicionário Luft edição de 1998.

O meu interesse em pesquisar as experiências históricas dos Sem Terra do

MST engajados no grupo identificado pelo nome com o qual eles batizaram o

acampamento, Emiliano Zapata, é de longa data, desde estudos realizados na graduação

para a pesquisa da monografia (SILVÉRIO, 2003) e, posteriormente, da dissertação

(SILVÉRIO, 2006). Isso se articula mais amplamente ao meu posicionamento político

diante das desigualdades sociais brasileiras geradas pela existência de uma absurda

concentração de terras sob domínio de uma minoria. Essa visão levou-me, desde a

segunda metade dos anos 1990, a aproximar-me dos movimentos sociais e a atuar junto

a eles, em especial, no final dos anos 1990, junto ao setor de Formação do MST. E ao

término dos estudos do mestrado, eu indicava como possibilidade a continuação da

pesquisa no sentido de interpretar as experiências e novas expectativas construídas pelos

trabalhadores na condição de assentados do PA Emiliano Zapata.

Nos referidos trabalhos acadêmicos, tanto na graduação quanto na pós-

graduação, priorizei e procurei aprimorar um trabalho de produção de fontes orais que

visou a problematizar tanto as experiências de deslocamentos desses trabalhadores entre

a cidade e o campo na busca por melhorar e manter a condição de vida e de trabalho

com autonomia e dignidade quanto a sua escolha de se tornarem militantes da reforma

agrária. Nessa trajetória acadêmica e profissional, assumo o mesmo posicionamento de

Déa Ribeiro Fenelon:

[...] se estamos lutando por algo, seja em nossa prática social, seja a acadêmica, é pelo reconhecimento da diversidade, da pluralidade, do direito de batalhar pela construção de projetos alternativos e, sobretudo, de considerar que a nosso ver estaremos produzindo uma história que será sempre política, porque inserida no seu tempo e comprometida com ele. Por isso, vale enfrentar qualquer debate, que leve em consideração essa possibilidade, na esperança de estarmos, de alguma maneira, com nosso trabalho ajudando a construir o futuro, na perspectiva transformadora a que sempre nos propusemos. (FENELON, 1993, p. 74-75).

3 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro do

Coletivo Nacional de Educação do MST e da Articulação Nacional por uma Educação Básica do Campo.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 5

Nesse sentido, para a composição do projeto de pesquisa para o doutorado fiz

revisão do acervo de fontes orais que produzi no decorrer dos anos 2001 a 2005 para as

minhas pesquisas mencionadas anteriormente, cotejando-o com inquietações e

preocupações mais gerais emergidas e amadurecidas diante da realidade sociopolítica e

econômica do trabalhador rural no país. Portanto, este estudo apontou para a

investigação de questões referentes à estrutura fundiária da região e avanço do

agronegócio, à reforma agrária e as lutas dos trabalhadores por ela, às condições

históricas de assentados e às perspectivas da agricultura familiar tanto nos planos de

governo quanto para os assentados.

Portanto, esta tese analisa a temática e a problemática, fundamentalmente, por

meio de narrativas dos assentados entrevistados. No total foram vinte e dois depoentes,

doze homens e dez mulheres, cujos depoimentos foram colhidos no período entre 2001

e 2012. Como indico na apresentação individualizada de cada um deles, o contato com

alguns, realizado no início dos anos 2000, foi retomado uma ou duas vezes, resultando

em narrativas de um mesmo sujeito com intervalo de até 10 anos. No entanto, grande

parte dos depoimentos, mais exatamente treze, foi colhida entre 2010 e 2012: sete do

PA Emiliano Zapata e seis do PA 21 de Abril.

A revisão de fontes orais possibilitou-me compor o projeto de pesquisa para o

doutorado e menciono aqui os entrevistados naquele período e, de forma geral, algumas

de suas condições. Inicio por João Pires de Deus, que é natural do município de Lagoa

Formosa (MG), nascido no ano de 1952. No momento da única entrevista realizada no

ano de 2001, no acampamento Emiliano Zapata, João estava casado e sua principal

justificativa para a vinda, no ano de 1979, para Uberlândia era o desejo de tirar sua

família do modo de vida e de trabalho aprendidos, isto é, a meação: “[...] era tirar as

crianças daquela água ruim que a gente vivia lá na roça e também a gente estava

cansado de ficar trabanhando na meia, né, aquele negócio de conhê cinquenta monti de

minho, vinte e cinco pro patrão e vinte e cinco pra mim, né?”.4

Entrevistado uma vez no ano de 2001 foi Edgar Campos Dutra, natural do

município de Pompéu (MG), nascido em 1938. Também era casado naquele momento e,

no que se refere ao seu deslocamento para Uberlândia no ano de 1991, entre tantos

motivos relatados, o de Edgar era o seu negócio de carvoaria ter falido, condição que o

4 João Pires de Deus, entrevista concedida à autora em 2001, no acampamento Emiliano Zapata

localizado na FERUB (Fundação Educacional Rural de Uberlândia).

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 6

levou para o trabalho na roça. Porém não julgou isso suficiente, decidindo, assim, partir

para uma cidade grande. Por sugestão da esposa, escolheu Uberlândia em busca de

outros trabalhos.

O acampado José Otenildo Pinto foi entrevistado uma vez no ano 2001 e outra

vez no ano 2003 no acampamento. Natural do município de Joaíma (MG), nascido em

1954, era divorciado no tempo das entrevistas. Narrou sobre sua decisão de vir para

Uberlândia por conta das imagens criadas e divulgadas, tanto pela mídia como por

familiares e amigos que para Uberlândia haviam se deslocado, de que era uma cidade

próspera e de grandes oportunidades de emprego. E assim José Otenildo também se

dirigiu para Uberlândia no ano de 1990.

Abarcando o horizonte dos uberlandenses e da experiência de mulheres na luta

pela reforma agrária, Rosana Maria dos Santos Cabral, nascida no ano de 1973, era

casada no período de concessão das duas entrevistas, uma em 2001 e outra em 2003,

ambas no acampamento. Sua peculiaridade estava no fato de ter nascido na cidade,

porém ter construído as referências de vida e de trabalho na lida da roça junto à família

em trabalhos temporários.

No ano 2001, iniciando a pesquisa que acompanha a trajetória da família Mota

na luta pela terra, entrevistei uma vez José Firmo da Mota no acampamento. Era natural

do município de Lagoa Formosa (Alto Paranaíba), nasceu em 1948 e faleceu em 2007,

três anos após ser assentado. José Firmo já havia constituído família quando se deslocou

para Uberlândia em 1991, também, segundo sua narrativa, em busca de outros meios de

ganhar a vida e manter a família, já que a condição de meeiro tornou-se, no seu dizer,

insuficiente e estafante.

Entrevistei também uma vez, no ano 2001, Maria Eleusa Mota, filha de José

Firmo, nascida em 1972, na época casada, atualmente divorciada, mãe de uma

adolescente, professora e atuante no setor de Educação do MST.5 Pude, assim, ampliar a

compreensão das motivações da família Mota no seu deslocamento para Uberlândia e

volta para o campo na condição de ocupantes de terra engajados no MST.

No ano de 2001 entrevistei uma vez, no acampamento, Francisco Jubiano de

Freitas, natural do município de Currais Novos (RN), nascido em 1978. Em busca de

5 Aliás, todos esses entrevistados, em algum momento de suas militâncias, ocuparam funções de

coordenação ou direção do MST, seja a nível local, regional ou estadual.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 7

melhores condições de renda, deslocou-se para Uberlândia no ano de 1995, tendo como

objetivo, como ele narrou, retornar um ano depois para sua cidade natal com algum

pecúlio para ajudar a família. Em 2003 Francisco concedeu-me outra entrevista em

minha residência em Uberlândia.6

Em 2005, no trabalho de produção das fontes orais, alguns desses trabalhadores

foram novamente entrevistados, porém na condição legal de assentados da reforma

agrária, já que o processo de assentamento das famílias do grupo Emiliano Zapata se

iniciou em 2004. Nessa época também entrevistei, pela primeira vez, outros Sem Terra

do grupo Emiliano Zapata. Portanto, foi entrevistado uma vez, por exemplo, o senhor

João Moura dos Santos, natural de Itaberaba (BA) e nascido em 1948. Na época, e ainda

hoje, João é casado com Eva Lima dos Santos – natural de São José de Pedra Dourada

(MG), nascida no ano de 1954 –, que também me concedeu uma entrevista. No processo

de deslocamento de um estado para outro, João e Eva se encontraram, se casaram e

tiveram três filhos na cidade de Santo André (SP). O casal, em busca de melhores

condições financeiras, saiu em andanças pelo país e, ao chegar a Uberlândia em 1984,

resolveu nessa cidade permanecer com os filhos ainda pequenos.

Ainda no ano 2005 concedeu-me uma entrevista a assentada Teresa Pacheco do

Carmo, que é natural de Patos de Minas, no Triângulo Mineiro, e nascida em 1959. No

momento da entrevista era casada, como ainda o é, e sua vinda para Uberlândia foi no

ano de 1986, após mudar de diferentes municípios no estado de Goiás e de Minas

Gerais. A última estadia, antes de chegar a Uberlândia, foi em Patos de Minas. Passou

por diferentes experiências de trabalho, como doméstica, na colheita do café e em

outros trabalhos temporários.

No ano 2005, porém em dias diferentes, o casal Teresinha Gomes Nunes/Jonas

Batista Nunes também foi entrevistado no local onde residem no assentamento.

Teresinha é uberlandense e nasceu em 1957. Jonas Batista Nunes é natural do município

de Abadia dos Dourados, no Alto Paranaíba, e nasceu em 1954. Jonas deslocou-se para

Uberlândia em 1963 com os seus pais. Ao lembrar-se desse tempo, ele conta que a

maior motivação para isso foi seus pais desejarem que os filhos estudassem. 6 Essa possibilidade e outras, como as entrevistas de Juarez Moura dos Santos e Flaviana Dias em 2012,

estiveram condicionadas à relação de amizade construída com meus entrevistados. Todos eles, sabendo da minha pesquisa e aceitando dar entrevistas, se dispuseram a ir até a minha casa. Francisco precisava ir até a cidade de Uberlândia e combinou de me encontrar. No caso de Juarez e Flaviana, eles se ofereceram para me encontrar em Uberlândia nos dias em que vão comercializar seus produtos na Ceasa da cidade.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 8

Para esta tese, o que importa destacar sobre essas entrevistas e como e no que

elas possibilitaram compor o projeto de pesquisa do doutorado é que todos esses

trabalhadores tiveram inúmeras dificuldades de adaptação e alocação no mercado de

trabalho na cidade de Uberlândia, estando as experiências vividas nesse agora

impregnadas do desencanto com a vida nessa cidade. Isso levou esses homens e

mulheres a criar novas expectativas com a possibilidade de retorno para o campo sob

outras condições, isto é, como ocupantes de terras assumindo a luta por um pedaço de

chão e engajados na luta em um dos mais expressivos movimentos sociais ligado ao

campo, o MST, forjando assim novas experiências, mas marcados pelas memórias de

diversas vivências de e em outros lugares.7 Esse percurso instiga à análise da sua luta

por melhores condições de vida tanto no campo como na cidade, análise que, entretanto,

não pode deixar de considerar as perspectivas, os projetos, as desilusões (re)criadas na

condição de militantes da reforma agrária.

No tocante ao período já de realização da pesquisa, ou seja, cursando o

doutorado, a par dessas fontes orais selecionei trabalhadores do MST para novas

entrevistas. Almejando ampliar a compreensão das transformações nas experiências

históricas desses homens e mulheres, entrevistei novamente, em fevereiro de 2011,

Maria Eleusa Mota, Francisco Jubiano de Freitas, Teresinha Gomes Nunes e, pela

primeira vez, o assentado Vítor Caetano da Mota. Vítor, naquele momento com 32 anos

de idade, é natural de Monjolinho de Minas (MG), um dos sete filhos de José Firmo da

Mota, e o interesse pela sua entrevista deriva de ele ter sido assentado por ser filho de

uma família acampada e não ter precisado ficar anos acampado vivendo debaixo da lona

preta.

Em dezembro de 2011 entrevistei uma vez, na cidade de Uberaba, Aguinaldo

da Silva Batista, 50 anos de idade, casado e natural de Córrego Dantas (Minas Gerais),

pai de uma filha já falecida devido a um câncer em 2010 e de um rapaz. Aguinaldo

deslocou-se para região de Uberaba junto com os pais em 1969. Seu pai veio trabalhar

como vaqueiro e meeiro nas fazendas. Em 1976 mudaram-se para a cidade de Uberaba,

mas mantiveram relação de trabalho com o campo. Somente em 1979 Aguinaldo foi

para Uberaba estudar e trabalhar, passando pelo comércio, construção civil e indústria.

É assentado no PA Olhos d’Água, no município de Sacramento (Alto Paranaíba), pelo

7 Experiências de outrora e lugares reconstruídas em outros e novos lugares, possibilitando o (re)fazer

de suas histórias. Ver BENJAMIN, 1994, p. 114-119.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 9

MST. Portanto, faz parte do grupo que consolidou o MST na região em estudo, atua

nesse Movimento desde 1997, militando na sua direção e coordenação e proficuamente

no grupo do Emiliano Zapata. Daí o interesse em sua entrevista.

Em fevereiro de 2012 entrevistei pela primeira e única vez Juarez Moura dos

Santos e Flaviana Dias, tendo ambas as entrevistas sido realizadas na minha residência

em Uberlândia. Juarez, com 31 anos de idade, é natural de Santo André (SP) e filho de

João Moura dos Santos e Eva Lima dos Santos. Flaviana Dias, com 28 anos de idade,

natural de São Simão (GO), entrou para o MST em 2001 quando, junto com o pai,

acampou no acampamento Canudos do MST no município de Santa Vitória (Triângulo

Mineiro). Flaviana é companheira de Juarez.

É importante dizer que a escolha dos trabalhadores do MST para participarem

desta investigação associa-se ao fato de os escolhidos estarem juntos na luta desde 1999,

exceto Vítor Caetano da Mota e Flaviana Dias. Vítor não chegou a viver como

acampado, já Flaviana chegou a acampar em Santa Vitória e, quando do processo de

assentamento, passou a compor a Relação de Beneficiários do PA Emiliano Zapata.

Todos eles, com essas duas ressalvas, estão entre os fundadores do MST regional do

Triângulo Mineiro. Portanto, estes(as) trabalhadores(as) escolhidos(as) registram uma

história de luta por reforma agrária sem interrupções. Como será abordado no primeiro

capítulo, eles compuseram um grupo de famílias dentro do acampamento Emiliano

Zapata que não desistiu da luta diante dos inúmeros desafios e dificuldades e, no

processo de criação de três assentamentos em três fazendas desapropriadas no

município de Uberlândia em 2004, eles optaram por ficar na mesma área e batizaram o

assentamento de Emiliano Zapata.

Portanto, o estudo é composto de um acervo de narrativas que dizem respeito a

e/ou acompanham mais de uma década de transformações na vida desses(as)

trabalhadores(as) que constituem o grupo Emiliano Zapata – MST. Entretanto o acervo

veio a ampliar-se no doutorado, com o acréscimo de entrevistas com outros

assentados(as) do PA de nome 21 de Abril, um grupo de trabalhadores que possui em

sua origem ligação com outro movimento social, o Movimento de Libertação dos Sem

Terra (MLST). O PA 21 de Abril se localiza no município de Veríssimo, limítrofe de

Uberaba e Uberlândia.

O interesse por esses outros sujeitos, que levou à ampliação deste trabalho,

decorreu de algumas mudanças ocorridas na minha vida profissional: em 2009 fui

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 10

nomeada para o cargo de professora de 3º grau da Universidade Federal do Triângulo

Mineiro (UFTM) localizada na cidade de Uberaba – Triângulo Mineiro e, no intuito de

desenvolver projetos em grupo de pesquisa institucional, fiz um levantamento e visitas a

assentamentos de reforma agrária da região, tomando conhecimento da existência do PA

21 de Abril.

No decorrer do estudo, dei-me conta de que o grupo de famílias do PA 21 de

Abril havia se formado em 2001 e era originário da organização do MLST. E,

sobretudo, que ele tinha em comum com o do então acampamento Emiliano Zapata do

MST, para além da causa da reforma agrária, terem-se encontrado, pelas circunstâncias

da luta, dentro de uma mesma área de conflito agrário ocupada primeiramente pelo

MST no município de Uberlândia, a fazenda onde se localiza a FERUB (Fundação

Educacional Rural de Uberlândia). Partiu disso o interesse em ampliar a investigação

sobre a reforma agrária no Triângulo Mineiro por meio das memórias, histórias e lutas

desses outros assentados.

Do PA 21 de Abril, foi entrevistado uma vez, em novembro de 2010, o

assentado João Pedro (pseudônimo), que exigiu ser assim identificado para evitar uma

possível represália, o que indicou a existência de alguma tensão política vivida por esse

e talvez outros assentados na região. João estava com 38 anos de idade na data da

entrevista, é natural de Itumbiara (GO), casado, pai de um adolescente e uma criança.

Deslocou-se com a família para a cidade de Centralina (Triângulo Mineiro) aos oito

anos de idade. Entrou para o MLST com 29 anos de idade, passou por várias

experiências de trabalho como autônomo e sua primeira experiência no MLST foi em

2001 no grupo 21 de Abril.

Em dezembro de 2011 entrevistei Eufrásia Maria dos Santos, na época com 53

anos de idade, casada, mãe de quatro filhos e natural de Patrocínio (Alto Paranaíba).

Deslocou-se ainda na juventude, saindo desse município para morar em Centralina

(Triângulo Mineiro), de onde partiu para integrar o grupo 21 de Abril em 2001. Eufrásia

diz ter sido incentivada e motivada pelas experiências de seu cunhado, o qual é

assentado da reforma agrária no município de Ituiutaba (Triângulo Mineiro).

Em março de 2012 entrevistei a assentada Joversina Alves Rodrigues Barbosa,

natural de Salinas – Norte de Minas Gerais, nascida no ano de 1960, viúva, mãe de

cinco filhos. Joversina saiu de sua cidade natal há 30 anos e passou por diferentes

estados e cidades. Ela entrou para o MLST em 2001, quando foi acampar na fazenda

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 11

ocupada de nome Nova Tangará no município de Uberlândia antes de se transferir

definitivamente para o grupo 21 de Abril.

Entrevistei em março de 2012 Ricardo dos Santos Balbino. É natural de

Araguari (Triângulo Mineiro), nasceu em 1983, casado, pai de um filho. Entrou para o

grupo 21 de Abril na época em que esse estava acampado na FERUB, no ano de 2002.

É filho de assentados do PA Zumbi dos Palmares – origem no MST, um assentamento

do ano de 1998 localizado no município de Uberlândia. Segundo Ricardo, ele chegou a

ser da coordenação do MLST na região.

Outra entrevista, em março de 2012, foi com Muniane Silva Santos, natural de

Santa Vitória (Triângulo Mineiro), nascida em 1987 e mãe de um filho. Também é filha

de assentados do PA Zumbi dos Palmares – MST. Entrou para o MLST, grupo 21 de

Abril, junto com Ricardo, que é seu marido.

Ainda em março de 2012 entrevistei uma vez a assentada Rosilda Sousa Lopes,

de 36 anos de idade, natural de Ituiutaba (Triângulo Mineiro), casada, mãe de um casal.

Deslocou-se para Centralina com a família aos nove anos de idade, quando os pais

foram em busca de trabalho levados por parentes. Foi criada na roça, sua experiência de

trabalho é na roça com a família e na cidade como doméstica. Entrou para o grupo 21 de

Abril em 2001 na primeira ocupação de terras desse grupo na fazenda Capim Branco,

no município de Uberlândia.

No decorrer da pesquisa essas fontes orais foram cotejadas a outras, como

matérias jornalísticas do Portal de notícias de Estado de São Paulo de 04 de maio de

2010,8 na mesma data o Portal da Prefeitura de Uberaba9 e o jornal online Correio de

Uberlândia,10 que noticiaram a inauguração da usina de açúcar e álcool Vale do Tijuco

da Companhia Mineira de Açúcar e Álcool (CMAA) em Uberaba, assunto que foi

8 PORTO, Gustavo. CMAA inaugura primeira usina em Uberaba-MG. Estadão, 04 maio 2010.

Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/neg%C3%B3cios,cmaa-inaugura-primeira-usina-em-uberaba-mg,16632,0.htm>. Acesso em: 10 jun. 2010.

9 PREFEITURA de Uberaba. <http://www.uberaba.mg.gov.br/portal/conteudo,9355>. Acesso em: 20 maio 2010.

10 UBERABA INAUGURA usina de etanol. Jornal Correio de Uberlândia, Uberlândia, 13 Maio 2010. Disponível em: <http://www2.correiodeuberlandia.com.br/imprimirMateria.php?tid=44871&pubDate=2010-05-05>. Acesso em: 20 maio 2010.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 12

abordado também em sites11 de empresas ou associações do agronegócio, como a União

dos Produtores de Bioenergia (UDOP) e o Brasilagro website, produzido pela A & K

Editora Ltda. Portanto, foi propalado pela imprensa nacional, bem como pela local, que

a CMAA, que tem como sócias a Pactual Capital Partners (PCP), administradora dos

recursos dos acionistas do antigo banco Pactual, a JF CITRUS AGROPECUÁRIA

LTDA e o fundo norte-americano com foco em energia ZBI Ventures (Ziff Brothers

Investments), o qual terá um terço do capital da companhia,12 além de inaugurar a usina

em Uberaba, tinha a previsão de que essa seria a primeira de três unidades a serem

construídas na região do Triângulo Mineiro entre os municípios de Uberlândia,

Veríssimo e Prata. A expectativa da CMAA, divulgada pela imprensa, é moer 12

milhões de toneladas de cana por ano, produzir 1 bilhão de litros de etanol e gerar 840

mil Megawatt-hora (Mwh), energia suficiente para abastecer uma cidade de 720 mil

habitantes. Uberlândia, por exemplo, possui aproximadamente 650 mil habitantes.

O jornal Correio de Uberlândia13 e o site Página Rural14 divulgaram a expansão

de outros dois grupos econômicos desse setor do agronegócio em Uberlândia, os quais

já estavam em contato com produtores rurais da região para construir duas novas usinas

sob o regime que eles chamam de “parceria”. Uma delas pertencente à Companhia

Energética de Açúcar e Álcool do Triângulo Mineiro, formada pela sociedade entre o

empresário Emerson Fittipaldi e a Comfrio – JS Citrus, e a outra, a Usina Nova Energia

Açúcar e Álcool S.A., formada pelas empresas Chalet Agropecuária, EF Marketing,

Banco BVA, Central Energéticas Planusi e JB Agropecuária. No momento do anúncio

na imprensa os representantes das usinas afirmaram suas ações e intenções:

Representantes do grupo J.F Citrus, da Cia. Energética de Açúcar e Álcool do Triângulo Mineiro, reuniram-se, na última segunda-feira,

11 PORTO, Gustavo. CMAA inaugura primeira usina em Uberaba-MG. União dos Produtores de

Bioenergia, 5 Maio 2010. Disponível em: <http://www.udop.com.br/index.php?item=noticias&cod=1066308#nc>. Acesso em: 20 maio 2010.

12 PCP Associa-se a fundo dos EUA em projeto de usinas. Brasil Agro, 31 Mar. 2009. Disponível em: <http://www.brasilagro.com.br/index.php?noticias/visualizar_impressao/12/15374>. Acesso em: 30 nov. 2011.

13 CASTRO, Margareth. Empresas vão arrendar terras para o cultivo. Jornal Correio de Uberlândia, Uberlândia, versão online atualizada em 21 Maio 2008. Disponível em: <http://www2.correiodeuberlandia.com.br/texto/2006/10/04/21460/empresas_vao_arrendar_terras_para_o.html>. Acesso em: 22 out. 2011.

14 MINAS GERAIS: EMERSON Fittipaldi anuncia construção de três usinas de açúcar e álcool no Triângulo Mineiro. Página Rural, 12 Maio 2006. Disponível em: <http://www.paginarural.com.br/noticia/39508/minas-gerais-emerson-fittipaldi-anuncia-construcao-de-tres-usinas-de-acucar-e-alcool-no-triangulo-mineiro>. Acesso em: 22 out. 2011.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 13

no auditório do Sindicato Rural de Uberlândia (SRU), com fazendeiros da região para esclarecer a formação societária do grupo e anunciar o início de operação de uma das duas unidades que terá na região para 2009. [...] O diretor do grupo J.F Citrus, José Raimundo Santos, esclarece que, apesar de ter sido a primeira reunião oficial, a empresa já está em contato com os produtores rurais há algum tempo. ‘Estamos com 15 mil hectares de terra consolidados na região, mas, em uma primeira fase, precisamos de 50 mil hectares’, disse. [...] A proposta feita aos produtores rurais é o arrendamento da área por dois ciclos da cana-de-açúcar, que seria entre 10 e 12 anos. A empresa está procurando parceiros num raio de 25 a 30 quilômetros da usina. José Raimundo defende essa distância que, se for maior, torna o negócio inviável devido os custos, principalmente com transporte e também por causa do plano diretor do governo do Estado. ‘Essa extensão é importante para não transformar o Triângulo Mineiro em monocultura e para a segurança do investidor’, esclareceu. [...] Para a primeira unidade, o plantio já foi iniciado e a intenção é que toda mão de obra empregada, tanto na construção quanto na operação, seja da região. ‘Queremos contratar profissionais da região, tanto técnico, administrativo e até os cortadores de cana. Depois vamos investir em treinamentos’, revelou o diretor-superintendente da Santa Elisa, Anselmo Lopes Rodrigues.15

As informações contidas nessas reportagens, cotejadas com as de artigos

científicos sobre a expansão da monocultura da cana em áreas de assentamento (Cf.

FERRANTE, 2007; RAMOS, 2006) suscitaram questões como esta: como se

configurará a relação dos grandes, médios e pequenos produtores rurais com as usinas

no Triângulo Mineiro diante da realidade de expansão delas e, especialmente, como

ficarão os assentados da reforma agrária?

No momento solene de inauguração da usina Vale do Tijuco em Uberaba em

2010, o poder público se posicionou dizendo da importância daquele acontecimento e

das consequentes transformações da região, que está passando, de polo pecuário e

sojicultor, a integrar a concorrência da cana-de-açúcar. Segundo a fala do então prefeito

de Uberaba, Anderson Adauto16 (Partido do Movimento Democrático Brasileiro -

PMDB), transcrita nas reportagens mencionadas, essa seria a oportunidade histórica

para que “os fazendeiros de Uberaba, Uberlândia e Veríssimo possam também ganhar

dinheiro”. O prefeito relacionava isso (Cf. reportagens mencionadas) ao “preconceito da 15 CASTRO, Margareth. Empresas vão arrendar terras para o cultivo. Jornal Correio de Uberlândia,

Uberlândia, versão online atualizada em 21 Maio 2008. Disponível em: <http://www2.correiodeuberlandia.com.br/texto/2006/10/04/21460/empresas_vao_arrendar_terras_para_o.html>. Acesso em: 22 out. 2011.

16 PORTO, Gustavo. CMAA inaugura primeira usina em Uberaba-MG. União dos Produtores de Bioenergia, 5 Maio 2010. Disponível em: <http://www.udop.com.br/index.php?item=noticias&cod=1066308#nc>. Acesso em: 20 maio 2010.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 14

região” em relação à produção da cana-de-açúcar, associando-o ao sistema de outros

tempos, quando o dono da usina era proprietário da terra e da fábrica, e ressaltando que

“[...] agora, os acionistas vão receber de volta o dinheiro investido, mas estão dando

oportunidade e condições” aos outros fazendeiros da região de lucrarem.

No presente trabalho, práticas como essas dos representantes dos poderes

públicos no Triângulo Mineiro são problematizadas na medida em que é objetivo deles

a construção de imagens sobre o campo e a cidade como prósperos e o lugar de

oportunidades de renda monetária para aquele que se abrir para as novas formas de

investimento de capital financeiro e/ou modalidades de trabalho. Mas as ponderações do

prefeito Anderson Adauto podem indicar problemas ao se focar o lugar do pequeno

produtor rural na condição de assentado na região abordada. Como os trabalhadores

rurais pobres assentados estão olhando para essa questão, como estão lidando com sua

posição no mercado em crescimento e sob quais condições?

Nessa direção, os assentados entrevistados analisaram como estão observando

e vivendo essas questões. Ressalto as ponderações de Maria Eleusa Mota, em uma

conversa informal no ano de 2010, sobre o cotidiano e as condições dos trabalhadores.

De acordo com ela, havia naquele momento possibilidade dos seus pares, quando as

usinas se estabelecessem na região e pressionados pelas insuficientes condições de

produção e de vida, escolherem arrendar parte dos seus lotes ou mesmo plantarem cana-

de-açúcar para fornecimento às usinas. Importante observar como a fala de Maria

Eleusa Mota se insere e se relaciona ao momento em que há o avanço da monocultura

da cana no Triângulo Mineiro, evidenciando o processo de crescimento desse tipo de

agronegócio alardeado pelas fontes jornalísticas mencionadas anteriormente.

No ano de 2011, já em entrevista, Maria Eleusa Mota indicou outras posições e

escolhas dos assentados em meio a esse processo, colocando sob suspeita e mesmo

negando qualquer possibilidade de arrendamento dos lotes ou fornecimento de cana aos

usineiros, apontando outras possibilidades emergidas na correlação de forças: “[...] os

companheiros estão constrangidos, porque estão precisando bater na porta dos

fazendeiros da região para trabalhar”.17 Esse trecho da narrativa sugere a existência de

tensões cotidianas diante das necessidades financeiras impostas para viverem do campo.

De acordo com Maria Eleusa, a referida prática dos assentados de prestar serviços para

17 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 15

fazendeiros é motivada pelo fato de os trabalhadores ainda não conseguiram

desenvolver as atividades de produção e escoamento de sua produção de forma

sustentável e autônoma, precisando manter ainda relação de trabalho com os

latifundiários. Por meio dessa e outras narrativas, esse aspecto da situação dos

assentados ganhou expressão na pesquisa, principalmente pelo fato de o agronegócio da

cana e do álcool e seu impacto, como arrendamento de lotes e/ou fornecimento de

matéria-prima pelos assentamentos em estudo, não terem chegado até eles. As forças do

agronegócio incidem sobre eles sobre outras formas.

As interpretações dos aspectos que envolvem a realidade dos assentados e

assentamentos, inclusive dos sentidos de uma reforma agrária no Brasil, têm sido

concebidas e disputadas pelos meios de comunicação hegemônicos, pelos setores do

governo e de seus opositores, pelo próprio senso comum, ou por parte do meio

acadêmico por meio de diversas produções de diferentes áreas do conhecimento. E

sobre isso, de modo geral, dois pontos de vista se sobressaem. Um deles analisa a luta

dos trabalhadores, estejam eles organizados ou não em movimentos sociais de luta pela

reforma agrária, colocando em pauta o processo histórico, político e econômico

complexo que constituiu e ainda constitui a questão agrária no país, sob a perspectiva da

correlação de forças entre os trabalhadores e os que detêm os meios de produção e o

capital, entendendo a luta como legítima. Em outra perspectiva encontram-se os

defensores da noção de fracasso no estabelecimento de assentamentos de reforma

agrária, distorcendo os sentidos da existência dos movimentos sociais, como o MST, e

de seus projetos. Esse último ponto de vista costuma abordar as dificuldades ou a pouca

produtividade dos assentamentos rurais, o que em muitos casos é uma realidade

pertinente, porém, quando isso vem atrelado à noção de desqualificação do outro, do

Sem Terra, procurando deslegitimar os trabalhadores e suas lutas, desconsidera a

perspectiva histórica do processo que envolve a luta pela reforma agrária, ou seja, o

movimento da contradição, das desigualdades sociais que constitui a história do Brasil.

O interesse desta tese não é simplesmente fazer a denúncia das políticas da

reforma agrária no Brasil ou da inexistência delas no momento atual, mas ser um modo

de análise e de possibilidade de conhecimento das potencialidades e das visões e

versões construídas pelos trabalhadores rurais – como se organizam e reinventam, ou

não, modos de viver e de trabalhar em meio a tantas dificuldades e desafios –, no fazer-

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 16

se da classe (THOMPSON, 1987a) trabalhadora na correlação de forças políticas e

econômicas na disputa pela reforma agrária.

Para análise do processo histórico da organização da luta pela terra no

Triângulo Mineiro, esta tese articula uma pesquisa bibliográfica e documental sobre os

movimentos sociais ligados ao campo no Brasil e no Triângulo Mineiro, investigando

materiais produzidos pelo MST18 e outros movimentos sociais, bem como produções

acadêmicas: teses, dissertações, monografias, artigos científicos, livros, censos, boletins

informativos, cartilhas, sites de órgãos governamentais e entidades sociais, processos de

órgãos públicos e relatórios de instituições de ensino públicas. Esses últimos,

principalmente aqueles produzidos pelo Laboratório de Geografia Agrária (LAGEA)19

do Instituto de Geografia (IG) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Outra

fonte de informações foi minha própria vivência em acampamentos e assentamentos e

em outras atividades políticas e práticas do MST a partir do ano de 1999.

O levantamento bibliográfico realizado para a pesquisa revelou que na área do

conhecimento da história existem ainda poucos estudos referentes às temáticas da

questão agrária no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, seja sobre as ocupações de terras

e expansão dos movimentos sociais de luta pela reforma agrária, ou as condições dos

assentados e dos assentamentos rurais, excetuando-se algumas dissertações de mestrado

e monografias de conclusão de curso.

Há diferentes publicações sobre essas temáticas por parte de pesquisadores da

geografia agrária da Universidade Federal de Uberlândia, assim como também pelos da

economia, da área da sociologia rural, da educação, entre outros.

Da área da engenharia agrícola da Unicamp, a tese de doutorado de Andréia

Terzariol Couto (1999) versa sobre, entre outras, a luta pela posse da terra no município

de Iturama (Triângulo Mineiro) a partir de 1983.

18 Principalmente, porque o MST disponibiliza para a sociedade um amplo acesso aos ideais que

defende, seja através dos jornais, como Brasil de Fato, jornal Sem Terra, ou de sua Revista Sem Terra, seja em cartilhas, livros, Boletins informativos e no site mantido pelo Movimento, onde se publicam artigos, informes, opiniões, dados estatísticos produzidos por renomadas organizações governamentais sobre a questão agrária no Brasil e no mundo.

19 Importante ressaltar que o LAGEA-IG/UFU tem realizado inúmeros trabalhos de pesquisa sobre os movimentos sociais, focalizando a questão da reforma agrária em Minas Gerais, fundamentais para os pesquisadores, principalmente da região do Triângulo Mineiro. Sistematizando informações em bancos de dados, relatórios anuais, artigos científicos, entre outros, estão disponíveis para consulta no site: <www.lagea.ig.ufu.br>.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 17

Portanto, estabeleci o diálogo com diferentes autores e áreas do conhecimento

sobre os Sem Terra, suas lutas e conquistas, enfim, sobre aspectos e realidade da

reforma agrária na região em estudo e em outras do país. Os resultados desse diálogo

estão expostos no decorrer dos capítulos, entretanto ressalto alguns trabalhos que

ganharam maior relevância no diálogo e na aproximação com a pesquisa e a

problemática de investigação. Como já referido, a tese de Couto (1999) foi bastante

importante, pois ajudou a encaminhar minhas reflexões, principalmente porque a autora

se atém às lutas dos anos 1980 numa perspectiva que considero de retomada da luta pela

terra na região em estudo, em um período em que as ocupações e o Movimento dos Sem

Terra estavam em franca articulação e expansão pelo país, vindo das lutas na região sul.

Portanto foi fundamental, para compreender a historicidade da luta na região, conhecer

as lutas desencadeadas via organização de trabalhadores meeiros, posseiros na

reivindicação de assentamento na propriedade onde trabalhavam e eram desrespeitados

na relação trabalhista, assim como conhecer a visão da autora sobre o apoio dado aos

trabalhadores pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Iturama (Triângulo Mineiro) e

setores da igreja, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Os estudos dos pesquisadores do Laboratório de Geografia Agrária (LAGEA)

do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia têm contribuído para o

conhecimento e aprofundamento das temáticas da luta pela terra e do avanço do setor de

cana e álcool no Triângulo Mineiro. Na equipe de pesquisadores do LAGEA destaco as

produções do professor João Cleps Júnior: a tese de doutorado em Geografia Dinâmica

e Estratégias do Setor Agroindustrial no Cerrado: o caso do Triângulo Mineiro, pela

Universidade Estadual de São Paulo em 1998, e outros trabalhos ([200-?]; 2006; 2009)

seus foram fundamentais para coletar informações e dados dessa realidade e temáticas

mencionadas. Também foram de grande relevância para este estudo os resultados de

pesquisas advindas do projeto de extensão DATALUTA – Minas Gerais em parceria

com a equipe do DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra, projeto de

extensão criado em 1998 no Núcleo de Estudos, Pesquisa e Projetos de Reforma Agrária

(NERA), vinculado ao Departamento de Geografia da Faculdade de Ciência e

Tecnologia da UNESP – Presidente Prudente, no que se refere à quantidade de

assentamentos, de movimentos socioterritoriais da luta pela reforma agrária em Minas

Gerais e suas regiões, como o Triângulo Mineiro, das ocupações de terra registradas nas

últimas décadas. Eles possibilitaram trabalhar com dados que revelaram a força dos

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 18

Movimentos Sem Terra na correlação de forças da região. Portanto, os relatórios do

DATALUTA – Minas Gerais elaborados pelo LAGEA-IG/UFU, bem como o Banco de

Dados da Luta pela Terra foram fontes imprescindíveis nesta pesquisa.

Os trabalhos da pesquisadora Lucimeire de Fátima Cardoso (2009, 2010)

integrante do LAGEA, também se destacam na perspectiva mencionada anteriormente,

principalmente por abordar a organização de um expressivo assentamento da região por

um grupo de Sem Terra com o qual a assentada Joversina A. R. Barbosa do PA 21 de

Abril compartilhou a luta. Nessa direção, outros trabalhos20 trouxeram como

possibilidade a ampliação da leitura sobre a importância da luta pela terra na região, por

tratar o processo histórico de expansão do capital no campo e como os Sem Terra têm

enfrentado essa conjuntura resistindo às dificuldades e tentativas das forças opostas de

desmantelar suas conquistas.

Ressalto também os trabalhos acadêmicos de Maria Eleusa Mota (2010) e

Maysa do Carmo de Paula (2010), fundamentalmente por serem essas autoras militantes

do MST e assentadas na região em estudo, sendo Maria Eleusa, inclusive, uma das

entrevistadas nesta pesquisa. Para além de seus trabalhos, significaram a força do MST

e de seus trabalhadores na formação de seus quadros, democratizando o acesso à

educação sob outros e diferentes paradigmas em relação aos da educação no sistema

capitalista. Foi possível com essas produções apreender informações importantes sobre

a história da constituição e organização política do MST no Triângulo Mineiro, já que

as autoras falam a partir da sua própria experiência, deixando claros os objetivos e os

princípios do MST. Maria Eleusa analisa, entre outros, os fatores e as motivações do

militante que, quando consegue ser assentado, acaba por desistir da militância. Por

problematizar essa realidade, me ajudou a refletir sobre outras práticas dos Sem Terra e

seus significados. Isto é, para mim a militância não acaba, ela se transforma, já que

viver como assentado é um desafio diante a conjuntura das políticas públicas destinadas

a eles. Portanto, a vida desses assentados se constitui por outras demandas pelas quais

eles seguem lutando.

Outra referência importante foi o Relatório Final do Programa de Apoio

Científico e Tecnológico aos Assentamentos de Reforma Agrária (PACTo MG/TM) de

20 -ível Dissertações: CARVALHO, 2011; FONSECA, 2001; GOMES, 2004; GUIMARÃES, 2002;

MEDEIROS, 2008; SILVA, 2007; SILVA, 1996; SILVEIRA, 2008.

-ível artigo científico: BENTO, 2009.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 19

junho de 2005. Esse programa começou em 2001, quando a Diretoria de Programas

Temáticos e Setoriais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPq) encaminhou o convite para a Universidade Federal de Uberlândia

dele fazer parte. Tal programa foi uma iniciativa do Ministério da Ciência e Tecnologia

(MCT)/CNPq e MDA/INCRA com o objetivo de desenvolver e implementar atividades

de intervenção com vistas à promoção do desenvolvimento sustentável de quatro

assentamentos selecionados no Triângulo Mineiro, a saber: Assentamento Rio das

Pedras e Zumbi dos Palmares, no município de Uberlândia, e Assentamentos Bom

Jardim e Ezequias dos Reis, no município de Araguari. Nessas áreas foram

desenvolvidos vinte projetos de pesquisa e sessenta atividades de intervenção. Portanto

a leitura desse material possibilitou conhecer a realidade de outros assentamentos dos

municípios limítrofes de Uberlândia, permitindo observar em que as condições de vida e

de trabalho dos assentados se assemelham e em que diferem. As questões referentes à

infraestrutura dos assentamentos, como a falta de estradas, pontes e acompanhamento

de técnicos agrícolas por parte do Estado ficou evidente.

O Relatório com as principais notícias divulgadas pela mídia relacionadas

com a agricultura – área temática: Questão fundiária – Movimentos sociais, produzido

pelo Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura (OPPA), do Programa de

Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade

(CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, período de análise 01 a 31 de

janeiro de 2008, possibilitou-me refletir sobre as regiões de avanço do agronegócio, no

caso desde Araraquara até Colômbia, no estado de São Paulo. Essa região atualmente é

marcada pelos canaviais que tomam conta da paisagem e movimentam a economia das

cidades. Análises desse relatório instigaram à reflexão sobre os mecanismos de avanço

do agronegócio na região do Triângulo Mineiro, especialmente a produção de cana e

álcool e a condição do trabalhador nesse processo.

No tocante às produções acadêmicas na área da história, importante foi a

leitura da obra Vozes da Terra: lutas e esperanças dos Sem-Terra, de Cléria Botelho da

Costa, que analisa e escreve sobre trabalhadores rurais Sem Terra no Mato Grosso do

Sul, em Indaiá. De forma instigante Costa vai delineando a trajetória de homens e

mulheres na construção dos seus sonhos e esperanças de possuírem terra para trabalhar.

Desenvolve um trabalho de análise de fontes orais, portanto lida com memórias e pauta

a análise pela cultura desses trabalhadores. Costa questiona uma historiografia que

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 20

aponta um “quadro de derrota e resistência vã”, pois para a autora essa historiografia

segue uma perspectiva determinista da história, a qual, diante a expansão do capital,

entende ser inútil a resistência dos trabalhadores rurais. Indo em outro sentido, Costa

afirma que:

[...] os tempos atuais mostram que os trabalhadores do campo, durante longos anos excluídos da História, têm demonstrando, em suas desobediências à legalidade e na luta que desenvolvem no cotidiano, seu caminho sem retorno na História. Eles reconhecem e agem sobre a ruptura dos elos tradicionais de exclusão e humilhação com que se reveste a dominação dos fazendeiros, assim desvendando o mundo das desigualdades sociais, dos diferentes poderes, a partir das privações em que vivem: de terra, de vestuário, de trabalho, dentre outras. E essa nova percepção dos trabalhadores rurais, sem dúvida, foi gestada nos conflitos de cada dia e nos movimentos sociais. [...] A luta pela terra travada por esses lavradores que vivem em Indaiá, ocorreu como parte de uma luta mais ampla – o Movimento dos Sem Terra – um movimento de âmbito nacional que congrega os trabalhadores rurais que não possuem um pedaço de terra. (COSTA, 2009, p. 42-43).

Portanto, esse trabalho ajudou-me a pensar sobre as semelhanças e diferenças

na luta pela reforma agrária, como a realidade local incide sobre diferentes

trabalhadores Sem Terra e como as forças políticas e econômicas se movimentam nas

diferentes regiões do país. Relevante também foi observar como Costa lida com as

fontes orais, relacionando-as a outras fontes, e com estilo próprio vai apresentando sua

crítica à perspectiva historiográfica que desconsidera a categoria cultura como elemento

articulador das lutas dos trabalhadores.

Refletindo sobre caminhos diferentes seguidos pelos trabalhadores rurais, bem

como sobre escolhas na luta por melhores condições de manutenção da vida na região

Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, há, no campo da história social, a tese de

doutoramento de Maria Andrea Angelotti Carmo: Entre safras e sonhos: Trabalhadores

rurais do sertão da Bahia à lavoura cafeeira do cerrado mineiro 1990-2008. Nessa

obra a autora analisa a questão das novas modalidades de contratação dos trabalhadores

pelos empresários rurais e da inserção deles no campo em transformação, o que foi

importante e me instigou a observar os diversos engajamentos dos trabalhadores para ter

renda monetária. E esses engajamentos se fazem numa relação entre o viver no/do

campo e na/da cidade.

No levantamento bibliográfico sobre a União Democrática Ruralista (UDR),

encontrei a obra Os Campos dos Senhores: UDR e elite Rural – 1985/1988, do

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 21

pesquisador Cristiano Gustavo Biazzo Simon, que indaga “a medida da preocupação

desse setor com a democracia” no Brasil. O estudo revela-se importante, entre outras

razões, pela possibilidade de atualização bibliográfica, já que o pesquisador utiliza

ampla documentação, fontes de órgãos governamentais e entidades sociais e entrevistas

de sujeitos envolvidos na temática, oferecendo possibilidades de uma ampla leitura.

Traz sua versão histórica das condições políticas e sociais do campo brasileiro quando

da instalação do processo de redemocratização e da Constituinte de 1988 e como os

grandes proprietários do meio rural organizaram-se contra a reforma agrária. Simon

inicia com o questionamento: “[...] justifica-se publicar hoje uma análise sobre a

atuação da UDR no momento em que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra conseguiu impor-se na cena política de forma contundente?” (SIMON, 1998, p.

11) e, dialogando com sua questão, recupera a historicidade dessa entidade

ultraconservadora que é a UDR.

Na área da economia, a leitura da obra Territórios Deprimidos: desafios para

as políticas de desenvolvimento rural, de Antonio César Ortega, foi muito útil para a

reflexão sobre a temática em voga do “desenvolvimento territorial” na perspectiva

multidisciplinar, que tem apontando os desafios da e para a prática da gestão pública, e

principalmente para a análise da intervenção estatal e do processo de gestão

participativa. O objetivo do livro, segundo o autor, é introduzir o assunto para alunos de

graduação e pós-graduação com pouco contato com o tema: “[...] do uso do enfoque

territorial nas políticas de desenvolvimento rural” (ORTEGA, 2008, p.13). Em linhas

gerais, para a presente pesquisa, o enfoque maior da leitura foram os capítulos 6, 7 e 8

desse livro por tratar de políticas públicas como o Programa Nacional de Fortalecimento

da Agricultura Familiar (PRONAF) e os desdobramentos dos Conselhos Municipais de

Desenvolvimento Rural Sustentáveis (CMDRS), uma estratégia municipal de

desenvolvimento rural, pensando os impactos desse programa para os pequenos

produtores e beneficiários da reforma agrária e os significados para a realidade local de

municípios de Minas Gerais e Goiás.

Pedro Ramos (2006), professor do Instituto de Economia da Unicamp, há

algumas décadas estuda a questão agrária no Brasil e, na referência em particular,

analisa a realidade vivida pelos assentados e a conveniência, ou não, do arrendamento

parcial de lotes de assentamentos frente ao que o autor define como insuficientes

políticas públicas de apoio aos Projetos de Assentamento. De acordo com Ramos, seu

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 22

objetivo é contribuir para o debate acerca da viabilidade e sustentabilidade da reforma

agrária. Suas ponderações provocaram a minha reflexão sobre o que é considerado legal

e o que pode ser instituído como legal pela vivência dos trabalhadores. Portanto,

fazendo-se e tornando-se legal pela ótica do trabalhador. Ou seja, perante o órgão do

Estado (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA), os assentados

podem estar agindo de forma ilícita ao vender a posse dos lotes de terras ou arrendá-los,

porém em muitas situações há a possibilidade de o órgão criar condições para que o

trabalhador aja dentro dos parâmetros considerados, por ele mesmo, ilegais quando, por

exemplo, oferece precária assistência técnica aos assentamentos, omite-se em relação à

dificuldade de acesso aos créditos rurais por parte do assentado.

Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante,21 em especial, no artigo Assentamentos

rurais no território da cana: controvérsias em cena, (FERRANTE, 2007) analisa a

presença da cana-de-açúcar em assentamentos e como isso interfere no modo de vida

dos assentados e na relação dos assentamentos com a dinâmica do desenvolvimento

regional, partindo do pressuposto de que a parceria com a agroindústria é atravessada

pela noção de trama de tensões forjadas no cotidiano e considerando as posições

contrárias e a favor de tal prática.

Diante desses debates, relevantes são as argumentações de Horácio Martins de

Carvalho, em especial seu artigo De produtor rural familiar a camponês. A catarse

necessária (CARVALHO, 2009)22, no qual analisa, sob a perspectiva do que chama de

resistência social na terra por parte dos camponeses ou produtores rurais familiares, o

que é necessário os trabalhadores almejarem, ou seja, o que ele denomina de utopia.

Chama a atenção para a importância de os trabalhadores rurais Sem Terra rejeitarem o

modelo de produção capitalista no campo do agronegócio e, assim fazendo, buscarem

modos alternativos de produção, saindo das armadilhas que o mercado e sua dinâmica

impõem a eles. Carvalho assim avalia a situação desses pequenos produtores:

Seja porque é constrangida, pela falta de conhecimento de alternativas, seja porque é pressionada ideologicamente a se relacionar econômica e financeiramente com os capitais, a maior parte dos produtores rurais familiares, nas suas mais distintas autodenominações, identidades sociais e diferentes formas de relações com a natureza, tende a se

21 Doutora em sociologia pela Universidade Estadual Julio de Mesquita Filho e uma das coordenadoras

do Núcleo de Pesquisa e Documentação Rural (Nupedor) da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquista Filho”- UNESP/Uniara.

22 Ver também obras: CARVALHO, 2005; ______., 2010.

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subordinar aos interesses do agronegócio. (CARVALHO, 2009, p. 05).

Em suas ponderações, o autor aborda a indiscutível luta no campo, que traduz o

desejo dos trabalhadores de permanecer no meio rural, produzir e viver na e pela terra.

Aponta que qualquer processo, seja econômico, seja político, que imponha a expulsão

dos trabalhadores produtores familiares da terra é um tipo de violência contra as

famílias e uma negação de novas e diferentes formas de se produzir no meio rural.

Formas essas que podem contrapor-se e mesmo materializar alternativas às formas

dominantes (CARVALHO, 2009).

Essas leituras possibilitaram refletir sobre o que os depoentes dizem em suas

narrativas, por exemplo, a afirmação de Francisco Jubiano Freitas, assentado no PA

Emiliano Zapata – MST, em 2011, sobre a necessidade de ainda prestar serviços para os

fazendeiros no entorno do assentamento para manutenção de sua vida e de sua família.

Nesse sentido, as análises caminharam para pensar as formas alternativas de trabalho e

também quando e como elas se realizam.

Mediada também pela leitura de Carvalho (2009), procurei os significados dos

modos de trabalhar na relação presente/passado e importante foi observar que, em suas

interpretações, o assentado Francisco J. de Freitas coloca os modos de trabalho de hoje

não como uma resignação ou subjugação ao capital financeiro, mas sim como uma

resistência. Portanto, esse significado atribuído por Francisco J. de Freitas é analisado e

entendido como convicção e persistência diante dos desafios postos na e pela luta. Ou

seja, na ótica de Francisco Jubiano de Freitas, a vida se faz melhor do que nos tempos

de outrora, quando ainda morava em Currais Novos (RN), uma ponderação que vai ao

encontro dos propósitos de investigação desta tese, pois desvenda as transformações do

processo vivido por esses trabalhadores, o que dá sustentação para continuarem lutando.

A narrativa de Francisco Jubiano de Freitas sinaliza valores que significam os

sentimentos de vitórias, de conquistas e de perseverança.

A leitura do artigo científico de Munir Jorge Fenício, A conflitualidade dos

paradigmas da questão agrária e do capitalismo agrário a partir dos conceitos de

agricultor familiar e de camponês (2006), chamou a atenção para os conceitos de

“camponês” e “agricultor familiar” e possibilitou mapear outras obras sobre essa

temática. Munir Jorge Fenício recupera as concepções dessas designações por dois

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 24

paradigmas: o primeiro, pelo capitalismo agrário e o outro, pela questão agrária, tendo

ambos significados distintos. Quando se refere ao capitalismo agrário, a diferença se

pauta em dois elementos, a saber: em um deles o camponês tenderia a desaparecer com

o avanço do capitalismo e se transformar em agricultor familiar, porque nessa

perspectiva camponês significaria herança do feudalismo, de uma suposta “barbárie”, de

atraso que precisa acabar. O outro elemento ressalta a importância e a necessidade do

agricultor familiar enquanto parte do sistema de produção capitalista.

No que se refere ao paradigma da questão agrária, Fenício observa que a luta

pela terra e pela reforma agrária é a forma privilegiada de criação e recriação do

campesinato, e recupera seus significados, isto é, não há diferença entre agricultor

familiar e camponês, pois ambos são determinados pelo trabalho da família, sendo o

trabalho e a família suas características primordiais. Nessa perspectiva, o autor provoca

ao discutir o diferencial colocado na superação do trabalho-familiar para forjar o

trabalho-cooperativo, direcionando o debate e as ações sobre essa temática para a

importância dos trabalhadores não execrarem o mercado, mas entenderem sua dinâmica

e reagirem de maneira alternativa. Sendo assim, procurei cotejar as provocações de

Fenício com as experiências dos trabalhadores escolhidos para investigação nesta

pesquisa. O debate proposto por esse autor instiga à investigação sobre a criação de

novas formas de produção no campo pelos próprios pequenos produtores rurais, assim

abordando a temática sob o ponto de vista daqueles que podem deter alguns poucos

meios de produção, mas ainda de forma precária ou insuficiente para obtenção de uma

renda que garanta a manutenção da vida familiar. Nesse sentido, procurei depreender

como os trabalhadores assentados podem enfrentar os limites do mercado, como se

inserem ou não na lógica do capital financeiro.

Interessada pelas questões levantadas por Fenício, analisei o capítulo

Conflitualidade e desenvolvimento territorial, do pesquisador Bernardo Mançano

Fernandes, publicado em 2008 no livro Luta pela Terra, Reforma Agrária e gestão de

conflitos no Brasil, coordenado por Antônio Márcio Buainain. Fernandes, nesse

capítulo, trata a questão agrária a partir de dois processos que, segundo ele, são tratados

em separado: o conflito por terra e o desenvolvimento rural. Essa separação, para o

autor, é um equivoco, já que o desenvolvimento e o conflito agrário são processos

inerentes ao capitalismo e à contradição que o constitui. Na articulação de suas

concepções, analisa o paradigma do capitalismo agrário a partir de Ricardo Abramovay

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 25

e sua obra Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão (1992), o qual, tendo como

referência países ricos, faz a projeção para o desenvolvimento do capitalismo,

afirmando que, com a consolidação dos mercados nacionais, há um impedimento para o

campesinato sobreviver, a sua incompatibilidade com os ambientes econômicos e

relações mercantis do pleno desenvolvimento do capitalismo, já que, a partir desse

desenvolvimento, seu modo de vida é aniquilado. No paradigma da Questão Agrária,

Fernandes parte da obra Questão Agrária de Kautsky ([1899] 1986), que, segundo o

autor, vislumbra a transformação da sociedade capitalista para a socialista e nesse

processo, a tendência é de sujeição do campesinato à proletarização no capitalismo e ao

Estado no socialismo (FERNANDES, 2008, p. 185). Fernandes, analisando esses

paradigmas, observa:

[...] entende-se que o camponês, por não ser um agricultor profissional, é asfixiado pelo desenvolvimento do capitalismo e, para sobreviver, precisa converter-se em agricultor familiar. A integração plena a um mercado completo que possui fisionomia impessoal define o processo em que o camponês adentra o mundo moderno do capital. Diferentemente do paradigma da Questão Agrária, em que o camponês é um sujeito subalterno que resiste ao capital, no paradigma do Capitalismo Agrário, o camponês é um objeto em sua plenitude, a ponto de sofrer uma metamorfose para se adequar à nova realidade em formação. (FERNANDES, 2008, p. 187, grifo do autor).

Outro aspecto importante dessa leitura para esta pesquisa é o destaque que

Fernandes dá à forma como esses paradigmas influenciaram as políticas públicas e as

organizações sociais dos trabalhadores. Por exemplo, influenciado pelo paradigma do

Capitalismo Agrário, o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) implementou o

PRONAF e o Programa Novo Mundo Rural, estabelecendo a lógica da compra e venda

da terra no intuito de aniquilar as ocupações de terras e reivindicações dos movimentos

sociais, integrando os “sem-terra ao mercado”. Fernandes afirma que os programas

como PROCERA, Projeto Lumiar de Assistência Técnica, Programa Nacional de

Educação na Reforma Agrária (Pronera) – criado a partir das lutas e do Encontro

Nacional dos Educadores organizado pelo MST e Conferência Nacional dos Bispos do

Brasil (CNBB) – ou foram extintos, como o PROCERA, ou ficaram congelados por não

terem criado a possibilidade de sua integração ao paradigma do Capitalismo Agrário, no

qual a agricultura familiar é vista como mais uma unidade do sistema capitalista.

Fernandes identifica as organizações sociais que, a seu ver, foram influenciadas pelo

paradigma do capitalismo agrário: Confederação Nacional dos Trabalhadores na

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 26

Agricultura (Contag) e Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar na região

Sul (FETRAF-Sul). O autor ressalta a facilidade ou não de um tipo ou outro de

organização integrar-se ao mercado e à lógica do capital ou de fazer o enfrentamento ao

capital. Ainda observa que, em eventos conjuntos entre esses Movimentos e aqueles em

que o paradigma do capitalismo agrário não teve tanta repercussão, como os da Via

Campesina Brasil,23 criou-se uma disputa pelas denominações de agricultura familiar e

camponesa, o que se resolveu no uso dos termos agricultura familiar/camponesa ou

agricultura camponesa/familiar, dependendo de quem está à frente da organização do

evento.

As reflexões sobre essas questões tornaram-se pertinentes ao cotejar as

narrativas dos entrevistados desta tese, principalmente a da Maria Eleusa Mota,

assentada no PA Emiliano Zapata – MST, que sempre se autodeclarou camponesa,

procurando definir sua posição, seu território social, político e cultural. Para essa

trabalhadora, ser camponesa é um modo de rememorar e enunciar sua origem e vivência

no campo junto a sua família, e ainda, no seu modo de pensar, uma maneira de se

diferenciar do sujeito da cidade. Analisei os significados das palavras de Maria Eleusa e

os sentimentos que a movem no trecho da transcrição de sua entrevista a seguir:

[...] eu tenho orgulho de dizer que sou camponesa, eu sou camponesa, sou filha, neta, bisneta e de certo tataraneta de camponeses, né, de pessoas que nem vieram à cidade nem pra ir visitar médico, meus antepassados. Então, eu sou camponesa, de alma e de sangue [...] pra mim, não tem nada melhor do que ficar aqui, ver meus animais domésticos, ver minhas plantas, minhas frutas, respirar esse ar, ouvir meus passarinhos aqui cantando de manhã, dormir no silêncio, porque quando eu fico aqui, 30 dias aqui na roça, sem dormir na cidade, quando eu vou pra cidade eu não consigo dormir, porque o barulho lá me incomoda. Então, de vez em quando eu vou dormir na cidade pra mim não ficar muito bicho do mato, né [risos]. Porque se não, na hora que precisar é muito difícil, né? De tomar essa água pura, sem cloro, sem cal, isso pra mim é muito importante, ver minhas frutas panhadas lá no pé, direto, e eu sou apaixonada com fruta, então pra mim é esse prazer de ter contato aqui com a terra, desse ar. Então [...] não há dinheiro que pague isso aqui, de estar aqui. agora. Assim, quando você fala nessa perspectiva de avanço da cana, isso dá uma certa tristeza, né, porque, se isso chegar até aqui, vai destruir essa natureza que você está vendo aqui.24

23 Constituída pelo MST, Movimento dos Pequenos Agricultores (MAP), Movimento dos Atingidos por

Barragens (MAB), Movimento das Mulheres Camponesas (MMC) e CPT. 24 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011 no assentamento onde reside.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 27

É possível entender que a necessidade de ser reconhecida como camponesa

está referenciada nos valores de seus antepassados, nos valores e costumes

compartilhados na infância e na fase adulta. Porém, é possível observar, a partir da

minha experiência e de pesquisas sobre o MST, lendo os materiais produzidos por ele,

bem como participando de congressos, cursos, reuniões, festas, ocupações de terras, ou

seja, do cotidiano dos trabalhadores do MST, que a narrativa de Maria Eleusa também

está impregnada de ideais, de práticas forjadas por esse movimento social. Ela deixa

evidentes sua crença nos princípios do MST, do qual faz parte, e seu compromisso com

eles. Esse Movimento, em seu conjunto de ideais, exercita, entre outros, o uso de termos

e conceitos tendo como referência as histórias e memórias dos trabalhadores da luta pela

reforma agrária, organizados, por exemplo, nas Ligas Camponesas25 em meados dos

anos de 1950. É importante observar como a palavra dentro de uma língua significa a

historicidade de homens e mulheres em sociedade, a língua retrata a cultura de uma

sociedade, sendo dinâmica, assim como os conceitos (Cf. WILLIAMS, 1979). Portanto,

para alguns(mas) trabalhadores(as) organizados(as) no MST, utilizar-se do termo

camponês aponta para uma importância fundamental que os liga à história e às

experiências de luta pela reforma agrária e por justiça social historicamente construídas

no Brasil na relação presente/passado.

Antonio Augusto Arantes (2000) vem ao encontro dessas questões e foi leitura

imprescindível para a pesquisa quando analisa o sentimento de pertencimento a uma

classe, grupo, categoria ou nação almejados pelos sujeitos com a intenção de serem

legitimados, de se situarem e terem uma localização no mapa social e não serem

reconhecidos como os de fora da comunidade, portanto fora de lugar. Segundo Arantes,

[...] sem domicílio ou referências pessoais não se é reconhecido como membro pleno da coletividade; de certo modo se é classificado como algo fora de lugar, portanto como ser de natureza ambígua e duvidosa. [...]. Um grande número de esferas da vida social estrutura-se a partir de princípios de inclusão-exclusão no universo de direitos e na definição de responsabilidades sociais. Pelos usos e costumes, reconhecem-se e validam-se fronteiras simbólicas e políticas no interior da nação, configurando os espaços sociais que lhes correspondem, e regula-se o acesso a recursos os mais variados. (ARANTES, 2000, p. 133).

25 O MST, para produzir seus materiais de estudo, usa, entre outros, como referência bibliográfica

teórica, e em certa medida reproduz, as ideias do programa político construído pelos dirigentes das Ligas Camponesas.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 28

No tocante à análise sobre a relação de mercado de terras e o INCRA,

apontado, por exemplo, pela assentada Eufrásia Maria dos Santos do PA 21 de Abril –

MLST, destaca-se a leitura da obra O Banco Mundial e a Terra: ofensiva e resistência

na América Latina, África e Ásia, organizada por Mônica Dias Martins (2004). Esse

livro revela significativas pesquisas, estudos e análises de renomados especialistas no

tema que abordam as diretrizes políticas do Banco Mundial para países com extrema

pobreza e alto grau de concentração fundiária, como o Brasil, e como foi e tem sido o

impacto dessas ações na condição de vida da população rural pobre alvo de programas

fundiários como o Banco de Terra, Cédula da Terra e Crédito Fundiário. Analisando

esse processo no Brasil, nessa obra escrevem os autores: Manuel Domingos Neto,

Sérgio Sauer, Monica Dias Martins, Marcelo Resende e Maria Luisa Mendonça, Plínio

de Arruda Sampaio e Peter Rosset.

Os estudos e pesquisas26 sobre a formação do MST no Brasil realizados pelo

autor já mencionado neste trabalho, Bernardo Mançano Fernandes, são, sem dúvida,

bastante relevantes, uma vez que possibilitam a compreensão de regiões, territórios,

espaços, correlações de forças e lutas dos trabalhadores emergidas no sul do país, as

quais se expandiram por quase todo o Brasil no enfrentamento ao projeto modernizador

da agricultura dos tempos da ditadura militar. Sobretudo, as análises de Fernandes são

importantes por considerar os trabalhadores rurais como sujeitos políticos que, em sua

luta, vão descortinando e demarcando territórios sociais, espacializando as conquistas de

assentamentos sob domínio dos trabalhadores.

Sobre a história dos movimentos sociais no campo brasileiro, sobre as lutas que

aí se dão, analisando a realidade histórica política do campo e a organização do

campesinato, do movimento social na reivindicação que vai além da redistribuição da

terra, mas também de implementação de direitos trabalhistas e do direito de se fixarem

no campo versam trabalhos, entre outros, de Leonilde Sérvolo de Medeiros (1989),

Elide Rugai Bastos (1984), Maria Aparecida Silva (2004), José Souza Martins (1983),

Tavares dos Santos (1994).

26 Entre as produções importantes: dissertação de 1994, intitulada Espacialização e territorialização da

luta pela terra: a formação do MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Estado de São Paulo. Mestrado em Geografia pela USP. E a tese de 1998, intitulada: Contribuição ao estudo do campesinato brasileiro: formação e territorialização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST 1979-1999. Doutorado em Geografia pela USP. Outras publicações do autor: Gênese e desenvolvimento do MST, 1998b e MST: formação e territorialização, 1996.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 29

Sobre metodologia e uso de fontes orais tenho procurado dialogar

principalmente com o literato Alessandro Portelli,27 atenta a sua perspectiva de que,

com os resultados de nossas pesquisas, produzimos textos sob coautoria. Assim é

possível ampliar o entendimento da relação que estabelecemos com os entrevistados,

pois, dessa maneira, eles adquirem importância como sujeitos detentores de saberes, dos

quais procuramos nos aproximar para conhecê-los e conhecer suas histórias.

O respeito pelo valor e pela importância de cada indivíduo é, portanto, uma das primeiras lições de ética sobre a experiência com o trabalho de campo na História Oral. Não são exclusivamente os santos, os heróis, os tiranos – ou as vítimas, os transgressores, os artistas – que produzem impacto. Cada pessoa é um amálgama de grande número de histórias em potencial, de possibilidades imaginadas e não escolhidas, de perigos iminentes, contornados e por pouco evitados. Como historiadores orais, nossa arte de ouvir baseia-se na consciência de que praticamente todas as pessoas com quem conversamos enriquecem nossa experiência. Cada um de meus entrevistados – talvez quinhentos –, e na afirmação que se segue não há nenhum clichê, representou uma surpresa e uma experiência de aprendizado. Cada entrevista é importante, por ser diferente de todas as outras. [...] Por conseguinte, o que o trabalho nos ensina não é a importância abstrata do indivíduo, alardeada pelo capitalismo competitivo e liberal, mas a importância idêntica de todos os indivíduos. [...] A História Oral como uma arte do indivíduo, portanto, leva ao reconhecimento não só da diferença, como também da igualdade. (PORTELLI, 1997c, p. 17-18, grifo do autor).

Portanto, é possível ampliar nosso posicionamento frente à escrita da história

de forma a considerar o ponto de vista do outro, construindo uma relação em que se

estabeleça a troca de pontos de vista entre o entrevistado e o entrevistador.

Também muito ricas são as produções de Paul Thompson, cuja obra mais

impactante para quem se envereda na valorização e produção das fontes orais, A voz do

Passado: História Oral, chama a atenção tanto para as questões teóricas quanto

metodológicas no uso da fonte oral, tratando de noções como evidências, memórias e

interpretação. Segundo Thompson,

A história oral não é necessariamente um instrumento de mudança; isso depende do espírito com que seja utilizada. Não obstante, a

27 Estudo de diversas obras de Alessandro Portelli professor de Literatura Americana da Universidade de

Sapienza (Roma), em especial: A filosofia e os fatos: -arração, interpretação e significado nas memórias e nas fontes orais, 1996; Forma e significado na História Oral. A pesquisa como um experimento em igualdade, 1997a; O que faz a História oral diferente, 1997b; Tentando Aprender Um Pouquinho. Algumas reflexões sobre a ética na História Oral, 1997c; História Oral como gênero; 2001; O Massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944): mito e política, luto e senso comum, 1996; O Momento da Minha Vida. Funções do Tempo na História Oral; 2004.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 30

história oral pode certamente ser um meio de transformar tanto o conteúdo quanto a finalidade da história. Pode ser utilizada para alterar o enfoque da própria história e revelar novos campos da investigação; pode derrubar barreiras que existam entre professores e alunos, entre gerações, entre instituições educacionais e mundo exterior; e na produção da história – seja livros, museus, rádio ou cinema – pode devolver às pessoas que fizeram e vivenciaram a história um lugar fundamental, mediante suas próprias palavras. (THOMPSON, 1992, p. 22).

Dessa maneira, a leitura e análise das fontes orais e impressas e o estudo

bibliográfico sugerido, principalmente, nas disciplinas cursadas no doutorado,

contribuíram na reflexão sobre os pressupostos metodológicos e teóricos desta tese. Nas

diversas disciplinas do Programa de Estudos Pós-Graduados em História foi possível

problematizar e aprofundar noções, conceitos e categorias de análise como cultura,

experiência social, hegemonia, as relações entre campo e cidade, linguagem, memória,

entre outros. Ao situar a discussão na perspectiva da história social, a articulação do

tema e da problemática desta tese teve como referências principais autores articulados

aos Estudos Culturais ingleses, como Richard Hoggart (1973), Raymond Williams

(1979, 2011), E. P. Thompson (2008, 1987a, 1987b, 1987c, 1981), Terry Eagleton

(2005a, 2005b), Stuart Hall (2003, 1997), Beatriz Sarlo (2000, 2005, 2007), Déa R.

Fenelon (1993, 2009), Antônio Augusto Arantes (2000) e Jesús Martin-Barbero (2008).

Fundamentada pelas concepções desses autores, esta tese se propõe, portanto, a

investigar e analisar o processo histórico vivido pelos(as) trabalhadores(as), que

evidencia as transformações na relação de trabalho no campo brasileiro, as quais se

relacionam também com a(s) cidade(s) por meio de diferentes práticas culturais de viver

e de trabalhar dos sujeitos escolhidos em suas muitas articulações com o social. Propõe-

se também a compreender e discutir a prática social como tendo significados e sentidos

construídos por outros a respeito desses sujeitos e sentidos e significados construídos

por eles próprios na correlação de forças históricas.

Ao explorar o tema da pesquisa no campo da história social, busco desvendar

as interpretações e as versões construídas sobre a realidade vivida, seja no campo ou na

cidade, na disputa por hegemonia e em reação a ela.28 Para isso, parto da perspectiva da

28 Essas questões e perspectivas teóricas e metodológicas são tratadas nas obras: MACIEL, 2006;

FENELON, 2004. Imprescindíveis para esses debates e compreensões teóricas e metodológicas da história social que têm a cultura como campo privilegiado de reflexão foram as aulas de Seminário

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 31

história que procura compreender a experiência social vivida por esses sujeitos como

experiência de luta que expressa sentimentos, necessidades, expectativas e perspectivas

de presente e futuro, atentando-se para as práticas e pensamentos políticos; entendendo

que os entrevistados constroem as narrativas e que essas são práticas sociais que se

forjam na experiência vivida impregnada de conflitos, resistências e contradições e

interpretando como as pessoas veem o mundo em que vivem, as problemáticas que

enfrentam e a consciência que possuem de si mesmas, adquirida na própria

experiência.29

A atenção desta tese está em reflexões que problematizam nossas noções de

lutas de classes e, ao tratar delas, considera a cultura como aquilo que evidencia os

“modos de vida global” (Cf. HOGGART, 1979) da classe trabalhadora e da classe

dominante, e que na cultura se define o campo de forças, sendo fundamentalmente o

espaço privilegiado para depreender as resistências. Como bem esclarece Williams

(1979),

Quando percebemos de súbito que os conceitos mais básicos – os conceitos, como se diz, dos quais partimos – não são conceitos, mas problemas, e não problemas analíticos, mas movimentos históricos ainda não definidos, não há sentido em se dar ouvidos aos seus apelos ou seus entrechoques ressonantes. Resta-nos apenas, se o pudermos, recuperar a substância de que suas formas foram separadas. (WILLIAMS, 1979, p. 17).

Portanto, no sentido de depreender as resistências, como mencionado

anteriormente, nas experiências sociais narradas por assentados como Francisco Jubiano

de Freitas ao falar sobre a sua busca constante de não ser mais um prestador de serviço

no campo e ter o próprio negócio de forma autônoma – “[...] a diferença de lá [cidade

natal de Currais Novos/RN] me identifiquei que eu vim pra roça [acampamento de Sem

Terra – Uberlândia], mas justamente na esperança de não ter mais patrão e trabalhar pra

mim [...]”30 – é importante compreender como e por qual projeto Francisco permaneceu

anos no acampamento e agora permanece no seu lote, e quais seriam outros caminhos.

Por que ele e outros não partiram/partem para outras lutas ou outros modos de vida?

Quais são as expectativas que os levam a continuar onde estão?

Avançado II ministradas pela professora Drª Heloísa de Faria Cruz no Programa de Estudos Pós-Graduados em História pela PUC/SP, no primeiro semestre de 2008.

29 Essas concepções estão em: KHOURY, 2001. 30 Francisco Jubiano de Freitas, entrevista concedida à autora em junho de 2003.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 32

Na investigação dessas e outras questões, tomo a noção de experiência social

como um conceito articulador e que não separa a vida material da cultura e da

consciência. Portanto, imbuída das concepções de Edward P. Thompson (1981) quando,

na crítica que faz à noção de totalidade dividida em estrutura e superestrutura, questiona

a noção de estrutura, concebendo-a e transformando-a em processo, reintroduzindo

assim os sujeitos na história como pessoas que experimentam suas situações e relações

produtivas determinadas como necessidades e interesses e como antagonismos. De

acordo com Thompson,

[...] as pessoas não experimentam sua própria experiência apenas como ideias, no âmbito do pensamento e de seus procedimentos, ou (como supõem alguns praticantes teóricos) como instinto proletário etc. Elas também experimentam sua experiência com sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidades, como valores ou (através de formas mais elaboradas) na arte ou nas convicções religiosas. (THOMPSON, 1981, p. 189).

A reflexão sobre os resultados desta pesquisa foi organizada em quatro

capítulos. O primeiro capítulo, intitulado A constituição dos Sem Terra no Triângulo

Mineiro, trata de quando e como se formaram os dois grupos em estudo, como eles se

assemelham e qual a constituição política, social e econômica dos assentamentos rurais

Emiliano Zapata e 21 de Abril. Os PAs e assentados são parte da realidade brasileira

atual: a da luta, por parte dos trabalhadores, pela reforma agrária em contraposição ao

avanço do agronegócio e à articulação das forças reacionárias que o constituem.

Portanto, o intuito é compreender esse processo impregnado de transformações pela

ótica da constituição de trabalhadores(as) assentados(as) Sem Terra, especialmente nos

referidos assentamentos. Isto é, compreender esses homens e mulheres como sujeitos

sociais que vivem sob pressões para se manter na terra conquistada. Nesse capítulo, a

atenção está nas possibilidades de análise sobre as memórias das lutas dos trabalhadores

rurais e dos movimentos sociais no Triângulo Mineiro, lutas que, pela conjuntura

política e econômica, foram retomadas a partir dos anos 1980.

No capítulo 2, intitulado O assentamento de reforma agrária, procurei analisar

como os modos e os valores adquiridos nas experiências de lutas dos trabalhadores

engajados nos movimentos sociais estão presentes no cotidiano do assentamento; como

eles se organizaram na terra conquistada e como enfrentam os novos desafios do agora,

com o objetivo de desvendar de que modo a luta continua após a conquista do

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS 33

assentamento e como os entrevistados significam essa luta, revelando perspectivas do

presente e projeção de futuro como assentados.

No capítulo 3, intitulado Expectativas dos assentados dos PAs Emiliano

Zapata e 21 de Abril, a abordagem enfatiza as expectativas dos trabalhadores no que se

refere aos projetos ligados à vida rural, isto é, como produtores que buscam autonomia e

liberdade. Destacam-se aí suas articulações políticas e suas críticas aos setores do poder

público na implementação do projeto de produção econômica nos lotes conhecido como

sistema de plantio Mandalla. Esse é um projeto emergente de Organização da Sociedade

Civil de Interesse Público (OSCIP) e de propostas governamentais para a agricultura

familiar. Assim, analiso como os assentados empregam seus modos de viver e trabalhar

e seus costumes no cotidiano, aderindo ou não a esse projeto, ou mesmo como

reconfiguram esse e outros projetos e propostas de governos a partir de suas concepções

e costumes em comum, dando respostas aos desafios da vida como assentados.

O quarto capítulo, Os assentados e a agricultura nos planos de governo,

analisa as ações e lutas dos trabalhadores assentados para manterem o direito de viver

no/do campo, viabilizado pelo acesso às políticas públicas de financiamento e

investimento na reforma agrária; e como eles, por meio das memórias, atribuem

significados a suas experiências relacionadas ao acesso aos benefícios das políticas

públicas no momento em que foram enquadrados nas inúmeras classificações de

agricultor que utiliza em sua unidade de produção o trabalho de sua família, isto é, no

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Desse modo

o capítulo recupera como foi possível a inclusão do assentado da reforma agrária nesse

programa governamental a partir da concepção de agricultor familiar e também a

importância da agricultura familiar para a economia do país, discutindo qual o valor da

reforma agrária para diferentes governos: federal, estadual e municipal. Assim, analisa

quando e como se articulam políticas de governo voltadas para o agricultor familiar e

como os assentados são inseridos ou não nessas políticas, sobretudo como se veem,

produzem e se inserem no mercado e como criticam as políticas públicas destinadas a

eles. Nesse capítulo analiso o ponto de vista do assentado, aquele que vive e sente no

cotidiano o que é o PRONAF e outros programas de governo e também discuto as

definições e o significado desses programas para o governo, espaço onde se estabelece a

disputa entre diferentes governos e os assentados da reforma agrária.

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Nós temos que inventar um jeito de

sobreviver aqui na terra [...].

(Maria Eleusa Mota, 2011)

Capítulo I: A constituição dos Sem Terra no Triângulo

Mineiro

C A P Í T U L O I

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 1111: A CONSTITUIÇÃO DOS SEM TERRA NO TRIÂNGULO MINEIRO 35

ESTE CAPÍTULO ABORDA as condições históricas de constituição do sujeito

trabalhador rural em Sem Terra, por meio de suas experiências sociais na luta pela

reforma agrária na região do Triângulo Mineiro, em uma correlação de forças de

enfrentamento ao segmento do agronegócio. Analisa o processo de engajamento no

movimento social e investiga a composição de amplo grupo de homens e mulheres com

o mesmo objetivo, isto é, ser assentados e viver no/do campo. São trabalhadores(as)

que, para conquistar esse propósito, enfrentam desafios, como o de começar uma nova

maneira de organizar a vida e o cotidiano pautados no princípio da comunidade, da

coletividade. Princípio esse que orienta e faz possível a ocupação de uma fazenda

almejada para fins de desapropriação e, desse fato, a formação de um acampamento de

Sem Terra.

O capítulo analisa principalmente a formação de dois espaços socioterritoriais

da reforma agrária, ambos no Triângulo Mineiro, o Projeto de Assentamento (PA)

Emiliano Zapata do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST e o PA 21

de Abril, originário da organização do Movimento de Libertação dos Sem Terra –

MLST, investigando o momento histórico e político em que os dois se formaram, o que

são e o que significam.

As formas de luta dos trabalhadores rurais pela direito de acesso à terra e ao

trabalho inserem-se no processo complexo que move a região: de integração à regra de

expansão do capital financeiro, seja ela na cidade ou no campo, sem alteração da

estrutura fundiária concentradora de terras. Fundamentalmente, uma expansão

promovida e dirigida pelos governos dos militares nas décadas de 1960 e 1970,

analisada como projeto de modernização conservadora do campo, a modernização

dolorosa (SILVA, 1982), assim como o foi o projeto de desenvolvimento das cidades

como polo industrial, projetos que, com suas peculiaridades, foram encampados por

representantes da classe ruralista,31 por exemplo, no município de Uberlândia.

31 Compreende-se por ruralistas os proprietários (indivíduos ou corporações) de terras e donos de

negócios ligados ao campo e/ou aqueles que incentivam e mantêm a estrutura fundiária baseada na concentração de terras nas mãos de poucos. Representam, institucionalmente ou não, as forças política e econômica que expandem o capital financeiro no campo, obtendo lucros exorbitantes. Podem usar da força e da violência para manter o domínio sobre as terras e o mercado e contra as reivindicações dos trabalhadores rurais Sem Terra. Portanto, a bancada ruralista no Congresso Nacional representa os interesses do setor rural dominante.

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 1111: A CONSTITUIÇÃO DOS SEM TERRA NO TRIÂNGULO MINEIRO 36

1.1 O TRIÂ�GULO MI�EIRO �A ROTA DA EXPA�SÃO DO CAPITAL �O CAMPO E �A

CIDADE

Tratar da luta pela reforma agrária é necessariamente refletir sobre a questão

histórica da ocupação do território e configuração da distribuição de terra não só nessa

região, como em todo o Brasil.32 Contudo, para o tema da tese tratar-se-á do Triângulo

Mineiro, região possuidora de um alto índice de concentração de terras e, portanto, de

desigualdade gerada por ela, em especial dos municípios onde se localizam os dois

assentamentos em estudo.

Essa realidade exige dos trabalhadores rurais, como aponta a assentada Maria

Eleusa Mota33 na epígrafe deste capítulo, a reinvenção de formas de luta, já que as

forças do capital historicamente avançam e reinventam-se no intuito de desarticular e

deslegitimar os trabalhadores engajados em movimentos sociais na defesa da reforma

agrária.

No que se refere à concentração de terras no Triângulo Mineiro, o município de

Uberlândia, que é o mais importante centro urbano da região, ocupa lugar de destaque.

Com base nas análises de Cardoso (2009) sobre a estrutura fundiária do município de

Uberlândia nos anos de 1992, 1998 e 2003, observa-se que, em 1992, as propriedades na

classe de área acima de 1000ha somavam 37 e ocupavam uma área de 69.841ha; em

1998, passaram para 51 em uma área de 88.495ha; em 2003 registraram-se 44 imóveis

em uma área de 86.539ha. Na classe de área menor que 10ha, em 1992 havia 125

imóveis em uma área de 893ha; em 1998 eram 158 imóveis em 882ha; em 2003, o

número de imóveis subiu para 377 em uma área de 1.794ha. As propriedades na classe

de área de 10 a 25ha no ano de 1992 somavam 173 em uma área de 3.057,70ha; em

1998 eram 276 imóveis em uma área de 4.877ha e, em 2003, eram 430 em uma área de

7.470ha.

32 É preciso mencionar que a questão agrária remete-se ao projeto e ao tipo de distribuição e exploração

das terras do território que veio a ser o Brasil desde a época da colônia, fundamentalmente pela criação das Capitanias Hereditárias e do sistema de Sesmarias. O desdobramento do processo histórico no absurdo decreto da Lei de Terras de 1850 institucionalizou a desigualdade de acesso à terra, a qual se faz presente até os dias atuais. Não é objetivo deste estudo deter-se sobre esses períodos da história do Brasil.

33 Maria Eleusa Mota, 38 anos de idade na época da entrevista (2011), separada, natural de Lagoa Formosa (Alto Paranaíba), uma filha. Deslocou-se para Uberlândia com os pais e irmãos em 1991. Engajou-se no MST em 1999 e é assentada no PA Emiliano Zapata. Entrevistas concedidas à autora em 2001 em sua residência em Uberlândia (Maria era acampada, mas ficava na cidade, porque era secretária do MST/Regional do Triângulo, com sede em Uberlândia) e em 2011, no assentamento Emiliano Zapata.

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Cardoso (2009) avalia a influência da criação de assentamentos rurais nos

números de classes de áreas menores que 10ha e entre 10 a 25ha, ponderando que isso

não levou à alteração na estrutura fundiária do município. O coeficiente de Gini da terra

no município de Uberlândia revela bem as desigualdades, já que, em 1992, o índice de

Gini era 0,654, em 1998, de 0,673, e, no ano 2003, de 0,687. Nesse índice, quanto mais

próximo de 1 (um) for o coeficiente, maior é a desigualdade. Portanto, observa-se que,

no decorrer das décadas de 1990 e 2000, as desigualdades aumentaram.

Isso facilita compreender os conflitos por reforma agrária, acirrados no final

dos anos 1990, em específico no município de Uberlândia. Entre as décadas de 1980 a

1990 muitos(as) assentados(as) entrevistados(as) para este trabalho deslocaram-se para

essa cidade em busca de emprego e maior renda monetária e posteriormente, por não

conseguirem melhorar as condições de vida, escolheram a luta pela terra, integrando-se

aos movimentos sociais ligados ao campo.

Contudo, em meados da década de 1980 as reivindicações de trabalhadores

rurais pela posse de terras começaram a ser reorganizadas em diferentes localidades do

Triângulo Mineiro. Dentre elas talvez a mais emblemática seja a reivindicação de

desapropriação da fazenda de nome Barreiro no município de Iturama a partir de 1983,

(Cf. COUTO, 1999) somando-se a ela a luta pela fazenda de nome Bartira no mesmo

município (RAMOS, 1993 apud COUTO, 1999). Vale ressaltar que nessa década a luta

sindical dos trabalhadores rurais expressava as campanhas salariais e por melhores

condições de trabalho e se reorganizava em diferentes regiões de Minas Gerais, sendo

os movimentos sociais de luta pela terra emergidos nesse estado assistidos pelos

sindicatos.

A expansão da capitalização do campo no estado de Minas Gerais,

principalmente no Triângulo Mineiro, remete fundamentalmente às políticas

econômicas voltadas para o campo inseridas no projeto de modernização conservadora

instituído no país, principalmente pelos governos dos militares. Por esse projeto, a partir

da década de 1970 os Cerrados brasileiros sofreram grandes modificações quando se

tornaram a meta de vários programas do governo federal: o Programa de Crédito

Integrado do Cerrado (PCI) em 1972, o Programa de Assentamento Dirigido do Alto

Paranaíba (PADAP) em 1973, o Programa para o Desenvolvimento dos Cerrados

(POLOCENTRO) de 1975, além do Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o

Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER) de 1974 (COUTO, 1999).

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O PRODECER, pode ser considerado uma continuidade dos programas

anteriormente citados e com o claro propósito de incorporar os Cerrados34 ao cultivo de

grãos por meio da implantação de grandes negócios no campo, o “agrobusiness”.

Constitui um sistema organizacional agrícola baseado na perspectiva industrial e

empresarial, utilizando para isso toda a tecnologia disponível, pautando-se no uso de

insumos modernos, no máximo aproveitamento da pesquisa agrícola com vistas a um

exorbitante aumento da produção para exportação (PÉRET, 1997 apud COUTO, 1999,

p. 98).

Portanto, nas áreas de Cerrado encontram-se várias cidades cuja urbanização é

devida à modernização conservadora do campo, à expansão do agronegócio, que tem o

poder de reordenar as cidades em beneficio de suas necessidades (Cf. MATOS, 2011),

como é o caso de Uberlândia.

Entre as teses acadêmicas desenvolvidas sobre o estado de Minas Gerais e suas

mesorregiões, no que se refere à ocupação e à exploração capitalista do campo frente à

organização de trabalhadores rurais na luta pela posse da terra e sobre a produção

familiar e estratégias de reprodução social em assentamentos rurais, está o estudo de

Andréia Terzariol Couto (1999). Em sua tese, entre muitas questões relevantes, a autora

elenca três fatores para a transformação da paisagem agrícola do Triângulo Mineiro a

partir dos programas governamentais citados para o Cerrado. Um deles é a

transformação gradual dos produtos cultivados. O segundo é o uso de insumos agrícolas

considerados modernos, dentro de um modelo de tecnificação e quimificação da

produção no campo brasileiro, o que gera sérios problemas ambientais, como o

desmatamento, a erosão do solo e o assoreamento dos rios. O terceiro, o acirramento

lutas pela terra por meio da organização de movimentos sociais e a crescente criação

dos assentamentos rurais.

34 É importante ressaltar que essas transformações nos Cerrados de forma mais ampla estão articuladas e

são desdobramentos da difusão do que se convencionou a chamar de Revolução Verde “[...] A partir da implementação de grandes projetos governamentais desde meados da década de 70, buscou-se praticar uma agricultura mais ‘racional’ [...] uma das questões mais enaltecidas pelo governo militar é que esta região, ‘que ainda estava por ser ocupada’, seria transformada no ‘grande ‘silo’ de alimentos do mundo’, [...]. O modelo agrícola adotado no cerrado brasileiro, portanto, foi o mesmo, salvo as adaptações necessárias, do que foi difundido através da internacionalização da Revolução Verde, estabelecendo um novo padrão tecnológico hegemônico na região. Não foram poucas as críticas dirigidas ao modelo adotado, a primeira delas à própria compreensão do termo ‘racional’, que deve ser compreendido neste caso como sendo uma ocupação capitalista, privilegiando os indivíduos com ‘espírito empresarial’, como definiam os projetos governamentais para a região.” (ORTEGA, 2000, p. 235).

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No tocante aos conflitos agrários no Triângulo Mineiro, Uberlândia, entre os

anos de 1990 a 2008, classificou-se em primeiro lugar entre os municípios com maior

número de ocupações de terras pelos movimentos sociais, totalizando 45 ocupações por

7.490 famílias. E, no estado de Minas Gerais, a mesorregião com maior número de

ocupações entre 1990 a 2008 é o Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, assumindo a

liderança com 207 ocupações por 20.668 famílias (LAGEA-IG/UFU; CLEPS JR

(Coord.), 2010b).

Em termos gerais, de acordo com os estudos e pesquisas de João Cleps

Júnior,35 nas últimas décadas as principais áreas de conflitos por ocupações em Minas

Gerais são o Noroeste (Unaí e Paracatu), o Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba

(Uberlândia, Ituiutaba, Araxá, Frutal, Patrocínio e Uberaba) e o Norte do estado

(Montes Claros, Januária, Pirapora e Janaúba).

Os embates e confrontos agrários estão indiscutivelmente vinculados à disputa

de projetos políticos e econômicos opostos e em expansão no campo brasileiro. De um

lado, os mecanismos do que se convencionou denominar de agronegócio e, de outro, os

dos trabalhadores Sem Terra.

Para a compreensão desses mecanismos é importante situar e conhecer os

municípios da região do Triângulo Mineiro onde se localizam os assentamentos da

reforma agrária em foco nesta tese. O PA Emiliano Zapata do MST localiza-se no

interior do estado de Minas Gerais, no município de Uberlândia. Cidade a oeste da

capital Belo Horizonte, na mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba e na

microrregião de mesmo nome, é a quarta maior cidade do interior do Brasil. Segundo

estimativas do IBGE em julho de 2011, o município de Uberlândia possuía 611.903

habitantes.36 No Censo de 2010 a população urbana de Uberlândia era 587.266 e a rural,

16.747, num total de 604.013;37 com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em

35 Informações pesquisadas e extraídas do artigo: CLEPS JR., João. Banco de dados da luta pela terra em

Minas Gerais. DATALUTA: importância na pesquisa sobre os movimentos sociais, Suas análises nesse artigo são baseadas no Banco de Dados do DATALUTA pela Terra, 2006. Disponível em: <http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal11/Geografiasocioeconomica/Geografiaagraria/09.pdf>. Acesso em: 3 Jul. 2011.

36 BRASIL. Estimativas da população residente nos municípios brasileiros com data referência em 1º de julho de 2011 (PDF). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 30 Ago. 2011. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2011/ POP2011_DOU.pdf>. Acesso em: 10 out. 2011.

37 Informações consultadas no Banco de Dados Integrados (BDI) 2011 Volume I. Disponível em: <http://www.uberlandia.mg.gov.br/uploads/cms_b_arquivos/1428.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2012.

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2000 total 0,830 e IDH/renda 0,768;38 ocupa uma área de 4115,82 quilômetros

quadrados, sendo 135,3492 de perímetro urbano;39 seu Produto Interno Bruto (PIB) per

capita é o 27º do Brasil, o quarto maior do estado e sétimo do interior do país40 e se

destaca no setor de prestação de serviços e comércio, sendo esse o principal setor de sua

economia.

Uberlândia desponta como o maior polo atacadista/distribuidor do país. A

indústria é o segundo setor mais relevante para a economia uberlandense. Uma parcela

de participação desse setor origina-se do Distrito Industrial -orte de Uberlândia

Guiomar de Freitas Costa, um bairro situado na zona norte da cidade. Nesse distrito

encontram-se as principais empresas e indústrias nacionais e transnacionais ligadas e

representantes de, entre outras forças políticas e econômicas, a expansão do

agronegócio. Como exemplo, estão instaladas Cargill Agrícola,41 Algar Agro,42 assim

como a indústria da Coca-Cola.43 Há ainda indústrias nacionais, como três unidades da

38 Informações consultadas no Banco de Dados Integrados (BDI) 2010 Volume III. Disponível em:

<http://www.uberlandia.mg.gov.br/uploads/cms_b_arquivos/462.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2012. 39 Minas Gerais. Disponível em: <http://www.urbanizacao.cnpm.embrapa.br/conteudo/uf/mg.html>.

Acesso em: 20 out. 2011. 40 Informações sobre o PIB consultadas no Portal da prefeitura de Uberlândia. Disponível em:

<http://www.uberlandia.mg.gov.br/uploads/cms_b_arquivos/117.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2012. 41 Empresa transnacional com sede em Mineápolis, nos Estados Unidos. Produz e comercializa

internacionalmente produtos e serviços alimentícios, agrícolas, financeiros e industriais, dedicando-se ao processamento e distribuição de produtos e serviços aos setores agrícolas, industrial, alimentício, financeiro e gerenciamento de risco. De acordo com informações no site da empresa seu objetivo “é ser líder global em alimentação”. Está no Brasil desde 1965, sendo a maior exportadora de soja do País e a maior processadora de cacau da América Latina. Sua unidade em Uberlândia, inaugurada em 1984, é de processamento de soja e inclui as fábricas de acidulantes. Disponível em: <www.cargill.com.br> e <http://www.revista-fi.com/materias/138.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2011.

42 A empresa nacional ABC INCO Indústria e Comércio, fundada em Uberlândia na década de 1970, agora se chama Algar Agro S.A, a qual em 2008 assumiu o controle da divisão agroalimentar da holding Algar. A Algar é um grupo empresarial empreendedor que atua nos setores de Telecom, Agro e Serviços. Algar Agro atua no processamento de soja desde 1978 fabricando o Óleo de Soja ABC e o Farelo de Soja RaçaFort ABC comercializado no mercado interno e externo e também os produtos: azeite de oliva, óleo composto, extrato e molho de tomate da marca ABC de Minas. A unidade de Uberlândia é um dos mais avançados complexos de esmagamento de soja do Brasil. Possui também uma unidade em Porto Franco (MA). Informações disponíveis em: <www.algar.com>. Acesso em: 20 dez. 2011.

43 Em 1971 Maurílio Biagi instalou em Uberlândia o depósito da franqueada Coca-Cola “Refrescos Ipiranga S.A” e em 1976 instituiu a “Uberlândia Refrescos”, a única indústria da Coca-Cola do interior de Minas Gerais, expandindo a empresa (fábrica e escritórios) distribuindo produtos da marca Coca-Cola e Heineken Brasil pelo Triângulo/Alto Paranaíba e Noroeste de Minas Gerais. Em Uberlândia é a fábrica engarrafadora. Fonte: <www.cocacolauberlandia.com.br>. Acesso em: 20 dez. 2011. É sabido que a Coca-Cola está diretamente ligada ao projeto do agronegócio, pois além desse projeto dominar a agricultura ele domina os recursos naturais: “[...] através da lei de patentes e privatização da água. Segundo Stedile, velhas conhecidas ampliam produtos e mercados, a transnacional Coca-cola já ganha mais dinheiro no Brasil vendendo água do que refrigerante”.

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Sadia S.A44 adquirida pela Brasil Foods (BRF). Na zona norte da cidade, em outro ramo

industrial, está a Souza Cruz S.A filial 18.45 Na zona rural do município estão instaladas

as transnacionais Monsanto,46 Syngenta Seeds47 e ADM do Brasil Ltda Processadora de

grãos de soja.48 Até mesmo a Petrobrás Distribuidora S.A tem aí sua Filial 375.

Agronegócio é o casamento das transnacionais com os grandes proprietários. Brasil de Fato, 12 Jul. 2007. Disponível em: <http://www.brasildefato.com.br/node/826>. Acesso em: 15 Jul. 2011.

44 Empresa nacional criada em 1944 por Attílio Fontana, juntou as ações com a Perdigão S.A e desde 2009 faz parte do grupo Brasil Foods S.A (BRF). A Sadia é o maior frigorífico da América Latina, com sede em Toledo (PR). Em 1999 a Sadia adquiriu a Granja Rezende de produção de aves e ovos, que começou a atuar em Uberlândia em 1962. Informações disponíveis: <www.rezendealimentos.com.br> e <www.sadia.com.br>. Acesso em: 20 dez. 2011. Com a fusão das empresas de alimentos Sadia e Perdigão formou-se a BRF (Brasil Foods S.A), “[...] a planta industrial instalada em Uberlândia, engloba unidades produtivas de criação e abate de frangos, perus e porcos, produtos industrializados e fábrica de rações”. (UNIDADE EM UBERLÂNDIA não faz parte de negociação. Jornal Correio de Uberlândia, Uberlândia, 27 Jul. 2011. Disponível em: <http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/unidade-em-uberlandia-nao-faz-parte-da-negociacao/>. Acesso em: 13 mar. 2012).

45 A Souza Cruz foi fundada em 1903, no Rio de Janeiro, pelo português Albino Souza Cruz. Atua em todo o ciclo de produção do fumo, desde o plantio e o processamento do tabaco até a fabricação e distribuição do cigarro. É subsidiária da British American Tobacco, o mais internacional dos grupos de tabaco com marcas comercializadas em 180 países. Em 1978 foi implantada em Uberlândia a maior fábrica da Souza Cruz. Informações disponíveis em: <www.souzacruz.com.br>. Acesso em: 20 dez. 2011.

46 Empresa transnacional fundada em 1901 nos Estados Unidos, hoje é em sua maior parte francesa. Desenvolve tecnologia com base na transgenia de sementes de várias culturas. É produtora líder do herbicida Roundup e também de sementes modificadas geneticamente, tendo o monopólio do mercado de soja transgênica. A empresa está no Brasil oficialmente desde 1963, tendo sido sua primeira sede instalada em 1976 na cidade de São José dos Campos – SP, atuando no segmento da agricultura nacional com o desenvolvimento e comercialização de sementes convencionais de milho e sorgo das marcas Agroceres e Dekalb, além de soja da Monsoy. Na unidade de Uberlândia, inaugurada em 2001, o subproduto sabugo de milho é utilizado como matéria-prima para geração de energia na secagem de sementes de milho, situando-se no município o complexo de pesquisa e produção de sementes. Fontes consultadas: <www.monsanto.com.br> e <http://www.canalrh.com.br/indicadores/detalhe.asp?e=Monsanto&o=%7B3F3B97F8-66F1-49FD-B2C2-B6CF060C1061%7D>. Acesso em: 20 dez. 2011.

47 Empresa transnacional anglo-suíça com sede em Basileia (Suíça) e filial em 96 países. A empresa é o resultado da fusão da Novartis Agrobusiness e a Zêneca Agrícola ocorrida em 2000. Líder mundial no setor de agrobusiness. Trabalha com pesquisa e venda de defensivos químicos e de sementes transgênicas pra uso agrícola. No Brasil atua e desenvolve soluções de proteção de cultivos com defensivos e sementes em duas divisões: agroquímica e seeds (grãos). A empresa Seeds possui sete centros de pesquisa no mundo e trabalha com biotecnologia. No Brasil seus centros de pesquisa se localizam em Uberlândia (MG) e Cascavel (PR) e as unidades de beneficiamento estão localizadas em Ituiutaba (Triângulo Mineiro), distante 137 km de Uberlândia pela BR-365, e em Matão (SP). Vale ressaltar que militantes do MST ocuparam uma fazenda da Syngenta em Santa Tereza do Oeste em Curitiba – PR em outubro de 2007 e os seguranças da Syngenta no confronto mataram a tiro Valmir da Mota Oliveira, o Keno, de 32 anos de idade, e feriram gravemente Isabel Cardin trabalhadores engajados no MST. Informações disponíveis em: <www.syngenta.com> e <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u338624.shtml>. Acesso em: 20 dez. 2011.

48 ADM – Archer Daniels Midland Company é uma empresa transnacional, maior processadora agrícola do mundo, fundada em 1902 e incorporada em 1923 com sede em Decatur Illinois. Recebe as colheitas e as processa para transformá-las em ingredientes de alimentos, como ração animal, biocombustíveis, alternativas de origem natural a produtos químicos industriais. Começou a atuar no Brasil em 1997 ao comprar quatro fábricas de esmagamento de soja da Sadia e silos de grãos. No

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Diferentes setores do agronegócio em Uberlândia e região historicamente

expandem-se, entre eles o das usinas de açúcar e álcool.49 A previsão é de que em 2014

seja instalada no município a segunda unidade da Usina Vale do Tijuco da Companhia

Mineira de Açúcar e Álcool (CMAA), que já possui uma unidade em funcionamento no

município de Uberaba desde 2010. Segundo notícia publicada em um dos principais

jornais de Uberlândia e região, o jornal Correio de Uberlândia, a primeira usina do

município:

[...] será instalada em uma área de 100 hectares, na BR-497, entre Uberlândia e Prata. Segundo Sylvio Ortega, diretor financeiro da CMAA Vale do Tijuco, enquanto aguarda o aval dos órgãos ambientais, a empresa faz a cotação de valores para decidir a ordem do investimento no local, que, de acordo com o prefeito Odelmo Leão, será de R$ 1 bilhão. ‘Temos a liberação provisória e, até o primeiro semestre do ano que vem, esperamos ter a liberação para instalação. Assim, até o segundo semestre de 2012, iniciamos as obras’, disse. [...] Na fase inicial, a primeira usina a ser instalada em Uberlândia terá capacidade para moer 2,2 milhões de toneladas de cana, produzindo 117 milhões de litros de etanol e 104 mil toneladas de açúcar. A escolha pelo investimento na região do Triângulo Mineiro foi pela localização estratégica e pelas condições climáticas e topográficas favoráveis para a cultura da cana. [...] ‘Será uma oportunidade para os donos de terra da região, vamos precisar de uma área de 40 mil hectares para o cultivo da cana-de-açúcar. Poderemos comprar a

Brasil a ADM processa e vende soja, cacau, trigo e biocombustíveis e produtos químicos. Em 2000 adquiriu as operações de soja da granja Resende em Uberlândia. As fábricas da ADM de processamento, refino e envase de óleo de soja estão em Uberlândia, Rondonópolis (MT), Campo Grande (MS) e Joaçaba (SC). Informações disponíveis em: <www.adm.com>. Acesso em: 20 dez. 2011.

49 Com os desdobramentos da crise do petróleo de 1973 o governo dos militares criou em 1975 o Proálcool ou Programa Nacional do Álcool através do Decreto nº 76.593 para substituir os combustíveis automotivos derivados do petróleo por álcool anidro, por bicombustíveis. Isso viabilizaria o consumo de álcool, além do uso como combustível e da sua adição à gasolina, como matéria-prima para a indústria química. Para o aumento da produção de álcool, seja oriundo da cana-de-açúcar, da mandioca ou qualquer outra matéria-prima, incentivou-se a ampliação das destilarias existentes e da criação de novas unidades produtoras anexas a usinas ou autônomas, bem como a instalação de unidades armazenadoras da produção. Com a crise do petróleo de 1979 e desse período a 1980 ocorreu o espantoso aumento do preço do barril de petróleo levando à afirmação do Proálcool, o qual, a partir de 1986, entrou em estagnação até 1995 com mudanças no mercado petrolífero internacional e, principalmente, com a desativação do Instituto do Açúcar e do Álcool (PLANALSUCAR) em 1990. Entretanto, com o aprimoramento técnico-científico na fabricação de combustível renovável (com a introdução da ideia do desenvolvimento sustentável, principalmente após a Rio 92) e o surgimento dos veículos flex, entre outros, entre 1995 a 2000 o governo federal redefiniu o Proálcool para atender o mercado. Desde a década passada o Brasil vive a expansão da indústria canavieira, com instalação das usinas de açúcar, álcool e/ou de bioeletricidade (autogeração de energia para consumo na usina, por exemplo, com bagaço da cana), espalhando-as para regiões não tradicionais de sua operação, como os Cerrados brasileiros. Fonte disponível em: <http://www.biodieselbr.com/proalcool/pro-alcool/programa-etanol.htm>. Acesso em: 13 maio 2012. Não é intuito desta tese deter-se nos problemas advindos do Programa, como os impactos ambientais e sociais advindos do incentivo à monocultura da cana-de-açúcar.

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produção ou arrendar. A rentabilidade é 30% maior do que a produção de grãos’, disse Ortega.50

A presença dessas empresas transnacionais e nacionais ligadas ao campo é

fonte geradora de renda e lucro para os latifundiários, os produtores rurais do município

de Uberlândia e de toda a mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, pois, por

estarem próximos a essas empresas, são eles os principais fornecedores de matérias-

primas e os que mais lucram. Portanto, o forte da produção agrícola das grandes

fazendas da região são o milho e a soja. Vale ressaltar que isso não significa serem

todas as fazendas produtivas. Constata-se um crescente nas expectativas dos produtores

rurais, principalmente os do município de Uberlândia, sobre o cultivo da cana-de-

açúcar, por conta, também, da implantação das unidades da Usina Vale do Tijuco,

notícia que tem sido veiculada constantemente pelos investidores por meio da

imprensa51 regional, estadual e até mesmo da nacional.

Em outros municípios do Triângulo Mineiro a produção da cana-de-açúcar

modificou e tomou conta da paisagem rural devido à presença das agroindústrias de

açúcar e/ou de álcool em expansão nas últimas décadas. Consequentemente o meio

urbano próximo a essas usinas também é modificado.

Segundo Souza e Cleps Jr. (2009, 2009a), com base em informações da União

dos Produtores de Bioenergia (UDOP), na primeira década do século XXI foram

aprovadas mais de 33 usinas a serem instaladas na região, 15 das quais já estavam

instaladas e 18 em fase de construção em 2009. Segundo os respectivos autores os

principais grupos empresariais nordestinos do setor que atuam na região são: Grupo

Tércio Wanderley, com matriz na cidade de Coruripe em Alagoas e três unidades no

Triângulo Mineiro, tendo chegado à região em 1994. Grupo João Lyra, de grande

importância no setor da cana e álcool, com sede em Alagoas e duas unidades no

Triângulo Mineiro: a Triálcool, desde 1988 em Canápolis, e a segunda em Capinópolis,

50 Uberlândia terá a 1ª usina de cana-de-açúcar. Jornal Correio de Uberlândia, Uberlândia, 12 Set.

2011. Disponível em: <http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/uberlandia-tera-sua-1%C2%BA-usina-de-cana-de-acucar>. Acesso em: 11 out. 2011.

51 Os principais jornais impressos e online da região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba por municípios mais relevantes da pesquisa são: em Uberlândia “Correio de Uberlândia”, “Gazeta de Uberlândia”, “Jornal Agora”; em Uberaba: “Jornal da Manhã”, “Jornal de Uberaba”, “Jornal Expresso”; em Ituiutaba: “Gazeta do Pontal de Minas”, “Diário do Pontal”, “Jornal do Pontal”. Principais jornais do estado de Minas Gerais: “Estado de Minas”, “Hoje em Dia”, “Diário do Comércio”.

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instalada em 2001. Grupo Carlos Lyra, com sede em São José Laje (AL), de cujas cinco

unidades duas atuam desde 1996 no Triângulo Mineiro, bem como arrendou a Usina

Conquista de Minas instalada no município de Conquista no Triângulo Mineiro. A usina

Moema, pertencente ao grupo paulista de mesmo nome, localiza-se em Oriunduva (SP)

e teve a sua primeira safra em 1982. Em 2006 o Grupo Moema passou a operar uma

usina no município de Itapagipe. A Bunge, empresa transnacional de origem norte-

americana, com sede em Nova York e especializada na produção de alimentos, começou

a atuar em 2006 no setor de açúcar, adquirindo em 2007 a usina instalada no município

de Santa Juliana na região do Alto Paranaíba. Em dezembro de 2009, adquiriu cinco das

seis usinas do Grupo Moema por US$1,5 bilhão, na forma de troca de ações da Bunge

na Bolsa de Nova Iorque pelas do Grupo Moema.52

Segundo edição online do jornal O Estado de São Paulo – em Economia e

Negócio, de 08 de maio de 2012 – a multinacional BP Biocombustíveis Brasil –

Biofuels, subsidiária de biocombustíveis da divisão de energias alternativas da British

Petroleum (BP) sediada no Reino Unido, tinha um projeto de construção de uma usina

no município de Campina Verde, contudo, na desistência do negócio, vendeu ativos

desse projeto para a Bunge, que comprou equipamentos e canavial existentes no

município.

Entretanto, a BP Biocombustível anunciou investimento de mais de 100

milhões de dólares entre 2011 e 2012 em suas unidades em operação nos municípios de

Ituiutaba, Itumbiara (GO) e Edéia (GO) (nesse município instalada a Usina Tropical

BP). Dentre essas usinas, que eram da Companhia Nacional Açúcar e Álcool (CNAA),53

a Tropical foi a primeira aquisição da BP no Brasil em 2008. Assumiu o controle

acionário da empresa em 2011 e no mesmo ano adquiriu as outras duas usinas.

Outro grupo empresarial estabelecido no Triângulo Mineiro é o Andrade,

expandindo-se ainda mais com o projeto de instalação de duas unidades: uma em Santa

52 Informações disponíveis em: BUNGE adquire cinco usinas do grupo Moema. BU�GE. Disponível

em: <http://www.bunge.com.br/agronegocio/agronews.asp?noticia=1519>. Acesso em: 13 maio 2012. As informações sobre os grupos empresariais nesse parágrafo também foram consultadas nos sites da internet oficiais dos respectivos grupos empresariais.

53 O tradicional Grupo Santa Elisa, produtor de açúcar e álcool, anunciou em março de 2007 a associação com a trading Global Foods e o fundo de investimento internacional Carlile Riverstone, que atuam na área de bioenergia. Desse acordo criou-se a CNAA. (Cf. SANTA ELISA se une a estrangeiros para investir R$ 2 bi em etanol. Jornal Cana. Disponível em: <http://jornalcana.com.br/noticia/Jornal-Cana/25151+Santa-Elisa-se-une-a-estrangeiros-para-investir-R$-2-bi-em-etanol>. Acesso em: 13 maio 2012).

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Vitória (Triângulo Mineiro) e outra em Rio Verde (GO). A Unidade de Santa Vitória,

localizada no Distrito de Chaveslândia, foi oficialmente colocada em operação em maio

de 2010. No final dos anos 1970 a família de mesmo nome criou a Andrade Açúcar e

Álcool com sede em Pitangueiras – SP. Segundo o site oficial do Grupo, em 1992 a

Andrade se tornou a maior destilaria autônoma do mundo.

A tabela 1 prioriza a localização das usinas por municípios dos principais

grupos empresariais do setor de açúcar e álcool atuando no Triângulo Mineiro,

destacando também a usina instalada em Santa Juliana – Alto Paranaíba.

Tabela 1: Localização das principais usinas de açúcar, etanol e/ou Bioeletricidade localizadas em municípios do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.

Município Usina e sua Produção Localização

Araguari Usina Araguari Ltda (em fase de construção e produção agrícola-

fornecimento de cana). (12)

MG 223 km 23 – fazenda Santo Antônio – zona rural

Campo Florido

SA Usina Coruripe Açúcar e Álcool – Unidade Campo

Florido. Produção: Açúcar, Etanol e

Bioeletricidade. (1)

Fazenda Santa Adelaide – Estrada Cruzeiro do Sul Km

42- zona rural

Canápolis Laginha Agroindustrial S.A –

Triálcool. Produção: Açúcar e Álcool. (2).

BR 365 Km 734 – zona rural

Capinópolis Laginha Agroindustrial S.A –

Vale do Paranaíba. Produção: Refino de açúcar. (2)

MG 226 Km 63 – zona rural

Carneirinho

S/A Usina Coruripe Açúcar e Álcool – Filial Carneirinho. Produção: Açúcar, Etanol e

Bioeletricidade. (1)

Fazenda Bom Sucesso S/-º Zona Rural

Conceição de Alagoas

Usina Caeté S/A – Unidade Volta Grande.

Produção: Açúcar, Etanol e Bioeletricidade. (3)

MG 427 Km 15 – Fazenda Cachoeira

Delta Usina Caeté S/A – Delta.

Produção: Açúcar, Etanol e Bioeletricidade. (3)

Av. José Agostinho Filho 750 – Centro

Conquista de Minas

Usina Conquista de Minas Ltda. Produção: Açúcar (3)

Fazenda Ilha Grande – Zona rural

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Fronteira Destilaria Rio Grande S/A54 Produção: Açúcar, Etanol e

Bioeletricidade. Rodovia BR 153 s/n Km 247.3

Frutal Bunge – Usina Frutal Açúcar e

Álcool S/A.55 Produção: Etanol (5)

São Bento da Ressaca s/nº Rod. BR 364 Km 18.3

Frutal Usina Cerradão Ltda.

Produção: Açúcar, Etanol e Bioeletricidade. (9)

Rua São Paulo 530 – -ossa Senhora do Carmo

Itapagipe Bunge – Usina Itapagipe Açúcar

e Álcool Ltda. Produção: Açúcar e Etanol. (5)

Fazenda Água Amarela – zona rural

Ituiutaba Ituiutaba Bioenergia Ltda.

Produção: Açúcar e Álcool. (11) Fazenda Recanto – km 15

Ituiutaba zona rural

Iturama

S/A Usina Coruripe Açúcar e Álcool – Filial Iturama.

Produção: Açúcar, Etanol e Bioeletricidade. (1)

Rod. BR 497 Km 15 – zona rural

Limeira do Oeste

S/A Usina Coruripe Açúcar e Álcool – Filial Limeira do Oeste. Produção: Açúcar e Etanol. (1)

Rod. BR – 497 Km 15 – Zona Rural

Pirajuba U. S. A. Usina Santo Ângelo

Ltda – Unidade Pirajuba. Produção: Açúcar e Etanol. (8)

Fazenda São Cristovão MG 427 Km 77

Prata Usina Zanin Açúcar e Álcool

Ltda. Produção: Açúcar e Etanol.56

Rua Tenentes Reis, nº 447 – Centro

54 Segundo o site da empresa, em 2007, a Vale do Ivaí S/A-Açúcar e Álcool assumiu a unidade instalada

no município de Fronteira, “[...] como parte de um processo de recuperação da massa falida proprietária da destilaria, iniciando sua primeira safra no dia 09/07/2007. Entretanto, em 2008 a Vale do Ivaí obteve a aprovação das autoridades competentes para iniciar um processo de desoneração da massa falida que resultou na aquisição de 100% da unidade. Em 2010, com a venda das duas unidades do Paraná o Grupo Vale do Ivaí veio a cindir-se, nascendo então a Destilaria Rio Grande S/A, nova razão social da unidade instalada no município de Fronteira-MG. Localizada na cidade de Fronteira, no Triângulo Mineiro, esta unidade foi uma das primeiras a ser instalada no estado, ainda na década de 40, produzindo açúcar, sendo que durante o programa Próalcool na década de 80, migrou a sua produção para o etanol hidratado, situação que se estende até hoje.” (HISTÓRICO. Destilaria Rio Grande. Disponível em: <http://drgsa.com.br/index.php?p=2>. Acesso em: 16 Jun. 2012).

55 Ainda com outra unidade na cidade de Frutal. 56 Em janeiro de 2011, uma das maiores companhias do país, a Cosan S.A Açúcar e Álcool, anunciou a

compra de duas unidades do Grupo Zanin, uma em Araraquara (SP) e outra prevista para entrar em operação no município de Prata (Triângulo Mineiro). A compra foi das usinas e dos maquinários. No que se refere às terras, estava previsto, naquela data, continuarem sob domínio da família antiga proprietária, mas com o fornecimento de cana para a Cosan. (Cf. MAGOSSI, Eduardo. COSAN fecha acordo para a compra da usina Zanin por R$ 378 mil. Estadão, São Paulo, 7 jan. 2011. Disponível em: <http://estadao.br.msn.com/economia/artigo.aspx?cp-documentid=27165429>. Acesso em: 8 jan. de 2012).

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Santa Juliana

Bunge – Agroindustrial Santa Juliana S/A.

Produção: Açúcar, Etanol e Bioeletricidade. (5)

Fazenda Santa Bárbara, s/nº – zona rural

Santa Vitória

Usina Vale do São Simão – Companhia Energética Vale do

São Simão. Produção: Açúcar, Etanol e

Bioeletricidade. (7)

Fazenda Piratininga de Minas – BR 364 Km 270

Santa Vitória Santa Vitória Açúcar e Álcool Ltda. (em fase de construção).

(14)57

José Wilson Barbosa, nº 820-Parque das Acácias

Tupaciguara Bioenergética Aroeira Ltda.

Produção: Etanol.58 Fazenda Pouso Alegre BR 452

Km 77 zona rural

Uberaba

Vale do Tijuco Açúcar e Álcool Ltda.

Produção: Açúcar, Etanol e Bioeletricidade. (6)

Fazenda Santa Vitória – zona rural. Rod. BR 050 Km 121 –

Distrito Industrial I

Uberaba Usina Uberaba S/A.

Produção: Etanol. (10) Fazenda Uberaba Rodovia

Municipal, 304 – Km 13

União de Minas

União de Minas Agroindustrial Açúcar e Álcool. (não há usina

instalada é fazenda para plantação de cana)

Produção: Açúcar e Etanol. (1)

Fazenda Bonanza – zona rural

Fonte: Informações disponíveis em: <http://www.udop.com.br/index.php?item=unidades&regiao=CS&estado=MG> e

<www.siamig.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=12&Itemid=90>. Acesso em: 17 dez. 2011.

(1) Grupo Tércio Wanderley; (2) Grupo João Lyra; (3) Grupo Carlos Lyra; (4) Grupo Moema; (5) Grupo Bunge; (6) CMAA; (7) Grupo Andrade; (8) Grupo Santo Ângelo; (9) Grupo Pitangueiras; (10) Grupo Balbo. (11) BP Biocombustível; (12) Concrenor Indústria e Comércio Ltda; (13) Grupo Zanin; (14)

Grupo Dow e Mitsui.

Para a noção da dimensão socioespacial e econômica desse setor do

agronegócio por meio da atuação dos principais grupos empresariais na região, o mapa a

seguir localiza os dois Projetos de Assentamento e seus respectivos municípios em foco

nesta tese em meio às usinas mencionadas na tabela 1.

57 Segundo notícia publicada no site da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial ABDI (sem

data) a Companhia americana Dow Chemical uniu-se a trading japonesa Mitsui para construir um complexo industrial no município de Santa Vitória para produção de etanol. E a expectativa para segunda fase do projeto é ter uma fábrica integrada para a produção de biopolímeros. O projeto foi avaliado em até US$ 1,5 bilhão. (Cf. COMPANHIA AMERICANA tira do papel projeto de plástico verde. ABDI – Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Disponível em: < http://www.abdi.com.br/Paginas/noticia_detalhe.aspx?i=1251>. Acesso em: 16 jul. 2012).

58 Nomes dos proprietários não informados pela empresa.

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Mapa 1: Localização dos PAs 21 de Abril e Emiliano Zapata em meio às usinas de açúcar e álcool no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba/MG.

Não se pode desconsiderar a participação de outras produções agrícolas, como

o eucalipto. A prefeitura municipal de Uberlândia, através da Secretaria Municipal de

Agropecuária e Abastecimento (SMAA), lançou em 2011 o Programa Fomento

Florestal, que consiste na distribuição de mudas aos produtores rurais interessados em

cultivar eucaliptos clonados. O objetivo desse programa, segundo a SMAA, é a

integração entre lavoura, pecuária e floresta (ILPF).59

59 Dentre projetos de desenvolvimento sustentável, a Embrapa Cerrados, unidade da Embrapa,

desenvolve pesquisas e divulga os resultados do Sistema Integrado Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPF). Tal iniciativa destaca a importância do componente arbóreo para evitar o desmatamento e a redução da emissão de gases de efeito estufa, a qual é meta do governo federal com redução de 36% a 39% até 2020 e para a qual o governo criou em 2010 o Programa de Baixa Emissão de Carbono (ABC). Esse programa incentiva o ILPF e Plantio Direto e ampliação do uso de fixação biológica de Nitrogênio. Para o Plano Safra Agrícola e Pecuário 2011/2012, dos R$ 107 bilhões em créditos disponibilizados aos agropecuaristas, cerca de R$ 3 bilhões serão destinados a agricultores que investirem no ABC. Informações disponíveis em: <http://www.cpac.embrapa.br/noticias/noticia_completa/319/> e < http://www.embrapa.br/embrapa/imprensa/noticias/2011/setembro/2a-semana/programa-abc-incentiva-adocao-da-integracao-lavoura-pecuaria-floresta>. Acesso em: 15 jan. 2012.

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A cidade de Uberlândia tem como municípios limítrofes Araguari, Monte

Alegre de Minas, Prata, Indianópolis, Tupaciguara, Uberaba e Veríssimo. O Projeto de

Assentamento (PA) 21 de Abril, originário do MLST, situa-se no pequeno município de

Veríssimo, distante 148 Km de Uberlândia e 43 km de Uberaba. Sua área total é de

1.028,577 quilômetros quadrados. Segundo o IBGE,60 sua população é 3.530, com

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) /renda média de 0, 776. Em sua economia,

destaca-se a pecuária de corte e leite. No que se refere à estrutura fundiária do

município de Veríssimo o coeficiente de Gini revela as desigualdades, em 1992, o

índice de Gini era 0,599, em 1998, de 0,605, e, no ano 2003, de 0,621.61

Instaladas nesse município estão empresas do agronegócio, como o Frigorífico

Frango Caipira Nhô Bento,62 Cooperativa Regional dos Produtores de Leite do Vale do

Rio Grande Ltda e a filial da Cooperativa dos Empresários Rurais do Triângulo Mineiro

(CERTRIM).63 Essa última tem sede em Uberaba e filiais, além da de Veríssimo, em

Pirajuba, Perdizes, Campo Florido e Frutal. A CERTRIM tem armazém com capacidade

para 53.000 toneladas de grãos e silo para 5.000 toneladas de milho. Suas fábricas

produzem 10 toneladas ao dia de suplemento mineral. Ainda tem fábrica própria de

ração animal que produz 40 toneladas ao dia. A cooperativa investe no marketing para 60 ESTIMATIVAS DA POPULAÇÃO residente nos municípios brasileiros com data referência em 1º de

julho de 2011. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 30 Ago. 2011. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2011/POP2011_DOU.pdf> Acesso em: 15 out. 2011.

61 Banco de Dados DATALUTA – Minas Gerais. LAGEA – IG/UFU. Disponível em: < http://www.lagea.ig.ufu.br/bancodedadosdatalutaminas.html>. Acesso em: 8 fev. 2012.

62 A Kaefer Agro Industrial do grupo Globoaves informou em 25 de março de 2010 a venda do frigorífico Nhô Bento para o Grupo Marfrig. O qual é uma empresa global de alimentos à base de carne suína, bovina, de peixes e aves, é considerado o maior produtor de ovinos na América do Sul é composto pela Marfrig, Marfood USA, Tacuarembó (empresa privada do Uruguai), Quickfoods (Argentina), Moy Park (Reino Unido), Seara, Keystone Foods (Estados Unidos). Em 2010 foi considerada a “melhor empresa do agronegócio” e a “melhor empresa de carne” pela Revista Maiores e Melhores e em 2011 novamente pela mesma revista o título de “melhor empresa de carne”. Informações disponíveis em: <www.marfrig.com.br>. Acesso em: 20 dez. 2011.

63 A Cooperativa apresentada sua história e atuação da seguinte forma: “Fundada em 18 de janeiro de 1966, a CERTRIM iniciou suas atividades como Cooperativa de Eletrificação Rural do Triângulo Mineiro Ltda. Uma ideia pioneira e visionária, em uma época onde a energia elétrica não fazia parte do dia-a-dia do produtor rural. A iniciativa surgiu a partir do médico e agropecuarista Dr. Mozart Furtado Nunes, que juntamente com outros 25 produtores rurais deram início à implantação da eletrificação rural no município de Uberaba e cidades vizinhas. Em 1985, após quase duas décadas de muito trabalho, a CERTRIM já era responsável por 90% da eletrificação nas propriedades rurais em Uberaba e região, oferecendo uma rede com mais de 3.000 km de extensão. Mais que uma grande conquista, estes números comprovavam o poder de união entre os produtores rurais, a competência de seus colaboradores e o empreendedorismo da cooperativa. Nesta mesma época a CEMIG assumiu os serviços de eletrificação e a CERTRIM direcionou suas atividades à produção rural, mudando sua razão social para Cooperativa dos Empresários Rurais do Triângulo Mineiro Ltda.”. Fonte disponível em: <http://www.certrim.com.br/cooperativa.asp>. Acesso em: 20 dez. 2011.

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fortalecer o agronegócio na região afirmando que “[...] se orgulha deste patrimônio, mas

sua maior conquista gira em torno dos quase 5.000 associados, que acreditam na

filosofia da cooperativa e que fazem do agronegócio brasileiro o orgulho nacional”.64

Com relevante presença em Veríssimo, está também a fábrica de alimentos Doces

Caracu.

Nesse circuito de negócios ligados ao campo, a cidade de Veríssimo está

também próxima a Uberaba, que é o município reconhecido como a capital mundial do

Zebu, ou seja, onde os criadores dessa raça e seus de cruzamentos estão organizados na

Associação Brasileira dos Criadores do Zebu (ABCZ).65 Essa associação é sucessora da

Sociedade Rural do Triângulo Mineiro, fundada em 1934. A ABCZ é responsável pela

Exposição Nacional do Gado Zebu (Expozebu) realizada no Parque Fernando Costa,

que acontece uma vez por ano. Em 2012 estimou-se uma movimentação de 120 milhões

de reais na Expozebu, com grande participação nacional e internacional. É considerada

a maior feira agropecuária do mundo. Segundo jornal online G1 Triângulo Mineiro de

10 de maio de 2012, a exposição recebeu comitivas de 28 países e 380 estrangeiros.

Nessas condições de avanço do capitalismo no campo na região, donos de

grandes e médios estabelecimentos rurais historicamente unem-se, impõem sua força e

se fazem representar política e economicamente, entre outros modos, através da

organização do Sindicato Rural de Uberlândia (SRU), que também arregimenta os

pequenos produtores rurais. Segundo informações no site desse sindicato, sua origem é

na Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Uberlândia (ACIAPU), fundada

em 1933, tendo mudado seu nome para SRU em 1965 por determinação da Lei 4.214,

de 02 de março de 1963, que dispõe sobre o Estatuto do Trabalhador Rural (Revogada

pela Lei nº 5889, de 08 de junho de 1973, que estatui normas reguladoras do trabalho

rural). Por meio, principalmente, da forças do SRU, os ruralistas da região movem suas

ações, jurídicas ou não, contra os trabalhadores Sem Terra e contra qualquer tentativa de

64 Informações disponíveis em: A COOPERATIVA. Certrim.

<http://www.certrim.com.br/cooperativa.asp>. Acesso em: 20 dez. 2011. 65 Entidade nacional, com sede no Parque Fernando Costa em Uberaba/Triângulo Mineiro desde 1941, é

considerada maior associação classista do setor pecuário mundial, representante das reivindicações da classe ruralista, possui mais de 18 mil associados no Brasil e no exterior. “É uma entidade nacional que coordena e centraliza todas as atividades relacionadas ao zebu nas áreas técnica, política e econômica”. Fonte disponível em: <www.abcz.org.br>. Acesso em: 16 jul. 2011.

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reforma agrária, assumindo inúmeras ações reacionárias e seguindo sempre os

princípios da União Democrática Ruralista (UDR).66

Segundo João Pedro Stedile, membro da direção nacional do MST e um de

seus fundadores, a UDR surgiu com duas intenções:

[...] reprimir o MST e, sobretudo, fazer pressão sobre o governo. Ou seja: fazer com que o governo Sarney reprimisse. ‘Vocês têm de reprimir’, exigia. A UDR teve muita influência nos governos estaduais e, principalmente, na Constituinte de 1988. Praticamente a única derrota social que ocorreu na Constituinte foi na questão agrária, pois em todos os outros itens houve avanços [...]. (STEDILE; FERNANDES, 1999, p. 67).

Sob a perspectiva da correlação de forças entre 1985 e 1988, no debate do

Congresso Constituinte, o enfrentamento entre os trabalhadores rurais e os ruralistas se

acirrou. A UDR teve muitos mecanismos de atuação, segundo Simon (1998), o seu

fortalecimento se deu com apoio recebido dos meios de comunicação de massa. A UDR

surgiu principalmente para tentar barrar em várias frentes o projeto de reforma agrária

em discussão nessa época, período de grandes polêmicas e disputas no qual emergiu na

disputa o I Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) e sua aprovação através do

decreto nº 91.766, de 10 de outubro de 1985.

Sobre o surgimento da UDR concomitante ao decreto do I PNRA, Simon

(1998) analisa:

Sua efetivação ocorre após uma palestra na sede da Federação da Agricultura, em Goiânia, que teve como protagonistas Plínio Junqueira e Ronaldo Caiado. O primeiro, que pertence a uma tradicional família de cafeicultores de São Paulo e é diretor de cinco empresas agroindustriais [...]. O segundo que ascende de um dos mais tradicionais clãs políticos de Goiás, vinha articulando a necessidade de criação de um partido político para a defesa dos proprietários rurais havia algum tempo. [...] Inicialmente, o debate é aquecido no Centro-Sul do País, mobilizando entidades civis, especialmente, sindicatos patronais, associações de produtores e cooperativas. Junto através desses canais, os proprietários adotaram, estrategicamente, como medida preventiva, a exigência da participação das ‘classes rurais’ nas discussões finais do texto do Plano [I PNRA] sem nunca esquecer de

66 Organização da classe ruralista fundada em 1985 com sua primeira sede regional em Presidente

Prudente (SP). Passou posteriormente a entidade nacional dizendo-se pretensamente em defesa do direito à propriedade privada e das leis constitucionais do país. Teve ampla e expressiva participação na Constituinte de 1988 e propalava garantir o direito da propriedade privada em terras consideradas produtivas. Acusou os setores da esquerda do Brasil de tentativa de implantar o comunismo. Fonte: < http://www.udr.org.br/historico.htm>. Acesso em: 30 nov. 2011.

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incluir no debate a manutenção e ampliação dos incentivos e subsídios. O embate, contudo, extrapola o campo institucional quando, ao mesmo tempo, nas regiões onde o conflito de terra é mais grave, os grandes proprietários organizaram grupos de resistência e solidariedade e formaram milícias na defesa da classe e da propriedade. (SIMON, 1998, p. 15-16).

Em meio a isso, no Triângulo Mineiro, o Sindicato Rural de Uberlândia e

outras entidades ruralistas eram mais um dos braços políticos da União Democrática

Ruralista.

Com base nas análises de,

[...] além do recurso à violência ela (UDR) procura dividir e inviabilizar a possibilidade de alianças no campo e o faz disputando o controle do pequeno produtor modernizado, através de uma proposta de política agrícola que nega a questão fundiária, do discurso da solidariedade de todos contra o Estado e da formação de lideranças e de núcleos ‘comunitários’. (BRUNO, 1987 apud SIMON, 1998, p. 20, grifo meu).

A ligação entre as forças da classe patronal ruralista dos principais municípios

do Triângulo Mineiro (Uberlândia e Uberaba), obviamente englobando os municípios

limítrofes, representa-se pela Associação Brasileira dos Criadores do Zebu (ABCZ) e o

Sindicato Rural de Uberlândia (SRU). Juntos somam forças contra os movimentos de

luta pela reforma agrária na região e em todo o país, acusando as lideranças desses

Movimentos de criminosas por ameaçarem o direito de propriedade privada com o que

eles definem como invasão de terras. E ainda acusando tais lideranças de insistirem em

uma reforma agrária que para eles está fracassada. A ABCZ e SRU afirmam ainda que,

se for feita reforma agrária em fazendas improdutivas, elas continuarão improdutivas

com os Sem Terra.

Em julho de 2008 a ABCZ lançou um manifesto de repúdio às ocupações de

terras pelos movimentos sociais do campo que estavam acontecendo no país. Em

especial, a ocupação da Fazenda Maria Bonita, da Agropecuária Santa Bárbara

Xinguara, no município de Eldorado do Carajás (PA), no dia 25 de julho de 2008, por

integrantes do MST. O manifesto da ABCZ, intitulado Invasão é crime, acusa o

seguinte:

[...] Sob os aspectos econômicos e sociais a invasão é outra afronta ao sistema produtivo brasileiro, aos interesses da sociedade paraense e à própria Reforma Agrária. [...] Os empreendimentos da Agropecuária

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Santa Bárbara Xinguara no Pará são reconhecidos pelo investimento em profissionais qualificados, tecnologia de ponta e alta qualidade genética animal, com resultados expressivos em volume de produção e produtividade. São investimentos que estão contribuindo para a transformação da pecuária do Pará em uma atividade produtiva avançada e competitiva, capaz de gerar novos e melhores empregos e mais receitas públicas. [...] É também injustificável a ocorrência de qualquer nova invasão de terras no atual estágio da Reforma Agrária brasileira e diante dos níveis dos investimentos que estão sendo feitos para o fortalecimento da Agricultura Familiar e dos pequenos produtores. É lamentável que líderes de um movimento que empunha bandeiras sociais não reconheçam os passos já dados nesse processo e o melhor caminho a seguir e insistam em comandar ações desnecessárias para os objetivos da Reforma Agrária e meramente provocativas, destrutivas ou intimidatórias. [...]. Vê-se, então, em tais invasões apenas o discurso anacrônico, autoritário e unilateral de líderes indispostos para o diálogo político, a convivência democrática e o respeito às leis, reproduzido em ações que provocam instabilidade, insegurança e conflitos nos campos brasileiros [...].67

Importante ressaltar que nesse manifesto a fala contra os Sem Terra apresenta

argumentos modernizados – não nega a reforma agrária, diz que ela caminha e lança

mão da questão da qualidade dos empregos e da produção – e as propostas do

Movimento são qualificadas de atrasadas a partir de argumentos pretensamente

técnicos.

Dessa maneira, é possível conhecer o teor das acusações e posições dos

ruralistas da região sobre a questão agrária do país, compreendendo como articulam

suas ações. Eles não se restringem aos manifestos, mas compactuam, apoiando e

exigindo, por exemplo, a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para

investigar os movimentos sociais e os órgãos responsáveis pela reforma agrária, assim

como ocorreu no segundo semestre de 2000, quando tais forças políticas e econômicas

pressionaram para a criação da CPI no Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária (INCRA).

De acordo com Paulo Roberto Andrade Cunha, então presidente do Sindicato

Rural de Uberlândia, o que eles queriam, indo até Brasília para apoiar a CPI no INCRA,

era: “[...] Não podemos permitir que o governo gaste dinheiro desapropriando fazendas

67 INVASÃO É CRIME. ABCZ – Associação Brasileira de Criadores de Zebu, 30 de julho de 2008.

Disponível em: <www.abcz.org.br/noticias/2700>. Acesso em: 15 dez. 2011.

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que continuarão improdutivas. O que queremos é ver o dinheiro público bem

empregado, ou seja, tornando o campo produtivo e seguro”.68

Silvério (2006) recuperando, por exemplo, a implantação da Patrulha Rural69

da Polícia Militar, analisou as articulações dos ruralistas na região do Triângulo Mineiro

na tentativa de impedir que suas propriedades rurais fossem alvo dos movimentos

sociais de luta pela terra:

[...] os ruralistas apoiaram, reivindicaram e não mediram esforços políticos na implantação do Projeto da Patrulha Rural da Polícia Militar, ou seja, o patrulhamento rural para vigiar e proteger as fazendas, alegando prevenção e repressão contra os crimes das quadrilhas de roubos de gado e outros bens, vale ressaltar que, para além disto, essas Patrulhas Rurais possuem a função de identificar e punir qualquer movimento suspeito dos trabalhadores rurais Sem Terra; os fazendeiros dessa região também se organizam contratando ‘caseiros’, vigias e em suas mãos colocam armas para defenderem suas propriedades; desqualificam a luta dos trabalhadores e colocam-se contrários à reforma agrária via imprensa local, regional e nacional. (SILVÉRIO, 2006, p. 162).

Ainda segundo Silvério (2006),

[...] Em Uberlândia e região do Triângulo Mineiro os ruralistas sempre estiveram na disputa do poder público: Prefeitura, Governo do Estado de Minas Gerais, Senado, Câmara de deputados federais e estaduais e vereadores. Expressão de um poder articulador e da movimentação dos ruralistas nessa região foi na última eleição para prefeito de Uberlândia em que se elegeu Odelmo Leão Carneiro Sobrinho70 do

68 ABCZ e SRU querem CPI no Incra, Ruralistas de Uberlândia participam de manifesto em Brasília.

Jornal Correio, Uberlândia, 07 Nov. 2000. Acesso em: 1º semestre de 2005. Atualmente o nome desse jornal é Correio de Uberlândia.

69 De acordo com Silvério (2006): “O projeto da Patrulha Rural foi criado há cinco anos com o apoio dos ruralistas do Triângulo Mineiro pelo major Oliveiros Calixto de Souza Filho, comandante da 10ª Companhia Independente da Polícia Militar de Ituiutaba/Pontal do Triângulo Mineiro, município pioneiro da Patrulha Rural. O major afirma a redução de 80% da criminalidade e violência no campo no Pontal do Triângulo. O Projeto da Patrulha Rural se estendeu para mais de onze municípios não somente na região do Triângulo Mineiro, como para outras do Estado de Minas Gerais. Sendo considerado, pela Polícia Militar, o modelo de redução da violência e criminalidade no campo foi implantado em outros estados do país. Fonte: <www.netzap.com.br/notícias>. Acesso em: 2 abr. 2006. Vale ressaltar que nesse período ocorreram muitas denúncias, em alguns desses municípios, de abusos de autoridade e de poder dos policiais da Patrulha Rural, os quais estão sob investigação policial e criminal.” (SILVÉRIO, 2006, p. 161).

70 “Odelmo Leão nasceu em Uberaba em 1946, passou por quatro mandatos consecutivos como deputado federal e de 1985 até 1998 foi vice-presidente da Federação da Agricultura de Minas Gerais, passou também pela secretaria municipal da Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Uberlândia de 1989 e 1990 e, em 2003, tornou-se secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Estado de Minas Gerais licenciando-se para o cargo de prefeito de Uberlândia em 2004. Fonte: <www.uol.noticias.uol.com.br/eleições/eleito/uberlandia>. Acesso em: 2 abr. 2006.” (SILVÉRIO, 2006, p. 162).

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Partido Progressista (PP),71 um dos latifundiários e bancários mais influentes da região de Uberlândia, sempre atuante no Sindicato Rural de Uberlândia, entre 1975 até 1990 esteve entre diretoria, presidência e vice-presidência deste sindicato, como também desde 1982 até 1998 entre a presidência e vice-presidência da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (FAEMG). Elegeu-se como prefeito em 2004 com o apoio dos ruralistas, empresários, industriais e políticos da cidade, com o apoio, por exemplo, do ex-prefeito, também representante da classe ruralista, Virgilio Galassi (PPB) e seus aliados,72 prefeito este que teve quatro mandatos em Uberlândia. (SILVÉRIO, 2006, p. 162).

Frente à disputa de projetos políticos e econômicos para o campo, bem como

para o meio urbano no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, estão as lutas dos

trabalhadores pelo direito ao trabalho e à vida, configurando a dinâmica social em que

inúmeros trabalhadores pobres vindos de diferentes estados do país há décadas

deslocaram-se e ainda deslocam-se, principalmente para o município de Uberlândia.

Para lá dirigem-se em busca de emprego e de renda monetária, pois acreditam que terão

ótimas ofertas de emprego. Alguns desses trabalhadores sobrevivem precariamente na

cidade, outros seguem em busca de emprego no meio rural.

A partir da segunda metade do século XX, principalmente após a década de

1970, diversos governantes da prefeitura de Uberlândia e representantes da classe

patronal nas instâncias do poder público federal, estadual e municipal passaram a

investir na vinda e instalação de grandes grupos econômicos e industriais. E,

consequentemente, de mão de obra para essa cidade. Com o objetivo de construir na

cidade um polo industrial (como anteriormente mencionado, polo já consolidado com

diversas indústrias, fundamentalmente do agronegócio), empenharam-se em grandiosas

campanhas publicitárias para divulgar os supostos progressos da cidade e suas

vantagens em diferentes vertentes utilizando para isso os meios de comunicação de

massa.

Em pesquisa realizada no Arquivo Público Municipal de Uberlândia em fontes

jornalísticas, foi possível encontrar arquivos com matérias do jornal Correio de

Uberlândia e focar o estudo na década de 1970, em específico entre os anos de 1971 a 71 “Coligação Partidária para prefeito de Uberlândia nas eleições de 2004: PP [Partido Progressista];

Partido Democrata Trabalhista (PDT); Partido da Mobilização Nacional (PMN); Partido Trabalhista Cristão (PTC); Partido Republicano Progressista (PRP); PSDB.” (SILVÉRIO, 2006, p. 162).

72 “Coligação Partidária nas eleições para prefeito de Uberlândia em 1996: Partido Trabalhista Brasileiro (PTB); Partido Social Liberal (PSL); Partido Liberal (PL); Partido da Frente Liberal (PFL); Partido Social Democrata Cristão (PSDC).” (SILVÉRIO, 2006, p. 163).

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1975, e também na década de 1990, período em que parte dos assentados entrevistados

desta tese foi para esse município em busca de emprego e convencidos de que a cidade

era grande polo industrial: “[...] [os meios de comunicação] sempre falava, como a

televisão. Mostrava, ah! Uberlândia vai construir! Vai vim uma fábrica de [...] na época

eu num lembro mais, eu só sei que falava, vai tal fábrica de tal coisa assim pra

Uberlândia! Vão precisar de tantos trabalhadores, tantas trabalhadoras e falava e aquilo

a gente ia empolgando e acabou que eu vim pra Uberlândia”.73

Recuperando as iniciativas midiáticas de promoção de Uberlândia, segundo o

jornal Correio de Uberlândia, edição de 30 de setembro de 1971,

[...] O Correio de Uberlândia obteve ontem notícias junto a técnicos do município, segundo a qual ‘estão sendo elaborados projetos industriais para dar conhecimentos a qualquer investidor ou empresários, tanto do Estado como do país, de tipos de indústrias que têm maiores condições de viabilidade em Uberlândia’ [...] desse projeto de oportunidades industriais é exatamente para mostrar as condições, os estímulos e todas as vantagens que se oferecem neste setor de incentivos, pelo município, pelo estado, para os investidores que aqui instalarem suas unidades industriais [...] este trabalho técnico será remetido a todas as federações das indústrias dos estados brasileiros e ainda para as embaixadas credenciadas no Itamarati para que possam tomar conhecimentos do que Uberlândia tem a oferecer em possibilidades aos empresários que desejarem montar suas indústrias na metrópole do Triângulo.74

Confrontando essas fontes (narrativas dos assentados, como o senhor José

Otenildo Pinto, e o jornal Correio de Uberlândia) foi possível recuperar estratégias

incorporadas no sentido de implementar as políticas econômicas desenvolvimentistas

desde os anos 1970. Políticas essas que contribuíram para fazer da região do Triângulo

Mineiro um vantajoso espaço socioterritorial de expansão do capital industrial no meio

urbano atrelado ao avanço de grandes e lucrativos negócios no meio rural.

No que se refere aos impactos da expansão do capital sobre os Cerrados

brasileiros a partir da década de 1970 e os desdobramentos para as décadas seguintes, a

73 José Otenildo Pinto. Data de nascimento: 01/11/1954, natural de Joaíma – mesorregião de

Jequitinhonha no estado de Minas Gerais. Deslocou-se para Uberlândia em 1990 com experiência de trabalho como eletricista e construção civil. A respectiva entrevista foi concedida à autora em 2002, quando ainda estava no acampamento Emiliano Zapata e era separado da esposa. Atualmente é assentado no PA Flávia Nunes, do MST, vizinho ao PA Emiliano Zapata, ambos localizados no município de Uberlândia.

74 UBERLÂNDIA OFERECERÁ PROJETOS a empresários para construir na Cidade Industrial. Jornal Correio de Uberlândia, Uberlândia, 30 de setembro de 1971. Acesso em 3 jun. 2008.

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pesquisadora Patrícia Francisca de Matos, em sua tese de doutorado,75 tratou das

“tramas do agronegócio nas terras do sudeste goiano”. Sua análise enfocou o período

pós 1980, que foi marcado pela “territorialização da agricultura moderna” promovida

pelo “capital privado e por aparato do Estado”, que contribuíram para a modernização

do território. Segundo essa autora,

Nos municípios que têm ou estão próximos ao campo modernizado, as cidades tendem a se tornar especializadas em demandas dessa atividade e tendem a constituir territórios propícios a instalação de agroindústrias e de tradings. Entretanto, a racionalidade produtiva do agronegócio, apesar de ‘exigir’ que suas demandas de produção estejam próximas para facilitar a ampliação dos lucros, depende de aparatos (de produção e de circulação) de diferentes escalas, locais, regionais, nacionais e internacionais, constituindo, portanto, o que se pode ser chamado de agronegócio globalizado, ou seja, uma cadeia produtiva estabelecida em redes, que exprime o aprofundamento da interdependência entre agentes econômicos. O processo produtivo depende de uma série de agentes que podem estar próximos ou distantes dos espaços de produção. Normalmente esses agentes pertencentes a uma rede nacional ou internacional do agronegócio territorializam-se em lugares ‘estratégicos’ para sua reprodução, sobretudo nos fronts agrícolas. (MATOS, 2011, p. 262, grifo da autora).

Portanto, por um lado, o intenso processo de instalação de grandes indústrias

nacionais e transnacionais, advindo da implantação de ações políticas e econômicas do

projeto de modernização conservadora a partir de 1970, provocou grande deslocamento

de trabalhadores para a região dos Cerrados brasileiros, incluindo a região do Triângulo

Mineiro, em especial o município de Uberlândia, seja deslocamento de trabalhadores

pobres desempregados, seja de grandes, médios e pequenos produtores rurais. Mas, por

outro lado, o desdobramento socioeconômico desse processo para os menos

favorecidos, como os pequenos agricultores, foi, para muitos deles, sua saída dessa

região compulsoriamente. Essa conjuntura, a partir dos anos de 1980, começou a sofrer

outras transformações quando muitos desses agricultores, ou seus filhos e netos,

retornaram para a região do Triângulo Mineiro, assumindo a luta pela terra como forma

de ter de volta a vida produtiva e econômica que foi subtraída de suas famílias (Cf.

COUTO, 1999).

Nos trabalhos de pesquisa realizados por mim na graduação e pós-graduação,

constatei e analisei que, sob um processo de desencanto com as condições de vida e de

75 Em Geografia, Universidade Federal de Uberlândia, 2011.

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trabalho no meio urbano e no meio rural, muitos(as) e diferentes trabalhadores(as) que

se deslocaram para a região em estudo organizaram-se e ainda organizam-se para se

integrar à luta por um pedaço de chão assumindo as bandeiras (ideais) de diferentes

movimentos sociais ligados ao campo que acabaram por emergir no Triângulo Mineiro,

principalmente a partir dos 1990, como o MST e o MLST.

Nesse sentido, o projeto do agronegócio vinculado ao projeto de

desenvolvimento econômico das grandes cidades, mediados pela relação imbricada

entre o campo e a cidade, organiza-se e expande-se cumprindo sua função na relação de

reprodução do mercado capitalista. Ao mesmo tempo, os trabalhadores organizam-se

para a luta pela terra, o que significa lutar pelo direito ao trabalho, renda monetária,

alimentação, educação, moradia, lazer, cultura e saúde, alteração da estrutura fundiária e

do modelo agrícola. Ao forjarem essa luta, organizam-se também contra o agronegócio,

propondo outro projeto de sociedade.

1.2 A LUTA PELO ASSE�TAME�TO EMILIA�O ZAPATA – MST

O PA Emiliano Zapata – MST está localizado no município de Uberlândia e foi

criado em 2004 com capacidade para 24 famílias. Para sua criação foi desapropriada

pelo INCRA a fazenda Santa Luzia, de aproximadamente 645, 2164 hectares.

Para a análise de suas histórias e lutas, esta tese parte da concepção de que as

narrativas dos(as) assentados(as) são memórias que atribuem significação às

experiências sociais no momento em que são forjadas (Cf. FENELON et al., 2004;

KHOURY, 2001). Com base nisso, é possível compreender os sentidos da luta pela

reforma agrária na região em análise, começando com Maria Eleusa Mota, que narra o

seguinte: “Em 1999 existiu esse grupo, né, que resolveu fundar o acampamento

Emiliano Zapata, pessoas militantes oriundas de vários lugares, Santa Vitória, Ituiutaba,

Sacramento. Enfim, juntou toda a militância mais a coordenação [MST] que estava aqui

no Triângulo, e resolveu fundar então o acampamento Emiliano Zapata”.76

Maria Eleusa Mota, nesse trecho de sua narrativa, refere-se ao início da luta

pela reforma agrária no Triângulo Mineiro por meio das práticas sociais de famílias que

passaram a identificar-se como grupo do Emiliano Zapata do MST.

76 Maria Eleusa Mota. Entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011.

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Quando Maria Eleusa diz que o grupo resolveu fundar o acampamento

Emiliano Zapata, aponta para, entre tantas formas de luta relacionadas à questão agrária

do país, a ocupação de terra. Essa ação é uma das primeiras e aquela que constitui a

identificação do Sem Terra e que, ao mesmo tempo, dá evidência ao conflito agrário

(Cf. FERNANDES, 1998b). Compreende-se que essa atitude é uma prática social e

política que possibilita à sociedade brasileira conhecer a situação em que se encontram a

distribuição e a posse da terra no Brasil. Sobretudo, sob qual relação de forças essas

posses se constituem. Isto é, o ato de os trabalhadores ocuparem latifúndios descortina a

questão das desigualdades sociais. Assim se obriga, se não toda, mas pelo menos parte

da sociedade, ao debate sobre o crescente e histórico mecanismo de enriquecimento da

minoria, seja ela nacional ou internacional, detentora da posse da terra nesse país.

Dessa maneira, esses(as) trabalhadores(as), entre outras questões,

minimamente cobram e questionam se aquela minoria social detentora da posse da terra

cumpre a Constituição brasileira no que se refere aos Artigos 184 e 186 do Capítulo III

Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, artigos esses resultantes do

enfrentamento de classes no período da Constituinte de 1988. O primeiro artigo citado

rege que toda propriedade rural tem que cumprir sua função social, do contrário estará

sujeita a desapropriação para fins de reforma agrária. E o segundo rege e ordena os

requisitos para que a terra cumpra sua função social.77

77 Como analisado por Stedile e Fernandes (1999), há que se considerar que a Constituinte de 1988 não

garantiu a vitória dos trabalhadores rurais nas suas reivindicações referentes à questão agrária e à reforma agrária. A Constituição Brasileira rege que, para cumprir a sua função social, a propriedade rural deverá preencher os seguintes requisitos: “I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Do Capítulo III Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária). Vale ressaltar que o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo (FNRA), formado por 54 organizações sociais, luta pela criação do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) para a inclusão de um novo inciso no Artigo 186 da Constituição Federal para limitar o tamanho da propriedade rural. O FNRA criou a Campanha Nacional pelo Limite da Propriedade de Terra, que visa pressionar o Congresso Nacional para que seja incluído o V inciso no Artigo 186 limitando o tamanho da propriedade da terra em até 35 módulos fiscais, somando-se aos quatro atuais incisos que definem a função social da terra. O módulo fiscal varia de região para região, sendo definido para cada município e respeitando os critérios de proximidade da capital e infraestrutura urbana, qualidade do solo, relevo e condições de acesso. O estado de Minas Gerais possui o maior número de municípios e em alguns deles o módulo fiscal pode atingir 70 hectares. É considerada pequena propriedade o imóvel rural de 1 a 4 módulos fiscais e média propriedade a superior a 4 até 15 módulos fiscais. Entre os dias 01 e 12 de setembro de 2010 foi realizado um Plebiscito Popular organizado pelo FNRA sobre o Limite da Propriedade e votaram 519.623 pessoas. Dessas 95,52% votaram respondendo sim à primeira pergunta: “Você concorda que as grandes propriedades de terra no Brasil, devem ter um limite máximo de tamanho?”. E 94,39% das 519.623 pessoas votaram sim para a segunda pergunta do Plebiscito: “Você concorda que o limite das grandes propriedades de terra no Brasil possibilita aumentar a produção de alimentos

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Sobre a história da luta pela terra no Triângulo Mineiro, torna-se relevante o

estudo sobre o PA Emiliano Zapata – MST, porque nele estão assentadas famílias

articuladoras desse movimento social do campo a partir de 1999 e que ajudaram a

consolidar definitivamente o MST na região. Esse grupo foi composto também, para

além do que indica Maria Eleusa, conforme a última transcrição de trecho de sua

entrevista, por famílias originárias de várias cidades da região, como Coromandel,

Monte Carmelo, Uberlândia, Uberaba e Araguari, e que tinham experiência de trabalho

tanto no meio urbano como no rural.

Maria Eleusa interpreta os momentos iniciais dessa luta, ampliando o seu

campo de possibilidades históricas:

Agrupando as famílias no, então, pré-assentamento Zumbi dos Palmares [área do MST] aqui em Uberlândia. A primeira ocupação [do grupo Emiliano Zapata] foi na fazenda [...] ah! não estou lembrada agora, mas assim, aqui em Uberlândia, é [...] (pensativa) a primeira ocupação foi na fazenda São Domingos, foi despejado, né! Despejo violento. Depois voltou pro Zumbi. Depois a outra ocupação foi na fazenda Douradinho, teve [...] por volta de três meses, resistimos, com muita pressão da polícia, tinha muito infiltrado lá. E foi, aí na negociação com o INCRA, polícia e fazendeiro, a gente resolveu sair pra aguardar o assentamento definitivo em outra área, que o INCRA prometeu. [...] Nós fomos pro Rio Uberabinha lá na ponte, ficamos acampados na beira do rio, passamos por várias dificuldades, porque lá era impróprio pra ficar com o tanto de criança, [...] presenciamos cena até de assassinato, que era um lugar de banho, que os banhistas iam, de consumo de drogas, muito mosquito, água poluída. Então, assim foi um começo muito difícil! Até que o INCRA com morosidade, que era em assentar no máximo em três meses, isso já estava quase um ano lá, aí resolvemos ocupar a Fazenda Garupa, que já tinha sido desapropriada pra tal fim [reforma agrária].78

Fica evidente que esses(as) trabalhadores(as) assumiram muitos desafios em

prol de uma decisão que era a de conquistar o próprio chão para poder forjar uma vida

diferente. O grupo Emiliano Zapata construiu uma experiência de acampamento do

MST entre as mais longas da região. Isso significa trabalhadores(as) que viveram mais

de seis anos acampados debaixo da lona preta. Sofreram com inúmeros despejos devido

à liminar de reintegração de posse concedida ao proprietário pela justiça. E nesse

saudáveis e melhorar as condições de vida no campo e na cidade?”. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil -1988). E informações sobre módulos fiscais de pequena e média propriedade disponíveis em: <www.incra.gov.br>. Acesso em: 13 jul. 2011. Consultadas também informações no site: <http://www.limitedaterra.org.br/>. Acesso em: 13 jul. 2011.

78 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011.

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embate fizeram várias outras ocupações de terras que se tornaram necessárias em busca

do que almejavam. Despejos, como lembrou Maria Eleusa, seguidos de todo tipo de

violência cometida pelas forças contrárias à presença de Sem Terra na região.

Dessa forma, o grupo foi construindo e consolidando as bandeiras de luta do

MST na região, sendo as principais delas a democratização do acesso à terra e contra o

modelo agrícola do agronegócio. Após a ocupação de terras de outro grupo de famílias

do MST conhecido por Zumbi dos Palmares em 1998, a primeira grande ocupação do

MST no município de Uberlândia em 1999 foi realizada pelas famílias do grupo

Emiliano Zapata.

Na experiência de fundação do grupo Emiliano Zapata, encontram-se

trabalhadores(as) que fizeram a ocupação da fazenda Colorado, que originou o

acampamento Zumbi dos Palmares. É o caso de João Moura dos Santos, que narra sua

experiência expressando interessantes questões:

[...] eu fiquei acampado lá, é, seis meses acampado [Zumbi dos Palmares], mas estava demorando demais, a gente que num tinha assim bem costume, assim, ficou [...] daí também estava apurado lá em casa [Uberlândia] e num estava dando certo não, falei: assim [...] não! Eu vou largar, [...] o Movimento aqui, o Movimento não! Largar esse acampamento aqui, voltar pra casa, vou embora. Fui embora aí que cheguei em casa, [...] quando foi uns oito meses saiu a desapropriação da fazenda [Colorado] lá, né? Saiu e o pessoal ganharam a fazenda, aí quando eles ganhou a fazenda eu falei: Não! Mais puxa! Foi rápido, foi rápido e eu perdi por pouco eu perdi, ué! Num está certo não! Aí ficava na cama, deitava na cama, virava pra lá, virava pra cá, já era pra eu ter ganho meu lote, aí, agora, esquentei a cabeça e larguei e agora saiu a fazenda, e fiquei naquela. Foi quando, completou um ano o pessoal [MST] tornou a sair pro Frente de Massa, que era pra fazer juntar outra turma pra fazer outra ocupação, aí eu falei: Opa! Agora eu num vou [perder] [...] perdi essa, agora essa segunda eu num vou perder não!79

João Moura dos Santos, após deixar a luta pela fazenda de nome Colorado, no

município de Uberlândia, ingressou novamente no MST, encantado com a nova

possibilidade e a expectativa criada com os resultados das lutas na fazenda Colorado – o

assentamento Zumbi dos Palmares.

79 João Moura dos Santos, 63 anos de idade, natural de Itaberaba, estado da Bahia, casado com Eva

Lima dos Santos, assentado no PA Emiliano Zapata/MST, integrante do MST desde 1998. Entrevista concedida à autora em 2005, no assentamento Emiliano Zapata.

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Nas narrativas dos assentados foi possível perceber sempre a referência à área

Zumbi dos Palmares. São memórias sobre um tempo e espaço cheios de significados:

[...] Zumbi dos Palmares, que na verdade era o primeiro acampamento aqui do Triângulo, então ali, pra nós, era nossa casa, né? [...] terra nossa, terra do MST. Então eles acolhiam nós assim que fosse necessário, por isso nós voltava pra lá e ali ficamos ali uns quatro meses, organizamos outra vez, aí nessa época [final de 1999] tornou o povo [do Emiliano Zapata] tornou ir embora, quase tudo foi embora, aí pronto, desanimaram mesmo, aí quase acabou, virou a zero. Nós voltamos pro Zumbi dos Palmares, voltamos lá em seis famílias [...] foi de cento e pouco, virou pra seis famílias [...].80

João Moura indica como ele e seus pares organizam-se e como compreendem

os significados de cada assentamento conquistado na luta pelo país afora, ou seja, “terra

nossa, terra do MST”. As conquistas abrem a possibilidade de novas lutas, já que os

militantes Sem Terra organizam os trabalhadores para a ocupação tendo como prática a

ajuda de outros assentados ou de outros acampados. Isto é, no princípio da cooperação,

as famílias já assentadas ou acampadas permitem que as famílias conquistadas por meio

do trabalho de base fiquem nos seus lotes ou, no caso de acampamento, em suas

moradias “barracos de lona preta” para, a partir disso, prepararem-se organizando

recursos para a alimentação, transporte e outras estratégias do dia da ocupação da terra.

Preparam-se assim para organizar a vida e a luta no coletivo no acampamento que irão

constituir até a terra sair para assentamento. As narrativas também evidenciam as

dificuldades de organização, as tensões nas frentes de trabalho entre os acampados, a

desistência de muitos diante as duras condições impostas pelas ocupações de terra e

acampamentos.

A prática e costume realizados pelas famílias no então pré-assentamento Zumbi

dos Palmares do MST ofereceram a oportunidade de, em março de 1999, iniciar-se o

acampamento Emiliano Zapata. E no dia 06 de abril do mesmo ano aproximadamente

150 famílias ocuparam a fazenda de nome São Domingos, no município de

Tupaciguara.81

Juarez Moura dos Santos lembra-se desse início da luta e diz: “[...] nós

perdemos tanto a [fazenda] São Domingos como a Douradinho que nós passamos. Nós

80 João Moura dos Santos, entrevista concedida à autora em 2005, no PA Emiliano Zapata. 81 Município na região norte do Triângulo Mineiro.

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ocupamos e levou um pau danado [...] o primeiro grupo a ocupar [a fazenda São

Domingos] foi o MST [...] fomos pra São Domingos e levou um pau da polícia”.82

Importante perceber os apontamentos que Juarez Moura dos Santos, na época

com aproximadamente 19 anos de idade, faz sobre o processo de ocupação de uma

fazenda. O “pau danado” foi motivado pela ação da Polícia Militar durante a

reintegração de posse conseguida pelo proprietário, sujeitando os trabalhadores à

violência física e emocional.

Diante o despejo dos trabalhadores, como indicou o senhor João Moura dos

Santos (Cf. página anterior), os acampados voltaram para o pré-assentamento Zumbi

dos Palmares e, dentro de vinte dias, ocuparam a fazenda de nome Douradinho. Nessa

fazenda as famílias conseguiram resistir e permanecer dentro da área por um período de

três meses. A partir disso, gerou-se um processo de negociação entre elas e os

representantes do Estado, o INCRA/MG e a polícia militar. O acordo feito e não

cumprido foi que as oitenta famílias saíssem da fazenda para serem assentadas em outro

lugar dentro dos seis meses seguintes.

O assentado Francisco Jubiano de Freitas tratou também desse momento ao

narrar como foi a sua ida para o MST:

[...] na verdade eu conheci [o MST] mais através do Bob e o Chico, aí foi que eles fizeram esse convite. Nesse tempo [eu] tinha vindo, estava trabalhando na fazenda, da fazenda saí pra uma padaria, eu conheci ele lá. Aí, pelo convite, eu fui pra lá, de lá nós fez uma ocupação na São Domingo, da São Domingo a polícia tirou mais jagunço [nós] de lá, nós voltou pra Zumbi, foi [ocupação da fazenda] Palma da Babilônia, saímos novamente, aí viemos pra beira do rio, da beira do rio aí foi seguindo de ocupação a ocupação [...].83

Por meio das narrativas é possível compor o enredo das histórias de muitas

ocupações e despejos. Por vezes há alguns desencontros das lembranças sobre a ordem

das ocupações entre tantas idas e vindas, mas o importante é que deixaram marcas

profundas em suas memórias.

82 Juarez Moura dos Santos, 31 anos de idade, natural de Santo André – São Paulo, casado, duas filhas,

assentado no PA Emiliano Zapata. Filho de João Moura dos Santos e Eva Moura dos Santos, está no MST desde 1999. Entrevista concedida à autora em fevereiro de 2012.

83 Francisco Jubiano de Freitas, 34 anos de idade, natural de Currais Novos (RN), casado, pai de um filho, deslocou-se para Uberlândia em 1995. Antes de entrar para o MST em 1999, atuou no Sindicato dos Trabalhadores Rurais em Currais Novos. É assentado no PA Emiliano Zapata. Entrevista concedida à autora em 2011 no assentamento.

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Após serem expulsos, retornaram para o pré-assentamento Zumbi dos Palmares

e prepararam-se durante um mês para nova ocupação na fazenda conhecida como

“Palma da Babilônia parte 01”. Essa fazenda era dividida em duas partes, estando a

segunda já ocupada pelo Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST). Tal fato

gerou um novo confronto, agora entre os próprios acampados de movimentos sociais

diferentes, já que o MLST não concordou com a ocupação da parte 01 pelo MST –

Emiliano Zapata e forçou a saída do grupo do Emiliano Zapata da fazenda.

Maria Eleusa, conforme a última transcrição de trecho de sua entrevista, refere-

se à negociação entre os trabalhadores e seus opositores: “E foi, aí na negociação com o

INCRA, polícia e fazendeiro, a gente resolveu sair pra aguardar o assentamento

definitivo em outra área, que o INCRA prometeu”. Tal negociação na constituição da

luta pela terra significa como o Estado tenta liberar fazendas ocupadas para seus

pretensos proprietários. No caso dos trabalhadores do Emiliano Zapata, a proposta do

poder público foi um acordo entre as partes com promessa de assentamento das famílias

em outra fazenda. Assim, elas decidiram retirar-se e esperar acampadas na beira do rio

Uberabinha no município de Uberlândia.

A promessa não foi cumprida e, vivendo sob condições desumanas, as famílias

do Emiliano Zapata – MST resolveram fazer a sua 4ª ocupação na fazenda Garupa,

município de Uberlândia, segundo os entrevistados, cientes da sua improdutividade.

Esse processo histórico traz como evidência a persistência e a resistência dos

trabalhadores do grupo Emiliano Zapata, já que o proprietário da fazenda fez de tudo

para comprovar a produtividade da terra ao pedir à justiça um segundo laudo de vistoria

do INCRA.

Importante analisar que esse processo significou de forma emblemática a força

do agronegócio nesse município e região como todo. De acordo com Mota (2010) e os

entrevistados do PA Emiliano Zapata – MST, o dono da fazenda Garupa conseguiu o

apoio do Sindicato Rural de Uberlândia (SRU) e, junto aos outros fazendeiros da região,

conseguiu uma grande quantidade de cabeças de gado para colocar na fazenda durante a

noite antes que os técnicos do INCRA fizessem a segunda vistoria. Numa evidente

disputa de poder com os acampados, os ruralistas da região fizeram da fazenda Garupa

o símbolo de sua força.

A propriedade rural Garupa tornou-se uma questão de honra para os

fazendeiros da região do Triângulo Mineiro, que não admitiam (e ainda não admitem)

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ameaças a suas propriedades rurais, e cujo proprietário usou, segundo entrevistados, de

meios duvidosos para derrubar o primeiro laudo de improdutividade.

Sobre esse momento da luta pelas terras da Garupa, Jonas Batista Nunes

analisa que:

[...] lá Garupa foi o judiciário [...] contra nós pela influência da fazendeirama da redondeza e eu acho que mais pelo fato do fazendeiro ser maçônico, aí o pessoal maçônico ajunta todo mundo pra causa deles. Nesse caso aí, eu sei que no meio desse processo o maçônico tem muita força na sociedade, principalmente no meio dos ricos, né? E aqueles fazendeiros da região ali da redondeza dizem que num queria pobre no meio deles, era o boato que eles num [...] queria, eles eram contra essa desapropriação da fazenda [Garupa], porque num queria essa pobreza no meio deles lá [...] outros problemas foi o INCRA também era um dos culpados, porque lá chegou sair decreto de desapropriação, estava em negociação, nós passamos lá onze meses [...] só que o fazendeiro falou muitas vezes pra nós: ‘quem está enrolando vocês é o INCRA, não sou eu, porque se o INCRA me pagar eu desocupo a fazenda amanhã pra vocês, assim que o INCRA me pagar o que foi negociado Mas o INCRA não me paga, como que eu vou entregar?’. Como o tempo foi passando, o INCRA enrolando, enrolando, o fazendeiro nunca que recebia as tal das TDA’s [Títulos da Dívida Agrária] não eram liberadas, o fazendeiro mudou de ideia e entrou com ação, aí o judiciário deu causa a favor [...] foi na época do governo do Fernando Henrique, isso foi [em] 2000 e deu ganho de causa pro fazendeiro, o Helito Militão, lá de Belo Horizonte. Ele assinou e como a PM [Polícia Militar] não podia, que naquela época tinha o problema que o Itamar [Itamar Franco governador de Minas Gerais na época] [...] não permitia que a PM fizesse o despejo, aí eles puseram a Polícia Federal, quem despejou nós da Garupa foi a Polícia Federal.84

Maria Eleusa Mota também narrou sobre esse período, destacando o seguinte:

[...] Mas foi mais doloroso no sentido da perda emocional dos trabalhadores, que ali [fazenda Garupa] eles sentiam que a terra era nossa, né? Porque laudo improdutivo, desapropriada. Então uma expectativa assim, a terra é nossa, tinha esse sentimento de posse. Então quando isso se quebrou, os trabalhadores não aceitaram. A gente nota muita mágoa! Até depois mesmo, nós já estávamos aqui [PA Emiliano Zapata], a gente sentia esse sentimento de mágoa nas pessoas, né? Eu sei que o meu pai morreu com essa mágoa, não era tão assim doentia, mas essa mágoa de desrespeito pelo fazendeiro! Uma questão assim pessoal, dele [do fazendeiro], assim, não quero ver minha terra dividida pra Sem Terra! É! Essa questão de valores mesmo! Da luta de classe mesmo! Então, eu acho que esse foi um dos

84 Jonas Batista Nunes, 57 anos de idade, natural de Abadia dos Dourados (Triângulo Mineiro), casado,

cinco filhos. A filha mais nova, Flávia Nunes, foi morta devido a um câncer na perna. É assentado no PA Emiliano Zapata do MST, integrante desse Movimento desde 1999. Entrevista concedida à autora em 2005, no assentamento Emiliano Zapata.

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momentos mais difícil. Foi aonde a gente ficou com menos famílias, porque umas ficaram revoltadas e saíram.85

Com essas falas de Jonas e Maria Eleusa é possível perceber o impacto no

estímulo para continuar a luta pela reforma agrária nessa região onde os donos do

agronegócio não admitem perder o poder e status que a posse da terra lhes confere em

seu meio social, econômico e político. Significativa é a resistência do grupo Emiliano

Zapata – MST por onze meses na fazenda Garupa, na qual os acampados já se

consideravam assentados pelo histórico de improdutividade da área. Segundo Francisco

Jubiano de Freitas,

[...] foi lá pra Garupa passamos onze meses lá, aí já tinha saído decreto e estava pro assentamento, a gente já tinha plantado milho, feijão, já estava uma plantação até grande, aí o que aconteceu de lá nós foi o Helito Militão mandou o despejo. Quando ele mandou nós foi despejado e nós voltamos de novo lá pro assentamento [Zumbi dos Palmares] lote do Chico, fiquemos lá acampado, de lá nós foi pra FERUB, uma área da prefeitura. Passamos lá quatro anos e fechando rodovia, fazendo greve, indo lá no INCRA, fechando o INCRA, e aí foi lá que nós firmou também, lá nós conseguiu na verdade, nós não ia embora, aí nós começou a firmar mais [...].86

A dimensão política que a ocupação da fazenda Garupa adquiriu fica evidente

com essas narrativas. Uma fazenda que na primeira vistoria realizada pelo Estado foi

decretada improdutiva, agora produzia alimentos com acampados do MST. Os

trabalhadores seguiram cultivando plantações de alimentos e criação de animais,

forjando experiências em vários meses em que mantiveram a alta expectativa de

naquelas terras se estabelecerem.

Ao lembrar essas experiências e narrá-las, eles elaboram e atribuem valores,

sentidos de seus interesses e significados da correlação de forças daqueles tempos. E

entre eles está o impacto negativo do despejo feito pela polícia, que gerou

proporcionalmente um desencanto. Esse despejo emblemático, como todos os outros,

significou a retomada da propriedade privada improdutiva e uma resposta de governos

federal – FHC (PSDB), estadual – Itamar Franco (PMDB), municipal – Virgílio Galassi

(na época do Partido Progressista Brasileiro, o qual atualmente é o Partido Progressista -

85 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2011. 86 Francisco Jubiano de Freitas, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011.

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PP) aos Sem Terra, na tentativa de impor aos trabalhadores a crença de que nessa região

eles não conseguiriam expandir o seu Movimento.

A senhora Eva Lima dos Santos lembra esse tempo e afirma o seguinte:

É! Isso pra mim é uma história do dia a dia que nós viveu, é a história, né? Porque teve época que nesse assentamento só aguentou as pontas porque ficaram quatro famílias, cinco famílias, quando nós foi despejado [da Garupa], ficou cinco famílias. Essas cinco famílias falaram: nós num vai sair e nós vai levantar o Zapata, nós vai juntar gente e vamos fazer ocupação, aí ficou. Nós fomos pro lote do Chico [no assentamento Zumbi dos Palmares], chegou lá [...] cinco família [...] ficou lá. Aí, quando nós num conseguimos fazer Frente de Massa e juntar quase ninguém, nós pedimos o reforço, o apoio aos Sem Teto lá do Dom Almir [bairro pobre de Uberlândia]. Nós pedimos o Sem Teto e com o Movimento, num sei se foi lá da APR [Animação Pastoral e Social do Meio Rural], foi umas pessoas que ajudou nós, aí juntamos aquele povo lá da Macaúba [outra área do MST do início da década de 1990], né? Foi, vieram um bocado e nós conseguimos fazer a ocupação da FERUB, mas na realidade, de família mesmo, nós num tinha nem dez famílias no acampamento, era tudo apoio, aí depois que nós conseguimos, que estava tudo tranquilo, que já tinha passado uns três a quatro meses, num teve despejo, estava indo bem, aí foi que o pessoal voltou pro acampamento. Então, aí, se nós num fizesse isso, num tinha o Zapata hoje. Se nós também tivesse desistido e fosse embora, num tinha o Zapata, mas nós aguentamos as pontas. E com essas cinco famílias nós conseguimos levantar o acampamento, daí a pouquinho o acampamento estava cheinho e todas essas ocupações que nós temos hoje e todos esses assentamentos que outros companheiros foram assentados junto com nós, né? Aí, é isso que a gente fica satisfeito [...] ajudemos construí o MST, dessa maneira que eu falei pra você, rastando a barriga pelo chão que, às vezes, nós ficava cinco famílias, mas nós num desistia. Desde primeiro dia que nós entrou no acampamento, nós nunca desistimos. Sempre trabalhando na luta, sempre com o Movimento.87

Importante destacar nessa narrativa como a senhora Eva lembra um tempo de

desafios e de superações por parte dos trabalhadores, possibilitando a compreensão

sobre o poder de organização e articulação política do grupo Emiliano Zapata com

grupos que apoiam a luta pela reforma agrária. É possível acompanhar com suas

interpretações e a de outros a correlação de forças no enfrentamento ao poder dos donos

do agronegócio. Eva interpretou as experiências e vivências revelando a sua satisfação

pela conquista dela e dos outros trabalhadores, evidenciando os anos em que as lutas

foram possíveis por meio de sua resistência.

87 Eva Lima dos Santos, 57 anos de idade, natural de São José de Pedra Dourada/Minas Gerais, casada

com João Moura dos Santos, 3 filhos. Assentada no PA Emiliano Zapata/ MST. Integrante desse movimento desde 1998. Entrevista concedida à autora em 2005, no assentamento Emiliano Zapata.

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De aproximadamente 128 famílias do grupo Emiliano Zapata, restaram cinco.

Essas seguiram para o lote de um militante conhecido como Chico, no assentamento

Zumbi dos Palmares, e iniciaram um novo trabalho de base junto à coordenação

regional e estadual do MST. Com o apoio de outras famílias assentadas do MST no

Triângulo Mineiro, de sindicatos dos professores e técnicos da UFU, de movimentos

sociais urbanos como os Sem Tetos, da Animação Pastoral e Social no Meio Rural

(APR) e de estudantes universitários,88 articularam a inclusão de novas famílias para

uma ocupação de terras.

Essa ocupação foi realizada no dia 20 de janeiro de 2001, planejada e

organizada estrategicamente nas terras da Fundação Educacional Rural de Uberlândia

(FERUB), propriedade da prefeitura de Uberlândia. O significado dessa ocupação, entre

outros, foi a pressão sobre as autoridades dos poderes públicos para que assentassem as

famílias do Emiliano Zapata.

Portanto, é possível interpretar a ocupação da FERUB como um ato de

protesto, de indignação e de resistência do MST perante a sociedade e as forças

políticas. Não era mais possível suportar que o poder público abafasse e enredasse as

famílias acampadas do MST em falácias e promessas de assentamento, como aquelas

apontadas anteriormente pela assentada Maria Eleusa Mota.

Contudo, os entrevistados do PA Emiliano Zapata referem-se aos longos três

anos em que permaneceram na FERUB. São memórias e histórias de lutas e

negociações com a gestão da prefeitura de Uberlândia, ocupada então por Zaire

Rezende, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Essas

negociações inserem-se numa correlação de forças um pouco mais favorável aos Sem

Terra, já que esse prefeito apresentava-se mais próximo, ou melhor, um pouco mais

sensível às lutas dos trabalhadores rurais e urbanos. Entretanto, na disputa política no

início o governo, a prefeitura, cumprindo sua função administrativa, solicitou na justiça

a reintegração de posse da FERUB, passando a mediar um cansativo processo de

negociações, no qual ficou acordado que as famílias do Emiliano Zapata ficariam

naquela fazenda até serem assentadas. Tal situação, pretensamente, evitava o risco de

violência, que, em muitos casos, tem levado até a morte de Sem Terra pelas ações do

proprietário da fazenda, jagunços ou mesmo no confronto com a polícia.

88 Que realizavam na época estágio de vivência no acampamento Emiliano Zapata.

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Dentre os significados e o que se abriu como possibilidade da ocupação da

FERUB, encontra-se a proposta da prefeitura, em 2001, para que as famílias do

Emiliano Zapata aceitassem receber na área ocupada (FERUB) um grupo de outro

Movimento, o MLST, numa clara tentativa de eliminar um conflito emergido de outra

ocupação e despejo da fazenda de nome Capim Branco no município de Uberlândia.

Esse grupo de famílias do MLST originou o grupo do PA 21 de Abril, hoje assentado

em Veríssimo e também objeto de análise desta tese.

A prefeitura de Uberlândia tentava resolver o problema fazendo também

promessas de intervenção junto aos poderes públicos para destinação de áreas para

assentamento do grupo 21 de Abril.

O assentado Juarez Moura dos Santos do PA Emiliano Zapata lembrou esse

acontecimento e o interpretou da seguinte forma:

Na verdade foi a prefeitura [de Uberlândia], nem foi eles [MLST] que procurou a gente [...] [e disse] nós estamos querendo ceder aqui 01 hectare pra eles, blá blá blá, pra tirar de uma área de conflito e trazer pra cá [FERUB], mas [o grupo do MLST] vai ficar três meses e nós vai retirar eles pra outra área. E depois num tirou. E uma semana depois que nós aceitou deu arrependimento, mas já tinha aceitado. [...] Porque aí era dar um tiro no pé, você traz outro Movimento [social] pra colocar do seu lado [...] e que pior nessa relação de Movimento [social] de ocupação de espaço, nós estávamos na época com umas quarenta famílias, aí você coloca duzentas do seu lado. [...] Eles [MLST] conseguiram fazer uma mobilização, eles são muito populistas, eles são muito espertos pra isso, deu barraco demais lá [na FERUB], mais muito barraco! Mas foi, assim, foi um risco que nós correu. [...] Mas eles [MLST] sempre tiveram muito respeito com nós e nós com eles. Talvez essa coordenação [do MST – Emiliano Zapata] desse primeiro período, nós conseguiu estabelecer formas de eles respeitava nós e nós respeitávamos eles. [...] Então num tinha um atrito, [...] nós num questionava eles, eles num questionava nós [...] [tinha a disputa de espaço] da política mesmo de ocupação, de Movimento [social], de fortalecimento, nós como tínhamos muito respaldo nacional e estadual, às vezes, nós tínhamos pouca gente, mas tinha mais moral, eles tinha muita gente e menos moral. [...] Só no finalzinho ficou uma deixa que eles poderiam utilizar a área pra voltar, aí nós pegamos o Canudos [acampamento de famílias do MST em Santa Vitória-Triângulo Mineiro], nós tocamos umas quatro, cinco famílias lá dentro [...].89

89 Juarez Moura dos Santos, 31 anos de idade, natural de Santo André (SP), casado, duas filhas,

assentado no assentamento Emiliano Zapata, filho de João Moura dos Santos e Eva Moura dos Santos, está no MST desde 1999. Entrevista concedida à autora em janeiro de 2012.

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De acordo com os entrevistados do MST e do MLST, o convívio entre os

Movimentos foi um acordo estabelecido sem conflito ou confronto entre eles. Juarez,

nesse trecho da transcrição da sua narrativa, analisa, entre outros, o movimento histórico

do MST e do MLST, sugerindo como foram, e continuam sendo, importantes as lutas,

as ações e forma de organização do MST, pois elas possibilitaram e possibilitam sua

projeção política em nível nacional e estadual. Isso significa que o MST foi criando

possibilidades para seu fortalecimento ao tempo que ganhava também, de certo modo,

um reconhecimento por parte da sociedade externa na região do Triângulo Mineiro. Ou

seja, entre os diversos Movimentos da reforma agrária e suas dinâmicas sociais, eles,

trabalhadores do MST, segundo Juarez, tinham mais moral, apesar de terem um número

menor de acampados. No tempo a que Juarez se refere (e mesmo hoje), o MST, nas suas

articulações nacional e estadual, divulgava valores e condutas pautados em diferentes

frentes das agendas políticas, principalmente no tocante ao meio ambiente, o que

acabava gerando um reconhecimento por parte da sociedade de suas reivindicações para

além da distribuição da terra.

Segundo Eufrásia Maria dos Santos,

[...] a FERUB tinha outro Movimento, o MST, do outro lado da fazenda. O convívio foi bom! O MST deu apoio levando cestas básicas. [...] A gente teve primeiro um diálogo com eles, quando a gente chegou na [fazenda] Capim Branco, inclusive eles ganharam umas cestas até [iam] lá, é, dar apoio moral pra gente, levou a cestas pra gente, eles foram, é, foram lá dar a mão amiga pra gente, depois concordou da gente ir pra lá, aí a gente tinha uma convivência muito boa com eles! [...].90

Portanto, ficaram os dois Movimentos de Sem Terra na FERUB, pressionando

o poder público para que desapropriasse as fazendas, indicadas por eles como

improdutivas, na região. Contudo, a fala de Juarez Moura dos Santos revela os conflitos

políticos existentes no processo histórico da luta pela terra na região do Triângulo

Mineiro, onde existem inúmeros Movimentos lutando para conquistar assentamentos e

para mantê-los.

Retomando a análise sobre a ação do grupo Emiliano Zapata – MST de ocupar

a FERUB e seus significados, é possível perceber que essa ação estratégica dos 90 Eufrásia Maria dos Santos, 53 anos de idade, casada, mãe de quatro filhos, natural de Patrocínio

(Triângulo Mineiro), saiu desse município para morar em Centralina (Triângulo Mineiro). Assentada no PA 21 de Abril do MLST no município de Veríssimo. Entrevista concedida à autora em dezembro de 2011 no PA onde reside.

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militantes inaugurou um tempo e um espaço de outras relações contraditórias entre o

poder público e os trabalhadores Sem Terra. Aquela área pouco produtiva na visão dos

trabalhadores era, na concepção da prefeitura, palco de possível solução de conflitos e

confronto por terra na região.

Contudo, os Sem Terra do MST ficaram por anos na FERUB, pressionando

para desapropriações e aquisições de assentamentos rurais. Seguiram organizando

marchas no município de Uberlândia, fizeram acampamentos na porta da prefeitura,

fecharam rodovias importantes que ligam os estados de São Paulo, Goiás e Minas

Gerais para que o acordo fosse cumprido. Também foram para Belo Horizonte e

acamparam na porta do INCRA estadual, exigindo audiências com representantes dos

poderes públicos.

Dentro do acampamento do MST, como fizeram desde o início, os

trabalhadores organizaram-se em núcleos de base, investiram em educação das crianças,

jovens e adultos. Organizaram inúmeros cursos de formação política, foram para

inúmeros cursos externos organizados pelo MST e Via Campesina, caracterizando um

processo de amadurecimento e compreensão das experiências pelas quais passaram.

Seguiram organizando e/ou participando de encontros, congressos, reuniões, estudos e

cursos de formação política e/ou de nível de graduação.

Segundo Mota (2010), o grupo de famílias do Emiliano Zapata, em 2003,

ciente da desapropriação da fazenda de nome Água Limpa no município de Uberlândia,

fez sua 6ª ocupação nessa área. Conseguiram, no desenrolar do processo, assentar 15

famílias do grupo nessa fazenda e o restante (vinte e quatro famílias) fez outra ocupação

na fazenda Santa Luzia, em 2004, também em vias de desapropriação.

Entretanto, foram surpreendidos pela ação, na fazenda Santa Luzia, de outro

movimento social do campo. Maria Eleusa, ao lembrar essa época, levantou questões

pertinentes:

[...] tivemos outros problemas, né? Fundaram um Movimento um dia pra noite, porque tinha um funcionário da prefeitura que soube disso, que essa fazenda já estava desapropriada, já tinha decreto de posse, é que ela era pra nós. E aí juntou mais outros aí, e fundou o Movimento do dia pra noite, e ocupou aqui. Nós tivemos problema nesse sentido, porque aí nós chamamos o Fórum, chamamos a APR pra chamar esse Fórum, todos os Movimentos, expomos o problema, e aí demos o prazo pra eles saírem. E aí ficou decretado ali que nenhum Movimento podia ocupar mais, né, ocupar fazenda que era pra outro Movimento, tem que respeitá isso. E eles acabaram saindo, porque aí ficou sem

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respaldo, e as famílias também foram vendo que ficaram muito desmoralizado, aí eles foi saindo um por um. E aí o ponto culminante foi quando os funcionários do INCRA veio fazer a legitimação das famílias Zapata, e aí eles, a coordenação deles [do outro movimento social] pegou e reteu as funcionárias aqui dentro da fazenda, não deixava elas saírem [...] teve que chamar a polícia, então foi ficando mais desmoralizado, perante o INCRA, e as famílias, e acabaram indo embora [...].91

O senhor João Moura dos Santos, em entrevista no ano 2005, narrou sobre esse

outro desafio:

[...] eles foram uns invasores, eles foram usurpadores, que no caso, nós tínhamos pedido a vistoria dessa fazenda [Santa Luzia] há cinco anos. E, então, o INCRA falava pra nós que nós tínhamos que não ocupar aqui essa área [fazenda Santa Luzia], porque se nós ocupássemos ia atrasar o processo, o encaminhamento do processo, e nós obedecíamos. Também nós não ocupamos, ficamos esperando deixar que ele [INCRA] avalie. Daí foi saiu a desapropriação dessa fazenda, aí esses invasores vieram, aproveitaram a oportunidade, vieram ficar [...] aqui dentro. Aí nós chamamos eles lá em Uberlândia no Fórum Social de Uberlândia [...] e discutimos, levamos uns par de dia discutindo com eles, até que nós fizemos um acordo que eles ia desocupar aqui. Desocuparam, mais ficaram umas quatro ou cinco famílias e ali persistindo, teimando ali, né? Teimando, ‘Ah! Eu num saio, num saio’. Aí foram saindo um a um [...] no fim resta uma família só, quer dizer, que acho que desse problema nós estamos livre, que essa família sozinha. [...]

Leandra: Então foi um problema com os próprios trabalhadores?

João Moura: Com os próprios trabalhadores e nós num queríamos e nós nunca quisemos, por exemplo, ter assim entrar em conflito com eles nunca! Sempre negociando até, inclusive, essa família que está aí, eles ainda não saíram e ficaram teimando, teimoso, mas nós mesmos nós não tiramos eles assim a força pra não entrar em conflito com eles. Nós vamos no diálogo até no dia que não resistirem e mudarem.92

O Movimento ao qual se refere João Moura, de acordo com os entrevistados do

MST e, em específico, os estudos de Mota (2010), havia-se formado recentemente na

região. E, segundo confrontação de documentação, era conhecido por MTR

(Movimento dos Trabalhadores Rurais).

As narrativas dos assentados do MST, como indicou Maria Eleusa, sugerem

que pessoas ligadas a esse MTR mantinham relações com a prefeitura de Uberlândia. E,

91 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011, no PA Emiliano Zapata. 92 João Moura dos Santos, 63 anos de idade, natural de Itaberaba, estado da Bahia, casado com Eva

Lima dos Santos, assentado no PA Emiliano Zapata/MST, integrante do MST desde 1998. Entrevista concedida à autora em 2005, no assentamento Emiliano Zapata.

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por isso, o grupo desse Movimento tomou conhecimento da desapropriação das

fazendas Água Limpa e Santa Luzia, que seriam destinadas ao MST, resolvendo assim

disputar as mesmas terras. Isso demonstra a importância, nessa disputa, da inserção em

espaços institucionais e governamentais na perspectiva da correlação de forças que pode

servir como forma de conquistar terras.

Sobre o acontecimento narrado por João Moura dos Santos na última

transcrição de trecho de sua entrevista, ocorre que, frente a essas disputas por terra no

Triângulo Mineiro, forças e movimentos sociais a favor da reforma agrária criaram o

Fórum Regional da Reforma Agrária com o objetivo de intervir em conflitos como

aqueles gerados quando um movimento social ocupa uma fazenda já ocupada por outro

Movimento, ou, em caso de conflitos com forças opostas, perseguição e assassinatos

dos trabalhadores.

Relacionando as falas anteriores do senhor João Moura e da Maria Eleusa,

ficam evidentes os momentos complexos da luta pela reforma agrária, com as

possibilidades de conflito entre os próprios trabalhadores. Assim, só ocorreu

definitivamente o desfecho do conflito com a intervenção do Estado, por meio de

negociação do INCRA junto à polícia militar, até convencerem o grupo resistente a

retirar-se da área.

É possível perceber que o Triângulo Mineiro é o reduto dos ruralistas e dos

movimentos sociais ligados ao campo, ambos em franca disputa pela manutenção da

posse da terra e pela reforma agrária, respectivamente.

Por meio da pesquisa documental e bibliográfica, foi possível recuperar a

história da organização das lutas pela terra no Triângulo Mineiro lideradas pelo MST,

bem como compreender o surgimento de outros movimentos sociais rurais. Vale

ressaltar que se constatam atualmente inúmeros Movimentos nessa região conhecidos

por diferentes siglas, em alguns casos dissidências de outros.

Para uma breve referência, é possível encontrar na região em estudo os

seguintes movimentos sociais: MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra);

MLST (Movimento de Libertação dos Sem Terra); MLST-L (Movimento de Libertação

do Sem Terra de Luta), dissidência do MLST; MTL (Movimento Terra, Trabalho e

Liberdade), fundado em 2002 e dissidência do MLST-L; MTL-DI (Movimento Terra,

Trabalho e Liberdade – Democrático e Independente), dissidência do MTL, cujos

militantes, em 2008, realizaram um congresso no qual se mudou o nome do Movimento

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para Terra Livre, com o objetivo de desfazer a confusão com a sigla MTL;93 MPRA

(Movimento Popular pela Reforma Agrária) dissidência do MST; (MLT) Movimento de

Luta pela Terra; FETAEMG (Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de

Minas Gerais); CCL (Comissões Camponesas de Luta); CLST (Caminho de Libertação

dos Sem Terras); LCP-CO (Liga dos Camponeses Pobres do Centro Oeste).94

Para uma visualização espacial da atuação dos vários Movimentos nessa

região, a tese utiliza e cita o mapa a seguir que traz a localização das ocupações de terra

entre os anos de 2001 e 2005. Ele foi extraído de artigo de autoria de Lucimeire de

Fátima Cardoso, João Cleps Júnior e Eduardo Rozetti de Carvalho (2006) pesquisadores

do LAGEA/IG – UFU e facilita a compreensão da localização dos municípios

pertencentes à mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba.

Mapa 2: Localização das ocupações de terra no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba – 2001 a 2005.95

93 Informações disponíveis em: <http://mtl-di.blogspot.com/>. Acesso em: 17 dez. 2011. 94 Pude acompanhar mais de perto o surgimento de vários movimentos sociais de luta pela terra na

região por meio da minha experiência de militância no MST. É importante ressaltar que no levantamento bibliográfico destacam-se as publicações: BENTO (2009), GOMES (2004), GUIMARÃES (2002), Medeiros (2008), SILVA (2007), SILVEIRA (2008), cada uma com suas peculiaridades abordaram, entre outros, o processo de emergência e atuação dos diferentes movimentos de luta pela terra no Triângulo Mineiro.

95 Fonte: CARDOSO; CLEPS JR.; CARVALHO, 2006. Disponível em: <http://www.simposioreformaagraria.propp.ufu.br/trabalhos/>. Acesso em: 25 nov. 2011.

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Talvez seja surpreendente constatar que entre os próprios trabalhadores

ocorram divergências. Se, por um lado, ao contrário de somar na luta pela reforma

agrária, algumas de suas práticas venham a dificultá-la, por outro lado, a existência de

vários movimentos da luta pela terra no Triângulo Mineiro sinaliza para a força dos

trabalhadores no enfretamento das forças do agronegócio.

Nesse sentido, o pesquisador João Cleps Júnior trata a complexidade dessa

questão e suas produções acadêmicas contribuem para nossa reflexão:

No Triângulo Mineiro, a existência de uma multiplicidade de movimentos, além de refletir sua heterogeneidade, características das situações rurais, está ligada, por vezes, a conflitos internos e outros existentes entre os movimentos sociais (divisões e disputas) que se vinculam às questões de ordem política, ideológica, ou até mesmo pessoal. Tais conflitos, frequentemente, atravancam processos de luta que, em sendo unificados, tenderiam a acumular muito mais forças, ampliando o poder de pressão e expressão dos trabalhadores rurais sem-terra. [...] Isso não significa que os movimentos sociais ligados ao campo, na região do Triângulo Mineiro, não se articulem em determinadas frentes de luta. Frentes estas que, em certos momentos, envolvem questões para além da luta pela reforma agrária, como o direcionamento para problemas relacionados diretamente ao meio urbano, tais como emprego, moradia, transporte, educação, entre outros. (CLEPS JR., [200-?], grifo meu).96

É possível compreender que, no campo das disputas de espaço de Movimentos,

há, por parte de alguns militantes, disputas políticas pelo poder e representatividade

partidária e institucional ou não. As divergências dentro dos Movimentos podem ser

interpretadas ainda como uma questão da vaidade pessoal (Cf. ALMEIDA, 2006), para

além de modos diferenciados de concepção sobre como organizar os espaços coletivos e

conduzir as táticas no enfrentamento do capital. Essa vaidade e suas consequências não

estão presentes somente nesses movimentos sociais ora analisados, já que a história da

luta sociopolítica é permeada por processos de dissidência, seja de esquerda ou de

direita, em organizações sociais ou partidos políticos.

O importante desse processo de constituição dos movimentos sociais ligados ao

campo é compreender de que modo os(as) trabalhadores(as) estão desafiando regras e

leis instituídas pela sociedade civil e jurídica capitalista. E ao fazê-lo por meio de seus

costumes e práticas sociais, reivindicam e lutam pelo o direito ao trabalho e à

96 A versão do texto utilizado e obtida na internet não está paginada e a citação pode ser encontrada no

primeiro e segundo parágrafos da décima nona página.

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manutenção de sua vida e da de suas famílias, no fazer-se da classe trabalhadora (Cf.

THOMPSON, 1987a) e da história com conquistas, obviamente com ideias, práticas e

costumes que podem ser comuns (Cf. THOMPSON, 2008) ou não, e por isso se

legitimam.

Em 2004 o grupo em estudo do MST – Emiliano Zapata conquistou parte de

seus objetivos com o decreto de desapropriação de três fazendas para fins de reforma

agrária no município de Uberlândia: a Água Limpa, a Santa Luzia e a Bebedouro. As

famílias do grupo Emiliano Zapata foram remanejadas em duas delas da maneira como

desejavam. Primeiramente, na antiga fazenda Água Limpa assentaram-se quinze

famílias com parentesco entre si e que almejavam ficar juntas na mesma área. Esse PA

recebeu o nome de Flávia -unes.97

Portanto, as famílias que restaram no acampamento Emiliano Zapata, nessa

época localizado na FERUB, foram assentadas na antiga fazenda Santa Luzia, sendo

que cinco dessas famílias são aquelas do início da primeira ocupação do grupo em 1999

e que também optaram por ficar no mesmo assentamento. Como essas famílias não

preencheram todos os lotes de terras disponíveis na fazenda Santa Luzia, os

trabalhadores indicaram para serem assentadas ali outras pessoas de outros

acampamentos do MST no Triângulo Mineiro: do acampamento Zagaia no município

de Sacramento e do acampamento Canudos no município de Santa Vitória no Triângulo

Mineiro. Ao todo foram assentadas vinte e quatro famílias na fazenda Santa Luzia e

depois houve a integração de mais uma.98

Essas famílias escolheram manter o nome do PA de Emiliano Zapata, nome

que no início das lutas havia sido eleito em homenagem à luta dos trabalhadores do

97 Em homenagem à menina Flávia, filha do casal Jonas Batista Nunes e Teresinha Gomes Nunes, que,

aos quatorze anos de idade, faleceu devido a um câncer na perna. 98 Segundo as narrativas dos assentados, essa integração tardia se deu por conta de uma situação

constrangedora envolvendo uma senhora idosa, Dona Iracema, que lutou anos e, no momento da homologação feita pelo INCRA, que é o reconhecimento das famílias por parte desse órgão como apta ao assentamento, ele não a reconheceu. Disso se gerou um longo processo de discussão entre os trabalhadores e o INCRA, até os trabalhadores proporem assentar a senhora em uma área de 3 hectares do lado da sede da fazenda. Contudo, nem a senhora nem o INCRA, em um primeiro momento, concordaram. Durante esse processo a senhora faleceu e, no desenrolar da história, acabou entrando um parente dela como assentado nesse lote de 3 hectares. Por isso houve retificação na Portaria INCRA/SR-06/N 065, de 23 de novembro de 2004 que cria o PA denominado Emiliano Zapata publicado no Diário Oficial da União - DOU nº 228 de 29/11/2004, seção I, página 62, B.S. n 48 de 29/11/2004: onde se lê: “vinte e quatro unidades agrícolas” se lê: “vinte e cinco unidades agrícolas”. Publicada no DOU 25/06/2008.

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Movimento Zapatista do México e ao seu mais expressivo líder, agora somando a isso

as memórias construídas pelo grupo nos anos de acampamento.

Importante ressaltar que no PA Emiliano Zapata aquelas cinco famílias que

estão lutando desde 1999 ficaram juntas, o que se tornou um dos marcos de memórias

de resistências que compõem o processo de conquista do PA Emiliano Zapata. Esse

grupo de famílias foi conquistando outras famílias durante os anos de acampamento

através do trabalho de base dos militantes do MST e, assim, ajudando a formar outros

acampamentos, ampliando o número de trabalhadores(as) que pleiteavam uma gleba de

terras.

É importante observar como a pesquisa revelou condições históricas

importantes para a retomada, a organização e a expansão das lutas dos trabalhadores

rurais no Triângulo Mineiro, principalmente, pode-se dizer, a partir de 1983, trazendo

um legado para o marco de memórias das lutas e para as possibilidades de surgimento

dos movimentos sociais MST e MLST nessa região. As probabilidades de consolidação

desses Movimentos articulam-se, entre outras, às vivências, memórias e experiências de

lutas dos trabalhadores dos PAs Emiliano Zapata – MST e 21 de Abril – MLST nos

conflitos e confrontos emergidos no processo de luta.

As análises das narrativas dos trabalhadores entrevistados sobre as experiências

na constituição do MST no Triângulo Mineiro a partir do final da década de 1990

remetem à importância do surgimento da organização de trabalhadores rurais a partir de

197899 processo que se desdobrou em 1984 na fundação do MST100 e, de forma geral,

na expansão e organização desse Movimento na perspectiva regional.

As experiências de lutas no campo construídas e compartilhadas desde o final

da década 1970 entre diversos segmentos sociais possibilitaram a muitos trabalhadores a

criação de expectativas em torno da conquista do pedaço de chão. Segundo afirma

99 Em julho de 1978, mil e duzentas famílias de rendeiros tiveram que se retirar da reserva indígena

Nonoai dos nativos Kaigang nos municípios de Ronda Alta e Sarandi – RS e, a partir de então, organizaram a luta ocupando a fazenda Macali e reivindicando o assentamento para suas famílias. No desdobramento desse processo importante e emblemático deu-se a organização do acampamento Encruzilhada Natalino (Cf. STEDILE; FERNANDES, 1999).

100 Nos marcos de memórias das lutas de Sem Terra, o ano 1984, especialmente entre os dias 20 e 22 de janeiro, foi importante, pois trabalhadores rurais antes dispersos reuniram-se no 1º Encontro Nacional dos Sem Terra na cidade de Cascavel no Paraná para fundar o MST, com o apoio de várias entidades sociais e religiosas, como a CPT (Cf. STEDILE; FERNANDES, 1999).

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Fernandes (1994), muitas lutas desse tempo e de meados dos 1980 foram deflagradas

em diferentes regiões e estados brasileiros pelos(as) trabalhadores(as) engajados(as) em

diferentes setores, como sindicatos, movimentos sociais ou igrejas, intensificando a

troca de experiências, sendo a forma de organização uma característica em comum na

luta dos trabalhadores rurais.

Diferentes trabalhadores(as) do campo passaram a acreditar e militar, lutando

pelas bandeiras do MST e pelo projeto de reforma agrária que esse Movimento defende.

Segundo Mota (2010),

[...] a luta do MST não pode se restringir à questão apenas econômica. Ao falar do MST, é preciso ficar atento para a multiplicidade de frentes de lutas conjugadas à reforma agrária, contida no seio desse movimento social, que articula e levanta várias bandeiras de luta. Diferentemente do que muitos imaginam, no MST a luta não é só pela terra. Vai além, já que defendem uma reforma agrária que não seja apenas distributiva de lotes para acampados, mas que tem como objetivo maior mudar a estrutura fundiária do país e melhorar as condições dos camponeses, através de uma política de subsídio à produção, de estimulo à cooperação agrícola, de uma educação que respeite e valorize os povos do campo. [...] No campo econômico, o MST trava intensa luta contra o agronegócio, a monocultura, o imperialismo representado por empresas transnacionais, contra a ALCA, vista como arcabouço jurídico do projeto de dominação do capital estrangeiro, em especial das multinacionais estadunidenses, por mais emprego no campo e na cidade, contra a desigualdade social e as injustiças cometidas contra os povos oprimidos, contra os preços abusivos de tarifas públicas, principalmente aquelas que usam os recursos naturais de patrimônio da humanidade, como água e energia elétrica. Empossa também lutas a favor dos atingidos por barragem, dos quilombolas, indígenas, etc. (MOTA, 2010, p. 43).

É possível observar, por meio também das análises de Maria Eleusa, que as

lutas do MST expandiram-se e no decorrer dos anos o Movimento foi amadurecendo e

abraçando questões da agenda nacional e mundial.

Na análise das fontes orais produzidas para esta pesquisa, foi possível perceber

a importância da Comissão Pastoral da Terra (CPT) na retomada das lutas no país e, no

caso, no Triângulo Mineiro: “[...] Anteriormente eu tinha uma militância na Pastoral da

Terra aqui em Uberaba em apoio às lutas pela terra, então, eu conheci a partir das lutas

lá no Pontal do Triângulo da ocupação da fazenda Barreiro, da ocupação da fazenda que

era do avô do Fernando Collor, a fazenda Colorado [...] de 1983 pra cá pra frente [...].101

101 Aguinaldo da Silva Batista, 50 anos de idade, casado, natural de Córrego Dantas – Minas Gerais, pai

de dois filhos. Deslocou-se para região de Uberaba junto com os pais em 1969. Seu pai veio trabalhar

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No período de 1978 a 1984 foi fundamental e expressiva a articulação da CPT na

organização das ocupações de terras pelo país, exercendo um trabalho de esclarecimento

ao homem pobre do campo sobre seu direito à terra para trabalhar e sobre a exploração e

desrespeito que historicamente sofriam no Brasil (Cf. STEDILE; FERNANDES,

1999).102

Do ponto de vista histórico, o modo como os trabalhadores Sem Terra

organizam suas lutas em acampamentos, assentamentos ou qualquer outro espaço

ocupado por eles fundamenta-se em práticas e costumes articulados socialmente desde o

final dos anos de 1970. A assentada Muniane Silva Santos, ao lembrar os tempos do

acampamento 21 de Abril, recupera a dinâmica criada por eles e explica o seguinte:

[...] [no início nos acampamentos] tinha coordenador da saúde, da educação, de alimentação pra estar saindo fora, pra estar procurando saber mais informações sobre a terra. Aí, depois que veio a formar os coordenadores, aí dividia, por exemplo, se era 50 famílias, dividia em 5 grupos. Depois veio a Associação, que é hoje, nós estamos até hoje em Associação [...] é um batidão forte [...].103

A pesquisa evidenciou que tanto os trabalhadores do PA Emiliano Zapata

como do PA 21 de Abril procuraram se embasar em uma organicidade que, segundo

Mota (2010), já na Encruzilhada Natalino (acampamento final dos anos 1970) estava

presente com a organização dos sujeitos ocupantes de terra e militantes da reforma

agrária em grupos, setores, coordenações, comissões e secretaria em Porto Alegre. Essas

instâncias, na concepção de muitos militantes Sem Terra, como aponta Muniane, foram

e são fundamentais para a organicidade dos acampamentos e assentamentos.

Juarez Moura dos Santos – PA Emiliano Zapata, ao analisar as experiências

vividas nos dias atuais lembra-se do passado e lhe atribui o seguinte significado: “[...]

enquanto assentamento a gente tem os traços do MST, tem toda essa questão da

como vaqueiro e meeiro nas fazendas. Em 1976 mudaram-se para a cidade de Uberaba, mas mantiveram relação de trabalho com o campo. Somente em 1979 Aguinaldo foi para Uberaba estudar e trabalhar, passando pelo comércio, construção civil e indústria. É assentado no PA Olhos D’água no município de Sacramento – Triângulo Mineiro pelo MST. Portanto, faz parte do grupo que consolidou o MST na região em estudo, atuando nesse Movimento desde 1997 e militando proficuamente no grupo do Emiliano Zapata. Concedeu entrevista à autora em dezembro de 2011 na cidade de Uberaba.

102 No período em análise a CPT promoveu encontros e seminários entre os agentes de pastoral e as lideranças dos Sem Terra. A partir disso, essas lideranças vislumbraram a possibilidade de organizar um movimento social que aglomerasse os trabalhadores em luta pela reforma agrária, tirando-os do isolamento das lutas e favorecendo a conquista de sua autonomia. (Cf. STEDILE; FERNANDES, 1999).

103 Muniane Silva dos Santos. PA 21 de Abril. Entrevista concedida à autora em março de 2012.

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organização do MST, essas famílias que estão lá hoje gostam de ter essa

conectividade”.104 Desde o início das lutas os trabalhadores do MST passaram a agir de

acordo com o que eles denominam de princípios organizativos. É relevante esclarecê-

los porque o conhecimento sobre eles permite ampliar a compreensão das interpretações

de Juarez sobre os costumes que entre os assentados se tornaram comuns.

O primeiro desses princípios é a direção coletiva (colegiado dirigente); o

segundo, a divisão de tarefas dentro de acampamento, assentamento ou qualquer

atividade do Movimento; o terceiro, a disciplina (seria o cumprimento das regras e

normas de conduta criadas por eles); o quarto é o estudo científico e acadêmico; o

quinto, a formação de quadros políticos (militantes); o sexto é definido como luta de

massas (capacidade de mobilização dos trabalhadores); o sétimo princípio é a busca por

sempre manter vínculo com o que eles entendem por base do Movimento.105 Para João

Pedro Stedile, “[...] esses princípios não têm natureza partidária. Têm natureza de

organização social [...]”.106

Na organização desse e outros Movimentos, existem as instâncias que são

coordenações locais, regionais, estaduais e a nacional. Esse modo de organização, desde

1984 aos dias atuais, no MST, pauta-se na representatividade democrática, isto é, a base

dos acampamentos e assentamentos elege seus representantes. As instâncias

organizativas do MST preveem também a criação do que os militantes denominam

setores de atividades.107

O MST expandiu-se historicamente em diferentes regiões do país. No estado de

Minas Gerais existem as regionais: 1. Triângulo Mineiro; 2. Alto Paranaíba; 3. Vale do

Rio Doce; 4. Grande Belo Horizonte; 5. Norte de Minas; 6. Sul de Minas; 7. Vale do

Jequitinhonha e Mucuri (Cf. PAULA, 2010).

104 Juarez Moura dos Santos. Entrevista concedida à autora em fevereiro de 2012. 105 Princípios relatados por João Pedro Stedile. (STEDILE; FERNANDES, 1999, p. 40-44). 106 Ibid. 107 Os principais setores são: Frente de Massa, responsável por arregimentar as famílias de trabalhadores

para ocupação de terras e formação de acampamento; Educação, responsável pela efetivação da educação das crianças, jovens e adultos; Formação, responsável pelo estudo e formação política e ideológica dos militantes; Gênero, setor responsável por garantir a igualdade de gênero e participação da mulher na luta; Saúde, responsável pelas questões da saúde dos trabalhadores; Cultura, responsável pela construção de espaços de socialização de valores sociais; Relações Públicas e Internacionais, responsável pela divulgação e diálogo com a sociedade nacional e internacional; Finança, responsável pelo dinheiro que garante as ações do Movimento. O MST atualmente está organizado em 24 estados nas cinco regiões brasileiras com 350 mil famílias assentadas. Fonte: Site do MST. <www.mst.org.br>. Acesso em: 18 out. 2011.

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De acordo com os estudos (MOTA, 2010; PAULA, 2010;108 BENTO, 2009;

COUTO, 1999) e as narrativas dos assentados entrevistados, a organização da luta pela

terra no Triângulo Mineiro iniciou-se em 1983. Fez parte daquela conjuntura indicada

por Fernandes (1994), isto é, da existência, em meados dos anos de 1980, de várias lutas

no campo e isoladas pelo país afora, no tempo de repressão social e política da ditadura

militar. No Triângulo Mineiro as lutas foram mediadas pela importante implantação das

Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica (CEBs), de onde surgiu o trabalho e

intervenção da CPT mencionados anteriormente.

A CPT atuou na região em estudo até por volta de 1989. Aguinaldo da Silva

Batista lembra em linhas gerais esse tempo: “[...] desde 1983 que eu fui militante da

CPT até a sua extinção em 1987, e que deu surgimento a Animação Pastoral do Meio

Rural, que é APR, com sede em Uberlândia em 1987, 1988 que ela surge com o

fechamento da CPT aqui na Diocese”.109 As pesquisas bibliográficas e documentais

indicaram a atuação da CPT até o período apontado pelo entrevistado, dando a entender

a ocorrência de um racha interno devido às concepções políticas diferenciadas sobre os

sentidos das ocupações e a disputa por terra em tempos de pleito para presidência da

República, sendo, então, criada a APR – Animação Pastoral e Social no Meio Rural (Cf.

COUTO, 1999).

No processo histórico das primeiras lutas nessa região a partir da década 1980,

um dos objetivos foi a conquista dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs) para

transformá-los efetivamente em defensores dos interesses dos trabalhadores rurais, após

um período de descenso (Cf. MOTA, 2010), advindo da forte repressão desencadeada

pelo regime militar.110

108 As autoras Maria Eleusa Mota e Maysa do Carmo de Paula são assentadas. Maysa integra a

coordenação estadual e regional do Triângulo Mineiro. As respectivas produções acadêmicas citadas foram requisitos para ambas se graduaram em Licenciatura em Educação do Campo pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG via convênio entre a UFMG e o MST.

109 Aguinaldo da Silva Batista. Concedeu entrevista à autora em dezembro de 2011 na cidade de Uberaba. 110 De acordo com Cleps Jr. ([200-?]), a organização dos trabalhadores rurais no estado de Minas Gerais

se relaciona com a fundação das Ligas Camponesas e dos STR nos anos 1950 e 1960. E no Triângulo Mineiro havia 24 sindicatos e 02 federações. Essas instituições, com o golpe militar (1964), sofreram represálias tendo havido até o fechamento das federações. Segundo o respectivo autor: “os STRs, criados como uma estratégia governamental para exercer o controle sobre as organizações de trabalhadores rurais, institucionalizando-os, ao passo que enfraquecia os movimentos sociais, passam, nos anos de 1980, por uma significativa reformulação política. O sindicalismo rural da região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, fortemente vinculado a uma política assistencialista e atrelada às elites locais na década de 1970, passa a priorizar na década seguinte a democratização da terra, a politização dos trabalhadores rurais e a manutenção e ampliação dos direitos trabalhistas da classe.

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Importantes nos marcos de memórias dos Movimentos de trabalhadores rurais

no Triângulo Mineiro são os acontecimentos entre os anos 1983 a 1986 no município de

Iturama, onde se desenrolou um processo de conflito e de confronto entre posseiros,

meeiros, arrendatário e o proprietário da fazenda de nome Barreiro. Devido ao

rompimento das regras de contrato de trabalho, os trabalhadores se organizaram junto

com o STR de Iturama reivindicado o direito a Usucapião sobre a fazenda. No processo

de disputa dessa terra ocorreram pressões do proprietário sobre os posseiros, inclusive

com mortes entre ambas as partes envolvidas. Somente em 1985 ocorreu a

desapropriação da fazenda para fins de reforma agrária. Historicamente essa

desapropriação foi um fato emblemático na luta pela terra na região, pois aconteceu em

plena Nova República e teve expressiva cobertura da mídia nacional, causando reações

das forças opostas (Cf. COUTO, 1999). Nesse período, segundo Ramos (1993 apud

COUTO, 1999) não se verificava em Iturama uma atuação do Movimento de Sem Terra

com um vínculo com o MST do sul do país, mas sim uma organização da luta pela terra

com significativa atuação do STR do município; outra luta por terra emblemática na

região foi pela fazenda de nome Bartira, no município de São Sebastião do Pontal,

próximo a Iturama, a fazenda Barreiro é reconhecida como o primeiro “objeto dos

posseiros” e a Bartira, “objeto dos Sem Terras”.111

[...] Entre os sindicatos de trabalhadores rurais mais atuantes na região em termos de luta pela terra, que têm experiências na realização de ocupações, podem ser citados os STRs de Iturama, Centralina, Ituiutaba e Araguari [...]” (CLEPS Jr, [200-?], p. 10-11). O texto utilizado na versão obtida na Internet não está paginado e a citação pode ser encontrada no último parágrafo da décima página e no último parágrafo da décima primeira página.

111 De acordo com Couto (1999), com a ocupação e o despejo da fazenda Bartira, os trabalhadores passaram a ter o apoio de representantes da Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Minas Gerais (FETAEMG), Comissão Pastoral da Terra e sindicatos de trabalhadores urbanos. Expulsos da fazenda, foram acampar em frente ao STR de Iturama. O sindicato e as outras entidades políticas envolvidas sugeriram que eles fossem acampar na praça pública da cidade. E somaram-se nesse acampamento outros e diferentes trabalhadores – os ocupantes da Bartira e os que não saíam da Barreiro, formando o acampamento Esperança do Trabalhador. Aí começou uma experiência com divisão de tarefas e lutas importantes para a organização do futuro assentamento na fazenda Barreiro. “[...] foram feitas no local reuniões, com bispos da região (Uberaba, Ituiutaba e Uberlândia), além da Pastoral da Terra, MST, CUT e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Iturama em busca de apoio e, juntos com eles foram a Brasília, no dia 27 de agosto de 1985 e tiveram assim sua primeira audiência com o então Ministro da Reforma Agrária, Nelson Ribeiro. Nessa audiência foi prometida aos trabalhadores uma vistoria na fazenda [...]Passados alguns dias da visita a Brasília, ocorreu a substituição do ministro e com ele o compromisso da desapropriação. [...] Nova comissão foi organizada procurando o novo ministro, mas sem resultados. [...] passaram a se integrar de forma mais organizada no seu próprio movimento e participar em ações conjunta no Estado com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, fazendo várias ocupações da sede do INCRA-BH, participaram de discussões e verificaram se as terras eram qualificadas como empresa rural, como latifúndio ou como terra devoluta, esperando a caracterização da área como própria para reforma agrária. Feita a vistoria, esperou-se a montagem do processo pelo INCRA e a nova pressão começou a ser feita para que o processo corresse de maneira mais rápida possível. [...]” (COUTO, 1999, p. 115-116).

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Segundo as interpretações dos entrevistados e pesquisa bibliográfica, as

lideranças pastorais e sindicais do Triângulo Mineiro, continuando a organização das

lutas, convidaram, entre os anos de 1987 e 1989, dirigentes do MST para fundarem o

Movimento na região, vindo militantes da regional de Governador Valadares. Por

divergências entre a forma de conduzir as lutas, as lideranças sociais não entraram em

acordo e o MST retirou-se da região. Com isso abriu-se a possibilidade para que outros

movimentos sociais entrassem em cena, para além dos STRs, como aconteceu

posteriormente com o surgimento do MLST.

Entretanto, os estudos de Mota (2010) apontam que no ano de 1993 o MST foi

novamente convidado pelas lideranças sociais e políticas para se estabelecer na região

do Triângulo Mineiro, iniciando o que é conhecido entre eles como Trabalho de base,

nos próprios locais de labuta dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que faziam o

levantamento de possíveis fazendas improdutivas para ocupação. Assim, ocorreu a

ocupação da fazenda Colorado por aproximadamente 100 famílias no município de

Iturama. Após algum tempo, a da fazenda Varginha, ambas no Pontal do Triângulo

Mineiro, ocupações essas lembradas por Aguinaldo S. Batista, conforme a penúltima

citação da transcrição do trecho de sua entrevista. E novamente por divergências

políticas, o MST retirou-se da região (MOTA, 2010), passando a atuar lideranças que

constituíram, por exemplo, o Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST).

Ao indagar alguns entrevistados sobre o marco histórico fundador do MST na

região, as lembranças de Aguinaldo S. Batista revelam: “[...] a Marcha de 1997[...] nas

relações políticas que desenvolve a Marcha encontrou, então, apoio no meio sindical

urbano, em que a presença do MST na região seria interessante. Depois no final da

Marcha vem para cá uma equipe e começa a desenvolver os trabalhos”.112 O MST

somente retornou para o Triângulo Mineiro a partir do ano de 1997, com a Marcha

Nacional dos Sem Terra a Brasília, realizada de fevereiro a abril daquele ano, e devido

também às articulações políticas de esquerda na região. Por onde essa Marcha passou,

mobilizou lideranças políticas, religiosas e movimentos sociais locais e regionais. De

acordo com Aguinaldo da Silva Batista,

[...] com ocupação da fazenda aqui em Campo Florido Santo Inácio Ranchinho, hoje assentamento Nova Santo Inácio Ranchinho, eu conheci um pessoal próximo então do MLST é que foi a origem aqui, mas já eu tinha algumas ligações a partir da CPT, eu já tinha algumas

112 Aguinaldo da Silva Batista, entrevista concedida à autora em dezembro de 2011.

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ligações, alguns contatos com o pessoal do MST, e em 1997, quando a Marcha passa aqui por Uberaba, então, eu me encantei com a forma que eles se organizam, com a mística, é toda a força que tinha a Marcha. Então a gente se aproxima, quando a gente organiza as famílias aqui, começa a reunir as famílias aqui, nós então chamamos a coordenação do MST [do estado de Minas Gerais] pra ajudar na organização. [...] Eu e um agrupamento de famílias que já estava fazendo os contatos com as famílias, além do pessoal de apoio que já estavam consolidando [e] ligados aos sindicatos da cidade [Uberaba], ao PT, à igreja. Então, tinha um agrupamento que relacionava e ajudava a arrebanhar essas famílias [...] originárias de Uberaba. Nesse momento não tem outra cidade [...].113

Com a fala de Aguinaldo é possível perceber que o MST e o MLST são os

movimentos sociais que, na segunda metade da década de 1990, já estavam

consolidados na região. Mas, para Aguinaldo, a prática de luta do MST se diferencia no

seguinte sentido:

[...] nós, mesmo tendo muita proximidade com o pessoal do MLST, mas por uma questão de carisma, nós preferimos o contato com o MST. Então veio pra cá [Uberaba] lideranças que estavam começando a trabalhar a implantação do MST aqui, eles tinham feito três ocupações, uma grande ocupação em Santa Vitória na fazenda Jubran, tinha feito uma outra em Campina Verde e tinha feito uma em Uberlândia [Zumbi dos Palmares] menor, que deu origem a alguns assentamentos [...].114

Em outro momento de sua entrevista, Aguinaldo da Silva Batista narrou que o

MLST iniciou-se com as lideranças que atuaram também na ocupação da fazenda

Colorado, no município de Iturama. E posteriormente essas lideranças atuaram e

participaram da ocupação da fazenda Santo Inácio Ranchinho no município de Campo

Florido – Triângulo Mineiro, ao mesmo tempo que o MST se expandia com as

ocupações em Santa Vitória e Campina Verde.

Importante observar o modo como Aguinaldo expressa as articulações políticas

de esquerda no enfrentamento das forças ruralistas da região. Foi relevante para a

consolidação dos Movimentos a receptividade para com o MST por parte do Partido dos

Trabalhadores (PT) e sindicatos urbanos, bem como o apoio do Partido Comunista do

Brasil (PCdoB) da região.

113 Aguinaldo da Silva Batista, entrevista concedida à autora em dezembro de 2011. 114 Ibid.

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Desse modo, o MST continuou, no Triângulo Mineiro, suas práticas de

organizar famílias para a luta pela reforma agrária criando acampamentos, organizando

ocupações de prédios públicos, vigílias, protestos de toda ordem e marchas pautados

pela agenda do MST nacional e estadual.

Nas últimas duas décadas o MST conquistou diversos assentamentos, como o

PA Zumbi dos Palmares, com 24 famílias, no município de Uberlândia. Esse foi o

primeiro grupo de Sem Terra desse município e iniciou-se em 1998 com 70 famílias. O

restante dessas famílias, as que não foram assentadas, juntou-se a outras para fazer

ocupação de terra liderada pelo MST em meados de 1998 na fazenda Jubran. Portanto,

somam-se quase quinhentas famílias em uma área de 5.000 hectares no município de

Santa Vitória, no Triângulo Mineiro.115

No município de Ituiutaba, a conquista do MST foi o PA Chico Mendes e, no

de Santa Vitória, o de nome Paulo Freire. Nos dois foram assentadas famílias que

estavam acampadas na fazenda Jubran. Ao todo noventa famílias foram contempladas

com a reforma agrária.

No município de Sacramento, próximo a Uberaba, a conquista foi o PA Olhos

d’água. Na sequência, a partir de 2004 continuaram as conquistas no município de

Uberlândia com os assentamentos Zumbi dos Palmares, Emiliano Zapata, Flávia

-unes, Canudos, Eldorado dos Carajás e Florestan Fernandes.

No município de Uberaba foi feito o assentamento Dandara, no município de

Campo Florido, o PA Francisca Veras e, no município de Araguari, o Irmãos -aves.

No início de 2012 o MST estava com o acampamento Roseli -unes no município de

Monte Alegre de Minas. Desse modo, o Movimento já havia conquistado 11

assentamentos e continuava organizando diversas famílias acampadas, seja no

Triângulo, seja no Alto Paranaíba.

Contudo, em três desses PAs do Triângulo Mineiro, a saber, Zumbi dos

Palmares/Uberlândia, Chico Mendes/Ituiutaba e Paulo Freire/Santa Vitória, as famílias

decidiram romper com a coordenação do MST e retiraram a bandeira do Movimento

devido a desentendimentos com as lideranças. Segundo os entrevistados do MST, os

desentendimentos se devem ao fato de muitas famílias decidirem colocar à venda a sua 115 Segundo Aguinaldo, após algum tempo esse acampamento perdeu a liderança e a coordenação do

MST, passando para a coordenação da Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Minas Gerais (FETAEMG).

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possibilidade de assentamento, sobre o que não houve a concordância do MST. Assim,

o Movimento saiu dos PAs, os quais continuaram sua dinâmica social e política através

de Associações dos Assentados.116

Sobre o surgimento e expansão de outros movimentos ligados ao campo na

região, as pesquisas apontaram que lideranças117 do que viria a ser o MLST atuaram em

meados de 1980 e somente a partir de 1991 foram se consolidando na região.

Entretanto, vale ressaltar que o MLST foi fundado como movimento social em

meados de agosto de 1997 num encontro em Luziânia – Goiás sob a liderança de Bruno

Costa de Albuquerque Maranhão.118 Pode-se considerar que o nascedouro do MLST foi

em 1992 no Cabo de Santo Agostinho, a 40 km de Recife, na ocupação de terra de

usineiros, cujo desdobramento foi o assentamento Arariba de Baixo.119

Segundo Aguinaldo da Silva Batista, no Triângulo Mineiro lideranças ligadas à

CPT, ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais e aos movimentos sociais como o dos Sem

Teto, tendo uma relação independente e mais profícua com a CPT, chegaram a entrar

em contato com Bruno Maranhão para que ele contribuísse na organização da ocupação

da fazenda Santo Inácio Ranchinho em 1990 no município de Campo Florido.

Portanto, organizou-se a luta na perspectiva do MLST, porém somente em

1997 o MLST ganhou peso na região em estudo como movimento social. E, entre suas

ações, talvez a mais expressiva seja a ocupação, no dia 23 de agosto de 1999, por 450

famílias, da fazenda Tangará, de 5.097,6098 hectares, no município de Uberlândia,

criando um expressivo acampamento de Sem Terra. Após diversos despejos e

reocupações dessa fazenda pelo MLST, os proprietários da Tangará resolveram

116 Entretanto, dentro do assentamento Paulo Freire/Santa Vitória, nove famílias mantêm o vínculo com o

MST, como o casal Maysa e Vanderlino, com função de coordenação estadual e regional do MST, respectivamente.

117 Posteriormente, por desentendimentos, passaram a organizar outros Movimentos na região. 118 Durante a ditadura militar, em 1968, Bruno Maranhão fundou e dirigiu o Partido Comunista Brasileiro

Revolucionário (PCBR). Foi também um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT) e integra o seu Diretório Nacional. (CONCILIAÇÃO DE CLASSES. Revista Piauí, edição 11 – Poder de Esquerda, agosto de 2007. Disponível em: <http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-11>. Acesso em: 21 dez. 2011).

119 CONCILIAÇÃO DE CLASSES. Revista Piauí, edição 11 – Poder de Esquerda, agosto de 2007. Disponível em: <http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-11>. Acesso em: 21 dez. 2011. Ainda segundo a matéria, as terras ocupadas estavam prestes a ser compradas pela família usineira de Bruno Maranhão quando ele liderou a ocupação delas por Sem Terra.

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negociar com o INCRA, tendo havido por fim sua desapropriação em 09 de maio de

2002 (CARDOSO, 2009).120

No acampamento da Tangará – MLST diferentes trabalhadores(as) iniciaram

sua luta pela reforma agrária, como é o caso da assentada Joversina Alves Rodrigues

Barbosa, do PA 21 de Abril, e, segundo ela, de mais outras dez pessoas do grupo 21 de

Abril.

É possível observar que o fato de o MST não ter conseguido, na primeira

metade da década de 1990, fixar-se definitivamente no Triângulo Mineiro, como

analisado anteriormente, contribuiu para que o MLST fosse melhor assimilado pelas

lideranças e famílias de trabalhadores do local.

1.3 A LUTA PELO ASSE�TAME�TO 21 DE ABRIL – MLST

O PA 21 de Abril – MLST está localizado no município de Veríssimo e foi

criado em 2005 com capacidade para 77 famílias. Para sua criação foram adquiridas

pelo INCRA duas fazendas, Santo Antônio e Marimbondo, com aproximadamente

2.385 hectares, ambas do mesmo proprietário.

As histórias dos grupos de Sem Terra 21 de Abril – MLST e Emiliano Zapata –

MST aproximam-se política e socialmente na medida em que são histórias das lutas

dos(as) trabalhadores(as) pela reforma agrária no Triângulo Mineiro. As suas histórias

cruzam-se e compõem a luta por meio de acontecimentos emergidos das experiências

que foram sendo forjadas e compartilhadas entre eles. Principalmente porque são grupos

que, no processo das lutas, dialogaram entre si: o grupo 21 de Abril, composto

inicialmente por cerca de 36 famílias, é o mesmo que em 2001 foi transferido para a

fazenda da FERUB, onde já se encontrava o grupo Emiliano Zapata.121 Porém, a origem

do grupo 21 de Abril do MLST é anterior à ida para essa área.

Os dois grupos ainda estão próximos geografica e economicamente, pois estão

situados em municípios limítrofes. Além disso, enfrentaram desafios semelhantes até a

120 “[...] O valor estipulado pela fazenda foi de R$ 13 milhões, sendo 3 milhões pagos em dinheiro

correspondentes às benfeitorias e à plantação de eucaliptos, e R$ 10 milhões pagos por meio de títulos da dívida agrária.[...] O assentamento foi oficializado e a divisão dos lotes ocorreu em janeiro de 2006 [...]” (CARDOSO, 2009, p. 49).

121 Lembrando que esta transferência foi uma proposta feita pelo então prefeito de Uberlândia e sua equipe administrativa. Segundo os entrevistados do MST, proposta consentida pelo grupo do Emiliano Zapata.

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conclusão do assentamento. Isso significa, por exemplo, que estiveram e/ou estão à

espera da liberação de todos os créditos rurais possíveis que garantam a organização da

vida social e passam pelas mesmas dificuldades no que diz respeito à inserção no

mercado do pequeno produtor rural assentado.

João Pedro, assentado no PA 21 de Abril, ao lembrar como iniciou a sua luta

pela reforma agrária, interpreta da seguinte maneira aqueles tempos:

De Centralina eu vim aos 8 anos, fiquei até os 18 anos. A gente fez o curso básico de profissional, aí fiquei até os 29 [anos] em Centralina, trabalhando como profissional autônomo. Mas [aos] 29 [anos] vim [e] tive a primeira experiência na reforma agrária, fiz a primeira ocupação de terras desocupadas [...] no município de Uberlândia, lá na fazenda Capim Branco [...].122

O entrevistado, ao falar de sua trajetória, vai dando indícios do perfil dos

trabalhadores que compuseram e deram início ao grupo de Sem Terra 21 de Abril. Vale

ressaltar que esse perfil é o da maioria dos trabalhadores que ingressou em movimento

social para reivindicar o que considera seu direito. Isso significa saída da cidade de

origem em busca de uma vida com maiores possibilidades de bem-estar. João Pedro

continuou sua análise sobre as primeiras experiências esclarecendo:

Então lá, vamos dizer, que grande parte da terra era devoluta, que devoluta é quando é da União. [...] A vida de autônomo [em Centralina] na época, por bem, quase você não vê falar em desemprego hoje, quem está desempregado [é] quem não quer trabalhar, porque está razoavelmente bem, mas na época o desemprego era grande. Então, [eu] era autônomo. A concorrência era grande no mercado e a vida não era muito boa. Aí a gente percebe que tem que procurar outra alternativa pra viver de uma forma, assim, de um homem social, tranquilo, de homem de bem, aí a gente procurou o quê? Uma informação sobre a reforma agrária. Teve uma equipe do MST, do MLST123 que fez um trabalho de base convidando as pessoas pra terras que não estão sendo ocupadas por ninguém, que reza na constituição de 1964 que essas terras são destinadas aos trabalhadores pra ser divididas em famílias. Aí é um trabalho muito bem feito, em pessoas muito simples também [e] que acredita em tudo aquilo. [...] Esse trabalho [de base] demorou uns noventa dias, é um trabalho muito fino, que eles têm muita cautela, que se não as pessoas desistem

122 João Pedro é um pseudônimo. Ele é assentado no PA 21 de Abril e tinha 38 anos na data da entrevista.

É natural de Itumbiara – GO, casado, pai de um casal (um adolescente e uma criança). Deslocou-se com a família para a cidade de Centralina – MG aos oito anos de idade. Entrou para o MLST com 29 anos de idade, sua primeira experiência no Movimento Sem Terra foi no grupo 21 de Abril. Entrevista concedida à autora em novembro de 2010 no assentamento onde reside.

123 Em outros momentos dessa entrevista e em entrevistas de outros assentados esse Movimento foi identificado como o MLST coordenado pelas lideranças Ana Rita e Ismael.

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e vai tudo por água abaixo o trabalho deles. [...] Tinha um cidadão também do PT, ele gostou da proposta do pessoal [...] do MLST, e se juntou com o pessoal e começou a fazer aquele trabalho também. O trabalho de base é a gente fazer a base de um acampamento, junto um monte de pessoas, são a base de uma nova ocupação, de um novo acampamento que seja uma nova ocupação, foi fazer o trabalho de base. A base é o quê? A base de juntar um alicerce pra iniciar uma reforma agrária, fazer ajudar na reforma agrária. Que no Brasil é um pouco lento a reforma agrária, quase parando, então [...] até 2001 de 21 de abril foi o dia que nós viemos pra Uberlândia. Hoje o assentamento no município de Veríssimo chama o assentamento 21 de Abril.124

João Pedro faz questão de ressaltar a importância do trabalho de base do

Movimento para o seu convencimento, bem como o de outros, de que o caminho

alternativo e possível contra o desemprego e a vida que “não era muito boa” era a luta

pela reforma agrária. Portanto, o marco na formação desse grupo é a ocupação da

fazenda denominada Capim Branco no município de Uberlândia no dia 21 de abril de

2001. João Pedro evidencia a sua compreensão e o significado para ele da reforma

agrária: entre as possibilidades de enfrentamento ao desemprego e o ideal de “homem

de bem e social” é a melhor escolha para se viver “tranquilo”.

Impressiona a articulação feita por João entre as condições socioeconômicas

insuficientes do trabalhador na pequena Centralina125 e as leis da Constituição brasileira

no que se refere à questão fundiária, pautando a reforma agrária como um direito e

dever do Estado, e que segundo ele é um processo lento na realidade brasileira.

Expressando-se dessa maneira, João está disputando, por meio de suas memórias, com

outros sentidos e versões do que venha a ser a luta dos Sem Terra, indo contra as

versões da mídia e parte da sociedade que tentam deslegitimar as práticas sociais desses

trabalhadores.

A assentada Eufrásia Maria dos Santos narrou sobre seu engajamento no grupo

21 de Abril. E também referiu-se enfaticamente ao trabalho de base feito pelo MLST na

cidade de Centralina, onde residia, aproximando-se da narrativa de João Pedro:

[...] foi um pessoal [e] conversaram, chamava trabalho de base, conversaram com a gente. [...] Os moços lá em Centralina do MLST que chamava fazia um trabalho de base conversando com a gente, isso

124 João Pedro é um pseudônimo. Entrevista concedida à autora em novembro de 2010 no assentamento

onde reside. 125 Município da mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, microrregião de Uberlândia. Distante

desta 128 Km. O Censo 2010 apontou 10.270 habitantes.

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foi em 2001. E o meu irmão já tinha sido assentado126 há muito tempo e até eles levaram ele lá pra dar uma palestra é porque tem um cunhado dele [do seu irmão] que mexia com isso também de Movimento e causa socialista. Aí levou ele e ele conversando lá, fazendo trabalho de base, nós saímos em tantas famílias [e por fim], quando chegamos lá na FERUB nós éramos trezentas e tantas pessoas. É, [primeiro] nós fomos pra Capim Branco, pra fazenda. [...] Levou nós numa turma pra Capim Branco acampar uma ocupação [...].127

As falas de João Pedro e Eufrásia indicam a importância do trabalho de base

dos movimentos de luta pela reforma agrária. Contudo, as condições materiais

individuais parecem ser decisivas para convencer o trabalhador a assumir essa luta. Mas

não só as condições materiais, as próprias referências de outras histórias de outros

trabalhadores são relevantes. O fato de o(a) trabalhador(a) já possuir algum conhecido,

vizinho, amigo ou parente que ocupou e está pleiteando terra ou já está assentado torna-

se significativo, porque pesa sobre a decisão e a expectativa de se conseguir o pedaço de

chão. É como se o trabalhador se sentisse amparado, criando expectativas de bons

resultados, sobretudo é possível que os laços de amizade e parentesco comecem ou se

aprofundem na nova realidade indicada pelo Movimento e/ou vivida dentro dele.

Sob essa perspectiva, o casal Muniane Silva Santos e Ricardo dos Santos

Balbino, assentados no PA 21 de Abril, narraram as motivações para entrar no MLST:

Ricardo: Essa origem é praticamente de família, né, a descendência familiar é originária da reforma agrária, e isso originou a nossa luta pela terra e tal, a gente estamos até hoje. Meus pais são lá do Zumbi dos Palmares [PA em Uberlândia – origem pelo MST], João Balbino, tem a minha irmã assentada lá também, Jiane.128

Muniane: Meu pai era assentado lá também, por tanto que ele participou da feira lá da universidade [UFU], num lembro bem, acho que é o simpósio de reforma agrária [...].129

126 No município de Ituiutaba, mas a entrevistada não soube informar o nome do assentamento. 127 Eufrásia Maria dos Santos. Entrevista concedida à autora em dezembro de 2011. 128 Ricardo dos Santos Balbino. Data de nascimento: 12/02/1983, natural de Araguari (Triângulo

Mineiro), casado, um filho. Entrou para o grupo 21 de Abril na época da FERUB em 2002. É assentado no PA 21 de Abril e filho de assentados do PA Zumbi dos Palmares – origem no MST. Chegou a ser da coordenação do MLST na região. Entrevista concedida à autora em março de 2012.

129 Muniane Silva Santos. Data de nascimento 13/04/1987, natural de Santa Vitória (Triângulo Mineiro), casada, um filho. É assentada no PA 21 de Abril e filha de assentados do PA Zumbi dos Palmares – MST. Entrou para o MLST – 21 de Abril em 2002. Entrevista concedida à autora em março de 2012.

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É importante observar que, mesmo sendo filho de assentados, Ricardo dos S.

Balbino, quando mais novo, possuía diferente visão sobre essa luta:

Eu fui depois [para um acampamento de Sem Terra], eu era meio resistente a esse negócio de reforma agrária, num era muito a favor, eu morava em Uberlândia na época, e saí de Araguari eu era novo, eu acho que tinha uns três anos de idade, aí a gente moramos em vários lugares, né, entendeu? Fomos pra Nova Ponte, meu pai foi mexer trabalhar com usina hidrelétrica, aí de Nova Ponte nós fomos para Uberlândia, entendeu? Foi aonde teve as origens da questão da reforma agrária [...].130

A resistência de Ricardo quanto à escolha dos pais em lutar por uma gleba de

terra tempos depois pôde ser modificada:

[...] esse grupo [21 de Abril] foi o seguinte: a gente já tinha ligação com o MST na época, até porque o Emiliano Zapata, que você acabou de falar, tem um pessoal lá [que] nasceu dentro do Zumbi dos Palmares [assentamento onde reside sua família], então, ali, a gente já conhecia a questão da luta da terra. Só que, como a gente tinha uma resistenciazinha e tal, a gente num era muito a favor daquilo ali. O tempo encarregou de fazer o serviço, a minha esposa que deu a ideia da gente estar seguindo a luta, aí ela foi em outro Movimento chamado MLST na época [que] também estava lá na FERUB em 2002 [...].131

Fica claro que a mudança de percepção de Ricardo sobre os sentidos da luta

pela reforma agrária emergiu com as vivências e as experiências compartilhadas no dia

a dia, que foram transformando a consciência que possuía de si e sobre os outros.

Muniane S. Santos, ao explicar o interesse e sua motivação para entrar para o

acampamento 21 de Abril, amplia a questão da importância dos laços de amizade ou

parentesco dentro de grupos de Sem Terra:

É porque eu estudava lá na FERUB e os meus amigos eram daquele acampamento, sabe, eu tinha um monte de amigo de lá. Aí quando nós [ela e seu companheiro Ricardo] resolvemos juntar e morar junto, nós falamos assim: Vamos nos Sem Terra. Nossa opção, porque nem a família dele favorecia nós e nem a minha, aí nós fomos pro Sem Terra, entendeu? Aí lá nós, porque Sem Terra tudo é fácil, cama, tudo fácil, tudo, é uma coisa que tudo você improvisa ali, você faz cama, você faz fogão, você num depende de ninguém, nós queria ser

130 Ricardo dos S. Balbino, entrevista concedida em março de 2012. 131 Ibid.

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independente, nós num queria depender de ninguém, aí nós passou a ir pro acampamento.132

A senhora Eufrásia, com muita desenvoltura, narrou suas experiências e fez

questão de falar sobre os primeiros momentos vividos da sua integração na luta pela

terra e sobre o que sentiu:

[...] eu tinha um cunhado que eu ficava no pé dele. A coisa mais difícil que eu achei foi a adaptação com as pessoas, meu mundo era muito diferente do povo. [...] Foi feito a ocupação, nós chegamos cinco horas da manhã, eu tinha medo até de pisar no chão assim no meio do mato, chuva, chegaram assim soltando foguete, o povo assombrou que a gente num era acostumado com aquilo lá, né, aí soltou aquele mundo velho de gente lá [...] nessa fazenda [Capim Branco]. Lá nós ficamos só quatro meses, aí nós saímos com reintegração de posse. Daí polícia a gente negociou várias vezes. [...] De Centralina eu lembro direitinho que era umas 82 famílias, umas 300 pessoas tinham dentro da Capim Branco.133

As novas práticas do Movimento, ao mesmo tempo que para alguns são

assustadoras, encantam outros, parecendo dar força para as ações de enfrentamento,

aumentando as possibilidades de ganhar ou elevar a autoestima, de poder sentir que

juntos podem enfrentar os desafios. Isso se evidencia quando Eufrásia enfatiza por

vezes as “300” pessoas que ali fundaram o grupo 21 de Abril. É possível perceber

quando e como esses trabalhadores passam a compreender a dinâmica das lutas e o

cotidiano do Sem Terra, que é composto de dificuldades que são desafios a serem

superados se quiserem seguir adiante na sua escolha.

Ao indagar Eufrásia sobre o que as lideranças do Movimento falavam para os

trabalhadores da base do acampamento 21 de Abril durante o processo de negociação da

fazenda, ela explicou amplamente e, sobretudo, evidenciou o significado das atitudes

dos proprietários da terra:

[...] [eles disseram] que provavelmente ia ser negociado aquela fazenda. Porque a fazenda era de uma mulher chamada Generosa e ela nunca tocou a fazenda, ela era arrendada para o grupo Algar, que era ABC. Aí o que que acontece, ela tinha um irmão, e o pessoal, aquele mundo velho de gente, tem gente de tudo quanto é jeito, aí no jeito de conversar com ela na negociação parece que eles andaram maltratando o irmão dela, aí [ele] num aceitou vender pro povo, que ele achou que

132 Muniane Silva Santos, entrevista concedida à autora em março de 2012. 133 Eufrásia Maria dos Santos, entrevista concedida à autora em dezembro de 2011.

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o povo estava desaforando ele e tiraram a gente e a gente foi para FERUB, que era uma área pública, era área do governo [...].134

Nessa fala Eufrásia deixa claro em que parâmetros as questões da reforma

agrária são colocadas historicamente em discussão e negociação nesse país. Ou seja, a

partir de valores sociais e interesses pessoais, como exemplo, sentimentos sobre o

suposto orgulho ferido, tem valido mais manter a pretensa honra do latifundiário e, por

extensão, de parentes e amigos, o que evidencia a tentativa de manutenção do status quo

e do poder conferidos pela posse da terra na região. Sob essa perspectiva, o trabalhador

tem um lugar: o daquele que deverá abaixar a cabeça, obedecer e reconhecer a

complacência dos latifundiários, empresários por esses estarem dispostos e desejosos de

negociar suas terras, vale ressaltar, com o preço de mercado. Eufrásia narra os

parâmetros sob os quais os proprietários da fazenda Capim Branco negociavam e o

resultado: “simplesmente” o irmão da latifundiária “não quis mais vender” as terras.

Nesse aspecto, o mais agravante é o que é sugerido: a partir da decisão do proprietário,

os trabalhadores foram (e são) expulsos pela Justiça da área ocupada.

A ação dos trabalhadores do grupo 21 de Abril foi noticiada no Triângulo

Mineiro, bem como no estado de Minas Gerais:

Cerca de 100 trabalhadores rurais sem-terra ligados a um grupo dissidente do MLST (Movimento de Libertação dos Sem Terra) de Luta de Uberlândia, região do Triângulo Mineiro, invadiram, na madrugada de anteontem, a fazenda Capim Branco, com cerca de mil hectares. A invasão foi a 15 km do centro de Uberlândia. [...] Outros sem-terra da região dizem que a terra é produtiva. Segundo a Polícia Militar, a proprietária da fazenda, Generosa Maria de Souza, 57, apresentou laudo do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) que atestaria a produtividade. [...] Os invasores chegaram ao local em ônibus e caminhão e disseram que se reunirão hoje para definir se ficam na fazenda, que até ontem diziam ser improdutiva. [...] A chefe do setor de conflitos agrários do Incra de Minas Gerais, Moema Fátima Sales Rocha, disse à Agência Folha que só hoje poderia confirmar se a fazenda invadida é produtiva ou não.135 [grifo meu]

Houve um impacto da ocupação da fazenda Capim Branco, principalmente

pelo fato de serem terras onde se mantinham negócios (arrendamento) com um

134 Eufrásia Maria dos Santos, entrevista concedida à autora em dezembro de 2011. 135 GRUPO DE SEM TERRA invade fazenda em Minas Gerais. Jornal Agência Folha Belo Horizonte,

Belo Horizonte, Online, 23 Abr. 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u18806.shtml>. Acesso em: 03 nov. 2011.

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expressivo grupo empresarial na região, o Algar – referenciado no item 1.1 deste

capítulo. Sob essa conjuntura política e econômica, a reportagem do jornal de

repercussão estadual, por exemplo, tratou de divulgar a luta dos trabalhadores como

invasão à propriedade, além de colocar em dúvida a certeza dos trabalhadores de que as

terras da fazenda estavam improdutivas, tomando partido da proprietária que dizia ter

laudo de produtividade.

Essa estratégia da imprensa já é bastante conhecida em matérias jornalísticas

que desqualificam as ações dos trabalhadores em luta, seja no campo ou na cidade. É

uma tentativa de retirar a seriedade de suas ações, no caso, do Sem Terra, apresentando-

o aos seus leitores como pessoa perdida e que não sabe bem o que quer, além de

ignorante das relações de produção econômicas dos grandes empresários e industriais e

de seus supostos benefícios para o país.

Para a imprensa predominante e parte da sociedade, como é praxe na região, as

muitas histórias e memórias de movimentos sociais também pouco importam, podendo

ser o MLST, o MTL ou o MST, para eles simplesmente siglas que aglomeram pessoas

desocupadas. Na realidade, para essa imprensa, são todos invasores e utilizam essa

expressão propositalmente, inserindo-a no campo da disputa do que é legitimo.

Procuram também sempre reduzir o número efetivo de famílias ou pessoas envolvidas,

no intuito de enfraquecer o movimento social.

O grupo 21 de Abril é composto de muitas histórias e muitas memórias de

trabalhadores em deslocamento pelo país, assim como o grupo Emiliano Zapata. No

caso do PA 21 de Abril, isso significa histórias que se encontraram e se iniciaram seja

em Centralina, seja no acampamento da FERUB, ou mesmo que se cruzaram e têm

origem em outros territórios e tempos de lutas do MLST. Por exemplo, Joversina Alves

Rodrigues Barbosa, do PA 21 de abril, ao ingressar nesse acampamento já havia

passado por outras cidades desse país, bem como tinha experimentado a vida como

acampada em outro acampamento do MLST, como ela narra:

Eu vim rompendo em fazenda com esposo, era numa fazenda, era em outra, em outra [...] eu morei no Rio de Janeiro um ano e seis meses em Macaé. Aí, de lá pra cá, eu voltei de novo, voltei pra Minas, voltei pro lado de Uberaba, sempre em fazenda, Peirópolis também. Meus filhos estudando, disso nós fomos pro Prata, do Prata, eu morava num barraquinho de pau a pique mesmo na cidade do Prata. Aí eles [militantes do MLST] fizeram uma chamada pro assentamento, como que fala, aquele assentamento do Uberlândia, é da Tangará, né, aí chegou o pessoal chamando: vamos pra lá, aí nós fomos. Foi eu e

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minha família tudo, meus filhos [...] o ano eu num sei qual foi, é muito tempo [2001] parece que foi por aí. Porque era muito [...] era complicado demais em tudo, em alimento que nós sobrevivia com alimento, assim doado pela [...] como que chama? Daquele restolho que ficava ali na [...] eu esqueci, lá na Uberlândia era doado para assentamento, vinha caminhão, tomate, Ceasa! [...] principalmente final de semana, quando chegava no sábado eles arrumavam os caminhão, iam pra Tangará, Nova Tangará, distribuía.136

No que se refere à análise sobre a questão do trabalho de base do Movimento, a

senhora Joversina lembrou como conheceu os militantes do MLST e fez questão de

explicar como foi sua ida para o acampamento na fazenda de nome Tangará no

município de Uberlândia:

Joversina: Já tinha entrado para dentro todo mundo, era acampamento, barraquinho muito próximo um do outro, tudo ainda de plástico, já estava dentro da terra, mas era acampamento e [o Movimento] colocava mais gente e cada vez mais gente.

Leandra: A senhora lembra quem chamou, entrou em contato com a senhora pra ir pra lá?

Joversina: Ismael e a Ana Rita, é, e tiveram outras pessoas engrupada, que era um grupo só, né, era o MLST [...] eu entrei nesse grupo, que esse grupo é muito grande, e nisso eles me chamaram que eles também largou a gente prum lado na Tangará, né, largou a gente pro lado e foi pegar outro tipo de gente. Que eles andam, né, sempre andando, largou nós na Tangará e foi pegar outro grupo [...].137

Nos trechos das transcrições das entrevistas acima Joversina revela o perfil de

trabalhadores que se deslocam de diferentes municípios e de muitas escolhas que eles

vão fazendo pela vida afora em busca de diferentes condições de viver, criar e sustentar

a família e, por exemplo, o que sobressai nas falas desses homens e mulheres é a busca

de oportunidade de emprego e escola para os filhos. E assim vão “rompendo” desafios

até conquistarem o assentamento, para, a partir disso, continuarem suas lutas.

Joversina refere-se a uma das grandes conquistas do MLST na região, que é o

assentamento na fazenda Tangará no município de Uberlândia. Lugar que, assim como

aconteceu no PA Zumbi dos Palmares – MST, era na época da formação do grupo 21 de

136 Joversina Alves Rodrigues Barbosa. Data de nascimento 20/05/1960, natural de Salinas, norte de

Minas Gerais, viúva, cinco filhos. Saiu de sua cidade natal há 30 anos. É assentada no PA 21 de Abril, entrou para o MLST em 2001, primeira experiência no acampamento Nova Tangará. Entrevista concedida à autora em março de 2012 no PA onde reside.

137 Joversina Alves Rodrigues Barbosa, entrevista concedida à autora em março de 2012 no assentamento.

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Abril o reduto do MLST, onde se organizavam as famílias que iam sendo conquistadas

no trabalho de base.

Joversina vai indicando as limitações da vida de acampado, com a falta, muitas

vezes, de alimentos, mas também vai apontando as articulações que o Sem Terra segue

realizando para se manter na luta. No caso, correndo atrás de doação de alimentos.

Importante observar que Joversina não mencionou cestas básicas a que os acampados

têm acesso por meio de negociações com as prefeituras municipais, por exemplo, dentro

de programas de assistência social ou mesmo do governo federal através do INCRA.

Entrecruzando a narrativa de Joversina com a de João Moura dos Santos, do PA

Emiliano Zapata, é possível ter uma noção dessas articulações:

[...] tem dia que aparece alguma atividade em prol do Movimento [MST], também a gente para de trabalhar na roça e vai fazer atividade do Movimento. [...] Atividade assim, por exemplo, eu sou o coordenador, coordenador de núcleo, às vezes a gente precisa de sair pra fora, por exemplo, pra fazer uma [...] correr atrás de alguma coisa pra ajudar o povo aqui, orientar, por exemplo, atrás de um remédio, atrás de uma alimentação e até mesmo fazer uma campanha e fazer assim uma manifestação, nós fazemos muita manifestação também, é isso, depois, terminando, volta de novo [...].138

Rosilda Sousa Lopes, assentada no PA 21 de Abril, também oferece indícios

sobre os desafios enfrentados e como os Sem Terra se organizavam para melhorar as

condições de vida dentro do acampamento:

[...] lá na FERUB na época também era muito difícil, sabe, pra gente conseguir, igual eu falei pr’ocê, toda vida teve que correr atrás dos alimentos, ajuntava as pessoas, ia pra Uberlândia pra fazer arrastão, [que é] passar nas casas pedindo e eles ganhavam comida, roupa, calçado, [a gente] falava sobre o Movimento e que o governo num estava dando apoio e que as crianças estavam passando falta e aí onde que eles ajuntavam aquele tanto de alimentos batendo nas portas das casas das pessoas, né, as pessoas pegavam arrumavam comida, dava roupa, calçados essas coisas [...] lá no começo nós num tínhamos [cestas básicas fornecida pelo governo], aí depois que eles [os militantes] na luta foi lá em Belo Horizonte foi que conseguiram. Aí vinha arroz, feijão que eles mandavam, macarrão, extrato, aí ficou um bom tempo mandando, mas quando o governo não mandava tinha que ir na rua pra Uberlândia fazer esse tipo de coisa [...] bater nas portas pra ganhar as coisas [...]. Combinava, fazia assembleia e tirava a turma pra fazer o arrastão, né, e saía aquela turma pra rua, aí eles

138 João Moura dos Santos do PA Emiliano Zapata – MST. Entrevista concedida à autora em 2005 no

assentamento onde reside.

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arrumavam um caminhãozinho lá e levava as coisas pro pessoal do acampamento.139

Rosilda ressaltou a prática na conquista de alimentos e vestimenta pelos

acampados, dando a entender como também eles dialogavam com parte da sociedade

que acabava contribuindo com suas lutas, evidenciando que esses trabalhadores, bem

como os do Emiliano Zapata nos tempos de acampamento, mobilizavam-se em torno de

seus objetivos.

Antes da senhora Joversina A. R. Barbosa integrar o grupo 21 de Abril, esse

grupo havia vivido outras experiências, como a de ser despejado da primeira fazenda

ocupada (Capim Branco) por ação judicial e seguir para a FERUB, a partir de uma

negociação entre os Movimentos (MLST e MST) e a prefeitura de Uberlândia.

Importante observar o modo como os trabalhadores do MLST, bem como do

MST, referem-se a esse momento de encontro e convivência:

A gente teve primeiro um diálogo com eles [MST – Emiliano Zapata], inclusive, quando a gente chegou na Capim Branco, inclusive eles ganharam umas cestas é dar apoio moral pra gente levou a cestas pra gente. Eles foram lá dar a mão amiga pra gente, depois concordou da gente ir pra lá, aí a gente tinha uma convivência muito boa com eles. Depois nós fomos saindo de lá [FERUB], porque a gente tinha certeza que lá ia ser uma área que ia ser repartida pro povo, mas a gente saiu de lá, porque num cabia todo mundo, num cabia eles e a gente. Lá nós fomos preparar pra outra ocupação [...].140

Essa fala de Eufrásia abre outras versões desse evento, já que as lembranças do

tempo e da experiência vivida na saída da fazenda Capim Branco são construídas, por

ela, a partir da relação estabelecida entre o MST e o MLST, pouco importando a

posição do poder público municipal. Desse ponto de vista, a ida para a FERUB, ao invés

de indicar enfraquecimento do grupo de Sem Terra 21 de Abril, pode significar que esse

grupo teve mais tempo para orquestrar novas estratégias de luta.

139 Rosilda Sousa Lopes. 36 anos de idade. Data de nascimento: 15/08/1975, natural de Ituiutaba

(Triângulo Mineiro), casada, dois filhos (um casal). Deslocou-se para Centralina com a família quando tinha 09 anos de idade, os pais foram em busca de trabalho levados por parentes. Foi criada na roça, sua experiência de trabalho é na roça com a família e na cidade como doméstica. Entrou para o grupo 21 de Abril na ocupação da fazenda Capim Branco, município de Uberlândia. Entrevista concedida à autora em março de 2012, no assentamento onde reside.

140 Eufrásia Maria dos Santos, entrevista concedida à autora em dezembro de 2011.

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Sob outra perspectiva, o assentado João Pedro interpretou essa experiência

ressaltando outra direção:

Isso foi em meados de 2001, nós entramos em 21 de abril de 2001. Ficamos quatro meses, ficamos do mês quatro a mês oito, né, e então no início do mês nove o prefeito Zaire [Rezende] fez um acordo com a direção [do MLST] que estaria tirando a gente daquela fazenda, que a terra era produtiva e estaria levando a gente pra área que em seis meses a gente estaria assentando, aí como na realidade isso não foi concluído, num foi um caso real. Nós ficamos lá dois anos na FERUB, aí, depois de dois anos, a direção do Movimento conseguiu localizar uma fazenda que o proprietário queria vender, nós ocupamos a fazenda, isso tudo com dificuldade de locomoção.141

João Pedro, ao expressar-se, vai dando indícios do processo no qual o grupo 21

de Abril foi enredado pelos poderes públicos em várias promessas de assentamento das

famílias. Promessas essas parte dos trâmites de negociação tentada pelos representantes

políticos municipais. Mas não só por esses, já que a solução do conflito agrário não se

restringe ou não deveria se restringir ao poder municipal, e sim, fundamentalmente, ao

Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) via INCRA.

Os acampamentos do MST e MLST na FERUB tornaram-se o espaço onde

outros, como é o caso de Muniane e Ricardo, puderam conhecer ou aprimorar os saberes

sobre a luta do Sem Terra, escolhendo esse caminho na tentativa de mudar a vida e a

partir de lá desbravar outros territórios.

Da FERUB nós viemos pra cá essa região [municípios de Veríssimo e de Prata] pra alavancar uma negociação tanto nessa fazenda como na fazenda do [assentamento] Paulo Faria que chama Taquara. Que o pai do dono daqui [PA 21 de Abril] era o dono lá, o ex-proprietário da Taquara é o pai do dono dessa aqui. Na época, quando foi negociado essas áreas, que foi feito a discussão em torno do MLST pra ocupação dessas áreas e negociação delas, foi feito um pacote fechado, entendeu? Tanto essa [fazendas Santo Antônio e Marimbondo – atual PA 21 de Abril] como a Taquara foi uma negociação só com esse povo daqui. Na verdade a gente ocupamos aqui, a gente ocupamos a Taquara também fazendo pressão pro INCRA comprar os lotes, porque na verdade não foi desapropriada, ela foi um imóvel adquirido [...].142

Dessa maneira, vai-se conhecendo as difíceis negociações entre trabalhadores e

fazendeiros e as instâncias governamentais. O fato de ter havido uma predisposição das

141 João Pedro (Pseudônimo). Entrevista concedida à autora em novembro de 2010. 142 Ricardo dos Santos Balbino, entrevista concedida à autora em março de 2012.

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partes para negociação não significa que as condições ou enfrentamento da luta eram

menores ou brandas.

[...] quando nós viemos pra cá, nós ocupamos a [fazenda] Taquara, que é uma fazenda [...] lá tem 250 famílias assentada hoje do MLST através de nós. Foi nós que ocupamos e por nós eles estão lá agora assentado [...] no Paulo de Farias é ali na Taquara. [...] Na Taquara nós ficamos nove dias que foi assim: a moça [Ana Rita] do Movimento de Frente estava louca procurando um lugar pra gente do MLST, que era coordenadora de Frente que sabia mais, que caminhava, que ajudava a gente, então, aí, ela, como ela estava procurando essa fazenda, ela ficou sabendo da corretoria, o corretor [de imóveis] encontrou essa fazenda que estava vendendo, ela foi conversar com o fazendeiro [proprietário da fazenda a venda], o fazendeiro foi pro INCRA pra negociar e lá ele falou: eu tenho a fazenda pra vender. Ela falou assim: mas pro senhor [proprietário] vender essa fazenda pro meu povo, que ela falava, vai ter que a gente ocupar lá. Aí foi, o fazendeiro foi assim e apontou o dedo pro nariz dela e falou assim: mas você num tem peito pra pôr gente lá. Ela falou assim: eu vou provar pro senhor que eu tenho. E chegou e foi conversando com a gente e pedindo ajuda, pediu ajuda muito pra sindicatos, né, sindicato que apoia. Aí ela falou pra gente: se vocês quiserem terra, vocês me acompanham. E nós acompanhamos ela. Ela arrumou os caminhões, nós chegamos de madrugada dando tiro lá de foguete e tal, e lá, como o homem é muito rico e estavam os jagunços e todo mundo de lá, eles ficava de lá na sede e nós de cá na fazenda. [...] O homem que queria vender [a fazenda Taquara] é o pai [e] esse daqui é o filho, mas é o mesmo, só vendia lá se comprasse essa [fazenda Santo Antônio/Marimbondo] também [...].143

Dando ênfase no trabalho da militante que na época era coordenadora do

MLST, portanto, coordenava o grupo 21 de Abril, a senhora Eufrásia indica estratégias

de lutas dos movimentos sociais: apesar de o fazendeiro desejar vender suas terras para

o INCRA, era necessário que os trabalhadores demarcassem aquelas terras com a sua

bandeira de Movimento, inserindo assim as famílias no cadastro de possíveis

beneficiários da reforma agrária feito pelo INCRA nas terras ocupadas. Podendo

sugerir, nesse trecho da transcrição de sua entrevista, uma possível preocupação por

parte da coordenação do MLST com o fato de outros movimentos sociais atuantes na

região poderem também reivindicar aquelas terras para assentamento.

A partir dessa conjuntura, observam-se o movimento e as articulações políticas

do MLST na conquista da fazenda Santo Antonio/Marimbondo ao procurar meios de

negociação tanto com o proprietário como com o Estado via INCRA, e, como indica

143 Eufrásia Maria dos Santos, entrevista concedida à autora em dezembro de 2011.

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Eufrásia, uma negociação também com os trabalhadores no sentido de convencê-los a

buscar outras terras em outro lugar, agora em Veríssimo (vale ressaltar que os

trabalhadores, em cada terra ocupada e almejada, vão criando expectativas de ali

garantirem suas vidas e trabalho). No caso, o intuito do proprietário era vender suas

terras a preço de mercado e o do Movimento era que o INCRA obtivesse as fazendas.

É importante considerar que os Movimentos de Sem Terra, em suas

experiências, aprenderam a reivindicar terras improdutivas adentrando-as e ficando suas

bandeiras, para assim demarcá-las, e cobrando que o INCRA transfira a posse para as

famílias de trabalhadores. Daí a necessidade da ocupação da fazenda Santo

Antônio/Marimbondo, pois assim ficava acordado que ali seria o assentamento das

famílias do MLST, que primeiro ocupou as terras. Historicamente, na correlação de

forças, têm sido os movimentos sociais que indicam para o Estado as fazendas

improdutivas e passíveis de desapropriação. Com décadas de experiência na luta pela

terra, os trabalhadores engajados em Movimentos aprenderam que não pode esperar ou

deixar por conta do Estado a identificação de possíveis terras improdutivas para

assentamento, o que os leva a articular e definir as formas de suas lutas.

Eufrásia ainda aponta no trecho da transcrição da sua entrevista o conflito de

interesses na negociação da fazenda Santo Antonio/Marimbondo: o fazendeiro não

concordava com a ocupação de suas terras e desafiou a coordenação do MLST. Segundo

ela, o proprietário: “[...] foi conversar com [a coordenadora do MLST] para negociar pra

tirar a gente de lá, pra eles vender [as fazendas Santo Antônio/Marimbondo e Taquara]

pro INCRA [...] pra poder as terras valorizar mais, que se a gente estivesse lá vendia

como improdutivas, se nós saísse era produtiva, aí negociou, ele ajudou em tudo, ele

deu lona, ele deu cesta, ele deu os transporte, ele deu apoio, até segurança”. Essa

afirmação da assentada suscitou algumas observações possíveis envoltas no interesse do

proprietário: talvez sua preocupação fosse com um possível processo de desapropriação

que poderia ser longo, já que tem havido uma demora de, em média, mais de oito meses

entre o Decreto de interesse social e o desenrolar da ação de desapropriação com

Audiências de Conciliação previstas entre as partes.

A preocupação do proprietário de que a desapropriação desvalorizasse suas

terras, como aponta Eufrásia, merece uma observação: o Estatuto da Terra (Lei

4.504/64) garante justa indenização e a Lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, rege, no

art. 12, a justa indenização do fazendeiro. Isso quer dizer que a indenização ao

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proprietário deve refletir o preço atual de mercado da propriedade rural em sua

totalidade, e o parágrafo 1º dessa Lei define justa indenização e valores pagos: “[...]

verificado o preço atual de mercado da totalidade do imóvel, proceder-se-á à dedução

do valor das benfeitorias indenizáveis a serem pagas em dinheiro, obtendo-se o preço da

terra a ser indenizado em TDA [...]”.144 Se a negociação entre as partes fosse pelo

processo no qual o INCRA comprasse as terras do fazendeiro, possível pelo Decreto nº

433/92 (compra e venda), a forma de pagamento das terras seria a mesma da

modalidade desapropriação, ou seja, indenização pela terra nua (através de Títulos da

Dívida Agrária – TDA) e as benfeitorias pagas em dinheiro. Desse modo, a preocupação

do fazendeiro, a que se refere Eufrásia M. Santos, poderia estar próxima de e pautada

por seus valores sociais e morais, pois o ruralista estaria sujeito a carregar sempre a

marca da reforma agrária em sua vida e negócios e tornar-se um dos símbolos políticos

das vitórias das lutas incansáveis dos Movimentos de Sem Terra na região, o que, para a

sua classe, sob o seu ponto de vista, não seria, assim como ainda não é, algo vantajoso.

Durante esse tempo de negociação pela fazenda que almejava, como lembra

Eufrásia, o grupo 21 de Abril pressionava e se dirigia para outras propriedades

alargando as possíveis reivindicações e o questionamento sobre a posse e a

produtividade das fazendas na região:

Arrumou essa fazenda aqui [em Veríssimo] do Roberto para gente chegar [e aguardar os resultados da negociação], lá a fazenda já era do banco, que estava em dívida, [...] o banco tinha tomado do homem [proprietário], porque ele num tinha pagado [...] a gente ocupou ela, e o homem [o proprietário] tirou a gente debaixo de polícia. Os fazendeiros [da região] todos ajudaram e nós saímos de novo debaixo de polícia. [Em seguida] Ocupamos uma área em Veríssimo no campo, uma área pública [...] no campo de futebol. Nós ficamos lá oh! muito tempo! Aí a Ana Rita [coordenadora do MLST] pelejando, negociando, ia atrás desse homem [o proprietário da fazenda Santo Antônio, que estava em negociação], aí ele arrumou advogado e negociou pra gente ficar numa área [dentro da fazenda dele] [...], aí trouxe a gente pra cá, pra essa fazenda aqui [fazenda Santo Antônio e Marimbondo] dentro de 14 hectares [para ficarem acampados aguardando o processo de compra e venda da propriedade] [...] eu sei que aqui são duas fazendas, Santo Antônio e Marimbondo, que é o mesmo assentamento junto, tem o Marimbondo lá e esse Santo Antônio aqui com 77 famílias [...] aí nós ficamos [dentro dos 14 hectares] até o INCRA mais o fazendeiro negociar e acertar tudo pra poder a gente se expandir por aqui. [...] O fazendeiro mesmo até nunca vi ele, sei que essa fazenda lá juntou tanta coisa que banco também é

144 Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos

constitucionais relativos à reforma agrária, previsto no capítulo III, Título VII da Constituição Federal.

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uma coisa muito rica, né, inclusive ela vai ser do Movimento também do MLST, porque foi nós que ocupamos [...].145

No que se refere aos resultados das negociações mencionadas pelos

entrevistados do PA 21 de Abril, o processo de obtenção de terras pelo INCRA foi pela

modalidade compra e venda da fazenda Santo Antônio/Marimbondo em Veríssimo em

18 de abril de 2005. Podendo se concluir que essa obtenção se deu por meio da

negociação entre o Movimento, o proprietário e o Estado. O que resultou na criação do

Projeto de Assentamento 21 de Abril para atender de imediato 110 famílias,

posteriormente acertado em 77, a maioria em lotes de aproximadamente 15.4 hectares.

Contudo é necessário analisar alguns apontamentos na última fala de Eufrásia

no que se refere ao perfil de proprietários de terras no município de Veríssimo e região:

os movimentos sociais denunciam a existência de terras improdutivas, cobrando que

seja feita a reforma agrária nessas terras, e também denunciam latifúndios, por exemplo,

nas mãos de bancos, o que pode contribuir para elevar a especulação imobiliária no

campo. Nessa região encontram-se, entre outros tipos de ruralistas, os que procuram

resolver o conflito por terra “na bala”, ao contratar milícias, jagunços e armá-los na

tentativa de defesa de seus poderes, registrando a história da luta pela terra com

violência, ou mesmo ao acionar a polícia militar, que acaba por agir com truculência. Os

depoentes revelam as experiências de conflito, confronto e esperanças que vivenciaram

em anos de lutas, oferecendo elementos importantes para a compreensão da

complexidade dos trâmites no processo de conquista do assentamento, no qual fica

evidente a correlação de forças entre o Estado e seus diferentes governos e os

proprietários rurais e os trabalhadores.

Nessa luta de classes, muitas situações e processos de negociação entre as

forças opostas vão tomando forma, e uma delas é o próprio fazendeiro desejar vender

suas terras e procurar o INCRA para negociá-las, colocando-as à disposição da reforma

agrária. Contudo, apesar de existirem esses interesses de mercado sobre as propriedades

rurais, a prática do despejo violenta enfrentada por famílias de trabalhadores Sem Terra

está também presente no Triângulo Mineiro. É uma violência configurada de diferentes

modos, seja física, emocional, ou ambas, que marca profundamente as histórias e

145 Eufrásia Maria dos Santos, entrevista concedida à autora em dezembro de 2011.

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memórias dos trabalhadores, principalmente pelo impacto deixado por situações de

confronto em que eles estão sujeitos a assassinados, torturas e humilhações.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) realiza um importante trabalho de

pesquisa, acompanhamento e divulgação sobre os números da violência no campo

brasileiro. Em 12 de dezembro de 2011 ela divulgou dados parciais, referentes ao

período de janeiro a setembro daquele ano, sobre os conflitos no campo:

Os números relativos a janeiro a setembro de 2011 indicam uma redução geral de conflitos – redução de 777, em 2010, para 686, em 2011, -12%. Mas a queda não esconde que a violência se mantém e firme. Faz parte da estrutura agrária do país. Este número refere-se ao conjunto de conflitos que a CPT registra: por terra, por água e trabalhistas, no campo. [...] Individualizando cada categoria de conflito, os conflitos por terra se reduziram de 535, em 2010, para 439, em 2011. Os conflitos por água de 65, em 2010, declinaram para 29, em 2011. Já os conflitos trabalhistas, concretamente o trabalho escravo apresentou elevação. Em 2010, neste período, foram registradas 177 denúncias de trabalho escravo, em 2011 este número se elevou para 218.146

No tocante aos dados divulgados pela CPT sobre os conflitos no campo nos

anos de 2005147 e 2006, segundo o Informativo Adital online,148

Algumas pequenas reduções também foram registradas, como o número de mortos em conseqüência de conflitos que, em 2006, foi de 57, e em 2005, de 64. Também caiu o número de ameaçados de morte – 266 em 2005, 207 em 2006, -22,18% – e de torturados – 33 em 2005, 30 em 2006, – 9,09%. [...] ‘A leitura destes números, relacionando-os com a população rural de cada estado ou região, dá uma outra visão. Onde se dá o maior número de ações de mobilização – ocupações e acampamentos – no Centro-Sul do País, aí o número de assentamentos é menor. Por outro lado, os índices de violência sofrida pelos trabalhadores são bem maiores nas regiões onde a ação dos movimentos é menos intensa, como na Amazônia. Com isso, fica patente que a violência no campo não pode ser creditada ao aumento da pressão dos movimentos do campo, mas continua diretamente vinculada à truculência histórica do latifúndio, travestido hoje de agronegócio’, afirma a CPT. [...] Às vésperas do Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária, a Comissão aproveita para citar a impunidade que cerca os conflitos. De um total de 1.104 ocorrências

146 CPT DIVULGA DADOS parciais dos conflitos no campo Brasil de janeiro a setembro de 2011. CPT

– Comissão Pastoral da Terra, 12 de dezembro de 2011. Disponíveis em: <http://www.cptnacional.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=908:cpt-divulga-dados-parciais-dos-conflitos-no-campo-brasil-de-janeiro-a-setembro-de-2011&catid=12:conflitos&Itemid=94>. Acesso em: 15 jan. 2012.

147 2005 foi o ano em que nossos entrevistados do PA 21 de Abril – MLST entraram para a condição de pré-assentados e os do Emiliano Zapata-MST estavam em processo de assentamento.

148 ADITAL, Agência de Informação Frei Tito para América Latina.

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de conflitos com assassinato, levantados de 1985 a 2006, somente 85 foram levadas a julgamento. Somente 19 mandantes foram condenados. ‘É preciso que a sociedade brasileira exija do poder Judiciário uma atuação mais rigorosa. Um exemplo de impunidade é o massacre de Eldorado dos Carajás, onde 16 sem-terra foram mortos, no dia 17 de abril de 1996. Mesmo condenados, o coronel Mário Colares Pantoja (228 anos de prisão) e o capitão José Maria Pereira (158 anos) conseguiram habeas corpus e hoje aguardam julgamento de recurso em liberdade’ [...].149 [grifo meu]

No que se refere ao Triângulo Mineiro, a pesquisa deste trabalho revelou que

na prática repressiva de forças contrárias aos movimentos de luta pela terra não havia

registro de assassinato,150 ou pelo menos não houve, nas décadas de 1990 e 2000, um

confronto com mortes, apesar de ter havido inúmeros confrontos com a ação de

jagunços que passaram e ainda passam dias e noites atirando contra os acampamentos

de Sem Terra. Daí é possível concluir que os desfechos dos conflitos por terra não

haviam se concretizado com mortes, até então, pela capacidade dos trabalhadores de se

autoprotegerem e da proteção coletiva.

Ao entrevistar Ricardo dos Santos Balbino, o questionei sobre qual era sua

visão da conjuntura atual da luta pela terra sob o impacto das execuções sumárias dos

três Sem Terra do MLST em um distrito do município de Uberlândia, ele ponderou

dizendo o seguinte:

Isso na realidade eu vou ti ser sincero, na realidade isso sempre teve, só que de uma certa forma ficava muito ocultado, esses [assassinatos]

149 CPT REVELA DADOS sobre violência no campo. ADITAL, 16 de abr. 2007. Disponível em:

<http://www.adital.com.br/site/noticia2.asp?lang=PT&cod=27160>. Acesso em: 16 jul. 2011. 150 Em 1984 foi assassinado um trabalhador integrante de um grupo de posseiros que lutava e

reivindicava a desapropriação da fazenda Barreiro no município de Iturama/Triângulo Mineiro (COUTO, 1999). Desde esse assassinato, não se tinha notícia de execução sumária de trabalhador(a) Sem Terra. Essa conjuntura foi modificada pela execução de três militantes do MLST no dia 24 de março de 2012, ocorrida em uma estrada perto do distrito de Miraporanga, a 40 km de Uberlândia. Os trabalhadores executados coordenavam o acampamento na fazenda São José dos Cravos no município de Prata – Triângulo Mineiro, arrendada para usina de cana e álcool da CMAA e enfrentavam a disputa pela reforma agrária nessas terras. Desde o crime a Polícia Civil passou a investigar e apurar o caso, contudo, de imediato divulgou na imprensa a suspeita de que as mortes fossem por desavenças entre os próprios Sem Terra, claro sem descartar qualquer tipo de motivação. Já para o MLST a chacina estava ligada à disputa de terra na região. Em junho a Polícia Civil de Minas Gerais, que trabalhou junto com a polícia do Rio Grande do Sul prendeu Rodrigo Cardoso Fric, que confessou ter feito os disparos que mataram os Sem Terra. As investigações apontaram que o crime foi encomendado por traficantes de drogas e Rodrigo agiu com comparsas e a motivação seria uma suposta denúncia feita pelas vítimas sobre o tráfico de drogas na região em 2009. (TAVARES, Renata. Suspeito de matar líderes sem-terra esclarece triplo homicídio. Jornal Correio de Uberlândia, Uberlândia, 21 jun. 2012 disponível em: <http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/suspeito-de-matar-lideres-sem-terra-esclarece-triplo-homicidio/>. Acesso em: 21 jun. 2012).

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veio a ser demonstrado mais pela mídia [...] a repressão tem, a milícia armada no campo tem, a gente tem um exemplo aqui do lado aqui nessa fazenda de cima aqui oh, na Santa Iza proprietário [...] tinha um pessoal acampado lá, tinha milícia armada lá atirava no povo. Pegaram jagunço lá com droga, arma, então, isso é uma coisa que existe, ali morreu, aqui num morreu, né, aqui num morreu, porque num teve uma oportunidade, porque eu acredito que depende muito da oportunidade, entendeu? Oportunidade, sorte, num sei, é o momento.151

A região é o território de muitas ações, com acampamentos e assentamentos da

reforma agrária, bem como diferentes mecanismos de violência e conflitos no campo,

principalmente, como afirmou Ricardo, com o serviço de parte da imprensa da região a

favor do capital, trazendo à tona versões distorcidas do ponto de vista dos trabalhadores

sobre os confrontos fundiários. Haja vista que outros entrevistados, em conversas

informais ou mesmo em eventos, como em um seminário para estudantes universitários

em Uberaba, denunciam e afirmam o predomínio da prática da desmoralização, da

humilhação, da tortura física e emocional de trabalhadores(as) e da criminalização por

conta de suas lutas. Ressalta-se que a criminalização se deve também ao serviço da

justiça tendenciosa e condenatória dos pobres. A pesquisa evidenciou que lideranças,

homens e mulheres do MST, foram e ainda são alvo de jagunços que cometeram

agressões físicas, verbais e até sexuais perante seus filhos e maridos; muitos foram

espancados violentamente, o que poderia tê-los levado à morte, como aconteceu com

militantes do PA Emiliano Zapata em um dos confrontos nesses anos de luta.

Outra evidência dessa realidade é o fato de lideranças originárias do MLST e

ligadas aos partidos de esquerda, como PT e PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), e

que organizaram outros movimentos sociais de luta pela terra na região terem sido

condenadas à prisão sob as acusações, entre outras, de formação de quadrilha, roubo,

incitação ao crime. Segundo informações na imprensa alternativa,152 o Tribunal de

Justiça do Estado de Minas Gerais, em 09 de setembro de 2009, condenou duas

lideranças do Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL) a cinco anos e seis meses

151 Ricardo dos Santos Balbino, entrevista concedida à autora em 2012. 152 DOIS SEM-TERRA condenados à prisão. Causa Operária, 17 Out. 2009. Disponível em:

<http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=17675>; MG – Dirigentes do MTL são condenados injustamente. Vermelho, 02 Out. 2009. Disponível em: <http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=8&id_noticia=116865>; Manifesto em solidariedade aos dirigentes do MTL e do PSOL. Movimento dos Trabalhadores Desempregados Pela Base – RJ, 08 Jan. 2010. Disponível em: <http://mtdrio.wordpress.com/2010/01/08/manifesto-em-solidariedade-aos-dirigentes-do-mtl/>. Acesso a essas fontes em: 15 jan. 2012.

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de prisão por conta do processo de ocupação da Fazenda denominada Tangará no

município de Uberlândia no final dos anos 1990.

Desse modo, as experiências compartilhadas pelos Sem Terra nos momentos

tensos de confronto são narradas pelos trabalhadores, oferecendo a oportunidade de se

conhecer o que sentem e como lembram esses tempos desafiadores.

Eufrásia Maria dos Santos, do PA 21 de Abril, ao analisar a ocupação da

fazenda que, como ela se referiu, “já era do banco” e de seus desdobramentos, expressa

seus sentimentos e visão sobre o acontecimento dizendo o seguinte:

[...] foi policiamentos [para a fazenda ocupada], até daquele tipo eu nunca tinha visto o tanto de polícia que foi chegando. Primeiro chegaram uns jipes, chegaram umas peruas, chegaram umas ambulâncias, nossa! Você precisa de ver! Chegaram até uns cachorros, levou os cachorros policial. Só que a gente num tem assim, a gente que está acostumado assim, eu, por exemplo, num sei sé é porque eu num sei o porquê eu nunca tive medo, eu até gosto de ir ficar perto onde tem um assim, eu gosto de ir lá pra mim ver [...].153

Essas ponderações de Eufrásia remetem à análise feita pelo Jonas Batista

Nunes, assentado no PA Emiliano Zapata – MST, em uma entrevista concedida à autora

em 2005, quando ele discorria sobre os momentos tensos de confronto com jagunços

contratados por fazendeiros para repressão aos Sem Terra, e/ou com a polícia na ação de

reintegração de posse ao proprietário. Questões essas também analisadas no meu

trabalho de dissertação de mestrado e que a presente pesquisa, ao ampliar o campo de

Sem Terra investigados, aprofunda a compreensão sobre as experiências desses

diferentes homens e mulheres em luta. Segundo Jonas B. Nunes:

Leandra: Como foi viver o despejo?

Jonas Batista: Olha! Pra mim foi [...] eu achei assim como se fosse uma diversão, eu gostei muito daquele Movimento [...] espécie de um confronto lá com a polícia, o pessoal lá, que aqui na cidade o povo tem muito medo de polícia, né? E lá [no acampamento] não! A gente via o pessoal enfrentando a polícia [e] num estava com medo, ninguém tinha medo igual tinha na cidade. Então, aquilo, pra mim, aquelas negociações, aquele confronto, eu achei muito bom aquilo, gostei! Aí quando foi alguém falou sobre isso na cidade, lá em casa a família ficou preocupada, disse que eles [policiais] estavam matando gente, tal, mas era só sensacionalismo. [...] Meu irmão foi lá me buscar noutro dia, falou assim: “Você é doido, rapaz, entrar num trem desse? O povo está achando que você tinha tomado tiro, que você estava morto”. [eu] Falei: “Não! Lá é diversão, eu gostei muito

153 Eufrásia Maria dos Santos, entrevista concedida à autora em 2011 no PA 21 de Abril.

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daquilo lá”. Foi uma coisa pra mim [...] como se eu estivesse divertindo, né? [...] Num voltei pra Uberlândia não! Ele [irmão] falou assim: “Você num vai desistir disso? Larga disso, rapaz! Você é louco, você vai tomar um tiro aí, rapaz!” [...] Eu continuei, e estou até hoje, passamos por várias etapas [...], já aí seis anos, esse mês agora faz seis anos, faz agora em abril [...].154

Tais posições indicam a consciência adquirida por homens e mulheres em suas

experiências em busca de alcançar seu desejo de ter um pedaço de terra. Envolvem-se

de tal maneira nas circunstâncias colocadas pela luta que muitas vezes arriscam a

própria vida. Com a disposição para enfrentar o possível perigo letal do confronto no

ato de despejo, bem como para todas as limitações e desafios do cotidiano de um

acampamento ou qualquer outra atividade do dia a dia colocada pelo movimento social,

o sentimento de esperança e o desejo de uma vida melhor com dignidade são reais e o

que os move, porém a dor dessas circunstâncias, sob seus mais diferentes sentidos,

também faz parte dessas histórias:

[...] Este é o percurso histórico muito doloroso do acampamento Emiliano Zapata, do qual sou uma das personagens, entre tantos os que não resistiram até o assentamento definitivo. Muitos não suportaram a dor da espera debaixo da lona preta, do calor escaldante e do frio doído da noite, da falta de infra-estrutura, alimentação, das decepções da contradição entre a teoria e a prática dos militantes, coordenações, base e de toda a companheirada da luta. A morte que buscava os mais fracos fisicamente, a desistência de outros, tantos que foram embora, abandonando o sonho do pedaço de terra, da tristeza avassaladora de quando morria um companheiro ou uma companheira na luta sem antes realizar o tal sonho da conquista do pedaço de chão. A dificuldade continua no processo de assentamento. (MOTA, 2010, p. 33).

Em uma versão que se aproxima da fala de Maria Eleusa Mota, o assentado

João Pedro do PA 21 de Abril – MLST expressa os significados de uma ocupação e de

um processo de despejo: “[...] é muito desagradável pra fazer uma ocupação, e uma

desocupação é pior ainda, pra fazer ocupação é desagradável [...] mudar de lugar como

se fosse uma pessoa sem destino, a realidade do trabalhador é sem destino [...]”.155

João Pedro revela as incertezas no processo da luta, a qual começa com a

aglomeração de famílias dispostas a enfrentar os latifundiários, a quebrar os cadeados

de suas propriedades, questionando os seus supostos direitos à posse sobre uma terra,

154 Jonas Batista Nunes, entrevista concedida à autora em 2005 no PA Emiliano Zapata – MST. 155 João Pedro, entrevista concedida à autora em novembro de 2010.

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porém parece nunca terminar, já que a luta pelo direito ao trabalho e à vida não se finda

quando os trabalhadores são assentados. Indo além, João Pedro sinaliza para os

sobressaltos que pode vivenciar o trabalhador pobre nesse país quando não tem

minimamente assegurada sua moradia, escola, saúde, alimentação, lazer, entre outros,

estando sujeito a andar a esmo, sem destino, como preferiu explicar, pois em muitas

situações são obrigados pela lei e o sistema capitalista a mudar de lugar.

Sobre as questões e os métodos jurídicos de concessão de reintegração de posse

de fazendas ocupadas, João Pedro indica algumas suspeitas sobre o processo de uma das

ocupações do grupo 21 de Abril feita no município de Prata. Segundo ele,

[...] [o proprietário] da fazenda conseguiu ainda uma liminar no dia de sábado, num dia de domingo às duas horas da tarde tinha uma liminar pra nós. Primeira vez que eu vi o Ministério Público trabalhando dia de domingo pra reintegração de posse deles. Aí num acordo nós saímos da fazenda, viemos aqui pra uma fazenda chamada São José, bem próxima aqui [do assentamento 21 de Abril], isso só pra gente tomar um fôlego pra uma próxima direção [...].156

Não se pode deixar de observar, no processo das lutas dos dois grupos de Sem

Terra ora investigados, a questão presente e direcionada aqui por João Pedro (agilidade

da justiça na concessão de reintegração de posse) e relacioná-la, por exemplo, com a

primeira ocupação do grupo 21 de Abril, que foi na fazenda Capim Branco, no

município de Uberlândia: um imóvel rural que possuía parte arrendada para a empresa

Algar Agro.

Tal condição de negócio estabelecida nessa fazenda pode indicar os motivos da

presteza na concessão daquela reintegração de posse, bem como de outras concessões

na mesma situação de correlação de forças com o agronegócio. Evidentemente, também

por meio da atuação profissional de advogados(as) representantes dos ruralistas,

predominando uma justiça tendenciosa, na qual os métodos e sentenças judiciais para

concessão de reintegração de posse significam o poder de decisão a favor do capital

nacional ou estrangeiro, que detém a posse, a concentração e o controle dos lucros do

agronegócio. Lucros esses possibilitados por políticas econômicas neoliberais.

As ponderações dos(as) entrevistados(as) suscitam a análise de outros fatores

importantes, ou seja, como o processo de obtenção de terras pelo INCRA para fins de

assentamento se relaciona com o mercado de terras. Nessas questões estão envolvidos, 156 João Pedro, entrevista concedida à autora em novembro de 2010 no assentamento onde reside.

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entre outros, instrumentos jurídicos que se poderia chamar de facilitadores, como o fato

de o INCRA poder adquirir um imóvel rural para fins de reforma agrária por diferentes

modalidades a partir de Decreto Presidencial. Por exemplo, a modalidade compra e

venda, prevista no Decreto nº 433, de 24 de janeiro de 1992, permite àquele órgão a

obtenção de terras consideradas de interesse social para fins de reforma agrária e não

passíveis de desapropriação.

A aquisição de terras pelo INCRA pode ser, ainda, feita pela modalidade de

desapropriação por interesse social quando não cumpre sua função social, por “[...]

destinação de terras públicas ou por obtenção de áreas devolutas ou por aquisição

(devedores ou dação em pagamento)”.157

No caso em análise, a aquisição pelo INCRA das fazendas Santo

Antônio/Marimbondo localizadas em Veríssimo, com área total medida pelo INCRA de

2.385,6820 hectares, para o assentamento 21 de Abril – MLST ocorreu pela modalidade

compra e venda e pelo valor total de R$ 11.000.000.00, sendo R$ 10.270.652,72 “[...]

referentes à terra nua, que deverão ser convertidos em Títulos da Dívida Agrária – TDA,

na data da emissão respectiva, com prazo de resgate de 05 (cinco) anos, a serem

lançados em nome do Senhor [...] e R$ 729.347,28 [...], em moeda corrente, para

indenização das benfeitorias”.158

Os assentamentos vizinhos a esse, ou seja, os de nome Rio do Peixe e Irmã

Dorothy, no município de Veríssimo, foram criados a partir da obtenção das terras pelo

INCRA por meio da modalidade desapropriação, assim como o foram assentamentos no

município de Uberlândia para as famílias do MST em estudo.

Entretanto, alguns dos entrevistados do PA Emiliano Zapata – MST têm outro

entendimento sobre a forma de aquisição das três fazendas no município de Uberlândia

pelo INCRA. Segundo Francisco Jubiano de Freitas,

[...] saíram essa fazenda [Santa Luzia, assentamento Emiliano Zapata], nós tínhamos o compromisso de não ocupar a fazenda e o fazendeiro tinha o compromisso de liberar pelo quatro, três, três [...] deixar a terra sair pelo quatro, três, três compra e venda, que é um processo que tem no INCRA que é compra e venda. O processo da fazenda, ela não vai

157 Informações sobre as modalidades de obtenção de terras pelo INCRA disponíveis em:

<www.incra.gov.br>. Acesso em: 30 jan. 2012. 158 Cópia da Portaria/INCRA/P/nº 222 de 18 de abril de 2005, disponibilizada para essa pesquisa pelo

chefe da divisão de Obtenção de Terras – Superintendência Regional do INCRA – Minas Gerais (SR/06) em maio de 2012.

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via desapropriação, então ela é valorizada como qualquer outra fazenda e paga em dinheiro, quatro, três, três é um código que tem lá no I-CRA. Então quando ela [...] é compra e venda, então ela não é ocupada e nem o governo fala que ela estava em ação, ela é uma ação de mercado e aí o I-CRA paga à vista e o fazendeiro tem um tempo pra tirar as coisas dele.

Leandra: Vocês já estavam indicando essa fazenda para reforma agrária?

Francisco: Essa fazenda aí eu tenho que voltar lá quando nós ocupamos que nós estávamos com 263 [famílias], aí foi tirado quatro fazendas pra assentar essas famílias, então essa daqui, então nós fizemos a ocupação lá na FERUB, daí o prefeito fez um compromisso, entrou em contato também, ajudar nós na negociação que no caso aqui foi o Zaire [prefeito Zaire Rezende], então foi intermédio do Zaire com o INCRA. O Zaire fez um convite pra todos os fazendeiros que queria vender a fazenda e ele entrou diretamente junto com nós. Era a direção no tempo do MST junto com o apoio da agropecuária [Secretaria Municipal de Agropecuária e Abastecimento] [...] da prefeitura mais o INCRA, e aí o prefeito intervindo diretamente na negociação. Então, foi por isso que saiu essa negociação, então foi duas fazendas, aliás, três que saiu pelo quatro, três, três, mas com essa [condição] não poderia ocupar [...].159

Maria Eleusa Mota também tem uma interpretação semelhante à de Francisco

Jubiano de Freitas:

Na fazenda FERUB conseguiu várias negociações, porque então era o prefeito Zaire Rezende, conseguiu, é [...] acho que isso não é público, mas o Doutor Zaire, acho que chamou o fazendeiro amigo dele que interessasse em vender as terras. Então, assim, há uma suspeita muito grande, nós sabemos por outras fontes, não, ele nunca falou, mas essa fazenda aqui [Santa Luzia] foi uma fazenda que ele conseguiu, né, que o fazendeiro interessasse em desapropriá-la. Tanto que, quando nós viemos pra cá, é já nem foi em coisa de ocupação, o INCRA já tinha tudo, que é a posse.160

Apesar desses apontamentos feitos pelos entrevistados, no Banco de Dados da

Luta pela Terra em Minas Gerais do LAGEA/UFU161 a aquisição das tais fazendas para

159 Francisco Jubiano de Freitas, 34 anos de idade, natural de Currais Novos (RN), casado, pai de um

filho, deslocou-se para Uberlândia em 1995. Antes de entrar para o MST atuou no Sindicato dos Trabalhadores Rurais em Currais Novos. É assentado no assentamento Emiliano Zapata. Entrevista concedida à autora em 2011 no local onde é assentado.

160 Maria Eleusa Mota. Entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011, no assentamento Emiliano Zapata – MST, antiga fazenda Santa Luzia.

161 Banco de dados DATALUTA Minas Gerais – Assentamentos de Reforma Agrária Brasil e Minas Gerais 1927-2009. LAGEA/IG – UFU. Disponível em <http://www.lagea.ig.ufu.br/bancodedadosdatalutaminas.html>. Acesso em: 30 dez. 2011.

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assentar as famílias do MST no município de Uberlândia consta como modalidade

desapropriação, informação cuja fonte é o próprio INCRA.

A utilização dessa modalidade também foi confirmada pelo entrevistado do PA

Emiliano Zapata, Juarez Moura dos Santos, segundo o qual as fazendas foram

desapropriadas por improdutividade. Ainda segundo os entrevistados, a prefeitura de

Uberlândia, na gestão Zaire Rezende, fez o levantamento de possíveis fazendas

improdutivas nesse município e seguiu os trâmites junto ao INCRA para a criação de

assentamento naquelas áreas. Juarez M. dos Santos analisou que a possível confusão

feita com o processo e qual modalidade de obtenção de fazendas poderia ser atribuída

ao fato de que, quando ocorreu a ocupação da fazenda no município de Prata pelo grupo

do 21 de Abril do MLST, o proprietário havia indicado interesse em vender a

propriedade. Conta Juarez que naquele período se desencadearam conversas sobre o

processo conhecido como “quatro, três, três” e isso ficou na memória dos trabalhadores.

É possível que, ao viverem intensamente a euforia de serem assentados, alguns acabem

por não saber bem, por qual modalidade foi a aquisição das áreas e persista a ideia

abordada nas conversas iniciais sobre a possibilidade de compra e venda das

propriedades.

Portanto, a fazenda Santa Luzia, localizada no município de Uberlândia, com

área registrada de 648,3012 hectares, foi declarada de interesse social para fins de

reforma agrária através do decreto publicado no Diário Oficial da União (DOU) de 25

de junho de 2004 e foi movida ação de desapropriação nº 2004.38537-1, sendo que o

valor da indenização “[...] acordado entre as partes, com a devida anuência do

Ministério Público Federal, fundamentou-se no valor da oferta inicial, equivalente a

R$2.407.571,18”.162 No processo de ação de desapropriação houve acordo judicial em

uma Audiência de Conciliação realizada em 12 de novembro de 2004.163

Ainda de acordo com a Portaria SR/06/GAB/Nº 073 de 13 de dezembro de

2004, o Superintendente Regional do INCRA – Minas Gerais RESOLVE: “[...] Art. 2º

Solicitar ao superintendente Nacional do Desenvolvimento Agrário autorização para a

Superintendência Nacional de Gestão Administrativa adotar as providências necessárias

162 Extraído da cópia da Portaria SR/06/GAB/Nº 073 de 13 de dezembro de 2004, disponibilizada para

essa pesquisa pelo Chefe da Divisão de Obtenção de Terras da SR 06 do INCRA em maio de 2012. 163 Acordo Judicial celebrado em juízo entre o INCRA, SR 06 e representante do proprietário em 12 de

novembro de 2004 visando por fim à ação de desapropriação da fazenda Santa Luzia para fins de reforma agrária.

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visando anulação dos TDA’s [...] lançados em 01/07/2004 e relançamento, no mesmo

valor – R$2.230.846,08 [...] em Títulos da Dívida Agrária, com prazo de resgate de 02 a

05 anos, nominativos a Olavo Ribeiro Filho[...]”.164 O novo prazo acordado para o

relançamento dos TDAs foi de 90 dias a contar da Audiência de Conciliação (12 de

novembro de 2004). O relançamento dos TDAs aqui referido se explica pelo

desdobramento do processo de conclusão da ação de desapropriação da fazenda Santa

Luzia.

É importante esclarecer que o “código” indicado por Francisco Jubiano de

Freitas na última citação do trecho da transcrição de sua entrevista, como ele diz, “que

tem lá no INCRA” para compra e venda de propriedades rurais, é o processo

regulamentado pelo Decreto nº 433, de 24 de janeiro de 1992, já referido neste trabalho,

que dispõe sobre a aquisição de imóveis rurais, para fins de reforma agrária, autorizando

o INCRA a adquirir terras não passíveis de desapropriação por meio de compra e venda.

O dispositivo permite que o INCRA efetue a compra de imóveis rurais,

preferencialmente em áreas onde são registrados tensões e conflitos agrários. Ressalte-

se que o Decreto nº 2.614, de 3 de junho de 1998, alterou a redação do Decreto nº

433/1992, enquanto o Decreto nº 2.680, de 17 de julho de 1998, alterou a redação

acrescentando dispositivo ao Decreto nº 433, de 24 de janeiro de 1992. Em suma, isso

significa que o INCRA165 procederá diretamente ou por intermédio de terceiros à

seleção de imóveis rurais para aquisição por compra e venda e o Decreto 2.680 passou a

vigorar ainda com a seguinte redação no artigo 4º: “§ 1º A seleção prevista neste artigo

poderá ser precedida de publicação e da divulgação de edital de chamamento de

proprietários rurais interessados na alienação de imóveis [de] que têm o domínio”.166

As indicações dos depoentes levam a recuperar as condições históricas em que

emergiu o Decreto nº 433, ou seja, no governo de Fernando Collor de Melo, na época

filiado ao Partido da Reconstrução Nacional (PRN) e com base política dos

latifundiários e dos empresários, iniciando no Brasil os alicerces da política e da

economia neoliberal. Essa se consolidou no governo de Fernando Henrique Cardoso

164 Extraído da cópia da Portaria SR/06/GAB/Nº 073 de 13 de dezembro de 2004, disponibilizada para

essa pesquisa pelo Chefe da Divisão de Obtenção de Terras da SR 06 do INCRA. 165 Respeitando o disciplinamento previsto no respectivo Decreto e as disposições do artigo 12 da Lei nº

8.629 de 1993. 166 BRASIL. Decreto nº 2.680, de 17 de julho de 1998. Diário Oficial [da] República Federativa do

Brasil, DF, 20 Jul. 1998. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2680.htm>. Acesso em: 3 nov. 2011.

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(FHC), do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), de cuja autoria são as

alterações no Decreto 433 do presidente anterior.

A par disso, relevante observar como Eufrásia Maria dos Santos, do PA 21 de

Abril, pondera e analisa a obtenção de terras no processo da reforma agrária, ou seja,

como ela define a importância do INCRA nessa transação e como, do seu ponto de

vista, tem sido a relação desse órgão público com o mercado de terras: “[...] ele [o

proprietário da fazenda Santo Antônio/Marimbondo] queria vender, que o INCRA [é] o

melhor comprador que existe, num existe outro melhor que o INCRA [...]”.167

Nessa direção, os entrevistados narraram algumas condições e interesses

políticos e econômicos na destinação de fazendas para fins de reforma agrária na região

em estudo, o que, entre outros significados, expõem como têm sido o empenho, o

interesse e o compromisso de diferentes governos, seja o da União, das unidades

federativas ou dos municípios, bem como de proprietários da região para com a reforma

agrária.

Para Eufrásia, o INCRA é o melhor comprador de terras e, no propósito de

compreender como foi possível historicamente esse órgão público adquirir esses meios

para criação de Projetos de Assentamento, é preciso recuperar os impactos e os

significados da questão agrária e da reforma agrária enfocando desde o governo de

Fernando Collor de Melo e FHC com, por exemplo, o Decreto nº 433/92. Sob a

conjuntura desse Decreto e em suas sucessivas alterações, a questão agrária e a reforma

agrária, frente à expansão do agronegócio, foram tratadas como caso de polícia e a

terra, sempre como uma mercadoria, portanto visando ao lucro (não que em outros

tempos também não o fossem). Na realidade, com esses governos o que se configurou

nessa questão foi o mercado de terras seguindo as diretrizes políticas do Banco Mundial

(MARTINS, 2004) supostamente “para o combate à pobreza rural” em países como o

Brasil e, por conseguinte, esses governos trataram de criminalizar as lideranças e os

movimentos sociais de luta pela terra ao tempo em que se implementou o Banco da

Terra – Fundo de Terras e da Reforma Agrária.168

167 Eufrásia Maria dos Santos, entrevista concedida à autora em dezembro de 2011. 168 Lei complementar nº 93, sancionada em 04 de fevereiro de 1998 institui o Fundo de Terras e da

Reforma Agrária e dá outras providências no “Art.1º Com a finalidade de financiar programas de reordenamento fundiária e assentamento rural”. E regulamentada pelo Decreto nº 2.622, de 09 de junho de 1998 seguido de sucessivas alterações até a concluir-se no Decreto nº 4.892, de 25 de novembro de 2003. Vale ressaltar que a iniciativa pioneira de reforma agrária de mercado começou a

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Tal programa de financiamento estava inserido nos mecanismos e tentativas de

deslegitimar e desmobilizar os trabalhadores Sem Terra e suas respectivas organizações

sociais que lutam em prol de uma reforma agrária de fato. O Banco da Terra, pautado

em uma lógica produtivista, tratava de oferecer crédito sob determinadas condições para

agricultores comprarem terras. Desse modo, o governo FHC insistia na desnecessidade

da ação dos Movimentos dos Sem Terra, já que o governo estaria providenciando a

distribuição de terra, embora, cumpre ressaltar, para quem pudesse comprar mediante as

exigências do Estado e do sistema financeiro (MARTINS, 2004).

É importante observar que, principalmente desde o governo de FHC, é possível

constatar a articulações governamentais em consonância com a UDR no intuito de

dificultar a ações dos Movimentos para uma efetiva reforma agrária, com a criação de

Decretos e Medidas Provisórias (MP). Por exemplo, o Decreto nº 2.250, de 11 de junho

de 1997, proibia a vistoria em imóvel rural que viesse a ser objeto de esbulho

possessório enquanto durasse a ocupação; a MP 1.557, de 11 de junho de 1997, e suas

sucessivas reedições até a MP nº 2.027-38, de 04 de maio de 2000, que “Acresce e

altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, das Leis nºs 4.504,

de 30 de novembro de 1964, 8.177, de 1º de março de 1991, e 8.629, de 25 de fevereiro

de 1993, e dá outras providências”, ampliou a não vistoria de imóveis rurais ocupados

em até dois anos consecutivos da desocupação, dobrando esse prazo em caso de

reincidência de ocupação.

Ainda por efeito dessa MP, qualquer organização, entidade, pessoa jurídica,

movimento ou sociedade de fato que qualquer forma, direta ou indiretamente,

auxiliasse, incentivasse, incitasse, induzisse, colaborasse, participasse de ocupações de

terras ou de bens públicos (no texto da MP cita-se “invasões”) ou em conflito de agrário

ou fundiário de caráter coletivo não poderia receber a qualquer título recursos públicos.

Outra reedição redundou na MP sob o nº 2.109-52 de 25 de maio de 2001, que ampliou

da não vistoria, para também não avaliação e desapropriação de terra ocupada nos dois

anos consecutivos à sua desocupação, instituindo a repressão ainda mais forte. E previa

investigação e apuração de responsabilidades civis e administrativas de quem ajudasse e

permitisse as ocupações. Também excluía o(a) assentado(a) ou aquele(a) que

pretendesse beneficiar-se do PNRA se participasse ou promovesse ocupações de terras,

se delinear no Ceará em 1996 com o Programa Reforma Agrária Solidária no âmbito do Projeto São José (1997). Sobre esse programa ver MARTINS, 2004, p. 41.

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 1111: A CONSTITUIÇÃO DOS SEM TERRA NO TRIÂNGULO MINEIRO 115

de prédios públicos, atos de ameaça, manutenção e sequestro de servidor público e outro

cidadão em caráter privado. Se o assentado já tivesse acessado recursos públicos, foi

conferido ao poder público o direito de reter, rescindir do contrato e convênio ou

instrumento similar.169 Todas as proibições foram mantidas na seguinte e última

reedição a MP 2.183-56, de 24 de agosto de 2001, que continuou em vigor nos governos

posteriores a FHC.

Fica claro o propósito político de governos que criam e reeditam essas MPs:

atravancar o processo reivindicatório e estratégias de lutas dos movimentos sociais de

luta pela terra, impedindo possíveis laudos de improdutividade até a conclusão da ação

de desapropriação de terra para fins de reforma agrária. Sobretudo, impedir a ação em

conjunto entre diversos movimentos sociais, órgãos e entidades sociais e pessoas

jurídicas na luta pela reforma agrária, o que motivou aqueles ligados ao campo a se

rearticularem para o enfrentamento, sem deixar de praticar as ocupações nas fazendas.

A obra “O Banco Mundial e a Terra: a ofensiva e resistência na América

Latina, África e Ásia”, sob a organização de Mônica Dias Martins (2004), traz textos de

diversos pesquisadores que abordam a implantação e consolidação de uma reforma

agrária em consonância com o mercado financeiro seguindo as diretrizes do Banco

Mundial. Nessa obra, os autores Maria Luisa Mendonça e Marcelo Resende, analisando

os significados e impactos dessas políticas, afirmam que:

No Brasil, a ideologia do Banco passou a ter maior impacto no governo de Fernando Henrique Cardoso, que estabeleceu uma política agrária denominada Novo Mundo Rural, centrada basicamente em três princípios: (1) o assentamento de famílias sem terra como política social compensatória; (2) a ‘estadualização’ dos projetos de assentamento, repassando responsabilidades da União para estados e municípios, (3) a substituição do instrumento constitucional de desapropriação pela propaganda do ‘mercado de terras’. [...] Durante o governo FHC, o Banco Mundial iniciou três programas que inauguravam uma trajetória de acesso à terra e uma concepção de desenvolvimento rural: Cédula da Terra, Banco da Terra e Crédito Fundiário de Combate à Pobreza. Esses programas beneficiam o latifúndio improdutivo com o pagamento à vista da terra, com a aquisição de terras devolutas, muitas de má qualidade e com preço inflacionado. As associações criadas para a compra das áreas são muitas vezes organizadas pelos próprios latifundiários, e diversas

169 Fonte: § 6º, § 7º, § 8º, § 9º do art. 4º da MP nº 2.109-52, de 24 de maio de 2001 – Diário Oficial da

União - DOU 25/05/2001. Vale ressaltar que as análises ora abordadas sobre os respectivos Decreto e Medidas Provisórias, suas sucessivas reedições e seus significados podem ser encontradas em: FILHO, 2007, p. 119-122. Ver também análises sobre a MP nº 2.109-52 em FERNANDES, 2008, p. 221.

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terras adquiridas poderiam ser passíveis de desapropriação. (MENDONÇA; RESENDE, 2004, p. 09).

No início do governo Lula anunciou-se a suspensão do programa Banco da

Terra e uma auditoria, ocorrendo posteriormente a sua extinção e a criação do Programa

Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), um instrumento semelhante ao Banco da Terra,

porém com as condições de empréstimo amenas, trazendo assim condições mais

favoráveis aos agricultores pobres. Contudo, mantinha e fortalecia o caráter rentista da

terra. Segundo os autores Mendonça e Resende, na obra de Martins (2004) o PNCF foi

lançado com três linhas de financiamento: Combate à Pobreza Rural, Nossa Primeira

Terra e Consolidação da Agricultura Familiar. Os dois primeiros idênticos aos

programas Cédula da Terra e Crédito Fundiário de Combate à pobreza Rural

implantados no governo de FHC e o último idêntico ao Banco da Terra. Eis o que os

identifica: a concepção mercantilizada da reforma agrária. Vale ressaltar as análises e

perguntas dos referidos autores:

O Programa Nacional de Crédito Fundiário se propõe à aquisição, com pagamento à vista, de imóveis que não sejam passíveis de desapropriação. Isto é, imóveis com área inferior a quinze módulos fiscais ou outros com área superior a quinze módulos, mas considerados produtivos. Esta regra gera algumas dúvidas. Todas as áreas acima de quinze módulos fiscais serão vistoriadas pelo Incra para verificar sua produtividade, antes de serem adquiridas pelo Programa de Crédito Fundiário? Não seria mais viável que as áreas abaixo de quinze módulos fiscais fossem adquiridas por meio do Decreto 433? [...] Segundo relatos de trabalhadores, muitos imóveis adquiridos são improdutivos, mas diante da disponibilidade de recursos para compra com pagamento à vista, os proprietários se incluem no Programa para fugir da vistoria do Incra. Portanto, não se justifica um Programa Nacional de Crédito Fundiário que promove o endividamento dos trabalhadores rurais, já que o Estado dispõe de mecanismos legais suficientes para promover a desconcentração da estrutura fundiária. (MENDONÇA; RESENDE, 2004, p. 77-78).

Tais indagações sobre a função e pertinência do PNFC vêm ao encontro do que

a assentada Eufrásia Maria dos Santos narrou ao explicar a intenção do proprietário da

fazenda Santo Antônio/Marimbondo, localizada no município de Veríssimo, de vender

suas terras a preço de mercado para o INCRA.

As ponderações desses autores sobre os impactos e os significados de uma

reforma agrária de mercado se aproximam e/ou dialogam com as análises dos

assentados entrevistados sobre suas experiências e os sentidos sobre o que eles viram,

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 1111: A CONSTITUIÇÃO DOS SEM TERRA NO TRIÂNGULO MINEIRO 117

viveram e compreenderam do processo da aquisição de terras pela União. Dessa forma é

possível ampliar o conhecimento, principalmente a partir do ponto de vista dos

trabalhadores sobre os parâmetros de uma política de assentamento. A concepção da

assentada Eufrásia expressa na fala “[...] o INCRA [é] o melhor comprador que existe,

num existe outro melhor [...]” é emblemática da correlação de forças e dos interesses

envolvidos nessa complexa questão que não tem tocado na desconcentração fundiária.

O que foi tratado neste capítulo, a origem, a formação e questões das lutas dos

Sem Terra no Triângulo Mineiro, com ênfase nos municípios de Uberlândia e

Veríssimo, resguardando suas peculiaridades, pode revelar expressões das lutas pela

reforma agrária no Brasil e do avanço do agronegócio. Essa análise de como diferentes

sujeitos, na sua maioria submetidos a constantes deslocamentos pelo país, envolveram-

se na luta, sobretudo pelo direito à vida e ao trabalho, buscando o direito de viver a vida

no assentamento, que significa conquista de trabalho, educação, renda monetária,

moradia, alimentação, cultura, lazer, entre outras necessidades humanas, reflete a

constituição da luta pela reforma agrária por meio de memórias e histórias de diferentes

trabalhadores(as) que compartilharam suas experiências e expectativas.

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Valeu a pena [...] vim morar na fazenda

e se tornar uma militante!

(Teresinha Gomes Nunes, 2011)

Capítulo II: O assentamento de reforma agrária

C A P Í T U L O

II

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 2222: O ASSENTAMENTO DE REFORMA AGRÁRIA 119

ESTE CAPÍTULO ABORDA como questão central os modos como os

trabalhadores, já na condição de assentados, lidam com os desafios da organização

socioterritorial e política do assentamento que se organiza na fazenda desapropriada.

Analisa ainda como, na condição de assentados, se relacionam com os órgãos

governamentais responsáveis pela reforma agrária e qual a importância, para eles, do

acesso às primeiras modalidades do crédito denominado Instalação, revelando desafios,

experiências e o aprendizado em lidar com essas políticas. Nesse caminho, também

problematiza quais são e como se configuram as perspectivas do presente,

fundamentadas em novas experiências impregnadas de valores e modos adquiridos e

compartilhados nos anos de formação da luta pela reforma agrária via práticas sociais e

marcos de memórias de movimentos sociais.

2.1 EXPERIÊ�CIAS DE ORGA�IZAÇÃO POLÍTICA E SOCIAL EM ASSE�TAME�TO

O PA criado na antiga fazenda “Santa Luzia” foi nomeado de Emiliano

Zapata170 por vontade das famílias beneficiárias da reforma agrária e, após a conquista,

suas ações direcionaram-se para outros sentidos e necessidades. Talvez a primeira delas

e a que traga impactos mais diretos em sua vida diga respeito ao modo como se dispõem

e se organizam as famílias no assentamento e a segunda, como distribuem e delegam

trabalhos e funções dentro do coletivo.

Esse momento é importante porque a distribuição socioespacial da área

significa a organização da nova vida no coletivo, considerando-se que, quanto mais

próximos os lotes, maior facilidade de convivência e encaminhamento de projetos,

decisões e reuniões entre os trabalhadores. Sobre esse aspecto, tanto os militantes,

quanto as coordenações e as lideranças, por exemplo, as do MST, deixam a cargo das

famílias a escolha de quais ficarão próximas uma das outras e sob qual modalidade de

organização, apesar de orientarem para que seja nuclear e/ou coletiva. Entretanto, o

Movimento entende que isso é uma decisão dos trabalhadores, considerando seus

sentimentos e modos de convívio.

De acordo com João Moura dos Santos, a organização de núcleo e por

afinidade é importante na medida em que “[...] tem muita discussão dentro desses

170 Vale lembrar que, no caso do PA Emiliano Zapata – MST, de início foram assentadas pelo INCRA

vinte e quatro famílias na fazenda Santa Luzia, sendo em média 15 hectares para cada.

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grupos, por exemplo, quando nós reúne esses grupo, nós vai [...] nós bater em cima

disso aí [...] colocamos proposta [...] vai ouvindo as pessoas, as propostas das pessoas e

vai colocando e a gente vai estudando um meio até achar uma forma melhor”.171 Por

meio dessa fala, pode-se entender que o modo de organização social que encaminha

decisões políticas após a conquista do assentamento é mediada por laços criados ou não

pelos trabalhadores.

Segundo Juarez Moura dos Santos,

[...] a primeira coisa, quando a gente chega na fazenda é andar, tem uns que anda pra cima e pra baixo e já tem noção, já tinha o caseiro que [ali] já estava, então, [ele] já tinha noção. [...] Desenhou-se o mapa sobre a visão do assentado, do povo que estava lá naquele local. Com esse mapa, com essa imaginação do mapa e do que que era, aí começou-se a parcelar a fazenda, aonde que podia ficar a reserva, aonde se podia criar os lotes, aonde era terra melhor e aonde era as terras mais ruim. Aí, criando esse mapa, a gente, as famílias passaram para um debate, criou o que era predeterminado pelo INCRA, então, eram as 24 [famílias] nessa época, eram 24 lotes [...] jogou com esses 24 lotes, e a fazenda, pela geografia dela, ela tem um córrego no meio, depois tem mais dois córrego, então, nós dividimos em 4 partes: o Panga e mais dois corguinhos que desce pro Panga. Então, acabou surgindo 4 partes certinhas.172 Essas 4 partes, como nós já tinha uma discussão, então, nesse momento, como já tinha os núcleos de base, aí, rediscutindo os núcleos de base, e criou-se os núcleos do assentamento pela afinidade [...] os núcleos que já tinha lá no tempo de acampamento, mas aí rediscutiu e recriou eles pra assim colocar as pessoas mais próximas, parentes, né, ou compadre, comadre, essas coisas todas pra agradar todo mundo nos núcleos. Aí se formou o núcleo de nove, um de oito e um de sete [...] Terra e Vida sete, Esperança nove e Santa Luzia oito.173

Por meio da narrativa de Juarez Moura dos Santos é possível observar como os

assentados expressam seus conhecimentos e desejos ao mapear a fazenda na busca do

melhor modo de se organizarem dentro dela. A divisão em partes, como indicou Juarez,

conduziu à criação de três núcleos de afinidades com os nomes de Santa Luzia, com oito

famílias, Esperança, com nove e Terra Vida, com sete.

Todos os assentados entrevistados destacaram a importância dos núcleos de

afinidade e Maria Eleusa Mota ressaltou algo interessante: o nome atribuído ao núcleo,

171 João Moura dos Santos, assentado no Emiliano Zapata – MST. Entrevista concedida à autora em

março de 2005. 172 Quatro partes, duas das quais ficaram próximas e compuseram um núcleo, por isso o assentamento

tem três núcleos de afinidades, mesmo tendo sido dividido em quatro partes. 173 Juarez Moura dos Santos, entrevista concedida à autora em 2012.

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por exemplo, de Santa Luzia, se associa diretamente à religiosidade das famílias e ao

fato de ser também o nome da área antes da desapropriação. Isso, na concepção dos

assentados, facilita a localização e a referência do assentamento perante a sociedade

local, principalmente favorecendo a comercialização da produção no mercado próximo.

Ainda segundo a assentada, nominar o núcleo e, consequentemente, cada lote174 de terra

é necessário para que os assentados possam inserir-se na dinâmica e exigências formais

da vida rural no que se refere aos créditos, financiamentos e produção do pequeno

agricultor. Contudo, é possível perceber que procuram inserir-se como produtores

rurais, mas registrando suas memórias e valores, criando uma identificação arraigada

em suas crenças e costumes, principalmente procurando manter os valores sociais

construídos em anos de vida no acampamento: como Sem Terra.

O sistema de nucleação é emblemático ao revelar valores e sociabilidades

construídos dentro do movimento social e político de luta pela reforma agrária,

fundamentando-se em diferentes sentidos. Seja o sentido de afinidade entre famílias que

vivem próximas desde a época de acampamento, cultivando o valor da vizinhança

construído no cotidiano. Seja o de parentesco: os trabalhadores sentem a necessidade de

ficar próximos dos parentes, como é o caso das famílias Mota e Moura, pois sentem-se

mais seguros para empreender projetos de produção econômica.

Sobre a iniciativa dos trabalhadores de organizar o assentamento planejando o

que queriam e como queriam, Juarez Moura dos Santos continuou sua explicação:

[...] Então, criando esses núcleos, aí falamos: vamos fazer o parcelamento tentando agregar os núcleos [...] onde conseguiu criar tal núcleo escolhe aquela parcela de lá, outro núcleo escolhe aquela parcela, e outro de cá [...]. Nessa discussão sem fazer o sorteio, sem pressionar e foi uma demanda da comunidade pro pessoal da equipe do PDA.175 Aí falamos: vamos tentar criar os lotes respeitando essa questão do uso do solo, onde dá pra usar mais, a pessoa pega menos, e onde dá pra usar menos, ele pega mais terra, tentando obedecer a esse critério que é o de terra boa e terra ruim [...]. Então demos por democraticamente decidido. Dentro dos núcleos também não houve sorteio em nenhum núcleo, [foi] eu quero aquele lote lá, o outro eu quero pegar perto do meu pai, eu quero pegar perto do meu sogro,

174 Cada lote de terra tem um nome. Por exemplo, a opção de Maria Eleusa Mota foi registrar o seu como

“Santa Luzia”, que, além de homenagear a santa conhecida por esse nome, homenageia também, segundo ela, sua tia falecida de parto. O lote de Francisco Jubiano de Freitas é “São José”, o de Jonas Batista Nunes e Teresinha Gomes Nunes é “Flavinha” em homenagem à filha falecida.

175 Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA), que é elaborado, segundo os depoentes, pelo serviço de assistência técnica do INCRA junto às famílias, para definir, entre outras coisas, onde cada família será instalada, assim como os tipos de cultura a serem exploradas.

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meu pai tem que ficar debaixo, meu sogro tem que ficar de cima, meus irmãos ficou pra lá, o outro [disse] ah! Eu quero ficar perto do meu compadre, ficar perto do fulano lá, que nós conversa bastante e pela convivência distribuiu [os lotes pelos núcleos]. Então no PA Emiliano Zapata não houve nenhum questionamento.176

De forma geral, a prática de trabalhadores Sem Terra organizarem os núcleos

de afinidades ou grupo de famílias acampadas e assentadas é importante na medida em

que se descentralizam poder, funções e trabalho em prol do coletivo dentro do território

sociopolítico criado por eles.

Flaviana Dias ressaltou que, na recriação dos núcleos de afinidade dentro do

assentamento Emiliano Zapata, os trabalhadores preocuparam-se com diferentes

aspectos, por isso tentou-se “[...] colocar também o número de famílias [24

beneficiárias] por região. Foi o caso do núcleo ‘Esperança’, ficava muito longe do

núcleo de cá [Terra Vida] e do núcleo ‘Santa Luzia’, que era o último de lá, então

aumentou o núcleo, aumentou o número de famílias dentro do núcleo que estava mais

próximas”.177

Entre as produções acadêmicas sobre a luta pela terra no Triângulo Mineiro, há

as de Guimarães (2002, 2005). Essa pesquisadora, ao analisar o processo de conquista

da desapropriação de outra fazenda, a Santo Inácio do Ranchinho, no município de

Campo Florido, onde se constituiu o PA -ova Santo Inácio Ranchinho,178 observa, na

maneira de se organizarem, que os assentados estão “[...] ligados entre si por relações de

contiguidade, ancorada numa identidade territorial e apoiada no sentimento de pertencer

a uma localidade” (GUIMARÃES, 2005, p. 04). Essa disposição em grupos de

afinidades é considerada pelos entrevistados da referida autora “como uma experiência

176 Juarez Moura dos Santos, 31 anos de idade na época da entrevista (2012). Entrevista concedida à

autora em fevereiro de 2012. 177 Flaviana Dias, 28 anos de idade na época na entrevista (2012), natural de São Simão – GO, entrou

para o MST em 2001 quando, junto com o pai, acampou no acampamento Canudos do MST no município de Santa Vitória (Triângulo Mineiro). É assentada no Emiliano Zapata e esposa do Juarez Moura dos Santos. Entrevista concedida à autora em dezembro de 2011.

178 Este assentamento atualmente tem expressiva participação e referência do Movimento Terra, Trabalho e Liberdade – MTL, mas iniciou-se com a intervenção do MLST, o qual, de acordo com conversas com militantes da luta pela terra, se retirou da área devido aos rachas e desavenças políticas e ideológicas.

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positiva de organização interna no assentamento” (GUIMARÃES, 2005, p. 04),179

avaliação que coincide com a dos sujeitos em análise na presente tese.

Portanto, apesar de Guimarães (2005) tratar de Sem Terra da região com

trajetória em outros movimentos sociais e diferentes experiências de assentamento, há

semelhanças entre eles e os entrevistados do PA Emiliano Zapata e do PA 21 de Abril

que ampliam nosso campo de visão sobre o fato de que vivências na/da luta no

momento de se pensar concretamente a instalação das famílias no assentamento se

sobrepõem a qualquer outra decisão que não parta dos aspectos da afinidade, da

amizade construída. Também se mostra relevante na luta pela terra o valor família, que

estimula, cria expectativas positivas e dá segurança e estímulo para superar os desafios

cotidianos. Vale ressaltar o trecho da entrevista do depoente de Guimarães (2005) Zé

Maria, observando como sua narrativa aproxima-se daquelas dos trabalhadores objeto

de nossa análise:

Essa proximidade, essa afinidade foi construída na época do acampamento. Porque, incrusive, pra eu tá perto do meu sogro, perto do meu cunhado, perto da minha avó... Isso dependeu duma discussão em grupo, duma discussão em assembreia... que o assentamento devia sê dividido em grupo. E existia os individuais, na época, que queria que o assentamento fosse espalhado! Nós levamo isso em assembreia, aí 75% das pessoa decidiram que... tinha que respeitá as afinidade, sê em grupo, vizinhança... Incrusive, isso reflete até lá fora! Porquê as pessoas que vem no assentamento... as pessoa comenta que, parte de cá do assentamento, o povo é mais humilde, o povo é mais amigo, o povo é mais diciprinado, o povo tem mais solidariedade... (GUIMARÃES, 2005, p. 04-05).

Essa narrativa indica semelhanças na organização dos núcleos de afinidade por

parte dos trabalhadores inseridos no Movimento do MLST. Contudo, não foi possível

observar a mesma ênfase dessa prática pelos trabalhadores do MLST vinculados ao PA

21 de Abril. O que se constatou ali é que se basearam em uma divisão por grupos, como

afirmou Joversina Alves Rodrigues Barbosa:

[...] dez e de quinze quantos nós quiséssemos de grupo pra ir esparramar [pela fazenda], aí o [presidente da Associação do Assentamento], então, saiu engrupado e, ao sair engrupado, o [presidente] perguntou pro INCRA: é, pessoal aqui está pedindo pra esparramar, pra cada um ter voz ativa pra criar uma galinha e um porquinho. O INCRA aceitou e isso aqui ficou muito bonito, que Deus me perdoa, quando antigamente num existia cemitério, ficou marcado

179 A versão desse artigo obtida na internet não está paginada, e os trechos mencionados situam-se na

quarta página do texto.

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de sacolinha, é, ficou marcado! Você chegava e você levantava uma bandeira: opa! Se outra pessoa viesse você [dizia] não! Esse aqui já está assinalado, o meu é aí, o lote meu aí!180

Como se nota nessa narrativa, Joversina, ao selecionar na memória quais foram

as escolhas dela e de seus companheiros na distribuição da terra desapropriada, narra

como ela gostaria que fosse conhecido esse momento da história. É possível observar

um desejo entre eles de ter maior privacidade, onde cada um pudesse ter o seu pedaço

de chão e viver de forma autônoma.

No que se refere aos assentados do PA Emiliano Zapata, a decisão de se

organizarem a partir dos núcleos de afinidade, ou “de base”, pôde ser compreendida e

apreendida por eles por ser resultado das experiências vividas e compartilhadas na

dinâmica social e política criada pelo MST no seu cotidiano de lutas. Assim como

também o foi a decisão dos trabalhadores do PA 21 de Abril: arquitetada pela história

de organicidade forjada sob influência das prioridades do MLST. Vale ressaltar que no

PA 21 de Abril há menos famílias unidas por parentesco, se comparado ao PA Emiliano

Zapata.

A importância das experiências organizativas forjadas via Movimentos pode

ser melhor compreendida por meio da narrativa de Juarez Moura dos Santos:

Leandra: De onde veio isso, pra organizar o assentamento dessa forma?

Juarez: A gente já veio [com isso em mente], porque a gente foi muito calejado no processo de acampamento, então, foram sete anos de luta e acampamento [...] isso acabou fortalecendo muito a formação de grupos, ainda mais nos últimos dois anos, que estava muito naquela questão de pré-assentados, da expectativa real de ser assentado. Então, foi se consolidando no sentido de materializar o que se tinha feito lá atrás, então, acabou que praticamente dois anos [no acampamento] ficávamos discutindo assentamento, no tempo de acampamento houve muito debate de assentamento.

Leandra: E quem faz o debate ou o promove?

Juarez: O MST pelas suas lideranças e pelas suas próprias lideranças que estavam dentro do acampamento, então, isso puxava sempre o debate, e teve um momento que o Movimento dos Sem Terra estava no processo muito de formação e muito preocupado com os assentamentos, então, a gente pegou todo esse debate, que era o novo modelo de assentamento, [...] a gente debateu ele, imaginando o que era possível fazer na região, o que podia ser feito no assentamento, como se criava um assentamento modelo. Nós num podemos nos

180 Joversina Alves Rodrigues Barbosa. Entrevista concedida à autora em março de 2012.

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queixar, houve muito debate, muita preparação, às vezes isso criou até um pouquinho de estresse pela demora [da efetivação do assentamento], a gente ficou com muito debate, muita proposta e as famílias com muita expectativa de ser assentada realmente e a gente não conseguia materializar os assentamentos. Desde lá da FERUB a gente vinha discutindo, criando, a gente criou [imaginou] assentamento até em fazenda que a gente não ganhou, que era a Estivinha, a Paciência [essas fazendas foram denunciadas e indicadas por esse grupo para desapropriações para fins de reforma agrária] [...].181

A organização dos núcleos de base/afinidade no PA Emiliano Zapata vem

colocar e rememorar para os(as) trabalhadores(as) a vivência de forma cooperada

aprendida com a pedagogia de trabalho, estudo, enfim, de luta do MST, que é pautada

no diálogo com os trabalhadores e no enfrentamento dos poderes públicos e ruralistas

do período 1990 e primeira década do século XXI. É bom lembrar que o governo

federal (FHC) desse tempo implementava a perseguição e a criminalização dos

movimentos sociais de luta pela terra (Cf. FERNANDES, 2008). Por isso, a dedicação e

preocupação do MST com a organização de suas áreas, como indica Juarez, tentando

fortalecer a coletividade nesse processo de conquistas.

Juarez M. dos Santos, na seleção do que lembrar e como narrar, revela para

nosso conhecimento questões que dizem respeito às relações e aos valores sociais que,

para outros trabalhadores, podem tornar-se desafiadoras, quiçá impensáveis, mas que ao

mesmo tempo trazem como possibilidade o aprendizado. Sobre esse ponto, ao comparar

essa narrativa com as ponderações da pesquisadora Roseli Salete Caldart, é possível

ampliar a compreensão dos significados das experiências dos assentados:

[...] olhar para a formação dos sem-terra é enxergar o MST também com sujeito pedagógico, ou seja, como uma coletividade em movimento, que é educativa e que atua intencionalmente no processo de formação das pessoas que a constituem. [...] Essa intencionalidade não está primeiro no campo da educação, mas sim no próprio caráter do MST, produzindo em sua trajetória histórica de participação na luta de classes em nosso país. É através de seus objetivos, princípios, valores e jeito de ser que o Movimento ‘intencionaliza’ suas práticas educativas, ao mesmo tempo que, aos poucos, também começa a refletir sobre elas, à medida que se dá conta da sua tarefa histórica: além de produzir alimentos em terras antes aprisionadas pelo latifúndio, também deve ajudar a produzir seres humanos ou, pelo menos, ajudar a resgatar a humanidade em quem já a imaginava quase perdida. (CALDART, 2004, p. 315-316, grifo da autora).

181 Juarez Moura dos Santos, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2012.

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No caso do MST, as atividades forjadas dentro dos núcleos de base, entre

tantas possibilidades de transformação das relações sociais, por exemplo, podem ser um

processo em que se questiona e procura mudar o olhar e a postura conservadora de

alguns diante a participação política da mulher na luta e em outros aspectos da vida.

Teresinha Gomes Nunes expressou os ganhos adquiridos pela possibilidade de

militância dentro do MST e, no diálogo com a análise realizada por Roseli S. Caldart, é

possível aprofundar a reflexão sobre a questão:

[...] valeu a pena vim, a ter se tornado aqui, vim morar na fazenda e se tornar uma militante. Porque eu viajei muito, isso aí fez parte também, cheguei até a coordenação estadual, sabe? Já fui até coordenadora estadual, então tive em vários setores no Movimento, que eu fui setor de saúde, setor de alimentação, então isso tudo. Agora eu estou sendo fiscal da Associação [...] eu estou feliz, estou achando bom. Foi muita coisa que aconteceu, desenvolvi muito, participei muito, aprendi muita coisa que eu não sabia. Aprendi no Movimento, as normas, mesmo as leis, muitas coisas da lei eu aprendi no Movimento, foi muito bom! Então fiquei muito feliz [...].182

A condição de feliz é atribuída por Teresinha ao fato de hoje sentir-se mais

esclarecida sobre leis e normas inseridas nas relações sociais e políticas do mundo

capitalista e na complexidade da luta pela terra no país. A pesquisa apontou que essas

elucidações muitas vezes emergem da organização e do exercício dos debates e questões

planejadas inicialmente nos núcleos de base, lugar onde a orientação do Movimento é a

pedagogia que promova e/ou rompa, por exemplo, com o universo de exclusão da

mulher na vida política. E isso é possível, entre outras práticas, de que modo?

Estimulando que os coordenadores sempre sejam dois, um homem e uma mulher, com

voz ativa por um período determinado de dois anos, os quais são eleitos pelos seus pares

pelo sistema de votação de todos os membros do núcleo. Essa perspectiva deixa

evidente que a mulher é uma militante da reforma agrária e que não deverá ficar dentro

do barraco de lona preta ou em sua casa, mas sim inserida no debate político e

intelectual, quando participa de cursos de formação política, de escolaridade básica

(EJA) e de graduação (via convênios com universidades). Enfim, mulheres que são

estimuladas a expor e a pôr em prática seus pontos de vista sobre a realidade vivida.

182 Teresinha Gomes Nunes, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011, no PA onde reside.

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Na realização da pesquisa,183 analisando as narrativas dos assentados e

confrontando com bibliografia, por exemplo, de Stedile e Fernandes (1999), foi possível

constatar que os coordenadores de núcleo, tanto no acampamento quanto no

assentamento, têm como função organizar demandas, encaminhar propostas, mas sua

principal atividade talvez seja a de incentivar e promover estudos sobre a realidade

vivida e discutir o que cada um deseja, zelando pelo bom convívio e representando a

comunidade perante a sociedade e as instâncias do Estado. Dentro do MST outras

maneiras organizativas também se fazem presentes. Por exemplo, por meio dos

militantes e dos dirigentes, nos seus 28 anos de existência, discute-se a importância da

criação de equipes de trabalho que funcionam e aproximam-se do que idealizam como

“setores de trabalho”: responsáveis pelas questões de saúde, gênero, educação,

produção, comunicação, cultura, formação política, entre outros.

Com relação às equipes de trabalho dentro de um assentamento, Aguinaldo da

Silva Batista avaliou essa experiência construída no Triângulo Mineiro:184

[...] Pretende-se que se organize [as equipes de trabalho] não só nos núcleos, mas com tarefas que são inerentes à preservação da vida, formando equipe que cuide da educação, gênero, saúde, com juventude, produção, comercialização, equipe de trabalho. Acaba que, quando a comunidade é muito pequena [...], toda tarefa de representação política, comercial coloca na Associação, aí resolve os problemas. Aqui no Triângulo [Mineiro], como as comunidades são pequenas, acaba concentrando essas tarefas na coordenação ou diretoria da Associação. É um problema pra ser vencido um dia.185

Esse trecho da entrevista de Aguinaldo da Silva Batista indica que, apesar de o

MST primar em organizar o trabalho por equipes em suas áreas de acampamento e

assentamento, congressos, encontros, cursos, vigílias, ou seja, nos espaços sociais onde

é necessária a distribuição de funções e de trabalho entre as pessoas, ainda assim, essa

prática, na sua avaliação, não se tornou predominante nos assentamentos, mesmo que

183 Considerando também meu conhecimento sobre o assunto devido à minha própria experiência de

militância dentro do MST, participando e realizando reuniões nos núcleos de base de acampamento entre os anos de 2000 a 2003.

184 É possível afirmar que o MST se fixa definitivamente no Triângulo Mineiro a partir de 1999 com as ações do grupo Emiliano Zapata.

185 Aguinaldo da Silva Batista, assentado no assentamento Olhos d’água em Sacramento, atua na direção do MST na regional do Triângulo Mineiro. Está no movimento desde 1998, ajudou organizar e coordenar as famílias do grupo do Emiliano Zapata. Entrevista concedida à autora em dezembro de 2011.

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seja compreendida como fundamental para a mudança de comportamento e ideias em

prol da coletividade.

No caso da organização dos assentamentos do Triângulo Mineiro, o método

dos núcleos de base e equipes de trabalho, de acordo com Aguinaldo da Silva Batista,

ainda não atingiu o grau de organicidade desejada pelo MST, havendo de certa maneira

uma preponderância da Associação dos Assentados. Dessa forma, é através da

Associação que os assentados acabam por se relacionar com as instâncias institucionais

do Estado e da sociedade, sendo ela o mecanismo que viabiliza o gerenciamento

econômico do assentamento e que o representa juridicamente. Na perspectiva da direção

do MST, há problemas em se restringir a essa forma de organização (Associação), sem a

preocupação de consolidar equipes de trabalhos ou setores, porque, segundo Aguinaldo

da Silva Batista, dessa forma,

[...] [com as equipes e setores] se funciona de forma orgânica, criando forma mais participativa, mais democrática, favorece a compreensão da luta de classe e passa a compreender a disputa de território que se encontram [os assentados]. Mas não conseguiu [seja o MST mais amplo ou os trabalhadores do grupo Emiliano Zapata] desenvolver uma cultura que as pessoas entendam que isso de fato é importante.186

Analisando essas questões norteadas pela narrativa de Aguinaldo, é possível

indagar: por que é tão importante essa organicidade para a luta pela reforma agrária?

Quais seriam os ganhos reais na transformação de conduta do(a) trabalhador(a) frente à

sociedade pautada nos princípios capitalistas de produção e reprodução econômica e

social?

As falas de Aguinaldo, entrecruzadas, por exemplo, com as falas de Teresinha,

recuperam algo significativo: Teresinha desnuda a transformação pela qual ela passou,

que é ter adquirido a consciência de si mesma e dos outros nas experiências das lutas de

classes compartilhadas. Sob esse ponto de vista, a organicidade analisada por Aguinaldo

pode ganhar dimensões importantes na luta pela reforma agrária, quer dizer, fortalecer

equipes, grupos, coletivos de pessoas que labutam, refletem e agem de forma cooperada

diante a sociedade em que vivemos – na qual a cada dia se fortalece o individualismo e

consumismo global, se busca homogeneizar elementos culturais peculiares que

186 Aguinaldo da Silva Batista, entrevista concedida à autora em dezembro de 2011.

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traduzem memórias, histórias e linguagens diferentes e plurais -, pode facilitar rupturas

com esse tipo de sociedade e apontar outros modos de organizar a vida.

Questionando Aguinaldo sobre o que tem levado os trabalhadores a resistir a

esse tipo de organização, assim ele se expressou:

O ambiente externo ao assentamento. Primeiro, qualquer forma de Estado se relaciona direto com a Associação, todas as relações do mundo externo se dá com quem dirige o assentamento, [com] a direção daquele lugar. [Isso] acaba estimulando a vaidade política [e] pessoal. E a pessoa, se não tiver um compromisso de divisão de tarefas, de envolvimento para a participação esse ambiente, está comprometido.

Leandra: Isso acontece ou aconteceu no assentamento Emiliano Zapata?

Aguinaldo: Acontece numa medida menor, talvez porque várias de nossas lideranças, com pouco mais de compreensão estão ali assentadas [e] minimamente devem conversar antes de ir pra uma reunião geral, mas não é muito daquilo que o MST desejava como uma tarefa política.187

Ao cotejar essa fala de Aguinaldo da Silva Batista com a de Juarez Moura dos

Santos, quando esse avalia o aprendizado adquirido nas práticas pedagógicas e políticas

forjadas pelo MST por meio de suas lideranças, ou mesmo com a fala de Teresinha G.

Nunes transcrita anteriormente, é possível compreender que o significado do

investimento feito pelo MST nos trabalhadores em seus acampamentos e assentamentos,

como indicado por Aguinaldo S. Batista, é o resultado da pedagogia do Movimento e

das lutas, que cria um assentamento diferenciado. O que há de peculiar no Emiliano

Zapata é ser constituído por “várias lideranças com pouco mais de compreensão”, por

isso ali não há desistências e um reduzido número de venda de lotes. Vale ressaltar que

até o momento da pesquisa registrou-se somente uma venda de lote desde o início desse

assentamento, o que, diante dos desafios da conjuntura da reforma agrária, é relevante.

As questões analisadas por Aguinaldo podem expressar as mudanças no modo

de organização dos trabalhadores ao longo dos anos desde o acampamento até o

assentamento. Tal análise pode ser estendida também para outros Movimentos e

trabalhadores, pois os assentados do PA 21 de Abril indicaram transformações e

desistência de algumas práticas organizativas usuais no início da formação do grupo.

Segundo Ricardo dos Santos Balbino, “[...] antigamente tirava, tinha uma coordenação,

187 Aguinaldo da Silva Batista, entrevista concedida à autora em dezembro de 2011.

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né, aí depois foi evoluído, tinha só coordenação de quatro pessoas num acampamento,

depois foi formando grupo, a coisa foi evoluindo [...], mas hoje [no assentamento] num

tem isso mais não [...] é a Associação”.188

Com relação ao grau de importância e aos significados que a Associação do PA

Emiliano Zapata foi adquirindo como parte do processo dialético, Juarez Moura dos

Santos analisa:

Juarez: [...] até lá pra 2008 e 2009, ela [Associação] ficou só no papel, hoje que ela ganhou um corpo: a Associação do Assentamento Emiliano Zapata e tem uma sigla, [...] nem lembro [...]. Mas hoje ela [a Associação] tem uma participação maior na questão de coordenação do assentamento e a coordenação de núcleo perdeu muito mais força. Hoje [a coordenação dos núcleos] não representa tanto mais. Todas as informações são centralizadas lá na presidente, que é a Rose.

Leandra: E ela [...] faz parte da coordenação do MST?

Juarez: É! Ela já fez parte da coordenação regional [...] num teve muito essa disciplina do Movimento [...] tem, mas num é, diria, uma coordenação regional ativa. O Manezinho, que é o companheiro dela, tem muito mais isso de participar de militância, então, encarnou aí a gente criou [a Associação] assim na disputa. E essa militância é muito ativa [...] em todo lugar tem pessoas que querem assumir e fazer o trem [acontecer].189

Portanto, as ponderações de Aguinaldo da Silva Batista sobre a necessidade de

coordenação e de retomada da organização do assentamento Emiliano Zapata sob os

princípios do MST foi corroborada por essa fala de Juarez Moura dos Santos. O que

pode significar uma disputa de espaço político e de projeto que o Movimento enfrenta

atualmente dentro do e por esse assentamento, isto é, de um lado retomar a dinâmica

dos núcleos de base, de outro manter a Associação como o único lugar de decisões e

debate político sobre a vida do assentamento.

Sobre valores e comportamentos individuais e sociais dentro da luta, Eufrásia

Maria dos Santos discorreu sobre sua concepção de como deve agir um trabalhador no

trato com os outros no dia a dia da luta:

Leandra: O que a senhora acha deles como presidentes da Associação? Dos seus trabalhos?

188 Ricardo dos Santos Balbino, entrevista concedida à autora em 2012. 189 Juarez Moura dos Santos, entrevista concedida em fevereiro de 2012.

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Eufrásia: O X,190 ele foi um péssimo presidente como lidar com as pessoas, ele num tinha aquele manejo de lidar com as pessoas, de tratar as pessoa. Porque eu acho assim: se você é menos favorecido nas suas ideias, sabe menos, ou, às vezes, você briga mais, você é mais rebelde, é esse que eu tenho que tratar bem, é esse que eu tenho que ir com mais jeito com ele, invés deu implicar com ele e tal, e, às vezes, o X fazia isso. Então, eu num acho que é da maneira certa não! Então, por o X ser uma pessoa muito inteligente, eu acho que ele falhou nisso. O Y, por enquanto [...], eu falei: “Oh, Y eu vou depositar toda a minha confiança n’ocê, eu quero que você ajuda mais aqueles que sabe menos, porque quem caminhou mais na estrada tem que saber mais, você caminhou muito, então tem que saber mais de quem caminhou menos”, [...] Eu sempre falei isso pra ele e falo até hoje [...]. Na realidade o X ajuda muito, ele tem um bom diálogo, você conversa, você dana com ele, ele escuta, ele abaixa a cabeça, porque eu sou bem mais velha de que ele de assentamento e de idade também, então, às vezes, ele me escuta muito. Ele fala: “É, você está certa!”, mesmo que ele num for fazer, ele fala (risos) [...] e é por aí. Eu acho que os presidentes é muito difícil [ser presidente], é igual ser um prefeito, ser um presidente mesmo, esse tanto de gente cada um com uma ideia é meio difícil lidar com eles.

Leandra: Você acha que é diferente quando entra pro assentamento da época do acampamento pra dirigir o Movimento? Esse pessoal, esse X [...] já foi coordenação do MLST?

Eufrásia: Não! O Y já [foi da coordenação da época do acampamento]. [...] É diferente, porque quando você está num acampamento você vai procurar é deputado, é sindicato, pedir apoio pra ajudar as pessoas que estão acampadas, agora, num tem como você chegar lá e pedir para ajudar as pessoas que estão assentadas mais [...] num tem como. Agora, eles [os presidentes da Associação] têm que buscar recurso totalmente diferente, eles tem que buscar recurso moradia, buscar crédito pr’ocê trabalhar e não mais ajuda de uma cesta básica. Que a gente pegava [na época do acampamento] até a defesa civil pra trazer lona pra gente, pra trazer cesta, pra trazer remédio, pra trazer isso e aquilo outro, agora, acho [que] num é isso mais que tem que fazer. Tem que ir atrás de recurso pra trabalhar a coisa pra gente, uma coisa num tem nada a ver mais.191

Essa fala é reveladora na direção do que vai se tornando importante, quiçá

essencial para a organização de um coletivo, de uma comunidade de assentamento rural:

o respeito à diferença de experiências, vivências e modos de viver a vida e de trabalhar.

Por isso, Eufrásia, quase que parecendo intimar o presidente da Associação dos

Assentados do PA 21 de Abril, chama a atenção para o cuidado na relação baseada na

troca de pontos de vista. E talvez indicando a necessidade de reverência aos mais velhos

não só de idade, como ela diz, mas de caminhada na luta pela terra. Essas ponderações

190 Preferi não citar o nome da pessoa, evitando assim algum constrangimento. 191 Eufrásia Maria dos Santos, entrevista concedida à autora em dezembro de 2011.

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aproximam-se em certa medida do que Aguinaldo da Silva Batista apontou no trecho

transcrito de sua entrevista sobre a vaidade política, isto é, a necessidade de o

trabalhador-militante estar atento e proativo para não se permitir a vaidade se sobrepor

aos interesses comuns. Também se relacionam com os apontamentos de Juarez Moura

dos Santos quando esse afirma existir um diferencial dos militantes do PA Emiliano

Zapata na relação desses com os trabalhadores da base em comparação a outros

militantes e mesmo outros assentamentos.

A pesquisa apontou diferenças entre militantes do MST e do MLST no que se

refere ao investimento na formação e no estudo. Nas entrevistas realizadas foi

enfaticamente frisada pelos assentados do Emiliano Zapata – MST a importância para

sua vida da formação política e ideológica adquirida em cursos, eventos, reuniões,

congressos, núcleos de base, equipes de trabalho, marchas, vigílias, ocupações de terra e

prédios públicos, registrados na memória e na história desses homens e mulheres e

praticados por longos anos de acampamento.

Eufrásia Maria dos Santos – MLST também se referiu à seriedade de muitas

reuniões, protestos, ações de reivindicações do seu Movimento, contudo observa-se

menos tempo de prática dessas experiências em relação aos trabalhadores do Emiliano

Zapata – MST devido ao desenrolar do processo de reforma agrária vivido por um e

outro Movimento em meio à correlação de forças que possibilitou as desapropriações de

áreas para fins de reforma agrária no Triângulo Mineiro em tempos e espaços diferentes.

Não se trata de qualificar a luta dos movimentos sociais com base na prioridade

ou não que um ou outro dá ao estudo intelectual e político, mas de perceber, quando

narram suas experiências, o que e como os trabalhadores elegem como importante e

como isso marca suas memórias, como atribuem significados a determinadas

experiências no momento em que as narrativas são articuladas. Pois a forma como o

processo histórico é vivido e experimentado pode transformar o ponto de vista dos

trabalhadores sobre suas práticas no decorrer das lutas na correlação de forças,

constituindo perspectivas diferentes.

Sobre a organização via Associação dos Assentados, apesar de significar

questões formais e burocráticas que constituem a sociedade jurídica e mesmo do seu

sentido de representante da comunidade local perante o Estado, percebe-se que há o

esforço de alguns Movimentos, como o MST, em fazer dessas Associações nas áreas

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conquistadas um espaço de consolidação de princípios democráticos na tomada de

decisões que organizam a vida.

No caso dos assentados do MST, a pesquisa apontou que para alguns ainda é

importante a concepção de organicidade fundamentada na formação dos núcleos de

base/afinidade e equipes de trabalho independentemente da criação de Associações, o

que não foi colocado enfaticamente pelos depoentes do PA 21 de Abril do MLST como

uma maneira de se organizarem.

O que se observa com essas experiências é que, devido ao histórico dos

movimentos sociais ligados ao campo de relação profícua com setores, por exemplo, da

Igreja Católica, como a Teologia da Libertação,192 ou mesmo da Luterana, como é o

caso do MST nos seus primórdios no Rio Grande do Sul com a Igreja Evangélica de

Confissão Luterana no Brasil (IECLB)193 por meio da Pastoral Popular Luterana (PPL)

(Cf. STEDILE; FERNANDES, 1999), é possível constatar o legado do modelo

comunitário, próximo ao praticado pelas comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Essas

influências, lado a lado com o aperfeiçoamento político trazido pelos anos de existência

do Movimento, favoreceram o aprimoramento da estruturação de equipes, núcleos,

grupos, brigadas ou comissões. Talvez por essas condições os trabalhadores do MST

pareçam revelar mais vantagens organizativas (que encaminham a produtividade

econômica do assentamento e mesmo consolidam o sentimento e a perspectiva de serem

192 Comemorou, em 2011, 40 anos de existência. Surgiu com a atuação política e efetiva de religiosos nos

problemas e questões sociais que oprimem diferentes setores pobres da sociedade devido ao modelo capitalista de produção. Articulando as teorias de Karl Marx às mensagens de Jesus Cristo registradas pelos seus apóstolos como meio de interpretar a sociedade e os motivos da exploração social e de como superá-la, a Teologia da Libertação lutou e luta pela libertação dos povos oprimidos. Nas palavras de um dos seus maiores expoentes no Brasil, Leonardo Boff, excomungado pelo Vaticano, a Teologia da Libertação “[...] partiu diretamente dos pobres materiais, das classes oprimidas, dos povos desprezados como os indígenas, negros marginalizados, mulheres submetidas ao machismo, das religiões difamadas e outros portadores de estigmas sociais. Mas logo se deu conta de que pobres-oprimidos possuem muitos rostos e suas opressões são, cada vez, específicas. Não se pode falar de opressão-libertação de forma generalizada. Importa qualificar cada grupo e tomar a sério o tipo de opressão sofrida e sua correspondente libertação ansiada”. (BOFF, Leonardo. Quarenta anos da Teologia da Libertação. Leonardo Boff, postagem de 9 Ago. de 2011. <http://leonardoboff.wordpress.com/2011/08/09/quarenta-anos-da-teologia-da-libertacao/>. Acesso em: 30 dez. 2011).

193 Segundo Stedile e Fernandes (1999, p.19), “[...] possui trabalho pastoral entre os camponeses do Sul e do Centro-Oeste, especialmente entre os de ascendência alemã, por meio da Pastoral Popular Luterana (PPL)”.

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Sem Terra194) em relação a outros Movimentos em algumas regiões do país e, no caso

em estudo, em relação ao PA 21 de Abril.

Nesse sentido, Aguinaldo da Silva Batista explicou outras e fundamentais

questões de organicidade necessárias anteriormente às funções de uma Associação dos

assentados. Na concepção mais abrangente do MST,

Seria fortalecer os núcleos [para] garantir as discussões [dentro e a partir das equipes de trabalho] [...] fazendo funcionar as equipes de trabalho, exemplo, [equipe de] saúde prepara a discussão [alguma demanda ou projeto em torno da saúde dos assentados] e leva para os núcleos e tira a orientação em comum e chega na assembleia [da Associação] é só apresentar o acordo. Se não tiver [acordo], a plenária faz a discussão [...]. Isso seria a primeira tarefa. Mas o pessoal faz a representação fora [das equipes de trabalho e núcleos de afinidades], vai com as ideias que dá pra acolher nas assembleias, acaba uma confusão de tarefas e coerência de trabalho entre o que precisa que as pessoas saibam, entendam e compreendam e o que tem que ser feito e o trabalho que aquela representação vai fazer lá fora [...].195

Sobre a organização e representatividade dos trabalhadores do PA 21 de Abril

– MLST, Eufrásia Maria dos Santos, quando indagada sobre como era o trabalho da

Associação e sobre como esses assentados decidem e encaminham as questões

demandadas pelo assentamento, colocou seu ponto de vista da seguinte forma:

[nós] reunimos, faz reunião [da Associação], o certo é a gente fazer uma por mês, mas a gente ah!, vai levando e num faz. Mas o certo [é] uma vez por mês fazer, [pra resolver uma coisa ou outra]. Vai lá em Belo Horizonte! Quem é que vai? Vai escolher lá na reunião. Tem que passar um dinheiro pra poder viajar! Tem que dá esse dinheiro pra poder ir! [faz reunião], porque ninguém tem recurso e o processo é esse.196

Para aqueles que desconhecem o tipo de organização social e política via

instâncias de movimentos sociais, talvez soe estranho o projeto de vida em sociedade

apresentado e vivido pelos trabalhadores rurais em questão. Principalmente quando se

vive em um tempo no qual as pessoas estão cada vez mais procurando resolver

particularmente seus problemas, os quais podem estar inseridos em conjuntura

sociopolítica mais ampla, necessitando assim, talvez, de ações cooperadas para

194 Análise respaldada nas ponderações de Caldart (2004): a identificação como Sem Terra que é forjada

e levada sempre independente de os trabalhadores estarem acampados ou assentados. 195 Aguinaldo da Silva Batista, entrevista concedida à autora em 2011. 196 Eufrásia Maria dos Santos, entrevista concedida à autora em 2011.

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solucioná-los. Sob essa perspectiva, com o objetivo de tornar mais explícitas as

colocações e posições assumidas pelos movimentos sociais e que ganham significado

nos trechos das transcrições das entrevistas nas páginas anteriores, foi solicitada a eles a

referência ou exemplificação de situações práticas do cotidiano vivido:

[...] Exemplo: poço artesiano! Tem uma liberação técnica pra poder instalar [no lugar] x, mas o ponto x está no lote do caboclo que não quer o poço artesiano ali. Então, como não foi construído [essa discussão] nos núcleos, conversado, pra quando a equipe de técnicos [chegar] [já] tivesse todo um comportamento proativo da comunidade de aceitar qualquer situação de instalação [poço artesiano], ou que tivesse a predisposição de discutir a instalação do poço no lugar que a equipe técnica estava insistindo que fosse, então acaba tendo o prejuízo de atrasar a instalação de um instrumento público que talvez servisse para que as famílias resolvessem o problema de água [no assentamento] [...]. O assentado fica compreendendo no direito de decidir se aceita ou não é o poço artesiano, aí amanhã ou depois é uma antena de telefonia de internet. Pra você ver! A área comunitária onde ia se instalar os instrumentos comunitários de reunião, de festa, de comemorações foi algo discutido no planejamento do assentamento [Emiliano Zapata], então, não há nenhum conflito, não há um confronto, porque foi exaustivamente conversando até que se chegou àquela conclusão. Fazer a abertura das estradas de circulação, o modo de fazer o formato do assentamento, então, isso foi muito conversado, aonde ia ser a reserva legal foi muito conversado, então, isso teve muito pouco problema, não que não haja, mas tem muito menos problemas, [quando há organização e participação] se instala muito mais rápido e promove o desenvolvimento daquelas famílias.197

É possível depreender a preocupação de trabalhadores com mais tempo de

vivência na luta com outras experiências da reforma agrária no que se refere à não

organização social e política dos assentados, já que isso pode comprometer a existência

e permanência do assentamento. Portanto, os sentidos e significados das ações dos

dirigentes dos movimentos sociais vão ao encontro do cuidado e atenção durante o

tempo de acampamento para que os trabalhadores deixem para trás comportamentos que

poderão prejudicar a vida coletiva após a conquista da terra. Isso não deixa de ser um

desafio tanto para os trabalhadores ingressantes como para os mais experientes. Assim,

os dirigentes procuram organizar reuniões e implementar instâncias deliberativas nas

quais se discutem as ações e estratégias das lutas, os problemas, os avanços e os

retrocessos, promovendo cursos, aulas, encontros, congressos, participação da mulher,

do homem, do idoso, da criança e da família em espaços formativos de uma nova e

outra sociedade no propósito de consolidar o princípio da comunidade. 197 Aguinaldo da Silva Batista, entrevista concedida à autora em 2011.

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É possível encontrar dentro de um acampamento, seja ele em qual região do

país estiver, todo tipo de perfil de homens e mulheres: desde camponeses com

experiências de trabalho como meeiros, assalariados, parceiros, àqueles com míseros

salários vindos de trabalhos esporádicos no campo ou na cidade e que viveram ou vivem

em constantes deslocamentos de diferentes regiões do país; religiosos, professores,

desempregados, iletrados; aqueles com comportamentos tidos como criminosos, como

os agressores de mulheres e crianças, e os que representam uma questão de saúde

pública, como drogados e alcoólatras. Na realidade, são sujeitos diversos que passam a

desejar morar e viver no/do campo, porém deparam-se com a construção de um projeto

de vida, de sujeito social e de produção econômica até então desconhecido ou renegado:

o da reforma agrária via movimentos sociais, que vai além da simples distribuição da

terra entre os trabalhadores, fundamentando-se, para determinados Movimentos ligados

ao campo, como MST, MLST, MTL, em diretrizes socialistas. Contudo, para alguns

trabalhadores é difícil compreendê-lo, aceitá-lo, integrar-se a ele.

Sob essa perspectiva, é complexa a vida de anos dentro de um acampamento

debaixo da lona preta e, por mais contraditório que pareça, quanto mais anos de luta

nesse território maiores são as possibilidades de viver experiências que transformem

o(a) trabalhador(a), fazendo-o(a) compreender a importância de práticas comunitárias,

por meio das equipes de trabalho, núcleos de base e produção cooperada. É o que se

percebe entre muitos dos(as) assentados(as) do Emiliano Zapata – MST, que narraram

as transformações em suas vidas, na maneira de interpretar e compreender as relações

sociais e políticas.

Porém, é possível encontrar outras leituras desse processo:

De forma geral tem sido feito isso [a organização das equipes de trabalho] até antes das pessoas irem para as parcelas individuais [lotes de terra]. Essa discussão era muito melhor. Hoje fica um pouco a desejar, não por uma indisposição, [mas] por uma falta de motivação, de uma falta de carinho que as lideranças que estão assentadas lá precisam voltar a dedicar e trabalhar nisso. Eu costumo usar um ditado assim: “roça que você num cuida o concorrente toma conta”. Então, se a objetividade era colher frutos daquela roça, aí o concorrente vai [...] disputar tudo com ela, então você vai ter um produto de muito menor volume, qualidade e sua satisfação não vai estar dada. Se você cuida, e a organização é isso, é cuidar todo dia, porque se não o concorrente toma conta, porque na sua cabeça o concorrente está lá plantadinho, semeado, porque a ideologia desse modelo de sociedade é plantada desde o ventre da mãe e depois isso vai crescer com você, e você vai só ampliar, e na medida que você tenta implantar uma outra possibilidade de relação isso vai conflitar

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com a organização que você tem história. E a organização onde se permite uma maior participação, onde você socializa o trabalho, socializa a terra, as ideias, os meios de reprodução humana, aí você conflita com o modelo de sociedade, que é a do individualismo, é de tudo separado, da mercadoria dos objetos, da vida, o conflito está aí.198

A “falta de carinho” mencionada pelo depoente sugere a existência de desafios

na condução e no próprio processo das lutas, ou seja, é um desafio a mudança de

conduta exigida perante o outro e que cada trabalhador(a) necessitaria praticar

cotidianamente. Pois isso se torna um exercício pessoal e cotidiano: conviver de forma

coletiva, rompendo, como Aguinaldo analisa, com o projeto de sociedade implantado

pelos valores e modo de viver capitalistas, já que esses claramente disputam espaço com

o projeto transformador do ser humano e de seus valores culturais apregoado pelos

movimentos sociais de luta pela reforma agrária, que tem como inspiração as ideias

socialistas. Nesse sentido, talvez se trate mais da concretização de uma revolução e não

de uma reforma social.199

Ao investigar tais concepções sobre a coletividade e as formas sob as quais os

assentados organizam-se foi possível perceber que a liderança externa e os depoentes do

Emiliano Zapata – MST selecionaram os significados da Associação do Assentamento a

serem revelados apontando diferenças. E, assim fazendo, contribuem para a

compreensão da história e memórias que constituem a sua criação. Por meio das falas

elaboradas por cada um sob um tom avaliativo desse processo, acabam traduzindo como

os valores da militância e da ideologia do MST estão impregnados na Associação.

Por exemplo, Juarez Moura dos Santos e Flaviana Dias analisaram que a

Associação dos Assentados do Emiliano Zapata é algo, para os trabalhadores,

meramente ilustrativo dentro do assentamento: “[...] pra nós a Associação é

simplesmente um papel”,200 isto é, apenas uma exigência do INCRA de funcionalidade e

198 Aguinaldo da Silva Batista, entrevista concedida à autora em 2011. 199 Não é o intuito adentrar aqui o âmago do debate político em torno do conceito de reforma ou

revolução agrária, que tem motivado algumas tendências a criticar o projeto sociopolítico defendido, por exemplo, pelo MST. Entre essas tendências está a Liga Bolchevique Internacionalista Pela Reconstrução da Quarta Internacional (LBI-QI), que afirma que o MST prega nada mais do que a substituição de um projeto neoliberal por um nacional-desenvolvimentista e considera ambos como variantes do capitalismo. Fonte: A LUTA NO CAMPO: a revolução agrária é parte do programa da revolução social no Brasil. Revista Marxismo Revolucionário – nº 3, dez. 1999. Disponível em: <http://www.lbiqi.org/revista-marxismo-revolucionario/no-3-dezembro-99>. Acesso em: 20 out. 2011. Também é possível observar essa crítica por parte de militantes da Liga dos Camponeses Pobres (LPC), organizados em diferentes regiões do país e que dizem lutar pela revolução agrária.

200 Flaviane Dias. Entrevista concedida à autora em fevereiro de 2012.

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encaminhamento econômico e jurídico do assentamento. Daí a importância de se

compreender o sentido atribuído à criação da Associação pelos assentados do Emiliano

Zapata:

Leandra: Explique a origem da Associação de vocês? Por que a Associação?

Juarez: A Associação foi fundada com o intuito mais econômico, ela demorou, até assim foi lá pra 2004, 2005, 2006, demorou bastante pra se criar. Ela [é] muito mais como representação jurídica pra gente fazer lá os projetos de lá do INCRA e pra outros órgãos de projeto de produção, foi muito mais pensada nisso.

Leandra: E o INCRA exigia a sua criação?

Juarez: Hoje não, mas no passado exigiu, no passado era obrigado a ter a Associação [...].

Leandra: E como vocês conversavam no início com o INCRA sem a Associação?

Juarez: Via coordenação local, que é as coordenações dos núcleos que formou a coordenação do assentamento.201

A criação da Associação dos Assentados e a importância dada a ela

incomodaram, gerando inclusive indignação em alguns trabalhadores, segundo Flaviana

Dias, porque

O INCRA num respeitava também essa coisa de Movimento [MST], ele queria chegar no assentamento, falar assim: eu só converso com o presidente da Associação, eu só respondo por essa pessoa. Então, assim, desrespeitando totalmente o que a gente desde lá do começo, que a gente leva isso pra vida toda, né? Não! Aqui! É todo mundo e todo mundo tem voz ativa, num tem um melhor que o outro, num tem um pra falar por todos. [...] O técnico do INCRA chegou lá, né, e disse: eu quero que sente aqui do meu lado é o presidente da Associação, o tesoureiro e o secretário, por favor, aqui na frente! A comunidade num deixou não! Não! Aqui você quer ficar aí no seu lugar você fica, mas aqui nós vamos ficar todo mundo junto e misturado. Entendeu? Lá [assentamento] funciona desse jeito. Pra num criar isso: Ah! Eu sou presidente, está lá seja qual pessoa que for.202

É possível interpretar que, para Flaviana Dias e seus companheiros, a

Associação, por ser uma forma de controle social e político diante da qual o INCRA se

sente mais à vontade, é rejeitada pelos trabalhadores, que construíram sua história na

luta pela terra com a pedagogia do MST em busca de liberdade e autonomia. Pois é uma

201 Juarez Moura dos Santos, entrevista concedida à autora em 2012. 202 Flaviana Dias, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2012.

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pedagogia que significa a possibilidade de reconstrução da autoestima perdida, da

autoconfiança do trabalhador em poder dirigir a sua própria vida, principalmente a

econômica, e de ter o pertencimento (Cf. ARANTES, 2000) à comunidade global do

MST, com valores e costumes em comum (Cf. THOMPSON, 2008) na programação e

execução das lutas. Daí a compreensão dos trabalhadores do Emiliano Zapata de que a

Associação serve, ou pelo menos deveria servir, somente para “[...] captar recurso, que a

gente recebeu pra captar recurso pelo programa ‘Minas Sem Fome’, onde a comunidade

tinha demanda de um tanque de leite e nós reivindicamos isso. Aí, pra receber esse

tanque de leite, tinha [...] aí ela [a Associação do Assentamento] foi ganhando corpo,

né? E hoje nós temos um tanque de leite [...]”.203

No processo de criação da Associação, mesmo sendo uma exigência do

INCRA, os trabalhadores do Emiliano Zapata trataram de imprimir no gerenciamento

dela suas concepções e jeito de viver a vida em coletivo:

Juarez: Todas as eleições foram indicações dos [núcleos] do consenso mais democrático, igual na primeira eleição, nós conseguimos distribuir tudo certinho dentro dos núcleos, a gente conseguiu tudo divididinho lá nos núcleos, a primeira foi o [Messias] [...] na segunda eu até assumi pra tentar manter a mesma ordem, pra manter a ordem. A ideia era a seguinte: quem determinava era o povo em assembleia e pelos núcleos de base muitas votações nós votou pelos núcleos de base, e, agora, já na terceira eleição, aí sim, mesmo tendo um pouco de consenso de indicação, a gente lá nem num tem costume de fazer assembleia pra ficar discutindo [dentro da] Associação, ora vota pra isso, ora vota pra aquilo, o cara fica fazendo lá os relatos dele lá a gente num tem é [esse costume] [...] um trem que num funciona, ela [a Associação] num tem a sua função jurídica ativa, [a Associação] pega um tanque ali, um projetinho daqui. Então é muito pouco, num tem, num entra dinheiro, num sai dinheiro, então, ela [Associação] num tem nem que prestar conta.

Leandra: E vocês consideram [que] isso é o vínculo com a história do MST? De organicidade?

Juarez: Ah! É! Com certeza! É esse princípio do centralismo democrático, tem que centralizar e, ao mesmo tempo, descentralizar como um todo. Então, a gente conseguiu fazer isso muito tempo e, talvez, aonde que houve uma vantagem e houve desvantagem. Então, o pessoal lá, às vezes, armou um cenário: a gente num consegue identificar as lideranças lá dentro. Por isso que muita gente acusa nós de lúmpen mesmo, de ter parado, de estar estagnado [porque num consegue identificar as lideranças].

Leandra: Quem [acusa]?

203 Flaviana Dias, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2012.

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Juarez: O pessoal do próprio MST hoje [...] mais regional, que tem nós como os parasitas que parou de fato.204

Nesse trecho da entrevista, Juarez sugere uma possível tensão entre eles:

constrangimento causado pelas cobranças externas de terem abandonado a luta e as

bandeiras do MST. Como também uma aproximação com a avaliação feita por

Aguinaldo da Silva Batista sobre as funções e importância que os assentados acabaram

por depositar atualmente na Associação e como isso tem levado à diminuição da

militância. A existência de tal característica parece se dar pela fragilidade de uma

intervenção constante da coordenação ou, dito de outra forma, das “[...] lideranças com

pouco mais de compreensão”.205 Isso pode dizer algo sobre a necessidade de se

continuar o processo formativo e educativo dos militantes da reforma agrária no que se

refere às questões políticas e ideológicas do Movimento após a conquista da terra.

Juarez, no seu jeito de se expressar, parece tentar justificar o suposto

distanciamento do grupo com o Movimento: a difícil identificação dos líderes do

Movimento, pois andam e estão juntos e misturados e assim se tornaram discretos ao

ponto de o próprio Movimento não os identificar. É possível que isso seja relevante,

contudo observa-se certa dificuldade, tanto por parte do Movimento, como dos

trabalhadores do assentamento, em reconhecer os sentidos e significados da militância

política orgânica depois da terra conquistada: em que medida as práticas das lutas

continuam? Perderam a identificação com o projeto do MST?

No trabalho intelectual de investigação sobre a desistência da militância do

Emiliano Zapata quando os trabalhadores conquistaram o assentamento, Maria Eleusa

Mota (2010) ressaltou:

É possível que a desistência possa, em parte, estar vinculada à debilidade na formação desses militantes. Aliás, nos documentos do Movimento, na década de 1990, é possível observar que existe clareza sobre a precariedade da formação político-ideológica, seja dos dirigentes, ou seja, dos demais. Em vários documentos a debilidade é explicada pela precariedade da organização dos núcleos de base, também, da militância. [...] Embora tenhamos detectado um número elevado de desistências, os lideres do Movimento Sem Terra consideram que o nível de consciência, como fruto das experiências de lutas e organização dos sem-terra, é bastante elevado. É possível concluir, a partir das entrevistas, que, mesmo entre aqueles que

204 Juarez Moura dos Santos, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2012. 205 Aguinaldo da Silva Batista, entrevista concedida à autora em dezembro de 2011.

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desistiram da militância, existe uma consciência maior, em função da própria luta, do enfrentamento que essas pessoas passaram. [...] A maioria dos entrevistados manifesta clareza ao analisar a conjuntura do país, que a caracterizam como neoliberal e como parte de uma política entreguista do país. Ao serem indagados sobre seu afastamento do Movimento, muitos entrevistados ficaram constrangidos, o que reflete as dificuldades da vida nos assentamentos e a falta de perspectivas, contribuindo para a não persistência na luta. No entanto, de forma direta ou não, manifestaram que o processo de formação pelo qual passaram deixou grandes marcas, relacionados com seu modo de pensar, as suas noções e concepções, capacidade de análise e grau de formação e informação. (MOTA, 2010, p. 84).

Existem limitações do Movimento e de seus trabalhadores de reconhecerem

que os assentados continuam na luta, entretanto Juarez M. dos Santos surpreende e

deixa claro outros sentidos, isto é, o ganho de consciência política por meio das

experiências vividas e compartilhadas fica expresso quando, continuando sua análise,

ele vai além e pondera:

A gente num é, a gente também num pode ser incoerente também e falar que a gente representa o MST enquanto assentamento, a gente tem os traços do MST, tem toda essa questão da organização do MST. Essas famílias que estão lá hoje [assentamento Emiliano Zapata] gosta de ter essa conectividade [com o MST]. [...] E isso, às vezes, isso até silencia muito, porque a gente num tem aquela liderança que chega, né, muito populista, que chega lá e [diz] me dá dez real pra isso, me dá dez real praquilo que eu vou falar em nome disso aqui, eu vou falar em nome daquilo, não tem isso! [os líderes do Assentamento Emiliano Zapata estão] focados muito nesse negócio da produção, das cobranças [dos poderes públicos] e de articulação. Então vai lá, vai numa reunião, vai num I-CRA tal, vai num, cada um procurando seu espaço e muito centralizado na produção. [...] É um pessoal muito produtivo que se voltou muito a trabalhar talvez, por isso, que tivemos menos problemas na questão da desistência. Então é um pessoal que se concentrou muito na questão do assentamento, se concentra e mesmo [...] o pessoal consegue trabalhar fora, que a região até razoavelmente boa de serviço, então, eu falo que é um assentamento muito produtivo.206

Juarez indicou nesse último trecho da transcrição de sua entrevista questões

que se aproximaram de outras colocadas por outros assentados entrevistados do MLST,

as quais sugerem discordâncias na forma como alguns dirigentes desse Movimento se

relacionam com os trabalhadores na arrecadação de dinheiro. Aqui destaco o sentido

importante para esses trabalhadores: afirmar que confiam na possibilidade real de outro

tempo, no qual a exploração do trabalho e a pouca renda monetária tenham ficado no 206 Juarez Moura dos Santos. Entrevista concedida à autora em fevereiro de 2012.

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passado. Sobretudo, Juarez aponta as perspectivas e tendências que movem os

assentados: fazer o assentamento produzir, ou melhor, se ver a cada dia como capazes

de melhorar a renda monetária por meio do próprio trabalho.

Para compreender a possível desarticulação dos assentados com os

movimentos sociais onde começaram suas lutas, analisei como foi e/ou está a sua

vinculação com suas respectivas organizações sociais. No PA 21 de Abril – MLST, os

trabalhadores declararam não possuir mais vínculo organizativo com o MLST, seja pela

atuação de coordenadores (lideranças) desse Movimento dentro do assentamento, seja

pela participação dos próprios assentados na organização de outras famílias para

ocupação de terra e organização de acampamentos.

De acordo com Eufrásia Maria dos Santos: “[...] acabou, porque a gente vai

acomodando, tal, [...] e aqui acabou [que] a gente desligou deles, dos que estão só

acampados. [...] Aí a gente que veio pra cá, agora que está assentado, fica assim cada

um caçando uma coisa pra fazer”207 dentro do assentamento. No jeito de expressar-se a

trabalhadora vai indicando de forma emblemática que a vida após a conquista da terra é

desafiadora, isto é, sinalizando que no agora eles precisam se organizar em outros

sentidos, portanto as características e questões centrais e urgentes no processo histórico

e dialético da luta mudaram também, deixando para trás a dinâmica política e prática do

Movimento de outrora.

E a luta mudou principalmente porque – como analisado pelos assentados em

outros momentos de suas entrevistas – eles necessitam buscar recursos monetários para

o sustento da família até a liberação dos créditos rurais, que irão possibilitar o começo

da produção econômica do lote. Isso torna-se o foco de suas lutas iniciais dentro do

assentamento. Apesar de parte dos assentados208 em análise terem tido o acesso ao

Crédito Instalação nas modalidades Apoio Inicial, Fomento e Material de Construção,

não é possível viver dignamente com tão pouco, o que exige deles outros meios de

garantir a vida até conseguirem o acesso a créditos maiores vinculados ao Programa

Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).209

207 Eufrásia Maria dos Santos, entrevista concedida à autora em dezembro de 2011. 208 Com ressalva aos assentados do PA 21 de Abril, que até dezembro 2011 não haviam sido

contemplados com a modalidade creditícia Material de Construção. 209 Essas temáticas serão analisadas nos capítulos posteriores.

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Em muitos casos a necessidade de diversificação do trabalho que garanta a vida

acaba dificultando a permanência de muitos deles no ritmo das lutas de tempos de

acampamento em que almejavam a desapropriação das fazendas improdutivas para ali

se estabelecerem como pequenos produtores rurais. Esse novo momento da vida rural e

seus reptos serão abordados nos capítulos 3 e 4.

Contudo, pode-se dizer que os assentados do PA 21 de Abril, como também os

do PA Emiliano Zapata, organizam a representatividade jurídica e política do

assentamento por meio da Associação dos Assentados. E o que isso significa? Apesar de

os depoentes do PA 21 de Abril afirmarem que não possui mais ligação com o MLST,

entendo que não se apagam as memórias das experiências sociais e políticas adquiridas

e compartilhadas no tempo das lutas, que os levaram à compreensão da importância de

se manterem na condição de assentados, seja sob a modalidade da Associação ou não.

Tanto em um como no outro assentamento, a Associação poderá estar impregnada dos

valores e modos como os militantes conduziram as lutas nos tempos e espaços do

acampamento.

Isso pode se evidenciar com a narrativa de Eufrásia Maria dos Santos, quando,

ao lembrar os tempos de acampamento, indicou quem estava à frente na liderança do

Movimento e como eles estavam cientes do que precisavam organizar: “[...] No início

era a Ana Rita, era a organizadora do assentamento, depois tinha que criar a Associação

com finanças, secretário, presidente e vice-presidente pra ter recurso e nome do

assentamento. Associação do 21 de Abril já trocou de presidência, elege com chapa e

votação [...] chapa única”.210 Ou seja, para ter recurso como assentado, alguma

modalidade de organização precisa existir e ela poderá expressar o que apreenderam

no/do Movimento.

Já no assentamento Emiliano Zapata – MST, os trabalhadores se apresentam e

identificam a comunidade a partir do movimento social em que sempre atuaram,

indicando que estão focados e/ou sob as orientações políticas e os projetos daquela

organização: “[...] a gente também num pode ser incoerente também e falar que a gente

representa o MST enquanto assentamento, [mas] a gente tem os traços do MST, tem

210 Eufrásia Maria dos Santos, entrevista concedida à autora em dezembro de 2011.

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toda essa questão da organização do MST, essas famílias que estão lá [no assentamento

Emiliano Zapata] hoje gostam de ter essa conectividade [com o MST]”.211

As interpretações de Aguinaldo S. Batista sobre a desistência de alguns

trabalhadores de seguirem as bandeiras dos Movimentos após a conquista da terra

ajudam a entender em que dimensão e reais possibilidades isso pode se concretizar:

Aguinaldo: [...] mas se você for lá a Belo Horizonte, lá no INCRA hoje ainda, e verificar a pauta da FETAEMG, está a pauta desses do 21 de Abril, quando eles [...] não estão conseguindo marcar a audiência com o superintendente do INCRA, eles recorrem ao Vilson da FETAEMG, ou a Maria Rita, da FETAEMG, né? Ou a um deputado que tem uma relação próxima ou não ou com o MST ou com a FETAEMG, né? Então, por isso mantém a pauta da FETAEMG, do MST, do [...], o caso lá do Rio do Peixe [assentamento], parece que a proximidade dele era com o [...] MTL, né? Pode ir lá e perceber que a pauta continua, então, eles desceram a bandeira, mas o vínculo, de uma certa forma, quando eles vão negociar com o INCRA eles vão ter que relacionar com alguma [pauta de Movimento], [...] porque é muito difícil você conseguir audiência com o INCRA sem uma referência de organização [social], eles [o INCRA] não dão muita bola.212

Por meio dessa fala é possível compreender como os movimentos sociais

ligados ao campo nas últimas décadas adquiriram importância e papel fundamental nas

mesas de negociações com os poderes públicos sobre a questão agrária e as políticas

agrícolas para os assentados. Aqui parecem claras algumas das contradições desse

processo histórico: os trabalhadores vão impondo seus costumes e forjando modos

culturais de viver e trabalhar no cotidiano dos assentamentos, ao mesmo tempo em que

são pautados também pela agenda política dos Movimentos, pois, dessa maneira,

aumentam-se as possibilidades de conseguirem avanços e melhorias econômicas.

Portanto, mesmo que desejem se distanciar do Movimento Sem Terra, suas próprias

condições como assentados o dificultam.

Os desafios enfrentados pelos trabalhadores do Emiliano Zapata – MST para

garantir a vida como pequenos produtores e a constituição de um assentamento modelo

do MST estão evidentes para Juarez M. dos Santos, conforme o último trecho da

transcrição de sua entrevista. Entretanto, por meio da pesquisa de campo, foi possível

observar que as ligações dos assentados com o MST são hoje mais distantes e menos

orgânicas que as de outrora, parecendo que, ao chegarem à terra conquistada a duras

211 Juarez Moura dos Santos, entrevista concedida em fevereiro de 2012. 212 Aguinaldo da Silva Batista, entrevista concedida à autora em dezembro de 2011.

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penas, o primeiro sentimento e reação é de “sossegar um pouco”, levar uma vida mais

calma, sem tanta agitação política e emocional.213

Contudo, Flaviana Dias procura esclarecer a questão, politizando-a da seguinte

forma:

[...] a partir do momento que você chega num assentamento, muda daquela época de acampamento que você ficava vinte e quatro horas [por conta]. Hoje não! As pessoas já constituíram família, têm que cuidar dos filhos, têm que pegar o PRONAF [créditos rurais dentro do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar], têm que cuidar do gado, têm que cuidar da sua horta. Então, num tem aquele tempo e aquele espaço que tinha, [...] [as pessoas] às vezes demora entender isso, né: Ah! [...] vamos pra reunião em tal lugar num dá! Porque eu tenho que fazer isso. [...] Às vezes tem pessoas que até falam [que] deixou de ser MST só por isso também.214

Como foi dito por Eufrásia Maria dos Santos, agora os assentados estão “[...]

cada um caçando uma coisa pra fazer”.215 Flaviana Dias também referiu-se à difícil e

desafiadora condição para continuar no mesmo ritmo das lutas ou acompanhar aquelas

que são do tempo e espaço do acampamento. Ela indica, quase como um desabafo, que

sob essa circunstância muitas vezes eles são acusados de abandono da luta do

Movimento também pelos próprios trabalhadores.

No processo de pesquisa essa situação foi observada como dolorosa e de difícil

elaboração por parte de alguns deles, parecendo que ainda levará um tempo para que

eles se desprendam, ou não, dos tempos anteriores, reconhecendo ou não que podem

estar também no agora forjando em alguma medida o que apreenderam da pedagogia do

Movimento dentro do assentamento. Sobretudo, parecem viver da lembrança e do

legado dos tempos passados; no presente lutas diferentes são exigidas pela condição do

processo histórico de consolidação do assentamento:

Juarez: [...] como se cria essa visão coletivista de trabalhar, de produção [econômica do assentamento], essa articulação política, ela morre. Então, a militância em si, ela é reduzida a nível muito baixo, ela é muito pouco, por essa questão. Até falava muito isso de se escravizar dentro do lote, ficar preso numa gaiolinha, que num consegue sair mais, [...] talvez a gente num tem tanto atrito por causa

213 Ficou claro que isso não é um sentimento ou comportamento geral, já que no PA Emiliano Zapata, por

exemplo, o assentado conhecido por “Manezinho” continua na ativa participando dos cursos e atividades políticas e de estudos do MST em outros espaços do Movimento.

214 Flaviana Dias, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2012. 215 Eufrásia Maria dos Santos, entrevista concedida à autora em dezembro de 2011.

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disso, por essa questão mais democrática dentro dos núcleos, então, resolve muito lá, é muito difícil a gente ter a tal da assembleia, que uns dos grandes problemas das discussões são as assembléias, que você traz todo mundo, aí quem fala mais alto às vezes tem o poder, a articulação e quando você vai pros núcleos você consegue debater mais, convencer mais e as pessoas consegue te convencer mais.

Leandra: E na sua avaliação funcionam os núcleos?

Juarez: Até hoje funciona pra essa questão mais produtivo, dessa questão das informações de produzir e tal. É claro que em todo lugar, e principalmente nós, [...] ter o princípio da organização e ter a organização, que é aí é o problema, que a organização acabou se esfacelando um pouco aqui na região. Se tivesse a organização, tinha avançado mais, se teria mais debate, teria mais informações, teria mais alimento pra alimentar esses núcleos de base. Então, como não há o alimento, você num consegue ter a discussão, você num consegue nem reunir o núcleo de base. Então, ele existe, está lá, tem pessoas que representam esses núcleos de base, tem as suas famílias, mas num há uma articulação e não há um debate lá dentro de fato. Não há um encaminhamento de fato, se podia ter mais. Na época a gente tentou articular no começo [as demandas da] assistência técnica pra esses núcleos de base funcionar, hoje já não, já é tudo geralzão [...]. E ficou na lembrança, que é um problema caro, e eu [...] tive a oportunidade de andar em alguns assentamentos do MST mais antigo, acaba tudo muito em lembrança [...] a tendência natural que vai acontecendo vai ficar na lembrança. Daqui um dia ninguém reúne mais, porque não há uma linha, uma necessidade de organização do assentamento e nem do INCRA, porque vai acabando as pautas do INCRA e vai ficando na lembrança [...] é a tendência natural ficar na lembrança: eu fiz parte do núcleo “Terra e Vida” que teve lá do acampamento aí num sei o quê [...].216

Os trabalhadores do PA Emiliano Zapata possuíam ligação maior com a

direção do MST nas suas instâncias nacional, estadual, regional e microrregional antes

da conquista da terra. Chegaram, inclusive, a criar o que eles definem como brigadas

para ampliar a luta como um canal de comunicação e organização dos trabalhadores de

forma mais democrática pela regional do Triângulo Mineiro. Entretanto tornou-se claro

com a pesquisa que há, entre alguns deles, uma predisposição para que se funcionem os

núcleos, as equipes de trabalho e as coordenações locais, porém nota-se que isso vai se

perdendo com as demandas do cotidiano.

A disposição e orientação do MST através de suas direções e coordenações

mais amplas são que nos assentamentos, assim como nos seus acampamentos, funcione

a coordenação política local, mas com perspectivas de ampliação do espaço de

participação e fluidez das informações entre os trabalhadores. Segundo Aguinaldo da

216 Juarez Moura dos Santos. Entrevista concedida à autora em fevereiro de 2012.

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Silva Batista, a participação política da direção do MST, representada pelos seus

militantes externos ao assentamento Emiliano Zapata, concretiza-se pela visita a essa

área, assim como a outras, pelo menos duas a três vezes por ano.

Há que se considerar que alguns desses militantes são responsáveis por irem de

uma área a outra no estado de Minas Gerais, bem como também estão envolvidos

diretamente com estudo, reuniões e cursos por todo o Brasil e exterior. E a coordenação

local do assentamento Emiliano Zapata, na medida do possível, diante das questões

avaliadas pelos entrevistados, mantém a ligação via participação em reuniões, cursos e

outras ações das instâncias organizativas do MST.217

2.2 APRE�DE�DO A LIDAR COM OS �OVOS DESAFIOS

Na compreensão sobre como foram as primeiras experiências na terra

conquistada, procurei desvendar o surgimento de novos dilemas cotidianos, enfrentados

como desafios. Partindo da narrativa de Maria Eleusa Mota na composição do enredo

desse processo, é possível conhecer o que é necessário, em sua opinião, o trabalhador

ter em mente se pretender viver no/do campo:

[...] Ah, seis anos, né, eu chuto seis anos. [...] Por exemplo, eu agora estou muito tranquila, porque eu entendi isso, não adianta você pensar que vai conseguir as coisas de um dia pro outro, porque parece que esse processo de reforma agrária lento, burocrático já é pra isso mesmo, pra desestimular, pra você desanimar [...] você tem que adquirir essa sabedoria de entender esse processo, aceitar, ou você cai fora, senão você fica louco, fica doente, entendeu? Porque tudo é muito lento, tudo é muito burocrático. Então, é por isso que as pessoas optaram, pararam de espernear, de chorar, de reclamar que isso está demorando, que isso não vem, e resolveram arregaçar as mangas e trabalhar fora, aí nas fazendas vizinhas. Nem todos trabalham o tempo todo fora. Nos picos das colheitas corre lá e trabalha uma semana, duas, um mês e depois volta pra fazer suas coisas do lote, pra isso, né, porque já entenderam que não adianta ficar agoniado, angustiado, esperando que vai resolver nosso problema, que não vai, entendeu? [...] nós temos que inventar um jeito de sobreviver aqui na terra.218

217 Maria Eleusa Mota, assentada no PA Emiliano Zapata, por exemplo, no mês de janeiro e fevereiro de

2012 iniciou a primeira de quatro etapas de um curso de Pós-Graduação ministrado na Escola Florestan Fernandes do MST em Guararema (SP). Juarez Moura dos Santos, Flaviana Dias junto com Aguinaldo S. Batista coordenaram uma atividade de extensão com alunos da Universidade Federal do Triângulo Mineiro de Estágio de Vivência no assentamento Emiliano Zapata e de estudo sobre o MST no mês de fevereiro de 2012.

218 Assentada Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2011 no PA Emiliano Zapata – MST.

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Essa fala traz indícios dos resultados das vivências e de como as

transformações no jeito de encarar os desafios da luta estão intrinsecamente ligadas à

história e à cultura desses trabalhadores, ou seja, aos modos de pensar, agir e de viver a

luta. No caso, Maria Eleusa conseguiu fazer parte de um grupo coeso, juntos desde

1999, enfrentando treze anos entre ocupações, acampamentos, oito despejos, violência

física, emocional, moral, mortes de outros companheiros, intrigas e discordâncias entre

os próprios trabalhadores, ao mesmo tempo participando de cursos de formação política,

acadêmica e técnica. Experimentando práticas e um Movimento que é construído em

meio a tendências e propostas variadas na correlação de forças, sob um processo

histórico carregado de disputas que são internas e externas ao grupo de que faz parte

(Cf. KHOURY, 2004).

Segundo Mota (2010), a partir da terra conquistada, “[...] a dificuldade

continua no processo de assentamento. Enquanto na condição de acampado seu maior

desejo é o pedaço de terra, enquanto assentado é a difícil luta pela sobrevivência na

terra, a busca de créditos para a produção, habitação e infraestrutura” (MOTA, 2010, p.

33). Os trabalhadores do PA Emiliano Zapata, desde 2004 até 2006, viveram sob a

condição do que eles definem como “pré-assentados”, tal como os do PA 21 de Abril,

que desde 2005 até, segundo João Pedro, novembro de 2010 não haviam sido

contemplados com a conclusão do processo de parcelamento da área desapropriada, ou

seja, o INCRA não tinha demarcado os lotes e, até dezembro de 2011, por exemplo, os

assentados do PA 21 de Abril não tiveram acesso ao crédito habitação, isto é, à

modalidade Material de construção dentro do Crédito Instalação concedido pelo

INCRA. Segundo o INCRA,

O Crédito Instalação, concedido desde 1985, consiste no provimento de recursos financeiros, sob a forma de concessão de crédito, aos beneficiários da reforma agrária, visando assegurar aos mesmos os meios necessários para instalação e desenvolvimento inicial e/ou recuperação dos projetos do Programa Nacional de Reforma Agrária. [...] Com o objetivo de suprir as necessidades básicas, fortalecer as atividades produtivas, desenvolver os projetos, auxiliar na construção de unidades habitacionais e atender necessidades hídricas das famílias dos projetos de assentamento [...].219

219 BRASIL. Crédito Instalação. I�CRA, 12 Dez. 2011. Disponível em:

<http://www.incra.gov.br/index.php/reforma-agraria-2/projetos-e-programas-do-incra/credito-instalacao>. Acesso em: 30 dez. 2011.

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Interessante observar que todos os trabalhadores entrevistados, quando falaram

sobre a atuação do INCRA, usaram as expressões morosidade e burocracia para definir

as ações desse órgão no que se refere à legalização do assentamento e a sua efetivação.

Ou seja, chegar e viver o novo tempo da produção e da manutenção da vida no/do

campo é uma realidade que impõe a invenção e reinvenção cotidiana de meios para

aquisição de renda monetária, como, por exemplo, sair e trabalhar nas fazendas do

entorno. Isso significa que a vida desejada como assentado ainda estava por se efetivar.

Nessa questão, trata-se de um processo que envolve o órgão público (INCRA)

responsável pela reforma agrária e assentamentos rurais e que se fundamenta, como

todos os outros, por um sistema burocrático regente do Estado Moderno. E foi possível

observar que o termo burocracia é concebido e usado pelos assentados como algo

pejorativo que evidencia a administração do INCRA como falha devido aos seus

procedimentos, os quais, para os trabalhadores, são desnecessários ao pleno e ágil

funcionamento do assentamento de reforma agrária.

Nesse sentido é que procurei investigar e desdobrar as falas dos assentados

para além de desabafo, dando ênfase aos significados que, no mínimo, denotam sua

indignação com o processo em que estão inseridos, homens e mulheres que na realidade

lidam com a intervenção do Estado brasileiro via INCRA e as políticas públicas

agrícolas e de créditos rurais enredados pela burocratização no processo de reforma

agrária no Brasil. Ou seja, os assentados estão lidando com a burocracia que, embora

necessária, ultrapassa seus limites em órgãos públicos que revelam resistências e

interesses políticos internos, já que o gerenciamento do INCRA insere-se no campo das

disputas políticas.

Portanto, busquei compreender como as falas revelam não só a denúncia da

morosidade dos processos de assentamento, mas também um aprendizado dos

assentados sobre esse processo e como lidam com ele.

Este estudo tem claro que os entrevistados nem sempre narram exatamente o

que fazem e como vivem, pois são lembranças trazidas pela memória, mas é possível

apreender os significados dos modos como vivem e interpretam a realidade mediada na

relação de forças. Sobretudo, pode-se apreender como desejam que se conheça essa

realidade. Dessa forma, é possível conhecer, pela fala de Maria Eleusa Mota em

fevereiro de 2011, em qual etapa do processo de assentamento as famílias do Emiliano

Zapata se encontravam. Sobre os primeiros passos dessa luta diz ela:

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É! Primeiro a burocracia, ela está constante em tudo, né, vem lá do processo de como o INCRA adquire as terras: vem, faz vistoria, vê todos [os] laudos, depois faz levantamento de preços, faz a negociação, faz desapropriação, aí depois faz emissão de posse. [...] O INCRA aí vai fazer a legitimação das famílias que vão ser assentadas e aí depois tem todo esse processo de cadastramento. [...] das famílias [que] vão ser assentadas, porque aí pega toda documentação e faz toda uma pesquisa. Se você tiver nome sujo em qualquer coisa que você comprou e não pagou, se tem problema com a justiça, pensão alimentícia, qualquer problema que você tiver, você é impedido, entendeu? Então tem gente que fala assim: “ah, assenta bandido e tal”, mas o bandido tem que estar em dia! [risos]. Porque, se constar qualquer problema, não tem como. E parece que [...] eles já conseguiram fazer a integração dos cadastros [das famílias do Emiliano Zapata], das informações. Quem já foi assentado alguma vez, ou vendeu lote não consegue mais ser assentado, porque antes ainda enganava, quando não estava, antes deles fazerem essa questão de informações de outros contadores da rede, agora isso já não é mais possível [...] aí depois que eles vão te dar um papel, e nós recebemos Termo de Compromisso, agora já não vem mais [...] não! Agora já vem CCU [Contrato de Concessão de Uso]. [...] É, sei que significa que você tem a permissão para usufruir da terra, você não é o dono da terra. Entendeu? Você não é o dono do lote [...] é morador ali dessa parcela [...], que é o único documento que você tem [de] que você é pré-assentado, assentado. Aí depois vem o processo do PDA, né, que você conhece.220

A trabalhadora ainda explica outros procedimentos aplicados pelos

funcionários técnicos do INCRA para legalizar um assentamento:

[...] os técnicos vão fazer levantamento da área, vê aonde [...] que tem as APPs [Áreas de Preservação Permanente], vê toda a estrutura da fazenda, eles fazem uma mapeação da fazenda todinha. Levantamento de onde tem água, de onde é possível fazer lote. Porque existem alguns assentamentos aqui que vai ficando numa área que não tem água, que é impossível de fazer lote, aí ela [a área do lote] fica aí um condomínio, por exemplo. [...] Faz todo esse levantamento, aí depois vê como é que vai fazer o parcelamento [dos lotes], [...] que aí entra toda negociação, se vai ser coletiva, se individual [...] do que que é o desejo das famílias. E sempre deixa a área comunitária, que geralmente tem dentro do MST a sede [da fazenda desapropriada], fica pra área comunitária pra fazer reunião, depois se quiser fazer alguma coisa [...] é nessa área. [...] [O] quê que nós achamos, [...] que não era justo beneficiar uma família só com a sede, porque as outras demais teriam que continuar debaixo de lona até o lento processo do crédito habitacional. Aí, então, geralmente a sede, pelo menos do Movimento [MST], fica pra área comunitária, que aí serve pra todo mundo. E esse processo também é lento, né, como tudo, no processo de reforma agrária, nesse processo de mapeação, depois [...] vem o mapa geral, aí tem o mapa individual de cada lote, a equipe técnica traz isso. E

220 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2011.

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depois, só depois disso, é que faz o parcelamento [dos lotes], é que você pode correr atrás dos créditos.221

Há uma trama de apreensões que vai se engendrando no processo e, diante o

desejo das famílias, isso significa para elas lentidão. Existem etapas para poder se

estabelecer nos lotes, que podem ser dificultadas, entre outras razões, pelo insuficiente

número de funcionários do INCRA para atender a demanda em vários cantos do Brasil.

Apesar da criação de Superintendências Regionais (SRs) desse órgão, ao todo são 30,222

o processo evidencia-se precário, levando-se meses ou anos para a conclusão de um

assentamento. Isso quer dizer passos que são vividos e sentidos de diferentes modos

quando a satisfação de se tornar um assentado contrasta com as dificuldades e

morosidade do processo de assentamento, podendo traduzir, por um lado, angústia,

desespero, cansaço e descrença. Por outro, vão no dia a dia vivendo esses sentimentos e

apreendendo-os como desafio diante dos percalços, a vontade e a necessidade constante

de ter o lote em plena atividade.

No combate à ineficácia do INCRA em assentar plenamente as famílias Sem

Terra, o MST denuncia a lentidão e cobra reformas desse órgão. Faz dessas questões

uma de suas muitas bandeiras e que fica muito clara em suas históricas Marchas pela

Reforma Agrária, como as de 1999 e de 2005, essa última partindo de Goiânia (aonde

chegaram pessoas de 23 estados brasileiros) até Brasília e aglomerando

aproximadamente 12 mil pessoas.

Os pontos da pauta de reivindicações da Marcha Nacional pela Reforma

Agrária de maio de 2005, mobilizada pelo MST, CPT, Via Campesina e Grito dos

Excluídos, diziam respeito ao fortalecimento do INCRA e à situação, naquela

conjuntura, dos acampamentos e assentamentos por todo o Brasil. A pauta foi entregue

ao ministro do Desenvolvimento Agrário Miguel Rosseto e ao presidente nacional do

INCRA Rolf Hackbart. Com relação ao INCRA, o documento reivindicava:

O QUE PRECISA SER FEITO PARA AVANÇAR NA REFORMA AGRÁRIA:

• Reestruturação e fortalecimento político do INCRA: Vincular o INCRA à Presidência da República; Contratação de novos servidores (mínimo: 4.500); Mudanças das Instruções Normativas do INCRA,

221 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2011. 222 Segundo informações no site do INCRA além dessas 30 SRs existem 45 unidades avançadas, órgãos

descentralizados, de caráter transitório, subordinados às superintendências.

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visando: Ampliar a capacidade operativa e autonomia do INCRA (Presidência e superintendências). Reestruturar o INCRA permitindo melhoria e agilidade na capacidade operativa interna e autonomia na execução da reforma agrária; Diminuir a autonomia interna das divisões, visto que trazem lentidão no processo de agilização da reforma agrária; Os recursos da reforma agrária não devem ser contingenciados; Subordinar a Procuradoria à Presidência e Superintendências do INCRA.223

Em sintonia com essas reivindicações, os entrevistados desta pesquisa

discorrem sobre e identificam a lentidão do processo. Como apontou Maria Eleusa Mota

nas páginas anteriores, a lentidão se dá não somente após o assentamento, mas desde

como o I-CRA adquire essas terras, evidenciando a complexidade histórica da

efetivação da reforma agrária no Brasil sob a correlação de forças políticas e

econômicas que vêm impedindo atacar o âmago da questão: a estrutura fundiária

concentradora estabelecida historicamente no Brasil.

Para a interpretação das falas anteriores de Maria Eleusa Mota e as

reivindicações dos trabalhadores em “Marcha”, chama a atenção e é preciso ressaltar

que o sentido do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)224 foi,

223 PAUTA DE REIVINDICAÇÕES da Marcha Nacional pela Reforma Agrária/maio de 2005. MST,

site oficial, maio de 2005. Disponível em: <http://www.mst.org.br/book/export/html/79>. Acesso em: 30 maio 2005.

224 O INCRA é uma autarquia federal da administração pública brasileira responsável pela questão agrária. Criado pelo Decreto nº 1.110 de 09 de julho de 1970 com a tarefa prioritária de realizar a reforma agrária, manter o cadastro de imóveis rurais e administração das terras públicas da União. Atua no território nacional por meio de 33 Superintendências Regionais. Um breve histórico de criação de órgãos governamentais ligados ao campo pode ser iniciado em 1954 com a Lei nº 2.163, que criou o Instituto Nacional de Imigração e Colonização (Inic), que absorveu as atribuições do Conselho de Imigração e Colonização/Departamento Nacional de Imigração do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e a Divisão de Terras e Colonização/Ministério da Agricultura. Em 1955 a Lei nº 2.613 criou o Serviço Social Rural (SSR), autarquia vinculada ao Ministério da Agricultura. Passando ao ano 1962, a Lei Delegada nº 11, de 11 de outubro, criou a Superintendência de Política Agrária (Supra), absorvendo as atribuições do Inic e do SSR. O ano 1964 é emblemático por conta da Lei nº 4.504, de 30 de novembro, quando se criou o Estatuto da Terra, o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (Inda). Em 1970, com a criação do INCRA, este órgão absorveu as atribuições do Ibra e do Inda. Em 1982 criou-se o Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários (Meaf) com o Decreto nº 87.457. Em 1984 a Lei n° 7.231 transferiu competências do INCRA para o Ministério da Agricultura (Desenvolvimento Rural). Autarquia em Regime Especial de Pessoal. Nesse ano ainda o Decreto nº 90.697 estabeleceu a alteração na Estrutura Organizacional do INCRA. Em 1985, com o Decreto nº 91.214, criou-se o Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (Mirad). Em 1987 o Decreto-lei nº 2.363, de 21 de outubro de 1987 extinguiu o INCRA, passando suas atribuições para o Mirad e houve a criação do Instituto de Terras (Inter). Em 1987 o Mirad sofreu alterações na estrutura organizacional via Decreto nº 95.074, de 21 de outubro de 1987. O ano de 1988 também é emblemático por conta da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, no caso, o Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira – Capítulo III – Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária (artigos 184 a 191). Em 1989 a Medida Provisória nº 29, de 15 de janeiro extinguiu o Mirad e o Decreto Legislativo nº 02, de 29 de março de 1989 rejeitou os termos do Decreto-lei nº 2.363/87, ficando o INCRA

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desde seu início no governo ditatorial dos militares, de controle e regularização da posse

da terra, entre outros, de administração de questões da reforma agrária e suas ações

sempre penderam muito mais a favor do capital financeiro, seja ele nacional e/ou

estrangeiro. Portanto, representa um modo de controle sobre as ações dos trabalhadores

pobres do campo, os quais, no projeto de reforma agrária de governo, que, a meu ver, é

uma política de assentamento, sempre terão “[...] a permissão para usufruir da terra,

você não é o dono da terra [...] é morador ali dessa parcela [...]”.225

Com relação às reivindicações de reestruturação do INCRA colocadas entre os

sete pontos da pauta da Marcha Nacional pela Reforma Agrária de maio de 2005, o

governo federal havia assumido o compromisso de atender os Sem Terra. Contudo,

encerrado o mandato do governo de Luis Inácio Lula da Silva, os compromissos não se

efetivaram, como fica claro nas respostas articuladas por João Batista de Oliveira,

coordenador nacional do MST, a uma entrevista:

Como você analisa as experiências de Reforma Agrária durante o governo Lula?

João Batista: No governo Lula não teve um programa, um projeto estruturado de Reforma Agrária. Houve, no início do governo, uma proposta, um plano, um projeto de realização de Reforma Agrária. Esse plano não foi cumprido, se perdeu no meio do caminho. O governo assumiu metas, que não foram cumpridas. Como houve muito diálogo com o Movimento nesse governo e abertura para discussão, nós cobramos em vários momentos. No segundo mandato, inclusive, como não tinha um plano, nós fizemos uma discussão com o governo sobre algumas ações importantes. Algumas eram compromissos que o governo assumiu com relação à Reforma Agrária na nossa marcha de 2005. [...] -ós não tivemos um plano estruturado com relação à Reforma Agrária assumido pelo governo. -ão concluíram a atualização dos índices de produtividade, não assentaram todas as famílias acampadas, não construíram escolas nos assentamentos, não elaboraram um programa estruturado de agroindústria dentro dos assentamentos e não deram assistência técnica para os assentamentos. Estamos encerrando o governo e esses compromissos não foram cumpridos.

Qual o papel do INCRA durante o governo Lula?

João Batista: O INCRA é um órgão importante na realização da Reforma Agrária, é para isso que ele existe. Agora, ele não conseguiu se adequar às necessidades. Inclusive, o I-CRA não conseguiu cumprir com o próprio papel que teria de assumir um compromisso do governo ou do Estado e agilizar o processo de Reforma Agrária. O

restabelecido. Fonte: BRASIL. Histórico do INCRA. Ministério do Desenvolvimento Agrário, INCRA, 30 Nov. 2011. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/institucionall/historico-do-incra>. Acesso em: 2 dez. 2011.

225 Maria Eleusa, entrevista concedida à autora em 2011.

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I-CRA, por exemplo, continua com poucas unidades de verificação de terras improdutivas, de destinação para os assentamentos. Continua limitado por falta de orçamento. Ou seja, hoje se tem muitas áreas, o próprio I-CRA diz que tem muitas áreas prontas para serem destinadas ao assentamento e não tem orçamento para destinar essas áreas aos acampados. Então, o I-CRA continua limitado.226

Nessa entrevista, a coordenação do MST coloca como questão central e urgente

a necessidade de fortalecer e mudar as estruturas do INCRA, apesar de reconhecê-lo

como um órgão importante no processo de reforma agrária, o que demandaria a

existência real de um plano nacional de reforma agrária. Nesse sentido, o governo

federal, via Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), lançou em 2003 o II Plano

Nacional de Reforma Agrária, porém não o executou. Os apontamentos de João Batista

de Oliveira sugerem que são extremamente parcos os recursos orçamentários destinados

ao INCRA para que ele atue de maneira eficaz.

Observa-se ao analisar a realidade que na perspectiva política de governantes

da União sobre assentamento, questão e os conflitos agrários, pautada por interesses e

compromissos de diferentes partidos e governos, sempre predominou a representação do

capital financeiro configurado pelas forças do agronegócio. O MST há tempos aponta

que a política de assentamento tem sido muito mais uma tentativa de abafar conflitos

pontuais (em muitos casos esses conflitos têm ganhado dimensões de massacres e

grandes tragédias) do que de romper com a estrutura fundiária concentradora.

Com o passar dos anos as metas de governos federais para reforma agrária têm

se revelado conservadoras. Um estudo técnico realizado pela própria bancada do Partido

dos Trabalhadores divulgou que o orçamento para a reforma agrária em 2012 é menor

que o do ano de 2002:

[...] De acordo com a nota da assessoria do PT, os recursos para o ministério [MDA] em 2012 apresentam redução de 6,8% em relação ao que foi autorizado em 2010 e de 1,7% na comparação com 2011. No caso específico do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), verificou-se incremento de 5% em relação a 2011. Se a comparação for feita com os valores de 2010, a redução é de 11%. [...] Comparação. A assessoria também incluiu na nota um quadro com os orçamentos do ministério no período de 2002 a 2012. Em

226 Trecho extraído da entrevista com João Batista de Oliveira coordenador nacional do MST: Como o

governo Dilma pode cumprir o compromisso de acabar com a miséria? Por Vanessa Ramos, da página do MST. 2006-2010 Fórum Nacional de Reforma Agrária e Justiça no Campo. Reprodução permitida mediante a citação da fonte: <www.limitedaterra.org.br>. Disponível em: <http://www.limitedaterra.org.br/imprimeNoticia.php?id=331>. Acesso em: 2 fev. 2012. [grifo meu].

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termos nominais, o valor quase dobrou, passando de R$ 2,2 bilhões em 2002 para R$ 4,3 bilhões em 2012. Mas, após a atualização pelo índice inflacionário, verificou-se que na verdade ele teria encolhido de R$ 4,4 bilhões para R$ 4 bilhões. [...] Para equiparar-se com as maiores dotações do período Lula, o orçamento do ministério deveria ser engordado com uma quantia de R$ 1,5 bilhão, segundo os petistas do núcleo agrário. Para eles, não seria muito, principalmente quando se considera que a despesa com a questão agrária representa menos de 0,5% do orçamento da União. [...] Ao especificar os gastos contidos no orçamento, a assessoria técnica chama a atenção para a queda acentuada da verba destinada à aquisição de mais terras para a reforma agrária. O orçamento previsto para 2012 sofreu redução de 52% em relação a 2007, assinala o estudo.227

Sob o ponto de vista dos entrevistados para esta tese, são muitos os entraves

para o estabelecimento dos assentados, entre eles, por exemplo, o que sugeriu Maria

Eleusa Mota: a exigência de o trabalhador não ter dívidas com o sistema financeiro, pois

do contrário não lhe é reconhecido o direito a uso e fruto do lote de terras por meio do

acesso às linhas de crédito do PRONAF. Na realidade essa regra de empréstimos do

sistema financeiro é para todos. Contudo, destaca-se a incoerência: já que é parte do

sistema capitalista a existência do pobre, como se condiciona a posse da terra pelo

sistema de reforma agrária e sua produção à inexistência de dívidas a que muitas vezes,

por sua própria situação financeira, o pobre, que é o perfil dos beneficiários da reforma

agrária, está sujeito?

Entre as jornadas de lutas do conhecido “Abril Vermelho”228 no ano de 2012,

as inúmeras ações do MST denunciavam:

‘Não avançou a questão do orçamento para a obtenção de terras (que viabiliza as desapropriações), do endividamento dos assentados e da criação de um novo crédito agrícola para as famílias assentadas. Esses pontos são estruturais e ficaram para ser tratados com a presidenta Dilma’, afirma Valdir Misnerovicz, da Coordenação Nacional do MST. [...] Segundo ele, a falta de recursos no orçamento é um dos entraves ‘fundamentais’ na negociação com o governo. Um exemplo é a norma que impede a desapropriação de latifúndios acima de R$100 mil. ‘Isso acabou inviabilizando 90% dos processos que já estavam em andamento para desapropriação e aquisição. Isso precisa ser

227 DILMA REDUZ VERBA de reforma agrária, acusam o PT e MST. Estadão, São Paulo, 01 dez.

2011. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,dilma-reduz-verba-de-reforma-agraria-acusam-pt-e-mst,805569,0.htm>. Acesso em: 15 jan. 2012.

228 Desde o massacre do Eldorado dos Carajás, no Pará, onde foram executados mais de dezenove Sem Terra em 1996 em um confronto com a polícia militar, o MST em todo mês de abril faz ações pelo Brasil para que o crime não seja esquecido e os responsáveis pelo massacre sejam punidos.

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revisto. É preciso decisão, vontade política, recursos e mecanismos para poder avançar’, cobra Valdir.229

Desse modo, as experiências narradas pelos entrevistados possibilitam

conhecer outras versões sobre a luta pela reforma agrária e refletir sobre elas,

desconstruindo a única visão da história dos Sem Terra forjada pelos grandes meios de

comunicação, que englobam todos como bandidos, violentos, preguiçosos,

aproveitadores, que “ganham” terras do governo e depois não produzem e acabam por

vendê-las.

Nessa direção, no caso das experiências dos trabalhadores em estudo, fica clara

a capacidade de pressão do projeto de sociedade e de Estado capitalistas sobre sua vida

no fato, por exemplo, de a liberação dos primeiros créditos rurais só acontecer com a

finalização da etapa conhecida e denominada como homologação das famílias, do

desenrolar do Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA), da abertura e

bloqueio de uma conta corrente específica em uma agência financeira em nome da

Associação do Assentamento para depósito dos recursos dos créditos rurais.230

Portanto, os assentados não têm acesso aos créditos iniciais sem a conclusão da

etapa de Legitimação das famílias e, como apontou Maria Eleusa Mota, são várias as

exigências para se chegar até ela. Vale ressaltar que a definição de Legitimação dentro

do processo de assentamento referida pelos assentados entrevistados pode parecer algo

contraditório ou mesmo sugerir um desconhecimento deles sobre o significado do

termo, ou, mesmo, uma confusão entre legitimação e legalização. Porém não é esse o

caso, ou seja, interpelando os assentados sobre o termo legitimação e investigando o

processo no INCRA, é realmente esse o significado que se atribui a uma das etapas do

processo de reforma agrária, pois nesse momento as famílias ainda não estão em

229 FALTA DE ORÇAMENTO é o maior problema para a reforma agrária. MST, site oficial, 21 Abr.

2012. Disponível em: <http://www.mst.org.br/Misnerovicz-Falta-de-orcamento-e-o-maior-problema-para-avanco-da-Reforma-Agraria>. Acesso em: 27 abr. 2012.

230 De acordo com a Norma de Execução nº 79 de 26 de dezembro de 2008 do Serviço Público Federal, Ministério do Desenvolvimento Agrário, INCRA, Diretoria de Desenvolvimento de Projetos de Reforma Agrária. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/institucionall/legislacao--/atos-internos/normas-de-execucao?start=40>. Acesso em: 3 fev. 2012. Deve-se lembrar que os assentados dos quais trata esta pesquisa estavam sujeitos a outras Normas de Execução, ou seja, em 2004 estava em vigência a Norma de Execução nº 40 de 30 de março de 2004, revogada pela Norma de Execução nº 46 de 10 de novembro de 2005, a qual foi revogada pela Norma de Execução nº 53 de 20 de dezembro de 2007, que também foi revogada. Isso significa critérios e condições diferenciadas de tais Normas que, “[...] regulamentam a concessão de créditos, a aplicação, a fiscalização e a prestação de contas do Crédito Instalação”, que dependendo da correlação de forças, podem sofrer alterações.

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situação legalizada, com direito legal de ser assentadas e o assentamento está em fase

inicial de implantação, pois a terra foi obtida pelo INCRA, que possui a sua posse e nela

instalará famílias legalizadas e homologadas para as quais transferirá a posse do lote.

Portanto, o processo de homologação é papel do Estado, via autoridade judicial

ou administrativa, reconhecendo a existência de condições para que determinada família

de trabalhadores possa ser assentada, estando essa família enquadrada nas categorias de

trabalhadores(as) como consta na Seção II – Dos Beneficiários(as) Artigo 5º da -orma

de Execução nº 45, de 25 de agosto de 2005, isto é, nas categorias de: “Agricultor e

agricultora sem terra; Posseiro, assalariado, parceiro ou arrendatário; Agricultor e

agricultora cuja propriedade não ultrapasse a um módulo rural do município”.231 Dessa

forma, concluída a etapa de reconhecer esses beneficiários como legítimos e como

legítimas suas reivindicações, compõe-se a Relação de Beneficiários (RB) homologada

no Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (SIPRA) ou outro sistema

adotado pelo INCRA, passando esses trabalhadores à condição de agricultores

familiares. Como ressaltaram Benini e Santos (2009),

Grosso modo, podemos sintetizar as principais etapas do processo de reforma agrária do seguinte modo: primeiro ele compreende uma fase de obtenção da terra, na qual propriedades rurais não produtivas ou que não atendem sua função social [...] são desapropriadas para fins da reforma agrária. Em seguida, conforme a qualidade da terra e extensão da área agricultável, realiza-se uma estimativa da capacidade de famílias de trabalhadores rurais. Com essas informações, o INCRA cria, formalmente, um Projeto de Assentamento. [...] A partir desse momento, uma série de políticas são implementadas para se promover o desenvolvimento socioeconômico dos projetos de assentamento. A começar pelo cadastro e seleção das famílias dos trabalhadores rurais (muitas vezes já reunidas em acampamentos por longos anos). Essas famílias, depois de homologadas na Relação de Beneficiários (RB) de um determinado assentamento, são qualificadas pelo Estado (INCRA) como Agricultores Familiares. Logo em seguida, temos a disponibilidade, para cada assentamento, de um significativo montante de recursos públicos de apoio e fomento. (BENINI; SANTOS, 2009, p. 04-05).

Entretanto, os recursos públicos de apoio e fomento estão submetidos às

-ormas de Execução do MDA-INCRA, que ao longo dos anos têm sofrido alterações e

revogações no sentido de acrescentar exigências, normas e regulamentações. É possível

observar, por exemplo, que os entrevistados estavam submetidos à Norma de Execução

231 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento agrário, I�CRA, Seção II da Norma de Execução nº 45

de 25 de agosto de 2005, p. 02.

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que “[...] estabelece fluxo operacional para concessão, aplicação e prestação de contas

do Crédito Instalação, no âmbito dos Projetos de Assentamento Integrantes do Programa

de Reforma Agrária”232 a partir do ano de 2004. Os trabalhadores do PA Emiliano

Zapata – MST foram para a área desapropriada e de posse do INCRA a partir de 24 de

junho de 2004 e ato de criação do Projeto de Assentamento data de 23 de novembro de

2004 e os trabalhadores do assentamento 21 de Abril – MLST foram para a fazenda

adquirida pela modalidade compra e venda em 18 de abril de 2005 com ato de criação

em 11 de outubro de 2005.233 Portanto, pode um assentamento obedecer a umas regras e

o outro assentamento obedecer a outras.

Nesse processo, até 2011 muitos dos assentados do PA Emiliano Zapata já

haviam recebido o crédito Instalação nas modalidades Apoio Inicial, Fomento e

Material de Construção e os assentados do PA 21 de Abril, até dezembro de 2011, não

puderam construir suas casas com o apoio da modalidade Material de Construção.

Em um levantamento sobre o processo de homologação de famílias e liberação

de créditos rurais, os significados atribuídos pelos entrevistados evidenciaram a

dimensão de uma problemática: como eles, talvez em condições bem piores, inúmeras

outras famílias pelo país afora esperam por anos e anos no “pré-assentamento”, em

condições precárias de saneamento básico, alimentação, escola, transporte, saúde e

trabalho, o término do processo de homologação para daí chegarem à etapa que é de

criação real do assentamento e terem acesso ao crédito Instalação do INCRA. Isso

acontece, por exemplo, em outros assentamentos em cidades do Norte de Minas Gerais:

Janaúba, Jaíba, Pai Pedro e Porteirinha. Em Jaíba, as famílias do assentamento Poço da

Vovó esperam há 26 anos as decisões de órgãos como INCRA, Instituto Estadual de

Florestas (IEF) e Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais

(EMATER-MG) para a regularização dos assentamentos.

Em suas ações de luta no enfrentamento a essa situação, a Associação dos

Trabalhadores Rurais do Assentamento Poço da Vovó, Associação dos Trabalhadores

Rurais de Mandassaia, Associação dos Assentados da União de Santa Cláudia, Liga dos

232 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário, INCRA, Norma de Execução nº 79 de 26 de

dezembro de 2008. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/institucionall/legislacao--/atos-internos/normas-de-execucao/file/354-norma-de-execucao-n-79-26122008?start=20>. Acesso em: 3 fev. 2012.

233 Dados extraídos de BRASIL. Projetos de Reforma Agrária - Conforme Fases de Implantação. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/reforma-agraria/questao-fundiaria/assentamentos_2001_a_2010.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2012.

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Camponeses Pobres do Norte de Minas e Bahia utilizam, entre outras práticas, a

denúncia e a conclamação da sociedade civil organizada para a mobilização contra o

que eles definem como morosidade do Estado.

Vale ressaltar o teor de um texto construído por essas forças sociais e políticas

sobre algumas das situações em que vivem as famílias teoricamente assentadas:

No Poço da Vovó, em Jaíba, até hoje dezenas de famílias não têm água. Ou os poços não funcionam ou a água é tão salobra, tem tanto calcário, que em poucos meses os canos estão entupidos pela calcificação! [...] No União Santa Cláudia, em Pai Pedro, os camponeses, que já estão assentados no papel há 5 anos, têm de buscar água em carroças a distâncias de até 20 km! Até hoje o poço artesiano não foi perfurado dentro da área do assentamento. E várias famílias que estão nos lotes ainda esperam para ser legitimadas, o que está atrasando ainda mais a liberação dos créditos e dos projetos. [...] Na Mandassaia/Tracbel, em Janaúba, a situação é ainda mais grave. Um técnico do I-CRA, em 2009 e 2010, levantou a situação de 32 famílias que estariam sob ‘processo administrativo’, procedimento que criminaliza os camponeses que não estão devidamente legalizados e regularizados, sendo constantemente ameaçados de serem expulsos de seus lotes. E em 2010, acompanhados pela Polícia Federal, técnicos do I-CRA expulsaram 3 famílias de seus lotes. Um destes companheiros expulsos tinha Contrato de Assentamento assinado ao mesmo tempo de outros assentados, havia recebido o Pronaf A e aplicado os recursos em seu lote, estava todo regular. Foi alegado que o mesmo era funcionário efetivo da prefeitura, mas essa condição ela [sic] já tinha quando fora assentado e assinou seu contrato! Absurdo dos absurdos! Punido e perseguido por ser trabalhador! Mais uma prova que esse Contrato de Assentamento não vale nada! [...] E mais: estes companheiros foram ‘queimados’ na fogueira da inquisição do INCRA para servir de exemplo e ameaçar os outros assentados de expulsão, pois outros oito camponeses foram notificados, o que é uma ameaça para todos da área. Tudo isso acontece porque o INCRA não está desapropriando mais nem os poucos latifúndios que desapropriava antes, e fica criminalizando e expulsando camponeses para enganar que faz ‘reforma agrária’. [...]

O camponês não é criminoso. É vítima!

O INCRA nunca cumpriu o que estabelece o contrato de assentamento, tudo é enrolado. E se não bastassem esses exemplos do que sofremos, ainda tem a ditadura do IEF, que cortou nossos lotes pela metade. É por isso que reina a miséria vergonhosa nos assentamentos. Que em vez de serem pontos de apoio para os camponeses destas cidades serem independentes, se transformam em áreas miseráveis, que só sobrevivem muitas vezes pelo apoio das Prefeituras. Chega, vamos nos unir, ninguém aguenta mais ter terra e não poder trabalhar! Ninguém aguenta mais ter terra e viver como

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empregado destes órgãos! Ninguém aguenta mais esse cativeiro!234 [grifo meu]

Entrecruzando essa fonte com a literatura sobre diagnóstico e análise das

condições em que se encontram os assentamentos no Brasil, no sentido do que é

apontado nesse Boletim Informativo das Associações dos Assentados do Norte de

Minas, e em certa medida pelos entrevistados desta tese, de grande relevância é o

Relatório Final do Programa de Apoio Científico e Tecnológico aos Assentamentos de

Reforma Agrária (PACTo MG/TM) de junho de 2005. A análise do respectivo Relatório

oferece subsídios para interpretação das questões urgentes da realidade vivida pelos

assentados no Triângulo Mineiro. Essa interpretação, somada às análises do teor da

denúncia das Associações dos Assentados do Norte de Minas Gerais, dá a entender que

muito do que foi dito no Relatório do PACTo-MG sobre as áreas pesquisadas faz parte

do cotidiano dos assentados do PA Emiliano Zapata e PA 21 de Abril, indicando um

processo institucional e de forças políticas vicioso.

É importante esclarecer que as áreas pesquisadas pelo PACTo-MG

estabeleceram-se anteriormente aos assentamentos Emiliano Zapata e 21 de Abril. Neste

trecho do Relatório Final do PACTo-MG é possível notar a semelhança entre as

situações vividas pelos trabalhadores dos assentamentos:

Embora a organização sociopolítica dos assentados apresente um refluxo em relação ao nível de participação da época do acampamento, o que tem se constituído em desafio para as lideranças e para as entidades que trabalham com propostas coletivas nos assentamentos, nota-se uma elevação da representatividade dos trabalhadores rurais assentados quando comparada à situação de outros trabalhadores não assentados. A comunidade, em geral através das associações, consegue um canal mais efetivo de comunicação com os órgãos públicos, apesar de não satisfatória na avaliação dos 31 assentados, bem como a indicação de representantes em conselhos e entidades de classe. Contudo, através do Diagrama de Venn, foi possível perceber uma grande insatisfação com os órgãos públicos, entidades e O-G’s encarregados de implementar políticas públicas nos assentamentos, com destaque para o I-CRA, possivelmente devido à cota elevada de responsabilidade que este órgão tem na implementação da infra-estrutura dos assentamentos. As Prefeituras de Araguari e Uberlândia também são criticadas, sobretudo no apoio à produção com o fornecimento de maquinário agrícola e manutenção de estradas, mata-burros e pontes. Outros órgãos que têm alguma inserção nos

234 Boletim Informativo, precisão de data desconhecida. Porém, nos dá informação de ser no ano de 2011,

já que a denúncia se refere aos governos de Sarney, Collor, FHC, Lula e agora Dilma. Disponível em: <http://www.ligaoperaria.org.br/1/wp-content/uploads/2011/02/boletim_lcp_nm-revisado3.pdf>. Acesso em: 30 out. 2011.

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assentamentos foram lembrados, tais como: EMATER, IEF, IBAMA, EMBRAPA. Com algumas variações de um assentamento para outro, a avaliação não foi positiva, seja pela completa ausência, ou por uma atuação insuficiente para atender as demandas advindas dos assentamentos. -o caso do IEF, foi citado que o trabalho se restringe à fiscalização sem prestar assistência no que se refere à educação ambiental para as famílias assentadas. Na ocasião foi manifestada uma alta expectativa em relação a este Programa, possivelmente motivada pela carência de políticas públicas aplicadas diretamente nos assentamentos, como pela a ausência, no meio, de agentes encarregados de implementá-las.235 [grifo meu]

Ainda que existam assentamentos rurais em que as condições de vida de seus

moradores melhoraram, por meio da implementação das políticas públicas de

provimento de recursos financeiros, como em alguns do sul do país, é preciso se atentar

para regiões onde a situação é complexa, envolvendo forças e interesses outros, como o

Triângulo Mineiro. Para o assentado Vítor Caetano da Mota, no PA Emiliano Zapata,

falta “[...] estrada. Tem ponte pra fazer, mata burro, é [...] fazer melhoração de pastagem

[...]. Pode ser tudo através da prefeitura”,236 questões que demandam solução urgente

para o assentado de reforma agrária nessa região. Isto será mais aprofundado nos

capítulos 3 e 4.

Segundo os trabalhadores do PA Emiliano Zapata – MST, em 19 de maio de

2005 eles receberam R$ 2.400,00 por família, correspondente à modalidade Apoio

Inicial, e até o final de 2005 acessaram a modalidade Fomento, no valor de R$ 2.400,00,

mas somente a partir de 24 de setembro de 2007 foram contemplados com a modalidade

Material de Construção, no valor de R$ 5.000,00, dentro do Crédito Instalação:237 “[...]

Na verdade nós fizemos essas casas com R$ 5.000,00, quem deu [conta de fazer com]

os R$ 5.000,00 fez que nem eu fiz essa daqui, levantou ela, fez o contra piso, faltando

rebocar”.238

235 MCT-CNPQ; MDA-INCRA; MEC-UFU. Programa de Apoio Científico e Tecnológico aos

Assentamentos de Reforma Agrária – PACTo – MG – Triângulo Mineiro – Relatório Final. Uberlândia, jun. 2005. P. 30-31.

236 Vítor Caetano da Mota, 32 anos de idade, natural de Monjolinho de Minas – MG, casado, pai de duas filhas, assentado no Emiliano Zapata, filho de José Firmo da Mota e irmão de Maria Eleusa Mota, foi assentado por extensão de seus pais e irmãs que acamparam. Entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011.

237 Apenas um trabalhador ainda não havia recebido essa modalidade por conta do fato complexo mencionado envolvendo a assentada idosa que não pôde ser assentada.

238 Francisco Jubiano de Freitas. Entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011, no PA onde reside.

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Atualmente esse crédito engloba sete modalidades, mas já contou com apenas

as três apontadas pelos entrevistados.

De acordo com dados do INCRA sobre projetos e programas, em 2005 as

modalidades do crédito Instalação passaram daquelas três para cinco. Em dezembro de

2008 foram criadas as modalidades: Apoio Mulher, visando à promoção e à participação

da mulher na vida produtiva do assentamento, e a modalidade Adicional Fomento, para

a consolidação da segurança alimentar dos trabalhadores e fortalecimento do processo

de geração de excedente produtivo. Em 2009, criou-se a modalidade crédito Ambiental:

que “[...] é destinada a financiar, durante dois anos, a implantação e o desenvolvimento

de sistemas agroflorestais, para a recuperação de área de reserva legal (ARL), nos

assentamentos selecionados pelas Superintendências Regionais”.239

Em dezembro de 2011 as modalidades do Crédito Instalação e seus valores

correspondiam: “Apoio inicial: R$ 3,2 mil por família; Apoio Mulher: R$ 2,4 mil por

família; Aquisição de Materiais de Construção: R$ 15 mil por família; Fomento: R$ 3,2

mil por família; Adicional do Fomento: R$ 3,2 mil por família; Semiárido: até R$ 2 mil

por família; Recuperação/Materiais de Construção: até R$ 8 mil por família;

Reabilitação de Crédito de Produção: até R$ 6 mil por família; Crédito Ambiental: R$

2,4 mil por família”.240

Observa-se que os entrevistados do PA Emiliano Zapata receberam as

modalidades do Crédito Instalação do INCRA, pois fazem referência aos valores do

Apoio inicial, Fomento e Material de Construção. Entretanto, para explicar o processo

para homologação das famílias e da liberação do crédito Fomento, que ocorreu em

2005, Maria Eleusa Mota não deixa de ressaltar uma das ações que pressionou tais

permissões:

[...] e assim que a gente foi legitimado aqui, final de 2004, início de 2005 [foi que puderam começar a reivindicar o Crédito Instalação], isso porque a gente fez muita pressão. Eu, pra você ter uma ideia, a gente já estava aqui na área, e aí teve que fazer Legitimação, que o

239 As citações e créditos desse parágrafo foram extraídos da fonte: BRASIL. Crédito Instalação.

Ministério do Desenvolvimento Agrário, I�CRA, 12 dez. 2011. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/reforma-agraria-2/projetos-e-programas-do-incra/credito-instalacao>. Acesso em: 30 jan. 2012.

240 As citações e créditos desse parágrafo foram extraídos da fonte: BRASIL. CRÉDITO INSTALAÇÃO. Ministério do Desenvolvimento Agrário, I�CRA, 12 de dezembro de 2011. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/reforma-agraria-2/projetos-e-programas-do-incra/credito-instalacao>. Acesso em: 30 jan. 2012.

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INCRA pediu, o INCRA aqui de Minas falou: não tem jeito de fazer [a homologação], porque a gente está, é, como é que fala, não era mais manual, né, [...] o processo era digitalizado lá, na rede! E isso ainda não tinha sido liberado, não estava pronto, então falou que tinha que esperar. Achamos isso um absurdo! Porque marcaram [cadastro das famílias Sem Terra do Emiliano Zapata] isso em 1999 [quando estavam acampadas], e na hora que sai a terra não podia legitimar nós, porque tinha que esperar o negócio do computador lá ficar pronto. E o povo não entendeu isso! Ficaram intrigados. Eu pedi pro deputado Gilmar Machado marcar uma reunião com o ministro de Reforma Agrária em Brasília. Aí eu fui. Quando eu cheguei lá, aí, o Ministro falou assim: “Ué, mas você veio de tão longe, que que você veio fazer aqui?” Eu vim aqui porque o INCRA de Minas Gerais não quer fazer nossa Legitimação, porque está esperando um negócio de computador ficar pronto e não quer fazer ele manual. “Mas não existe isso não, se não está pronto o outro, faz do outro jeito!”. Aí eu falei: “Bom, isso nós cansamos de falar, de pedir, de implorar, lá, e eles não quiseram”. Ele disse: “Dá licença um pouquinho”. Aí ele retirou-se da sala, passou um pouco ele voltou e ele falou assim: “Na hora que você chegar lá em Uberlândia, o pessoal do INCRA já vai estar lá fazendo a Legitimação do seu assentamento” [...] E assim foi, eles vieram e fizeram.241

Essa fala, alargando a problemática no campo da correlação de forças, ajuda a

compreender que as ações promovidas pelo INCRA e MDA para assentar o trabalhador

podem não chegar para todos da mesma forma e ao mesmo tempo. Diante das pressões

dos grupos dominantes no meio rural contra a reforma agrária, fatores como

organização, habilidade, esperteza, mobilização e articulação social por parte dos

trabalhadores são decisivos em muitos casos. Essas formas de agir vão sendo adquiridas

no fazer-se da luta, na prática, na lida com autoridades e poderes públicos, pela

consciência que se vai adquirindo no dia a dia da luta sobre como funciona a relação

entre os diferentes interesses de classes e olhares políticos sobre os objetivos dos

trabalhadores do MST e outros Movimentos. Principalmente na articulação desses

trabalhadores frente aos partidos políticos e seus filiados que prometem apoio à reforma

agrária e aos assentados. Assim é possível compreender a referência de Maria Eleusa ao

deputado federal Gilmar Machado do PT.

De acordo com as narrativas dos trabalhadores, o crédito inicial é fundamental

para muitos, pois ele viabiliza o acesso aos alimentos sem a preocupação de como obtê-

los. É preciso lembrar, entretanto, que cada trabalhador vai para a área do assentamento

em condições de pecúlio diferentes e precisa administrar os créditos dentro de

241 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2011.

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normatizações. Teresinha Gomes Nunes ressaltou a importância desse primeiro

financiamento e revelou outros aspectos importantes para nossa compreensão:

Teresinha: [...] Eles [funcionários do INCRA] orientam, eles falam, quando você libera o dinheiro [do crédito apoio inicial e fomento] eles falam: “Isso aqui é pra comprar comida”. Se você for pegar uma lista, for no supermercado comprar comida, e for em outro lugar, e não comprar aquilo que está na tabela, não comprar aquilo que você tem de comprar, o INCRA não paga.

Leandra: Tem uma tabela?

Teresinha: Tem a tabela das compras, né, com o total lá de trem que tem que comprar, tem o que é que tem de comprar. Então, eles fazem, [...] você faz [compra com] aquela lista, e ali está tudo colocado. Se for gado, no caso, na época era comida, você tinha de ter uma porcentagem. [...] Eu não lembro mais quanto que foi que era pra comida, e a outra parte você podia comprar vaca, tinha uma parte que você podia comprar galinha, você podia comprar essas coisas, mas tudo assim, tudo tabelado, tudo tinha o seu, a porcentagem [...]. É, na época até era de [animal de] pequeno porte, mas depois falou que podia ser porte grande.242

É possível perceber que, sobre os trabalhadores assentados, incide o controle

social do Estado representando os interesses e prioridades de diferentes governos. E a

fiscalização dos créditos rurais liberados, que funciona também como regulador, impõe

ritmos e modos de viver, cultivar e trabalhar a terra, por exemplo, no como e com o que

se alimentar, como começar a gerir a vida rural, indo muitas vezes na contramão daquilo

a que estão habituados, ou mesmo batendo de frente com os anseios para a nova vida. E

o importante aqui, para além de perceber esse controle, é entender como os assentados

lidam com isso: são desafios a serem superados se quiserem continuar como assentados.

Retomando a análise de Maria Eleusa Mota, mencionada no último trecho

transcrito de sua narrativa, é possível desvendar e entender quão complexas são as

relações de poder envolvidas na questão agrária no país. Entrecruzar esse momento da

narrativa de Maria Eleusa com a de outros assentados na referência à morosidade do

INCRA e às formas de enfrentamento a isso possibilita depreender melhor o que ela

quer dizer no seguinte trecho da transcrição de sua entrevista:

Leandra: [...] isso tem a ver com o poder de negociação, Eleusa? Olha, nem todos conseguem isso, acesso ao ministro.

Maria Eleusa: Então, quer dizer, isso é que eu falo, que mesmo nós aqui, o tanto de militante que trabalhava na coordenação e sabe o

242 Teresinha Gomes Nunes, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011.

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tanto que esses trâmites são burocráticos, e tem como tentar agilizar um pouco, ainda demora assim, agora você imagina aonde que tem gente que não tem tanto esclarecimento de onde buscar essas ajudas e essas interferências, como que fica? Porque esses homens no governo, se não tem burocracia, eles inventam ela pra se esquivar de fazer. Você já pensou, né, dizer que não ia fazer a Legitimação [das famílias] porque lá não estava liberado ainda, sendo que tinha a outra opção, eles poderiam muito bem fazer. [...] Precisou do chefe maior, lá, dar ordem, então, a gente sabe disso! Aí, brigando, pressionando conseguiu que o I-CRA fizesse o depósito do [crédito] habitacional. [...] É, eu não sei se foi final de 2004 ou 2005 que fez esse depósito.

Leandra: E qual é o valor do crédito habitacional?

Maria Eleusa: Na época [...] era R$ 5.000,00 só.243

Observam-se as semelhanças, mas, sobretudo, ressaltam-se as discrepâncias

entre os trabalhadores Sem Terra na região:

João Pedro: [...] viemos pra dentro da fazenda [Santo Antonio e Marimbondo], houve a negociação, o governo federal pagou e já tem cinco anos e nós temos, algumas pessoas não conhecem [e] vê a reforma agrária de forma ilegal, outras pessoas [veem] de forma tão ilegal, porque ela é muito lenta. Então, eu [...] vamos falar mais em política, que é a grande realidade, mas hoje nós temos quatro anos que estamos que (inaudível) nós tivemos só um apoio do governo federal de R$ 2.400,00, chama crédito inicial. Esse crédito é pra gente comprar alimento, ferramenta [...] a gente compra ferramenta, a gente pode comprar pequeno animal, se quiser pode comprar alimentação, isso é pra terra ser cortada, como se diz, eles num fala cortada, eles falam demarcada [...]. Foi muito pouco tempo a demora, sabe, foi muito rápido em relação ao restante do tempo [que estão esperando para receber o crédito Materiais de Construção] [...].

Leandra: Criou uma esperança aí?

João Pedro: Criou uma esperança que a gente já compramos alimentos, meu caso mesmo eu e a esposa e dois filhos eu comprei alimentação pra um ano a em tempo de perder na esperança de que em breve a outra parcela de apoio ia sair e o lote ia ser parcelado a fazenda [...] cada um ia pro seu e a gente já tinha uma estrutura pra comer, vamos supor, pra seis meses até produzir mais. Então, eu pensei dessa maneira, agora eu vou comprando alimentação, que pelo valor eu fiz o cálculo mais ou menos e pelo valor da licitação que a empresa ganhou foi a cooperativa aqui em Veríssimo [...] pelo valor que ela ganhou a gente baseou em cima eu comprei [alimentos] exato o número, né?244

João Pedro, ao olhar a experiência do passado a partir do que está vivendo no

presente, interpreta que o tempo para a liberação do Crédito Instalação modalidades

243 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2011. 244 João Pedro, entrevista concedida à autora em 2010.

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Apoio e Fomento para o PA 21 de Abril foi rápido, já a modalidade para construírem as

casas ainda não foi liberada para as famílias, que a esperam desde 2005. Sobre essas

inferências dos trabalhadores, importa observar como as ações articuladas pelos Sem

Terra na região do Triângulo Mineiro vão se somando e talvez beneficiando uns aos

outros. Em outras palavras, se desperta para o fato de que a ação de Maria Eleusa Mota

junto ao MDA na cobrança para a finalização da etapa da “Legitimação” das famílias do

Emiliano Zapata e consequente liberação de todas as modalidades do Crédito Instalação,

almejando inclusive o acesso às linhas de crédito do PRONAF, talvez não tenha

beneficiado somente os assentados do Emiliano Zapata – MST naquele período e

conjuntura. Ou seja, a pressão exercida pela representante do MST naquele momento

sugere agilização também para outros assentados de outros movimentos de luta pela

reforma agrária, que estão no enfretamento e na disputa.

Para os trabalhadores do PA 21 de Abril – MLST que entraram para a condição

de “pré-assentados” no ano 2005, o processo de Legitimação/Homologação das famílias

não foi igual ao dos assentados do Emiliano Zapata – MST, que foi considerado lento

pelos entrevistados. Talvez a ação de Maria Eleusa junto ao MDA tenha influenciado

nesse processo, o que beneficiou os assentados do PA 21 de Abril com maior agilidade,

já que esse período – segunda metade dos anos 2000, sob governo do ex-presidente da

República Luis Inácio Lula da Silva – foi o de maior número de áreas desapropriadas na

região. Porém o acesso às outras modalidades do Crédito Instalação após a de Fomento

por parte dos assentados do PA 21 de Abril – MLST indica diferente processo em

relação aos assentados do Emiliano Zapata – MST. Nesse sentido, continuando suas

ponderações, João Pedro diz:

Então comprei alimentação pra um ano [...] aí dá pra gente colher mais e trabalhar, vai sair mais benefícios [...] a gente vai trabalhar tranquilo [...] sem preocupação com mais nada nesse andamento. Aí atrasou tudo [...] que hoje nós temos aí quatro anos, tem quatro anos que nós pegamos esse benefício [Apoio inicial e Fomento] e hoje pra organização [...] do país, [pra] falar aqui do INCRA, a gente não pode sair pra trabalhar, a gente não pode abandonar o lote de forma alguma, a gente não pode trabalhar de carteira assinada, a gente num pode alugar os pastos, quer dizer, num entra nem um tipo de apoio pra gente estar produzindo. Se não entra um dinheiro pra mim fazer uma cerca, como vou plantar?245

245 João Pedro, entrevista concedida à autora em novembro de 2010.

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Os desafios seguintes à conquista do crédito Fomento apontados por João

Pedro significam a reivindicação pelos trabalhadores do direito de saírem da lona preta

e de condições precárias de saneamento, no sentido de se fixarem efetivamente no

campo com o mínimo de dignidade. O maior sonho de muitos Sem Terra, ou seja, a

construção da casa após irem para o assentamento, não se concretiza rápida e

facilmente. Em relação a esse e outros aspectos, a luta continua:

[...] porque aí eles inventam tudo quanto é burocracia [para liberar o crédito habitação]. Primeiro porque precisa do parcelamento [dos lotes] pra saber onde iam ser as casas, [num] ia fazer casa em qualquer lugar, né, [...], contratou empresa, e tal, e aí até que faz esse parcelamento! [...] Porque primeiro faz um parcelamento é no papel, faz todas as demandas, anota tudo [...] depois faz outra licitação. Primeiro faz a licitação pra fazer esse teórico, né, e depois outra licitação pros técnicos virem fazer o parcelamento, [...] então, isso leva tempos, foi só depois disso, nós já tinha pegado o [crédito] Fomento, que fez a prestação de contas. Depois que fez o parcelamento [dos lotes], que aí depois que a gente, com muito custo que a gente conseguiu que eles viessem cá marcar os pontos da casa [...] o INCRA já tem os projetos lá, das casas. O dinheiro que vem, a gente sabe que não dá pra fazer [nem] a menor [...].

Leandra: R$ 5.000,00 de início?

Maria Eleusa: R$ 5.000,00. Até os outros que veio de R$ 7.500,00 também não dava. Ó, você está vendo aqui, minha casa está no concreto, está no tijolo, né, coberta, só que aqui eu complementei muito dinheiro, eu tive que pagar pra fazer a mão de obra [...]. Todos [assentados] teve que complementar, R$ 5.000,00 de material não dava, não daria nunca! E aí, de mão de obra, alguns sabe fazer, outros tinham que pagar mão de obra e complementar materiais, R$ 5.000,00 quase são os tijolos só, muito pouco! Alguns assentamentos mais antigos conseguiram o crédito de complementação [...] é um tempo também que a pessoa já está, e tem esses créditos na complementação, né? Acabei de visitar o assentamento de Olhos D’água em Sacramento e eles terminaram as casas [...] crédito de complementação.246

A labuta se faz em diferentes direções, desde o que era imaginado ao que é

possível erguer, já que a planta da casa também é ditada pelo planejamento do INCRA,

o qual elabora todo o orçamento e faz a mediação da compra do material de construção.

O objetivo do governo e de seus órgãos responsáveis ou que tratam de assuntos da

reforma agrária é de fomento, portanto, assim como o próprio nome indica, de auxiliar,

de ajudar os trabalhadores a iniciarem a nova vida e sua produção econômica, não se

tratando de abarcar todos os recursos necessários, por exemplo, para se construir uma

casa. Isso, porém, não justifica recursos tão parcos para a realidade dos assentados e de

246 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2011.

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qualquer outra família brasileira. Tais valores de créditos financeiros e de suas

condições de pagamentos se enquadram à lógica do mercado, portanto, do sistema

financeiro, no campo das disputas e dos interesses políticos e econômicos no que se

refere às prioridades e aos investimentos dos governos de Estado nas questões sociais.

Nesse sentido, o território almejado pelos entrevistados e seus pares, ou seja, o

assentamento, é o “ponto de chegada” no processo de luta pela terra. Contudo, é o

“ponto de partida” para sua efetivação e para a viabilização de um território em disputa

(LEITE, [199-?]). Dessa maneira, sinaliza para o assentado rural a necessidade de novos

enfrentamentos e resistência, assim como Maria Eleusa indica em sua análise,

evidenciando como ela entende e está atenta para as reinvenções da luta pela reforma

agrária no atual momento.

De acordo com o que narraram João Pedro e Maria Eleusa, a modalidade

Aquisição de Material de Construção/Habitação é liberada para uns, enquanto outros

esperam sua vez, podendo acontecer de receberem valores diferentes: “[...] outros já

receberam R$ 7.500,00. Parece que o depósito deles tinha sido depois do nosso e a lei

permitia que eles recebessem o complemento do crédito”.247 As questões a que Maria

Eleusa Mota e os outros se referiram sobre os valores diferentes das linhas e

modalidades de créditos dos programas de governo – INCRA explicam-se pelo que já

foi tratado nas páginas anteriores sobre as alterações que tais programas de Crédito e

financiamento de governo sofrem em decorrência das pressões dos trabalhadores em

luta.

Os valores e maneiras como o assentado tem acesso aos créditos rurais

indicados pelos depoentes dos PAs Emiliano Zapata e 21 de Abril permitem

compreender as diferenças entre os assentamentos rurais existentes pelo país: em alguns

deles veem-se casas só no tijolo, outras nem construídas, outras com melhores materiais

de construção e acabamentos, que interferem no bem viver dessas pessoas. A relação é

bastante complexa sob a perspectiva de região e lutas, com cifras que não deveriam ser,

mas se tornam discrepantes diante da necessidade e da realidade dos trabalhadores de

regiões administrativas diferenciadas. Isso significa erguer o básico de uma casa para

uma família morar com R$ 5.000,00, isto é, com esse dinheiro comprar material de

247 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2011.

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construção, por exemplo, na região Sudeste do Brasil, valor que será o mesmo para o

mercado da construção civil de outras regiões e estados.

Francisco Jubiano de Freitas esclarece outros aspectos dessa conjuntura:

Francisco Jubiano: [...] e daí que nós chegou aqui, eu num lembro da data em si, foi em 2004, quando nós veio nós já tinha o dinheiro pra fazer as casas, já estava depositado.

Leandra: E esse dinheiro estava na conta de quem?

Francisco Jubiano: da Associação [...] porque quando nós mudou pra cá já inicia a Associação, só que o dinheiro que a gente fala que está na conta é o mesmo que [não] estar na conta, porque quando o Governo, que ele fecha os projetos dele no outro ano, então, esse dinheiro, o orçamento dele é fechado esse ano, então. Todo o ano esse dinheiro está lá, num é que o dinheiro fica depositado, é que já foi feito no orçamento desse ano. Então, todo ano esse dinheiro ele vem, ele volta dia 24 dezembro, ele volta pro tesouro, aí quando chegou no outro ano é feito novo orçamento de novo pro próximo, aí esse dinheiro volta de novo pros cofres pra estar disponível pra ser [...], então, na verdade ele vai e volta, só que aí fica no nome da Associação, mas a Associação em si ela não tira dinheiro, porque depende da assinatura do INCRA, do representante do INCRA pra liberar esses projetos.

Leandra: Projeto do PDA [Plano de Desenvolvimento do Assentamento]?

Francisco Jubiano: É, justamente. Só que aí precisa disso, só que aí o projeto da casa também depende do INCRA e o que foi depositado foi o dinheiro das casas que já tinha naquele tempo, foi R$ 5.000,00. Aí nós tentou acessar, só que o INCRA, faltando só assinatura dele, foi enrolando. Nós foi lá duas vezes, ficamos lá parece que oito dias lá no INCRA pra eles assinar. Só sei que, quando eles vieram para assinar, [...] pra liberar os projetos, os pontos da casa ficou dois anos marcados.248

Com relação à aproximação e semelhanças ou não entre as narrativas de

Francisco Jubiano de Freitas e João Pedro, é relevante perceber como elas são

articuladas:

Demorou um pouco esse crédito [Modalidade Material de Construção]. Ele entrou no valor de R$ 7.000,00 por família, aí nisso estava no meado da gestão do presidente Lula, era razoável, dava até pra fazer uma casinha aí, como a coisa vem desandando [não receberam essa modalidade do Crédito Instalação]. Aí subiu pra dez mil. Oh, melhorou! Desse dez mil subiu pra 15 mil e até hoje num saiu a casa [...] o Governo só depositando, você vê que está abaixo do valor da realidade, ele vai cobrindo, aí eu num sei se é burocracia, se

248 Francisco Jubiano de Freitas, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011.

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uma forma de politicagem, num sei o que acontece, eu sei que ele [o crédito] nunca chegou até a gente [...].249

Fica claro pelas falas dos trabalhadores que a liberação efetiva do dinheiro do

Crédito Instalação modalidade Aquisição de Material de Construção/Habitação exige

deles paciência e perseverança.

O que indicaram e a forma como o fizeram Francisco Jubiano de Freitas e João

Pedro sobre os valores monetários, que nunca chegou até a gente, dá a entender que se

trata de dotação orçamentária do INCRA no que se refere ao processo de assentamento

rural e créditos destinados aos assentados no país por ano. E, envolvida nos aspectos

que se apontou sobre a burocratização da efetivação do assentamento e fixação do

homem no campo, a liberação dos respectivos créditos esbarrava em setores

administrativos e não contemplava os assentados, o que os leva a caracterizar esse

processo como emperrado, lento. Essa situação, na época das entrevistas, impactava a

vida dos trabalhadores do PA 21 de Abril, em condição mais complicada que a dos

assentados do PA Emiliano Zapata. João Pedro, por exemplo, estava residindo com a

esposa e dois filhos (uma criança e um adolescente) sob uma construção de placas de

cimento realizada com seu pecúlio, prorrogando o sonho de ter uma casa de tijolo, com

completa infraestrutura e dignidade.

Em pior situação do que a de João Pedro, outros trabalhadores do PA 21 de

Abril esperavam, até o ano de 2010, debaixo da lona, ou mesmo em cômodos bem

menores que conseguiam erguer.

Vale ressaltar o que Juarez Moura dos Santos e Flaviana Dias, do PA Emiliano

Zapata, ponderaram sobre valores e a liberação do Crédito Instalação. Segundo o casal,

o dinheiro do Crédito Instalação modalidade Material de Construção foi depositado em

uma conta corrente aberta no Banco do Brasil em nome de três assentados do Emiliano

Zapata. Era uma conta corrente bloqueada, portanto sem acesso a movimentação por

parte dos trabalhadores, que possuíam apenas um cartão para consulta do extrato

bancário, possibilitando comprovar que o dinheiro do crédito estava efetivamente

depositado e que não se tratava mais somente de dotação orçamentária.

João Pedro, na sua narrativa, interpreta as experiências vividas, trazendo a sua

versão e os significados sobre como estão vivendo esse tempo de espera pelo acesso aos 249 João Pedro, entrevista concedida à autora em 2010.

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direitos adquiridos e aos créditos para construir a casa e começar a produção econômica

do lote:

Leandra: [...] E o crédito pra vocês construírem as casas, [porque não chega]?

João Pedro: Tem uma burocracia do IEF [Instituto Estadual de Florestas] e dos órgãos ambientais, tem a Superintendência da região, aqui é em Uberlândia, então, tem as burocracias. Eu até concordo também que tem as nascentes, não podem ser violadas, se não acaba a natureza, o mato [...] só que, eu acho, só pode ter uma liga muito grande com o governo com órgão ambiental está sendo orientado para segurar a coisa ou o órgão ambiental é um órgão que também não trabalha, igual o INCRA não trabalha. Isso num é uma denúncia nem nada, isso é uma forma de desabafo, porque num justifica um órgão estar com o mapa, mapeadinho, satélite, toda a orientação feita pela terra também que não foi feito por mapa, uns mapas assim com GPS e tudo, então, com tecnologia, levar quatro anos pra fazer um levantamento de um assentamento? Que seja de um, de uma reserva e num chegar a nenhuma conclusão com isso! Está fazendo cinco anos já que o IEF e os órgãos trabalham com esses mapas e dizem que era 180 dias, que era meio ano, nesse meio ano tem quatro anos e fazem cinco [...]. Existe uma questão burocrática de que, enquanto o órgão ambiental não libera, não faz um levantamento de toda a área verde e as APPs, então, não libera pra fazer o corte [dos lotes, o parcelamento dos lotes] [...] Aí, devido a não fazer o corte da área, como vai fazer uma casa? Sendo que não tem cobertura, como num pode fazer área se não tem cobertura, então, num pode morar, se não tem cobertura, então, pra fazer a cobertura aqui a casa tem que ter a liberação do [IEF].250

Nesse trecho a narrativa de João Pedro aponta para outros assuntos. Foi difícil

a compreensão auditiva para a transcrição de possíveis siglas de órgãos governamentais

e ambientais destacadas por ele, mas é presumível que entre as referências esteja o

Instituto Estadual Florestal (IEF). Procurando interpretar os significados do que João

Pedro disse, fica claro que ele considerou demorado o processo de demarcação dos lotes

do PA 21 de Abril, relacionando isso à insuficiente atuação dos órgãos do meio

ambiente que licenciam empreendimentos agropecuários para funcionamento

cumprindo leis que cuidam da Reserva Legal (RL) e Áreas de Preservação Permanente

(APP). Ao coligir as narrativas dos assentados, ampliaram-se as versões e elementos

para a compreensão desse processo.

Ricardo dos S. Balbino lembrou os procedimentos para a demarcação dos lotes

afirmando o seguinte:

250 João Pedro. Entrevista concedida à autora em 2010.

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[...] [para demarcação dos lotes] não exige licenciamento [ambiental], né, mas o funcionamento dos lotes exige, entendeu? Pela demarcação dos lotes até vem [o Crédito Instalação] que na verdade a programação nossa, se a lei ambiental não tivesse sido alterada, a programação nossa era fazer as casas sem a demarcação dos lotes, só que a questão do licenciamento veio atrapalhar, então, daí deu tempo da demarcação vim e depois conseguiu o licenciamento [para o funcionamento do assentamento] [...].251

A demarcação dos lotes iniciou-se em agosto e terminou em novembro de

2010.252 Sobre os serviços topográficos e procedimentos para demarcação dos lotes,

João Pedro não detalhou, ou não o quis fazer. O que pode indicar como assuntos da

Agenda ambiental local, estadual e nacional têm incidido sobre a vida dos trabalhadores

assentados, como eles dominam ou não o tema; como esses trabalhadores têm se

posicionado diante das questões urgentes e que lhes dizem respeito. A fala de João

Pedro aponta que questões em torno das APPs (Áreas de Preservação Permanente)

estavam servindo para, no tempo da entrevista (novembro de 2010), o INCRA justificar

a demora na efetivação do assentamento (demarcar os lotes). É possível conhecer o que

João Pedro deseja falar, para ele a questão se resume à “burocracia” dos órgãos do

Estado, contudo é preciso ir além e buscar a tramitação desse processo.

Nesse caso, pesquisas revelaram que o Instituto Estadual Florestal (IEF) exige

o Estudo e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para a liberação de

funcionamento de empreendimentos ou atividades de diferente natureza com potencial

de impacto ambiental, de acordo com a Resolução nº 001, de 23 de janeiro de 1986 do

Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) – IBAMA. Essa Resolução

estabelece a elaboração do EIA/RIMA e as diretrizes técnicas para sua execução: o

artigo 7º reza que o estudo deverá ser feito por uma equipe multidisciplinar habilitada

responsável pelos resultados técnicos e não dependente direta ou indiretamente do

251 Ricardo dos Santos Balbino. Entrevista concedida à autora em março de 2012 no PA 21 de Abril onde

reside. 252 Data do empreendimento de acordo com a placa de informação da obra governamental na entrada do

PA 21 de Abril que informava ainda que a respectiva obra teve o custo de R$ 79.900,00 e a empresa contratada para os serviços topográficos foi “Latitude Consultoria, Georreferenciamento e Planejamento Ambiental Ltda”. A entrevista de João Pedro foi realizada em novembro de 2010. Segundo análises de entrevistas posteriores com outros assentados, a demarcação dos lotes foi cumprida até o final de 2010.

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proponente do projeto, e o artigo 8º, que todas as despesas e custos referentes à

realização do estudo de impacto ambiental serão pagos pelo proponente do projeto.253

Essas informações e a situação narrada pelos assentados no que se refere à

liberação ambiental do empreendimento PA 21 de Abril exigiram uma pesquisa junto ao

Escritório Regional Triângulo do IEF com sede em Uberlândia. Em resposta a Chefia

desse Escritório explicou que o licenciamento ambiental no estado de Minas Gerais é de

competência da Superintendência Regional de Regularização Ambiental SUPRAM –

Superintendência Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do

Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. Ao procurar essa Superintendência, a informação

obtida sobre a AIA (Avaliação de Impacto Ambiental) do PA 21 de Abril foi que esse

empreendimento não é passível de Estudo de Impacto Ambiental face ao seu porte e

potencial poluidor estabelecido na Deliberação Normativa do COPAM 74/2004.254 Essa

Norma delibera que, para a regularização ambiental, há uma classificação dos

empreendimentos, ou seja:

Classe 1 – pequeno porte e pequeno ou médio potencial poluidor;

Classe 2 – médio porte e pequeno potencial poluidor;

Classe 3 – pequeno porte e grande potencial poluidor ou médio porte e médio potencial poluidor;

Classe 4 – grande porte e pequeno potencial poluidor;

Classe 5 – grande porte e médio potencial poluidor ou médio porte e grande potencial poluidor;

Classe 6 – grande porte e grande potencial poluidor.255

253 Essas informações foram consultadas e estão disponíveis em: AVALIAÇÃO DO impacto ambiental.

Portal Educação, artigos de biologia, 3 Abr. 2008. Disponível em: <http://www.portaleducacao.com.br/biologia/artigos/4639/avaliacao-de-impacto-ambiental>. Acesso em: 30 nov 2011; e RESOLUÇÃO CONAMA Nº 001, de 23 de janeiro de 1986. Portal do MMA. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res0186.html>. Acesso em: 30 nov. 2011.

254 “A Deliberação Normativa COPAM nº 74, de 9 de setembro de 2004. (Publicação – Diário do Executivo – ‘Minas Gerais’ – 02/10/2004) estabelece critérios para classificação, segundo o porte e potencial poluidor, de empreendimentos e atividades modificadoras do meio ambiente passíveis de autorização ambiental de funcionamento ou de licenciamento ambiental no nível estadual, determina normas para indenização dos custos de análise de pedidos de autorização ambiental e de licenciamento ambiental, e dá outras providências”. DELIBERAÇÃO NORMATIVA COPAM nº 130, de 14 de Janeiro de 2009. SEMAD - Secretaria de Estado de Meio Ambiente e desenvolvimento sustentável, 9 Set. 2004. Disponível em: <http://www.siam.mg.gov.br/sla/download.pdf?idNorma=9051#_ftn1>. Acesso em: 4 maio 2012.

255 Essa classificação foi extraída de: REGULARIZAÇÃO ambiental. Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.meioambiente.mg.gov.br/regularizacao-ambiental>. Acesso em: 15 jan. 2012.

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Segundo informações obtidas junto ao SUPRAM Regional através de acesso a

cópia do Processo Administrativo do PA 21 de Abril, o empreendimento foi classificado

na classe 1, portanto o tipo de regularização é Autorização Ambiental de

Funcionamento (AAF), processo técnico sob o número 05549/2009. O PA não é

passível de licenciamento ambiental, mas é passível da obtenção da AAF (Autorização

Ambiental de Funcionamento) conforme a Deliberação Normativa COPAM nº130, de

14 de janeiro de 2009.256

Com relação às características do PA 21 de Abril e sua capacidade de

assentamento, Ricardo dos S. Balbino ponderou:

Essa fazenda aqui, ela teve um problema muito [...] que divergiu o número de família. Por exemplo, a Portaria de negociação da fazenda na época fechou em 110 famílias, só que isso divergiu muito, porque com o passar do tempo foi vendo que não teria condições é de sobrevivência para essas 110 famílias ser assentadas aqui dentro. Então veio um trabalho de técnico do INCRA que apontou 80 famílias, entendeu? Depois teve um trabalho, foi a RVA, Relatório de Viabilidade Ambiental.257

Nesse momento da entrevista de Ricardo, atentando-me às interpretações de

João Pedro, indaguei-o sobre o EIA/RIMA: “Não! O EIA/RIMA o INCRA não tem

condições financeira de estar fazendo, é um outro documento exigido para a questão do

licenciamento”.258 Contudo, Muniane Silva Santos, também ao lembrar-se de suas

experiências e narrá-las, afirmou que, no início, “o nosso [PA] ficou pendente nesse

[procedimento]”259 do EIA/RIMA.

Importante a ser destacado na narrativa de Ricardo é como ele significou os

trâmites governamentais para a liberação do funcionamento do assentamento e como os

assentados lidaram com o fato, explicando suas experiências:

Aí é o seguinte: essa RVA apontou 80 famílias e com tanta divergência com o número de famílias o INCRA resolveu mandar

256 Altera os artigos 1º e 5º e a Listagem G – Atividades Agrossilvipastoris do Anexo Único da

Deliberação Normativa COPAM nº 74, de 09 de setembro de 2004, e dá outras providências. (Publicação – Diário do Executivo – “Minas Gerais” – 16/01/2009). Segundo consta na cópia do Processo do PA 21 de Abril disponibilizado pela SUPRAM TM/AP esse PA enquadra-se na Listagem de Atividades G-05-03-7, ou seja, Projeto de Assentamento para fins de reforma agrária com o número de famílias: ≤ 100 é porte pequeno.

257 Ricardo dos S. Balbino. Entrevista concedida à autora em 2012. 258 Ibid. 259 Muniane Silva Santos. Entrevista concedida à autora em 2012.

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mais uma equipe aqui, mais um trabalho técnico pra ver o que seria apontado no número de famílias. Então fechou em 77 famílias e tal, beleza! Aí veio a questão do licenciamento ambiental. Foi uma das partes mais burocráticas que a gente deparou e que mais nos tomou tempo, né, a questão do licenciamento ambiental. O licenciamento ambiental, nós começamos ele em 2008, o PDA, que é o Plano de Desenvolvimento [do Assentamento], já estava pronto, a partir daí a gente já começou a cobrar a questão do licenciamento ambiental. Essa questão do licenciamento teve uma alteração na legislação que, no nosso caso aqui, foi feito uma LIO – Licença de Instalação e Operação. Na época a lei pedia o seguinte: todo assentamento acima de 50 famílias teria que se fazer a LIO, a LIO é uma licença bem detalhada, é trabalho detalhado, tal, isso requer muito tempo, né? A gente começou a providenciar a questão da LIO, o INCRA começou a fazer, veio uma alteração ambiental que de 50 [famílias] passou a 100, então, todo aquele esforço que havia sido feito pra questão da LIO teve que parar e fazer outro licenciamento que chamaria AAF – Autorização Ambiental de Funcionamento. É uma licença mais resumida, mas que também veio a dar problema. Liberaram as casas, liberaram o assentamento através de Pedido Excepcional [...]. O assentamento nosso hoje tem autorização pra funcionar, entendeu? Isso veio através de um Pedido Excepcional da Superintendência, porque por meio legal [...] a Superintendência pede e a SUPRAM faz a emissão, não teve condição da SUPRAM fazer essa emissão, aí o INCRA pediu através de um pedido excepcional, então, através desse pedido a SUPRAM fez a licença, aí nos mandou a declaração pra funcionamento pra uso do solo tal. Agora, a gente estamos trabalhando a questão dos créditos [...]. A [AAF], a SUPRAM finalizou o ano passado [2011].260

Por meio dessa fala observa-se uma articulação talvez indicando maior

compreensão desse assentado sobre os trâmites dos órgãos governamentais que

intervêm na liberação para o funcionamento de um assentamento de reforma agrária,

principalmente de órgãos governamentais ligados ao meio ambiente e sustentabilidade

do assentamento. De toda forma, percebe-se uma série de etapas a serem cumpridas que

é sentida com muita dificuldade, pois, por conta disso, não conseguem melhorar o

padrão de vida. Sem poder funcionar o assentamento, é limitada a garantia de sustento

das famílias.

No que se refere à licença de funcionamento do assentamento para que os

assentados explorem as terras de suas posses, é possível perceber que as alterações,

liminares ou novas resoluções de órgãos ambientais são motivadoras de atrasos e

mesmo estagnação nas etapas de concretização de um PA, deixando os assentados na

expectativa de acessarem todos os créditos rurais, seja o de Instalação ou do PRONAF

260 Ricardo dos S. Balbino. Entrevista concedida à autora em 2012.

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– Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o qual é feito através

do sistema de empréstimos bancários.

Segundo Ricardo, o impacto dessas mudanças para a regularização ambiental

do assentamento trouxe um novo desafio:

Assentamento abaixo [de 100 famílias] é esse procedimento [AAF – Autorização Ambiental de Funcionamento], pra cima de 100 é outro. Hoje todo assentamento acima de 100 é a LIO [Licença de Instalação e Operação] e abaixo é a AAF. Aí essa questão da AAF tem um decreto a nível de estado que onde entra o EIA/RIMA e o INCRA alega que não tem condições de estar fazendo ele, [...] pro SUPRAM fazer a liberação da AAF, no caso, pros assentamentos hoje abaixo de 100 ele necessita do EIA/RIMA, que o INCRA faça o EIA/RIMA e o INCRA não tem condições de estar fazendo [...] ele alega que o custo por família fica muito alto, fica em torno de R$ 7.500,00 por família pra fazer esse trabalho.

Leandra: Mas o INCRA num é responsável pela reforma agrária?

Ricardo: Ele é, mas eles alegam que não tem recursos pra estar destinando para essa área, entendeu?

Leandra: Aí o que vocês fazem nesse sentido [...]?

Ricardo: -ão, aí, nesse caso, a gente conseguiu através de um Pedido Excepcional, agora, no caso de outras pessoas eu num sei o que pode acontecer. [...] A gente fez tudo via INCRA, né, a gente e o INCRA, negociação [...] teve apoio político também no meio, entendeu? Teve parceria com deputado Adelmo [Carneiro Leão]261 aqui de Uberaba nos ajudou muito, tem o Gilmar [Machado]262 nos ajudou, a questão do “Luz para Todos” o Adelmo também nos ajudou [...] a gente conheceu o Adelmo, tem uns quatro anos que a gente conhece ele e ele, sempre, quando a gente precisa, ele tem nos ajudado.263

Aqui é importante destacar como o Ricardo sugere a organização deles e a

intervenção política de deputados ligados ao PT originários de Uberaba (Adelmo Leão)

e Uberlândia (Gilmar Machado) na articulação e uma possível agilização de processos

junto aos órgãos governamentais e ambientais, que, do contrário, podem levar anos,

ficando os assentados na expectativa de dias melhores. Faz-se necessário ressaltar que

no tempo da escrita desta tese o Poder Judiciário do estado de Minas Gerais, através do

Juízo da 5ª vara de Fazenda Pública da comarca de Belo Horizonte proferiu decisão

liminar na Ação Civil Pública nº 0446101-38.2011.8.13.0024 impedindo a concessão e

renovação de Autorizações Ambientais de Funcionamento (AAFs) para todo e qualquer

261 Deputado Estadual pelo PT. 262 Ibid. 263 Ricardo dos Santos Balbino. Entrevista concedida em março de 2012.

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projeto agropecuário que contemplem área superior a 1.000 hectares, todavia em sede

de Embargos de Declaração a liminar restou retificada e limitada. O Juízo reconheceu

que os empreendimentos e atividades que recebem tratamento especial por parte do

CONAMA, como o projeto de assentamento para fins de reforma agrária (Resolução

CONAMA nº 387/2006), requerem estudos ambientais distintos do EIA/RIMA, para os

quais são previstos procedimentos simplificados de licenciamento ambiental.264 No

caso, o empreendimento PA 21 de Abril abrange uma área, retificada após vistoria do

INCRA, de 2.406,4794 hectares.

Essas questões levantadas pelos assentados, principalmente o modo como João

Pedro se posiciona frente ao reconhecimento da importância da Reserva Legal (RL)265

no assentamento, chamam a atenção para a polêmica e embate de forças políticas em

torno das possíveis mudanças no Código Florestal brasileiro. Os movimentos sociais de

264 O artigo 4º dessa Resolução reza: “A critério do órgão ambiental competente, mediante decisão

fundamentada em parecer técnico, poderá ser admitido procedimento simplificado de licenciamento ambiental para Projetos de Assentamento de Reforma Agrária, considerando, entre outros critérios, a sua localização em termos de ecossistema, a disponibilidade hídrica, a proximidade de unidades de conservação, terras indígenas, áreas remanescentes dos quilombos e outros espaços territoriais protegidos, o número de famílias a serem assentadas, a dimensão do Projeto e das parcelas e a base tecnológica de produção.” (RESOLUÇÃO CONAMA Nº387, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2006).

265 No momento do acesso à cópia do Processo Administrativo do PA 21 de Abril junto a SUPRAM TM/AP em 03/04/2012 foi obtida a informação de que a área de Reserva Legal do PA não havia sido concluída e que tinham sido realizados os ajustes necessários na planta do PA pela empresa contratada pelo setor de cartografia do INCRA e que seria priorizado a formalização de processo para a regularização da Reserva Legal junto ao Núcleo de Regularização Ambiental de Uberaba. E o INCRA já detinha os estudos necessários para formalização do processo de outorga, porém devido à falta de regularização da Reserva Legal (condicionante) o processo de outorga ainda não era possível. Tal processo é um instrumento legal que permite ao requerente o direito de utilizar o recurso hídrico de superfície ou subterrânea. Foi explicado pela Diretoria de Controle Processual da SUPRAM TM/AP que para a liberação da AAF são exigidos que esses processos (Reserva Legal e outorga) estejam regularizados, podendo ser feito, em casos da não conclusão desses processos, a regularização do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o INCRA/MG e a SEMAD (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais) para liberação do funcionamento do empreendimento. Com isso se padroniza e agiliza a emissão das AAFs para assentamentos criados no estado com até 100 famílias. No caso do PA 21 de Abril, na época da pesquisa desta tese, o TAC ainda não estava firmado e constava no Processo Administrativo cópia de um ofício/ SUPRAM – TMAP nº 3102/2011 (Retificado) datado de 24 de novembro de 2011 autorizando para fins específicos a utilização do solo, não era a AAF, a qual estava em andamento. Tal ofício esclarece que considerando o disposto no art. 6º da Resolução do CONAMA 387/2006 c/c o art. 8º da Deliberação Normativa COPAM 88/2055 e considerando que o empreendimento é o local de residência de famílias que estavam: “[...] desprovidas das devidas condições estruturais e de saneamento básico, e que as atividades de produção agropecuária são essenciais à subsistência das famílias do PA [...] considerando por fim, que não será necessário efetuar supressão de vegetação e/ou intervenção em área de preservação permanente para as obras citadas; Esta Superintendência, diante das considerações suso mencionadas e das premissas legais vigentes, autoriza o [...] INCRA a promover as benfeitorias requeridas, tais como: uso alternativo do solo para fins de produção agropecuária de subsistência, e obras de infraestrutura destinada a moradia, desde que não seja efetuada nenhuma intervenção em área de preservação permanente e/ou supressão de vegetação”.

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luta pela terra, como o MST, têm enfrentado a questão sob a perspectiva da luta de

classes, analisando o avanço do agronegócio na disputa pelo campo. Ou seja, a temática,

dependendo do ponto de vista, se restringe ou se amplia na disputa entre o projeto do

agronegócio e o projeto da agricultura familiar.

Para o MST e Via Campesina, esse debate deveria partir de e ser colocado sob

outros parâmetros, atacando o cerne da questão: o poder econômico e político do capital

financeiro sobre alterações do Código Florestal. Na sua campanha contra essas

mudanças aprovadas no Plenário da Câmara dos Deputados em maio de 2011, o MST

procurou e procura suscitar o debate colocando para reflexão as seguintes

problemáticas:

[...] Essa disputa terá duração prolongada. E precisamos nos preparar para fazer o enfrentamento e levar o debate para as ruas, envolvendo a sociedade para denunciar os efeitos perversos dessas mudanças [do Código Florestal] e quem está por trás delas. Os primeiros interessados são os latifundiários mais arcaicos que desmataram e que foram multados. Há também o interesse de um latifúndio ligado à grilagem de terra e à necessidade de expansão, que quer incorporar novas áreas. Para isso, será necessário grandes desmatamentos e precisam da anistia.266

Essas posições indicam como, na relação sócio-histórica e política entre

governo, proprietários rurais e trabalhadores, a prática tem sido a de beneficiar os

grandes proprietários, o que quer dizer, por exemplo, perdoar dívidas agrícolas. Outra

grande polêmica recente é a questão do Novo Código Florestal, cujas possíveis

mudanças, até maio de 2012, indicavam, entre outros retrocessos ambientais, a anistia

dos crimes ambientais267 de grandes produtores que desmataram ilegalmente até julho

266 CÓDIGO FLORESTAL AGRONEGÓCIO tenta flexibilizar lei para devastar o país. MST, site

oficial, 2 de setembro de 2011. Disponível em: <http://www.mst.org.br/Codigo-Florestal-agronegocio-enta-flexibilizar-lei-para-devastar-o-pais%20>. Acesso em: 3 out. 2011.

267 Em 24 de maio de 2011 foi aprovado na Câmara dos Deputados, “Sob ameaça de veto presidencial, [...] o novo Código Florestal do país. A votação marcou a primeira grande derrota do governo Dilma Rousseff (PT) no Congresso. O Planalto viu os parlamentares, em uma rebelião da base aliada, aprovarem dois pontos que considerava inaceitáveis: a anistia a proprietários rurais que promoveram desmatamentos ilegais até julho de 2008 e a diminuição da autonomia da União para definir quais áreas de preservação permanente (APPs) de margens de rios e encostas de morros poderão ser exploradas economicamente – o texto do novo Código atribui aos estados parte dessa responsabilidade. [...] O texto aprovado ontem segue para o Senado, onde o Planalto pretende que as alterações sejam revertidas antes da sanção da presidente. Caso contrário, Dilma deverá vetar esses pontos, conforme anunciou ontem a ex-ministros do Meio Ambiente [...]”. (CÓDIGO FLORESTAL É aprovado com anistia a desmatadores. Gazeta do Povo, 25 de maio de 2011. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/conteudo.phtml?id=1129647>. Acesso em: 3 out. 2011). E no dia 06 de dezembro de 2011: “[...] o Plenário aprovou o novo Código Florestal (PLC

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de 2008, enquanto, por seu lado, forças contrárias a esse tipo de mudança pressionavam

para que a presidenta Dilma Rousseff vetasse integralmente o texto final do código

aprovado pelo Congresso.268 Uma das polêmicas em torno das alterações que se

pretendem no Código Florestal diz respeito à possibilidade de descentralização de

fiscalização e regras ambientais, passando para as unidades federativas a decisão sobre

o tamanho de margens de rios e nascentes a serem preservadas na garantia da

sustentabilidade e de mínimos impactos ambientais gerados pela instalação de um

empreendimento rural. Enquanto isso, os assentados são enredados em uma “máquina”

burocrática para a liberação de funcionamento real dos lotes, ou seja, lhes é cobrado o

cumprimento de leis ambientais para que possam acessar benefícios dos créditos rurais e

começar a produção nas terras em empreendimento de baixo impacto ambiental.

Retomando análise sobre a questão do acesso aos créditos rurais, é importante

observar como os assentados destacaram o controle governamental desses possíveis

benefícios, já que, como explica João Pedro, “[...] é depositado na conta da Associação

[...] [só que] essa conta é uma conta travada, nós não temos acesso a ela, a não ser pra

extrato [...] essa conta é dirigida pelo governo, pelo INCRA, que seja, pelo órgão do

governo, então ela é bloqueada, nós não temos o poder pra sacar nem o juro [...]”.269

O juro do dinheiro, que, segundo os assentados, está depositado em uma conta

corrente no Banco do Brasil em nome da Associação dos Assentados, é regulamentado

30/2011) na forma de substitutivo dos senadores Luiz Henrique (PMDB-SC) e Jorge Viana (PT-AC) para o texto do então deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) [...] o novo Código Florestal estabelece disposições transitórias – para contemplar as chamadas ‘áreas consolidadas’, em que há atividades agrossilvopastoris em Áreas de Preservação Permanente (APPs) – e disposições permanentes, com critérios a serem seguidos a partir da data de 22 de julho de 2008, data da publicação do Decreto 6.514/2008, que define penas previstas na Lei de Crimes Ambientais. A mesma data é o marco temporal para isentar de recuperação as propriedades rurais de até quatro módulos que desmataram as Reservas Legais (RLs) Para isso, o projeto determina a criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e estabelece prazo de um ano, prorrogável uma única vez por igual período, para que os donos de terras registrem suas propriedades nesse cadastro. Os dados do CAR serão disponibilizados na internet e servirão para a elaboração dos Programas de Regularização Ambiental. [...]”. (NOVO CÓDIGO FLORESTAL É aprovado e volta à Câmara dos Deputados. Da Redação Agência Senado, 06 de dezembro de 2011. Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2011/12/06/novo-codigo-florestal-e-aprovado-e-volta-a-camara-dos-deputados>. Acesso em: 20 dez. 2011).

268 Faz-se necessário mencionar que, no período de conclusão desta tese, em 25 de maio de 2012 a presidenta Dilma vetou parcialmente o Código Florestal aprovado em abril de 2012 na Câmara dos Deputados, com 12 vetos e 32 modificações no projeto e anunciando a criação de uma Medida Provisória para o Congresso. Segundo a Via Campesina, o veto da presidenta trouxe derrota aos ruralistas, mas ainda é insuficiente. (Cf. FERNANDES, Vivian. Veto parcial ao código é insuficiente, mas representa derrota ao latifúndio. Da Radioagência �P, 28 de maio de 2012. Disponível em: <http://www.mst.org.br/content/veto-parcial-ao-codigo-florestal-e-insuficiente-mas-representa-derrota-ao-latifundio>. Acesso em: 30 maio 2012).

269 João Pedro, entrevista concedida à autora em 2010.

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pela Norma de Execução nº 79 de 26 de dezembro de 2008 do MDA e INCRA e deve

retornar aos beneficiários do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). No caso dos

assentados do PA Emiliano Zapata, como ainda nem todos haviam tido acesso à

modalidade Material de Construção do Crédito Instalação, o dinheiro do juro não podia

ser retirado. Portanto, o mesmo ocorria com os assentados do PA 21 de Abril, que até

março de 2012 não haviam começado a construção das casas, apesar de terem iniciado

no final de 2011 e início de 2012 os trâmites de acesso a essa modalidade do Crédito

Instalação.

Segundo Maria Eleusa Mota, a qual, junto a outros dois assentados, é membro

da comissão de crédito (exigência institucional) e no nome dos quais foi aberta a conta

corrente bloqueada para o depósito do Crédito Instalação, o valor para cada família do

PA Emiliano Zapata advindo desse juro era de R$ 2.500,00 de acordo com o extrato

bancário no início do ano de 2012. Entretanto, só terão acesso a esse valor quando for

regularizada a situação do assentado que ainda não pegou seu crédito Material de

Construção por conta de ser o morador do lote que teve problemas.270 Contudo, pelas

informações de Maria Eleusa Mota, esse processo, no início de 2012, estava adiantado e

poderia se resolver nos meses seguintes do mesmo ano.

Sobre os trâmites que envolvem a movimentação dos créditos depositados em

conta corrente bloqueada e mesmo de seus juros, Ricardo dos S. Balbino revela aspectos

interessantes e, quando indagado sobre acusações de opositores da reforma agrária de

que Sem Terra desvia dinheiro ou mesmo verbas públicas, opinou dizendo o seguinte:

Ricardo: [...] O acesso que ele [assentado] tem é só material [de construção] mesmo. Eu acho que isso [desvio de dinheiro de créditos] é mais falta de informação que é do meio [externo] mesmo, sabe, que num tem não, entendeu? [...] questão de dinheiro o próprio INCRA e a Associação tem que fiscalizar isso, porque se tiver um desvio de recurso nessa parte e nesse sentido pode a vir prejudicar o assentamento, prejudica o lote, os demais recursos do lote ficam bloqueados. Então, tem toda uma fiscalização em cima disso e próprio interesse da comunidade mesmo.

Leandra: Estava conversando com o (assentado de pseudônimo João Pedro), ele estava muito indignado com o dinheiro que estava bloqueado no banco, mas isso num é uma questão de dotação orçamentária?

Ricardo: Esse dinheiro já estava em conta. O pessoal [assentados] questiona muito. Até o [João Pedro], às vezes ele te explicou mais ou

270 Como já mencionado, problemas com a homologação da idosa integrante do grupo Emiliano Zapata

como beneficiária da reforma agrária.

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menos assim a questão do juro do dinheiro. Por exemplo, o dinheiro está lá, já está lá, tem quatro, cinco anos no [Banco do Brasil em nome da Associação], só que o que acontece? Quando esse recurso foi depositado, esse recurso foi depositado num montante de R$ 7.500,00 por família, dá 77 [famílias], o juro desse dinheiro equivaleu os R$ 15.000,00 de cada família hoje, entendeu? Então, eles [os assentados] cobram muito e juro do dinheiro e tal, mas o juro cobriu [o valor que receberam agora], que na época foi depositado, que foi feito empenho, que depende de aprovação orçamentária na época, que foi de R$ 7.500,00 por família. É mais ou menos assim. Na época que foi feito esse recurso, o que tinha pra construir uma casa num era R$ 15.000,00 igual tem hoje, na época era R$ 7.500,00 Então, esse recurso foi enviado destinado para as casas mesmo, pra construção das casas. Na época assinamos uma carta de crédito de R$ 7.500,00 por família, aí foi depositado esse dinheiro, aí depois teve reajuste do INCRA, aí nós não tivemos acesso por causa daquele processo, na época estava conflitando o número de famílias dentro do assentamento.

Leandra: Do contrário vocês teriam o acesso?

Ricardo: Poderia até ter, mas a questão do licenciamento ambiental que veio atrapalhar muito esse [...]

Leandra: Tem a ver com o IEF?

Ricardo: Não, com o IEF é o seguinte: o IEF é averbação de reserva tal, relocamento no IEF num deu problema. Na verdade o licenciamento do uso e solo é o SUPRAM que tem que fazer, né, o IEF num deu problema com isso não, do que a gente viu o trabalho deles aí num teve impedimento não.271

Ricardo traz à tona outra versão com maiores detalhes sobre as questões

apontadas por João Pedro, deixando claro que acompanha o trabalho das equipes

governamentais e órgãos ambientais que liberam o funcionamento do assentamento. Dá

a conhecer que não basta ter depositado créditos denominados de Fomento, já que leis,

procedimentos e normas ambientais podem atravancar o processo.

Dessa forma, não parecem fáceis nem simples os caminhos para reinventar

maneiras de pressionar as autoridades públicas, principalmente quando, após as lutas de

acampamentos, as expectativas são outras, mesmo cientes de que a luta continuará no

assentamento. Os trabalhadores vão indicando os meios, as novas práticas ou não,

formas emergentes nesse processo. João Pedro sinaliza: “Ô Leandra! Nós estamos

praticamente de pés e mãos atadas, num tem como”.272 Francisco Jubiano de Freitas, do

PA Emiliano Zapata, em outro sentido, aponta que, para seus pares, a reação é ocupar os

prédios do INCRA, enfim, o que eles se acostumaram a fazer: “[...] nós foi lá duas

271 Ricardo dos S. Balbino. Entrevista concedida à autora em 2012. 272 João Pedro. Entrevista concedida à autora em novembro de 2010.

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vezes, ficamos lá parece que oito dias lá no INCRA pra eles assinar”.273 Ricardo dos S.

Balbino afirma: “[...] a gente conseguiu através de um Pedido Excepcional, agora, no

caso de outras pessoas, eu num sei o que pode acontecer. [...] A gente fez tudo via

INCRA, a gente e o INCRA, negociação [...] teve apoio político também no meio

[...]”.274

Entretanto, Maria Eleusa Mota indica outras direções quando se trata das novas

possibilidades de lutas, reivindicações e articulações dos assentados:

As pessoas têm consciência disso, que acomodaram, por isso que as coisas estão demorando mais a chegar. Tem essa consciência. Por exemplo, agora, acabou de me ligar o pessoal da Associação pedindo uma reunião, marcando uma reunião pra domingo. Pode ter certeza que vai pouca gente, o pessoal todo desanimado, está desestimulado. Sabe que tem que fazer, mas não estão com ânimo pra fazer. Fizeram essas opções, de lutar sozinho pra sobreviver, tipo trabalhar fora, pra complementar a renda do lote, sabe, é, parece que cansaram, né, cansaram de lutar, porque a luta, ela tem que ser constante, e isso, nem todo mundo tem saúde, disposição, tempo pra [...], porque a gente sabe que quando você vai pra assentamento a vida muda muito, quando você está no acampamento você está à disposição da luta, porque não tem muito o que você fazer mesmo, mas, quando você vai pro seu lote, que aí você tem inúmeras atividades pra ser feita, então, seu tempo diminui. E quando você está acampado, você ganha cesta básica, você tem menos despesa, você vai está morando ali num barraco, você não vai estar pagando conta de luz, você ganha cesta, então, quer dizer, diminui muito a sua despesa. Aí, quando você vai pro lote [...] quando você já é assentado, já corta a cesta, e aí tem outras atividades que, por exemplo, eu não posso hoje ir pra uma Marcha como eu já fui e fiquei lá uns 30 dias, porque minhas galinhas [...] não fica 30 dias sem comida, meu cachorro não vai ficar 30 dias sem comer, o gado, como é que vai ficar 30 dias sem olhar, pode faltar água, pode dar algum problema de saúde, então, se você tem horta, como é que você vai fazer, né, então tem esses empecilhos todos.275

Maria Eleusa discorre sobre os modos de viver e compreender as lutas do

cotidiano e procura deixar evidentes os desafios do agora, da luta que mudou junto com

a transformação do processo histórico e da condição de trabalhadores: não é possível

mais despender o tempo e dedicação de outrora, agora precisam cuidar da terra, do seu

lote e, para ela, pode-se dizer que é quase nula a perspectiva do trabalho cooperado

273 Francisco Jubiano de Freitas, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011. 274 Ricardo dos S. Balbino, entrevista concedida à autora em 2012. 275 Maria Eleusa, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011.

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entre os assentados de forma que um desse suporte para o outro sair do assentamento no

atendimento das demandas do Movimento.

Em outro momento de sua narrativa, Maria Eleusa Mota analisou outras

questões que modificaram também a conjuntura de organização e mobilização dos

trabalhadores do Emiliano Zapata e, de forma global, do MST.

Maria Eleusa: Não! Eu não estou dizendo que as formas de lutas elas mudaram, eu acho que elas amenizaram [...] por causa desse Governo [Lula] que se dizia amigo e tal, e os trabalhadores têm essa confiança nisso, ficou esperando demais que ele ia fazer tudo sem pressão, e a gente sabe que isso não é verdade. Eu acho que os trabalhadores ficaram, se aquietaram, se acomodaram. [...] assim, eu sinto a depressão social, né, é que acabou aquela agitação pra luta, aquela, como se diz, aquela alegria pra fazer a luta, agora não tem isso. Eles [assentados] acreditam que não precisa, e aí as coisas deixou de acontecer. Agora, se os trabalhadores dissessem: “Não! Nós temos que lutar e mudar isso que está posto aí, essa lei, morosa, que tem que esperar isso, aquilo outro, bonitinho, pra chegar os créditos pra nós”, isso está, isso os trabalhadores estão errando, no meu ponto de vista, tinha que lutar pra mudar isso.

Leandra: E lutar como vocês faziam?

Maria Eleusa: Marchas, é, eu não sei por que, eu acho que a sociedade vai mudando, o progresso vai chegando, você tem que adequar a isso. Talvez tem que mudar as formas de luta. Eu não estou dizendo que talvez isso funcionaria, mas isso, até isso deixou de ser feito. E também eles [opositores] já começaram a se organizar pra se proteger contra isso, pra isso não funcionar. Talvez, estaria na hora dos trabalhadores pensar outras formas de luta.

Leandra: E você acha que aqui entre vocês não tem esse pensamento de organizar outras resistências?

Mara Eleusa: Que é uma realidade que não dá pra ignorar e dizer que a pessoa está lumpiando276, sabe, porque a realidade dele muda, tem todo o cansaço. Porque leva anos a fio até que se consegue ser assentado você já adoece, você vai desanimando, tem toda uma trajetória que tem que ser investigada. E aí outros, no comodismo de já pelo menos já consegui a terra, “esse aqui é meu lugar”, já está bom, “queria mais, mas eu já não consigo pagar um preço tão caro, da luta”, então, acho que tem muita coisa aí, né? Aí você já tem filho que vai estudar, tem aqueles compromissos ali, como é que você vai ficar saindo? Porque, quando você está no acampamento, está tudo agrupado, tudo junto. Como o coletivo funciona muito bem no acampamento, que nem no nosso, então não tinha isso. Por exemplo, eu podia ir pra luta, porque ia ter pessoas que ia cuidar da minha filha, pra verificar se estava indo pra escola, se estava tudo bem, do meu

276 É um termo bastante usado pelos militantes do Movimento para designar o sujeito que, entre eles, não

se engaja, ou pouco participa das lutas do Movimento, ou até mesmo as abandona, por não possuir “consciência de classe trabalhadora”. É uma expressão derivada do termo “Lumpemproletariado”, conforme Karl Marx o compreendia e o empregava em suas obras, por exemplo, em “A Ideologia Alemã”.

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cachorro, porque estava todo mundo ali junto. Agora aqui, hoje, como assentada, eu acho difícil visitar minha mãe e meus irmãos que estão mais próximos de mim.277

Essa fala pode conduzir à pergunta: seriam esses fatores evidências do embate

da correlação de forças? As questões levantadas por Maria Eleusa direcionam nosso

olhar para aquilo que ela chama de “depressão social” dos movimentos de luta pela

terra, o modo como ela analisa ajuda a observar outros elementos e sair da armadilha

conjuntural de que somente o caráter de apoio ao governo do presidente Luis Inácio

Lula da Silva por parte dos trabalhadores Sem Terra sobressai para explicar a pouca

visibilidade das suas lutas nesse governo, se comparadas às da década de 1990 e início

do século XXI.

A fala de Maria Eleusa, riquíssima como memória, ao analisar a sua situação e

a de outros assentados da reforma agrária, vai apontando quais são as perspectivas de

presente: o próprio cotidiano do agora impõe limitações para as práticas sociais de

outrora, o momento é de acirramento das lutas de classes, quando o capital financeiro se

articula contra as ações e conquistas dos Movimentos, por isso é preciso vislumbrar

novas formas de luta. Percebe-se a existência de fatores intrinsecamente ligados aos

poucos e insuficientes investimentos em políticas públicas para a reforma agrária no

país, incidindo sobre os assentados como desestímulo, provocando desesperança,

cansaço. As questões envolvidas na efetivação do Projeto de Assentamento (PA) e do

Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA) são diretamente vinculadas, do

ponto de vista dos trabalhadores, ao difícil acesso aos créditos rurais. Sobretudo, como é

embaraçoso o processo desencadeado pela atuação dos órgãos públicos na efetivação do

PAs Emiliano Zapata e 21 de Abril. Isso foi explicado por Francisco Jubiano de Freitas:

[...] eles liberaram [o Crédito Instalação modalidade Aquisição de Material de Construção]. Quando ele liberou, aí saiu, já tinha subido pra R$ 7.000,00 os créditos da casa, só que nós tinha acessado, nós estava depositado desde 2004, foi quando nós entrou aqui, então nós tiramos em 2007, [...] que eles falaram pra nós que a gente não pegava os R$ 7.000,00, porque nosso dinheiro já estava depositado, então, nós só pegou os R$ 5.000,00. Agora, quando nós foi ver de novo aí [...], estava saindo em torno de mais R$ 15.000,00 pra fazer a casa [...] nós não podemos pegar, mas aí o [técnico] falou que era só quem tinha pegado [...] de 2006 pra trás, [...] porque aí o que estava depositado era o dinheiro que nós todo mundo tinha que pegar [...] como estava depositado, nós não pegou R$ 5.000,00, mas aí eles

277 Maria Eleusa Mota. Entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011.

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justificando que o dinheiro já estava depositado e a lei tinha saído depois. Agora saiu a lei também que o dinheiro [...] é R $15.000,00, que é quem pegou de 2006, que é o complemento pra terminar as casas [...] a justificação foi essa. [...] até que foi lá que eu questionei foi isso, nós não pegou os R$ 7.000,00, porque tinha sido de 2004, agora tem o complemento pra terminar as casas, num pegou, que é de 2006 [...] Não, a justificação deles é que nós fez a casa em 2007 [...]. Isso aí é rolo do INCRA, que quando você começa a espremer eles começam a justificar e esse dinheiro de todo jeito ele num sai [...]. Então toda a vez que você vai eles ficam de banda e num justifica.278

O que Francisco explica sobre o montante recebido por cada família do PA

Emiliano Zapata vai ao encontro do que procurou explicar Ricardo dos S. Balbino do

PA 21 de Abril, revelando que nesse percurso os assentados vão construindo suas casas

com recursos diferentes. Em meio a esse processo, encontrei no assentamento 21 de

Abril moradias de lona, casas feitas com placa de cimento e, no assentamento Emiliano

Zapata, casas erguidas, porém sem reboco, faltando muito para ser feito. Entretanto, as

condições de moradia, saúde e alimentação dos assentados do Emiliano Zapata estão

visivelmente melhores se comparadas à vida do tempo de acampamento e mesmo do

início do assentamento, quando esses trabalhadores viviam sob barracos de lona preta

enfrentando sol, calor intenso, chuva, frio intenso e, consequentemente, doenças

desencadeadas por essas condições.

A casa de Francisco Jubiano de Freitas, assim como todas, ainda não estava

concluída, porém o depoente expressou a satisfação de agora ter mais dignidade no

viver, embora sinalizando que é preciso mais. As casas do projeto do governo são de

porte pequeno, com 59 metros quadrados de construção, têm 3 quartos, cozinha, sala e

banheiro. Os trabalhadores vão construindo a casa dos seus sonhos, como narra

Francisco Jubiano de Freitas:

[...] no projeto ela [a casa] é 59 metros. Aumentei em cima do projeto [...]. Quem fez mesmo em cima do projeto teve que tirar do bolso pra fazer, porque o material em si ele ficou em R$ 4.000,00 mais mão de obra, e aí quando foi fazer faltava o dinheiro pra mão de obra e pra terminar. Traduzindo, os R$ 5.000,00 só deu pra levantar [a casa], quem fez em cima do projeto, até um metro e meio mais ou menos.279

278 Francisco J. Freitas, entrevista concedida à autora em 2011. 279 Ibid.

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Ao indagar se Francisco Jubiano de Freitas tinha ciência sobre a forma como o

INCRA faz os modelos de casa e estipula valores para material de construção e a

própria construção da obra, obtive a seguinte resposta:

[...] não! Inclusive, eles não faz, [...] é o “Simi’ do INCRA, [...] era quem representava o INCRA aqui [...] era pra fazer e liberar esses projetos. [...] e a lógica é o seguinte, porque você tem pegar esses cinco mil [reais] pra ser aprovado [...] tem que dar dois e oitenta [metros] no mínimo a lateral da casa dois e oitenta no contra piso é tem que estar a casa chapiscada e fechadinha e todo telhado e se faltar uma telha não passa [...] todos seus créditos, acesso de créditos seu, é bloqueado.280

Portanto, é possível perceber que, pelo menos na experiência dos trabalhadores

do Emiliano Zapata, houve uma fiscalização do INCRA na construção das casas. Apesar

de serem relativamente muitas as exigências, os trabalhadores vão se virando frente ao

parco recurso da modalidade Material de Construção do Crédito Instalação, enfrentando

os desafios:

[...] há, então, dependendo das condições [...] [a casa] num pode ser de canto virado [...] na realidade ela [a casa] é sem viga, sem alicerce, porque até o alicerce você pega lá, ela tem que ter o alicerce e você pega ela na planta e vem falando o quê? Você tem que fazer é armação de terra, ela todinha tem que ter. E aí esse dinheiro também não dá pra comprar isso, mas se você não colocar [...]. E outra, tem mais: aí você responde um processo, ainda se você não fizer, juridicamente o INCRA ainda lhe processa [...] aí num faz, né? Quem num tem condição, povo compra e fica devendo.281

É preciso compreender que a condição de assentado dentro do projeto de

política de assentamento do país imputa aos trabalhadores dívidas, já que a terra, os

benefícios, toda a logística do assentamento são financiamentos de governo e bancários

e, apesar de terem carência, com data para serem pagos. E, no caso da construção das

casas, os trabalhadores do Emiliano Zapata, como conta Francisco Jubiano de Freitas, se

embrenharam em dívidas:

Francisco Jubiano: [...] fica devendo e vai devendo até, vai empurrando. Paga uma conta que está vencendo, o mês que vem ele pega emprestado de outro lugar, paga aquele mês que está devendo, e já e vai pagando. Tem gente que está pagando prestação de trem até hoje, de material [...] teve muita gente aí teve dificuldade, fez as casas aí nos trancos e barrancos.

280 Francisco Jubiano de Freitas. Entrevista concedida à autora em 2011. 281 Ibid.

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Leandra: [...] conseguiu fazer?

Francisco Jubiano: Conseguiu com material mais inferior, é um tijolo mais de segunda, gastou, assim, teve que economizar. A casa foi feita, mas ele teve que economizar, comprar um material mais ruim. Que esses aí compra o material mais ruim, a casa geralmente ela vai precisar de uma reforma muito mais cedo, porque o material é um material inferior. 282

Francisco Jubiano explicita outras relações referentes ao mercado e ainda sobre

os modos como os trabalhadores enfrentaram o desafio de construírem as casas:

[...] todas as famílias compraram de um fornecedor só, de uma loja [...] foi até pra economizar, porque aqui foi 24 pessoas [famílias]. Na verdade, quando comprou, comprou foi 22 [...] só que o tijolo que vai, ele gasta mais material, porque o tijolo de segunda [...] é mais torto, [...], é mais baixo, então, ele [o tijolo] num pega [cimento], você termina gastando mais com cimento, mas o tijolo é mais barato. Então teve gente que economizou nisso daí pra vê se dava conta de comprar material. Só que aí foi comprado numa loja, só, que o orçamento, foi três orçamentos. Fazendo esses três orçamentos, pra todo mundo comprar dava um volume de dinheiro, porque ele [lojista] já ia fazer preço, você comprava diretamente no atacado, a loja ganha só comissão, só pra pegar [o lojista receber]. Depois disso, só pra terminar meu caso e de outros, nós comprou em outras lojas também. Quando nós fechamos os R$ 5.000,00 que a loja entregou o resto dos materiais, eu comprei em outras lojas que até ficava mais fácil de frete conseguir, outros materiais mais barato, porque aí já foi o INCRA, também o problema era porque você gasta demais o dinheiro que estava depositado, mas é uma burocracia danada, é depois de 90 a 60 dias pra receber [pagar as lojas], então, acaba que eles [os lojistas] cobram o juro desse prazo também, que é nessa loja só que os trem foi tudo entregue, todo mundo deu conta de fazer. Teve uns que usou madeira do cerrado, porque num tinha dinheiro pra comprar uma árvore cerradinha. Aí ele teve que usar madeira do cerrado pra fazer, então, provavelmente, essas casas vai ser preciso fazer reforma, vai ter que trocar a madeira [...] foi madeira de cerrado, então é bem mais complicado isso aqui.283

Esse momento da construção da casa foi vivido e compartilhado de diferentes

modos em seus significados e sentidos, e é traduzido por Francisco como algo de grande

complexidade. Vários fatos a isso relacionados merecem reflexão: o de ainda não

residirem em uma casa dos sonhos, com conforto, apesar de ponderarem a diferença e

salto de qualidade de se sair da lona e da falta de saneamento. Também a continuidade

282 Francisco Jubiano de Freitas. Entrevista concedida à autora em 2011. 283 Ibid.

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do desafio de se ajeitar com o pouco recurso financeiro que possuem, de continuar

fazendo inúmeras contas, privando-se de algo porque o dinheiro liberado é insuficiente.

Teresinha Gomes Nunes expressou a importância da experiência de erguer sua

casa da seguinte maneira:

Leandra: Então você ficou feliz com esse crédito [Material de Construção]?

Teresinha: Fiquei. [...] nós sempre agradece muito a Deus. Se você vê, quando está chovendo essa casa não tem goteira, é uma casa fechadinha, fazendo frio também ela é quentinha, de calor ela é fresquinha, então parece que Deus abençoou que ela ficou no ponto certinho, ficou muito bom.284

Dimensionar todos os significados da casa com tijolo, piso, quartos para todos,

banheiro dentro da casa, cozinha separada dos outros cômodos e pertences é algo talvez

difícil. Contudo, é notável que os elementos e características selecionados por Teresinha

para se expressar são compreendidos na reflexão mediada pela vivência de anos e anos

como Sem Terra debaixo da lona preta, onde, nos dias quentes, o ambiente pode chegar

a 45 graus e, no frio, a temperaturas baixíssimas.

Teresinha Gomes Nunes aponta como sua família organizou-se com os R$

5.000,00 do crédito optando por não ter gasto com mão de obra, pois a família é que

construiu a casa, que, também, no momento da entrevista estava na mesma condição das

dos outros, isto é, ainda no tijolo.

Ao indagar sobre como sua família aceitou ou não o projeto da casa e se ele

contemplava seus sonhos, Teresinha conta como eles foram adequando o projeto do

INCRA a seus desejos:

Teresinha: Concordou, concordou! A única coisa que o Jonas fez, ele aumentou, a medida deles era um tanto, o Jonas aumentou a medida dos cômodos, os cômodos ficaram maiores.

Leandra: Isso aí não tem problema, foi negociado [...]?

Teresinha: Não! [...] não! Você tinha de construir a casa, mas ele [Jonas Nunes] construiu no mesmo estilo, os quartos ao lado, três quartos ao lado, sala, cozinha, o banheiro no meio, do jeitinho que veio. Teve muita gente que fez diferente, teve umas pessoas que fez diferente, mas nós não, nós seguiu a norma certinho [...] [a casa] é simples. Mas, se Deus quiser, eu vou fazer um banheiro aqui, ó [...] [estávamos em uma área de serviço que não consta no projeto do INCRA e feita com lona no estilo do acampamento], se eu quiser fazer

284 Teresinha Gomes Nunes, entrevista concedida à autora em 2011.

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um outro banheiro agora, chegando a segunda [remessa do crédito], porque agora tem o dinheiro que vai vim, eles vão liberar pra reforma. Aí eu posso fazer, eu posso reformar ela, posso aumentar, né, isso aí futuramente, a gente nem sabe quando, mas já tem dois anos que nós já construiu a casa, vai fazer três, não vai demorar muito não, tem de mudar aí atrás, né.285

A narrativa de Teresinha esboçou esperança traduzida no seu jeito de falar.

Diferenciando-se de alguns trabalhadores, ela aponta os problemas, porém sua vontade

é sempre de afirmar o tempo presente como melhor que o passado. Esse sentimento é

constante na sua narrativa. Talvez sinalize um modo de demonstrar que ela e sua família

respeitam, como ela diz, a norma certinho. Assim sendo, é um modo de se respaldarem

do (pre)julgamento da sociedade, haja vista que possuem a consciência de que são

vigiados e fiscalizados pelo governo de Estado.

No que se refere ao endividamento financeiro dos assentados na luta para

permanecerem no assentamento, vale ressaltar uma questão abordada por João Pedro do

PA 21 de Abril, algo que pareceu ser uma contradição desse processo. A falta de acesso

à energia elétrica por anos foi a realidade cotidiana dos trabalhadores do assentamento

21 de Abril. João Pedro falou sobre a mudança dessa realidade com o acesso ao

“Programa Luz Para Todos”286 do governo federal. Esse assentado ponderou, no

momento da construção do seu depoimento, atribuindo significados à experiência com o

Programa Luz para todos da seguinte forma:

João Pedro: [...] na realidade o dinheiro está guardado, o dinheiro da União está parado [...] em vez de liberar, cutucar o órgão ambiental pra não sugar o trabalhador, fazendo o trabalhador tirar da garganta pra fazer um cômodo de 3 por 3 [para o acesso ao programa Luz para Todos], sendo que não vai ser útil depois, sendo que o material está guardado.

Leandra: E como vocês estão construindo [...]?

285 Teresinha Gomes Nunes, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011 no seu lote. 286 De acordo com site do Ministério de Minas e Energia do governo Federal, Luz para Todos foi “[...]

criado em 2003, para dar acesso gratuito a energia às populações do meio rural. O LpT tinha como meta promover 2 milhões de ligações, para atender a 10 milhões de brasileiros – número de pessoas sem energia elétrica em seus domicílios identificado na época pelo IBGE. O objetivo principal era permitir que os moradores do campo passassem a dispor de eletricidade, utilizando-a de forma produtiva. Ou seja, como um vetor de desenvolvimento econômico e social, contribuindo para a redução da pobreza e da fome. A meta inicial do programa foi alcançada em maio de 2009, mas as obras continuam sendo realizadas e mais famílias estão sendo atendidas. [...]”. (LUZ PARA TODOS completa oito anos com 14 milhões de brasileiros atendidos. Minas e Energia, 11 nov. 2011. Disponível em: <http://www.mme.gov.br/mme/noticias/destaque_foto/destaque_352.html>. Acesso em: 30 nov. 2011).

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João Pedro: [...] tem pessoas que do lado de fora [do assentamento] têm uma estrutura pra fazer empréstimo, um pequeno empréstimo de R$ 1.000,00 por alguns serem aposentados, alguém da família é aposentado que dá apoio, querendo dar uma força pra essa pessoa que está aqui dentro [...]. A gente sabe que nessa trajetória aí tem pessoas que têm alguém da família lá de fora que tem o nome limpo no Serasa e tal, aí vai lá e faz um empréstimo. Aqui tem vários casos desse jeito [...] aqui tem um caso [...] uma mulher que fez um empréstimo de R$ 3.000,00 pra fazer uma casinha. A hora que ela conseguiu aposentar por tempo de idade, que no caso, o INCRA não aceitaria assentar ela, mas como ela entrou como assentada antes [...] de aposentar, e ver essa pressão psicológica, que até por minha causa essas pessoas não fariam isso, teria que brigar diante dos órgãos responsáveis pelo assentamento e qual energia? É luz para todos ou luz para alguns, né? Eu acho que se é luz para todos, tem que dar luz para todos [...]. Dinheiro tem, o dinheiro está sobrando lá no banco, fica tudo guardado [...].287

Como se observa, cada família teria que ter no mínimo aproximadamente 10

metros quadrados construídos em seu lote. Algo que causa espanto de imediato quando

se vê a realidade dos lotes e sabe-se de suas condições, pois muitos trabalhadores

tiveram que se endividar e inúmeras outras dificuldades apareceram para cumprirem a

exigência do programa “Luz para Todos”. Entretanto, Maria Eleusa Mota, ao olhar e

interpretar essa experiência, o faz sob outro prisma:

É o projeto Luz para Todos, tem um mês só que nós conseguimos [...] que a energia chegou aqui pra nós tem mais ou menos um mês [...] nós entramos [para o assentamento] na época em que as coisas foram bem mais fáceis. Porque nós temos assentamentos [que] ficaram 10 anos [...] e não tinha energia elétrica. Esse projeto “Luz para Todos” tem pouco tempo que ele começou, então, nisso nós somos privilegiados.288

Maria Eleusa ainda conta como era viver sem energia elétrica e o que faziam

para ter acesso a ela, evidenciando as problemáticas do cotidiano e como reinventam

maneiras de lidar com elas: “[...] aqui tinha dois padrões dentro da fazenda e nós

fazemos gato, puxou pra todo mundo. Claro que não dava pra tocar máquina pesada,

essas coisas, mas assim, pro uso doméstico, estava dando pra ir levando”.289

Vítor C. da Mota, ao analisar a questão da energia, fez outras relações. Na

verdade, problematizou no campo da disputa política e partidária ao dizer:

287 João Pedro, entrevista concedida à autora em 2010. 288 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2011. 289 Ibid.

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O governo de Estado [Federal] ajuda muito, e o nosso governo do estado não faz força nenhuma. A nossa energia demorou mais mesmo, porque parece que ficou 2 anos sem soltar verba nenhuma [...]. O governo federal soltou, e ele [o governo do estado de Minas Gerais] travou a parte dele [...]. Não soltou! Dois anos sem ligar nenhum padrão de “Luz pra Todos” aqui em Minas! Teve estado aí que já tem uns três anos que acabou de ligar pra todo mundo! [...] o governo federal, [...] fez parceria [...]. Agora, o nosso aqui [governador] não interessa [...] por essa parte!290

Ao indagar Vítor sobre a contrapartida do governo do estado de Minas Gerais

no programa “Luz para Todos”, como os assentados se ajeitavam para terem energia

antes do Programa e quais eram as formas de luta, ele analisa:

[...] A contrapartida dele é bem baixa. Do governo do estado é só 15%. E 10 da CEMIG [Companhia Energética de Minas Gerais], o resto é tudo do governo federal [...]. Mas, aí não interessou em soltar a parte dele [estadual], e tem que passar por ele pra fazer, né? [...] Correr atrás, o pessoal [assentados] lá corria atrás do INCRA e pelejava. Eles [os técnicos do INCRA] chegaram vir aqui e prometeu que a energia vinha, e é só promessa, né, chegou não! Eu mesmo fui comprar um motor pra triturar a cana, até a mulher do [...]. Eu falei com ela, se vocês forem mandar energia, que nem se está falando, em fevereiro [2009], vou comprar um motor elétrico. Se não, tem que comprar um motor a diesel! Não se pode comprar um motor elétrico. Aí comprei o motor elétrico, a energia não veio, tive que comprar um motor a diesel também, ainda trabalhei dois anos com esse motor a diesel, pra depois a energia chegar [...]. Tem uns quarenta dias só que eles ligou. Eu estou com dois, mas o motor a diesel eu não vou vender não, vou deixar ele guardado aí. Falta uma energia, você trabalha com ele até chegar energia, pra tirar leite, pra ligar a ordenha nele. Então, deixo ele pra reserva, acabou a energia, você não tem tirar leite na mão, só ligar ele, ligar a ordenha! Mas na época que você comprou o motor, você já comprou apertado, né?291

Interpretando a seu modo as relações políticas e os interesses no investimento

no meio rural brasileiro, Vítor atribui a responsabilidade aos poderes públicos,

apontando ainda na direção dos gastos e riscos financeiros que o assentado acaba sendo

forçado a assumir para ter o mínimo de condições de ir para a lida no assentamento. Dá

assim elementos para se compreender que, no meio da disputa dos programas

governamentais, o assentado de reforma agrária pode não ser prioridade.

Sobre quando aconteceu e quais foram os critérios para o INCRA incluir o

assentamento Emiliano Zapata no programa “Luz para todos”, Maria Eleusa pondera: 290 Vítor C. da Mota, entrevista concedida à autora em 2011. 291 Ibid.

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[...] Talvez por isso que tenha demorado, porque enquanto não foi liberado o Crédito Habitação e a gente começou a construir, o INCRA não colocou a gente no programa. Porque como nós é de reforma agrária, quem faz a inscrição no programa é o próprio INCRA. Então ele é que vai saber quais assentamentos estão aptos ou não pra receber [o Programa], porque acho que a exigência é da CEMIG, ela não, nem é só da CEMIG, também é do próprio projeto [...] do “Luz para Todos”. Porque não vai colocar [...] padrão lá no meio do pasto, a esmo, tem que ter o morador.292

Maria Eleusa expressa seu ponto de vista sobre a exigência do mínimo de

construção dentro dos lotes para o acesso ao programa “Luz para Todos”, trazendo uma

perspectiva diferente da de João Pedro, do PA 21 de Abril:

Maria Eleusa: [...] eu estive conversando com algumas pessoas, aí [...] que eu entendi porque não se pode fazer isso [liberar a energia sem as casas estarem construídas]. Esse projeto é pra atender famílias, é pra atender pessoas de verdade, não pra beneficiar fazendeiro que quer valorizar sua terra. Entendeu? Por exemplo, você tem uma fazenda, você não mora lá, você tem aquela terra lá, só que você aluga os pastos e tal, pra valorizar. E aí então você cresce o olho, porque tem o programa, porque fica caro pra você pagar isso normal, né, pra você arrumar a energia lá. Aí você fala assim: já que tem o programa de graça, eu quero um padrão lá dentro da minha fazenda. Ele não vai arrumar, o objetivo não é esse, entendeu, é atender pessoas que estão no escuro.

Leandra: [...] mas tem famílias que não conseguem construir porque o crédito é pouco, ou porque o crédito ainda não chegou. Aí como é que faz?

Maria Eleusa: O que faz é ter que esperar, sabe? Acabei de te falar, eu já internalizei que não adianta espernear e ir contra esse tempo. Entendeu? Se você não atender os requisitos básicos que a lei lá exige, você não vai ser atendido. Não adianta você enfartar, o que tem que ser feito é a gente brigar pra mudar as leis. Aí, sim. Não estou dizendo que a lei está certa, que isso é certo, o que eu internalizei é que não adianta morrer antes da hora por causa disso. Porque você sozinho não vai conseguir mudar isso.293

As ponderações dos assentados sobre o acesso à energia elétrica pelo homem

do campo partem da perspectiva e da condição de classe social. Sobretudo, da

experiência vivida por cada um e como ela é significada por eles diante dessa questão

social urgente no país. E, no enfrentamento dessa questão, criou-se um programa

governamental com o intuito de melhoria da vida no campo para sua melhor

produtividade. Contudo, o que precisa ser pensado é como o trabalhador rural assentado 292 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2011. 293 Ibid.

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e suas necessidades têm sido inseridos e compreendidos pelos programas sociais de

governo, como o “Luz para Todos”. De acordo com o governo de Dilma Rousseff,

Em 8 de julho deste ano [2011], o Decreto Presidencial nº 7.520 prorrogou a vigência do Luz para Todos por mais quatro anos, ou seja, até o fim de 2014. Esta nova fase, no entanto, tem como foco atender aos cidadãos que vivem em áreas de extrema pobreza, em assentamentos da reforma agrária, as minorias raciais (quilombolas e indígenas), os atingidos por empreendimentos do setor elétrico e os moradores de áreas que teriam impacto tarifário se não houver a atuação governamental. O ministro Edison Lobão espera que até 2014 todos os inscritos no Programa sejam atendidos. Para ele, o principal desafio do governo nesta nova fase é chegar aos pontos mais distantes do país.294

É possível observar, a partir dessa enunciação do governo, que, após oito anos

do programa Luz para Todos, a partir de 2011 é que se define o foco em cidadãos que

vivem, entre outros, em assentamentos rurais. É um sério problema o acesso à energia

elétrica no campo brasileiro, haja vista que, quando foi criado o “Luz para Todos”, o

IBGE estimava que 10 milhões de pessoas em domicílios rurais identificados não

possuíam energia em suas moradias. Por outro lado, segundo dados do INCRA, existem

100 milhões de hectares de terras ociosas e 4,8 milhões de famílias sem terra para

trabalhar e tirar seu sustento. Esse é, portanto, um agravante: essas famílias não têm

domicílio identificado.

Para a compreensão dos apontamentos de Maria Eleusa Mota sobre a

necessidade de o assentado entender a dinâmica das formas de luta de acordo com a

mudança da conjuntura política, é relevante correlacionar sua reflexão à de outros. No

caso de João Pedro, do assentamento 21 de Abril, em meio aos desafios que menciona,

como a questão da energia elétrica, seu ponto de vista sobre as formas de pressionar ou

não os órgãos institucionais, por exemplo, o INCRA, vão no seguinte sentido:

[...] não usava esse tema em ocupar esse tal órgão [INCRA] pra poder estar chamando a atenção do governo. Eu esperaria, na minha opinião, um discurso do governo federal, eu esperaria um discurso de um deputado que, se fala que apoia o trabalhador, eu preferia esperar [...]. Eu faria diferente, fazia coisa que ia [...] só desmascarar algumas pessoas que falam que fazem a reforma agrária sem precisar de correr o risco de levar uma pancada, de ser espancando pela polícia, porque a gente sabe que lá a segurança é grande dentro da capital de Minas. [...]

294 LUZ PARA TODOS completa oito anos com 14 milhões de brasileiros atendidos. Minas e Energia,

11 nov. 2011. Disponível em: <http://www.mme.gov.br/mme/noticias/destaque _foto/destaque_352.html>. Acesso em: 30 nov. 2011.

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Eu faria o seguinte: eu espero uma nova oportunidade, eu faria de duas formas, eu falava não nas urnas, na hora de votar eu falava não! [...]. E também um dia que tivesse um comício, um discurso de um político daquele que fala que defende trabalhador, eu arrumava um grupo, porque a gente tem um grupo bem grande, que dá pra fazer. O grupo que faz o barulho lá no INCRA pode fazer no comício de um governador, de um deputado, de um senador, do próprio Lula, né? Do cara que fala que vai fazer a reforma agrária. E levaria lá pra frente, na mão de cada um, no meio dos comícios, as faixas, muito bem feito, uma propaganda de carro na rua. É direito da gente de se manifestar também contra, que a gente vive num país de democracia. Eu manifestaria dessa forma, eu trabalharia dessa forma [...]. Eu cobraria direto do cara. Ele estava pensando que estava fazendo uma campanha boa pra ele, eu estou quebrando a campanha dele, que num adianta se a gente faz lá vai criticar só o governo Lula somente, então, vai atrapalhar ele em alguma coisinha, na realidade não atrapalha os deputados, porque os deputados, na hora de pedir os votos: não, eu ajudo! Vamos basear o que um cara que eu admirava ele, o deputado Gilmar Machado. Em todos os discursos dele, ele fala que apoia a reforma agrária, os trabalhadores. Nós fomos a Uberlândia pra poder conversar com ele, pra pedir pra ele agilizar essa coisa do IEF e lá sobre a liberação dessas casas [...].295

A fala de João Pedro, ao ser aproximada da fala de Maria Eleusa, talvez possa

sinalizar o que a assentada afirma sobre o cansaço, desgaste e dificuldade do assentado

sair de seu lote para empreender lutas, sendo necessário, por isso, reinventar novas

práticas. Por outro lado, a fala de João Pedro indica alguém que já viveu muitas

experiências, compreende a dinâmica da correlação de forças e nela se insere. E nesse

campo de forças, João Pedro elabora e expressa como os políticos têm visto ou

legitimado a importância e o papel dos trabalhadores ligados ao campo. Aponta

questões centrais sobre a prioridade ou não da reforma agrária na agenda dos

representantes dos poderes públicos. É uma fala que, indo além do posicionamento do

não voto, sinaliza o cansaço, sua forma de resistência e quiçá tenha potencial de

enfraquecer aqueles que utilizam a questão agrária para beneficio próprio. Sobretudo,

pode indicar alterações futuras na disputa eleitoral na região abordada, pois, como diz

João Pedro, o Sem Terra sozinho não muda muita coisa, mas muitos “pode fazer um

barulho!”.296

295 João Pedro, entrevista concedida à autora em 2010. 296 Ibid.

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Os trabalhadores sabem o que querem, identificam os empecilhos, analisam a

correlação de forças e hoje direcionam a luta cotidiana principalmente para o órgão

responsável diretamente pelo processo de assentamento.

João Pedro apontou também problemas que considera de administração do

INCRA para explicar a situação em que se encontra seu PA:

A burocracia [...] eu clamo muito do governo federal, que se eu tiver um funcionário na minha empresa que não está me servindo, eu tenho que dispensar ele e arrumar quem está querendo trabalhar. A gente chega nos corredores do INCRA, os caras jogando no computador, [...] outros acessando site pornô, outras coisas do interesse dele, vendo modelo de carro novo, eu cansei de ver isso. Então, quer dizer, se você está sentado numa cadeira, se está com emprego do governo, qualquer que seja governo público, se chega no final do mês passa o cartão o dinheiro está lá, aí você chega cedinho, tem uma secretária pra trazer o café quentinho em cima da sua mesa, você aperta o interfone, traz pra mim uma água gelada, quando num tem frigobar lá dentro! Aí se levanta às 11 horas, lá dentro tem um restaurante, você chega lá com o dinheiro do governo, você vai lá come à vontade e almoça, aí você vai ficar um pouquinho mais tarde, aí você janta, você tem um carro pra te levar onde você quiser ir, pra onde você quiser ir, que é o que acontece aqui, você só anda em carro do governo, rapaz! Todos os funcionários do INCRA, é raro um lá que tem que andar no seu carro particular, então, todos lá têm carro, petróleo, motorista por conta dele, pra ele resolver um caso, água gelada, café quentinho, lanche duas horas da tarde, almoço onze horas. Ele vai ter pressa com o quê, cara? Se ninguém puxar a orelha dele, ele vai ter pressa com o quê? É só acessar site do interesse dele e brincar no computador dele, num tem ninguém pra puxar a orelha dele.297

A fala de João Pedro aponta para a imagem que muitas pessoas têm sobre o

servidor público, isto é, de que ele não exerce bem a sua função e, por isso, todo o

sistema de serviço do órgão público pode ficar comprometido, deixando a sociedade

sem um bom atendimento para a resolução de suas demandas. E, dessa maneira, João

indica, a partir do que ele viveu e presenciou nos espaços do INCRA, as tensões entre a

cultura do trabalhador da burocracia governamental e a dos trabalhadores assentados.

Entrevistar João Pedro possibilitou conhecer aspectos da realidade vivida por

ele e o modo como ele articula as ideias e engendra as palavras: pareceu sempre buscar

comparações entre as realidades vividas no intuito de chocar quem o ouve e assim se

fazer entender, despertando a sensibilidade do ouvinte para suas necessidades. Enquanto

eu o ouvia na realização da entrevista, a sensação era de que todas as situações

297 João Pedro, entrevista concedida à autora em 2010.

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 2222: O ASSENTAMENTO DE REFORMA AGRÁRIA 196

elaboradas por ele, na verdade, estavam sob o parâmetro do que ele e sua família não

vivem e almejam viver, quem sabe um dia deixando para trás o tempo em que não tinha

o lanche da tarde, a água tratada e gelada, a condução para levá-lo à cidade próxima.

Vale ressaltar que, no dia da sua entrevista, ele precisava ir à tarde à cidade

para uma consulta médica e passamos a manhã fazendo a entrevista. Aliás, ela foi

realizada ao lado do seu carro, em condições precárias, e ele estava tentando consertar a

parte de mecânica. Terminada a entrevista eu saí e, horas depois, retornando pela

estrada, encontrei-o com seu filho sob o sol, tentando novamente consertar o carro, ou

seja, ele perdeu a consulta que, com muita demora, havia sido marcada pelo sistema

público de saúde.

Essas questões do dia a dia dos trabalhadores rurais pareceram marcantes e

muito distantes das daquelas pessoas que talvez possam agilizar soluções para suas

demandas. Estando sujeitos à insensibilidade, à falta de fiscalização e de punição da

justiça, sofrem abusos de toda ordem.

Assim, as questões analisadas neste capítulo sugeridas pela investigação da

problemática em torno da vida rural de assentados em Uberlândia e Veríssimo são

imprescindíveis não somente para esses trabalhadores, mas para a disputa em torno do

projeto de campo do agronegócio e o de democratização do acesso à terra de forma

plena no Brasil. Sobressai como as práticas sociais narradas evidenciam transformações

na consciência que esses trabalhadores possuem de si próprios no momento e na

condição em que se encontram. Por meio da pesquisa foi possível conhecer parte do que

acontece na vida rural desses trabalhadores e que é ignorada por uma grande parcela da

sociedade, que, ou insiste em manter-se alheia, ou, por estar ciente da situação desses

homens e mulheres e saber de suas potencialidades, tenta silenciá-los.

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Eu sei que minha ilusão é essa [...] eu

estou apostando todas minhas fichas é

nisso aí [...]

(Francisco Jubiano de Freitas, 2011)

Capítulo III: Expectativas dos assentados dos PAs Emiliano Zapata e 21 de

Abril

C A P Í T U L O

III

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 3333: EXPECTATIVAS DOS ASSENTADOS DOS PAS EMILIANO ZAPATA E 21 DE ABRIL 198

ESTE CAPÍTULO ANALISA o processo de mudanças que viveram e vivem os

trabalhadores entrevistados, o qual é constituído de deslocamentos, seja da cidade natal

ou do campo, e dos muitos outros e diferentes lugares pelos quais passaram e/ou

viveram, bem como de lutas pela reforma agrária. Aborda quais e como são as

expectativas forjadas nesse processo e de que forma, após a conquista inicial de seu

objetivo, continuam a luta para mantê-la. Desse modo, analisa as expectativas e os

desencantos dos entrevistados e como ambos surgem de maneiras, em tempos e

territórios diferentes, mediados pela vivência e pelas transformações pelas quais sua

vida foi passando.

Almeja-se compreender a condição vivida pelos(as) assentados(as) no novo

território que é o assentamento, observando os desafios postos no cotidiano para se

tornarem de fato produtores por meio do trabalho cooperado da família. Como ainda

vivem condições de trabalho muito parecidas com as do passado, ou diferentes,

sinalizando que a vida como assentado desejada ainda está por ser construída e como é

uma realidade distante e complexa, atentando para como essa condição está articulada a

o movimento sociopolítico e econômico da reforma agrária no Brasil.

Portanto, o capítulo aborda de que modo, nessa realidade, os assentados dos

dois PAs em estudo dão respostas aos desafios de fazerem seus lotes produzir, o que se

configura de forma díspar entre os dois assentamentos. Na desigualdade em que ambos

se encontram, analisa-se o processo de acesso ao sistema de plantio de nome Mandalla

por parte dos assentados do PA Emiliano Zapata, quais são os significados desse

sistema para eles e como, por meio dele, estão forjando expectativas de produção e de

melhoria na vida. Também problematiza como tem sido a atuação e o interesse, ou a

falta dele, por parte dos poderes públicos na manutenção de territórios da reforma

agrária e discute como os assentados se articulam em busca de inserção nas políticas

públicas para o agricultor familiar e que projetos possuem.

3.1 AS LUTAS E SEUS HORIZO�TES �A CIDADE E �O CAMPO

Grande parte dos trabalhadores entrevistados vivenciou diferentes experiências,

ora no meio rural, ora no urbano, enquanto outros tiveram experiências somente em um

desses meios na busca de garantir a vida e o trabalho até fazerem a escolha e chegarem

ao objetivo que é conquistar um pedaço de terra. Francisco Jubiano de Freitas, do PA

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 3333: EXPECTATIVAS DOS ASSENTADOS DOS PAS EMILIANO ZAPATA E 21 DE ABRIL 199

Emiliano Zapata, em entrevista no ano de 2003, portanto quando estava na condição de

acampado no município de Uberlândia, trouxe à tona suas posições e seu olhar político

sobre sua chegada, sua estadia e sua retirada da cidade de Uberlândia para engajar-se no

MST:

Eu acho, aliás, nem acho, eu tenho certeza que o sonho, num é nem o sonho, é o desejo mesmo, de uma precisão mesmo, né? Se fosse inté sonho, mas é uma precisão que a gente tem, que é isso, é o único meio de sobreviver é esse [ser assentado], então meu sonho é cheio de alto e baixo, tem hora que baixa a estima mudando de governo. Se muda de governo, você está esperando, que nem nós estava esperando ser assentado aí em 2000, [...] não veio. A gente, nessa mudança de acampamento em acampamento, quando começa uma produção [de alimentos], tem que mudar, a gente baixa a estima. Só que eu sei que pra eu realizar e pra eu suprir minha necessidade, a única solução é lá [no acampamento e no futuro assentamento Emiliano Zapata]. Agora aumentou mais minha expectativa, inclusive a gente já sabe que está pra sair umas áreas aí e aí é que minha expectativa aumenta mais, que é só com a reforma agrária mesmo [...] eu a minha necessidade, tenho que voltar pro campo, que na cidade pra mim, a única profissão que eu tenho, num é nem profissão, mas que eu sei fazer mais é mexer com gado e na cidade é com motorista, mas nem isso você encontra mais, tem que ter é segundo grau, primeiro grau e segundo grau, eu tenho a terceira série, então num tenho, num sobra mais espaço. Quem é da roça é que nem o cavalo, tem que comer capim. Então a minha expectativa é essa [...] pra sobreviver, eu tenho é que ficar na roça mesmo. É tanto que hoje, se eu tivesse na cidade, eu num tinha sobrevivido durante esses quatro anos que eu já tentei aqui [Uberlândia] e passei fome, aqui eu passei fome, aqui em Uberlândia. Isso eu posso falar que eu já passei. Já eu voltando pra roça, mesmo a gente saindo de acampamento em acampamento, mas num teve um dia sequer que eu passei fome. O dia que eu num queria comer é porque eu num queria, vontade mesmo. Mas nunca faltou é verdura, é arroz, nunca faltou feijão, isso nunca faltou, leite nunca faltou, então é essa minha necessidade de ficar na roça, é essa.298

Esse trecho revela algumas das muitas experiências que constituíram a vida de

Francisco e que acabaram por convencê-lo de que a vida só é possível e viável no e do

campo. A partir de suas ponderações sobre os momentos vividos na roça e na cidade,

percebe-se o leque de expectativas desse trabalhador, isto é, a narrativa do assentado

traz outras dimensões de questões sociais, que são compartilhadas com outros

trabalhadores na mesma condição de classe, como o pouco estudo e qualificação

profissional, que dificultam ou mesmo impedem a permanência na cidade. Sobretudo,

Francisco aponta que o processo e as experiências naquele tempo, como acampado e

298 Francisco Jubiano de Freitas, entrevista realizada na residência da autora em Uberlândia no ano de

2003.

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como morador da cidade, o transformaram, o que significa que se modificou a

consciência de si mesmo, e o significado das lutas empreendidas tanto no campo como

na cidade também evidenciam as mudanças de concepção sobre o que é viver no meio

urbano ou no rural.

Francisco J. de Freitas fala sobre o processo que viveu, atribuindo importância

ao fato de que, desde quando ingressou no MST, pôde se alimentar todos os dias,

diferentemente de em outros tempos e outros lugares. Especialmente para Francisco, os

resultados das lutas ganham relevância por construir o sentimento de pertencimento

(ARANTES, 2000) a uma comunidade, ou seja, de não estar fora do lugar, de estar

realizando algo que para ele é legitimo, de ter encontrado no campo a possibilidade de

se fixar, apontando perspectivas de vida e de trabalho.

É importante mencionar a sua referência a valores e expressões como “quem é

da roça [...] tem que comer capim”. Francisco articula memórias e formas como os

trabalhadores do campo vivem a vida e compreendem os espaços sociais,

compartilhando olhares e concepções, já que a expressão usada por ele está relacionada

ao universo dos trabalhadores da roça, num jeito de falarem de si mesmos e dos outros

na mesma condição. E, entre seus significados, compreende-se o desejo de homens, na

mesma condição de Francisco, demarcarem lugares sociais, isto é, aquele que nasceu na

roça come alimentos da roça, tem hábitos característicos do homem do campo, e aquele

que é da cidade acostumou-se com o modo de viver na cidade. Essas características para

Francisco parecem ser marcantes, contudo outros talvez não as tenham tão claras assim.

Em outro momento de sua entrevista, Francisco J. Freitas faz questão de

mencionar como lembra e como significa o tempo que morou na cidade do estado onde

nasceu e em outras pelas quais andou em busca de uma vida melhor:

[...] eu fiquei contrariado [quando morou em Uberlândia] porque eu tinha saído da roça, que foi lá do Rio Grande do Norte, justamente porque não tive opções de [...] não tinha mais como eu sobreviver lá, então, a única opção que eu tive foi vim pra cidade. Então, quando eu cheguei na cidade, eu achava que eu tinha, que eu ia ter ao menos direito de me alimentar, sabe? [...] Eu achava que ao menos o direito de mim alimentar eu ia ter esse direito, mas só que foi o contrário, [...] quando eu saí da roça pra vim pra cidade grande, ao menos uma vez num dia eu comia e achava difícil, porque ao menos uma vez era garantido eu comer na roça, sabe, eu mim alimentar na roça, agora,

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 3333: EXPECTATIVAS DOS ASSENTADOS DOS PAS EMILIANO ZAPATA E 21 DE ABRIL 201

quando eu vim pra cidade, tinha dia que eu num alimentava, nem um café eu num tomava na cidade [...].299

Cotejando a narrativa de Francisco Jubiano de Freitas com a de José Firmo da

Mota, alarga-se o horizonte de percepção dos desencantos que moviam os

trabalhadores:

Eu nasci no município de Lagoa Formosa [estado de Minas Gerais], fiquei lá até 43 anos de idade e depois fui pelejando com a vida lá, trabalhando na roça, trabalhando na meia. Mas depois o trem foi apertando de uma maneira [...]. Eu tenho sete filhos, foi por resto eu vi que eles ia passar fome, eu tive que saí pra vim aqui pra Uberlândia caçar outro recurso. Aí vim pra cá em 1991, trabalhei três anos na granja Planalto, aí eles me mandou embora, aí eu fui pra dentro da cidade [Uberlândia], dentro da cidade eu fiquei, trabalhei [...] cinco anos de vigia, mas aí o trem difícil demais, [...] a gente tem que trabalhar de vigilante à noite [...] eu não sei fazer mais nada a não ser trabalhar na roça, aí o motivo de eu ter vindo pru Sem Terra, foi por isso, pra adquirir uma terra pra mim poder cuidar da vida, porque lá [Uberlândia] não tem como.

Leandra: [...] como foi aparecendo na sua vida essa vontade de vir pra Uberlândia?

José Firmo: [...] É o seguinte: é porque o trem estava apertado demais, não estava tendo como viver mais lá mais na roça. Aí meu irmão veio pra cá na minha frente, sabe? [...] Ele já estava trabalhando, ele veio direto pra granja Planalto [...] ele trabalhando lá, aí eu vim, dentro parece que de trinta dias, só que ele tinha vindo, eu vim atrás, fiquei lá na granja três anos, eles mandaram nós embora, todo mundo, aí nós fomos pra cidade [Uberlândia]. Então o problema é esse, teve que sair da zona rural lá [Lagoa Formosa] e o trem foi apertando até que não teve como mais ficar mais lá, mas minha vontade [...] é só ficar na zona rural trabalhando [...] o motivo que eu estou no Sem Terra hoje é pra consegui uma terra pra mim poder sobreviver aqui, porque eu não sei sobreviver dentro da cidade, a vida pra mim dentro da cidade é difícil, eu não sei fazer nada dentro da cidade.300

A história de José Firmo da Mota sobre o deslocamento do lugar de origem traz

característica diferente da dos outros entrevistados, pois, ao contrário de ir diretamente

299 Francisco Jubiano de Freitas, entrevista concedida à autora em novembro de 2001, no acampamento

Emiliano Zapata na FERUB, município de Uberlândia. 300 José Firmo da Mota nasceu no ano de 1948, sendo natural de Lagoa Formosa – Triângulo

Mineiro/Alto Paranaíba, e faleceu em 2007, de infarto, no seu lote do assentamento Emiliano Zapata no momento que trabalhava na terra. A entrevista em questão foi concedida à autora em 2001 no acampamento Emiliano Zapata. Vale lembrar que José Firmo da Mota, pai de Maria Eleusa Mota, fazia parte de uma das famílias do grupo que permaneceu no Movimento após o despejo da fazenda Garupa, como abordado no capítulo 1.

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 3333: EXPECTATIVAS DOS ASSENTADOS DOS PAS EMILIANO ZAPATA E 21 DE ABRIL 202

para a cidade, foi empregado na agroindústria Granja Planalto,301 no município de

Uberlândia. Isso sugere uma tentativa ou possibilidade de José manter ainda os vínculos

com o campo: “[...] a granja dava a casa pra nós morar [...] mais de cinco pessoas

trabalhando, a granja fornecia a casa, então não pagava água, não pagava energia, não

pagava nada”,302 sinalizando algumas condições de vida que talvez retardassem de

início outras preocupações da família Mota, como as despesas na cidade.

Por meio da narrativa de José Firmo, é possível conhecer outro trabalhador –

“[...] meu irmão veio pra cá na minha frente, ele já estava trabalhando, ele veio direto

pra granja Planalto” –, o qual integra o cenário de condições desafiadoras apontadas por

Jose Firmo com a vida na roça e na cidade vivido por esses irmãos e tantos outros

trabalhadores: “[...] eles mandaram nós embora, todo mundo, aí nós fomos pra cidade

[Uberlândia], então o problema é esse, teve que sair da zona rural”.

Quando se ouve os trabalhadores dizerem que tiveram que sair da zona rural, é

possível perguntar como foi essa saída, o que a motivou, quais imagens têm de cidade

ou do campo e como, quando e por quem essas percepções foram construídas, e sob

quais configurações, dentro do processo histórico e na correlação de forças, emergiram.

Pela investigação e interpretação históricas das fontes jornalísticas e acadêmicas,

compreende-se que, pela ótica da imprensa local de Uberlândia, em conformidade com

os grupos políticos e econômicos dominantes empreendedores de capital na cidade nas

últimas décadas, foi fundamental para o suposto progresso da cidade a força da mão de

obra vinda de diferentes lugares no momento da construção da cidade industrial. Em

301 No site da empresa encontra-se, no tópico sobre sua história, a seguinte mensagem: “Uma empresa

que nasceu na revolucionária década de 60 não poderia ter outro papel senão o de redesenhar o panorama da avicultura brasileira. E foi o que aconteceu, em meio a um momento crucial do país, em que a economia, ainda aquecida, vivia os últimos momentos de um ciclo de expansão originado a partir do pós guerra. Três empreendedores pioneiros da agroindústria, Helvécio Carneiro, Orvenor Fernandes e Genésio de Melo Pereira, criaram a Granja Planalto em 3 de junho de 1964. O sonho e a trajetória de realizações dessas três pessoas incluiria as empresas Moinho Sete Irmãos e Valleé, orientadas para o setor de alimentos, e a Imobiliária Tubal Vilela, com atuação no setor imobiliário. Todas controladas pela CARFEPE, holding com sede em Belo Horizonte /MG. A Granja Planalto teve como objetivo inicial a produção de ovos de mesa, com um plantel de 120 mil poedeiras que consumiam os subprodutos da moagem do trigo do Moinho Sete Irmãos. Enquanto o panorama brasileiro apresentava um cenário sombrio e incerto, por conta dos choques do petróleo e dos juros, a Granja Planalto mostrou ousadia e diversificou seu negócio em 1972, concluindo a 1ª etapa do 1º Projeto de Expansão e Modernização. A Granja Planalto passou então a produzir pintos de um dia para corte”. (HISTÓRICO. Granja Planalto. Disponível em: <www.granjaplanalto.com/empresa_hist.htm>. Acesso em: 30 out. 2011).

302 José Firmo da Mota. Entrevista concedida à autora em 2001, no acampamento Emiliano Zapata na FERUB.

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relação ao processo de divulgação das supostas oportunidades de Uberlândia via

imprensa são notáveis as ponderações de Maria Eleusa:

[...] lá na roça nós num tínhamos nem televisão em casa, nós num tinha nem energia em casa, nós num tinha ideia nem de mundo. Nosso mundinho era bem pequeninho, num tinha muita, a imagem que eu tinha [de Uberlândia] era que era uma cidade boa, uma cidade próspera, uma cidade famosa porque todo mundo lá [...] que vinha pra cá gostava, todo mundo que vinha pra cá voltava numa metidez danada pra lá. Quando ia passear, a gente até tinha vergonha. Eu lembro que eu até escondia do povo, porque as pessoas vinham e voltava com uma metidez danada. Depois, quando eu vim pra cá [Uberlândia], a gente descobriu que não era bem assim, que aqui também a coisa é dura, que se rala, rala pra conseguir as coisas. Depois que nós fomos ver que as pessoas que iam pra lá com aquela metidez talvez ficava até sem comer pra comprar roupa nova, comprava a prazo pra ir desfilar lá [Lagoa Formosa]. Aí a gente percebeu esse âmbito, mas a gente nunca teve essa preocupação de vim pra cá [Uberlândia] pra ficar rico, só pra ter dignidade, pra poder se alimentar bem e poder ter tratamento de dente, essas coisas, que lá num dava pra fazer trabalhando a meia [...].303

A narrativa esclarece, ainda mais, os valores cultivados pela trabalhadora e, ao

que tudo indica, também no seu meio familiar. Aponta os que eram importantes e

imprescindíveis: ter dignidade, ter alimento, ter tratamento de dente. São valores

provenientes de um jeito de viver a vida, com os quais os modos urbanos, pautados pelo

consumismo talvez exagerado na opinião da trabalhadora, entravam em choque, ou

constrangiam a família Mota. Em meio ao processo amplo que invade e absorve os

trabalhadores, Maria Eleusa, nessa entrevista de 2001, se por um lado não se refere a

como se dá a influência dos meios de comunicação de massa na formação de opinião de

uma ampla população sobre as maiores oportunidades oferecidas aos moradores de

cidades como Uberlândia em comparação com o morar no campo, por outro lado aponta

para outros meios de circulação de imagens de prosperidade em Uberlândia que

historicamente circulavam entre os trabalhadores do campo ou de cidade menores.

Faz-se necessária uma observação: uma das possibilidades que esta tese

proporcionou ao acompanhar esses trabalhadores rurais por mais de uma década foi

conhecer os caminhos percorridos e as mudanças efetivas dessas pessoas no jeito de

olhar e lidar com a vida em sociedade. Ressalta-se outra elaboração realizada por Maria

303 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2001.

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Eleusa surgida em outro lugar, isto é, na condição de acadêmica,304 e após 10 anos, nos

quais ocorreram transformações na consciência que a trabalhadora possui de si mesma,

da luta e da realidade sociopolítica. E, nessa condição, assim Maria Eleusa analisa sua

vivência, os sentidos e os significados da sua luta:

[...] Não tendo noção do que acontecia, mas vivendo a crise econômica e tendo contato com o processo inflacionário, já que isso afetava a vida de todos, até mesmo de quem, como eu, que morava em locais distantes dos centros econômicos, percebia nitidamente as desigualdades e as injustiças sociais. Então, mesmo sem contato mais amplo com o mundo, o espírito de indignação já corria em minhas veias desde criança. [...] Adorava acompanhar meu pai nas reuniões do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, onde ele era um dos membros da diretoria, e ficava revoltada de ver pessoas tendo mais do que o necessário para a sobrevivência em detrimento a outras que viviam com tão pouco, ao ponto de passarem fome. Só muito mais tarde fui entender que o pavor que a população mantinha do delegado da cidade e as retaliações e atentados contra a vida do presidente do sindicato dos trabalhadores rurais, que era meu vizinho e amigo, eram resquícios da ditadura militar. [...] Minha família trabalhava como meeira em terras alheias, mas nunca passamos fome. Tínhamos mesa farta e desde criança me sentia constrangida diante das famílias que passavam mais dificuldades que nós e me indignava ver outras famílias com tanto, explorando aquelas a quem deveriam ajudar. [...] com o desejo ardente de conseguir um pedaço de terra para trabalhar e com um pouco de conscientização é que no dia 09 de junho de 1999 eu e meu pai fomos morar no acampamento Emiliano Zapata, município de Uberlândia MG. [...] Assim, nós não fomos para a luta apenas pelo financeiro ou pelo desejo do conquistar um pedaço de chão, mas também porque tínhamos certa vocação pela luta contra as desigualdades sociais. No acampamento inicia-se o processo de formação política e começa a despertar-se para a conscientização da luta de classe, o que me levava a compreender, ainda que de forma meio nebulosa, que para sobrevivermos com dignidade necessitaríamos também de saúde e educação e etc. (MOTA, 2010, p. 13).

Passados alguns anos, Maria Eleusa se transformou, porém é possível observar

que sua memória elabora, sob determinados parâmetros e noções, valores que não

mudaram e/ou não se perderam. Nessa permanência de valores e concepções está a

importância da noção de dignidade relacionada ao direito ao acesso à saúde e educação;

isso evidencia a busca constante por dignidade, a qual continua sendo uma importante

conquista.

304 Maria Eleusa Mota se formou no ano de 2010 em Licenciatura em Educação do Campo com a

monografia intitulada: A prática educativa no MST e a consciência de classe: desistência e persistência da militância pela UFMG, sob orientação da professora Drª Leila Floresta.

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As memórias de Maria Eleusa, passada quase uma década, deixam claro como

foi importante o acesso a informações e a leitura de mundo amplas, saindo do

“mundinho [...] bem pequeninho”.305 Agora, devido à luta pela reforma agrária, o

horizonte se ampliou, o mundo se alargou; talvez o mais simbólico e significativo esteja

em sua fala sobre o que a constrangia em 2010, denotando as experiências na e da luta

que a fizeram conhecer outras histórias semelhantes, ou não, à sua própria história e lhe

possibilitaram o contato com outras memórias sob outra e diferente linguagem, isto é,

via formação e organização social e política. Obviamente sua fala surge e é motivada

por outro interesse, não mais o de se deslocar para a cidade “boa e próspera”,306 pois

escolheu reivindicar o direito ao campo e, como ela diz, não só pelo financeiro, mas

“[...] porque tínhamos certa vocação pela luta contra as desigualdades sociais [...]”

(MOTA, 2010, p. 13).

Nesse mesmo sentido é que se buscou interpretar historicamente as escolhas

feitas em um processo de desencanto dos trabalhadores entrevistados com a cidade e do

forjar novamente anseios de continuar em frente na busca de um lugar. O sonho de

Francisco, que num é sonho, é precisão, chegou para ele e seus companheiros de luta no

ano de 2004 e, no novo território (assentamento), começaram a se organizar no rumo de

se constituírem como produtores, ou seja, na condição em que cada família de

assentados vive em seu próprio lote. Contudo, as experiências do presente sinalizam

ainda situações parecidas com as do passado, isto é, no que se refere ao trabalho dentro

do assentamento, viver a vida da produção do lote ainda é uma realidade distante e

complexa. Membros das famílias necessitam sair em busca de renda monetária e para

isso prestam serviços para os fazendeiros da região, situação que foi narrada por

Francisco Jubiano de Freitas.

Francisco: [...] o pessoal, a maioria aqui, 99%, todo mundo trabalha pra fora.

Leandra: E há uma orientação que vocês precisam ficar no assentamento? Como é essa questão de estar assentado e precisar sair? Tem alguma questão que impede legalmente?

Francisco: Olha! Legalmente, se você estiver fora do lote, você perde o lote. Isso é da parte legal, jurídica do INCRA. Só que, hoje, as famílias aqui, todos trabalham fora, mas permanece no lote, então é prestador de serviço, sai de manhã cedo de boia-fria e volta tardizinha.

305 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2001. 306 Ibid.

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 3333: EXPECTATIVAS DOS ASSENTADOS DOS PAS EMILIANO ZAPATA E 21 DE ABRIL 206

Leandra: [...] deixando algum membro da família no lote?

Francisco: Sempre fica. No caso, sai o homem pra trabalhar e fica a mulher e os filhos no lote. Você é vendedor de serviço, então você vai prestar serviço e voltar [...]. Costuma ser mais de segunda a sexta [...].

Leandra: E como que está essa prestação de serviço? É na cidade ou no campo?

Francisco: No campo, aqui na região, em volta do assentamento.

Leandra: Está tendo emprego, vamos dizer assim, pra todos que estão precisando?

Francisco: Está, tem serviço.

Leandra: E que tipo de serviço vocês estão fazendo?

Francisco: É serviço braçal, é você pegar desde roçar pasto, pra plantar eucalipto, é serviço braçal.

Leandra: Você está fazendo o quê?

Francisco: No caso, agora, eu estou plantando eucalipto, eu estava mexendo com melancia. Agora é eucalipto [...]. Na verdade, eu sou [...] eu é que pego a turma, eu tanto trabalho lá, como eu sou o turmeiro que pego a turma pra trabalhar lá.307

Esse assentado exerce, entre outros, o serviço conhecido como turmeiro, o

encarregado de agenciar trabalhadores e formar as turmas para a plantação e a colheita

de eucalipto e/ou outras culturas. Sua fala revela a complexidade da conjuntura vivida

ao trazer à tona a condição de assentado que sai de boia-fria e volta tardizinha,

sinalizando para as condições e regime em que ainda trabalham, ou seja, sujeitos ao

universo dos trabalhadores volantes e ao que isso significa.

É pertinente a análise dos trabalhadores entrevistados sobre as formas como

eles ganham o pão de cada dia, seja na labuta do acampamento, seja no assentamento,

pois trazem os significados de suas escolhas no viver a vida. Dialogando com a

experiência histórica de João Pedro, do PA 21 de Abril, é possível delinear alguns

desafios e contradições pelas quais passam os trabalhadores Sem Terra, sob a

perspectiva de experiências semelhantes. João Pedro, assim como os trabalhadores do

PA Emiliano Zapata, indica (no ano de 2010) não possuir ainda plenas condições

financeiras e materiais para a produção em seu lote. E a saída que encontra para cuidar

da esposa e de um casal de filhos, um adolescente e uma criança, são serviços

esporádicos na pequena cidade de Veríssimo. João Pedro diz o seguinte:

307 Francisco J. Freitas, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011 no seu lote no assentamento

Emiliano Zapata.

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João Pedro: [...] falar aqui do INCRA, a gente não pode sair pra trabalhar, a gente não pode abandonar o lote de forma alguma, a gente não pode trabalhar de carteira assinada, a gente num pode alugar os pastos, quer dizer, num entra nenhum tipo de apoio pra gente estar produzindo. Se num entra um dinheiro pra mim fazer uma cerca, como vou plantar?

Leandra: E que o acontece se o INCRA souber que tem pai de família saindo pra cidade próxima pra trabalhar?

João Pedro: Se for autônomo, um biquinho ali, eles sabem, se eles mesmos quiserem barrar isso aí, eles não estão querendo fazer reforma agrária, estão querendo fazer um monte de cadáver.

Leandra: [...] [O] INCRA que proíbe o assentado de sair do assentamento? O que o INCRA vê como certo? [...] existe uma orientação?

João Pedro: Uma orientação existe, uma orientação, tipo, a gente num sabe se é de forma arbitrária ou não, mas chega a falar pra gente que, se a gente sair [...] inclusive teve um, eu num vou citar o nome do funcionário do INCRA que num precisa, mas teve um cidadão que diz: Oh! Você falou pro presidente [da Associação do Assentamento] se você souber que tem qualquer um trabalhando de carteira assinada, mesmo ganhando um salário mínimo, você me indica ele, porque eu já vou tirar ele da reforma agrária.

Leandra: Excluir ele do assentamento?

João Pedro: Excluir ele da reforma agrária, porque aqui é pra quem quer trabalhar no campo e não na cidade, porque quem quer trabalhar na cidade tem que ir pra cidade. Aí a gente percebe, oh, Leandra! de que forma equivocada que o cidadão trata a fome, num entra nem um tipo de recurso pro cidadão trabalhar [...].308

A reflexão do trabalhador é provocativa e crítica, tendo em vista que os últimos

governos da União (os mandatos de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff)

possuem como programa o combate à fome e à pobreza presentes no campo e na cidade.

Sugere que, mesmo que esses governos tenham avançado em políticas sociais em

tempos recentes, ainda falta integrar efetivamente grande parcela da população. E para

isso é preciso atitude e mudança de projeto e de concepção de governo sobre qual

sociedade se deseja, assim exigindo revisão e banimento de regras e normas, por

exemplo, para assentados da reforma agrária, que, ao contrário de facilitar e promover

melhorias para os trabalhadores, dificultam a sua permanência no campo. As colocações

de João Pedro sugerem as contradições e tensões nas políticas de assentamento pela

conjuntura de falta de renda que garanta o sustento da família. Sendo assim, muitos

assentados se arranjam com as perspectivas de trabalho existentes.

308 João Pedro, entrevista concedida à autora em novembro de 2010, no PA 21 de Abril.

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Formas de reinventar o direito ao alimento do dia a dia emergem, por exemplo,

no fazer biquinho, o que significa trabalhar sem carteira de trabalho assinada, portanto

sem as garantias dos direitos trabalhistas e sem a segurança de uma renda fixa. João

Pedro está se articulando nas poucas e esporádicas ofertas de serviços braçais em uma

cidade pequena como Veríssimo. As experiências de trabalho em tempos passados ainda

são o presente de João, quiçá frustrando suas expectativas em ser um assentado e viver

do lote: “[...] até agora eu num sou um pintor profissional, faço por vez ser um

profissional, eu num sou profissional, mas eu faço um desenhinho, as pessoas admiram,

né?”.309

Importante ressaltar que, no momento dessa entrevista (novembro de 2010), a

renda familiar de João era somente do seu trabalho como autônomo e sua maior

preocupação era que os seus filhos conseguissem estudar, já que ele, pelas suas

condições de vida, não conseguiu. Nessa conjuntura, João Pedro não admite, por

exemplo, que seu filho adolescente saia em busca de algum serviço, bem como preserva

sua esposa, que naquele momento se encontrava com a saúde debilitada. Ainda sobre

esse trecho da sua narrativa, é pertinente observar como João aponta a existência de

pressões sobre as relações sociais no PA 21 de Abril pela prática dos funcionários do

INCRA de impor regras e ordens de conduta ao assentado em relação ao trabalho.

Regras essas que, ao serem analisadas, mediadas pela vivência do trabalhador e sua

família, parecem muito distantes das suas necessidades básicas para manutenção da

vida. Enfrentando o cotidiano, o trabalhador sabe que o INCRA tenta monitorar os

assentados, até mesmo, talvez, colocando o presidente da Associação do Assentamento

em situação constrangedora, quiçá fazendo emergir conflitos internos. As divergências

entre os trabalhadores podem aparecer em situações como essas, bastando uma

discordância forjada na relação de poder.

João Pedro, no ato de se virar, de se arrumar, de inventar e reinventar

cotidianamente meios para persistir com a família no lote, segue direções possíveis:

Minha esposa é do lar, ela tem um problema cardíaco [...] o INCRA encaminhou uma documentação ao presidente da Associação, que encaminhou pro setor do governo, que é o INCRA, o sistema de saúde dela. Como estava aí um médico do INCRA, avaliou os exames dela [...] e deu o direito dela receber um benefício do governo, até resolver essa situação que ela é do campo e é do lar. Aí, como a burocracia é grande do INSS, ela num foi aprovada, ela foi reprovada pelo INSS. O

309 João Pedro, entrevista concedida à autora em 2010 no PA 21 de Abril.

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próprio governo autorizou, o próprio INSS tirou o direito dela. Então, eu trabalho, faço meus pulos, vou fazendo meus biquinhos pra poder [...] cuidar da família. Nós sobrevivemos com isso, num tem nenhuma outra uma renda.310

João ainda indica, entre o processo e formas de ajeitar-se para viver, outras

perspectivas e arranjos praticados também pelos companheiros de assentamento em

resposta aos desafios, dando-nos a conhecer a dimensão do que os assentados estão

apontando e de sua complexidade:

Leandra: E alugar? Tem algum companheiro seu, principalmente, que aluga pasto?

João Pedro: Uma pequena, uma parte tem sim, porque muitas dessas pessoas [...] quem quiser ver a realidade de um assentamento tem que vim pra cá, igual você veio. Hoje você está tendo um pouco conhecimento, mas se você começar a andar, você vai ver a realidade que várias pessoas se locomovem todos os dias de sua casa pra ganhar seu pão na cidade, no vizinho tirando o leite, fazendo a cerca, batendo o pasto, trabalhando como se tivesse trabalhando pra ele. Aí ele tem que abandonar o dele pra ir mexer com o dos outros, porque, se ele for mexer no dele, num tem com o que investir, que até bater o pasto, roçar, ficar bonitinho, capinar tudo bem, aí depois ele vai viver de quê? [...] ele vai bater o pasto pôr o que dentro? Num pode alugar, num tem nada pra poder trabalhar com a terra, pra poder plantar alguma coisa, então ele vai viver de quê? Então, o cara tem que ter duas coisas, chama-se dinheiro e disposição, aí vai ter alguma coisa, porque se ele for mexer com pasto, bater pasto, ele vai [e] pôr o que dentro? Gado? Num pode alugar, uai, e não tem dinheiro pra comprar gado também. Agora existem uns pequenos casos de aluguel de pasto, mas o que acontece? O cara ali, pra ele alugar o pasto, ele tem que alugar ou se não ele vai morrer de fome. Ou ele aluga ou então ele vai embora daqui, ele vai embora [...] pra morar na cidade e vai tentar viver lá. Eu até sou a favor de todas as pessoas abandonarem o assentamento hoje, todas, e pedir pro governo em nome do INCRA, pro INCRA pedir pra Superintendência: Superintendente, nós estamos abandonando o assentamento no geral, todos nós estamos abandonando e gostaria que o senhor colocasse, ou que seja, o órgão colocasse novos trabalhadores lá dentro pra viver da terra como [...] minhoca, minhoca come terra, então, eu queria que o senhor, nós estamos saindo, desocupando a fazenda e o senhor coloca novos trabalhadores lá pra conseguir viver [...] que se nós num pode trabalhar lá de fora e nem lá dentro, o senhor quer que nós vive de quê? Que nós pasta igual animal, e é o que hoje eu estava conversando: como a pessoa vai viver num lugar desse aqui?311

310 João Pedro, entrevista concedida à autora em 2010 no PA 21 de Abril. 311 Ibid.

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A narrativa de João Pedro, em diálogo com outros trabalhadores entrevistados,

principalmente com a fala de Maria Eleusa Mota sobre o constrangimento entre os

trabalhadores do PA Emiliano Zapata por estarem vendendo a força de trabalho para

fazendeiros da região, traduz as contradições, sob a ótica dos trabalhadores, do processo

de constituição de anos de luta pela reforma agrária. Por outro lado, evidencia como tem

sido tratado o trabalhador pobre do campo em sucessivos projetos de assentamento no

campo, isto é, aquilo que compõe a dinâmica própria da expansão do capital no meio

rural.

As perspectivas de Francisco Jubiano de Freitas (p. 205), assim como a

apontada por João Pedro, sugerem que a questão do trabalho fora do lote é algo

melindroso para os trabalhadores. O seu sentimento pode ser traduzido como

indignação, talvez por saberem que podem ser vistos pela sociedade de fora e pelo

governo como descompromissados, ou mesmo como se estivessem fazendo algo errado.

Diante da realidade do PA 21 de Abril, de poucos recursos dos assentados para

produzir em seus lotes e viverem dessa produção, eles correm atrás de projetos e se

articulam com as forças políticas e econômicas que possam agilizar melhorias na

produção dos lotes, como conta Ricardo dos S. Balbino:

[...] a gente tem aqui um trabalho com Adelmo, até através de uma Emenda, agora foi liberada [...] uma micro usina pra produção de álcool aqui para nós, aqui pra dentro do assentamento. É tanto pra produzir a cachaça como pra produzir o álcool também, entendeu? Esse recurso já foi destinado pro município e está pra ser aplicado já. [esse ano 2012] [...] tem 35 famílias hoje envolvidas. Só que vai ser montado aqui dentro, mas se tiver que atender as 77 famílias ou mais pessoas fora também está à disposição, entendeu? [...] Na verdade esse projeto é o seguinte: é diminuir custo pra outro. Por exemplo, o pessoal quer trabalhar com hortifrutigranjeiro, produzir verdura. Então, pra você transportar essa mercadoria, isso vai ter um gasto, né, então, por exemplo, o pessoal vai levar, leva em cima dum carro, duma caminhonete a álcool [...], então, esse projeto vai viabilizar isso daí, o custo daquele combustível que ele vai colocar para levar lá, ele vai produzir aqui mesmo e vai levar a mercadoria dele e vai vender.312

Essa fala carregada de expectativas pode dar outra noção sobre o futuro da

produção do assentamento. Principalmente porque Ricardo dá a conhecer a forma como

e com quem os assentados estabelecem vínculos na região, ficando claro, no caso, o

apoio político do deputado estadual Adelmo Carneiro Leão do Partido dos

312 Ricardo dos Santos Balbino. Entrevista concedida à autora em março de 2012.

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Trabalhadores – MG. Vale ressaltar que foi feito contato com a assessoria do deputado

solicitando informações sobre a criação e o andamento desse projeto com o

assentamento, mas não houve retorno. É pertinente uma observação, porém não é o

intuito a especulação: os negócios da região em torno da produção da cana e do álcool e

a questão da bioeletricidade, tem sido bastante lucrativo para as usinas que usam o

bagaço da matéria-prima para geração de energia gasta na indústria. Há possibilidades

de que tal projeto de destilaria no PA 21 de Abril traga importantes benefícios para os

assentados.

Sobre a questão da organização dos assentados no ganho de renda monetária, é

possível observar que as mulheres também vão para a lida, para além do serviço de casa

e no lote. No caso de Francisco Jubiano de Freitas, apesar de, por exemplo, afirmar que

as mulheres ficam em casa enquanto os homens trabalham fora do lote, ele mesmo

contou em conversa no dia da realização de sua entrevista que sua esposa Márcia Mota

exerce diferentes trabalhos também nas fazendas no entorno do assentamento. No

momento da entrevista com Francisco, Márcia estava vendendo melancias na beira da

estrada, sendo que ao produtor das melancias seria destinada parte dos lucros do

trabalho de Márcia. Em outro momento, de acordo com Francisco, sua esposa havia

prestado serviços no cultivo da melancia para o mesmo produtor.

Por meio dessas práticas e atividades, é possível notar a movimentação

desses(as) trabalhadores(as) e a perspicácia na transformação das relações de trabalho.

Márcia, por exemplo, já estava negociando com o produtor a venda das melancias

colhidas, passando à condição de atravessadora, assim podendo ter um lucro maior e

aumentar a renda da família. Francisco e Márcia têm um filho e Márcia duas filhas do

seu primeiro casamento, Francisco tem mais um filho de um relacionamento ainda na

cidade de Currais Novos/RN, o que impõe a necessidade de renda monetária

significativa para atender a família.

No campo das expectativas que permanecem e outras que são criadas, as

entrevistas de Teresinha Gomes Nunes no decorrer da última década apontam para

outras memórias, considerando a trajetória de anos de lutas de sua família.313 Em um

313 Lutas que são constituídas por alegrias, mas, sobretudo pela dor e tristeza com a morte da filha mais

nova, Flávia Nunes, aos 14 anos de idade, motivada por um câncer na perna, no período que foram assentados. Teresinha e seu marido são pais de cinco filhos, entre eles dois adotados: um na década de 1990 e outro já depois de assentados.

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trecho da transcrição de sua entrevista realizada em 2011 encontrei a seguinte

perspectiva:

Leandra: Quando vocês estavam lá no assentamento, antes de vir pra cá, vocês planejaram, imaginaram ou tinham expectativa de como seria a vida aqui no assentamento? É muito diferente [...] o planejamento que vocês tinham anteriormente do que vocês fizeram aqui?

Teresinha: Não! Eu não achei diferente, porque é o que a gente queria, a gente queria ter um pedaço de terra pra plantar. Pra sobreviver, então a gente sobrevive. [...], ainda não chegou, que a gente ainda não está assim, [...] [há] muito tempo que a gente assentou, né? Cada um foi pro seu lote [...] e a partir de três, quatro anos, então, teve uma melhoria, mas a gente pretende melhorar mais. [...] acho que, pouco a pouco, a gente vai conseguir, estar chegando naquela coisa que a gente pensou, né? Aquele pensamento que a gente teve de conseguir aquilo que a gente queria, lá vai aos poucos, mas ainda falta muita coisa [...]

Leandra: O que vocês pensavam, você e sua família, que tipo de produção vocês gostariam de [...] produzir?

Teresinha: Uai, nós gostaria assim de plantar! Ter a plantação, plantar o feijão, plantar arroz, arrumar umas vaquinhas pra tirar um leite, pra fazer queijo, pra ter fartura dentro de casa, pra, assim, ter plantação, uma hortaliça. Eu já plantei hortaliça aí ano passado [2010], eu vendi muita alface, plantei 15 canteiros de alface, vendi alface bastante.

Leandra: Você vendia na cidade?

Teresinha: Levava na cidade pra vender, vendia, plantava aqui e vendia lá, as alfaces. Já vendi pimenta também, plantei pimenta, eu tinha vontade também de plantar, fazer um cercado e plantar muita pimenta. Isso eu consegui em 2000 [...] e agora em 2008! Eu plantei pimenta, aí vendi muita pimenta. Plantei alface o ano passado [...]. Plantei muita alface também, vendi, consegui vender na cidade. Então, assim, a gente tinha o sonho de ter as coisas [...], a nossa maior preocupação era assim, de morar aqui e poder viver daqui, sabe? E isso está indo aos poucos, mas eu creio que, se Deus quiser, futuramente vai poder todo mundo está trabalhando aqui dentro mesmo, pra tirar o sustento daqui mesmo. Já está caminho meio andado, [...] parte de verdura a gente já tira daqui, quase não compro mais verdura na cidade, compro mais é aqui [...]. É, agora o mais que nós estamos querendo é uma ajuda do governo igual no caso, né, da gente conseguir uma ajuda assim, mesmo desses outros, essas entidades que ajuda, ou mesmo qualquer outro órgão aí, que ajuda a gente a conseguir a melhorar, produzir, aumentar a produção [...]. Ainda está meio pouco, a gente está meio fraco, mas está bom, em vista do que estava melhorou bastante.314

314 Teresinha Gomes Nunes. Entrevista concedida à autora em 2011.

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A fala de Teresinha pode ser interpretada como esperança, sobretudo um

sentimento de satisfação por estar onde está. Depois de tudo que passou na luta, ela e

sua família vivem hoje da conquista, interpretando as experiências vividas e articulando

as críticas sobre as questões da reforma agrária, detectando o que precisa ainda ser feito.

Acompanhando as experiências de Teresinha e de seu companheiro, desde o tempo de

acampamento, é possível compreender que o assentamento para esse casal é o seu lugar,

é uma convicção e isso é que os move. Principalmente porque, com todos os desafios de

se conseguir produzir no lote via financiamento do Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que até o primeiro semestre de

2011 não haviam acessado, vivenciaram experiências de que o trabalho e a vida no e do

campo nessa condição é possível no enfretamento dos desafios, assim como se observa

com outras famílias do PA Emiliano Zapata, de plantar hortaliças e tubérculos para o

sustento da família e para comercialização.

Por outras palavras, esses saberes no plantar culturas importantes, como feijão,

arroz, hortaliças, significam que eles se orientam pelos costumes e práticas, buscando a

terra para reproduzir a condição de vida registrada em suas memórias como algo bom e

prazeroso. Entretanto, na nova dinâmica, necessitam assimilar novas práticas sociais e

políticas nem sempre convergentes com suas próprias motivações, por exemplo, quando

são obrigados a sair do lote para obter trabalho e renda monetária.

Ao falar do que espera, Teresinha não deixa de cobrar o que considera

responsabilidade de órgãos da sociedade civil e do Estado.

Vindo ao encontro do que foi analisado sobre a participação das mulheres na

reinvenção do trabalho no assentamento, Teresinha é mais uma evidência. Vale ressaltar

como essa trabalhadora analisa e interpreta, em sua narrativa, as mudanças que sofreu

nos anos de experiências de luta:

Teresinha: Ah! A vida hoje está muito melhor do que antes era, né? Na época que a gente estava acampado eu não vou dizer que era ruim não, porque era muito bom! Divertido, com os amigos. O pessoal tudo reunido. Mas hoje em dia, a melhora que a gente teve, teve muito, foi muito bom! É, a gente planta, hoje em dia tem a casa, né? Construímos a casa, plantamos, tem a hortaliça, tem o pomar ali que a gente fez, tem fruta já. Tudo desenvolveu bastante, então eu acho que melhorou muito pra gente nessa parte aí, sabe, da gente morar na fazenda e ter ficado aquele tempo todo acampado.

Leandra: Fala um pouco do passado, como é que foi lá, aqueles momentos lá no acampamento.

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Teresinha: É que no passado é igual eu disse, né? Que era muito bom, divertido, tinha os amigos, a gente lembra dos amigos, que a gente tinha assim assistência, o pessoal ajudava, na época tinha assistência. O MST foi muito bom também pra gente, que eu viajei, fiquei conhecendo lugares que eu não conhecia, São Paulo, Belo Horizonte, e até perto de Governador Valadares eu fiquei conhecendo. Então eu tive muita ajuda, nessa parte eu acho muito bom, eu gostei muito do MST, do Movimento naquela época. E foi uma época inesquecível que alembra dos companheiros [...] e quando se encontra [...], é, foi muito bom, foi uma parte da vida da gente que compensou, valeu a pena vim, a ter se tornado aqui, vim morar na fazenda e se tornar um militante [...] eu aprendi no Movimento, foi muito bom! Então fiquei muito feliz, e hoje em dia, depois que a gente assentou [...], então agora a gente já planta, a gente já recebeu os créditos de construir as casas. Fez as casas, conseguiu lote, agora a gente está assim, mais tranquilo, parece que a situação melhorou bastante, que eu tenho muita fruta aí, verdura. Eu tenho verdura, quando vou fazer almoço eu posso ir lá e buscar, eu como, pego uma verdura, e sempre tem verdura pra mim fazer, tem fruta, já desfrutei muito das frutas aqui, que é mamão demais, maracujá. Tem maracujá que você precisa de ver, chega a perder [...] tem abóbora, tomate [...] aqueles tomatinhos também tem demais.315

Dessa maneira, Teresinha procura explicitar como está sempre disposta à vida

como produtora assentada. É excepcional como ela olha para o tempo presente e o

compara com o passado, para assim acreditar nos projetos do futuro. Aponta, apesar dos

desafios, diferentemente dos assentados do PA 21 de Abril, que a produção nas terras do

seu lote sempre deu frutos e alimentos para sua família e até mesmo ampliou a renda

familiar ao lhe possibilitar vender os excedentes na cidade de Uberlândia. Essas práticas

e experiências trazem a eles tranquilidade, pois querem cessar de se movimentar,

querem viver no sossego. Aqui compartilho da expressão usada por Ruschel (2010) em

seus estudos sobre outros assentados do assentamento Pátria Livre, em Vitória da

Conquista, na Bahia.

Assim, é a consciência se fazendo na experiência, a importância dada à vida no

presente pelo que já se viveu e lutou no passado e, sobretudo, pelo que se deseja no

futuro (Cf. KHOURY, 2004).

No campo repleto de expectativas, sobretudo constatam-se as realizações

desses assentados. Maria Eleusa Mota ressaltou, assim como o fizeram os outros

trabalhadores do PA Emiliano Zapata, as conquistas na lida com a terra:

Leandra: O que se produz nos lotes aqui no assentamento?

315 Teresinha Gomes Nunes, entrevista concedida à autora em 2011.

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Maria Eleusa: Por exemplo, a produção maior é de leite, né, produz leite, tem um grupo aqui de família que produz mel também, e muitos mexem com hortaliça. Tem um grupo de família grande aqui que gosta muito de hortaliça. E a pastagem, né, que a pastagem aqui é em maior quantidade. Pode observar que a maioria é pastagem. E geralmente pra gado leiteiro [...] eu até dois meses atrás eu estava com gado, por causa, devido a minha separação [do marido] eu tive que vender [...] estava aí, por exemplo, com vinte cabeças de novilha, pra fazer a inseminação [...] esse tinha sido o programa. [Aqui] nós trazemos o curso do SENAR316 [...] [o gado] já ia ser inseminado. Nós fizemos o curso aqui de vaqueiro, de casqueamento, fizemos de inseminação artificial, os cursos, fizemos curso de galinha caipira, e estava tudo organizado aqui pra criação de galinha caipira. Tem o barracão, aí tem todos os piquetes de tela, que já é pra fazer criação de galinha caipira, com grande escala pra venda. Tem a chocadeira, pra ajudar na velocidade, né, e o pasto, que é pra pastagem [...].317

Mesmo que os trabalhadores indiquem, ao serem indagados sobre como é sua

renda e de qual produção ela vem, por exemplo, que venha somente da renda do leite ou

do queijo ou da hortaliça, é sabido que quase sempre estão envolvidos em mais de uma

produção: é o pomar que cresce, é a horta com verduras diversificadas, é o leite e seus

derivados, é a plantação de cana para alimentar o gado, “[...] é a criação de galinhas em

larga escala para venda”,318 entre outras. Entretanto, outros assentados ainda precisam

se deslocar do assentamento em busca de alguma renda monetária ou de sua ampliação,

seja do Emiliano Zapata, seja do 21 de Abril. Teresinha, reforçando as ponderações de

Francisco Jubiano de Freitas sobre a necessidade de trabalhar fora do lotes, contou que

seu companheiro também faz parte da maioria dos assentados que trabalha fora do

assentamento:

Leandra: Fala um pouquinho dessas dificuldades, assim, mais detalhado aqui, hoje.

Teresinha: Olha! Aqui a dificuldade é assim, é mais pra tirar aquele sustento, pra comprar arroz, óleo, essas coisas assim, sabe? Comprar o alimento, pra tirar aqui a gente ainda não está conseguindo. -ão

316 “O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR – foi criado pela Lei 8.315 de 23 de dezembro

de 1991, nos termos do Artigo 62 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que determinou sua criação nos moldes do SENAI e SENAC, e regulamentado pelo Decreto nº 566, de 10 de junho de 1992. É uma Instituição de direito privado, paraestatal, mantida com recursos provenientes da contribuição compulsória sobre a comercialização de produtos agrossilvipastoris vinculada à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA e dirigida por um Conselho Deliberativo, de composição tripartite e paritária, composto por representantes do governo, da classe patronal rural e da classe trabalhadora, com igual número de conselheiros”. (O SENAR. Serviço �acional de Aprendizagem Rural. Disponível em: <http://www.senar.org.br/senar/apresentacao.asp?wi=1280&he=768>. Acesso em: 15 jan. 2012).

317 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011. 318 Ibid.

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está conseguindo mesmo Jonas ficar aqui definitivo pra trabalhar aqui dentro mesmo, entende? Falta de verba, isso aí, é falta de dinheiro, de grana.

Leandra: Entendi. E aí, como é que faz, Teresinha, como é que vocês estão se virando nesse sentido?

Teresinha: Se virando. Ele [Jonas] está tendo de trabalhar, eu fico aqui com os meninos, tomo conta aqui do assentamento e ele tem de ir pra cidade trabalhar.

Leandra: Ah, e o Jonas está em Uberlândia?

Teresinha É, trabalhando.

Leandra: O que ele está fazendo?

Teresinha: Ele mexe com marcenaria [...] e final de semana que ele está aí, ele ajuda a gente a fazer alguma coisa que, às vezes, nós não dá conta, fica pesado pra mim e os meninos. Aí ele ajuda plantar, às vezes fazer alguma coisa, olhar cerca, olhar esses trem, capinar, ele ajuda, final de semana ele ajuda, sábado e domingo ele ajuda.319

Dessa forma, a família Nunes vive separada durante a semana, pois, assim

como João Pedro do PA 21 de Abril e outros assentados, Jonas Batista Nunes procura se

virar praticando outros saberes em outros espaços. Em outro momento da entrevista

(fevereiro de 2011), Teresinha conta que Jonas, durante os dois anos em que vem

trabalhando como marceneiro, mora em Uberlândia com os filhos, que também estão na

cidade para estudar, pois o objetivo deles é fazer o ensino superior na Universidade

Federal de Uberlândia. E interpretando historicamente o que as falas dos trabalhadores

significam nas relações sociais vividas em situações e tempos diferentes, é possível

depreender o incômodo que sente diante a lida no campo sem todos os familiares. Isso

significa que, para Teresinha, os projetos do futuro forjados no passado ainda não se

concretizaram plenamente. Continuando sua narrativa, vai apontando outros indícios:

Leandra: E a renda, dá? Como é que está esse trabalho [do marido] lá [Uberlândia]?

Teresinha: Ah! Não dá não! A despesa é demais, porque fica gastando lá demais. Se ele ficar aqui, favorece muito mais. Se ele for trabalhar aqui, pra poder tirar o sustento daqui, daí dá. Pode até o dinheiro sobrar pra gente fazer outras coisas que a gente tem interesse em fazer aqui, mas na cidade fica difícil, porque tem que ter a despesa lá e aqui. Aí complica. O melhor seria se ele ficasse aqui, tivesse uma renda pra ele ficar aqui.320

319 Teresinha Gomes Nunes, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011. 320 Ibid.

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As relações estabelecidas no viver da família entre a cidade e o campo

sinalizam outras questões que, para a trabalhadora, ganham a dimensão de problemática

e de possíveis enfrentamentos. A fala de Teresinha deixa evidente, de modo mais amplo

e complexo, que muitas vezes as saídas encontradas pelos trabalhadores para aumentar a

renda familiar podem gerar outros desafios, por exemplo, abalando o convívio familiar e

mesmo a relação social entre os próprios assentados. O fato de um trabalhador

assentado estar fora do lote toda a semana seria causa de conflitos e divergências

internas no assentamento? Indagando Teresinha sobre o olhar das outras famílias dos

núcleos de base sobre a decisão de Jonas ir para a cidade para trabalhar, ou se

enfrentaram represálias do INCRA, obtive tal análise como resposta:

[...] Não! Ficou assim: é difícil dele [Jonas Batista Nunes] não está aqui, mas eu represento ele. Eu ficando, eu represento, então, todas as reunião que têm, os problemas que surge, esse tipo de coisa assim, eu resolvo tudo. Ele não estando, eu resolvo. E outra, eles entenderam, muita gente entendeu, porque também tem muita gente que está passando pelo mesmo processo nosso, tem que trabalhar, tem que sair pra trabalhar. É o que ele achou melhor pra poder ajudar aqui. Quando ele construiu a casa, ele ficou aqui o tempo todo, ele ficou aqui, tomando conta, mas pra construir a casa. Mas teve ajuda, o Cássio [filho] ajudou, o Cássio foi trabalhar [...] então ele falou: “Pai, o que precisar eu cubro”. E ele trabalhou aqui também na granja, o Cássio trabalhou aqui perto da granja. “E eu ajudo na despesa, e o senhor, [...] paga a casa”. Aí, assim combinou, né? O Jonas fez a casa e o Cássio foi ajudando, estava trabalhando e foi ajudando, foi pra cidade depois também, trabalhando e ajudando. Mas depois que ele, o Jonas concluiu e ele terminou [a casa], aí o Jonas viu que não dava pra ele ficar aqui, porque, às vezes, muitas vezes tinha remédio pra comprar, alguma coisa, não estava dando. O Cássio também tem os estudos dele, tem as coisas dele pra comprar também. Aí o Jonas pegou e foi preciso de ir, não teve jeito, porque começou a apertar, porque já veio as outras coisas que tinha de [...], porque até que nessa época que ele fez a casa aqui, até ele ajudou porque tem assim, o INCRA [estava se referindo ao crédito Instalação], tem uma parte que tira, que pode tirar pras pessoas, se ele vai construir a casa, ele pode tirar uma parte em dinheiro também.321

Aqui é importante ressaltar que Teresinha, nesses anos de luta, foi se

transformando cotidianamente, como ela mesma mencionou em outros trechos da

entrevista, tornando-se uma mulher decidida e protetora da família. Sabendo que os

outros companheiros de assentamento também passam por privações – “muita gente [...]

passando pelo mesmo processo nosso” –, não titubeia e exerce o aprendizado adquirido 321 Teresinha Gomes Nunes, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011.

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em anos na luta pela reforma agrária, colocando tal aprendizado em prática ao se

posicionar como representante-mor do lote e dos interesses da família perante os outros.

Tais atitudes podem sinalizar formas pelas quais conseguiu ganhar a confiança dos

outros assentados para elegê-la para a função de fiscal da Associação dos Assentados

enfrentando possíveis preconceitos em relação à mulher e, com suas atitudes,

oferecendo condições para que esses preconceitos fossem reelaborados pelos outros.

No processo de conquista e manutenção do lote, as mudanças na vida, na

leitura da realidade e na consciência se fazem nas experiências compartilhadas. O que

nos chama a atenção, principalmente quando se sabe as noções, em muitos casos

preconceituosas, que parte da sociedade (como narrou João Pedro do PA 21 de Abril)

possui sobre assentados que não conseguem permanecer nos lotes ou sobre aqueles que,

em casos extremos, chegam a comercializá-los, definindo-os como preguiçosos. Entre

outros, e em certa medida, são imagens e preconceitos reforçados pelo próprio INCRA.

De acordo com o INCRA, “[...] as terras dos assentamentos são do INCRA e da União,

portanto, não é possível vender, trocar, alugar ou arrendar lotes da reforma agrária,

podendo, quem o faça, perder o direito ao lote, ficar impossibilitado de participar do

Programa Nacional de Reforma Agrária, além de responder a processo criminal”.322 Isso

significa que, no processo histórico da reforma agrária, se não há a problematização e o

estudo minucioso de suas condições de vida e de trabalho, isto é, dos desafios impostos

a eles, esses sujeitos podem carregar pela vida toda a pecha de criminosos.

Teresinha parece se preocupar em não serem considerados negligentes ou

aqueles que estão fora do lugar, assim vai posicionando, por meio da narrativa, o lugar

ao qual acredita e deseja pertencer no embate das lutas pelo direito à cidadania (Cf.

ARANTES, 2000). Vale ressaltar que, sobre essa questão, Jonas Batista Nunes, em

entrevista realizada em 2005 no PA Emiliano Zapata, quando analisou o cotidiano do

assentamento e as relações estabelecidas entre os trabalhadores, também se posicionou.

Encontrei a seguinte concepção ao indagá-lo sobre quais seriam as suas maiores

preocupações:

Jonas: A preocupação? Olha, até que preocupação eu num vejo muita, a preocupação que eu tenho é sobre aquela questão de venda de lote,

322 INCRA ESCLARECE EM Nota denúncias do programa Fantástico sobre venda de lotes de Reforma

Agrária. Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado da Bahia, 08 ago. de 2011. Disponível em: <http://www.fetag-ba.org.br/fetag.php?pg=noticia&id=1329>. Acesso em: 20 ago. 2011.

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eu me preocupo, porque tem certos companheiros que a gente tem aqui hoje, a gente vê assim: será que esse companheiro não vai vender lote? Não vai querer? Não vai ser um daqueles que vai vender? O que aconteceu com o Zumbi dos Palmares [outro assentamento no município de Uberlândia, no seu início coordenado pelo MST], eu me preocupo com isso, metade dos que foi, que era pra ser assentado, venderam os lotes [no PA Zumbi dos Palmares]. Eu creio que isso não vai acontecer aqui não, mas [...].

Leandra: Você vê algum sinal, algum indício?

Jonas: Não! Sinal não, mas pelo perfil de algum companheiro a gente chega até pensar: esse companheiro vai vender o lote se ele for assentado. Mas não é assim! É só uma preocupação que a gente tem, né?

Leandra: Qual seria esse perfil?

Jonas: Individualismo, essa questão do individualismo, companheiro muito individualista, que está sempre contra a decisão de um coletivo, esse é o perfil.

Leandra: O que você acha, Jonas, você ficou seis anos na luta com sua família e tem pessoas que também ficaram o mesmo tempo e talvez também não tenha essa pertença ao Movimento. Por que você acha que acontece isso?

Jonas: Que não tem a pertença? Geralmente são pessoas que não tem muita participação, né? Ele é aquele companheiro que fica só mais dentro do barraco, ele num consegue compreender o que se passa, é por isso que eu falo.

Leandra: E a convivência com os outros assentados?

Jonas: Você fala aqui dentro do Zapata? Aqui dentro a convivência é relativamente boa, pode melhorar, a intenção é que melhora, mas, sobre o problema de convivência, praticamente aqui nós não temos inimizade [...].323

Cotejando as narrativas do casal Nunes, talvez seja possível perceber a sintonia

e como, nos anos de lutas e experiências como acampados e agora como assentados, vão

forjando suas opiniões e decisões sobre o comportamento, costumes em comum que

lhes garantam a realização de seus desejos de viverem do e no lote, enfrentando os

desafios cotidianos. E, talvez, o maior entre os desafios seja superar a falta de

perspectiva de assentados que leva à venda do lote. Como é sabido, isso tem sido prática

em alguns assentamentos da região e, como um todo, do país. Por isso Jonas se

preocupa e deixa evidente seu receio de que essa realidade se instale no PA Emiliano

Zapata, principalmente pela consciência que possui da força e do poder dos valores

individualistas característicos da sociedade capitalista.

323 Jonas Batista Nunes, entrevista concedida à autora em 2005.

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Apesar do poder de transformação que possuem as vivências e as experiências

forjadas dentro do Movimento dos Sem Terra, é possível, ainda assim, que um(a) ou

outro(a) trabalhador(a) não se envolva inteiramente nos projetos dos assentados,

especialmente, nesse caso em que interessa a superação do individualismo, naqueles que

valorizam a cooperação e a solidariedade como princípios norteadores do coletivo, da

comunidade, para a criação em conjunto de soluções aos desafios postos para a

produção dentro do lote e que articulem meios de inserir o assentado no mercado,

porém almejando o máximo de autonomia e abrindo-se ao trabalho cooperado.

Assim, uma das constatações é que alguns assentados têm optado pela venda

dos lotes, mas é notório que isso tem acontecido com menos intensidade nos PAs

criados a partir de 2004 e coordenados pelo MST no município de Uberlândia. Na

avaliação de um dos entrevistados, isso significa

[...] que a diferença está somente no compromisso de boa parte das famílias com a terra, essa pra mim é a diferença mais significante. Fazendo um levantamento mais recente, das áreas que ainda continuam a coordenação do MST, e comparando com as outras organizações [sociais], são as áreas [PAs no município de Uberlândia] que menos teve repasse de lote. [...] A chamada, entre aspas, venda de lotes, né? Não ficamos isentos [...], mas é onde aconteceu menos. Quanto mais a pessoa, o grupamento, encorpado com o Movimento, identificado com o Movimento Sem Terra, menos teve esse tipo de problema. Eu chamo de problema que pra nós afeta diretamente a moral da luta. A gente passa uma discussão pra sociedade que nós estamos querendo a terra pra trabalhar, né, e depois a gente acaba arrendando ou repassando pra outra pessoa que não foi aquela que o Movimento social [indicou] solidarizou com a luta. Então, quanto mais identidade tem com a terra, com o Movimento, tem caso, né, desse [uma venda no PA Emiliano Zapata], e [...] você vai pra outras [áreas] pega o assentamento que eu estou hoje [PA Olhos d’Água, no município de Sacramento], é diferente, menos família com identidade com o Movimento, maior repasse [...]. Então essa relação, essa identidade com o Movimento acaba criando uma raiz, uma identidade nova com a terra.324

Dessa maneira, é possível observar que, na interpretação desse e de outros

entrevistados, no PA Emiliano Zapata há um diferencial. As motivações, os significados

são revelados a partir das interpretações das experiências construídas ao longo de 13

anos de lutas desse grupo. Ainda segundo Aguinaldo, é possível interpretar casos, como

a venda de lote, por meio das seguintes significações:

324 Aguinaldo da Silva Batista. Entrevista concedida à autora em 2011.

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[...] O lote é simplesmente uma mercadoria a mais [...]. O contrato de assentamento é uma mercadoria a mais. É uma mercadoria, não é uma conquista, né. Tanto é que o INCRA, quase todas as campanhas que faz, relaciona com isso, dão uma expressão bonita no começo, mas depois escracha no final, né? Agora a última é: reforma agrária, essa é uma conquista que não se vende. O que está na mídia é que todos assentados vende lote, que é uma coisa genérica, e na realidade não é genérico. Nos outros Movimentos a gente percebe, se a família tem muita identidade camponesa, identidade com a terra, ela não repassa nunca, né, ela fica ali, ela vai [...], ela sabe viver, ela tem o traquejo de viver no campo. Viver no campo é uma arte, é coisa que só o camponês sabe, é [...] tem que ter 200, 300 anos de tradição, se ele vier pra cidade viver 20, 30 anos, e querer voltar pro campo ele perde tudo, toda aquela conexão que ele tinha, como é que era os arranjos que ele fazia, as trocas, as formas de sair dali, né, ele perde. Quando ele vem pra cidade ele perde, ele vive, conhece uma cultura do imediato, e aí, lá na roça, quando ele vai, ele quer resolver tudo imediatamente, então ele perde, ele tem que reaprender pra ele poder ficar. Tem as famílias que tem mais essa identidade com a diversificação da produção, com os traquejos do campo, as formas de negociação do campo, né, então entre os vários componentes aí do campo, [...] consegue viver [...], a identidade com o Movimento também ajuda.325

O que importa ressaltar nessa interpretação é que, na visão de Aguinaldo, o

assentamento para alguns não tem significado de uma conquista, ou seja, trabalhador

que vende seu lote não o tem como uma conquista da classe trabalhadora no

enfrentamento ao agronegócio, ao poder do latifúndio. E as experiências forjadas no

MST contribuem para o despertar desse ponto de vista, que, a meu ver, transcende as

indicações do entrevistado sobre os aspectos da tradição – 200 ou 300 anos – com a

terra, como pode ser interpretado por meio da expressão marcante que ele usou: que o

trabalhador que vai para a cidade precisa reaprender os costumes e práticas da terra, da

vida no campo, mesmo se possuir uma tradição com a roça. Com essa observação,

Aguinaldo aproxima-se das concepções de Maria Eleusa Mota expressas na sua

entrevista, isto é, para viver como assentado é preciso ter paciência, porque os recursos

e benefícios não vêm de imediato, assim como é preciso ter claro o processo de

enfrentamento na correlação das forças política e econômica do movimento da reforma

agrária. Da mesma forma se apresenta a vida e sua manutenção para o trabalhador na/da

cidade em muitas e diversas profissões, nos engajamentos em organizações sociais ou

projetos sociais.

325 Aguinaldo da Silva Batista, entrevista concedida à autora em 2011.

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Retomando as análises de Teresinha sobre quais alimentos, renda e produção

são almejados por sua família, apesar das conquistas já adquiridas, suas ponderações

indicam o que ainda não é possível consegui-los em sua plenitude com a exploração do

lote, pois é “só pra cobrir mesmo”, não sendo possível “comprar assim, arroz, feijão,

secos [...] remédio, esses trem”, já que o dinheiro que entra todo mês é insuficiente.

Teresinha oferece indícios sobre as diferenças de olhares entre os trabalhadores

dos assentamentos no que se refere à reinvenção das formas de ampliação da renda

monetária na correlação de forças do momento vivido:

-ossa, ele [Jonas] gosta demais daqui, pra ele não tem coisa melhor, ele fala que o sonho dele é ficar aqui. Ele não queria sair, ele vai [trabalhar em Uberlândia] contra a vontade, ele fala mesmo: “eu vou contra a vontade” [...] até ele já propôs eu ir pra cidade e ele ficar aqui, sabe? [...] eu falei, mas pra eu ir na cidade, eu vou ganhar bem menos de que você, porque se eu for trabalhar lá vou ganhar menos, então [...] a gente pensa assim, nele vim pra cá, e ele trabalhar aí por perto. Isso eu já falei pra ele. E [ele] falou: “Aí se torna a mesma coisa da cidade”. Que aí ele vai trabalhar, é a mesma coisa dele está na cidade pra trabalhar, porque vai ficar fora, o lote vai ficar aqui. Agora lá [Uberlândia], ele estando lá, ele pode trabalhar e vim nos finais de semana, ele não vai cansar tanto, porque aí ele vai, ele trabalha aqui dentro [...]. O serviço de marcenaria, ele é um serviço que tem tempo de, às vezes, sentar um pouquinho e descansar. Agora, se ele for aí [fazendas do entorno], você sabe que trabalhar pra os outros aí nas fazenda é fria, né? Todo mundo que trabalha reclama [...], não está compensando e ganha pouco e cansa demais, aí quando é final de semana está meio morto, não dá conta de ficar, de cuidar.326

As escolhas dos trabalhadores sobre onde, como e com o que trabalhar para

enfrentar os desafios quando estão à espera dos financiamentos dos programas de

governo de apoio e auxílio ao agricultor familiar estão relacionadas diretamente com os

saberes aprendidos com a vivência dentro ou fora do Movimento Sem Terra, com as

tradições transmitidas pelos antepassados e com os sentimentos desencadeados nas

experiências históricas vividas no campo e na cidade. Dessa maneira, ao buscar a

interpretação das falas, mais uma vez ganha importância a afirmação de uma

entrevistada sobre o constrangimento sentido pelos assentados no que se refere ao

trabalho fora do lote. Isso leva a considerar a complexidade dos sentimentos, por

exemplo, de Jonas Nunes, colocando algumas reflexões: talvez o trabalhar na cidade

326 Teresinha G. Nunes, entrevista concedida à autora em 2011.

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seja uma saída para não sentir a desilusão causada por ainda ser forçado a trabalhar para

latifundiários do entorno, apesar de já possuir suas terras.

Isto é, talvez a cidade agora seja vista sob outro prisma. No caso de Jonas, ele

tem o apoio dos filhos mais velhos, que também têm seus projetos para o futuro, como a

obtenção do 3º grau de ensino, uma profissão compensadora, sendo para ele, portanto,

um espaço que agora pode trazer sentimentos diferentes dos anteriores. Já outros, como

Francisco Jubiano de Freitas, não conseguem se conceber vivendo na cidade, pois não

possuem qualificação para os trabalhos exigidos naquele espaço e, sobretudo, por não

ter familiares e onde se amparar, ou mesmo aqueles que têm claro que pela sua condição

de mulher poderão ter remuneração diferenciada, como apontou Teresinha G. Nunes. A

cidade, para alguns, talvez signifique sofrimento, malogro e decepções. Dessa maneira,

vê-se que os trabalhadores procuram se alocar no novo território (assentamento)

minimizando os impactos emocionais e físicos dos desafios encontrados no dia a dia.

Contudo, recriando suas vidas rurais, seguem enfrentando as limitações,

sobretudo conhecendo os avanços da luta pela reforma agrária.

3.2 EXPERIÊ�CIAS E RESPOSTAS DOS ASSE�TADOS AO DESAFIO DA PRODUÇÃO

Diante de desafios de viver da produção de seus lotes, parte dos assentados do

PA Emiliano Zapata no tempo das entrevistas estava investindo em um sistema de

plantio de nome Mandalla. Os entrevistados vislumbravam com esse sistema boas

perspectivas na elevação da renda monetária. Portanto, busquei compreender como

funciona, onde e como surgiu, qual a sua relevância para as famílias do PA Emiliano

Zapata e para quais mudanças esse sistema de plantio aponta. Principalmente, porque

isso se contrapõe ao fato de os assentados do PA 21 de Abril, em Veríssimo, não terem

se referido a nenhum projeto de produção econômica dessa natureza nos seus lotes e

aqueles que disseram conhecê-lo não acreditavam no seu potencial.

Ao falar sobre as Mandallas, Maria Eleusa Mota explica como funcionam e

deixa evidente o que a encantou:

[...] É! O projeto Mandalla! Isso foi executado por um cara lá do Nordeste. Grande professor lá que estudou isso. E que ela [Mandalla] é muito viável, e tem toda uma mística, mas que está muito ligado com a prática, mesmo, da coisa orgânica, sabe?! Da produção orgânica, totalmente orgânica! [...] faz um poço central igual isso que você está vendo aqui e em volta faz-se os canteiros e aí vai colocar

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duas bombas dentro desse poço, que é pra irrigar e outra que é pra oxigenar a água. Porque dentro d’água vai ter peixe pra estercar [esterco] a água e vai colocar ganso ou pato também pra ajudar na oxigenação, e também pra adubar a água [...] vai plantar batata doce, que é pra tratar dos peixes [...] colocar uma luz no centro, em cima do poço, vai ser acesa durante a noite, pra quê? Pra dois motivos: uma que é pra atrair os insetos, que não vai ficar lá nas verduras, nos legumes, nos canteiros, né?! Vai ser atraído pra luz, vai cair no poço, que vai servir de alimento pros peixes [...]. Então, assim, o projeto piloto: a Mandalla é nove canteiros, que aí eles representam os planetas, alguma coisa assim. Tem toda uma mitologia, porque redondo, é... [...] os insetos não sei se voam em linha reta, alguma coisa assim. Tem um canteiro aqui de alface, ele [inseto] vai em linha reta, e vai cair em outro canteiro, que não o deles, então ele não vai sobreviver. A mesma hora que sabe que é místico, mas tem toda uma consistência técnica mesmo assim, real. E se planta [...] tem todo o agrupamento certo de qual planta pode plantar perto da outra, porque umas são companheiras e outras são inimigas. Por isso que algumas pessoas vai plantar horta [a pessoa diz]: ‘mas essa coisa não funciona, não dou conta de [...], minha salsinha não vai’, porque ela está plantada perto de uma planta inimiga, e não duma companheira, né?! Então tem toda uma explicação, aí tem os cursos, vai ensinar [como utilizar o projeto Mandalla]. Aí tem as plantas pra você fazer os remédios, pra combater, né?! Porque é orgânico, então ela [Mandalla] é totalmente orgânica. E é muito bonita!327

A pesquisa, por meio da produção da fonte oral, traz situações que ampliam o

campo de interpretação do pesquisador, principalmente por aproximá-lo do sujeito

investigado que se dispõe a falar sobre sua vida e concepções, assim oferecendo o

contato subjetivo, permitindo captar em cada fala a expressão do rosto, silêncios,

posturas corporais que dizem muito, a entonação da voz que explicita a emoção,

tornando-se uma das formas reveladoras para se conhecer as esperanças e noções das

pessoas. Nesse sentido, ao lidar com a trabalhadora Maria Eleusa e a composição do seu

ato de narrar, assim como os atos dos outros entrevistados, a fala entusiasmada sobre o

projeto de produção Mandalla indica a efetivação de ideais e princípios ou que já

compartilhavam, ou que foram apreendidos no cotidiano das lutas e nas práticas de

estudo forjadas pelo MST. Ou seja, o projeto Mandalla se apresenta para esses(as)

assentados(as) como uma maneira de produzir alimentos sob o modelo de agricultura

autossustentável, na agroecologia, cuidando da natureza, quiçá modificando a paisagem

imposta pelo projeto do agronegócio.

327 Maria Eleusa Mota. Entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011.

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Tal característica talvez explique a sedução de imediato, por exemplo, de

Maria Eleusa, pois parece se aproximar dos ideais propalados pelo MST,

consequentemente por ela própria nos muitos anos em que lutou pela reforma agrária

via MST na região do Triângulo Mineiro. Não somente essa trajetória de luta específica

indica por que a trabalhadora acredita no modelo de produção da agroecologia, mas a

sua própria origem traz essa possibilidade, ou seja, a mediação de suas experiências no

campo, onde nasceu e viveu boa parte de sua vida junto à família. Desse modo, é

importante mencionar como as experiências de Maria Eleusa podem ser abrangentes

quando se faz dialogar sua narrativa com a de seu pai, José Firmo da Mota. Assim, há

elementos para se compreender que a crença de Maria Eleusa nos princípios do projeto

Mandalla pode se relacionar em alguma medida com as experiências vividas. Contudo,

inegavelmente, tem muita influência o fato de ter se tornado militante da reforma

agrária a partir dos anos de 1999, inclusive como dirigente desse movimento social.

Principalmente porque, atuando junto ao setor de Educação do MST, Maria Eleusa é

uma das mediadoras desse que talvez seja um dos maiores lemas do Movimento: a

produção de alimentos sem agrotóxicos e transgenia.

Os trabalhadores do PA Emiliano Zapata trazem ao conhecimento um sistema

de plantio, como registra Maria Eleusa, criado e executado por “um cara lá do Nordeste,

grande professor lá que estudou isso”. O professor a que Maria Eleusa se refere é Willy

Pessoa Rodrigues, graduado em Administração com habilitação em Administração

Pública pelo Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ/PB, nascido no Rio Grande

do Norte e criado no interior da Paraíba, na zona rural. Ao pesquisar sobre sua história e

essa sua invenção, foi possível saber que desde criança, já seminarista, suas

engenhosidades, em alguma medida, chamavam a atenção para a vida em torno da

agricultura e do produtor pobre em situação de vulnerabilidade. De acordo com

Rodrigues, “[...] ficava imaginando por que as pessoas precisavam de tanta terra.

Comecei a sonhar com o que poderia fazer”.328

Pesquisador há mais de 30 anos, Rodrigues, em 2001, apresentou o que

considera sua maior criação: o sistema integrado de plantio de nome Mandalla. E no ano

de 2003 implantou a Agência Mandalla Desenvolvimento Holístico Sistêmico

328 RODRIGUES, Willy Pessoa. Inventor inquieto quer acabar com êxodo rural. Folha de São Paulo,

Especial, 07 de dezembro de 2006. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/fj0712200608.htm>. Acesso em: 20 nov. 2011.

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Ambiental (DHSA), uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

(OSCIP), sediada em João Pessoa, sendo seu objetivo “[...] usar a tecnologia contra o

êxodo rural”.329 Rodrigues divulga suas ideias e ações, entre outras, através da Agência

DHSA, organização líder da rede Mandalla, e em sua página da internet. De acordo com

o inventor, “[...] o grande problema da fome e da miséria no Brasil é a falta de

informação”.330 Da seguinte maneira o sistema de plantio é divulgado pela OSCIP:

As Mandallas são estruturas circulares de produção de alimentos formadas por círculos concêntricos que têm no centro um pequeno espelho de água, de onde parte o sistema de irrigação. Galinhas, patos, peixes dentre outras espécies de pequenos animais e uma diversidade de plantas dispostas estrategicamente convivem em uma área comum, formando assim um sistema interativo onde as necessidades de um são supridas pela produção do outro. Por exemplo, a galinha oferece esterco e aração para a plantação e se alimenta de ervas daninhas. Hastes de cotonetes de ouvidos dão forma a microaspersores e gotejadores adaptados pela criatividade [...], bem como garrafas plásticas vazias de refrigerantes são transformados em instrumentos de irrigação no espaço Mandalla. O tamanho da Mandalla varia de acordo com os diversos locais. Caso exista disponibilidade de espaço, pode ser feita a Mandalla que ocupa uma área de até 1/4 de hectare, podendo ainda, em um tamanho menor, ser implantada até nos quintais das casas dos agricultores. Em cada área de 2.500 m2 (1/4 Ha) irrigada por bomba submersa tipo sapo, são cultivados 64 tipos de culturas vegetais, 10 espécies de animais e até 450 fruteiras diversificadas.331

Segundo o site oficial da DHSA,332 o sistema Mandalla pretende organizar os

trabalhadores baseando-se na informação, formação e assistência técnica do homem

pobre do campo. Rodrigues333 afirma que se atentou para as dificuldades da região

329 RODRIGUES, Willy Pessoa. Inventor inquieto quer acabar com êxodo rural. Folha de São Paulo,

Especial, 07 de dezembro de 2006. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/fj0712200608.htm>. Acesso em: 20 nov. 2011.

330 Ibid. 331 AGÊNCIA MANDALLA DHSA perguntas frequentes. Agência Mandalla. Disponível em:

<www.agenciamandalla.org.br/modules.php?name=FAQ...1...> e no site do Projeto Malawi. Madalla. Disponível em: <http://www.projetomalawi.com.br/projetos/mandalla.html>. Acesso em: 30 ago. 2011.

332 O site da DHSA dá acesso a um acervo multimídia em que há vídeos que retratam as experiências de muitos(as) agricultores(as) pelos diferentes estados e lugares do Brasil com as Mandallas que já beneficiaram 4.500 famílias em 18 estados brasileiros e em seis países da América do Sul, Central e do continente africano. Segundo a DHSA, são desenvolvidos outros quatro programas: Teia Mandalla-fomenta o empreendedorismo; Geração Mandalla-desenvolvimento juvenil; Planeta Mandalla-preservação ambiental; Apoio ao Empreendedorismo Socioambiental.

333 No ano de 2006, Willy Pessoa Rodrigues recebeu o terceiro lugar no Prêmio Empreendedor Social, realizado pela Fundação Schwab e Folha de São Paulo no Museu de Artes de São Paulo (Masp). AOQUI, Cássio. Fábio bibancos, da turma do bem, é eleito o empreendedor social 2006. Folha de

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nordeste para o acesso à água, porém, na sua forma de entender, o problema não é a

falta d’água nessa região, mas, sim, de informação que gere conhecimento para

aproveitar a água existente, principalmente a dos rios. Assim, a DHSA tem como frente

de trabalho dois processos: um de capacitação do trabalhador rural e outro de

capacitação de professores para habilitar alunos que serão difusores da metodologia

desse sistema integrado de produção.

Em Cuité, mesorregião do Agreste Paraibano, a 191 km de João Pessoa, está o

Centro Universitário Aberto UniMandalla, referência em pesquisa, criação e

aprimoramento de tecnologias que possam servir à produção no campo, primando pela

difusão da “Metodologia Mandalla de Desenvolvimento”. Segundo o site, o centro

abriga 40 tecnologias sociais, possuindo alojamentos e uma cozinha direcionada à

alimentação alternativa. O lema da UniMandalla é: “[...] transformar a agricultura

familiar em um negócio, economicamente rentável, socialmente responsável e

ambientalmente sustentável”.334

Ainda de acordo com a DHSA esse sistema fundamenta-se na organização do

sistema planetário, creditando uma relação direta entre o homem, a natureza e o

universo. Mandalla

[...] é a palavra sânscrita que significa círculo, uma representação geométrica da dinâmica relação entre o homem e o cosmo. De fato, toda Mandalla é a exposição plástica e visual do retorno à unidade pela delimitação de um espaço sagrado e atualização de um tempo divino. Nas sociedades primitivas, o ciclo cósmico, que tinha a imagem de uma trajetória circular (circunferência), era identificado como o ano. O simbolismo da santidade e eternidade do templo aparece claramente na estrutura mandálica dos santuários de todas as épocas e civilizações. Uma vez que o plano arquitetônico do templo é obra dos deuses e se encontra no centro muito próximo deles, esse lugar sagrado está livre de toda corrupção terrestre. Daí a associação dos templos às montanhas cósmicas e a função que elas exercem de ligação entre a Terra e o Céu.335

É pertinente considerar que a Mandalla, na perspectiva dos trabalhadores do

Emiliano Zapata entrevistados, significa, entre outras probabilidades, a de se produzir e

São Paulo, 06 de dezembro de 2006. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u129080.shtml>. Acesso em: 30 maio 2011.

334 QUEM SOMOS. Agência Mandalla. Disponível em: <www.agenciamandalla.org.br/unimandalla/QuemSomos.php>. Acesso em: 30 maio 2011.

335 AGÊNCIA MANDALLA DHSA perguntas frequentes. Agência Mandalla. Disponível em: < http://www.agenciamandalla.org.br/modules.php?name=FAQ&myfaq=yes&id_cat=1&categories=Mandalla#8>. Acesso em: 2 jun. 2011.

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ver os resultados do trabalho em e da família no lote, sendo a família uma característica

e um valor importante para os trabalhadores.

Diferentes valores e concepções são cultivados pelos trabalhadores organizados

no MST tanto em cursos de formação política e/ou acadêmica, quanto no cotidiano de

lutas. São também divulgados para toda a sociedade por meio de publicações impressas,

pela internet336 ou mesmo nos raros programas de entrevista televisivos. Ao pesquisar

sobre os valores e concepções do MST, no intuito de compreender por que Maria

Eleusa, representante de tantos outros trabalhadores militantes, ressalta a característica

de produção orgânica das Mandallas, torna-se claro o compromisso dela e de seus

companheiros com uma das bandeiras de luta do MST: o fim da produção transgênica.

Portanto, a favor do modelo de produção da agroecologia e contra o modelo do

agronegócio. Assim, como explicaram entrevistados como Juarez Moura dos Santos, o

sistema de plantio Mandalla é a possibilidade de se construir dentro do assentamento

uma forma de produção com características de sustentabilidade. Talvez algo próximo do

que o MST prega como novo modelo de assentamento na preocupação com as questões

ambientais e de soberania alimentar do país.

Contudo, não se pode deixar de mencionar a perspectiva do inventor do

sistema Mandalla, que, caracterizando sua tendência à concepção e ao estímulo do

empreendedorismo social, destaca a importância de se trabalhar o que ele denomina de

“consciência do empreendedorismo”, a qual, na sua perspectiva, falta ao homem do

campo em situação de vulnerabilidade social. De acordo com Rodrigues, o campo é

uma empresa, é necessário trabalhá-lo como empresa e a base filosófica da Mandalla é

produção. O pesquisador divulga que o foco do campo está na família rural para que ela

possa produzir a sua própria alimentação, em seu entendimento: “[...] com qualidade,

produtividade, responsabilidade social e exercício de cidadania”.337

336 Ver biblioteca do MST com inúmeros artigos e periódicos distribuídos em temas como: Agricultura

camponesa; Agronegócio; Direitos humanos; Educação, Cultura e Comunicação; Lutas e mobilizações; Internacional; Meio ambiente; Projeto popular; Reforma Agrária; Transgênicos. E outros, como informes, notas, vídeos, todos disponíveis em site próprio: <www.mst.org.br>.

337 Disponível em: <http://www.ashoka.org.br/blog/2009/10/25/willy-pessoa-rodrigues/>. Acesso em: 15 jan. 2012. Ver também documentário: “Mandalla – o círculo mágico da vida”, direção Marcya Reis. 01/06/2007. Fonte: TV Camara. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/tv/materias/DOCUMENTARIOS/186745-MANDALLA---O-CIRCULO-MAGICO-DA-VIDA-(DIRETORA-MARCYA-REIS).html>.

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Portanto, para o seu inventor, o sistema de plantio Mandalla parte da noção de

transformar o agricultor familiar em um empreendedor. A meu ver, certos aspectos

precisam ser problematizados pensando as noções históricas do lócus onde emerge o

empreendedorismo social, ou seja, como mais um braço do capital na teia do controle

social e soluções pontuais de conflitos por parte do poder econômico e político

dominante. Nessa perspectiva, o empreendedorismo sugere que o sucesso ou fracasso

dos trabalhadores se deveria a sua ação, ou falta dela, para a produção e geração de

lucros e por isso há o incentivo para que ele se torne um empreendedor, correndo o risco

de se tender para uma perspectiva neoliberal e assim retirar as responsabilidades do

Estado frente às demandas do trabalhador rural, principalmente formulando projetos e

serviços com excessiva participação da iniciativa privada, que sempre colocará seus

interesses à frente do interesse dos trabalhadores. O que não se pode esquecer é que

nesse processo histórico está a precarização do trabalhador e, no caso, principalmente

como as experiências dos assentados evidenciam a insuficiência de políticas públicas

voltadas para a realização da reforma agrária. Portanto, sobre o sistema de Mandalla é

possível pensar em um processo de tensões entre o caráter que pende para o alternativo,

ou seja, a agricultura orgânica, sustentável, e as concepções de empreendedorismo

social.338 Entretanto, o interesse da pesquisa foi focar como os assentados

compreendem, trabalham o sistema Mandalla como fonte de renda monetária, sobretudo

quais os seus significados para eles, como aplicam a esse modo de produzir seus

costumes, valores e ideários políticos relativos ao modo de produção.

A questão do modelo da agroecologia pregado pelos Sem Terra no combate ao

modelo do agronegócio é discutida e colocada em prática em profundidade pelo MST

junto aos seus militantes. Principalmente em ocasiões em que muitos desses

trabalhadores tomam conhecimento dos significados econômicos, políticos e

socioambientais da produção descontrolada de transgênicos e de toda a cadeia de

produção das grandes empresas transnacionais e nacionais na produção de sementes

geneticamente modificadas que invadiram o Brasil com a modernização do campo.

Nesse sentido, analisando a produção prática e teórica do MST publicada pela

mídia alternativa, é possível constatar o mote de suas ideias, ou seja, os efeitos

338 É importante mencionar o ponto de vista de Rodrigues publicado no site da DHSA: para ele os

governantes da União têm investido em saúde e hospitais, mas não investem suficientemente no homem do campo no sentido de ele produzir seus alimentos, muito menos focalizando a nucleação familiar, onde está, para ele, o princípio de toda transformação social.

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negativos da produção e consumo, pela população brasileira e mundial, de alimentos

com excesso de agrotóxicos e de alimentos transgênicos. Sobretudo, o MST enfrenta a

questão do impacto na saúde do trabalhador e da população em geral, bem como

impacto na relação trabalhista estabelecida pelo agronegócio, que tende a aniquilar ou

impedir direitos históricos. O MST, tentando suprir a escassez de estudos abrangentes

ou mesmo da pouca e intencional divulgação e circulação de pesquisas sobre a

proporção dessas práticas advindas do agronegócio, divulga seu ideário em meios de

comunicação alternativos:

[...] O impacto desses produtos sobre a saúde humana, tanto de quem os maneja diretamente (trabalhadores rurais), como das comunidades e dos consumidores, é grande, inclusive com registros de inúmeros casos de problemas neurológicos, má formação fetal, câncer e até mortes. Em 2009, o Brasil se tornou o maior consumidor do produto no mundo. O uso exagerado de agrotóxicos é o retrato do agronegócio: apesar de todo seu dito ‘avanço tecnológico’, não conseguiu criar um modelo de produção e técnicas agrícolas que garantam a produção de alimentos saudáveis para a população. Porque esse não é o interesse do agronegócio. O agronegócio expulsa os camponeses do campo, destrói a terra, enche suas grandes extensões de máquinas e venenos, paga mal seus poucos trabalhadores e para quê? Para vender soja e cana para outros países. Correm para aprovar transgênicos – mesmo que seus potenciais danos à saúde ainda não tenham sido comprovados – querem de qualquer jeito flexibilizar o Código Florestal, para poderem desmatar mais sem ter que prestar contas por isso. Enfim, querem fazer do Brasil uma grande colônia de exploração, um quintal das transnacionais. Por isso estamos nos somando a mais de 20 entidades da sociedade civil brasileira, movimentos sociais, entidades ambientalistas e grupos de pesquisadores na ‘Campanha Permanente contra o Uso dos Agrotóxicos e pela Vida’ [...].339 [grifo meu]

Como se observa, as práticas e as linguagens articuladas pelo MST traduzem

seus ideais, princípios e concepções sobre o avanço do agronegócio, apontando

possíveis mecanismos e ações de contraposição por parte dos trabalhadores. Ao analisar

a narrativa de Maria Eleusa sobre a importância e o que significa a Mandalla no

assentamento, é possível perceber quão expressiva é sua confiança nesses valores,

principalmente pela sua vivência dentro do MST, o qual consegue, pelo país afora, por

exemplo, junto a universidades, abrir turmas de militantes em diferentes cursos e áreas,

como o de Pedagogia da Terra, implantando seus ideais. Maria Eleusa formou-se na

339 Trecho extraído do artigo: AGROTÓXICOS, VENENO DO agronegócio, contaminam os alimentos e

o ambiente. MST, site oficial, 11 Abr. 2011. Disponível em: <http://www.mst.org.br/node/11543>. Acesso em: 30 abr. 2011.

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primeira turma de Licenciatura em Educação do Campo pertencente à primeira turma de

Pedagogia da Terra em Minas Gerais através de convênio firmado entre o MST e a

Universidade Federal de Minas Gerais. Entretanto, deixa evidente o quanto os

elementos culturais forjados em uma vivência no campo junto à família, anterior à ida

para o MST, influenciaram seu desejo de continuar vivendo sob condições ambientais,

sociais e econômicas que considera favoráveis à manutenção da qualidade de vida para

si e para sua filha. Condições essas a que sempre esteve habituada.

Muitas vezes Maria Eleusa se referiu ao projeto Mandalla como algo “bonito”,

denotando seu prazer em fazer parte dele, enunciando expectativas e confiança de ser

possível continuar no campo, como almejou. Trazendo possibilidades alternativas às

práticas de plantio do agronegócio, a trabalhadora analisa, em seu trabalho intelectual de

monografia, os impactos do agronegócio:

[...] O agronegócio afeta a vida no campo e na cidade uma vez que produz apenas em grande escala, com maquinários de alta tecnologia, trazendo, em consequência, o desemprego no campo, fazendo assim ressurgir o fenômeno do êxodo rural [...]. Além disso, no campo econômico, essa opção pela monocultura voltada para a exportação provoca um desabastecimento de gêneros alimentícios consumidos pela população em geral, tornando os preços desses alimentos mais caros, pois não fosse a agricultura familiar, que produz alimentos para o consumo interno, teríamos a escassez de alimentos na mesa do povo brasileiro. É cada vez maior a procura pela população pelos produtos orgânicos, que são produzidos até hoje unicamente pelos pequenos produtores familiares, que produzem com muito sacrifício, sem investimentos por parte dos governos, que priorizam o agronegócio que não produz alimentos básicos das refeições diárias da nação. Vemos diariamente a grande propaganda do agronegócio nos grandes meios de comunicação e, no entanto, em 2008, eclode a crise do capitalismo, mostrando a fragilidade do agronegócio, por requerer uma produção em larga escala necessitam sempre de grandes investimentos do capital financeiro, o que, com a crise, poderá torna-se inviável de uma hora para outra. (MOTA, 2010, p. 36, grifo meu).

Andando pelo assentamento e conversando com os trabalhadores, fui

conhecendo a construção dos poços e canteiros de hortaliças, fruteiras e percebendo o

encantamento gerado. A proposta de produção através das Mandallas pareceu muito

interessante e sinaliza o que Maria Eleusa narrou no trecho citado: a possibilidade de o

pequeno agricultor ofertar para os consumidores produtos diferenciados e,

minimamente, estimulando a concorrência. Entretanto foi possível constatar no início do

ano de 2011 que poucos lotes estavam com a construção da Mandalla avançada e havia

muitas outras Mandallas ainda por serem construídas.

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Indo em outra direção, ao indagar sobre a demora na efetivação do projeto,

alguns trabalhadores contaram enfrentar alguns obstáculos, o que sugere os motivos de

algumas famílias talvez não aderirem ao projeto. Na interpretação de Francisco Jubiano

de Freitas,

[...] Essa Mandalla foi um projeto da prefeitura junto com a Caixa Econômica [...] eles entrou com sete mil [reais] que foi o material, que foi mangueira, cimento, poço [...]. No total eles fechou sete mil e você entra com três [mil reais]. Então você entra com a semente, com o adubo, que tem que ser adubo orgânico, você entra com material pra você plantar. Eles [a prefeitura] dá estrutura, aí você entra com a mão de obra e o material pra você plantar, [...] a cama de frango é em torno de mil e duzentos [reais] o caminhão, eles querem trinta metros, é mais ou menos dois caminhão, é em torno de dois a dois mil e quatrocentos [reais] esses caminhão.340

Para analisar os impactos desse projeto na vida dos trabalhadores e como as

Mandallas estão sendo construídas, não se pode deixar de notar que seu custo, para

muitas famílias, é alto. Pelo que diz Francisco J. de Freitas, os projetos governamentais

de incentivo à produção no campo, como as Mandallas, exigem contrapartidas do

trabalhador, muitas vezes inviabilizadas por sua situação financeira, podendo até

mesmo, em alguns casos, levá-lo a não se comprometer por receio de não conseguir

honrar suas dívidas.

Importa ressaltar que, assim como Francisco, Maria Eleusa Mota, ao explicar o

projeto, falou sobre como ele surgiu a partir do incentivo dado pelo governo do estado

de Minas Gerais em parceria com a prefeitura de Uberlândia, dentro do programa

“Minas sem fome”.341 Contudo os entrevistados Juarez Moura dos Santos e Flaviana

Dias recuperaram outras questões centrais do processo histórico que envolveu a

possibilidade de se inserirem no projeto das Mandallas, apontando outra versão. Isto é, o

acesso a tal projeto não foi incentivado por um programa da prefeitura de Uberlândia

junto ao governo do estado de Minas Gerais, mas, sim, foi a reivindicação de alguns

assentados da região que tomaram conhecimento do projeto Mandalla, divulgado em

340 Francisco Jubiano de Freitas, entrevista concedida à autora em 2011. 341 De acordo com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais

(Emater – MG) na sua página da internet: “O Programa Minas Sem Fome é executado pela Emater – MG, é um Projeto Estruturador do Governo de Minas Gerais, que tem o objetivo estratégico de buscar a segurança alimentar e nutricional, com redução da pobreza, resgate da cidadania e inclusão produtiva, conforme expresso no Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado – PMDI 2007–2023”. Disponível em: <www.emater.mg.gov.br>. Acesso em: 4 abr. 2011.

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programas midiáticos sobre o mundo rural, como, por exemplo, pelo programa Globo

Rural da Rede Globo de Comunicações:

O programa Globo Rural está exibindo uma série de reportagens especiais ‘as melhores do ano de 2006’ e, neste domingo, irão reprisar a reportagem feita pela jornalista Anna Dalla Pria sobre o Projeto Mandalla e os benefícios que estão fazendo na Paraíba e no Brasil. Quem assistiu teve a oportunidade de conhecer um sistema de produção que, numa área bem pequena e com poucos recursos, consegue garantir comida e renda para o agricultor. [...].342

Segundo Juarez e Flaviana, o acesso ao projeto Mandalla foi fomentado por um

grupo de assentados, tendo sido uma trabalhadora do PA Zumbi dos Palmares, no

município de Uberlândia (vale destacar que essa mulher é irmã de Ricardo dos S.

Balbino do PA 21 de Abril), que, junto a outros assentados do PA Nova Tangará –

MLST do mesmo município e com o apoio de um agrônomo vinculado à Secretaria de

Agricultura e Abastecimento de Uberlândia e que participou de curso sobre o sistema de

plantio Mandalla, propuseram para a prefeitura o planejamento e implementação de

Mandallas, num total de 46, para os pequenos produtores rurais da região,

principalmente que atendessem os assentamentos da reforma agrária. Os entrevistados

sinalizaram que tal proposta gerou divergências e emperramento devido a interesses

políticos dentro da prefeitura no que se refere ao apoio aos Sem Terra na região.

Nesse sentido, a pesquisa e o conhecimento da realidade e da vivência de

trabalhadores como os investigados nesta tese tornam-se importantes, pois trazem

indícios e experiências que contrariam muitas autoridades e até mesmo aqueles que

desconhecem a realidade de assentamentos rurais, mas se posicionam sobre o abandono

de lote pelo Sem Terra ou sobre o seu pouco tino para a lida do campo, atribuindo a ele

a pecha de preguiçoso, entre outras expressões pejorativas. A busca do contraponto

dessa única versão da história instiga à pesquisa e ao estudo sobre a realidade vivida

pelos trabalhadores, permitindo a compreensão de que eles, na qualidade de grupo

representativo de outros trabalhadores de movimentos sociais, passam percalços na

busca pela terra e pelo direito de permanecerem nela.

Como se observa, Juarez traz ao nosso conhecimento a experiência vivida,

interpretando os significados do que foi o processo de criação do projeto Mandalla, que

342 MANDALLA, DESTAQUE PROGRAMA Globo Rural. Agência Mandalla, 28 Fev. 2007.

Disponível em: <http://www.agenciamandalla.org.br/modules.php?name=News&file= article&sid=132>. Acesso em: 2 fev. 2011.

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poderia ser uma fonte de apoio e investimento para o trabalhador rural. Ele expõe uma

questão importante para reflexão:

o Mandalla está lá que é hoje a estrutura que eu, a gente, usa pra produção do PAA [Programa de Aquisição de Alimentos]. Somos doze [pertencentes ao grupo do PAA] [...] Assim como eu te falei lá no encontro [EVRA],343 que é um problema que eu vejo, clássico, que não há a preparação. Então, criaram primeiro um projeto, algumas pessoas correram o projeto, o pessoal lá do Tangará, o pessoal do Zumbi, o próprio Claudinei do Canudos, eu, que ficava enchendo o saco lá dos caras, que [eu] sabia que tinha o tal do projeto e tinha recurso pra isso. Um dia eu cheguei lá na salinha da Secretaria da Agropecuária, tem uma foto, eu vi uma foto do Mandalla, eu já tinha conhecido. Aí falaram: é um tal de Luperce que é o técnico. Aí eu fui lá e falei: como é que funciona esse negócio do Mandalla? Ah! o Mandalla é assim, blá blá, a prefeitura está querendo fazer um projeto, aí, se interessar, você faz a sua inscrição lá que vai avaliar se foi escolhido ou não em 2009.344

Aqui Juarez indica a pouca circulação de informações que poderiam facilitar a

integração do homem do campo em programas vinculados aos órgãos públicos. Parece

tudo muito restrito e permanece uma distância entre o poder público e os trabalhadores,

que precisam se movimentar, correr atrás e insistir para serem ouvidos. No caso, é

sugerido pelo entrevistado que não houve uma ampla divulgação na região sobre os

benefícios de um projeto da potencialidade que é o sistema de plantio Mandalla, ficando

tudo a cargo de somente um técnico agrícola.

E, segundo a assentada Flaviana Dias, a iniciativa do Juarez em conversar com

o técnico agrícola da Secretaria de Agropecuária e Abastecimento de Uberlândia foi

uma “[...] conversa [...] em 2007 executou, em 2008 fez o planejamento de famílias pra

sair em 2010”.345 Portanto, foi possível conhecer que o desenrolar do projeto durou no

mínimo três anos.

É importante destacar como o Juarez narra e interpreta esse processo:

[...] aí eu conversei com o Lupérce [Técnico agrícola]. Consegui fazer tudo no mesmo dia. Eu fui lá, Walquíria (na época ela num era secretária, ela era uma articuladora dentro da Secretaria [de Agropecuária e Abastecimento] e a responsável pelos projetos), ela falou: não, se você me fizer uma relação agora eu te enquadro, porque

343 Um seminário parte integrante de um Projeto de Extensão em áreas de reforma agrária sob minha

coordenação na UFTM. 344 Juarez Moura dos Santos. Entrevista concedida à autora em 2012. 345 Flaviana Dias, entrevista concedida à autora em 2012.

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as inscrições fecharam. Eu falei: beleza!. [...] Esse projeto é o seguinte, e nem eu sabia, depois que fui descobrir da onde que o dinheiro [...], primeira coisa que é importantíssima: quase tudo, quem tocou o projeto foi que elaborou o projeto foi a Jeane do Zumbi [assentamento], o Ismael e o menino lá da [Nova] Tangará [assentamento do MLST], da cooperativa lá do cerrado, lá da Nova Tangará e depois entrou eu e o Claudinei mais no final, mas eles fizeram e o cara do Rotary Club, então na moral mesmo, a moral toda merece é o cara da Rotary Club, que o pessoal [os assentados] foi lá no Gilmar Machado, foi lá num sei aonde caçar recurso, Emenda Parlamentar, [e] esse cara do Rotary Club, como tem moral, conseguiu recurso com um cara que acho que é do PR, deputado lá de Belo Horizonte, conseguiu a Emenda que mandou aqui pra prefeitura 240 mil reais, que é uma Emenda Parlamentar pra fazer Mandalla. Pronto, 240 mil reais conseguiram fazer 46 Mandallas no município, que podia ser [para] assentamento ou pequeno produtor. Mas quem procurou mesmo, quem estava em cima eram os assentamentos. Então, das 46, 38 foi pra dentro do assentamento Nova Tangará, Zumbi, Zapata, Rio das Pedras, Douradinho e Canudos. E Florestan Fernandes, Eldorado e Flavia Nunes não conseguiram, porque não conseguiram informação, quando descobriu já era tarde, quando nos descobriu já estava [com as inscrições fechadas] [...]. A Jeane pensou um plantio muito lá pro grupo dela de horta [...] na verdade o Mandalla chegou através do franqueado, a Mandalla é uma franquia, a própria prefeitura, aí eles pegaram, custearam o Luperce, que é esse técnico pra fazer essa questão do curso lá no Pernambuco. Então ele fez o curso, nem foi lá, foi em Uberaba. Aí ele foi lá e fez. No que ele fez, ficou todo otimista e começou a passar essa informação pra cá. Aí uma vez saiu no Globo Rural, então o pessoal pegou as informações no Globo Rural, então o Luperce passou essa informação e estimulou essa questão da divulgação do Mandalla e ao mesmo tempo em Uberlândia já tinha criado duas Mandallas de modelo, que é lá no Shopping Park [um bairro pobre de Uberlândia] [...] e uma instituição que a Coca-Cola financia, que é pra abrigo. Então criou essas duas Mandallas de exemplo, aí eles já foram ver, todo mundo achou lindo e maravilhoso.346

A narrativa de Juarez, como memória que atribui significação às experiências

no momento em que ele narra, torna acessível uma memória que evidencia a correlação

de forças políticas e como os gestores das prefeituras e secretarias ligadas ao

desenvolvimento do campo compreendem e tratam os assentados e mesmo os pequenos

produtores rurais:

[...] mas qual o problema da história toda, a informação toda restrita. Eu, por exemplo, eu pesquiso um pouco lá no site e tal, mas beleza, eu num consigo passar daquilo. Esse Willy Pessoa [o criador do sistema de plantio Mandallas] ou qualquer outra pessoa, a gente num conseguiu ter acesso, entendeu? Então ficou só esse cara, esse Luperce, que é da prefeitura [e ele] começou passar raiva aqui na

346 Juarez M. dos Santos. Entrevista concedida à autora em 2012.

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prefeitura, eles mandaram o cara lá pro Ceasa ficar quieto lá no cantinho lá. Ele é um agrônomo, ele é da Secretaria, mas está lá no cantinho, num pode falar um “a”, tem que ficar lá caladinho, ele falou demais, [para os representantes do poder público], estava meio junto com Sem Terra, estava querendo acampar, gostava da história do MST, aí, pronto, falou demais, aí a Walquíria falou: pronto, vai lá pro cantinho, fica quietinho lá, e num fala mais nada, [...] antes que fica pior. [...] a prefeitura, ela conseguiu a Emenda Parlamentar, fez a execução, foi obrigada, mas claro, um deputado do PR, que é uma base de apoio, ele é de fora, porque eu acho assim: o mérito 50% foi dele Luperce, uns 20% esse cara do Rotary Club, que conseguiu o recurso, e os outros 30 é deles [dos assentados] pela articulação de cobrança.347

Essa fala indica que, no processo de efetivação do projeto Mandalla cadastrado

atualmente na Secretaria de Agropecuária e Abastecimento de Uberlândia, vieram à

tona outras questões sociopolíticas. Principalmente a tentativa constante e histórica do

poder público de Uberlândia, nas mãos do grupo empresarial e ruralista, de abafar e

silenciar a presença de Sem Terra na região e a força que isso significa. De qualquer

forma, o processo ficou conhecido por uma expressão emblemática recuperada pela

assentada Flaviana Dias, isto é, na região, ao se referir às Mandallas na produção de

pequenas propriedades ou assentamento rurais, “[...] costumam falar que a Jeane é a

mãe e ele [Luperce, o técnico agrícola] é o pai”.348

Ainda que nesse acontecimento pareça ter havido uma articulação entre os

assentados, de acordo com Juarez isso não aconteceu de fato,

[...] porque na verdade [Jeane e o assentado da Nova Tangará] conseguiram uma informação do projeto [e] acabaram se juntando [no] meio da história. Num [é] porque houve uma articulação, não há essa articulação, em nenhum lugar, porque, como a gente fala, tem um monte de gente correndo atrás. Como em qualquer lugar, a gente tem uma turminha que fica assim, tem um sinalzinho de alguma coisa, estamos lá puxando. Que é esse o problema da reforma agrária, são migalhas que os caras vão soltando e a gente fica ali tentando colocar pro povo, mas muito pouca coisa e muito amarrado. Por exemplo, tem um projeto aí do governo do estado que é pra cercar as reservas, as áreas de APP, mas é uma dificuldade pro assentado pegar, ele tem que ficar adivinhando quando está saindo, quando [e] que jeito que está saindo pra pegar, [mas] os grandes [proprietários] não! [...].349

347 Juarez M. dos Santos. Entrevista concedida à autora em 2012. 348 Flaviana Dias, entrevista concedida à autora em 2012. 349 Juarez M. dos Santos, entrevista concedida à autora em 2012.

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Nessa fala, a compreensão do assentado da reforma agrária é que não há

preocupação, planejamento, programa voltado para sua realidade e, quando existe,

parece, de acordo com sua interpretação, pouco acessível, ou mesmo limitado. Fica

evidente nisso o poder que cada segmento social e político possui para se impor, se

fazer valer e ser enquadrado nos programas das políticas públicas.

O projeto Mandalla visa a manter a alimentação das famílias, porém tem

potencial para produzir excedentes para comercialização, o que é sugerido pela forma

como os trabalhadores explicaram seu funcionamento, mencionando a possibilidade de

uma considerável elevação da renda monetária familiar, sendo viável e econômico. Pois

cada família constrói seu poço e seus canteiros, podendo extrair hortaliças, raízes e

frutas também para comercialização. Dessa maneira, é possível acompanhar por meio

da narrativa como os trabalhadores vão se organizando movidos por essa nova

esperança. Como explica Francisco Jubiano de Freitas:

Francisco: É pra ter renda, porque esse Mandalla, em si, ele foi feito pro Nordeste, lugar que tem pouca água e também a renda é muito baixa. Então, um técnico estudou isso e trouxe pra cá [...].

Leandra: [O projeto é só] Aqui em Minas ou no país? [...] todos estão tendo essa Mandalla nos assentamentos? Você tem conhecimento disso?

Francisco: Tem no país inteiro. Nos estados que tem mais dificuldades adonde tem os quilombos já tem, que aí você já descamba mais para Mato Grosso. Então, nesses assentamentos que tem pouco acesso, que a renda é mais precária, nos assentamentos pro lado de Sergipe já tem também. Então, foi feito mais naquelas comunidades mais necessitadas de geração de renda, que não tem geração de renda.

Leandra: E todos aqui aderiram ao projeto Mandalla? Todos aqui do assentamento?

Francisco: Não! Aqui esse projeto é um projeto que nós pegamos a 2ª etapa, vem a 3ª etapa que algumas pessoas está pegando aqui também dentro do assentamento. Porque ele vem assim, ele vem lá do outro assentamento, vem lá do Tangará [assentamento da década de 1990 de outro movimento social, o MLST] a 1ª etapa, a 2ª etapa foi nós que foi contemplado aqui, nós e o Bebedouro [assentamento do ano de 2004 do MST], 13 famílias. E vem mais a 2ª etapa, uns que não tem acesso à água, que você tem que ter acesso à água.

Leandra: Ah! [...] tem que ter algumas condições pra ter a Mandalla?

Francisco: Tem! Às vezes tem gente que quer, mas tem uma certa dificuldade. Também que eles [os técnicos do governo] mandaram [...] chegou no tiro a discussão, veio uma coisa, depois virou outra. Na verdade, a primeira discussão que veio é que era coletiva. Quando ela veio coletiva, o assentamento não quis, porque é uma dificuldade você deslocar [...] do primeiro lote pro outro dá dez quilômetros. Então, vamos supor, depende da onde ficasse esse Mandalla [se fosse no

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coletivo], você tinha que andar dez ou vinte quilômetros todo dia pra poder executar esse projeto. Então, o assentamento em si, ele quis o Mandalla, mas já abriu mão pra quem quisesse tocar, [...] ele [o assentado] quem ia tocar, [...] o assentamento em si não ia tocar, as pessoas que quisessem sabia que era ele que tinha tocar sozinho.350

Pelas ponderações de Francisco, algumas questões referentes ao acesso e à

aceitação das Mandallas pelos demais assentados vêm à tona. Nesse sentido, talvez seja

interessante observar a importância do convívio de forma cooperada praticado desde o

início da formação do acampamento, entretanto, em relação àquilo que o MST

nacionalmente prega como coletivo, como organizar-se a partir das propostas da

produção e da moradia coletivas ou de agrovilas nos assentamentos, esses trabalhadores

sempre se mostraram resistentes.

Essa questão tem sido estudada por diferentes acadêmicos, entre eles Vanderci

Benjamim Ruschel (2010) que analisou as formas de sociabilidade e da configuração

social do espaço de vida do Assentamento Pátria Livre, em Vitória da Conquista, na

Bahia. Nesse assentamento

[...] as contradições entre os desejos dos assentados e as concepções de vida e a dinâmica sociopolítica do MST começam a se manifestar: os camponeses querem cessar de se movimentar e viver no sossego da terra da família, porém, o ‘Movimento’ quer avançar para ‘reformas maiores’, propondo a coletivização da terra. O confronto entre estas motivações resultou na configuração ‘semi-coletiva’, que comporta formas de sociabilidade características das comunidades camponesas e outras oriundas da organização social de luta pela terra da qual os assentados fazem parte. Esta síntese é possível porque, em alguma medida, converge com as concepções do MST e a aspiração dos camponeses de viver na terra com suas famílias. (RUSCHEL, 2010, p. 09).

Sob essa perspectiva é que se entende a organização e mobilização dos

assentados do PA Emiliano Zapata em torno do sistema Mandalla e até mesmo outras

atividades forjadas por eles durante a luta. Sobre essa questão, o assentado Jonas Batista

Nunes faz sua análise:

Jonas Batista: [...] A gente tem que fazer primeiro o PDA [Plano de Desenvolvimento do Assentamento] pra gente estudar como vai ser todo o sistema. Antes de fazer o PDA a gente não pode fazer praticamente nada, assim nesse sentido de organizar o sistema de moradia. Uma coisa é certa, aqui nós vamos trabalhar no sistema de individual, dentro de um coletivo.

350 Francisco Jubiano de Freitas, entrevista concedida à autora em 2011.

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Leandra: Como seria isso?

Jonas Batista: Seria assim, no caso, o nosso assentamento, porém os lotes são divididos, cada um dentro do seu lote. Não seria, por exemplo, o sistema de agrovila, aqui o pessoal não é muito assim adepto ao sistema de agrovila não.

Leandra: Qual a sua opinião sobre o sistema da agrovila e por que você acha que o pessoal não concorda?

Jonas Batista: Uai! É mais assim o individualismo, né?! O pessoal, acho que ainda não conscientizou muito a respeito do que seria o coletivo, é aquele individualismo que a gente já traz ele desde que nasceu, né? No meu modo de entender, o pessoal não consegue entender o que que é um coletivo. No conceito das pessoas, coletivo é trabalhar de mutirão, e trabalhar de mutirão aqui não deu certo não! Nós tentou trabalhar, fazer coisa de mutirão, não foi bem sucedido. Então, o pessoal, por eles não entender o que é realmente o coletivo, é que o pessoal não tem entendimento assim mais amplo do que é isso, eles não conseguem entender, eles pensam que o coletivo não é bom, por causa que confunde um coletivo com coisa de mutirão. Mas o pessoal aqui concorda com o sistema de cooperação, de grupo de família, entende que num é preciso um trator, num é preciso um tanque pra cada um, tanque principalmente de leite, no caso pra produção de leite pra cada um, que nisso tudo pode ser coletivo, mas contanto que cada um fica dentro do seu lote. Esse que é o conceito que as pessoas têm, o pessoal daqui quer saber: naonde é o meu lote? Cada um quer saber disso aí: essa parte, esse aqui é meu, esse terreno, esse lote da parte aqui até lá é meu. Isso que a pessoa quer, mas esse sistema de cooperação, o pessoal aqui já está bem, entende o que é o sistema de cooperação é o que eu falo, eu [...] o nosso assentamento. Mas o lote é meu, é o individual dentro do coletivo, esse é o sistema.351

Recuperando o teor do segundo capítulo desta tese, com o intuito de articulá-lo

aos trechos das transcrições dessas narrativas dos assentados, pode-se analisar que,

acompanhando esses trabalhadores por anos na luta pelo assentamento, foi possível

presenciar debates em reuniões e conversas sobre a forma de se organizar o novo

território social conquistado (assentamento). Sempre de maneira melindrosa, as

propostas do MST nacional chegavam e os trabalhadores as debatiam ou não, antes e

depois do assentamento, para a efetivação de um trabalho no coletivo, como, por

exemplo, uma cooperativa ou agrovila. E o trecho da narrativa de Jonas evidencia a

complexidade da questão, principalmente por trazer o seu olhar a respeito das ações e

comportamento dos outros trabalhadores, que para ele ainda não atingiram um elevado

grau de consciência para aceitarem a ideia de coletivo.

351 Jonas Batista Nunes, entrevista concedida a autora em 2005, no assentamento Emiliano Zapata.

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Contudo, antes de discutir se esses trabalhadores possuem ou não uma

consciência política da importância de se ter um assentamento com base na cooperação

agrícola, como indicado pelos dirigentes do MST, é interessante buscar a historicidade e

a dinâmica social vivida pelos trabalhadores do Emiliano Zapata, atentando-se para o

fato de que os modos de viver atravessam o processo pelo qual se constitui a

consciência desses trabalhadores. Nesse sentido, como elementos da cultura, operam

como resíduos (Cf. WILLIAMS, 1979) na tentativa de manter o que cada um considera

como modo de viver.352

Com base nisto, é possível compreender que a fala de Jonas aponta as tensões

existentes e o que pode estar em questão para eles, ou seja, o desejo de cada um ter o

seu lote, o seu pedacinho de terra, que transparece quando dizem “onde é o meu lote”.

Esse desejo se forjou nos modos como viveram/vivem, constituindo-se por meio dos

valores e significados que carregam pela vida, passados de geração a geração pela

família e seu círculo de convivência. Talvez isso se explique menos pela perspectiva da

adesão ou não ao valor do individualismo capitalista, e mais pelo fato de que ter o lote

demarcado signifique lembranças daquilo que ficou registrado em suas memórias como

coisas boas e sobre o viver em uma época e com determinadas pessoas das quais

querem lembrar, de que sentem saudades.

Às vezes algumas atitudes geram polêmicas entre os trabalhadores, por

exemplo, quando algum trabalhador insiste em colocar uma cerca de determinada

maneira no seu lote, indo contra uma ideia coletiva, ou quando constrói, sem

necessidade, curva de nível. Esses são alguns exemplos de atitudes que podem levar a

longas e desgastantes discussões entre eles no âmbito do convívio social, do cotidiano.

O fato é que, ao buscar entender sua vida pregressa, percebe-se que muitas práticas se

relacionam a fatos vividos que deixaram marcas profundas. Isso significa, entre outras

possibilidades, terem presenciado seus pais se desesperarem quando a chuva lavava toda

a terra plantada por falta de curva de nível, perdendo plantações e trabalho. É como se

pudessem mudar, ou melhor, ressignificar o passado, com atitudes que, agora no

presente, significam orgulho, sentimento de realização, prazer e querem lembrar o

passado e como o viveram. Isso está no íntimo de cada um, com significados peculiares.

352 Ver: KHOURY, Iara A. História Oral nos estudos sobre movimento dos Sem terra, na perspectiva da

história social e da cultura. Missiologia – Rede Ecumênica Latino-Americana de Missiologas, [200-?]. Disponível em: <www.missiologia.org.br/cms/UserFiles/cms_artigos_pdf_42.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2011.

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Ganhando uma dimensão importante por serem noções que persistem e existem

no presente, é por isso menos proveitoso para o historiador abordar essas questões como

sendo graus ou níveis de consciência353 em uma ordem crescente, assim como aponta

Jonas N. Batista. Tais ponderações se aproximam daquilo que, por algum tempo,

sustentou teorias sobre a consciência de classe dos trabalhadores na perspectiva de

maior ou menor alienação. Maria Eleusa sinaliza também nesse sentido, apontando a

transformação e o avanço na forma como alguns militantes do MST têm debatido sobre

as práticas culturais: “[...] é uma realidade que não dá pra ignorar e dizer que a pessoa

está lumpiando, sabe, porque a realidade dele muda, tem todo cansaço, né? Que leva

anos a fio, até que se consegue ser assentado, né, você já adoece, você vai desanimando,

tem todo [...] uma trajetória que tem que ser investigada”.354

É possível entender as ponderações de Jonas, ao apontar a perspectiva de

alguns terem mais consciência do que outros, talvez mais como sua adesão a uma fala

moldada por uma proposta militante específica, isto é, à maneira como alguns do MST

identificam e compreendem seus pares: como aqueles que possuem maior ou menor

grau de consciência política. Não é o intuito diminuir ou desconsiderar as ponderações

de Jonas, mas, problematizá-las, já que elas podem mascarar e impossibilitar chegar às

nuanças e depreender as dinâmicas sociais e políticas emergidas das tramas de conflitos

cotidianos.

A questão da cooperação é algo caro para o MST e, em todos esses anos de sua

constituição, o Movimento procura formas de discuti-la com os trabalhadores rurais,

bem como com a sociedade. Para isso, investiu desde o início de sua fundação em

materiais de estudo para as áreas de acampamento, assentamento, entre outros espaços

de reflexão do Movimento, assim como tem utilizado meios como, mais recentemente,

o eletrônico para divulgação de sua concepção. Já no ano de 2011, o MST abordou o

tema da seguinte maneira:

A prática da cooperação é, para o MST, um grande instrumento pedagógico para a construção do ser social. Ela permite ao trabalhador rural romper com a autossuficiência e o individualismo, e acreditar no êxito da aplicação da força conjunta na produção e nos

353 Ver: KHOURY, Iara A. História Oral nos estudos sobre movimento dos Sem terra, na perspectiva da

história social e da cultura. Missiologia – Rede Ecumênica Latino-Americana de Missiologas, [200-?]. Disponível em: <www.missiologia.org.br/cms/UserFiles/cms_artigos_pdf_42.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2011.

354 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2011.

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serviços ligados à sua atividade. A partir de uma visão abrangente, o MST combina a organização da moradia, o agrupamento das famílias em núcleos de base e a promoção da cooperação como forma de criar uma nova estrutura social no assentamento. Vivendo próximas, em agrovilas ou núcleos de moradia, organizadas em núcleos de base, as famílias são estimuladas a solucionar seus problemas de forma conjunta. A construção de uma escola ou a reforma de uma ponte pode ser feita em mutirão. O MST entende que a saída individual é fatal para o assentado e, consequentemente, para o assentamento em termos de seu desenvolvimento e êxito como um todo. Adquirindo crédito, ferramentas, máquinas e matrizes de animais, produzindo a lavoura, comercializando a produção e até mesmo chegando ao ponto de ter a terra, o capital e o trabalho em conjunto, os agricultores melhoram a produtividade e a qualidade. Sua prática deve ser encarada como um processo que evolui em compasso com a realidade. Se ela não evoluir, estará condenada à estagnação e ao fracasso. Para o MST, existem razões econômicas, sociais e políticas para estimular e promover a cooperação agrícola entre os assentados.355 [grifo meu]

Na segunda metade da década de 1990, o MST estava muito envolvido pela

ideia de construção de um Projeto Popular para o Brasil, isto é, de um projeto

econômico, político e social dos trabalhadores que rompesse com o projeto capitalista.

Inclusive, no final dessa década, organizou os trabalhadores do campo e da cidade na

fundação do Movimento da Consulta Popular em 1997, em Itaici (SP). Tal movimento

social liderou a Marcha Popular pelo Brasil do ano de 1999. Portanto, em outro

material de estudo que discute o “projeto popular para a agricultura”, no ano de 2001, o

MST se pronunciava:

A concepção de mundo neoliberal aconselha o individualismo e afirma que a liberdade de produção se dará pela competição indiscriminada nos mercados. Essa concepção de mundo é absolutamente contrária à cooperação e solidariedade, valores básicos dos pequenos produtores e indispensáveis para a vida socialmente partilhada. Portanto, a cooperação agrícola, nas suas mais distintas formas e adotada nas mais variadas situações, coloca-se não apenas como potencializadora das forças produtivas, mas, sobretudo, como um valor pessoal e social que se antepõe à degradação do convívio humano, estimulado pelos valores do individualismo e da competição burguesas [...]. A cooperação, aliada à verticalização da produção com a indústria e diversidade produtiva, além de proporcionar as condições objetivas para a divisão do trabalho, estimula a multifuncionalidade das atividades dos pequenos e médios produtores rurais, dos trabalhadores rurais, dos pescadores artesanais e dos extrativistas, integrando as diferentes funções que o meio rural deve desempenhar nas sociedades contemporâneas. E cria

355 A COOPERAÇÃO AGRÍCOLA no MST. MST, Site oficial, 17 Nov. 2009. Disponível em:

<http://www.mst.org.br/node/8605>. Acesso em: 4 abr. 2011.

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muito mais alternativas de trabalho para a juventude no meio rural.356 [grifo meu]

No ano de 1998, o artigo Sistema Cooperativista dos Assentados, publicado no

“Caderno de Cooperação Agrícola nº 5”, da Confederação das Cooperativas de Reforma

Agrária do Brasil – CONCRAB,357 apresenta a cooperação como um valor e uma

prática importante, desempenhando papel fundamental na formação dos sujeitos:

Sabendo que a Cooperação foi desenvolvida no capitalismo, e no socialismo sofre um aperfeiçoamento ao eliminar a exploração do capital sobre o trabalho, sua referência fundamental e sua base de organização é a economia [...] Lênin acrescentou um outro elemento à cooperação, que é o aspecto político, procurando, através das cooperativas e da cooperação como um todo, realizar um dos grandes objetivos do socialismo: a revolução cultural no campo. Visava, com isso, elevar o nível de conhecimento dos camponeses e garantir a defesa do estado socialista que se iniciava [...]. Nesse sentido a cooperação deve ser vista como forma de organizar os assentados para a luta. E então a cooperação é um “instrumento de luta e cumpre um papel educativo entre os camponeses” [...] Há que reconhecer então, que as cooperativas tanto podem servir para fortalecer politicamente o capitalismo, como também podem servir como instrumento de luta contra o capitalismo. Mas, as cooperativas não são um partido para ter que definir estratégias revolucionárias, nem tampouco uma irmandade que não pode manifestar-se politicamente como prega um dos princípios cooperativistas [...]. As cooperativas, como os sindicatos no capitalismo, são instrumentos de luta dos direitos econômicos, sociais e políticos dos trabalhadores. Isto porque, por mais que uma cooperativa funcione e desenvolva, nunca terá facilidades por parte do estado e dos monopólios tanto em termos de créditos, preços mínimos, escoamento da produção, etc. Portanto a luta é de resistência à exploração do capital e das políticas governamentais sobre os trabalhadores [...]. Por outro lado, a cooperação dentro do capitalismo deve ter um sentido estratégico, sem cair em desvios. Mas fazer com que os trabalhadores elevem seu nível de consciência a partir do desenvolvimento de experiências coletivas. Portanto a cooperação, no capitalismo, além de cumprir este papel de organizar os trabalhadores em torno da produção, cumpre um papel fundamentalmente educativo [...]. Para o MST o que importa é que todos os assentados participem de uma experiência de cooperação, rompendo assim o isolamento [...]. Uns podem apenas trocar dias de serviço. Outros podem comercializar em conjunto. Outros podem ter uma associação de máquinas. Outros podem ter uma linha de produção em comum. Outros podem estar em grupos coletivos. Outros podem estar ligados a uma cooperativa. Outros estão em uma cooperativa totalmente coletiva. Não interessa se

356 MST. O estímulo à cooperação agrícola como forma de desenvolvimento social das forças produtivas.

Construindo o Caminho, São Paulo, 1a edição, p. 35-36, 2001. 357 Criada em 1992 e composta por cooperativas e associações de agricultores assentados pela reforma

agrária e a base filiada, tem vínculo com o MST.

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a produção é individual ou coletiva, pois a forma da cooperação é secundária. O fundamental é o ato de cooperar.358

Analisando esse processo histórico, nota-se uma proximidade entre a fala de

Jonas Batista Nunes e as ideias divulgadas pelo MST, principalmente nas duas últimas

décadas, para os trabalhadores engajados em sua luta. Vale ponderar essas questões,

pois assim compreendem-se os significados e os impactos da proposta do sistema de

plantio da Mandalla para os assentados do Emiliano Zapata. Principalmente porque, por

meio desse sistema, é possível perceber o ponto de vista dos trabalhadores sobre as

condições em que vivem, evidenciando, por exemplo, as limitações e até a inviabilidade

de programas sociais que chegam até eles sem considerar as suas próprias concepções

sobre o modo como trabalhar na terra, portanto sem considerar os seus costumes.

Isso se evidencia no trecho da transcrição da entrevista de Francisco Jubiano de

Freitas, no qual ele pondera que inicialmente a proposta da Mandalla não se adaptava à

realidade dos assentados, porque seria muito complicado fazer uma única Mandalla para

ser administrada de forma coletiva, devido à grande distância entre os lotes.

Evidentemente, muitas seriam as alternativas para essa questão física e espacial entre os

lotes, e no caso, para aqueles trabalhadores, tendo seus próprios costumes e

experiências, a melhor foi a construção de Mandallas no lote de cada família. Assim,

cada trabalhador cuida da sua própria produção e a administra como bem entende.

A construção da Mandalla, segundo Francisco Jubiano de Freitas, teve

orientação técnica desde como construir, passando por o que e como plantar, até os

mecanismos de comercialização. Pelo menos parece que esses seriam de fato,

minimamente, os passos do trabalho de acompanhamento dos técnicos agrícolas, ou, no

caso, do técnico agrícola. Entretanto, o acompanhamento não funciona dessa forma.

Sobre o funcionamento e onde serão construídas as Mandallas, encontrei a

seguinte perspectiva na entrevista de Maria Eleusa:

[...] É individuais, lotes individuais, a Mandalla é pra família, né?! Porque na verdade [...] um exemplo: hoje lá em Uberlândia tem uma Mandalla que abastece o restaurante da Coca-Cola, e lá quem cuida dessa Mandalla é o adolescente, uma adolescente sozinha cuida, por quê? Porque tem o ligamento [sistema de acionamento da irrigação da Mandalla], vai apertar o botão lá, vai ligar, você não tem que ficar

358 CONCRAB. Caderno de Cooperação Agrícola nº 5 – ‘Sistema Cooperativista dos Assentados’. 2a

edição, p. 48-49, jun. 1998.

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regando, né? Então [...] uma pessoa só dá conta de cuidar da Mandalla, entendeu? [...] É muito bonito! Eu acho que você podia fotografar.359

Pertinente observar a forma como Maria Eleusa explica o sistema e chama a

atenção para a beleza do projeto, talvez por indicar, como referido anteriormente, ser

uma maneira de relembrar tempos da vida de outrora, na infância e na roça com seus

pais. Mas também pelas novidades trazidas pelo projeto, como a facilidade na

manutenção, sobretudo pelas expectativas criadas a partir dos resultados das práticas de

outros trabalhadores do município e mesmo pelo país afora. Assim, apontando as suas

características, o faz baseando-se em outros sentidos, diferentemente de Francisco

Jubiano de Freitas, na realidade indicando a facilidade de manuseio e manutenção, já

que “uma adolescente sozinha cuida” da Mandalla.

A fotografia consegue dar uma ideia mais clara do que se estava construindo

nos lotes do assentamento Emiliano Zapata no momento das entrevistas em 2011. A

imagem abaixo é de uma Mandalla em construção no lote da mãe de Maria Eleusa:

Fotografia 1: Construção do sistema de plantio Mandalla no PA Emiliano Zapata.

Foto de SILVÉRIO, Leandra D., fevereiro de 2011.

Como Francisco Jubiano de Freitas mencionou, o sistema Mandalla já se

destaca na região de Uberlândia com sua implantação no PA Nova Tangará – MLST.

359 Maria Eleusa Mota. Entrevista concedida à autora em 2011.

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Chama a atenção o fato de Maria Eleusa Mota não se referir a essa realização no PA

Nova Tangará. A não citação de Maria Eleusa pode indicar a tentativa de esquecer o

passado (SARLO, 2005) vivido e revela sua preferência de focar aquilo que seus pares

estão fazendo e projetando para o futuro, talvez seu esquecimento possa ser uma

evidência de tensões entre grupos na luta pela terra. O silêncio de Maria Eleusa sobre

esse fato pode sugerir talvez um cuidado de sua parte de não atribuir tamanha

importância às ações de outros Movimentos de trabalhadores Sem Terra da região.

Outra temática que emergiu nas narrativas por meio da explicação do sistema

Mandalla é a preocupação dos assentados do PA Emiliano Zapata com o escoamento da

produção dos lotes. Nesse sentido Maria Eleusa pondera:

Maria Eleusa: Sabe, é muito bonito mesmo, acho que é um projeto [Mandalla] que muita gente [do assentamento Emiliano Zapata] está confiando bastante [...] e o projeto não se estende a só isso aqui não, entendeu, de fazer essa Mandalla, os trabalhadores aqui. Ele pensa também o escoamento da produção, que é a maior dificuldade que nós enfrentamos. Que produzir os produtos aqui na roça, isso é uma coisa tranquila, o difícil é o escoamento dessa produção.

Leandra: E isso é uma realidade, hoje, do pequeno produtor?

Maria Eleusa: Atual realidade, que é dura! Que é difícil né? Difícil você vender sua produção. Porque a produção que é fácil de ser vendida é em grande escala, dos grandes aí, das monoculturas, então, nós temos essa dificuldade, de mercado. E aí o projeto [Mandalla] é parceria com a prefeitura, já se tem hoje, por exemplo, o cômodo reservado lá no Mercado Municipal, que é pra vender produto da Mandalla [...] é dos assentamentos, todos aqui de Uberlândia, não só daqui [do Emiliano Zapata], mas de outros [...].360

Entre as questões importantes que vêm à tona na narrativa de Maria Eleusa,

estão as possibilidades de ações futuras desses trabalhadores a partir das questões do

presente. Ao falarem sobre como se articulam em torno dos resultados de seus

trabalhos, assim como para garantir o direito a ele, é possível compreender as

transformações pelas quais a sua vida passa:

Maria Eleusa: É já outros pontos é que estão se organizando pra fazer, até uma feira, fazer uma feira com as barraquinhas, os pontos. E se pensa em fazer o laboratório, pra [...] parece que não é laboratório a palavra, mas fazer um espaço lá, aonde vai fazer higienização dessa produção, picar, embalar, entendeu?! Porque é a exigência do mercado hoje, já levar, por exemplo, se tiver um cliente, tipo assim um hospital, que já quer a comida, a verdura toda picadinha, entendeu? Já

360 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2011.

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fazer isso. Então vai ser assim, tipo incubatório, pra fazer isso. Isso é a extensão do projeto, é um projeto muito bonito.

Leandra: E aí, Eleusa, os três assentamentos que ficam em volta do município de Uberlândia estão empenhados nesse projeto da Mandalla? Ou é mais o Zapata?

Maria Eleusa: [...] O Zapata é o que tem mais Mandallas. Eu acho que aqui tem mais de 10 Mandallas, só aqui [...]. Mas no Canudos [outro assentamento do MST] tem também [...].

Leandra: No Flávia Nunes [outro assentamento do MST] tem?

Maria Eleusa: Flávia Nunes não tem Mandalla, não tem. Eles não correram muito atrás disso, não tava, não conseguiram, não sei se porque não quiseram também.361

Todos os entrevistados analisaram os desafios e limitações do mercado para o

pequeno produtor rural escoar seus produtos, seja com relação ao preço, seja quanto à

logística envolvida. No caso dos assentados, a falta de infraestrutura, como estradas,

pontes, bem como de veículos para transportar a mercadoria para a cidade foram

ressaltados como empecilhos e causa de apreensão. Principalmente porque essas

questões, automaticamente, levam à dificuldade de manter o preço da mercadoria

competitivo, diminuindo, assim, o lucro.

Importante nesse processo é notar as expectativas dos assentados do Emiliano

Zapata em torno das possibilidades do sistema Mandalla, que podem ser evidenciadas

pela narrativa de Francisco Jubiano de Freitas: “[...] eu sei que minha ilusão [...] eu

estou apostando todas as fichas, minha expectativa que esse trem vira, que esse trem dá,

porque, se pelo menos eu tivesse alguma desconfiança que esse trem num ia dar certo,

eu num ia nem gastar dinheiro e nem ia perder meu tempo mexendo”.362

Como já referido e apontado por esse assentado, assim como por outros, eles

necessitam de pecúlio para implementar os projetos vindos das políticas públicas para o

campo. No que se refere à temática das políticas agrícolas e agrárias, analisa-se, por

meio das experiências desses trabalhadores, como essas ganham significados e passam a

ser concretizadas pela adesão desses sujeitos, adesão motivada pela confiança e crença

que esses homens e mulheres possuem da sua própria força e pela certeza do que

querem para si. Ou seja, sugerindo confiança e disposição ao trabalho, criam e recriam

as ações do dia a dia. Portanto, o que se ressalta é a relação intrínseca entre o trabalho e

361 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2011. 362 Francisco Jubiano de Freitas. Entrevista concedida à autora em 2011.

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a cultura, na qual as formas de trabalhar (escolhas sobre o que fazer e como) advêm da

elaboração e reelaboração dos seus costumes em comum (THOMPSON, 2008) e modos

de vida.

Como enuncia Francisco Jubiano de Freitas:

[...] mesmo a prefeitura trabalhando, viu que isso aí também num tem jeito, é fora de lógica. Aí optou, acrescentou mais no projeto junto com a Caixa Econômica [...] aí o técnico vem saber se tem água, se tem logística, quantas pessoas tem na sua casa pra trabalhar, que no Mandalla em si, do jeito que está preparado, [...] o Mandalla em si, ele já exige o técnico, que você e sua família fique pra assumir a responsabilidade que pegou.363

Da mesma forma que Jonas Batista Nunes e Maria Eleusa Mota, Francisco

Jubiano de Freitas também narra que as famílias do Emiliano Zapata externaram suas

opiniões sobre o sistema de plantio Mandalla e não abriram mão de que fosse feito nos

seus respectivos lotes. Nesse sentido, o projeto apresentado pelos técnicos de governo

teve necessariamente que se adequar às condições dos trabalhadores, sinalizando para a

importância de se planejar políticas sociais para o campo a partir das vivências dos

trabalhadores e em diálogo permanente com eles.

Os trabalhadores trazem à tona possíveis enfrentamentos durante o processo de

negociação para a realização do projeto Mandalla. Ao indagar Francisco Jubiano de

Freitas sobre como estava o processo de construção das Mandallas, quem iria construir,

qual a previsão de gastos e quantas elas seriam, ele disse:

Francisco: Tem treze, no total era quinze. Na verdade mesmo, o Mandalla são quarenta e seis [...] é essa 1ª etapa que saiu, entre a 1ª e a 2ª foram quarenta e seis Mandallas. O técnico tem que acompanhar as quarenta e seis Mandallas na região. Tem assentamento que chega a dar cem quilômetros dum Mandalla pra outro, ele teve que fazer esse acompanhamento [...] e você só pode fazer [Mandalla] com a presença dele.

Leandra: E tem quanto tempo que vocês estão com esse projeto, tentando construir, tentando terminar?

Francisco: Olha, na verdade tem gente que estava desde 2007 [...] 2009, que na verdade que esse projeto que vem num vem. E aí você faz despesa. Na verdade, esse Mandalla, até chegar, eu estive conversando com o técnico, eu já estava com R$2400,00 de gasto, que é você comprar adubo, você comprar a cama de frango. Aí não faz. Aí vem a chuva, lava aquilo, fica só areia. Você tem que comprar tudo novamente, você manda preparar a terra, que nem eu mandei preparar

363 Francisco Jubiano de Freitas. Entrevista concedida à autora em 2011.

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 3333: EXPECTATIVAS DOS ASSENTADOS DOS PAS EMILIANO ZAPATA E 21 DE ABRIL 249

a terra quatro vezes, adubo eu comprei três vezes. Teve sorte que eu paguei R$ 600,00 em cada caminhão de adubo. Aí virou tudo terra. Agora, como nós começamos fazer esse mês agora de dezembro [de 2010], eu comprei mais outro caminhão [...] da compostagem, ele deve estar custando hoje, vinte e dois metros, é R$1200,00.364

Pode-se não compreender ou não atribuir a devida dimensão à pressão pela

qual esses trabalhadores passam no cotidiano quando se tem outros e diferentes

paradigmas financeiros e comerciais. Difícil talvez se sensibilizar para o desafio de

juntar R$ 2.400,00 e ver que esse dinheiro não foi aproveitado devido a uma

morosidade que pode estar relacionada à burocratização do sistema público de serviços,

à falta de funcionários públicos para atender todas as demandas advindas da própria

implantação de uma política social.

Obviamente, é árduo o trabalho de sol a sol realizado pelos trabalhadores nas

fazendas no entorno e, sobretudo, mal remunerado. No caso de Francisco Jubiano de

Freitas, qual referência financeira usar para minimamente compreender o que ele vive?

É possível apreender uma fala carregada pela tensão do dia a dia de trabalho, cujos

resultados ainda são escassos frente aos anos de luta e apostas, bem como impregnada

pelo desejo de transformar a vida em algo com mais conforto e menos preocupação com

o futuro da família.

Nessa direção é que se acompanha os riscos, as idas e vindas de expectativas

de trabalho e, como fica evidente, a certeza de que algo precisa acontecer. No mês de

fevereiro de 2011, ao entrevistar Francisco Jubiano de Freitas, encontrei a seguinte

perspectiva:

Leandra: E quando ficar pronto [a Mandalla], se o PRONAF [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar] não vier ainda nesse período, o que vier desse projeto da Mandalla você acha que vai dar pra sustentar sua família? Porque aí você não vai poder trabalhar lá onde você está hoje [...]

Francisco: Não! Inclusive eu já saí de lá, da onde eu estava trabalhando, [...] e vim pra cá agora, dia primeiro que eu vim embora de uma vez. Só que agora, depois que aí o rapaz [da fazenda onde trabalhava] foi plantar, tem plantado trinta e cinco mil pés de eucalipto, aí, como eu mexo com turma, ele me chamou pra plantar. Terminando de plantar, eu acredito que até sexta-feira nós termina, então eu estou desempregado de novo. Se vai dar, Leandra, ou não, eu não sei. Eu sei que minha ilusão é essa [...] eu estou apostando todas minhas fichas é nisso aí, que é o que vai dar certo. Se esse PRONAF

364 Francisco Jubiano de Freitas. Entrevista concedida à autora em 2011.

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 3333: EXPECTATIVAS DOS ASSENTADOS DOS PAS EMILIANO ZAPATA E 21 DE ABRIL 250

vai sair ou não [...] eu estou [...] inté minha sobrevivência nesse Mandalla.365

Assim, a negociação do cotidiano segue seu curso, apoiando-se em

expectativas geradas pelos modos e pelas experiências em outros lugares, seja na cidade

ou nas fazendas do entorno, que se apresentam como sendo também possíveis para eles.

Sobre renda possível com a produção de alimentos via Mandalla, Francisco diz o

seguinte:

Leandra: E vocês têm discutido aí qual a renda que dá pra tirar, se der tudo certo, no mês, numa Mandalla?

Francisco: Não! Porque o Mandalla, ele é o seguinte, a produção quem faz é cada um [...] então, se você planta muita coisa [...] tem gente hoje, já tem lugar que o Mandalla está funcionando, tem gente que está tirando por semana R$200,00 tem outro que está tirando R$100,00, tem uns [...].

Leandra: Aqui no assentamento ou em outras regiões?

Francisco: [...] Adonde foi feita a 1ª etapa na Tangará [assentamento do MLST], isso foi o que o técnico [agrícola] falou, tem gente que está tirando aí a média de R$ 300,00, R$ 350,00 por quinzena nesse Mandalla, então está dando em torno de R$ 600,00 por mês. Mas eu acho que [...] quem está indo pegar essas verduras lá é o Bretas [rede de hipermercado da região].366

A experiência na organização e no planejamento da luta pela terra contribui

para desenvolver perspicácia para planejarem o que fazer e como fazer a produção no

sistema de plantio Mandalla. Assim como Maria Eleusa anunciou sobre as propostas de

comercialização dos produtos cultivados em feiras livres pela cidade, Francisco Jubiano

de Freitas menciona formas como outros trabalhadores Sem Terra367 da região estão

reorganizando sua vida e obtendo lucros com a produção do Mandallas, experiência que

estimula e aumenta a confiança dele e de outros:

[...] Vai aí nessa lógica que a gente está mexendo, nós ainda não fechou contrato com ninguém, nem sacolão, nem grande mercado, por isso que aqui a gente tem uma expectativa que quanto mais você tiver

365 Francisco Jubiano de Freitas. Entrevista concedida à autora em 2011. 366 Ibid. 367 Vale ressaltar que a área do PA Nova Tangará é de 5.095,0250 hectares, de acordo com o INCRA

(Relação de Projetos de Reforma Agrária, op. cit.), onde foram assentadas 250 famílias do MLST em 2003. Essas famílias iniciaram a luta pela terra ocupando a fazenda Douradinho/Parque Florestal em 1999, no mesmo período que as famílias do PA Emiliano Zapata – MST entraram para a luta pela reforma agrária.

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 3333: EXPECTATIVAS DOS ASSENTADOS DOS PAS EMILIANO ZAPATA E 21 DE ABRIL 251

mercadoria, quanto mais você produzir [...] e ainda nós está estudando uma condução, que é um transporte, que é um carro pra estar levando adonde que vai os pontos. Eu estava conversando com o Juarez [outro assentado do Emiliano Zapata também entrevistado], ele me chamou pra vê se nós faz pelo menos uns cinco caras que quer pegar e que quer tocar, pra ver se nós faz um compromisso com algum, fechar com algum sacolão, algum mercado, pra nós estudar qual é a mercadoria inté nós entregar essa mercadoria.368

Francisco dá o tom do movimento que precisaram e precisarão realizar para

obter sucesso com o sistema de plantio Mandalla dentro do assentamento, sugerindo e

revelando a complexidade na relação trabalho, produção, comercialização e renda.

Existe possibilidade de extrair do sistema Mandalla o máximo de benefícios que

permitam garantir a soberania alimentar das famílias agricultoras. Contudo, Freitas,

assim como outro trabalhador entrevistado, Vítor Caetano da Mota, pondera como as

condições financeiras e de infraestrutura dos assentados podem dificultar sua inserção

no mercado.

Sobre essa temática, o assentado Vítor Caetano da Mota também avalia que:

“[...] o mais difícil é a escoação do produto! Produzir ele é fácil, mas e escoar ele

[...]”.369 A questão que emana das falas dos trabalhadores entrevistados revela mais um

receio frente à desigual situação em que se encontram na correlação de forças atual com

os grandes produtores, possuidores de mais e melhores meios, principalmente

financiamentos via créditos rurais e infraestrutura adequada, transportes, maquinários,

estradas e pontes.

Assim, pela explicação dos entrevistados, entende-se que a implantação do

sistema de plantio Mandalla precisou da contrapartida dos governos estadual e

municipal. Entretanto, é preciso focar, a partir da realidade dos trabalhadores, como tem

sido realmente a concretização de programas de governos, principalmente dos três

últimos mandatos do governo federal, que se dizem defensores e incentivadores da

agricultura familiar, temática do quarto capítulo. No enfrentamento a essas propostas do

governo federal lidam com os interesses de gestores de governo estadual e municipal.

Portanto, nesse capítulo problematizaram-se as condições de vida e de trabalho dos

assentados e, sobretudo, foi possível conhecer os pontos de vista e as respostas dos

trabalhadores para o desafio de se produzir e viver do campo.

368 Francisco Jubiano de Freitas. Entrevista concedida à autora em 2011. 369 Vítor Caetano da Mota, entrevista concedida em fevereiro de 2011.

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Eu acho que o governo nem conhece as

dificuldades que o pequeno tem de

verdade!

(Vítor Caetano da Mota, 2011)

Capítulo IV: Os assentados e a agricultura nos planos de

governo

C A P Í T U L O

IV

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 4444: OS ASSENTADOS E A AGRICULTURA NOS PLANOS DE GOVERNO 253

NESTE CAPÍTULO ANALISA-SE o modo como os assentados em estudo vivenciam

e interpretam o planejamento e as ações governamentais resultantes de políticas

públicas destinadas aos beneficiários da reforma agrária. Também procura compreender

como foi possível, historicamente, a inserção dos assentados em programas

governamentais na categoria agricultor familiar e os significados e os impactos disso na

perspectiva do enfrentamento e da correlação de forças políticas e econômicas. Por fim,

como os diferentes governos federal, estadual e municipal concebem a agricultura

familiar, que importância lhe atribuem e como têm tratado questões que viabilizem a

manutenção de territórios da reforma agrária nessa conjuntura.

Nos capítulos anteriores discutiram-se as experiências dos assentados no

processo de acesso às políticas de crédito rural (Instalação) para o início do seu

estabelecimento no assentamento. Neste, problematiza-se o acesso ou não – já que

existem diferenças entre o PA Emiliano Zapata e o PA 21 de Abril – dos assentados aos

programas do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para a agricultura

familiar, principalmente ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar (PRONAF), verificando as estratégias que criam e como se organizam para

obter acesso a esse e a outros, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o

Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

4.1 POLÍTICAS PÚBLICAS ADVI�DAS DAS PRESSÕES DOS TRABALHADORES RURAIS

No processo histórico das lutas dos trabalhadores Sem Terra do MST questões

ligadas diretamente à produção econômica dos assentamentos sempre estiveram na

pauta de reivindicação. Aí destacam-se reivindicações por linhas de crédito subsidiado

especial para a reforma agrária, por financiamentos com juros e prazos diferenciados

daqueles concedidos aos demais agricultores e pela revisão das dívidas dos

financiamentos (STEDILE; FERNANDES, 1999).

Em meados dos anos 1980, se por um lado o MST se fortalecia e se expandia,

por outro, os trabalhadores passavam a enfrentar a complexidade da condição de

assentado, como a dificuldade para mecanizar as lavouras, receber assistência técnica e

ter acesso a crédito para a produção e produtividade dos assentamentos. Vale ressaltar

que, entre 1985 e 1986, com o fim do regime militar, terminou, segundo Stedile e

Fernandes (1999, p. 97) a “onda de créditos subsidiados” voltados para a pequena

agricultura, o que teve um grande impacto para os pequenos agricultores, e em meio a

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 4444: OS ASSENTADOS E A AGRICULTURA NOS PLANOS DE GOVERNO 254

essa conjuntura aconteceu a primeira luta do MST por crédito subsidiado e uma linha

especial para a reforma agrária. Em consequência à pressão das lutas dos trabalhadores

Sem Terra, em 31 de janeiro de 1986 o Conselho Monetário Nacional (CMN) instituiu,

pelo Voto nº 046, o Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária (PROCERA).

É importante observar que, na disputa e debate em torno desse programa, as lutas do

MST se organizaram também no sentido de aprimorar a concepção de cooperação

agrícola em seus assentamentos, como abordado no capítulo 3. O PROCERA foi

garantido com dotação de recursos do Fundo de Investimento Social (Finsocial) por

meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e, em

1990, passou a ter recursos da União e dos fundos constitucionais do Nordeste, do Norte

e do Centro-Oeste (Cf. STEDILE; FERNANDES, 1999).

Entretanto, no governo de Fernando Collor de Melo houve o congelamento das

políticas públicas da reforma agrária e o recrudescimento da violência e perseguição ao

MST e suas lideranças. No governo seguinte, FHC, a repressão continuou em várias

frentes, seguindo as diretrizes do Banco Mundial no propósito de integrar o pequeno

agricultor ao mercado, principalmente acabar com as ocupações de terra e a organização

dos trabalhadores Sem Terra. Portanto, na perspectiva do “paradigma do Capitalismo

Agrário”, criou-se o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

(PRONAF) (Cf. FERNANDES, 2008), ao qual os assentados da reforma agrária foram

incorporados, e extinguiu-se o PROCERA. Sobre esse momento da luta Aguinaldo da

Silva Batista lembra:

[...] [O PRONAF] ele surge em 1996 com o fim do PROCERA, que era o crédito que alimentava a reforma agrária antes, né, com o fim do PROCERA surgiu esse, na disputa, né. Do fim do PROCERA, do surgimento do PRONAF com o Fernando Henrique [Cardoso], surge então o fomento, junto. Então o fomento primeiro é R$ 900,00 em 1996, alimentação foi R$ 1.298,00, depois passou pra R$1.499,00, depois ele foi pra R$1.500,00 em 2001, né, depois ele vai a R$2.400,00, depois é R$ 2.500,00 e agora passou pra R$ 5.000,00.370

Aguinaldo indica marcos de memórias das lutas dos Sem Terra ao analisar

mudanças na conjuntura e, ao recuperar o PROCERA e a criação do PRONAF, aponta

como as políticas públicas para a reforma agrária se dão nas disputas, portanto explicita

as alterações nos valores dos financiamentos a partir das pressões dos trabalhadores.

370 Aguinaldo da Silva Batista, entrevista concedida à autora em dezembro de 2011.

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 4444: OS ASSENTADOS E A AGRICULTURA NOS PLANOS DE GOVERNO 255

No que se refere ao PROCERA, o governo que o instituiu propalou o intuito de

inserir os assentados no mercado a partir do aumento da sua produção e produtividade

agrícola, quiçá lhes possibilitando uma independência da ajuda do governo e lhes

outorgando a titulação definitiva do lote (Cf. REZENDE, 1999). E no governo FHC o

PROCERA foi entrando em um processo de extinção até sua completa substituição pelo

PRONAF na sua linha “A”, destinada aos beneficiários da reforma agrária. O PRONAF,

em tese, ampliaria os recursos de financiamento para todos os agricultores, incluindo aí,

portanto, os assentados da reforma agrária. Contudo, é preciso analisar que perspectivas

e tendências isso sinalizava.

Aguinaldo da Silva Batista, ao analisar os significados dessa mudança e os

significados do PROCERA e do PRONAF revela o seguinte:

Olha, os programas de governo, quando de sua implantação não são imediatamente aceitos e necessitam de um processo de transição para os novos, especialmente este, o PROCERA. Que se comparado com o PRONAF, para os novos agricultores era mais adequado, pois considerava outros fatores, além da capacidade produtiva da terra e do trabalho. Reconhecia número de pessoas na família, idade, filhos na escola, etc.

Para os assentados do período a concordância mais passiva foi o fim do aval compartilhado, que no PRONAF não é exigido. Porém, no PROCERA, caso não houvesse o pagamento não havia restrição ao crédito, mas toda comunidade ficava sem poder acessar outros créditos. Quanto ao PRONAF, se não houver os pagamentos em dia o inadimplente tem restrição ao crédito, o que tem contribuído em muito para os abandonos e venda das parcelas [de lotes]. Outra vantagem do PROCERA era o montante de investimentos, estava em acordo com a quantidade de trabalho na família, o retorno de capital, o itinerário da atividade agropastoril e ainda um rigor de acompanhamento pelas organizações. O fim do PROCERA marca uma era e inicia aquela da introdução desses novos sujeitos no campo como atores do modelo capitalista. Essa visão que tenho a partir das relações que desenvolvi na luta pela terra.371

Aguinaldo, ao analisar as vantagens e desvantagens entre PROCERA e o

PRONAF, sugere algo significativo: com o PRONAF os assentados podem ter mais

dificuldade em desvencilhar-se do modelo de produção capitalista. Para o MST, entre

essa e outras complicações, a extinção do PROCERA significou que as famílias

assentadas passaram a ter maior dificuldade de acesso ao crédito subsidiado, já que

371 Aguinaldo da Silva Batista depoente dessa tese. Análise escrita por ele sobre o PROCERA e o

PRONAF [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 30 jun. 2012.

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 4444: OS ASSENTADOS E A AGRICULTURA NOS PLANOS DE GOVERNO 256

antes elas tinham uma linha de crédito especial, e com o PRONAF passaram a integrar a

categoria “agricultor familiar”.

Foi possível observar com a pesquisa bibliográfica e com a análise de

narrativas, como a de Aguinaldo da Silva Batista, que o fim do PROCERA e a

consolidação do PRONAF como política pública de crédito rural para também os

assentados da reforma agrária trouxe grandes impactos, principalmente por ser uma

conjuntura de mudanças de concepção e estratégias das políticas públicas para a reforma

agrária e de desenvolvimento territorial e rural que, de modo geral, significava a

consolidação do neoliberalismo no Brasil. Impunham-se, então, aqui as diretrizes

políticas e econômicas do Banco Mundial, o qual, nesse período, forçou os países mais

pobres a reorganizar o campo, priorizando a categoria até então menos favorecida nos

subsídios do governo e financiamentos, pois o foco anterior era a agricultura patronal.

Contudo, não no sentido da autonomia desse agricultor, mas sim de sua subalternidade

aos grandes grupos econômicos nacionais e transnacionais (Cf. MARTINS, 2004).

Vários estudos foram feitos para avaliar o PROCERA, uns destacando os

potenciais, principalmente aqueles relacionados ao maior envolvimento dos assentados

nas decisões, outros destacando os limites do programa, ou mesmo inter-relacionando

essas questões. No tocante aos limites, ressaltam-se a falta de apoio e assessoria técnica

nos PAs, a insuficiência dos montantes de recursos e o alcance do programa. Os estudos

detectam, por exemplo, a demora, a insuficiência e a descontinuidade nos processos de

liberação, contratação e pagamento dos recursos, devendo-se aí observar também as

características da institucionalidade do PROCERA para a sua execução, isto é, além da

participação dos assentados e suas organizações, a do INCRA, dos agentes financeiros,

dos prestadores de assistência técnica e extensão rural e das comissões estaduais e

nacionais gestoras (Cf. BRUNO; DIAS, 2004).

Bruno e Dias (2004) observam que nesses estudos sobre os limites do

PROCERA, entre outros fatores, a ineficácia econômica se relacionava com as

condições socioeconômicas do assentado anteriores à atual. Dessa maneira, esse

trabalhador teria uma limitação para resultados positivos na utilização dos

financiamentos e créditos, o que levaria ao desvio na finalidade de aplicação desses

recursos e ao comprometimento do pagamento da dívida contraída. No Relatório de

Consultoria: “As políticas públicas de crédito para os assentamentos rurais no Brasil”,

Bruno e Dias (2004), ponderando sobre essas análises, consideram que

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 4444: OS ASSENTADOS E A AGRICULTURA NOS PLANOS DE GOVERNO 257

A falta de políticas públicas complementares a de crédito rural coloca os agricultores assentados a enfrentar a terra nua e quase sempre em condições precárias para o cultivo. Como os recursos para investir na estruturação básica dos assentamentos são escassos ou mal empregados, o pouco que conseguem para financiar os projetos técnicos é dividido com a tarefa de criar condições mínimas de infraestrutura: estradas de acesso e escoamento da produção, energia elétrica e distribuição de água. Nem sempre esta realidade foi considerada nos estudos que avaliaram a eficácia econômica do PROCERA. (BRUNO; DIAS, 2004, p. 22).

Segundo observam Bruno e Dias (2004), as tais chamadas, por eles,

“carências” influenciaram as muitas dificuldades dos assentados em honrar suas dívidas

com o programa, elevando, dessa maneira, o quadro de inadimplência. Há que se

considerar o modelo de políticas públicas concebido: no caso da reforma agrária, só

crédito rural, sem atenção devida a outros aspectos da vida e da condição dos assentados

e dos assentamentos. Também observam, no relatório mencionado, que, por pressão dos

movimentos sociais e das organizações dos trabalhadores rurais e agricultores

assentados, a partir de 1997, ocorreu uma repactuação e o alongamento das dívidas

contraídas junto ao programa, o que, para alguns analistas e na perspectiva oficial do

governo e do INCRA, tornou o PROCERA inviável, pois a orientação para melhoria

desse programa era focar em mecanismos de disciplina financeira e na punição aos

inadimplentes.

A respeito da questão do controle governamental, mais especificamente a sua

falta, sobre os recursos advindos dos Fundos Constitucionais para o PROCERA, Bruno

e Dias (2004) ressaltam que ele foi sistematicamente postergado pelos sucessivos

governos. Sendo assim, os autores concluem que não houve a definição de uma política

de reforma agrária adequada às propostas de enquadramento orçamentário e ajuste

fiscal. Para Bruno e Dias (2004),

Ao invés da construção de uma intervenção estatal que busque uma nova relação com os segmentos sociais historicamente postos em segundo plano pelas políticas públicas, as recomendações defendiam que os agricultores assentados deveriam assumir uma outra postura diante do Estado, de suas políticas e dos agentes gestores destas políticas, principalmente os financeiros. Surge então, como base desta nova postura desejada, a ideia do agricultor moderno, de perfil empresarial, disposto a aprender e praticar a disciplina financeira que lhe permita atingir eficácia na utilização dos recursos disponibilizados pelo programa de crédito. Esta percepção sobre o Programa e sobre o papel dos agricultores assentados no processo de execução dos projetos técnicos financiados influenciou o processo de extinção do Programa a partir de sua integração ao Programa Nacional de

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 4444: OS ASSENTADOS E A AGRICULTURA NOS PLANOS DE GOVERNO 258

Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) no final da década de 90. (BRUNO; DIAS, 2004, p. 24).

Portanto, com o fim do PROCERA, prevaleceu uma política pública, o

PRONAF, para a agricultura menos capitalizada, incluindo nela as demandas dos

assentados da reforma agrária e, a partir de então, revelando como o governo trataria

essas questões da reforma agrária e os movimentos sociais.

O PRONAF foi criado em 1996 e institucionalizado através do Decreto

Presidencial nº 1.946 de 28 de julho desse mesmo ano. Segundo estudiosos do tema,

como Mattei (2005), Schneider (2003) e Schneider, Mattei e Cazella (2012), dentre os

acontecimentos marcantes ocorridos na esfera das políticas públicas para o meio rural

brasileiro em tempos recentes está a criação do PRONAF. Está inserido, segundo esses

autores, na conjuntura de lutas sindicais e sociais dos trabalhadores rurais, inclusive as

de décadas anteriores, sendo resultado dessas lutas e de pressões históricas, por

exemplo, da CONTAG e do Departamento Nacional de Trabalhadores Rurais da Central

Única dos Trabalhadores (DNTR/CUT) pela implementação de uma política voltada

estritamente para o pequeno produtor nos anos 1990. Haja vista que esse sujeito social

encontrava-se debilitado com relação ao acesso a tecnologias que viabilizassem a

produção de suas terras, assim como também negligenciado pelo sistema financeiro

nacional.

Como ressaltaram Schneider, Mattei e Cazella (2012) até os anos 1990 não

existia política pública específica, em nível nacional, para a categoria social que passou

a ser reconhecida nessa década como agricultor familiar. Essa categoria até então era

nominada de produtores de baixa renda, pequenos produtores, produtores familiares ou

agricultores de subsistência. Os autores assim recuperam parte da história do PRONAF:

Entretanto, para melhor compreender este conjunto de inovações, é preciso recuar no tempo e situar o processo de elaboração e consolidação desse Programa. Em larga medida, pode-se afirmar que o PRONAF foi formulado como resposta do Estado às pressões do movimento sindical rural, realizadas desde o final da década de 1980. O programa nasceu com a finalidade de prover crédito agrícola e apoio institucional aos pequenos produtores rurais que vinham sendo alijados das políticas públicas até então existentes e encontravam sérias dificuldades de se manter no campo. Em 1994, em consequência das reivindicações dos agricultores familiares [...], o governo Itamar Franco criou o Programa de Valorização da Pequena Produção Rural (PROVAP), que operava basicamente com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). O PROVAP seria

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 4444: OS ASSENTADOS E A AGRICULTURA NOS PLANOS DE GOVERNO 259

o embrião da primeira e mais importante política pública criada dois anos mais tarde e destinada aos agricultores familiares. Cabe frisar que, embora o PROVAP tenha tido resultados pífios do ponto de vista dos recursos aportados para os agricultores, sua importância consiste na transição que ali se inicia em direção a uma política pública diferenciada por categorias de produtores rurais. Deve-se lembrar, por exemplo, que até esta época, os pequenos agricultores eram enquadrados como “mini-produtores” pelas normas do Manual de Crédito Rural do Ministério da Agricultura, o que fazia com que tivessem que disputar recursos com os grandes proprietários, que historicamente foram os principais tomadores de crédito para agricultura. (SCHNEIDER; MATTEI; CAZELLA, 2012, p. 02).372

No governo FHC, em 1995, o PROVAP foi reformulado e, em 1996, foi criado

o PRONAF. Ainda segundo Schneider, Mattei e Cazella (2012), desse ano

[...] em diante, o programa tem se firmado como a principal política pública do Governo Federal para apoiar os agricultores familiares. Deve-se registrar, no entanto, que, no ano de 1996, apenas as ações relativas ao crédito de custeio foram implementadas e que a ampliação do programa para as áreas de investimentos, infraestrutura e serviços municipais, capacitação e pesquisa, só ocorreu a partir de 1997, quando o PRONAF ganhou maior dimensão e passou a operar de forma integrada em todo o território nacional. (SCHNEIDER; MATTEI; CAZELLA, 2012, p. 03).

Os respectivos autores (2012, p.1) observam que em tempos recentes, de modo

geral, o PRONAF significa o reconhecimento e a legitimação da categoria agricultor

familiar pelo Estado, em relação às especificidades dessa categoria. Entretanto, nos

paradigmas das disputas e das lutas dos trabalhadores Sem Terra, é importante analisar

outra perspectiva sobre o seu significado e a qual projeto e forças ele se associa:

segundo analisa Fernandes (2008, p.193), no período do segundo governo de FHC

emergiram diferentes instrumentos das políticas públicas, entre eles o PRONAF e o

programa Novo Mundo Rural.373 Eram ações e orientações governamentais ligadas,

372 O capítulo na versão da internet está paginado entre 01 a 20, sendo o trecho citado situado na p. 02. A

publicação da versão na internet não está datada, portanto uso como referência em todas as citações dessa obra o ano do acesso a ela: (2012).

373 Em março de 1999 o ministro Raul Jungmann divulgou o projeto em discussão no governo FHC de reformulação da política da reforma agrária na perspectiva do que ficou conhecido como Novo Mundo Rural, o qual, sob o ponto de vista das organizações e movimentos sociais da reforma agrária, era polêmico e com sérias consequências no campo da luta e da questão agrária. (BRASIL. Jungmann divulga Novo Mundo Rural – projeto de reformulação da reforma agrária em discussão pelo governo. Portal do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/portal/nead/arquivos/view/textos-digitais/Artigo/arquivo_24.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2012). O projeto já nasceu dizendo a que vinha: Agricultura Familiar, Reforma Agrária e Desenvolvimento Local para um -ovo Mundo Rural. Política de Desenvolvimento Rural com Base na Expansão da Agricultura Familiar e sua Inserção no Mercado. Ou seja, a perspectiva era o

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principalmente, ao mercado de terras, à compra e venda de terras no intuito de coibir e

aniquilar as ações dos movimentos sociais de luta pela reforma agrária, que eram

consideradas pelo governo FHC um atraso para o país. Daí a lógica de política pública

que fortalecesse as ações de mercado para o seu crescimento e

[...] as políticas públicas que o paradigma do Capitalismo Agrário não conseguiu ‘aparelhar’ foram extintas ou congeladas, como o [...] (PROCERA), que depois foi substituído pelo PRONAF; o Projeto Lumiar de Assistência Técnica, que foi extinto em maio de 2000. E pelo menos até janeiro de 2005 as famílias assentadas em projetos de reforma agrária ficaram sem assistência técnica por parte do [...] INCRA; e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) [...]. O PRONERA ficou praticamente congelado durante a maior parte do segundo governo de FHC, sem recursos e com exiguidade de pessoal, exatamente por não se enquadrar no paradigma do Capitalismo Agrário. (FERNANDES, 2008, p. 193-194).

A partir de 2003, com o governo de Luis Inácio Lula da Silva, observa-se que o

PRONAF passou por algumas reestruturações, entre outras, a ampliação de novas linhas

e créditos, limites, prazos, carências, rebates e encargos financeiros. Contudo, no caso

dos sujeitos em estudo, ainda prevalecem problemáticas e disputas políticas e

econômicas em torno desse e outros programas de políticas públicas na conjuntura de

fortalecimento do agronegócio.

Com certa estruturação advinda do Crédito Instalação, os assentados

direcionam suas lutas para o acesso às linhas de financiamento do PRONAF,374

estabelecimento de um novo campo sem conflito e pautado no desenvolvimento local, na integração entre municípios e diferentes regiões, a partir da integração da agricultura familiar no mercado, e agora o foco do desenvolvimento não era mais a agricultura patronal. Portanto, um campo sem conflitos, sem ocupações de terra e sem a reforma agrária defendida pelos movimentos sociais, mas, ao contrário, com uma reforma agrária também integrada ao mercado de terras. Sobre os significados do -ovo Mundo Rural, consultar: NETO, 2004.

374 “[...] De acordo com o Manual de crédito rural referente ao plano de safra da agricultura familiar para 2004-2005 (MDA, 2004), a distribuição dos recursos é feita de acordo com os Grupos de enquadramento. Assim, para os Grupos ‘A’ e ‘A/C’, os recursos do OGU são disponibilizados pelo MDA – especificamente pela Secretaria de Agricultura Familiar (SAF/MDA), INCRA e Secretaria de Reordenamento Agrário – às Unidades da Federação por meio dos agentes financeiros. Os recursos dos Fundos Constitucionais são repassados pelos próprios que os administram. A SAF, o INCRA e a Secretaria de Reordenamento Agrário definem, a partir dos montantes disponíveis, o valor a ser aplicado em cada estado. O que é efetivamente disponibilizado para os estados atende às demandas dos Conselhos Estaduais de Desenvolvimento Rural Sustentável (CEDRS) ou Unidades Técnicas de Articulação do PRONAF (UA), apresentadas até o limite do orçamento do PRONAF. Para o Grupo ‘B’, os recursos são disponibilizados pelo MDA diretamente aos agentes financeiros. No caso dos Grupos ‘C’, ‘D’ e ‘E’, o MDA controla apenas o volume de crédito distribuído pelos agentes financeiros de acordo com a demanda apresentada por suas agências.” (BRUNO; DIAS, 2004, p. 34-35).

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atualmente coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)375 por

meio da Secretaria de Agricultura Familiar (SAF). O programa do PRONAF é

importante enquanto uma política pública e, nesse sentido, é uma conquista dos

trabalhadores rurais, como analisado anteriormente. Contudo, segundo o MDA, o acesso

aos créditos do PRONAF não é um direito concedido a todos os cidadãos, e esse

Ministério orienta como o agricultor pode conseguir e manter o financiamento rural e

como se dá a relação com os bancos:

O acesso ao crédito não é um direito. Crédito se conquista. Pegar dinheiro emprestado implica assumir uma dívida que deve ser paga no prazo pactuado. A conquista do crédito passa por ter uma Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), ter um bom cadastro (nome limpo na praça), ter um bom projeto e apresentar as garantias. Para o agricultor familiar, a negociação individual com o banco é muito trabalhosa. Então, a organização dos beneficiários é fundamental para assegurar o acesso e a manutenção dos financiamentos no município, na comunidade, no assentamento etc. [...].376

Tais posições governamentais precisam ser problematizadas na perspectiva da

correlação de forças políticas e econômicas entre as partes envolvidas: trabalhadores,

governantes e sistema financeiro. É necessário analisar o que significa para cada uma

dessas forças os programas de créditos para os agricultores desenvolverem suas

atividades de trabalho e produção e como, no ponto de vista de cada uma, os programas

podem significar a autonomia do trabalhador ou a sua inserção no mercado, ao modo de

produção capitalista, que subjuga o trabalhador rural às forças dominantes.

O PRONAF é constituído de três linhas de financiamento: crédito,

infraestrutura e serviços e capacitação. A destinação específica de recursos para as

linhas “infraestrutura e serviço” e “capacitação” são orientadas pelos Planos Municipais

375 “A partir de 1999, com o início do segundo Governo FHC, o PRONAF passou por novas

reformulações. Institucionalmente, o programa deixou de fazer parte do Ministério da Agricultura, onde estava vinculado à então Secretaria de Desenvolvimento Rural, passando a ser incorporado pelo recém criado Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). O MDA substituiu o Ministério Extraordinário de Assuntos Fundiários, criado em 1995, tendo antes a condição de Secretaria de Estado. O MDA passou a abrigar o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), instituição encarregada da política fundiária e de assentamentos da reforma agrária e, no lugar da Secretaria de Desenvolvimento Rural, foi criada a Secretaria da Agricultura Familiar (SAF), que passou a ser o guarda-chuva institucional das diversas linhas de ação do PRONAF e demais programas ligados à agricultura familiar brasileira. Nessa nova estrutura organizacional, o tema da agricultura familiar ganhou mais espaço, tanto na esfera pública federal como na sua visibilidade junto à sociedade civil.” (SCHNEIDER; MATTEI; CAZELLA, 2012, p. 6).

376 COMO O AGRICULTOR FAMILIAR pode conseguir e manter o financiamento rural e como se dá a relação com os bancos. Secretaria da Agricultura Familiar. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/portal/saf/institucional/Pergunta_%26_Resposta>. Acesso em: 15 jan. 2012.

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de Desenvolvimento Rural Sustentável elaborados pelo Conselho Municipal de

Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS) e a linha Crédito é financiada pelos

bancos e de caráter individual (ORTEGA, 2008).

De acordo com informações da “Cartilha de Acesso ao PRONAF 2011 a

2012”, elaborada pelo SEBRAE e SAF/MDA, a execução do PRONAF é feita

[...] de forma descentralizada e conta com a parceria das organizações dos agricultores familiares, dos governos estaduais e municipais, das organizações governamentais e não governamentais de assistência técnica e extensão rural, das cooperativas de crédito e de produção, dos agentes financeiros, do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e outros. (SEBRAE; SAF/MDA, 2011, p. 07).

Um dos atrativos do PRONAF está na declaração do MDA de financiamento

com as taxas de juros mais baixas do sistema financeiro para as linhas de crédito e

formas de pagamento do programa, como, por exemplo, para linhas que vão até 30 de

junho de 2012, cujas taxas variam entre 0,5 e 4,5% ao ano377. Desde 1996 ele tem

registrado baixa inadimplência. Contudo, o financiamento é diferenciado, sendo

direcionado de acordo com a classificação do agricultor familiar em, atualmente, cinco

grupos básicos, a saber: “A”, “A/C”, “B” (Microcrédito Rural), “C” ou “AF”

(Agricultor Familiar), e diversas linhas complementares ou acessórias. Nesses cinco

grupos as linhas de créditos possuem finalidades e condições específicas definidas

anualmente a cada Plano Safra da Agricultura Familiar lançado entre junho e julho

pelo MDA.

Essas formulações do PRONAF fragmentando a classificação do agricultor

familiar se baseiam em noções presentes em um primeiro estudo da Organização das

Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO)/INCRA em 1994, de onde surgiu

a conceituação e diferenciação entre agricultores familiares e patronais, assim como a

fixação de diretrizes norteadoras para a criação de políticas públicas para os diversos

tipos de agricultores familiares (SCHNEIDER; MATTEI; CAZELLA, 2012).

377 Segundo informações no Portal do MDA, o crédito via PRONAF é operacionalizado pelos agentes

financeiros que compõem o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), sendo os básicos o Banco do Brasil, o Banco do Nordeste e o Banco da Amazônia e os vinculados ao BNDES, o Bancoob, o Bansicredi e os associados à FEBRABAN. Fonte disponível em: <http://www.mda.gov.br/portal/saf/programas/pronaf/2259286>. Acesso em: 30 nov. 2011.

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Para a compreensão de onde se enquadram os trabalhadores em análise, a

“Cartilha de Acesso do PRONAF 2011/2012”, esclarece que o grupo “A” corresponde

aos assentados do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), do Programa

Nacional do Crédito Fundiário (PNCF) e aos reassentados em função da construção de

barragens com “finalidade financiamento das atividades agropecuárias e não

agropecuárias”. O grupo “A/C” corresponde aos trabalhadores vindos do PNRA ou

PNCF que já tenham contratado a primeira operação no grupo “A”, “[...] com finalidade

do custeio de atividades agropecuárias, não agropecuárias e de beneficiamento ou

industrialização da produção” (SEBRAE; SAF/MDA, 2011, p. 15).378

Com o passar dos anos, por lutas e pressões sociais e conjunturas econômicas e

políticas nacionais e internacionais, o PRONAF tem sofrido alterações e ampliação em

suas linhas de ação e fontes de financiamento. É importante mencionar a organização e

as lutas do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), que, entre 1997 e 1998, se

mobilizaram, até mesmo com greve de fome, ficando sete agricultores e um agente de

pastoral da CPT 17 dias sem comer, somente à base de soro e água, do que resultou a

ampliação de duas linhas de crédito especial com subsídio dentro do PRONAF: custeio

e investimento (MPA, [199-?]).

Nos anos 2000 o governo federal, por meio do MDA, tende a reconhecer de

forma expressiva o potencial de produtividade do campo advindo da agricultura familiar

em seus anuais “Plano Safra da Agricultura Familiar”. Em específico no Plano anual

2010/2011, o Ministério trouxe à tona dados do Censo Agropecuário 2006 divulgados

pelo IBGE, afirmando que a agricultura familiar é “responsável pela produção da maior

parte dos alimentos que chegam diariamente à mesa dos brasileiros”. Ressalta ainda: “o

censo aponta que a renda gerada por hectare pela agricultura familiar é de R$ 667,00,

contra R$ 358,00 da agricultura patronal. Ou seja, 89% mais produtiva” (MDA, 2010, p.

19). Tal plano prometeu uma série de medidas, e formas de financiamento apareceram

como metas do governo, como, por exemplo, disponibilizar para esse setor 16 bilhões

de reais para as linhas de Crédito nas modalidades Custeio, Investimento e

Comercialização do PRONAF na safra de 2010/2011. Desse montante, R$ 8,5 bilhões

378 Segundo observações dessa cartilha, as condições do PRONAF descritas nela são válidas até 30 de

junho de 2012. (Cf. SEBRAE; SAF/MDA; PÉRSICO, João Augusto. (Coord.). Cartilha de acesso ao PRO�AF, Brasília, 2011. Disponível em: < http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bds/bds.nsf/F8D5FB4FAB4789938325771C0068DA07/$File/NT00044052.pdf >. Acesso em: 15 jan. 2012).

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foram prometidos para operações de investimento e R$ 7,5 bilhões para as operações de

custeio.

Nessa direção, no “Plano Safra da Agricultura Familiar 2010/2011”, metas para

redução das taxas de juros nos financiamentos são alardeadas e, assim, a taxa de juros

máxima, que era de 5,5%, passou para 4,5% nas transações de custeio, e a que era de

5% passou para 4% nas operações de investimento do PRONAF. Ainda, o limite de

crédito individual para as operações coletivas foi ampliado de R$18 mil para R$20 mil.

O PRONAF estabelece limites de renda do produtor para que ele possa acessar o

programa como, por exemplo, no “PRONAF investimento para a reforma agrária” a

renda exigida é de “até R$ 20 mil, mais R$ 1,5 mil para Assistência Técnica e Extensão

Rural (ATER)”, os juros são de 0,5% a.a e há um bônus de adimplência de 44%; no

“PRONAF custeio para a reforma agrária”, a renda é de até R$ 5 mil, em três operações,

e os juros, de 1,5% a.a. Entre 2003 e 2010, “[...] os recursos destinados à Assistência

Técnica e Extensão Rural para agricultores familiares e assentados da reforma agrária

avançaram de R$ 46 milhões/ano para R$ 626 milhões/ano” (MDA, 2010, p. 12).

Uma importante ação implementada a partir de 2006 no “Plano Safra da

Agricultura Familiar” é o Programa de Garantia de Preços da Agricultura Familiar

(PGPAF): “[...] toda vez que o preço do mercado ficar abaixo do custo de produção será

concedido um bônus igual a essa diferença no pagamento do financiamento de custeio e

investimento do Pronaf” (MDA, 2010, p. 11). Desde o ano de 2010 esse programa se

expande para mais culturas, como banana, uva, abacaxi, cana-de-açúcar e maçã,

procurando assegurar os agricultores e estimulá-los a cultivar mais 39 culturas.379

Em meio a essa conjuntura das políticas públicas para a agricultura familiar, o

assentado Ricardo, do PA 21 de Abril, analisou as condições reais dos lotes do seu

assentamento e avaliou a possibilidade de acesso aos créditos de financiamento do

PRONAF:

Hoje num tem produção estabilidade aqui dentro, até porque o recurso que vai dar estrutura para isso num saiu ainda, que é o PRONAF.

379 Vale ressaltar que nesta conjuntura de disputa política por recursos e créditos para o campo estão

também a organização, o planejamento e as metas de governo Federal para o setor patronal, via as ações e missões do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, priorizando o setor do agronegócio com os planos “Agrícola e Pecuário”. O Plano referente a 2010-2011, por exemplo, foi lançado divulgando a missão de “promover o desenvolvimento sustentável e a competitividade do agronegócio em beneficio da sociedade brasileira”, garantindo atendimento e financiamento ao segmento dos grandes e médios produtores rurais.

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Então, o pessoal hoje vive de outras coisas, então, falar: “tem produção definida”, num tem. [...] O meu lote aqui eu num vivo dele [...], eu trabalho, eu mexo com madeira, eu trabalho nas propriedades vizinhas [...], nas fazendas na região. Aqui, na verdade, a base pra começar a produção é o PRONAF, o PRONAF num saiu ainda, então o pessoal num tem estabilidade ainda de se manter dentro do lote.380

As questões colocadas por Ricardo sugerem a dificuldade e o desafio que os

assentados enfrentam para uma produção econômica efetiva e expressiva em seus lotes

(como foi abordado no terceiro capítulo). Importante destacar que essa não produção é

uma situação que diz respeito, principalmente, ao não acesso dos assentados do PA 21

de Abril ao PRONAF. Entretanto, ao se tomar conhecimento das metas de governo

federal com o PRONAF no “Plano Safra da Agricultura Familiar”, por exemplo o de

2010/2011,381 pode-se indagar: o que acontece com os trabalhadores do PA Emiliano

Zapata e do PA 21 de Abril e todos os outros PAs do país em semelhante condição para

evidenciarem tantas apreensões? Por que ainda, após mais de oito anos e sete anos de

Projeto de Assentamento respectivamente, não conseguem viver plenamente da

produção econômica de seus lotes?

4.2 SIG�IFICADOS DOS CRÉDITOS RURAIS E PROGRAMAS DE GOVER�O PARA OS

ASSE�TADOS

Uma questão importante sempre inquietou e foi motivadora desta tese: a forma

como os diferentes governos analisam e discutem a vida e as condições materiais de

380 Ricardo dos Santos Balbino, entrevista concedida à autora em 2012 no PA 21 de Abril, onde reside. 381 Vale ressaltar que o Plano Safra da Agricultura Familiar 2011/2012 continua a propalar a “[...]

disponibilização de 16 bilhões de reais para operações de custeio e investimento do PRONAF; a unificação das linhas de investimento do PRONAF, com ampliação do limite de financiamento para até 130 mil reais; redução de taxa máxima de juros de 4% para 2% nas operações de investimento do PRONAF; ampliação da cobertura de renda do Seguro da Agricultura Familiar (SEAF) de 3,5 mil para 4 mil reais; aporte de 127 milhões para a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER); criação de uma ação específica do Programa de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) para agricultura familiar; unificação do Sistema Único de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa)”. Com relação à reforma agrária: “aporte de 530 milhões de reais para obtenção de terras para a reforma agrária; aporte de 30 milhões para ações de infraestrutura do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF)”. No saneamento e habitação: “3,2 bilhões para o projeto do PAC Saneamento desenvolvido pela FUNASA em municípios com menos de 50 mil habitantes”. Na Assistência Técnica e Extensão rural (ATER): “as ações de ATER serão direcionadas à ampliação e à qualificação das políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar, visando o desenvolvimento rural sustentável. Vão ser ampliadas as parcerias com instituições de ensino e pesquisa para o desenvolvimento de tecnologias de gestão e produção”. (BRASIL. Plano Safra da Agricultura Familiar 2011/2012. Portal do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/portal/arquivos/view/Plano_Safra_da_Agricultura_Familiar_2011-2012.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2012).

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inúmeros sujeitos trabalhadores do campo (como também os trabalhadores da cidade),

principalmente aqueles sob a condição de assentado da reforma agrária definindo-o,

diferenciando-o e classificando-o em linhas de créditos, enquadrando-o em estatísticas,

ditando o que produzir, delimitando quais deles e sob que condições podem ou não

obter financiamentos para produzir em suas terras. Qual o canal de comunicação, qual

mediação agentes de governo têm realizado com os trabalhadores rurais pobres para daí

planejarem, organizarem e liberarem efetivamente apoio, custeio, investimento,

assistência técnica, infraestrutura e serviços públicos em estabelecimentos rurais? Como

têm sido o intercâmbio, o diálogo entre as instâncias federal, estaduais e municipais

pautados nas ditas políticas descentralizadoras para se melhorar a vida para os menos

favorecidos em termos de acesso aos avanços de tecnologias que garantam um aumento

expressivo da produtividade? Sobretudo, como essas políticas têm mantido o diálogo e a

participação efetiva dos trabalhadores, seja via suas organizações sociais ou não.

Nesse sentido foram provocados, então, os assentados em estudo, indagando a

respeito dessas conceituações, uma maneira de conhecer os olhares deles sobre tantas

cifras e classificações aplicadas a eles próprios e também uma forma de melhor

compreender as contradições existentes nesse processo. Vítor C. da Mota vê a situação

da seguinte forma:

Leandra: Diferente dessa definição que o governo dá para o pequeno produtor rural, você acha que a realidade de vocês aqui é muito diferente da que o governo entende? O que ele fala, define tem muita diferença?

Vítor: Ah! Uma diferença muito grande! Eu acho que o governo nem conhece as dificuldades que o pequeno tem de verdade! As dificuldades que nós temos aqui, eles mesmo nem conhece! Porque, se conhece, também faz de conta que não conhece. Não vê, ajudar ali no ponto que nós estamos precisando! Porque, se conhecesse, vinha ajudar ali no ponto que estava precisando. Porque é fácil pra ajudar, se eles quisessem ajudar, sô!382

Em sua narrativa, após afirmar o desconhecimento dos governantes sobre a

realidade e a necessidade do pequeno agricultor, Vítor ainda elege o que ele e seus

companheiros precisam em termos de apoio e como as políticas de governo poderiam

facilitar economicamente a produtividade dos assentados da reforma agrária:

[...] Se [o governo] ajudasse a montar umas cooperativas [...]. Problema é que é difícil tudo que vai mexer com o governo é difícil!

382 Vítor Caetano da Mota, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011.

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O assentado monta uma Associação, mas e ele manter essa Associação? -ós tentamos abrir uma Associação pra mexer com mel, que nós mexemos com mel, mas e manter essa Associação? [...] É muita burocracia, imposto. Então, era um projeto, que eles estavam falando que a prefeitura [de Uberlândia] ia comprar o mel [...], mas aí a burocracia pr’ocê vender esse mel é grande. Você não consegue vender o mel pra manter a Associação, então, se eles simplificassem a coisa e ajudasse mesmo, seria bem mais fácil pra nós, né?383

Vítor aponta algumas questões relacionadas ao processo de assentamento e

fixação de famílias pobres no campo que ele considera como “complicação”,

“burocracias”, principalmente prejuízos financeiros com a exigência de pagamentos de

impostos na criação de uma associação ou cooperativa. Uma realidade sobre a qual é

preciso refletir, ponderando as possibilidades de tramas que enredam formas diferentes

do lidar com a terra e o trabalho, bem como com os saberes, as memórias e os costumes

dos(as) trabalhadores(as), isto é, o que querem, podem e conseguem projetar e realizar.

Essas questões podem estar diretamente relacionadas às linhas de crédito, por

exemplo, às do PRONAF, no que se refere às linhas de investimento, em que consta

recurso para financiar a implantação de médias e pequenas agroindústrias, sejam

isoladas ou em redes, desde que o assentado apresente ao Estado (financiador e

investidor) um projeto técnico que demonstre retorno financeiro e capacidade de

pagamento do empréstimo.

Com relação ao processo histórico do projeto de desenvolvimento rural via

intervenção do Estado brasileiro,384 a partir, por exemplo, da criação de política de

assistência técnica no campo, criou-se nos municípios de Minas Gerais desde 1948 a

Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR),385 a primeira organização no país

com destaque na execução do programa de extensão rural. Em 1956 foi nacionalizada,

passando a ser coordenada pela Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural

383 Vítor Caetano da Mota. Entrevista concedida à autora em 2011. 384 Há vários estudos abordando a história da extensão rural no Brasil, entre eles, Peixoto (2008) observa

que a partir de 1859 o governo imperial iniciou uma política para o meio rural de caráter extensionista ao criar os Imperiais Institutos de Agricultura, o primeiro dos quais foi o Imperial Instituto Baiano de Agricultura (que precedeu a Imperial Escola Agrícola da Bahia criada em 1875), seguido, em 1860, pelo Instituto de Agricultura Pernambucano e, em 1861, pelo Instituto Fluminense de Agricultura e o Instituto Rio-Grandense de Agricultura. Suas atribuições eram a pesquisa, o ensino agropecuário e também a difusão de informação. Entretanto, não é o intuito deter-se a esse período, suas problemáticas e conjuntura.

385 Era entidade civil, sem fins lucrativos, que prestava serviço de extensão rural e “[...] elaboração de projetos técnicos para obtenção de crédito junto aos agentes financeiros.” (PEIXOTO, 2008, p. 18).

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(ABCAR) e tendo o objetivo de controlar e integrar o homem desse lugar ao universo

da “modernização da agricultura”. É importante observar as transformações impostas ao

sujeito que ali trabalha, principalmente as ocorridas com a criação do Sistema Nacional

de Crédito Rural (SNCR),386 por meio da Lei nº 4.595 de 31 de dezembro de 1964, e

com a institucionalização do Crédito Rural, pela Lei nº 4.829 de 5 de dezembro de

1965.

O propósito desses instrumentos jurídicos foi e é incentivar a produção, o

investimento e a comercialização agropecuária. De lá para cá, os trabalhadores rurais

pobres têm sofrido e visto grandes mudanças agrícolas com o avanço de agroindústrias

transnacionais e nacionais e a manutenção da característica agrária que é o aumento da

concentração de terras no país, sem poder, em geral, acompanhar as inovações

tecnológicas e comerciais da nova realidade que vem favorecendo os grandes

produtores rurais.

E na perspectiva do enfrentamento e da resistência histórica, trabalhadores,

assim como Vítor Caetano expressou na página anterior, pautam-se em uma sabedoria

forjada pela cultura, que inclui o gosto e o conhecimento muitas vezes não acadêmico e

não técnico, com parcos recursos e criado pelas vivências e pelas experiências sociais

compartilhadas com outros e (re)significados pela memória.

Sobre os impactos do SNCR, segundo estudos de Miranda (2003, 2004), as

metas do governo brasileiro com relação ao Sistema de Crédito Rural, a partir do ano de

1965, via legislação agrária, foram distorcidas quando comparadas às falas divulgadoras

da ideologia dos governantes, pois nessas a ênfase era fortalecer prioritariamente os

pequenos e médios produtores e melhorar o padrão de vida das populações rurais, o que

historicamente não se concretizou em sua plenitude. Miranda buscou os significados da

resistência de agricultores médios e pequenos em ativar financiamentos do governo no

tempo da criação do SNCR, entrevistando diferentes agricultores, principalmente tendo

em vista que, para implantar o Sistema Nacional de Crédito Rural, o governo investiu

fortemente em campanhas e propagandas tentando convencê-los a produzir mais usando

tecnologias e defensivos agrícolas mediante o acesso aos benefícios dos Créditos Rurais

adquiridos a juros negativos até os anos 1970. 386 Ver sobre esse assunto o artigo publicado por Luciana Lilian de Miranda (2004) A vida rural na

“mira” da modernização conservadora: um diálogo com os proprietários rurais e o jornal Correio de Uberlândia, 1960-1985, bem como a sua Dissertação (2003) “Adeus ao Jeca Tatu”, proprietários rurais de Uberlândia/MG, vivendo a política agrícola modernizadora 1960-1985.

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Miranda (2004) analisa esse processo histórico apontando como isso não

mudou a realidade dos pequenos, pois eles se dedicavam a produtos marginalizados

pelo mercado interno, como arroz, batata, mandioca, feijão, entre outros. A política do

governo da União, em caso de insuficiência na oferta desses produtos, era importá-los

para manter baixos os preços no abastecimento do mercado. Nesse sentido, é pertinente

a perspectiva que a autora encontrou em novembro de 2001 na fala de Vivaldo Alves

Gomes, com 61 anos de idade, casado, pequeno proprietário rural no município de

Uberlândia:

Eu via comentário, né, de arguém que feiz um financiamento comprô um trator, o outro comprô uma bomba de irrigação. A maior parte desses colega que feiz esses financiamento descontrolô a situação. É, feiz o financiamento, mais depois quebrô. Não conseguiu pagá, porque era x na época, mais depois subiu, uma taxinha coisa e tal... o juro deu uma subida. O movimento dele não arcançô. Ele quebrô e foi preciso dele vendê umas vaca, foi preciso de vendê um arquero de chão, decontrolô a vida dele. Eu prestava atenção naquilo e falava: – eu só tenho esse pedacinho, vô ficá quieto! Vou comê do que eu tô ganhano. (MIRANDA, 2004, p. 82).

Por meio dessas interpretações percebem-se os desafios enfrentados há tempos

pelos pequenos e médios produtores rurais no Brasil, sujeitando-se ou não às diretrizes e

prioridades dos governos. Muitos resistem com suas crenças e concepções e usam de

cautela ao contrair dívidas no sistema financeiro, pois viveram ou souberam de

experiências de falência e perda das terras por outros. Assim, parece não bastar apenas a

vontade de produzir e a decisão sobre o que cultivar por parte dos pequenos produtores

e suas famílias, pois há a tendência da limitação pelos interesses de forças opostas no

campo. Isso não quer dizer que eles se sintam sucumbidos, muito pelo contrário, como

evidenciam as experiências dos entrevistados desta tese.

No sentido da resistência, os depoentes narram muitas situações e Vítor C. da

Mota é contundente ao dizer que o governo não prioriza e não ataca onde o pequeno

produtor precisa. Partindo da perspectiva de que o assentado da reforma agrária é (ou

deveria ser) um pequeno produtor, afirma que os governantes deixam de fortalecer os

assentados atendendo-os em suas necessidades, como, por exemplo, ele sugere, na

facilitação para a criação de cooperativas sob controle e gestão dos assentados. Por mais

que em tempos recentes as campanhas e planos de governo divulguem avanços e metas

alcançadas nesse sentido, é possível perceber um descompasso com aquilo que os

assentados entrevistados vivem no dia a dia ou mesmo sentem, compreendem e

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externam. Pode-se, assim, inferir que as metas das políticas de governo para o assentado

e a agricultura que esse produz não estão chegando a ele com o desempenho propalado.

A concepção de Vítor Caetano sobre o problema sugere a necessidade de o

governo se voltar para estudos e análises das realidades locais, buscando diagnósticos,

sobretudo sobre a relação entre o campo e a cidade, de forma a estimular as

potencialidades dos assentamentos; de pensar, a partir da presença desses trabalhadores,

nos avanços econômicos e sociais do município e região com uma produção

diversificada e aumentando a competitividade comercial. Contudo, é importante se

atentar para outras perspectivas, concebendo como importantes outros aspectos para

além do economicismo, pois os assentados e seus assentamentos não se fazem e não

podem ser vistos somente como o território da produção econômica, mas sobretudo

pelos aspectos do social, como um território que se constrói por meio dos modos de

vida, da cultura.

É notório, nas últimas décadas, o debate sobre a necessidade de serem

planejadas políticas públicas para o desenvolvimento rural, e nessa discussão ressalta-

se, principalmente, a perspectiva do desenvolvimento rural no âmbito das articulações

intermunicipais (Cf. VEIGA, 2001). Na disputa de noções em torno do que seja ou do

que deveria ser o campo, pautada na perspectiva do desenvolvimento rural, destacam-se

políticas que fundamentam concepções do desenvolvimento rural e sustentável do

território brasileiro. Desde a Constituição de 1988 já se percebe uma orientação para

políticas descentralizadoras tanto administrativamente como no tocante aos recursos

orçamentários, contudo as concepções em torno do desenvolvimento territorial com

base em um desenvolvimento sustentável pautado no “[...] planejamento construído

participativamente e apoiado no capital social local” (ORTEGA, 2008, p. 41), que

possibilite um desenvolvimento considerando a organização social local, se

intensificaram nos anos 2000, em diferentes programas de governos. Principalmente,

constaram do programa do governo federal do Partido dos Trabalhadores, na concepção

da atuação intermunicipal (Consórcios Intermunicipais de Segurança Alimentar e

Desenvolvimento Local). Os limites da concretização dessas posições e concepções de

desenvolvimento rural, as quais estão presentes no II Plano -acional da Reforma

Agrária (P-RA)387 são apontados nas análises dos assentados entrevistados.

387 Lançado em novembro de 2003 pelo MDA na Conferência da Terra, em Brasília. Segundo o MDA,

esse II plano retomava a trajetória anunciada no I PNRA, aprovado em 1985 pelo Decreto nº 91.776,

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Sob esta perspectiva, no momento de elaboração de sua fala, o importante para

o Vítor é continuar a acreditar e a investir no cultivo do mel, um sonho do seu pai, o

assentado José Firmo da Mota, ao qual, com muito entusiasmo, estava se dedicando no

tempo de sua morte, em 2007. Quando Vítor ressalta a relevância de uma cooperativa

que viabilizasse o sonho que era também do pai, sugere a intenção de manter viva a

memória e a história de José Firmo e externa os desafios jurídicos e econômicos para se

concretizar tal projeto. Imbricada nos seus costumes, gostos e desejos está a memória do

seu pai, entretanto há também indícios de que o projeto de Vítor está respaldado em um

curso e orientações de especialistas sobre a cultura do mel, assim como Maria Eleusa

aponta:

[...] a gente mexe com a produção de mel. Tem o funcionário da apicultura. Meu irmão foi fazer o curso, aí ele veio, explicou pra gente, e a gente montou, mas não daria pra uma só família fazer isso, porque é muito difícil, não dá pra mexer com criação de abelha de confecção de mel uma família só, entendeu? Então, o que funciona aqui é essas coisas de forma cooperada.388

de 10 de outubro e apresentado pelo então Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário (MIRAD) para o período de 1985/89, que em tese beneficiaria 1.400.000 famílias e seria executado pelo INCRA em áreas regionais prioritárias mediante planos regionais de reforma agrária e projetos de execução, com o objetivo de democratização do acesso à terra. Já no II PNRA, principalmente discute-se a questão de uma reforma agrária voltada para a mudança do modelo agrícola de até então. Teoricamente, a partir de 2003, questiona-se a concepção de modernização tecnológica implementada no campo e afirma-se a necessidade de um projeto nacional soberano que contemple um novo padrão de desenvolvimento para o meio rural. Projeto que, baseado na reforma agrária, no fortalecimento da agricultura familiar e em ações em conjunto entre o Estado e a sociedade civil, levaria à desconcentração da propriedade da terra e criaria condições para políticas eficazes de fomento à produção, garantindo a sustentabilidade ambiental e a universalização dos direitos. Essas intenções se mostravam muito próximas às promessas do programa agrário de campanha eleitoral presidencial do Lula (PT) – 2002 “Vida Digna no Campo”. Historicamente, desde 1946, a Constituição Federal no artigo 147 rege que o uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social, e a lei poderá, com observância do disposto no artigo 141 § 16 (direito a propriedade salvo desapropriação por necessidade, utilidade pública ou interesse social mediante justa indenização em dinheiro), promover a justa distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos. Em 1962 o Brasil subscreveu a “Carta de Punta del Este”, reconhecendo a necessidade da reforma agrária e, em 1964, a Emenda Constitucional de nº 19 de 09 de novembro modificou o artigo 147 dando instrumentos para a sua realização. Nesse mesmo ano criou-se o Estatuto da Terra, definindo as ações governamentais, entre elas a de forma gradual extinguir o minifúndio e o latifúndio, com a justificativa de desenvolvimento econômico do Brasil, do progresso e bem-estar do trabalhador rural. (BRASIL. Decreto nº 91.766, de 10 de Outubro de 1985. Aprova o Plano Nacional de Reforma agrária – PNRA, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 out. 1985. INCRA, 13 Jan. 2012. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/servicos/publicacoes/pnra-plano-nacional-de-reforma-agraria/file/481-i-pnra>. Acesso em: 8 fev. 2012). Contudo, a realidade brasileira, segundo dados do IBGE no Censo Agropecuário de 2006, é que o índice de Gini é de 0,854, havendo, portanto, uma elevadíssima desigualdade da distribuição da terra.

388 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2011.

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A narrativa de Maria Eleusa Mota destaca a produção de forma cooperada com

base no trabalho da sua família, assim como revela a busca dos assentados por

aprimorar seus conhecimentos no trato com a terra em meio às apreensões e aos

desafios apontados por assentados como o Vítor, que sinalizou a pouca efetivação das

ações governamentais. Em outro momento de suas interpretações, em fevereiro de 2011,

ao ponderar sobre como estavam os passos para acessar os créditos do PRONAF, ela

explicou:

Bom! Eu não tenho muita experiência com isso não, porque nós não passamos por isso [acesso ao PRONAF], mas, por exemplo, se pega o crédito pra plantio rápido, você vai plantar aí uma leguminosa, então, quer dizer que é rápido. Você vai pegar o crédito, aí você vai ter o retorno rápido! É a safra. Então, depende do projeto. Pra você pegar esse PRONAF, você precisa de um técnico que vem avaliar, pra fazer o projeto. Por isso que até hoje a gente não pegou. A gente já está quase apto a pegar, mas assim, algumas burocracias que não depende da gente, que é do INCRA, que é muito burocrático. E por isso que ainda não, não acessamos. Mas [...], você pode fazer uma visita aqui pras famílias, você vai ver é que todas, a maioria está produzindo [...].389

Maria Eleusa vai indicando as exigências de um processo com várias etapas

que o emperram, de forma que, até o primeiro semestre de 2011, os assentados do PA

Emiliano Zapata ainda não tinham tido acesso às linhas de crédito do PRONAF A. E,

fazendo dialogar sua narrativa com a de Vítor, vai-se compondo a trama de suas

demandas. Da perspectiva de Vítor C. da Mota, falta para os pequenos produtores

[...] ajuda do Governo, né? O Governo não adianta não. Um dia mesmo procurei a prefeitura lá [Uberlândia], falei [com um representante da prefeitura], se vocês não ajudar os pequenos vai ficar difícil. Porque a CALU mesmo, já está, que que ela está aprontando? Ofertando quem entrega acima de mil litros de leite, [ela] paga R$ 1,00. E quem está entregando menos, está pagando R$ 0,55. Aí como que fica o pequeno? Como é que ele vai dar conta? Pega, paga o dinheiro tudo pros grandes, tem que pagar pouco pros pequenos.

Leandra: Você tem gado, mexe com leite. É pra CALU que vocês fornecem?

Vítor: Não, estou fornecendo pra ITALAC. Mais é que nem o rapaz da prefeitura veio cá e falou, tem uns três produtores que eu conheço que está entregando três mil litros de leite, a CALU está pagando R$ 1,00. A CALU, nesse processo aí, está facilitando, porque o seguinte que acontece: leite, já tem uns três anos que já está ruim de preço, que arruinou, não está tendo jeito! Mas quando o leite arruína mesmo, os grandes tudo vaza fora! Tudo troca de atividade, vai fazer outra

389 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2011.

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atividade, vai plantar soja e larga de mexer com gado! Quem aguenta com ela são os pequenos. É agora, o que elas [as cooperativas de leite] estão? Está beneficiando os que deixaram ela na mão! E está prejudicando os que aguenta com ela! Paga R$ 1,00 pra quem tira três mil litros, e [para quem] está tirando menos, R$ 0,55. Difícil, né, sô!

Leandra: Pro pequeno produtor sobreviver no mercado [...]?

Vítor: Está ficando difícil. Como é que faz? Meio complicado.390

Vítor, em sua narrativa, ainda aponta propostas: “[...] Que nem a CALU, com

essa proposta, os pequenos podiam ajudar, fazer uma cooperativa, montar uma

cooperativa. Já que a CALU quer mais de três mil litros de leite pra cima, faz uma

cooperativa, entrega no nome da cooperativa, entrega mil litros, ela [CALU] paga pra

nós a R$ 1,00 também! [...]”.

Ao pensar formas possíveis de como esses trabalhadores assentados podem se

inserir no mercado, Vítor aponta uma prática comercial estabelecida entre a expressiva

Cooperativa Agropecuária Ltda de Uberlândia (CALU) e os grandes produtores

pecuaristas de leite. Contrariando certas perspectivas governamentais, ele expõe o

drama dos pequenos produtores de leite, que, historicamente, desde o estabelecimento

de grandes cooperativas de lácteos, para além da CALU, como exemplo, Itambé,391 no

município de Uberlândia, e multinacionais como a Nestlé Brasil Ltda, na cidade de

Ituiutaba, no Triângulo Mineiro (fábrica de leite em pó “Ninho”), ficam reféns do

mercado competitivo e sofrem com a baixa no preço do leite. E fica evidente que o

grande produtor tem espaço para comercialização com as respectivas agroindústrias,

bem como podem ou tem maior facilidade de diversificar suas atividades e produções

em períodos de baixa de preço.

Vítor não deixa de cobrar e ponderar o papel e a função do governo municipal

na mediação para que as políticas públicas federais para a agricultura familiar ganhem

dimensão e importância transformadora na vida econômica e social dos pequenos

390 Vítor Caetano da Mota. Entrevista concedida à autora em 2011. 391 Origem: a partir de 1944, estabelecimento da Usina Central de Leite ligada à Secretaria da Agricultura

de Minas Gerais e formação da Cooperativa Central dos Produtores Rurais de Leite Ltda (CCPL). Pelas informações no site oficial da empresa o marco dos negócios é 1949 quando um grupo de cooperados passou a fornecer leite em Belo Horizonte. Segundo a Itambé, atualmente ela é a maior cooperativa de lácteos do país, com 31 cooperativas que congregam em torno de 8,5 mil famílias produtoras de leite. (A EMPRESA. Itambé, site oficial. Disponível em: <http://www.itambe.com.br/pagina/124/conheca-a-itambe---a-empresa.aspx>. Acesso em: 10 jan. 2012).

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produtores diante as ações e poder do agronegócio. Visão essa que pode ser encontrada

no II PNRA:

Um programa desta envergadura exige um forte envolvimento dos governos estaduais e municipais, por meio de uma atuação complementar e integrada que expresse uma efetiva corresponsabilidade com a Reforma Agrária e o desenvolvimento rural. Mas o sucesso do PNRA depende, ainda, da ativa participação dos movimentos e entidades da sociedade civil, ampliando o reconhecimento e a legitimidade social da Reforma Agrária. (MDA; INCRA, 2003, p. 10).

Continuando sua interpretação do processo, Vítor C. da Mota, ao falar da

precária infraestrutura do assentamento, por exemplo, com falta de estradas adequadas,

destaca outro aspecto que, para ele, é fundamental para a produtividade eficiente no

meio rural:

[...] não tem como escoar [...] se já tivesse o jeito de escoar o produto, aqui garanto que todo mundo estava com a situação muito melhor! [...] Um dos produtos que é mais fácil escoar é o leite, mas, como eu estou falando, [para] o grande [produtor rural], pra ele paga R$ 1,00, pra nós paga R$ 0,55! Aí como é que faz? O que nós temos chance de escoar é esse, que é o leite. Que é o mais fácil de escoar é o leite. Mas isso já vem nessa forma, se é pequeno você vai vender por R$ 0,55 [o litro].392

Percebe-se a trama comercial apontada por Vítor, que coloca as condições reais

sob as quais os agricultores familiares se reorganizam e precisam pensar o futuro. Na

realidade, dominam e conhecem as relações em que se inserem, qual o poder a ser

enfrentado. As oscilações do mercado sobre os preços e tipo de produto mostram para

eles que o projeto de campo está em disputa.

Eis a compreensão de Maria Eleusa sobre a disputa existente pelo projeto e

quem produz no campo:

[...] pro governo o pequeno produtor não tinha que existir, na verdade eles não toleram o pequeno produtor, embora as pesquisas apontem que a produção de alimento que vai pra mesa é da agricultura familiar [...] é questão de tentar é maquiar, porque o povo do campo está gritando, falando tanto, e eles pegam e soltam essas propagandas, igual você vê a Vale fazer propaganda, a Vale do Rio Doce, quando ela, principalmente quando nós fazemos algum protesto falando mal da Vale, aí ela solta propaganda, pra fazer propaganda de si. O Governo faz a mesma coisa, solta propaganda, que aquilo que ele se

392 Vítor Caetano da Mota. Entrevista concedida à autora em 2011.

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propõe não chega pra todos trabalhadores, uma meia dúzia vai conseguir ter acesso a alguma coisa, e aí eles fazem propaganda, mas da mesma forma que quando fala assim: Ah, foi assentado mil famílias, a comparação, né, o Governo pode divulgar que assentou 2000 famílias em 2007, mas a gente sabe que só 500 foram assentadas, o restante eles legalizaram, deram título e fala que foi assentada, então isso é praxe de todos os Governos fazerem isso, nós sabemos disso.393

Ressalta-se o olhar político de Maria Eleusa sobre a correlação de forças entre

os governantes, os ruralistas e os Sem Terra. O conhecimento sobre questões urgentes

para esses trabalhadores rurais ajuda a compreender como eles se contrapõem às

propaladas metas de governo e à prática histórica, desde FHC até os dias atuais, de

dissimular elevado número de assentamento para dizer que se está fazendo a reforma

agrária. Apesar de reconhecerem alguns avanços governamentais, ainda sobressaem

impedimentos que levam os assentados a analisar suas condições fazendo suas

interpretações e, sobretudo expondo seus sentimentos e concepções sobre a realidade

vivida.

Eu acho que, uma coisa que sempre tem que ter em mente é que precisa se pensar projeto pra segurar o homem do campo. Projeto que valoriza o homem do campo, porque se não vai ficar difícil de sobreviver, porque tudo, tudo é feito pra que o pequeno produtor não consiga sobreviver. Daí a importância do grande negócio, pra destruir o pequeno, né? Que é a monocultura, a produção em grande escala, é tudo pensado pro grande, e pra acabar com o pequeno. Então os projetos grandes que existem é pra isso, pra fortalecer o grande e acabar de matar de vez o pequeno, porque os pequenos, apesar de ser pequeno, são muito fortes, resistente, né? Porque há tempos que estão tentando acabar com o pequeno produtor, os trabalhadores [...], a gente vê que quase não tem mais trabalhador no campo. Se outros tiveram que ir embora, é porque não tinha mais trabalho. Até que eu não gosto de culpar muito a tecnologia, viu, acho que a tecnologia, é, o avanço tecnológico, ele não é prejudicial, ao contrário, ele vem pra aliar, pra melhorar a produção, pra ajudar o homem, não pra atrapalhar. Eu não acho [...], muita gente fala que a tecnologia que está atrapalhando, eu não acredito muito nisso, eu acho que a tecnologia ajuda. Por que que nós temos que ficar lá com um aradinho puxado a cavalo? Não! Se a gente tivesse como conseguir o trator, uai, seria ótimo [...]. Que ele [trabalhador] conseguisse a sobrevivência com dignidade, no campo.394

393 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2011. 394 Ibid.

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Os trabalhadores elaboram em suas narrativas como entendem a relação entre

os assentados e os planos do governo para a agricultura, sobretudo evidenciam, como o

fez Maria Eleusa, como eles têm em longos anos se preparado e resistido na terra

conquistada. Sinalizam para a força e potencialidade que os assentados possuem no

enfrentamento ao poder do agronegócio e criticam o domínio sobre as tecnologias e

recursos da produção por parte desse segmento econômico que, por isso, possui

vantagens produtivas e mantém a desigualdade e a concentração da renda. Maria Eleusa

vai indicando como eles seguem superando esses percalços, as conjunturas complexas,

principalmente aqueles vindos da condição de Sem Terra. E procuram consolidar dentro

do assentamento a conquista, a qual tem o significado, entre outros, de clara expansão

socioterritorial dos movimentos de luta pela reforma agrária no Triângulo Mineiro.

Buscando-se conhecer quem é e como vive hoje o trabalhador assentado,

depara-se com tensões entre diferentes concepções e denominações de forças sociais e

políticas em campos opostos. Entre as noções expressas pelos setores de governo

federal em seus programas, como o PRONAF, as circunstâncias peculiares do

trabalhador assentado submergem na categoria de agricultor familiar. Ao indagar o

assentado Francisco Jubiano de Freitas sobre a possibilidade de ele e seus pares terem

oportunidades comerciais pelo fato de serem assentados, assim ele mostra entender a

conjuntura atual:

Leandra: [...] a gente já até conversou sobre isso, aquela [...] lei que exige que as escolas peguem as hortaliças da região [dos assentamentos rurais] [...]?

Francisco: Nós já estamos fazendo também. Já que aí tem a Conab [Companhia Nacional de Abastecimento], tem esse projeto e a prefeitura [de Uberlândia]. Pela lei do governo federal, todo município tem que pegar 30% dos pequenos produtores [...] 30% é pros pequenos produtores. Que hoje os pequenos produtores eles não estão nem vinculado mais a assentamento. O governo federal já pegou assim que os pequenos produtores ele já inclui em geral. [...] O pequeno produtor, ele tem o direito, seja de assentamento ou não. Só que aqui o INCRA está com uma morosidade que não entregou as DAPs.395 [...] é o termo de compromisso.396

395 “Declaração de Aptidão ao Pronaf – DAP é o instrumento que identifica os agricultores familiares

e/ou suas formas associativas organizadas em pessoas jurídicas, aptos a realizarem operações de crédito rural ao amparo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf, em atendimento ao estabelecido no Manual de Crédito Rural MCR, do Banco Central do Brasil, Capítulo 10, Seção 2”. Informações disponíveis em: <www.agricultura.al.gov.br/programas/DAP>. Acesso em: 15 jul. 2011. Segundo a cartilha de Acesso ao PRONAF, a DAP é fornecida gratuitamente por órgãos públicos, entidades de classe como Emater, sindicatos e organizações de produtores rurais, técnicos agrícolas, entre outros reconhecidos pelo MDA, com validade de seis anos a contar a partir da emissão (SEBRAE; SAF/MDA, 2011, p. 28).

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Francisco J. de Freitas aborda questões que instigaram à pesquisa sobre quais

seriam as perspectivas de governo, divulgadas nos planos “Safra da Agricultura

Familiar”, em específico os planos de 2010-2011 e 2011-2012, e como o assentado de

reforma agrária se inclui nisso. Os resultados da investigação revelam, por exemplo,

que, no entendimento do governo, há garantia de comercialização das mercadorias

produzidas pelo agricultor familiar. Essa comercialização passou a contar com 20% dos

recursos da Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM), política essa

operacionalizada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que libera a

compra de excedentes de produção com o propósito de reduzir a oscilação de preços,

com base em preços mínimos.

Sobre a prioridade dos “30% da produção dos pequenos produtores rurais”

apontada por Francisco, a Lei nº 11. 947,397 de 16 de junho de 2009, no artigo 14,

determina que no mínimo 30% dos recursos financeiros totais repassados pelo Fundo

Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) no âmbito do Programa Nacional

de Alimentação Escolar (PNAE) deverão ser destinados à compra de produtos para a

alimentação escolar vindos da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou

de suas organizações, priorizando os assentamentos da reforma agrária, as comunidades

tradicionais indígenas e quilombolas. O Plano Safra da Agricultura Familiar 2010-2011

traz a informação de que, no ano de 2010, houve 1 bilhão de reais de compras da

agricultura familiar. Segundo o governo federal, o PNAE, conhecido como Merenda

Escolar, consiste na transferência de recursos financeiros do governo federal, em caráter

suplementar, aos estados, Distrito Federal e municípios, para a aquisição de gêneros

alimentícios destinados à merenda escolar. O PNAE foi implantado em 1955, entretanto

vale ressaltar que o direito à alimentação escolar para todos os alunos do Ensino

Fundamental por meio de programa suplementar de alimentação escolar a ser oferecido

pelos governos federal, estaduais e municipais somente foi assegurado pela a

396 Francisco Jubiano de Freitas, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011. 397 “Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos

alunos da educação básica; altera as Leis 10.880, de 9 de junho de 2004, 11.273, de 6 de fevereiro de 2006, 11.507, de 20 de julho de 2007; revoga dispositivos da Medida Provisória nº 2.178-36, de 24 de agosto de 2001, e a Lei nº 8.913, de 12 de julho de 1994; e dá outras providências”.

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Constituição Federal de 1988.398 Vale ressaltar que, de acordo com FNDE, o orçamento

do PNAE para 2012 é de R$ 3,3 bilhões que beneficiarão 45 milhões de estudantes da

educação básica e de jovens e adultos. Portanto, R$ 990 milhões devem ser investidos

na compra direta de produtos da agricultura familiar.399 É importante observar como

movimentos sociais, entre eles o MST, avaliam a capacidade do PNAE atingir de fato os

assentados:

Agora a lei obriga as escolas a comprarem até 30% da agricultura familiar. Mas isso está só começando, porque tem a legislação, tem a questão sanitária, tem as chamadas públicas, uma série de normas. Tem também vários problemas, mas o programa é muito importante. Agora, vamos ver a capacidade de estruturação dele. Embora seja realizado em alguns locais, o programa ainda atinge um número de assentados muito pequeno. Além disso, o programa ainda está confuso, porque os 30% é muito relativo. [...] Para algumas regiões, essa porcentagem representa uma grande quantidade de produtos, mas para outras não. Vamos pegar o Mato Grosso do Sul, por exemplo, 30% significa pouco. Mas em São Paulo, onde você tem 30 milhões de habitantes e muitas escolas, a demanda é maior que a oferta. Em outros estados, a oferta é maior que a demanda. Isso vai depender de cada região. É bem provável que estados vizinhos de São Paulo, como Rio de Janeiro e Minas Gerais, vão poder levar as estruturas para São Paulo. Mas vai ter que ser bem pensado, porque envolve imposto, transporte e muitas vezes não compensa. Por exemplo, levar o feijão daqui do Mato Grosso do Sul para São Paulo, que gera imposto, transporte, tem também as barreiras sanitárias de cada estado, às vezes não compensa. Então, ainda tem muitas coisas que impedem do programa fluir. O desafio é adaptar o programa.400

398 BRASIL. Alimentação escolar – Histórico. F�DE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da

Educação. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/index.php/ae-historico>. Acesso em: 4 maio 2012.

399 Para as questões abordadas neste capítulo vale ressaltar o aviso divulgado neste site, sobre o Programa Alimentação Escolar – pois isso pode impactar o auxílio, o estímulo e o aumento da produção dos assentados de reforma agrária quando esses estão sujeitos às decisões, aos planos e aos projetos governamentais advindos da relação entre os governos de estado e município na execução dos programas federais -, a saber: “Conforme disposto no artigo 7º da Lei nº 11.947/2009 [...] e no artigo 7º da Resolução do FNDE nº 38/2009, que regulamenta alguns itens da lei, os estados poderão transferir a seus municípios a responsabilidade pelo atendimento aos alunos matriculados nos estabelecimentos estaduais de ensino localizados nas respectivas áreas de jurisdição e, nesse caso, autorizar o repasse de recursos do FNDE referentes a esses estudantes diretamente ao município. Ou seja, os municípios não são obrigados a fornecer alimentação escolar para os alunos da rede estadual e somente com um acordo entre as duas partes pode ser realizada a delegação do atendimento dos estudantes da rede estadual aos municípios”. (BRASIL. Alimentação escolar – Programas. F�DE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Disponível em: < http://www.fnde.gov.br/programas/alimentacao-escolar/alimentacao-escolar-apresentacao>. Acesso em: 4 maio 2012. Grifo do autor).

400 Trecho da entrevista com integrante da Coordenação Nacional do MST, Egidio Brunetto, por Vanessa Ramos à página do MST. Análise do Programa de Aquisição de Alimentos. 13 dez. 2010. Disponível em: <http://www.mst.org.br/As-perspectivas-e-problemas-do-Programa-de-Aquisicao-de-Alimentos-entrevista-egidio-brunetto>. Acesso em: 15 jan. 2012.

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No processo de compra e venda dos produtos, é exigido que o agricultor possua

a DAP- PRONAF e, na época da criação dessa lei, o governo federal contava com o

registro de 2,5 milhões de DAPs, o que sugere o grande potencial de agricultores

beneficiados. Dentre as questões indicadas por Francisco Jubiano de Freitas, ele ressalta

a exigência da emissão da DAP ao PRONAF como responsabilidade do INCRA.

Sobre isso, analisando documentos governamentais disponibilizados pelos

assentados do PA Emiliano Zapata para esta pesquisa, consta que eles receberam por

escrito, através do Assegurador das Ações de PRONAF em 06 de maio de 2010,

informações sobre os programas governamentais como os “Pré-requisitos para acesso às

modalidades de PRONAF, PAA’s, Alimentação Escolar e BIODIESEL (em

assentamentos do PNRA: do INCRA e os reconhecidos pelo INCRA)”. Esse documento

orienta quanto ao acesso às modalidades do PRONAF: o Grupo A tem direito ao

financiamento para a “Estruturação Inicial” de atividade agropecuária e não

agropecuária e para “Recuperação” (consta que terá acesso somente o assentado que

contratou todo o investimento no Grupo A – Estruturação Inicial); para o Grupo A/C há

a exigência, entre outras, de não ter acessado custeio em outros grupos do PRONAF; as

linhas PRONAF Jovem (financiamento de investimentos de propostas de crédito de

jovens agricultores e agricultoras) e PRONAF Mulher (financiamento de investimentos

de propostas de crédito da mulher agricultora); para todos, a orientação com relação à

emissão da DAP é que o INCRA – Superintendência de Minas Gerais terá que autorizar

a EMATER-MG a emitir a DAP.

No que tange ao acesso aos programas PAA, BIODIESEL, Alimentação

Escolar (PNAE), consta no documento entregue aos assentados que a DAP “P” é uma

Declaração Provisória e será emitida pelo próprio INCRA-MG.

Com relação à emissão da DAP, faz-se necessário observar que, mais do que à

falta de funcionários do INCRA para atender as demandas dos assentamentos, é preciso

atentar-se à burocracia que envolve o processo de emissão dessa declaração de aptidão

ao PRONAF e que tem gerado dificuldades e demora para o assentado inserir-se nas

políticas públicas que permitem o seu acesso aos recursos financeiros garantindo e/ou

aprimorando sua produção no lote. A emissão da DAP parece ser dispensável diante da

própria legitimidade dada pelo Estado ao trabalhador ao reconhecê-lo como assentado

de reforma agrária, o que já lhe garante todo controle sobre ele.

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Sobre esse processo de certificação do agricultor para ter direito ao acesso ao

PRONAF regulamentado através de Portarias,401 Abramovay e Veiga (1998), ao

analisar as críticas e reclamações de entidades sociais como a Federação dos

Trabalhadores na Agricultura do Paraná (FETAEP) de que o processo era burocrático e,

inclusive, com altas taxas de cobranças em 1997, argumentam:

Na verdade, seria muito difícil, sem um instrumento dessa natureza, que os recursos do PRONAF-C atingissem seu público. Os critérios acabariam sendo relaxados em benefício dos setores economicamente mais fortes. Sinal de que isso começava a acontecer é a decisão governamental, adotada ao fim de 1997, de que, para os créditos de investimento, são necessárias duas assinaturas na declaração de aptidão: a do sindicato (seja este patronal ou de trabalhadores) e a da agência estatal de assistência técnica e extensão rural. Essa decisão responde a denúncias — como a que ocorreu recentemente no município de Rinópolis, em São Paulo — de que estariam sendo contemplados pelo PRONAF agricultores que, de forma evidente, não estão dentro dos limites estipulados. Sem o certificado de aptidão, seria praticamente impossível materializar formalmente o desvio no público-alvo do programa. Um exemplo nesse sentido vem também do Boletim Informativo nº 12 da FETAEP: ‘Outro assunto de extrema importância diz respeito às declarações de aptidão fornecidas pelos STR. O BANESTADO apresentou denúncias documentadas [...] de declarações fornecidas pelos STR a agricultores que não se enquadram no programa (políticos, profissionais liberais, donos de farmácias etc.)’. O certificado de aptidão formaliza a mediação das organizações locais na definição do público-alvo do programa. O sistema bancário nunca poderia cumprir esse papel. [...]. Na região de Chapecó, diante das denúncias de que as indústrias vinham tomando crédito em nome dos agricultores sem sequer consultá-los, foi montada uma Comissão de Desenvolvimento Rural para discutir as modalidades de aplicação do PRONAF e os critérios de concessão de crédito por parte dos bancos. (ABRAMOVAY; VEIGA, 1998, p. 39-40).

O importante é considerar como essas regulamentações e exigências têm

chegado aos trabalhadores, no caso, aos assentados da reforma agrária.

401 Pela Portaria nº 386, de 24/9/1997, que criou a DAP, os bancos não ficariam responsáveis pela

verificação do preenchimento dos critérios de enquadramento do produtor na categoria de agricultor familiar, sendo isso de responsabilidade das organizações sociais e sindicais como a CONTAG, CNA e empresas estaduais de extensão rural (Cf. ABRAMOVAY; VEIGA, 1998). A PORTARIA CONJUNTA N.º 62, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2002, no artigo 1º estabelece que a DAP ao PRONAF concedida aos extrativistas tradicionais das Reservas Extrativistas – RESEX, reconhecidos pelo MDA e Ministério do Meio Ambiente (MMA) como beneficiários do PNRA e do crédito rural destinado ao Grupo A do PRONAF, deve ser emitida pela Superintendência Regional do INCRA, em conjunto com o representante do órgão regional do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, dos beneficiários e da instituição de assistência técnica e extensão rural que assiste e orienta os potenciais beneficiários. Informação disponível em: BRASIL. Institucional. Secretaria da Agricultura Familiar. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/portal/saf/institucional/portariasaf>. Acesso em: 10 jul. 2012.

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Maria Eleusa, assim como seus companheiros de assentamento, também

analisa e identifica os problemas e o que impede a plena efetivação do Programa:

É burocracia. Por exemplo, nós não tivemos acesso ao PRONAF por burocracia. Que que está faltando pra nós pegar o PRONAF hoje aqui no Zapata? Uma tal de DAP [Declaração de Aptidão], é uma certidão de aptidão pra produção, e nós precisamos também do CCU402 [Contrato de Concessão de Uso], porque, como eu te falei, nós pegamos um termo de compromisso [...] Aí quem emite é um tal de SIPRA [Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária] [...] é tipo um código geral do país, né, que todas informações, [...] esse SIPRA é uma das burocracias mais lentas que nós temos lá dentro do INCRA [...] aí nós estamos de mãos atadas, nós pressionamos, nós brigamos, eles falam que nós não podemos fazer nada. O SIPRA, ele é que vai emitir e nós não. Então [...] eu acho que é o sistema que é lento, entendeu? [...] eles vão ter que mudar esse processo, eu não sei explicar bem, sei que é muito burocrático [...].403

A DAP de Maria Eleusa Mota foi emitida pela Empresa de Assistência Técnica

de Minas Gerais – Emater somente no dia 17 de junho de 2011 no enquadramento do

grupo A, com validade por seis anos. Se se considerar os anos em que os assentados já

estão em seus lotes, parece ser uma longa espera até serem declarados aptos para o

acesso ao PRONAF e outros programas do governo federal.

De posse da DAP, o assentado, para ter acesso às modalidades custeio e

investimento, tem que ter elaborado um projeto técnico sobre a produção que deve ser

feito por um órgão estadual responsável pela assistência técnica e extensão rural para

então submetê-lo a avaliação do banco que fará o empréstimo.

De acordo com as narrativas, como a de Francisco Jubiano de Freitas em

fevereiro de 2011, os assentados ansiavam por integrar-se aos possíveis benefícios do

PRONAF, o que, segundo ele, poderia trazer outras vantagens: “[...] que está faltando é

o PRONAF [...] aí tem o PRONAF e Pronafinho. Se nós tivéssemos acessado

402 “O CCU, expedido pelo INCRA, é o documento que transfere, provisoriamente, o imóvel rural ao

beneficiário da reforma agrária. A partir disto os assentados passam a ter assegurado o acesso à terra, a créditos para fomento e moradia, à produção, inclusive a outros programas do governo federal para agricultores familiares. A diferença principal entre o CCU e o Título de Domínio é que este último é pago pelo agricultor (que tem carência de três anos e um prazo de vinte 20 anos para quitá-lo), tem caráter definitivo e só pode ser entregue após a verificação de que os assentados (receberam as parcelas – lotes) cumpriram as cláusulas do Contrato de Concessão de Uso”. Informações e dados extraídos do Portal do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Disponível em: BRASIL. MT: Assentados de Juruena recebem Contratos de Concessão de Uso. Desenvolvimento Agrário. 17 Jun. 2011. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/portal/noticias/item?item_id=7955381>. Acesso em: 20 dez. 2011.

403 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2011.

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PRONAF, nós tínhamos o acesso ao Pronafinho [...]. Então todo ano você pega

PRONAF, que é em torno de seis, de três a seis mil [reais], depende do projeto que você

faz, se é o projeto para plantar, fazer silo [...]”.404

A expectativa é grande em torno dos recursos financeiros do PRONAF, e os

valores em cada narrativa dos entrevistados se apresentam diferentemente, mas a certeza

da melhora é evidente:

Hoje eu acho que ele está aí por volta de R$ 18.200,00, hoje, por família, né, você tem aí dois anos, três anos pra começar a pagar esse crédito. Você paga a parcela anualmente. Se pagar tudo em dia certinho, aí depois você consegue outros que nós chamamos de Pronafinho. Mas não é nem essa palavra, aí tem as classificações A, B, C, D, por aí. Mas se você pegar esse primeiro crédito, que é maior, pagar tudo direitinho, você tem direito a esses pronafinho, que depois aí é no valor de R$5.000,00, mas que vai, vai te ajudando, contribui muito.405

Aguinaldo da Silva Batista explica que

[...] na linha dos créditos do PRONAF, né, pra reforma agrária tem dois tipos de crédito. Tem o crédito na linha A, que é de investimento, que aí eles chamam de crédito inicial, e o segundo crédito, que é o crédito de fomento, que é o crédito que depois de um ano de aplicação do crédito inicial, né, você está apto a acessar pra ajudar a fomentar e monitorar aquela atividade que você iniciou. Então, você vai com o crédito de investimento, você faz opção de produzir leite. Então, com aquele crédito você vai fazer estrutura, comprar rebanho, organizar pastagem, então, com aquele crédito você vai organizar tudo pra você produzir leite, né? Quando é no ano seguinte, como você já gastou todo recurso, você precisa de um capital de giro pra retroalimentar o seu negócio, né, então aí você pega esse segundo crédito, crédito fomento da linha A, chama AC, pra fomentar o seu negócio [...].406

Os trabalhadores vão indicando onde e como planejam investir, criando

esperanças de ver e vivenciar a terra trabalhada e preparada para satisfazer suas

necessidades econômicas e sociais: “[...] O PRONAF em si, que é de fazer cerca, fazer

curral, fazer as benfeitorias no lote, levantar as curvas de nível, esse num veio ainda,

que é o que as famílias estão precisando, que é pra estrutura do lote, até pra você

conseguir plantar e sobreviver”.407

404 Francisco Jubiano de Freitas, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011. 405 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011. 406 Aguinaldo da Silva Batista, entrevista concedida à autora em 2011. 407 Francisco Jubiano de Freitas, entrevista concedida à autora em 2011.

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Isso pode indicar que, possivelmente, as maiores dificuldades e desafios

estejam na insuficiente infraestrutura dos lotes, limitadora da produção econômica e do

estabelecimento dos trabalhadores no tempo da fartura e de mais vantagens de viver

como assentado da reforma agrária.

Para Teresinha G. Nunes, ter acesso ao PRONAF também significa mais

estabilidade e melhoria na qualidade de vida: “Ah! A gente precisava assim, igual desse

PRONAF, precisava de mais uns recursos aí, pra plantio, pra liberação mesmo de uns

trator, umas máquinas pra poder limpar, pra gente plantar, pra gente expandir mais

coisas aí, né, isso que precisava”.408

Possuir ferramentas de trabalho e diferentes maquinários, essenciais para a

produtividade do campo e aos quais os grandes produtores têm acesso, contando para

isso com a possibilidade de comprá-los via financiamentos de linhas de créditos rurais,

ainda é uma realidade distante para os assentados da reforma agrária. A reivindicação de

Teresinha G. Nunes quanto ao maquinário agrícola para o trabalho é pertinente, visto

que a produção dos lotes no tempo das entrevistas (fevereiro de 2011) ainda era pequena

e limitada. Contudo, impressionantemente, a vivência é marcada pela prática da

solidariedade e cooperação entre os assentados, assim como narrou Francisco Jubiano

de Freitas:

Francisco: [...] aí fui trabalhar na fazenda [...], mas quando eu saí da fazenda de novo, aí quando eu vim fazer essa cerca e levantar algumas curvas de nível que estava arrebentada, aí me sobrou, o restinho de vaca que sobrou [vendi] eu comprei um trator.

Leandra: Você tem um trator? [...] fica só pro seu lote aqui?

Francisco: Só.

Leandra: E tem algum companheiro que já solicitou o trator? Como que é essa relação com os outros?

Francisco: [...] da minha parte [...] eu comprei o trator, eu comprei pro meu uso, só que aí tem vários vizinhos, já quando vêm, eles vêm pra eu ir fazer o serviço, como eu fico numa correria danada, eu uso mais emprestar o trator do que ir, que geralmente eu num tenho tempo e o trator eu num preciso dele 24 horas [...] aí eu empresto o trator. [...] Inclusive essa semana, de sábado pra domingo, eles estavam puxando cana nele pra plantar. O outro rapaz precisou pra puxar trato, no caso foi o Edson, pra puxar trato pro gado dele duma fazenda vizinha, passou uns dois ou três dias puxando cana pra tratar do gado, hoje mesmo ele [trator] não está em casa, ele está emprestado.

Leandra: Quanto é um trator Jubiano?

408 Teresinha Gomes Nunes, entrevista concedida à autora em 2011.

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Francisco: Na média hoje aquele meu lá custou nove mil [reais], é um tratorzinho médio pequeno. Então ficou nessa média pra mim, que é tratorzinho pra fazer pouco serviço, num é um trator pra fazer muito serviço, é só serviçinho pequeno mesmo, num é trator de grande porte pra prestar serviço pra fora.409

Assim os assentados vão se virando de forma cooperada no preparo do solo

para plantar, por exemplo, cana para tratar do pouco gado que conseguiram ou

conseguem comprar com a remuneração de trabalho fora do lote, ou mesmo com os

recursos já liberados e que permitem a compra de animais. Desse gado vem alguma

renda, com a venda do leite para as cooperativas como a ITALAC, ou com a fabricação

de queijos e outros derivados, além de produtos para o próprio consumo. Dessa forma,

vão suprindo algumas das necessidades de infraestrutura dos lotes. Porém, seguem em

busca de outros recursos para tratar a terra:

Leandra: Você falou do PRONAF [...] o que o PRONAF traria pra vocês?

Vítor: Você dava uma melhorada no gado, aí arrumava umas pastagens. Fica difícil arrumar umas pastagens hoje, porque vai comprar um calcário, está caro, vai comprar uma semente, arrumar pastagem, está caro. Vai mexer com aramado, prefeitura subiu o aramado a mais. Era boa a hora/máquina da prefeitura [...] a hora/máquina era menos da metade do mercado, hoje ela empatou com o mercado.

Leandra: A hora/máquina seria o quê?

Vítor: Você contrata o trator da prefeitura [...] ele está aí trabalhando pra nós. É a hora dele!

Leandra: Aqui no assentamento não tem trator?

Vítor: Não! Tem os trator da prefeitura ou particular. Tem particular em volta aí. E em volta é muito difícil arrumar um trator. Tem uma pessoa (assentado) que tem um trator ali, fica sempre carregado, né! Então geralmente você tem que esperar o trator da prefeitura e, no momento, a hora dele está igual a do mercado de fora. Antes [...] a hora da prefeitura era boa! Era menos da metade, você fazia, eles gastavam uns seis meses pra emitir a boleta pra pagar, você tinha um prazo. Hoje não! Você acaba de fazer um serviço, com trinta dias já está vencendo pr’ocê pagar! [...] [com o PRONAF] dá uma melhorada no gado, arrumar a pastagem. Vai chegando a seca o gado sofre demais só com cana!410

409 Francisco Jubiano de Freitas, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011. 410 Vítor Caetano da Mota, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011.

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Em muitos casos, os assentados de reforma agrária não possuem as mesmas

ferramentas de trabalho de outros agricultores, outras vezes nem todos os lotes de terra

têm igual acesso à água e solo já adequado para o plantio, nem sempre transitam por

estradas em boas condições ou contam com os meios de transporte necessários. Isto é,

frequentemente, como é o caso dos PAs em estudo, carecem de infraestrutura

condizente para a produção e o escoamento das mercadorias. E Vítor Caetano da Mota

refere-se a essas questões da seguinte maneira:

Leandra: O que precisa de infraestrutura que a prefeitura poderia dar?

Vítor: Estrada. Tem ponte pra fazer, mata burro, é fazer melhoração de pastagem. Pode ser tudo através da prefeitura. E o INCRA quis fazer o projeto ofertando 98% com eles [prefeitura de Uberlândia] e eles não quiseram! Eles entravam só com 2%! Nem resposta deu!

Leandra: É difícil aqui a locomoção? O que você acha da locomoção daqui até a cidade próxima? [...] como é que está aqui hoje?

Vítor: É difícil! É carona, tem um ônibus que corre aí, mas é que passa cedo, passa e volta de tarde [...] ele passa oito e volta às quatro, fica muito difícil a pessoa ir lá e resolver a coisa e vim a tempo de pegar ele [...]. É puxado pra realidade, porque podia rodar um coletivo, né? Ter um preço [do coletivo] mais acessível. Se esse asfalto tivesse terminado também, as infraestruturas do assentamento, estrada, é recuperação de pastagem, o INCRA entra com 98% e a prefeitura com 2%. Mandou uma carta pra prefeitura de Uberlândia, pra ver se ela queria fazer essa parceria com ele, pra fazer essa estrutura do assentamento, nem reposta nunca teve! Mandaram pra oito prefeituras da região. Só a de Uberlândia que não deu retorno. O INCRA ia entrar com 98% e prefeitura com 2%, nem reposta deu! [...].411

Sobre a atuação política e econômica de diferentes governos do estado de

Minas Gerais, da União, bem como a relação com os governos municipais no que se

refere à prioridade da questão dos assentamentos rurais e a inserção do assentado na

produção da agricultura familiar, Vítor Caetano, por exemplo, ao analisar as ações do

governo federal de Luís Inácio Lula da Silva, gestões 2003-2006 e 2007-2010, pondera:

[...] Eu acho que foi bom! Mas já emperrou no governo do estado, que é o Aécio [Neves]. Na verdade, eles não gostam de Sem Terra, o Aécio não gosta de Sem Terra. É que nem nosso prefeito, o Odelmo [Leão], ele não gosta de Sem Terra, e falou declarado, e falou que não recebe Sem Terra! Se quiser falar com os assessores dele, fala, mas ele mesmo não recebe! [...]. Portanto, nós queríamos uma reunião com ele, ele não quis, nós fomos lá pra frente da prefeitura, ele não recebeu, falou que não recebia, e não recebeu! Falou se quiser falar

411 Vítor Caetano da Mota. Entrevista concedida à autora em 2011.

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com os meus assessores, pode até rolar, mas comigo não fala. Ele nem recebe!412

Interessante observar, e emblemático, como assentados de diferentes

municípios, com origem em distintos movimentos de luta pela reforma agrária e com

pouco contato político e organizacional acabam, por meio da vivência e experiência

adquiridas na luta, interpretando na mesma direção a relação dos poderes públicos com

a reforma agrária e com os trabalhadores que por ela lutam:

Um governo bom [do Lula], o problema num é muito o governo, por exemplo, a gente conversou agora há pouco, o governo federal é esquerda, o governo estadual é direita, então, isso acaba atrapalhando, emperra muita coisa. Por exemplo, a questão do licenciamento ambiental, tudo depende do estado, né, então já num depende do governo federal. Onde num sai mais assentamento e demora muito é isso aí. São uns entraves que tem do estado, porque a gente passou, estou falando pelo que a gente passou, num é que eu vi não! O que a gente passou foi isso, só entravou quando dependia de alguma esfera do estado, entendeu? [...] E o município também está na mesma linha, né?413

Os assentados entrevistados acabam por explicitar os diferentes interesses de

classes existentes na região quando se referem à relação entre os gestores do governo

federal e os do estado e do município, e desses com os trabalhadores dos movimentos

sociais de luta pela reforma agrária. Interesses muitas vezes contrários à agilidade e

legitimação dos direitos adquiridos pelos trabalhadores assentados. A existência de

diálogo ou não indica a prioridade ou não atribuída aos projetos federais para ampliar as

possibilidades de fixação do assentado no campo. Nesse sentido, as falas de Vítor C. da

Mota e de Ricardo são provocativas por expressarem a correlação de forças políticas e

econômicas na região no que se refere à melhoria da infraestrutura para os assentados

no campo, ou seja, ainda muito insuficiente e emperrada em visões e interesses

políticos.

O que Vítor e Ricardo interpretam chama a atenção para o poder e o impacto

dos donos do agronegócio no Triângulo Mineiro. Fato notório, por exemplo, é que, a

partir da definição de construção de três unidades da usina de açúcar e álcool Vale do

Tijuco da CMAA, entre Uberlândia, Uberaba414 e Prata, o então governador do estado

412 Vítor Caetano da Mota. Entrevista concedida à autora em 2011. 413 Ricardo dos Santos Balbino. Entrevista concedida à autora em março de 2012 no PA 21 de Abril. 414 Uberaba fica a aproximadamente 23 km do PA 21 de Abril.

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 4444: OS ASSENTADOS E A AGRICULTURA NOS PLANOS DE GOVERNO 287

de Minas Gerais, Aécio Neves, liberou a pavimentação de uma estrada que ligará a

rodovia federal BR-050, entre Uberlândia e Uberaba, à rodovia estadual MGC-455,

entre Uberlândia e Campo Florido. De acordo com a imprensa local de Uberlândia, essa

pavimentação era reivindicada pela população rural há muitos anos sem nunca ter

havido resposta favorável. Essa estrada sempre gerou inúmeros transtornos, com

atolamentos, carros quebrados, poluição do meio ambiente por indústrias e moradores

que jogam lixo na beira da rodovia ainda de chão batido.

O jornal Correio de Uberlândia, em matéria Da Redação, sob o título:

“Pavimentação de rodovia no Triângulo Mineiro será iniciada”, traz a seguinte

informação:

A ordem de início de um conjunto de obras de pavimentação de 42 quilômetros de uma estrada que ligará a BR-050, entre Uberlândia e Uberaba, à rodovia MGC-455, entre Uberlândia e Campo Florido, foi assinada nesta quarta-feira (13). Os serviços serão executados por meio de Parceria Público-Privada (PPP) entre o Governo do Estado e uma usina de álcool. A previsão é de que as obras sejam concluídas em dois anos. No trecho que liga Pirajuba ao entroncamento da MG-427, na MGC-455, serão pavimentados 25,06 quilômetros. De Pirajuba ao acesso à Fazenda Boa Vista, trecho de rodovia municipal, serão pavimentados 6,10 quilômetros. Serão construídos, ainda, os Contornos de Pirajuba, no entroncamento da MGC-455 com a BR-455, com 3,8 quilômetros, e o de Campo Florido, com 7,6 quilômetros. ‘Estas obras de pavimentação beneficiarão especificamente uma de nossas quatro unidades, que é a de Campo Florido. Mas estes trechos pavimentados não favorecerão somente à empresa, mas também facilitarão o transporte de outros produtos que não só o açúcar e o álcool, melhorando, ainda, o deslocamento dos moradores das comunidades da região’, disse o diretor da usina, Rui -ogueira Ramos.415 [grifo meu]

A relação explícita entre o governo do estado e a iniciativa privada nacional e

internacional mostra como as práticas políticas e econômicas tendem a favorecer os

grupos dominantes, que fazem avançar o agronegócio na região e são atendidos pelos

planos “safra agrícola empresarial”, por exemplo, o “Plano Agrícola e Pecuário 2010-

2011” do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.416

415 PAVIMENTAÇÃO DE RODOVIA no Triângulo Mineiro será iniciada. Jornal Correio de

Uberlândia, Uberlândia, 14 Abr. 2011. Disponível em: < <http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/pavimentacao-de-rodovia-no-triangulo-mineiro-sera-iniciada>. Acesso em: 15 jul. 2011.

416 Vale ressaltar que, andando pelas estradas de terra que ligam os municípios de Veríssimo e Uberaba para a realização de entrevistas, percebi a indicação sobre como os ricos proprietários de usinas e/ou das fazendas podem exercer influência sobre prefeituras e outros órgãos responsáveis, pois existe

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Em meio aos desafios, os assentados do PA Emiliano Zapata estão produzindo

em seus lotes porque se mobilizaram e se organizaram para obter acesso às políticas

públicas de financiamento e investimento na agricultura familiar. Principalmente

constata-se que, para a produção de hortaliça, impulsionada pelo sistema de plantio

Mandalla, partem do estudo, do planejamento, da análise de mercado, sinalizando serem

conhecedores das políticas de incentivo ao agricultor familiar.

Entretanto, são vários os desafios da realidade vivida, apontados, por exemplo,

por Vítor, principalmente quanto à logística e à infraestrutura do assentamento, que,

segundo as experiências narradas, necessitam de política e acompanhamento de

assistência técnica e rural. É possível constatar que os trabalhadores, ao interpretar

situações e momentos de sua vida e história a partir do presente, abrem o campo de

visão quando as suas próprias experiências contradizem números e dados, quando

circunstâncias extrapolam muito os objetivos e denominações de programas e políticas

de governo em suas instâncias municipal, estadual e federal.

E o que essas perspectivas históricas vêm evidenciar com as análises dos

assentados sobre suas experiências é como tem sido ainda insuficiente, apesar de alguns

avanços, o MDA propalar metas que em tese garantam a competição dos produtos no

mercado e ainda divulgar que os seus programas são executados de forma integrada

entre os diversos ministérios e órgãos federais e pautados por uma política

descentralizadora (MDA; INCRA, 2003). O que se vislumbra com os assentados é a

necessidade de que, em conjunto, os diferentes órgãos públicos e seus governantes

formulem ações a partir da realidade peculiar dos trabalhadores pobres do meio rural e

que elas tenham potencial de real transformação do campo. Isso não significa

desconsiderar ou negar os conflitos existentes, sendo, portanto, necessária outra

concepção do que seja desenvolvimento territorial rural, pois a que tem prevalecido

tende a descartar a conflitualidade e busca a “integração entre os atores locais entre si”

(FERNANDES, 2008, p. 216).

Assim, os trabalhadores falam de suas perspectivas na correlação de forças

dando significado e direções às lutas cotidianas, principalmente dirigindo-se para os

órgãos responsáveis diretamente pelo processo de assentamento. A espera pelas

pavimentação em alguns trechos críticos, onde mais transitam os treminhões carregados com cana-de-açúcar, dando a ideia de ser uma pavimentação particular, no intuito de garantir que esses veículos não quebrem, dando, assim, prejuízo.

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melhoras advindas com o PRONAF foi longa e, segundo Juarez Moura dos Santos, no

final de 2011 os assentados do PA Emiliano Zapata conseguiram negociar com o

sistema financeiro (Banco do Brasil) a linha de crédito do PRONAF, apesar das

limitações, apontadas pelos entrevistados, da atuação da Emater-MG em prol da

agilização das demandas do assentamento. Contudo, “[...] os 20 mil [reais] do PRONAF

foi tudo aplicado, mas pela demora os 20 mil é pouco, que 20 mil é pouco pra fazer o

investimento, é muito pouco [...]”.417

Contemplados e reconhecidos pelo sistema financeiro como capazes de

empréstimo do PRONAF no valor de R$ 20.000,00 para investir ou aprimorar o que já

investiram, nos primeiros meses do ano de 2012 os trabalhadores do PA Emiliano

Zapata aguardavam o empréstimo do que entre eles é conhecido por “Pronafinho”,418 no

valor de R$ 5.000,00. Segundo Maria Eleusa Mota, o valor financiado é pago quando se

completa um ano de acesso a ele, e a partir de então é possível fazer outro

financiamento. Esse fato revela uma disparidade entre os dois PAs em análise no que se

refere aos benefícios dos recursos emprestados pelos agentes financeiros respaldados

por órgãos de governo e as possibilidades reais de desenrolar a produção econômica dos

lotes.

No tocante à questão do empréstimo no banco realizado pelos assentados via

PRONAF e sobre a aplicação desse recurso de R$ 20.000,00, Juarez Moura dos Santos

pondera sobre alguns aspectos importantes para o assentado que envolvem organização,

planejamento e gerenciamento:

Leandra: Esse dinheiro só pode ir para produção? Pode pagar outras dívidas?

417 Juarez Moura dos Santos, entrevista concedida à autora em 2012. 418 É importante mencionar sobre o Pronafinho que, segundo a cartilha Crédito Subsidiado: as primeiras

conquistas da luta, produzida pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) ([199-?]) com apoio da CPT, a partir das lutas, inclusive com greve de fome, desse Movimento, em dezembro de 1997 foi regulamentado o PRONAF Especial Custeio dentro do PRONAF, conhecido popularmente como Pronafinho-Custeio. As lutas continuaram e em junho de 1998 foi conquistado o Crédito Subsidiado para Investimento dentro do PRONAF, conhecido como Pronafinho-Investimento. O Pronafinho foi instituído pela Resolução nº 2.436 do Banco Central e destinado aos pequenos agricultores com renda bruta anual de até R$ 8.000,00 ou R$ 16.000,00 (Cf. ABRAMOVAY; VEIGA, 1998) para aqueles que se dedicavam a avicultura, piscicultura, sericicultura, bovinocultura de leite e fruticultura. Informações sobre valores e culturas extraídas e disponíveis em: “PRONAFINHO” OFERECE crédito a pequenos. RADAR – Rede Agroindustrial de Desenvolvimento de Ações Regionais, 28 out. 1998. Disponível em: <http://www.radar.com.br/hecta/Dreport.nsf/0/3edef713978b720f83256723005f92b8?OpenDocument>. Acesso em: 15 jun. 2012.

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Juarez: Claro que todo mundo gerencia, eu mesmo gerenciei, tem a regra do banco, você faz um projeto. Esse negócio do governo, do INCRA, tudo que está ligado ao INCRA, a sensação que dá é que nós assentado é burro e tem que colocar rédea. Fica tentando guiar as pessoas. Por exemplo, lá no PEA [Plano Econômico do Assentamento] você [é] obrigado a fazer três orçamentos para comprar arroz, feijão, num dá uma autonomia pra família poder gerenciar o recurso, achar onde é melhor. Às vezes o que é melhor pra mim num é melhor pra ela, então, aí [os órgãos do governo] tentam alegar que é pras famílias num desviar. Mas muitos casos, por exemplo, comprou cinco fardos de arroz lá no PEA, o cara perdeu quatro, foi lá, pela questão de orçamento, comprou uma vaca ruim, comprou por mil, acabou tendo que, ou morreu, ou vendendo por 200 reais.419

Importante ressaltar aqui o olhar político do trabalhador para a conquista do

direito de ser assentado e de ter garantidas políticas públicas de custeio e investimento

sob gerenciamento do INCRA e do MDA, referindo-se, no caso, ao Crédito Instalação,

e traduzindo, de maneira impressionante, como é o tratamento e o atendimento de

órgãos como o INCRA, que, na perspectiva desse assentado, é de controle e coerção

social. O entendimento é de uma vida medida, regrada e talvez o que mais chame a

atenção seja o fato de esses homens e mulheres carregarem por longos anos o

sentimento e a vivência da diferença em parâmetros pejorativos, isto é, sentem que parte

da sociedade os vê como incapazes e assim os órgãos públicos insistem em tutelá-los,

prejudicando a tão almejada autonomia, pela qual lutam.

Em outro sentido, talvez as relações advindas da organização burocrática e do

planejamento em torno do acesso ao PRONAF aliviem um pouco a perspectiva narrada

por Juarez:

No PRONAF eles tentam fazer o mesmo processo, só que [n]esse a vantagem foi até mais livre. Que nos recursos que é direcionado pelo INCRA você é obrigado [com crédito Instalação] hoje, por exemplo, está até meio esquisito que numa loja vence [compra-se] tudo num cara só, ele mesmo arruma as outras duas lojas, então é incoerente, e nenhuma outra loja em Uberlândia quer fazer orçamento, tudo preso a um cara qualquer. O pessoal ali que é do Dom Mauro [assentamento do MLST], que é Douradinho420 e mesmo qualquer outro assentamento, eles reclama esse caso [também]. Entendeu? No PRONAF já é mais livre, porque já está dentro, já é um crédito direto no banco, você vai lá no banco, muito amarrado, muito na rédea, mas o banco te fala: ó, você tem que me trazer um projeto. Na maioria dos casos os próprios técnicos orientam você fazer o projeto mais fácil, no pacotão. No pacotão você vai comprar vaca, fazer cerca, fazer uma

419 Juarez M. dos Santos, entrevista concedida à autora em 2012. 420 Fazenda que eles ocuparam no início da luta em 1999 e que hoje é assentamento do MLST.

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campineira [campina], pronto, esse é o projeto, vinte mil distribuído nesses três itens. Então, a ideia é: vaca sei lá o quê, blá blá blá, digita lá um projetinho, a maioria do povo num [...], a gente até que se preocupa em perguntar, conversar, os outros não! Então toma aqui [e] assina [o projeto que é feito pelo técnico agrícola], que é a Agroar hoje que é contratado pelo INCRA que é pra dar assistência técnica. Então ele faz [...] cada projeto é individual, eu fiz um projeto, meu pai fez um projeto, cada um fez um projeto que é direto no banco, tinha a questão do avalista solidário, acabaram com isso. Então eu mesmo me avalio, o outro se avalia e pronto [...].421

Juarez esforçou-se para elaborar em sua fala o significado do que ele

denominou de “rédea” do Estado para com os assentados:

[...] aí a tal da rédea começa, primeiro já é o projeto feito dessa forma, que eu acho que é o momento da família, [de] se estimular a família a planejar mais a sua produção, né, de colocar o recurso, às vezes do cara escrever [o projeto], ele tinha que preparar a família, precisava nem escrever o projeto, precisava orientar falar: ó! o projeto, aqui a gente tira pra fazer isso e isso aquilo, isso aqui vai para determinada [coisa]. Já as famílias não conseguem ter acesso nem ao banco, por exemplo, aí o cara pega o projeto, ele leva no banco, o banco, naquela cerimônia toda programada, todo aquele negócio, depois [...] estão pegando até o cara, o gerente do banco, que assina os contratos, estão levando lá no assentamento. Ele [o assentado] assina o contrato, aí depois ele só vai no banco levar a nota pra retirar o dinheiro. Comprou a vaca lá do senhor José, de dez mil reais, por exemplo, aí ele pega a nota, leva a nota, o banco libera os dez mil reais desses vinte mil dele. Então acabou se criando muito rédea, é um trem que [...] mas acaba que muitas vezes, muita gente aprendeu a gerenciar o seu recurso. Então, eu, por exemplo, direcionei muito pras hortas, porque é o meu ganha pão. Então eu estou direcionando pra irrigação, pra lavoura, né, criando uma estrutura da cerca, sobrevivendo, porque como eu peguei logo agora no final do ano [2011]. Então tem três meses que eu preciso me equilibrar, estou ali, que a renda começa a entrar da agora pra frente, que agora que [...] a gente vai gerenciando. Essa talvez é a vantagem do assentamento [Emiliano Zapata], que acabou gerenciando muito bem isso. Então nós não temos muitas histórias do caboclo indo pra praia, de pessoal que ia pra zona, ia num sei pra quê, um monte de carro velho, num tem isso!422

Juarez traz à tona questões que indicam como órgãos envolvidos com os

créditos rurais, como o INCRA e o MDA-PRONAF, estão gerenciando, fiscalizando e

acompanhando o acesso e a liberação dos recursos financeiros para o assentado de

reforma agrária. O que poderia ser, como campanhas governamentais divulgam, um

acompanhamento, uma fiscalização do Estado sobre os programas sociais, uma

421 Juarez Moura dos Santos. Entrevista concedida à autora em 2011. 422 Ibid.

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orientação técnica para melhor condução do trabalhador do dinheiro emprestado, não

acontece bem assim segundo a concepção de Juarez. Entretanto, o assentado não deixa

de analisar como suas vivências e as dos seus pares são importantes no processo de

percepção da “rédea”, como eles têm podido administrar sua vida no assentamento com

mais autonomia devido a essas experiências e, principalmente, como estão investindo o

empréstimo com maior possibilidade de retorno para eles, para a instituição bancária e

para os cofres públicos, ao honrar suas dívidas.

Aguinaldo da Silva Batista analisa essas dívidas assumidas, todo o processo de

fixação definitiva do assentado na terra e seus significados:

Aguinaldo: [...] PRONAF, [...] empréstimo, [...] tem 10 anos pra pagar, dependendo do projeto que você implanta, você tem um prazo mínimo/máximo de carência, né, pra esperar a atividade dar retorno. Quando é leite é três anos, café é cinco, [...] os cereais, é dois anos, tem uma relação com isso.

Leandra: [...] devolver e pagar esses créditos, quantos anos o assentado fica preso, enredado nessa questão?

Aguinaldo: Ah, os contratos dizem dez anos, né? [...] [e depois o assentado pode ser] ser titulado [...] que é você pegar como se fosse a escritura definitiva de posse daquele pedaço de terra [...] isso leva 10 anos. Você é avaliado duas ou três vezes, por um processo de avaliação, pra ver se você saiu daquele marco zero seu pra uma rentabilidade afirmativa, que de fato possa se desenvolver. [...] Ele [assentado] poder ser titular [do lote] [...]. Aí você vai pagar todas as viagens que o INCRA fez, todos os técnicos que foi lá, todos os créditos que você recebeu [...], né, o valor da terra, a infraestrutura que estava lá dentro, aí é nessa hora que você vai pagar tudo, tudo que foi feito pra trás pelo Estado que você não pagou ainda, é nessa hora que você vai ser cobrado e [a indenização do antigo proprietário] também entra, que é o valor da terra, [o pagamento é] parcelado em 20 anos, são 20 prestações, não tem carência, no primeiro ano que fizer já vence a primeira, né, é um pagamento só, uma vez por ano, as famílias escolhem a data, uma data comum que vence tudo, né, vence de todo mundo. [pagamento é individual] e se não pagar você não recebe o título [...] você só recebe o título depois que você pagar.423

Dessa maneira, Aguinaldo vai delineando as perspectivas futuras para o

assentado da reforma agrária impregnadas de uma longa dívida financeira para pagar.

Isso evidencia os compromissos assumidos por esses homens e mulheres na luta pela

terra e pelas condições de vida digna no campo.

423 Aguinaldo da Silva Batista, entrevista concedida à autora em 2011.

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Em suas narrativas, os assentados do PA Emiliano Zapata apontaram outras

perspectivas importantes sobre como se organizaram e agiram até conseguirem o

financiamento e a liberação dos recursos do PRONAF. Não ficaram parados, mas

correram atrás, como disseram, “do prejuízo”, superando as poucas e complexas

informações das ações governamentais como, por exemplo, para se integrar ao

programa Mandalla da Secretaria de Agropecuária e Abastecimento de Uberlândia.

Esses assentados buscaram informações e integraram-se também ao programa

do governo federal Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) coordenado pelo MDA

por meio da SAF e voltado para o incentivo e o investimento na agricultura familiar. A

partir disso, formaram, com 12 assentados do Emiliano Zapata de diferentes núcleos de

afinidade, um grupo que foi cadastrado no PAA e com perspectivas de cadastro no

Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) via prefeitura de Uberlândia. Uma

das maiores expectativas de produção dos assentados que pude observar no início de

2012 estava no PAA. Como política pública, o PAA, criado no ano de 2003, em tese

tem como objetivo garantir a comercialização dos produtos da agricultura familiar em

condições mais adequadas de mercado. O PAA faz parte do Programa Fome Zero e

permite a aquisição direta de alimentos por parte do governo, alimentos cujos preços

não podem ser superiores nem inferiores aos dos mercados regionais.424 O valor

máximo de aquisição por agricultor é definido anualmente. O PAA é executado pelo

MDA, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) junto a

governos estaduais, municipais, bem como organizações da agricultura familiar,

sociedade civil e rede de entidades socioassistenciais.425

Para além da produção da pecuária leiteira, o setor de hortifruti, estimulado e

garantido pela construção e efetivação do sistema de plantio Mandallas no PA Emiliano

Zapata, é também fonte de renda dos assentados com experiência e gosto por esse tipo

de cultura, com destino certo de sua produção para a prefeitura de Uberlândia nos

referidos programas do governo ou para a Ceasa de Uberlândia.

424 Segundo o MDS, o PAA “[...] promove o acesso a alimentos às populações em situação de

insegurança alimentar e promove a inclusão social e econômica no campo por meio do fortalecimento da agricultura familiar”. (BRASIL. PAA – Institucional. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/seguranca-alimentar-e-nutricional/aquisicao-de-alimentos/paa-programa-de-aquisicao-de-alimentos/paa-institucional>. Acesso em: 15 jun. 2012).

425 BRASIL. PAA – Programa. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Disponível em: <http://portal.mda.gov.br/portal/saf/programas/paa/2290401>. Acesso em: 15 nov. 2011.

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Juarez explica outras possibilidades de ampliação dos negócios previstas pelos

pequenos agricultores com os quais ele se relaciona via Ceasa (Central de

Abastecimento) de Uberlândia por conta das demandas do PNAE:

[...] a cooperativa dos hortigranjeiros, que foi criada para resolver o problema do “Merenda Escolar”, então, ela foi pensada pra resolver essa questão da região, está ligada dentro do Ceasa, num é o Ceasa que está criando, que o Ceasa é maior, é o pessoal do tal da Pedra, que é os pequenos produtor, na teoria são os pequenos produtor que estão criando a cooperativa, que vai ser uma cooperativa que vai ser ampla, que vai atender o “Merenda Escolar”, que é da região, são as famílias que vão fazer. Essa questão do “Merenda Escolar” é outro cadastro, você vai se cooperar como, por exemplo, eu já me cooperei. O cara tem que entrar com cota-parte, R$ 100,00 por ano, é um outro mundo, é uma outra lógica, que [a] proposta é uma entrada só cota-parte única. Aí depois você vai ter a renda dela, que é 15% sobre a venda também dez mil e quinhentos reais.

Leandra: Igual o Vítor fornecendo leite pra CALU?

Juarez: Isso. Que é a tendência natural, depois é criar outras instituições, por exemplo, o próprio MLST criou uma, mas ninguém sabe onde vai dar lá, na Douradinho [fazenda]. A grande força do MLST hoje é Dom José Mauro [assentamento], é ali [...].426

Portanto, Juarez expressa as esperanças, principalmente para o primeiro

trimestre de 2012, de atender as demandas por alimentação saudável de alunos de

diferentes escolas e diferentes municípios.

No enfrentamento da realidade do assentado e da agricultura nos planos de

governo, sobressaem as análises perspicazes dos assentados quando falam sobre suas

experiências com os poderes públicos e como esses poderes os veem:

Assim o conceito da prefeitura [é] que o assentado vira um pequeno produtor e o pequeno produtor vira um pequeno empresário. Essa é a ideia econômica da prefeitura, porque ela acredita que o assentamento tem que ser produtivo e ela está incorporando isso, a [Secretaria Municipal de] Agropecuária [e Abastecimento] está incentivando e principalmente de fato o município de Uberlândia acabou perdendo muito a produtividade. Então, aumentou muito a produção de soja, a lavoura, esses trem, só que a pequena agricultura acabou caindo muito. Por exemplo, a gente tem déficit de mamão na região, déficit do abacaxi, déficit do tomate, então eles estão [agora] tentando equilibrar esse processo, estão reestimulando a pequena agricultura. [...] os assentados acabam entrando, porque tem um monte de assentamento na região. Talvez é o município que tem mais assentamento e muito ruim de produção, muito pouco, [...] a prefeitura começou a incentivar e tem muito dinheiro, eles num é burro, eles

426 Juarez Moura dos Santos, entrevista concedida à autora em 2012.

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sabem que tem muito dinheiro [vindo de programas de apoio e incentivo a agricultura familiar].427

Sobre a relação política e econômica que envolve os interesses dos poderes

públicos em verbas e recursos financeiros federais, a entrevistada Flaviana Dias

comentou sobre uma possível inserção do agricultor familiar, incluindo-se entre eles os

assentados:

Têm os próprios programas, igual o programa lá do PAA é obrigatório, num foi nem o município que criou, é federal, tem dinheiro, então, obrigatório se comprar. Então é a prefeitura que está comprando [a produção de hortifruti dos assentamentos], ela está apenas executando um projeto que é federal, né, então você tem que beneficiar, como tem muito grande produtor, ele num entra [...] então, quem é os pequenos hoje? A maioria na região são os assentamentos.428

Os assentados do PA Emiliano Zapata evidenciaram em suas narrativas

estarem em alerta com relação às ações e as possíveis articulações da prefeitura de

Uberlândia no processo que significa disputa pelo campo. Pois, como interpretou Juarez

Moura dos Santos em outro momento de sua narrativa, os assentados quase que estão

vivendo de migalhas das políticas públicas. E, por isso, ele ressalta:

Tanto é que tem os dados, é muito recente, num sei se você vai conseguir a liberar procê, é o Censo rural429, eles [os técnicos da prefeitura de Uberlândia] fizeram questão, num deixaram nenhum assentado para trás, pegaram todos, até das galinhas do cara lá eles fizeram contas completo da família de 2011. Estão acabando de fechar agora, então eles estão muito preocupado. No passado eles passavam de relance nos assentamentos e pronto, hoje não! Esse ano eles fizeram mutirão, entraram pra dentro do assentamento. Meu irmão, por exemplo, ficou pra trás, ficaram em cima dele umas três semanas até achar eles.430

Tais análises são compartilhadas e foram reforçadas por Flaviana Dias, assim

dando-nos a entender como o poder público municipal de Uberlândia está sendo

427 Juarez Moura dos Santos, entrevista concedida à autora em 2012. 428 Flaviana Dias, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2012. 429 No período da pesquisa não estavam disponíveis no link do Portal da Secretaria Municipal de

Agropecuária e Abastecimento de Uberlândia os indicadores agropecuários referentes aos meses de janeiro, fevereiro, março, abril e maio do ano 2011.

430 Juarez Moura dos Santos, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2012.

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obrigado a legitimar a presença dos assentados na região. Expressando certo prazer e

orgulho, ela diz:

[...] mas por quê? Se eu estou enquadrada lá no programa PAA, eu existo em algum lugar. No censo rural lá teve que fazer, se ela tem a DAP, se ela me fornece, aonde essa pessoa está? Onde ela existe? Que ela [a DAP] [é] pra qualquer projeto, né, PNAE, Programa Escolar precisa dela, que é o número pra identificar que você existe, entendeu?431

Por meio dessas indicações e ponderações dos assentados, a pesquisa procurou

outras informações sobre a perspectiva e atuação do poder público municipal de

Uberlândia em programas que atendam a agricultura familiar, principalmente focados

nos assentados da reforma agrária e na assistência e extensão para o aprimoramento

rural, e que podem dinamizar não só o município, mas também a região, na integração

entre o campo e a cidade. Nesse sentido, foi possível conhecer através do Portal da

prefeitura – Secretaria de Agropecuária e Abastecimento432 a disponibilização para os

cidadãos de alguns programas, como se vê na tabela 2:

Tabela 2: Programas da Secretaria Municipal de Agropecuária e Abastecimento de Uberlândia

�ome do Programa Descrição

1. Programa Calagem

Complementar o Projeto de Conservação do solo, incentivar e subsidiar a orientação agronômica, aquisição, distribuição e incorporação de calcários para as correções necessárias à neutralização de acidez, toxidez do Alumínio e elevação dos níveis de Cálcio, Magnésio e saturação de

bases dos solos em pequenas propriedades rurais, proporcionando aumento da produtividade.

2. Programa Conservação do Solo

Subsidiar orientação técnica e horas máquina de tratores de esteira para execução de terraceamentos e destoca de

glebas devidamente licenciadas em pequenas propriedades rurais, visando a preservação ambiental.

3. Programa Horta Comunitária

Promover a segurança alimentar e a melhoria da qualidade da merenda escolar, aumento da oferta de alimento para creches, asilos, casas de recuperação e

outros.

4. Programa Subsidiar orientação técnica e horas máquina para

431 Flaviana Dias. Entrevista concedida à autora em fevereiro de 2012. 432 Entrei em contato através do correio eletrônico da Secretaria de Agropecuária e Abastecimento

disponível para contato no site oficial da prefeitura de Uberlândia, explicando o interesse de minha pesquisa e solicitando informações sobre os programas e como a Secretaria se relaciona com os agricultores familiares e os assentados, mas não tive nenhum retorno, tendo acesso somente ao que está disponível no Portal da prefeitura.

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Horticultura execução de preparos de solo e encanteiramentos em pequenas propriedades rurais, visando diversificar a dieta

nutricional da família rural.

5. Programa Mandalla Incentivar a produção de alimentos ecologicamente correta e socialmente responsável.

6. Programa Pomares Rurais / Plante Frutas

Plante Frutas – Pomares Objetivo: Distribuir mudas visando incentivar a implantação ou reforma de pomares em pequenas propriedades rurais para diversificar a dieta

nutricional da família rural. Plante Frutas – Frutos do Cerrado Objetivo: Despertar o interesse do produtor para conservação do cerrado e sua

biodiversidade para sobrevivência de pássaros e animais e também como fonte alternativa de renda.

Plante Frutas – Fruticultura Objetivo: Distribuir mudas frutíferas visando a comercialização de frutos, doces,

geleias, sorvetes, etc...

7. Programa Preparo do Solo/ Reforma de

Pastagens

Complementar o Projeto de Conservação do solo, subsidiar a orientação técnica e as horas máquina para a execução de serviços motomecanizados de preparo do solo

para o plantio de culturas anuais, gramíneas e leguminosas forrageiras e reforma de pastagens.

8. Programa Sanidade Animal

Incentivar a adoção e manutenção de programas sanitários como vacinações, controle de endo e

ectoparasitas, com vistas a incremento da produção, aumento da produtividade, saúde animal e obtenção de

alimento seguro.

9. Programa Silagem

Subsidiar horas máquinas e acompanhamento técnico aos produtores rurais para o cultivo e a ensilagem de

forrageiras tropicais na alimentação dos seus rebanhos durante a seca.

10. Feira dos Produtores Orgânicos de Uberlândia.

Em estudo a disponibilização de espaços nas Feiras-Livres do Município e a criação de uma Feira específica para a comercialização da produção de alimentos produzidos de

forma ambientalmente correta.

Fonte: Secretaria Municipal de Agropecuária e Abastecimento de Uberlândia. Disponível em: <http://www.uberlandia.mg.gov.br/?pagina=secretariasOrgaos&s=11&pg=311> Acesso em: 15 jan. 2012.

Exceto os programas433 3, 5 e 6, os outros exigem como documentação, para

produtores cadastrados, Carteira de Identidade (RG) e Cadastro de Pessoas Físicas

(CPF) originais e, para produtores não cadastrados, cópias do RG, CPF, Cartão de

inscrição de produtor rural e um comprovante de endereço.

433 Pelas informações divulgadas no Portal da prefeitura não é possível conhecer quando foram criados os

programas.

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Apesar da existência de nove programas da Secretaria de Agropecuária e

Abastecimento, uma explicação de Vítor C. da Mota deixa evidente o desafio que pode

ser, para o assentado, conseguir participar deles:

A prefeitura doa o calcário pra nós, só que foi buscar o cascalho lá em Cascalho Rico [distante 70 km de Uberlândia]. O frete fica do mesmo preço se comprar o calcário aqui no Cinquentão. Foi comprar o cascalho, mas comprar ele lá no Cascalho Rico para trazer pra cá, o frete anda caro demais, né, uma carreta de calcário pra trazer, eles cobram mil e duzentos [reais]. Quase o mesmo preço que você comprar ele aqui! Então ela [prefeitura] dá o calcário, mas quase que não traz benefício nenhum, né, você tem que buscar ele lá, aí eles não dão o frete [...].434

Os programas da prefeitura são de complementação e subsídios, porém Vítor

pondera, assim como o fez em outro momento de sua narrativa, que muitas vezes esses

programas não atendem as demandas da realidade do assentado, podendo, inclusive, se

tornar onerosos. A Secretaria Municipal de Agropecuária e Abastecimento declara ter

um programa de apoio à agricultura familiar (que engloba os da tabela 2), criado pelo

Decreto nº 10.671 de 08 de maio de 2007, que subsidia, por exemplo, a hora máquina

para uso de tratores pelos médios e pequenos agricultores. Entretanto esse subsídio,

segundo Vítor, em outro tempo e conjuntura política possibilitava um preço menor a ser

pago pelo serviço oferecido aos trabalhadores: “[...] antes do Leonídio entrar lá, a hora

máquina era menos da metade do mercado [...]”.435

A pessoa a quem se refere Vítor é Leonídio Bouças do (PMDB-MG), na época

Secretário Municipal de Agropecuária e Abastecimento.436 Em uma matéria do dia 05

de agosto de 2009, publicada na página da internet da Secretaria, Leonídio Bouças

externava ponto de vista diferente do de Vítor sobre a política de preço desse serviço:

‘Além de fornecer o trator, a Secretaria faz o acompanhamento técnico para o cultivo e a ensilagem de forrageiras tropicais na alimentação dos seus rebanhos durante a seca. Os tratores são disponibilizados por hora subsidiadas que, hoje, não passam de R$48 a hora. Esse valor

434 Vítor C. da Mota, entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011. 435 Ibid. 436 Nas eleições de outubro de 2010 Leonídio teve 41.983 votos e teve a candidatura como deputado

estadual barrada por processo em tramitação com base na Lei da Ficha Limpa. Fonte: CRISTINI, Flávia. Autor de recurso contra Ficha Limpa diz que aguarda pela suplência. G1 Minas Gerais. Disponível em: < http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2011/03/leonidio-boucas-nao-teme-marca-de-ficha-suja-e-aguarda-pela-suplencia.html>. Acesso em: 15 jan. 2012.

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corresponde a 60% do oferecido pelo mercado. Vale a pena porque é bem mais barato’, ressaltou Leonídio.437

Em outra matéria do dia 20 de março de 2010 sobre a aquisição de novos

maquinários e implementos agrícolas, o então secretário Leonídio Bouças declarou que

[...] serão utilizados para promover ainda mais a extensão e profissionalização rural. [...] Leonídio Bouças, secretário de Agropecuária e Abastecimento ressaltou a importância destes implementos para capacitar os produtores rurais locais ‘Anualmente, Uberlândia produz mais de 113 mil toneladas de frutas e verduras, 221 milhões de toneladas de grãos e 66 milhões de litros de leite. Para potencializar este segmento e fazer com que todos os outros possam se destacar, não medimos esforços. Cerca de R$1,5 milhão foi investido na aquisição destes equipamentos, que permitirão o fortalecimento da atividade e vão gerar valor aos produtos, além de propiciar mais renda para o homem do campo’, expôs. [...] Os tratores, caminhões e demais maquinários serão utilizados nos programas e projetos da secretaria, como preparo de solo, análise de solo, doação e distribuição de calcário, curvas e bolsões, colheita forrageira e assistência técnica. ‘Para fazer parte dos programas, o produtor deve procurar a Secretaria de Agropecuária e Abastecimento no Centro Administrativo e solicitar os serviços através de protocolo. Os técnicos irão até o local e agendarão o dia para executar o trabalho. É importante frisar que os veículos são conduzidos por operadores da Prefeitura e que o amparo ao pequeno e médio produtor é total, graças à presença de uma equipe multidisciplinar, formada por técnicos, veterinários e agrônomos’, explicou Leocádio Rezende, diretor da secretaria de motomecanização.438

Fica evidente que são diferentes as visões dos assentados da reforma agrária e

da gestão do poder público municipal sobre as condições, situação econômica, social e

política. Principalmente porque são experimentadas e vividas em condição de classes

diferenciada e na perspectiva da luta entre elas. Assim, Vítor fala a partir do lugar

daquele que luta pelo direito ao campo, daqueles que não são bem-vistos tanto por parte

da sociedade quanto por um grupo composto por representantes do povo no legislativo e

no executivo.

437 PREFEITURA OFERECE ASSISTÊNCIA técnica e máquinas para o pequeno produtor. Prefeitura

de Uberlândia. Agência de Notícias. Disponível em: <http://www.uberlandia.mg.gov.br/?pagina=agenciaNoticias&old=1&id=3848>. Acesso em: 15 jan. 2012.

438 SECRETARIA DE AGROPECUÁRIA E Abastecimento adquire novos maquinários e implementos agrícolas. Prefeitura de Uberlândia. Agência de Notícias. Disponível em: <http://www.uberlandia.mg.gov.br/?pagina=agenciaNoticias&old=1&id=5322>. Acesso em: 15 jan. 2012.

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Importante foi observar como os assentados avaliam as novas situações ou as

suas possibilidades com a organização e inserção deles nas políticas públicas e

programas governamentais e como, a partir disso, começa a se delinear a vida e

produção no assentamento. Partindo do exemplo do assentado Jonas Batista Nunes,

Juarez Moura dos Santos avalia:

[...] o Jonas está voltando [deixando o trabalho em Uberlândia], levou a menina dele, levou o Cássio, então, estão em outro projeto de vida. [...] ele foi um dos que plantou eucalipto, acho que plantou dois hectares de eucalipto lá pra fazer a tal da reserva, pra fazer a poupança verde e estão no PAA [...]. E outros acham o seguinte: Não! Está bão! Eu pego [PRONAF] 20 mil [reais], 15 mil [reais] eu vou comprar de bezerro, 30 bezerros, e continuo ganhando mil e quinhentos real por mês [no trabalho que realizam fora do lote], então, tem gente, mas todos pensando nesse lado econômico, outros não! O momento é agora! Eu vou é pra terra tentando ganhar recurso.439

Os novos projetos de vida traçados pelas famílias por meio da integração ao

PRONAF, PAA e a possibilidade do PNAE agora parecem mais próximos daquilo que

almejavam. Assim como está acontecendo na família “Nunes Batista” com os projetos

pautados pelo desejo de Teresinha Gomes analisado em capítulos anteriores, isto é, ver

a família reunida e tendo renda advinda da terra, produzindo alimentos com o trabalho

familiar cooperado.

Juarez ressalta outras perspectivas e é importante observar como ele destaca a

necessidade de os assentados garantirem o que chama de “lado econômico”, o que

indica que o acesso aos recursos oferecidos pelas políticas públicas para os assentados

da reforma agrária aprimora modos de trabalho, fortalecendo principalmente as

convicções daqueles que desejam viver da produção da terra. Juarez, continuando a

mapear o desempenho dos seus pares com a nova possibilidade, refere-se, por exemplo,

à assentada Maria Eleusa e sua família, que investem na pecuária leiteira e plantaram

milho: “[...] por exemplo, como eles plantaram milho pra fazer a silagem, por exemplo,

eles vai colher o milho verde, vende e vai sobrar a palha do milho pra fazer a silagem.

Então eles vai conseguir fazer duas coisas: vai tratar do gado, [...] o milho [verde] paga

o gasto da produção e sobra a silagem pra tratar do gado”.440

439 Juarez Moura dos Santos. Entrevista concedida à autora em 2012. 440 Ibid.

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Outra perspectiva apontada por Juarez M. dos Santos expressa os desafios que

os assentados estão enfrentando numa conjuntura brasileira de avanço do projeto

agrícola do agronegócio:

Agora, em relação o pensamento de assentamento, o assentado, talvez tem muita gente que fala que nós é economicista, de ganhar dinheiro de sobreviver e ter renda daquilo e hoje tem que se enquadrar. Então, quem tirava o leite de cinquenta litros de leite em dez vacas, ele tem que tirar cem litros de leite em oito vacas, e pra isso ele tem que se enquadrar nas tecnologias, que é a tecnologia do agronegócio, né, que [é] o sal proteinado tal, que [é] a pastagem tal, que manejo tal, tem todo um manejo pra fazer. Nós, por exemplo, você viu lá aquelas mudas [que estavam na carroceria do seu carro], eu num consigo só semear mais só as mudas, tenho que me adaptar ao que está datado no mercado, o que tem melhor de variedade, que tem melhor de produtividade [...].441

Isso se insere nos mecanismos de inovações colocadas pelos avanços técnico-

científicos para a produtividade do meio rural, avanços que acarretam lucros

elevadíssimos para os grandes produtores, pela possibilidade de oferecerem produtos

mais competitivos no mercado nacional e internacional, e que tendem a homogeneizar a

produção e a produtividade do campo. De outro lado estão os assentados, com poucos

recursos e inseridos em um imbróglio: Juarez expõe o dilema vivido pelos trabalhadores

rurais Sem Terra que lutam contra o modelo do agronegócio e a sua superação definitiva

através da implementação do projeto agrícola pautado na agroecologia, que se preocupa

com a sustentabilidade. Refere-se à cobrança para que o assentado produza e o

assentamento seja uma possibilidade de fato do projeto agroecológico. Contudo, analisa

a regra e a contradição desse processo:

Hoje o pessoal que mexe com as lavourinhas, por exemplo, nós num consegue produzir milho, porque é incompatível, então, só consegue produzir milho pra subsistência, cada um tem seu quintal de milho e uma atenção só nisso. Então, hoje está traçado o agronegócio, as pequenas propriedades e principalmente os assentamentos estão acabando a se delinear pras tecnologias, e todas as tecnologias hoje estão traçadas pelo agronegócio, são planejadas. Então, você vai lá, está [...], por exemplo, a semente que estou pegando ali, a gente está trabalhando ali com [...] Sakata442, é uma empresa de semente. Então,

441 Juarez Moura dos Santos. Entrevista concedida à autora em 2012. 442 Sakata Seed Sudamerica Ltda. Fundada em 1913, a Sakata Noen Ltda inaugurou em 1921 o primeiro

laboratório de análises de sementes no Japão. É uma rede mundial e foi a primeira empresa japonesa a comercializar sementes de hortaliças e outros tipos para outros continentes. Em 1994 montou sua base na América do Sul com a aquisição da Agroflora no Brasil em: “1998, a Sakata inaugura sua nova sede [...], na cidade de Bragança Paulista-SP, que engloba as áreas: de administração, de armazenamento, de processamento e logística de distribuição de sementes, além do laboratório de

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ela desenvolve a semente, ela desenvolve a questão, dominou as técnicas, então, todas as variedades hoje em Uberlândia de alface é da Sakata, qualquer alface que vai chegar aí é um melhoramento deles. Então, se nós lá quiser mexer, tem que se adaptar a eles [...].443

A necessidade e a regra, segundo Juarez, é a adequação dos assentados que

cultivam hortaliças às sementes melhoradas geneticamente por uma grande

transnacional, pois aquela semente “[...] de antigamente que dava no pezinho de alface

não adianta semear que num vou conseguir produzir, produz a outra, entendeu?”.444

Diante dessas amarras da produção e do mercado capitalista, os trabalhadores se

posicionam criticamente, indicando que não se deixam abater:

[...] o processo de agroeocologia que também está ganhando força pelo lado econômico, pelo lado sustentável, mas que precisa de um aprimoramento de adaptação, que as pessoas, principalmente, eu, enquanto trabalhador e fui produzir, senti muita dificuldade e avaliei que precisa de mais tempo pra ir aprimorando nisso. É uma disciplina que vai começar com o tempo, porque tem o lado econômico, que eu preciso ganhar o recurso pra sobreviver, mas também tem a questão de ser saudável, eu quero produzir uma coisa que todo mundo pode comer tranquilo e também entendendo todo o questionamento. É uma coisa, é a mesma coisa lá do assentamento, é uma questão teórica, é muito fácil o cara falar fazer orgânico, é tirar, parar de comprar adubo, parar de financiar lá, a Cargill e companhia, e já vai e fazer o seu adubo, mas aí você tem que fazer aquele adubo, é você aprimorar aquela técnica e talvez pra um produtor é muito difícil, tem um tal de NPK, são as fontes de Nitrogênio, o potássio e fósforo, que é a mesma coisa de nós falar que vai parar de comer as besteiras, parar tudo, e vamos começar o trem saudável, num é fácil [...] então é o mesmo processo e eu consegui comparar muito isso agora, tanto é que chega lá eu vou, faço as minhas experiências, mas também eu tenho que ter um retorno econômico, eu num posso [...] se tivesse uma renda, uma outra coisa, a gente podia até fazer todo esse negócio. Por exemplo, agora fechou os PAAs, fechado o contrato pra mim, eu vou entregar 1300 kg de alface e 1000 kg de cenoura. No assentamento tem mais doze pessoas [participando do PAA]. Então eu vou entregar 1300 kg de alface, eu vou transferir cem pé, vai dar em torno de três mil pés de alface durante o ano, que é de fevereiro a dezembro e [o mês de] julho para. Então na verdade são dez meses só. Então eu pegar esses três mil pés, eu vou ter que entregar 300 pés por mês lá para a prefeitura, eu tenho que produzir 300 pés de alface. Então se eu conseguir na média de um real cada pé, eu consigo 300 real por mês do alface, mais a cenoura e mais o compromisso que estamos fazendo junto à cooperativa, que é pro “Merenda Escolar”. Então, nas minhas contas,

controle de qualidade.” “São mais de 140 cultivares de hortaliças e 500 de flores com qualidade genética, patológica, física e fisiológica”. Informações extraídas e disponíveis em: QUEM SOMOS. Sakata, site oficial. <http://www.sakata.com.br/institucional>. Acesso em: 2 fev. 2012.

443 Juarez Moura dos Santos. Entrevista concedida à autora em 2012. 444 Flaviana Dias. Entrevista concedida à autora em 2012.

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eu vou estar entregando em torno de seiscentos pés de alface por semana, e alguma atividade que vou estar fazendo no Ceasa pra mim conseguir o seiscentos reais por semana pra conseguir lá os R$ 2.500,00 por mês que vai conseguir me estabelecer, que é pagar a minha despesa lá da produção, pagar o carrinho que eu ando e poder comer. Pra mim produzir eu tenho que me enquadrar nos sistemas de produção, então aí você procura a melhor variedade [de semente], a melhor.445

Juarez traz à tona nessa fala muitas questões que são bandeiras dos

Movimentos Sem Terra integrantes da Via Campesina, mas impressionantemente ele

refere-se aos desafios do que é, para ele, interpretado como a relação entre teoria e

prática que envolve a reforma agrária. E por meio da prática social e econômica, Juarez

vai delineando as saídas e as formas de luta para manter e exercer o que incorporou dos

princípios ideológicos do MST.446 Sobretudo, aponta que na luta contra o agronegócio

os trabalhadores Sem Terra assentados lutam, literalmente, para se manterem vivos.

O agronegócio avança em diferentes frentes modificando a vida rural e atua na

correlação de forças. Juarez analisou essa conjuntura sob a perspectiva do que está mais

próximo à sua realidade de produtor, entretanto pode-se indagar como ficarão os

assentamentos rurais e seus trabalhadores diante da prática de arrendamento de terras ou

produção da monocultura da cana para as usinas produtoras de açúcar e álcool, como

acontece em outras regiões do país. Sobre essa questão Vítor Caetano da Mota

esclarece:

Vítor: Tem a cana aqui na região, ela está crescendo bastante, e eu já vi conversa de assentado, que na hora que eles chegar eles vai é arrendar o lote mesmo.

Leandra: Aqui deste assentamento?

445 Juarez M. dos Santos, entrevista concedida à autora em 2012. 446 Principalmente quando são conhecidos os sucessos de assentamentos pelo país que investem na

agroecologia. Sobre isso é importante mencionar, por exemplo, o fato de 428 famílias de 16 assentamentos em 11 municípios do Rio Grande do Sul, em uma área que chega a 3.900 hectares, produzirem o arroz COOPAN orgânico. A agroindustrialização do arroz é feita no assentamento Nova Santa Rita. Vale ressaltar que as safras de 2010 e 2011 somaram 345 mil sacas e, de acordo com a coordenação do MST, além do mercado regional, a produção é vendida para o PAA e o Merenda Escolar por meio do PNAE. Em Uberlândia também se encontra o “Arroz COOPAN - Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita Ltda Orgânico” na rede de hipermercados Extra. Após a transação comercial, divulgada na Cúpula dos Povos da Rio+20, entre o Grupo Pão de Açúcar e a Cooperativa dos assentamentos do MST, aquele grupo comprou 15 mil toneladas do arroz ecológico. A produção do arroz agroecológico teve início em 1999 nos municípios de Nova Santa Rita, Tapes e Viamão e o grupo gestor envolve a Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul (COCEARGS). (KITANISHI, Hugo. Colheita do arroz agroecológico mostra força da Reforma Agrária. MST, site oficial, 20 maio 2012. Disponível em: <http://www.mst.org.br/content/colheita-do-arroz-agroecologico-mostra-forca-da-reforma-agraria>. Acesso em: 10 ago. 2012).

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Vítor: Não! Aqui deste não! Nunca vi não! Mas de outro assentamento vizinho aqui, eu já vi. Eles disseram que quando as canas chegar no assentamento, que vai arrendar, porque está difícil de trabalhar. Num vou contra também não! Porque também não é fácil de trabalhar! Se pagar bem, que nem eles falam que paga, a pessoa vai largar de ganhar o dinheiro para ganhar talvez menos e trabalhar muito mais?447

Indo ao encontro do que pensa Vítor Mota, Maria Eleusa analisa outras razões

que podem estar no horizonte e na prática dos trabalhadores do PA Emiliano Zapata

para recusarem o arrendamento de seus lotes de terra. De acordo com ela,

[...] Esse assentamento aqui, eu acho que é um caso raro, nunca arrendamos terra pra ninguém [...] não tem contato com nada disso, não houve nenhuma venda de lote, está os mesmos vinte e quatro, está desde o início, os mesmos que foi legitimado em 2004, estão aqui até hoje, não houve venda de lotes. Tem o assentamento vizinho, aqui, que foi construído na mesma época, quase a metade já houve, não sei se é venda, se é desistência, eu sei que mudaram as famílias. Então, aqui é um caso atípico, não sei se porque tem muito é ex-liderança, ou se esses grupos de famílias, porque tem dois grupos de famílias, grandes, de quatro, cinco famílias de cada lado, que isso também se fortalece, esses laços, né, está todo mundo junto cooperando de alguma forma. Também isso ajuda a segurar! Não sei, acho que isso é um caso pra estudar, investigar, que esses assentamentos aqui no município de Uberlândia têm tanta denúncia, que a gente vê, de venda de lote. Eu não posso afirmar se é venda de lote, se é desistência, se é troca, sei lá o que que é. Mas a gente sabe que tem uma rotatividade muito grande e eu vejo isso que toda vez que o técnico do INCRA vem aqui, as pastas que eles estão levando pros outros assentamentos, ele está dizendo que é pra legalizar famílias, quer dizer, houve saídas, né, por algum motivo, e aqui não tem isso, não teve isso ainda, é um caso raro.448

O que Maria Eleusa Mota discute são práticas, vivências que fizeram da

trajetória de lutas desses específicos trabalhadores algo diferenciado na região do

Triângulo Mineiro. Considero que isso se deve à forma como eles, desde o início, se

organizaram em todo o investimento na luta e, como indicado e mais importante,

souberam se fortalecer aliando-se uns aos outros com o interesse comum de realmente

ter um pedaço de chão. Contudo, indo além da luta pela terra, eles praticam valores que

evidenciam o seu desejo pela transformação da sociedade, por entenderem o processo

de onde vêm e o que significa a condição de classe do trabalhador no enfrentamento

cotidiano da luta.

447 Vítor C. da Mota, entrevista concedida à autora em 2011. 448 Maria Eleusa Mota. Entrevista concedida à autora em fevereiro de 2011.

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Sobre a questão de venda de lotes abordada por Maria Eleusa, embora já

tratada no capítulo 3, vale retomar alguns aspectos levantados por outros assentados,

como Aguinaldo da Silva Batista, quando se referiu aos objetivos de campanhas do

INCRA no combate à venda de lote pelos assentados da reforma agrária. O INCRA

procura fiscalizar a prática conhecida como “venda de lotes” de alguns trabalhadores

assentados na região:

O Incra em Minas Gerais iniciou, nesta quarta-feira (05), a vistoria nos 22 lotes do assentamento Zumbi dos Palmares, localizado em Uberlândia. O trabalho tem como objetivo realizar um diagnóstico da situação ocupacional das áreas. O Instituto recebeu denúncias de venda de lotes no assentamento e apurará caso a caso. Ainda no mês de maio, outro assentamento no município, o Nova Tangará, será vistoriado. Após a vistoria, o processo de cada assentado será analisado. Se houver irregularidades, os responsáveis vão ser notificados para que promovam a desocupação da área. Caso permaneçam no local, a Procuradoria Federal Especializada do Incra entra com pedido de reintegração de posse junto à Justiça. De posse do lote, o Incra pode destiná-lo a outra família de trabalhadores rurais sem terra. De acordo com a legislação da reforma agrária, as áreas de assentamentos pertencem à União, sendo proibida a comercialização. Quando se tornam assentados, os beneficiários assinam um contrato de exploração da terra, onde constam os seus direitos e deveres.449

É importante que se discuta essa prática no que ela pode significar, ou seja,

nenhum assentado vende legalmente lote, pois o que ele possui é o direito à posse do

lote. Portanto, quando há transações comerciais, estão sendo feitas sobre a posse do lote,

pois as áreas de assentamento de reforma agrária são propriedade da União. E só têm

direito à posse do lote famílias que o INCRA reconhece como beneficiárias no PNRA e

cuja posse legitima. Nesse ponto existem polêmicas e foi possível conhecer críticas por

parte de alguns trabalhadores quanto a servidores do INCRA legitimarem o sujeito que

“comprou” o lote, ou seja, reconhecerem legalmente o direito à posse do lote pela nova

família que ali se encontra. Há casos até de funcionários terem sido acusados pela

Polícia Federal de exigir ou aceitar pagamento de propina.450 Por seu lado, o INCRA,

449 Trecho extraído do site do INCRA: BRASIL. INCRA realiza vistoria em assentamento de Uberlândia

(MG). I�CRA, 05 de maio de 2010. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/noticias-sala-de-imprensa/noticias/9589-incra-realiza-vistoria-em-assentamento-de-uberlandia-mg>. Acesso em: 15 out. 2011.

450 Como exemplo, em maio de 2012 a Polícia Federal indiciou servidores do INCRA e funcionários do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Corumbá – MS por cobrar comissão para legalizar venda de lote em assentamento. (DIOGO, Alves. Operação prende quadrilha com funcionários do INCRA que transferiram lotes ilegalmente. Midiamaxnews – O Jornal Eletrônico do Mato Grosso do Sul, 22 maio 2012. Disponível em: <http://www.midiamax.com.br/Pol%C3%ADcia/noticias/798728-

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em suas campanhas, avança nacionalmente e em tom agressivo contra os movimentos

sociais quando atribui somente aos Sem Terra a responsabilidade pela transação

comercial de lotes de assentamentos.

Outra transação não permitida pelo INCRA é o arrendamento das terras dos

lotes de reforma agrária. João Pedro ponderou sobre essa possibilidade de negociação

com usineiros da região e, sob a perspectiva política, assim se posicionou:

[...] Eu tive a oportunidade de passar [...] nesse assentamento próximo de Colômbia, no interior de São Paulo, e eu fiquei até com um assunto que ocorreu no decorrer da viagem com outro trabalhador, a gente falando sobre essa possibilidade de arrendar pra usina. Eu num concordo por uma parte, porque aí o que [é] de direito de todo ser humano, todo brasileiro, que é de ter um pedaço de terra, desde que ele seja do campo, que ele queira trabalhar no campo, que ele conheça, como também tem os cursinhos que dá a Emater [...] eu tenho até um cursinho de agricultura, outros têm horticultura, eu tive de horticultura, outros de agricultura e assim sucessivamente. Então tem vários cursos, os cursinhos básicos pra você estar vivendo da terra. Se a pessoa arrendar esse chão, vamos supor que arrenda aí 50%, a gente já sabe que o chão já é pequeno, e outra, que 50% não dá pra fazer nada, então ele vai querer viver daquela renda, só que a usina não vai pagar, aí [...] ele num é trabalhador, ele é arrendatário, [...] Então a mesma coisa que o governo pega e está pondo dinheiro [créditos rurais] na mão dele, mesmo sendo pouco, a gente sabe que é um valor pequeno, que num dá pra pessoa sobreviver o ano inteiro, então a pessoa vai viver abaixo da linha de pobreza novamente, porque se a usina vai lá e colhe a cana dele, como num pode plantar tudo, se plantar tudo aí que piora a situação, aí ele sabe que, se plantar tudo, aí num é trabalhador, [...] arrendando o meu chão e vou viver debaixo da rede, comprar uma rede preguiçosa, vou ficar balançando e quando chegar o final da safra eu tenho o meu dinheiro. Isso num é trabalhador, eu acho que trabalhador é o seguinte: ele tem que viver da terra, tem que viver do campo, que seja com gado ou com agricultura ou com hortaliça ou com plantio direto de semente, e tentar viver, [...] se o INCRA [...] o governo chegar e tomar a terra desse cidadão [...] eu até concordo, desde que ele, eu vou arrendar a metade e a outra metade eu vou provar que estou trabalhando nela e estou vivendo, aí eu concordo também, sabe, Leandra?451

Ao ouvir a narrativa de João Pedro, associei com os trabalhadores que eu

conheci em 2009 em Colômbia-SP, no assentamento Formiga, e percebi que sua análise

se referenciava nas experiências daqueles assentados que arrendam seus lotes para os

usineiros da região e que naquela época estavam sofrendo com a falta de pagamento

operacao+prende+quadrilha+com+funcionarios+incra+transferiam+lotes+ilegalmente.html>. Acesso em: 2 jun. 2012).

451 João Pedro, entrevista concedida à autora em 2010.

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pelo fornecimento da cana. Experiência que, sendo do conhecimento de João Pedro,

provoca nele o receio de possíveis outros assentados do PA onde reside se enveredarem

por esse negócio. João Pedro continua sua fala:

[...] se, porventura, eu tenho 15 hectares, se eu alugar 10 pra uma usina e o INCRA concorda [...] e me sobrar 5 eu nos outros 5 eu produzir pra minha família comer o ano inteiro com abundância, [...] pra gente tocar ter uma vida mais digna, vestir, calçar, farmácia e outras coisas. Então, se for pra plantar tudo, vai viver abaixo da linha de pobreza, não tem como, [...] por mais que a gente num paga imposto e essas coiseras, assim num dá. Eu num concordo não com a arrendação pra usina, eu sou contra.452

As experiências desses trabalhadores e como as interpretam dão a entender que

eles se dedicam a pensar sobre as condições do campo, a questão agrária no país, a

condição da classe trabalhadora e agem em prol do que acreditam e almejam.

Para enfrentar a realidade de avanço do agronegócio, os assentados focam em

ações que possibilitem a produtividade de seus lotes. Nessa direção, é importante

problematizar a realidade dos planos e programas de governo que historicamente

investem na assistência técnica e extensão rural para auxiliar, orientar, até mesmo em

uma perspectiva educacional, os produtores menos capitalizados. No tocante à

assistência técnica e extensão rural, no decorrer no século XX e XXI diferentes

governos têm propalado sua importância para o desenvolvimento do campo. Como já

citado, em Minas Gerais, desde 1948, a questão se faz presente, por exemplo, com a

criação da ACAR. Contudo, para o objetivo desta pesquisa, o foco é a análise a partir

dos pontos de vista dos assentados em tempos recentes.

Maria Eleusa, quando falou sobre a exigência de que eles tenham em mãos a

DAP e o projeto de produção individual para acessar o PRONAF, fez questão de

ressaltar os procedimentos e a relação estabelecida com a assistência de técnicos

agrícolas:

[...] aí tem que ter assistência técnica liberada pelo INCRA, que vai fazer, vai contratar essa assistência técnica, para os técnicos fazer os nossos projetos, projeto individual, pra apresentar pro banco [...] assistência técnica, teve várias formas, aí agora, por último, parece que eles vão contratar essa assistência técnica pra prestação de serviço, parece que, a última informação que nós tivemos é isso. Mas

452 João Pedro, entrevista concedida à autora em 2010.

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aí é o INCRA que faz a solicitação, a gente não participa desse processo, não. Aí que vem esse técnico, porque não, ah, você fala assim, porque [vocês] não fazem um técnico desse projeto? [técnico formado que atua no MST] Não pode! [...] o INCRA não aceita, e aí, tudo, porque se nós fôssemos um pequeno produtor que não fosse oriundo de reforma agrária, ele podia sim, não tinha nada a ver, não tinha nada a ver com o INCRA, aí nós poderíamos contratar um técnico desse projeto. Mas como nós somos de projeto de reforma agrária, tudo tem que ter aprovação do INCRA, porque se não o banco não aceita [...].453

Nessa fala, o mais relevante é a explicação de Maria Eleusa sobre como o

assentado está envolvido e preso na assistência técnica via intervenção governamental –

“você precisa de um técnico que vem avaliar” -, pois isso significa, entre outros

aspectos, o emperramento do pleno estabelecimento do assentado pela falta de técnicos

agrícolas em órgãos como a Emater. Isso também foi mencionado pela assentada

Eufrásia Maria dos Santos, do PA 21 de Abril, em dezembro de 2011, ao explicar que

ainda esperava, assim como outros assentados, a liberação de recursos creditícios

dependentes de tramitações legais de tal órgão, que, segundo os assentados

entrevistados no município de Veríssimo, se encontrava sem funcionário. Teresinha G.

Nunes também analisou a demora das ações desses órgãos:

Ah, o crédito PRONAF, é por causa que, dizem que o ano passado [2010] foi por causa das eleições, que teve esses problemas, e também está precisando de técnico, tem [técnico] acho que da Emater, que eles tinham contratado da Emater, a Emater disse que ela não pode ajudar, porque ela diz que não tem técnico, pra poder [...] vim e liberar o PRONAF. Então está pegando acho que é nos técnicos.454

As questões indicadas pelas assentadas estão articuladas ao processo de

implementação de políticas públicas, no caso, a Ater – Assistência Técnica e Extensão

Rural. Pois é função dela, entre outras, promover o desenvolvimento que leva à

apropriação, pelos agricultores, de novas tecnologias disponíveis para o meio rural,

garantindo renda e produção sustentável. Isso significa capacitar o homem do campo

ampliando seus horizontes como trabalhador da terra. Contudo, é preciso problematizar

se essas práticas técnico-científicas são exercidas considerando os saberes específicos

desses trabalhadores, o que permitiria a criação de uma rede de produção econômica e

453 Maria Eleusa Mota, entrevista concedida à autora em 2011. 454 Teresinha Gomes Nunes, entrevista concedida à autora em 2011.

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 4444: OS ASSENTADOS E A AGRICULTURA NOS PLANOS DE GOVERNO 309

social mais próxima da realidade do assentado, do assentamento e das necessidades da

região onde se encontram.

O assentado Ricardo, do PA 21 de Abril, não deixou de analisar o que

considera problemas envolvendo a assistência técnica. Segundo Ricardo,

[...] tem problema que é da assistência técnica também. Agora, a assistência técnica, o contrato com a EMATER venceu e num foi renovado. A gente conseguiu isso agora [o crédito para a construção das casas] com a Emater [...] a Emater está trabalhando com a gente também, mas sem contrato, por uma questão de bom senso que teve entre a Emater e a prefeitura [...].455

Ricardo se refere aqui às modificações ocorridas em 2010 na Ater com a

promulgação da Lei nº 12.188. Nesse sentido, o assentado pondera:

[...] num é nem a questão da falta de técnico, a questão é que o INCRA não renovou o contrato com a Emater, tinha que ser lançada uma nova proposta e tal e a Emater num teve interesse em participar [...] isso é o seguinte: [...] é feita uma proposta, por exemplo, igual foi feita uma chamada [pública], agora as empresas que tem interesse em prestar assistência técnica pros assentamentos apresentam uma proposta pro INCRA. Na época apresentava a proposta, o INCRA analisaria qual seria melhor, por exemplo, a empresa x apresentou proposta pra nós e pra mais dois, aí, é assim [...] na época [do assentamento] quem indicava era a comunidade, indicava a empresa tal pra assistência técnica, agora, hoje não! Agora são as empresas que apresenta a proposta e o INCRA avalia qual é a melhor.

Leandra: Aí ficou essa demora pra ver qual empresa ia ser?

Ricardo: [...] E aí até hoje num está contratada. A Emater está dando assistência pra gente por uma questão de bom senso. A gente viu com o Gustavo, que é o gerente regional, e o Wagner, é de Uberaba, ele é contratado da Emater, ele é funcionário da Emater, ele é técnico local da Emater aqui de Veríssimo, e tinha um convênio da Emater com a prefeitura [Veríssimo] [...]. E achamos uma brecha pra prefeitura ceder o trabalho da Emater pra gente, fora o convênio do INCRA, entendeu? Aí teve um acordo provisoriamente até o INCRA contratar uma empresa [...] como teve uma lei pra contratação das empresas de Ater, a Emater não teve interesse em mandar proposta pro município de Veríssimo, só o município de Veríssimo. Uberaba, por exemplo, ou outro município, a Emater continua dando assistência, só que ela não enviou proposta pro município de Veríssimo no caso, por exemplo.

Leandra: E foram vocês que correram atrás da Emater?

Ricardo: Nós que corremos atrás, a Associação [do PA].456

455 Ricardo dos Santos Balbino. Entrevista concedida à autora em 2012. 456 Ibid.

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 4444: OS ASSENTADOS E A AGRICULTURA NOS PLANOS DE GOVERNO 310

O conhecimento evidenciado por Ricardo se refere à Lei nº 12.188/2010,457

que, entre outros pontos, institui que a contratação das empresas públicas ou órgãos que

prestam serviços para o meio rural passou a ser por chamada pública. É nesse processo

que se insere também a fala de Maria Eleusa: “[...] assistência técnica, teve várias

formas, aí agora, por último, parece que eles vão contratar essa assistência técnica [...]

pra prestação de serviço”. Ricardo direciona sua análise e ressalta outras questões

centrais ao abordar condicionantes enfrentadas com a atuação dos órgãos públicos. Para

os outros assentados, o principal limitador estaria na falta de técnicos agrícolas, tendo,

alguns, apontado até mesmo a falta de investimento e de concurso público. Já Ricardo,

ao elaborar sua fala, articula conjunturas políticas devidas à Lei nº 12.188/2010. Fica

claro que, se não há contratação de empresas ou órgãos para prestar assistência técnica e

extensão rural, o impacto direto para os assentamentos é a falta de técnicos, porém é

importante identificar o processo histórico na disputa na correlação de forças.

No governo do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva foi criado, em 2003, o

programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária (Ates). Em

relação a esse programa, Nívia Regina, da coordenação nacional do MST, no artigo O

Papel da assistência técnica nos assentamentos, publicado no jornal Sem Terra, aponta

a existência de problemas e limitações merecedores de análise. Segundo ela, as

expectativas dos trabalhadores rurais eram de que, com a criação da Ates, feita a partir

da intervenção (reivindicações, mobilizações e lutas) dos Movimentos junto aos órgãos

governamentais como o INCRA, estivesse sendo criado um programa de assistência

técnica e extensão rural pelo qual o desenvolvimento dos assentamentos estaria sob o

gerenciamento dos assentados. Isso, entretanto, não é confirmado pelos Sem Terra, que

acusam o programa de ser engessado, porque se tornou uma política que tirou a

assistência técnica do seu controle e, como resultado, a Ates se tornou “uma política

mercantilizada difícil de ser apropriada” por eles.458

Confrontando a narrativa de Ricardo com o artigo O Papel da assistência

técnica nos assentamentos de Nívia Regina, pode-se compreender o que ela analisa

457 Institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e

Reforma Agrária – PNATER e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária – PRONATER, altera a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e dá outras providências.

458 REGINA, Nívia. O Papel da assistência técnica nos assentamentos. Jornal Sem Terra online, Coordenação Nacional do MST, Nº 308 nov./dez., São Paulo, 2010. Disponível em: <www.mst.org.br/jornal/308/artigo>. Acesso em: 5 dez. 2011.

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como necessidade de autonomia dos assentados e de poder de controle sobre

assentamentos diante das políticas e execução das assistências técnica e extensão rural.

Ou seja, Ricardo evidencia como os assentados estão excluídos da definição de qual

empresa irá fornecer assistência técnica e extensão rural no seu assentamento, contudo

ressalta como se organizam para resistir a essa conjuntura e lutam para terem garantidos

os seus direitos.

Vale dizer que, com a Lei 12.188/2010, instituiu-se a Política Nacional de

Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária

(PNATER) e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na

Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (PRONATER). Porém, contrariando as falas

e posições governamentais, o problema, para o MST, é que a lei não diferencia os

agricultores familiares, os beneficiários da reforma agrária e as comunidades

tradicionais, além de o próprio governo, que criou a lei, colocar requisitos que

beneficiam, segundo perspectiva do Movimento, empresas como a Emater e limita a

participação da sociedade civil ao programa.459

É pertinente notar que historicamente, segundo Nívia Regina,460 a assistência

técnica nas áreas de assentamentos rurais tem sido realizada de forma diferenciada de

acordo com a correlação de forças políticas e econômicas. Entre os anos de 1984 e

1995, os serviços de Ater foram efetivados pelas agências estaduais e municipais do

Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). A maioria das assistências

técnicas e extensão rural foi construída pelo sistema da Empresa Brasileira da

Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater) e, na perspectiva de Nívia Regina,

com ações inseridas nas disputas ideológicas e técnicas contrárias a reforma agrária. Na

459 De acordo com o texto da Lei 12.188/2010, capítulo II – PRONATER: “Art. 15. São requisitos para

obter o credenciamento como Entidade Executora do Pronater: I – contemplar em seu objeto social a execução de serviços de assistência técnica e extensão rural; II – estar legalmente constituída há mais de 5 (cinco) anos; III – possuir base geográfica de atuação no Estado em que solicitar o credenciamento; IV – contar com corpo técnico multidisciplinar, abrangendo as áreas de especialidade exigidas para a atividade; V – dispor de profissionais registrados em suas respectivas entidades profissionais competentes, quando for o caso; VI – atender a outras exigências estipuladas em regulamento. Parágrafo único. O prazo previsto no inciso II não se aplica às entidades públicas”. Artigo 15º do Capítulo II – PRONATER. Da Lei 12.188/10. (BRASIL. Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, DF, 12 Jan. 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12188.htm>. Acesso em: 20 dez. 2011).

460 REGINA, Nívia O Papel da assistência técnica nos assentamentos. Jornal Sem Terra online, Coordenação Nacional do MST, Nº 308 nov./dez., São Paulo, 2010. Disponível em: <www.mst.org.br/jornal/308/artigo>. Acesso em: 5 dez. 2011.

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concepção do MST, a extinta Embrater, impregnada pela disputa ideológica, deixou

suas marcas nas Ater de hoje.461 Sobre isso, Nívia Regina esclarece:

Precisamos garantir os princípios de uma política de Ater pública, gratuita, não necessariamente estatal, com proposta metodológica e sua gestão sob controle dos/as trabalhadores/as organizados/as. [...] não podemos correr o risco de fortalecer um marco legal com estrutura rigorosa e ação burocrática dos técnicos. [...] O governo instituiu na lei o programa de Ater-Pronater, mas não há elaboração desse novo programa. Precisamos apresentar a diferenciação da assistência técnica para Reforma Agrária e pressionar para que seja construída uma proposta específica, trazendo nosso acúmulo do debate, retomando nossos princípios da cooperação e da agroecologia. [...] Precisamos nos antecipar e provocar as demandas nas chamadas públicas, casando com a estratégia para desenvolvimento dos assentamentos. É importante definir ações que promovam a organização e fortalecimento da cooperação, da agroecologia, das mulheres, dos jovens; a agroindustrialização e comercialização. [...] Devemos construir nacionalmente a formação e capacitação dos nossos técnicos, com um processo dirigido e coordenado pela militância, realizado em nível nacional, regional ou local. Considerando nossa luta por um instrumento de assistência técnica que rompa com a cultura de dominação historicamente aplicada pelos programas do Estado, temos que construir lutas para realização de mudanças nos marcos regulatórios da atual lei e projetar a construção de uma assistência técnica autônoma, dos trabalhadores para os trabalhadores.462

Fica claro como os assentados em estudo elaboram seus pontos de vista a partir

de suas experiências e vivências de produção limitada nos assentamentos e estabelecem

as críticas às perspectivas governamentais sugerindo que, quando a perspectiva

governamental concebe o assentado como um empresário do campo em potencial, não

enfrenta a questão central da reforma agrária sob a perspectiva dos trabalhadores,

portanto, do conflito de classes. Foi possível observar como os assentados estão

461 Nívia Regina esclarece que o governo FHC, em seu primeiro mandato, criou o Programa Lumiar sob a

perspectiva neoliberal de terceirizar os serviços públicos. Portanto, terceirizou a assistência técnica rural. Entretanto, o MST soube aproveitar o Lumiar para o desenvolvimento dos assentamentos de reforma agrária ao explorar as contradições da conjuntura, fazendo disso a primeira experiência de assistência nos assentamentos existentes no país. (REGINA, Nívia O Papel da assistência técnica nos assentamentos. Jornal Sem Terra online, Coordenação Nacional do MST, Nº 308 nov./dez., São Paulo, 2010. Disponível em: <www.mst.org.br/jornal/308/artigo>. Acesso em: 5 dez. 2011).

Vale mencionar as ponderações do autor Bernardo M. Fernandes sobre a extinção do Projeto Lumiar no ano 2000: segundo informações reveladas a ele por um intelectual que assessorava o governo FHC, a extinção do Lumiar foi por conta do “aparelhamento dos profissionais do projeto pelos movimentos camponeses” (FERNANDES, 2008, p.193). Isso indica a tensão e a disputa política entre os trabalhadores e o governo sobre os serviços de Ater.

462 REGINA, Nívia O Papel da assistência técnica nos assentamentos. Jornal Sem Terra online, Coordenação Nacional do MST, Nº 308 nov./dez., São Paulo, 2010. Disponível em: <www.mst.org.br/jornal/308/artigo>. Acesso em: 5 dez. 2011.

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CCCCAPÍTULO APÍTULO APÍTULO APÍTULO 4444: OS ASSENTADOS E A AGRICULTURA NOS PLANOS DE GOVERNO 313

articulados às concepções e às posições dos movimentos sociais e vice-versa no

apontamento das suas necessidades reais e reivindicações de direitos que podem levar à

autonomia do assentado.

A perspectiva apontada, principalmente por Juarez Moura dos Santos, diante da

conjuntura que força a adequação do assentado ao modelo do agronegócio, ao tipo de

mercado estabelecido por ele, indica tensão entre o que os assentados vivem na prática e

o projeto almejado tanto por eles, como, de modo mais amplo, pelos Movimentos da

Via Campesina, como o MST, isto é, a agroecologia, rompendo com “[...] cultura de

dominação historicamente aplicada pelos programas do Estado”.463 Porém é justamente

essa contradição e nela que se renovam as perspectivas de resistência dos trabalhadores

engajados ou não no movimento social e do enfretamento que coloca em debate e na

pauta da agenda nacional outra reforma agrária, isto é, aquela que questiona poderes

estabelecidos, a ordem e a estrutura fundiária vigentes.

Por fim, entre os tantos e diferentes espaços políticos que os trabalhadores e

suas organizações sociais podem construir, os assentados participantes desta pesquisa

identificam os entraves da luta pela reforma agrária, especialmente a luta travada nos

territórios conquistados (os assentamentos). Eles percebem os controles

governamentais, a burocracia que enreda as políticas públicas, as disputas políticas e

ideológicas que as envolvem e como, depois de conquistadas, ainda precisam se

articular para tê-las como um direito e para ter acesso a elas.

Expressam os significados da vida como produtor rural, na qual a prática

impõe limites à teoria almejada, e como precisam aprimorar a teoria de um projeto de

assentamento da reforma agrária que rompa a lógica capitalista e predatória do

agronegócio, fundamentalmente por meio da crença de que isso é possível ou

procurando se aproximar dos seus ideais. Sobretudo, evidenciam perspectivas de avanço

em sua vida, advindo das lutas de outrora, bem como das do agora, com a expectativa,

ou já a conquista, da melhora da vida pelo lado econômico, mas, principalmente, pela

possibilidade de viverem como gostam e no lugar que querem.

463 REGINA, Nívia O Papel da assistência técnica nos assentamentos. Jornal Sem Terra online,

Coordenação Nacional do MST, Nº 308 nov./dez., São Paulo, 2010. Disponível em: <www.mst.org.br/jornal/308/artigo>. Acesso em: 5 dez. 2011.

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Considerações Finais

C O N S I D E R A Ç Õ E S

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CO�SIDERAÇÕES FI�AIS 315

AO INICIAR A ELABORAÇÃO de um projeto de pesquisa para o doutorado,

minhas preocupações se voltavam para a possibilidade do avanço do agronegócio –

alardeado pela imprensa e mídia em geral como a solução para o crescimento

econômico e desenvolvimento do país –, principalmente do setor da cana e álcool, para

as terras dos PAs Emiliano Zapata e 21 de Abril, na região do Triângulo Mineiro, e

como isso poderia comprometer as conquistas históricas dos Sem Terra. Ao desenvolver

este trabalho, estudando as experiências dos assentados, foram se revelando modos e

articulações de lutas dos trabalhadores diante dessa realidade, deixando evidentes outras

perspectivas e possibilidades, diferentes daquelas propaladas pela imprensa. Ficavam

claras as disputas de projetos e concepções em torno da produção agrícola e do modelo

econômico no país.

Ao término da pesquisa, condições históricas importantes em torno da reforma

agrária puderam ser apreendidas por meio da análise das narrativas dos assentados dos

PAs Emiliano Zapata e 21 de Abril, trabalhadores(as) que se mostraram dispostos(as) a

falar sobre suas condições de vida, fundamentalmente tratando de sua história,

condições de trabalho e de sua luta pelo direito de viver no e do campo. Dessa maneira,

esta tese chega às suas considerações finais com a reflexão sobre uma conjuntura

complexa que revela a disputa de forças que se dá cotidiana e historicamente sob

perspectivas e tendências que se opõem.

Sobretudo, este trabalho colocou em evidência as análises e os pontos de vista

dos assentados ao trazer à tona as memórias, as experiências e as vivências da prática

social de homens e mulheres diversos que enfrentam o projeto de produção agrícola

dominante no campo brasileiro. Essa situação lhes tem imposto desafios tanto referentes

à produção econômica de sua vida, como à manutenção de seus costumes e de suas

convicções sobre outro projeto de sociedade com igualdade e justiça social, incluindo o

modo como gostariam de viver e fazer suas terras produzirem.

Portanto, concluo que os assentamentos da reforma agrária não são e não

podem ser discutidos somente como territórios constituídos pelos aspectos e variáveis

econômicos, pois neles se criam e recriam valores e costumes, sendo permeados de

modos culturais de viver. A terra conquistada significa a vitória e o resultado de sonhos,

desejos, expectativas e perspectivas que são construídos no fazer-se da vida e da

condição de classe trabalhadora, que historicamente tem lidado com a falta de moradia,

emprego, alimentação, educação, atendimento à saúde, lazer e diversão. Em suma, falta

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CO�SIDERAÇÕES FI�AIS 316

de todas as condições que às forças dominantes são conferidas e lhes permitem viver

dignamente.

As questões tratadas neste trabalho, imersas no processo da contradição e dos

conflitos sociais e políticos, deixam claro que ainda que governos, como o de Luis

Inácio Lula da Silva, propalem a implantação de políticas públicas para estimular tanto

a agricultura patronal como a agricultura familiar, principalmente reconhecendo a

importância de cada uma delas para o desenvolvimento rural e, consequentemente, do

país, os trabalhadores assentados, historicamente, não têm sido prioridade nos seus

planos. No tocante à reforma agrária, os assentados deixaram evidente que não se trata

somente de distribuição de terra. Ela significa o direito de continuarem vivendo nos seus

lotes de terra com condições dignas e nesse, como em outros sentidos, ela não tem sido

prioridade no planejamento das políticas públicas. Um dos significados atribuídos pelos

assentados a esse processo, talvez o mais emblemático, é o de Juarez Moura dos Santos,

quando expressou como os governos colocam “rédeas” sobre eles, duvidando de e

questionando suas capacidades. Rédeas essas que ganham sentido em uma conjuntura

onde são controladas também pelos mandos e desmandos das forças do agronegócio em

várias frentes de atuação, principalmente nos espaços do poder público, forças que têm

sido priorizadas nos diferentes governos gestados por diferentes partidos políticos nas

instâncias federal, estadual e municipal.

Em meio à disputa entre trabalhadores, empresários e governo pelo que seja

mais viável e rentável como projeto de produção agrícola, os trabalhadores sujeitos

desta tese e, de modo geral, todos os Sem Terra, são rechaçados pelos grupos que se

posicionam a favor da manutenção do agronegócio no Brasil. Os ruralistas, detentores

de poder e em geral apoiados pelos meios de comunicação, divulgam constantemente os

supostos benefícios do agronegócio, sugerindo sua enorme capacidade de produção,

geração de emprego e de renda.

Nas discussões deste trabalho, entre tantas questões, destaco que os

trabalhadores, por meios de seu modo de luta, vão tomando os espaços e expandindo-se,

sendo essa uma característica dos Sem Terra em diferentes regiões do país. E, assim,

seguem questionando as posições a favor do agronegócio, denunciando e criando um

lócus de debate sobre os impactos do agronegócio predatório do meio ambiente e das

relações e conquistas trabalhistas.

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CO�SIDERAÇÕES FI�AIS 317

Nesse sentido, abre-se o leque de possibilidades para se questionar os dados no

mínimo duvidosos que forças do agronegócio, tendo o apoio da impressa dominante,

divulgam sobre seu alto poder de geração de emprego e renda, no intuito, entre outros,

de combater as possibilidades de reforma agrária em áreas onde atuam.

Vale ressaltar, segundo as análises de Ariovaldo Umbelino de Oliveira,464 que

a área total ocupada pelos imóveis rurais sob posse do agronegócio no Brasil é maior

que a área total ocupada pela pequena propriedade baseada no trabalho da família.

Contudo, a pequena agricultura consegue gerar mais emprego e renda no campo com

uma diferença expressiva em relação àquele, que ocupa mais terra e emprega menos

trabalhadores.

Essa versão da realidade aponta para outras possibilidades impactantes em uma

distribuição e desconcentração da posse da terra, como a diminuição do risco para a

saúde do trabalhador, do consumidor e do meio ambiente pela produção de alimentos

com redução do uso de agrotóxico. E se a defesa do agronegócio estiver baseada na

noção de impulso às indústrias de equipamentos e máquinas agrícolas, também as

análises de Oliveira trazem outra perspectiva, já que, por exemplo, o número de tratores

nas áreas pequenas é muito maior.

Em mesorregiões como a do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, onde há uma

expressiva quantidade de PAs da reforma agrária, os apontamentos de Oliveira sugerem

um alto poder de produção, inserindo uma grande quantidade de famílias em condições

financeira e social dignas, além do aumento da oferta de produtos e qualidade de

alimentos e serviços que a população poderá ter a seu dispor. Mas essa perspectiva

implica criar condições reais para que os assentamentos funcionem adequadamente

464 Como membro da equipe do II PNRA e com base nos dados do cadastro de imóveis rurais 2003 do

INCRA e Censo Agropecuário de 1996, organizou uma tabela nacional comparando a produção das propriedades rurais por hectare nos três níveis diferentes de tamanho. Utilizando as definições dos tamanhos dos imóveis rurais regulamentadas pela lei 8.629/1993 – ou seja, a pequena propriedade de 1 a 4 módulos fiscais, média propriedade superior a 4 e até 15 módulos fiscais e o indicador do INCRA para o tamanho em hectare de um módulo fiscal em cada região do país -, Oliveira estabeleceu uma média para cada região, sendo a pequena propriedade aquela de até 200ha (média de 31ha), a média propriedade de 200 a 2000ha (média 531ha) e as grandes acima de 2000ha (média de 4.110ha). O importante a se destacar nessa tabela é que as grandes propriedades (Imóveis do INCRA eram 32.264 e Estabelecimentos do IBGE eram 20.854) ocupavam uma área total de 132.631.509ha, tendo 351.942 assalariados, 65.445 tratores e 95% de uso de agrotóxico. E as pequenas propriedades (Imóveis do INCRA eram 3.895.968 e Estabelecimentos do IBGE eram 4.318.861) ocupavam uma área total de 122.948.252ha, com 994.508 assalariados, 510.395 tratores e 65% de uso de agrotóxico (VIA CAMPENSINA BRASIL, 2005, p. 35-36).

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CO�SIDERAÇÕES FI�AIS 318

atendendo as demandas de seus moradores, como disse o assentado Vítor Caetano da

Mota: priorizando em questões “onde o pequeno produtor precisa”.

E, como já mencionado, é preciso, ao refletir sobre realizar ou não a reforma

agrária defendida pelos movimentos sociais, bem como sobre a necessidade de o Estado

prover condições de produção aos assentamentos, partir de questões pautadas em outros

sentidos e paradigmas que não o viés exclusivamente economicista. Isso, entretanto,

obriga a tomadas de decisões governamentais que abalam poderes constituídos.

Discutir, aceitar e defender a reforma agrária significa desarticular séculos de poder,

enfrentando a dimensão da altivez dos ruralistas que não admitem ser questionados ou

ameaçados. São necessárias modificações institucionais, inclusive reformulação de leis,

medidas provisórias e resoluções de órgãos, que tendem a atravancar por anos os

processos jurídicos ligados à reforma agrária, já que inúmeros instrumentos jurídicos

têm atendido os interesses dos grandes proprietários contrapondo-se aos dos

trabalhadores. Portanto, fazer reforma agrária é, principalmente, modificar de fato a

estrutura fundiária extremamente concentradora do Brasil.

Este trabalho revelou como questões da reforma agrária, logo das lutas dos

trabalhadores Sem Terra, são enredadas em inúmeros decretos de leis e medidas

provisórias reeditadas sucessivamente, que dificultam a agilização dos processos de

desapropriação de terras improdutivas para fins de reforma agrária, ou leis decretadas

para atender o interesse do mercado capitalista e, fundamentalmente, para tentar impedir

a expansão e ações dos movimentos sociais ligados ao campo. Em meio a isso, a

pesquisa deu a conhecer experiências históricas de trabalhadores que não se deixaram

intimidar, desafiaram leis e poderes e seguiram ocupando terras e conquistando, através

de seu trabalho de base, muitos outros trabalhadores para lutarem pela reforma agrária.

Devido a isso e às lutas e conquistas de outros tantos trabalhadores, hoje o Triângulo

Mineiro pode ser considerado o reduto dos Sem Terra, com inúmeros assentamentos e

diversos movimentos sociais.

Esta tese traz outras perspectivas contrárias à versão única de expansão do

agronegócio, pois discute a potencialidade de homens e mulheres que lutam pela

autonomia em relação a ele na região do Triângulo Mineiro. Ainda que muitos

assentados, como os do PA 21 de Abril, vivam sob difíceis e desafiadoras condições,

com baixa ou nenhuma produção nos seus lotes, as narrativas apontam sua capacidade

de interpretação e posicionamento frente a essa condição, mostrando como preferem

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CO�SIDERAÇÕES FI�AIS 319

permanecer na terra conquistada em vez de comercializar seus lotes ou abandoná-los. E

algo significativo que pôde ser apreendido nesse estudo: o fato de esses assentados não

abandonarem ou comercializarem os lotes não se dá por falta de opção, mas, sim, por

eles possuírem vínculos com a trajetória construída de lutas dos Sem Terra e saberem o

que precisaram enfrentar para conquistar a terra. Adquiriram consciência, na

experiência vivida, da importância de suas atitudes e da escolha pela reforma agrária.

Sobre os significados e potencialidade de produção e produtividade de um

assentamento, os trabalhadores do PA Emiliano Zapata dizem muito, ao revelarem a

capacidade para a pluricultura do assentamento, com os segmentos de hortifruti, que

tem contribuído para o abastecimento e atendimento de programas governamentais,

como o PAA, e o segmento de pecuária leiteira. Principalmente, os assentados revelam

como estão atentos à necessidade de uma produção agrícola baseada no projeto da

agroecologia, apesar de todas as limitações que o projeto do agronegócio impõe. A

agroecologia é discutida como sendo a forma de se produzir com sustentabilidade ao

primar pela manutenção da vida do homem e da natureza e ao seguir as diretrizes que

possibilitem de fato o controle da agricultura nas mãos do país e sua soberania

alimentar. Tal proposta foi abraçada pelos movimentos sociais, como o MST, em

meados da década de 1990, porque esse Movimento se preocupava com o que

indicavam estudos e pesquisas sobre os impactos do projeto do agronegócio predatório

no meio ambiente e no social, já que baseado na transgenia de sementes e alimentos, na

biotecnologia, para além dos aspectos de subordinação econômica do país ao capital

financeiro estrangeiro.

Sobretudo, neste trabalho, por meio das memórias foi possível conhecer não só

como os trabalhadores foram adquirindo consciência de si, dos seus pares, das

condições vividas nas experiências diversas, mas também os significados das

transformações na vida e na conduta de homens e mulheres que se engajaram na luta

política e social em prol das bandeiras dos movimentos sociais de luta pela reforma

agrária. Também foi possível conhecer os assentados do PA 21 de Abril, que, apesar de

não assumirem as bandeiras do Movimento MLST, revelam e falam do lugar de

trabalhador que sabe como está complexa a vida do agricultor familiar. Ganha dimensão

importante como os assentados de ambos os PAs dão respostas às limitações do

cotidiano e o fazem criticamente, avaliando as políticas públicas destinadas aos

assentados e, de modo mais ampliado, à reforma agrária no país.

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CO�SIDERAÇÕES FI�AIS 320

Sem dúvida, a vida do trabalhador pobre do campo, se comparada à de outros

tempos em que não havia investimentos no meio rural, melhorou com programas

sociais, como o Luz para Todos, o PAA e os créditos subsidiados para a agricultura

familiar. Contudo, não é possível conceber desenvolvimento rural se não se considerar

os conflitos (Cf. FERNANDES, 2008) e interesses de classes existentes e como, por

meio deles, a realidade se transforma. Sendo assim, a realidade no campo está inserida

numa complexa logística, na qual o trabalhador rural, com um histórico de precariedade

financeira, depende muito das políticas públicas de investimento e financiamento.

Entretanto, tem que lutar cotidianamente para ter garantido o acesso aos programas de

créditos que chegam para cada projeto de assentamento do INCRA em tempos

diferentes. Essa situação aumenta as suas apreensões, já que almejam de imediato a

resolução de seus conflitos financeiros, o que lhes dará meios de produzir na terra e não

serem obrigados a trabalhar fora do lote e enfrentar o preconceito, as difamações e

acusações de que não produzem no assentamento. Diante dessa realidade complexa para

o trabalhador, constata-se que não se reduziram os recursos públicos destinados à

produção em áreas do agronegócio, muito pelo contrário.

Espero que as interpretações históricas das muitas memórias sobre experiências

e lutas que fundamentam esta tese possam contribuir para a reflexão sobre quão

complexa é a vida de um assentado da reforma agrária, desfazendo preconceitos,

instigando ao debate em torno da questão agrária, das desigualdades sociais e

econômicas geradas pela concentração da posse da terra nas mãos de uma minoria, do

ônus de não se realizar a reforma agrária e como isso está vinculado às disputas

políticas e aos interesses de classes. E, principalmente, que suscitem o debate sobre a

importância que teve e tem para a transformação da história do país a existência desses

e outros trabalhadores Sem Terra e seus movimentos sociais no enfrentamento à

violência no campo, aos abusos de toda ordem dos ruralistas, à miséria, à pobreza, aos

deslocamentos constantes em busca de emprego e de uma vida melhor, aos impactos

socioambientais e econômicos de um modo de produção no meio rural que pode

comprometer a saúde do trabalhador, do consumidor e aniquilar direitos conquistados

historicamente. Por fim, que levem à compreensão de que as histórias dos assentados

dos PAs Emiliano Zapata e 21 de Abril significam, marcam e evidenciam o tempo de

conquista e resistência desses trabalhadores.

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Fontes e Referências Bibliográficas

R E F E R Ê N C I A S

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FO�TES

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Aguinaldo da Silva Batista, 50 anos de idade, casado, natural de Córrego Dantas (MG), pai de dois filhos. Concedeu entrevista à autora em 23/12/2011 na cidade de Uberaba.

Edgar Campos Dutra, natural de Pompeu (MG), nascido em 1938, casado. Entrevista concedida à autora em 10/09/2001 no acampamento Emiliano Zapata.

Eufrásia Maria dos Santos, 53 anos de idade, casada, mãe de quatro filhos, natural de Patrocínio (Alto Paranaíba/MG). Entrevista concedida à autora em 20/12/2011 no PA 21 de Abril.

Eva Lima dos Santos, natural de São José de Pedra Dourada (MG), nascida em 1954, casada, mãe de três filhos (dois homens e uma mulher). Entrevista concedida à autora em 29/03/2005 no PA Emiliano Zapata.

Flaviana Dias, 28 anos na época da entrevista (2012), natural de São Simão (GO), assentada no PA Emiliano Zapata, mãe de duas filhas. Entrevista realizada na casa da autora em 13/02/2012.

Francisco Jubiano de Freitas, natural de Currais Novos (RN), nascido em 1978, casado, pai de dois filhos e padrasto de duas moças. Entrevista concedida à autora em 19/09/2001 no acampamento Emiliano Zapata e entrevista realizada em 21/06/2003 na casa da autora. Em 05/02/2011, entrevista concedida à autora no PA Emiliano Zapata.

João Moura dos Santos, natural de Itaberaba (BA), nascido em 1948, casado, pai de três filhos (dois homens e uma mulher). Entrevista concedida à autora em 30/03/2005 no PA Emiliano Zapata.

João Pedro (pseudônimo), 38 anos na data da entrevista. É natural de Itumbiara (GO), casado, pai de um adolescente e de uma menina. Entrevista concedida à autora em 05/11/2010 no PA 21 de Abril.

João Pires de Deus, natural de Lagoa Formosa (Alto Paranaíba), nascido em 1952, casado. Entrevista concedida à autora em 30/08/2001 no acampamento Emiliano Zapata.

Jonas Batista Nunes, natural de Abadia dos Dourados (Alto Paranaíba), nascido em 1954, casado, pai de cinco filhos (entre eles dois adotados e uma já falecida). Entrevista concedida em 02/04/2005 no PA Emiliano Zapata.

José Firmo da Mota, natural de Lagoa Formosa (Alto Paranaíba), nascido em 1948, casado, pai de sete filhos (três filhas e quatro filhos). Entrevista concedida à autora em 25/09/2001 no acampamento Emiliano Zapata. José faleceu em 2007, no PA Emiliano Zapata.

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José Otenildo Pinto, natural de Joaíma (Vale do Jequitinhonha), nascido em 1954, divorciado no tempo das entrevistas. Entrevistas concedidas à autora em 15/09/2001 e 16/09/2003 no acampamento Emiliano Zapata.

Joversina Alves Rodrigues Barbosa, nascida em 1960, natural de Salinas, norte de Minas Gerais, viúva, mãe de cinco filhos. Entrevista concedida à autora em 03/03/2012 no PA 21 de Abril.

Juarez Moura dos Santos, 31 anos de idade na época da entrevista (2012), natural de Santo André (SP), casado, pai de uma filha e padrasto de uma menina, assentado no PA Emiliano Zapata. Entrevista realizada na casa da autora em 13/02/2012.

Maria Eleusa Mota, 38 anos de idade na época da entrevista (2011), separada, natural de Lagoa Formosa (Alto Paranaíba), mãe de uma filha adolescente. Em 20/09/2001, entrevista realizada na casa da depoente. Em 04/02/2011, Maria Eleusa concedeu entrevista à autora no PA Emiliano Zapata.

Muniane Silva Santos, nascida em 1987, natural de Santa Vitória (Triângulo Mineiro), casada, mãe de um filho. Entrevista concedida à autora em 04/03/2012 no PA 21 de Abril.

Ricardo dos Santos Balbino, nascido em 1983, natural de Araguari (Triângulo Mineiro), casado, pai de um filho. Entrevista concedida à autora em 04/03/2012 no PA 21 de Abril.

Rosana Maria dos Santos Cabral, natural de Uberlândia (Triângulo Mineiro), nascida em 1973, casada. Entrevistas concedidas à autora em 23/09/2001 e 15/06/2003 no acampamento Emiliano Zapata.

Rosilda Sousa Lopes, nascida em 1975, natural de Ituiutaba (Triângulo Mineiro), casada, mãe de um adolescente e de uma menina. Entrevista concedida à autora em 03/03/2012 no PA 21 de Abril.

Teresa Pacheco do Carmo, natural de Patos de Minas (Alto Paranaíba), nascida em 1959, casada, mãe de quatro filhos. Entrevista concedida à autora em 23/03/2005 no PA Emiliano Zapata.

Teresinha Gomes Nunes, natural de Uberlândia (Triângulo Mineiro), nascida em 1957, casada mãe de cinco filhos (entre eles dois adotados e uma já falecida). Entrevistas concedidas à autora em 30/03/2005 e 05/02/2011, ambas no PA Emiliano Zapata.

Vítor Caetano da Mota, 32 anos de idade no ano da entrevista, natural de Monjolinho de Minas (Distrito de Lagoa Formosa – Alto Paranaíba), casado, pai de duas filhas. Entrevista concedida à autora 04/02/2011 no PA Emiliano Zapata.

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• Contrato de Concessão de Crédito de Instalação Modalidade de Fomento/nº MG026400000003 – INCRA-MG, sem data.

• Contrato de Concessão de Crédito de Instalação Modalidade de Material de Construção/nº MG026400000003 – INCRA-MG, datado de 24/09/2007.

• Pré-requisitos para acesso às modalidades de PRONAF, PAAs, Alimentação Escolar e Biodiesel (em Assentamentos do PNRA do INCRA e os reconhecidos pelo INCRA) assinado por Rogério Carvalho de Castro - Assegurador das ações do PRONAF, datado de 06/05/2010.

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(MST) em 2001:

• Apostila: Organicidade interna do MST. São Paulo, outubro de 1997.

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